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R - D - Andre Mauricio Teixeira Da Silva

O documento analisa como o poder disciplinar se manifesta na cultura organizacional de instituições de ensino superior privadas a partir da perspectiva de professores. Foi realizado um estudo de múltiplos casos com nove entrevistas com professores que revelou que a conformidade é incutida desde a constituição da identidade docente. Os achados também indicaram a precarização do trabalho docente nesse contexto, com professores tendo pouca autonomia e foco em agradar os clientes. O estudo contribui para compreender a realidade dos professores no ensino superior priv

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R - D - Andre Mauricio Teixeira Da Silva

O documento analisa como o poder disciplinar se manifesta na cultura organizacional de instituições de ensino superior privadas a partir da perspectiva de professores. Foi realizado um estudo de múltiplos casos com nove entrevistas com professores que revelou que a conformidade é incutida desde a constituição da identidade docente. Os achados também indicaram a precarização do trabalho docente nesse contexto, com professores tendo pouca autonomia e foco em agradar os clientes. O estudo contribui para compreender a realidade dos professores no ensino superior priv

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

SETOR DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS


PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

ANDR MAURCIO TEIXEIRA DA SILVA

O PODER DISCIPLINAR ENQUANTO UMA DIMENSO DA CULTURA


ORGANIZACIONAL: UM ESTUDO MULTICASOS EM INSTITUIES DE ENSINO
SUPERIOR PRIVADAS

CURITIBA
2016
ANDR MAURCIO TEIXEIRA DA SILVA

O PODER DISCIPLINAR ENQUANTO UMA DIMENSO DA CULTURA


ORGANIZACIONAL: UM ESTUDO MULTICASOS EM INSTITUIES DE ENSINO
SUPERIOR PRIVADAS

Dissertao apresentada como requisito parcial


para obteno do grau de Mestre em
Administrao, no curso de Ps-Graduao em
Administrao, Setor de Cincias Sociais
Aplicadas, Universidade Federal do Paran.

Orientadora: Profa. Dra. Mariane Lemos Loureno

CURITIBA
2016
minha amada esposa Blanda e aos meus filhos Alice, Lara e Vicente.
AGRADECIMENTOS

Agradeo a minha amada esposa Blanda pela compreenso nos momentos


difceis e pela multiplicao das alegrias na felicidade.
Aos meus filhos pela alegria e motivao para sempre seguir em frente.
A minha orientadora pela pacincia, compreenso e ensinamentos de vida e
acadmicos.
Aos Professores Yara e Samir pelas excelentes contribuies.
A Deus pela oportunidade de viver.
When I was young
It seemed that life was so wonderful
A miracle, oh it was beautiful, magical
And all the birds in the trees
Well they'd be singing so happily
Oh joyfully, oh playfully watching me
But then they sent me away
To teach me how to be sensible
Logical, oh responsible, practical
And they showed me a world
Where I could be so dependable
Oh clinical, oh intellectual, cynical

There are times when all the world's sleep


The questions run too deep
For such a simple man
Won't you please, please tell me what we've learned
I know it sounds absurd
But please tell me who I am

Now watch what you say


Or they'll be calling you a radical
A liberal, oh fanatical, criminal
Oh won't you sign up your name
We'd like to feel you're
Acceptable, respectable, oh presentable, a vegetable

At night when all the world's sleep


The questions run so deep
For such a simple man
Won't you please, please tell me what we've learned
I know it sounds absurd
But please tell me who I am, who I am, who I am, who I am

The logical song - Supertramp


RESUMO

O trabalho do docente nas instituies de ensino superior privadas possui, alm da


inerente gama de atividades, complexos arranjos de demandas e sistemticas de
controle e desempenho que visam adequao da organizao a lgica do lucro.
Nesse contexto a cultura organizacional ento caracterizada por elementos como
valores, crenas, pressupostos, normas e outros que, de certa forma, conformam o
sujeito com uma determinada ordem, com uma determinada significao do que o
seu trabalho e de como ele est relacionado a um contexto social maior, ou uma
cultura em geral. O poder disciplinar, ento, vai se caracterizar no apenas pela
sano, pela punio e proibio, mas sim por uma vigilncia de fora e de dentro do
prprio sujeito. Ir tratar da anlise, classificao, normalizao e exame desse
sujeito no mbito da organizao. Para tanto, esse poder disciplinar ir se utilizar de
instrumentos e tcnicas de poder exercidas na rotina de trabalho da organizao. O
objetivo desse estudo foi o de investigar como se manifesta e interpretado pelos
docentes o poder disciplinar em face aos elementos da cultura organizacional em
instituies de ensino superior privadas. Para cumprir esse objetivo foi realizado um
estudo multicasos e de multinveis em que foi priorizada a anlise do discurso
organizacional no estabelecimento dos conceitos, dos objetos e na posio dos
sujeitos nesse discurso e das suas aes com relao s prticas de produo,
transmisso e consumo de textos que reforcem, alterem ou resistam ao discurso.
Foram entrevistados nove professores que dentre eles trs pertenciam ao corpo
diretivo das instituies, trs membros da direo sindical e trs professores sem
nenhuma das participaes anteriores. Alm dos discursos divergentes das posies
dos sujeitos o que se evidenciou foi que a conformidade e a sujeio so iniciadas
mesmo antes de adentrar a instituio, ou seja, na prpria constituio do sujeito
enquanto docente. Destaca-se ainda dentre os achados a precarizao do trabalho
docente nesse contexto, em que o professor passa a ser um mero executor de
programas de ensino com reduzida autonomia e controle das suas atividades. Aliado
a isso ainda passa a incorporar as atividades de promoo e manuteno das
instituies por meio da busca de agradar os clientes e o mercado de atuao. Tudo
isso realizado sobre uma estrita vigilncia e controle por parte das instituies e de
alunos. Este trabalho contribui no sentido de elucidar a situao dos professores no
ensino superior privado fornecendo uma compreenso a partir das suas prprias
interpretaes e experincia. Pode contribuir ainda como meio de ampliar o
conhecimento dessa realidade para eventuais aes governamentais nesse setor.

Palavras-chave: Cultura organizacional. Poder Disciplinar. Vigilncia no trabalho.


Anlise de discurso. Trabalho docente.
ABSTRACT

In addition to the inherent range of activities, the teacher's work in private higher
education institutions has complex demands and systematic control and performance
arrangements that aim at adapting the organization to profit logic. In this context the
organizational culture is characterized by elements such as values, beliefs,
presuppositions, norms and others that, in a certain way, conform the subject with a
certain order, with a certain meaning of what his work is and how it is related to a
larger social context, or a culture in general. The disciplinary power, then, will be
characterized not only by sanction, punishment and prohibition, but by a vigilance
from outside and from within the subject itself. It will deal with the analysis,
classification, normalization and examination of this subject within the organization.
To do so, this disciplinary power will be used of tools and techniques of power
exercised in the routine work of the organization. The objective of this study was to
investigate how the teachers' disciplinary power is manifested and interpreted in the
face of organizational culture elements in private higher education institutions. In
order to fulfill this objective, a multi-level and multicase study was carried out, in
which the analysis of the organizational discourse in the establishment of the
concepts, objects and the position of the subjects in this discourse and of their
actions with regard to the practices of production, transmission and consumption of
texts that reinforce, alter or resist discourse. Nine teachers were interviewed,
including three members of the governing body of the institutions, three members of
the trade union leadership and three professors with no previous participation. In
addition to the divergent discourses of the subjects' positions, what was evidenced
was that conformity and subjection are initiated even before entering the institution,
that is, in the very constitution of the subject as a teacher. Among the findings, the
precariousness of teaching work in this context is highlighted, where the teacher
becomes a mere executor of teaching programs with reduced autonomy and control
of their activities. Allied to this still starts to incorporate the activities of promotion and
maintenance of institutions through the search to please customers and the market of
action. All this is carried out under strict supervision and control by institutions and
students. This work contributes to elucidating the situation of teachers in private
higher education by providing an understanding from their own interpretations and
experience. It can also contribute as a means to increase the knowledge of this
reality for possible governmental actions in this sector.

Key-words: Organizational culture. Disciplinary power. Work surveillance. Discourse


analysis. Teacher's work.
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 A RELAO ENTRE DISCURSO E PODER ....................................... 71


FIGURA 2 A RELAO ENTRE PODER E DISCURSO ....................................... 72
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 ASPECTOS METODOLGICOS DA PESQUISA .............................. 76


QUADRO 2 SNTESE DAS IES E DOS SUJEITOS DA PESQUISA ..................... 79
LISTA DE SIGLAS

CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior


CLT Consolidao das Leis Trabalhistas
CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
EAD Ensino Distncia
FIES Fundo de Financiamento Estudantil
IES Instituies de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
MEC Ministrio da Educao
PROUNI Programa Universidade para Todos
SUMRIO

1 INTRODUO ..................................................................................................... 14
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ................................................................................ 17
1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA................................................................................ 17
1.2.1 Objetivo Geral ............................................................................................. 18
1.2.2 Objetivos especficos .................................................................................. 18
1.3 JUSTIFICATIVA TERICA E PRTICA .............................................................. 18
2 BASE TERICO-EMPRICA ............................................................................... 22
2.1 CULTURA ORGANIZACIONAL ........................................................................... 22
2.1.1 Origens e diversidade de abordagens da cultura organizacional ................ 22
2.1.2 Elementos da cultura organizacional .......................................................... 25
2.1.3 Cultura organizacional e poder ................................................................... 28
2.2 PODER DISCIPLINAR ......................................................................................... 30
2.2.1 Poder disciplinar e vigilncia ....................................................................... 34
2.2.2 Vigilncia, norma e exame .......................................................................... 39
2.2.3 Propsito e formas da vigilncia ................................................................. 43
2.3 O TRABALHO DOCENTE EM IES PRIVADAS ................................................... 46
3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ............................................................ 51
3.1 ESPECIFICAO DO PROBLEMA DE PESQUISA ........................................... 51
3.1.1 Questes de pesquisa ................................................................................ 52
3.1.2 Conceituao e forma de apreenso das categorias analticas .................. 52
3.1.3 Conceituao de outros termos relevantes ................................................. 55
3.2 PRESSUPOSTOS FILOSFICOS DA PESQUISA ............................................. 56
3.3 CLASSIFICAO E DELINEAMENTO DA PESQUISA ...................................... 58
3.3.1 Estratgia da pesquisa................................................................................ 60
3.3.2 Mtodos de coleta de dados ....................................................................... 63
3.3.3 Mtodo de anlise dos dados ..................................................................... 65
3.3.4 Validade, confiabilidade e limites da pesquisa ............................................ 74
4 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS ................................................. 78
4.1 DESCRIO DOS CASOS E SUJEITOS............................................................ 78
4.2 O CONTEXTO SCIO-CULTURAL DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO ........... 80
4.2.1 Polticas Pblicas para as IES Privadas ..................................................... 80
4.2.2 Relaes Trabalhistas nas IES Privadas .................................................... 84
4.2.3 O Mercado das IES Privadas ...................................................................... 86
4.2.4 Aspectos Sociais e Tecnolgicos das IES Privadas ................................... 90
4.3 AS MANIFESTAES DO PODER DISCIPLINAR NA CULTURA
ORGANIZACIONAL .................................................................................................. 95
4.3.1 O Poder Disciplinar na Iniciao ao Ensino Superior Privado ..................... 96
4.3.2 O Poder Disciplinar na Vivncia do Ensino Superior Privado ................... 102
5 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 117
5.1 CONTRIBUIES TERICAS E PRTICAS.................................................... 123
5.2 SUGESTES PARA PESQUISAS FUTURAS .................................................. 124
REFERNCIAS ....................................................................................................... 126
APNDICES ........................................................................................................... 137
ANEXOS ................................................................................................................. 139
14

1 INTRODUO

O trabalho acadmico de professores em Instituies de Ensino Superior


(IES) tema de constantes debates acerca do que levam pessoas a essa carreira e
do contexto e condies em que esse tipo de trabalho desenvolvido (BASTOS,
2007; FREITAS, 2007a, 2007b). A atividade docente caracterizada por uma
diversidade de funes em que o indivduo pode ser, alm de professor, um
pesquisador, um membro de conselho, um dirigente educacional, um editor, um
orientador e porque no at mesmo um aconselhador de profissionais. A atividade
de professor propriamente dita inclui a aula expositiva, correo, aplicao de provas
e tarefas como orientaes e pesquisas, uma infinidade de trabalhos que envolvem
a utilizao de sistemas, plataformas tecnolgicas, criao de contedos e materiais
(FREITAS, 2007a, 2011).
Alm dessa gama de atividades e funes os professores esto submetidos
a uma constante cobrana em relao a mtricas e desempenho de avaliaes tanto
por parte das IES quanto a de rgos de fomento como a Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPQ) (FREITAS, 2007a, 2011).
Nas IES privadas se adiciona a esses complexos arranjos de demandas e
sistemticas de controle e desempenho a adequao da organizao a lgica do
lucro. As prticas de desempenho de outras organizaes voltadas a atender
demandas de mercado em termos de qualidade de servios, busca de lucratividade
e resultados operacionais e financeiros. Consequentemente essa lgica
mercadolgica ter reflexos no trabalho docente. A averiguao desse trabalho por
parte das IES privadas se verifica em um estrito cumprimento em relao presena
em sala de aula, em cumprir programas de trabalho previamente estabelecidos,
muitas vezes sem a participao do docente, ao atendimento ao cliente, nesse caso
o aluno, e outras demandas de produo e atualizao acadmica que extrapolam a
organizao e invadem outras reas da vida do docente (CLARKE; KNIGHTS,
2015).
Uma IES privada uma forma de organizao social e, como tal, desenvolve
formas especficas de interaes sociais em termos de valores, aes referendadas,
normas prprias de regular a conduta de seus membros e relaes de poder que
15

so transmitidas e assentadas em uma cultura organizacional particular


(ALVESSON, 2002; FREITAS, 2000).
A cultura organizacional e as relaes de poder pertencem a prpria
natureza das relaes humanas, e esto presentes nas pequenas atividades do dia-
a-dia nas organizaes. As aes e rotinas dirias dos indivduos no trabalho so
influenciadas e moldadas por elementos da cultura organizacional e de relaes de
poder. Os sujeitos quando trabalham, interpretam e do significados as suas aes e
esto constantemente reproduzindo e produzindo relaes de poder e uma cultura
nas organizaes (ALVESSON, 2002; CLEGG et al., 2006; FREITAS, 2000).
Nos estudos organizacionais a cultura organizacional e as relaes de poder
so pouco debatidas e pesquisadas (ALVESSON; KARREMAN, 2011; BALL;
MARGULIS, 2011; HALLETT, 2003; RIAD, 2005; WILLMOTT, 2013). Entre as
correntes de pesquisa e formas de se compreender esses fenmenos nas
organizaes adota-se aqui o sentido da cultura organizacional como um conjunto
de elementos articulados que pode por vezes servir para instrumentalizar prticas de
poder constitudo por smbolos e significados atravs da linguagem e, vividos,
produzidos e reproduzidos na subjetividade dos sujeitos e nas interaes sociais
(ALVESSON, 2002; FREITAS, 2000; GEERTZ, 1973). De outra forma, a
compreenso de poder influenciada pela obra de Foucault, especialmente o
perodo caracterizado como genealgico, com os conceitos de disciplina e poder
disciplinar.
O conceito de cultura organizacional possui uma tradio estabelecida nos
estudos organizacionais que remonta ao final dos anos 1970 e inicio dos anos 1980
e, portanto, com um perodo de 35 anos de pesquisas realizadas. Dentro desses
estudos pode-se identificar um conjunto de trabalhos que tratam a cultura
organizacional como um conceito discursivamente desenvolvido para
instrumentalizar prticas de poder no sentido de criar conformidade dos sujeitos com
uma ordem ou sentido de interesses da organizao e de sua produo e
reproduo (ALVESSON, 2004; CHAN; CLEGG, 2002; FREITAS, 2000; GIORGI et
al., 2015; PAGS et al., 1987).
J o conceito de poder disciplinar est inserido no contexto da obra de
Foucault. Seu trabalho possui um desenvolvimento tal que estudiosos o dividem em
trs perodos: arqueologia; genealogia; e tica (DREYFUS; RABINOW, 1995). O
perodo genealgico aquele em que se busca diagnosticar as relaes de poder,
16

saber e do corpo na sociedade moderna. Sem adentrar na concepo da


metodologia genealgica, este momento da obra de Foucault est centrado na
criao do que ser chamado de tcnicas disciplinares que criam sujeitos
adestrados para o corpo social. Fundamentalmente, um sujeito til e dcil para os
sistemas sociais modernos. As disciplinas, ou o poder disciplinar, seriam ento
aqueles voltados no sentido de manuteno da vida do sujeito. Em tornar o sujeito, e
seu corpo, em instrumento til, produtivo e dcil num ordenamento social
caracterizado como sociedade disciplinar. O poder disciplinar possui sua origem no
perodo da genealogia e caracterizado pela vigilncia, pelo olhar hierrquico, pela
sano normalizadora por meio de regras e normas e pelo exame que
continuamente qualifica ou desqualifica e que produz e reproduz a disciplina
(FOUCAULT, 2004; 2005).
A utilizao de Foucault nos estudos organizacionais tambm se inicia na
dcada de 1980, sendo um marco inicial hoje consagrado o trabalho de Burrell
(1988). A partir desse momento, os estudos organizacionais voltados para a questo
do poder, passam a utilizar conceitos como poder disciplinar, vigilncia, panptico,
genealogia, poder-saber, constituio dos saberes, poder-verdade, norma,
biopoltica e etc. referenciando a obra de Foucault (CLEGG et al., 2006).
Em 2002, o volume de pesquisas toma corpo sendo que o peridico
Organization (November 2002; 9 (4)) dedica um nmero especial aos estudos
organizacionais com base em Foucault. No Brasil, Silveira (2002) realiza um trabalho
bibliomtrico indicando a existncia de 47 artigos em peridicos acadmicos
internacionais que utilizaram os conceitos analticos de poder de Foucault nos
estudos organizacionais. Alguns anos depois, Carter (2008) confirma que a
utilizao da obra de Foucault nos estudos organizacionais passa de marginal para
o mainstream, especialmente nos estudos organizacionais britnicos.
O poder disciplinar visa efetivamente a disciplinar o corpo transformando-o
em til e dcil atravs de prticas dirias de vigilncia prpria, normalizao e
subjetivao voltadas para alinhar o sujeito com os objetivos instrumentais
(BARKER, 1993; FOUCAULT, 2004; SEWELL; BARKER, 2006; SEWELL, 1998;
WILLMOTT, 1993). Ele est articulado a um sistema cultural organizacional e geral
que visa encapsular toda a vida do sujeito para a relao de trabalho (FLEMING,
2013; 2014; MCKINLAY et al., 2012; MUNRO, 2012).
17

Sendo assim, o objetivo dessa pesquisa foi investigar a manifestao e


interpretao do poder em face aos elementos da cultura organizacional pelos
professores atuantes em Instituies de Ensino Superior privadas.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

A cultura organizacional ento caracterizada por elementos como valores,


crenas, pressupostos, normas e outros que sero abordados adiante e que, de
certa forma, conformam o sujeito com uma determinada ordem, com uma
determinada significao do que o seu trabalho e de como ele est relacionado a
um contexto social maior, ou uma cultura em geral. O poder, ento, vai se
caracterizar no apenas pela sano, pela punio e proibio, mas sim por uma
vigilncia de fora e de dentro do prprio sujeito. Ir tratar da anlise, classificao,
normalizao e exame desse sujeito no mbito da organizao. Para tanto, esse
poder disciplinar ir se utilizar de instrumentos e tcnicas de poder exercidas na
rotina de trabalho da organizao.
Essas tcnicas iro permear no apenas o tempo e espao na organizao,
mas tambm no que o sujeito carrega do trabalho para as outras esferas da sua
vida. Do tempo que no trabalho em sala de aula, mas se torna trabalho, do
esforo para a manuteno do seu capital humano e, consequentemente, o valor do
seu trabalho, seu desenvolvimento profissional, sua carreira. Trata-se de referncias
disciplinares aplicadas ao conjunto de sujeitos da sua profisso ou organizao.
Desse modo se constitui o seguinte problema de pesquisa:

Como se manifesta e interpretado o poder disciplinar em face aos


elementos da cultura organizacional pelos professores atuantes em
Instituies de Ensino Superior Privadas?

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA


18

A seguir sero descritos o objetivo geral e os objetivos especficos dessa


pesquisa.

1.2.1 Objetivo Geral

Este estudo tem por objetivo geral investigar como se manifesta e


interpretado pelos docentes o poder disciplinar em face aos elementos da cultura
organizacional em Instituies de Ensino Superior Privadas.

1.2.2 Objetivos especficos

1 Descrever e compreender a natureza da cultura organizacional e seus


elementos nas IES privadas selecionadas nesta pesquisa.

2 Investigar como se manifesta o poder disciplinar que rege o trabalho


docente nas IES privadas pesquisadas neste estudo.

3 Identificar os aspectos da vigilncia, normas e controles que regem o


trabalho docente nas IES privadas selecionadas para este estudo

4 Identificar como interpretado o poder disciplinar pelos professores


atuantes nas IES privadas selecionadas neste trabalho.

5 Compreender a relao entre o poder disciplinar e os elementos da


cultura organizacional em IES privadas.

1.3 JUSTIFICATIVA TERICA E PRTICA


19

A cultura organizacional, apesar de ser um tema que acumula mais de trs


dcadas de pesquisa acadmica em estudos organizacionais, ainda no possui um
paradigma dominante para sua investigao e definio. H pelo menos 20 anos
reconhecido que seu estudo est estreitamente relacionado com o estudo das
relaes de poder (BERTERO, 1996; WILLMOTT, 1993). Tambm j se estabeleceu
que a cultura organizacional pode ser considerada uma forma discursiva elaborada
de poder para a manuteno de ordem e conformidade dos sujeitos nas
organizaes (RIAD, 2005). Entretanto, s recentemente foram consideradas as
possibilidades de empreender investigaes sobre a cultura organizacional com os
conceitos de poder da analtica de Foucault (CAVALCANTI; DUARTE, 2012).
No Brasil, a pesquisa de Loureno et al. (2016) realizou um levantamento
bibliomtrico sobre cultura organizacional em que o poder relacionado a essa
temtica em trs artigos no ltimos dez anos (CAVALCANTI; DUARTE, 2012;
COSTA; VIEIRA, 2011; PEREIRA et al., 2006; SOUZA, 2006). Desse levantamento,
apenas o trabalho de Cavalcanti e Duarte (2012) fazem referncia a utilizao da
obra de Foucault para a anlise da cultura organizacional.
Os estudos organizacionais que se ocupam da questo do poder fazem uso
dos conceitos e do que se convencionou chamar de analtica de poder de Foucault.
Como j destacado, palestras e conferencias ministradas por Foucault no final da
sua carreira no College de France s foram compiladas, publicadas e traduzidas
quer para o ingls, quer para o portugus em um perodo relativamente recente.
Nesse sentido, obras que abordam a questo da biopoltica e de como ela permeia
as relaes de poder na sociedade capitalista contempornea foram traduzidas a
partir de 2008 (FOUCAULT, 2008a; 2008b; 2009; 2012).
A necessidade de ampliar o uso da obra de Foucault para alm do livro
Vigiar e punir reconhecida por diversos autores nos estudos organizacionais
(BARRATT, 2008; FLEMING, 2014; MCKINLAY et al., 2012; MUNRO, 2012;
PRESTES-MOTTA; ALCADIPANI, 2004; SILVEIRA, 2002). Este trabalho representa
uma contribuio para a expanso do uso dos ltimos conceitos desenvolvidos por
Foucault para o estudo dos fenmenos de poder nas organizaes relacionados
com a compreenso dos elementos de uma cultura organizacional.
A contribuio terica ento justificada em dois sentidos. No primeiro, com
a ampliao da compreenso dos fenmenos da cultura na organizao como uma
forma discursiva e instrumental de poder combinada com uma forma de
20

compreender o fenmeno de poder nas organizaes com a utilizao de uma


analtica de poder de Foucault ampliada aos seus ltimos estgios de
desenvolvimento. No segundo, tambm contribui para preencher a escassa base de
trabalhos empricos que utilizam esses conceitos nos estudos organizacionais
(BROWN et al., 2010; CLARKE; KNIGHTS, 2015; DICK; COLLINGS, 2014;
HASSARD; ROWLINSON, 2002; LECLERCQ-VANDELANNOITTE, 2011; SILVEIRA,
2002)
Como justificativa prtica temos que o trabalho acadmico do docente de
ensino superior caracterizado como sendo complexo, como de alta demanda em
termos de tempo e esforo, como crescente no uso de novas tecnologias e como
competitivo e marcado pela presso por resultados em termos de publicaes e
bons resultados de avaliao por rgos de fomento e governamentais (CORREA,
2015). Ento, um resultado prtico para esse estudo est relacionado com a
compreenso sobre a relao de trabalho do docente particularmente na IES
privada. As IES como organizaes que pregam uma cultura organizacional de
valorao da educao e do saber inicialmente se orientam no sentido de valores
que prezam o desenvolvimento do conhecimento em detrimento de outros valores e
objetivos. Entretanto, no contexto de IES privadas h uma sobreposio das
demandas de sobrevivncia no mercado e da lgica econmica capitalista,
caracterstica das organizaes direcionadas a obteno do lucro. Sendo assim,
este trabalho contribui para a compreenso do reflexo dessa lgica na atividade
docente de ensino superior.
Nesse sentido, o trabalho do docente na IES privada acrescido de uma
nova demanda sobre uma relao de trabalho j caracterizada por um excesso de
exigncias. O trabalho desse professor passa ento a ser submetido a um novo
arranjo em que a lgica do lucro e a sobrevivncia da organizao o objetivo
maior. Essa pesquisa, ento, se justifica no sentido de compreender como essa
multiplicidade de demandas e a natureza complexa da atividade docente nas IES
privadas iro ser interpretadas pelos professores numa cultura organizacional e seus
elementos dentro de uma rede de exerccios de poder disciplinar dessa carreira.
Segundo o ltimo Censo da Educao Superior, divulgado e atualizado em
2016 (TEIXEIRA, 2015), a educao superior no Brasil hoje composta por 88% de
IES privadas, sendo constituda por 2069 (dois mil e sessenta e nove)
estabelecimentos, com a oferta de aproximadamente seis milhes de vagas e cerca
21

de 910 mil graduados. O total de docentes na rea privada de 226.863 (duzentos e


vinte seis mil, oitocentos e sessenta e trs), o que representa 56,53% do total de
docentes no ensino superior do Brasil. Dessa maneira, esse trabalho oferece uma
compreenso da relao de trabalho do professor e do consequente
desenvolvimento da carreira docente nesse contexto. Essa pesquisa pode ento
contribuir para elucidar aspectos que possam oferecer alternativas para futuras
polticas pblicas desse setor.
Claramente, esse trabalho no tem a pretenso de servir como uma
generalizao para o que ocorre em todas as IES privadas no Brasil, nem tampouco
remediar qualquer situao que possa parecer anmala em relao ao ensino
superior privado. Entretanto, como implicao prtica, faz uma contribuio no
sentido de compreender a dinmica e o contexto do ensino superior privado no
Brasil, principalmente quanto a relao de trabalho dos professores de IES privadas,
nesse ambiente social do capitalismo neoliberal.
O que se pretende buscar resposta ao problema formulado em relao s
manifestaes do poder e da cultura organizacional e como so vivenciadas e
interpretadas pelos sujeitos dessas relaes.
22

2 BASE TERICO-EMPRICA

O referencial terico-emprico deste trabalho est divido em trs partes. A


primeira delas trata da cultura organizacional. Em seguida, apresentado um breve
histrico do desenvolvimento desse conceito e como ele, de certa forma, em sua
prpria origem, j se relaciona com as questes de poder.
Na segunda parte ser tratada a questo de poder disciplinar. Como este se
insere nos estudos de poder nas organizaes, como derivado da analtica de
poder de Foucault e quais reflexos apresentam nos estudos organizacionais. Esses
conceitos esto intrinsicamente ligados a questo da formao da prpria
organizao e, como tal, sero relacionados nessa compreenso.
Na terceira parte ser apresentada uma breve perspectiva do
desenvolvimento da questo do trabalho docente em IES privada, e como esse
trabalho, de certa forma, possui peculiaridades que o torna diferenciado nesse
contexto.

2.1 CULTURA ORGANIZACIONAL

A cultura organizacional um tema difundido e debatido nos estudos


organizacionais com incio h aproximadamente 35 anos. Entretanto, o tempo no
significa que o tema tenha se esgotado e muito menos que haja um consenso
acerca da prpria definio de cultura organizacional ou de um paradigma
estabelecido para sua anlise, sendo que permanece como um cdigo de muitas
cores (GIORGI et al. 2015 e JELINEK et al. 1983).

2.1.1 Origens e diversidade de abordagens da cultura organizacional

O debate sobre cultura organizacional est, ento, longe de um paradigma


estabelecido e, nesse sentido, Martin e Frost (2001) afirmam que o jogo de guerra
23

nos estudos de cultura organizacional tem como pano de fundo a estrutura


convencional de revises literrias, a diferena de opinio intelectual manipulada, as
abordagens de silencio e marginalizao e as indefinies. Dividem esses debates
em cultura organizacional em trs vertentes principais: a de integrao, abordagens
de cultura como varivel; a da diferenciao, abordagens interpretativas e crticas; e
a fragmentao, abordagens de discurso e poder.
Destacam duas dissenes na corrente da diferenciao dos estudos de
cultura organizacional. Uma documenta o pluralismo da cultura, com mtodos
etnogrficos e epistemologia hermenutica, apresentando uma nica interpretao
sem possibilidade de contestao da perspectiva gerencial. E outra, surgida da
preocupao de intelectuais com os trabalhadores de baixa renda (blue collars) e as
consequncias negativas do status quo. Essa perspectiva critica a hegemonia do
gerenciamento. Uma a descrio da diferena e a outra a crtica da integrao
(MARTIN; FROST, 2001).
Um novo contestante aparece nos estudos de cultura organizacional, a
perspectiva da fragmentao. Nessa, as relaes entre as manifestaes da cultura
no so nem muito consistentes nem muito inconsistentes, so complexas com
muitos elementos de contradio e confuso. O consenso transitrio e especfico
de cada questo, as afinidades entre os indivduos tambm so transitrias. Falta de
consistncia, consenso e ambiguidade so as bases da perspectiva da
fragmentao. O poder difuso e difundido (MARTIN; FROST, 2001).
Para os autores, qualquer cultura organizacional contm elementos
compatveis com as trs perspectivas em qualquer poca. Nenhuma teoria pode
considerar-se superior a outra, e os usurios devem aceitar que no existe um final
feliz sem cultura organizacional. As guerras acerca das diferentes formas de se
estudar a cultura organizacional no terminam nunca (MARTIN; FROST, 2001).
Smircich (1983) apresenta os estudos da cultura organizacional como
partindo de pressupostos e metforas da antropologia social e das prprias
correntes de pensamento das organizaes. Ela traa um paralelo entre os
conceitos da antropologia cultural em cinco de suas linhas de pesquisa com
conceitos de cinco escolas da teoria das organizaes. Informa que esses estudos
formam uma interseco no estudo da cultura organizacional. As cinco linhas de
pesquisa so: a da cultura e da administrao comparada, que trata das diferenas
entre culturas na internacionalizao de empresas; a da cultura corporativa, como
24

um fenmeno criado e gerenciado pela prpria organizao; da cultura como um


fenmeno cognitivo, em que o conhecimento e compartilhado pelos membros da
cultura organizacional; da cultura como um sistema de smbolos em que significados
so compartilhados; e da cultura como uma manifestao dos inconscientes
individuais projetados numa estrutura social comum.
Essas cinco linhas de pesquisa possuem uma diviso em que de um lado a
cultura compreendida como uma varivel pelas duas primeiras, e de outro como
uma metfora raiz pelas demais para a conceituao da organizao. A viso da
metfora raiz vai alm da viso instrumental de mquina e organismo das correntes
que tratam a cultura como uma varivel, e promove a leitura das organizaes como
manifestaes da conscincia humana (SMIRCICH, 1983).
Essa interpretao explora a experincia subjetiva dos indivduos da
organizao investigando os padres que tornam a ao organizada possvel. As
bases epistemolgicas so as mesmas da antropologia que analisa a cultura de
diversas maneiras, tais como a antropologia funcionalista, antropologia cognitiva,
antropologia simblica, antropologia estrutural e de teorias psicodinmicas. De
acordo com essas bases, a cultura vista como cumprindo uma funo social, como
o conhecimento compartilhado pela escola cognitiva, como um sistema de
significados compartilhados pela simblica, e de acordo com a estrutural e
psicodinmica como manifestao e expresso do inconsciente (SMIRCICH, 1983).
Comparativamente, essas linhas de pesquisa da metfora raiz usam a ideia
de cultura como um aparato epistemolgico para moldar o estudo das organizaes
como um fenmeno social e uma forma de expresso humana particular. O foco da
abordagem da metfora raiz est nos elementos da linguagem, mitos, estrias,
normas e rituais como um processo criativo de significados fundamentais para a
prpria existncia da organizao (SMIRCICH, 1983).
Morgan (1996) apresenta uma viso representativa da cultura organizacional
em que seus elementos so mais construes sociais da realidade que esto na
cabea e comportamento dos seus membros, do que um conjunto de regras e
relacionamentos. A importncia da rotina nesse contexto para a compreenso desse
fenmeno fundamental. As organizaes so, assim, um resultado daquilo que
pensam e dizem delas mesmas. A compreenso da cultura organizacional passa
pela compreenso de como esse sistema de elementos criado e mantido.
25

Para Fischer (2007), a anlise da cultura desafiante no sentido de


desenvolver mecanismos de mediao e traduo para tornar visveis as diferenas
de interesse, poder, acesso, desejos, necessidades e perspectivas filosficas. A
cultura organizacional ento compreendida como esse sistema comum de
smbolos e significados atravs da qual os seres humanos interpretam suas
experincias e guiam suas aes, sendo central para governar o entendimento
sobre comportamentos, eventos, instituies e processos. Os significados
socialmente partilhados se referem a como um objeto ou uma expresso so
interpretados numa organizao. Entretanto, isso no significa que o socialmente
compartilhado seja visto como uma expresso de consenso e harmonia. O
significado desenvolvido por interesses de agentes com capacidade de exercer
poder nas relaes sociais da organizao (ALVESSON, 2002; GEERTZ, 1973).

2.1.2 Elementos da cultura organizacional

Segundo Freitas (2007), alguns elementos da cultura organizacional so


aqueles mais tratados na produo acadmica e empresarial e so uma releitura e
adaptao dos conceitos antropolgicos aplicados ao ambiente organizacional. Os
elementos possibilitam reconhecer de forma concreta como a cultura organizacional
funciona nas mudanas comportamentais provocadas em seus membros. Entre eles
destaca: os valores; crenas e pressupostos; ritos, rituais e cerimonias; sagas e
heris; estrias; tabus; e normas. Como complemento a esses elementos, tambm
se destacam os artefatos, que so as produes materiais de uma cultura
organizacional que expressam significados partilhados para seus membros (TRICE;
BEYER, 1984).
a) Valores so aqueles conjuntos de princpios que so esposados e
considerados importantes para orientar os indivduos a agirem em
conformidade com o que a organizao espera deles (FREITAS, 2007).
b) As crenas e pressupostos so as expresses de verdade da
organizao, a forma como os indivduos veem o mundo. So discursos que
os sujeitos tomam para si e que no so questionados num perodo
relativamente grande de tempo (FREITAS, 2007).
26

c) Os ritos, rituais e cerimnias so eventos planejados com a funo de


comunicar o modo aceitvel de agir na organizao, representam iniciao e
integrao e esto relacionados aos aspectos materiais da cultura
organizacional (FREITAS, 2007).
d) As sagas e os heris tratam de acontecimentos em que dificuldades
foram enfrentadas ou grandes realizaes foram alcanadas. Esse elemento
articula a participao de um lder (heri) com um acontecimento e oferece
um discurso de modelo de comportamento e desempenho (FREITAS, 2007).
e) As estrias so narrativas que exemplificam o discurso e estabelecem
padres baseados em acontecimentos reais. Elas demonstram como agir e
so partilhadas por todos como uma forma de conhecimento comum da
organizao (FREITAS, 2007).
f) Os tabus so assuntos que despertam desconforto, causam conflitos e
so evitados de serem discutidos abertamente. Entretanto, toda organizao
apresenta tenses que sero instrumentalizadas na forma de um tabu
(FREITAS, 2007).
g) Normas e regras so a base de um sistema social normativo e podem
ser explcitas ou implcitas. So elas que regem o que pode e deve ser
seguido pelos sujeitos (FREITAS, 2007).
h) Artefatos so objetos materiais que realizam a funo de
representao de significados partilhados pelos membros da cultura
organizacional (TRICE; BEYER, 1984).
Para as normas e regras Freitas (1997, 2007) estabelece que as
organizaes no existem sem elas, sejam explicitas ou tcitas. Elas so os
comportamentos referendados e sancionados pelos outros elementos da cultura
organizacional e possuem o carter de serem aplicados a todos os seus membros.
Elas permeiam todo o aspecto prtico e operacional. As organizaes so
consideradas por ela como um fenmeno de comunicao que interligam todos os
aspectos culturais exercendo influncia sobre os seus membros (FREITAS, 1997).
Nesse sentido, o discurso da cultura organizacional globalizante. Ele busca
ser o mais abrangente possvel e engloba vrios aspectos da realidade e da
importncia de algum assunto em dado momento. Os elementos so ento
ajustados de acordo com a necessidade desse discurso de se renovar na
manuteno da sua aparncia de importncia e atualidade. As abordagens
27

funcionalistas da cultura organizacional se abstm de tratar a cultura organizacional


dentro de uma dimenso poltica e de instrumentalizao de poder, como um
discurso de propagao da verdade institucional que visa a internalizar o controle
observado na reproduo desse mesmo discurso (FREITAS, 1997).
A cultura organizacional ento compreendida como um instrumento de
poder. Um instrumento que articulado atravs da linguagem, da textualidade, da
representao, do discurso e do simblico formando um senso de direo para os
indivduos do que certo ou errado, e do que tolerado ou no em termos de
comportamento (FREITAS, 1997).
A cultura passa a ser uma forma de legitimao de prticas que visam a
orientar e controlar o comportamento, tanto de forma objetiva como subjetiva. Na
medida em que apreendem o discurso da cultura organizacional e quanto mais
tempo tomam para si os valores e as normas esposadas desse discurso, mais
internalizam aquelas formas de agir e de pensar em conformidade com o
estabelecido (FREITAS, 1997).
A cultura organizacional no algo politicamente neutro nem autnomo.
Aqueles que possuem a capacidade de normatizar ou de representar a organizao
de alguma forma minimamente legitimada iro definir o conjunto de elementos da
cultura organizacional que devero ser adotados por todos. Essa definio, porm,
no livre e arbitrria. Ela est, tambm, sujeita a um contexto maior de apropriao
de valores e interesses que permeiam a prpria construo de um ideal de sujeito.
Freitas (1997) esclarece que essa limitao no um obstculo, e sim passa a ser
incorporada na prpria elaborao do sentido do sujeito com relao ao seu trabalho
e seu significado de vida.
Entretanto, essa incorporao e elaborao do sujeito no ocorre de forma
simples e direta. A resistncia pode se manifestar de forma tal como esforos para a
disperso e desarticulao desses elementos de cultura. Os sujeitos, mesmo que
apanhados dentro dos sistemas disciplinares da cultura organizacional, empregam
tticas criativas de engano que fogem aos controles e punies, utilizando-se de
cinismos, sarcasmos e at mesmo com o emprego de humor e piadas acerca dos
elementos exibidos da cultura organizacional (LINSTEAD; GRAFTON-SMALL, 1992;
LINSTEAD, 1985).
28

2.1.3 Cultura organizacional e poder

Os conceitos de cultura e poder so elusivos e contestados. A relao entre


esses conceitos est, segundo Engelstad (2009), na realizao de instancias de
poder dentro de um arranjo cultural prprio que se expressa de diversas formas,
sendo o poder capaz de influenciar as interpretaes culturais dos atores sociais
direta e indiretamente. Na forma direta, os efeitos do poder so realizados num
contexto cultural atravs de discursos, promessas, ameaas, no enunciado de
proibies, ordens e pedidos. De forma indireta, o poder atua atravs da persuaso
no conhecimento e crenas dos atores em relao natureza do mundo e da
concepo de como esse mundo deve ser em termos de normas, valores,
preferencias pessoais e lealdades polticas (ENGELSTAD, 2009).
Os conceitos de poder e de cultura organizacional tambm foram
relacionados por meio de outros conceitos que so, por sua vez, tambm difusos e
no estabelecidos em um paradigma dominante. A ideologia foi considerada como
uma forma de se observar acontecimentos e manifestaes comuns entre cultura e
poder (ALVESSON, 1987). Da mesma forma, a estratgia foi usada em referncia ao
uso da cultura organizacional como um instrumento de poder do grupo dirigente em
relao aos outros indivduos da organizao (KNIGHTS; WILLMOTT, 1987).
Hatch e Cunliffe (2006) tambm argumentam que novas perspectivas para a
anlise da cultura organizacional tendem a ver esta como uma arena de disputa da
verdade por meio de estrias e reivindicaes para suplantar vises discordantes e
suportar a viso dominante da organizao. Nesse sentido, a cultura organizacional
pode ser mais um modo de mascarar a manipulao e controle sobre os sujeitos por
meio de um discurso mantido e reproduzido com essa finalidade. A desconstruo
do discurso da cultura organizacional possibilitaria revelar sua natureza ideolgica, e
como ele privilegia significados particulares.
Em outro estudo, Cals e Smircich (1987) fazem uma crtica aos estudos at
ento vigentes em cultura organizacional, e cunham o termo de ps-cultura. Para
elas, a cultura organizacional teria sido apropriada por uma corrente dominante de
estudos normativos e positivistas. Destacam a necessidade de os estudos de cultura
organizacional estabelecerem novos discursos crticos em relao s tenses e
interpretaes textuais nas organizaes. Nesse sentido, perfazem uma nova
29

configurao dos estudos em cultura organizacional em trs vertentes: as temticas


antropolgicas (estruturas de cognio e conhecimento, discurso simblico, e
psicodinmicas inconscientes); paradigmas sociolgicos (funcionalistas,
interpretativos e crticos); e de interesses epistemolgicos (tcnico, prtico e
emancipatrio) (CALAS; SMIRCICH, 1987).
A anlise da cultura organizacional, baseada nos conceitos da analtica de
poder de Foucault, passa ento a buscar a formao dos discursos de forma
contingencial atravs da histria dentro da relao de produo do poder e do
conhecimento. O mtodo da analtica de poder de Foucault uma histria do
presente que busca traar as conexes do arbitrrio e do acidental nas prticas
correntes. Essas conexes se apresentam como redes de relaes, prticas,
discursos e instituies que so repetidas e acabam por serem internalizadas pelo
sujeito sem a conscincia de seu propsito original (CALAS; SMIRCICH, 1999).
Cavalcanti e Duarte (2012) afirmam que a utilizao da genealogia de poder
de Foucault para o estudo da cultura organizacional se apresenta como uma anlise
da histria da organizao. Histria essa no com o sentido construdo
presentemente no entendimento daquele passado, mas sim com o entendimento da
inteno ou da manifestao do poder do passado com relao ao futuro. Essa
anlise estaria focada nos acontecimentos das relaes de poder que reconstruiriam
as tramas, perturbaes, transformaes e rupturas desse passado disperso da
organizao. Destacam ainda a linguagem e a anlise do discurso como
instrumentos privilegiados no mtodo genealgico.
Outros autores tambm exploram os aspectos mais conceituais e polticos
da cultura organizacional. Eles operacionalizam a cultura organizacional em poder,
controles sociais, controles ideolgicos e ainda de questes de vnculo, imagem,
imaginrio, discurso e comunicao (ENRIQUEZ, 1974; 1997; FREITAS, 1997;
PAGS et al., 1987; PRESTES MOTTA, 1984). Desse modo, o discurso
organizacional em relao cultura composto por um novo vocabulrio de trabalho
em equipe, qualidade, flexibilidade e aprendizado organizacional que constituem
projetos de administrao da cultura que representam o desejo de alistar os
empregados para cooperar, se comprometer e se conformar com um esprit de corps
(CHAN; CLEGG, 2002).
A cultura organizacional molda, ento, uma certa subjetividade nos sujeitos
da organizao. Essa subjetividade especificada e imbuda com uma conduta e
30

um comportamento especfico aos fins instrumentais da organizao. Os discursos


dominantes da cultura organizacional procuram criar um sujeito malevel, atravs do
controle dos significados, incorporando e excluindo o que pode ser falado e quem
pode falar, fazendo da cultura organizacional um olho vigilante. Essa vigilncia
voltada para as estruturas de cognio determinadas pelas prticas e convenes
lingusticas, e do contexto no lingustico que constituem a subjetividade. O
sujeito/corpo manifesta os efeitos do discurso regulador da cultura organizacional
nos seus hbitos, gestos, postura, fala e na expresso dos sentimentos (CHAN;
CLEGG, 2002).
A cultura organizacional j no a mesma daquela dos estudos seminais ou
da prtica corporativa. H uma mudana no discurso organizacional. A cultura forte e
unificada deixa de ser um sistema fechado de valores e passa agora a incorporar
aspectos do que no apenas do domnio da organizao, mas da vida em geral do
sujeito e das mudanas sociais e culturais externas que ele traz consigo. Desse
modo, a cultura organizacional passa a estar de forma inextricvel ligada a questo
do poder e das relaes de domnio e controle das aes individuais dos membros
da organizao (FLEMING, 2013).

2.2 PODER DISCIPLINAR

O poder uma ideia debatida nas cincias sociais desde que houve uma
preocupao com a compreenso da ordem social. Isso no significa que h uma
definio estabelecida do conceito de poder, muito pelo contrrio, a essncia do
conceito contestada, e, a melhor maneira de se pensar em poder no em termos
de sua essncia, mas sim como uma ferramenta plural e moldada pelo contexto que
nos possibilite criar sentido do mundo social (HARDY; CLEGG, 2001; HAUGAARD;
CLEGG, 2009)
Desde Weber (2004), o estudo da racionalidade e da eficincia burocrtica
parte de premissas do exerccio de poder de indivduos sobre indivduos e de
sistemas burocrticos (organizaes) sobre indivduos. Apesar de muitas vezes
relegada nas teorias utilitaristas dominantes do pensamento administrativo, para
31

Clegg et al. (2006) a ideia de poder esteve sempre presente na realidade das
organizaes, sendo mesmo considerado como o prprio ar da vida organizacional.
Recentemente, dois trabalhos empreenderam esforos no sentido de realizar
um apanhado da vasta literatura sobre poder nos estudos organizacionais
(ANDERSON; BRION, 2014; FLEMING; SPICER, 2014). Alm destes, outros
esforos tambm j foram empreendidos nesse sentido no Brasil (FARIA, 2003).
Entre as categorias e correntes de anlise esto os trabalhos que se caracterizam
como abordagens Foucaultianas que compreendem o poder em termos das
relaes estabelecidas entre sujeitos ao invs de localiz-lo como um atributo do
prprio sujeito (CLEGG, 1990; SEWELL, 1998).
Nesse mesmo sentido, Clegg (1989) compreende o poder como o exerccio
que o sujeito pratica alterando sua posio nas relaes organizacionais fazendo
com que seja uma espcie de ponto focal necessrio e obrigatrio em que as trocas,
os intercursos e discursos organizacionais devem passar. Essa compreenso
certamente influenciada pela prpria definio de poder de Foucault (1995), em que
este definido em termos das relaes estabelecidas entre os sujeitos e que uma
ao sobre a ao de outros, ou seja, de definio e delimitao da ao de uns
sobre outros, do prprio governo das aes.
O trabalho de Foucault no constitui uma teoria de poder, sendo
considerada uma forma analtica de estudo do poder. A ideia de poder disciplinar
advm dessa analtica de poder (DREYFUS; RABINOW, 1995). Nos estudos
organizacionais, as ideias de Foucault foram introduzidas no trabalho de Burrell
(1988). Ele ressalta que esses conceitos e sua obra possuem um desenvolvimento
no linear e no recursivo e que seriam essas uma das razes da dificuldade de se
apreender seu desenvolvimento, e mesmo sua constante mudana de posio em
relao a temas centrais, que no perdurariam mais que o intervalo entre um livro e
outro (BURRELL, 1988). Essa dificuldade seria umas das razes para a diferena
que a difuso dos seus conceitos encontraria nos estudos organizacionais europeus
em relao aos americanos (USDIKEN; PASADEOS, 1995).
Recorrendo aos estudiosos de sua obra, os trabalhos de Foucault so
divididos em trs principais fases: a Arqueologia; a Genealogia; e tica (DREYFUS;
RABINOW, 1995). No estudo do poder disciplinar essa pesquisa ir ater-se ao
perodo da Genealogia que trata, no sem um encadeamento do pensamento do
32

autor com as outras fases, diretamente das questes do poder, da disciplina, da


vigilncia, da punio e do que apresenta como uma vertente do biopoder.
Sendo assim, no sero tratadas todas as categorias envolvidas no
entendimento da questo de poder da analtica de Foucault. Basta aqui analisar o
desenvolvimento do poder disciplinar, com o desaparecimento do suplcio e a
realizao de uma economia do poder que passa a realizar a punio de forma no
personalizada no ato em si, mas distribuda de modo uniforme como que equiparada
ao pensamento de igualdade da lei para todos, envolvendo as prticas de vigilncia
e controle como elementos de normalizao e fundamentais para assegurar a
existncia das instituies disciplinares (FOUCAULT, 1998; 1999a; 1999b; 2002;
2004; 2008a; 2008b).
O que se destaca na analtica de poder a passagem em trs estgios
partindo de uma concepo de poder definida como jurdica-discursiva, para a do
poder disciplinar at o que se define como biopoltica. Sendo o poder disciplinar e a
biopoltica manifestaes do biopoder voltadas para o sujeito individualmente e para
o conjunto desses na forma de populaes respectivamente (FLEMING, 2014;
SILVEIRA, 2002).
Na concepo jurdica-discursiva (FOUCAULT, 1999b) o poder est
relacionado a algo que se possui, por indivduos ou por instituies, ele derivado
da posio que se ocupa, de um cargo ou da prerrogativa de uma funo definida
dentro de uma organizao ou instituio. Essa concepo possui duas
caractersticas principais que so: a relao negativa frente ao poder como recusa,
como segredo, como discriminao; e a mensurao pela regra, dentro ou fora,
regular ou irregular. Para Foucault (1988), esse era o entendimento do poder em sua
forma convencional.
Na passagem desse entendimento, o poder j no mais visto como algo
que se possui e sim como uma multiplicidade de correlaes de foras com origem
em todo o espectro social, econmico e poltico que se enfrentam e que se
encontram formando sistemas e estratgias que so cristalizadas nos rgo estatais,
na lei e nos estamentos sociais, o poder est em toda parte; no porque englobe
tudo e sim porque provm de todos os lugares (FOUCAULT, 1999b, p.89).
O poder passa a ser abordado como uma formao complexa de relaes
de foras originrias de diversos locais do sistema social e que esto em constante
mutao formando estados de poder. O poder no sendo mais algo que se possa
33

possuir passa ento a ser verificado no entendimento de que algum o exerce sobre
outro algum, ou seja, numa abstrao no h poder num individuo sozinho,
preciso a relao para estabelecer o poder. Quando h uma relao h poder
(FOUCAULT, 1998; 1999b; 2002; 2004).
Uma relao de poder pode ser compreendida pelo modo que realizado o
exerccio do poder, nesse caso compreendido como a influncia, a conduta ou ao
sobre a ao de outros. atravs de meios e mecanismos especficos de coero
sobre a conduta de outros que se exerce o poder. Nesse sentido, governar
estruturar o eventual campo de ao dos outros (FOUCAULT, 1995, p. 244).
A forma de ao desse poder o que se pode chamar de, a face de
subjetivao do poder. O foco de influncia est em determinar o prprio senso de
sujeito, sua constituio, suas emoes e identidade. Definir as condies possveis
que esto subjacentes na forma como o sujeito realiza a experincia de ser
(FLEMING; SPICER, 2007).
Essa subjetivao do poder realizada atravs de um amplo espectro de
tcnicas e instrumentos de poder nas organizaes contemporneas. Essa
mudana, para novas formas de aplicao desse poder disciplinar, acompanha o
prprio desenvolvimento das organizaes capitalistas modernas que saram de
formas de concepo de exerccio de poder tradicionais para as atuais (COOPEY;
MCKINLAY, 2010).
O governo das aes procura os poderes e conhecimentos da administrao
contempornea para moldar a vida diria dos sujeitos. Tanto para Foucault, quanto
mesmo para Weber, o poder da administrao das organizaes sobre os sujeitos
no de importncia secundria, mas sim essencial para os sucessos e fracassos
da sociedade e instituies disciplinares (MCKINLAY et al., 2012).
Para Souza et al. (2006), um estudo organizacional sobre poder que se
utilize da analtica de Foucault e do mtodo genealgico deve ento observar cinco
procedimentos metodolgicos:
1. O poder no deve ser analisado na centralidade ou em uma origem,
mas sim na periferia onde seu efeito manifesto;
2. No se deve procurar obter a manifestao da inteno dos sujeitos,
mas sim a inteno da prtica estabelecida e de como esta surgiu e se
sobreps a outras prticas;
34

3. No conceber o poder como uma estrutura de dominao fixa entre


dominadores e dominados, mas sim como uma rede de relaes
circunstanciais em constante fluxo e movimento de produo e reproduo;
4. O poder no deve ser analisado de forma descendente, mas sim de
forma ascendente compreendendo como um fluxo que no est
contingenciado apenas nos limites da organizao; e
5. A subjetividade dos indivduos no deve ser o foco da anlise do poder,
mas sim as diversas foras que atuam sobre os processos de subjetivao
e como essas foras atuam indiscriminadamente sobre os diversos
sujeitos.

2.2.1 Poder disciplinar e vigilncia

Entre as tcnicas de poder disciplinar temos a vigilncia entre times e pares


que promovem mecanismos de auto monitoramento em que o olhar vigilante
incorporado aos prprios empregados (BARKER, 1993; SEWELL; BARKER, 2006;
SEWELL et al., 2012). Outras formas de conhecimentos gerenciais e discursos
organizacionais tambm exercem influncia disciplinar sobre a vida organizacional,
como por exemplo as diversas tcnicas de recursos humanos (BARRATT, 2003;
WEISKOPF; MUNRO, 2011), de estratgia (DICK; COLLINGS, 2014) e cultura
organizacional (RIAD, 2005). O discurso assume um papel de destaque nessa linha
de pesquisa enquanto formador da realidade atravs de sistemas de textos e falas
(HARDY; PHILLIPS, 2004). Existe um amplo conjunto de pesquisas nesse sentido e
um esforo de mapeamento desse corpo de pesquisas realizado por Phillips e
Oswick (2012). A organizao passa a ser vista como uma construo discursiva de
poder, com fins polticos de controle e construo da realidade em um propsito
especifico de um conjunto de atores, que organiza e molda a realidade diria dos
sujeitos (LECLERCQ-VANDELANNOITTE, 2011).
Entre um dos pontos destacados para a anlise de poder esto as
modalidades instrumentais, em que se inclui os sistemas de vigilncia e que so
classificados com ou sem arquivos, segundo regras explcitas ou no, permanentes
ou modificveis e com ou sem dispositivos materiais etc. (FOUCAULT, 1995, p.
35

246). Dessa forma, os mecanismos para compreender as relaes de poder so


tratados por Foucault como o poder disciplinar no mbito das instituies
disciplinares e a biopoltica como aplicao dessas tcnicas s populaes.
(FOUCAULT, 1995).
As disciplinas tm como objeto o corpo, a administrao dos corpos para o
objetivo de aumentar suas capacidades produtivas, ao mesmo tempo em que reduz
sua capacidade poltica. uma tcnica de poder que trata, no nvel do indivduo, de
como vigiar e controlar a conduta, o comportamento e as atitudes e de que forma
coordenar essa ao para que ela seja mais til e produtiva. So mtodos que
controlam o corpo de maneira minuciosa, submetendo suas foras e estabelecendo
uma relao de sujeio e utilidade (FOUCAULT, 2004).
A disciplina deve ser precedida da distribuio dos indivduos no espao.
Est realizada pela cerca, clausura ou pela especificao do local heterogneo
dos indivduos, pelo quadriculamento, que a unidade no espao individualizada
pela localizao funcional que determina a utilidade e a necessidade da vigilncia e
finalmente pela fila que individualiza os corpos por uma localizao ou arranjo e os
faz circular numa rede de relaes (FOUCAULT, 2004).
Para o controle da atividade em si tem-se como primeiro elemento o horrio.
Herdado dos tempos monsticos procura garantir que o tempo empregado seja
integralmente til. Deve ser ininterrupto e nada pode distrair ou perturbar a ao
controlada. O tempo deve ser exato e regular na disciplina (FOUCAULT, 2004).
Nesse sentido, Thompson (1967) demonstra como o controle do tempo, desde a
adoo dos relgios no incio da industrializao, era monitorado e registrado em
tabelas de acompanhamento dirio para cada empregado. O tempo era o critrio
usado como norma e regra para a vigilncia e controle dos processos de trabalho e
do comportamento dos empregados.
Na sequncia do tempo o controle temporal do ato, o desmembramento da
ao em etapas, num encadeamento lgico dos movimentos e das atividades em um
programa. Cada comportamento, gesto, movimento numa direo, numa amplitude e
numa durao precisa de ordem numa sucesso. O tempo penetra o corpo, e com
ele todos os controles minuciosos do poder (FOUCAULT, 2004, p. 146).
O controle disciplinar passa a correlacionar o corpo e o gesto. Nesse sentido
o gesto, como expresso mnima da ao, deve estar inserido numa lgica global de
36

controle. Sendo que este corpo disciplinado constituiria a base e resultado de um


gesto eficiente (FOUCAULT, 2004).
Definido o controle sobre o corpo se passa a sua relao com o objeto de
trabalho. A disciplina determina como essa relao ser realizada de forma
codificada em relao as partes do corpo. Que operao cada membro do corpo ir
realizar. O resultado de toda a disciplina a utilizao exaustiva, a extrao da
mxima quantidade de foras teis (FOUCAULT, 2004). Pode-se notar que aqui um
bvio paralelo entre os primeiros estudos de tempos e movimentos da administrao
cientfica de Taylor (1990). Fayol (1970) tambm insere nos seus princpios a
atividade de controle como parte da natureza do trabalho da administrao.
Realizado a sujeio individualizada dos corpos dos sujeitos surge uma nova
exigncia da disciplina: a composio das foras para a construo de uma
mquina, no sentido de organizao, atravs da articulao combinada das partes
com a finalidade de eficincia. O corpo passa a ser um elemento mvel, articulado
com outros e deve ser inserido num conjunto. A disciplina passa a combinar o tempo
dos indivduos num conjunto de sequncias compostas para extrair a mxima
quantidade de foras para a obteno de um resultado timo. Com a combinao de
mltiplos sujeitos, a organizao, surge a necessidade do comando que atravs da
ordem provoca o comportamento desejado (FOUCAULT, 2004).
O poder disciplinar visa ento o adestramento dos corpos. Na concepo do
poder, Foucault (2005) afirma ser a caracterstica de produo e reproduo um de
seus atributos fundamentais. Nesse sentido, a disciplina fabrica indivduos que so
ao mesmo tempo objetos e instrumentos do exerccio do poder. Seriam ento
simples os instrumentos que asseguram o seu sucesso: a vigilncia hierrquica; a
sano normalizadora; e o exame (FOUCAULT, 2004).
A vigilncia hierrquica faz uso do olhar. Olhar no sentido direto da
superviso ou por meio de instrumentos sociais, tecnolgicos e arquitetnicos. Ela
induz a efeitos de poder na medida em que determinam a conduta, tornam visveis
as aplicaes das coeres e sujeitam os indivduos a processos para utiliz-los. A
mudana em relao ao controle do encarceramento, do fechamento, da clausura
passa para o clculo das aberturas, dos espaos, das passagens e das
transparncias. As instituies disciplinares constituem-se ento uma mquina que
controla os comportamentos de forma microscpica. Para Foucault, o aparelho
37

disciplinar perfeito capacitaria um nico olhar tudo ver permanentemente


(FOUCAULT, 2004, p.167).
O que se destaca nos estudos organizacionais que tratam de poder
disciplinar, controle e vigilncia o hoje clssico conceito de panptico.
Originalmente de Bentham et al. (2000) e difundido na obra de Foucault (2004) como
instrumento de controle e um artefato arquitetnico para sintetizar o exerccio do
poder. Esse dispositivo teve grande acolhida em relao a outras categorias da
analtica de poder desenvolvidas por Foucault e possui ampla repercusso na
anlise organizacional (ALCADIPANI; ALMEIDA, 2000; BESSI; ZIMMER; GRISCI,
2007; WEISKOPF, MUNRO, 2011).
Nas grandes fbricas e manufaturas surge ento um novo tipo de vigilncia,
que passa a ser um controle intenso e contnuo ao longo de todo o processo de
produo e direcionado no mais s aos resultados diretos dela, mas tambm sobre
as atividades dos funcionrios, seus conhecimentos tcnicos, a forma como
trabalham, sua velocidade, seu comprometimento, suas atitudes e seu
comportamento. Tambm diferenciado no sentido de demandar um conjunto de
indivduos distinto dos operrios para sua execuo. So os fiscais, controladores,
contramestres, supervisores e bedis. Torna-se ento uma nova funo integrada ao
processo produtivo. Cumpre uma funo econmica na medida que objetiva ao
controle do tempo dos funcionrios, da preservao do capital material evitado por
fraudes e impercias. A vigilncia torna-se um operador econmico decisivo, na
medida em que ao mesmo tempo uma pea interna no aparelho de produo e
uma engrenagem especfica do poder disciplinar (FOUCAULT, 2004, p. 169).
A vigilncia hierrquica contnua e funcional torna o poder disciplinar um
sistema integrado, mltiplo e annimo, pois est baseado numa rede de relaes
no apenas de alto a baixo, mas tambm de baixo a alto e lateralmente com efeitos
de poder que se apoiam uns sobre os outros. A hierarquia produz um chefe que
tambm est sujeito a mquina do poder de vigilncia. Ele indiscreto, pois est
em toda a parte e sempre alerta e ao mesmo tempo discreto pois funciona em
grande parte em sigilo. A disciplina faz funcionar um poder relacional que se auto
sustenta por seus prprios mecanismos e substitui o brilho das manifestaes pelo
jogo ininterrupto dos olhares calculados (FOUCAULT, 2004, p. 170).
Destaca-se aqui que, contemporaneamente, h um amplo segmento de
estudos caracterizados como estudos de vigilncia. So estudos de natureza
38

interdisciplinar com envolvimento de disciplinas como a cincia poltica, direito,


sociologia, psicologia, economia, administrao, cincia da computao, entre outras
que buscam compreender como as prticas de vigilncia influenciam os processos
de ordenao social (LYON et al., 2012). No mbito das organizaes, a vigilncia
est relacionada com a vigilncia no local de trabalho ou simplesmente vigilncia no
trabalho (workplace surveillance).
Esses estudos, que se utilizam da obra de Foucault, expandiram seus
conceitos de vigilncia e sociedade disciplinar para o que se chama hoje de uma
sociedade de vigilncia com a participao e incluso de governos, organizaes e
at mesmo as prprias relaes interpessoais. O pressuposto de que a vigilncia
trata apenas da superviso hierrquica incompleto e equivocado. O controle , no
contexto da atual compreenso de vigilncia, apenas uma finalidade que pode ser
atribuda aos resultados e objetivos da vigilncia (MARX, 2015).
A vigilncia definida como um processo de coleta, registro e anlise
sistematizada de indivduos, grupos ou populaes e contextos por meio do uso de
meios tcnicos para extrair e gerar informaes realizado por indivduos,
organizaes e governos (MARX, 2012; 2015). A vigilncia nas organizaes est
ligada a capacidade da administrao em monitorar, registrar e acompanhar o
desempenho, o comportamento e as caractersticas dos funcionrios na prpria
organizao ou em outros espaos (como a internet) para controlar a ascenso na
hierarquia e o prprio acesso ou permanncia na organizao (BALL. 2010).
Dentre as muitas categorias que emergem dos estudos da vigilncia, as que
se referem aos estudos das organizaes so a do agente da vigilncia, do sujeito
da vigilncia, o patrocinador, o coletor, usurio primrio e secundrio, a vigilncia
organizada ou no organizada, a vigilncia intencional estratgica ou no
intencional, vigilncia constituda para dentro ou para fora e vigilncia recproca,
simtrica ou assimtrica (MARX, 2012; 2015). O agente de vigilncia aquele que
emprega os instrumentos e detm o conhecimento, consequente a primeira posio
no desenho de poder da relao, e em seguida o sujeito da vigilncia que aquele
que sujeito a coleta de informaes e na medida em que toma conscincia do
controle que est submetido age no sentido de resistncia e tentativa de minimizar
sua sujeio e a situao na relao de poder (MARX, 2012, 2015).
A vigilncia organizada aquela que envolve organizaes e est sempre
relacionada com uma vigilncia constituda para dentro (escrutnio de indivduos
39

pertencentes organizao) ou para fora (de clientes, fornecedores, concorrentes,


governo e etc.). A vigilncia estratgica se diferencia da no estratgica pela
intencionalidade e conscincia na busca e coleta da informao para um fim
determinado. A vigilncia estratgica ainda se divide em vigilncia tradicional e nova
vigilncia. Sendo a primeira realizada atravs dos sentidos de forma limitada, no
sistematizada, no gravada, localmente distribuvel, compartimentada e muitas
vezes no registrada se tornando de difcil anlise. J a nova vigilncia est
relacionada as tecnologias da informao extensiva e intensiva, remota, embutida
e relacionada a redes, coleta e anlise de dados sistematizadas (MARX, 2012;
2015).
Com os elementos apresentados possvel verificar uma dinmica na
vigilncia. um processo de interao dinmico envolvendo estratgias, lutas e
negociaes ao longo do tempo. A vigilncia no neutra politicamente e
geralmente visa o interesse da administrao da organizao. Ela envolve
diferenas de poder que geralmente favorecem os mais fortes, e que
frequentemente envolvem respostas em forma de resistncias. Ela tambm pode ser
usada tanto para o bem como para o mal (BALL, 2010; MARX, 2012; 2015).
Muitos dos estudos organizacionais que utilizam a concepo de Foucault
de poder, conhecimento, vigilncia e controle fazem um uso limitado do contexto da
sua obra. O to propagado conceito do panptico (BENTHAM et al., 2000) foi
originalmente realizado como uma soluo para o problema do agente da vigilncia
e dos custos envolvidos no controle. Em contraposio Foucault (2004) abordou-o
de uma nova perspectiva que a do sujeito da vigilncia. Ele no tinha somente o
objeto do corpo como objetivo final do controle e da vigilncia. Ele via a realizao
final na alma, usada como sinnimo da mente, da razo subjetiva, da psique do
indivduo. Nesse sentido, estudos incluem a vigilncia e outros mtodos de controle
como afetando a subjetividade dos funcionrios atravs da manipulao simblica
para a formao da cultura organizacional. Sendo esses considerados atualmente
como suavizao e mitos de vigilncia (BARKER, 1993; SEWELL, 1998; MARX,
2015).

2.2.2 Vigilncia, norma e exame


40

Voltando ao poder disciplinar, em sua essncia ele contm o que Foucault


(2004) define como um pequeno mecanismo penal, a sano normalizadora. Onde a
Lei no se ocupa, a disciplina qualifica e reprime. Nas instituies disciplinares
funciona uma gama de micro penalidades: sobre o tempo, em relao a atrasos,
ausncias, interrupes das tarefas; sobre a atividade, em relao a desateno,
negligencia, falta de zelo; sobre a maneira de ser, em relao a grosseria,
desobedincia; sobre os discursos, em relao a tagarelice e insolncia; sobre o
corpo, em relao a atitudes incorretas, gestos no conformes, sujeira; e sobre a
sexualidade, em relao a imodstia e indecncia por exemplo (FOUCAULT, 2004).
A maneira do poder disciplinar de punir especfica. a inobservncia,
tudo que est inadequado regra, tudo que no se aplica, aquilo que se desvia dela.
passvel de pena o campo indefinido do no conforme (FOUCAULT, 2004,
p.172). A punio disciplinar semelhante ao exerccio, ela tem a funo de corrigir
os desvios, de ser corretiva. Ento ela deve ser aplicada no intuito de aproximar o
penado da conduta, da qualificao do desempenho bom. Diferente daquele que
ruim afastado da regra, ela se distribui entre opostos. A quantificao dessas
penalidades, uma contabilidade penal ir realizar a diferenciao entre os
indivduos. Ir avaliar entre aqueles que so bons e maus, promulgando seus atos
frente a verdade da norma. A classificao ou categorizao dos indivduos,
resultante do exerccio do poder disciplinar, faz com que os desvios sejam
marcados, as qualidades, as competncias e aptides hierarquizadas e ordenadas
operando recompensas e promoes ou rebaixamento e degredos (FOUCAULT,
2004).
A punio no poder disciplinar realiza ento as seguintes operaes:
relaciona os atos, desempenhos e comportamentos em um conjunto comparvel,
diferenvel e conforme a regra; aplica essa diferenciao aos indivduos
comparativamente uns aos outros tendo por base um mnimo nvel aceitvel ou nvel
timo a realizar; mensurar quantitativamente hierarquizando as capacidades, os
nveis e a natureza dos indivduos; coagir para a conformidade aos valores e nveis
que devem ser realizados; e estabelecer o limite entre todas as diferenas, ou seja,
o que normal do anormal. A penalidade perptua que atravessa todos os pontos e
controla todos os instantes das instituies disciplinares compara, diferencia,
41

hierarquiza, homogeneza, exclui. Em uma palavra, normaliza (FOUCAULT, 2004,


p.176).
Surge a o poder da norma, que possui relao direta com o normal que se
firma como princpio coercitivo na regularizao, por exemplo, de processos e de
produtos. O poder de regulamentao e da vigilncia iro ser combinados numa
nova tcnica tratada adiante. Cuida ressaltar que o poder de regulamentao fora
ao homogneo e ao mesmo tempo individualiza na medio e determinao dos
nveis, das especialidades e da utilidade das diferenas. O poder da norma
claramente coaduna com um sistema de organizao formal, pois ao mesmo tempo
em que aplica a normalidade geral da regra ela possibilita a mensurao
individualizada de conformidade ou no em relao a ela (FOUCAULT, 2004).
A combinao da vigilncia hierrquica e da sano normalizadora ir
resultar numa nova vigilncia, uma vigilncia que, segundo Foucault (2004), a
responsvel por assegurar o sucesso do poder disciplinar. Uma vigilncia que
qualifica, classifica e pune. Um controle normalizante estabelecido sobre os
indivduos no mbito das instituies disciplinares, o exame (FOUCAULT, 2004).
O exame evidencia o indivduo, traz a luz sua diferenciao, sua sano ou
sua recompensa. O exame tratado como uma tecnologia das cincias humanas,
uma prtica aplicada nas mais diversas reas que dentre elas Foucault (2004)
destaca a pedagogia, a psiquiatria, o diagnstico de doenas e a prpria contratao
de mo de obra no mbito das organizaes.
O exame um processo de vigilncia que envolve um ritual na sua
execuo. De um lado est o poder na forma da experincia, do conhecimento, da
demonstrao de fora, do juzo e do estabelecimento da verdade. De outro lado
est o sujeito objetivado e percebido como objeto de sujeio a ser diferenciado,
medido, comparado, excludo ou normalizado. A superposio das relaes de
poder e das de saber assume no exame todo o seu brilho visvel (FOUCAULT,
2004, p.177). O exame realiza relaes de poder que permitem a obteno e a
constituio de saber. O hospital bem disciplinado passa de local de assistncia
baseado no servio religioso para local adequado da disciplina mdica. Como a
escola passa a ser o local de elaborao da pedagogia funcionando como cincia.
O exame supe um mecanismo que liga um certo tipo de formao de saber a uma
certa forma de exerccio de poder. (FOUCAULT, 2004, p.179).
42

Trs atributos do exame so destacados: a inverso da economia de


visibilidade no exerccio do poder; a entrada da individualidade no campo de
documentao; e a utilizao de todas as tcnicas de documentao para fazer de
cada indivduo um caso (FOUCAULT, 2004). Tradicionalmente aquele que se
mostra, que visto e que se v, aquele que exerce o poder. Os sujeitos do
exerccio do poder so secundrios na viso e se mostram apenas na medida em
que se necessita realar a fora daquele que se manifesta. No exame, essa lgica
invertida e o poder disciplinar se torna invisvel sendo que os que esto sujeitados a
ele passam a ser obrigatoriamente vistos. Sua iluminao assegura a garra do
poder que se exerce sobre eles (FOUCAULT, 2004, p.179). o saber que est
sendo visto continuamente, que pode ser visto a qualquer instante, que mantm
sujeito o indivduo disciplina. O exame ao invs de demonstrar sinais de poder, ao
invs de transmitir sua marca realiza a tomada de sinais objetivados dos sujeitos, ele
organiza os objetos sujeitos. O exerccio do poder se estende ento aos graus mais
baixos da sujeio e o exame se torna interminvel e de objetivao limitadora
(FOUCAULT, 2004).
O exame faz da individualidade um registro, uma documentao. Ele coloca
os indivduos numa vigilncia anotada. Eles so captados e fixados numa rede de
informaes que acumulada por meio de intensos registros. Aqui Foucault (2004)
abre espao para o que define como as tradicionais documentaes administrativas
e as novas tcnicas particulares e inovadoras, como identificao, assimilao e
descrio. Esse poder de escrita ou de registro de vastas quantidades de
informaes sobre os indivduos considerado uma engrenagem fundamental das
disciplinas. Dos registros saem as formaes de cdigos da individualidade que
transcritos permitem homogeneizar as caractersticas individuais. Eles marcam a
primeira formalizao do individual dentro das relaes de poder. A correlao
dessas informaes acumuladas que permitem classificar, formar categorias,
estabelecer mdias e fixar normas para o disciplinar dos sujeitos (FOUCAULT,
2004).
Esse aparato de registro realiza duas possibilidades do exame: a descrio
e anlise do indivduo, sua evoluo em termos de capacidades, habilidades e
aptides numa base de conhecimento e controle permanente; e a criao de um
sistema comparativo que possibilite a visualizao do conjunto, da descrio dos
grupos e fatos coletivos, dos desvios e da normalidade de distribuio de uma
43

populao (FOUCAULT, 2004). Cada indivduo passa a ser um caso, um conjunto


de atributos que pode ser descrito, mensurado, medido e comparado a outros e que
est sujeito a ser treinado e retreinado, classificado, normalizado, excludo ou
premiado. Um indivduo qualquer no era objeto de uma biografia escrita, nem
tampouco era objeto de uma narrativa histrica de sua existncia. Com a disciplina,
especificamente pelo exame, a individualidade comum passa a ser descrita e essa
descrio passa ser usada como um meio de controle e dominao. um processo
de objetivao e sujeio. O exame, como estabelecimento das diferenas
individuais, da caracterizao de cada indivduo com relao a suas mtricas, faz
dele um caso particular.

Finalmente, o exame est no centro dos processos que constituem o


indivduo como efeito e objeto de poder, como efeito e objeto de saber.
ele que, combinando vigilncia hierrquica e sano normalizadora, realiza
as grandes funes disciplinares de repartio e classificao, de extrao
mxima das foras e do tempo, de acumulao gentica continua, de
composio tima das aptides (FOUCAULT, 2004, p.182).

2.2.3 Propsito e formas da vigilncia

Qualquer considerao com relao ao propsito da vigilncia, e por


consequncia da norma e do exame, nas organizaes passa necessariamente pelo
entendimento da natureza da relao de emprego e por princpios ticos, ideolgicos
e polticos que justifiquem essas prticas. Nesse sentido, surgem trs principais
consideraes que vem ao encontro s prticas de vigilncia (SEWELL, 2012).
A primeira delas est relacionada com a base contratual da relao de
trabalho. Os empregadores de alguma forma precisam saber se os empregados
esto cumprindo com aquilo que esperado deles e que foi estabelecido nas
obrigaes do contrato de trabalho. Segundo, na realidade das organizaes atuais
e no contexto em que esto estabelecidas a economia capitalista existe uma
expectativa de justia em relao quilo que o empregado deve receber
proporcionalmente pelo seu esforo com o resultado organizacional. E por fim, as
organizaes so baseadas em algum tipo de hierarquia formal com superviso e
44

competncias definidas dentro de uma relao coordenada no tempo e espao


(SEWELL, 2012).
Dessa forma, a vigilncia nas organizaes cumpre trs funes: 1) Saber
se os empregados esto cumprindo suas obrigaes contratuais; 2) quanto devem
receber os empregados relativamente ao seu esforo para o resultado
organizacional; e 3) como os esforos devem ser coordenados no tempo e espao
(SEWELL, 2012). Sewell (2012), partindo dos estudos de um contemporneo de
Foucault (MILLER; 1987) analisou a questo da vigilncia numa dupla perspectiva
atravs dos conceitos de Jacques Lacan de olho e olhar. Distingue o olhar como
uma forma de vigilncia subjetiva no sentido de ver crer e o olho como uma
vigilncia objetiva prxima do estrito conceito de panptico como instrumento de
exerccio de controle e poder. Alm disso, considera as direes da vigilncia em
vertical e horizontal. Sendo a primeira quela exercida entre o superior e
subordinado e vice-versa, e a segunda aquela realizada entre pares que reforam as
normas de comportamento no grupo ou organizao. Por fim, diferencia entre a
vigilncia direta, aquela voltada para a verificao do trabalho propriamente dito, e a
indireta, que est focada em revelar atitudes que podem refletir no trabalho como
comprometimento e/ou a falta dele.
Esses seis atributos da vigilncia so combinados para formar o que o autor
considera um conceito mais integrado em quatro formas de realizao da vigilncia
nas organizaes (SEWELL, 2012). A primeira delas vigilncia simples e direta.
aquela realizada diretamente pelos sentidos do indivduo, ou seja, pelo olho, pela
viso (considerando aqui tambm aquela realizada atravs de cmeras de vigilncia)
e envolve um julgamento subjetivo da avaliao do sujeito da vigilncia. aquela
realizada verticalmente pelo supervisor para disciplinar ou recompensar os
funcionrios. Tambm aquela realizada horizontalmente entre colegas de trabalho
para comparar ou ajustar o comportamento e resultado uns dos outros (SEWELL,
2012).
A segunda a vigilncia simples e indireta. Voltada para a verificao da
disposio em relao ao trabalho, envolve o acompanhamento de valores e
atitudes no mbito da vida pessoal do sujeito da vigilncia. Sewell (2012) traz como
exemplo o caso do departamento sociolgico da Ford que verificava as residncias
dos empregados a fim de verificar e promover a higiene fsica e moral dessas casas.
Outro exemplo recente envolve o monitoramento de redes sociais dos funcionrios
45

que passa a ser utilizado com cada vez mais frequncia e ainda sancionado
institucionalmente (GOMES, 2014). Esse tipo de vigilncia exerce, segundo o autor,
sua fora disciplinar atravs de um tipo de administrao moral tanto na dimenso
vertical quanto na horizontal (SEWELL, 2012).
A terceira vigilncia a complexa e direta. Est relacionada com o conceito
de olhar de Miller (1987) e no est incorporada em nenhuma arquitetura e nem
possui nenhuma restrio de visualizao direta ou indireta. Essa vigilncia
caracterizada pela utilizao de mtricas, anlises objetivas com relao a
desempenho e produtividade que podem fornecer meios de comparar um
empregado em relao a outros. Possui a caracterstica de ser impessoal e baseada
na racionalidade da mensurao. Na sua forma vertical possibilita a classificao
dos empregados entre mais produtivos e menos produtivos. Na dimenso horizontal
as medidas objetivas permitem o exerccio da disciplina de grupo para ajustar o
comportamento inadequado de algum individuo (SEWELL, 2012).
A quarta e ltima vigilncia a complexa e indireta. Est associada com o
aumento de instrumentos de anlises psicomtricas, testes de uso de drogas e at
mesmo testes genticos que aumentam a capacidade do olhar para verificar a
priori, quo bem ajustado um funcionrio viria a ser ou qual o nvel de
comprometimento com determinada ao ou projeto organizacional. Aqui possvel
visualizar sua aplicao na direo vertical, mas sua aplicao horizontal fica pouco
evidente dado que as informaes geradas por tais ferramentas no so
amplamente divulgadas ou comunicadas para o conjunto de empregados (SEWELL,
2012).
As organizaes analisadas na perspectiva do poder disciplinar, com seus
mecanismos de controle e vigilncia, so referenciadas como sistemas que incluem
dispositivos tais quais o panptico (BENTHAM et al., 2000; FOUCAULT, 2004) e a
tecnologia ubqua (STANKO; BECKMAN, 2015) Entretanto, os dispositivos no
fornecem uma viso abrangente desses sistemas de controle que abarcam toda a
vida do sujeito dentro e fora das organizaes. Estudos organizacionais fazem uso
de metforas para tentar fornecer uma compreenso do que esses sistemas
representam para os indivduos. Nesse sentido, tem-se as metforas da gaiola de
ferro (BARKER, 1993; WEBER, 2004), a gaiola de vidro (CLEGG; BAUMELER,
2010; GABRIEL, 2005), as paredes invisveis e as hierarquias silenciosas (BROWN
et al., 2010). Todos esses esforos so empreendidos no sentido de demonstrar a
46

dimenso da influncia desse poder na vida dos sujeitos, que partem de pequenas
prticas e tcnicas arraigadas na rotina diria. Nos pequenos discursos de verdade,
conhecimento e autoridade (CLEGG; BAUMELER, 2010).
Essas prticas permeiam toda sorte de organizaes e profisses, sendo
que partindo de ambientes em que as tarefas eram executadas de forma mecnica,
como linhas de produo em fbricas, para atividades com uso de capacidades
intelectuais como as universidades. Clarke e Knights (2015) demonstram como
professores de ensino superior no Reino Unido esto submetidos a tecnologias de
poder e determinao do sujeito e simultaneamente so objetos do olhar
organizacional atravs de julgamentos normalizadores, observao e exames
hierrquicos. Outros estudos empricos tambm reforam esse entendimento quanto
ao alcance e ampliao desses mecanismos para uma ampla esfera de atividades
(LABATUT et al., 2012; URETA, 2013).
Resumidamente, o poder disciplinar est localizado no que Foucault define
como as sociedades disciplinares. A caracterstica dessas sociedades a
organizao de vrios espaos de clausura em que o indivduo passa ao longo da
vida. A famlia, a escola, o trabalho, o hospital e eventualmente a priso. Entretanto,
atualmente esse controle exacerba os espaos de confinamento fazendo com que
sejam apagadas as fronteiras estre as esferas de trabalho e vida pessoal.
Atualmente a sociedade uma sociedade de controle e de vigilncia em que todos
os espaos da vida dos sujeitos esto submetidos a um ou outro tipo de controle e
vigilncia que por finalidade exercem uma ou outra forma de poder disciplinar
(DELEUZE, 1992; FLEMING, 2014; LYON et al., 2012).

2.3 O TRABALHO DOCENTE EM IES PRIVADAS

O desenvolvimento do ensino superior privado e do surgimento das IES


privadas marcado por dois momentos da histria poltica do Brasil. O primeiro com
a constituio da repblica em 1891 e o segundo com a cidad de 1988. Em ambas
as cartas polticas so reconhecidas o direito da iniciativa privada na participao do
ensino superior brasileiro. At a dcada de 1970 a relao entre a oferta de vagas
no ensino superior manteve um equilbrio entre a iniciativa privada e o poder pblico,
47

e mesmo as relaes de trabalho entre o docente e as instituies mantinham certo


equilbrio de condies (SAMPAIO, 2011).
Esse equilbrio foi rompido com a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educao (LDB n9.394 de 1996) e a edio do Decreto 2306 de 19 de agosto de
1997. Este decreto foi o primeiro a possibilitar a existncia de IES privadas com fins
lucrativos no ensino superior do Brasil. Dessa nova forma de configurao das IES
privadas decorreram duas outras transformaes, uma no sentido de tornar-se
centro universitrio e universidades aumentando seu tamanho e estrutura e outra no
sentido da busca do ganho econmico atravs da lucratividade. Essas
transformaes precipitaram a adoo de modelos de gesto de empresas que at
ento no pertenciam a esse segmento de atividade, tambm por meio da figura do
novo consultor educacional que realizaria o intermdio entre a cultura acadmica e a
cultura de mercado (SAMPAIO, 2011).
Como reflexo dessas transformaes impera nas IES privadas a
necessidade constante de reduo de custos, que se manifestam na constante
demisso e rotatividade de professores e funcionrios, reduo do numero de
alunos e consequente reunio de turmas, deslocamento de estudantes para novas
instalaes em campi diferentes e evaso e inadimplncia de mensalidades. A
constante competio para atrair e manter estudantes entre as IES privadas tambm
recorrente nesse mercado educacional (SAMPAIO, 2011).
Com o advento do Decreto 5.773, de 09 de maio de 2006 foi ampliada a
influencia do poder pblico, por meio do Ministrio da Educao, com a capacidade
de credenciar e descredenciar as IES privadas, classificadas como faculdades,
centros universitrios e universidades. A principal inovao nesse Decreto foi a
figura do centro universitrio. Essa nova categoria possibilitou as IES privadas
contratar mais professores com titulao inferior e maior numero de contratados em
contratos flexibilizados, ou ditos horistas em relao aos professores universitrios
propriamente ditos (NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2015)
Atualmente, segundo o ltimo Censo da Educao Superior (TEIXEIRA,
2015) atualizado em 07 de novembro de 2016, a educao superior no Brasil hoje
composta por 88% de IES privadas, sendo constituda por 2069 (dois mil e sessenta
e nove) estabelecimentos, com a oferta de aproximadamente seis milhes de vagas
e cerca de 910 mil graduados. O total de docentes na rea privada de 226.863
(duzentos vinte e seis mil, oitocentos e sessenta e trs) o que representa 56% do
48

total de docentes no ensino superior do Brasil. Nota-se um claro descompasso entre


a razo de graduados e o nmero de professores nas IES pblicas e privadas.
Enquanto o nmero de docentes em IES privadas representa pouco mais da metade
do total de docentes no ensino superior (56,53%), o nmero de graduados em IES
privadas representa 79,14% do total, ou seja, menos professores, nas IES privadas,
formam mais alunos devido a uma lgica de mximo aproveitamento da mo de obra
docente e maximizao do lucro por aluno nas IES privadas.
Com relao ao professor universitrio temos que o trabalho acadmico do
docente de ensino superior uma atividade de natureza complexa, com alta
demanda em termos de tempo e esforo, com crescente uso de novas tecnologias,
competitivo e marcado pela presso por resultados em termos de publicaes e
bons resultados de avaliao por rgos de fomento e governamentais (CORREA,
2015). A tarefa de ensinar por si s no simples. Determinar o que vai ser
ensinado, preparar a forma como o contedo ser passado e como ser avaliado, a
forma de interao com os estudantes que fornea um ambiente favorvel ao
aprendizado, demandam um cuidado, dedicao, equilbrio e pacincia que nem
sempre esto em consonncia com o ritmo imposto pelo sistema competitivo de
mercado do contexto das IES privadas (ALCADIPANI, 2011).
Nesse sentido, o trabalho de professores em IES privadas caracterizado
por uma multiplicidade de demandas que vo alm das atividades desenvolvidas em
sala de aula, ou mesmo no tempo e espao circunscrito pela organizao. O
desenvolvimento da carreira acadmica contempornea inclui, alm da aula
expositiva a correo, aplicao de provas e tarefas como orientaes e pesquisas,
trabalhos que envolvem a utilizao de sistemas e plataformas tecnolgicas, criao
de contedos e materiais e ainda uma constante cobrana em relao a mtricas e
desempenho de avaliaes por parte das IES e de rgos de fomento como a
CAPES e CNPQ. Essa multiplicidade de atividades vai alm do tradicional trip de
ensino, pesquisa e extenso (FREITAS, 2007a; 2011).
Nas IES privadas, soma-se a essa pluralidade de exigncias da atividade
docente a adequao da organizao a lgica do lucro e consequente adequao do
trabalho docente a mesma ordem. A relao de trabalho se verifica em um estrito
cumprimento em relao presena em sala de aula e outras tantas demandas que
extrapolam a organizao e invadem outras reas da vida do docente (CLARKE;
KNIGHTS, 2015).
49

No incio desse processo Alcadipani e Bresler (1999) alertavam que as


faculdades e universidades brasileiras estariam se tornando uma espcie de rede de
fast food do ensino superior. Havia j naquela poca, a clara percepo de que o
espao da reflexo, da liberdade acadmica, do ensino que efetivamente funcione
estavam sendo gradualmente substitudo por cursos enlatados com o uso
desenfreado de apostilas, o tratamento de cliente aos alunos, as formas de
avaliao de desempenho de professores como as mtricas empresariais e os
cursos como apenas produtos.
Esse assunto j foi tratado por Bosi (2007) quando relata a precarizao do
trabalho do docente do ensino superior no Brasil. O trabalho indica que com a
mercantilizao da educao superior, financiada com recursos pblicos atravs de
programas de financiamento estudantil, as IES privadas iniciaram uma lgica de
quanto mais, melhor em relao ao nmero de alunos, a mxima utilizao do
professor em sala de aula com turmas superlotadas e a aplicao de contedos
padronizados e mimetizados sem a tradicional autonomia e liberdade dada ao
professor numa IES.
O trabalho do docente na IES privada acrescido de uma nova demanda
sobre uma relao de trabalho j caracterizada por um excesso de exigncias. O
trabalho desse professor passa ento a ser submetido a um novo arranjo em que a
lgica do lucro e sobrevivncia da organizao o objetivo maior. Freitas (2007c)
afirma que o pior cenrio o professor numa IES privada onde sua atividade no a
de propriamente um professor e sim a de um auleiro, um sujeito obediente que no
tem autonomia sobre seu trabalho e que visa somente a manuteno de seu
emprego seguindo estritamente a lgica de mxima extrao de lucro com salas de
aulas com excessivo nmero de alunos. Nesse contexto, o professor obedece aos
comandos da instituio que opera na lgica de que o cliente tem sempre razo,
nesse caso os alunos, e por essa razo no deve ser importunado com a cobrana
de trabalhos, provas e presena em sala de aula na forma regular da lgica do
aprendizado universitrio (FREITAS, 2007c).
Os professores atuantes nessa lgica so premiados e punidos
principalmente em razo de pesquisa de satisfao entre os alunos pelas aulas
ministradas. Os critrios dessas avaliaes so na maioria subjetivos e
assemelhados a pesquisas de satisfao de clientes. H ento uma inverso da
lgica do ensino e da aprendizagem pela lgica do consumo e satisfao. Como
50

consequncia tem-se que muitas vezes fica estabelecido o que se chama de pactos
da mediocridade em que o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende
(ALCADIPANI, 2011).
Essa forma de avaliao dos professores, baseados em pontos da avaliao
discente e outras avaliaes realizadas pelas IES por meio de pontuaes de
produo, fazem com que ao final sejam criadas espcies de rankings em que os
piores avaliados ou mais custosos so continuamente substitudos por outros mais
novos, mais baratos e produtivos para a Instituio (ALCADIPANI, 2011). Aliado a
isso se tem que, em decorrncia do regime de contratao em forma de horista, h
a instabilidade do exerccio da profisso com relao remunerao, pois, a cada
semestre h que se aguardar o preenchimento de vagas e matriculas para saberem
de ultima hora se vo ou no lecionar (NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2015).
Como resultado dessa instabilidade do exerccio da profisso de professor, o
ofcio acadmico, propriamente dito, deixa de existir no mbito das IES privadas. Um
trabalho e um espao em que tradicionalmente se exerce a crtica e a reflexo
substitudo por outro em que a crtica deve tornar-se sugesto construtiva. O
questionamento passa a ser visto apenas como reclamao e perguntas inoportunas
com relao s prticas que se estabelecem nas IES privadas. Aqueles que tentam
de alguma forma exercer o pensamento crtico so estigmatizados em favor
daqueles que se calam e adotam o consenso favorecido pela direo e pela lgica
capitalista de busca do lucro num espao at pouco tempo livre dessa influencia
(ALCADIPANI, 2011). Na seo a seguir sero apresentados os procedimentos
metodolgicos adotados na realizao dessa pesquisa.
51

3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

Os procedimentos metodolgicos so uma descrio dos passos que o


pesquisador toma no sentido de buscar uma resposta para a questo da pesquisa.
O mtodo para a compreenso do problema, sua interpretao e como foram
verificados na realidade. O mtodo representa a forma como o conhecimento foi
construdo, validado e objetivado. Consequentemente, envolve a descrio das
operaes de coleta, anlise e intepretao dos dados pelo pesquisador. Essa
descrio dos procedimentos revela a inteno daquilo que se pretende fazer na
pesquisa (CRESWELL, 2010; LAVILLE; DIONE, 1999).
Os procedimentos metodolgicos desta pesquisa foram elaborados na
estrita finalidade de buscar uma resposta ao problema de como se manifesta e
interpretado o poder disciplinar em face aos elementos da cultura organizacional
pelos professores de Instituies de Ensino Superior Privadas. A estrutura dos
procedimentos seguiu ento, numa sequencia lgica, a descrio de como o
problema foi especificado, como as questes de pesquisa forneceram um escopo,
delimitao e suporte para a busca da resposta desse problema. Tambm foram
definidas as categorias analticas que compe o problema e que foram investigadas
ao longo do trabalho. Apresenta-se ainda, os pressupostos filosficos da pesquisa,
bem como o delineamento em termos de classificao da pesquisa, estratgia,
coleta, e anlise dos dados. Por fim, comenta-se sobre a validade e confiabilidade
do trabalho e dos mtodos que foram empregados e os limites da investigao
empreendida.

3.1 ESPECIFICAO DO PROBLEMA DE PESQUISA

Esse trabalho visa responder a seguinte questo de pesquisa: como se


manifesta e interpretado o poder disciplinar em face aos elementos da cultura
organizacional pelos professores de Instituies de Ensino Superior Privadas?
52

3.1.1 Questes de pesquisa

As questes de pesquisa so importantes para orientar o pesquisador no


contexto da complexidade social do fenmeno em estudo. Elas servem de referncia
no campo para que o pesquisador se oriente em relao ao objetivo da pesquisa
(STAKE, 1995).
As questes de pesquisa formuladas neste trabalho fazem referncia aos
objetivos especficos que servem ao propsito de delimitao do escopo do
problema de pesquisa. Cada questo se vincula a um ou mais objetivos especficos.
Elas tambm fornecem respostas auxiliares na busca da resposta do problema de
pesquisa. Dessa forma, so elencadas oito questes para o projeto proposto.

1 Quais so as normas e regras que regem o trabalho docente nas IES


privadas? (1, 2, 3, 4, 5)
2 Como o acesso a carreira docente numa IES privada? (1, 3)
3 Quais so as demandas profissionais e pessoais da carreira de
professor numa IES privada? (1, 2, 5)
4 Como a rotina de um professor numa IES privada? (1, 3, 5)
5 Que tipo de estrias, cerimonias e ritos fazem parte da carreira docente
em IES privadas? (1, 5)
6 O que poderia causar a demisso de um professor numa IES privada?
(3, 5)
7 Quais mecanismos de controle e vigilncia esto presentes na prtica
profissional dos docentes em IES privadas? (3; 4)
8 Como so controlados o tempo e espao do professor na sua atividade
dentro e fora das IES privadas? (3; 4)

3.1.2 Conceituao e forma de apreenso das categorias analticas

A conceituao das categorias analticas tem por finalidade apresentar os


principais conceitos e ideias que foram investigados no fenmeno objeto deste
53

estudo. Alm de elucidar de forma clara os conceitos, tambm ser demonstrado de


que forma eles foram apreendidos na realidade, ou seja, como foram distinguidos
uns dos outros e como podem ser identificados na experincia emprica (MARCONI;
LAKATOS, 2003). A conceituao tambm serve ao propsito de apresentar essas
categorias para aqueles que esto fora do campo de estudo e que, de alguma
forma, possam se interessar pelos resultados dessa pesquisa (CRESWELL, 2010).
As principais categorias analticas dessa pesquisa so a cultura organizacional e o
poder disciplinar. Tambm sero conceituados outros termos relevantes para o
entendimento do trabalho.

a) Cultura organizacional

Conceituao:
Cultura organizacional no mbito deste trabalho fundamentalmente um
conjunto de elementos articulados que pode por vezes servir para instrumentalizar
prticas de poder (FREITAS, 2000). Um sistema tal, constitudo por smbolos e
significados articulado atravs da linguagem, da textualidade, da representao, do
discurso e do simblico formando um arcabouo em que os sujeitos interpretam
suas experincias e guiam suas aes em termos do que certo ou errado, do que
tolerado ou no (ALVESSON, 2002; FREITAS, 2000; GEERTZ, 1973). A cultura
organizacional molda uma certa subjetividade nos sujeitos e passa ento a ser
interpretativamente constituda, determinada, evitada e resistida. Um discurso de
cultura organizacional ir produzir um conjunto especfico de atitudes,
comportamentos, estruturas, controles e modelos de ao. Essa subjetividade
especificada e imbuda com uma conduta e um comportamento especfico aos fins
instrumentais da organizao. Os discursos dominantes da cultura organizacional
procuram criar um sujeito malevel, atravs do controle dos significados,
incorporando e excluindo o que pode ser falado e quem pode falar, fazendo da
cultura organizacional um olho vigilante (CHAN; CLEGG, 2002).

Forma de apreenso:
A cultura organizacional foi aprendida por meio de entrevistas e observao
no participante e das intepretaes e significaes que os entrevistados definiram
da sua experincia na prtica docente em IES privadas. O que compe a sua
54

profisso, o que se espera dele como professor no contexto da IES privada. O que
ele pode ou no fazer e manifestar enquanto um professor. Quais hbitos, gestos,
posturas e falas esto presentes na expresso e sentimentos dos sujeitos
entrevistados. Quais estrias, ritos, normas e regras regem e orientam o seu
trabalho dentro e fora da organizao. Pelo discurso em relao a sua histria e
trajetria profissional na IES privada ou em outras experincias anteriores no mesmo
contexto. Tambm foi apreendida atravs de materiais secundrios em que a IES
privada promova seus valores, princpios e normas e regulamentos da relao de
trabalho com os professores, alm da observao direta de artefatos e smbolos
manifestos nos espaos reais e virtuais comunicados pelas IES privadas.

b) Poder disciplinar

Conceituao:
O poder disciplinar aquele que se exerce atravs de mecanismos e
tcnicas de coero por meio da vigilncia e controle que esquadrinham
sistematicamente o tempo, o espao e o movimento dos sujeitos. Trata-se do modo
como se vigia algum, como se controla sua conduta, seu comportamento, suas
atitudes, da forma como melhor extrair o seu mximo desempenho, de como sero
aumentadas as suas capacidades e de como torn-lo melhor aproveitado e til, e de
como realizar o exame e a normalizao do sujeito. Ao mesmo tempo, trata de tornar
o sujeito dcil e obediente, de uma forma de dominao que diminui a capacidade
poltica e de resistncia. O poder disciplinar tambm visa o controle por meio da
interiorizao da norma constituindo prticas discursivas que constroem e
reconstroem uma subjetividade dcil e normalizada por meio da internalizao do
olhar vigilante, do autocontrole e do autoexame (FOUCAULT, 1999a; 1999b; 1999c;
2004).

Forma de apreenso:
Atravs de entrevistas e observao no participante a respeito das normas,
do contrato de trabalho, dos controles sobre o tempo, espao e atividade dos
professores. Das punies e recompensas. De mecanismos de vigilncia, avaliao
de desempenho e exames. Do tempo dedicado ao trabalho e a sua manuteno. Da
observao em relao aos controles, espao e tempo. Das exigncias do trabalho e
55

da profisso. Da anlise de contratos, regulamentos, processos judiciais e material


do jornal sindical e pgina da internet do sindicato.

3.1.3 Conceituao de outros termos relevantes

a) Controle

Conceituao: um conjunto de tcnicas e prticas de poder disciplinar


voltadas para o corpo e a subjetividade sob uma vigilncia individualizada e uma
sano normalizadora que conjugada na forma de exame tem como funo no a
punio, mas a correo do desvio da norma. O controle est ligado a ideia de
finalidade. s por se ter uma finalidade, uma norma que se ter o controle. O
controle do tempo, da elaborao temporal do ato, da combinao do corpo, gesto e
ato no tempo e a relao corpo-objeto-norma-finalidade (FOUCAULT, 1999b; 2002;
2004).

b) Norma

Conceituao: o processo de regulao da vida dos indivduos. Ela


descreve o funcionamento e a finalidade do poder. Se refere aos atos e condutas
num domnio que um campo de comparao, de diferenciao e de regra a seguir.
A norma uma mdia, um timo a alcanar. A norma mede em termos quantitativos
e hierarquiza em termos de valor as capacidades dos sujeitos. A partir dessa
valorao busca homogeneizar, classificar e formar um critrio de diviso
(FOUCAULT, 1999b, 2004, 2005).

c) Vigilncia

Conceituao: vigilncia nas organizaes est ligada a capacidade da


administrao em monitorar, registrar e acompanhar o desempenho, o
comportamento e as caractersticas dos funcionrios na prpria organizao ou em
outros espaos (como a internet) para controlar a ascenso na hierarquia e o prprio
56

acesso ou permanncia na organizao (BALL, 2010; FOUCAULT, 2004; MARX,


2012; 2015).

3.2 PRESSUPOSTOS FILOSFICOS DA PESQUISA

Para realizar uma pesquisa, e por consequncia selecionar os mtodos de


realizao dessa pesquisa, h certas implicaes acerca de como se v a situao a
ser estudada e certos pressupostos de como o fenmeno ser estudado. Essas
implicaes e pressupostos remetem a ontologia e a epistemologia do pesquisador
que ir influenciar suas escolhas quanto a metodologia a ser adotada na pesquisa
(MORGAN, 1983).
A ontologia de um pesquisador pode ser compreendida como sua viso do
mundo, sua Weltanschauung1. Essa ontologia inclui pressupostos, valores, crenas
e sua prpria concepo de tempo numa histria social. Porm, essa viso de
mundo apesar de no ser esttica em todos os seus elementos possui alguns
fundamentos que remetem a prpria natureza do pesquisador e so, como definem
Furlong e Marsh (2002), sua prpria pele. A epistemologia se vincula diretamente a
ontologia enquanto a forma pela qual essa concepo de mundo apreendida. A
forma como o pesquisador busca o conhecimento do mundo social e o compreende
nas suas interaes sociais.
Esse estudo parte de uma compreenso de mundo estabelecida em
relaes de poder. O poder sobre as coisas, o poder sobre os smbolos e o poder
sobre a prpria realidade social que produzida e reproduzida como resultado de
aes e prticas de exerccio de poder e a consequente resistncia a este exerccio.
Relaes sociais de poder como as hierarquias e a diviso do trabalho, dos
conhecimentos e da prpria capacidade de exercer o poder esto na prpria
constituio da sociedade. Constituio essa numa perspectiva histrica do
movimento de intenes e vontades em que o sentido no est na anlise do
passado direta, mas na inteno de futuro daquele passado. Fundamentalmente,

1
s.f. fil. conjunto ordenado de valores, impresses, sentimentos e concepes de natureza intuitiva,
anteriores reflexo, a respeito da poca ou do mundo em que se vive; cosmoviso, mundividncia.
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionrio da lngua portuguesa. 2 edio. Rio de Janeiro. Nova
Fronteira. 1986. p. 1 794.
57

numa compreenso do mundo em que uma sociedade sem relaes de poder uma
abstrao (FOUCAULT, 1995).
As aes dos sujeitos nas relaes sociais ocorrem ento num
encadeamento de outras aes e por consequncia determinadas por relaes de
poder. No significa, entretanto, a supresso da capacidade de agncia e o
determinismo da estrutura. Aqui se emprega os conceitos de estratgia ou ordem
poltica e de tticas de Foucault (1999b). A estratgia concebida como a ordem
poltica ou estrutura em que o sujeito est imerso e possui individualmente pouca ou
nenhuma capacidade de influncia sobre ela. E, no inverso, as tticas como a
agncia, que so aquelas aes empreendidas na conscincia de resistncia do
sujeito aos movimentos da estratgia (AL-AMOUDI, 2007; FOUCAULT, 1999b).
Estas tticas, presentes nas pequenas prticas dirias de resistncia do
sujeito, so produzidas e reproduzidas e conectam-se a outras tticas, divulgando e
propagando-se no que iro formar novos sistemas compreensivos. Novos blocos de
sistemas regulados como uma organizao e toda sua realidade espao temporal,
seus regulamentos e rotinas, sua lgica de funcionamento. Resumidamente as
relaes sociais esto fundadas em relaes de poder em que a realidade no
apenas socialmente construda de forma partilhada e significada em conjunto, mas
sim uma constante produo e reproduo de relaes de poder em que uns
exercem sobre os outros e outros resistem sobre uns de forma a constiturem um
discurso de verdade que foi estabelecido ao longo da histria e ir se estabelecer e
se modificar na realidade continuada (FOUCAULT, 1995).
Epistemologicamente esta pesquisa parte de pressupostos interpretativos e
crticos. Para revelar a natureza da situao estudada o pesquisador se insere no
uso dos conceitos do fenmeno especfico tratando as realidades humanas como
novas e repletas de significados contraditrios que no podem ser observados
distncia (DENZIN, 1983).
Uma anlise interpretativa e crtica do poder ento no ir simplesmente
buscar desvendar um significado oculto ou escondido de determinado discurso.
Busca compreender como esse discurso foi formado e constitudo, como se tornou
aquilo que se tem como dado ou certo, em uma expresso aquilo que taken for
granted. Nesse sentido, tudo que est no presente possui uma origem em
determinado espao e tempo. Tudo constitui um movimento de transformao e
mudana em que algo que foi em algum momento definido por uma determinada
58

razo ou compreenso que no era a do presente, mas que era a da inteno de ser
no futuro. A ordem da realizao social est num tornar-se, num vir a ser em
constante mutao (FOUCAULT, 1999a)
As mltiplas interpretaes dadas pelos sujeitos a respeito desse discurso e
de sua origem no possuem um fim; se as interpretaes ento no acabam,
significa que no h mais nada a ser interpretado e, no fundo, tudo interpretao.
Ento, quanto menos significado fixo encontrado num discurso ou em uma
realidade social, e mais interpretaes encontramos, isso indica que menos as
interpretaes foram criadas pela natureza das coisas e da construo social e mais
pela imposio e arbitrariedade de relaes de poder. A histria das interpretaes
uma histria de violncia, apropriao e imposio de um sistema de regras
subordinado a uma vontade em uma srie continua de intepretaes. Quanto mais
poder exercido em uma relao, mais valer a interpretao resultante na
realidade social. O poder s se manifesta nessas relaes e tambm por meio delas
que se realiza, que produz e se transforma (DREYFUS; RABINOW,1995;
FOUCAULT, 1997).
Este vir a ser do poder no algo sem inteno ou sem a vontade do sujeito
ou de um grupo de sujeitos que buscam um interesse partilhado em um determinado
momento. Ele est diretamente relacionado a esta inteno e a estas relaes
estabelecidas. O mundo no seu sentido inteligvel seria simplesmente uma forma de
ao, uma vontade de poder (BARDON; JOSSERAND, 2011; NIETZSCHE, 2012).

3.3 CLASSIFICAO E DELINEAMENTO DA PESQUISA

Essa uma pesquisa com abordagem qualitativa. Qualitativa no sentido de


localizar o pesquisador numa dada situao no mundo. O pesquisador nessa
situao estuda coisas nos seus contextos naturais buscando sentido ou
interpretando os fenmenos em termos dos significados que as pessoas atribuem a
eles (DENZIN; LINCOLN, 2008).
A pesquisa qualitativa se concentra em como as coisas do mundo humano
funcionam em determinados contextos, em determinado tempo e com determinadas
pessoas. Especificamente, em como as coisas funcionam na perspectiva, nas
59

palavras e nas interpretaes e significaes das pessoas envolvidas no fenmeno


estudado (STAKE, 2010).
Esse delineamento o de uma pesquisa qualitativa no sentido de descrever
e explorar fatos e um fenmeno. Descrever a realidade num sentido denso em que o
fenmeno possa ser vivido pelo leitor. Em que possa ser detalhado de tal forma
que possibilite a entrada do leitor naquela realidade social. De outra forma,
explorar um fenmeno nas diferentes perspectivas daqueles que participam da
construo e realidade desse fenmeno (CRESWELL, 2010; GEERTZ, 1973;
MARTINS; THEPHILO, 2009).
Descrever e explorar qualitativamente o fenmeno do poder disciplinar em
face aos elementos da cultura organizacional em IES privadas no contexto da
educao superior privada no Brasil, verificando como so interpretadas e moldadas
as relaes de trabalho de professores e IES privadas por questes culturais que se
expressam por meio de regras, normas, controle e vigilncia. A perspectiva temporal
dessa pesquisa foi de um corte transversal, ou seja, os dados foram coletados em
certo tempo. Entretanto, foi tambm uma perspectiva com aproximao longitudinal,
pois os fatos de pesquisa foram considerados em uma dimenso histrica, de
construo social ao longo do tempo. A pesquisa no se ateve apenas a
constatao de como o fenmeno ocorreu no instante da pesquisa, mas de como ele
se constituiu na perspectiva interpretativa dos participantes (NEUMAN, 2009).
A investigao qualitativa se mostrou adequada realizao da pesquisa
dado que o problema envolve aspectos que so estabelecidos na forma e no
interesse de uma multiplicidade de realidades, diversidades e percepes. De um
lado tem-se os administradores contratantes dos professores e representantes das
IES privadas, de outro os professores que ocupam o outro polo na relao contratual
de trabalho. Acrescente-se a isso que cada sujeito percebe essa relao de trabalho
e profissional de uma forma nica, podendo assumir uma postura mais conformada
com a vigilncia, controle e normas impostas at uma mais resistente a elas.
Tambm h que se incluir outras percepes posicionadas assessoriamente a essa
relao como representantes sindicais, a justia do trabalho, o mercado profissional
e de formao dos profissionais e a prpria percepo da vida de cada sujeito.
Neste sentido, a pesquisa qualitativa ofereceu um arcabouo de suporte
para que o pesquisador pudesse apreender a realidade do caso por mltiplas fontes
de dados visando obteno de padres e categorias como a cultura organizacional
60

e o poder disciplinar. O processo da pesquisa qualitativa possibilitou que o


pesquisador mantivesse o foco em assimilar o significado que os participantes do
ao poder disciplinar nas organizaes que foram objeto desse estudo (CRESWELL,
2010).
A presente pesquisa no vislumbrou fornecer uma generalizao do que
acontece em termos de poder disciplinar e cultura organizacional em todas as IES
privadas. Entretanto, pretende-se que oferea uma forma de generalizao analtica
(STAKE, 2010) para que o leitor de certa forma adquira uma experincia substituta
do fenmeno de controle, vigilncia e normalizao do professor em um contexto de
interao entre o poder disciplinar e a cultura organizacional de uma IES privada
brasileira.

3.3.1 Estratgia da pesquisa

Um caso no algo indefinido, um sistema com limites bem definidos que


o distinguem de outros casos e outras questes. Um caso uma coisa especfica,
complexa e funcional. Para o problema apresentado nesta pesquisa, que como se
manifesta e interpretado o poder disciplinar em face aos elementos da cultura
organizacional em IES privadas, o interesse no est na particularidade de um caso
especfico e sim na resposta a esse problema (STAKE, 1995).
Como o interesse deste trabalho est na obteno de respostas para o
problema proposto e no na explicao de um caso particular, temos ento que o
trabalho foi conduzido para um estudo de caso do tipo instrumental. Instrumental no
sentido de aprender com os casos sobre uma classe de coisas. Alm disso, para
aumentar a compreenso do fenmeno e de uma investigao com uma sistemtica
focada no problema, foi importante que houvesse uma coordenao entre casos
individuais que possibilitassem um ganho de aprendizado. Por essa razo, essa
pesquisa tambm se trata de um estudo de casos mltiplos ou coletivos
(CRESWELL, 2010; STAKE, 1995).
A nfase do estudo de caso qualitativo no entendimento e na intepretao
que os sujeitos atribuem as questes, que foram levantadas pelo problema de
pesquisa, faz dessa estratgia a prefervel para o estudo demonstrando ser a que
61

possibilitou o maior aprendizado do assunto. Essa pesquisa foi, ento, realizada


atravs de um estudo de caso mltiplo, com a perspectiva temporal de corte
transversal e aproximao longitudinal, sendo o nvel de anlise multi nvel entre os
sujeitos, organizao e contexto (CRESWELL, 2010; STAKE, 1995).
O principal critrio para a seleo dos casos foi o de maximizar o
aprendizado sobre como se manifesta e interpretado o poder disciplinar em face
aos elementos da cultura organizacional pelos professores atuantes em IES privadas
(STAKE, 1995). A justificativa quanto ao setor escolhido, o de IES privadas, de certa
forma j foi dado na introduo. Aqui apenas se refora a importncia desse
segmento no setor de educao superior no Brasil destacando que o nmero de
professores em IES privadas 226.863 (duzentos vinte e seis mil, oitocentos e
sessenta e trs) que representa cerca de 56,53% do total de docentes no ensino
superior de graduao brasileiro (TEIXEIRA, 2015). Nesse sentido, levantou-se a
questo de quais IES privadas poderiam fornecer melhores respostas com relao
ao controle, normalizao e vigilncia de professores fazendo possvel obter uma
resposta ao problema de pesquisa. Seguindo a orientao quanto aos passos na
direo da seleo dos casos (CRESWELL, 2010), a resposta a esse quesito
ocorreu por meio da busca de informaes junto ao sindicato local dos professores
de ensino superior.
Inicialmente, um contato preliminar foi realizado atravs de relaes
profissionais comuns entre o pesquisador e um dirigente sindical. Numa conversa
preliminar foi constatado que o sindicato mantm registros das IES privadas que
mais recebem reclamaes com relao a problemas nas relaes de trabalho. O
nmero de reclamaes de uma IES privada junto ao sindicato foi considerado como
um indicativo ou uma evidncia de que nessas instituies a vigilncia, o controle, as
normas e punies seriam mais intensas ou mais expressivas do que naquelas onde
as reclamaes fossem menores. Da mesma forma a natureza dessas reclamaes
so de origem diversas, desde atrasos em pagamentos e pagamentos irregulares s
condies impostas pelas IES privadas, consideradas pelos reclamantes como
arbitrrias no desenvolvimento das atividades profissionais. Essas reclamaes
tambm encontram respaldo na avaliao do sindicato de que nas IES privadas com
maior nmero de queixas so as que exercem uma vigilncia e controles maiores
sobre os docentes e suas atividades.
62

Essa informao preliminar levou a considerar a seleo dos casos para


aquelas IES com o maior nmero dessas reclamaes conjugada com aquelas que
tambm teriam o maior nmero de aes reclamatrias na justia do trabalho.
Inicialmente foram trs IES privadas que compuseram o estudo de caso mltiplo.
Vencida a questo de quais IES privadas comporiam o estudo, passou-se
reflexo de como seriam selecionados os sujeitos participantes do fenmeno em
estudo dentro dessas organizaes. Retomando a questo do estudo de um caso
instrumental (STAKE, 1995), observou-se o primado pelo foco na classe de coisas a
serem apreendidas do fenmeno. Sendo assim, retornou-se ao problema da
pesquisa. As relaes sociais determinadas pelo poder disciplinar em um contexto
de cultura organizacional de uma IES privada envolvem o prprio docente como
sujeito de toda uma srie de prticas disciplinares e os dirigentes ou seus
representantes (como coordenadores e diretores) da organizao como produtores e
reprodutores dessas mesmas prticas.
De forma complementar a esses polos, tem-se a diversidade de percepo
entre professores que participam de uma ao de resistncia a esses controles, e
que possuem engajamento sindical, e aqueles que no participam ativamente nessa
resistncia e que podem at mesmo ser indiferentes s prticas do poder disciplinar.
Indiferena no sentido de tomarem essa realidade como natural e no como um
sistema construdo do discurso disciplinar.
Dessa forma, o critrio de seleo dos sujeitos da pesquisa foi realizado da
seguinte forma: trs sujeitos de cada uma das IES privadas selecionadas para o
estudo; sendo um docente com vnculo ou alguma forma de relao junto ao
sindicato; um coordenador ou diretor de curso da IES privada; e um professor sem
vnculo sindical do quadro da IES privada. Assim, foram nove o total de sujeitos
selecionados para a realizao dessa pesquisa.
Um critrio adicional para a seleo de todos os sujeitos foi a experincia
profissional mnima de cinco anos. Esse critrio teve a finalidade de posicionar a
pesquisa numa perspectiva temporal com relao ao desenvolvimento das prticas
de poder disciplinar na aproximao longitudinal e que a percepo e interpretao
dos sujeitos possusse um perodo minimamente definido de consolidao e
reflexo.
63

Definida a forma como foram selecionados os casos e sujeitos da pesquisa


passa-se agora a definio dos mtodos de coleta dos dados realizados nessa
pesquisa.

3.3.2 Mtodos de coleta de dados

Os mtodos de coleta de dados foram selecionados em adequao ao


problema de pesquisa, ao tipo de pesquisa e a estratgia de pesquisa. A coleta de
dados de uma pesquisa qualitativa deve ser estabelecida numa determinada
fronteira de espao e tempo com o intuito de apreender representaes de
experincias pessoais (CRESWELL, 2010; STAKE, 2010).
O pesquisador qualitativo pode coletar dados de vrias fontes. Dentre elas
tem-se as observaes (participante ou no), as entrevistas (estruturadas ou no),
os documentos (pblicos e privados), os materiais audiovisuais e os artefatos
(CRESWELL, 2010). Nesta pesquisa foi feito uso dos mtodos de observao no
participante, da entrevista semiestruturada e a coleta de documentos pblicos e
privados.
A observao direta, que envolve aquilo que foi visto, ouvido e sentido pelo
pesquisador, foi realizada neste trabalho com o intuito de contextualizar os espaos
das IES privadas e a forma como se d o acesso e o controle desses pelos
docentes. Buscou-se identificar artefatos de vigilncia e controle como cmeras,
catracas de entradas, relgios pontos, a existncia ou no de fiscais nos corredores
e acessos. Da mesma forma, observar como so os espaos de trabalho, que no a
sala de aula propriamente dita, os gabinetes e reas exclusivas dos professores.
Tambm foi realizada observao com o intuito de identificar a conduta de
professores e funcionrios no decorrer do perodo de aulas e ainda, cartazes ou
placas com normas e regras que regulem o funcionamento da IES privada. A
observao tambm serve ao propsito de contextualizar e validar dados obtidos por
outros mtodos (ANGROSINO, 2005).
A entrevista qualitativa no caracterizada pela neutralidade e sim est
inextricavelmente e inevitavelmente determinada politicamente, historicamente e
contextualmente. Ela envolve empatia e capacidade de compreender diferentes
64

perspectivas para obter um relato rico e profundo sobre um evento ou episdio na


vida do entrevistado. A entrevista qualitativa envolve o acesso ao entrevistado, o
entendimento da linguagem e cultura dos entrevistados, a forma de apresentao do
entrevistador, ganhar a confiana do entrevistado, a validao da entrevista em
outro momento pelo entrevistado e a coleta de outras evidencias de suporte ao
material da entrevista. (FONTANA; FREY, 2005).
Foram ento realizadas nove entrevistas semiestruturadas conforme
demonstrado pela seleo dos sujeitos da pesquisa. O acesso inicial se deu atravs
do sujeito que de alguma forma se relaciona com o sindicato dos professores. Este
sujeito ser o informante da pesquisa de campo. O acesso ao entrevistado
representante da administrao da IES privada e ao docente sem vnculo sindical foi
realizado diretamente pelo pesquisador. O roteiro de entrevista (Apndice A, pgina
138) foi realizado em conformidade com as questes de pesquisa que serviram
como balizadoras para a obteno das informaes julgadas necessrias resposta
do problema de pesquisa. Como essa pesquisa se referiu a um trabalho qualitativo
se surgisse necessidade seria includo um nmero maior de sujeitos at a
obteno de um padro de respostas acerca das questes levantadas pelo estudo.
Entretanto, com a realizao das nove entrevistas foi possvel obteno de um
padro de respostas satisfatrio ao objetivo da pesquisa. Foram totalizadas
aproximadamente 128 pginas transcritas resultantes de aproximadamente nove
horas de entrevistas.
Com relao aos dados documentais esses se dividem em documentos
pblicos e documentos privados. Os documentos pblicos foram obtidos atravs das
pginas da IES privadas que visam fundamentalmente a estabelecer de um lado o
contexto da cultura organizacional esposada em termos de valores e moral, e de
outro identificar normas, regras, regulamentos com relao aos docentes e a
atividade docente. Tambm foram coletados documentos do sindicato como
reclamaes, processos ajuizados contra as IES privadas e as publicaes como o
jornal sindical. Os documentos privados foram aqueles fornecidos pelos sujeitos da
pesquisa, como contratos de trabalho, e-mails, notificaes e etc. O total de
documentos avaliados foi de aproximadamente 600 pginas entre contratos, jornais,
paginas promocionais, e-mails e sites de internet.
Como essa pesquisa previu a coleta de dados atravs desses trs mtodos:
observao direta no participante; entrevista face a face semiestruturada; e coleta
65

de documentos pblicos e privados. Foram realizados mtodos de registros


especficos para cada um deles. Na observao foi mantido um dirio de campo
para o registro das atividades e eventos relevantes na procura da resposta ao
problema de pesquisa. As entrevistas no estruturadas e realizadas face a face
foram gravadas e transcritas. Os documentos foram coletados com data de registro
no dirio de campo e catalogados em ordem cronolgica. Adicionalmente, para as
entrevistas foram realizados protocolos adicionais para procedimentos de realizao
e a manuteno de coeso na forma de abordagem (CRESWELL, 2010).

3.3.3 Mtodo de anlise dos dados

A anlise dos dados de uma pesquisa qualitativa envolve a interpretao de


episdios e experincias. Experincias que so baseadas em conhecimentos
pessoais num determinado tempo, espao e contexto social apreendidas na forma
de fragmentos resultantes da aplicao dos mtodos de coleta de dados descritos
na seo anterior. Essa anlise de dados no possui um momento especfico, ela se
realiza na elaborao de sentido desde as primeiras impresses at a compilao
final (STAKE, 1995, 2010).
Essa anlise concomitante a coleta e trata de desenvolver as informaes
fornecidas pelos sujeitos com base em temas ou perspectivas (CRESWELL, 2010).
O pesquisador qualitativo se concentra em colees de instncias categricas que
so agregadas com o intuito de fazer emergir significados relevantes para a soluo
do problema de pesquisa (STAKE, 1995).
Para a realizao dessa anlise qualitativa dos dados o mtodo empregado
foi o da anlise do discurso organizacional. Essa escolha justifica-se pela natureza
do problema de pesquisa e pela prpria composio da teoria escolhida que
privilegia os discursos e a linguagem na constituio das categorias analticas
estudadas. Esse mtodo no possui uma nica forma de realizao, pelo contrrio, a
diversidade de formas e tipos de tal maneira variada em termos de epistemologias
e metodologias que so frequentes os estudos e debates em publicaes nacionais
e internacionais (ALVESSON; KARREMAN, 2011a; 2011b; 2013; FARIA, 2015;
HARDY; GRANT, 2012; HARDY; PHILLIPS, 2004; MUMBY, 2011).
66

Em comum, os estudos tm a compreenso do que seja o termo discurso


organizacional. Discurso organizacional refere-se aqui a todo o conjunto de textos
que so incorporados nas prticas de fala, escrita, representaes visuais e
artefatos culturais que trazem a existncia de toda a materialidade da organizao e
de como esses textos so produzidos, disseminados e consumidos. A anlise do
discurso est, ento, interessada nos efeitos da linguagem que so socialmente
construdas na constituio da organizao propriamente dita (BERGER;
LUCKMANN, 1999; GRANT et al., 2004; PHILLIPS; HARDY, 2002).
A origem da anlise de discurso organizacional est no que se consolidou
chamar de a virada lingustica nas cincias sociais. Essa virada lingustica foi
conceituada nos anos 1930 primeiramente como um enfrentamento fenomenolgico
ao dualismo sujeito/objeto sobre a natureza da subjetividade e sua relao com o
mundo. Passa pela compreenso do uso e significado da linguagem em todas as
esferas do mundo humano. A linguagem no centro da racionalidade humana. Sua
maior contribuio aparece nos estudos organizacionais com abordagens crticas
que buscam revelar os aspectos polticos e histricos das formas e prticas das
organizaes (DEETZ, 2003).
Para uma anlise do discurso organizacional algumas consideraes devem
ser observadas em consequncia do que se acumulou de estudos realizados nessa
rea (DEETZ, 2003). A primeira delas est relacionada ao problema de se
considerar a linguagem como espelho da realidade. Esse espelho, ou seja, a
linguagem no deve ser o objeto de estudo propriamente dito, mas deve-se observar
como os textos por ela carregados emergem das relaes de poder. Segundo, a
posio de um determinado discurso deve ser compreendida dentro de uma relao
de batalha de posies expressas acerca dos significados existentes desse discurso.
Devem-se investigar os processos polticos e sociais de construo e distribuio
desses significados disfarados como processos naturais. Terceiro, a voz de um
texto ou uma formao discursiva no pode ser considerada como uma propriedade
de algum, mas sim como uma conquista formada na interao com outros. Uma
composio discursiva deve ser focada com base nos processos dialgicos da
formao social e no ser assumida como particular e acabada. Quarto, a anlise do
discurso no deve ser de uma perspectiva nica vista a distncia, mas sim como um
desenrolar de momentos na vida e tempo de pessoas e organizaes. O processo
de pesquisa do discurso deve ser generativo e no simplesmente representacional
67

com foco nas interaes sociais e seus desdobramentos no discurso resultante. Por
fim, a anlise do discurso deve-se mover na direo de um entendimento da
estrutura lingustica-social da experincia, na afirmao de uma qualidade dialgica
da existncia (DEETZ, 2003).
Como mencionado anteriormente, o modo como se faz anlise de discurso
nos estudos organizacionais e as formas que tomam tais anlises so
consideravelmente variadas. A contribuio dessas variadas abordagens para o
entendimento das organizaes demonstra que o discurso central para a
construo social da realidade (ALVESSON; KARREMAN, 2000; BERGER;
LUCKMANN, 1999; GRANT et al., 2004; PHILLIPS; HARDY, 2002). Decorrente
dessa centralidade do discurso para a compreenso das organizaes tem-se ainda
algumas questes significantes para a utilizao da anlise do discurso
organizacional. Entre elas destaca-se a negociao dos significados em que
significados dominantes emergem e discursos alternativos so marginalizados e
subvertidos. A intertextualidade, em que a negociao dos significados ocorre num
complexo de relaes e contextos em que os textos so tanto socialmente como
historicamente construdos. Somado a esses dois pontos tem-se ainda a questo da
reflexividade em que a anlise do discurso possibilita a reflexo sobre a natureza
ambgua e construda dos dados a serem analisados e a forma de interagir com
esses dados (GRANT et al., 2004; PHILLIPS; HARDY, 2002).
Segundo Phillips e Oswick (2012), as vrias vertentes e rumos em que a
anlise do discurso se apresenta nos estudos organizacionais foram categorizadas
em diversas maneiras. A forma mais comum, segundo os autores, a classificao
do discurso organizacional pela diferenciao de nvel de anlise. Os nveis de
anlise do discurso seriam aqueles com foco na anlise partindo de um micro nvel,
sendo localizados em episdios na interao direta como uma conversa e a leitura
de um texto e preocupados com o uso direto da linguagem em uma situao
especfica, at aquele macro nvel em que a anlise recai sobre as grandes
narrativas, sobre os grandes arranjos discursivos em forma de perspectivas e
ideologias. Como exemplo sugere que o trabalho de Alvesson e Karreman (2000)
em que as anlises de discursos so divididas em d minsculo, caracterizada por
uma anlise de pequeno alcance e situada em um contexto especfico e a anlise de
discurso com D maisculo, de grande alcance e com perspectiva macro sistmica
de contexto (PHILLIPS; OSWICK, 2012).
68

Os autores propem uma nova categorizao com base no nvel de anlise


e na metodologia, sendo que consideram um inextricavelmente ligado ao outro.
Constitui-se ento que as diferentes formas de anlise de discurso possuem como
nveis o micro nvel, meso nvel, macro nvel e multi nvel. Nessa categorizao os
trabalhos que se utilizariam da anlise de discurso com base em Foucault seriam
centrados no macro nvel. Esse macro nvel fundamenta-se em grande parte na
filosofia, na poltica, na histria e na teoria social, tendo como foco o estudo de
formaes discursivas considerando os aspectos semnticos e abstratos do
discurso. Essa caracterizao consoante com outros crticos da anlise de
discurso Foucaultiana em que essa caracterizada como preocupada em discernir
regras que governam corpos e textos e no preocupadas com uma anlise
especfica de textos e episdios em interaes em tempo real (FAIRCLOUGH, 2001;
PHILLIPS; OSWICK, 2012).
Como alternativa para uma anlise de discurso de multi nvel, como a que
realizada nesta pesquisa, Phillips e Oswick (2012) sugerem que a mais utilizada em
estudos que envolvem questes de relaes de poder a Anlise Crtica do
Discurso. Essa forma empreende a anlise em trs diferentes nveis: (1) o nvel de
texto, que examina a linguagem em uso diretamente; (2) o nvel de prtica
discursiva, que identifica os processos de produo e consumo desses textos; e (3)
o nvel de contexto, que leva em considerao os fatores institucionais que
circundam o evento e como ele forma o discurso. O discurso possui ento trs
dimenses principais: os textos, as prticas e conjuntos de textos que oferecem o
significado ao texto, e o contexto social em que eles ocorrem (FAIRCLOUGH, 2001).
Entretanto, a Anlise Critica do Discurso apresenta em relao anlise de
discurso baseada em Foucault um conjunto de crticas e diferenas epistemolgicas
e metodolgicas que impossibilitam sua direta aplicao num estudo genealgico do
discurso e das relaes sociais de poder. Segundo a Anlise Critica do Discurso a
viso de poder e discurso de Foucault determinstica, sendo que os discursos no
so completamente coesos e desprovidos de tenses, e que por essa razo no so
nunca capazes de determinar completamente a realidade social. Eles seriam sempre
parciais e passveis de serem contestados de alguma forma. Do mesmo modo,
afirma que os sujeitos esto sempre submetidos a diversos discursos e que a tenso
entre mltiplos discursos formaria um espao em que esse mesmo sujeito poderia
atuar e criar novas formas discursivas, numa intertextualidade, e mesmo mover-se
69

entre diversas posies, ou seja, possuir uma agencia na formao discursiva.


(FAIRCLOUGH, 2001; HARDY; PHILLIPS, 2004).
Nesse mesmo sentido, como denotam Chouliaraki e Fairclough (2010), a
Anlise Crtica do Discurso no pode ser aplicada como um mecanismo tcnico de
anlise desvinculada das suas premissas tericas e epistemologia de dialtica
construtivista, em que o discurso e o poder so constitutivos das relaes sociais.
Desse modo, para a Anlise Crtica do Discurso o contexto em que se d o discurso
seria aquele determinado pelas relaes de poder em que um lado a poder
hegemnico do discurso dominante e de outro a resistncia a esse poder pelos
sujeitos. Os objetos gerais dessa anlise seriam a emergncia, a hegemonia, a
recontextualizao e a operao desses discursos verificados atravs de processos
de articulao entre diferentes momentos da realidade social (CHOULIARAKI;
FAIRCLOUGH, 2010).
Nessa pesquisa, ao contrrio do que apresentam Phillips e Oswick (2012) e
a Anlise Crtica do Discurso de Fairclough (2001), a anlise do discurso com base
em Foucault no foi limitada apenas no nvel macro. Conforme demonstrado por
Leclercq-Vandelannoitte (2011) a anlise do discurso com a utilizao da analtica
de Foucault no parte, como a Anlise Crtica do Discurso, da relao dialtica entre
agncia e estrutura, mas sim atravs de relaes entre tecnologias, discurso, poder,
conhecimento, disciplina e sujeitos para um foco articulado em processos polticos
dinmicos, que combinam elementos materiais e simblicos na constituio da
organizao. A diferena uma posio dialgica em que o discurso debatido,
disputado e significado na rede de poder em que esto inseridos os sujeitos, numa
relao entre o que Foucault (1995) considera serem as estratgias e as tticas.
A proximidade e ao mesmo tempo a diferena entre a Anlise Crtica do
Discurso e a anlise do discurso Foucaultiana reconhecida por Hardy e Phillips
(2004) quando apontam que essas duas posies ou so opostas ou descrevem
formas alternativas de resistncia. Essa semelhana, e mesmo diferena, no papel
do poder na produo de textos e formao de discursos est relacionada a
centralidade da relao entre poder e resistncia. Mumby (1997) descreve dois
modelos que predominam nos estudos organizacionais sobre essa relao. O
primeiro que define a resistncia como atos produtivos que redefinem o terreno de
disputa, sendo esse o modelo dominante em que os sujeitos buscam subverter os
discursos dominantes em seu contexto local. E o segundo, como aquele em que a
70

resistncia est implicada na prpria dominao em formas que se definem


mutuamente. Nesse modelo os significados so fixados de forma temporria
enquanto certas interpretaes so sustentadas. Porm, a constante desconexo
entre discursos e significados faz com que surjam definies de mundo alternativas
e competitivas simultaneamente. (MUMBY, 1997). Essa posio, como bem
destacam Hardy e Phillips (2004), muito prxima da de Foucault onde a resistncia
no vista como separada do poder, mas como inerente e mesmo parte dele
(Foucault, 1995, 1999b).
Na anlise do discurso de Foucault, como o prprio destaca no perodo final
de sua obra, o sujeito o grande objetivo do seu trabalho. A constituio ou a
produo desse sujeito ao longo do tempo e em meio s relaes de poder e saber
do discurso a sua volta e a consequente resistncia a ele. A compreenso de como
o sujeito internaliza essas formaes discursivas de poder saber que passam pela
materialidade e efeitos a que est submetido no mbito das suas relaes sociais.
Esse o alvo de uma anlise de discurso com base na analtica de poder de
Foucault (1995).
Partindo dessas premissas a anlise de discurso utilizada nessa pesquisa
uma combinao da anlise proposta por Hardy e Phillips (2004) e Leclercq-
Vandelannoitte (2011) com base na anlise de discurso de Foucault. Essa anlise
multi nvel em que se busca considerar como o discurso molda o poder e como o
poder molda o discurso na capacidade dos sujeitos em produzir e reproduzir textos e
influenciar e serem influenciados pelos discursos ao longo do tempo.
O modelo de anlise de discurso organizacional est dividido basicamente
em dois campos que se relacionam mutuamente: O campo do discurso e o campo
da ao. O campo do discurso (Figura 1) analisa como o discurso produz relaes
de poder e ir constituir o contexto social em que a ao ir se desenrolar. O
discurso aqui compreendido como conjuntos estruturados de textos e prticas de
produo, consumo e transmisso desses textos em um contexto social e histrico.
Os textos no se limitam aos escritos e transcritos verbais, mas a toda uma gama de
expresses simblicas que assumem uma mdia fsica na forma de, entre outros,
artefatos culturais, representaes visuais, construes, arquitetura de espaos,
roupas e etc. O discurso, ao associar conceitos, objetos e posies dos sujeitos a
certos significados, estabelece relaes de poder que, embora mudem ao longo do
71

tempo, em determinado momento so efetivamente fixadas. (HARDY; PHILLIPS,


2004; LECLERCQ-VANDELANNOITTE, 2011).
Os sujeitos agem ento por meio de tticas, propositais ou no, na
produo, transmisso e consumo de textos baseados em discursos (estratgias)
existentes. A produo e consumo (interpretao) desses textos so limitados e
moldados pelos discursos dominantes. nesse sentido que o discurso ir estruturar
e espao social das aes tticas dos sujeitos. Ao estabelecer significados
particulares no conjunto de conceitos, objetos e posies dos sujeitos o discurso
influencia as relaes de poder no sentido de quem pode e quem o exerce. Nesse
espao em que os sujeitos exercem suas tticas e relaes de poder que as
potenciais mudanas do discurso podem ocorrer ao longo do tempo. No campo do
discurso a sua influencia nas relaes de poder so examinadas em um momento
determinado (HARDY; PHILLIPS, 2004; LECLERCQ-VANDELANNOITTE, 2011).

Contexto

Praticas de produo,
transmisso e consumo
de textos

Relaes
Discurso
de poder

Conceitos
Objetos
Posio dos sujeitos

FIGURA 1 A RELAO ENTRE DISCURSO E PODER


FONTE: MODIFICADO PELO AUTOR DE HARDY E PHILLIPS (2004).

No campo da ao (Figura 2) so as relaes de poder que iro influenciar o


discurso. Essa influencia revelada ao longo do tempo, ou seja, na anlise do que
Foucault (1995) afirma ser no a histria do passado, mas a inteno do presente
daquele passado. No mbito da ao, as prticas de produo, transmisso e
consumo adicionam novos textos que podero acarretar mudanas nos conceitos,
72

objetos e posies dos sujeitos que iro implicar mudanas no discurso ao longo do
tempo (HARDY; PHILLIPS, 2004).
A produo e transmisso de textos requerem dos sujeitos determinada
capacidade no desempenho dessas prticas. A produo e transmisso no so
limitadas apenas em disputas de poder sobre os significados dos textos. Para ser
capaz de influenciar o discurso por novos textos, a posio dos sujeitos deve ser
analisada em associao ao poder formal que esse sujeito ocupa no quadro das
relaes sociais da organizao, no acesso a recursos disponveis ao sujeito, nas
redes de relacionamentos e associaes que o sujeito estabelece, e na legitimidade
que o sujeito possui em relao ao discurso, ou seja, no direito a voz dada ao sujeito
em se pronunciar em relao a realidade da organizao (CLEGG, 1989; HARDY;
PHILLIPS, 2004). A relao de mutualidade entre o campo do discurso e o campo
da ao se mostra nos limites da capacidade da posio desse sujeito dentro do
discurso. Sua subjetividade e sua identidade ela prpria em parte construda
dentro desse discurso da organizao (LECLERCQ-VANDELANNOITTE, 2011).

Contexto

Discurso Discurso
Ao
Textos Relaes de Poder Textos
Produo
Praticas de Conceitos Praticas de
Transmisso Novos textos
produo Objetos produo
Consumo
transmisso Posies dos sujeitos transmisso
e consumo e consumo

Tempo

FIGURA 2 A RELAO ENTRE PODER E DISCURSO


FONTE: MODIFICADO PELO AUTOR DE HARDY E PHILLIPS (2004).

Essas formas de poder esto distribudas nas redes de relaes de poder


em que um sujeito no capaz de determinar o discurso, mas sim o conjunto de
sujeitos, nessas variadas posies inter-relacionadas, consegue estabelecer
significados que fazem o discurso dominante. Essa dominao nunca ser uniforme
73

e sem resistncia pela prpria natureza do poder (HARDY; PHILLIPS, 2004;


LECLERCQ-VANDELANNOITTE, 2011). Como afirma Foucault (1998), onde h
poder h resistncia e esse s exercido atravs de redes de relaes.
Com relao aos textos em si, ao seu contedo e substncia esses tambm
no influenciam ou alteram diretamente o discurso vigente. A capacidade de um
texto em atuar como um mecanismo organizador e vincular-se a questes
organizacionais locais e gerais do contexto social depende de quatro atributos: da
intertextualidade, da categoria do texto, do dispositivo textual empregado e do grau
de distanciamento das circunstncias em que foi originado o texto (HARDY;
PHILLIPS, 2004).
A intertextualidade corresponde ao modo como o texto se vincula a outros
textos e discursos. Um texto que evoca outros textos, explicita ou implicitamente, e
que seja baseado em entendimentos e significados geralmente estabelecidos possui
maior chance de influenciar o discurso. A categoria do texto refere-se aos tipos de
comunicao como reunies, anncios, e-mails, seminrios de treinamento, grupos
de redes sociais da organizao e pginas de internet corporativas que podem ser
manipulados atravs de regras de uso e que podem influenciar, maior ou em menor
parte, o discurso quando so corretamente associados ao contexto particular a que
se referem. Os dispositivos textuais exploram os efeitos performticos de texto e fala
das narrativas, estrias, alegorias, retrica, metforas, ironia e humor em ritos,
cerimonias e demais atividades da organizao em que so empregados com o
intuito de moldar determinados significados, persuadir pessoas, legitimar interesses
e reproduzir estruturas sociais. Por fim, o distanciamento do texto de sua origem
est relacionado com a formao de um arcabouo organizacional em que o texto
perde seu produtor original e passa a ser adotado como prprio do discurso da
organizao. Essas diferentes caractersticas que os textos podem assumir
contribuem para que sejam palatveis e atraentes a diferentes tipos de
consumidores no mbito do discurso (HARDY; PHILLIPS, 2004).
Os textos devem ser consumidos para que seus significados e
interpretaes possam ser estabelecidos. Toda forma de linguagem estabelecida
pelo discurso dominante envolve constantes disputas entre produtores e
consumidores na reproduo e produo dos significados. Esses significados no
so pr-definidos, mesmo por produtores com enorme capacidade de exercer poder
nas relaes sociais e textos com grande apelo. A interpretao de um texto um
74

processo de construo social negociado dentro do mbito das relaes sociais com
permanente espao para resistncia das leituras dominantes atravs de atos
discursivos que promovam significados alternativos (HARDY; PHILLIPS, 2004).
A linguagem, como preconiza Foucault (1999c) no apenas um sistema de
representaes com o poder de destrinchar e reconstituir outras representaes,
mas sim um sistema de linguagem em que a realidade estabelecida em suas
razes pelas aes, pelos estados dos sujeitos e fundamentalmente pelas vontades
desses sujeitos. A linguagem ento um meio de poder e de controle social
(FOUCAULT, 1999b; 1999c).
A anlise do discurso foi realizada ento seguindo esse mtodo.
Primeiramente a anlise do campo do discurso, com a definio dos seus conceitos,
objetos e posies dos sujeitos. Essa anlise no seguiu uma descrio de todos
esses elementos, mas sim foi guiada pelas evidencias daquilo que se destacou do
material emprico, daquilo que os sujeitos interpretaram como relevante quando se
fala em ensino superior privado. Desse modo, a anlise do campo do discurso foi
agrupada em quatro tpicos onde foram articulados os conceitos, objetos e posies
do sujeito nesse discurso.
No campo da ao a lgica seguida foi semelhante. Quando se trata das
aes sobre o discurso em termos de produo, transmisso e consumo de textos
foram priorizados os momentos que os sujeitos participam nessas aes. A iniciao
na carreira docente como momento de consumo e transmisso de textos at a
efetiva vivencia na profisso de professor, dirigente ou sindicalista em que essas
aes podem ser complementadas com a produo e alteraes do discurso. Em
ambos campos de anlise o objeto da anlise foi o da linguagem referente ao ensino
superior privado presente nos textos desse discurso.

3.3.4 Validade, confiabilidade e limites da pesquisa

A validade e a confiabilidade de uma pesquisa, seja ela qualitativa ou


quantitativa, passa pela verificao da qualidade das evidncias. A qualidade das
evidncias de importncia para a razo, entendimento, elaborao de prioridades
e escolhas quanto as aes da pesquisa. Uma forma de assegurar a qualidade das
75

evidncias na pesquisa qualitativa e, consequentemente, a validade e a


confiabilidade a triangulao (STAKE, 1995; 2010).
A triangulao envolve checar a evidncia, envolve reconhecer a diferena
entre percepes dos sujeitos da pesquisa, do prprio pesquisador e entre as
prprias fontes de dados. O reconhecimento dessa diferena leva a coleta de
informaes adicionais para checar ou expandir a interpretao sobre a questo ou
a evidncia em anlise. Informaes adicionais fornecem bases para a reviso das
interpretaes. Essas informaes adicionais podem ser obtidas por meio dos
protocolos de triangulao. A triangulao das fontes de dados, a triangulao entre
investigadores, a triangulao terica e a triangulao metodolgica. O objetivo
desses protocolos est mais em identificar perspectivas adicionais do que a
confirmao de um significado nico (FLICK, 2002; STAKE, 1995; 2010).
Essa pesquisa adotou a triangulao das fontes de dados para checar a
qualidade das evidncias. Foi adotada essa tcnica como um processo de uso de
percepes mltiplas entre os sujeitos da pesquisa para clarear significados e
verificar a repetio de uma observao ou intepretao. Verificar o encadeamento
das evidncias para aumentar a validade dos construtos e a confiabilidade do estudo
(STAKE, 2005).
Tambm foram adotadas outras estratgias de validade alm da
triangulao. A primeira delas est relacionada a estrutura conceitual do trabalho.
Nesse sentido, o pesquisador delimitou o estudo no intuito de utilizar conceitos que
fossem combinados dentro do escopo do problema de pesquisa e que no fossem
conflitantes em correntes tericas dispares em interesses de pesquisa e adequao
metodolgica.
Da mesma forma, outra estratgia de validao para o aumento da
confiabilidade o alinhamento metodolgico do estudo. O problema de pesquisa e o
objetivo da pesquisa so desdobrados em objetivos especficos que por sua vez so
vinculados a questes de pesquisa que, uma vez respondidas, delinearam a prpria
resposta ao problema de pesquisa. Sendo que a estratgia de pesquisa e os
mtodos adotados no fossem conflitantes e encontrassem correspondncia e
respaldo em trabalhos de natureza semelhante.
A pesquisa teve como estratgia de validao o foco progressivo. Essa
progressividade foi construda com a apresentao de evidncias no sentido de
elaborar um entendimento do fenmeno de modo gradual atravs de uma descrio
76

rica e densa. Uma descrio que possibilite a criao de um ambiente de discusso


para a realizao de uma experincia partilhada e substituta (CRESWELL, 2010;
STAKE, 2010).
Embora sejam adotadas as estratgias de validao para assegurar a
confiabilidade do estudo h que se reconhecerem os limites dessas tcnicas, bem
como o limite dos procedimentos metodolgicos que por sua vez iro restar no
prprio limite dessa pesquisa realizada. A pesquisa qualitativa tem sua realizao
num ambiente de campo em contexto natural de ocorrncia do fenmeno. Sendo
assim, o pesquisador como instrumento primrio da realizao desse tipo de
trabalho limitado em sua percepo dos acontecimentos e no tempo da realizao
do estudo. A observao, por mais rigorosa que seja, no capaz de apreender ou
mesmo representar a totalidade dos acontecimentos que envolvem o objeto de
estudo. As entrevistas se realizam em um corte temporal e carregam os vieses do
momento da realizao e interpretaes de um momento especfico. O tempo de
realizao dessa pesquisa restringe o leque de mtodos de coleta de dados
disponveis ao pesquisador, como por exemplo a utilizao de uma pesquisa
etnogrfica.
Da mesma forma, as manifestaes do poder disciplinar na forma de
controles e da vigilncia bem como sua inter-relao com elementos da cultura
organizacional, como as normas e valores da conduta profissional e pessoal dos
professores em IES privadas, envolvem uma vasta gama de atividades e relaes
sociais com motivaes diversas e arraigadas em prticas sociais que se perpetuam
e se reproduzem num desenvolvimento no linear do tempo que no podero ser
integralmente representadas nessa pesquisa. O que ser apresentado um retrato
de um fenmeno que s poder ser generalizvel numa inferncia da experincia
dos casos na prpria experincia que o leitor ter do resultado desse estudo.
A seguir apresentado no Quadro 1 um resumo dos aspectos
metodolgicos da pesquisa.

ASPECTOS METODOLGICOS CLASSIFICAO


CONCEPO EPISTEMOLGICA INTERPRETATIVISTA CRTICA
ABORDAGEM QUALITATIVA
AMBIENTE PESQUISA DE CAMPO
TEMPO CORTE TRANSVERSAL COM APROXIMAO LONGITUDINAL
DELINEAMENTO DA PESQUISA ESTUDO DE CASO INSTRUMENTAL MLTIPLO
OBSERVAO NO PARTICIPANTE, ENTREVISTAS SEMI-
FONTE E COLETA DE DADOS ESTRUTURADAS, DOCUMENTOS
ANALISE DE DADOS ANALISE DE DISCURSO ORGANIZACIONAL
77

QUADRO 1 ASPECTOS METODOLGICOS DA PESQUISA


FONTE: ELABORADO PELO AUTOR.
78

4 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS

Em consonncia com o estabelecido nas sees anteriores a anlise e


discusso dos resultados ser realizada em trs partes: a primeira compreende uma
breve descrio dos casos, das organizaes e dos sujeitos e materiais secundrios
estudados nessa pesquisa; a segunda ir tratar do contexto do fenmeno e do
problema da pesquisa, de quais so as condies estabelecidas nesse espao
social, da sua estrutura e elementos que influenciam a forma como as interpretaes
dos sujeitos e textos do discurso so fixadas momentaneamente na realidade social
do fenmeno; a terceira parte ser dedicada s aes e interpretaes dos sujeitos
em relao ao poder disciplinar manifesto em elementos culturais das organizaes
estudadas e de que forma esses elementos so diferenciados ou homogeneizados,
adotados e resistidos atravs dos casos e do tempo por meio da caracterstica de
aproximao longitudinal do estudo.

4.1 DESCRIO DOS CASOS E SUJEITOS

Das IES privadas estudadas duas so classificadas como centros


universitrios e uma como universidade. A diferena entre uma classificao e outra
est basicamente em dois itens. O centro universitrio deve possuir um quinto dos
seus professores em regime de contrato em tempo integral enquanto a universidade
deve possuir um tero em contrato de tempo integral. Para a IES ser classificada
como universidade necessrio ainda que possua ao menos quatro programas de
ps-graduao strictu sensu, sendo um deles programa de doutorado. Como
caracterstica comum exigido que tanto o centro universitrio quanto a
universidade possuam um tero do corpo docente com titulao de mestrado ou
doutorado.
A fim de no identificar as organizaes objetos do estudo, basta registrar,
sem a preciso exata das dimenses de cada IES, que todas elas possuem mais de
trs mil alunos em cursos de graduao presenciais e mais de cem docentes
atuando em seus quadros. So IES que possuem mais de dez anos de atuao no
79

mercado de ensino superior privado e foram selecionadas pelo critrio estabelecido


na metodologia, que foi o indicado pela direo sindical quanto a serem instituies
que so percebidas como as que mais exercem controles disciplinares sobre os
docentes.
Dos docentes entrevistados um possui o nvel de especialista, cinco a
titulao de mestre, um de mestre e fazendo o programa de doutorado e dois
doutores. As reas de atuao nos cursos de graduao so de humanas, jurdica,
biolgicas, da sade, das reas de sociais aplicadas e comunicao social. Como
mencionado anteriormente nos procedimentos metodolgicos foram selecionados
trs professores de cada IES sendo um deles ocupante de um cargo de direo na
IES, um como representante do sindicato dos professores do ensino superior privado
e um professor que no tivesse nem o vnculo com a direo e nem com o sindicato.
Desse modo, as IES privadas foram categorizadas como IES1, IES2 e IES3.
Sendo que os sujeitos da pesquisa foram classificados em IES1A, IES2A e IES3A
para aqueles que exercem algum cargo de direo (coordenao de curso, diretor
de curso ou de ensino e pr-reitores) na organizao, IES1B, IES2B e IES3B para
aqueles que so os representantes sindicais dentro da instituio e IES1C, IES2C e
IES3C para aquele grupo de professores que no pertencem nem direo nem ao
sindicato.
Conforme critrio estabelecido na metodologia, os sujeitos da pesquisa
deveriam possuir ao menos cinco anos de experincia na docncia do ensino
superior em instituies privadas. No decorrer da pesquisa verificou-se que a maioria
dos docentes j havia lecionado em diversas outras IES privadas. Em IES privadas
menores e at mesmo entre as IES desse estudo. Alm disso, observa-se que vrios
deles passaram em algum momento da carreira pela experincia de coordenao de
curso.
Alm dessa caracterizao dos sujeitos e casos, foi adotado como critrio, a
fim de manter o anonimato tanto dos sujeitos quanto das IES privadas, alteraes
pontuais nas transcries das falas dos sujeitos e transcries dos materiais
secundrios reproduzidos na anlise. Essas alteraes no alteram de forma alguma
o sentido originrio do texto. Trata-se de substituies dos nomes dos cursos por
graduao ou do nome das IES por outras referncias. Na prxima seo ser
abordado o contexto scio-cultural do ensino superior privado. A seguir
apresentado um quadro sntese das IES e dos sujeitos.
80

IES E SUJEITOS CATEGORIAS


IES1 UNIVERSIDADE
IES2 CENTRO UNIVERSITRIO
IES3 CENTRO UNIVERSITRIO
IES1A, IES2A, IES3A SUJEITOS VINCULADOS DIREO DA IES
IES1B, IES2B, IES3B SUJEITOS VINCULADOS AO SINDICATO
IES1C, IES2C, IES3C SUJEITOS SEM OS VINCULOS ANTERIORES

QUADRO 2 SNTESE DAS IES E DOS SUJEITOS DA PESQUISA


FONTE: ELABORADO PELO AUTOR.

4.2 O CONTEXTO SCIO-CULTURAL DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO

Por contexto do ensino superior privado entende-se o discurso do ensino


superior privado. Aquilo que define seus conceitos, objetos e posies dos sujeitos.
Na constituio desse discurso e dessa prpria realidade social das IES privadas,
busca-se compreender aquilo que Foucault (1995, 1999b, 2001, 2004, 2008c) define
como formaes discursivas. Essas formaes so conjuntos de conhecimentos
sistematizados que formam o objeto daquilo que se fala, no caso o ensino superior
privado, e como se constituram de forma social, histrica, lingustica, tcnica e
organizacionalmente as prticas e regras compreendidas no seu mbito. No
desenvolvimento desse contexto as evidncias apontaram para quatro fatores
preponderantes: a influncia do estado e do governo por meio das polticas pblicas
para o setor das IES privadas; para as relaes contratuais e trabalhistas dos
professores nas IES privadas; para o mercado de atuao das IES privadas; e por
aspectos sociais e tecnolgicos com influencia sobre as IES privadas. A seguir cada
um desses itens ser analisado.

4.2.1 Polticas Pblicas para as IES Privadas

Ao se falar em ensino superior privado, no mbito dessa pesquisa, se faz


necessrio estabelecer algumas relaes conceituais e interaes entre objetos e
posies dos sujeitos j mencionadas na seo que tratou do trabalho docente nas
81

IES privadas. A primeira delas est relacionada a influncia das polticas pblicas
voltadas para a educao e especialmente ao segmento do ensino superior privado.
Conforme mencionado anteriormente, as mudanas no ensino superior brasileiro,
advindas da Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB n9.394 de 1996) e do
Decreto 2306 de 19 de agosto de 1997, permitiram pela primeira vez que empresas
com fins lucrativos passassem a atuar no segmento de ensino superior.
Essas mudanas acarretaram diversas consequncias como, a busca
constante por reduo de custos e seu principal componente, o salrio e nmero de
professores, o aumento do nmero de alunos e turmas, o aumento dos gastos com
publicidade e propaganda para se destacar entre os concorrentes, o aumento de
esforos no sentido de dirimir e retornar investimentos em infraestrutura de salas,
bibliotecas e laboratrios entre outros (ALCADIPANI, 2011; BOSI. 2007; FREITAS,
2007b, 2007d, 2011; NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2015; SAMPAIO, 2011). Essas
alteraes e o seus reflexos na atividade docente dos casos pesquisados sero
explorados detalhadamente na sequencia dessa anlise.
O que se ressalta aqui a interdependncia entre o que ocorre na esfera
governamental desse discurso da educao superior, ou esse contexto social, e
influencia o modo como os sujeitos iro interagir nele. Como exemplo disso temos as
polticas infra legais aplicadas pelo Ministrio da Educao (MEC) com relao
edio de normas e portarias que as IES privadas devem se submeter e que mudam
de acordo com o governante da hora. Nas palavras do entrevistado dirigente da
IES2 quando questionado acerca do contexto do ensino privado pode-se contatar
essa percepo:

Voc faz essa pergunta at semana passada ou essa pergunta voc faz a
partir de Temer. Voc tem que fazer essa diviso porque voc vinha de um
modelo de estado forte extremamente regulador. Voc tem uma discusso
na iniciativa privada de que havia uma ingerncia do estado no ensino
superior. Voc tinha uma super-gerncia do Estado, porque ele
extremamente regulador, estado socialista extremamente regulador, ao
ponto de lhe dizer exatamente tudo o que eu devo fazer e no deixar
margem praquilo que prev a Constituio Brasileira sobre a autonomia
universitria. (ENTREVISTADO IES2A).

Como pano de fundo desse discurso tm-se outros discursos associados a


discursos polticos, econmicos entre liberalismo econmico e estado de bem-estar
social, que devem ser reconhecidos como presentes no mbito da pesquisa. Ainda,
ressalta-se que essa percepo da interveno vista de forma oposta por outro
82

entrevistado pertencente ao sindicato dos professores. Na sua avaliao a


interveno exercida de forma precria e insuficiente:

que o MEC no funciona. Teoricamente se o MEC fiscalizasse ele ia exigir


um piso, ter um banco de denncias, se essas denncias fossem
precedentes o MEC ia encerrar cursos, se o MEC apertasse isso resolveria,
mas essas instituies tm representantes na poltica que se articulam
politicamente com deputados, com governadores, com senadores, com
ministros, que so candidatos e que tem interesses e so donos de
instituies. Ento h uma articulao nacional justamente para manter
essa parcimnia, esse carter abenoador do MEC, esse carter de passar
a mo na cabea em cima das instituies. (ENTREVISTADO IES2B).

O antagonismo das interpretaes da ao governamental sobre a realidade


advm obviamente das formas de apreenso dos conceitos, objetos e da posio
dos sujeitos em relao ao discurso. Nem todas as polticas pblicas ou aes
governamentais enquanto conceitos e objetos do discurso iro acentuar
divergncias nessas posies. Aes institucionais que foram criadas como
suplementares da permisso para a operao de IES privadas com fins lucrativos
forneceram todo um arcabouo de incentivos para a entrada de grande nmero de
alunos na graduao superior e so vistas como positivas pela totalidade dos
sujeitos entrevistados. Os principais programas de governo nessa rea foram o
Fundo de Financiamento Estudantil (FIES - Lei n 10.260, de 12 de julho de 2001) e
o Programa Universidade para Todos (PROUNI - Lei n 11.096, de 13 de janeiro de
2005).
Ainda que positivos na interpretao dos professores, esses programas
tambm so criticados por suas consequncias tanto na sala de aula quanto pelas
distores que criam no mercado das IES privadas. Eles permitiram que em
condies em que o Estado dispusesse de grandes dotaes oramentrias o
nmero de beneficiados fosse ampliado aumentando o nmero de alunos nas IES
privadas. Entretanto, recentemente se observa uma situao de desequilbrio
oramentrio em que a reduo da oferta nesses instrumentos afeta diretamente as
IES que dependem dessa fonte de recursos para se manterem.

A gente tem os apoios federais que so bem importantes. Hoje a nossa


instituio tem um grande percentual de quase 40% de alunos provenientes
de FIES e PROUNI. Ento esse incentivo algo que precisa ser mantido d
uma segurana em termos de governo em ao governamental.
(ENTREVISTADO IES3A).
83

Essas aes no passam desapercebidas por outros gestores quando


avaliam o impacto na concorrncia e no mercado das IES privadas.

H 4 anos atrs voc criou o FIES como mecanismo de acesso ao ensino


superior universal e todo mundo tinha FIES, hoje voc tem uma populao
de endividados de FIES que no consegue se colocar no mercado de
trabalho e que tem que pagar o FIES. Esse um fenmeno. Outro
fenmeno que o dinheiro acabou porque no tem recurso e quem t
sofrendo com isso, so os grandes grupos educacionais que usaram o FIES
como forma de crescimento, se alavancaram em cima do FIES. No Paran
voc tem instituies que tinham uma mdia de 300 alunos antes do FIES e
depois no Fies tem quase 3 mil alunos num ciclo de dois anos e meio. A o
que que aconteceu o estado ficou responsvel pela instituio privada e os
alunos nessa situao passam a pertencer ao estado na instituio privada.
(ENTREVISTADO IES2A).

Outra questo que advm dos programas de financiamento aos estudantes


e que acarretam alteraes no contexto de operao das IES privadas e
principalmente da atividade docente a composio da sala de aula em termos de
diversidade. Diversidade de origens, de renda, bem como da variabilidade de perfis
de alunos. Essa diversidade tambm notada quanto ao preparo do aluno e sua
disposio frente a graduao.

Um dado positivo foi a entrada dos alunos de cotas isso foi em 2007, FIES
e PROUNI, que traz dois grupos sociais diferentes, um mais em relao
questo da etnia da cor tal e outro tambm mais em relao a origem do
aluno, aluno de escola pblica e aqueles que podiam financiar pelo FIES. E
a faculdade ficou mais plural, a faculdade que era muito homognea, muito
branca, classe mdia, pais liberais, comerciantes ou empresrios, a
faculdade ficou mais plural... o outro debate sobre as cotas e obviamente
havia professores que no eram a favor das cotas no primeiro momento,
depois perceberam que esses alunos eram muito bons, perceberam que
muitos deles eram muito melhores que a maioria dos nossos alunos.
(ENTREVISTADO IES1B).

Em outra interpretao de um dos sujeitos entrevistados observado o


oposto:
Na instituio eu percebi que teve uma queda, o incentivo do governo para
que os alunos entrassem em sala de aula foi maravilhoso, mas trouxe todo
tipo de aluno, at aquele que no tem condio de fazer. Ento assim, eu
sou super a favor das polticas de incluso em sala de aula, super a favor
das polticas de governo para incluso dos alunos, mas trouxe isso junto,
esses alunos que no tem a menor condio de estar em sala de aula,
menor condio. (ENTREVISTADO IES3C).

Antes de tratar de outro ponto de relevncia nas interaes dos elementos


do discurso do ensino superior privado faz-se necessrio uma ressalva quanto a
84

questo do discurso e do contexto. No se pretende aqui pormenorizar todas as


relaes e interaes existentes nesse contexto e nesse discurso. O que abordado
nessa primeira parte da anlise do contexto so aqueles elementos que se
mostraram recorrentes no material coletado para a pesquisa. Foram os textos que se
mostraram mais relevantes para os sujeitos imbudos no discurso das IES privadas.

4.2.2 Relaes Trabalhistas nas IES Privadas

Alm das influncias das polticas pblicas no contexto e discurso do ensino


superior privado, o segundo elemento presente como conceito a relao
trabalhista nas IES privadas. Os pormenores da relao de trabalho do docente em
si sero tratados na seo que ir avaliar os casos da pesquisa em suas
especificidades. Nesse tpico sero abordadas as relaes trabalhistas que,
enquanto conceito e em seus objetos e posies dos sujeitos, esto presentes e so
influentes na realidade de todas as IES privadas. Estas relaes, esto tambm elas
ligadas s polticas pblicas mas que possuem peculiaridades que as distinguem na
influncia da realidade. Por exemplo, o plano de cargos e salrios instrumento
obrigatrio para centros universitrios e universidades por meio de regulao do
MEC, ou seja, da especificao da forma de contrato de trabalho por meio de uma
poltica pblica infra legal. O que difere aqui so normas gerais para as relaes
trabalhistas entre empresas e funcionrios.
Como empresas mercantis as IES privadas contratam seus funcionrios, e
nestes esto includos os professores, na forma estabelecida em Lei. No Brasil o
regramento legal consubstanciado na Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT).
Para a finalidade dessa pesquisa basta estabelecer que para a atividade docente em
IES privadas o documento que ir delinear as relaes trabalhistas entre os
docentes e as instituies a conveno coletiva de trabalho. Essa conveno
assinada entre o sindicato dos professores do ensino superior e o sindicato
representante das IES privadas.
Esse acordo coletivo ir estabelecer as condies de trabalho em termos de
piso salarial, reajustes, formas de contratao e resciso de contrato de trabalho,
horas extras e horas atividades, cursos de capacitao, prazos para cumprimento
85

atividades, mudanas nas atividades ou disciplinas, elaborao de obras


intelectuais, transferncias de turmas, faltas e outras tantas questes afeitas ao
trabalho docente. Esses elementos da relao trabalhista entre docentes e
instituies no se esgotam de forma alguma nesse instrumento. Ele apenas fornece
as condies mnimas, que so pactuadas entre os representantes desses grupos,
para que o trabalho do professor de ensino superior seja realizado no mbito das
IES privadas.
Nesse ponto o discurso estabelece posies dos sujeitos bem definidas e
antagnicas. O discurso como influenciador das relaes de poder estabelece de um
lado os docentes representados pelo sindicato dos professores e de outro as IES
privadas representadas pelo seu prprio sindicato empresarial. Ao mesmo tempo em
que essas posies na rede de relaes de poder so opostas elas no so
rigidamente definidas. O que se quer dizer com isso que h dirigentes de IES
privadas que, como professores, reconhecem muitas das demandas sindicais e
mesmo representantes sindicais que reconhecem as dificuldades mercadolgicas
enfrentadas pelas IES privadas. Entretanto, como no poderia deixar de ser as
disputas esto presentes e bem ativas no discurso.
Em uma publicao sindical a gesto de IES privadas e o prprio modelo de
negcio abertamente criticado:

E uma vez restringidos os valores repassados pelo governo federal, um


pouco para coibir abusos e um pouco por pura incria governamental,
perderam (as IES privadas) completamente a capacidade de gesto dos
seus negcios, apostando no arrocho salarial dos seus professores como
canto da sereia para a sua sobrevivncia e para permanente multiplicao
dos seus sempre polpudos lucros. (SINPES, 2015).

Alm disso, outro representante sindical comenta sobre o aumento da


dificuldade das negociaes sobre as convenes coletivas, sobre o ajuizamento de
aes junto a justia do trabalho e da prpria mudana na forma de atuao dessa
justia e a influncia exercida pelas IES privadas nos resultados das aes.

A justia do trabalho de uns anos pra c se tornou uma Justia bastante


conservadora, que tem dado ganho de causa para os patres. Ento aquela
perspectiva in dubio pro misero, in dubio pro trabalhador tem terminado, as
aes coletivas no tem sido exitosas, porque os juzes, as aes muito
grandes demandam um grande trabalho dos juzes e eles arquivam por
algum detalhe de propositura pra no ter que analisar o mrito. Ento, eu
vejo que mesmo que na Justia Trabalhista, o dissdio, no vai mais pra
justia do trabalho ento voc tem que ajuizar, uma complicao ento
86

acabou o dissdio, acabaram com o dissdio, era uma coisa que enchia
muito o saco dos juzes, ento eles por preguia, por terem muito trabalho
no esto fazendo isso, ento o que acontece, a vlvula de escape pra tudo
isso era a justia do trabalho e a justia do trabalho est se tornando
altamente liberal nesse sentido, flexibilizadora, faz parte de uma articulao
nacional com essas confederaes das IES que se articulam politicamente
dentro do MEC e na super estrutura do poder judicirio. (ENTREVISTADO
IES2B)

Como pano de fundo dessa relao de trabalho h o antigo conceito de


autonomia de ctedra que hoje substitudo pelo moderno conceito de liberdade de
ensino e aprendizagem. Esse conceito ou princpio est presente na prpria
Constituio Federal em seu art. 206 onde estabelece que o ensino ser ministrado
com o princpio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber. Entretanto, esse princpio parece no se adaptar a
lgica do mercado e lucro a que esto sujeitas as IES privadas e essa no
adaptao ou acoplagem por assim dizer traz impactos diretos na realidade do
docente. Conforme denota um dos entrevistados:

Essas instituies corroem cada vez mais o salrio dos professores a ponto
de no termos um piso salarial, a ponto de salrios de pessoal
administrativo de ter um reajuste maior que o dos professores, a ponto de
as mensalidades serem reajustadas com discurso de que o salrio dos
professores que compe o custo puxa o valor das mensalidades ento eles
dizem, olha vamos aumentar a mensalidade em 16% porque o salrio dos
professores compem o nosso custo e a eles vo negociar o salrio dos
professores e do 7% ou 8%depois de um ano de discusso... Ento na
verdade um pacto gigantesco pela mediocridade, em que o professor o
mais oprimido e o professor ele entra nesse circuito, porque ele d uma aula
medocre, se conforma, no vai ao sindicato porque se ele for ele vai ser
despedido, d os contedos medocres, d aulas em vrias instituies,
achatado e virou um tarifeiro, um proletrio, uma pessoa que ganha R$ 20 e
pouco por hora aula enquanto na casa dele ele paga uma visita do
encanador de um cara de informtica R$150, R$ 200 ento a auto-estima
do professor esmagada. (ENTREVISTADO IES2B)

A atuao nesse mercado como um negcio o terceiro elemento que se


destaca desse contexto. E como no poderia deixar de ser est imbrincado na
mesma realidade s vezes se misturando entre o que da esfera do trabalho
docente para o que da esfera do ramo do negcio da IES privada.

4.2.3 O Mercado das IES Privadas


87

Um elemento presente no discurso do ensino superior privado a questo


do mercado de atuao das IES privadas. Longe de se pretender realizar uma
anlise mercadolgica das condies do mercado do ensino superior privada, o que
se pretende aqui demonstrar como esse contexto percebido pelos docentes nas
diversas posies que ocupam em relao a esse discurso e na rede de relaes de
poder estabelecidas.
Como mencionado por um dos entrevistados e refletindo um posicionamento
generalizvel h no ensino superior privado um grande mercado a ser explorado. O
nmero de potenciais alunos para o ensino superior e o crescimento do mercado so
os fiadores dessa percepo. O Plano Nacional da Educao (PNE) prev uma meta
para 2020 de 50% de matrculas no nvel superior sobre a populao na faixa etria
adequada a esse nvel. O que equivale ao dobro dos 7,8 milhes de alunos
matriculados em 2014 segundo dados do ltimo censo da educao superior
(TEIXEIRA, 2015). De outro lado, o crescimento passado desse mercado foi em
mdia de 7,3% de aumento ao ano entre 2004 e 2014 no nmero de alunos
matriculados.
Conforme mencionado anteriormente, o nmero de docentes em IES
privadas representa pouco mais da metade do total de docentes no ensino superior
(56,53%). Entretanto, o nmero de graduados em IES privadas representa 79,14%
do total, ou seja, menos professores, nas IES privadas, formam mais alunos no
ensino superior. Essa informao encontra respaldo nas interpretaes dos
professores acerca do que o ensino superior privado no Brasil.

Eu vou te dizer que uma coisa meio geral assim dos meus colegas, a
educao ela no existe mais, ela uma mercadoria. Eu tenho e eu vendo
ela pra voc. Quer dizer eu vendo ela pra IES a IES me paga e eu passo
pra voc. Porque uma mercadoria assim , aqui , ta aqui , essa garrafa
tem um bico laranjado ponto final no se discute mais isso, isso. Ela um
bem, ela no uma condio, no conhecimento, no verdade, no
cincia, no mais isso. um diploma e o salrio. Isso triste porque voc
entra em sala de aula cheio de ideologia, mas chega um tempo que voc se
torna mais pragmtico. Eu no sei falar pelos meus colegas, mas eu tento
tirar um pouco que tem que ser feito e tem que ter um plano que esse plano
tem que ser apresentado no primeiro dia e aula tem que ser seguido
literalmente risca, isso mata, isso me mata. (ENTREVISTADO IES3C).

De outro modo, esse negcio em que se transformou o ensino superior


privado no percebido sem contradies e incompatibilidades com a atividade
88

docente e com o ensino e aprendizagem. Em manifestaes dos entrevistados e em


materiais secundrios avaliados observa-se um constante questionamento acerca
dos rumos da educao superior. Da situao em que se encontra no Brasil, do
modelo de negcio das IES privadas e das alternativas e problemas existentes em
outros lugares do mundo.
A percepo dos professores a de que a atividade lucrativa incompatvel
com o ensino superior. Na viso de grande parte dos entrevistados os proprietrios
no esto dispostos a investir em infraestrutura, bibliotecas, laboratrios e
modernizao de instalaes e equipamentos em detrimento da lucratividade, da
distribuio de lucros e do ganho patrimonial dos donos dessas IES privadas.
O modelo de negcio adotado pelas IES privadas estudadas em parte
visto como responsvel por grande parte dos problemas enfrentados em termos de
corte de custos, manuteno de baixos salrios e alta rotatividade de professores.
Ao mesmo tempo que dependem de uma nica fonte de receita em forma de
mensalidade, o mercado na forma de alunos no aceita incrementos num valor de
mensalidade considerado j alto para os parmetros da economia brasileira. No
mercado de trabalho tambm se destaca que as carreiras na esfera pblica
remuneram melhor os docentes que as IES privadas, dessa forma, a atrao e a
prpria manuteno de bons professores mais competitiva.

A instituio aqui mais de 60% das sadas so de folha de pagamento.


Ento voc percebe um desafio do mdio e longo prazo de conseguir
manter o equilbrio econmico-financeiro, parece que remunera pouco os
profissionais, mas por outro lado no consegue remunerar mais porque j
est no limite da remunerao enquanto instituio, e as instituies
brasileiras ainda so focadas muitos em nica fonte de receitas a
mensalidade, a no paga a conta, a conta no fecha e no vai ter como
remunerar bem o professor e cobrar uma mensalidade que seja competitiva
e no s competitiva, por exemplo nosso curso nas boas escolas j est a
mais de R$ 1000,00, um valor considerado maior que salrio mnimo.... no
sistema brasileiro atual no tem muita expectativa de conseguir fazer uma
carreira, de criar carreiras boas de professores em instituio de ensino
superior privadas. (ENTREVISTADO IES3B).

A dificuldade desse modelo baseado em receitas advindas exclusivamente


de mensalidades no passou despercebido por dirigentes e professores.
evidenciado que j esto em curso aes das IES privadas no intudo de buscar
alternativas para essa dificuldade. Como no poderia deixar de ser o nus desse
esforo adicional mais uma vez descarregado sobre o professor. Ele passa no s
89

a ser o responsvel pelo ensino em sala de aula, mas tambm em ser um


angariador de receitas e promotor comercial da instituio. No relato de um dos
entrevistados, se pode notar que em uma instituio menor em que havia trabalhado
anteriormente isso j ocorria devido a problemas financeiros da IES privada. Quando
o sujeito muda para uma das IES pesquisadas a situao l no era essa, mas com
o decorrer do tempo se tornou a mesma, ou seja, a responsabilidade de financiar o
prprio trabalho amplia-se da esfera da direo para o prprio docente.

Eu iniciei na IES anterior num momento em que havia atraso salrio, havia
reduo de turma, havia reduo no sentido de quantidade de alunos em
turmas enfim, havia uma necessidade de economizar e tal, mas que isso
ficava na esfera que pertencia isso, que era de quem cuidava do financeiro
a partir de um momento isso veio para o coordenador, e logo depois para o
professor, de que maneira? O coordenador tem que achar um jeito de atrair
alunos e o professor tem que achar um jeito no s de manter alunos.
Nessa IES anterior eu peguei a fase de vocs tem que vender produtos pra
fora, vocs tem que trazer dinheiro para o curso. A gente vendeu um
vdeo na poca por R$16.000,00 e eu cheguei pra entregar o cheque pra
ela (financeira da IES) e aproveitei e pedi pra depositar o meu fundo de
garantia que tambm era R$ 16.000,00 e ela acabou depositando, assim,
mas no minha competncia, nunca foi vender e l comeou em 2006
talvez da gente ter que achar forma de vender coisas para atrair dinheiro de
verdade para o curso ou seja forma de financiar o prprio curso pro
trabalho, quando eu sai dessa IES e fui pra essa IES que estou hoje ela no
estava assim ainda, ento em 2010/2011 a IES no se preocupava com
isso, 2012/2013 a IES atual tambm comeou a eu pensei, j vi esse filme.
Comeou a trazer para o coordenador a coisa de trazer o dinheiro, foi
quando eles criaram o centro de custo e o professor e o coordenador para
os professores hoje a gente vive isso e eu e agora uma outra professora
desde o ano passado tambm somos as pessoas que conseguimos trazer
dinheiro para o curso. (ENTREVISTADO IES1C).

Alm dessa posio de angariador de recursos, tem-se tambm a posio


de promotor do curso. Alm das avaliaes dos cursos de graduao realizadas pelo
MEC, o mercado de IES privadas est sujeito constantemente a avaliaes de
qualidade dos cursos por outras fontes. Essas avaliaes so aquelas realizadas por
publicaes de revistas e jornais especializados ou no na rea de ensino superior.
Alm dessas avaliaes por entidades no oficiais, existe tambm a competio por
premiaes e concursos afeitos aos cursos de graduaes, por exemplo
competies em disputas de projetos . Nesse sentido que o docente passa a exercer
uma posio de promotor da instituio e do curso, num sentido mais estrito no de
vendedor da IES e do seu produto ensino superior privado. O professor passa a
90

estimular alunos para que participem de concursos e competies universitrias nas


reas afins a sua atuao como docente.
Ao mencionar uma grande IES privada da rea de abrangncia dessa
pesquisa, um sujeito da pesquisa afirma observar uma mudana em relao a
participao dessa IES frente a sua IES nas competies afeitas a graduao de
sua atuao profissional. Nas palavras do entrevistado a sua IES passa a enfrentar
essa nova frente de concorrncia.

E est acontecendo uma coisa bem interessante, eu vi a IES (fora do


estudo) entrando nisso e no via nos ltimos anos. Se a gente fosse pensar
na IES nos ltimos 3 anos, nem se preocupava muito em participar de
concursos no curso de graduao. Agora a IES vai pra tudo quanto
concurso e comeou a divulgar prmios. Ento l tem uma lista, porque ns
somos os melhores cursos porque ns ganhamos prmios. A nossa IES
ganhou prmio a vida inteira ganhamos prmios e esse ano no ganhou
tantos prmios quanto a outra IES. Primeira vez na vida, a a IES divulga
que somos a melhor porque ganhamos prmios, porque temos isto, porque
temos isso e isso, e eu vejo assim t uma disputa acirradssima, pelo aluno
pela mensalidade, pelo cliente de fato, e uma necessidade de reduzir
custos. (ENTREVISTADO IES1C).

Alm dos aspectos relacionados ao mercado de atuao das IES privadas,


outro componente ainda ir influenciar o discurso do ensino superior privado. So os
aspectos relacionados com as mudanas sociais e tecnolgicas que tem influncia
direta sobre a forma de atuao do docente e sua relao com alunos e IES
privadas. Esse o quarto e ltimo item de anlise desse contexto.

4.2.4 Aspectos Sociais e Tecnolgicos das IES Privadas

Aspectos sociais aqui referem-se a mudanas ocorridas ao longo do tempo


nas formas das relaes sociais e de poder no ambiente acadmico do ensino
superior privado. J mencionamos aqui a relativa equivalncia da relao trabalhista
entre professores de IES pblicas e privadas no passado (SAMPAIO, 2011). Nessa
relao entre docentes e dirigentes de IES privadas, os sujeitos percebem que
houve uma mudana tal que hoje a situao de um professor em uma IES privada
diametralmente oposta de um professor em uma IES pblica. To diferente que
alguns dos entrevistados consideram mesmo que a carreira docente, atualmente,
91

apenas possvel em IES pblicas. Sendo que o trabalho em uma IES privada
apenas algo temporrio e complementar.
O aspecto social mais destacado pelos sujeitos est relacionado a
mudanas no comportamento e mesmo na forma de tratamento dos alunos. Na
relao de poder estabelecida entre aluno e professor. Exemplos dessas mudanas
esto na disciplina dos alunos, na disposio para o aprendizado dos alunos e na
prpria relao docente-discente. Nas IES privadas pode-se adicionar a esse
componente social o tratamento do aluno como um consumidor ou cliente. Esse
aspecto da cultura geral de consumismo transplantado diretamente para a sala de
aula.
Um dos entrevistados cita um caso ocorrido com um colega professor em
uma das IES desse estudo em que compara a situao com a situao de quando
ele prprio era um aluno. Nesse ocorrido por assim dizer fica demonstrado tanto o
aspecto da mudana da relao docente discente em termos disciplinares e de
poder, e mesmo do respeito com o professor, quanto a mudana nessa relao
comercial da IES privada com seu cliente aluno e seu professor prestador de
servio.

No comeo, eu estava no segundo ano fiquei aterrorizado porque eu vi um


aluno desrespeitar um professor do curso alegando que ele tinha ficado
para exame final. Pelo que eu soube dos relatos dentro da sala dos
professores, o que acontecia na sala de aula imediatamente se espalhava
na sala dos professores, e esse aluno teria olhado, j tinha sido meu aluno,
pssimo aluno, e ele teria afirmado ao professor o seguinte: eu no sei por
que voc insiste em me deixar de exame final, porque ele tentou negociar o
exame final, ns no podemos fazer outra prova no podemos fazer outro
trabalho no tinha como, porque as notas eram jogadas no sistema e no
tem como modificar, no tem como abrir o TCC no sistema, como que eu
corrijo o sistema de algum, no mnimo suspeito. Voc estava beneficiando
algum de alguma maneira, tambm tem isso, pra retificar o sistema teria
que falar com o coordenador. E ele quando percebeu que no ia conseguir
nada ele olhou para o professor e falou o que eu ganho de mesada do meu
pai voc no ganha dando aula aqui aquilo foi uma coisa dura para o corpo
docente naquele momento. Por que era uma coisa, eu estudei na federal fiz
uma graduao na federal, voc veja eu fiz outra graduao numa IES
privada nos anos 80, ningum falaria isso para um professor, ningum, mas
ningum, por mais que tivesse dinheiro ia chegar para um professor e falar
isso. Ento a gente na realidade estava ali diante de uma realidade que a
partir dali voc alm de se solidarizar com aquele professor, ele acabou
saindo, pediu demisso. (ENTREVISTADO IES1B)

Exemplos de indisciplina e mesmo falta de respeito na relao entre docente


e discente so recorrentes nos relatos dos entrevistados. Em outro caso, uma
92

professora entrevistada menciona um episdio em que um aluno a ofendeu de forma


explcita em frente aos demais alunos dentro da sala de aula. Nesse ocorrido
menciona que o caso foi de certa forma bem trabalhado pela coordenao e que
com o desenrolar das aes do coordenador o atrito foi resolvido de forma
satisfatria para a professora. Segundo ela, o aluno se desculpou perante a turma e
a relao foi normalizada dentro do possvel.
Esses no so, de forma alguma, casos isolados. Em outro relato sobre a
relao docente dirigentes, um dos entrevistados menciona um ocorrido em uma IES
privada que havia lecionado no passado, e que no objeto desse estudo, em que
ao final de cada semestre era reunida uma comisso dos professores e
coordenadores do curso com o proprietrio da IES privada. Nessas comisses eram
avaliadas questes como a aprovao de alunos que tinham reprovado apenas em
uma disciplina, pelo simples fato de serem alunos que pagavam as mensalidades
em dia. Por essa razo o professor que havia reprovado o aluno deveria rever a nota
e fornecer alternativas para que o aluno-cliente ficasse satisfeito com o curso e com
a IES privada sendo mantido na graduao.
A IES privada para o professor no apenas o espao da sala de aula para
o exerccio da docncia, , fundamentalmente, um espao de trabalho. Como em
outros espaos de trabalho, o ambiente da IES privada tambm esta sujeito a
ocorrncias de desvios da relao estritamente profissional em que relaes de
poder podem ser desviadas para casos de abuso de poder e autoridade. Um
acontecimento mencionado por uma professora entrevistada est relacionado a um
episdio desses de abuso de poder. A IES privada foi uma experincia anterior da
entrevistada em que ela havia iniciado a carreira na docncia. Nesse episdio ela
afirmou que sofreu assdio sexual do coordenador do curso em que lecionava. Alm
do trauma que a professora carrega pelo acontecido, teve sua carreira interrompida
por ser despedida pelo prprio agressor. Situao que no foi levada a denncia
porque a entrevistada por ser nova e iniciante na carreira teve medo de levar a
questo adiante. Diferenas de gnero nas relaes de poder tambm fazem parte
do contexto das IES privadas.
Os aspectos sociais tambm se imiscuem com os aspectos tecnolgicos no
contexto das IES privadas. Com o desenvolvimento da tecnologia e uso em massa
de celulares e equipamentos eletrnicos essas mudanas no passaram
desapercebidas pela sala de aula. H, atualmente, um constante embate entre aluno
93

e professor, ou de outra forma, uma disputa pela ateno do aluno entre o professor
e o celular e as redes sociais. Em uma palestra esse pesquisador ouviu no discurso
do reitor de uma IES que o professor tem que oferecer uma aula to boa que faa o
aluno perder o interesse no celular e prestar a ateno na aula. Como a plateia era
composta em sua grande maioria por alunos o reitor foi aplaudido pelo discurso.
Entretanto, essa disputa acarreta mais um nus ao professor. A atividade de
docncia deve ser complementada com atividades performticas e de
entretenimento para atrair a ateno do aluno, para motivar o aluno, como se essa
fosse mais uma obrigao do professor. A esse respeito um dos entrevistados faz
uma avaliao pessoal sobre esse aspecto.

Eu concordo quando dizem que a pedagogia est evoluindo, que ns temos


novas metodologias, que ns temos novas tecnologias para voc usar, s
que isso no tem jamais que substituir o interesse. Nunca uma nova
metodologia ou uma nova mdia ou seja l uma aula de quadro negro com
giz, uma aula em Power Point, uma vai superar a outra se no tiver
interesse. Eu vejo que muitos alunos principalmente das turmas iniciais eles
demonstram desinteresse talvez por no saberem o que querem ainda da
vida... isso leva algumas vezes a questo da indisciplina, leva o aluno por
no ter interesse, ele acha que todo mundo no tem interesse e que ele
pode ser indisciplinado. Ento eu vejo nesse ponto a uma coisa que me
deixa sempre pra baixo que me deixa extremamente desgostoso, e quando
eu vou assistir uma palestra de grandes pedagogos com todo respeito
pessoa que ps-doutorado, doutor pesquisador da rea, com todo
respeito ao conhecimento dele, mas as pessoas dizem o professor tem que
motivar, tem que motivar o aluno. Eu entendo que uma aula tem que ser
boa, agora o aluno tem que ter essa motivao, e a motivao no ela
que boa, a motivao ele saber que aquilo ali vai ser usado na vida em
determinado momento. (ENTREVISTADO IES1A).

Com respeito aos aspectos tecnolgicos propriamente ditos, uma mudana


significativa notada pelos sujeitos ao longo do tempo no contexto da IES privada, e
da atuao do docente, o Ensino Distncia (EAD). Os discursos relacionados a
esse tpico so carregados de emoes e contraditrios quanto a posio dos
sujeitos nas relaes de poder. Para uns o EAD apenas uma forma das IES
privadas aumentarem os lucros e diminurem os custos com os professores
enquanto vendem um produto educacional padronizado e mimetizado. O lucro de
uma operao em EAD frente ao ensino presencial tradicional maior. Uma aula
que gravada e remunerada a um professor pode ser reproduzida inmeras vezes
para milhares de alunos. Esses cursos em EAD tambm so realizados com apoio
de tutores que na grande maioria das vezes so professores contratados com
94

remunerao menor em posies que no a de docente propriamente dito. A


respeito disso um entrevistado ilustra a questo

E o grande negcio o ensino a distncia que menos comprometido


ainda, uma fbrica de certificados. Tem contato com professor, mas so
fracas n, so fracas, so semipresenciais, na verdade no o professor
o tutor. Em algumas instituies eles so tratados como secretrios. Na IES
tal por exemplo transformou professores que tinham doutorado em
funcionrios celetistas secretrios. Contratam o professor como secretrio
ou secretria para atuar dentro do EAD ... tambm h uma reduo de
muitas turmas porque o ensino a distncia tem reduzido. Ento se um curso
por exemplo agora pedagogia na IES tal estva l R$800,00, R$ 900,00,
pedagogia EAD em outra IES privada estava R$ 190,00, da os alunos
saram, pediram transferncia, fazem readaptao do curso e de R$900,00
eles vo pra R$180,00. A diferena eles fazem mercado, vo passear, vo
viajar, compram cigarro, vo pra balada, tem uma vida um pouquinho
melhor na concepo deles, e isso a t acabando com as IES. Uma grande
tendncia o ensino virar tudo a distncia e a qualidade ficar uma
qualidade apostilada. (ENTREVISTADO IES2B).

De outro lado, o EAD tambm visto positivamente. No que ele seja visto
como uma soluo para substituir a graduao tradicional e assim aumentar os
lucros das IES privadas, mas como uma alternativa real ao aprendizado para
aqueles alunos que no possuem o acesso ao modo tradicional do ensino superior.
Um exemplo desse acesso oferecido na histria pessoal de um dos entrevistados.

Eu penso da seguinte forma tem pblico para todos. Se eu contar pra voc
que o meu estudo para fazer o meu primeiro concurso pesado que foi o
Banco do Estado que tinha uma concorrncia muito forte, l em 1985, eu
no tinha internet, eu no tinha dinheiro pra comprar apostila, o meu pai me
pagou um curso que foi feito, o pagamento e o recebimento do material pelo
correio, ento recebi livros e cursos pelo correio, aquele famoso Instituto
Universal Brasileiro. Eu recebi os livros pelo correio, eu estudei com base
naqueles livros, e aquilo l era um embrio do ensino a distncia. Eu lembro
da minha juventude quando eu morava no interior, s vezes eu ia dormir
cedo porque minha me gostava de assistir novela e eu no gostava muito
de novela. Eu ia dormir cedo e levava um rdio pra escutar, e tinha um
programa do governo federal na poca do regime militar chamado Projeto
Minerva. Era como se fossem aulas dadas pelo rdio. Ento muitos dos
assuntos que no dia seguinte eu tinha com o professor, na noite anterior eu
escutava no Projeto Minerva. Eu aprendia. Ento, quando eu chegava na
sala de aula o professor dizia algo e pensava, eu sei o que esse cara t
falando porque ontem eu escutei no rdio, escutei no rdio n. Ento eu
vejo que o ensino a distncia importante, que ele tem pblico pra isso, que
voc no pode de repente entender que uma cidade que est l no meio do
Amazonas de repente vai ter toda estrutura como tem uma cidade como
So Paulo Rio de Janeiro e Curitiba e esse cara ele vai ter ento, ele tem as
oportunidades atravs do ensino distncia, e o ensino a distncia ele se
profissionalizou, ele deixou de ser uma alternativa pra quem no queria
rigidez de horrio e passou a ser uma alternativa para quem tem o perfil e
gosta de estudar e fazer um estudo independente. Ento, cada vez mais
essas pessoas vo migrar para o ensino a distncia. Ento tem pblico pra
95

tudo, ento eu acredito nisso. Agora veja acredito no ensino a distncia e


acredito no ensino presencial. (ENTREVISTADO IES1A).

Novamente, refora-se aqui que, ao se falar em contexto do ensino superior


privado ou em discurso do ensino superior privado, no iria ser realizado um
apanhado de todos os aspectos que envolvem essa questo. O que buscou-se foi
traar um panorama do contexto em que os sujeitos e as IES privadas deste estudo
esto imersas e, que de certa forma, determinam num certo momento as suas
relaes sociais, de poder, de posio dentro do discurso, dos significados
momentaneamente estveis sobre os conceitos e objetos do discurso e prpria
realidade que ele constitui. Esse panorama foi definido a partir das evidencias que
se mostraram mais relevantes na interpretao da realidade dos prprios sujeitos da
pesquisa e do prprio pesquisador. Na seo seguinte sero abordados os aspectos
relacionados a questo da pesquisa propriamente dita e voltadas diretamente a
realidade prxima dos sujeitos e dos casos estudados.

4.3 AS MANIFESTAES DO PODER DISCIPLINAR NA CULTURA


ORGANIZACIONAL

Ao tratar alguns elementos da cultura organizacional como uma forma de


manifestao do poder disciplinar, realizada em forma de construes discursivas,
no se deixou de abordar questes especficas de cada IES. Entretanto, sero
destacados aqueles elementos que, de certa forma, so comuns a todas elas e que
iro, alm do espao e tempo circunscrito pela IES, permear a carreira docente no
setor privado.
O primeiro aspecto a ser analisado o contato do sujeito com a cultura
organizacional da IES e com a carreira de docente nesse ambiente. Esse contato de
certa forma j implica em mecanismos prprios do poder disciplinar como a
vigilncia hierrquica; a sano normalizadora; e o exame, na forma definida nessa
pesquisa (FOUCAULT, 2004). A forma de ingresso e escolha da carreira de docente
do ensino superior privado, o modo de seleo e acesso a outras IES anteriores e as
IES privadas deste estudo sero abordados no item de inicio.
96

Na sequncia sero abordados os aspectos do exerccio da profisso de


professor nessas IES privadas, dos elementos da cultura organizacional que so
articulados atravs da linguagem, da textualidade, da representao, do discurso e
do simblico formando um senso de direo para os indivduos do que certo ou
errado (FREITAS, 1997). Esses elementos da cultura organizacional sero
articulados ao poder disciplinar na forma de mecanismos de controle, de vigilncia,
da normalizao e do exame a que esto submetidos os sujeitos da pesquisa. Esse
poder disciplinar, conforme ser demonstrado, no apenas aquele exercido pela
direo da IES privada, mas sim aquele adquirido em meio a cultura organizacional
e que, embora no aparente e opressor, servem a interesses especficos presentes,
na produo, transmisso e consumo de textos desse discurso do ensino superior
privado (ENGELSTAD, 2009).
Por fim, a anlise ir tratar das expectativas dos sujeitos com relao ao
futuro da sua carreira, ao futuro do ensino superior no mbito das IES privadas. De
como os textos representativos dos elementos da cultura organizacional, em forma
de mecanismos do poder disciplinar, so produzidos, transmitidos, consumidos e
resistidos no que esperam tornar o discurso futuro do ensino superior nas IES
privadas.

4.3.1 O Poder Disciplinar na Iniciao ao Ensino Superior Privado

A maior parte dos sujeitos desta pesquisa teve contato com a docncia no
ensino superior j na sua formao. Quando da realizao da formao em nvel de
mestrado e doutorado, os sujeitos j participaram de atividades de docncia como
estgio ou de outras formas de monitoria e mesmo substituio de professores em
IES privadas menores.
As relaes que so estabelecidas nesse perodo de formao, e tambm
em relaes profissionais estabelecidas fora do mbito acadmico propriamente dito,
so na maioria dos casos o determinante para que um professor seja indicado para
uma vaga aberta em uma IES privada, segundo os depoimentos. Tambm nesse
momento que os sujeitos tomam contato com os valores e crenas a cerca da
profisso de docente do ensino superior. Nesses valores e crenas incluem-se
97

aquela viso do professor acadmico como detentor da autonomia de ensino e


pesquisa. Daquele atributo referido anteriormente como a liberdade de ctedra, em
que o professor de ensino superior exerce o ensino e a pesquisa em relativa
liberdade de pensamento e ao. Esse mesmo um atributo da cultura da carreira
que, na interpretao dos sujeitos, exerce influencia considervel na escolha da
docncia como profisso. Os professores entrevistados tambm na maioria das
vezes trazem na memria histrias de bons professores que tiveram no passado e
os inspiraram a seguir a carreira ou lecionar da forma como lecionam. A ao do
poder disciplinar sobre os elementos culturais se manifesta nessa fase em sua forma
indireta, ou seja, atravs da persuaso e convencimento sobre um conhecimento e
conjunto de crenas dos sujeitos em relao ao ensino superior privado e da
concepo de como esse ensino superior deve ser em termos de normas, valores,
preferencias pessoais e lealdades polticas (ENGELSTAD, 2009).
Ainda na etapa de formao, os professores iro tomar contato com
questes que sero relevantes para a entrada na carreira como professores em IES
privadas. nesse perodo que aprendem a desenvolver publicaes cientficas, a
conhecer peridicos e a participar de congressos e eventos na sua respectiva rea
de formao. Um dos artefatos dessa cultura acadmica de destaque para a carreira
do professor a Plataforma Lattes2. Nessa Plataforma o professor ir manter seu
registro pessoal de todas as aes profissionais realizadas. Sua formao, sua
experincia profissional e sua produo cientfica. Essa plataforma o padro
adotado por toda a comunidade do ensino superior brasileira na manuteno e
avaliao de currculos dos docentes, sendo ela prpria uma norma disciplinar para
o sujeito ser aceito nessa profisso. Saber o que se espera dele em termos de
construir uma trajetria profissional sempre atualizada e com resultados
comprovados. Essa forma direta dos efeitos do poder disciplinar sobre elementos
culturais materializados em discursos, promessas, ameaas, no enunciado de
proibies, ordens e pedidos (ENGELSTAD, 2009).
Alguns dos entrevistados relataram a participao profissional durante o
perodo de formao como um fator auxiliar na promoo da sua carreira. A natureza
dessas atividades variada incluindo tutorias em cursos de EAD, participao com
professores em projetos de consultoria, elaborao de materiais como apostilas e

2
http://lattes.cnpq.br/
98

apresentaes para treinamentos, auxilio na elaborao de projetos pedaggicos de


cursos e na prpria criao do curso no mbito de algumas IES privadas, entre
tantas outras atividades exercidas quando se ainda no um professor e est em
processo de formao e construo da carreira acadmica. Outros professores
relataram que no passaram por isto, em alguns casos os professores so aqueles
que atuavam no mercado da profisso e no possuam uma carreira acadmica
propriamente dita. Um dos sujeitos um profissional que at pouco tempo era
desconhecido no ensino superior, que o j mencionado consultor em educao
(SAMPAIO, 2011). O destaque aqui que a forma de contato ou acesso do
profissional com o ensino superior privado diversa, no constituindo um padro ou
uma forma nica normalizada para esse acesso. A formao acadmica com
titulao de mestrado e doutorado uma exigncia que vem tomando corpo em
diversas reas de atuao, mas que at bem pouco tempo atrs no era uma
condio para se tornar um professor no ensino superior privado.
Independente da forma ou do modo que tenha sido o contato, uma vez que
tenha tomado conhecimento de uma oportunidade na docncia de ensino superior
privado, seja por meio de indicao de outros professores ou por qualquer outro
meio de informao utilizado pela IES para a divulgao do procedimento de
recrutamento, o pretendente a posio de professor ir adentrar ao processo de
seleo da IES privada para a vaga em questo. Sobre esse processo esclarece um
dirigente sobre sua forma de ocorrncia:

Esse momento de contratao. Hoje na instituio a gente tem todo o


modelo e um sistema de contratao que vai avaliar basicamente trs
elementos: primeiro elemento focado no Lattes, que titulao do professor
toda a sua experincia mais focado na aderncia dele a disciplina ou as
disciplinas que ele vai assumir; uma segunda avaliao tambm uma
avaliao pautada no Lattes e todos os comprovantes apresentados em que
o professor vai ser analisado quanto aos cursos que ele fez, cursos de
extenso, cursos de aperfeioamento, suas publicaes nos ltimos anos e
todo seu desenvolvimento enquanto docente. Ento, esses dois itens so
avaliados com base no Lattes e com base em documentos apresentados
pelo candidato e uma outra avaliao de banca que a prova didtica em
si, so 10 itens em anlise durante o processo. Esses dois elementos geram
um indicador, esse indicador vai variar de 0 a 1 com pesos distintos para
banca e para titulaes. Ento voc vai gerando indicadores dos candidatos
como voc tem mais de um candidato assume a vaga aquele que ficar com
o indicador melhor. Se voc tem 3, dos 3 o que obter o indicador final maior,
com pesos diferentes para cada um desses itens, aquele que tiver o melhor
indicador assume a vaga uma vez que a vaga esteja disponvel.
(ENTREVISTADO IES2A).
99

A experincia profissional, ou experincia de mercado como relatada,


considerado um fator de diferenciao entre IES pblicas e privadas na
interpretao de alguns dos sujeitos. Essa diferenciao se deve ao fato de que as
prprias IES propagam em seus textos oficiais e promocionais uma sintonia com o
mercado na busca de atrair o aluno cliente. A cultura organizacional ento um
campo de disputa onde a viso dominante das IES privadas apoiada por meio de
estrias, reivindicaes e discursos no intuito de fazer essa vinculao com o
mercado ser a viso dominante desse espao e suplantar posies e discursos
diferentes como os puramente acadmicos (HATCH; CUNLIFFE, 2006). Essa
diferenciao reflete-se no processo de seleo de docentes.

Network essencial pra voc, claro que sim estamos falando de


universidades privadas... claro que voc tem que ter da tambm a
formao, e nas bancas e se voc no tem didtica voc dana, ento voc
tem que tambm ter uma desenvoltura ter um domnio do conhecimento
para o qual voc est sendo avaliado, trabalho voc est sendo avaliado,
acho que tem outra coisa que tambm conta, que no meu caso aqui na IES
contou bastante tambm, era a minha experincia de mercado, ter
trabalhado, ter feito as coisas na prtica. L eu sei que contou muito. Se
fosse fazer numa instituio pblica valeriam os pontinhos no currculo se
voc tivesse tudo explicadinho dizendo que voc fez trabalho naquele lugar,
as Produes tcnicas no Lattes, mas l tem um peso muito maior. O
mercado, ter trabalhado. Ento na verdade eu acredito que pra voc ser
professor em instituies privadas: indicao; conhecimento do mercado,
experincia de mercado. Voc tem que ter as duas coisas e claro que a
desenvoltura se o domnio do conhecimento, nesse sentido que voc vai
competir da. (ENTREVISTADO IES2C).

Desse processo de seleo e escolha dos professores para as IES privadas


e de como se inicia a carreira docente pode ser observado como alguns elementos
da cultura organizacional das IES privadas e do prprio setor de ensino privado
utilizado para moldar uma srie de mecanismos do poder disciplinar. Nenhuma IES
privada desse estudo contrataria um professor sem um currculo na Plataforma
Lattes. Por mais bvio que parea essa uma norma muito clara para todos os
professores. O tempo despendido para o preparado e manuteno da atualizao
dessa plataforma e de todas as atividades que o docente ir desenvolver
claramente orientado para o enriquecimento desse artefato. As aes dos sujeitos
na tentativa de adentrar a uma IES privadas so desde sua etapa de formao
orientadas para a construo de um currculo normalizado para a atuao
profissional numa IES privada. Essas relaes entre normas, exigncias, prticas e
discursos que permeiam as IES e a carreira acadmica, so apresentadas
100

reiteradamente e acabam por serem internalizadas pelo sujeito sem a conscincia


de seu propsito original. Apenas seu efeito final aparente (CALAS; SMIRCICH,
1999).
J foi estabelecido anteriormente que o exame uma tecnologia das
cincias humanas e um mecanismo do poder disciplinar (FOUCAULT, 2004). A
seleo de professores para adentrar a uma IES privada ao mesmo tempo um
exame e um rito. Um rito de passagem em que um membro passa a ser aceito
dentro daquela comunidade, ou no caso, um membro dessa cultura organizacional.
A primeira fase de um processo de exame, conforme estabelecido anteriormente, a
fase da vigilncia. Das diversas formas de vigilncia, a realizada na seleo dos
docentes em IES privadas inicialmente a da manuteno de registro do sujeito,
mediante arquivos constantemente atualizada. A diferena fundamental nesta
etapa da seleo que o agente da vigilncia na manuteno do registro o prprio
sujeito. O sujeito deve ser o agente da vigilncia do seu registro/currculo para se
submeter ao processo de exame na seleo.
Na manuteno do seu registro o futuro professor da IES privada deve ser
vigilante em relao a norma, deve estar atendo a sano normalizadora a que ser
submetido. Para tanto deve constantemente buscar o ajuste a essa norma. A norma
vigente nas IES privadas a de que seu Lattes deve conter uma boa formao, uma
boa gama de publicaes recentes em peridicos com boa classificao e
experincia profissional e docente em outras IES ou no perodo de formao.
Para a IES privada em especial h o componente da experincia de
mercado. Esse como dito anteriormente um valor propagado pelas IES que refora
uma crena nos professores e alunos de que o profissional advindo do mercado o
mais indicado para ensinar aqueles que querem adentrar esse mercado. Como
complemento tem-se que os contatos estabelecidos nessas atividades profissionais
so determinantes para uma futura contratao ou indicao. Passada a fase de
exame do professor e se esse est devidamente adequado a norma esperada pela
instituio o prximo passo para a sua seleo a banca.
Na banca, outro rito dessa cultura acadmica presente em todas as culturas
organizacionais das IES estudadas, os agentes da vigilncia passam a ser os
representantes da IES privada. Nesse processo de vigilncia chamado banca, nada
mais que um exame, o sujeito candidato a professor ser posto a avaliao,
submetido ao juzo e estabelecimento da verdade pelos detentores do conhecimento
101

da norma, daquilo que melhor para a IES privada, daquilo que se espera de um
professor. Nesse processo de demonstrao de fora e poder o sujeito ser
objetivado, diferenciado, medido, comparado para enfim ser excludo ou
normalizado.
Aqui tambm h uma auto avaliao e uma auto vigilncia por parte do
sujeito. Tambm ele prprio sabe em certa medida o que se espera dele e qual foi o
seu desempenho na representao da futura atuao como professor. Como foi sua
atuao na banca e qual foi o resultado de sua prova didtica. Uma professora
entrevistada demonstra essa percepo em dois momentos em que foi avaliada em
sua carreira.

Eu estava procurando emprego mesmo, tava me recolocando porque eu


estava num trabalho temporrio. E a ela falou assim, vai l fazer a banca. E
eu fiz uma banca dando aula para 3 professores e uma dessas professoras
era coordenadora do curso, e eu gostei da aula, adorei, gostei daquele
momento, gostei de como foi minha aula, gostei do que eu levei, gostei das
perguntas que fizeram, ento foi uma banca boa. Sai de l feliz da vida,
terminou a banca a coordenadora j disse voc a terceira que a gente
avalia mas j fechamos e voc vai ser a contratada e j vai amanh fazer tal
coisa, e depois tal coisa, e acabei entrando em sala de aula com 30 horas
em sala de aula... [em outro momento]... uma amiga minha me ligou
falando, olha o fulano saiu, a professora de tal matria assumiu o lugar dele
e voc vai l fazer o teste. Da fui, fiz, no foi uma aula to boa quando foi a
minha primeira, nem sabia se eu ia ser selecionada porque eu no gostei
muito da energia, foi bem por que j dava aula muitos anos e no tinha
muito como, mas enfim, a fui chamada. (ENTREVISTADO IES1C).

Uma vez realizada a banca e aprovado no exame, o professor passa a ser


um membro daquela IES privada e ir desempenhar as funes que dele so
esperadas. Antes de efetivamente iniciar seu trabalho, ou s vezes concomitante a
ele, as IES privadas deste estudo optam pela realizao de algumas atividades de
ambientao como estabelecido em seus discursos. Esses cursos visam a
demonstrar ao novo membro quais so as regras bsicas que governam a sua ao
dentro da instituio em termos disciplinares e comportamentais. Funcionam como
um roteiro elementar de procedimentos e normas que o professor deve seguir para
que realize seu trabalho em conformidade ao que dele esperado pela IES privada.
Ainda nesses cursos so demonstradas prticas didticas aceitas pela IES, ou seja,
as formas em que o professor pode ensinar e transmitir o contedo. A disciplina que
ele ir lecionar tambm j est elaborada em termos de contedo programtico,
sequncia e roteiro. J nesse momento nota-se que a tal liberdade de ensino
102

realizada num estreito segmento de ao. Como ser demonstrado adiante, mesmo
a autonomia de distribuir as notas entre trabalhos e provas j no compete mais ao
docente. Nessa ambientao so ainda explicados os mecanismos de
funcionamento do dirio de classe e do ponto do professor e de como ir funcionar o
sistema de avaliao do professor. Assim, o professor recm chegado a IES privada
est, de forma elementar, disciplinado para poder iniciar seu trabalho fundamental
de lecionar.
Uma passagem mencionada por uma entrevistada ainda menciona um rito
de passagem adicional aos novos professores de uma das IES deste estudo. No
incio do ano letivo realizada uma aula magna com a presena de todos os
professores e os novos alunos. Nessa aula magna, em determinado momento
requerido dos novos professores que se levantem e fiquem visveis aos demais
colegas e novos alunos para que saibam que eles tambm so recm chegados a
instituio. Segundo a entrevistada esse foi um momento constrangedor na sua
chegada a IES. Na sequncia sero analisados os elementos da cultura
organizacional como instrumentos do poder disciplinar na vivncia dos docentes em
IES privadas.

4.3.2 O Poder Disciplinar na Vivncia do Ensino Superior Privado

A crena principal percebida pelos sujeitos da pesquisa a de que a


profisso de professor em uma IES privada no propriamente uma carreira e sim
uma atividade temporria, um bico, na palavra de alguns dos entrevistados. Uma
entrevistada resume em uma frase: Professor e garom so os bicos do brasileiro
(ENTREVISTADA IES2C). Claro que alguns deles tambm reconhecem que h
professores que conseguem atingir boas posies dentro das IES privadas, em
posies melhores nos planos de cargos e salrios. Entretanto, claramente
percebem que isso s possvel para uma pequena minoria e que a maioria se
encontra em uma situao precria e instvel.

Esse mercado extremamente corrodo, e na verdade h uma alta


rotatividade, ento no h atrativo por causa desses dois elementos: alta
103

rotatividade. e a corroso salarial. Ento, na verdade se transformou num


bico dar aula em instituio privada. (ENTREVISTADO IES2B).

Mas por outro lado tem muito professor que continua sendo horista, ento
no tem um equilbrio de fato de todo mundo ter uma carreira de professor
como foco principal. Quando as instituies escolhem remunerar os
professores por hora indiretamente elas escolhem que a funo de
professor seja o bico. O salrio o outro trabalho e o professor a renda
extra, e quando o professor bico a qualidade do ensino, da formao e do
desenvolvimento dele fica comprometida. No sistema atual de faculdade,
com pouco espao para produo e disseminao do conhecimento, sem
outros mecanismos, sem pesquisa inovadora para indstria, sem consultoria
como uma espcie de extenso, sem outras atividades para o professor,
no se financia alm do professor horista, e a maioria fez essa escolha.
Mesmo as grandes que so universidades esto indo pra essa direo, ou
menos mantendo segmentos separados de professores, para alguns
professores com dedicao exclusiva e muitos horistas. Por isso ento isso
eu vejo sem muita expectativa de melhora nesse modelo. (ENTERVISTADO
IES3B).

Essa crena, de que a carreira de professor em uma IES privada apenas


uma atividade temporria sem perspectiva de desenvolvimento ao longo da vida
profissional, produzida em forma de discurso com fundamento na experincia de
todos os sujeitos entrevistados frente s frequentes substituies, demisses e alta
rotatividade de professores dentro das IES privadas.
Conforme estabelecido anteriormente, a influncia do poder pblico sobre as
IES privadas preponderante em termos de alterar seu modo de funcionamento e
as relaes entre direo, professores e alunos. Em particular tem-se que
demandado das IES privadas a existncia de um plano de carreira para os docentes.
Esse plano de carreira docente seria uma forma de assegurar a clareza e
uniformidade de contratos de trabalho e a perspectiva de desenvolvimento e
capacitao dos professores ao longo da sua vida funcional. No entanto, as IES
privadas se utilizam desse plano como uma ferramenta para a substituio e
diminuio de custos com o salrio dos professores.
Uma prtica comum nas IES privadas deste estudo est na constante
alterao do plano de carreira. Professores mas antigos em planos de carreira mais
velhos so melhor remunerados do que professores novos em planos novos. A
diferena no valor de hora aula de um professor novo para um professor mais velho
em outro plano de cargos e salrios poder ser cerca de at 40% entre um e outro.
Aliado as diferenas salariais de planos de carreiras tambm so verificadas
diferenas nos contratos de trabalho. As IES privadas, na maioria dos casos
observados, contratam os professores para um regime de vinte horas ou at mesmo
104

para 40 horas semanais. Contudo, ao efetivar o contrato, ao elaborar o documento


ou a escritura na carteira de trabalho do professor percebe-se que a situao
outra. O contrato realizado de fato geralmente de professor horista ou substituto e
em alguns casos como prestador de servio para a IES privada.
Esse desequilbrio entre novos professores e professores mais antigos
repercute nas relaes sociais e de poder no mbito da IES privadas. Os mais novos
so mais propcios a aceitar quaisquer exigncias da direo. Alm disso, gera,
segundo os sujeitos, um sentimento de injustia e desigualdade. Professores
recebem menos pelo mesmo trabalho e por diferenas nfimas no tempo de
contratao. Uma passagem ilustra a questo.

Eu s fui pra IES porque me chamaram pra trabalhar 40 horas. Eu j era 40


horas na IES anterior. Quando eu entrei eu at achei estranho porque eles
me contrataram como professor horista, quando voltou a minha carteira de
trabalho eu disse u, eu entendi que meu contrato era de 40 horas. Vim pra
c por isso n, porque seno no tinha vindo, e o contrato na carteira de
trabalho era como horista e de praxe. Ento eles vo contratar todos
professores como horista, mas a na documentao do RH voc j comea
com 40 horas e eu entrei em 2011. 2011 eu entrei num plano de cargos e
salrios que diferente de quem entrou nos ltimos dois anos. Ento, meu
salrio maior do que os meus dois colegas que trabalham junto comigo
fazendo a mesma coisa. Eles ganham 30 a 40% menos do que eu no plano
novo. Ento d uma diferena bem significativa. (ENTREVISTADO IES1C).

O professor recm contratado, ou um professor que esteja iniciando a


carreira numa IES privada pouco pode fazer frente a uma situao dessas. Ao iniciar
a carreira ou adentrar em uma nova IES o sujeito tem informaes bsicas a
respeito do salrio, das condies mnimas em que o trabalho ser desenvolvido e
de como lecionar a disciplina para a qual ser designado. No entanto, o contato com
a cultura organizacional da IES, do seu grupo de trabalho, na qual ele um iniciante,
oferece pouca ou praticamente nenhuma base de resistncia ao que lhe imposto.
O discurso das IES em relao a cultura do ensino superior privado
composto por novos termos at ento estranhos ao meio acadmico, a
produtividade, o trabalho em equipe com a coordenao, a qualidade do trabalho
medida em termos de seguir um programa e um planejamento j estabelecidos, a
aderncia a esse programa e a um perfil de egresso desejado, constituem em
esforos do corpo diretivo das IES em alistar os professores para cooperar, se
comprometer e se conformar.
105

A cultura organizacional enquanto um sistema de poder est, em


determinado momento, como um discurso fixado com seus prprios objetos,
conceitos e posies dos sujeitos. Aquela situao percebida pelo recm-chegado
como pronta, como uma situao dada em que ele no possui outra capacidade que
no a de se submeter. O sujeito/corpo manifesta os efeitos do desse discurso
regulador da cultura organizacional nos seus hbitos, gestos, postura, fala e na
expresso dos sentimentos (CHAN; CLEGG, 2002; FREITAS, 2007). Aqueles que
possuem uma vivncia mais longa nesse discurso possuem outra percepo da
situao.

Como um processo de juvenilizao, eles pegam professores que muitas


vezes esto iniciando na carreira, no tem experincia profissional e usam a
docncia como trampolim profissional. Pra colocar nos cartes, pra dizer
que do aula. Ento essas pessoas no tem nem vocao nem
personalidade pra combater essas estruturas, ento elas so muito dceis
sobre o aspecto da maleabilidade. Ento so pessoas fceis de dominar ou
de subjugar. E essas pessoas novas elas fazem um jogo que eles (direo
da IES) determinam. E as aulas tambm so medocres pela falta de
experincia, o material precrio, e assim vai seguindo o baile.
(ENTREVISTADO IES2B).

O professor iniciante ento se depara com uma situao em que ele


contratado por um salrio inferior em termos de valor de hora-aula. Ele precisa do
trabalho para iniciar a carreira docente ou incrementar sua carreira profissional. Ele
ir lecionar uma disciplina na qual no possui nenhuma influncia sobre o contedo,
que j foi previamente determinado sem sua participao. A forma que a aula ser
ministrada ou o modo aceito pela IES de como o ensino ser realizado foi
determinado atravs dos cursos de ambientao. Em alguns casos a prpria
avaliao que o professor ir aplicar aos alunos deve ser previamente submetida
coordenao para que sejam avaliados os contedos que sero cobrados dos
alunos. Por pior que parea essa situao no percebida como sendo ruim no
momento da entrada. Uma entrevistada descreve a sua experincia e a reflexo
sobre ela feita anos depois.

Confesso que no comeo fiquei encantada com a estrutura, encantadssima.


Tudo funcionava, tudo podia, tudo dava, os meus alunos eram alunos
estagirios ento eles tinham tempo de produzir, no trabalhavam o dia
inteiro e iam pra faculdade noite. Tinham tempo, ficavam na universidade
a tarde, produziam, ento num primeiro momento foi encantamento incrvel,
tudo dava. Eu quero fazer isso pode, eu quero fazer aquilo pode... mais foi
bem interessante o comeo. engraado porque eu e uma outra professora
106

que entramos, ns estvamos muito encantadas, e quem estava l no


estava encantado e a gente meio que destoava, e agora eu acho que a
gente que foi pro lado dos outros sabe, da voc comea entender e ver o
funcionamento, enfim, mas foi bem interessante a estrutura ainda boa,
mas est com viso de mercado cada vez mais (ENTREVISTADO IES1C).

O que se observa da realidade desse contexto que as relaes de poder


so alteradas ao longo do tempo atravs das aes de produo, transmisso e
consumo de novos textos. Essas alteraes iro influenciar o discurso que poder
ser mantido ou alterado acarretando ou no mudanas nos conceitos, objetos e
posies dos sujeitos (HARDY; PHILLIPS, 2004). A partir dessa entrada, em que
vrios mecanismos de controle e ajuste do sujeito a ordem do discurso estabelecido
pela cultura organizacional, tem-se a realizao do principal rito do ensino e
consequentemente da IES privada, a aula. na sala de aula que tanto professores
novos quanto professores experientes so submetidos a toda forma de vigilncia e
que o controle sobre o seu desempenho minunciosamente exercido. Uma IES
privada, enquanto uma instituio disciplinar, tem que assegurar sua existncia
fundamentalmente por meio de prticas de vigilncia e controle como elementos de
normalizao (FOUCAULT, 1998; 1999a; 1999b; 2002; 2004; 2008a; 2008b).
Como j mencionado anteriormente, o poder disciplinar tem como objeto o
corpo, a administrao dos corpos para o objetivo de aumentar suas capacidades
produtivas, ao mesmo tempo em que reduz sua capacidade poltica. Na sala de aula
todos os requisitos para seu exerccio esto a disposio. A distribuio dos sujeitos
no espao, o controle do horrio para garantir a utilizao mxima do tempo e o
desmembramento das aes no controle temporal do ato, ou seja, desmembramento
da ao em etapas, num encadeamento lgico dos movimentos e das atividades em
um programa de ensino, num programa de disciplina com todos os contedos
dispostos numa sequncia de aulas previamente estabelecida (FOUCAULT, 2004).
A vigilncia nas IES privadas est ligada, como nas demais organizaes, a
capacidade da administrao em monitorar, registrar e acompanhar o desempenho,
o comportamento e as caractersticas dos professores para controlar a ascenso na
hierarquia e o prprio acesso ou permanncia na organizao (BALL, 2010). A
vigilncia possui o propsito de averiguar se as obrigaes do contrato de trabalho
esto sendo cumpridas de acordo com o desejado pela direo e so aplicadas
nesse espao e tempo das IES privadas e nas suas adjacncias.
107

Os artefatos usuais de controle e vigilncia presentes em outras esferas


profissionais e de trabalho tambm fazem parte da cultura organizacional das IES
privadas deste estudo. O primeiro e mais perceptvel deles a folha ponto. Todos os
professores deste estudo em todas as IES pesquisadas so submetidos a utilizao
desse instrumento para a verificao da presena e frequncia. H casos em que o
docente assina a folha ponto na entrada e na sada da IES, ou apenas uma vez na
entrada. A assinatura da folha ponto tambm possui certas normas prprias. Em
algumas IES privadas, conforme relatado, o docente tem at determinada hora para
a assinatura do ponto. A partir daquela hora a assinatura s poder ser feita
mediante justificativa e anuncia do coordenador do curso. A ausncia da assinatura
por qualquer razo tambm deve ser justificada. Mesmo com a assinatura do ponto
pelo docente, uma das IES desse estudo ainda se utiliza de mecanismo de catraca
para conferncia do ponto e para a mensurao do tempo de permanncia do
docente na instituio.
Um dos entrevistados relata que, apesar de realizar o uso dirio do crach
para acessar as dependncias da IES, no imaginava que esse registro fosse de
alguma forma usado pela direo. Essa vigilncia direta por meio de registro visa
assegurar o contratante que o professor compareceu IES no dia estabelecido para
a sua aula. No suficiente com o registro da assinatura do ponto se faz necessrio
pela direo da IES saber se o tempo efetivo de hora aula est sendo realizado de
forma adequada e no caso da utilizao do registro da catraca, o tempo de
permanncia na instituio. Esse tipo de vigilncia no necessariamente percebido
pelo sujeito vigiado, pois est incorporado em instrumentos que se tornaram usuais
e aparentemente inofensivos. Um hbito incorporado a cultura organizacional.
Os dirigentes das IES privadas, seus prepostos e at mesmo os alunos
como clientes so nesse contexto os agentes da vigilncia. Aqueles que empregam
os instrumentos e detm o conhecimento e consequentemente a primeira posio no
desenho de poder da relao. Os professores passam a ser os sujeitos da vigilncia
que so aqueles submetidos a coleta de informaes e na medida em que tomam
conscincia do controle que esto submetidos agem no sentido de resistncia e
tentativa de minimizar sua sujeio e a situao na relao de poder (MARX, 2012,
2015).
Uma vez presente na IES privada e dentro da sala de aula o professor ser
submetido a uma rigorosa vigilncia. A vigilncia simples e direta sobre os olhares
108

dos alunos. O exerccio dessa vigilncia ocorre principalmente de duas maneiras. A


primeira delas atravs da cobrana de demandas diversas diretamente em sala de
aula. A segunda na forma de reclamaes na coordenao ou na avaliao
discente, aspectos observados na pesquisa e tambm mencionados no trabalho de
Sewell (2012).
O professor ao adentrar a sala vigiado, comparado e examinado pelos
alunos individualmente e coletivamente. Suas roupas, sua aparncia, sua conduta, e
toda sua forma de apresentao pessoal e profissional so esmiuadamente
avaliados. A relao estabelecida com os alunos tambm constantemente vigiada
e avaliada. A classificao ou categorizao dos professores, resultante do exerccio
do poder disciplinar, faz com que os desvios sejam marcados, as qualidades, as
competncias e aptides hierarquizadas e ordenadas operando recompensas e
promoes ou rebaixamento e degredos (FOUCAULT, 2004). Obviamente no se
pode aqui esgotar todas as formas como essa relao criada e mantida ao longo
de um semestre letivo, na durao de uma ou mais disciplinas e nos diferentes
cursos de disciplinas e suas especificidades. O instrumento utilizado pelas IES para
tentarem equalizar essa gama de diversidades uma avaliao com base em
pontos dos professores. Uma avalio discente que est presente em todas as IES
privadas deste estudo e possui diversas denominaes, mas com o mesmo intuito.
Saber se os alunos esto satisfeitos com a aula e com o professor.
Quando estabeleceu-se que um dos propsitos da vigilncia do trabalho
assegurar o cumprimento do contratado por parte do empregador pode ser
observado aqui que esse contratador em ultima instancia na IES privada o prprio
aluno, como tambm observado por Sewell (2012). Um professor que recebe muitas
e frequentes reclamaes dificilmente permanece mais que dois semestres em uma
IES privada. A avaliao discente no o nico instrumento. Nas IES privadas
desse estudo ela o principal componente que somando ainda a uma avaliao
realizada pelo coordenador e consolidada em uma classificao final.
Ainda na avaliao discente tem-se que os professores so avaliados pelos
alunos por meio de formulrios em papel ou digitais em que vrias questes devem
ser respondidas com notas reais ou equivalentes de um a zero. Entre as questes
tem-se perguntas com relao a didtica, relao do contedo, das aulas com o
programa, com a atualizao dos portais e disponibilizao de materiais em
plataformas digitais e atitude para com os alunos. Essa avaliao produzida pela
109

direo da IES privada com duas finalidades. A finalidade primeira de avaliar o


professor enquanto docente da disciplina e segunda verificar a satisfao dos alunos
com a disciplina ministrada pelo professor.
Tambm so avaliados o cumprimento dos prazos pelo professor com
relao a apresentao de notas, faltas e provas substitutivas. O que se destaca
aqui a quantidade de elementos textuais, discursivos e culturais voltados para o
professor e para sua avaliao. Enquanto o aluno, que est na IES para ser
instrudo em determinada profisso e para tanto deve comprovar ter assimilado um
conjunto de conhecimentos que o habilite profisso escolhida, avaliado por
bimestre com uma prova no valor de sete a oito pontos e um trabalho de dois a trs
pontos o professor possui um conjunto de normas e avalies e sistemas de controle
muito mais elaborado. Alm das obrigaes diretas do contrato de trabalho de
cumprimento de horrio e pontualidade, o professor deve cumprir um conjunto de
exigncias que influem diretamente no seu ofcio. Entre os exemplos dessas
obrigaes adicionais constata-se que em todas as IES avaliadas o professor no
tem autonomia na distribuio das notas na disciplina. A regra geral a de que ele
deve aplicar uma prova valendo oito pontos e outras atividades, como trabalhos,
valendo no mximo dois pontos da nota final.
O professor tambm deve manter atualizado seu plano de aulas nos portais
acadmicos. A centralidade desse instrumento assegura mais controle por parte das
IES sobre a atividade dos professores do que a de alunos. Qualquer alterao de
notas, presenas ou modificaes dos planos de aulas podem ser monitoradas pelas
IES. Inclusive o tempo dedicado ao portal pode ser monitorado. A IES passa a ter
um controle direto sobre o processo de ensino em que o professor um mero
executor nesse projeto educacional.
O professor, para ser bem avaliado e estar a frente na classificao de
professores de um curso, deve estabelecer uma relao com os alunos em que para
ser avaliado deve agradar o cliente da IES. Agradar o cliente aqui significa no ser
exigente demais na cobrana dos contedos da disciplina e possibilitar que com um
esforo mnimo o aluno possa ser aprovado. O professor que cobra o contedo, que
produz uma resistncia ao andamento desse ensino palatvel ao cliente certamente
ter sua carreira interrompida em uma IES privada. O caso mesmo de progredir no
plano de carreira discente depende inteiramente disso como mostra o seguinte
depoimento:
110

E a estabilidade ela depende na maioria das vezes de agradar as turmas,


por exemplo eu tenho vrios relatos de professores que cobraram a
matria, curso por exemplo de engenharia e outros cursos, reprovaram os
alunos que foram demitidos sumariamente... no ser exigente e no cobrar,
e se fizer isso h uma fuga dos alunos. Que os alunos tambm esto
submetidos a esse tipo de sistema, quer dizer eles estudam o mnimo
assistem s aulas, marcam um X nas provas e so aprovados, num
processo automtico de aprovao. As reprovaes so rarssimas... O
aluno se agiganta n porque as instituies fazem com que o aluno o aluno
consumidor questo do horrio, questo do controle do ponto, questo do
controle do livro a ser preenchido ou no, vrias coisinhas que vo minando
a liberdade acadmica do professor, vrias coisinhas que vo fazendo com
que eles sejam um mero instrumento nessa engrenagem. (ENTREVISTADO
IES2B).

O professor visto como um mero executor dessa sistemtica de ensino


adotada nas IES privadas. O poder disciplinar articulado em um conjunto de textos e
praticas discursivas e elementos culturais como normas, procedimentos, hbitos
amolda a ao e, nas palavras de Foucault (2004) o gesto do sujeito ao trabalho na
forma dos resultados desejados pela organizao. Nesse sentido o gesto, como
expresso mnima da ao, esta inserido numa lgica global de controle. Sendo que
este corpo disciplinado constitui a base e resultado de um gesto eficiente
(FOUCAULT, 2004). Mesmo discordando, ou no gostando, o professor acaba se
submetendo a condio imposta pela organizao para poder trabalhar. Trabalhar
no com liberdade de ctedra ou liberdade de ensino, mas como um mero operrio
devidamente controlado dessa indstria do ensino superior.

Tem isso eu acho meio chato, essa a nica coisa que eu acho meio chato,
se voc no falasse acho que eu no ia lembrar porque eles tm uma
regrinha l a prova tem que valer oito e os trabalhos tem que valer dois, mas
s vezes os trabalhos so to mais complexos do que uma prova que eu
acho injusto eles valerem s dois pontos,... eu acho meio injusto porque tem
alguns trabalhos que so, que eu vou fazendo ao longo do curso da
disciplina do bimestre e quase todo o dia voc vai fazer um pouquinho ento
eu acho que ele se dedicam bastante pra depois chegar na prova fazer um
x Ento esse equilbrio das notas das quais ns somos obrigados a
cumprir nesse sentido a gente no tem liberdade No tem autonomia de
escolher o que vai fazer em termos de variao a pontuao do que voc
vai fazer da avaliao Por que uma prova por bimestre e os trabalhos que
so divididos em dois pontos. (ENTREVISTADO IES2C).

A avaliao discente para com o docente pretende ser uma avaliao


objetiva em que como instrumento produzido pela direo possa auxiliar a gesto no
objetivo de atingir um ensino de qualidade, seguindo o discurso vigente. No entanto,
a avaliao serve mesmo ao propsito de extravasar os sentimentos dos alunos
111

para o professor, bons ou ruins para for-lo a agir de modo a manterem certo
controle sobre o que o professor pode exigir ou no. Os alunos na maioria das vezes
nem conhecem os critrios de avaliao e nem o corte de pontuao do professor.
Um sujeito da pesquisa relata que no inicio do processo de avaliao discente os
alunos se manifestaram dizendo que a professora deveria se cuidar porque iriam
avalia-la nas prximas semanas. Em outro caso uma professora relata a sua
experincia para a turma com relao a sua avaliao.

S que o aluno na hora que ele vai avaliar o professor ele no sabe qual a
mdia do professor, eu sei que todo mundo sabe qual a mdia do aluno,
mas ningum sabe a do professor. No ano passado foi interessante porque
eu tive uma avaliao que eu achei que foi ruim em uma turma. Foi 8 e
alguma coisa, e a gente sabe que de 9 pra cima uma avaliao positiva.
Eles mostram os critrios de avaliao mas abaixo de 8 j ruim e a os
alunos, enfim avaliaram com 8 e pouco e a eu falei gente eu queria
conversar com vocs pra entender como que quer que melhore ento
porque vocs foram a turma que pior me avaliaram na histria aqui da IES.
Da eu conversei com eles e expliquei que a mdia que a IES cobra de mim
de 8 pra cima, se vocs me do 8 e pouco eu sou uma professora regular.
Pra eu ser uma boa professora voc tem que me dar acima de 9. Eles no
sabiam disso, no passado pra eles qual o critrio de corte de avaliao
esse valor no passado. (ENTREVISTADO IES1C).

Alm do desconhecimento sobre as notas de referncia na avaliao dos


docentes ainda h elementos que se apresentam inicialmente sem um aparente
objetivo. No s questes apresentadas como subjetivas, mas tambm questes
consideradas pelos professores como despropositadas ou sem sentido. Essas
questes s interessam a avaliar a percepo do aluno quanto as atitudes e aes
dos docentes em relao ao trabalho. O propsito, como j mencionado por Sewell
(2012), vigiar a disposio em relao ao trabalho numa forma de vigilncia
simples e indireta. Como demonstra esse depoimento em uma das IES pesquisadas

No considero que seja uma avaliao adequada de forma alguma, porque


os critrios primeiro so complicados. Por exemplo, o professor estimula a
turma? muito subjetivo, complicado mesmo. E eu gostava do exemplo
que a nossa coordenadora dava, ela dizia assim, eu tenho aqui desse lado
a academia e nesse lado a pizzaria. Aqui dentro da IES. O professor da
academia pode me mandar mensagem, pode me ligar pode fazer o que ele
quiser eu no vou pra academia, mas o seu Carlos aqui da pizzaria no
precisa fazer nada porque eu estou l todo dia comendo pizza. Ento, esse
o exemplo que ela dava porque o que estmulo? (ENTREVISTADO
IES1C).
112

A avaliao discente no a nica a que esto sujeitos os professores. Nas


IES privadas pesquisadas essa avaliao complementada por uma avaliao
realizada pelas coordenaes de curso. A relao entre os professores e a
coordenao do curso funciona como um elo de ligao intermediria entre
professores e direo e entre professores e alunos. Alguns relatos informam que
essa relao determinante da qualidade das condies de trabalho dos
professores. No quesito da vigilncia e exame por meio das avaliaes a
coordenao complementa as avaliaes discentes com uma avaliao realizada
por meio de questionrios aos professores sobre as realizaes e atualizaes ao
longo do ano e de uma avaliao do coordenador.
A avaliao dos professores busca saber das atividades que ele realizou ao
longo de um ano letivo. Medir e conhecer suas atividades dentro e fora da IES para
avaliar o seu engajamento na atividade docente e profissional. O professor para ser
bem avaliado nesse exame precisa participar de um mnimo de horas em cursos de
atualizao, precisa demonstrar a realizao de atividades profissionais fora da IES,
sendo esse mesmo um quesito de peso nessa avaliao, e demonstrar em resposta
uma atitude positiva para com o trabalho e para com a IES.
Como complemento dessa avaliao dos professores e da avaliao
discente o professor ainda avaliado pelo coordenador do curso. nessa avaliao
que as anteriores sero consolidadas e onde ser realizado o exame final. Exame
aqui no sentido da vigilncia completa em que alm de ser observado e ajustado a
normalidade finalmente comparado e classificado. Essa classificao de
professores em IES privadas um fenmeno recente. A adoo desse mecanismo
vai ao encontro da adoo de prticas gerenciais de empresas e demais negcios
que visam a lucratividade como finalidade principal. Essa a vigilncia complexa e
direta, caracterizada pela utilizao de mtricas, anlises objetivas com relao a
desempenho e produtividade que podem fornecer meios de comparar um professor
em relao a outros (SEWELL, 2012).
Esse movimento, da IES privadas em direo a um modelo de negcio, no
passa despercebido pelos professores. E mesmo como um invlucro cultural ajusta
as aes desses profissionais como docentes e coordenadores no desempenhar
dirio de suas atividades. Todos esses esforos so empreendidos no sentido de
demonstrar a dimenso da influncia desse poder na vida dos sujeitos, que partem
de pequenas prticas e tcnicas arraigadas na rotina diria. Nos pequenos discursos
113

de verdade, conhecimento e autoridade (CLEGG; BAUMELER, 2010). O instrumento


da avaliao e da classificao a materialidade desse discurso e o produto e
reprodutor das aes do poder disciplinar. Ao se criarem avaliaes os produtores
desse discurso na posio de dirigentes das IES privadas esperam ajustar o campo
das aes dos professores para que ajam da forma que esperam. Contudo, esse
discurso no consumido de modo irrefletido e sem resistncia por todos. Alguns
professores no tm conscincia sobre o que esto sujeitos, outros tem o
conhecimento e reflexo sobre isso e atuam da forma que se esperam dele, de
forma refletida, e h aqueles que resistem a essa lgica de avaliao. Alguns relatos
ilustram esse ponto.

E tambm exigem o aperfeioamento constante do professor ento ns


temos que cumprir uma carga horria anual de cursos que ns temos que
participar. De cursos internos, internos basicamente podem ser externos,
mas eles oferecem os cursos ento ns temos os cursos em EaD e
presenciais, e obrigatrio fazer esses cursos. Vamos dizer assim, no
que seja obrigatrio, mas um obrigatrio entre aspas. Se no fizer cai no
rankeamento dos professores. Voc cai. (ENTREVISTADO IES1A).

Depois tem a avaliao da coordenao. Da Coordenao at o ano


passado a minha coordenadora me dizia nas reunies que ela avaliava
todos os professores dela como nota 10. Em todos os critrios. E a
perguntaram pra ela mas porque que voc avalia com 10, e ela dizia
porque eu acredito nos meus professores, eu tenho bom relacionamento
com eles eu convivo e se eles no forem 10 ou troco por outro. Era mais ou
menos nessa a noo pra ns. Tem professores que nem sabem que so
avaliados pela coordenao. Ento, mas isso at ano passado, ano
retrasado. Ano passado ela j me disse, ano passado ela j contou pra
gente assim que a universidade no aceitava mais os dez delas todos e que
agora ela tinha que colocar por ordem. Tem que ter o primeiro, tem que ter
segundo professor. Ento, ela teve que classificar de alguma forma. Isso
bem norte-americano n, quem que fica embaixo porque os de baixo a
gente pode cortar. Eu sei porque meu marido trabalha numa empresa norte-
americana e ele tem que colocar aqueles l que ele sabe que se precisar
cortar so eles que vo sair. Ento ele tem os bons, os mais ou menos e
algum que tem que sair, que tem que ficar ruim no ranking o que bem
complicado, mas enfim e a ela j contou isso que ela tinha que classificar
quem era o primeiro quem era o segundo quem era o terceiro e a j no sei
mais. Ento enquanto todo mundo era 10 eu sabia ela falava, agora esse
ano ela j no falou mais, no fiquei sabendo mais. (ENTREVISTADO
IES1C).

O que se destaca desse texto o claro movimento de alterao num


dispositivo j incorporado na cultura organizacional, qual seja, o sistema de
avaliao da coordenao que submetido aos nveis superiores da hierarquia da
IES privada. Com uma pequena alterao um artefato que at pouco tempo no
possua centralidade nas relaes entre coordenador e professores passa a ser
114

determinante para o sistema de punies do poder disciplinar. Alm de classificar os


sujeitos nesse novo sistema disciplinar e punitivo as alteraes nas relaes sociais
passam a ser pautadas por um conjunto diferente de valores e crenas. A abertura
de informaes e o tratamento de pares comuns ao ensino superior at ento
passam a ser modificado para relaes hierrquicas de negcios em que as
posies superiores detm informaes e a capacidade de avaliar comportamentos
e distribuir punies. O professor passa a ser vigiado como um funcionrio e o
governo das suas aes passa a ser o determinado pelo discurso dominante da IES
privada.
A punio no poder disciplinar realiza ento as seguintes operaes:
relaciona os atos, desempenhos e comportamentos em um conjunto comparvel,
diferenvel e conforme a regra; aplica essa diferenciao aos indivduos
comparativamente uns aos outros tendo por base um mnimo nvel aceitvel ou nvel
timo a realizar; mensurar quantitativamente hierarquizando as capacidades, os
nveis e a natureza dos indivduos; coagir para a conformidades aos valores e nveis
que devem ser realizados; e estabelecer o limite entre todas as diferenas, ou seja,
o que normal do anormal. O poder da norma claramente coaduna com um sistema
de organizao formal, pois ao mesmo tempo em que aplica a normalidade geral da
regra ela possibilita a mensurao individualizada de conformidade ou no em
relao a ela (FOUCAULT, 2004).
Como asseverado anteriormente, a punio no mbito do poder disciplinar
no visa compensaes em relao a transgresso da norma. A punio visa o
ajustamento a norma. No caso das IES privadas o objetivo o professor
normalizado a essa nova lgica de negcio do ensino superior privado. O professor
que satisfaa os clientes da IES privada. Esse professor normalizado alm de
agradar o aluno, deve ser um constante agente indireto na promoo da IES no
mercado frente as suas concorrentes. Deve possuir uma atitude positiva para com a
IES e deve ser ainda atuante no mercado da sua profisso. A sua jornada de
trabalho tambm no deve ser apenas aquela circunscrita no espao e tempo da
IES. Ele deve manter a condio para estar sempre a disposio dos alunos em
grupos de mensagens e redes sociais. Deve possuir a capacidade de realizar
trabalhos que no tenham ligao direta com seu contrato de trabalho, mas que
sejam retornados em benefcio da IES. Alm desse esforo adicional deve cumprir o
que esperado em termos de atendimento aos alunos na IES, no tempo dedicado a
115

correo de provas e trabalhos. Por fim, deve estar apto, capacitado e disposto a
realizar todo esse trabalho por um salrio baixo, baseado exclusivamente nas horas-
aula de efetivo cumprimento no espao da IES e a manter uma carreira sem a menor
perspectiva de crescimento ou estabilidade, sabendo que a qualquer momento pode
sofrer reduo de carga horria de aulas e ter sua remunerao diminuda ou
mesmo ser mandado embora e ter que procurar outro trabalho em outra IES privada
e adentrar em um novo plano de cargos em situao ainda mais desfavorvel.
O ajustamento da conduta do professor desviante da norma realizado por
meio das punies. So as penalidades que no visam a reparao do erro ou
simplesmente sua compensao, mas apenas o ajustamento da conduta a norma.
Na gama de penalidades do professor desviante esto as notificaes formais e
informais da coordenao, os descontos de horas faltantes ou no cumpridas
integralmente, a reduo da carga horrio de aulas de um semestre para outro, e
como ultimo recurso a demisso. A demisso pode ser forada por uma reduo
significativa na carga horria e tambm pode servir como exemplo para aqueles que
ficam na IES das condutas e atitudes no toleradas.
Alguns dos entrevistados citaram que a principal razo para um professor
ser demitido no nem mesmo a questo de ser rgido com os alunos e no agrad-
los como assim esperam. Alguns professores conseguem se manter e serem
ajustados apesar desse desvio da normalidade. A principal razo citada a do
professor ser crtico e tentar agir com a liberdade acadmica da profisso. Um
professor que tenha esses valores internalizados e que ao mesmo tempo propague
essas ideias e questionamentos entre seus colegas e at mesmo para os alunos no
ir permanecer em uma IES privada. Questionar as diretrizes da IES privada,
combater e resistir ao discurso imposto pela direo, agir de forma independente,
pensar e questionar livremente a forma como o ensino ocorre numa IES privada
apontado como um fator certo para a demisso. Nos discursos dos professores que
so sindicalizados percebe-se que a nica razo pela qual so mantidos nas IES a
estabilidade assegurada enquanto so dirigentes sindicais. Em duas ocorrncias
mencionadas em entrevistas com dirigentes e com professores essa questo foi
abordada. As IES privadas quando vo ajustar a carga horria de semestres
seguintes utilizam a classificao dos professores para determinar quem ser
mandado embora ou quem sofrer reduo de salrio por meio da reduo da carga
horria. Nesses casos, os professores que so dirigentes sindicais e promotores do
116

discurso de resistncia e, na maioria das vezes, opostos aos interesses da direo


so deixados de fora dessa classificao e no sofrem sanes. Porm, essa uma
salvaguarda que tambm no est ao alcance da maioria dos docentes. Para esses
as opes so apenas duas, quais sejam, se submeter a ordem vigente e promov-
la ou serem excludos do ensino superior privado.
Quanto perspectiva da carreira docente no ensino superior privado a
maioria dos entrevistados no vislumbra nenhuma alterao estrutural da condio
vigente no curto e mdio prazo. A nica mudana vislumbrada uma continua
mudana marginal das condies do professor. Mudana essa para piora dos
salrios, das condies de trabalho e do aumento das demandas sobre suas
atividades. Para a manuteno da constante rotatividade e instabilidade da condio
de trabalho. A carreira de professor vista como existente apenas nas IES pblicas
onde aqueles que podem vo tentar uma posio nessas instituies que oferecem
a estabilidade e a liberdade tradicionais da profisso.
117

5 CONSIDERAES FINAIS

Este trabalho foi realizado com o objetivo de investigar como se manifesta e


interpretado pelos docentes o poder disciplinar em face aos elementos da cultura
organizacional em Instituies de Ensino Superior Privadas. Para cumprir esse
objetivo primeiro se fez necessrio o estabelecimento das instncias de anlise
como a cultura organizacional e o poder disciplinar. Como so conceitos que
perpassam por uma multiplicidade de formas de apreenso e elaborao, priorizou-
se aquelas formas que privilegiavam a linguagem e as construes discursivas
dessas categorias na constituio da realidade social. A escolha dessas formas de
conceituao foi justificada em razo do posicionamento interpretativo e crtico do
trabalho.
A cultura organizacional foi estabelecida como sendo fundamentalmente um
conjunto de elementos articulados que pode por vezes servir para instrumentalizar
prticas de poder (FREITAS, 2000). No um sistema coeso, mas um sistema tal
arquitetado atravs da linguagem e do discurso distribudos em diversos elementos
culturais, em que os sujeitos interpretam suas experincias e guiam suas aes em
termos do que certo ou errado (ALVESSON, 2002; FREITAS, 2000; GEERTZ,
1973). Esse discurso da cultura organizacional o palco dos constantes embates na
definio de significados, produo e reproduo de um conjunto especfico de
atitudes, comportamentos, estruturas, controles e modelos de ao. O efeito da
cultura organizacional ser ento o de moldar a subjetividade do sujeito na sua
constante interpretao e no estabelecimento dos significados daquela realidade.
Tem-se ento que os discursos dominantes da cultura organizacional procuram criar
um sujeito malevel, atravs do controle dos significados, incorporando e excluindo
o que pode ser falado e quem pode falar, fazendo da cultura organizacional um olho
vigilante (CHAN; CLEGG, 2002).
J o poder disciplinar aquele que se manifesta atravs de mecanismos e
tcnicas de coero por meio da vigilncia e controle do tempo, do espao e dos
movimentos e gestos dos sujeitos. O poder disciplinar visa delimitar o campo de
ao dos sujeitos, fazendo com que ajam de tal modo no sentido de extrair o seu
melhor desempenho, de aumentar suas capacidades e de melhor aproveit-lo dentro
da lgica disciplinar vigente. Nesse sentido, o poder disciplinar enquanto visa ajustar
118

o gesto e as aes, opera tambm no intuito de aumentar a dominao e diminuir a


capacidade de resistncia e da ao poltica dos sujeitos. O objetivo final da ao
disciplinar est, tambm, em conformar a subjetividade por meio da interiorizao da
norma constituindo prticas discursivas que constroem e reconstroem uma
subjetividade dcil e normalizada por meio da internalizao do olhar vigilante, do
autocontrole e do autoexame (FOUCAULT, 1999a; 1999b; 1999c; 2004).
Estabelecidas as conceituaes foi realizado um apanhado de estudos sobre
a situao do ensino superior privado, focado na situao de trabalho dos docentes
em IES privadas. Nessa sondagem j se verificou que o ofcio de professor do
ensino superior, com todas as exigncias de uma profisso complexa e que
demanda grande esforo intelectual e emocional, no possui compatibilidade com o
sistema competitivo de mercado das IES privadas. A nova lgica imposta por esse
sistema de mercado exige dos docentes mais do que o tradicional trip de ensino,
pesquisa e extenso, indo para atividades que invadem at mesmo a esfera da vida
pessoal do profissional. Nesse contexto o professor deixa de se orientar pelos
valores da liberdade de ctedra para passar a ser um mero executor horista ou
auleiro de uma forma mimetizada de ensino em que a fabricao de nmeros
supera o objetivo do aprendizado (ALCADIPANI, 2011; CLARKE; KNIGHTS, 2015;
FREITAS, 2007a; 2011).
Para buscar atingir o objetivo proposto a pesquisa foi delineada como sendo
uma investigao qualitativa. Sendo uma proposta de investigar a interpretao
dada por diferentes sujeitos em diferentes posies dentro da mesma realidade, a
abordagem qualitativa ofereceu a possibilidade de construo de um relato em que
essa diversidade pode ser descrita de forma abrangente, concatenada e crescente.
O resultado desse delineamento uma exposio que possibilitou ao leitor uma
experincia substituta da vivencia nessa realidade, ou seja, que pde ser
compreendido e vivenciado atravs do texto. Dentro dessa abordagem a estratgia
adotada foi a de estudo de caso instrumental, com foco na resposta ao problema da
pesquisa. A diversidade de casos tambm foi importante no sentido de combin-los
para que o determinante fosse o aprendizado das instncias de anlise da pesquisa.
Desse modo a estratgia foi tambm a de um estudo de casos mltiplos ou coletivos
(CRESWELL, 2010; STAKE, 1995).
A seleo dos casos da pesquisa teve como indicativo condutor aquelas IES
privadas que impusessem um regime disciplinar rgido ou mais aparente aos
119

professores. Um regime tal infligido pelo maior nmero aparente de dispositivos e


tcnicas disciplinares de controle. Para tanto foi realizado um abordagem junto ao
sindicato dos professores para que apontassem quais instituies fossem aquelas
com o maior nmero de reclamaes trabalhistas, disciplinares e outras afeitas a
mecanismos de controle da atividade docente. Nesse indicativo ainda deveria ser
complementado com a questo do tamanho e da relevncia das IES privadas no
mercado local. Finalizado esse passo, a escolha dos sujeitos foi determinada de
acordo com a sua posio nessa realidade. Dessa forma, foram selecionados os
sujeitos representantes da direo, do sindicato dos professores e atuantes dentro
da IES e de professores sem nenhuma das vinculaes anteriores, sendo estes os
professores regulares ou com as atividades ordinrias da docncia. A coleta de
dados foi realizada atravs de trs mtodos: observao direta no participante;
entrevista face a face semiestruturada; e coleta de documentos pblicos e privados.
A anlise dos dados foi realizada pelo mtodo de anlise do discurso
organizacional. Discurso organizacional refere-se a um conjunto de textos que so
incorporados nas prticas de fala, escrita, representaes visuais e artefatos
culturais que trazem a existncia de toda a materialidade da organizao e de como
esses textos so produzidos, disseminados e consumidos. A anlise do discurso
busca a compreenso da realidade nos efeitos da linguagem que so socialmente
construdas (BERGER; LUCKMANN, 1999; GRANT et al., 2004; PHILLIPS; HARDY,
2002). Dentro da variedade de mtodos dessa anlise de discurso a opo foi por
uma anlise de discurso baseada em Foucault (1995), sendo o objetivo final dessa
anlise a constituio ou a produo do sujeito ao longo do tempo e em meio s
relaes de poder e saber do discurso a sua volta e a consequente resistncia a ele.
Como o discurso assimilado pelo sujeito em meio as relaes de poder a que est
sujeito e os efeitos dessas relaes e formaes na sua ao na realidade.
A delimitao do objetivo dessa pesquisa impe naturalmente uma limitao
sobre a compreenso da realidade dos professores nas IES privadas. Em nenhum
momento pretende-se alcanar a totalidade de aspectos inerentes a essa realidade.
Tambm no se buscou realizar um levantamento profundo da situao geral do
ensino superior privado e da carreira docente nesse contexto. O verificado nessa
pesquisa, e condizente ao problema definido, foi a realizao de uma construo
textual de interpretaes e percepes tanto dos sujeitos quanto do pesquisador
120

acerca de uma realidade limitada no espao e no tempo de sua elaborao, com as


condies estabelecidas desse momento.
Priorizou-se na anlise dos dados a articulao entre os padres surgidos
das evidncias coletadas e das recorrncias destacadas como mais significativas
pelos sujeitos da pesquisa e do prprio pesquisador. Alm disso, foi dado espao
amplo para o texto reproduzido pela fala dos entrevistados. A voz dos entrevistados
na produo final do texto teve o objetivo de ser fiel as evidencias na articulao dos
elementos identificados do discurso e das categorias de anlise da cultura
organizacional e do poder disciplinar.
Na anlise observa-se que os elementos da cultura organizacional como os
valores da carreira acadmica, a crena nos pressupostos da autonomia e liberdade
do trabalho, os ritos de entrada e rotineiros, as histrias e episdios mencionados e
por dizer o mesmo das prprias normas e artefatos no so exclusivos ou possuem
diferenas significativas entre uma IES privada e outra. O que se depreende na
anlise desses elementos que h uma cultura organizacional do ofcio, da
profisso de docente na iniciativa privada e tambm uma cultura especfica de cada
IES privada. Essa cultura e esses elementos so iniciados ao sujeito muito antes de
adentrar a uma IES especfica. Na formao ou no primeiro contato com o ensino
superior privado, fora da condio de aluno, esses elementos j so incutidos ao
sujeito e sua subjetividade vai se constituindo e internalizando as formas
apropriadas de se conduzir nessa carreira.
A crena vigente de que a profisso de professor no ensino superior privado
atualmente um bico, uma forma temporria de trabalho para alavancar melhores
oportunidades futuras, compartilhada pelos sujeitos atravs de todas as IES deste
estudo e no como uma exclusividade de uma ou outra organizao (IES). Da
mesma forma temos outros elementos dessa cultura que perpassam instituies
como os ritos de banca em seleo, como o artefato do currculo por meio da
plataforma lattes que so amplamente difundidos no meio da profisso de docente
do ensino superior privado. Histrias semelhantes so contadas por professores em
diferentes IES, como so os exemplos crescentes de indisciplina dos alunos, das
constante rotatividade de professores e substituio por novos, por relaes com
coordenadores e dirigentes e da crescente presso para reduo de custos e
manuteno de alunos nas IES.
121

Alm desses elementos tem-se que as normas que regem o contrato e at


mesmo o trabalho docente tambm so comuns s IES privadas. Numa determinada
regio a conveno coletiva de trabalho a mesma para todos. O vinculo do
professor com a disciplina, os benefcios e deveres das IES para com os
profissionais, em norma, so os mesmos. As nuances de cada IES esto nas
especificaes dos instrumentos e na existncia ou ausncia de artefatos, como por
exemplo quadros ou monitores com horrios de aulas.
Com relao ao poder disciplinar manifesto nessa cultura organizacional
temos que o discurso abrangente do lucro, da concorrncia, das condies do
mercado exerce influncia tal que esses elementos so ajustados e adaptados com
intuito de se fazerem naturais. Em outras palavras, so modificados para que essas
condies do discurso disciplinar sejam adotadas como normais, como condies
que independem da ao das IES privadas e que a todos inflige o seu jugo. A
justificativa na produo desse discurso a da prpria sobrevivncia e manuteno
da instituio em meio ao mercado competitivo e acirrado.
O desdobramento e os efeitos da produo e transmisso desse discurso
iro se manifestar nos textos, na materialidade e nas aes dos sujeitos das IES
privadas. O sujeito ao tornar-se professor j se submeteu a mecanismos
disciplinares que o impuseram uma auto vigilncia da sua conduta e da sua ao
ativa na conformao s normas e regras estipuladas pela profisso. O exame como
tecnologia social disciplinar imposto a esse sujeito de forma sistemtica e to
rotineira a ponto de ser internalizada na sua subjetividade e aceita como natural.
Nas IES privadas esse professor est constantemente vigiado, sancionado e
examinado pela direo, coordenao e alunos. A vigilncia simples e direta
(SEWELL, 2012) realizada e sentida pelos professores no apenas atravs do
olhar do seu superior formal na pessoa do coordenador ou da direo da IES, mas
tambm pelos alunos. Estes ao exercerem a figura de agente da vigilncia no o
fazem com o interesse de avaliar a qualidade do que est sendo ensinado ou
daquilo que se esperaria de um professor de ensino superior. Eles o avaliam como a
um cliente que paga por um servio e espera que este servio seja entregue na
forma que melhor lhe prouver, ou seja, na forma de um ensino e cobrana de
contedo que no seja exigente demais, para cumprir apenas o necessrio para
obteno do diploma que o resultado final demandado. Nessa vigilncia esto
manifestos aspectos da rotina como o controle dos horrios de incio e trmino das
122

aulas, dos materiais utilizados em sala e de como o tempo utilizado para o ensino.
Qualquer desvio daquilo que esto habituados ou da normalidade so prontamente
verificados e relatados. Os superiores iro realizar essa vigilncia principalmente
atravs de mecanismos como a folha ponto e pelos controles de acesso como
catracas, fiscais e monitores.
Da mesma forma a vigilncia simples e direta (SEWELL, 2012) vai verificar a
disposio e as atitudes do professor para com a turma e o trabalho em si. Essa
vigilncia manifesta na forma de controles indiretos sobre grupos de email,
mensagens e redes sociais que o professor deve se manifestar e realizar
comunicados, avisos e distribuio de mensagens aos alunos. A crescente utilizao
de ferramentas como os portais acadmicos tambm ampliam essa vigilncia na
medida em que as IES possuem o controle sobre como a disciplina esta sendo
realizada, que materiais esto sendo utilizados e at mesmo o tempo que o
professor dispende enquanto esta utilizando essas ferramentas (GOMES, 2014).
As avaliaes discentes, auto avaliaes e avaliaes da coordenao que
combinadas e utilizadas como forma de classificao entre melhores e piores so
expresses da forma de vigilncia complexa e direta (SEWELL, 2012). Essa
vigilncia caracterizada pela utilizao de mtricas, anlises objetivas com relao
a desempenho e produtividade que podem fornecer meios de comparar os
professores. Possui a caracterstica de ser impessoal e baseada na objetividade da
mensurao. Entretanto, essa objetividade e impessoalidade deixa de existir em
alguns casos quando os critrios da avaliao ou so desconhecidos ou no so
compreendidos.
Um aspecto de destaque da situao do ensino superior privado a
quantidade de controles e avaliaes a que esto submetidos os professores. Esse
conjunto de mecanismos e formas de vigilncia superam o prprio controle que deve
ser exercido no processo de ensino do aluno. O professor examinado e controlado
ao adentrar a IES, monitorado e vigiado no exerccio dirio das suas atividades,
ele monitorado por meio de sistemas tecnolgicos e sociais quanto ao
cumprimento de um programa de ensino em que ele no possui nenhuma
participao. Sua influncia nfima na elaborao desse programa de ensino,
sendo que ele deve previamente determinar o cronograma de como sero realizadas
as aulas para a coordenao. Os materiais que pretende usar tambm so
monitorados e avaliados e as prprias avaliaes que elabora devem ser submetidas
123

a uma coordenao para julgar se ela est adequada ao tal programa. A distribuio
das notas ao longo do bimestre e semestre s pode ser realizada em conformidade
com normas estabelecidas pela IES e alm disso deve fazer tudo isso sem que o
cliente seja importunado de forma excessiva.
O que se observa que o professor no ensino superior privado passa a ser
um mero operador em uma linha de montagem. Onde todos os seus gestos e aes
so direcionados na forma em que os interesses do discurso das IES privadas sejam
realizados. Essa cultura organizacional e de ofcio um sistema de vigilncia em
que aqueles que so moldados e que o promovem permanecem, e aqueles que no
acatam so excludos. Salvo aqueles professores que possuem a salvaguarda da
sindicalizao ningum est imune a sofrer redues de horas-aula, descontos de
hora ou mudanas de planos de cargos ou regimes de remunerao por meio de
termos de ajustamento. A imperiosa reduo de custos e ajustes frente ao mercado
competitivo fomenta uma alta rotatividade e um baixo tempo de permanncia na
carreira, como muitos sujeitos observam. A realidade e o significado estabelecido de
um professor do ensino superior privado a de um bico, como o discurso de
muitos sujeitos determinaram. Essa cultura de bico, de imediatismo e de
precariedade a norma da profisso segundo a intepretao daqueles que exercem
docncia nesse contexto.
Ao verificar-se a forma como esse sistema cultural e disciplinar vigente e
se reproduz diariamente, s possvel compreender que sua existncia permanece
por se tratarem de controles que no so absolutos e de todo opressores. Essa
lgica e discurso de competitividade e lucro no ensino superior privado, ao mesmo
tempo em que realiza e opera interesses tambm contm ambivalncias que
oferecem meios para os sujeitos buscarem algo que acreditam ser o melhor para
eles prprios. O poder disciplinar s submete na medida em que no absoluto e
opera por mecanismos incorporados como normais na realidade (SILVEIRA, 2002).

5.1 CONTRIBUIES TERICAS E PRTICAS

O resultado desse trabalho foi demonstrar como compreendida e


interpretada, pelos prprios professores, a carreira do docente no ensino superior
124

privado atravs dos elementos da cultura organizacional articulados enquanto uma


dimenso do poder disciplinar. Dentro desse limite uma contribuio prtica desse
trabalho foi constatar como o discurso da competio, do mercado e da finalidade do
lucro operam para modificar esses elementos culturais e fazer deles instrumentos
disciplinares que governam as aes desses profissionais.
A relevncia da educao superior privada no Brasil j mencionada nos
nmeros de graduados e de professores demonstra que esse segmento de
fundamental importncia para o desenvolvimento do pas. Desse modo ao perceber-
se a fragilidade da carreira docente e das condies de trabalho do professor pode-
se concluir que uma outra contribuio desse trabalho est no esclarecimento e no
aumento da compreenso acerca dessa realidade. Este trabalho pode contribuir
para agregar informaes para futuras aes sindicais, governamentais e
empresariais dentro desse setor.
A contribuio terica realizada em dois momentos. No primeiro, com a
ampliao da compreenso dos fenmenos da cultura na organizao como uma
forma discursiva e instrumental de poder combinada com uma forma de
compreender o fenmeno de poder nas organizaes com a utilizao de uma
analtica de poder de Foucault ampliada aos seus ltimos estgios de
desenvolvimento. No segundo momento o trabalho preenche a escassa base de
trabalhos empricos que utilizam esses conceitos nos estudos organizacionais
(BROWN et al., 2010; CLARKE; KNIGHTS, 2015; DICK; COLLINGS, 2014;
HASSARD; ROWLINSON, 2002; LECLERCQ-VANDELANNOITTE, 2011; SILVEIRA,
2002)

5.2 SUGESTES PARA PESQUISAS FUTURAS

Como sugesto para pesquisas futuras verifica-se que a realizao de um


estudo de caso nico com uma metodologia de investigao etnogrfica poderia
aprofundar questes que foram abordadas de forma momentnea nesse trabalho.
Por exemplo o acompanhamento do ingresso de novos professores e a sada ou
demisso de outros e o acompanhamento de mudanas em planos de cargos e
125

salrios em uma IES privada poderia revelar novas facetas desse sistema cultural
disciplinar vigente na atualidade.
Adicionalmente, uma pesquisa futura poderia ampliar a abordagem do poder
disciplinar e da cultura organizacional para verificar como a vida dos docentes fora
das IES privadas afetada por essas influencias. Como a participao em redes
sociais demanda tempo e cuidados com a imagem e a carreira do professor.
Alm disso, uma nova pesquisa utilizando-se da metodologia de anlise do
discurso organizacional poderia ser realizada com um horizonte de tempo maior em
que pudessem ser verificadas alteraes no discurso vigente atravs das aes seja
de rgos governamentais, da direo, do sindicato e mesmo de professores dentro
de uma IES privada especfica. Nessa sugesto poderiam ser estabelecidas novos
objetos, conceitos e posicionamentos do discurso atravs dos trs nveis de anlise
aqui abordados como o sujeito, a organizao e o contexto.
126

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137

APNDICES

APNDICE A ROTEIRO DE ENTREVISTA


138

APNDICE A ROTEIRO DE ENTREVISTA

Nome do entrevistado:
IES onde leciona:
Tempo que leciona nesta IES:
Outras IES onde j lecionou:
Data de incio de docncia na graduao:
Faixa etria:
Titulao: Graduao ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) Especializao ( )
Data da entrevista:
Durao da entrevista:

1. Conte a histria de como foi seu ingresso na carreira acadmica e nessa IES
privada?
2. Quais so as demandas profissionais e pessoais da carreira de professor na IES
privada, e a sua percepo sobre a carreira em geral?
3. Quais so as normas e regras que regem o trabalho docente na IES privada?
4. Como a rotina de um professor numa IES privada?
5. Que tipo de estrias, cerimonias e ritos fazem parte da carreira docente na IES
privada?
5.a Voc citaria algum professor como sendo exemplar na IES privada?
5.a Voc se lembra de algum episdio (bom ou ruim) que tenha marcado a sua (ou
de outro professor) trajetria profissional nessa ou em outra IES privada?
6. Quais mecanismos de controle e vigilncia esto presentes na prtica profissional
dos docentes na IES privada?
6.c Quais mecanismos de avaliao de desempenho e comparao so utilizados no
exame dos professores? (coordenador)
7. Como so controlados o tempo e espao do professor na sua atividade dentro e
fora da IES privada?
8. O que poderia causar a demisso de um professor na IES privada?
139

ANEXOS

ANEXO A TERMO DE CONSENTIMENTO


140

ANEXO A TERMO DE CONSENTIMENTO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


Ttulo do estudo: CULTURA ORGANIZACIONAL ENQUANTO UMA DIMENSO DO
PODER DISCIPLINAR
Pesquisador responsvel: ANDR MAURCIO TEIXEIRA DA SILVA
Contato: (41) 8824-1084
E-mail: [email protected]

Voc est sendo convidado a participar de uma entrevista de forma


voluntria. Assim, antes de concordar em participar desta pesquisa e responder as
questes, importante que voc compreenda as informaes e instrues contidas
neste documento.
1) A pesquisa tem por objetivo geral investigar como se manifesta e
interpretado o poder disciplinar em face aos elementos da cultura organizacional
pelos professores atuantes em Instituies de Ensino Superior Privadas.
2) Para isso, ser realizada uma investigao de cunho qualitativo, que se
utilizar de entrevistas semi-estruturadas para a coleta de dados. Estas entrevistas
sero gravadas para fins de registro e o nome do participante e da organizao a
qual esta vinculado no sero divulgados em hiptese alguma, no se fazendo
necessria a identificao do participante em nenhum momento em que a entrevista
estiver sendo gravada.
Assim, ciente do que foi acima descrito, eu,
_____________________________ estou de acordo em participar desta pesquisa,
assinando este termo de consentimento, ficando com uma cpia deste documento.

_______________________, ______ de __________________ de 2016.

_______________________________
Assinatura do participante da pesquisa

_______________________________
Andr Maurcio Teixeira da Silva pesquisador

Observao: qualquer dvida pode ser esclarecida atravs dos contatos acima informados.

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