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Feitico Da Vila

O documento discute a música "Feitiço da Vila", composta por Noel Rosa em 1934. A música foi uma resposta às críticas trocadas entre Noel Rosa e o sambista Wilson Batista na época. Alguns interpretaram a música como tendo conteúdo racista, mas o artigo argumenta que isso não é verdade, analisando a letra e o contexto histórico em que foi composta para mostrar que a música elogia positivamente o bairro do Rio de Janeiro, Vila Isabel, e seu papel no desenvolvimento do samba.

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Feitico Da Vila

O documento discute a música "Feitiço da Vila", composta por Noel Rosa em 1934. A música foi uma resposta às críticas trocadas entre Noel Rosa e o sambista Wilson Batista na época. Alguns interpretaram a música como tendo conteúdo racista, mas o artigo argumenta que isso não é verdade, analisando a letra e o contexto histórico em que foi composta para mostrar que a música elogia positivamente o bairro do Rio de Janeiro, Vila Isabel, e seu papel no desenvolvimento do samba.

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FEITIO DA VILA - UM SAMBA DE NOEL ROSA


Dimas Aguiar da SILVA1 Anderson de Souza Zanetti da SILVA 2 Resumo: Em 2010 Noel Rosa completa seu centenrio e, numa feliz homenagem a essa data, o artigo discutir uma de suas msicas. Feitio da Vila um samba de Noel composto em 1934 em homenagem ao seu bairro, Vila Isabel, no Rio de Janeiro. O contexto da composio desta obra, frisado pelos bigrafos e historiadores, destaca que era um perodo de conflito entre Noel e o sambista Wilson Batista, quando crticas, stiras e farpas eram trocadas entre ambos atravs das letras. O Feitio da Vila uma destas respostas e objeto de uma polmica porque foi interpretado por muitos como uma cano de contedo racista. Neste artigo, propomos uma anlise que busca refutar tal ponto de vista. Palavras chave: Cultura popular. Msica brasileira. Noel Rosa. Rio de Janeiro. Samba. Wilson Batista.

Usar a viso de descrio densa, de Geertz (1989), para analisar da letra de uma msica ajuda a eliminar os fatores que carecem de consistncia, como o caso do suposto racismo contido na cano de Noel, objeto desse artigo. Nossa proposta apontar como a cano de Noel no se pauta pelo preconceito racial, tomando como base o contexto e a situao em que essa foi composta. Entendemos que a cano como forma deve ser aqui considerada, uma vez que, antes de tudo, mediada por elementos lingsticos que, neste caso, procurava estruturar fatos. Ou seja, Noel Rosa pode ter tentado representar aquilo que para o msico era um dado de realidade, buscando no deformar, mas dar veracidade ao narrado. Eis a importncia de se desvendar esses diversos sentidos e delimitar a compreenso dentro do contexto cultural no qual esses sentidos podem ser explicados com densidade. Noel Rosa nasceu em 1910, era branco e pertencia classe mdia. O compositor foi criado no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, e estudou em colgio tradicional. Sua educao musical teve incio na adolescncia, quando aprendeu a tocar bandolim e violo com ajuda de familiares. Cursou a Faculdade de Medicina, mas logo a abandonou por razo dos seus projetos musicais e da boemia carioca.
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Noel

era um
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Graduando em Relaes Internacionais pelo Centro Universitrio Lusada UNILUS. [email protected] ; [email protected] 2 Mestre em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP-SP, professor de filosofia, estudioso da relao entre Brecht e Augusto Boal.

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bomio inveterado. Sua vida como artista e suas composies datam do final dos anos 20 e ao longo dos anos 30. Por decorrncia da boemia, Noel adoeceu de tuberculose e morreu em 1937. Noel Rosa apontado pelos historiadores como uma das principais figuras na unio do samba dos morros com o asfalto no Rio de Janeiro. Ou seja, um perodo em que o samba comea a seduzir a classe mdia. Nessa mesma perspectiva, para se ter outro exemplo, pode-se tambm destacar Ari Barroso, ex-estudante de Direito no Rio de Janeiro, autor do samba-exaltao Aquarela do Brasil. Este compositor uma figura importante na exportao do samba brasileiro para o exterior atravs do teatro e do cinema, tendo a interpretao de Carmen Miranda. O contexto de Noel parecido com o de Ari Barroso. O poeta da Vila vive em uma poca caracterizada pela expanso do samba popular afro-brasileiro atravs da ascenso das rdios, do teatro e do cinema. Outra caracterstica deste momento o expressivo contraste cultural das classes existentes de um Brasil que h pouco sara do regime escravocrata.
O

cenrio de intensificao de manifestaes culturais e de

rompimento com posies conservadoras em relao s expresses populares. Nesse caso, indivduos sensveis, como o compositor, so aqueles que catalisam com intensidade aquilo que se mostra pela cultura e transformam seus significados em cdigos expressos pela arte. Como ressalta Geertz (1989), a cultura um contexto dentro do qual os acontecimentos sociais, as instituies e os comportamentos podem ser escritos com densidade. Ela consiste em estruturas de significados socialmente estabelecidos, ou seja, em sistemas entrelaados de signos interpretveis. A cultura assim pblica porque o significado o (GEERTZ, 1989, p. 22). No que diz respeito letra da msica Feitio da Vila, a aluso positiva ao bairro de Vila Isabel clara. Os primeiros versos confirmam essa observao ao constatar que quem nasce l na Vila nem sequer vacila ao abraar o samba, assim sendo, a aluso positiva est atrelada eficincia no fazer do samba por parte de Vila Isabel, ou ainda, por parte dos moradores da Vila Isabel. Logo de incio, no restam dvidas de uma relao positiva da Vila Isabel com o samba, como podemos ver na letra da msica: Feitio da Vila Composio: Noel Rosa / Vadico. Quem nasce l na Vila Nem sequer vacila Ao abraar o samba
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Que faz danar os galhos, Do arvoredo e faz a lua, Nascer mais cedo. L, em Vila Isabel, Quem bacharel No tem medo de bamba. So Paulo d caf, Minas d leite, E a Vila Isabel d samba. A vila tem um feitio sem farofa Sem vela e sem vintm Que nos faz bem Tendo nome de princesa Transformou o samba Num feitio decente Que prende a gente O sol da Vila triste Samba no assiste Porque a gente implora: "Sol, pelo amor de Deus, no vem agora que as morenas vo logo embora Eu sei tudo o que fao sei por onde passo paixo no me aniquila Mas, tenho que dizer, modstia parte, meus senhores, Eu sou da Vila! Os smbolos de linguagem que se estendem na primeira estrofe da cano confirmam a mesma posio. Na segunda estrofe, constam os primeiros vestgios que atravs de uma observao interpretativa poderiam ser apontados como racistas. Observemos a estrofe de perto: L, em Vila Isabel, / Quem bacharel / No tem medo de bamba. / So Paulo d caf, / Minas d leite, / E a Vila Isabel d samba. Considerando a posio de Noel Rosa como branco de classe mdia, em contraposio com os negros, mestios e pessoas pobres em geral, possvel identificar que h conotao especial para a palavra bacharel. Ora, os moradores dos morros e adjacncias nos anos 30 pertenciam s classes trabalhadoras, subempregados, desempregados, ou seja, a maioria dos subrbios era formada pela populao pobre. Sendo assim, quando o texto refere-se ao bacharel, parece estar falando em distino de
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valor, de uma populao letrada em oposio quela desvinculada da vida acadmica, a populao do morro. Na viso emprica dos fatos, poder-se- ia considerar perfeitamente que Noel Rosa faz meno ao bacharel da classe mdia, talvez enxergando sua prpria pessoa como ex estudante de Medicina, ao bacharel da Vila Isabel. Por outro lado, o esforo de Noel ao dizer bacharel pode estar ligado ao acadmico do samba, noo que mais tarde seria reforada com a criao das Escolas de Samba. Para se entender um pouco melhor isso, interessante observar a utilizao da palavra bacharel por Noel em 1930, na letra da msica Eu vou pra Vila, data distante de qualquer ligao entre Noel e a universidade. Nesta letra, Noel enfatiza uma formao no samba, o que nos leva novamente para a noo de bacharel do samba: Quando eu me formei no samba, / recebi uma medalha. / Eu vou pra Vila. (MAXIMO, DIDIER, 1990, p. 137). Como se pode perceber, dizer que Noel ao usar a palavra bacharel est destacando exclusivamente a figura de algum de classe mdia algo insuficiente apontar algum tipo de discriminao. O que vemos em seguida uma reafirmao do que foi discutido na primeira estrofe, ou seja, h uma aluso positiva Vila Isabel ao fazer o samba, pois quem bacharel no tem medo do gingado rtmico do samba, ou nas palavras de Noel, do bamba. Nos ltimos versos dessa estrofe h referncia ao caf e ao leite, mas isso tambm no indica qualquer tipo de discriminao. Ao afirmar que So Paulo d caf e Minas (Gerais) d leite, o compositor faz uma aluso clara aos produtos primrios do Brasil na Primeira Repblica, chamada caf-com-leite. J na terceira estrofe, veem-se alguns sentidos antagnicos que do margem para a acusao de que Noel faz um samba racista: A Vila tem um feitio sem farofa, / sem vela e sem vintm / que nos faz bem. / Tendo nome de princesa / transformou o samba / num feitio decente / que prende a gente. Nessa estrofe as palavras farofa, vela e vintm parecem estar ligadas aos aspectos da cultura afro-brasileira, mais especificamente da religiosidade, uma vez que os trs objetos so usados nas oferendas aos santos3. Aqui, Noel afirmaria que o samba da Vila Isabel faz bem porque no comporta aspectos da cultura afro-brasileira (sem farofa, vela e vintm transforma o samba em algo decente), o que pode levar a crer que
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LODY, Raul. Dicionrio de Artes Sacra & Tcnicas Afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.

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os sambas que comporta tais aspectos estariam num patamar de inferioridade frente a um samba genuinamente da classe mdia. Ainda assim, o fato de afirmar uma hipottica vantagem do samba de classe mdia, talvez pudssemos dizer, no traz implcita uma posio de inferioridade da cultura afro-brasileira. Noel poderia, de forma simplista, querer mostrar que o samba da Vila Isabel competente e bom mesmo no estando no seio da cultura afro-brasileira. Ou seja, neste sentido, o poeta reafirmaria a competncia de um bairro de classe mdia para fazer samba, sugerindo que o contexto cultural e de classes no determinaria exclusivamente essa expresso musical. Nas palavras de Noel: A Vila tem um feitio sem farofa, sem vela e sem vintm que nos faz bem. Agora, importante refletir sobre os significados das palavras e o contexto em que a msica foi composta, para no nos limitarmos ao senso comum. Nesse sentido, pelo prisma do senso comum, a idia de feitio designaria justamente algo negativo, associado ao encantamento manipulado atravs das religies afro-brasileiras ou europias como os ciganos e bruxas-feiticeiras. A presena do catolicismo no Brasil durante toda a colonizao e a viso negativa sobre rezadeiras e feiticeiros explica uma formao cultural cujo senso comum coloca um status negativo na palavra feitio. Ainda hoje essa perspectiva se faz muito presente. Uma leitura apressada pode sugerir que Noel teve a inteno de acionar os sentidos negativos, particularmente os associados aos aspectos afro-brasileiros, da palavra feitio. Porm, lido numa perspectiva mais ampla, a idia de feitio pode adquirir positividade e referir-se ao encantamento, o mesmo que pedia ao sol para no nascer, de modo que as morenas no fossem embora. Afinal, so elas que danam e ao som do samba selam o feitio da Vila. E dessa forma Noel celebra a realeza branca, a princesa Isabel, mas a alegria e a beleza das mulheres do samba, isto , das mulheres negras. E, assim, mesmo no tendo farofa nem vela, o samba da Vila teria feitio, encantamento, um feitio natural que faz os galhos do arvoredo danar, que provoca a lua a nascer mais cedo.
O

samba de Vila

Isabel produz um feitio que faz bem, no porque o samba dos morros e da cultura afrobrasileira faz mal, mas porque o feitio, na sua essncia, o faz. A composio de Feitio da Vila acontece em meio polmica entre Noel Rosa e Wilson Batista, sambista negro, habitante dos subrbios do Rio de Janeiro. Da briga entre ambos, sabido, resultaram grandes composies, stiras musicais de um para o outro. E no contexto dessa briga que se situa nossa anlise de Feitio da Vila. Wilson Batista comps o samba Leno no Pescoo (1933) que dizia:
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Meu chapu do lado, tamanco arrastando, leno no pescoo, navalha no bolso. Eu passo gingando, provoco e desafio. Eu tenho orgulho em ser to vadio. Noel, por meio da stira, compe o samba Rapaz Folgado (1933) criticando a posio de malandro que Wilson ostentava: Deixa de arrastar teu tamanco Pois tamanco nunca foi sandlia E tira do pescoo o leno branco Compra sapato e gravata Joga fora essa navalha que te atrapalha. [] Malandro palavra derrotista Que s serve pra tirar Todo o valor do sambista Proponho ao povo civilizado No te chamar de malandro E sim de rapaz folgado Dentre outros motivos que podem explicar a composio de Feitio da Vila, inclumos essa troca de mensagens entre Wilson e Noel, pois Wilson Batista revida a composio de Rapaz Folgado compondo o samba Mocinho da Vila (1934), uma crtica explcita a Noel Rosa e seu bairro. Ou ainda, segundo Mximo e Didier (1990), Noel teria composto a msica em homenagem a Lela Casatle, nascida em Vila Isabel, por ter ganho o concurso de Rainha da Primavera em 1934, levantando a estima do bairro. At o momento sabemos que Feitio da Vila tem como principal caracterstica a exaltao do bairro de Vila Isabel e sua relao com o samba. Por pertencer ao bairro e estar entre os seus msicos, Noel tinha vrios motivos afetivos para exaltar a Vila Isabel. inegvel que os ataques de Wilson Batista eram direcionados ao fato de Noel ser moo de classe mdia, no era malandro, e insistia em fazer samba. Essa era uma contenda privada entre Wilson e Noel, que no transportamos para um quadro mais abrangente. O fato que tal situao parece ter contribudo para a composio de
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Feitio da Vila e, por conseqncia, para o uso de certas expresses especficas, s vezes, com inteno de contribuir para a musicalidade e para a rima, e no apenas de dar conta da rivalidade com Wilson Batista. O bate rebate musical se estabeleceu com Wilson Batista lanando Leno no pescoo, e Noel, Rapaz Folgado. Wilson rebateria com Mocinho da Vila e Noel com Feitio da Vila. Na seqncia, Wilson Batista comporia Conversa Fiada (1935), respondendo literalmente a msica tema dessa anlise. Mximo e Didier (1990) observam que Wilson, entre outros motivos, via na polmica que protagonizava com Noel uma forma de promoo pessoal, dado o sucesso do sambista da Vila. Nesse samba de Wilson, o grande pblico percebera qualidades inegveis, como ajustes rtmicos que mostravam o grande sambista que Wilson era. Isso enriquecia os repertrios dos intrpretes que reconheciam a notoriedade de compositores como Noel e Wilson. Wilson, ao responder Feitio da Vila, sublinha a interpretao do feitio romntico, benfico e mgico (o feitio decente) j destacado nessa anlise, inclusive considerando quelas referncias que Noel utilizou para exaltar a Vila (faz danar os galhos do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo). Logicamente, a aceitao de Wilson a esses aspectos concede mais valor s pretenses de exaltao de Noel, tal como tentamos sugerir em nossa anlise:

conversa fiada Dizerem que o samba Na Vila tem feitio, Eu fui ver pra crer E no vi nada disso. [...] Eu fui na Vila ver o arvoredo se mexer E conhecer o bero dos folgados A lua nessa noite demorou tanto Me assassinaram o samba Veio da o meu pranto.4 Uma anlise densa dos fatores que envolvem a composio de Feitio da Vila revela diversos significados, ainda assumindo que muitos outros poderiam ser aqui
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desenvolvidos. Porm, ainda assim h grande peso na questo da exaltao do bairro de

MAXIMO, Joo; DIDIER, Carlos. 1990. p. 371

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Vila Isabel e no h grandes sentidos que poderiam justificar racismo na composio de Noel. Podemos dizer provavelmente que, antes, Feitio da Vila um samba anti racista, ou at poderamos ir mais longe, esse samba representa uma tentativa de Noel Rosa na defesa contra a discriminao que ocorria no Rio de Janeiro nos anos 30, quando os negros questionavam a possibilidade de os chamados letrados do samba fazerem samba. Esta disputa ocorre justamente na fase de profissionalizao do samba, quando este se torna meio de ganhar dinheiro, refletindo uma fase do comeo de um mercado fonogrfico nascente para o sambista. Em outras palavras, esse combate na forma de composies musicais, na verdade, representava a excluso de uma diviso de classes na construo do samba, no importando a origem do indivduo. Os negros no eram vtimas de viles brancos como Noel, tampouco Noel era um excludo pelos negros. A rivalidade entre Noel e Wilson, por exemplo, tinha um carter produtivo e demarcava um samba que estava por vir. A inteno de Noel Rosa a prpria insero da Vila Isabel entre aqueles bairros que faziam o samba. Segundo historiadores, Noel foi uma das figuras responsveis na unio do samba dos morros e adjacncias com o asfalto. Tal condio atribuda a Noel porque ele, de fato, esteve ativamente ligado aos sambistas dos morros e subrbios, tais como Cartola (do Morro da Mangueira) e Ismael Silva (do Estcio de S), que foram seus grandes amigos, segundo os bigrafos de Noel. Noel ainda comps ainda o samba que ficaria marcado na histria dada a sua excelncia, Palpite Infeliz (1935), feito como resposta aos ataques de Wilson Batista ao samba de Vila Isabel. Palpite Infeliz pode representar o que est implcito em Feitio da Vila, onde se refora a concluso destacada nessa anlise, a de que Noel s queria exaltar a Vila e promover a integrao do seu bairro entre aqueles considerados do samba. Para finalizar, vejamos a letra da msica:

Quem voc que no sabe o que diz? Meu Deus do Cu, que palpite infeliz! Salve Estcio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz Que sempre souberam muito bem Que a Vila No quer abafar ningum, S quer mostrar que faz samba tambm [...] A Vila uma cidade independente
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Que tira samba, mas no quer tirar patente Pra que ligar a quem no sabe Aonde tem o seu nariz? Quem voc que no sabe o que diz?5

Abstract: In 2010 Noel Rosa completes his centenary, under a tribute to this great date the article will discuss one of his songs. Feitio da Vila is a brazilian samba composed in 1934 by Noel Rosa in honor to his Rio de Janeiros neighborhood named Vila Isabel. The context, stated by biographers and historians, highlights the conflict together Wilson Batista, another samba composer, where criticisms, satire and replies were exchanged between Noel and Wilson through samba music. This situation yielded sambas from Wilson and Noel, among which I highlight Feitio da Vila, because it has been, at essence, the object of a polemic that pointed itself as a samba against black ethnicity, as well a racist samba. I propose therefore an analysis that disputes or confirms a racist vision from Noel Rosa in Feitio da Vila through semiotic observation, thus, an anthropological analysis that searches to point the various meanings that surround this samba. Keywords: Popular culture. Brazilian music. Noel Rosa. Rio de Janeiro. Samba. Wilson Batista.

Referncias Bibliogrficas.

ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1977. ARANTES, Antonio A. O Que Cultura Popular?. 11a ed. So Paulo: Brasiliense, 1986. CANCLINI, Nstor Garca. Culturas Hbridas: estratgias para entrar e sair da modernidade. So Paulo: EDUSP, 1997. CHIAVENATO, Jlio Jos. O Negro no Brasil: da senzala abolio. So Paulo: Moderna, 1999. DICIONRIO CRAVO ALBIN DA MSICA POPULAR BRASILEIRA. Noel Rosa (Noel Medeiros Rosa). Disponvel em: <http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_A&nome=Noel+Ros a>. Acesso em: 21 jun. 2009. DICIONRIO CRAVO ALBIN DA MSICA POPULAR BRASILEIRA. Wilson Batista (Wilson Batista de Oliveira). Disponvel em: <http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_A&nome=Wilson+B atista>. Acesso em: 21. jun. 2009.

MAXIMO, Joo; DIDIER, Carlos. 1990. p. 372

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GEERTZ, Clifford. A interpretao das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. MAXIMO, Joo; DIDIER, Carlos. Noel Rosa Uma biografia. Braslia: UNB, 1990. OBRA E PROGRESSO. (Blog de Caetano Veloso.) <www.obraemprogresso.com.br>. Acesso em: 21. jun. 2009. Acesso em:

RAUL, Lody. Dicionrio de Artes Sacra & Tcnicas Afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2003. SILVA, Marlia T. Barboza da. & OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de. Cartola: Os tempos idos. Rio de Janeiro: Gryphus, 1998. WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas Cincias Sociais. So Paulo: tica, 1989.

Recebido para anlise em 30/11/2009 Aceito para publicao29/09/2010

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