0 notas0% acharam este documento útil (0 voto) 89 visualizações41 páginasFernando Pessoa
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Fernando Pessoa
Fonte: http:/Avmw.secrel.com. br/jpoesia/fpesso.htm|
Navegar é Preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar 6 preciso; viver nao é preciso”.
Quero para mim o espirito [dJesta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver nao é necessario; 0 que é necessario ¢ criar.
Nao conto gozar a minha vida; nem em gozi-la penso.
Sé quero torna-la grande,
ainda que para isso tenha de ser 0 meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
S6 quero tornd-ta de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mals assim penso.
Cada vez mais ponho da esséncla animica do meu sangue
© propésito impessoal de engrandecer a patria e contribuir
para a evolugao da humanidade.
FE a forma que em mim tomou 0 misticismo da nossa Raga.
[Nota de SF
"Navigare necesse; vivere non est necesse" - latin, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC.
dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam vigjar durante a guerra, of. Plutarco, in Vida
de Pompeu]
Tudo quanto penso
Tudo quanto penso,
‘Tudo quanto sou
E um deserto imenso
Onde nem eu estou.
Extensao parada
Sem nada a estar ali,
Areia peneirada
Vou dar-Ihe a ferroada
Da vida que vivi.Vendaval
O vento do norte, tao fundo e tao frio,
Nio achas, soprando por tanta solidao,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coracio!
Indémita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Nio sio tao deixados do alegre e do humano
‘Como a alma que ha em mim!
Mas dura planieie, praia atra em fereza,
S6 tém a tristeza que a gente Ihes vé
E nisto que em mim é vacuo e tristeza
E 0 visto 0 que vé.
Ah, migoa de ter consciéncia da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles — teu pulso divida
Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas ¢ a arela,
Aalma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
De cu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuya, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que nao entras no meu penssamento
Para cle morrer?
Horror de ser sempre com vida a conseiéncia!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chiio da existéncia,
De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.
E contra as vidragas dos que ha que tém lares,
Telhados daqueles que tém razio,
Atira, ja paria desfeito dos ares,
O meu coracio!
Meu coragio triste, meu coragio ermo,
Tornado a substincia dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!Nao sei quantas almas tenho
Nio sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, s6 tenho alma.
Quem tem alma nio tem calma.
Quem vé és6 0 que vé,
Quem sente nao é quem 6,
Atento ao que sou ¢ vejo,
Torno-me eles e nao eu.
Cada meu sonho ou desejo
E do que nasce e nao meu.
Sou minha propria paisagem;
Assisto 4 minha passagem,
Diverso, mobil e s6,
Nao sei sentir-me onde estou.
Por isso, alhelo, vou lendo
Como paginas, meu ser.
O que sogue nao prevendo,
© que passou a esquecer.
Noto a margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu 2"
Deus sabe, porque o escreveu.
Quinto Império
Vibra, clarim, cuja voz diz.
Que outrora ergueste 0 grito real
Por D. Joao, Mestre de Aviz,
E Portugal!
Vibra, grita aquele hausto fundo
Com que impeliste, como um remo,
Em EL-Rei D. J Segundo
O Império extremo!
Vibra, sem lei ou com lei,
‘Como aclamaste outrora em vio
O morto que hoje ¢ vivo — EL-Rei
D. Sebastiio!
Vibra chamando, e aqui convoca
O inteiro exéreito fadado
Cuja extensio os pélos toca
Do mundo dado!Aquele exército que é feito
Do quanto em Portugal é 0 mundo
Eenche este mundo vasto e estreito
De ser profundo.
Para a obra que ha que prometer
Ao nosso esforco alado em si,
Convoco todos sem saber
Ea Hora!) aqui!
Os que, soldados da alta glé
Deram batalhas com um nome,
E de cuia alma a voz da historia
Tem sede e fome.
E 0s que, pequenos e mesquinhos,
No ver e crer da externa sorte,
Convoco todos sem saber
Com vida e morte.
Sim, estes, os plebeus do Império;
Heréis sem ter para quem 0 ser,
Chama-os aqui, 6 som etéreo
Que vibra a arder!
E, se o futuro é ja presente
Na visio de quem sabe ver,
Convoca aqui eternamente
Os que ho de ser!
Todos, todos! A hora passa,
O génio colhe-a quando vai.
Vibra! Forma outra ea mesma raca
Da que se esvai.
A todos, todos, feitos num
Que é Portugal, sem lei nem fim,
Convoca, ¢, erguendo-os um a um,
Vibra, clarim!
E outros, e outros, gente varia,
Oculta neste mundo misto.
Seu peito atrai, rubra e templaria,
A Cruz de Cristo.
Glosam, secretos, altos motes,
Dados no idioma do Mistério —
Soldados no, mas sacerdotes,
Do Quinto império.
Aquit Aqui! Todos que sao.
© Portugal que é tudo em si,
Venham do abismo ou da ilusio,
Todos aquitArmada intérmina surgindo,
Sobre ondas de uma vida estranha,
Do que por haver ou do que é vindo —
E 0 mesmo: venha!
‘Vos nao soubesses 0 que havia
No fundo incégnito da raga,
Nem como a Mio, que tudo guia,
Seus planos traca.
‘Mas um instinto involuntario,
Um impeto de Portugal,
Encheu vosso destino vario
De um dom fatal,
De um rasgo de ir além de tudo,
De passar para além de Deus,
E, abandonando 0 Gladio e 0 escudo,
Galgar os céus.
Titas de Cristo! Cavaleiros
De uma cruzada além dos astros,
De que esses astros, aos milheiros,
Sao 86 0s rastros.
Vibra, estandarte feito som,
No ar do mundo que ha de se
Nada pequeno ¢ justo e bom.
Vibra a veneer!
Transcende a Grécia e a sua historia
Que em nosso sangue continua!
Deixa atras Roma ea sua gloria
Ea Igreja sua!
Depois transcende esse furor
Ea todos chama ao mundo visto.
Hereges por um Deus maior
E um novo Cristo!
Vinde aqui todos os que sois,
Sabendo-o bem, sabendo-o mal,
Poetas, ou Santos ou Herdis
De Portugal.
Ni foi para servos que nascemos
De Grécla ou Roma ou de ninguém.
Tudo negamos e esquecemos:
Fomos para além.Vibra, clarim, mais alto! Vibra!
Grita a nossa dinsia ja ciente
Que o seu inteiro véo libra
De poente a oriente.
Vibra, clarim! A todos chama!
Vibra! E tu mesmo, voz a arder,
0 Portugal de Deus proclama
Com o fazer!
0 Portugal feito Universo,
Que retine, sob amplos céus,
O corpo andnimo e disperso
De Osirls, Deus.
© Portugal que se levanta
Do fundo surdo do Destino,
FE, como a Grécia, obscuro canta
Baco divino.
Aquele inteiro Portugal,
Que, universal perante a Cruz,
Reza, ante a Cruz universal,
Do Deus Jesus.
Para Além Doutro Oceano de C[oelho] Pacheco
Num sentimento de febre de ser para além doutro oceano
Houve posigdes dum viver mais claro e mais limpido
E aparéncias duma cidade de seres
Nio irreais mas lividos de impossibilidade, consagrados em pureza ¢ em nudez
Fui portico desta visdo irrita e os sentimentos eram s6 0 desejo de os ter
A nogio das coisas fora de si, tinha-as cada um adentro
Todos viviam na vida dos restantes
Ea manelra de sentir estava no modo de se viver
Mas a forma daqueles rostos tinha a placidez do orvalho
A nudez era um silencio de formas sem modo de ser
E houve pasmos de toda a realidade ser 6 isto
Mas a vida era a vida e sé era a vida
‘O meu pensamento muitas vezes trabalha silenciosamente
Com a mesma dogura duma maquina untada que se move sem fazer barulho
Sinto-me bem quando ela assim vai e ponho-me imével
Para nio desmanchar 0 equilibrio que me faz t@-Lo desse modo
Pressinto que é nesses momentos que o meu pensamento é claro
Mas eu no 0 oico ¢ silencioso ele trabalha sempre de mansinho
Como uma maquina untada movida por uma correia
E nao posso ouvir sendo o deslizar sereno das pecas que trabalham
Eu lembro-me as vezes de que todas as outras pessoas devem sentir isto como eu
Mas dizem que thes déi a cabeca ou sentem tonturas
Esta lembranga veio-me como me podia vir outra qualquer
‘Como por exemplo a de que eles nao sentem esse deslizar
E no pensam em que 0 nao sentemNeste saldio antigo em que as panéplias de armas cinzentas
Sao a forma dum areaboigo em que ha sinais doutras eras
Passeio o meu olhar materializado e destaco de escondido nas armaduras,
Aquele segredo de alma que é a causa de eu viver
Se fito na panplia o olhar mortificado em que ha desejos de nao ver
Toda a estrutura férrea desse arcaboico que eu pressinto nao sei por qué
Se apossa do meu senti-la como um claro de lucidez
Hi som no serem iguais dois elmos que me escutam
A sombra das langas de ser nitida marca a indecisao das palavras
Disticos de incerteza bailam incessantemente sobre mim
Oigo ja as coroagies de herdis que hao de celebrar-me
E sobre este vicio de sentir encontro-me nos mesmos espasmos
Da mesma poeira cinzenta das armas em que ha sinais doutras eras
Quando entro numa sala grande e nua 4 hora do crepisculo
E que tudo ¢ siléncio ela tem para mim a estrutura duma alma
E vaga e poeirenta e os meus passos tém ecos estranhos
‘Como os que ecoam na minha alma quando eu ando
Por suas janelas tristes, entra a luz adormecida de la de fora
E projeta na parede escura em frente as sombras e as penumbras
‘Uma sala grande e vazia é uma alma silenciosa
Eas correntes de ar que levantam po so os pensamentos
Um rebanho de ovelhas, é uma coisa triste
Porque Ihe nao, devemos poder associar outras idéias que nao sejam tristes
E porque assim é e sé porque assim é porque é verdade
Que devemos associar idéias tristes a um rebanho de ovelhas
Por esta razo e $6 por esta razao é que as ovelhas sao realmente tristes
Eu roubo por prazer quando me dao um objeto de valor
E eu dou em troca uns bocados de metal. Esta idéia nao é comum nem banal
Porque eu encaro-a de modo diferente ¢ no ha relagio entre um metal ¢ outro objeto
Se eu fosse comprar lato e desse aleachofras prendiam-me
Eu gostava de ouvir qualquer pessoa expor e explicar
© modo como se pode deixar de pensar em que se pensa que se faz uma coisa
E assim perderia o receio que tenho de que um dia venha a saber
Que o pensar eu em coisas e no pensar nao passa duma coisa material e perfeita
A posigao dum corpo nao é indiferente para 0 seu equilibrio
E aesfera nao é um corpo porque no tem forma
Se é assim e se todos ouvimos um som em qualquer posigio
Infiro que ele nao deve ser um corpo
‘Mas os que sabem por intuico que o som no é um corpo
Nao seguiram o meu raciocinio e essa nogao assim nio lhes serve para nada
Quando me lembro que ha pessoas que jogam as palavras para fazerem espirito
E se riem por isso e contam casos particulares da vida de cada um.
Para assim se desenfastiarem e que acham graca aos palhagos de circo
E se incomodam por Ihes cair uma nédoa de azeite no fato novo
to-me feliz por haver tanta coisa que eu nao compreendo
Na arte de cada operario vejo toda uma geracio a esbater-se
E por isso eu nao compreendo arte nenhuma e vejo essa geracao
operario no vé na sua arte nada duma geracio
E por isso ele é operario e conhece a sua arteO meu fisico é muitas vezes causa de eu me amargurar
Eu sei que sou uma coisa a porque no sou diferente de uma coisa qualquer
Sei que as outras coisas serao como eu e tém de pensar que eu sou uma coisa comum
Se portanto assim é eu no penso mas julgo que penso
E esta maneira de me eu acondicionar ¢ boa e alivia-me
Eu amo as alamedas de arvores sombrias e curvas
E ao caminhar em alamedas extensas que o meu olhar afeigoa
Jamedas que o meu olhar afeigoa sem que eu saiba como
Elas slo portas que se abrem no meu ser incoerente
E sio sempre alamedas que cu sinto quando o pasmo de ser assim me distingue
Muitas vezes oculto-me sensaces ¢ gostos
E entio elas variam e esto em acordo com as dos outros
Mas eu nao as sinto e também nao sei que me engano
Sentir a poesia é a manelra figurada de se viver
Eu no sinto a poesia nao porque nao saiba o que ela é
‘Mas porque nio posso viver figuradamente
E se o conseguisse tinha de seguir outro modo de me acondicionar
A condicao da poesia é ignorar como se pode senti-la
‘Ha coisas belas que sao belas em si
Mas a beleza intima dos sentimentos espelha-se nas coisas
E se elas so belas nés nao as sentimos
Na seqiiéncia dos passos nao posso ver mais que a seqiiéncia dos passos
E eles seguem-se como se eu os visse seguirem-se realmente
Do fato deles serem tio iguais a si mesmo
E de no haver uma seqiiéncia de passos que 0 nao seja
E que eu vejo a necessidade de nos nao iludirmos sobre o sentido claro das coisas
Assim haviamos de julgar que um corpo inanimado sente e vé diferentemente de nos
E esta nocio pode ser admissivel demais seria incomoda e fatil
‘Se quando pensamos podemos deixar de fazer movimento e de falai
Para que é preciso supor que as coisas no pensam
Se esta maneira de as ver ¢ incoerente e ficil para 0 espirito?
Devemos supor e este é 0 verdadeiro caminho
Que nés pensamos pelo fato de o podermos fazer sem nos mexermos nem falar
Como fazem as coisas inanimadas
Quando me sinto isolado a necessidade de ser uma pessoa qualquer surge
E redemoinha em volta de mim em espirais oscilantes
Esta maneira de dizer nao ¢ figurada
E eu sei que ela redemoinha em volta de mim como uma borboleta em volta de uma luz
Vejo-Ihe sintomas de cansago e horrorizo-me quando julgo que ela vai eair
Mas de nunea suceder isso acontece eu estar as vezes isolado
Hi pessoas a quem o arranhar das paredes impressiona
E outras que se no impressionam
‘Mas 0 arranhar das paredes é sempre igual
Ea diferenca vem das pessoas. Mas se ha diferenca entre este sentir
Havera diferenca pessoal no sentir das outras coisas
E quando todos, pensem igual duma coisa é porque ela é diferente para cada umA memoria é a faculdade de saber que havemos de viver
Portanto os amnésicos nao podem saber que vivem
Mas eles so como eu infelizes e eu sei que estou vivendo e hei de viver
Um objeto que se atinge um susto que se tem
Sio tudo maneiras de se viver para os outros
Eu desejaria viver ou ser adentro de mim como vivem ou siio os espagos
Depois de comer quantas pessoas se sentam em cadeiras de balanco
Ajeltam-se nas almofadas fecham os olhos e deixam-se viver
Nao ha luta entre o viver ea vontade de nio viver
Ou entio — e isto é horroroso para mim — se ha realmente essa luta
Com um tiro de pistola matam-se tendo primeiro, escrito cartas
Deixar-se viver é absurdo como um falar em segredo
Os artistas de circo sio superiores a mim
Porque sabem fazer pinos e
E dio os saltos s6 por os dar
E se eu desse um salto havia de querer saber por que o dava
E os dando entristecia-me
Eles nao sao capazes de dizer como é que os dao
‘Mas saltam como sé eles sabem saltar
E nunca perguntaram a si mesmos se realmente saltam
Porque eu quando vejo alguma colsa
Nao sei se ela se da ou nao nem posso sabé-lo
S6 sel que para mim é como se ela acontecesse porque a vejo
‘Mas nao posso saber se vejo coisas que nao acontecam
E se as visse também podia supor que elas sucediam
Uma ave é sempre bela porque é uma ave
E as aves so sempre belas
‘Mas uma ave sem penas ¢ repugnante como um sapo
E um montio de penas nio é belo
Deste fato tio nu em si nao sei induzir nada
E sinto que deve haver nele alguma grande verdade
© que eu penso duma vez nunca pode ser igual ao que eu penso doutra vez
E deste modo eu vivo para que os outros saibam que vivem
As vezes ao pé dum muro vejo um pedreiro a trabalhar
Ea sua maneira de existir e de poder ser visto ¢ sempre diferente do que julgo
Ele trabalha e ha um incitamento dirigido que move os seus bracos
‘Como é que acontece estar ele trabalhando por uma vontade que tem disso
E eu nao esteja trabalhando nem tenha vontade disso
E nao possa ter compreensio dessa possibilidade?
Ele nao sabe nada destas verdades mas nao é mais feliz do que eu com certeza
Em dileas doutros parques pisando as folhas secas
Sonho as vezes que sou para mim e que tenho de viver
‘Mas nunca passa este ver-me de ilusi0
Porque me vejo afinal nas aleas desse parque
Pisando as folhas secas que me escutam
Se pudesse ao menos ouvir estalar as folhas secas
Sem ser eu que as pisasse ou sem que elas me vissem
Mas as folhas secas redemoinham e eu tenho de as pisar
Se ao menos nesta travessia eu tivesse um outro como toda a genteUma obra-prima no passa de ser uma obra qualquer
E portanto uma obra qualquer é uma obra-prima
Se este raciocinio é falso nao é falsa a vontade
Que eu tenho de que ele seja de fato verdadeiro
E para os usos do meu pensar isso me basta
Que importa que uma idéia seja obscura se ela é uma idéla
E uma idéia nao pode ser menos bela do que outra
Porque nao pode haver diferenca entre duas idéias
E Isto ¢ assim porque eu vejo que isto tem de ser assim
Um eérebro a sonhar é 0 mesmo que pensa
E os sonhos nao podem ser incoerentes porque nio passam de pensamentos
Como outros quaisquer. Se vejo alguém olhando-me
‘Comego sem querer a pensar como toda a gente
E ¢ tao doloroso isso como se me marcassem a alma a ferro em brasa
Mas como posso eu saber se é doloroso marear a alma a ferro em brasa
‘Se um ferro em brasa é uma idéia que eu nado compreendo
O descaminho que levaram as minhas virtudes comove-me
Compunge-me sentir que posso notar se quiser a falta delas
Eu gostava de ter as minhas virtudes gostosas que me preenchessem
Mas s6 para poder gozar e possui-las e serem minhas essas virtudes
Ha pessoas que dizem sentir 0 coragio despedacado
Mas nio entrevistam sequer o que seria de bom.
Sentir despedagarem-nos 0 coracio
Isso é uma coisa que se nao sente nunca
‘Mas niio é essa a razio por que seria uma felicidade sentir o coragio despedagado
Num saléo nobre de penumbra em que ha azulejos
Em que ha azulejos azuis colorindo as paredes
E de que 0 cho é escuro e pintado e com passadeiras de juta
Dou entrada as vezes coerente por demais
Sou naquele salio como qualquer pessoa
Mas 0 sobrado ¢ concavo e as portas nio acertam
A tristeza das bandeiras crucificadas nos entrevaos das portas
E uma tristeza feita de silencio desnivelada
Pelas janelas reticuladas entre a luz quando é dia,
Que entorpece os vidros das bandeiras ¢ recolhe a recantos montes de negrume
Correm is vezes frios ventosos pelos extensos corredores
Mas ha cheiro a vernizes velhos e estalados nos recantos dos salées
E tudo ¢ dolorido neste solar de velharias
Alegra-me as vezes passageiramente pensar que hei de morrer
E serei encerrado num caixio de pau cheirando a resina
© meu corpo ha de derreter-se para liquidos espantosos
As feigdes desfar-se-do em varios podres coloridos
E Ir aparecendo a cavelra ridicula por baixo
Muito suja e muito cansada a pestanejarQuadras ao Gosto Popular
Cantigas de portugueses
Sio como bareos no mar —
Vio de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.
Eu tenho um colar de pérolas
Enflado para te dar:
As per'las sao os meus beijos,
flo 60 meu penar.
A terra é sem vida, e nada
Vive mais que 0 coragio...
E envolve-te a terra fria
Ea minha saudade nao!
Deixa que um momento pense
Que ainda vives ao meu lado...
Triste de quem por si mesmo
Precisa ser enganado!
Morto, hei de estar ao teu lado
Sem o sentir nem saber...
‘Mesmo assim, isso me basta
P'ra yer um bem em morrer.
Nao sei se a alma no Além vive..
Morreste! E eu quero morrer!
Se vive, ver-te-el; se nao,
‘Sé assim te posso esquecer.
Se ontem & tua porta
Mais triste o vento passou —
Olha: levava um suspiro...
Bem sabes quem to mandou...
Entreguei-te 0 coragio,
E que tratos tu Ihe deste!
E talvez por 'star estragado
Que ainda nao mo devolveste ...
A caixa que no tem tampa
Fica sempre destapada
Da-me um sorriso dos teus
Porque no quero mais nada,
Tens 0 leque desdobrado
Sem que estejas a abanar.
Amor que pensa e que pensa
‘Comeca ou vai acabar.Duas horas te esperei
Dols anos te esperaria.
Dize: devo esperar mais?
Ou nao vens porque inda é dia?
‘Toda a noite ouyi no tanque
‘A pouca Agua a pingar.
‘Toda a noite ouvi na alma
Que nao me podes amar,
Dias sao dias, e noites
Sao noites e nao dormi...
Os dias a nao te ver
As noites pensando em ti,
Trazes a rosa na mao
E colheste-a distraid:
E que é do meu coragio
Que colheste mais sabida?
‘Teus olhos tristes, parados,
Coisa nenhuma a fitar...
Ah meu amor, meu amor,
Se eu fora nenhum lugar!
Depois do dia vem noite,
Depols da noite vem dia
E depois de ter saudades
‘Vem as saudades que havia.
No baile em que dangam todos
Alguém fica sem dangar.
Melhor é nio ir ao baile
Do que estar La sem la estar.
Vale a pena ser discreto?
Nao sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.
Rosmaninho que me deram,
Rosmaninho que darei,
Todo o mal que me fizeram
Sera o bem que eu farei.
Tenho um relogio parado
Por onde sempre me guio.
O relégio é emprestado
E temas horas a fio.
Quando é o tempo do trigo
E 0 tempo de trigar,
A verdade é um postigo
A que ninguém vem falar.Levas chinelas que batem
No chiio com o calcanhar.
Antes quero que me matem
Que ouvir esse som parar.
Em vez da saia de chita
Tens uma saia melhor.
De qualquer modo és bonita,
E o bonita ¢ o pior.
Levas uma rosa ao p
E tens um andar que é teu...
Antes tivesses o jeito
De amar alguém, que sou eu.
Teus brincos dancam se voltas
A cabega a perguntar.
0 como andorinhas soltas
‘Que inda nao sabem voar.
‘Tens uma rosa na mao.
Ni sei se é para me dar
As rosas que fens na cara,
Essas sabes tu guardar.
Fomos passear na quinta,
Fomos a quinta em passeio.
Niio ha nada que eu nio sinta
Que me nao faca um enleio.
Os alcatruzes da nora
Andam sempre a dar e dar,
E para dentro e pra fora
E nio sabem acabar,
O minha menina loura,
6 minha loura menina,
Dize a quem te vé agora
Que ja foste pequenina ...
Tens um livro que nio Iés,
‘Tens uma flor que desfolhas;
Tens um coracao aos pés
E para ele nio olhas.
Nunca dizes se gostaste
Daquilo que te calei.
Sei bem que o adivinhaste.
O que pensaste nio sei.
O vaso que det quem
Que nao sabe quem Iho deu
Hi de ser posto 4 janela
Sem ninguém saber que, é meu.Tive uma flor para dar
A quem nio ousel dizer
Que Ihe queria falar,
E a flor teve que morrer.
Quando olhaste para tris,
Nao supus que era por mim.
‘Mas sempre olhaste, ¢ isso faz
Que fosse melhor assim.
Todos os dias eu penso
Naquele gesto engracado
‘Com que pegaste no lenco
Que estava esquecido ao lado,
Tens uma salva de prata
Onde poes os alfinetes...
Mas nio tem salva nem prata
Aquilo que tu prometes.
Adivinhei o que pensas
S6 por saber que nao era
Qualquer das coisas imensas
Que a minh'alma sempre espera.
Ouvi-te cantar de
De noite te ouvi cantar.
Ai de mim, se é de alegria!
Ai de mim, se é de penar!
Por um pticaro de barro
Bebe-se a agua mais fria.
Quem tem tristezas nao dorme,
Vela para ter alegria.
O malmequer que arrancaste
Deu-te nada no seu fim,
‘Mas 0 amor que me arrancaste,
Se deu nada, foi a mim.
Teu xaile de seda escura
E posto de tal feicio
Que alegre se dependura
Dentro do meu coragio.
O manjerico comprado
Nao é melhor que 0 que dio.
Poe o manjerico ao lado
E da-me o teu coragao.
Rosa verde, rosa verde,...
Rosa verde é coisa que ha?
F uma coisa que se perde
Quando a gente nao estiArosa que se nao colhe
Nem por isso tem mais vida.
Ninguém ha que te no olhe
Que te ndo queira colhida,
Ha verdades que se dizem
E outras que ninguém dia.
Tenho uma coisa a dizer-te
Mas niio sei onde ela esti.
Quando ao domingo passeias
Levas um vestido claro,
Nao € 0 que te conhego
Mas é em ti que reparo.
Tenho vontade de ver-te
‘Mas nio sei como acertar.
Passelas onde no ando,
Andas sem eu te encontrar.
Andorinha que passaste,
Quem é que te esperaria?
S6 quem te visse passar.
E esperasse no outro dia.
Nuvem do céu, que pareces
Tudo quanto a gente quer,
Se tu, ao menos, me desses
O que se nio pode ter!
© burburinho da Agua
No regato que se espalha
E como a ilusao que é magoa
Quando a verdade a baralha.
Leve sonho, vais no chio
A andares sem teres ser.
Es como 0 meu coragio
Que sente sem nada ter.
Vai alta a nuvem que passa.
Vai alto 0 meu pensamento
Que é escravo da tua graga
Como a nuvem 0 é do vento.
Ambos 4 beira do poco
Achamos que é muito fundo.
Deita-se a peda, e 0 que eu ouco
¥ teu olhar, que é meu mundo.Aquela senhora velha
Que fala com tio bom modo
Parece ser uma abelha
Que nos diz: "Nao incomodo".
Maria, se eu te chamar,
Maria, vem ca dizer
Que nao podes ed chegar.
Assim te consigo ver.
Boca com olhos por cima
Ambos a estar a sorrir...
Ji sei onde esti a rima
Do que nio ouso pedir.
Quem lavra julga que lavra
Mas quem lavra é 0 que acontece...
Nao me das uma palavra
Ea palavra nao me esquece.
‘Tinhas um pente espanhol
No cabelo Portugués,
‘Mas quando te olhava 0 sol,
Eras s6 quem Deus te fez.
Boca de riso escarlate
E de sorriso de rir...
‘Meu coragao bate, bate,
Bate de te ver e ouvir.
Quem me dera, quando fores
Pela rua sem me ver,
Supor que ha coisas melhores
E que eu as pudera ter.
Acendeste uma candela
Com esse ar que Deus te deu,
Ja nao é noite na aldeia
E, se calhar, nem no eéu,
Eu te pedi duas vezes
Duas vezes, bem 0 sei,
Que por fim me respondesses
Ao que nao te pergunt
Nao digas mal de ninguém
Que é de ti que dizes mal
Quando dizes mal de alguém
‘Tudo no mundo ¢ igual.
Todas as coisas que dizes
Afinal nao sao verdade.
Mas, se nos fazem felizes,
Isso é a felicidade.Dis nés na linha que cose
Para que pare no fim.
Por muito que eu pense e ouse,
Nunea dis né para mim,
Nio sei em que coisa pensas
Quando coses sossegada...
Talvez naquelas ofensas
Que fazes sem dizer nada.
As gaivotas, tantas, tantas,
Voam no rio pro mar...
‘Também sem querer encantas,
Nem é preciso voar.
As ondas que a maré conta
Ninguém as pode contar.
Se, ao passar, ninguém te aponta,
Aponta-te com o olhiar.
Todos os dias que passam
Sem passares por aqui
Sao dias que me desgragam
Por me privarem de ti.
Quando cantas, disfarcando
Com a cantiga 0 cantar,
Parece o vento mais brando
Nesta brandura do ar.
Nao sei que grande tristeza
‘Me fez sé gostar de ti
Quando ja tinha a certeza
De te amar porque te vi.
A mantilha de espanhola
Que trazias por trazer
Nio te dava um ar de tola
Porque 0 nio podias ter.
Boca de riso escarlate
Com dentes brancos no meio,
Meu coragio bate, bate,
Mas bate por ter receio.
Se ha uma nuvem que passa
Passa uma sombra também.
Ninguém diz que é desgraca
Nao ter 0 que se no tem.Tu, ao canto da janela
Sorrias a alguém da rua,
Porqué ao canto, se aquela
Posi¢ao nao é a tua?
Da-me, um sorriso ao domingo,
Para a segunda eu lembrar.
Bem sabes: sempre te sigo
E nao € preciso andar.
Tens olhos de quem nao quer
Procurar quem eu nao sel.
Se um dia o amor vier
Olhariis como eu olhel.
Pobre do pobre que é ele
E nao é quem se fingiu!
Por muito que a gente vele
Descobre que jé dormiu.
Nao me digas que me queres
Pois nao sei acredita:
No mundo ha muitas mulheres
Mas mentem todas a par.
Agua que nao vem na bilha
E como se niio viesse.
Como a mie, assim a filha...
Antes Deus as nio fizesse.
© Ioura dos olhos tristes
Que me nao quis ese
Quero s6 saber se existes
Para ver se te hei de amar.
Hi grandes sombras na horta
Quando a amiga la vai ter...
Ser feliz é 0 que importa,
Nao importa como o ser!
O moinho de café
Méi gros e faz deles pé.
O po que a minh‘alma é
Moeu quem me deixa so.
Dizem que nao és aquela
Que te julgavam aqui.
‘Mas se és alguém e és bela
Que mais quererao de ti?
‘Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueco de ti.
F um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi.Olhos tristes, grandes, pretos,
Que dizeis sem me falar
Que nio hi filhos nem netos
De eu nao querer amar.
Meu coracio a bater
Parece estar-me a lembrar
Que, se um dia te esquecer,
Sera por ele paar.
Quantas vezes a meméria
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande historia
Em que ninguém esta presente
Trazes 0 vestido novo
Como quem sabe o que faz.
Como és bonita entre 0 povo,
‘Mesmo ficando para tras!
A tua boca de riso
Parece olhar para a gente
Com um olhar que é preciso
Para saber que se sente.
A laranja que escolheste
Nao era a melhor que havia.
Também o amor que me deste
Qualquer outra mo daria.
Se o sino dobra a finados
Ha de deixar de dobrar.
Da-me os teus olhos fitados
E deixa a vida matar!
Por muito que pense e pense
No que nunca me disseste,
Teu silencio nao convence.
Faltaste quando vieste,
‘Tome la, minha menina,
O ramalhete que fiz.
Cada flor é pequenina,
Mas tudo junto ¢ feliz.
A vida é pouco aos bocados.
O amor é vida a sonhar.
Olho para ambos os Iados
E ninguém me vem falar.Dei-Ihe um beljo ao pé da boca
Por a boca se esquivar.
A idéia talvez foi louca,
O mal foi nio acertar.
‘Compras carapaus ao cento,
Sardinhas ao quarteirio.
S6 tenho no pensamento
Que me disseste que nio.
Duas horas te esperei
Duas mais te esperaria.
Se gostas de mim nao sei
Algum dia ha de ser dia...
Tenho um desejo comigo
Que me traz longe de mim.
E saber se isto é contigo
Quando isto nao é assim.
Leve vem a onda leve
Que se estende a adormecer,
Breve vem a onda breve
Que nos ensina a esquecer
Quando a manha aparece
Dizem que nasce alegria.
Isso era se Ela viesse.
Até de noite era dia.
Nuvem alta, nuvem alta,
Porque é que tao alta vais’
Se tens o amor que me falta,
Desce um pouco, desce mais!
Teu carinho, que é fingido,
Da-me o prazer de saber
Que inda nao tens esquecido
O que o fingir tem de ser.
A luva que retiraste
Deixou livre a tua mio.
Foi com ela que tocaste,
Sem tocar, meu coracio.
O avental, que a gaveta
Foste buscar, nao tera
Algibeira em que me meta
Para estar contigo ji?
Quando vieste da festa,
‘Vinhas cansada e contente,
A minha pergunta é esta.
Foi da festa ou foi da gente?Rouxinol que no cantaste,
Galo que nio cantaras,
Qual de vés me empresta 0 canto
Para ver o que ela faz?
Quando chegaste 4 janela
‘Todos que estavam na rua
Disseram: olha, é aquela,
Tal a graca que é tua!
Nuvem que passas no céu,
Dize a quem nao perguntou
Se é bom dizer a quem de
"O que deste, nao to dou."
"Vou trabalhando a peneira
E pensando assim assim.
Eu nio nascl para freira.
Gosto que gostem de mim."
Roseiral que no das rosas
Sendo quando as rosas vém,
Ha muitas que sio formosas
Sem que o amor Ihes va bem.
Ri
Que vais a correr ao léu
Tu vais a correr sozinho,
Ribeirinho, como eu.
'Vesti-me toda de novo
E calcel sapato baixo
Para passar entre 0 povo
E procurar quem nio acho.”
Tua boca me diz sim,
Teus olhos me dizem nao.
Ai, se gostasses de mim
E sem saber a razio.
Quero Li saber por onde
Andaste todo este dia!
Nunca faz-bem quem se esconde
Mas onde foste, Maria?
O vaso do manjerico
Calu da janela abaixo.
Vai bused-lo, que aqi
Aver se sem ti te acho.
ficoO cravo que tu me deste
Era de papel rosado.
Mas mais bonito era inda
O amor que Me foi negado,
‘Trazes os sapatos, pretos
Cinzentos de tanto po.
Feliz é quem tiver netos
De quem tu sejas avo!
‘Vem de Li do monte verde
A trova que nao entendo.
E um som bom que se perde
Enquanto se val vivendo.
Moreninha, moreninha,
‘Com olhos pretos a rir.
Sei que nunca seras minha,
Mas quero ver-te sorrir.
Puseste a chaleira ao lume
Com um jeito de desdém.
Suma-te 0 diabo que sume
Primeiro quem te quer bem!
‘La vem o homem da capa
Que ninguém sabe quem é...
Se o lenco os olhos te tapa
Velo os teus olhos por fé.
Loura dos olhos dormentes,
Que sio azuls e amarelos,
Se as minhas maos fossem pentes,
Penteavam-te os cabelos.
O sino dobra a finados.
Faz tanta pena a dobrar!
Nio é pelos tens pecados
‘Que estaio vivos a saltar.
‘Traze-me um copo com agua
Ea maneira de o trazer.
Quero ter a minha magoa
‘Sem mostrar que a estou a ter.
Otha 0 teu leque esquecido!
Olha 0 teu cabelo solto!
Maria, toma sentido!
Maria, sendo nio volto!
Ja duas vezes te disse
Que nunca mais te diria
O que te torno a dizer
E fica para outro dia.Lavadeira a bater roupa
Na pedra que esta na agua,
Achas minha migoa pouca?
E muito tudo 0 que é magoa.
0 teu lenco foi mal posto
Pela pressa que to pos.
Mais mal posto é o meu desgosto
Do que no ha entre nés.
Olhos de veludo falso
E que fitam a entender,
Vis sois 0 meu eadafalso
A que subo com prazer.
Duas vezes eu tentei
Dizer-te que te queria,
E duas vezes te ache
So a que falava e ria.
‘Meu coragao ¢ uma barea
Que nao sabe navegar.
Guardo o linha na area
Com um ar de o acarinhar.
Tenho um desejo comigo
Que hoje te venho dizer:
Queria ser teu amigo
Com amizade a valer.
Es Maria da Piedade
Pois te chamaram assim.
Sé 14 Maria a vontade,
Mas tem piedade de mim.
Tu Es Maria da Graga,
Mas a que graca é que vem
Ser essa graca a desgraca
De quem a graca nao tem?
Caiu no chao o novelo
E foi-se desenrolando.
Passas a mao no cabelo.
Nao sei em que estiis pensando.
A tua saia, que é curta,
Delxa-te a perna a mostrar:
‘Meu coracio ja se furta
A sentir sem eu pensar.Meu amor ¢ fragateiro.
Eu sou a sua fragata,
Alguns vao atras do cheiro,
Outros vio sé pela arreta.
Vai longe, na serra alta,
A nuvem que nela toc:
Di-me aquilo que me fal
s beijos da tua boca.
HA um doido na nossa voz
Ao falarmos, que prendemos:
Eo mabestar entre nés
Que vem de nos percebermos.
Teu vestido porque é teu,
Nao é de cetim nem chita.
E de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.
Entornaram-me 0 cabaz
Quando eu vinha pela estrada.
Como ele estava vazio,
Nio houve loiga quebrada,
rosario da vontade,
Rezel-o trocado e a esmo.
Se vens dizer-me a verdade,
Vé ld bem se é isso mesmo.
Castanhetas, castanholas —
Tudo ¢ barulho a estalar.
As que ao negar sio mais tolas
Sio mais espertas ao dar.
O manjerico ea bandeira
Que ha no cravo de papel —
Tudo isso enche a noite inteira,
O boca de sangue e mel.
Tem A filha da caseira
Rosas na caixa que tem.
Toda ela é uma rosa inteira
Mas nio a cheira ninguém.
A moga que ha na estalagem
Ri porque gosta de rir.
Nav sei o que é da viagem
Por esta moga existir.
Lengo preto de orla branca
Ataste-o mal a valer
A roda desse pescoco
Que tem que se Ihe dizer.Aquela loura de preto
Com uma flor branca ao peito,
Eo retrato completo
De como alguém é perfeito.
A tua janela ¢ alta,
A tua casa branquinha.
Nada Ihe sobra ou the falta
Sendio morares sozinha.
‘Vem ca dizer-me que sim.
Ou vem dizer-me que nao.
Porque sempre vens assim
P'ra ao pé do meu coragio,,
Cortaste com a tesoura
O pano de lado a lado.
Porque é que todo teu gesto
‘Tem a feigao de engragado?
Ai, os pratos de arroz doce
Com as linhas de canela!
Ai a mio branca que os trouxe!
Ai essa mao ser a delat
Frescura do que é regado,
Por onde a gua inda verte...
Quero dizer-te um bocado
Do que nio ouso dizer-te.
0 pastora, 6 pastorinha,
Que tens ovelhas e riso,
Teu riso ecoa no vale
E nada mais é preciso,
A abanar o fogareiro
Ela corou do calor.
Ah, quem a far corar
De um outro modo melhor!
Manjerico que te deram,
Amor que te querem dar...
Recebeste 0 manjerico.
O amor fica a esperar.
Dona Rosa, Dona Rosa.
De que roselra é que vem,
Que no tem senio espinhos
Para quem sé Ihe quer bem?O laco que tens no peito
Parece dado a fingir.
Se calhar ja estava feito
‘Como o teu modo de rir.
Dona Rosa, Dona Rosa,
Quando eras inda botio
Disseram-te alguma cousa
Dea flor nio ter coracio?
Tenho um segredo a dizer-te
Que no te posso dizer.
E com isto ja to disse
Estavas farta de 0 saber ..
Os ranchos das raparigas
Vio a cantar pela estrada...
Nao oigo as suas cantigas
Sé tenho pena de nada.
Rezas porque outros rezaram,
E vestes 4 moda alheia...
Quando amares vé se amas
Sem teres o amor na idéia,
Asenhora da Agonia
‘Tem um nicho na Igreja.
Mas a dor que me agonia
Nao tem ninguém quem a veja.
Aparta 0 cabelo ao meio
A do cabelo apartado.
E a estrelinha em que leio
Que estou a ser enganado.
Esse frio cumprimento
‘Tem ironia p'ra mim.
Porque é 0 mesmo movimento
‘Com que a gente diz que sim...
Vejo ligrimas luzir
Nos teus olhos de fingida.
E como quando a janela
‘Chegas, um pouco escondida.
Trincaste, para o partir,
O retrés de costurar.
Quem no soubesse diria
Que o estavas a beijar.
Deixaste o dedal na mesa
S6 pelo tempo da auséncia —
Se eu to roubasse dirias
Que eu nao tinha conseDi-me um sorriso daqueles
Que te nao servem de nada
Como se da as criancas
Uma caixa esvaziada,
canario ja nio canta.
Nao canta o eanario j4
Aquilo que em time encanta
Talvez no me encantara.
Rezas a Deus ao deitar-te
Pedindo nio sei o qué.
Se rezasses ao Deminio,
Eu saberia o que é.
Boca que tens um sorriso
‘Como se fosse um florir,
‘Teus olhos chelos de riso
Dio-Ihe um orvalho de
Uma boneca de trapos
Nao se parte se, cair.
Fizeste-me a alma em farrapos
Bem: nao se pode partir.
O que sinto eo que penso
De tié bem e é mal.
E como quando uma xicara
‘Tem o pires desigual.
Levas a mio ao cabelo
Num gesto de quem nao cré.
Mas eu nao te disse nada.
Duvidas de mim? Porqué?
Compreender um ao outro
E um jogo complicado.
Pois quem engana nao sabe
Se nao estava enganado.
A roda dos dedos juntos
Enrolaste a fita a rir.
Coragies nao sio assuntos
E falar nao é senti
‘Chama-te boa, e 0 sentido
Nao é bem o que eu supunha.
Boa nao é apelido:
£, quando muito, alcunha.Tu Es Maria das Dores,
Tratam-te s6 por Maria.
Esta bem, porque deste as dores
A quem quer que em tise fia.
Se vais de vestido novo
O teu préprio andar o diz,
E ao passar por entre 0 povo
Até teu corpo é feliz.
Tens um anel imitado
Mas vais contento de o ter.
Que importa o falsificado
Se é verdadeiro o prazer.
Tenho ainda na lembranga
Como uma coisa que veio,
© quando inda eras crianga.
Nunca mais me dis um beijo!
O ar do campo vem brando,
Faz sono haver esse ar.
Ja nio sei se estou sonhando
Nem de que serve sonhar.
Quando ela pds o chapéu
Como se tudo acabasse,
Sofri de no haver véu
Que inda um pouco a demorasse.
Quem te deu aquele anel
Que ainda ontem nio tink
Como tu foste infiel
A certas idéias minhas!
Essa costura 4 janela
Que Ihe inclinou a eabega
Fez-me ver como era dela
Que o coragao tinha pressa,
ribeiro bate, bate
Nas pedras que nele estio,
Mas nem ha nada em que bata
O meu pobre coracio.
Nunca houve romaria
Que se lembrassem de mim.
Também quem se lembraria
De quem se lamenta assim?
Comes melio is dentadas
Porque assim nao deve ser.
Nio sei se essas gargathadas
Me fazem rir ou sofrer.Hi dois dias que no vejo
Modo de tornar-te a ver:
Se outros também te nao vissem,
Desejava sem softer.
teu cabelo cortado
A maneira de rapaz
Nao deixa justificado
Aquele amor que me faz,
Se te queres despedir
Nio te despidas de mim,
Que eu nio posso consentir
Que tu me trates assim.
Quem te fez assim tao linda
Ni 0 fez para mostrar
Que se é mais linda ainda
Quando se sabe negar.
Floriu a roseira toda
Com as rosas de trepar...
‘Tua cabega anda a roda
Mas sabes-te equilibrar.
Morena dos olhos bacos
Velados de nio sel qué,
No mundo hi falta de bracos
Para o que o teu olhar vé.
Quando compées 0 cabelo
Com tua mao distraida
Fazer-me um grande novelo
No pensamento da vida.
Teus olhos de quem nao fita
Vagueiam, ‘sto na distincia.
Se fosses menos bonita,
Isso nao tinha importancia.
Tocam sinos a rebate
E levantaste-te logo.
‘Teu coragio s6 nao bate
Por a quem puseste fogo.
O coragio & pequeno,
Coitado, e trabalha tanto!
De dia a ter que chorar,
De noite a fazer o pranto ...Deram-me um cravo vermelho
Para eu ver como é a vida.
Mas esqueci-me do cravo
Pela hora da saida.
Fiz estoirar um cartucho
Contra a parede do lado.
Assim farel eu a vida,
Que 0 sonhar fez-me assoprado.
O maimequer que colheste
Deitaste-o fora a falar.
Nem quiseste ver a sorte
Que ele te podia dar.
Comi melio retathado
E bebi vinho depois,
Quanto mais otho p'ra ti
Mais sei que nao somos dois.
‘Trazes um lengo novinho
Na cabeca e a descair,
Se eu te beljar no cantinho
So saber quem nos vir.
E ao acabar estes versos
Feitos em modo menor
Cumpre prestar homenagem
A bebedeira do cantor.
Toda a noite, toda a noite,
Toda a noite sem pen:
Toda a noite sem dormir
E sem tudo isso acabar.
Puseste um vaso A janela.
Foi sinal ou nao foi nada,
Ou foi p'ra que pense em ti
Que te nao importas nada?
Eu viao Jonge um navio
Que tinha uma vela sé,
Ta sozinho no mar.
Mas no me fazia dé.
Corre a agua pelas eathas
La segundo a sua lei.
Pareces, vista de lado,
Aquela que te julguei.
LA por olhar para ti
Nao julgues que é por gostar.
Eu gosto muito do sol,
E nem 0 posso fitar.Viraste-me a cara quando
Taa dizer-te, a chegada,
Que, se voltasses a cara,
Que eu no me importava nada,
Na quinta que nunca houve
Ha um poco que nio ha
‘Onde ha de ir encontrar gua
Alguém que te entender.
‘Voam débeis e enganadas
As folhas que o vento toma,
Bem sei: deitamos os dados
Mas Deus ¢ sue deita a soma.
Ribeirinho, ribeirinho,
Que falas tio devagar,
Ensina-me o teu caminho
De passar sem desejar amar.
Do alto da torre da igreja
‘Vé-se 0 campo todo em roda.
S6 do alto da esperanga
‘Vemos nés a vida toda,
Di-me um sorriso a brinear,
Da-me uma palavra a rir,
Eu me tenho por feliz
Sé de te ver e te ouvir.
Trazes um lengo apertado
Na cabeca, e um né atras.
‘Mas 0 que me traz cansado
E 0 n6 que munca se faz,
Vite a dizer um adeus
‘A alguém que se despedia,
E quase imploret dos céus
Que eu partisse qualquer dia.
Eu voltei-me para tras
Para ver se te voltavas.
Ha quem dé favas aos burros,
Mas eles comem as favas.
Deixaste cair no chao
O embrulho das queljadas.
Riste disso — E porque nao?
A vida ¢ feita de nadas.Deste-me um cordel comprido
Para atar bem um papel.
Fiquei tio agradecido
Que inda tenho esse cordel.
No dia de Santo Antonio
Todos riem sem razio.
Em Sio Joao e So Pedro
Como é que todos iro?
Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
‘Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, no tem tinta,
O capilé é barato
E ¢ fresco quando ha calor.
Vou sonhar o teu retrato
Jé que nao tenho melhor.
Baila o trigo quando ha vento
Baila porque o vento 0 toca
‘Também baila 0 pensamento
Quando 0 coragio provoca,
este molhos de flores
Para nao dar a ninguém,
Sao como os molhos de amores.
Que foras fazer a alguém.
Se houver alguém que me diga
Que disseste bem de mim,
Farei uma outra cantiga,
Porque esta nao é assim.
Manjerico, manjerico,
Manjerico que te del,
A tristeza com que fico
Inda amanha a terei,
Ris-te de mim? No me importo.
Rir no faz mal a ninguém.
Teu rir é tio engracado
Que, quando faz mal, faz bem.
Ouves-me sem me entender.
Sorris sem ser porque falo.
E assim muita mulher.
‘Mas nem por isso me calo.
Se eu te pudesse dizer
O que nunca te direi,
Tu terias que entender
Aquilo que nem eu sei.Bailaste de noite ao som
De uma misica estragada,
Bailar assim s6 ¢ bom
Quando a alegria é de nada,
Nao sei que flores te dar
Para os dias da semana.
Tens tanta sombra no olhar
Que o teu olhar sempre engana,
Descasquei o camarao,
Tirei-lhe a cabega toda.
Quando o amor nio tem razio
E que o amor incomoda.
Cabega de ouro mortico
Com olhos de azul do céu,
Quem te ensinou o feitiga
De me fazer nao ser eu?
do ja onze horas da noite.
Porque te nao vais deitar?
Se de nada serve ver-te,
Mais vale nao te fitar.
Tiraste o linho da arca,
Da area tiraste o linho.
‘Meu coragao tem a marca
Que Ihe puseste mansinho.
Ao dobrar guardanapo
Para o meteres na argola
Fizeste-me conhecer
Como um coragao se enrola,
Quando eu era pequenino
Cantavam para eu dormir.
Foram-se 0 canto e 0 menino.
Sorri-me para eu sentir!
Meia volta, toda a volta,
Muitas voltas de dangar...
Quem tem sonhos por escolta
Nao ¢ eapaz de parar.
Fui passear no jar
‘Sem saber se tinha flores
Assim passeia na vida
Quem tem ou nao tem amores.No dia em que te casares
Hel de te ir ver a Igreja
Para haver 0 sacramento
De amar-te alguém que ali esteja.
Quando apertaste o teu cinto
Puseste 0 cravo na boca.
Nio sei dizer o que sinto
Quando 0 que sinto me toca.
Toda a noite ouvi os caes
P'ra manha ouvi os galos.
Tristeza — vem ter conosco.
Prazeres — é ir achi-los.
Deram-me, para se rirem,
Uma corneta de barro,
Para eu tocar a entrada
Do Castelo do Diabo.
Quando te apertei a mao
Ao modo de assim-assim,
Senti o meu coracao
A perguntar-me por mim,
Tinhas um vestido preto
Nesse dia de alegria...
Que certo! Pode por Iuto
Aquele que em ti confia.
Sé com um jeito do corpo
Feito sem dares por isso
Fazes mais mal que o deménio
Em dias de grande enguigo,
Esse xaile que arranjaste,
‘Com que pareces mais alta
Da ao teu corpo esse brio
Que a minha coragem falta,
Tem um decote pequeno,
Um ar modesto e tranqi
Mas va-se la descobrir
Coisa pior do que aquilo!
10;
Teus olhos poisam no chio
Para nao me olhar de frente.
Tens vontade de sorrir
Ou de rir? E tio dif'rente!
Quando passas pela rua
Sem reparar em quem passa,
Aalegria é toda tua
E minha toda a desgraca.A esmola que te vi dar
Nao me deu erenga nem fé,
Pois a que estou a esperar
Nao é esmola que se dé.
Caiu no chao a laranja
E rolou pelo chio fora.
Vamos apanha-la juntos,
Eo melhor ¢ ser agora.
Quando te vais a deitar
Nilo sei se rezas se niio.
Devias sempre rezar
E sempre a pedir perdi.
E limpo 0 adro da igreja.
E grande 0 largo da praca.
Nao ha ninguém que te veja
Que te nao encontre graca.
Quando agora me sorriste
Foi de contente de eu vir,
Ou porque me achaste triste,
Ou ja estavas a sorrir?
Boca que o riso desata
Numa alegria engracada,
Es como a prata lavrada
Que é mais o lavor que a prata.
Por cima da saia azul
‘Ha uma blusa encarnada,
E por cima disso os olhos
Que nunca me dizem nada.
Fazes renda de manha
E fazes renda ao serao.
Se no fazes seniio renda,
Que fazes do coracio?
‘Todos te dizem que és linda.
Todos to dizem a sério,
Como o nao sabes ainda
Agradecer é mistério,
Eu bem sei que me desdenhas
Mas gosto que seja assim,
Que o dendém que por mim tenhas
Sempre é pensares em mim.A tua irma é pequena,
Quando tiver tua idade,
‘Transferirei minha pena
Ou fico sé com metade?
Quando me deste os bons dias
Deste-mos como a qualquer.
Mais vale nao dizer nada
Tenho uma idéia comigo
De que nao quero falar.
Sea idéia fosse um postigo
Era pra te ver passar.
Andorinha que vais alta,
Porque nio me vens trazer
Qualquer coisa que me falta
E que te nio sei dizer?
‘Tenho um lengo que esqueceu
A que se esquece de mim.
Nao € dela, nao é meu,
Nao ¢ principio nem fim,
Duas horas vao passadas
Sem que te vela passar.
Que coisas mal combinadas
Que so amor e esperar!
Houve um momento entre nos
Em que a gente nao falou.
Juntos, estivamos sis.
Que bom é assim estar sét
"Das flores que ha pelo campo
O rosmaninho é rei..."
E uma velha cantiga...
Bem sel, meu Deus, bem o sel.
© moinho que méi trigo
Mexe-o 0 vento ou a gua,
Mas o que tenho comigo
Mexe-o apenas a magoa.
Aquela que tinha pobre
A tinica saia que tinha,
Por muitas roupas que dobre
Nunea ser mais rainha.
E um lengo que nio é nada,
Mas quem dera ter o dia
De quem és a madrugada.Loura, teus olhos de eéu
‘Tém um azul que é fatal..
Bem sei: Foi Deus que tos deu.
Mas entio Deus fez 0 mal?
Vaialta sobre a montanha
‘Uma nuvem sem razio.
Meu coragio acompanha
O nfo teres coracio.
Dizem que as flores sao todas
Palavras que a terra diz,
Nao me falas: incomodas,
Falas: sou menos feliz,
Duas vezes jurei ser
O que julgo que sou,
S6 para desconhecer
Que nao sei para onde vou,
pescador do mar alto
‘Vem contente de pescar,
Se prometo, sempre falto:
Receio nao agradar.
Todos Li vao para a festa
Com um grande azul de céu.
Nada resta, nada resta...
Resta sim, que resta eu,
Andei sozinho na praia
Andei na praia a pens:
No jeito da tua saia
Quando Ia estiveste a andar,
‘Onda que vens e que vais
‘Mar que vais e depois vens,
Ji ndo sei se tu me atrais,
E, se me, atrais, se me tens.
Quando ha musica, parece
Que dormes, ¢ assim te ealas,
Mas se a musica falece,
Acordo, ¢ nao me falas.
‘Trazes uma cruz no peito.
Nido sel se 6 por devocaio.
Antes tivesses o jeito
De ter La um coragio.O guardanapo dobrado
Quer dizer que se nao volta.
Tenho 0 coragao atado:
‘Vé se a tua mio mo solta.
‘A tua porta esta lama.
Meu amor, quem na faria?"
E assim a velha cantiga
Que como tu prineipia.
‘Menina de saia preta
E de blusa de outra cor,
Que ¢ feito daquela seta
Que atirel ao meu amor?
Lavas a roupa na selha
Com um vagar apressado,
Eo brinco na tua orelha
Acompanha 0 teu cuidado.
Duas vezes te falet
De que te iria falar.
Quatro vezes te encontrei
Sem palavra p'ra te dar.
Velha cadeira deixada
No canto da casa antiga
Quem dera ver ld sentada
Qualquer alma minha amiga.
Trazes a bilha a cabega
Como se ela ndo houvesse.
Andas sem pressa depressa
Como se eu li nao estivesse.
‘Trazes um manto comprido
Que nao ¢ xaile a valer.
Eu trago em tio sentido
E nao sei que hei de dizer.
Olas para mim As vezes
‘Como quem sabe quem sou.
Depols passam dias, meses,
Sem que vas por onde vou.
Quando tiraste da cesta
Os figos que prometeste
Foi em mim dia de festa,
Mas foi a todos que os deste.
Aquela que mora all
E que ali esta a janela
Se um dia morar aqui
Se calhar nao sera ela.fas que grande disparate
E 0 que penso e o que sinto.
‘Meu coracio bate, bate
E se sonho minto, minto.
Puseste por brincadeira
A touca da tua irmi.
corpo de bailadei
Toda a noite tem manhi.
Dizes-me que nunca sonhas
E que dormes sempre a fio.
Quais sio as coisas risonhas
Que sonhas por desfastio?
O teu carrinho de linha
Rolou pelo chao caido.
Apanhel-o e dei-to e tinha
So em ti o meu sentido.
A vida é um hospital
Onde quase tudo falta.
Por isso ninguém te cura
E morrer ¢ que é ter alta.
Que tenho o coracao preto
Dizes tu, ¢ inda te alegras.
Eu bem sei que o tenho preto:
Esta preto de nédoas negras.
Na praia de Monte Gordo.
Meu amor, te conheci.
Por ter estado em Monte Gordo
E que assim emagreci.
Saudades, so portugueses
‘Conseguem senti-las bem.
Porque tém essa palavra
Para dizer que as tem,
"Mau, Maria!” — tu disseste
Quando a tranga te eaia.
Qual "Mau, Maria", Maria!
"Ma Maria" "Ma Maria!"
Era ja de madrugada
E eu acordel sem razio,
Senti a vida pesada.
Pesado era 0 coracio.Boca de roma perfeita
Quando a abres p'ra comer.
Que feitico é que me espreita
Quando ris sé de me ver?
‘Tenho um segredo comigo
Que me faz sempre cismar,
E se quero estar contigo
Ou quero contigo estar.
Trazes ja aquele cinto
Que compraste no outro dia.
Eui trago 0 que sempre sinto
E que 6 contigo, Maria.
Teu olhar nio tem remorsos
Niao é por nao ter que os ter.
E porque hoje nao é ontem
E viver 6 s6 esquecer.
Disseste-me quase rindo:
"Conhego-te muito bem!"
Dito por quem me nao quer.
Tem muita graga, nao tem?
a 0 coragio pesado
Com 0 choro que chorel.
E um ficar engracado
O ficar com 0 que del...
Este é 0 riso daquela
Em que ni se reparou.
Quando a gente se acautela
Vé que nao se acautelou.
‘Tens vontade de comprar
© que vés 86 porque o viste.
‘So a tenho de chorar
Porque s6 compro o ser triste.
Baila em teu pulso delgado
‘Uma pulseira que herdaste...
Se amar alguém é pecado.
Es santa, nunca pecaste.
Teus olhos querem dizer
Aquilo que se nao diz...
Tenho muito que fazer.
Que sejas muito feliz.
Agua que passa e canta
E agua que faz dormir...
Sonhar é coisa que encanta,
Pensar ¢ ja nao sentir.Deste-me um adeus antigo
A maneira de eu nao ser
Mais que o amigo do amigo
Que havia de poder ter.
Linda noite a desta lua.
Lindo luar o que esta
A fazer sombra na rua.
Por onde ela nio vira.
© papagaio do pago
Nao falava — assobiava.
Sabia bem que a verdade
Nao é coisa de palavra,
Puseste a mantilha negra
Que has de tirar ao voltar.
A que me puseste na alma
Nao tiras, Mas delxa-a estar!
‘Trazes os brincos compridos,
Aqueles brincos que sto
Como as saudades que temos
A pender do coracio.
Deixaste cair a liga
Porque nao estava apertada...
Por muito que a gente diga
A gente nunca diz nada.
Nao ha verdade na vida
Que se nio diga a mentir.
Hi quem apresse a subida
Para descer a sorrir.
No dia de 8. Joao
Wi fogueiras e folias.
Gozam uns ¢ outros nao,
‘Tal qual como 0s outros dias.
Santo Antonio de Lisboa
Era um grande pregador,
Mas é por ser Santo Antonio
Que as mogas the tém amor.