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O documento analisa o poema "Da Influência da Lua" de António Nobre. Discute como o poema reelabora o tema comum da lua na literatura ocidental e como o poeta usa a lua para representar tensões da criação poética através de técnicas simbolistas. Também fornece contexto biográfico sobre António Nobre e sua obra.

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O documento analisa o poema "Da Influência da Lua" de António Nobre. Discute como o poema reelabora o tema comum da lua na literatura ocidental e como o poeta usa a lua para representar tensões da criação poética através de técnicas simbolistas. Também fornece contexto biográfico sobre António Nobre e sua obra.

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Sob a influncia da lua: Antnio Nobre

Pedro Marques
Doutor em Teoria e Histria Literria - UNICAMP
Professor da Faculdade Comunitria de Campinas - Unidade 3
Editor do site Crtica & Companhia
e-mail: [email protected]

Resumo

Abstract

Da Influncia da Lua auxilia a compreenso da curta e


pujante obra de Antnio Nobre. Alm de proporcionar a reflexo
sobre pontos especficos da esttica simbolista delineados na
potica nobreana, o poema re-elabora de maneira particular um
dos grandes lugares-comuns da lrica, para no dizer do
imaginrio, ocidental: a Lua. Mais que a observao pessoal
do satlite natural da Terra, o poeta utiliza a lua para cifrar as
tenses da criao potica e, operando tcnicas caractersticas
de um Mallarm ou um de Cruz e Souza, para sobrepor vrias
sugestes de leituras que no necessariamente se harmonizam.

About Moons Influence helps to understand the short


and powerfull work by Antnio Nobre. The poem provides
readers to think about the specifics components that this poetry
admits on the simbolist aesthetic. Its verses still develop with
originality a large clich of occidental lyric: the Moon. The
poet uses it to codify the poetic creation, more than a personal
look about the natural satellite of Earth. In this way, he operates
some typhical technics of Mallarm and Cruz e Souza styles, to
propose several possibilities of readings that dont need to be
harmonious among themselves.

Palavras-chave: anlise e interpretao de poesia,


Antnio Nobre, simbolismo, literatura portuguesa.

Key-words: analysis and interpretation of the poetry,


Antnio Nobre, simbolism, portuguese literature.

intrnseca, foco e ponto de partida da boa interpretao


literria, infiltrada por dados exteriores mas relevantes
no texto. Para introduzir e complementar a exegese
potica relevo, em princpio, alguma notcia biogrfica
de Antnio Nobre o qual, poeta subjetivo de ascendncia
romntica, no se furtou a espalhar pela obra fragmentos
da vida. Em seguida, rastreio os elementos que justificam
sua insero e contribuio ao que hoje entendemos
como tcnica ou esttica simbolista.
No se espere, porm, a conexo determinista
entre obra, indivduo criador e contexto histrico. Apenas
para lembrar um clssico da teoria literria, lanado nos
finais dos anos de 1940, os verdadeiros problemas
comearo (...) quando valoramos, comparamos e
isolamos os fatores individuais que se considera
determinarem a obra de arte. (WELLEK; WARREN,
1976, p. 85.) Eis uma afirmao tpica das principais
correntes tericas do sculo XX, e que exemplifica com
clareza a mudana de enfoque nos estudo literrios, da
individualidade criadora (homem ou autor) para a
individualidade expressiva (obra).

Este artigo foi pensado como exerccio circunscrito


de anlise literria. Comeando pela relevncia do texto
comentado, trata-se de ventilar um poema aparentemente
secundrio de um poeta cuja posio imprescindvel
para a compreenso de sua contemporaneidade literria.
Antnio Nobre (1867-1900), como se sabe,
sedimentou-se como um dos pilares da poesia portuguesa
que desfecha o sculo XIX. Seu nico volume de versos
(S, 1892) embora reunindo pouco mais de cinco
dezenas de peas, animou toda uma gerao em Portugal
e, tambm, no Brasil. Os sensveis e s vezes confessados
influxos que exerceu por estas paragens sobre um Manuel
Bandeira, e alm mar sobre um Camilo Pessanha e um
Fernando Pessoa, bastariam para demonstrar a presena
marcante em alguns dos principais agentes que, inclusive,
iriam esboar novos rumos para a poesia do idioma a
partir das primeiras dcadas do XX.
Sobre o mtodo de anlise, procuro conciliar duas
prticas apenas aparentemente conflitantes: a sondagem

211

II
Da influncia da lua
Outono. O Sol, qual brigue em chamas, morre
Nos longes dgua... tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poesia escorre
E os bardos, a cismar, molham a pena!
05 Ao longe, os rios de guas prateadas
Por entre os verdes canaviais, esguios,
So como estradas lquidas, e as estradas,
Ao luar, parecem verdadeiros rios!
Os choupos nus, tremendo, arrepiadinhos,
10 O xale pedem a quem vai passando...
E nos seus leitos nupciais, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!
O orvalho cai do Cu, como um ungento.
Abrem as bocas, aparando-o, os goivos;
15 E a laranjeira, aos repeles do Vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.
E o orvalho cai... E, falta dgua, rega
O vale sem fruto, a terra rida e nua!
E o Padre Oceano, l de longe, prega
20 O seu Sermo de Lgrimas, Lua!
A Lua! Ela no tarda a, espera!
O mgico poder que ela possui!
Sobre as sementes, sobre o Oceano impera,
Sobre as mulheres grvidas influi...
25 Ai os meus nervos, quando a Lua cheia!
Da Arte novas concepes descubro,
Todo me aflijo, fazem l idia!
Ai a ascenso da Lua, pelo Outubro!
Tardes de Outubro! tardes de novenas!
30 Outono! Ms de Maio, na lareira!
Tardes...
L vem a Lua, gratiae plena,
Do convento dos Cus, a eterna freira!
Porto, 1886.
(NOBRE, 1998, pp. 146-147)

Antes de avanar a anlise imanente, por assim


dizer, alguns dados biogrficos do escritor e a razo pela
qual escolhi a composio acima. H duas datas
possveis para o nascimento de Antnio Pereira Nobre.
A primeira, que consta do registro paroquial da igreja
de Santo Ildefonso, no Porto, relata que um dos mais
212

importantes poetas portugueses do final do sculo XIX,


nasceu em 1867, s cinco horas da manh do dia 7 de
agosto. A segunda, considerada verdica, foi anotada por
seu pai: nasceu o menino Antnio em 16 de Agosto de
1867, pelas cinco da manh. A informao importante
porque o nico livro de Nobre S privilegia o
movimento de explorao criativa do material biogrfico.
Na apreciao de Maria Ema Tarracha Ferreira
(1998, p, 7), cujo rico estudo de cerca de setenta pginas
introduz uma das edies atuais de S, Antnio Nobre
explora as circunstncias de seu nascimento
metaforizando-as a partir de duas instncias que se
tornaram smbolos de sua poesia: a tera-feira e a lua,
sobretudo quando desaparecida. No poema Antnio
enuncia-se: Ao mundo vim, em tera-feira / Um sino
ouvia-se dobrar. E no poema Memria: Debaixo dum
signo mofino, / Pela lua-nova, nasceu um menino. O
trabalho com esses dois temas gerais, mesmo que no
necessariamente num mesmo poema, recebe uma
traduo bastante especfica sendo, a um s tempo,
distintivo dessa produo que sempre coloca em pauta
o fatalismo e a Morte.
De fato, a tera-feira tradicionalmente
desafortunada para os portugueses. como se o mau
agouro desse dia da semana tivesse malfadado o destino
do menino que, tuberculoso, morreria jovem. A ocultao
da lua, por seu turno, tende a representar morte em
inmeras cosmogonias, inclusive tribais. A noite escura
despojada de seu grande farol, propicia a melancolia, a
falta de iluminao criativa e todo um mergulhar em si
comum em mais de um poema de Nobre. Da o
comparecimento do corpo celeste em Da Influncia da
Lua desenhar, dentre outros, o desejo de reverter a m
sorte original de um eu lrico baseado no homem Antnio
Nobre.
Longe de ocorrer de maneira estrita ou
simplesmente como referncia ilustrativa, tal estratgia
desenrola uma tcnica apurada, e que procura antes
transfigurar a realidade que descrev-la. Ou seja, muita
da referncia nobreana no tem a ver com o real mas
com um efeito de real ardilosamente montado (VOUGA,
1993, p. 98). As experincias de vida no aparecem
como confisses, ao entrarem para a construo artstica
como mais um material so absolutamente transformadas,
recebem tratamento literrio particular constituindo um
suporte potico que, a sim, caracteriza aquilo que
chamamos de autoria ou personalidade textual de
Antnio Nobre.
Ritmicamente, Nobre foi um craque em manejar
e enriquecer a metrificao tradicional. Era capaz de
versificar bem por dentro da conveno, como o

comprovam seus sonetos, mas tambm de praticar uma


polimetria (emprego de mais de um metro numa mesma
pea potica) moderna beira da prosa potica. Leiase, por exemplo, a mistura inusitada - sobretudo entre
decasslabos, hendecasslabos e alexandrinos - que d
aos versos de Purinha um traado rtmico nunca
arriscado na lrica lusitana.
J ao abraar os contedos, mesmo os pessoais,
era movido por aquela imaginao ficcional que conduz
os melhores poetas a refundir os dados da realidade
perceptvel. Assim, num poema como Lusitnia do
Bairro Latino, em que prevalece o tom memorialista,
assistimos no a uma biografia objetiva, mas a uma
insinuao quase misteriosa do que teria sido a infncia
do poeta. Ora, so justamente essas tcnicas que
justificam o enquadramento de Antnio Nobre na esttica
simbolista. Primeira, a de conseguir ritmos inslitos mesmo
a partir de metros tradicionais. Segunda, a de simbolizar
qualquer contedo ainda que simples, ou seja, preferese sempre sugerir a relatar.
De entrada, Da influncia da Lua prende a
ateno por sua linguagem fluente. Seus decasslabos
oscilam quase musicalmente entre sficos (acentos fortes
na 4., 8. e 10. slabas mtricas) e hericos (acentos
fostes da 6. e 10.) Colaboram para tanto, as repeties
de algumas palavras e estruturas frasais, como a
reincidncia da conjuno coordenativa [e], a qual
fornece ao poema um colorido oral de quem conta uma
histria.
Outras duas caractersticas saltam aos olhos e
ajudam a refletir sobre as alternativas de Antnio Nobre.
Por um lado, a difcil tarefa de medir no texto os possveis
ecos das correntes literrias que rivalizavam em sua poca:
o romantismo popular e neo-garretista, o simbolismo
meldico maneira de Verlaine (1844-1896) e Eugnio
de Castro (1869-1944) ou o decadentismo pessimista
e esteticista de J.K. Huysmans (1848-1907)
consagrado no romance s Avessas (1884). Por outro
lado, como sugere o ttulo do poema, a presena decisiva
da lua na obra. Poetizada a todo instante, cartaz em
muitas reflexes tecidas sobre a condio humana geral
e pessoal. Espcie de relgio natural marcando a
passagem da vida, ela figura at numa formidvel quadra
popular, composta em redondilhas maiores e integrante
da srie Para as raparigas de Coimbra:
16
Nossa Senhora faz meia
Com linha branca de luz:
O novelo a Lua cheia,
As meias so pra Jesus.
(NOBRE, 1998, p. 117)

Da literatura de Almeida Garrett (1799-1854), os


versos de Da influncia da Lua recuperam a
ambientao campestre, to difundida num dos romances
que inauguram o romantismo portugus e para o qual,
no por acaso, Antnio Nobre escreveu um poema
homnimo: Viagens na Minha Terra (1846). O Portugal
do interior rural, das vindimas, da pesca, da vida de
trabalho em contato com a natureza, sem a complexidade
e as etiquetas urbanas entendidas, em geral, como
nocivas, esse pas aqui mostrado sob as cores quentes
do entardecer e depois sob as frias do luar. O prprio
lirismo romntico, a linguagem literria permeada por usos
coloquiais que Garrett imprimiu aos poemas de Folhas
Cadas (1853) germina nos versos de Nobre. Leia-se:
Tardes de sonho em que a poesia escorre / E os bardos,
a cismar, molham a pena! Ou a face popular frisada,
sobretudo, no uso do diminutivo: Os choupos nus,
tremendo, arrepiadinhos.
Conseguimos imaginar o espao fsico narrado,
mas o compromisso da linguagem pouco linear. No
se exibe a preciso espetacular da poesia parnasiana,
que, alis, nunca fez escola em Portugal, tampouco a
nitidez cotidiana esbanjada nas estrofes de O
Sentimento dum Ocidental, de Cesrio Verde (18551886). Ao contrrio, sobrepe-se a sugesto musical
das palavras, isto , ante de remeter ou compor um
quadro literrio, o desenho sonoro das palavras tendem
a jogar nossa ateno para si prprias.
O esforo para aproximar a arte potica da
musical, em alguns artfices simbolistas como Mallarm
(1842-1898) e Cruz e Souza (1862-1898), avanou
sobre a fronteira da incomunicabilidade, ofereceu
poemas hermticos e, contraditoriamente, abertos
imaginao de cada leitor. Antnio Nobre jamais chega
a tanto, sua musicalidade rara vezes se converte em
interdio de leitura, operando muito mais como
oralizao da linguagem literria: ...So como estradas
lquidas, e as estradas.... Repare a forte aliterao em
dentais [t,d] e a assonncia com a vogal [a] formando
um desenho meldico, caracterizando um artifcio da
poesia de todas as pocas mas transformada em palavra
de ordem apenas pelos simbolistas.
III
Olhando o poema em seqncia, todos os versos
alternam-se entre decasslabos sficos e hericos,
gerando um ritmo nuanado e menos previsvel. As rimas
so cruzadas e perfeitas, obedecendo em cada estrofe
ao esquema a / b / a / b. A primeira estrofe mostra o dia
213

na hora do lusco-fusco, num ambiente outonal de fim de


tarde: O Sol, qual brigue em chamas esmorece abrindo
caminho para a participao decisiva da lua. Cenrio
propcio para a poesia dos bardos, isto , dos poetas
de extrao romntica como Antnio Nobre.
Sublinha-se o artista da palavra que precisa de
inspirao, de uma fagulha externa para impulsionar o
processo de concepo artstica. Se a lua capaz de
auxiliar a hora do nascimento do homem, tambm pode
ser a parteira da idia potica. Por isso quando a vem,
os bardos, a cismar, molham a pena e comeam a
escrever. Trata-se de um estmulo ertico de escrita, como
a mulher nua para o pintor. A voz potica da primeira
estrofe comea um pouco sem nimo, apenas olhando a
paisagem tediosamente, mas vai aumentando a fria
inventiva at chegar ao xtase final, concluso do
poema. A lua cheia no desfecho torna-se, assim, um
emblema do clmax criador.
A segunda e terceira estrofes vo carregando o
leitor para a noite, que sob a luz da lua faz com que os
homens redefinam a percepo. Acostumada com a luz
do dia ou, se quisermos, tambm com uma poesia mais
solar e objetiva, preciso readaptar a viso a fim de
enxergarmos todo o meio fsico agora sob tons graves e
confusos. E, diga-se de passagem, que poca
praticamente no existia iluminao eltrica, ainda mais
no interior de um pas pobre como Portugal. Da ser
proposital a inverso na descrio dos rios e das estradas,
atribuindo-se caractersticas dos primeiros s segundas
e vice-versa.
As estrofes dois e trs sobressaltam a percepo
visual das paisagens alteradas sob a lua. O mesmo rio
cristalino, a mesma estrada empoeirada se fundem numa
imagem embolada, insinuada pela escassa e onrica
luminosidade da lua. Ela tambm estimula a sexualidade
dos seres, frisada agora pelo enlace festivo dos
passarinhos (lavandiscas). Continuando o movimento
ascensional da lua, as duas estrofes seguintes primam
pelas estruturas anafricas que sublinham a ao contnua
do orvalho umedecendo e fertilizando tudo, incluindo a
imaginao do eu lrico: O orvalho cai do Cu, como
um ungento / E o orvalho cai... E, falta dgua, rega.
A utilizao das reticncias refora um pouco mais o
sentido e o paralelismo da frase o orvalho cai.
Tambm na estrofe quatro que surge o Vento.
Em seguida, na estrofe cinco o Padre Oceano. de
se notar que vrias entidades do universo natural se
iniciam com maiscula, sem contar a palavra Arte. Em
maisculas Sol, Cu, Vento, Oceano e Lua reforam
a deificao da natureza e sua integrao com o eu
potico. A Lua a ltima a aparecer porque sua beleza
214

e influncia superam os outros, porque acaba sendo o


objeto e o meio de inspirao artstica por excelncia
do poeta.
A sexta estrofe potencializa a influncia tanto
factvel quanto imagtica do satlite natural. Dos entes
midos (sementes), passando pelo ser humano adulto e
em estgio fetal (Sobre as mulheres grvidas influi...),
at a fora mais incontrolvel da natureza (Oceano, que
no singular e iniciado com maiscula pode representar
todos os oceanos do planeta) a lua exerce seu mgico
poder. Os conhecimentos lunares que os povos
acumularam secularmente e as constataes da cincia
esto irmanados. inquestionvel a relevncia da lua
sobre essas trs atividades para as quais o homem teve
que desenvolver tcnicas avanadas para sua melhor
sobrevivncia: a agricultura para poder se alimentar
independente da oferta natural do meio; o parto para
poder se multiplicar em mais mo-de-obra, maiores
exrcitos, etc; e, por fim, os grandes oceanos cujas mars
controladas pela lua os navegantes (sobretudo os
portugueses) precisaram domar para encurtar as
distancias e descobrir novos mundos.
A instncia sete revela o eu artstico possudo pela
inspirao. A lua manifesta-se como smbolo da
divagao ou da sanha criativa (Ai os meus nervos,
quando a Lua cheia! / Da Arte novas concepes
descubro). De fato, no raro chamamos de aluado ou
luntico aquele que, maneira de determinados poetas,
caminha por a dispersivo como se estivesse preste a
parir uma idia original, como que sob influncia da
lua. o retrato do gnio estabelecido a partir do final
do sculo XVIII e, em certo sentido, incorporado at
hoje em nosso imaginrio. Veja-se o que escreveu Shelley
(1792-1822), um dos expoentes da poesia romntica
inglesa, num poema em louvor lua: Voc, irm eleita
do Esprito (Thou chosen sister of the Spirit) (1988,
pp. 48-49).
At mesmo a distribuio dos poemas de S est
parcialmente subjugada s fazes da lua. So oito sees,
e repartindo o livro ao meio, a quarta e a quinta
respectivamente denominadas Lua-Cheia e Lua
Quarto-Minguante. De todo modo, aqui tambm
preciso lembrar dos versos de Plenilnio, em que
Raimundo Correia (1859-1911) exagera ainda mais
acintosamente o influxo da lua sobre a escrita potica,
chegando a fundir um ao outro: Um luar amplo me
inunda, e eu ando / Em visionria luz a nadar, / Por toda
a parte, louco arrastando O largo manto do meu luar
(1922, p. 157).
O estar recluso, trancado no quarto para escrever
e esperando a ao lunar, que no fundo representa toda

e qualquer pulso de vida e de criao, tambm


caracteriza a melancolia sentida na produo de Antnio
Nobre. Trata-se de uma percepo doentia de si e do
mundo tornada lugar-comum em algumas individualidades
poticas a partir do perodo romntico. o nosso tdio,
o spleen ingls ou o ennui francs. o que Massaud
Moiss diagnosticaria em Nobre, verdade que com
certa dose de exagero, como solipsismo doentio e
narcisista. (MOISS, 1964, P. 315)
Num captulo essencial de O Gnio do
Cristianismo (1802), Chateaubriand (1969, pp. 50-51)
definiria essa patologia como principal tormento do
individuo moderno (mal du sicle). Constitudo de
aptides jovens, ativas e altivas ou seja, em tese
predisposto para a ao esse homem no seria capaz
de objetiv-las. Sem finalidade, toda essa energia
reprimida se voltaria para si mesma, explodindo em
angstia desesperadora: o corao se retorce e se curva
de cem maneiras para empregar as foras que sente lhe
serem inteis. Chateaubriand acreditava que os antigos
ocupando o tempo com a poltica, jogos e disputas do
Frum e da praa pblica pouco conheciam desta
inquietude secreta, desta acidez de paixes
sufocadas. As mscaras poticas criadas por Nobre,
portanto, buscariam em vo alcanar a felicidade e a
tranqilidade dos antigos, os quais, muito ligados aos
afazeres externos, no deixavam nenhum espao para
o tdio do corao.
As estrofes seis e sete, alm de tudo, preparam o
cu e anunciam a apoteose do luar que ocorrer na ltima
estrofe. Ou seja, o poema se fecha no momento do
grande fulgor lunar, do plenilnio, quando a lua redonda
atinge o pico do cu. Momento mximo da noite, como
o sol a pino durante um dia de vero. Depois de tanto se
inspirar e buscar simboliz-la, o poeta termina por nos
entregar, sugestivamente, a prpria lua feita poesia. Por
isso Da Influncia da Lua inicia, exatamente, a quarta
seo de S, batizada de Lua-cheia. Nosso satlite
natural, prope Maria Ema, tem funo simblica: astro
dos ritmos da vida em todos os nveis csmicos
(FERREIRA, 1998, p. 67). Nesse poema, muito mais
que isso, ela opera como verdadeira caixa metafrica
para o poeta, uma vez que consegue ser interpretada
como a inspirao, a poesia, a fora motriz da natureza
e, tambm, como o prprio corpo celeste.
Por fim, alm de possuir a primazia frente s outras
entidades naturais e csmicas, a lua ganha de Antnio
Nobre uma significao cristianizada. L do alto,
podendo filmar o que h de bom e mal, o que h de
alegria e de tristeza nos homens, a lua se compadece,
jamais deixando de nos conceder seu fluxo de vida: Do

convento dos Cus, a eterna freira!. No cu, portanto


perto da divindade que a criou, atravs da lua que o
poeta, falho porque humano, se comunica com o inventor
maior. Mediadora entre o gnio artstico e Deus, sua
imagem de ternura e piedade surge coerentemente
fundida a da Virgem Maria. Assim, para aquela que gerou
em seu ventre Jesus Cristo, tambm ele ponte entre os
homens e Deus que fez encarnar seu filho, os cristos
oram: Ave Maria, cheia de graa (no latim: Ave Maria,
gratia plena). Assim, Antnio Nobre roga a sua lua
polissmica e cheia de sugestes: L vem a Lua, gratiae
plena.
Referncias Bibliogrficas
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___. Viagens na minha terra. Edio dirigida e
apresentada por Antnio Soares Amora. Rio de Janeiro:
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Haddad. So Paulo: Crculo do Livro, 1989.
215

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radicais, in Colquio / Letras n 127-128 Janeiro-Junho,
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Publicaes Europa-Amrica, 3. edio, 1976.
Recebido em 26 de junho de 2007 e aprovado em
01 de agosto de 2007.

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