Riscos Rebeldes: Notas Etnográficas e Criminológicas Sobre A Pichação
Riscos Rebeldes: Notas Etnográficas e Criminológicas Sobre A Pichação
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS CRIMINAIS
MESTRADO EM CINCIAS CRIMINAIS
FERNANDO PICCOLI
PORTO ALEGRE
2014
FERNANDO PICCOLI
PORTO ALEGRE
2014
FERNANDO PICCOLI
Banca Examinadora:
_______________________________________
Prof. Dr. Ney Fayet de Souza Jnior
Orientador
_______________________________________
Prof. Dr. Alvaro Filipe Oxley da Rocha
_______________________________________
Prof. Dr. Juremir Machado da Silva
AGRADECIMENTOS
No h dvida: concluir um mestrado mais que uma simples etapa. uma vitria.
Toda vitria depende de uma srie de fatores, tangveis e intangveis, um pouco de acaso, um
pouco de sorte, mas jamais existiria sem algo crucial: o fator humano. A esse preciso
agradecer, e muito.
Tantas pessoas passaram pela minha vida e construram minha identidade e muito do
que sei hoje reflexo destas pessoas. A mais importante delas, sem dvida, minha Me.
Maria Ceclia, tu me da minha personalidade, da minha carreira, e eu sinto que agradecer
algo to nfimo perto de tamanha dedicao, fora e vontade, qualidades mpares no mundo.
Obrigado por tudo. Vou sempre reconhecer e ser eternamente grato por cada semente que tu
plantaste em mim.
Do lado da minha me, meus amigos, como parte da minha famlia, representaram um
papel gigantesco.
Joo Nunes Junior, qualquer tentativa de definir essa amizade aqui peca pela
generalizao. Deixo as palavras pra ti, que sabe exatamente como brincar com elas. S tenho
a agradecer por tanto tempo de amizade, por ter sido uma das primeiras pessoas, sem dvida,
que instigou um pensamento crtico em mim, ainda nos idos tempos da faculdade de Direito.
Obrigado pelo convvio dirio, matinal, vespertino e noturno, pela companhia na(s) luta(s),
por dividir tua inteligncia e inspirao comigo.
Rafael Zottis, meu irmo mais velho dos dois, obrigado pelo apoio, pela companhia,
parceria e dedicao na vida profissional, pela amizade que perdura por bons anos. Crescemos
juntos, e espero que continuemos crescendo sempre.
Ney Fayet Jnior, por essa parceria que completa 3 concluses de curso. Minha
iniciao e amadurecimento acadmico devem muito a ti.
A todos os meus amigos, meus tios, tias, primo e primas, cada um de vocs sabe o
papel que tem na minha vida e tambm na minha carreira. Aos amigos mais prximos, aos
incrveis amigos que o teatro me deu, aos muitos amigos que conheci em 2013, muito
obrigado.
Aos professores da PUCRS e do PPGCCRIM que contriburam para o
amadurecimento das minhas ideias e de vrias formas contriburam para este trabalho, desde a
faculdade, passando pela especializao at o mestrado. A todos os funcionrios que fazem
RESUMO
Este trabalho tem nfase principal no fenmeno da pichao enquanto cultura juvenil
marginalizada e desprezada pela sociedade de forma geral. O principal objetivo o estudo
deste fenmeno a partir dos prprios envolvidos, os pichadores, valendo-se do mtodo
etnogrfico de pesquisa. A partir de uma anlise que foca nas leituras criminolgicas
contemporneas, na criminologia cultural e nos estudos sobre desvio e criminalizao das
prticas culturais e da vida cotidiana, o que esta pesquisa prope uma viso cada vez mais
abrangente sobre as artes urbanas perseguidas e criminalizadas pelas agncias de controle e
pela mdia de massa. O estudo se desenvolve em quatro captulos, partindo de uma anlise
mais geral a respeito do que se espera de uma criminologia nos dias de hoje, seguido por um
segundo captulo que aborda especificamente os protagonistas da histria e o fenmeno do
graffiti e da pichao. O terceiro captulo vai refletir diretamente sobre a criminalizao das
artes de ruas e como as representaes sociais acabaram por condenar a prtica da pichao,
tornando isso um crime e fazendo dos pichadores os viles. Ao final, fruto da pesquisa
etnogrfica realizada no ano de 2013 em Porto Alegre, so trazidas as prprias impresses dos
pichadores sobre seus atos e relatos do convvio direto do autor com estes jovens.
ABSTRACT
This work has major emphasis on the phenomenon of pichao as marginalized youth culture
and despised by society in general. The main objective is the study of this phenomenon from
own involved, taggers, drawing on ethnographic research method. From an analysis that
focuses on contemporary criminological readings in cultural studies in criminology and
deviance and criminality of cultural practices and everyday life, what this research suggests is
an increasingly comprehensive view of the urban arts persecuted and criminalized by control
and the mass media agencies. The study unfolds in four chapters, starting from a more general
analysis about what is expected of a Criminology today, followed by a second chapter that
specifically addresses the protagonists of the story and the phenomenon of pichao and
graffiti. The third chapter will reflect directly on the criminalization of street arts and how
social representations eventually condemn the practice of pichao, making it a crime and
making the villains of taggers. At the end, the result of ethnographic research conducted in
2013 in Porto Alegre, are brought own impressions of the taggers on their actions and reports
of direct contact with these young.
Key words: Cultural criminology; crimes of style; youth criminology; street art; graffiti;
pichao.
SUMRIO
Mise-en-scne: introduo
Este trabalho , em grande parte, fruto de algumas madrugadas frias nas ruas de Porto
Alegre. Como diz a msica do grupo de rap carioca Quinto Andar: Por isso que eu amo a
madrugada / Por que quando o sol subiu tudo chega e a paz acaba.
O tema da pichao foi uma escolha que veio da vontade de trabalhar com jovens, mas
jovens que a sociedade quase no v, mas fala muito sobre eles. A primeira ideia foi abordar o
tema das gangues e bondes juvenis, descartada aps algumas pesquisas e contatos, que
indicavam ter quase entrado em extino, j h alguns anos, na cidade de Porto Alegre. De
forma oposta, a pichao cresce exponencialmente, ganha mais espao no visual urbano, e,
consequentemente, na mdia. Foi ento que surgiu o encanto por esse mundo to curioso e
desconhecido daqueles que saem noite sem serem visto e deixam suas marcas por todos os
cantos, mudando constantemente a paisagem dos grandes centros urbanos.
O primeiro captulo o ato necessrio. Ele apresenta as bases criminolgicas,
sociolgicas e antropolgicas que deram origem ao trabalho. Nele, eu apresento os principais
autores que me inspiraram e construram minhas referncias tericas. O trabalho originrio
desse arcabouo terico e de todas as leituras que fiz nos ltimos anos. Primeiramente,
apresento uma proposta de Criminologia aberta ao dilogo, com enfoque transdisciplinar,
tendo como principais referncias os autores da Criminologia ps-crtica, e a Criminologia
Cultural. Logo em seguida, mesclam-se autores da antropologia, que serviram de suporte para
a pesquisa etnogrfica, e tambm leituras de teoria de imagem, e imaginrio, que vo ser
interligadas posteriormente com o ponto que versa sobre as representaes sociais do crime e
do desvio.
O segundo ato apresenta uma literatura especfica sobre manifestaes culturais
juvenis, pichao e graffiti. fato um apanhado histrico, e explicadas as principais
caractersticas dessas manifestaes culturais. Vai a partir deste captulo que vo surgir as
primeiras questes que levaram pesquisa de campo: quem so os pichadores? De onde eles
vm? O que pensam sobre suas atividades? Esse captulo ainda primordialmente terico e
apresenta uma viso geral sobre o desvio, sobre a apropriao de espaos urbanos, subculturas
juvenis, entre outros temas relacionados dentro da sociologia e Criminologia.
10
A pichao tem seu cdigo prprio de conduta, sua esttica, caligrafia e vocabulrios
prprios. preciso entender como se d seu funcionamento, e quem est por detrs daquelas
letras muitas vezes ininteligveis. Dentro dela existe uma gama surpreendente de diversidade,
de significados, de subjetividades, de histrias de vida, e principalmente, de seres humanos.
Seu preto e branco mais colorido que muitos outdoors de marca de refrigerante. Alis,
famosas marcas de refrigerante tm usado a grafia da pichao e do graffiti em suas peas
publicitrias. Um sinal.
Desde o incio deixo exposto o real motivo e objetivo desse trabalho: falar sobre
pichao a partir de uma tica invertida. Quem escreve o estudante de mestrado, formado
em Direito, dentro de um ambiente acadmico, a partir de uma linguagem tcnica, ligada a
teorias e inspiraes criminolgicas. Quem fala, ao final, so os prprios pichadores, em
relatos que tentam a maior verossimilhana possvel, mesmo sabendo que muitas ideias e
muitas falas despareceram na neblina das madrugadas, ou vo ficar apenas na memria.
Decidi tambm faz-lo em forma de cenas e atos em homenagem minha formao
em teatro e pela busca por uma mais interessante de exposio de uma dissertao de
mestrado. Uma pea de teatro, um filme, um documentrio, uma sesso de fotos, sempre me
parecero mais interessantes que um livro de capa em tom pastel com um ttulo exaustivo.
Enquanto isso no acontece, versatilizamos por aqui.
Por que no conversei com autoridades, moradores dos prdios pichados, lojistas que
tiveram sua fachada pichada? Porque a opinio deles majoritria, e Nelson Rodrigues j
dizia que toda unanimidade burra. preciso ouvir aqueles que acabam com a unanimidade,
se quisermos tentar entender alguma coisa sobre nossa sociedade. A opinio das pessoas que
abominam a pichao pode ser vista diariamente nos jornais: Os prdios tinham que passar
um tipo de leo para que esses inteis resvalassem e cassem para a morte, apenas um dos
muitos comentrios de mesmo tom violento feitos em uma reportagem sobre um pichador que
foi flagrado 11 vezes pela polcia enquanto pichava prdios em Porto Alegre.1
possvel relacionar as teorias acadmicas com a realidade das ruas. Apesar de, desde
o projeto de pesquisa, ter sido esse o objetivo deste trabalho, ao final me dei conta que no
existe nada melhor que a abertura. Por isso decidi que nenhum referencial terico entraria no
quarto captulo, apenas relatos das madrugadas de rol e fotos (todas as imagens do trabalho
1
12
foram feitas por mim, entre os anos de 2012 e 2014, algumas durante as madrugadas e os
rols, outras em viagens, para que servissem de comparativo). Os professores aqui so os
pichadores, e a sala de aula a rua.
13
14
E justamente seguindo essa mesma linha que Hlio R. S. Silva (2007, p. 30) introduz
sua etnografia sobre Travestis realizada no Rio de Janeiro:
A inteno aqui no foi a de tentar o panorama, para extrair regularidades a partir da
comparao. O panorama perde o contexto, o detalhe e a circunstncia. E so
exatamente a circunstncia mida, o pequeno detalhe e o contexto as instncias
humanizadoras por excelncia contra todas as predisposies preconceituosas e
3
15
Desde j aderimos a proposta feita por Jeff Ferrell em seu Crimes of Style (1993, p. 192), sobre o papel da
criminologia anarquista de enfrentamento com os abusos cometidos pelas autoridades e pelos empreendedores
morais: As a part of this dismantling process, anarchist criminologists must actively confront and oppose moral
entrepreneurs. Although at times laughable in its blundering intensity, the work of moral entrepreneurs cannot
be ignored or discounted, since it stands in direct conflict with the progressive goals of anarchist criminology.
While anarchist criminologists attempt to dismantle the machinery of law, moral entrepreneurs work to create
new laws and new crimes; while anarchist criminologists work to undercut legal authority, moral entrepreneurs
expand the scope, structure, and legitimacy of legality.
5
Segundo Keith Hayward: No surprise, then, that cultural criminology is stridently interdisciplinary,
interfacing not just with criminology, sociology and criminal/youth justice studies, but with perspectives and
methodologies drawn from inter alia cultural, media and urban studies, philosophy, postmodern critical theory,
cultural geography, anthropology, social movement studies and other action. Disponvel em
<http://blogs.kent.ac.uk/culturalcriminology/files/2011/03/youth-justice-dictionary.pdf>. Acesso em 27/11/2012.
16
sociais no contexto cultural, na busca por significados, que podem ser encontrados em todas
as manifestaes de estilo que simbolizem algo (ALVES, 2010, p. 47).
Seguindo por este caminho, a Criminologia Cultural procura entender como se
mostram as mais diversas respostas imagem da violncia medo, pnico, desconforto,
justificao, banalizao, indiferena, adeso, apologia ou culto. O crime acaba por se tornar
um produto consumvel, cada vez mais evidente nos anncios publicitrios, na televiso, na
msica, entre outros. o que os autores dessa corrente chamam de marketing da transgresso:
[...] car stereo ads now feature images of street riots with cars ads referencing
joyrinding, reckless, driving, extreme sports, and pyromania while other mainstream
advertising campaings feature vandalism, drug references, and political rebellion.
(FERREL; HAYWARD; YOUNG, 2008, p. 141)
preciso estudar o efeito que isso provoca sobre as pessoas e sobre o fenmeno do
crime, principalmente em uma sociedade onde tudo acaba sendo consumvel, estamos
cercados de anncios publicitrios, e a mdia chega a lugares at antes inatingveis.
Principalmente entre os jovens, o crime vendido como algo cool, e nesse ponto os autores
abordam tambm o caso de edgeworkers6, comuns nos dias de hoje, onde cada vez mais as
pessoas procuram adrenalina, ou uma rota de fuga do tdio que impera nas grandes
metrpoles7 quanto maior o risco, maior a atrao.
Cabe mencionar que este estudo tem sua abordagem a partir das tribos e agrupamentos
juvenis contemporneos, na busca pela sua prpria identidade e realidade, a partir do
momento que as prticas destes grupos so classificadas como crime ou desvio. Nas palavras
de Salo de Carvalho:
Sem ignorar os avanos da criminologia crtica, mas se conduzindo atravs e para
alm da crtica, a criminologia cultural encontrar, nas tribos contemporneas,
sobretudo nos agrupamentos jovens das grandes cidades, distintos significados e
novas formas de vivenciar a experincia do crime e do desvio. Isto porque se nas
ltimas dcadas houve profunda alterao na questo penal, ou seja, na forma pelas
quais as instituies de controle (agncias de punitividade) abordam o crime e o
6
Indeed, within the various cultural practices associated with contemporary youth culture there is much
evidence to suggest that risk-taking is becoming more pervasive. From the youthful (and not so youthful)
excesses associated with E and rave culture, car cruising,and binge drinking, to the rise in dangerous
extreme sports and the upsurge in socially risky practices such as unprotected sex and the use of hard drugs
such as heroin and cocaine, it seems that for many young people, the greater the risk, the greater the
attraction. (HAYWARD, 2002, p. 6)
7
Looking back at the long maturation of the modern world, we can actually see collective boredom
institutionalized within the practice of everyday life--and worse, institutionalized in existential counterpoint to
the modernist ethos of each citizen's meaningful, democratic participation in the construction of everyday life.
(FERREL, 2004, p. 290)
17
Se podes ver, repara. (SARAMAGO, 1995). A lio de Saramago definitiva, somos cegos
que veem, sofremos de cegueira mental:
O egosmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do
quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que
consiste em estar no mundo e no ver o mundo, ou s ver dele o que, em cada
momento, for susceptvel de servir os nossos interesses. (SARAMAGO, 2009)
Em outras palavras, tambm podemos dizer que nosso olhar educado, isto , quando
olhamos, vemos o que aprendemos a ver, e no o que os nossos olhos realmente mostram.
Nossos sentidos se complementam, e a viso complementada e interpretada a partir de todos
os conceitos que temos no nosso crebro: pr-conceitos. Conceitos formados de acordo com o
aprendizado adquirido desde a infncia. As ruas da cidade esto repletas por uma multido,
envolta em diversos cdigos de comportamento e cdigos visuais que foram aprendidos e
reaprendidos justamente para que essa multido pudesse conviver com prazer e
entendimento razovel. Segundo Celso Athayde, MV Bill e Luiz Eduardo Soares, cada
pessoa inserida na grande multido, tem o seu modo de observar e interpretar o mundo sua
volta. O pedestre quer chegar ao seu destino. O camel procura seus clientes. O policial trava
uma busca pela sua presa. Um homem parado no semforo v a cidade catica sua frente,
de dentro do carro. Um menino v a mesma cidade com um ar de descoberta, de curiosidade e
alegria. Todos dividem e veem a mesma realidade, mas com olhos distintos e diferentes focos
de ateno. O que o observador v, o que retm na memria e o que reorganiza em uma
imagem final, depende mais da sua viso do que a imagem produzida pelo que est sendo
observado. O foco no est no objeto: o decisivo, no olhar, a relao (ATHAYDE, MV
BILL, SOARES, 2005, p. 171).
Uma das formas mais eficientes de tornar algum invisvel projetar sobre ele ou ela
um estigma, um preconceito. (ATHAYDE, MV BILL, SOARES, 2005, p. 175) O preconceito
uma forma de gerar excluso. Quando nosso olhar educado lana sobre o outro todos os
pr-conceitos que esto enraizados na nossa mente, dando forma ao outro a partir do nosso
olhar, transformamos a pessoa que vemos em um simples indivduo: tudo o que nela
singular desaparece (ATHAYDE, MV BILL, SOARES, 2005, p. 175). Tambm possvel
interpretar essa relao como uma forma de etnocentrismo. Segundo Eduardo Guimares
Rocha (1995, p. 15): aqueles que so diferentes do grupo do eu os diversos outros deste
mundo por no poderem dizer algo de si mesmos, acabam representados pela tica
etnocntrica e segundo as dinmicas ideolgicas de determinados momentos.
19
autores citados permite perceber o quanto somos engenhosos em criar indiferena. Ao voltar
de uma viagem ao exterior, especialmente a um pas mais rico que o Brasil ou menos injusto e
onde no existem tantas pessoas morando nas ruas, tendemos a reparar mais na quantidade de
crianas e adolescentes que vivem nas ruas das nossas cidades. Mas medida que o tempo
passa, nossa percepo vai diminuindo gradativamente, at voltarmos ao patamar anterior: os
moradores de rua se tornaram, para ns, novamente invisveis. No entanto, como dizem os
autores de Cabea de Porco, eles sempre estiveram e continuam estando l (ATHAYDE, MV
BILL, SOARES, 2005, p. 177).
Essa ferramenta que a nossa mente usa, criando a invisibilidade, nos protege, nos livra
que sofrer com a dor do outro. Ao colocar essas pessoas excludas sob o manto da
invisibilidade, abstemo-nos da responsabilidade sobre elas. E poderemos, assim, viver a nossa
vida de forma mais tranquila. um mecanismo adaptativo realidade social que produz
misria e marginalizao. E provoca o que Jock Young chama de demonizao, a partir da
criao de essencialismos, que gera como consequncia solues falaciosas para os nossos
problemas sociais, onde ns lavamos as mos da responsabilidade por eles:
A demonizao importante porque permite que os problemas da sociedade sejam
colocados nos ombros dos outros, em geral percebidos como situados na
margem da sociedade. Ocorre aqui a inverso costumeira da realidade causal: em
vez de reconhecer que temos problemas na sociedade por causa por causa do ncleo
bsico de contradies na ordem social, afirma que todos os problemas da sociedade
so devidos aos prprios problemas. Basta livrar-se dos problemas e a sociedade
estar, ipso facto, livre deles! Assim, em vez de sugerir, por exemplo, que grande
parte do uso deletrio de alto risco de drogas causado por problemas de
desigualdade e excluso, sugere-se que, se nos livrarmos deste uso de drogas (diga
no, trancafiem os traficantes), no teremos mais nenhum problema. [...] Assim, o
crime a moeda forte desta demonizao. Isto , a imputao da criminalidade ao
outro desviante uma parte necessria da excluso. (YOUNG, 2002, p. 165)
preciso, sem dvida, procurar despir-se dos preconceitos, com uma forma que d
visibilidade ao excludo, marginalizado e demonizado, objetivo principal deste estudo daqui
pra frente. Como fazer com que a pesquisa criminolgica afaste seus fantasmas e saia para a
rua? A melhor forma (assim entendo) como afirma David Brotherton (2008), sobre o
trabalho com gangues e agrupamentos juvenis: preciso envolver-se com esses grupos,
enxerg-los por diferentes ngulos, coloc-los em um contexto histrico, olhar para sua
evoluo no tempo e avaliar como mudam ou se no mudam. No h outro jeito seno a
insero no ambiente e no convvio com os grupos e suas manifestaes culturais a serem
pesquisadas. A importncia da etnografia em criminologia, principalmente ps-crtica,
resumida por Jeff Ferrell (2010, p. 354) da seguinte forma:
21
Nas palavras das antroplogas Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornelia Eckert (2008,
p. 9):
A pesquisa etnogrfica, constituindo-se no exerccio do olhar (ver) e do escutar
(ouvir), impe ao pesquisador ou pesquisadora um deslocamento de sua prpria
cultura para se situar no interior do fenmeno por ele ou por ela observado, atravs
da sua participao efetiva nas formas de sociabilidade por meio das quais a
realidade investigada se lhe apresenta.8
Ainda, segundo as autoras (2008, p. 9), a etnografia composta, basicamente, da inter-relao entre o (a)
pesquisador(a) e o(s) sujeito(s) pesquisados que interagem no contexto, recorrendo primordialmente s tcnicas
de pesquisa da observao direta, de conversas informais e formais, s entrevistas no-diretivas, etc. Ainda, se
constitui como forma do(a) antropolgo(a) pesquisar, na vida social, os valores ticos e morais, os cdigos de
emoes, as intenes e as motivaes que orientam a conformao de uma determinada sociedade. (2008, p.
10). Nas palavras de Alba Zaluar (2009, p. 563): O trabalho de campo etnogrfico, baseado na observao
participante segundo esta abordagem, o modo de conhecer a sociedade ou a cultura estudada que culmina
na sua reconstituio desde o ponto de vista do nativo.
9
Seguem os ensinamentos do precursor do trabalho etnogrfico na Antropologia, Bronislaw Malinowski (1984,
p. 22): Se um homem parte numa expedio decidido a provar certas hipteses e incapaz de mudar seus
pontos de vista constantemente, abandonando-os sem hesitar ante a presso da evidncia, sem dvida seu
trabalho ser intil. Mas, quanto maior for o nmero de problemas que leve consigo para o trabalho de campo,
quanto mais esteja habituado a moldar suas teorias aos fatos e a decidir quo relevantes eles so s suas teorias,
tanto mais estar bem equipado para o seu trabalho de pesquisa.
10
Esse momento uma experincia nica e intransfervel. uma busca de conhecimento orientada por
conceitos de um campo semntico da teoria antropolgica que nos estimula a questes antietnocntricas, quer
dizer, de no fazer com que os juzos de valores da sociedade do(a) prprio(a) pesquisador(a) persistam ao olhar
o Outro evitando a armadilha de ver o Outro com os valores de uma sociedade to distante que gere e reproduza
o preconceito (ECKERT; ROCHA, 2008, p. 14).
22
homem teceu e nesse contexto que tais construes sociais podem ser descritas com
densidade (ALVES, 2010, p. 46)11.
A vinculao entre crime e maldade a principal desconstruo de letras de
rap que apresentam o criminoso como algum no apenas bom, malandro e
sedutoramente indcil, mas aprecivel como ser humano. A desvinculao entre
crime e maldade era para ser um dos principais contributos da criminologia crtica
para o pensamento. Tal intuito seria bastante facilitado se criminalizados
participassem de teses acadmicas, debatessem em congressos jurdicos e, ao invs
ou conjuntamente aos congressistas estrangeiros, ns consegussemos compreender,
sem tradutores, os dialetos inscritos na prpria cidade em que vivemos.
(CARVALHO; LINCK; MAYORA; PINTO NETO, 2011, p. 47)
A este respeito, valemo-nos do conceito de cultura trazido por Clifford Geertz (1978, p. 15), que dialoga com
Max Weber ao dizer que o homem um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo
a cultura como sendo essas teias e a sua anlise; portanto no como uma cincia experimental em busca de leis,
mas como uma cincia interpretativa, procura do significado.
23
Ao estudar os jovens moradores do conjunto suburbano Quatre Mille, em Paris - Frana, o autor Loc
Wacquant (2005, p. 140-41) relaciona a questo territorial com as prticas de violncia e vandalismo perpetradas
pelos habitantes destes locais: A violncia verbal desses jovens, assim como o vandalismo praticado por eles,
devem ser compreendidos como resposta violncia socioeconmica e simblica qual se sentem submetidos
por serem relegados a um lugar to desprestigiado. No so surpreendentes, portanto, a enorme desconfiana e a
amargura que cultivam em relao capacidade das instituies polticas e vontade das lideranas locais de
sanar o problema. Outra informao interessante trazida pelo autor de que o bairro Quatre Mille visto pelos
moradores e retratado pela mdia como uma caamba, ou ainda a lata de lixo de Paris, enquanto que as
agncias estatais, e os responsveis pelo programa de reurbanizao do governo local o classificam como bairro
sensvel. Essa distino uma forma de maquiar o problema, tornando cada vez mais invisveis as pessoas que
l habitam. O mesmo acontece nos guetos, subrbios e favelas ao redor do mundo, principalmente no Brasil.
24
terem uma taxa mais alta de delinquncia juvenil. Para eles, uma explicao seria a de que as
pessoas pobres encontrariam mais dificuldades de satisfazer suas necessidades recorrendo aos
meios lcitos, no entanto, este no visto como o principal fator. A pobreza dos indivduos s
est relacionada delinquncia quando existe um conjunto de condies ecolgicas que
dificulte a capacidade da comunidade de efetivar seus valores comuns, quais sejam: a) menor
capacidade de associao: as associaes de bairro so importantes na formao dos jovens.
Mas difcil existir essas associaes em determinados bairros de onde as pessoas s pensam
em sair quando melhorarem seus recursos; b) menor possibilidade de controle sobre as
atividades desviadas: segundo os autores, quanto menor o controle, maior a possibilidade de
atividades delitivas; c) maior exposio dos jovens a valores desviados: influncia da
delinquncia adulta, em razo dos valores dominantes (MOLIN; PIJOAN, 2001, p. 84-85).
A contribuio da Escola de Chicago para uma anlise social da cidade provoca
diversos questionamentos e uma necessidade de verificar se, realmente, as concluses
chegadas pelos autores h quase um sculo atrs realmente se aplicariam s cidades de hoje.
Naquela poca, e naquele contexto, o que se propunha era uma viso da cidade, sendo Michel
Agier, com reas naturais de segregao. Em Chicago, muitas dessas reas recebiam
inclusive definio por nome, por exemplo, Black Belt (negros), Little Sicily (italianos) e
Ghetto (judeus, e posteriormente, tambm para os negros) (AGIER, 2011, p. 118).
As cidades brasileiras ainda so exemplos dessa realidade de metrpoles divididas e
multifacetadas. A regio metropolitana, da favela s comunidades mais isoladas, tudo
exemplo desse mosaico que forma nossas cidades. O centro continua sendo o lugar onde esse
mosaico se mescla, o lugar onde se encontram pessoas vindas das mais diversas regies e
zonas da cidade.
25
26
Ainda, segundo o mesmo autor (2009, p. 294-338), a exibio superlativa e em tempo real das imagens das
violncias dissolve no apenas os limites de espao e de tempo, como estilhaa as fronteiras dos significados do
27
para romper com as barreiras entre espao real e virtual que a criminologia cultural
vai buscar nos estudos da sociologia do imaginrio um norte para compreender o mercado
gerado pela difuso em escala global do fenmeno da violncia.
Com isso, importante entender o papel que cumpre a imagem hoje, quando de sua
exploso no Ocidente, a partir de um produo obsessiva de imagens miditicas. Sobre isso,
apresenta-se o pensamento de Gilbert Durand (1999, p. 33-34):
A imagem meditica est presente desde o bero at o tmulo, ditando as intenes
de produtores annimos ou ocultos: no despertar pedaggico da criana, nas
escolhas econmicas e profissionais do adolescente, nas escolhas tipolgicas (a
aparncia) de cada pessoa, at nos usos e costumes pblicos ou privados, s vezes
como informao, s vezes velando a ideologia de uma propaganda, e noutras
escondendo-se atrs de uma publicidade sedutora... A importncia da
manipulao icnica (relativa imagem) todavia no inquieta. No entanto dela
que dependem todas as outras valorizaes das manipulaes genticas,
inclusive.
lcito e do ilcito, das condutas socialmente adequadas e daquelas transgressivas, da prpria posio de insider ou
de outsider dos seus atores e dos seus espectadores.
14
Roubar um veculo e dirigi-lo apenas por prazer, sem inteno de ganho material.
15
No mesmo sentido: Crime has been seized upon; it is being packaged and marketed to young people as a
romantic, exciting, cool and fashionable cultural symbol. It is in this cultural context that transgression becomes
a desirable consumer choice. Within consumer culture, crime is aesthetisized, and thus our experience of crime
is primarily aesthetic, that is to say, our collective experience of crime is given to us via the mass media. This is
not to suggest any simple causal link between images of violence and crime in consumer culture and
contemporary youth crime; rather what I am suggesting is that the distinction between representations of
criminality and the pursuit of excitement, especially in the area of youth culture, are becoming extremely
blurred. (HAYWARD, 2002, p. 10).
28
preciso estudar o efeito que isso provoca sobre as pessoas e sobre o fenmeno do
crime, principalmente em uma sociedade onde tudo acaba sendo consumvel e vivemos
cercados de anncios publicitrios, com a mdia chegando at lugares antes inatingveis.
Principalmente entre os jovens, o crime vendido pelas suas imagens como sendo algo
cool, algo interessante, que provoca certos sentimentos, como de adrenalina.
O consumo, em meio ao tdio vivido pelos habitantes das grandes metrpoles, acaba
se tornando uma forma de revitalizao de emoes mortas por meio do choque e do risco
da cidade16. Segundo Beatriz Jaguaribe (2007, p. 107), os imaginrios do risco e do medo,
por sua vez, dependem da circulao das narrativas e imagens da violncia e conflito social
promovidas pela mdia virtual e impressa.
A vida na cidade permeada por paradoxos: de um lado, a proliferao das imagens
da violncia geram um sentimento de insegurana, uma cultura do medo que impede as
pessoas de sarem noite e fazem dos shoppings e das casas cercadas por muros os lugares
mais seguros para se ficar. Entretanto, essa recluso acaba gerando um sentimento de tdio, de
onde as pessoas tiram a necessidade de viver novas experincias, de enfrentar o risco da
cidade e ir alm dos muros que as cercam. Hoje em dia existem diversas formas de quebrar
esse tdio e fugir da monotonia cotidiana, exemplo disso so as tours de visitaes a lugares
bizarros e encontros exticos dos mais variados. A experincia mais comum, no entanto, se
resguardar e buscar na tela das TVs, ou mesmo do cinema, uma forma de fuga, pois o medo
do perigo e a complexidade de negociar a cidade tambm permitem que muitos se resguardem
voyeuristicamente do contato direto com a metrpole e vivenciem a urbe pelas telas
miditicas, tudo isso numa forma de possuir experincias intensas e de encontrar a
diversidade que quebre a monotonia do familiar (JAGUARIBE, 2007, p. 107).
Nesse aspecto, como principal mecanismo de satisfao do desejo, ou mesmo do
sentimento catrtico, entram as mais diversas produes recentes que abordam a temtica da
violncia, mas no necessariamente de forma documental, ou com uma profundidade crtica,
que busca uma reflexo sobre o tema, mas apresentando o choque do real, termo definido
por Beatriz Jaguaribe (2007, p. 110) como sendo a utilizao de estticas realistas visando
suscitar um efeito de espanto catrtico no leitor ou espectador. As imagens transmitidas esto
16
Sobre o consumo promovido pela mdia, vale citar a reflexo de Beatriz Jaguaribe (2007, p. 120), culturas
miditicas e novas formas de consumo criaram novas elites, celebridades e modelos. Entretanto, esta cultura
miditica e as sedues do consumo contribuem para fomentar a crescente frustao dos jovens urbanos, acuados
por penrias econmicas que obstaculizam dramaticamente suas expectativas sociais e possibilidades de
inveno do futuro.
29
fortemente ligadas ao apelo da violncia urbana, como retrato da realidade: favelas, centros
correcionais, periferias urbanas carcomidas, prises infectas e a saga de traficantes so alguns
dos tpicos abordados, segundo a autora.
Vivenciamos, h tempos, o fenmeno da hiper-realidade, na medida em que o
telespectador, antes passivamente diante da tela de televiso, passa agora a se ver nela, como
em um reality show do social, do cotidiano, e focado na violncia da cidade antes no vista.
Diante disso, impossvel no lembrar as palavras de Jean Baudrillard (1996), que envoltas em
ironia, resumem o momento em que vivemos paradoxalmente diante e dentro das telas:
Vivemos na iluso de que o real o que falta mais, mas o contrrio: a realidade
est no seu auge. fora da performance tcnica, chegamos a um tal grau de
realidade e de objetividade que se pode at falar de um excesso de realidade que nos
deixa bem mais ansiosos e desnorteados que a falta de realidade, que podamos pelo
menos compensar pela utopia e o imaginrio. Enquanto para o excesso de realidade
j no h nem compensao nem alternativa.
E aqui vale referenciar o pensamento de Gilles Lipovetsky (2009, p. 264) acerca das
representaes feitas pela mdia contemporaneamente, diante de uma evoluo da tecnicidade:
A mdia caminha pelo charme discreto da objetividade documental e cientfica, mina
as interpretaes globais dos fenmenos em benefcio do registro dos fatos e das
snteses de dominante positivista. Enquanto as grandes ideologias tendiam a
libertar-se da realidade imediata supostamente enganadora e punham em ao o
poder irresistvel da lgica, os procedimentos implacveis da deduo, as
explicaes definitivas decorrentes de premissas absolutas, a informao sacraliza a
mudana, o emprico, o relativo, o cientfico. Menos glosas, mais imagens; menos
snteses especulativas, mais fatos; menos sentidos, mais tecnicidade.
No h dvida: a busca por uma performance tcnica cada vez maior, uma maior
oferta de tecnologias nos campos da comunicao, como a fotografia, o cinema e a televiso
nos coloca diante de uma nsia contempornea: tudo que vivemos precisa ser registrado em
tempo real. As imagens de guerras so apresentadas para ns por jornalistas que se encontram
do outro lado do mundo, mas como se estivessem aqui, no Brasil (referncia guerra no
Iraque, Afeganisto, e acontecimentos relacionados Primavera rabe, como a perseguio e
morte de lderes ditatoriais, alm das recentes manifestaes ocorridas nos meses de maio e
junho de 2013 no Brasil); um sequestro de um nibus filmado do seu incio ao seu desfecho
(referncia aqui ao sequestro do nibus 174, ocorrido no dia 12 de junho de 2000, no Rio de
Janeiro); em 2010 acompanhamos ao vivo a ao da Polcia Militar do Rio de Janeiro para
retirar o Morro do Alemo do controle dos traficantes de drogas.
30
Paradoxalmente, a nsia pelo real traz um fenmeno curioso: a mdia se torna real, e
a vida se ficcionaliza, segundo Beatriz Jaguaribe, (2007, p. 119), isso porque cada vez mais
so potencializados o que a autora chama de efeitos do real:
A modernidade desencantada e reencantada enfatiza a primazia da viso por meio
das novas mquinas da visualidade. A cmera fotogrfica, o cinema, e
posteriormente, no final dos sculos XX e XXI, a realidade virtual potencializaram o
efeito do real. A realidade tornou-se mediada pelos meios de comunicao e os
imaginrios ficcionais e visuais fornecem os enredos e imagens com os quais
construmos nossa subjetividade. O surgimento dos novos realismos na literatura,
fotografia e cinema nos sculos XX e XXI atesta uma necessidade de introduzir
novos efeitos do real, em sociedades saturadas de imagens, narrativas e
informaes. Estes efeitos do real sero distintos daqueles do sculo XIX, no se
pautam somente na observao emprica ou distanciada, mas promovem uma
intensificao da experincia vivida que, entretanto, ficcionalizada (2007, 30-31).
Como dizia Baudrillard (1996, p. 26), o tempo real no existe, ningum existe em
tempo real, nada tem lugar em tempo real e o mal-entendido total..
A imagem j no pode imaginar o real, visto que o . J no pode sonh-lo, visto
que ela sua realidade virtual. como se as coisas tivessem devorado o seu espelho
e se tivessem tornado transparentes a si prprias, inteiramente presentes a si
prprias, em plena luz, em tempo real, numa transcrio implacvel.
O que se v como resultado das filmagens, no o real, no a nossa vida que est ali
na tela, nosso cotidiano, mas um recorte, a partir de um determinado plano, relacionado a um
determinado ponto de vista. E essas variveis so capazes de provocar os mais diversos
efeitos.
Quando relacionamos a mdia e o sistema penal, por exemplo, temos a seguinte
consequncia: A notcia produz a realidade social, enquanto a descreve, por dois
mecanismos fundamentais: a seleo dos fatos que sero divulgados, e do enquadramento que
ser dado aos mesmos. O que existe, hoje em dia, um monoplio dos agentes de controle
social sobre as fontes de notcias, que tende a fornecer aos jornalistas um primeiro ponto de
vista definidor, a respeito de como ser o fato compreendido e divulgado, com todas as
consequncias morais e jurdicas da decorrentes. O que acaba acontecendo uma
reproduo, pela imprensa, dos discursos e da lgica dos agentes de controle social, como a
polcia, por exemplo, enfatizando e dando cada vez mais destaque violncia urbana com
uma lente que foca em aes de indivduos e determinados grupos, o que ir definir e
resumir, para o senso comum, toda a criminalidade, difundindo a cultura do medo na
sociedade (ROCHA, 2010, p. 52-54).
31
33
17
Sobre desvio e interacionismo simblico, segue o seguinte resumo de Martine Xiberras (1993, p. 114-5): A
partir dos anos sessenta, um grupo de socilogos renova as perspectivas e o objeto da criminologia americana e
retoma, por sua conta, as hipteses da Escola de Chicago. Todavia, estes investigadores vo mostrar como esta
perspectiva permite renovar completamente o quadro terico da sociologia. Eles pem em evidncia o facto de
que o crime ou a delinquncia no so os nicos factos sociais sancionados pela sociedade, existindo toda uma
categoria de prticas sociais que, tal como o alcoolismo ou as doenas mentais, acarretam tambm uma forma de
sano por parte da sociedade. Aqueles que se chamam labelling theorists, ou tericos da etiquetagem social,
inquietam-se tambm com as formas de sano constitudas pela criao de novas categorias de desvio e com o
facto de se poder classificar, sob novas etiquetas, uma parte descente da populao. Chamam desde logo desvio
a qualquer forma de comportamento que transgrida as normas aceites e definidas por um grupo, ou por uma
instituio, numa dada sociedade. No satisfeitos em redefinir, estendendo-o, o objeto da criminologia tornada
sociologia do desvio, estes socilogos renovam tambm a maneira de apreender estes fenmenos.
34
desvio; adiante, cita a concepo funcional, que leva em conta uma sociedade ou parte dela e
os processos que tendem a diminuir sua estabilidade, e que, por isso, reduziriam sua chance
de sobrevivncia o problema que, alm da dificuldade da identificao entre o que
funcional ou disfuncional em uma sociedade ou um determinado grupo, essa concepo peca
por ignorar o aspecto poltico do fenmeno desviante; por fim, o autor cita a concepo
sociolgica, segundo a qual o desvio seria uma falha em obedecer a regras do grupo mas,
diante de diversos grupos, cada qual com seu conjunto de regras, o problema desta concepo
seria definir exatamente quais regras devem ser tomadas como padro de comparao ao
qual o comportamento medido e julgado desviante (BECKER, 2008, p. 19-21).
Ento, como forma de tentar chegar a um consenso, qual seria exatamente a melhor
concepo acerca do fenmeno do desvio? Primeiramente, preciso partir de uma premissa
de que o desvio criado pela sociedade: O olhar da sociedade, que define a categoria de
desvio. O olhar dos estigmatizados, que integra a etiqueta aposta pela sociedade, mas que
desenvolve, no obstante, o seu prprio ponto de vista (XIBERRAS, 1993, p. 116). Quando
referenciei, l no incio deste estudo a frase dos autores do livro Cabea de Porco de que o
decisivo no olhar a relao, exatamente sobre isso que estava falando. Isso porque o
desvio no uma qualidade em si do ato praticado por uma pessoa, mas a relao entre este
ato e a aplicao, por outras pessoas, de regras e sanes (BECKER, 2008, p. 22). Se um ato
ou no desviante, portanto, depende de como outras pessoas regem a ele (2008, p. 24).
Isto vai ser muito importante ao estudo daqui pra frente. Se grande parte das pessoas,
nas grandes cidades, no reagisse com espanto, repdio, desgosto, medo, curiosidade ou at
mesmo dio com relao aos grafismos monocromticos que a pichao coloca nos muros e
nos prdios ao nosso redor, o ato de pichao jamais seria objeto deste estudo, pois jamais
seria um desvio. justamente a reao que as pessoas tm em relao a tais atos, que coloca
aqueles que o praticam como desviantes e, tambm, por isso, violadores de uma regra criada
por lei, que prev tal ato como sendo ilegal e repreendido com uma sano. E mais importante
ainda a ser analisado o grau de resposta a esse desvio, ou a intensidade da reao com
relao a ele. essa resposta que vai nos levar adiante na discusso acerca do carter
desviante ou no de determinado ato. imperativo fugir de uma viso estanque e fracionada
do comportamento humano que transforma a realidade individual em algo, em princpio,
independente da sociedade e da cultura (VELHO, 2013, p. 43).
Mais para frente, a reflexo recair sobre o prprio ato em si da pichao, sobre a
representao social feita com relao a este ato e tambm sobre a prpria autoimagem dos
pichadores.
Outro aspecto importante acerca do estudo do desvio: dentro de um determinado grupo
considerado desviante por outro, podem existir mltiplos comportamentos que se dissociam
dos demais. Por isso, preciso fugir da tendncia de homogeneizar o comportamento de
determinado grupo que acaba se tornando objeto de estudo, por menor que seja. Todo cuidado
pouco: h uma forte tendncia em generalizar determinados grupos, extratos ou classes
sociais de forma a trat-los por esquemas deterministas ou reducionistas, caminhando em
contrrio ao que realmente a antropologia busca (VELHO, 2013, p. 43). Determinismos e
reducionismos tambm deveriam ter sido abolidos da pesquisa criminolgica. Portanto, no se
pode deixar de levar em considerao que a normalidade e o desvio dependem da construo
de um discurso que os defina, ou seja, a criminologia constitui-se como uma fbrica de
anormalidades, como afirma Jos Linck, tendo bem claro o impacto que isso gera enquanto
processos de criminalizao e normalizao social (CARVALHO; LINCK; MAYORA;
PINTO NETO, 2011, p. 5). O desvio, portanto, uma categoria sociolgica, importante
dentro do mbito acadmico, pelo que contribui na mudana de um olhar acerca de
comportamentos antes vistos como criminosos ou anormais.
A valiosa contribuio que a antropologia social presta ao estudo do desvio seu
permanente contato com indivduos concretos, carregados de densidade existencial, lidando
com diversas personagens, que no podem ser resumidos facilmente a categorias de alfa e
beta, como menciona Gilberto Velho (2008, p. 49):
Por isso mesmo, o trabalho do antroplogo tende a assumir cada vez mais a
dimenso da intersubjetividade. No se trataria, ento, de procurar abstrair aspectos
individuais, idiossincrasias pessoais etc., mas sim de procurar encar-los como parte
da situao da pesquisa. Em vez de apagar essa dimenso psicolgica, tarefa
realmente impossvel, resta aprender a explicit-la e integr-la a toda a investigao.
Assim, mais uma vez, a procura de padres sociais e culturais no implicaria um
por entre parnteses a dimenso individual. Isto significa, de um lado, o
antroplogo aprender a lidar com a sua subjetividade, e de outro, a considerar mais
relevantes para o seu trabalho caractersticas estritamente individuais das pessoas
com quem est convivendo.
Portanto, um estudo que se prope a falar sobre desvio no pode considerar que todos
os desviantes tenham a mesma ideia a respeito do que fazem, a mesma viso acerca do mundo
ou tenham, ainda, a mesma origem social. Tratar todos de forma igualitria concretar as
36
O espao urbano est repleto de smbolos. No meio de tantos, prdios, casas, muros,
grades, fios, carros, postes, placas de trnsito, monumentos, anncios publicitrios, cresce um
smbolo de resistncia a todo o conjunto de elementos que formam as cidades: a pichao. E
atropelando o concreto dos edifcios, o tijolo dos muros, o metal das portas, os vidros das
janelas e at mesmo o prprio cho do asfalto, que as intervenes artsticas com tinta e spray
se consolidaram como um dos smbolos mais fortes e presentes nas grandes metrpoles.
possvel dizer que a pintura nas paredes uma das culturas mais antigas da
civilizao humana. Desde a pr-histria, quando nossos antepassados desenhavam animais,
caadores e smbolos nas paredes das cavernas, j havia uma produo artstica com uma
linguagem simblica prpria (GITAHY, 2012, p. 12). As pinturas rupestres das cavernas de
Lascaux, na Frana, datam de mais de 15.000 anos. possvel dizer que, desde os primrdios,
nos expressamos por meio de rabiscos e desenhos, dispostos nos mais diversos lugares, seja
no papel que rabiscamos quando falamos ao telefone, na mesa escolar de uma criana do
ensino fundamental, at os banheiros pblicos e os andares mais altos dos prdios. Segundo
37
Celso Gitahy, essa seria uma necessidade humana como danar, comer, dormir ou falar,
associada diretamente liberdade de expresso (2012, p. 13-14).
A pichao uma expresso grfica, composta de palavras soltas ou frases, nomes,
traos, desenhos, geralmente de escrita rpida, utilizando fonte curvilnea e extremamente
elaborada (denominada rabe-gtico18 ou Iron Maiden em referncia as letras das capas
desta banda de heavy metal19) que podem variar seu significado: as pichaes mais comuns
so dos nomes ou apelidos dos prprios pichadores, smbolos de grupos de pichao, ou ainda
palavras de protestos, reivindicao e manifesto. Em menor grau, a pichao apresenta
desenhos e traos aleatrios de significados desconhecidos, ou restritos apenas a determinados
membros de grupos de pichadores. Geralmente monocromtica, preto ou branco, feita com
spray ou qualquer espcie de tinta mais o rolo de pintura. Mas, no existe regra: o que pintar
e onde pintar so frutos de decises individuais, subjetivas influenciadas pelas mais diversas
motivaes ou fatores (SPINELLI, 2007, p. 113).
Os locais da prtica variam, mas existe uma preferncia pelo centro da cidade, na
medida em que a exposio da arte aumenta consideravelmente. Vale dizer que a busca por
uma maior exposio uma constante na atividade do pichador. Diante disso, h aqueles que
prefiram manter sua pichao em nvel baixo, e buscam somente muros e fachadas no trreo.
Mas outra vertente carrega consigo a preferncia pelos lugares mais altos, bem acima do nvel
do solo, com maior dificuldade de acesso, geralmente no alto da fachada dos edifcios, onde a
escalada mais alta provoca orgulho e remete a uma faanha que influencia a reputao do
pichador (SOUZA, 2012, p. 279).
O fenmeno da pichao comea a surgir no Brasil durante entre a dcada de 1960 e
1970, quando manifestantes contrrios ao regime militar que governava o pas na poca
passam a escrever frases de protestos nas paredes das grandes cidades. Mas na cidade de
So Paulo, no final dos anos 1970 e incio dos anos 1980 que a pichao comea a tomar os
primeiros contornos que a levariam ao que hoje existe em quase todas as grandes cidades do
pas: naquela poca, nomes como Co Fila km 26, Juneca-Pessoinha, Gonha M
Breu, Eternamente, comearam a ser pichados pelos prdios e muros da cidade20. Os
nomes eram pichados com grafia normal, distante ainda dos formatos de tags e letras rabe18
38
O que naquela poca comeou como uma propaganda de um canil de ces Filas22 e
tambm com uma brincadeira entre amigos e conhecidos de colocar seus nomes pela cidade,
acabou se tornando algo grandioso. A pichao do final dos anos 1980 foi se aprimorando,
teve claras influncias dos tags nova-iorquinos, que tomavam conta dos muros e dos vages
de metrs.
Em Porto Alegre, no mesmo perodo, um nome comeou a ser notado pela cidade:
Toniolo. Srgio Jos Toniolo tem a fama de ser o primeiro pichador de Porto Alegre, o expolicial civil aposentado e tambm cronista comeou a pichar seu nome aos 36 anos, segundo
o prprio, para denunciar as perseguies que vinha sofrendo por no permitirem que
escrevesse em jornal23. Porto Alegre passou a ter, a partir da, uma lenda urbana responsvel
pelos primeiros nomes escritos em suas ruas. Hoje Toniolo possui adesivos que cola por toda
parte, contendo manifesto contra o governo e o poder judicirio.
Juneca, de So Paulo, hoje no picha mais seu nome. Virou grafiteiro, se formou em
artes plsticas, ministra cursos, e assina obras de arte que j exps em diversos pases. Sofre,
dentro do meio da pichao, um grande preconceito pelo caminho que trilhou.
21
A transcrio dessa entrevista pode ser encontrada no site So Paulo Minha Cidade: <
http://www.saopaulominhacidade.com.br/historia/ver/2731/Juneca-Pessoinha> Acesso em: 29 jan. 2014.
22
Referncia a umas das primeiras intervenes com tintas que deram origem a pichao, em So Paulo: Co
Fila Km 26 era uma forma original e demasiadamente sucinta do criador Antenor Lara Campos de divulgar
seu canil de filas brasileiros, que ficava na ilha do Sabi, no meio da represa Billings, para a qual se deveria
pegar a balsa exatamente no quilmetro 26 da estrada do Eldorado, em So Paulo. Disponvel em: <
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3006200303.htm> Acesso em: 29 jan. 2014.
23
O prprio Srgio Toniolo concedeu entrevista a um documentrio que conta brevemente sua histria. O
documentrio Quem Toniolo?, com direo de Andr Moraes, foi produzido pela Faculdade de
Comunicao Social FAMECOS/PUCRS, e est disponvel no You Tube: <http://youtu.be/vkUaoEnzTjc>
Acesso em 29 jan. 2014.
39
24
Segundo Glria Digenes (2008, p. 121), o Hip Hop surge nos Estados Unidos, em meados dos anos 70 e
sofre influncia da cultura negra e caribenha. Hip Hop literalmente quer dizer saltar (hip) mexendo os quadris
(hop). O Hip Hop tem como cenrio original de formao dos seus primeiros grupos o Bronx em Nova York,
constituindo-se em razo da violncia dos guetos negros de Nova York. O Hip Hop inspira o surgimento de
grupos, no Brasil, especialmente nas grandes metrpoles, cujo eixo central a manifestao cultural e apenas
torna-se movimento quando unifica trs matrizes de manifestao cultural: a dana, a msica e o grafite.
40
41
todos, mas, na prtica seletiva, destinada apenas s empresas e queles que pagam por seu
espao (WACLAWEK, 2012, p. 43)25.
Todo mundo acha feio o que no entende e com a pixao no diferente. No
passado, demorou pra perceberem que Jimmy Hendrix era gnio, alguns idiotas
recusaram o trabalho do Andy Warhol no MoMa em Nova York e tem um cara do
Corinthians que deve chorar at hoje de raiva por ter recusado Pel antes de ele ir
para o Santos e conquistar o mundo. Arte nem sempre entendida. (WAINER,
2006, p. 10)
Este estudo prefere ir alm da discusso que diferencia graffiti e pichao, colocando
ambos como manifestaes culturais e artsticas urbanas, que ocorrem e surgiram nas ruas e
no em locais fechados. A forma , sem dvida, diferente. Mas seus objetivos guardam
semelhanas acompanhados de uma raiz em comum.
A discusso que a pixao suscita, enquanto manifestao cultural e
artstica, vai alm do infindvel debate sobre a diferena entre pixao e grafite
que, na maioria das vezes, tem muito mais de normativo do que de sociolgico e cria
falsas dicotomias, impregnadas de moralismo e interessadas em assimilar, como
gua mole em pedra dura, uma diferenciao entre grafite, a arte, e pixao, o
vandalismo. (MIOTTO, 2012)
Interessante a constatao da autora Anna Waclawek (2012, p. 43) sobre o paradoxo que o grafitti (e em
extenso, a pichao) produz na realidade de nossas cidades: Tout d'abord cela implique le dsir de faire partie
de la culture visuelle de une ville qui, en thorie ouverte tous, s'avre en pratique slective. cela pertube
ensuite la logique commerciale fonde sur la promotion du nom puisque les acteurs du grafitti introduisent dans
le paysage urban des des noms inconnus et non autoriss figurer, en utilisant, pour cet acte subversif, un
langage dj existant. Cela rvle par ailleurs le paradoxe suivant: les noms dissmins en toute lgalit dans le
paysage urbain reprsentent des entresprises qui emploient des milliers d'anonymes alors que les tags non
autoriss symbolisent des personnes bien relles. (grifo meu)
42
e de pintura intacta, o lado ocidental (da Repblica Federal da Alemanha, constituda pelos
pases do bloco capitalista Estados Unidos, Frana e Inglaterra) apresentava todo o tipo de
frases e desenhos. No toa que, quando da demolio do muro, esses garranchos tenham
figurado nas pginas dos principais rgos da imprensa mundial, como a significar a prpria
liberdade de expresso, conforme Celso Gitahy (2012, p. 22).
A pixao traz tona uma importante discusso sobre padres estticos mostra
quanto o belo e o feio podem no passar de convenes sociais -, mas tambm
consegue ir aos aspectos mais profundos das contradies de nossa sociedade. Se as
ruas so, por suposto, espao pblico, a pixao que consegue levar isto s ltimas
consequncias e nos mostrar o quo relativos so os conceitos com que lidamos
cotidianamente: para o pixador, na prtica, a rua de todos, o nico espao de
dilogo que, genuinamente, cabe e faz caber a todos; e na prtica, ao agir de acordo
com estes princpios, reprimido. (MIOTTO, 2012)
26
Trecho
da
entrevista
concedida
por
Djan
ao
site
Risk
Underground:
http://riskunderground.blogspot.com.br/2012/11/entrevista-cripta-djan.html> Acesso em 30 jan. 2014
<
43
27
Em seu estudo sobre o punk Salo de Carvalho (2011, p. 192) prefere usar o termo movimento, pois, segundo
ele: o termo subcultura transmite a ideia de hierarquia entre diferentes formas de manifestao cultural, na qual
os valores da cultura dos grupos no hegemnicos seriam inferiores ou inferiorizados em relao aos valores da
cultura dominante.
28
Sobre contracultura: Um processo irresistvel, culminado nos anos 1990, dissolveu qualquer possibilidade de
uma cultura dominante. A clssica dicotomia cultura hegemnica/culturas subalternas (que fez com que os
antroplogos gramscianos, empenhados em contrastar qualquer inovao conflitiva nascida nos anos 1960,
escrevessem uma infinidade de textos) exauriu-se definitivamente. Fruto cultural da dialtica do sculo XX, essa
dicotomia afunda como um Titanic com o fim de toda a cultura inclusive dominante quando se apresenta
como universal, quando se transfigura em ideologia. Ao mesmo tempo, as culturas juvenis mais inovadoras esto
desinteressadas em contrastar os fantasmas que sobreviveram catstrofe de todas as hegemonias culturais. Tais
culturas no so mais contra: nem contra uma cultura dominante, que ustamente no existe mais e que, de
qualquer modo, dilui-se numa srie policntrica de poderes em competio entre si; nem a favor de uma cultura
contra, porquanto nada mais desejvel ou imaginvel do que uma cultura de oposio revolucionria
(CANEVACCI, 2005, P. 15). Do mesmo autor, sobre as subculturas: No existe mais uma categoria geral que
possa englobar nela uma particular, ao longo de segmentos homogneos (o carter nacional). Por isso, morreram
as subculturas. No existe mais (se que alguma vez existiu) um acima, mas um atravs de ou melhor,
muitos atravs: atravessar os segmentos, as parcialidades, os fragmentos do eu, do outro. Transitar entre os
eus e os outros. Particularmente para as pluralidades dos universos juvenis que no so passveis de serem
encerrados nas gaiolas das subculturas. So pluriversos. (2005, p. 19)
44
45
pede licena, ela chega e se apropria, j que ela o reflexo de uma sociedade
autoritria.29
A pichao pode ser uma atividade individual, mas comumente praticada em grupos.
Os mesmos grupos se identificam por um nome, que geralmente vai assinado na parede ao
lado do tag, ou nome do pichador. Existem tambm as grifes, smbolos que acompanham
uma pichao, reflexo da unio de alguns grupos.
No h dvida que exista nesses grupos uma forma comum na busca por uma
identidade visual. Da mesma forma como se formam as gangues, os agrupamentos juvenis
contemporneos tambm guardam relao com aqueles caracterizados nos estudos da Escola
de Chicago, onde as gangues eram reflexo da segregao espacial, social e cultural e
tambm crise motivada pelos enfraquecimentos dos valores, da moral e dos costumes
tradicionais
da
populao
pobre
imigrada
(ABRAMOVAY;
ANDRADE;
RUA;
Trecho
da
entrevista
concedida
por
Djan
ao
site
Risk
Underground:
<
http://riskunderground.blogspot.com.br/2012/11/entrevista-cripta-djan.html> Acesso em 30 jan. 2014
30
Sobre as teorias criminolgicas a respeito das gangues juvenis: FAYET JNIOR; FERREIRA, 2012, p. 48-52.
46
Certamente uma busca por identidade est refletida em muitos atos promovidos pelos
grupos de jovens, sejam gangues, sejam pichadores. Mas, muitas vezes, a tentativa de
explicao causal dos seus atos peca por ignorar completamente as emoes envolvidas, o que
tambm de extrema importncia para a anlise do tema. Fatores ambientais, estudos
genticos ou escolhas racionais as vezes se sobrepem a algo que est mais em evidncia, mas
geralmente fica em segundo plano nos estudos criminolgicos: emoes individuais, tais
como humilhao, arrogncia, ridculo, cinismo, (e mais importante ) prazer e excitao.
(HAYWARD, 2002, p. 2).
Os estudos relacionados s sedues do crime e ao comportamento desviante juvenil
foram levados a fundo pela criminologia cultural, tendo como uma das principais obras de
referncia o livro Seductions of Crime, de Jack Katz. O autor, logo no incio, vai propor
uma inverso de foco do olhar que analisa o comportamento criminoso, desfocando o pano de
fundo e focando o plano de anlise no prprio ato criminoso. As questes principais que
permeiam sua obra esto listadas a seguir:
The statistical and correlational findings of positivist criminology provide the
following irritations to inquiry: (1) whatever the validity of hereditary,
psychological, and social-ecological conditions of crime, many of those in the
supposedly causal categories do not commit the crime at issue, (2) many who do
commit the crime do not fit the causal categories and (3) and what is the most
provocative, many who do not fit the background categories and later commit the
predicted crime go for long stretches without committing the crimes to which theory
directs them. Why are people who were not determined to commit a crime one
moment determined to do so the next? (KATZ, 1988, p. 3-4)31
A lente de Jack Katz prope um olhar diverso da maioria das teorias criminolgicas
crticas, de raiz marxista, a respeito da criminalidade juvenil, que propunham uma ligao
entre a classe jovem operria e uma rebelio simblica contra os valores da sociedade e as
contradies do capitalismo (HAYWARD, 2002, p. 3). Na verdade, as teorias criminolgicas
que faziam esta relao no merecem desprezo, nem sero sobrepostas pelos estudos de Katz.
importante entender que todas as leituras a respeito do fenmeno do desvio e do crime tm
31
Sobre o trabalho e os estudos de Katz, na explicao do criminlogo Keith Hayward (2002, p. 2): Using an
eclectic array of sources, Katz builds up a picture of the sensual, magical and creative appeals of crime. Evoking
the notion of the Nietzschean superman, Katz asserts that deviance offers the perpetrator a means of self
transcendence, a way of overcoming the conventionality and mundanity typically associated with the banal
routines and practicalities of everyday regular life. At the subjective level, crime is stimulating, exciting and
liberating. To think of crime as either another form of rational activity or as the result of some innate or social
pathology is to totally miss the point.
47
seu momento histrico e so frutos do contexto social em que esto inseridas. Os trabalhos da
Escola de Chicago podem muito bem andar paralelamente aos estudos de Katz, e isso
extremamente saudvel. Vejo que os trabalhos criminolgicos contemporneos mais se
encaixam do que se sobrepem, as diversas ticas se completam, j que h muito tempo se
abandonou a ideia de uma explicao causal nica e absoluta sobre os fenmenos
analisados aqui.
Como explica Hayward, em muitos casos os indivduos so seduzidos pelas
possibilidades existenciais oferecidas por atos criminosos, ou seja, pelo prazer da
transgresso32. Da a principal vantagem desta abordagem criminolgica: ela nos ajuda a
entender por que a criminalidade juvenil no apenas reflexo da condio econmica e social
desfavorecida destes grupos (HAYWARD, 2002, p. 4)33.
Aprendi, fotografando os pixadores, a ler aquelas letras nas paredes at ento
incompreensveis para mim. Era como se eu morasse na China e no soubesse ler
chins. Tantos anos rodando pelas ruas de SP e eu sem perceber a dimenso da
batalha noturna que acontecia debaixo dos meus olhos por muros melhores e mais
altos para pixar. Quando comecei a entender o que significava aquilo, vi So Paulo
com outros olhos e achei bonita a feira da cidade. Poucos esportes de ao liberam
tanta adrenalina quanto o rol de um pixador. Se for pego pela polcia, volta pra casa
com a cara toda pintada pelo prprio spray e ainda toma uns tapes na orelha,
daqueles de mo fechada, que alguns policiais adoram dar em quem no est
podendo se defender. Se for pego por um morador, pode levar tiro e morrer isso
sem falar no risco de cair quando escala prdios enormes pra escrever o nome no
ltimo andar sem nenhum equipamento de segurana. (WAINER, 2006, p. 10)
32
Ao listar os benefcios da atividade para o pichador, David Souza (2012, p. 292) explica a questo da
adrenalina e da emoo envolvida na prtica: O meio empreendido compreendido como uma atividade
relacionada ao lazer, uma vez que no s o resultado da pichao gratificante e satisfatrio, como tambm o
ato atravs do qual um pichador deixa sua marca em uma fachada urbana, tido como sedutor por ser proibido,
estabelecendo-se como prazeroso por conta da descarga de adrenalina gerada a partir do enfrentamento de uma
situao de risco.
33
Para Hayward e Young (2004, p. 5), h muito mais por trs do crime do que dizem as teorias positivistas e
aquelas que relacionam o crime a uma escolha racional: Against these two abstractions the rational calculator
and the mechanistic actor cultural criminology counterposes naturalism. The actual experience of committing
crime, the actual outcome of the criminal act, bears little relationship to these narrow essentialisms. Rather, the
adrenaline rush of crime, that takes place, as Jeff Ferrell puts it, between pleasure and panic, the various
feelings of anger, humiliation, exuberance, excitement, fear, do not fit these abstractions. Crime is seldom
mundane and frequently not miserable. Nor does it have the instrumental payoffs that rational choice theory
would suggest; nor for that matter the adjustments for the deficit of inequality that sociological positivism would
pinpoint as the major mechanism.
48
Seja a busca de autenticidade, o fascnio pela rua, o protesto pela perda de espao
pblico, o reconhecimento dos pares e o gosto pelo no permitindo fatores que ajudam a
manter o fenmeno da pichao em ascendncia nas grandes urbes (SOUZA, 2012, p. 293)
sempre importante lembrar que a pichao um fenmeno eminentemente relacionado a
34
Nas palavras de David da Costa Aguiar de Souza (2012, p. 289): O que se est querendo afirmar que, em
um mundo de valorizao crescente da perda de anonimato, os jovens, em processo de definio de seus papis
sociais, de polimento de sua identidade social e em crise, pelo momento hbrido que representa a adolescncia,
entendem que se destacando em algo (atividade ou comportamento) eles esto efetivamente acima dos demais,
esto chegando ao mundo com tudo. Essa demanda expressa por reconhecimento e autoafirmao atravs do
sucesso em determinada atividade, , na realidade, uma das formas de se tentar aliviar a presso dessa crise de
identidade.
49
uma expressividade juvenil, uma vez que a maioria esmagadora dos pichadores so
adolescentes e jovens adultos.
tecendo novos laos de sociabilidade entre esses jovens, caractersticos das nossas sociedades
contemporneas. Estudar essas formas de sociabilidade e como elas se formam torna ainda
mais instigante a anlise do fenmeno. Ao apresentar sua verso de como se d a entrada do
jovem no ramo da pichao, David de Souza (2012, p. 292) sinaliza o potencial de ligao
entre o jovem de classe mdia e de classe baixa, e como isto estaria relacionado s redes de
relaes juvenis:
Como surge essa interao com pichadores de fato ou em potencial? A
resposta para essa pergunta certamente preserva certa obviedade. A interao
aparece nas clssicas arenas juvenis de convvio como a escola, os playgrounds dos
condomnios, os equipamentos de lazer pblicos e a rua. Com relao a esta ltima,
ali se d a interao de jovens de classe mdia (do asfalto) com moradores das
favelas. Essa relao, muitas vezes advinda da parceria estabelecida na pichao,
constitui uma via de mo dupla em termos dos objetivos desses atores: jovens
favelados querem frequentar os locais de classe mdia, os playgrounds dos grandes
condomnios fechados, as festas e, na contramo, os jovens de classe mdia querem
desenvolver aquilo que nativamente classificam como ter contexto, ou seja,
conhecer a favela, os moradores e, principalmente, os traficantes. S democracia da
pichao de muros, que no preserva privilgios de classe, apresenta-se como uma
possibilidade central expanso das redes de relaes juvenis, em mltiplas
direes.
Parece que cada vez mais jovens buscam sua prpria identidade dentro de grupos,
numa fora que Maffesoli chama de potncial societal, ou socialidade, que vai dar origem ao
que o autor denominou de neotribalismo contemporneo, um retorno s tribos, mas nos
tempos de hoje. Tais tribos contemporneas caracterizam-se pela regredincia, nas palavras
do autor, uma volta em espiral de valores arcaicos enlaados com o desenvolvimento
tecnolgico. Dessa forma elas no esperam a realizao de um projeto poltico, econmico,
social, mas preferem entrar dentro do prazer de estar juntos, entrar dentro da intensidade
do momento, entrar dentro da fruio desse mundo tal como ele . So reflexos de uma
anemia existencial, marca de uma sociedade extremamente racionalizada, carente de
partilha de emoes e afetos. Segundo o autor, o tribalismo lembra, empiricamente, a
importncia do sentimento de pertena a um lugar, a um grupo, como fundamento essencial
de toda a vida social (MAFFESOLI, 2007, p. 98-100).
H, no neotribalismo, um retorno ao arcasmo ao mesmo tempo em que se busca a
vitalidade, produzindo um fenmeno de manuteno da eterna criana, onde todos querem
vestir-se como jovens, falar como jovens e agir como tais, independente da idade. Entretanto,
segundo Maffesoli, isso no vai representar uma aceitao do status quo poltico, econmico e
50
2007, p. 100)
Com a pichao no vai ser diferente. A busca por uma identidade leva a maioria dos
pichadores a reunir-se em grupos, por mais que existam alguns que pichem seu nome sozinho.
Essa realidade to presente que um dos pichadores conhecidos na etnogrfica j no prefere
pichar seu nome e sim as siglas do grupo, como forma de dar ibope para o grupo e no mais
pra ele. Grupos de pichao possuem comunidades virtuais, em redes sociais, onde divulgam
fotos que reforam a ideia de coletivo.
Isso fica evidente, no momento em que se percebe que a maioria das pichaes veem
acompanhada a uma referncia ao grupo ou grife. Mais alm, no quarto ato, ser
explicado com detalhes como funcionam. Um sentimento de pertencimento que os une, divide
a cena da pichao em diversos grupos (com ou sem rixas entre eles, isso depende do local e
das condies dos grupos) e transforma a atividade em mais uma prtica de sociabilidade,
geralmente exaltada com frases do tipo tmo junto, e nis. Da mesma forma que estas
redes de solidariedade existem entre pichadores, acontece entre as gangues, como explica
Glria Digenes (2008, p. 171):
Pode-se se afirmar que as gangues expressam a face mais visvel de vivncia de uma
solidariedade local, em contraposio a um amplo processo de produo e
circulao de referentes globais. Entende-se por solidariedade local um modo de
produo da ideia de unidade de grupo, de coeso entre seus membros
consubstanciada por limites territoriais restritos, mas no fixos.
A questo da territorialidade muito comum e tem uma marca forte nos grupos de
pichao. Geralmente h referncia em torno de uma zona da cidade (ZN Zona Norte, ZL
Zona Sul, ZO Zona Oeste, ZL Zona Leste), onde o grupo possui a maior parte de seus
membros. Isso tambm vai dar uma identidade ao grupo, uma referncia, e acima de tudo,
reconhecimento perante os demais. O vazio de referentes simblicos/culturais, nas
sociedades complexas, promove entre os jovens o sentimento de no-pertencimento, de nofiliao (DIGENES, 2008, p. 180), e a partir da que o referente identitrio passa a ser o
grupo ao qual pertencem no momento. Apesar da semelhana com as prticas das gangues, os
grupos de pichaes no possuem muitos cdigos e regras exclusivas e pr-definidas (exceto
as regras gerais da prpria pichao, como a proibio de pichar em cima de outro nome que
51
j est em um determinado lugar), e perceptvel que dentro dos grupos o pichador ainda
possui uma identidade individual, a partir do momento em que seu nome e seu tag que
costuma aparecer, dando o ibope e referenciando-o perante os demais pichadores (Seja de
qual grupo forem).
No prximo captulo ser abordar diretamente a representao social feita sobre esses
grupos e sobre os pichadores, somando-se ao problema da criminalizao da prtica e as
consequncias disso para a sociedade. Nessa etapa, alm das referncias terias, optei por
apresentar alguns exemplos prticos de como os pichadores so vistos pelos veculos de
imprensa (e pelas agncias de controle estatal). Serve como exemplo, e pano de fundo ao
quarto captulo, onde apresento a autoimagem dos pichadores a partir da pesquisa etnogrfica.
52
3.1 A criminalizao das artes que riscam e desenham nos muros da cidade
53
A resposta talvez seja bvia. Ou no. Tudo vai depender do senso esttico enraizado
em cada um. s vezes do senso esttico imposto a cada um de ns. Mas a pergunta
pertinente, e sempre nos far pensar sobre o que realmente queremos para nossas cidades. A
limpeza e organizao assptica e uniforme dos tons pastis de seus viadutos, condomnios e
at mesmo a homogeneidade das obras de arte pblicas e monumentos espalhados pelos
parques e praas mais interessante e inocente do que a arte colorida das pichaes, graffitis e
55
demais intervenes de arte urbana feitas sem autorizao? Nas palavras de Ferrell, a batalha
pelas ruas uma batalha por propriedade e espao, mas tambm por significado, aparncia e
percepo. uma batalha sobre estilo (1993, p. 186).
Logicamente, o oposto do limpo o sujo. A ideia que, acabando-se os pixadores,
acaba-se o problema da sujeira, e a vida na cidade pode seguir em harmonia. Sem
palavras, riscos ou imagens que alterem a paisagem urbana, sem cores que chamem
a ateno de quem segue sua vida ordinria: de casa para o trabalho, do trabalho
para casa e nada mais. Nem um segundo para observar, nem um vislumbre para
perceber que, talvez, a esttica do limpo no seja nada mais do que a prpria ordem
das aparncias; s cores destoantes e s formas agressivas, o lugar reservado o
mesmo que o destinado aos anseios daqueles que no se enquadram nos padres
sociais dominantes: bem longe de onde se possa v-los ou ouvi-los. (MIOTTO,
2012)
56
outros. Tudo depende das informaes que cada um tem, onde e como vive, como
cresceu e que tipo de formao educacional teve. verdade que a ao dos
pichadores desagrada e condenada pela maioria das pessoas que vivem em So
Paulo. Mas grandes artistas do ltimo sculo usaram a arte para reverter conceitos
estabelecidos e provocar mudanas de comportamento. Para isso, precisaram
incomodar o establishment. Toda arte que se preze tem de incomodar, causar no
espectador algum tipo de reao qual ele no est acostumado. A pichao um
bom exemplo de como cumprir bem este papel.
35
Est na Lei Federal 9605/1998: Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificao ou monumento
urbano: Pena - deteno, de 3 (trs) meses a 1 (um) ano, e multa. 1o Se o ato for realizado em monumento ou
coisa tombada em virtude do seu valor artstico, arqueolgico ou histrico, a pena de 6 (seis) meses a 1 (um)
ano de deteno e multa. 2o No constitui crime a prtica de grafite realizada com o objetivo de valorizar o
patrimnio pblico ou privado mediante manifestao artstica, desde que consentida pelo proprietrio e,
quando couber, pelo locatrio ou arrendatrio do bem privado e, no caso de bem pblico, com a autorizao do
rgo competente e a observncia das posturas municipais e das normas editadas pelos rgos governamentais
responsveis pela preservao e conservao do patrimnio histrico e artstico nacional.
57
36
Quem explica esse fenmeno, a partir das lies de Mike Presdee o autor Salo de Carvalho (CARVALHO;
LINCK; MAYORA; PINTO NETO, 2011,p. 178): No Brasil, jovens marginalizados, identificados
normalmente pelo estilo musical, organizam-se espontaneamente em grupos para celebrar a vida e denunciar a
violncia das agncias estatais. O grito da periferia ecoa nas ondas sonoras punk, rap e hip hop transmitidas
pelas rdios piratas, denunciando a excluso econmico-social e o seu desdobramento perverso: a incluso
violenta dos jovens da periferia atravs da criminalizao. E mesmo nos espaos tradicionalmente imunizados
dos processos de seleo punitiva, rituais de celebrao e de expresso da juventude como as festas eletrnicas
(raves) so atingidos pelas aes normalizadoras, naquilo que Presdee denominou como criminalizao da
juventude.
58
glove of commercialism, on the other the mailed fist of the law, and in the middle, a
kid with a tape deck and a can of Krylon. (1993, p. 195)37
Tudo isso significa que, ao mesmo tempo em que as prticas de graffiti e pichao so
condenadas por seu carter subversivo e transgressor, elas se tornam produtos consumveis,
provocando uma guerra entre empresrios do consumo de massa e os empreendedores morais
(por exemplo: a marca da tinta mais utilizada na arte de rua ganhou recentemente uma nova
embalagem, que abre mo do design comum de uma lata de tinta para uma lata presta fosca
com a inscrio Arte Urbana visivelmente mais atraente ao seu pblico alvo). O que vai
acontecer exatamente uma bipolaridade: enquanto as empresas tentam reconstruir a rebeldia
do jovem como uma mercadoria, e vend-la de volta para eles, os empresrios morais e a sua
esttica de autoridade se tornam profundamente ofendidos por esta audcia jovem, o que faz
trabalhar para reconstru-la como crime.
3.2 A representao social e estigmatizao do pichador
Hay algo desenfocado en lo real.
La realidad no est a punto. El enfoque del mundo sera la realidad
objetiva, es decir, el ajuste segn modelos de representacin; exactamente como el
enfoque del objetivo fotogrfico sobre el objeto. Por suerte, este enfoque definitivo
del mundo nunca tiene lugar. El objetivo hace mover el objeto, o al revs, pero algo
se mueve. (BAUDRILLARD, 2008, p. 92)
Segundo Keith Hayward, pouca coisa mudou nos ltimos tempos em relao aos pnicos morais e o
tratamento dado s subculturas juvenis: []the transgressive nature of youth (sub)cultural practice still
provokes a general sense of fear and moral indignation; mass media coverage still serves to amplify deviance;
complex social phenomena continue to be reduced to simple causal relations; and politicians continue to fall
over themselves in their attempts to curry favour with the moral majority by vilifying and condemning the
immorality of contemporary youth (HAYWARD, 2002, p. 9).
59
A notcia vai assumir uma forma determinada por vrios fatores: 1. Necessidades
tcnicos profissionais: resumir, chamar a ateno, atrair compradores, divertir, ou,
mais simplesmente, transmitir o prprio enfoque pessoal do jornalista que obtm a
informao e redige a matria; 2. Interesses pessoais e comerciais: os porteiros
(gatekeepers), ou seja, os que filtram o fluxo de informao decidiro o que notcia
e o que no , de acordo com interesses da empresa ou das presses que ela possa
receber.
[...]
Isto gera a excluso de outros pontos de vista sobre a questo. Embora a soma de
pontos de vista contrapostos tambm no resulte na totalidade da realidade, pelo
menos, permitiria uma construo mais complexa, aproximativa e rica. (DE
CASTRO, 2005, p. 206)
A viso reproduzida pelas agncias de controle e pela mdia de massa refletem nada
mais que esteretipos pr-concebidos, ou frutos de estatsticas baseadas na represso policial.
A cartilha divulgada pela Secretaria de Segurana Pblica do Distrito Federal, parte do
programa Picasso no Pichava38, e destinada aos pais dos adolescentes, o maior exemplo
da tentativa de identificar um perfil criminoso:
Confira os Materiais Escolares
Confira o material escolar do seu filho. Apostilas, bons, cadernos e provas
costumam ter as inscries usadas nas pichaes.
Observe os Horrios de Sada
Vigie o horrio em que seu filho sai de casa. Os pichadores atuam entre 23 h e 3 h
da madrugada.
Estilo de Roupas
A preferncia por roupas do estilo "skatista" ou "grunge" comum, o que no
significa que todos que usam esse tipo de vestimenta sejam pichadores. Mas todos
os pichadores identificados pela campanha, se encaixam nestas preferncias.
Estilo de Msicas
O estilo de msica hip-hop o que os pichadores mais gostam de ouvir. Confira os
CDs que seu filho ouve.
Observe os Apelidos Exticos
Observe se os amigos de seu filho tm apelidos exticos, ou se tratam seu filho
constantemente por apelido no famlia. Inclusive chegando at a substituir seu
verdadeiro nome pelo apelido.
Verifique os Chats (Encontros pela NET)
Verifique o computador do seu filho. Certifique-se dos chats (pontos de encontro)
que ele acessa. Os grupos de jovens de melhor nvel scio-econmico combinam
suas aes pela internet. J existem sites exclusivos para pichadores, que ensinam
grias e at as melhores tcnicas para efetuar pichaes.
Observe os Amigos
Saiba com quem seu filho sai para se divertir. So nas escolas pblicas e particulares
que se formam frequentemente os grupos de pichadores. Cheque tambm quem so
os amigos da quadra onde seu filho mora. Alguns grupos so formados nessas
localidades, criando inclusivo animosidade entre eles.
Sinal Amarelo e Vermelho
Amarelo as notas escolares andam baixas. Vermelho se h latas de spray escondidas
nos armrios e garagens. Principalmente os bicos de spray, que so guardados como
38
Cartilha: como identificar um pichador? Programa Picasso no Pichava SSP Distrito Federal. Disponvel
em: <http://www.ssp.df.gov.br/> Acesso em: 28 jan. 2014.
60
agem em relao aos jovens, explicitando exatamente a forma com a qual buscam uma
criminalizao e normalizao dos seus atos.
Quantas vezes voc j viu algum pichando um prdio ou monumento
pblico? A ousadia de pichadores surpreende cada vez mais a populao. Eles no
medem consequncias e se arriscam para deixarem rabiscos em locais de fcil
acesso e visualizao, onde eles mesmos tambm podem ser vistos cometendo o
crime.
Porm, costumam agir na calada da noite. E isso acaba dificultando no
s a polcia e o poder pblico, mas tambm a populao a identificar quem comete
esse tipo de crime, para que sejam aplicadas as punies previstas em leis.
[...]
Nenhum dos responsveis pelas pichaes, tanto do parque como da Praa
da Saudade, foram identificados at o momento. So criminosos invisveis.
Ningum v, ningum sabe de onde so. Eles surgem noite e desaparecem durante
o dia, disse a universitria Jaqueline Gonalves, 23.
Apesar dos seus rastros estarem espalhados por todos os cantos da cidade,
raramente se tem conhecimento da identidade dos responsveis. H uma certa
dificuldade porque o crime praticado no perodo da noite, reconhece o delegado
da Polcia Civil Pablo Geovanni.39
39
Portal A Crtica Manaus AM. Viles Invisveis: pichaes causam transtorno e sujam a cidade. 25 jan.
2014. Disponvel em: <http://acritica.uol.com.br/> Acesso em: 30 jan. 2014.
62
Zero Hora Porto Alegre. Cerco pichao pode se expandir para a Regio Metropolitana. 9 jan. 2012.
Disponvel em: < http://zerohora.clicrbs.com.br/> Acesso em: 30 jan. 2014
41
Ainda, segundo a autora (2005, p. 205): [...]nunca apreendemos o fenmeno como ele . Ao perceb-lo e
filtr-lo por nossos processos sensoriais, interpretativos, emocionais e classificatrios, estamos construindo uma
realidade subjetiva e personalizada.
63
veicula na imprensa, j que poucas pessoas tiveram contato com algum pichador ao longo de
suas vidas. Isso favorece a criao de mitos, personagens e uma dicotomia entre bom e mau,
favorecendo cada vez mais a estigmatizao dessas pessoas.
Os mitos, portanto, dispensam explicao, despertam a fantasia e a
emotividade. Seriam, dessa maneira, outro elemento facilitador do sentimento de
insegurana. Acrescente-se a isso que h um sincretismo no jornal, que junta o real
com o imaginrio e os confunde. Isso d ao noticiado seu carter de realidade
total.
O mito est tambm relacionado aos grandes princpios: o princpio da
dicotomia entre bons e maus e o princpio do suspense. Ambos so tipicamente
elementos da informao sobre delitos. Uma vez que se tomou partido e que se
espera um resultado demorado no tempo (suspense), h mais possibilidades de a
identificao e a emotividade contriburem para o sentimento de insegurana. (DE
CASTRO, 2005, p. 209)
Em contrapartida, acredito que essa destruio da alteridade que vai provocar ainda
mais a revolta do jovem que decide ir s ruas para pichar. Como j mencionado, quanto mais
a sociedade de risco se arma contra essas pessoas, mais pequenos brbaros ela cria. So os
pichadores que vo devolver com tinta as marcas que neles foram colocadas.
Claro que a construo imagtica proposta pela mdia no trabalha sozinha para
desenvolver o imaginrio e o sentimento reacionrio da populao frente pichao. Ele
acaba sendo o resultado de uma srie de fatores, obviamente potencializados pela sensao de
medo, controle, polticas pblicas de combate ao crime de forma em geral. Nessa linha, a
mdia representa um papel importante nessa construo de pavor e pnicos morais, cujo papel
resumido da seguinte forma por David Garland (2008, p. 398):
64
Isto no significa dizer que a mdia tenha produzido nosso interesse pelo
crime ou que tenha produzido nosso interesse pelo crime ou que tenha produzido o
punitivismo popular que desponta como forte corrente poltica nos dias atuais. Sem
uma experincia coletiva do crime sedimentada, rotineria, seria improvvel que o
noticirio criminal atrasse tanto interesse ou vendesse tantos espaos de
publicidade. Meu argumento que os meios de comunicao de massa tiveram
acesso a, e depois dramatizaram e reforaram, uma nova experincia pblica com
profunda ressonncia psicolgica; e, ao faz-lo, a mdia institucionalizou aquela
experincia. Ela nos cercou de imagens de crimes, de perseguies e de punies,
bem como nos alimentou de ocasies regulares, dirias, nas quais podemos
descarregar nossos sentimentos de medo, raiva, indignao e fascinao que a
experincia do crime provoca.
42
Esse poema abre o disco O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui, do rapper paulista Emicida.
65
Captulo 4 Ato 4: Encerramento Com a palavra, eles: por mais dilogos e menos
monlogos
Pixar errado, errar humano
Somos humanos, por isso que pixamos
Pixar Humano Grilo 13
ser escritas. Os elos iniciados em junho de 2013 vo durar por muito tempo. Tenho certeza
que vou ver os meninos que conhecia na poca alguns com menos de 18 anos crescerem.
E toro para que, quando eles tiverem a minha idade, tenham mais voz do que tm agora,
talvez no precisando mais usar os muros da cidade pra se expressar. Ou, se continuarem
(como muitos que esto perto dos 30 anos), que no sofram tanta represso como
continuamente vm sofrendo em suas madrugadas de rol e batalha por espao e expresso.
Foi em junho de 2013. Na verdade, tudo faz parte de uma questo de coincidncias.
Sabia da dificuldade de encontra-los pela cidade (nunca tinha visto um pichador em ao), e
sabia que se no fosse por intermdio algum, jamais conseguiria me inserir neste meio. Aqui
meus pr-conceitos falaram mais alto: desconfiava que eram jovens de classe baixa, e tinha
receio, como um jovem de classe mdia, em ser recebido e aceito pelo grupo. Mas a
coincidncia que, numa noite, em maio de 2012, uma jovem chamada Ana passou pela mesa
onde eu e meus amigos jantvamos em um bairro de Porto Alegre, vendendo artesanatos.
Vendia arabesco de metal retorcido e desenhado com as mais diversas formas. Me encantei
pelo trabalho daquela menina, e alm de comprar um dos arabescos, busquei mais algumas
informaes sobre ela. Conversando, descobri que ela fazia grafite e tambm namorava um
grafiteiro. Trocamos contatos de Facebook, para que eu pudesse entrar em contato com ela,
j que havia gostado muito de seu trabalho. Na poca eu j tinha planos para realizar um
trabalho etnogrfico, mas minha pesquisa seria sobre gangues e agrupamentos juvenis de
Porto Alegre, ainda no pensava em falar sobre pichao ou graffiti.
Mais de um ano se passou. Buscando algum que pudesse, de alguma forma, me
inserir entre jovens pichadores de Porto Alegre, lembrei da Ana. Recorri a ela, mas no obtive
resposta. Mas foi entre os amigos dela na rede social que conheci um jovem de apelido
Micuim. Vi algumas fotos e pude ter certeza de que, se eu quisesse conhecer algum da
pichao, ele seria indicado. Entrei em contato. Expliquei que precisava conhecer a galera da
pichao, que gostaria de conversar com ele para um trabalho. O primeiro dilogo foi o
seguinte: Oi doido beleza mora onde. Resposta. Sexta vai faze o q. Resposta. Sexta no
bambus. Resposta. Pode ser ai trocamos umas ideias.
E naquela sexta-feira, s 23:00, no Bambus, um bar tradicionalmente frequentado
por diversas tribos (de punks a hipsters, de rastafris a neonazistas) que fica na Avenida
Independncia, prximo ao Centro de Porto Alegre, que comeava, de vez, meu trabalho.
67
Como foi o primeiro contato com um grupo de pichadores, esta noite merece um relato
mais minucioso.
Escolhi a roupa que usaria aquele dia, nada que denunciasse uma diferena de estilo, e
fui at o Bambus para encontrar o Micuim.
Do outro lado da rua, era possvel ver que Micuim estava no lugar conforme o
combinado. O visual marcado por bon e roupas largas denunciavam que era mesmo quem eu
estava esperando. Aps a aproximao, apresentei-me, e logo expliquei o motivo do encontro
combinado. Que meu objetivo era saber deles, os pichadores, tudo sobre o que pensavam
sobre pichao.
Ele prontamente atendeu meus anseios e desde j me brindou com uma frase
reveladora: minha contribuio contra a sociedade a pichao. Micuim tem 31 anos. J fez
grafite mesmo por 8 anos. Hoje prefere pichar. No diz que uma forma de protesto, uma
forma de colocar a sua ideia ali: vou botar minha parada, minha ideia ali no muro, porque
gosto, no porque t protestando contra o sistema. um direito de espao que eu t
demarcando. Ao longo dessa narrativa, vai ser possvel perceber que esse no um objetivo
comum entre os pichadores. Alguns preferem ver seus atos como protesto. Outros entendem
como identificao. Diversos deles remetem a adrenalina provocada pelo proibido, da
escalada, de ir cada vez mais alm. Micuim possui, em sua pgina do Facebook, diversas
postagens atacando os polticos e governantes que, segundo ele, so responsveis por
criar
protesto. Micuim revelou tambm, naquela noite, uma realidade que eu perceberia j nas
primeiras madrugadas. Ele caminha pela cidade sempre olhando os prdios, buscando uma
maneira de pichar. Eu vou no meu limite. Disse que refere fazer escalada ou invaso em
prdio abandonado. trabalhador informal da construo civil (como diversos outros
pichadores).
Andar pela cidade olhando pra cima. Uma prtica que se repete entre a maioria
daqueles que conheci. Seja no dia-a-dia, no caminho para o trabalho, a busca por novos
picos para um rol uma constante. A cidade oferece opes tentadoras, principalmente
no centro, onde esto os prdios mais altos. Descobri que raramente a pichao comea na
mesma noite do rol. Ela planejada. preciso estudar o local, analisar o movimento, definir
meticulosamente a forma de subir (no caso da pichao de escalada), e principalmente estar
68
atento s possveis ameaas de uma cidade vigiada. Cmera, seguranas, e mesmo moradores
que esto com a luz acesa podem ser um empecilho e acabar com os planos da madrugada. Na
gria das ruas, pode moiar o rol. Qualquer coisa que d errado, seja uma chuva ou, na pior
das hipteses, a chegada da polcia ao local (geralmente contatada pela vizinhana), pode
moiar o rol. Os planos so adiados. Dificilmente descartados: na sequncia vamo termin o
rol.
Aquela primeira noite foi definitiva para o sucesso da etnografia. Foi nela que, depois
de conhecer o Micuim, fui apresentado ao Kavera. Integrante do grupo de pichadores Xaropes
163 (que possui uma pgina no Facebook prxima de 300 curtidas), do qual vrios outros
meninos participam ativamente marcando a sigla XRPS pelas janelas da cidade, Kavera tem
apenas 18 anos. Trabalha realizando bicos em obra, e mais recentemente como carregador na
Ceasa (Central de Abastecimento do Estado). Ele que, nas prximas madrugadas, me
convidaria para participar dos rols e me apresentaria aos seus amigos e companheiros de
picho.
Naquele dia, Kavera conversou comigo sobre as manifestaes ocorridas em Porto
Alegre (era junho de 2013, e o fenmeno das manifestaes contra o aumento das passagens
de nibus estava em profusa ebulio na cidade). Uma delas ocorrera no dia anterior. Eu
estava presente, mas ainda no nos conhecamos. Contando sobre sua participao ativa,
Kavera, orgulhava-se de ter derrubado e colocado fogo em containers de lixo, depredado
bancos (mas tem uns vidros desgraados que no quebram), carros de emissora de rdio e
TV, (quebramo tudo, tem que quebrar mesmo, pois para ele as emissoras manipulam tudo o
que publicam) pichado diversos locais (uma de suas pichaes onde dizia R$3,05 roubo
apareceu em diversos jornais, inclusive em um vdeo divulgado em rede nacional). Falam
sobre as repercusses das manifestaes ocorridas no dia anterior. A despeito da aparncia
tranquila, Kavera no escondia sua revolta. Fez parte de um pequeno grupo de manifestantes
que, naquela poca, externou sua indignao de forma violenta.
Apesar da inconteste felicidade de ter aparecido pichando em jornais nacionais,
Kavera revelou que sua ideia no era se aproveitar do movimento pra pichar seu nome e
ganhar ibope. A pichao era exclusivamente de protesto, portanto.
Ibope, sigla do Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica, entre os
pichadores significa fama e visibilidade. Quem tem o maior nmero de pichaes pela cidade,
69
tem ibope. Uma das primeiras regras que aprendi, e que levada muito a srio entre
pichadores, ibope se conquista, no se impe. Ningum pode atropelar o outro.
Atropelar, na gria da pichao, significa pichar em cima do picho alheio. No cdigo de
conduta prprio do movimento, o atropelo imperdovel. Relatos do conta de que pode
acabar em brigas e levar a srias consequncias para o infrator. No tive contato com
nenhum caso grave de atropelo durante o tempo de convvio, ento parece que a norma
dificilmente quebrada.
Kavera me explicou que o pichador faz sua pintura na ilegalidade, e tambm por isso
chamado de vandal. Pichadores que colocam seu nome ou sua marca em locais
legalizados geralmente no so bem vistos. O picho autorizado bem incomum, tendo
em vista a esttica da pichao, dificilmente compreendida ou aceita. Em geral, os locais
autorizados so reservados para o graffiti. Abaixo, alm de vrios pichos, a assinatura do
Kavera est em evidncia no Viaduto da Conceio. Eu pixo e tu pinta um aviso. Aquela
no era a primeira vez que Kavera havia pichado o local, aps a ter sido pintado pela
prefeitura.
70
conhecidos, Lak e Topo, esto presos e possvel ver, em diversos prdios, homenagens em
seu nome e pedido de liberdade para os dois). Abaixo, a sigla do grupo Enxame (EXM), e o
smbolo estilizado da grife Quem Sabe Sobe (QSS), e uma das muitas pichaes que
invocam liberdade aos companheiros Lak e Topo.
72
Pouco depois de alguns encontros, fui apresentado pelo Kavera. Com 20 anos recm
completos, Luk um menino esguio, que usa aparelhos nos dentes, comunicativo e simptico,
que iria se tornar o mais prximo de mim, com quem converso toda semana via Facebook e
73
sempre recebo convites para tomar um vinho e registrar o prximo rol. Luk trabalha durante
o dia como office boy em um escritrio de contabilidade. noite se divide entre rols com
seus companheiros, normalmente acompanhado pela fiel namorada, que assiste de longe suas
aventuras entre janelas e muros. Luk tem preferncia por outra forma de pichao, mais
prxima do graffiti: gosta mesmo de pintar seu bomb, com a sigla LUK (foto abaixo),
geralmente acompanho de seu tag.
74
Insonia), assinaturas de pichadores (Etern, Diem) e diversos tags coloridos (Ana, Luk, Rm!,
Glu). Tambm possvel identificar pequenas frases como o amor importante.
Foi com o convvio com Luk e Kavera que acabei por me tornar mais um do grupo. O
que passei a fazer foi fotografar e filmar os rols da madrugada. Em troca, repassava as fotos
e os CDs para eles. As noites de sexta e sbado se tornaram mais longas, pois passei a
acompanh-los desde o incio, quando encontravam-se para beber cerveja, vinho, fumar
alguns cigarros de maconha e conversar, passando pela espera pelo momento certo de ir at o
pico (local escolhido para a pichao), at longas caminhadas de volta para a casa (como
muitas vezes eles no possuam dinheiro para voltar de nibus para suas casas, e em geral a
maioria mora longe do Centro da cidade, o jeito era tentar andar de nibus sem pagar ou
enfrentar longas distncias a p).
Era durante essas caminhadas que eles mostravam pichaes que haviam feito,
contavam histrias de como haviam conseguido escalar diversos lugares, e escolhiam os
prximos picos. Fui conhecendo cada nome escrito nas janelas, nos muros e nas fachadas dos
prdios. Os smbolos e as formas das letras comearam a fazer mais sentido. Descobri que,
75
mesmo dentro de uma simples pichao do tag reto (o nome do pichador ou do grupo),
existe uma busca por beleza e simetria. Um picho torto era motivo de risada. Um picho
foscado, em que a tinta de spray espalhada ao mximo nas extremidades das letras, dando
um efeito esfumaado, era motivo de orgulho, por ser mais demorado, trabalhoso, e
certamente tinha um efeito mais impressionante. Foscar na quarta janela pelo lado de fora,
ou seja, escalando, certamente motivo de muito orgulho, como o XRPS da foto abaixo.
76
Pequenos detalhes foram mostrando que a pichao possui uma riqueza de estilo que
eu sequer podia imaginar. A imensa variedade de estilos de caligrafia, de tags, de
possibilidade de cores e formas de escrever, revela que, se a pichao no possui status de
arte, porque a marginalizao e a ilicitude da prtica no permitem. Pode variar de um
simples trao preto, branco ou vermelho (cores de spray mais comuns), at um grapicho feito
no topo de um prdio, com vrias cores, bordas e sombreamento, criando um efeito
tridimensional (abaixo, diversos exemplos de pichao tag reto, bombs, tags estilizados e
grapicho).
Alm de guardar uma originalidade prpria de cada pichador, as pichaes passam por
escolhas, critrios, o que as torna elaboradas e no produto de uma deciso momentnea. O
lugar escolhido criteriosamente, precisa ser interessante, o que significa ter visibilidade,
preferencialmente central (o que provoca diretamente um choque social e um afrontamento
aos ideais de limpeza urbana).
Enquanto que as pessoas diretamente afetadas pela pichao, seja em suas residncias
ou no comrcio, se perguntam: como vamos fazer para limpar?, o que instiga os pichadores
a opo por lugares onde a remoo de sua pintura dificultada, ou quase impossvel.
Paredes de pedra e azulejos so considerados locais de picho eterno, pois a limpeza
77
Durante.
Depois.
79
no site de uma revista alem (Schirn Mag), em uma reportagem sobre a prtica em cidades
brasileiras, principalmente em So Paulo. E no segundo andar deste prdio, escrito de forma
bem legvel, que uma frase se destaca: O meu cotidiano um teste de sobrevivncia.
Apesar de conhecer e conversar com ele, tive poucas oportunidades de encontro com
Mael. Soube do episdio ocorrido em 2011, no qual ele caiu de uma altura de cerca de 20
metros enquanto pichava um prdio. A herana da queda visvel, Mael possu poucos de
seus dentes ainda intactos. No mesmo ano, em entrevista ao jornal local Zero Hora, afirmou
que pretendia parar de pichar: S Deus sabe por que me deu uma segunda chance. Nunca
parou. Ainda hoje guarda a fama de um dos pichadores mais ousados e respeitados da cena
porto-alegrense, se no o mais. Vi alguma vezes em companhia de sua namorada, Carol
SUSTOS, conhecida pichadora paulista que foi presa no famoso episdio de pichao na
inaugurao da 28 Bienal de So Paulo. Carol ficou quase dois meses presa na poca.
Abrindo um parntese: em 2008, trs acontecimentos marcaram a cena da pichao no
Brasil e ganharam repercusso nacional. O primeiro foi a pichao da Faculdade de Belas
Artes de So Paulo, em seguida a pichao da Galeria Choque Cultural e, por fim, o episdio
da abertura da 28 Bienal de So Paulo. O relato de Djan Ivson, em entrevista concedida ao
site Risk Underground resume os ocorridos:
Tudo isso comeou quando meu amigo Rafael Agustaitiz (PixoBomB) foi estudar na
Universidade de Belas Artes. Durante seus quatro anos de curso, tendo
conhecimento sobre o real conceito de arte, Rafael descobriu que a pixao no
momento o que tem de mais potente e legtimo no mundo das artes. Rafael queria
de alguma forma tornar isso pblico, foi ai que ele teve a ideia de realizar a
interveno na faculdade, o ataque na realidade foi TCC dele. Durante seus quatro
anos de curso, Rafael defendia a pixao em sua tese de artes plsticas. No ultimo
ano ele teria que apresentar um trabalho prtico, em vez de uma pintura ou trabalho
decorativo Rafael resolveu apresentar a pixao em sua forma real, convidando a
galera do movimento para fazer uma interveno ilegal dentro da universidade. No
dia de sua apresentao final eu Rafael e mais uns 40 pixadores invadimos a
faculdade e pixamos tudo. O resultado disso foi reprovao e expulso de Rafael,
que foi acusado pela faculdade de atos de vandalismo.
Depois disso teve o ataque galeria Choque Cultural, o ataque a Choque foi
motivado por uma declarao publica que o dono da galeria (Baixo Ribeiro) deu
durante um debate sobre pixao em um programa de TV. Na declarao Baixo
questionando a postura da Belas Artes em reprovar Rafael disse que, sua galeria era
a nica representante de arte de rua no Brasil, e que eles no tinham preconceito
com nenhum tipo de expresso urbana, foi baseado nesse depoimento que surgiu a
ideia de atacar a galeria, j que eles (Choque Cultural) no tinham preconceito
algum, com nenhum tipo de expresso urbana, no teria problema algum se acontece
81
43
Entrevista
de
Djan
Ivson
ao
site
Risk
Underground:
http://riskunderground.blogspot.com.br/2012/11/entrevista-cripta-djan.html> Acesso em: 30 jan. 2013
<
82
Ficou me devendo contar cada detalhe e relatos tensos de sua histria de vida, assim que
tivesse oportunidade de ir para Novo Hamburgo e passar um bom tempo por l.
Meninos (e meninas) tomados por um sentimento de adrenalina e por uma
necessidade de ir alm. Poucos deles terminaram o colgio, poucos entraram no segundo grau.
Sua vida hoje se resume a um trabalho pesado e informal durante o dia (ou na madrugada) em
troca de baixos salrios. O lazer ir para a rua, no tempo livre, pichar, beber e encontrar os
amigos.
Pouco se v, na pichao que figura hoje em dia na cidade de Porto Alegre, frases de
protesto (como nas origens da pichao no Brasil, nos movimentos contra a ditadura). A
maioria esmagadora das pinturas composta pelo nome dos pichadores, das mais diversas
formas. Mas o sentimento de protesto e revolta contra o sistema permanece no seu discurso.
Quando Micuim fala que sua contribuio contra a sociedade a pichao, quer dizer que
no est satisfeito com o contexto em que vive, e sua forma de protesto colocar seu nome no
alto de um prdio, registrar e publicar nas redes sociais. Mas ainda h aqueles que preferem
incluir frases, das mais diversas, seja contra a polcia e polticos (o que se tornou muito
comum aps as manifestaes ocorridas em 2013, principalmente em relao ao aumento da
tarifa de transporte pblico), ou ainda trechos de msica.
83
Uma certeza dos pichadores que mais cedo ou mais tarde sero pegos e com isso
sofrero as mais diversas consequncias. Certa vez, Bart, de 17 anos, contou uma histria
sobre a pichao que decidiu fazer na frente de uma Igreja Universal. Naquela noite, aps
escrever no prdio Bart no vai igreja, Deus est em sua casa, a contundente crtica
acabou virando motivo de perseguio, agresses por parte do pastor e dos seguranas da
igreja. Bart foi humilhado, apanhou, foi ameaado de morte com um revlver. Conta que
escapou por pouco, e at hoje lembra apreensivo do dia em que esteve beira da morte.
Geralmente quando so policiais que flagram o ato, os pichadores so submetidos s
mais diversas consequncias. Relatos de violncia policial so comuns. Meninos que tiveram
o rosto pintado com a prpria tinta spray, foram obrigados a morder o rolo de tinta, agresses,
humilhaes. No conheci um pichador que no tivesse passado por algum sufoco com a
polcia, um reflexo claro de todo o dio que a sociedade possui contra eles.
Muitos so relacionados a delitos contra o patrimnio, como roubo, furto, extorso.
Conheci apenas de um, que, h alguns anos, foi preso por roubo: a gente fazia as pessoas
sacarem dinheiro no caixa eletrnico, pegava a grana e gastava tudo em pano (roupa) no
shopping. Hoje, segundo ele, no faz mais isso. Quer estudar e quando a conversa migrou
para temas como EJA, ENEM, demonstrou interesse em terminar o colgio e fazer uma
faculdade de Direito (nessa altura eu j havia falado sobre minha profisso). O Luk, que hoje
trabalha de office boy em um escritrio de contabilidade, tambm se mostrou interessado em
terminar o segundo grau, e por isso prometeu que em 2014 vai diminuir os rols na
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madrugada pra cumprir sua meta. Percebi que os convites para os rols e registros
fotogrficos diminuram bastante nos ltimos tempos (final de 2013, incio de 2014).
Conheci, durante a batalha de MCs (cantores de rap que fazem uma disputa
musical em versos rimados) que ocorre todo ms em frente ao Mercado Pblico de Porto
Alegre, o irmo de Lak, tambm respeitado pichador da cena na capital. Lak foi preso por um
suposto roubo ocorrido em Cachoeirinha, no ano de 2013. Naquele dia, Lak estava com
Kavera e outros amigos em Esteio, e relatos indicam que sua priso tenha sido armada pela
polcia de Cachoerinha, que o conhecia e tentava h muito tempo prend-lo sem sucesso.
Aps conhecer seus amigos e seu irmo, minha relao com a famlia de Lak se estreitou, fui
apresentado sua me, e hoje sou seu advogado. Lak foi condenado em primeira instncia, e
agora o processo tramita em grau recursal, mas ele continua preso cautelarmente. Sua pena foi
aumentada na sentena com a seguinte justificativa: Sua conduta social no boa, pois
consoante prova testemunhal e documental voltada para prtica delitiva, tendo como hbito
a realizao de pichaes.
O contato com todos os jovens permanece. Cada vez que samos sou apresentado
como o fotgrafo do grupo a mais algum. Tenho vontade de permanecer conectado com eles,
at que um dia este convvio vire uma exposio de fotos ou mesmo um documentrio. O
futuro dir. Temos muitas madrugadas pela frente.
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86
44
Pichador detido em Porto Alegre havia prometido parar com vandalismo aps cair de prdio em 2011. Jornal
Zero Hora, 15/01/2013. Disponvel em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/01/> Acesso em:
27 jan. 2013
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nunca cheirei, s fumo maconha, mas sou dependente de adrenalina, de pichao, nas
palavras de Kavera.
Vivemos em uma sociedade onde a expresso ultrapassou as barreiras do papel, das
galerias de arte brancas e com iluminao glida e tomou conta das nossas casas, s que pelo
lado de fora. Em que momento essa sociedade vai enxergar esse fenmeno? Depois de alguns
meses pesquisando sobre pichao, graffiti e arte urbana em geral, descobri o quanto nossa
tendncia a excluir e rejeitar aquilo que no nos agrada, seja pela questo esttica, seja apenas
por no entender o que ali quer ser dito, permanece ainda muito forte.
Talvez o trao mais marcante da pichao seja seu carter impositivo. Mas to
impositivo quanto um outdoor de uma propaganda de refrigerantes, to impositivo quanto um
arranha-cus, quanto um monumento, uma obra de arte em um parque, um viaduto, uma
igreja, to impositivo quanto a ao humana no meio ambiente. A diferena reside justamente
na compra e no direito de uso de determinado espao (por mais que o resultado final no
agrade a uma grande parcela da populao).
A pichao no pergunta se ela pode estar ali, ela simplesmente est. Mas sua raiz
violenta, nasce da transgresso. Mas uma violncia to nfima, que sua criminalizao chega a
ser chocante. No sabemos dizer a quem mesmo a pichao causa danos, j que um viaduto
pichado nunca prejudicou a ningum. O prejuzo econmico decorre de uma imposio de
outro senso de esttica, de limpeza, da necessidade de uma padronizao urbana quase estril
em tons pastis e sem vida.
No necessrio concluir que a pichao, enquanto crime, apenas mais uma forma
de excluso, marginalizao da juventude j estigmatizada. Chegar a esta concluso no era o
objetivo deste trabalho, mas sim uma das premissas que o pautou desde o incio. O grande
objetivo, esse sim atingido (no por completo, j que demandaria muito mais tempo do que
alguns meses), era ouvir e dar voz a estes jovens estigmatizados que esto envolvidos nas
prticas de pichao.
O crime s continuar existindo enquanto a sociedade criar a necessidade de crime e
violncia para manter-se. As respostas ao crime e a violncia devem ser, no fundo, respostas
s necessidades de crime e violncia criadas pela prpria sociedade. O crime s acontece
porque tem um motivo pra acontecer, e esse motivo no est embutido na condio humana e
na essncia humana, mas sim na necessidade gerada unicamente pela convivncia social.
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Por esse motivo, o grande objetivo do trabalho foi atingido: enquanto realizao
pessoal, e enquanto relacionamento, enquanto aproximao. Em nenhum momento me propus
a explicar a pichao, entrar em questes causais-explicativas relacionadas a uma
criminologia de razes positivistas, descobrir suas causas e criar a partir da propostas polticosociais ou at mesmo poltico-criminais com o intuito de coibir ou reduzir a prtica. Desde
o incio, o que ficou bem claro era a real inteno de conhecer o desconhecido. Falar sobre
algum que existe na vida real, e no apenas em matrias reducionistas de jornal ou em
programas de limpeza e higienizao urbana.
Porque nenhuma teoria criminolgica que associe o crime ou comportamento
desviante insegurana ontolgica, privao relativa, convivncia com zonas de alta taxa de
risco ou reao a opresso do modelo capitalista de mercado consegue explicar por que um
menino de 20 e poucos anos volta a pichar prdios com escalada depois de cair de uma altura
de 20 andares, sofrer leses srias e perder a maior parte de seus dentes. Nenhuma teoria
criminolgica vai explicar tambm por que meninos deixam de usar drogas e passam a pichar,
substituindo um vcio pelo outro.
Porque a criminologia acabou distanciando-se demais do seu foco de pesquisa (se
que um dia o teve). Perdida na tentativa ambiciosa de explicar o crime, perdeu-se em
conceitos, ousou dizer que pessoas eram pr-determinadas a pratica de crime, passou a dizer
que o meio influenciava a pratica de crimes, juntou-se com o direito penal, criticou o sistema
penal, virou ferramenta de poltica criminal, e esqueceu que tudo no passava de uma
construo social que pode mudar de acordo com a vontade de uma sociedade. Esqueceu que
tudo humano, demasiado humano, e humano demais para ser explicado. Sempre foi s ns
dois: eu e minha circunstncia / sempre s ns dois: eu e eu / no cincia exata, no
acontece em tempo real / demais, humano demais, escreveu Humberto Gessinger.
Prefiro, ento, pensar que eles, os pichadores, sempre sabero mais sobre suas vidas,
sua arte, seus estmulos, suas emoes, do que qualquer pretenso acadmico que passe 10, 20,
30 anos convivendo com eles. A menos que eu me torne um deles, jamais saberei descrever
tudo que passa pelas suas cabeas.
Portanto, com sentimento de dever cumprido, concluo esse trabalho remetendo ao seu
incio, epgrafe. No desejo que a pichao acabe, porque ao longo desse tempo de pesquisa
e convivncia pude perceber que sofre de vazio de sentido a cabea de algum que prefere
90
que o pichador casse e morresse a ter a fachada de seu prdio pichada. Desejo, em verdade,
que as vozes sejam ouvidas, as pichaes sejam lidas, e que nossas cidades, repletas de tantos
problemas muito mais graves, convivam em harmonia com o que as ruas tm a dizer.
91
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Referncias musicais
Engenheiros do Hawaii Humano Demais
Grilo 13 Pixar humano
MC Leonel Vcios Rebeldes
95
Referncias em vdeo
Pixo Direo de Joo Wainer e Roberto T. Oliveira
Quem Toniolo? Direo de Andr Moraes Produzido pela Faculdade de Comunicao
Social FAMECOS/PUCRS
96
ANEXO
97
Porto Alegre
Viena - ustria
98
Paris - Frana
Berlim - Alemanha
99
Amsterdam - Holanda
Bratislava - Eslovquia
100