Governando o presente
104,
radicais, ee socidlogos e outros. Esses programas de governo
reorganizados utilizam e instrumentalizam uma variedade
administragao, da vida familiar, do estilo de vida, os pr
nos pontos de intersecio das aspiracées sociopoliticas e dos desejos priva-
dos de progresso pessoal. Mediante essa frouxa congregacio de agentes,
céleulos, técnicas, imagens e produtos, os individuos podem ser governa-
dos através de sua liberdade para escolher.
CONCLUSAO
___ Mita coisa da anélise acima ¢ preliminar, mas seu ponto central é
simples. Alinguagem da filosofia politica ~ Estado e sociedade civil, iber-
dade e coersio, soberania e democracia, ptblico e privado ~ desempenha
sum papel na organizagio do poder politico medemo. Contudo, nao pode
rover os instrumentos intelectuais para analisar as problemsticas de go-
verno no presente. A menos que adotemos modos diferentes de pensar
acerca do exercicio do poder politico, teremos dificuldade em compreen-
der as formas de governo contemporineas. Destarte, seré penoso fazer
um julgamento apropriado das alternativas que se apresentam.
4
i +
A MORTE DO SOCIAL?
Recalculando o territério de governo
longo das duas iltimas décadas do século XX, em quase todos
‘os paises industriais avancados, da Suécia a Nova Zelandia, as
antigas certezas do “estado do bem-estar” foram questiona-
das, eos sistemas de bem-estar sofreram transformacio.* Vit~
vce a privatizacdo das empresas de servigo publico e de eventos sociais
de bem-estar, a exposicao dos servicos de sade as forcas do mercado, a
previdéncia socal eos esquemas de pensio, reformas educacionais para
introduzir competicdo entre escolas e faculdades, a introducio de novas
formas de administragéo no funcionalismo piblico modelado sobre uma
imagem de métodos no setor privado, novas relagbes contratuais entre
agéncias e prestadotes de servicos, e entre profissionais e clientes, uma
nova énfase sobre as responsabilidades pessoais do individuo, de suas fa-
miflias e de suas comunidades para seu proprio futuro bem-estar e sobre
‘sua prépria obrigagao de dar passos ativos a fim de asseguré-lo. No nivel
da “governamentalidade” ~ as deliberacGes, estratégias, tticas e dispo-
sitivos empregados pelas autoridades para compor-se ¢ influenciar uma
populagio e seus eleitores a fim de assegurar o bem e prevenir 0 mal -
como se estivéssemos vendo a emergéncia de uma série de racionalidades
fe de técnicas que buscam governar sem controlar a sociedade, governar
através de escolhas reguladas feitas por atores discretos e auténomos no
‘ontexto de seus compromissos particulares com as familias eas comuni-
dades (Rose, 1993b, 1994). Essas mudangas na polit ica parecem coincidir
‘com a mudanga dentro das ciéncias sociais, onde o objeto “sociedade”,
nro eentide que comecon a ser-lhe atribuido no século XIX (a soma dos
+ are fragmento fl escrito ex 1993, Na rerio para pula nesta cole, alguns trips
formulas ue modifeatos onde setters epecalment a scontecmentze que dst wns
(qinee ane no pasado.overnando o presente
106
laos e xelagdes entre individuos e acontecimentos ~ econdmicos, moras,
Politicos - dentro de um territério mais ou menos delimitado, yovernad
por suas préprias les), comecou também a perder sua autoevidéncia,e a
'sociologia’, como o campo de conhecimento que ratificava a exlstenca
deste teritéro, até passandy por algo como uma cise de identidade,
Enquanto a desestabilizagdo da teoria social teve como pioneivos
aqueles que costumavam descrever asi mesmos como progreststan a re
lagio daqueles& esquerda com as transformagdes no estado do bens estar
tem sido quase inteiramente negativa. Iso nio curpreende, dadas as ex.
tteitas rlacdes entre socialismo, como uma racionaldade para a politic,
a prolferagio de dispositivos sociais que compunbam 0 bem estar: ¢
status quo, a previdéncia social, o servo social, osalvio minimo, a pro.
tego social e tudo mais. Todavia, precisamos questionar essa opovicto na
{qual as forsas do progresso parecem obrigadas a assummir o lado do social
contra as forga de reagdo que representam 0 individualismo, a compet
so, 0 mercado e semelhantes, Para dar inicio atl empreitada, podiamos
comefar por questionar a nosio do “socal” em si mesmo, Seré que nao
estamos testemunhando nao somente uma mudanga temporal nas ten.
nda pola etericas, mas também um acontecimento, a morte do
social”? ;
GOVERNAR A PARTIR
DO “PONTO DE VISTA SOCIAL”?
Quando, nos comegos dos anos de 1980, Jean Baudrillard diagnos-
ticou “o fim do social” (Baudrillard, 1983), cle ofereceu a seus leitores
trés proposigoes: que o social jamais exit, mas foi sempre um tipo de
simulagdo de uma relagao social que agora passou por uma dissimulaydo,
desintegragao do que era, em todo caso, um espaco imagindtio de referén,
cla e jogo de espelhos; que o social realmente exist, e agora envale tudo
expandiu-se de um processo de controle racional de remanescentes . va,
gabundos, lundticos, doentes ~ para um Estado no qual todo mundo €
completamente excluido eresponsabilizado por um projeto de itegragio
funcional canonizado pelas cincias sociais; que o social exist no passao,
‘mas detxou de existir— a socialidade do contrato, da relasao do Estado com
Bata frate 6 ada de Proce (1989), mas aqui ¢ ura de forma leverente diferente
a sociedade civil, da dialética do social e do individual foi destruida pelas
fragmentagées dos meios de comunicasao, pela informacio, pela simu-
la¢io do computador e do surgimento da imitagao. Baudrillard concluiy
com uma meiga lembranca da “inacreditavel ingenuidade do social e do
pensamento socialista, por ter sido, assim, capaz de reificar como univer~
sal eelevar como ideal de transparéncia tal ‘realidade’ totalmente ambi-
gua e contraditéria -pior, residual ou imagindria ~ pior, ja abolida em sua
propria simulacao: 0 social” (Baudrillard, 1983, p. 86).
diagnéstico indubitavelmente capta algo significativo, apesar de
seu tom caracteristicamente apocaliptico e opaco campo de referéncia.
Lembra-nos, caso precisassemos lembrar, de que “o social" foi inventado
pela historia e tomado catéxico pelas paixdes politicas: deveriamos ter
nossas ditvidas em abracé-lo como um horizonte inevitével para nosso
pensamento ou padrio para nossas avaliagdes. Gilles Deleuze, em sua in-
trodugio ao livro de Jacques Donzelot The Policing of Families (A vigilancia
as familias}, coloca a questo em termos bem mais sobrios: “Obviamente
no é questio do adjetivo que qualifica uma série de fenémenos com os
4quais a sociologia lida: o social refere-se a um setor particular no qual
problemas muito diversos ¢ casos especiais podem ser agrupados, um
setor que compreende instituigdes especifcas e todo um corpo de pes-
soal qualificado” (Deleuze, 1973, p. ix). “O social”, por assim dizer, nao
representa uma esfera existencial eterna da sociabilidade humana. Ao
contririo, dentro de um campo geogrifica ¢ temporalmente limitado, cle
estabelece os termos para o modo com o qual as autoridades humanas in-
telectuais, politicas e morais, em determinados lugares e contextos, pen-
saram acerca de sua experincia coletiva e influenciaram-na, Esse novo
plano de territorializagao existia dentro, ao longo e em tensdo com outras
espacializagSes: sangue e tervitorio; raga e religido; cidade, regio e na¢ao,
Uma variedade de linhas de organizacio e de interven¢io, lancadas sobre
a maiotia das nagdes europeias e na América do Norte, ao longo do século
XIX e da primeira metade do século XX, cruzaram-se, conectaram-se €
emaranharam-se nessa zona hibrida do "social" As estatfsticas sociais e,
a seguir, a sociologia e todas as ciéncias sociais, desempenhariam sua fun-
‘io na estabilieagao do social como uma esfera sui generis, cuja realidade
j4 no podia ser ignorada. Simultaneamente, forcas politicas agora arti-
cculariam sua exigencia sobre o Estado em nome do social: a nagio deve ser
» araspeit de“nhat’ cf. Deleuse Parnet 1967, p. 124-47.
107
‘9504 se}04IN 2 aN N98covernando o presente:
108
fovea nos interes da rots desta sda de
de Por da primers dca sel patios em fren
ts contro nae ap a Ansa do No hve sid
acetar que © governo de pelo menos alguns aspectos desse
campo socal devera ser acrescentado as responsabilidad do aparato
Politico ede seus oils, V-se uma eile das revindcaesttaizan-
fes da economia polica para prescrevere delinltar os ane legftlnos &
serem usados para ogoverno da vida econdmica. Ao mesmo tempo, ale ji
Do pode ser mei otis lei die suent aa eee
lem eseguranga com efeito, lei em si, deve responder is exgtncas do
srl rate ales pupa ice
pola ts ditouddo Sa welt eae Mtoe de
‘cord a nl deve sr gare tae a
como vee aye pono de ie (Pre AB
2 rnc Dono, 984 par Inter, Ck, 179 Calin
1079) "0 soca tornawse un tip des pr do pesament palin
dem ou teria de ser social ou detzaria de exist
sant dost em ona dda los et
, sociais” sio crescentemente formuladas em um nivel
supranacional, mediante organismos internacionas tals como a Organi-
Bundll da Sade, da Nate Unidad '¢ Ualls Mele Cortada, pe.
sar da indubitvelpesisténca do tema da sociedade e da eto toda
ta dlecusio poltica coatemporkoes, “Sac” wo senda em je fl
conprvendd por ceca de um fou et, afd Ghats, pusanlo por
ua muta As cones pares mua ea creat emer
elfen de progam de govero “eral aan” ob una
sada regis pics nacional to etrogtness disper
tsBes econdmicas colocaram em questi a ideia de uma econo-
ta nam ej formato no sao XE fa condico-dat pre 0
iineamento de um territério social. As relagdes econdmicas chegaram
1 Fr tompetinlldas ab somes Gals Gaatex Sane oa
da Was cate ecinonlas naconals Ascoaa St ane come ae
ras de componentes de uma populario nacional com os eomponentes de
outea ~ a competigio econémica dé-se entre cidades, entre setores, entre
rmercados especializados dentro das relagdes econdmicas que nio respei-
ta a em tis nena. pelea dt ith ME
cional agora ésituado diferentemente: enquanto os partidos governantes
sinda devem administrar populagSes nacionais com os mecanismos Po-
Iiticos terrtorializados de que ainda disper, eles jé ndo concebem a st
mesmos coms agindo sobre urna populacto nacional que funciona natu-
Timente que esta sistematicamente integrada, cujacoeréncia “social” &
‘ima condigio para sua seguranca econdmica (cf, Hindess,1994b)*
‘hs Logicas do governo social ram problematizadas também de ou-
teas formes. Conforme Hirschaman (1991) ressaltou, havia uma pro~
feragio de “retéricas de reagio” acerca dos paradoxais mal-estares do
Batado do bem-estar - seus custos, seus fardos, suas injustias ~ que Pro
‘Geram de diversas partes do espectro politico. Havia, outrossim, muttas
vaitiens dos poderes especializados instalados pelo Estado do bem-estar)
ca meta discriondria que os sistemas de bem-estar conferiam a pro-
Gasionais e burocratas (discuti isso em detalhes alhures: Rose, 1993b,
19930), Emnbora tas criticas do governo socal fossem heterogéneas, nao
Gbstante, elas tém certa “semelhan¢a familiar”. De modo particular, as
ontiasfeitas pelos ibertarios de esquerda ede ireita, por progressistas,
tumanistas, propositores de direitos civis e advogados da delegacio de
‘lenos poderes partilhavam uma especfcagdo modificada dos sujeitos
Je governo,/Os seres humanos a serem governados — homens ¢ mulhe-
sex vicos e pobres ~ agora eram concebidos como individuos que deviarn
et ativos em seu proprio governo. Bas responsabilidades delesjé nie
ddeviam set compreendidas como uma relacio de obrigagdo entre cidadao
rsociedade possibilitada e regulada por meio do partido mediador do
Totado: antes, devia ser uma relagio de fidelidade e de responsabilidade
por aqueles dos quais mais se cuidava ea quem o proprio destino esta.
ve ligado, Cada sujito esava agora situado em uma variedade de redes
heterogeneas e sobrepostas de preocupacio e de investimento pessosis
a jara si mesmo, para a propria familia, vizinhanca, comunidad ¢ a=
bionte de trabalho. O que & central para o etos das novas mentalidades ¢
entratégias de governo - a que eu denomine! de “liberal-avancadas”
ses novo aelacionamento entre estratégias para o governo dos outros ¢
tdenieas para o governo do eu, situadas dentro de novas relagBes de ma
tua obrigacio: a comunidad
«paul ste Gahamn Thompson (1996) tm defend vgorosamente que ot enlists 2.
en sages ecoomican evan de mts mone rn “pobabaday
meade ea qo st bake qs € nga eperiiowe defender queens
cca a Ps popéitGe noma apumentac, Do entanto 0 eradecos fete
us ho east wonenca So un ant independents daveraiade Goalie
109
ou sou 2 2024O NASCIMENTO DA COMUNIDADE
Até recentemente, alin,
do chamava a aten,
bem-estar —
nte, alinguagem aparentemente “amoral” do merca-
to prinipalmente nos debates sare mudannes oy
Comunitéria,albergues comunitétios, trabalhadores voluntérigs, sega
asa cnitra, po ump Cosa see
dea Comunitirios ~ dependentes quimicos, homossexuais, portadones
de gene particles, juventude em aco, Consdereses pernens
fanosaen de comunidad em debates sobre multiculturalismo e so-
gue tatahamem ccustintas depuis anny ee
* Todos estes parecem indicar que “o social”
Nao penso que isto seja simplesmente uma questio de mudanea de jar-
indicativo de uma mutagao, bast:
‘ger a linguagem “social”. & esta mutagao que também pareve subjazer
8
§
$
e
z
8
i
H
§
i
g
aa = ipeekeesen, 4 acdo autorizada em relagdo as caracteristicas
as comunidades e sas fora, clturas« pteogion Bhan
ee € programas que tratam tais problemas buscando thle
imicas das comunidades. Elas configuram o territério. imaginado so-
bre o qual tais estraté; it
ais ertratéias deveiam agi tal comoneny
munidade. E elas expandem-se a ere ae ee
:
:
S
£
:
:
Nao deveriamos buscar nenhuma origem ou causa (nie para essa
reconfiguracig do territério de governo, O social constituia-ne vom vim
plano complexo de interconexao entre diversas linhas de forga meiiote
mudangas no conhecimento, nos dispositivos para mapear popula
suas vicissitudes, nas praticas de regulacao e nas vias de aio e de cAlcul
que elas tracavam, problematizacbes dependentes e reformulacio ética ¢
politica. Os usos ztuais do conceito de comunidade sao semelhantemen:
te resultantes heterogéneos, complexos e méveis de formas revisadas de
representar, problematizar e intervir em todo um conjunto de diferen-
tes arenas." O termo "comunidade”, obviamente, tem sido destacado ha
muito tempo no pensamento politico; contudo, torna-se governamental
quando se torna téenico. Por volta dos anos de 1960, a comunidade ja era
invocada por socidlogos como um possivel antidoto para. solidao e isola-
mento do individuo gerados pela “sociedade de massa’. Essa ideia de co-
‘munidade como autenticidade perdida e pertenca comum foi inicialmen-
te empregada no campo social como parte da linguagem de critica e de
coposigdo direcionsda contra a burocracia distante. Os ativistas comunité-
rios deviam ser identificados no com um sistema de bem-estar que viam
‘como degradante, policialesco e controlador, mas com aqueles que eram
os sujeitos daquele sistema - os habitantes de conjuntos habitacionais, de
casas populares'e-guetos-Mais ou menos simultaneamente, a linguagem
de comunidade foi utilizada por autoridades tais como a policia para com-
preender os problemas que eles encontravam em lidar com zonas dificeis|
~ “a comunidade indiana ocidental’, a comunidade criminosa, Comunida-
de, aqui, é um ponto de penetracéo de um tipo de sociologia etnogratfica
dentro dos vocabulérios e classificagdes de autoridades; reciprocamente,
a propria sociologia intensificou suas investigacdes da vida coletiva no
que se refere a comunidade e a sua dissecagao de fronteiras de cultura e de
lagos com a localidade que eram considerados como condicées essenciais
para sua ordem moral. Dentro de um periodo bastante curto, 0 que come-
‘ou como uma linguagem de resisténcia e critica foi transformado, sem
iivida pelos melkores motivos, em um discurso especializado e em uma
vvocagao profissioral ~a comunidade, agora, ¢algo a ser programado pelos
Programas de Desenvolvimento Comunitario, supervisionado pela Poli-
‘ia Comunitéria, conservado pelos Programas de Seguranca Comunitaria
» Obwiamente exist semelnangas entre eee argumento e aque repetane& construc de
ager dentidedar nara oe eomunidade aginadas uals nao poem Sresctias a
(Anderson, 1991.
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soy Seo > NE