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Os Embrulhos

A peça descreve um casal de idosos que estão sendo despejados de sua casa para dar lugar a uma nova estrada. Eles embrulham cuidadosamente todos os seus pertences enquanto discutem sobre o despejo forçado e recordam memórias do passado.

Enviado por

Geyse Lellys
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Os Embrulhos

A peça descreve um casal de idosos que estão sendo despejados de sua casa para dar lugar a uma nova estrada. Eles embrulham cuidadosamente todos os seus pertences enquanto discutem sobre o despejo forçado e recordam memórias do passado.

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Os embrulhos

Pea em 1 ato de
Maria Clara Machado

Personagens:
um casal de velhos
uma criada jovem
um homem
figurantes-maquinistas
Cenrio:
Sala de estar da casa dos velhos. Uma janela dando
para o exterior. Uma porta fechada que se supe dar para fora e
outra dando para as dependncias da casa. Uma poltrona rodeada
de embrulhos pequenos e grandes e de caixas com papel e
barbantes. Uma cesta cheia de pequenos objetos. Uma mesa ao
centro, cheia de papis para embrulho. Uma escrevaninha com
pequenos embrulhos e alguns livros. Um telefone.
(Quando abre o pano, o Velho est terminando de colar alguns
selos num lbum. Ouve-se o barulho de um trator. O Velho pra e
olha a janela. Depois guarda todos os selos dentro do lbum e
comea a embrulh-lo. Ouve-se o telefone tocar. Cessa o rudo do
trator. O Velho olha o telefone em desafio. Chega a Velha com
uma caixa cheia de barbantes. Pra e interroga, com os olhos, se
deve atender. O velho faz que sim)
Velha (Ao telefone) - Pronto! Sim...sim...(Faz sinal para o Velho)
Mas o que que ns temos com isso? No, ele no atende mais.
(Ouve, espantada) Recebemos muitas, mas no abrimos nenhuma.
(Olhar triunfante para o Velho)
Velho - A primeira!
Velha - S abrimos a primeira. (Escuta. Fica muito espantada e
aflita. Depois, tapando o telefone) Hiii...ele est falando tanta
coisa! (Ouve) O que? Ah, isto eu no sei. Um momento. (Deixa o


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fone e se dirige ao Velho) Ns temos alguma coisa a ver com a


estrada nova que vai passar por aqui, Neguinho?
Velho (Pegando o telefone) - A estrada nova que arrange outro
lugar para passar. Se esto to impacientes que arrangem outro
lugar para passar essa estrada. J...j recebemos muitas sim, mas
no abrimos nenhuma. No abro nada que venha desse
departamento. (Ouve) Pois que venham. Venham para ver. E
querem saber de uma coisa? (Pra. A Velha, que tinha se afastado
rindo, volta muito alegre com uma caixa cheia de cartas)Al! Al!
(Desliga. A Velha joga as cartas para o ar) No se meta com estas
cartas, Neguinha. Isto no so assuntos que te interessam.(Comea
a apanhar as cartas)
Velha (Ajudando a catar as cartas e repetindo quase cantando) No so assuntos que me interessam. (A Velha pega uma carta e
comea a fazer uma brincadeira com o Velho) Esta foi a ltima. Vai
abrir? (Os velhos se entreolham e comeam uma brincadeira de
esconde-esconde, o Velho perseguindo a Velha para pegar a carta)
Velho - Me d...me d...(Finalmente ela entrega a carta ao Velho,
que olha o carimbo) O carimbo de trasanteontem. J sei o que
est escrito! (Triunfante)
Velha (Fingindo mistrio) - J sabe?
Velho - Sei. Ordem de despejo! (Ouve-se o trator, rudos de rua,
cantos de crianas etc. O Velho se enfurece e vai at a janela) Com
polcia, com caminho, com trator...(Depois o rudo cresce e ouvese um forte desmoronamento, como se alguma coisa estivesse
sendo destruda. Entra p pela janela. Os velhos tossem. Depois,
um silncio) E pensar que no estamos em guerra e que tudo
considerado legal. Bandidos! No podem levar minhas coisas...no
podem...so minhas...a casa minha! legal, justo arrancarrem
fora nossa prpria casa? (Enquanto isso a Velha recomea a
embrulhar vrios bibels. O trator recomea o barulho) Trator
desnaturado! Trator desnaturado!
Velha - Eles vm? (Sempre embrulhando os bibels. O Velho fita a
Velha e nada responde) Podem? (O Velho repete o mesmo jogo)
No quero, no! E tudo que a gente tem, to arrumadinho...
Velho - Arrebentam tudo. Vi um trator passar por cima da casa dos


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Peixoto! (Barulho do trator) uma coisa horrorosa. Di ver destruir


assim as coisas. As coisas que...(Trator)
Velha - Ah! J sei! Tive uma idia. A gente bota tudo num
engradado, bem embrulhadinho, no estraga nada e levamos tudo
conosco. (Pausa) Ser que passa pela porta?
Velho (Com fria) - Passa o que? O que voc est dizendo?
Velha - No estou dizendo nada de importante. Estava s pensando
se as coisas podem sair por esta porta. Eu bem que te dizia que
esta porta era muito estreita. (O Velho sai e volta com um
embrulho, que coloca na porta) Quando a gente chegou aqui era
diferente. A porta parecia mais larga. Enorme. Fomos pondo as
coisas na casa, uma por uma. A porta at que parecia mais larga.
Era uma porta...
Velho - Voc j disse isso, Neguinha.
Velha - J disse o que?
Velho - Que a porta parecia mais larga. Que a porta...chega!
Velha - Ah! Mas para sair, hum? Quando ela era toda verde, voc se
lembra? Tinha ali um vidro que era bonito. Mas fazia vasar muita
luz, ento voc mandou botar tinta preta para a luz no entrar com
tanta fora. Depois, quebraram o vidro. Voc colocou outro vidro
mais forte. E tambm mais caro, voc se lembra! O primeiro era
cheio de florinhas pintadas. No sei se de miosotes ou de
crisantemos. Eu no me lembro mais...(Como em segredo) Dizem
que ele passou por cima da casa dos Almeida tambm.
Velho - Eu vi.
Velha - Por que voc no me contou?
Velho - No ouviu o barulho?
Velha - Venho ouvindo muitos barulhos. Fico muito assustada.
Muito mesmo, mas no sabia que era barulho de acabar com a casa
dos Almeida.
Velho - Voc se assusta toa.
Velha - Voc sempre querendo me assustar.
Velho - Eu j te assustei, j?
Velha - Uma vez, h muito tempo, quando comecei a coleo.
(Pega a boneca) Voc deixou cair a bonequinha menor...vou
embrulhar. (Embrulha a boneca com carinho)


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Velho - Mas nada se quebrou, no foi? (Ouve-se a voz da criada


cantando na cozinha)
Velha - Graas a Deus!
Velho (Sai e volta com um embrulho) - Que sol horrvel, hoje,
Neguinha!
Velha (Espiando pela fresta) - E aquela poeira fedorenta que sai da
casa dos Peixoto?
Velho - Ento, cuidado! Deixa bem fechada. Ontem a criada deixou
aberta e o sol ia queimando a coleo.
Velha (Suspira) - Eles querem todos acabar com nossas coisas.
(Apanha um objeto e comea a embrulhar) No acho muito
decente o governo despejar assim um casal de velhos que nunca
fez mal a ningum.
Velho (Trazendo outro embrulho) - Se cada um cuidasse de sua
prpria vida, em vez de se meter na vida dos outros...(Entregandolhe outro embrulho). Passa outro papel de embrulho, Neguinha, a
poeira a de fora pode estragar. (Pausa) Voc vai levar tambm o
embrulho cor-de-rosa? (A Velha fita o Velho, que espera a
resposta, da porta)
Velha - No combinamos levar tudo, Neguinho? (O Velho sai) Traz
mais jornal, Neguinho, que este aqui pouco. (Terminado o
embrulho que fazia, torna a embrulh-lo. Barulho do trator) 0 que
ser que as pessoas procuram tanto nas estradas? No sei para onde
vo, e isso me deixa muito aflita. s vezes sinto at palpitaes, s
de pensar para onde vo as pessoas nessas estradas...
Velho (Que vinha chegando) - Voc no deve se afligir toa,
Neguinha.
Velha (Com o embrulho cor-de-rosa na mo, procura o barbante) Prefiro barbante amarelo para os embrulhos cor-de-rosa. Para os
embrulhos de jornal, prefiro barbante branco. (Ouve-se o som de
uma caixinha de msica. A Velha procura com rapidez no meio dos
pacotes. Acha-a. Coloca-a dentro de outra caixa e embrulha com
muito jornal at abafar a msica) Tem ainda barbante branco,
Neguinho? (O Velho entrega uma cesta cheia de barbantes) Quanto
barbante eu colecionei, santo Deus! Tambm, tantos anos!
Velho (Sai e volta com algumas fotografias) - Como esto cheios de


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poeira, veja, Nenguinha, os lbuns!


Velha - Ah, os lbuns! (Folheando) Voc tinha um cabelo
preto...Ah! Aquela cadelinha chamada Zefa...morreu...eu acho,
no , Neguinho?
Velho - Morreu. Que retrato bem tirado! (Apanha na estante uma
mquina fotogrfica antiga) Com esta mquina aqui, lembra? (O
Velho sobe na cadeira, faz que vai bater uma foto. H um segundo
de imobilidade, enquanto a Velha cobriu o rosto, rindo, atrs do
lbum)
Velha - Embrulha bem ela, seno estraga a lente. (O Velho
embrulha a mquina, enquanto a Velha folheia o lbum.
Subitamente, arranca uma foto do lbum e joga ao cho) Voc
deixou isto aqui de propsito, s para me fazer maldade.
Velho (Apanha a fotografia) - Ele ainda era um menino, Neguinha!
Velha - No quero levar ele...no quero.
Velho - Ento a gente no leva.
Velha - No quero.
Velho (Embrulha o lbum) - O retrato dele j grande eu tirei do
lbum, logo depois que ele embarcou. Pensei que deste, quando
ele ainda era um menino, voc no se importava mais. (Sai)
Velha - Agora importo. Importo muito. (Pega uma jarrinha) Ah, a
jarrinha vermelha! Vou embrulhar ela com papel azul e cordo
branco! (O Velho volta com um engradado, contendo pssaros)
Velho - Voc acha que os bichinhos vo bem aqui?
Velha - Ora, eles esto muito bem assim. Tudo quietinho e quente.
Ainda bem que j foram empalhados, seno teriam muito medo do
trator.
Velho - Que bobagem voc est falando a? Que trator? Fomos
despejados, mas temos os nossos direitos. S sairemos daqui
levando tudo o que nos pertence e depois que tudo j estiver bem
embrulhado. E s quando eu resolver. Se resolver...
Velha - Sabe, ontem eu sonhei.
Velho - Voc sonhou?
Velha - Sonhei que esse trator era mentira, inveno da empregada
para tirar nossa casa. Acho que ela quer a nossa casa.
Velho - Se ela quer, vai querendo. A casa nossa h mais de 40


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anos.
Velha - nossa. Voc j disse isso e j mostrou os papis.
Velho - Voc sabe o que eu vou fazer? Vou embrulhar os papis da
casa. (Vai escrivaninha)
Velha - Mas ela quer assim mesmo. Ontem vi ela na cozinha
conversando com um homem...
Velho - Voc ouviu?
Velha - Ela contava para ele do despejo e do trator, que j passou
em cima da casa do lado. Contou tambm da estrada.
Velho - O que que ela sabe da estrada?
Velha - Que a estrada do governo e que vai passar por aqui.
Depois ela riu.
Velho - Riu?
Velha - Muito!
Velho - Ento, como que voc sabe que ela quer a nossa casa? Ela
disse?
Velha - No disse nada. Mas riu tanto que s pode ser.
Velho - S pode ser o que?
Velha - Que ela tem inveja e quer tudo para ela. nossa! Tudo,
no , Neguinho?
Velho - , nossa.
Velha (Comeando a embrulhar os bibels) - Pe o dedo aqui,
Neguinho.
Velho (Pondo o dedo no n do embrulho) - O que que ele disse?
Velha - No disse nada. Mas ela, sempre rindo toa, de inveja,
pensou que no tinha ningum olhando, porque eu estava
escondida atrs do guarda-comida, ento...ela tirou um pedao de
po-de-l e deu para ele comer.
Velho - E a?
Velha - A eu apareci e perguntei a ela por que estava dando nosso
po-de-l para ele, e ela disse...disse assim mesmo: meu amigo,
dona Nenguinha, dei um pedacinho de po-de-l a ele...
Velho - E o que que voc disse?
Velha - No disse nada, eu no sabia o que dizer. O que que eu
tinha que dizer, hein, Neguinho?
Velho - Voc tinha que dizer que o po-de-l no era dela para


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estar distribuindo assim a torto e a direito para os que aparecem.


(O Velho sai)
Velha - Nunca sei o que dizer numa hora dessas. (O Velho vai
trazendo embrulhos de dentro do quarto, alguns maiores. A Velha
comea a embrulhar uma rvore de Natal artificial, enquanto
cantarola Noite Feliz). No sei porque querem fazer essa
estrada. Tudo j est to parado, ordenado e em paz como est!
(Trator)
Velho - Mania...
Velha - Ou ento podiam abrir noutro stio, e no derrubar a nossa
casa. O mundo no grande, Neguinho? Por que no abrem as
estradas no mundo desses comunistas que andam por a querendo
tirar as casas dos outros? (A Criada comea a cantar) Se a gente
no guarda os bolos e o po-de-l a sete chaves, ela abusa
sempre.(O Velho ri) Voc est rindo, Neguinho?
Velho - Sabe o que ? Estou me lembrando daqueles bolinhos de
bacalhau que voc escondeu no armrio para ela no tirar, e
ficaram estragados...
Velha - E o pior que estragaram meu xale, voc ri porque o xale
no era seu.
Velho - No precisa ficar zangada, Neguinha. Foi h tanto tempo...
Velha - Se eu tivesse deixado os bolinhos na cozinha, ela teria dado
tudo para esse homem, igualzinho como o po-de-l.
Velho - Isso verdade. (A Criada pra de cantar)
Velha - preciso mandar fazer um armrio de chave, na cozinha.
Velho - Vou mandar fazer.
Velha - No quero mais essa empregada.(Ele no responde) J
disse que no quero mais essa empregada...
Velho - A gente manda ela embora.
Velha - por isso que tinha to pouco po-de-l na mesa, antes do
caf. S pude ganhar um pedacinho. Voc percebeu?
Velho - Percebi. (O telefone toca. Os dois param de fazer os
embrulhos e fitam o telefone)
Velha - O telefone est tocando.
Velho - Voc pensa que eu sou surdo? (Empurra a Velha) Voc tem
mania de pensar que sou surdo. J ouvi. (A Velha comea a chorar.


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O Velho atende). Sim. Por que insistem? No li nada no, j disse.


Ameaas, ameaas, ameaas. Onde que ns estamos? Quero saber
se pago imposto para ser protegido ou para ser despejado? J disse
que no ceito, pronto. (Desliga. Depois, procura uma carta na
escrevaninha, fita o envelope)
Velha (Assustada) - Voc vai abrir?
Velho (Rasgando a carta) - Pensam que me metem medo com
palavras...(Pega um livro preto e o folheia) Preciso ensinar essa
gente a cumprir as leis. Posso provar a eles que isso violao de
domiclio. Uma agresso contra o cidado. No sei mais onde
isso... (Impaciente) Neguinha, embrulha o meu cdigo civil, junto
com os outros livros. No, melhor voc colocar os livros de direito
num embrulho e os outros num outro. !
Velha - Ponho a Bblia junto com os livros de direito?
Velho - No disse para pr os livros de direito num embrulho e os
outros num outro?
Velha - No precisa ficar to zangado. Eu s queria saber, porque a
Bblia tambm preta e eu ia pr os pretos todos num embrulho,
os vermelhos num outro...
Velho - Est bem.
Velha (Arrumando os livros pretos de um lado e os vermelhos do
outro) - Ihhh! Os vermelhos esto todos comidinhos de traas.
Velho - Eu te disse para comprar aquele remdio de matar traas.
Voc no faz nada do que eu mando e veja o resultado! Os livros
esto cheios de traas e de poeira. Tudo se estraga nesta casa.
Velha - E a culpa minha, ? No finja que no est ouvindo. Sei
muito bem que voc s surdo quando quer. Voc sabe muito bem
que eu no gosto de comprar nada naquela loja.
Velho (Abre um armrio e tira um vidrinho) - Comprei o remdio.
(Entrega a ela um vidro)
Velha - Eu sabia, eu sabia que voc acabava comprando. Um vidro
cheinho! Fica aqui embrulhando os presentes, enquanto arranjo um
papel cor-de-rosa para embrulhar todos os vidrinhos.(Sai com o
vidro. O Velho fica embrulhando os livros pretos. Entra a Criada)
Criada - Posso falar no telefone, seu Neguinho?
Velho - Pode.


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Velha (Da porta, vendo a Criada) - Embrulho o remdio das traas


com os outros vidrinhos, Neguinho?
Velho - Pode embrulhar, mas cuidado com as rolhas, seno
derrama tudo.
Velha - As rolhas! (A Velha sai. A Criada tenta ligar de novo. Fica
impaciente. O Velho continua a fazer os embrulhos. A Velha volta
da cozinha, fita a Criada) - No sei onde est a caixinha de rolhas.
Criada - Pus no lixo, dona Neguinha.
Velha - Voc ps no lixo?
Velho - Por qu?
Criada - Al! Al! Diabo de telefone que nunca d linha...Al! (Bate
o telefone)
Velha - Por que voc ps as rolhas no lixo?
Criada - Estava tudo podre.
Os dois - Podre!?
Criada (Ao telefone) - Al! De onde fala? Quer fazer o favor de
chamar o Alfredo a ao lado...Botei fora tambm aquela outra
caixinha de cacarecos. A gente no foi despejado? Boa hora para
fazer uma faxina nesta casa. (Os velhos esto como que fascinados
com a audcia da Criada) Alfredo? No est? Pois diga quele
safado que eu liguei para ele, e que j sei de tudo do negcio dele
com aquela puta. Tchau! (Desliga e sai)
Velha - Ela no tinha nada que botar a caixa de rolhas no lixo.
Agora no sei como vou tapar os vidrinhos.
Velho - No fique nervosa, Neguinha. Tenho outras rolhas
guardadas aqui. (Tira um embrulho de rolhas)
Velha - Voc pensa em tudo, Neguinho. Agora todos os vidrinhos
vo ter rolhas novas.
Criada (Chegando com uma caixa) - Isso tambm vou botar no lixo,
patro, no serve mais.
Velho - Voc...voc...voc no pode botar nada no lixo sem pedir
licena, est ouvindo? Nada disso te pertence. (Toma a caixa da
criada)
Criada - Deus me livre de fazer coleo de porcaria. No t aqui
para discutir. Se o senhor no quer que ponha no lixo, ento tira da
cozinha, porque trabalhar assim no d p! (Sai)


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Velha - No disse, Neguinho, que ela no serve? No quer cuidar


das nossas coisas e ainda por cima fica espalhando por a a histria
do trator e da casa dos Peixoto. E que o trator passou por cima...e
dizendo que a nossa casa tambm...(O Velho se enfurece e bate
com a caixa na mesa, espalhando as rolhas no cho. Aflita, a Velha
comea a cat-las) Se voc no tivesse guardado as rolhas novas,
no teramos uma s rolha para os vidrinhos.
Velho - Neguinha, vou falar com voc pela ltima vez. No toque
mais nesse assunto de trator. Isso me pe nervoso.
Velha - Me pe nervosa tambm.
Velho - coisa que no suporto falta de considerao. Pensam
que escrevendo umas cartinhas conseguem arrancar a casa de
quem bem entendem. Pensam que com meia dzia de telefonemas
podem pr para fora gente que nunca incomodou ningum.
Velha - Para onde vai a estrada, hein, Neguinho?
Velho - No sei, no quero saber e tenho raiva de quem sabe.
Velha - Tambm no sei e tenho raiva de quem sabe. (O Velho sai)
Acho que a criada sabe para onde vai a estrada. E o homem
tambm sabe. (A Velha comea a arrumar os cacarecos que a
Criada deixou. O Velho volta arrastando um enorme embrulho, que
continua a empilhar junto porta de entrada).
Velho - Pensam que tm direitos sobre ns. Ningum entra nesta
casa. (Traz outro embrulho) A propriedade minha. Aqui esto
todos os papis. Pensam que sou covarde! Que tenho medo de
cartinhas ameaadoras. Se no acreditam que a casa me pertence,
aqui esto todos os papis. (Agredindo o telefone) Claro que nesta
hora ningum vem em minha defesa. Aqui esto todos os papis.
(Mostra Velha, que no entende nada e olha os papis com o
olhar vazio) Ningum quer se meter com a vida dos outros.
Incomoda, eu sei...(Voltando Velha, que segura os papis,
medrosa) Aqui est. A certido lavrada no 23 Ofcio de Notas,
Tabelio Avelar, em 12 de outrubro de 1923. O papel do Registro
de Imveis com a escritura definitiva. A promessa de venda!
Clusula irrevogvel! Olhe! (Depois toma os papis da Velha, vai
at a janela e comea a berrar) Ningum quer se meter com a vida
dos outros. Aporrinha, eu sei. Todos esto vendo que querem


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destruir nossa casa. (Barulho de trator) O trator est a para


provar, olhem! Mas quem quer se meter? O que adiantam tabelies,
firmas reconhecidas, certides...todos sabem que vou ser
despejado e ningum quer tomar partido. Por qu? Porque tambm
tm medo de serem despejados. Fazem este barulho todo para
celebrarem o meu infortnio e verem o trator passar por cima de
nossas coisas. De nossos embrulhos. Esto loucos de vontade de ver
tudo se desmoronar em nossas cabeas. Mas se querem ver o nosso
infortnio bom irem procurar outro lugar para infernar a vida do
alheio, porque aqui nada acontecer. Neguinha, traz outros
embrulhos para empilharmos na janela tambm. Eles so capazes
de querer entrar pela janela. (A Velha sai. Barulho de trator) E
digo mais uma coisa: tratem de ir logo fazendo seus embrulhinhos
tambm...
Voz da criada - Porcaria de pia entupida, que no vale mais nada!
Velho (Furioso) - Jogou fora as rolhas e disse que jogou porque
estavam podres. O que que ela sabe disso? (A Velha entra com
enormes embrulhos, que entrega ao Velho, que continua a
empilh-los junto janela. Depois o Velho se senta, furioso) Como
pode se permitir de jogar fora coisas que so minhas. Minhas.
Recolhidas numa vida toda? Estas coisas me pertencem! Me
pertencem!
Velha (Entrando com umas estampas empoeiradas) - Veja,
Neguinho, o que achei atrs da cmoda. Podamos fazer um novo
quadro e botar em cima do armrio.
Velho (Observando a estampa) - J est muito rasgada. No d
mais para pr no quadro.
Velha - Ah! Ento eu vou embrulhar direitinho, junto com as outras
estampas. (Sai e torna a voltar) Boto papel de seda em cada
estampa?
Velho - melhor botar. O papel de seda est na segunda gaveta.
Velha - Descobri tambm a Virgem Maria e o Menino Jesus.
Velho (Vendo que a Velha se perturbou) - O que foi Neguinha?
Velha - Estou com tanta raiva do Menino Jesus...acho que no vou
embrulhar ele no.
Velho - E voc vai deixar ele a?


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Velha - Eu disse a ele, quando embarcou, para ele levar tudo que
era dele. No tinha nada que deixar aqui o Menino Jesus.
Velho - V embrulhar o Menino Jesus, v Neguinha.
Velha - Ento, vou embrulhar ele szinho, est bem?
Velho - Est bem.
Velha - Com papel de jornal.
Velho - Voc est querendo botar ele de castigo?
Velha - Longe da me dele e do pai dele. (Entra no quarto) A me
dele e o pai dele eu vou embrulhar em papel de seda com cordo
dourado.
Velho - E ele?
Velha - Vai de jornal e barbante branco, daqueles grossos.
Velho - Voc no esqueceu, hein?
Velha - Eu esqueo quase tudo, voc sabe disso. Sabe? Esqueci de
regar as plantinhas e elas morreram todas.
Velho - Morreram?
Velha - Morreram. (O telefone toca. Os dois ficam parados,
olhando para o aparelho. O Velho puxa o fio telefnico e arranca-o
da parede)
Velho - Agora quero ver se eles podem soltar palavreados em cima
de mim. (Depois de muito rir e gritar, olha com desprezo o
aparelho) No nos amolam mais.
Velha (Pegando o fone) - Al! Al! Ficou mudo, mudinho. Sempre
disse a voc que isso a s ia nos trazer aborrecimentos. E trouxe
mesmo.
Velho (Segurando o fone, dando tapas e fazendo caretas) - Vamos,
vamos! Grite agora, se tem fora, que vai nos despejar! Conta essa
histria de estradas passando por cima de minha casa, de direitos
do governo! Direitos! Quem so vocs? Quem so vocs contra mim?
(Bate no telefone) Viu como fcil? s no permitir que ningum
se meta com a sua vida. (Enrola o fio no pescoo) s arrancar o
fio. (Torma a arrancar o fio com fora e comea a puxar. Mas o fio
tem mais de 20 metros e o Velho vai se cansando de tanto puxar. A
Velha vem ajudar e ambos continuam a puxar. Finalmente, a Velha
se cansa e dorme em sua cadeirinha, sempre com o fio na mo. O
Velho continua, agora mais cansado, e j sentado tambm em sua


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cadeira. Finalmente, na ponta do fio aparece um beb ligado a ele


como a um cordo umbilical. O Velho levanta o beb, tira uma
tesoura da gaveta e corta o fio. Depois embrulha calmamente o
beb e volta ao telefone. Comea a falar como se estivesse livre
das velhas ameaas) Al, parou de xingar? Ento o senhor no
consegue falar mais? Responda agora se pode. (Faz caretas, d
tapas no telefone) Me explique direitinho agora porque querem
adiar minhas frias. (A Velha acorda e pega a ponta do fio) Ah! No
responde? Necessidade de servio. Que servio? E os meus
quinqnios? No saram? Ah, agora est caladinho, hein, seu
covarde! Seu covarde! E o navio? Vai me dizer que ele vai mesmo
partir s 3 horas? (Nesse momento ouve-se um apito de navio. A
Velha, que estava fingindo ouvir tudo na outra extremidade do fio,
comea a puxar o Velho, que est enrolado pelo pescoo no fio. H
quase um enforcamento, enquanto se ouvem os apitos do navio. A
Velha, num acesso de raiva, comea a puxar at que o Velho,
quase estrangulado, consegue falar) Neguinha!
Velha (Como que acordando) - Eu no quero que isto continue a
falar, j disse que no quero. Isso no pode mais gritar. (Pega o
telefone e comea a embrulh-lo. Quando j est passando o
barbante, ouve-se de novo o apito. Assustada, ela aperta o
barbante at cessar completamente o som do navio. O Velho
descobre um chapu velho na sua escrevaninha. Coloca na cabea.
Depois tira um espelho e comea a mirar-se nele)
Criada (Entrando) - O gs acabou, patro.
Velho (Alheio, continuando a olhar-se) - Acabou...
Criada - E agora, patro?
Velho - Usa o lcool e o fogareiro.
Criada - O fogareiro? (Pausa) Mas o gs, o senhor vai reclamar, no
vai?
Velho - Reclamar, o qu?
Criada (Sem entender nada) - Eu, hein? (Sai)
Velha - Ela bem desaforada. Parece que nunca viu um fogareiro.
(Pausa) Por que ser que acabou o gs?
Velho - Governo.
Velha - Sabe o que eu estava pensando, Neguinho?


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Velho - No, no sei no.


Velha - Se os passarinhos no fossem empalhados, eles iam sentir
muita falta de ar dentro desse engradado.
Velho - Mas eles esto empalhados, e muito bem empalhados.
Velha - Ainda bem, seno eles iam sentir muita falta de ar.
Passarinho empalhado tem vantagens: no suja a gaiola, no tem
vontade de voar pelas rvores. Porque passarinho foi feito,
primeiro, para voar nas rvores, nas nuvens, nos navios. (Sons de
pssaros e de navio apitando) S depois que ele resolveu ser
passarinho de gaiola. (Enquanto ela fala, descansa a mo sobre a
mesa e o Velho, distraidamente, comea a embrulhar seu brao. A
Velha, ao ver que ele est embrulhando sua mo, a princpio fica
muito espantada, mas depois d um risinho) Est me fazendo
cosquinha...(A Velha vai se deixando embrulhar at o brao. O
Velho, cada vez mais animado, continua embrulhando a Velha, e
chega ao rosto. A Velha ri, como se isso fosse uma brincadeira)
Quero s ver o barbante que voc vai escolher para mim...
Velho - Voc prefere fio dourado ou fitinha azul, Neguinha?
Velha - No ligo. S quero que voc no aperte demais, est bem?
Ah, isso eu no gosto.
Criada (De fora) - Porcaria de fogareiro enferrujado que no d
mais nada!
Velha - Psiu! Ela est brigando com o nosso fogareiro.
Velho - Voc sabe por que que o gs acabou?
Velha - Como que ia saber?
Velho - O gs acabou porque eles cortaram o gs (Continua
embrulhando a Velha)
Velha - Eles podem fazer isso?
Velho - No podem, mas fazem.
Velha - Nunca fui muito com essa gente do governo. Lembra do dia
em que eles no deixaram voc trabalhar mais?
Velho - Me aposentaram.
Velha - Eles podem, sem mais nem menos, aposentar assim as
pessoas?
Velho - Podem. Fazem tudo para acabar com a vida da gente.
Velha - Por isso que eu no vou muito com essa gente do


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governo.
Velho - Voc j disse isso.
Velha - Voc tambm no disse isso?
Velho - Disse, mas no precisa ficar repetindo tudo o que eu disse.
E tira esse papel da cara que voc est parecendo uma palhaa.
(Rindo)
Velha - Voc no estava fazendo um embrulho?
Velho - Tira esse papel da cara, que voc est aprecendo uma
palhaa! (Sai)
Velha - Foi voc mesmo que fez eu ficar com esta cara de palhaa.
(Chora)
Velho (Traz outro embrulho) - Se a gente conseguir pr todos os
embrulhos aqui na porta...
Velha - O despejo no pode entrar! Voc sempre tem idias
timas, hein, Neguinho?
Velho - Voc fala demais, Neguinha. Assim nunca conseguiremos
embrulhar tudo. (Vai e volta algumas vezes, com embrulhos cada
vez maiores. Sempre entrega Velha)
Velha - Estou cansada, Neguinho. Gosto de fazer os embrulhinhos
pequenos, mas os grandes me cansam muito. (Senta-se, exausta)
Velho - Deixa que eu fao os grandes. J estou acostumado.
Velha - E tambm voc tem mais fora porque homem. (Ouve-se
um bate-boca vindo da cozinha. a Criada com o Homem. Os
velhos ouvem, atentos)
Criada - Digo e torno a dizer que voc um safado. Pensa que me
faz de boba, ?
Homem - No enche o saco! Voc no tinha nada que me mandar
recado pelo Alcides. Voc sabe muito bem que ele vive me
gozando. T ouvindo?
Criada - No me empurra que eu no sou mulher de apanhar de
homem nenhum.
Homem - Deixa de frescura, que vim aqui foi para pedir satisfao
e no quero ouvir desaforo de mulher toa! (A Criada entra,
empurrada pelo Homem e quase cai sobre os embrulhos)
Criada - Olha aqui, seu filho da me, ou voc me deixa em paz, ou
ponho a boca no mundo! (O homem a empurra novamente e a


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Criada se esconde atrs dos embrulhos. Ele d um pontap em


vrios embrulhos, que se espalham)
Velho - Oh!
Velha - Este o mesmo homem do po-de-l.
Homem - Puta de uma figa! (D-lhe um puxo e se agarra com ela,
num beijo demorado. Ela se debate, mas finalmente cede.
Enquanto eles se beijam, ouve-se um enorme desmoronamento.
Mas os velhos s olham o casal)
Criada (Fugindo) - Tu sem vergonha mesmo. (Corre para a
cozinha, perseguida pelo Homem. Os dois riem, enquanto os velhos
esto estatelados)
Velha - Espia, espia Neguinho, seno ela capaz de dar a ele todo
o nosso almoo. No fico mais sem sobremesa hoje, j disse.
(Espiando)
Velho - O gs acabou, ela ainda no cozinhou nada, nem vai
cozinhar.
Velha - J disse a voc que no quero mais essa criada. Ou ento
voc compra um guarda-comida novo...
Velho - Vou mandar botar chave nova no guarda-comida. (Ouve-se
outra gargalhada, depois sussurros)
Velha - Ela deve estar contando a ele sobre a estrada nova. Fica
espiando bem, Neguinho, seno ela capaz de dar todos os nossos
mantimentos a ele.
Velho - Vou mandar embora essa criada. (De novo chegam
gargalhadas da cozinha. Os velhos se fitam em silncio)
Velha - Rindo toa...que bobos.
Velho - Gozando da gente, s pode ser.
Velha - Ela tirou todo o nosso po-de-l, Neguinho, manda ela
embora. Gosto tanto de po-de-l! (Ao espiar pela porta, a Velha
deixa cair um embrulhinho, que se quebra. A Criada, atrada pelo
barulho, vem at a porta e fica olhando. O Homem, por trs do
ombro dela. Os velhos ficam envergonhados de estarem espiando)
O embrulho caiu e quebrou...
Homem - Diga logo, anda!
Criada - Patro, quero minhas contas. Vou-me embora.
Velha - Vai embora?


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Criada - Vou.
Velha - Assim...sem a gente mandar primeiro?
Criada - Vou trabalhar no armazm. Ganhar mais.
Velha - Ganhar mais?
Criada - , mais tutu! Grana!
Velha - E ganha-se mais, Neguinho, trabalhando por a nesses
armazns?
Velho - Voc no tem nada com isso, Neguinha.
Velha - E o nosso almoo? (Este dilogo entre os dois sussurrado)
Velho (Alto) - E o nosso almoo?
Homem - Almoo, ? (D uma gargalhada, faz ccegas na Criada e
saem. Os velhos fitam a porta por onde eles saram. Depois,
naturalmente, fecham a porta da cozinha e, enquanto conversam,
vo empilhando outros embrulhos em frente dessa porta)
Velho - Voc deixou cair o embrulhinho cor-de-rosa, hein,
Neguinha?
Velha - E ficou tudo em pedacinhos.
Velho (Apanhando os cacos) - A gente s vai aproveitar o papel,
para fazer outro embrulho.
Velha - Ser que voc no d um jeito de colar os caquinhos?
Velho - Guarda com os outros caquinhos que depois eu vejo.
Velha - J tem um monte assim de caquinhos. De todas as cores.
Era uma jarrinha to bonitinha! (Enquanto ela cata os cacos, o
Velho empilha os embrulhos em frente da porta da cozinha) No
era voc que ia despedir ela, Neguinho?
Velho - Era. (Ouve-se o trator)
Velha - Tudo por causa dessa estrada nova.
Velho - Pra de falar nessa estrada, j disse! No quero ningum
nesta casa falando mais nessa estrada! (A Velha chora) E pra de
chorar!
Velha - Era uma jarrinha bonitinha.
Velho - A gente arranja outra. Ela era faladeira.
Velha - E dava o nosso po-de-l para ele. E falava coisas que
ningum entendia. Eu tenho muita pena de ver jarrinhas to
bonitinhas se quebrarem. Principalmente as que tm florzinhas
pintadas mo. Neguinho, estou com um pouquinho de fome. Seria


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bom a gente almoar.


Velho - Seria.
Velha - Sabe, Neguinho, deixei cair o embrulho da jarrinha por
causa dela. Foi ela a culpada me assustando daquele jeito. Era uma
criada m.
Velho - Era.
Velha - E ele ria de ns.
Velho - Ria.
Velha - Na certa ia tambm comer o nosso almoo. Ainda bem que
foram embora.
Velho - . (Senta escrivaninha e comea a tirar os sapatos, que
embrulha tambm)
Velha - Quando o despejo vier...
Velho - Quem falou em despejo? J disse que no quero ouvir mais
voc falar nesse assunto. No quero, est ouvindo?
Velha - No falo mais...no falo mais...no falo mais...(Comea a
chorar) Estou me sentindo muito mal. E tambm, com uma fome
esquisita...
Velho - Oh, Neguinha, sente-se. Voc est se abaixando demais,
isso ruim para o seu corao. Fica aqui neste banquinho que vou
buscar fitinhas de todas as cores para voc embrulhar os bibels.
(Senta a Velha no meio da cena, perto do monte de embrulhos e
sai. A Velha comea a embrulhar os bibels. O Velho volta com
fitinhas) Verdes, azuis, amarelas...qual voc prefere?
Velha - Gosto de todas. S no gosto de fazer os embrulhos
grandes. Esses me cansam muito.
Velho (Sentando ao lado dela) - Deixa que os grandes eu continuo a
fazer.
Velha - Assim que bom. (Comeam a fazer novos embrulhos.
Ouve-se de repente um barulho de vozes, ao mesmo tempo em que
a luz muda para luz de ensaio, e dois Maquinistas comeam a tirar
as paredes do cenrio, os objetos de cena etc.)
1 maquinista - Cuidado com as dobradias.
2 Maquinista - Mais para a direita, mais para a direita etc. etc.
(Os dois vo tirando o cenrio, enquanto se avista o fundo do
palco, com escadas etc. Tiram algum material de cena e, junto,


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carregam tambm os velhos, estticos, em suas cadeiras, como se


fossem objetos de cena)


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