SENTENAS ANNIMAS DOS PADRES DO DESERTO

Traduo: Jandira Pimentel e outros Fonte: Ditos e Feitos dos Pais do Deserto. Rusconi Editores

Havia um anacoreta que tinha o poder de expulsar demnios; e ele lhes perguntou: "O que os faz irem embora? o jejum?" Eles replicaram: "No comemos nem bebemos". "So as viglias?" Eles responderam: "Nunca dormimos". " a separao do mundo?" "Vivemos nos desertos". "Qual poder os expulsa ento?" Eles disseram: "Nada nos pode vencer, alm da humildade" "Vocs vem como a humildade vitoriosa sobre os demnios?" Disse um ancio: " homem: se quiseres viver segundo a lei de Deus, deves ter como protetor o prprio autor da lei" . Dizia um ancio: "Se o teu pensamento mora em Deus, a fora de Deus mora em ti". Disse um ancio: "Nunca dei um passo sem saber onde colocar os ps. Parava para refletir, sem ceder, at que Deus me tomasse pela mo". Um ancio disse: "Quando um se faz louco pelo Senhor, na mesma proporo o Senhor o tornar sbio". Disse um ancio: "O esforo e a solicitude por no pecar tm uma nica finalidade: no afastar de nossa alma a Deus que nela habita". Disse um ancio: "Fao aquilo de que o homem tem necessidade: temer o julgamento divino, odiar o pecado, amar a virtude, e invocar a Deus sem cessar". Disse um ancio: "Jos de Arimatia tomou o corpo de Jesus e o envolveu com um sudrio limpo e num sepulcro novo, isto , num homem novo. Que cada um tenha o mximo cuidado de no pecar, para no ultrajar a Deus que nele habita, e para no expuls-lo de sua alma. O man foi dado a Israel para alimentar-se no deserto, mas ao verdadeiro Israel foi dado o Corpo de Cristo". Dizia um ancio: "Um homem no pode ser bom mesmo se tenha a vontade de s-lo e se esforce com todas as suas foras, se Deus no habita nele, pois ningum bom seno Deus". Disse um ancio: "Deus habita naquele no qual nada penetra de estranho". Dizia um ancio: "Suporta o oprbrio e a aflio pelo nome de Jesus com humildade e corao contrito. Revela diante dele a tua fraqueza e ele ser tua fora". Disse um ancio: "Se o homem faz a vontade do Senhor, jamais deixa de ouvir a voz interior". Alguns irmos foram visitar um santo ancio que habitava num local deserto. Encontraram, na vizinhana, crianas que apascentavam as ovelhas e falavam entre si de modo enervante. Os irmos viram o ancio, abriram-lhe seus sentimentos e tiveram proveito com suas respostas. Depois lhe disseram: "Pai, porque aceitas ao teu derredor estas crianas e no lhes ordenas de parar com esse

barulho?" O ancio respondeu: "Irmos, acreditai, h dias em que gostaria de fazer isso, mas me controlo, dizendo: Se no suporto esses gritos, como poderei suportar uma grande provao, se Deus permitir que se me apresente? Deste modo, no digo nada, para habituar-me a suportar tudo aquilo que acontece". Um irmo perguntou a um ancio: "Qual a cultura da alma que produz frutos?" Respondeu o ancio: "Nisto consiste a cultura da alma: a paz do corpo, muitas preces corporais, no prestar ateno nos erros dos outros, mas nos seus. Se o homem persevera nisso tudo, sua alma no demorar a produzir frutos". Perguntou-se a uma ancio: "Por que acontece que eu me canso sempre?" "Porque ainda no conheces a meta", respondeu. Num dia, um novio resolveu renunciar ao mundo. Disse ao ancio: "Quero ser monge". O ancio respondeu: "No conseguirs". E o outro: "Conseguirei". O ancio disse: "Se realmente queres, vai, renuncia ao mundo e depois vem morar em tua cela". Ele foi, doou o que possua, guardou para si cem moedas e retornou ao ancio. O ancio lhe disse: "Vai morar em tua cela". Ele foi. Enquanto l estava, seus pensamentos lhe disseram: "A porta est velha e deve ser trocada". Foi, e disse ao ancio: "Meus pensamentos me dizem: A porta est velha e deve ser trocada". O ancio lhe respondeu: "Ainda no renunciaste ao mundo; vai, renuncia ao mundo e depois volta aqui". Ele foi, doou noventa moedas, guardou dez e disse ao ancio: "Eis, renunciei ao mundo". Disse-lhe o ancio: "Vai, habita tua cela". Ele foi. Enquanto l estava, seus pensamentos lhe disseram: "O teto velho e deve ser refeito". Dirigiu-se ao ancio: "Meus pensamentos me dizem: o teto velho e deve ser refeito". Disse-lhe o ancio: "Vai, renuncia ao mundo". O irmo foi, doou as dez moedas e retornou ao ancio: "Eis: renunciei ao mundo". Enquanto estava em sua cela, seus pensamentos lhe disseram: "Tudo muito velho, vir um leo e me devorar". Exps esses pensamentos ao ancio, que lhe disse: "Eu gostaria que tudo casse encima de mim e que um leo viesse devorar-me, para ser libertado desta vida. Vai, habita tua cela e reza a Deus". Um ancio tornou-se bispo. Piedoso e pacfico, no repreendia ningum, suportando com pacincia as culpas e os pecados de cada um. Acontece que seu ecnomo no administrava corretamente os negcios da Igreja e alguns vieram reclamar ao bispo: "Por que no repreendes este ecnomo to negligente?" O bispo aceitou a repreenso. No dia seguinte, os acusadores do ecnomo retornaram ao bispo, irritados contra ele. Advertido, o bispo se escondeu em algum lugar e no o acharam. Procuraram-no muito tempo, finalmente o descobriram e lhe disseram: "Por que te escondeste?" Ele respondeu: "Porque aquilo que consegui alcanar em sessenta anos, fora de pedir a Deus, vs o quereis roubar-me em dois dias". Dizia um ancio: "Os santos que possuem Deus recebem, como recompensa pela sua impassibilidade, quer as coisas daqui de baixo quer as futuras, pois ambas so de Cristo, e aqueles que possuem a Cristo possuem tambm seus bens. Aquele que tem o mundo, isto , as paixes, mesmo se possui o mundo no tem nada a no ser as paixes que o dominam". Perguntou-se a um velho: "Que significa prestar contas de uma palavra intil?" Respondeu: "Toda palavra dita a respeito de um objeto material coisa intil, pois somente as palavras ditas a respeito da salvao da alma no so inteis. Por outro lado, melhor escolher o silncio total, porque, enquanto dizes o bem, junto vem o mal". Disse um ancio: "Se tu habitas no deserto como hesicasta. No te consideres como algum que faz algo de importante, mas, pelo contrrio, considera-te como um co chutado pela multido e acorrentado porque mordia e assaltava o povo".

Disse um ancio: "Fugi do amor que as coisas perecveis inspiram, porque esse amor passa e morre com elas". Disse um ancio: "Quando deixo o fuso cair, penso primeiro na morte para depois apanh-lo novamente". Perguntou-se a um ancio: "Por que tenho medo quando caminho no deserto?". "Porquer ainda ests vivo", respondeu. Apenas te levantas aps o sono, em primeiro lugar a tua boca renda glria a Deus e entoa cnticos e salmos; a primeira preocupao que prende o esprito no incio do dia, o esprito passa a mo-la como uma pedra durante todo o dia, seja gro, seja joio. Por isso, s sempre o primeiro a jogar o gro, antes que o teu inimigo jogue joio. Um irmo dirigiu-se a um ancio que morava no Monte Sinai e lhe perguntou: "Pai, ensina-me como se deve rezar, porque ofendi muito a Deus". O ancio lhe disse: "Filhinho, eu, quando rezo falo assim: Senhor, permite-me servir-te como servi a Satans e de amar-te como amei o pecado". Se s vagaroso para levantar-te de noite para a liturgia, no alimentes o teu corpo, pois a Escritura diz: "O preguioso no deve comer". E eu te digo: como no mundo aquele que rouba recebe severa condenao, a mesma condenao Deus reserva para quem no se levanta para a liturgia, exceto no caso de doena ou de muito trabalho, pois, tanto do doente como do trabalhador, Deus exige uma liturgia espiritual, que pode ser oferecida a Deus deixando o corpo de lado. Diziam os ancios: "A orao o espelho da alma". Um irmo foi visitar um dos abades da laura de Suca, nas colinas de Jeric e lhe disse: "Ento, Pai, como ests?". O ancio respondeu: "Mal". Disse o irmo: "Por que, Pai?". Respondeu o ancio: "Porque h trinta anos me conservo de p diante de Deus durante a minha orao, e agora me amaldioo a mim mesmo, dizendo a Deus: 'No tenhas piedade de todos aqueles que fazem o mal e sejam malditos aqueles que se afastam de teus mandamentos'. E eu, que sou um mentiroso, todo o dia grito a Deus: 'Condena a todos aqueles que mentem'. E eu, que vivo pensando em comer, digo: 'No meio da noite acordei-me para louvar-te'. No tenho, absolutamente, compuno alguma e digo: 'Sofri no meu pranto e minhas lgrimas noite e dia substituram meu po'. Eu, que tenho no corao pensamentos perversos, digo a Deus: 'A meditao de meu corao est sempre diante de ti'. E eu, que nunca jejuo, digo: 'Meus joelhos esto enfraquecidos por causa de meus jejuns'. E cheio de orgulho e de prazer da carne sinto-me ridculo salmodiando: 'Olha minha humildade e meu sofrimento e perdoa-me todos os meus pecados'. E eu, que ainda no estou pronto, digo: 'Meu corao est pronto, Deus'. E, numa palavra, todo o meu Ofcio e a minha orao retornam a mim como reprovao e vergonha". O irmo disse ao ancio: "Penso, Pai, que Davi disse tudo isso por si mesmo". Ento o ancio disse, chorando: "Que dizes, irmo? Certamente, se ns no observamos aquilo que salmodiamos diante de Deus, seremos condenados". Se fazes teu trabalho manual na cela e chega a hora da orao, no digas: "Terminarei de tranar meu cesto e depois me levantarei", mas levanta-te logo e paga a Deus a dvida da orao; do contrrio, pouco a pouco cairs no costume de relaxar na orao e o teu Ofcio e a tua alma se tornaro desertos de todo trabalho espiritual e corporal. Pois desde o amanhecer que se mostra a tua vontade. Dizia um ancio: "Nada faas sem rezar e nunca te arrependers".

Dizia um ancio: "Assim como uma s boca no pode ao mesmo tempo pronunciar duas palavras que possam ser reconhecidas e entendidas, do mesmo modo acontece com a orao impura que o homem proclama diante de Deus". Perguntam os irmos: "Qual a orao pura?" O velho disse: "Aquela que breve nas palavras e grande nas obras. Pois, se as obras no superam o pedido, nada mais so do que palavras vazias, semente que no d fruto. Se no fosse assim, por que aconteceria pedirmos sem receber enquanto que a graa superabunda de misericrdia? Um o modo dos penitentes, o outro o modo dos humildes; os penitentes so mercenrios, os humildes, filhos". Disse um ancio: "Deve-se fugir, sem exceo, de todos os obreiros da iniqidade, sejam amigos ou parentes, possuam a dignidade de sacerdotes ou de prncipes; evitar sua companhia nos trar intimidade e amizade com Deus". "A que serve agradar aos homens, se ofendo ao Senhor meu Deus? Testemunha disso o divino Apstolo que disse: 'Se eu ainda agradar aos homens, no serei o servo de Cristo'. Rezemos, portanto, ao Senhor, dizendo: Jesus, nosso Deus, protege-nos de seus louvores e de suas crticas. E nada faamos para agradar-lhes, pois seus louvores no nos podem fazer entrar no Reino dos Cus, nem suas crticas tm o poder de impedir-nos de entrar na vida eterna, pois eles no possuem aquilo que nos faz nela entrar. Sabei, portanto, amados, que devemos prestar contas de toda palavra intil; fujamos dela como se foge de uma serpente". Disse um ancio: "Para um irmo, a mesma coisa querer brigar com um adversrio ou com o diabo". Disse um ancio: "Sem a vigilncia dos lbios, impossvel ao homem progredir mesmo em uma nica virtude; pois, antes das virtudes, est a vigilncia dos lbios". Um ancio dizia: "O silncio est cheio de vida, mas a morte est escondida na palavra farta". Um irmo perguntou a um ancio: "A vanglria me atormenta: o que devo fazer?" Respondeu-lhe o ancio: "Tens razo: foste tu quem fez o cu e a terra". O irmo, tocado pelo arrependimento, disse: "Perdoa-me, pois eu no fiz coisa nenhuma". Um ancio disse: "No humilde aquele que se difama a si mesmo, mas aquele que recebe com alegria as injrias, as afrontas e as crticas do prximo". Num dia, o arcebispo Tefilo dirigiu-se ao Monte de Ntria e o abade do Monte veio-lhe ao encontro. "Pai", perguntou-lhe o arcebispo, "o que encontraste de mais vantajoso neste caminho?" Respondeu o ancio: "Acusar-me e repreender-me sem trgua". "De fato, no existe outro caminho", replicou o arcebispo. Um ancio dizia: "Se ns nos aplicamos humildade, no teremos necessidade de castigo. Muitos males nos vm por causa do orgulho. De fato, se o anjo de Satans foi dado ao Apstolo para castig-lo, por medo de que ele se levante, com maior razo, a ns que vivemos no orgulho, o prprio Satans que nos ser dado, para nos importunar at que nos humilhemos". Um ancio disse: "Por qualquer provao que te afligir, culpa-te somente a ti mesmo, dizendo: 'Aconteceu-me por minha culpa, por causa de meus pecados'". Certa vez, algumas pessoas foram a Tebaide visitar um ancio. Levavam consigo um homem atormentado pelo demnio, para que o ancio o curasse. Aps longamente orar, o ancio disse ao

demnio: "Retira-te desta criatura de Deus!". O demnio respondeu: "Retiro-me, mas antes te fao uma pergunta; responde-me: quem so os cabritos e quem so as ovelhas?". Respondeu-lhe o ancio: "Os cabritos, sou eu; quanto s ovelhas, Deus o sabe". A esta palavras, o demnio urlou: "Retiro-me por causa de tua humildade!". E logo foi-se embora. Um irmo perguntou a um ancio: "Indica-me somente uma coisa para eu guardar, para que eu viva fazendo isso!". Disse-lhe o ancio: "Se puderes ser injuriado e suportar as injrias, algo grandioso, que supera todas as virtudes". Um ancio disse: "A terra na qual o Senhor mandou cultivar a humildade". Um ancio disse: "Conseguiste observar o silncio? No creias ter feito um ato de virtude. Prefere dizer: 'Sou indigno de falar'". Disse um ancio: "Se o moleiro no cobre os olhos do animal que gira o moinho, ele se voltar e comer todo o seu trabalho. Assim, por uma disposio divina, ns recebemos um vu que nos impede de ver o bem que fazemos, de louvarmo-nos a ns mesmos e, deste modo, perder nossa recompensa. pelo mesmo motivo que, de vez em quando, somos abandonados aos pensamentos impuros e nada vemos alm deles; deste modo ns condenamos os nossos olhos e tais pensamentos so para ns um vu que cobre o pouco de bem que fazemos. Com efeito, quando o homem se acusa, no fica sem recompensa". Um irmo disse a um ancio: "Se um irmo me dirige palavras profanas, tu me permites, Pai, de diz-lo para no fazer mais?". Disse-lhe o ancio: "No". E o irmo disse: "Por que?". Respondeu o ancio: "Porque nem ns somos capazes de observar isso e de se temer que, dizendo ao prximo para no faz-lo, estejamos ns no perigo de faz-lo". Disse o irmo: "O que, ento, se deve fazer?". Disse-lhe o ancio: "Se soubermos calar, ao prximo basta o nosso exemplo". Perguntou-se a um ancio: "O que a humildade?". Ele disse: " como se o teu irmo pecar contra ti e tu o perdoares antes que ele te pea desculpas". H muito tempo um irmo era atormentado pelo demnio da impureza e, apesar de seu muito esforo, no conseguia livrar-se dele. Uma vez, enquanto participava da Sinapse, sentiu-se atormentado pela paixo mais do que de costume; decidiu ento vencer as maquinaes do demnio e pedir aos irmos que rezassem por ele nessa inteno. E, vencendo qualquer vergonha, ficou nu diante de todos os irmos e mostrou a ao de Satans: "Rezai por mim, meus pais e irmos", disse, "porque l se vo quatorze anos que enfrento esse combate"; e imediatamente ficou livre do combate, graas humildade que tinha demonstrado. Disse um dos pais: "Os Pais penetravam no interior atravs da austeridade e ns, se pudermos, entremos no bem atravs da humildade". Dizia sempre um ancio que morava no Egito: "No h caminho mais curto do que o caminho da humildade". Disse um ancio: "A humildade no um dos pratos do banquete, mas o tempero que d sabor a todos os pratos". Ouvi contar de um ancio que dizia: "A quem possui a humildade de esprito dada uma cobertura para sua moradia e uma tampa para sua marmita".

Contava-se que um ancio vivia no hesicasmo nas partes planas do pas e tinha um leigo cristo a seu servio. Aconteceu que o filho deste adoeceu. Por muito tempo o pai suplicou ao ancio de ir rezar por seu filho e o ancio partiu com ele. Correndo frente, o leigo entrou em sua casa e gritou: "Vinde ao encontro do anacoreta". Quando o ancio percebeu-os vindo ao seu encontro com as tochas, teve a idia de tirar a roupa, entrar no rio e por-se a lav-la ficando n. Quando o servidor o viu. cheio de vergonha disse ao povo: "Ide embora, pois o ancio perdeu o juzo". Depois, dirigiu-se a ele e perguntou: "Pai, por que fizeste isso? Todos dizem: 'O ancio est com o demnio no corpo'". Respondeu-lhe o ancio: "Era exatamente isso que eu queria". Por obra do demnio, o bispo de uma cidade caiu na fornicao. Num dia, quando se reunia na igreja e ningum sabia de seu pecado, confessou-se diante do povo e disse: "Pequei". Em seguida deps o plio sobre o altar e disse: "No posso mais ser vosso bispo". Todos choraram e gritaram: "Que este pecado caia sobre ns, mas conserva o episcopado". Ele respondeu: "Se vs quereis que eu conserve o episcopado, fazei o que eu vos digo". Mandou fechar as portas da igreja e deitou-se no cho diante de uma porta lateral e disse: "Aquele que passar sem me pisar com os ps, no ter parte com Deus". Fizeram como ele pedia e, quando o ltimo saiu, veio uma voz do cu e disse: "Por causa de sua grande humildade eu lhe perdoei o pecado". Um irmo interrogou um dos pais a respeito de um pensamento blasfemo: "Pai, minha alma est oprimida sob um pensamento blasfemo, tem piedade de mim e diz-me de onde vem e o que devo fazer". O ancio respondeu: "Este pensamento nos vem porque falamos, desprezamos e criticamos; ele sobretudo uma conseqncia do orgulho, da vontade prpria, da negligncia na orao, da clera e da fria, coisas todas que so, precisamente, os sinais do orgulho. Realmente, o orgulho faz-nos entrar nas paixes que enumerei, e delas nasce o pensamento blasfemo. E se esse pensamento ganha espao na alma, o demnio da blasfmia o entrega ao demnio da impureza. Muitas vezes o leva at perda dos sentidos, e se o homem no o reencontra, est perdido". Disse um ancio: "Por acaso acreditais que Satans quer introduzir em vs todos os pensamentos? No. por meio de um nicop pensamento que vence a alma e espera conduzi-la perdio. Planta nela esse nico pensamento, no necessita de outro. Portanto, ficai atentos para no demonstrar agrado por um nico mau pensamento". Disse um ancio: "Misso do monge afastar para longe os prprios pensamentos". Conta-se que nas Celas vivia um ancio de dura ascese. Num dia em que recitava o Ofcio, um santo homem veio sua cela e de fora notou que ele lutava contra os prprios pensamentos. "At quando", dizia, "por uma nica palavra perderei todo o resto?". O que estava fora imaginou que estivesse discutindo com algum: bateu, para entrar e conseguir um acordo entre eles. Entrando, porm, viu que no havia ningum alm do velho. E como tinha liberdade de falar com ele, perguntou: "Pai, com quem discutias?" "Com os meus pensamentos", repondeu. "Veja: decorei quatorze livros e no ouvi mais nenhuma palavra fora daqui. Quando fui cumprir a obra de Deus, tinha esquecido tudo: somente aquela nica, pobre palavra, estava em minha mente no momento de rezar o Ofcio. Eis a razo pela qual brigava com meus pensamentos". Um irmo perguntou a um dos pais: "Ficamos contaminados se pensamos coisas reprovveis?". Aps ter examinado a questo entre si, alguns pais disseram: "Sim, certamente que nos contaminamos". Outros, pelo contrrio, disseram: "No, pois se nos contaminasse seria impossvel a salvao, porque ns somos frgeis; pelo contrrio, possvel salvar-se desde que no realizemos corporalmente aquilo que pensamos". O irmo que tinha feito a pergunta julgou insatisfatrias as respostas dadas pelos pais, pois eram discordantes. Dirigiu-se a um ancio mais experimentado e o consultou sobre este ponto. Respondeu-lhe o ancio: "Pede-se de cada pessoa que faa aquilo que lhe possvel". O irmo insistiu: "Em nome do Senhor, peo-te que me expliques esta palavra".

Disse o velhinho: "Suponhamos que aqui se encontre um vaso e que impossvel v-lo sem desejlo. Entram dois irmos; um alcanou grandes virtudes com a ascese da vida e o outro, poucas. Se o esprito do monge perfeito fica perturbado ao ver este vaso e se diz: Quero t-lo imediatamente, mas afasta o desejo, no fica contaminado. Quanto quele que ainda no atingiu um alto grau de virtude, se deseja esse vaso e por muito tempo rumina esse pensamento porque o desejo o consome, mas de fato no o rouba, tambm ele no se contamina". Um irmo, perseguido pelo pensamento de abandonar o mosteiro, abriu-se com seu abade. Ele respondeu: "Permanece na cela, oferece teu corpo como garantia s quatro paredes de tua cela. No te preocupes com aquele pensamento. Que teu pensamento v aonde quiser, mas que teu corpo no saia da cela". Um irmo interrogou um ancio: "O que fazer? Uma multido de pensamentos me ataca e no sei como resistir". Disse o ancio: "Nunca lutes contra todos, mas contra um s. Porque todos os pensamentos dos monges tm apenas uma cabea. Portanto, necessrio examinar qual seja realmente esse nico pensamento e qual a sua natureza, para depois lutar contra ele. Ento todos os outros pensamentos perdero sua fora". "A cada pensamento que aparece", diziam os velhos, "pergunta: 's dos nossos ou vens do inimigo?' E ele ser obrigado a confessar-te". Disse um ancio: "O esquecimento a raiz de todos os males". Um irmo atormentado pelos maus pensamentos sofria muito e, pela sua grande humildade, dizia: "Eu, com tais pensamentos, no posso alcanar a salvao". Dirigiu-se ento a um grande ancio e recomendou-se a suas oraes para que se livrasse desses pensamentos. Disse-lhe o ancio: "Isso no te serve, meu filho". Mas ele insistia com veemncia. E como o ancio rezou, Deus livrou o irmo do combate; e imediatamente ele caiu na presuno e no orgulho. E dirigiu-se ao ancio para pedir-lhe que retornassem os pensamentos e a humildade que possua. Se s atacado por pensamentos impuros, no os escondas, mas conta-os logo ao teu diretor espiritual e assim os dominars. Pois, na medida em que escondemos os prprios pensamentos, eles se multiplicam e ganham fora. Do mesmo modo que uma serpente sai de sua toca e foge correndo, assim os maus pensamentos, uma vez denunciados, desaparecem. Como um verme a madeira, assim os maus pensamentos corroem o corao. Quem manifesta seus pensamentos logo fica curado; quem os esconde, comete o pecado do orgulho. Pois, se no tens confiana suficiente em algum para revelar-lhe tuas lutas, essa a prova de que no tens humildade. A quem humilde todos parecem santos e bons, enquanto que a si mesmo se considera o nico pecador. Por outro lado, se algum invoca a Deus com todo o corao e interroga um homem a respeito de seus pensamentos, o homem lhe responde ou, mais ainda, Deus que responde como se deve pela mediao do homem, ele que abriu a boca da burrinha de Balao, mesmo se o interrogado for indigno e pecador. Um irmo perguntou a um ancio: "Que devo fazer, Pai, para combater os pensamentos que vm das paixes?". Ele respondeu: "Invoca o Senhor, para que os olhos de tua alma enxerguem os socorros que Deus envia ao homem para serem sua defesa e proteg-lo". Um irmo perguntou a um ancio: "Que devo fazer quando meus pensamentos me perturbam?". Ele respondeu: "Diz-lhes: 'Me dizem respeito? Que devo fazer com vocs?'. E ters o descanso. No contes contigo para nada, joga tua vontade fora, no tenhas nenhuma preocupao, e os pensamentos fugiro para longe de ti".

Um irmo interrogou um ancio e lhe disse: "Que queres que eu faa com esses maus pensamentos que penetram em meu corao?". Respondeu-lhe o ancio: "V a veste que guardas no ba e l esqueces, sem tir-la nem sacudi-la: vai se perder, no ter mais nenhuma utilidade para ningum. Mas, se tu sacodes a veste e constantemente a vestes, no se estragar, mas se conservar. Assim acontece com os maus pensamentos, se tu falas deles e os alimentas, eles fincaro sempre mais a raiz em teu corao, crescero e no te abandonaro. Se, pelo contrrio, tu no falares deles, em vez de aliment-los os odiares, morrero e abandonaro teu corao". Falou um ancio a respeito dos pensamentos impuros: " por negligncia que nos os toleramos; porque, se estivssemos convencidos de que Deus habita em ns, nunca introduziramos em ns qualquer coisa estranha: o Cristo Senhor, que vive em ns e conosco testemunha de nossa vida. Por isso, ns que o carregamos e o contemplamos, no devemos distrair-nos mas santificarnos, porque ele santo. Firmemo-nos na Rocha, e o rio pode lanar contra ns suas ondas e no haver nem temor nem queda. Canta a alma tranqila: 'Os que confiam no Senhor, so semelhantes ao monte Sion: nunca ser agitado quem habita Jerusalm'".