BEM-ESTAR SUBJETIVO NO TRABALHO: CONTRIBUIES
DA PSICOLOGIA POSITIVA PARA A GESTO DE PESSOAS
RESUMO
Este trabalho visa discutir a importncia da Psicologia Positiva, uma nova rea que surgiu em 1998,
proposta por Martin Seligman, com o objetivo de redirecionar o foco de interesse da Psicologia,
deixando de se preocupar unicamente com reparao de danos para se ocupar com emoes
positivas, virtudes e foras pessoais. Nasce, assim, uma cincia que estuda e investiga a experincia
subjetiva positiva, as caractersticas positivas individuais e as instituies positivas. Este artigo busca
sinalizar que a experincia subjetiva do trabalho, exaustivamente estudada pelos tericos da
psicopatologia do trabalho, no deve ser investigada somente em seus aspectos disfuncionais,
derivados de uma racionalidade econmica que concebe o ser humano como instrumento de
produo. Deste modo, a proposta da Psicologia Positiva para as organizaes considera que o fato
da experincia estar impregnada pela percepo do trabalhador sobre o significado do seu trabalho
torna vivel a utilizao de mecanismos e estratgias que permitem que o equilbrio psquico seja
mantido, garantindo a sade mental e o bem-estar subjetivo. Neste sentido, os inmeros estudos
realizados por Csikszentmihalyi sobre o flow ressaltam a importncia fundamental do trabalho para a
qualidade de vida das pessoas atravs do modo como este se d em suas vidas j que, no trabalho, h
muitas das condies para isso, pois, geralmente, existem metas e regras de desempenho bastante
claras. Ento, no tocante escolha e recriao do trabalho, as pesquisas sobre Psicologia Positiva
so fundamentais para que se possa pensar as atividades laborais em ocupaes criadoras do flow.
Palavras-chave: Psicologia Positiva. Trabalho. Gesto.
1. INTRODUO
O adoecimento da classe trabalhadora alvo de investigao das cincias humanas,
sociais, e da sade h mais de duas dcadas. Esta preocupao no acontece somente no
Brasil, ocorre, tambm, em escala internacional, pois os danos provocados sade pelas
condies de trabalho acarretam consequncias que ultrapassam a vida profissional,
envolvendo tanto o trabalhador como sua famlia e a sociedade como um todo (LEITE,
GONALVES e LUIZ VIANNA, 2006).
Pensando nas pessoas em seu ambiente de trabalho, no sofrimento decorrente das
condies de trabalho impostas pela lgica do novo capitalismo, observa-se uma crescente
presso pela alta competitividade, fazendo com que, muitas vezes, tenham que superar seus
prprios limites. As consequncias de todo esse processo se fazem notar de forma mais
contundente por meio do estresse e das doenas laborais que acometem os trabalhadores.
Percebe-se que a psicologia tem se mostrado, ao longo de sua histria, muito importante para
ajudar as pessoas em situaes de sofrimento psquico e mental e, consequentemente, na
readaptao dessas pessoas s suas atividades laborais. Contudo, a psicologia foi se ocupando
com o sofrimento e com os danos causados sade, transformando-se em uma cincia que se
direciona, quase que exclusivamente, para os processos psicopatolgicos e suas implicaes,
concentrando-se nos processos de reparao de dano dentro de um modelo patolgico de
funcionamento humano (SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI, 2000).
Em 1998, Martin Seligman, durante sua gesto frente presidncia da American
Psychological Association (APA), lanou a Psicologia Positiva com o objetivo de redirecionar
o foco de interesse da psicologia, deixando de investigar os estados afetivos disfuncionais,
para se ocupar com emoes positivas, virtudes e foras pessoais (SELIGMAN, 2004),
tornando-se uma cincia que estuda e investiga a experincia subjetiva positiva, as
caractersticas positivas individuais e as instituies positivas.
A proposta de Seligman visava que a psicologia deixasse de ser uma cincia e
profisso curativa para se voltar para a construo de qualidades positivas, dedicando-se a
investigar os estados afetivos positivos, felicidade, resilincia, otimismo, gratido,
contentamento, qualidade de vida, satisfao com a vida etc.
No campo do trabalho, a Psicologia Positiva pode dar uma grande contribuio ao
buscar investigar por que algumas pessoas so mais resilientes do que outras quando se
deparam com os reveses da vida, no padecem de doenas ocupacionais e so capazes de
enfrentar as adversidades percebendo aspectos positivos que podero lev-las ao crescimento.
Neste sentido, seguindo a metodologia de uma pesquisa terica, o objetivo deste
trabalho discutir a importncia da Psicologia Positiva no mundo do trabalho, tomando por
base o conceito de flow, pois, conforme propem Seligman e Csikszentmihalyi (2000), a
psicologia deve ter uma preocupao muito alm da sade e da doena, deve voltar-se para
educao, trabalho, amor e desenvolvimento humano.
2. O SURGIMENTO DA PSICOLOGIA POSITIVA
De acordo com Seligman e Csikszentmihalyi (2000), antes da Segunda Guerra
Mundial, a psicologia tinha trs misses distintas: curar doenas mentais, tornar a vida das
pessoas mais produtivas e identificar e apoiar jovens excepcionalmente talentosos. Aps essa
grande guerra, dois eventos de cunho econmico mudaram a face da psicologia: a
possibilidade de tratar os veteranos de guerra com problemas psicolgicos e a criao do
Instituto Nacional de Doenas Mentais, nos Estados Unidos, que com o passar do tempo
passou a dar relevncia a pesquisas orientadas para a causa e a cura de desordens mentais.
Ento, a psicologia surgiu com a viso direcionada para um modelo disfuncional do
ser humano, sempre orientada para as doenas. Em contraposio, a Psicologia Positiva
voltou-se para investigar os elementos que constituem o funcionamento timo do ser humano,
propondo um equilbrio em relao ao enfoque anterior, sugerindo que, junto com seus
defeitos, as qualidades das pessoas tambm devem ser exploradas. Contudo, ao defender este
foco nas qualidades, de forma nenhuma pretendemos diminuir a importncia e a dor
associadas ao sofrimento humano (SNYDER e LOPEZ, 2009, p.17).
A Psicologia Positiva vem crescendo nos Estados Unidos, na Europa, e est
despontando no Brasil. Esta rpida expanso da proposta lanada por Seligman foi facilitada
pelo fato de ele estar frente da presidncia da American Psychological Association, sendo
possvel viabilizar vrios encontros com pesquisadores renomados que j investigavam
aspectos funcionais do ser humano, com o propsito de compreender porque algumas pessoas
so felizes, conseguindo expressar toda sua potencialidade; e como grupos, comunidades e
sociedade prosperam, tornando-se positivas, promovendo foras e virtudes essenciais para o
surgimento de pensamentos positivos.
A Psicologia Positiva tem trs pilares: o primeiro diz respeito ao estudo das emoes
positivas; o segundo refere-se ao estudo dos traos positivos, principalmente as foras e as
virtudes, mas tambm as habilidades, como a inteligncia e a capacidade atltica
(SELIGMAN, 2004, p.13); e o terceiro o estudo das instituies positivas, como a famlia
slida, trabalho, democracia, um amplo crculo institucional ou cultural, de onde podem vir a
surgir foras e virtudes que levam a pensamentos positivos (SELIGMAN, 2004).
O campo da Psicologia Positiva, no nvel subjetivo, parte de autorrelatos de como a
pessoa avalia sua vida, investigando, deste modo, a experincia subjetiva autopercebida sobre
o bem-estar. As emoes positivas podem estar relacionadas ao passado, futuro e presente.
Satisfao, contentamento, realizao, orgulho e serenidade so emoes ligadas ao passado;
esperana, otimismo, f e confiana esto ligadas ao futuro; e alegria, xtase, entusiasmo,
calma, prazer, flow e felicidade, referem-se ao presente. No nvel individual, a Psicologia
Positiva interessa-se pelas caractersticas individuais positivas tais como: vocao e
capacidade para amar, coragem, habilidade em relaes interpessoais, sensibilidade esttica,
perseverana, capacidade de perdoar, originalidade, espiritualidade, competncias e sabedoria.
No nvel grupal, reporta-se s virtudes cvicas e s instituies que orientam os indivduos
para serem cidados melhores, como: responsabilidade, educao, altrusmo, civilidade,
moderao, tolerncia e trabalho tico (SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI, 2000).
3. BEM-ESTAR SUBJETIVO: O ESTUDO CIENTFICO DA FELICIDADE
Os estudos sobre felicidade foram intensificados a partir de 1970, e passaram a ser
nomeados de bem-estar subjetivo. Segundo Diener (1984), o Psychological Abstracts, em
1973, indexou o termo felicidade, e o peridico Social Indicators Research passou a publicar
inmeros artigos sobre bem-estar subjetivo. Diversos termos vm sendo utilizados nos
estudos sobre bem-estar subjetivo: felicidade, afeto positivo, estado de esprito, nimo e
avaliao subjetiva da qualidade de vida.
A qualidade de vida tem dois componentes: bem-estar objetivo (welfare) e bem-estar
subjetivo (well-being). O bem-estar objetivo verifica os recursos que as pessoas tm e que
lhes propiciam a satisfao das necessidades bsicas de vida e de segurana. composto de
dois subcomponentes: bem-estar econmico (salrio e renda) e bem-estar scio-demogrfico
(moradia, educao, sade, emprego, lazer, transportes etc.) (PEREIRA, 1997).
O bem-estar subjetivo, outro componente da qualidade de vida, composto de quatro
subcomponentes: satisfao com a vida (aspecto cognitivo), afeto positivo, afeto negativo
(aspecto emocional) e felicidade (preponderncia dos afetos positivos sobre os afetos
negativos). A felicidade estudada atravs de autorrelatos da avaliao subjetiva da qualidade
de vida, constituindo-se no modo como as pessoas percebem-se emocionalmente.
De acordo com Fredrickson (2001), quando se utiliza os termos positivo ou negativo
para falar sobre emoes e afetos, o objetivo relacion-los com a aproximao ou
afastamento das outras pessoas, sendo este um dos pontos cruciais dos estudos sobre
felicidade. Vrios estudos na rea da Psicologia Positiva, ao longo de anos de pesquisa,
encontraram que as pessoas que se declaram felizes so aquelas que possuem um grande
crculo de relaes interpessoais, o que levou os estudiosos a relacionarem felicidade com
estar na presena de outras pessoas (GONALVES, 2006; DIENER e SELIGMAN, 2002;
MYERS, 2000; CSIKSZENTMIHALYI, 1999).
Quando uma pessoa apresenta um nvel elevado de bem-estar subjetivo est
experienciando satisfao com a vida, felicidade, emoes positivas frequentes e emoes
negativas com pouca frequncia; do mesmo modo que algum com baixo nvel de bem-estar
subjetivo no est tendo satisfao com a vida nem felicidade, e est experimentando mais
emoes negativas e poucas emoes positivas (DIENER, SUH, e OISHI, 1997; DIENER e
LUCAS, 1999).
Para Seligmam (2004, p.59), a emoo positiva importante, no somente pela
sensao agradvel que traz em si, mas, tambm, porque causa um relacionamento muito
melhor com o mundo. As emoes positivas tambm tm consequncias sociais benficas,
fazendo com que as pessoas tenham comportamentos de cooperao, conduzindo a interaes
sociais mutuamente recompensadoras, construindo e fortalecendo laos sociais. Fredrickson
(2001) acrescenta que as emoes positivas desempenham um importante papel na evoluo,
fortalecendo os recursos intelectuais, fsicos e sociais, que so teis em situaes adversas,
proporcionando um estado de esprito positivo, agregando as pessoas na medida em que todos
gostam de ficar perto de pessoas felizes.
Entretanto, como ressaltam Diener, Suh e Oishi (1997), no se pode confundir bem-
estar subjetivo com sade mental ou sade psicolgica, pois uma pessoa que esteja delirante
pode se sentir feliz ou satisfeita com sua vida, mas no se pode afirmar que esta possui sade
mental. Assim, concluem estes estudiosos que o bem-estar subjetivo no se constitui em uma
condio suficiente para o bem-estar psicolgico, podendo no ser essencial para a sade
mental; mas , sem dvida, uma condio desejvel para as pessoas.
O fenmeno de flow, embora bastante antigo, tornou-se alvo de interesse para os
Psiclogos Positivos compreenderem como este capaz de proporcionar circunstncias
favorveis para melhorar a qualidade de vida das pessoas, pois uma maneira de agir
intencionalmente pela felicidade seria aumentando estes momentos. A sensao de bem-estar
proporcionada pelo flow deve-se ao fato de o corpo e a mente estarem trabalhando em
harmonia. A condio para a ocorrncia da experincia do flow o equilbrio entre desafios e
habilidades, sendo o trabalho um de seus principais facilitadores (CSIKSZENTMIHALYI,
2004).
4. BEM-ESTAR SUBJETIVO E TRABALHO: POSSIBILIDADES E PARADOXOS
O conceito de flow, experincia mxima, fluir, experincia do fluxo ou negaentropia
psquica foi proposto por Csikszentmihalyi (1999) para designar uma motivao intrnseca
que acontece quando algum se prope a enfrentar desafios. Suas principais caractersticas
so: as metas so claras e o feedback imediato, a concentrao intensa e focada no
momento, ocorre fuso entre ao e conscincia, sensao de perda da conscincia reflexiva e
de controle de suas prprias aes, a noo de tempo alterada, e a atividade
intrinsecamente recompensadora por si mesma.
Flow o modo como as pessoas se referem ao estado mental quando a conscincia
est organizada de forma harmoniosa, e desejam continuar a atividade pela satisfao que
sentem, pois os desafios enfrentados combinam com a capacidade de enfrent-los,
promovendo a gratificao e o aumento de suas habilidades (foras pessoais).
Assim, as pessoas que conhecem suas foras pessoais podem buscar atividades em que
estas so necessrias e, com isso, exercer um papel ativo na elevao de seus nveis de
felicidade, como, por exemplo, aprendendo a transformar as ocupaes em atividades
criadoras do flow, e a pensar em maneiras de tornar mais agradveis as relaes com pais,
cnjuges, filhos, amigos e com o trabalho.
As atividades que exigem concentrao e que aumentam as habilidades so ideais para
o desenvolvimento do self. Para Csikszentmihalyi (1992), self corresponde ao contedo da
conscincia que contm registros das experincias prazerosas, dolorosas, desejos, aes
empreendidas etc., representando a hierarquia de metas construdas at ento.
Atividades criadoras de flow podem determinar o padro de excelncia das pessoas em
relao realizao de suas atividades atravs da comparao com seus desempenhos
anteriores ou, ainda, em relao a um padro externo, ao se comparar com outra pessoa. Nesse
sentido, pode-se dizer que o incentivo de realizao para cada situao de competio bem-
sucedida est fortemente interligado ao bem-estar subjetivo e experincia de flow.
Ento, a condio essencial para o desenvolvimento pessoal ocorre quando a pessoa
caminha em direo a uma complexidade cada vez maior. Por outro lado, Csikszentmihalyi
(2004, p.56) acrescenta que quando algum no consegue encontrar um modo de adaptar seus
talentos ao que se espera dele, estas pessoas caminharo no sentido oposto ao da
complexidade, tendo a sensao de tempo perdido.
A Figura 1 mostra como uma atividade normal capaz de crescer em complexidade
com o passar do tempo. Na situao A, as habilidades so bsicas e se forem harmnicas em
relao ao ambiente, podero proporcionar uma satisfao mdia. Mas, com o
aperfeioamento das habilidades (B), surge o marasmo, pois no haver mais satisfao na
tarefa realizada, sendo necessrio buscar novas oportunidades ou situaes mais complexas
(C), para retornar ao envolvimento do incio da tarefa. Por outro lado, caso o nvel das
habilidades continue crescendo, o marasmo surgir uma outra vez (D). Assim, para a
continuao da satisfao na tarefa que est sendo realizada, crucial que os desafios a serem
enfrentados sejam cada vez mais complexos e estejam em equilbrio com capacidade e
habilidades para enfrent-los (E) (CSIKSZENTMIHALYI, 2004).
O flow no ocorre durante o tempo todo, comum as pessoas sentirem estresse, apatia,
marasmo e, at, episdios de desespero. A Figura 2 mostra o resultado das pesquisas de
Csikszentmihalyi (2004), ao longo das ltimas dcadas, sobre a variao da qualidade da
experincia emocional em vrios momentos. O ponto central da Figura 2 representa o ndice
mdio de desafios e habilidades e quanto mais prximo deste ponto, mais normal ser o
estado de nimo das pessoas, sem emoes positivas ou negativas. Entretanto, ao se distanciar
deste ponto central, os nimos sero modificados de acordo com a relao entre desafios e
habilidades.
Em relao s emoes positivas, esto a experincia mxima do flow, a excitao e o
controle. No canal do flow, as habilidades e os desafios esto acima do ponto mediano. Na
excitao, a pessoa est enfrentando desafios maiores e precisar aperfeioar suas
habilidades para poder entrar em flow. O canal do controle representa que as habilidades da
pessoa superam os desafios. Esta situao bastante confortvel, mas se a pessoa se dispuser
a enfrentar desafios maiores, passar para o flow. O aprendizado costuma acontecer em
situaes de excitao e de controle, visto que estimulam o desenvolvimento de complexidade
maior.
Os outros canais apresentam nveis mais baixos. O relaxamento ainda positivo,
mas o marasmo e a apatia trazem sentimentos de tristeza e de indiferena. A ansiedade
o estado de nimo que as pessoas mais procuram evitar, embora, em alguns casos, a pessoa
ainda consiga se motivar e assumir o controle da situao. Mas, frequentemente, a pessoa que
experimenta ansiedade tem tendncia a reduzir os desafios para sair desta situao, tornado-se
preocupada e aptica.
Para Csikszentmihalyi (2004, p.59), estas oito emoes representam, dentro de uma
gama enorme de outras emoes, uma bssola muito til para traar um caminho ao longo
dos meandros da vida emocional. Mas, a excelncia da vida gerada pelo envolvimento
pleno de estar experimentando flow, e no pela felicidade, pois quando a pessoa est em
estado de flow sua conscincia est totalmente mergulhada na atividade que est ocorrendo,
fazendo com que se perca a noo da realidade. Ento, fundamental que sejam criadas
situaes em que as habilidades das pessoas sejam abarcadas por desafios crescentes,
melhorando a qualidade de vida e aumentando a complexidade.
Assim, para que se possa alcanar uma vida de satisfaes, segundo Csikszentmihalyi
(1992), h que se conseguir ter controle direto da experincia, ou seja, a capacidade de obter,
instante a instante, prazer com o que se faz, pois, de todas as virtudes que se pode aprender,
nenhuma se caracteriza como mais til, mais essencial sobrevivncia e mais capaz de
melhorar a qualidade de vida do que a capacidade de transformar a adversidade num desafio
gerador de satisfao (SELIGMAN, 2004).
Para Seligman (2004), talvez o flow, tal como concebe Csikszentmihalyi, represente o
estado que marca o crescimento psicolgico, e a concentrao, a perda da conscincia e a
interrupo do tempo so a maneira que a evoluo tem de nos dizer que estamos acumulando
recursos psicolgicos para o futuro (SELIGMAN, 2004, p.137). Isto ocorre quando as
pessoas partem a procura de novos desafios medida que os presentes na atividade vo se
esgotando, consolidando sua aprendizagem e suas experincias, encontrando modos de
aumentar a complexidade de suas vidas.
Para Snyder e Lopez (2009), os trabalhadores esto engajados em seu trabalho quando
suas tarefas so consideradas especiais e h bom equilbrio entre as atividades que so
demandadas com as habilidades e a personalidade destes. Para estes autores, este
envolvimento engajado corresponde concepo de flow proposta por Csikszentmihalyi, pois
a relao entre habilidades e desafios est presente nesta concepo de trabalho.
A Figura 3 mostra as oito combinaes de desafios e habilidades, com a reunio de
algumas caractersticas de atividade e emoo a ela relacionada.
A experincia do flow acontece em situaes onde se faz o que se gosta, sendo
diferente para cada pessoa. No canal do controle esto o trabalho ou dirigir um carro, tais
situaes so capazes de produzir desde flow, at ansiedade, apatia ou marasmo, pois o que
determina estas emoes a relao entre desafios e habilidades.
As situaes que promovem o relaxamento so inmeras, como: descansar, comer,
rever amigos, tomar banho de sol, ouvir uma msica, lazer etc. Para Csikszentmihalyi (1999),
possvel ficar feliz em situaes de prazer passivo, sem qualquer tipo de realizao, pois
essas situaes so muito agradveis e merecem ser experenciadas, mas, trata-se de uma
felicidade muito efmera, pois depende de circunstncias externas favorveis. Deste modo,
para este autor, quando outros fatores esto equilibrados, uma vida repleta de complexas
atividades de flow mais digna de ser vivida do que uma vida de consumo de entretenimento
passivo. Para Myers (2000), as pessoas devem buscar trabalho e lazer que utilizem suas
habilidades, que estejam dentro da zona de flow.
O marasmo est geralmente associado s atividades de manuteno, como limpar,
cozinhar, fazer compras etc., mas, por outro lado, o estado mental mais frequente no
trabalho (CSIKSZENTMIHALYI, 2004, p.60). Apatia uma situao intolervel e surge
quando no h nada para se fazer e, para evit-la, as pessoas recorrem a formas de lazer
passivo, como, por exemplo, ver televiso.
Importante que se faa aqui uma ressalva. A descrio de trabalho feita por
Csikszentmihalyi est pautada na lgica capitalista contempornea e se refere, em sua maior
parte, s atividades laborais desenvolvidas pelos trabalhadores do conhecimento. Segundo
Antunes (1998), presencia-se na atualidade uma significativa heterogeneizao do trabalho
marcada pela precarizao do mesmo, o que pode ser notado com o aumento do trabalho
subcontratado, parcial, temporrio, terceirizado etc. Segundo o autor, a mais brutal das
transformaes a expanso do desemprego estrutural. Esse imenso contingente de
trabalhadores flexveis e desprotegidos fica a orbitar em volta de uma pequena camada
composta por trabalhadores elitizados. So os chamados trabalhadores do conhecimento,
responsveis pelo diferencial competitivo das organizaes, esses indivduos so preparados,
desde cedo, para desenvolver as qualificaes exigidas pelo mercado.
Entendida a colocao feita por Antunes, percebe-se que estamos diante de um
possvel paradoxo: se o trabalho precisa ser estruturado, oferecer metas e desafios para que
seja gerador de satisfao, ento, apenas uma pequena parcela dos trabalhadores estaria apta a
vivenciar a experincia do flow?
Bauman (2009) observa que o trabalho vem assumindo uma caracterstica cambiante
ao longo das ltimas dcadas a ponto de se instituir, na atualidade, como um esporte de
classe alta ou de alta realizao. Nota-se que Bauman corrobora as constataes feitas por
Antunes (1998) sobre a crise que enfrentamos no mundo do trabalho.
Tal esporte tende a se tornar menos um passatempo popular e mais uma atividade
competitiva, elitista, com muito dinheiro envolvido. A pequena parte da populao
que trabalha o faz de forma dura e eficiente, enquanto a outra parte fica de lado
porque no pode acompanhar o alto ritmo da produo (BAUMAN, 2009, p.36).
Esta , sem dvida, uma questo que merece ser considerada quando se prope
relacionar a experincia do flow com as atividades laborais. Contudo, deve-se ter em mente
que se trata de algo que a Psicologia Positiva ainda no se props a investigar e que, de forma
idiossincrtica, vem a ser considerada nesse trabalho.
Csikszentmihalyi (2004, p. 69) no deixa de contemplar a crise no mundo do trabalho
ao ressaltar o descontentamento das pessoas com o mesmo, afirmando que embora as
pessoas se sintam satisfeitas quando conseguem realizar um bom trabalho, a maioria das
tarefas no contempla suas necessidades de realizao. Realmente, de uma maneira geral, na
histria do homem com o trabalho, os empregadores sempre estiveram mais preocupados em
arrancar dos trabalhadores o mximo de sua capacidade e possibilidade do que em adaptar
uma funo ao potencial dos mesmos. Principalmente agora, quando se perde o poder de
barganha diante da crise do emprego. Mas, o trabalho sempre ser um grande paradoxo, pois
enquanto a maioria das pessoas sonha com a aposentadoria, por outro lado, 80% declaram que
continuariam a trabalhar mesmo que no dependessem do salrio para garantir sua
sobrevivncia e de sua famlia (CSIKSZENTMIHALYI, 2004).
Esse paradoxo pode ser explicado, em grande parte, quando nos reportamos quilo que
Clot (2006) chamou de funo psicolgica do trabalho, destacando sua importncia
fundamental na vida do sujeito para a construo da identidade e para a sade. Para Clot, o
trabalho o lugar em que se desenrola para o sujeito a experincia dolorosa e decisiva do real,
entendido como aquilo que na organizao do trabalho e na tarefa resiste sua
capacidade, s suas competncias, a seu controle (CLOT, 2006, p.59). Da mesma forma,
descreve Dejours (1996, p.7) que essa abordagem inscreve a vivncia do trabalho no registro
da autorrealizao no campo social. O autor refora sua afirmao ao declarar sua viso
sobre a centralidade do trabalho na vida do homem: a prpria identidade do sujeito o
resultado de uma conquista que passa pelo reconhecimento do trabalhador no Homem
(DEJOURS, 1996, p.7).
Entendida a funo do trabalho como estabilizador da identidade, pode-se
compreender que a experincia do flow depende de muitas variveis para ocorrer, e no
depende, pura e simplesmente, da existncia ou no de um emprego na vida do sujeito. As
possibilidades de ocorrncia de flow no trabalho tambm dependem do desafio e do apoio
recebido, como, tambm, de oportunidades de aprender, de utilizar o mximo da capacidade
pessoal, de interagir e de contribuir para o bem coletivo. Caso estas condies no estejam
presentes no trabalho, este ser fonte de alienao e de marasmo. Para Csikszentmihalyi
(2004, p. 57), trabalhar com alegria no corao enquanto se corresponde s necessidades da
sociedade uma descrio mais do que perfeita de como o flow funciona no trabalho.
Segundo este autor, trs situaes determinam a motivao do trabalhador em relao
experincia do trabalho: a primeira situao depender das condies do local de trabalho; a
segunda refere-se aos valores que o trabalho representa para a comunidade; e, a ltima
condio diz respeito ao juzo do trabalhador sobre o a contribuio do seu trabalho,
independente do que possam pensar outras pessoas (CSIKSZENTMIHALYI, 2004,).
Ento, baseado nas situaes que determinam a maneira pela qual a experincia do
trabalho vivida pelo trabalhador, Csikszentmihalyi prope que, em uma situao ideal, o
gestor deveria atentar para tais fatores, caso tenha como objetivo comandar uma organizao
duradoura, onde os trabalhadores estejam motivados a participar deste crescimento e queiram
investir naquilo que fazem. As trs situaes que devem estar presentes so:
[...] a primeira maximizar o atrativo representado pelas condies do local
de trabalho. A segunda, encontrar maneiras de dotar esse trabalho de
significado e valor. A terceira, ao selecionar e recompensar os indivduos
que encontrem satisfao nesse trabalho, os lderes conseguem elevar o
moral das organizaes como um todo numa direo positiva
(CSIKSZENTMIHALYI, 2004, p.70).
As organizaes tm, em seus dirigentes, a tarefa principal de fazer com que as
pessoas sob seu comando trabalhem de modo eficiente. Caso as potencialidades dos
trabalhadores possam ser expressas na execuo de seu trabalho, o ideal ser alcanado, pois
liderar muito mais incentivar do que realizar (CSIKSZENTMIHALYI, 2004).
Deste modo, fundamental que sejam conhecidos os motivos que levam as pessoas a
querer trabalhar, pois o gestor que for capaz de propiciar um ambiente de trabalho que
proporcione aos indivduos condies para que expandam ao mximo suas potencialidades,
ter trabalhadores comprometidos, alm de um ambiente agradvel de trabalho. Porm, se este
reconhecer que as capacidades incluem no somente os talentos, mas, tambm, foras e
virtudes, ficam claras as implicaes da escolha e da recriao do trabalho (SELIGMAN,
2004).
5.CONSIDERAES FINAIS
Hart (1999), assim, como outros pesquisadores, acredita que quando uma pessoa est
feliz com seu trabalho, provavelmente estar mais satisfeita com sua vida, principalmente se
atentarmos para o papel que o trabalho assume, nos dias de hoje, na formao da identidade
do sujeito. Os benefcios que o trabalho oferece so importantes para o bem-estar,
especialmente: oportunidades de interao e insero social, propsito e objetivos,
preenchimento do tempo livre, desafios que podero ser enfrentados com as habilidades
pessoais, status, alm da renda.
Quando as expectativas do trabalhador em relao sua atividade profissional so
concretizadas, este experimentar bem-estar; e quanto maior for o desafio e o apoio no
trabalho, assim como a variedade e as oportunidades de aprender e de por em prtica sua
capacidade, maior ser a probabilidade de que esta pessoa experiente flow. Neste sentido, a
diversificao no trabalho e o apoio do gestor tm sido as fontes de satisfao mais indicadas
pelos trabalhadores. Entretanto, quando estas duas situaes no esto presentes, os relatos
apontam para alienao e apatia no trabalho.
Csikszentmihalyi (1999), a partir de extenso estudo, com milhares de pessoas,
concluiu que estas, muitas vezes, passam dia aps dia sem ter contato com suas emoes. Por
essa razo, oscilam entre dois extremos: a maior parte do tempo esto imersas na ansiedade
das presses profissionais e obrigaes sociais e, quando podem desfrutar os momentos de
lazer, preferem o tdio passivo. Nesse sentido, a descoberta do flow uma experincia
fundamental, pois se a pessoa no assumir a direo de sua vida, ela ser controlada pelo
mundo exterior, servindo, assim, a propsitos alheios. No se pode esperar que algum ajude
o outro a viver; preciso que se descubra como fazer isso por conta prpria, e nesses
momentos, a solido extremamente importante para que a pessoa compreenda que deve
enfrentar desafios com tarefas que exijam alto grau de habilidade e compromisso.
O trabalho pode ser o principal facilitador do flow porque significa tudo aquilo que
um organismo faz para evitar que a entropia no venha a destru-lo (CSIKSZENTMIHALYI,
2004, p.71). E, Seligman acrescenta que quase impossvel esclarecer se a maior satisfao
no trabalho faz a pessoa mais feliz ou se a disposio de ser feliz gera satisfao no trabalho
(SELIGMAN, 2004, p.56).
Um fator importante que relaciona trabalho e flow refere-se aos desafios, levando o
profissional a colocar em ao suas foras e talentos para compensar as dificuldades da tarefa
(SELIGMAN, 2004). Csikszentmihalyi (2004, p.53) argumenta dizendo que no h
empreendimento capaz de fugir ao marasmo se os desafios que representa so sempre do
mesmo nvel, e que a prpria pessoa passar a exigir de si mesma a busca de realizaes e de
sucesso, colocando em prtica suas foras pessoais e virtudes. Em algumas profisses, o plano
de carreira significa vrios patamares que sero atingidos, ao longo dos anos, com
responsabilidades cada vez maiores, possibilitando uma experincia de flow contnuo durante
muitos anos.
Contudo, no se pode excluir do contexto da Psicologia Positiva a preocupao com
uma realidade inexorvel que nos cerca e aponta para a fragilizao das relaes de trabalho
em todo o mundo. H que se vislumbrar um futuro que prime pelo bem-estar e pela satisfao
dos trabalhadores e, nesse sentido, a descoberta do flow tem uma grande contribuio a dar.
Mas, para isto, imprescindvel contextualizar o trabalho nos dias de hoje, entendendo,
criticando e conscientizando empresrios, gestores, psiclogos do trabalho etc., da
importncia de rever a lgica do trabalho no capitalismo contemporneo e todos os
desdobramentos que vem causando. Por outro lado, no se pode deixar cair na armadilha de
um desencantamento crnico que nos impea de continuar buscando gerar condies para que
o trabalhador possa, por si s e de forma coletiva, vir a criar e a se re-criar atravs do trabalho,
ainda que essas condies estejam muito longe de serem ideais.
Dentre as preocupaes da Psicologia Positiva para os prximos anos esto:
compreender melhor os pilares que a sustentam; como aumentar os momentos de flow,
conceito importante para se agir intencionalmente na majorao dos ndices de felicidade;
compreender melhor as emoes; e contribuir para um aperfeioamento das polticas pblicas
mundiais.
6. REFERNCIAS
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