O LIVRO PASSAPORTE, BILHETE DE PARTIDA
Bartolomeu Campos Queirs
Desconheo liberdade maior e mais duradoura do que esta do leitor cederse escrita do outro, inscrevendo-se entre suas palavras e seus silncios. Texto e
leitor ultrapassam a solido individual para se enlaarem pelas interaes. Este
abrao a partir do texto soma das diferenas, movida pela emoo,
estabelecendo um encontro fraterno e possvel entre leitor e escritor. Cabe ao
escritor estirar sua fantasia para, assim, o projetar seus sonhos.
As palavras so portas e janelas. Se debruamos e reparamos, nos
inscrevemos na paisagem. Se destrancamos as portas, o enredo do universo nos
visita. Ler somar-se ao mundo, iluminar-se com a claridade do j decifrado.
Escrever dividir-se.
Cada palavra descortina um horizonte, cada frase anuncia outra estao. E
os olhos, tomando das rdeas, abrem caminhos, entre linhas, para as viagens do
pensamento. O livro passaporte, bilhete de partida.
A leitura guarda espao para o leitor imaginar sua prpria humanidade e
apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e sua
experincia. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados enquanto
redimensiona seus entendimentos.
H trabalho mais definitivo, h ao mais absoluta do que essa de
aproximar o homem do livro?
Experimento a impossibilidade de trancar os sentidos para um repouso. O
corpo vivo vive em permanente e vrios nveis de leitura. No h como ausentarse, definitivamente, deste enunciado, enquanto somos no mundo. O corpo sabe e
duvida. A dvida gera criaes, enquanto a certeza traa fanatismo.
Reconheo, porm, um momento em que se d o definitivo acontecimento:
a certeza de que o mundo pessoal insuficiente. H que buscar a si mesmo na
experincia do outro e inteirar-se dela. Tal movimento atenua as fronteiras e a
palavra fertiliza o encontro.
Acredito que ler configurar uma terceira histria, construda
parceiramente a partir do impulso movedor contido na fragilidade humana, quando
dela se toma posse. A fragilidade que funda o homem a mesma que o inaugura,
mas s a palavra anuncia.
A iniciao leitura transcende o ato simples de apresentar ao sujeito as
letras que a esto j escritas. mais que preparar o leitor para a decifrao das
artimanhas de uma sociedade que pretende tambm consumi-lo. mais que a
incorporao de um saber frio, astutamente construdo.
Fundamental, ao pretender ensinar a leitura, convocar o homem para
tomar da sua palavra. Ter a palavra , antes de tudo, munir-se para fazer-se
menos indecifrvel. Ler cuidar-se rompendo com as grades do isolamento. Ler
evadir-se com o outro, sem contudo perder-se nas vrias faces da palavra. Ler
encantar-se com as diferenas.
(Texto extrado do livro : A formao do leitor/ Pontos de vista Organizadores:
Jason Prado e Paulo Cndini/ Leia Brasil Programa de Leitura da Petrobrs
1999)
PROGRAMA PASSAPORTE PARA A LEITURA
SEDU/SEFAZ/CCL