Fomor eserita: mama inguagem_porfeltamonts hogs
liana) © muito influenciada ainda pela filosofia
doixa j@ entrever a originalidade
0 a0 pensamento do cmestres. A
0 sfio imcompativeis © aqula, inse-
penhada na destruicéo dos mitos,
J4 no sentido de uma praxis actuante
nos este texto a profunda acuidade oritica
ntelectual. que erizar ag obras
do maturidade do autor
‘Ao empreender a odigdo deste fprimsiro trabalho
de Karl Marx—-a ese de doutoramento que, om 15
de Abril de 1641, apresento na Universidade de Tena
engio, tornar piblico wn documento
nao nos parece meramente acasiémicos
pelo contrario, um elemento importante
para uma compreensao correcta da evolii¢ao do pen
samento de Marx
cujo Inte
ae nail
as filosofias
da natureza em
Democrito e Elpicurol collecczo CLASSICcOg
1
( J93.9
r t.| iM M29adb. 04
‘ | KARL MARX (9-75,
5 v
7 DIFERENCA
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Tradugio de
CONCEICAO JaRDDE Q/ig_ +7160
EDUARDO ee NOGUEIRA
URMG. - = BIBLIOTECA UNIVERSITARIA ) )
Hh Il HANA I bs
i e i NAO DANIFIQUE ESTA ETIQUETA . 06
3 6 Mae SAtb0 seb WOLD Ga soap “hevssnt
Il robin yy ey ‘Now‘Capa de :
FO. TRABALHOS PREPARATORIOS
BIBLEOT egatut SITARIG
7 Looe
437 600-05
Distribuidores para o Brasil:
Livraria Martins Fontes
Praga da Independéncia, 12
Santos — Brasil
Reservados todos os direitos desta edicho &
Editorial Presenca, Lda. Av. Joao XXI, 56-1.°— LISBOA,EXTRACTOS DOS TRABALHOS
fi PREPARATORIOS SOBRE A HISTORIA
DAS FILOSOFIAS DE EPICURO,
DOS ESTOICOS E DOS CéPTICOS *
* © texto que wgora_apresentamos—e tese de
doutoramento que em 1841 Marx apresentou na Univer-
\ sidade de Tona—chegou até n6s incompleto. Perde-
ram-se a mater parte do capitulo TV e todo o capitulo V
da 1* parte da Dissertagdo, e apenas restam alguns
fragmentos do Apéndice.
‘Por nos parecer que tornaria o texto desnecessi-
namente extenso, dificultando a sua leitura, nfo fo-
ram conservadas, na sua malorla, as citagBes dos auto-
4 res comentados nos Travathos’ Preparatérios, Limi-
témo-nos a indicar as referénclas em nota de rodapé.
(Nota do Bditor),FILOSOFIA EPICURISTA.
PRIMEIRO CADERNO.
BERLIM, 1839. INVERNO.
Epicuro: sobre o Estado*
As passagens seguintes definem a opinidio de
Epicuro sobre a natureza espiritual, o Estado. Se-
gundo ele, este tem como fundamento o contrato,
Stinthéké, pot consequéncia, s6 0 principio de
utilidade, 0 stimphéron, pode constituir o sou fim.
Epicuro, o fildsofo da representaciio*
# importante notar que Aristételes faz, na sua
Metafisica, a mesma observagdo sobre 0 papel da
Tinguagem ‘elativamente & actividade filosofica. Dado
que todos 0s filésofos antigos, incluindo os cépticos,
partem de pressupostos da consciénoia, torna-se ne-
‘cessiria uma base sOlida que 6 fornecida pelas repre-
sentagdes que se encontram na consciéncia comum.
Epicuro, enquanto filésofo da representagéo, mos-
2 Hxtractos de Didg, X 2 4, 6 12, 29. GL 34.
123-146. 148-149.
2 As remigsdes de Marx respeitam & obra de Gas-
gendi sobre Epicuro. (N. dos 7.) —Extractos de Dig.
X 150-154, %
uwfrase neste ponto mais rigoroso do que qualquer
outro e define melhor as condigdes desse funda-
mento. E também o mais exacto nas suas dedugdes;
e, tal como os cépticos, conduz a filosofia antiga
a um sistema acabado.
| A tansferéncia da ideidade para 06 étomos
€ a dialéctica imanente da jilosofia epicurista*
Como os étomos tém uma certa dimensto,
deve existir algo mais pequeno do que cles: as
partes que os compdem. Mas estas encontram-se
necessariamenté combinadas sob a forma de uma
comunidad existente entre clas» [Didg. X 59].
A. idealidade 6 assim transferida para os proprios
&tomos. Embora 0 menor destes nao se identifique
de forma alguma com o mais pequeno tomo da
representacao, existe entre ambos uma analogia; mas,
quanto a isto, nada de suficientemente determinado
se pode pensar. A necessidade, a idealidade que
hes toca. meramente ficticia, fortuita; élhes ex-
terior. E s6 assim podemos exprimir o principio
do atomismo epicurista: o ideal ¢ necessirio apenas
existe numa forma representada, exteriora si mesma,
ou seja, na forma do dtomo: Eis pois até onde vai
a légica de Epicuro. «Por outro lado, 0s dtomos
‘posstiem necessiriamente a mesma velocidade se no
chocarem contra nenhum obstéculo no seu movi-
mento ‘pelo vazion [Didg. X 61].
2 Bxtractos de Didg. X 38-56 © 60; extractos in-
terealados de Arist, Fis. I 4 e III 5, © também de
De gen. et corr. I 8. As obras de Aristétoles citadas no
texto séio:
(eSobre a gerac&o e a corrupeio) (WN. dos T.).
2
|
Vimos que o necessirio, a conextio © a distingao
so transferidos para 0 dtomo, ou melhor, que a.
idealidade s6 existe nessa forma exterior a si mesma;
© mesmo acontece quanto ao movimento, que tende
necessitiamente para o repouso, assim que se com-
para o movimento do atomo com o dos compos
«segundo as composicdes» [Dids. X 62], isto &,
do concreto, Comparado a este movimento, o dos
tomos ¢ em principio absolute; 0 que significa
que todas as condigdes empiticas so nele suprimi-
das, que 6 ideal. Para desenvolver a filosofia de
Epicuro ¢ a dialéctica que the 6 imanente, essen-
El eos commtariun wai. aaerty ay
'prinefpio representado que se comporia relativamente
‘20 mundo concreto sob a forma do ser, a dialéctica,
lesséncia interna destas determinagdes ontOldgicas to-
fiadss “cone uma Tormado absoluio vient si
mesma, S6 se pode desenvolver na medida em que
essas determinagdes, por serem imediatas, entam
necesstiriamente em colisio com 9 mundo concteto.
fe revelam, no seu comportamento especifico em rela-
icao a cle, que apenas sto a forma ficticia, exterior a
si mesma, da sua idealidade, ou melhor, que no,
lexistem eriquanto pressupostos mas sim enquanto
dealidade do conereto. Portanto, as determinagies
deste mundo sfio falsas em si mesmas; supr
$6 expresso 0 conceito do mundo; ioe oe
€ a auséncia de pressuposto, o nada. A_filosofia|
epicurista deve a sua importfncia & ingenuidade com,
gue exprime as suas consequéncias, sem o falso)
pudor de hoje.
+ £ necessétio observar a partir de onde € supri-
mido o principio da certeza sensivel e qual a re-
presentacao abstracta que € considerada como seu
4 Extractos de Diog, X 62,verdadeiro eritério. «A alma € um eoro composto
de partes ténues, distribuidas por todo 0 compor.
* Ainda aqui se insiste na diferenca espectfica
do fogo e do ar relativamente & alma a fim de provar
a adequacio da “alma ao corpo; a analogia 6 al
empregue mas também suprimida, o que de resto
caracteriza em geral 0 método- da consciéneia pro
dutora de fiegdes. Assim se esbate toda a determi-
nagio concrela ¢ um eco puramente mondteno toma
© lugar do desenvolvimento.
* Vimos que os atomos, considerados abstracta-
mente, nfio séo mais do que seres representados
como existindo, e que apenas a sua colisio com 0
conereto permite desenvolver a sua idealidade ficticia
© por isso mesmo envolvida em contradicdes, De-
monstram. jgualmente, a0 constituirem um dos lados
da relagio (quando se consideram objectos que tem
em si mesmos o principio e o seu mundo concreto—
© vivo, 0 animado, o organico), que o reino da
Tepresentago € pensado ou como sendo livre ou
como constituindo o fendmeno de uma coisa ideal.
Esta liberdade da representagdo € entio uma liber
dade apenas pensada, imediata, ficticia, ou seja, 0
atomismo na sua forma verdadeira. As duas deter
minages podem portanto ser confundidas;..cada
termo, considerado em si mesmo, é 0 mesmo que
© outro, mas, quando se opdem, deve-se atribuir-lhes
as mesmas determinagdes, qualquer que seja 0 ponto
de vista em que se considerem. A’ solugio consistiré
© Didg, X 68,
6 xtractos de Didg. 63-64.
4
portanto em voltar a primeira determinagio que 6
@ mais simples: imagina-se livre 0 Eu da represen-
tagio, Dado. que esta reincidéncia se ofectua om
relagio a uma totalidade, ao ropresentado, que
possi realmente em si mesmo o ideal e € 0 proprio.
ideal no seu ser, 0 dtomo 6 aqui considerado. tal
‘como existe na tealidade, na totalidade das) suas
contradigdes; © simultineamente faz sobressair 0
fundo dessas contradi¢Ges: © querer conceber a re-
presentagio como sendo igualmente o ideal na sua
liberdade ‘mas sempre na ordem da representagio.
© principio. do anbitrétio absoluto surge portanto
aqui com todas as suas consequéncias, © mesmo
acontsy com 0 Som a8 sa forma mais subor-
dinada,
4tomo possi em si mesmo a diferenga que 0 distin-
gue de todos 0s outros; logo, é em si mesmo uma
multiplicidade. Mas ele existe simulténeamente na
determinacdo do Atomo, o que obriga a que a mul
tiplicidade seja nele, de um modo necessétio ¢
imanente, uma unidade; isto acontece no dtomo
pelo simples facto de existiryMas € necessério, sem.
sair do mundo, explicar como este se desenvolve
liveemente numa multiplicidade a partir de um prin-
cipio tinico. O que deve ser resolvido torna-se deste
modo suposto; 6 0 proprio dtomo que deve ser
explieado. A distingdo da idealidade s6 € assim
introduzida por comparacio; por si, os dois aspectos
existem na mesma detetminagio e a propria ideali-
dade surge novamente no facto de esses atomos
miiltiplos se combinarem realmente, de serem os
principios de tais composigbes. O principio da cot
posi¢do 6 portanto aquilo que originalmente co
posto sem tazao, isto & g_explicacio confunde-se)
exaciamente com o explicado que se introduz &
forca nas palavras e na nebulosidade da abstraccao
produtora de ficedes. Como vimos, isto s6 acontece
quando se considera 0 orginico,
15
‘Como existem em grande mimero, cada) ;
|Acaso e possibilidade em Epicuro
Notemos que ao admitir que a alma desaparece
e apenas deve a sua existéncia a uma combinagio
fortuita, estamos a admitir simultaneamente, de um
‘modo geral, o cardctet fortuito de todas as repre-
sentacoes (ex. a alma); ¢ do mesmo modo que elas
no sio necessdrias na consciéncia comum, também
em Epicuro sio substancializadas enquanto estados
fortuitos que s6 sio conhecidos como. possivels na
medida em que se concebem como dados ouja
necessidade de existéncia nfo € demonstrada nem
deme wel. Por outro lado, o que petsiste € 0
livre ser da representacdo, que € a liberdade no
seu set em si e simultaneamente, enquanto pensa~
mento da liberdade do reptesentado, € uma mentira €
uma fiecio; logo, € em si mesmo algo de inconse-
quente, uma miragem, uma fantasmagoria. Este ser
apenas a exigencia das determinagdes concretas da
alma como pensamentos imanentes. A grandeza de
Epicuro, o que dele persiste, 6.0 facto de no atribuir
aos estados nenhuma prioridade sobre as represen
tages e de to pouco as tentar salvar. Para Epicuro, |
‘© principio da filosofia consiste em demonstrar que |
‘© mundo ¢ 0 pensamento siio pensaveis, isto é pos-
siveis; € a prova que nos fornece, o principio de que
patte ¢ ao qual volta, 6 ainda a possibilidade no seu
ser para si, Cuja expressio natural 6 0 dtomo ¢ cuja
expressiio espiritual € 0 acaso € 0 arbitrario, E neces-
shrio considerar mais detidamente a forma como a
alma e 0 corpo intercambiam todas as suas deter-
minagdes, como cada um dos termos é no mau
sentido, o meso que 0 outro, de modo que nenhum
isles 6 determinado pelo conceito.
A superioridade do rigor légico de Epicuro
relativamente & dos cépticos
Epicuro toma-se mais importante do que os
‘cépticos pelo facto de nele ndo $6 os estados © as
Topresentacdes serem reduzides a nada, como ainda
por ter consciéncia deles, meditar sobre eles ¢ racio-
cinar sobre a sua existéncia, a qual tem um, ponto de
partida conereto, é algo possivel
‘Ppicuro fala das determinagbes dos compos
concretos, © 0 ponto de vista do atomismo parece
invertido quando afirma...*
O tomo como forma imediata do condeito:
a declinagiio fn
Epicuro tem aguda consciéncia do facto de a
repulsio surgir paralelamente a lei do tomo, 20
desyio da linha recta. Lucrécio afirma pelo menos
que isto nio deve ser tomado num sentido meramente
superficial, como se os dtomos se defrontassem neces
satiamente com essa condi¢a0. Depois de declarar
gue sem este «clinamen atomi» nio ‘teria havido
coffensus natus nec plaga creata»? [Lucrécio I
223], afirma um pouco mais adiante:
1 Extnctos de Dios, X67.
5 Neste ponto, o Autor cita algumas passagens de
Diog. X 69-71 (N. dos 7.)
® @Desvio do Stomos... «Choque ou criagdo do
mundo» (Nota do Autor).
i 4De rerum natura> (N. dos T.).
7Denique si semper motus connectitur omnis
et vetere exoritur novus ordine certo,
nec declinando faciunt primordia motus
principium quoddam, quod fati foedera rumpat,
‘ex infinito ne causam causa sequatur:
libera... etc.”
‘Aqui considera-se um movimento no decurso do,
qual os 4tomos se podem encontrar e que 6 dife-
rente do que é provocado pelo clinamen. Por outro
Jado, este movimento € rigoroso ¢ efectua-se de
acordo com o determinismo absoluto; constitui por-
tanto a supressio do Si ¢, deste modo, cada deter-
minacio encontra o seu serai no seu ser-outro
imediato, no seu ser-suprimido, naquilo que para
© Atomo € a linha recta. Apenas do «clinameny
pode surgir 0 movimento aut6nomo, a relacio que
possi a sua determinacio como determinacio do
set Sie que no a tem no outro ser.
& indiferente que Lucrécio tenha extraido este)
argumento de Epicuro ou que o tenha inventado.!
© que ficou demonstrado no raciocinio sobre a re~
pulsio (que 0 atomo, enquanto forma imediata do
conceito, s6 se objectiva na inconceptualidade ime-
diata) vale também para a consciéncia filos6fica, cuja
esséncia € precisamente este constrangimento.
E, simulténeamente, isso justifica-se por ter reali-
zado wma classificagio totalmente diferente da de
Epicuro.
21 Finalmente, se a cadeia do movimento total se
fecha sem cesar, / se 0 novo anel, infalivelmente, se
junta ao precedente, / se os &tomos néo se desviam
‘da vertical e nfo do origem, através dessa declina-
80, / ao infcio do movimento que quebra as cadelas do
destino / © sem o qual este fecha sem lacunas a cadeia
infinita das causas, / segue-se que... (NM, do Autor).
18
FILOSOFIA EPICURISTA.
SEGUNDO CADERNO.
42 Encontramos aqui o principio do pensavel, que
por um Jado serve para afirmar a liberdade da cons-
ciéncia de sie por outro para atribuir ao Deus
liberdade relativamente a quaisquer determinagies.
Didg, X 78: além disso, Epicuro pronuncia-se (pigs.
56-57) contra a atitude que consiste em limitar-se a
contemplar os corpos celestes com admiragio; de-
nuneia-a como atitude que limita 9 homem ¢ the
inspira medo.ff necessdrio que prevalega a liberdade
absoluta do espiritof
A filosofia epicurista dos Meteoros*
No inicio do seu tratado sobre os _meteoros,
Epicuro reafirma que 0 objectivo deste conhecimento
‘<6 servir para a ataraxia (auséncia de perturbacoes)
¢ uma solida confianga interior, assim como para
tudo o resto, [Didg. X 85].
Mas a consideracio dos corpos celestes distin-
gue-se também_essencialmente de qualquer outra
cidncia, [Didg, X 86].
12 Extractos de Diég. X 72-77.
as Extractos de Didg. X 80-61,
19Para 0 conjunto da concepeio de Epicuro, é im-
portante que os corpos celestes, enquanto mundo
Supra-sensivel, ndio possam aspirar ao mesmo grau de
evidéncia que caracteriza 0 outro mundo, o mundo
moral ¢ sensivel. & a cles que se aplica a doutrina
epicurista da disjuncio, segundo a qual nao existe
aut aut (ou... ou); a determinagio interior € por-
tanto negada ¢ 0 principio do pensdvel, do repre-
sentivel, do acaso, da identidade ¢ da liberdade
abstracta manifesta-se do mesmo modo que ela, isto &
como o indeterminado que, justamente por essa
razio, é determinado por uma reflexio que Ihe €
exterior, Dir-se-ia que 0 método da consciéncia pro- J
dutora de ficgdes de representacdes apenas se|
debate com a sua propria sombras e a natureza dessal
sombra depende da maneira como ela € vista e de
como 0 objecto que reflecte envia 0 seu proprio te-
flexo a partir dessa sombra. Tal como, no caso do
orginico em si, a contradigzio da concepcio ato-
mista explode substancializada, assim a consc‘éneia
filosofante admite 0 que faz, agora que o proprio
objecto entra na forma da cetteza sensivel e do
entendimento que representa, No primeito caso, 0
principio representado e a sua aplicagiio encontram-se
objectivados numa tn’ea coisa, e as contradicbes
sio assim chamadas As armas num antagon‘smo aue
opde as proprias representacdes substancializadas;
do mesmo modo, aqui onde o objecto é por assim
dizer suspenso sobre a cabeca dos homens, onde
desafia a consciéneia pela sua autonomia, pela inde-
pendéncia sensivel e a misteriosa distancia da sua exis-
téncia, a consciéncia explode no reconhecimento da
sua actividade; contempla o que faz: chamar a
inteligibilidade as representacGes que nela pré-existem
¢ reivindici-las como sua propriedade; vé que toda
a sia actividade se limita a um combate contra a
distincia, a qual encerra em si toda a antiguidade,
que s6 pode admitir como principio dessa actuacio
20
a possibilidade, o acaso, e que apenas pretende esta-|
belecer de qualquer modo {uma tautologia| entre si|
mesma eo seu objecto. His o que éla reconhece
quando essa disténcia lhe faz frente, incarnada nos,
corpos celestes, numa independéncia objectiva. A ma-]
neira como explica é-lhe indiferente; afirma que nio
se satisfaz com uma explicagio mas sim com varias,
ou melhor, com todas as explicagdes possiveis; ©,
deste modo, admite que a sua actividade é uma
fiegdio activa. & por isto que os meteoros ¢ a dou-,
trina que lhes diz respeito sfio, na antiguidade em
geral, onde a filosofia nao esté isenta de pressupostos,
a imagem onde a consciéncia contempla as suas
falhas; ¢ isto mesmo em Aristoteles. Epicuro exprimiu |
esta imagem, ¢ € esse o seu mérito, como consequén-
Cia implacdvel das suas concepgdes e desenvolvi- |
mentos. Os meteoros desafiam 0 entendimento sen-
sivel; Epicuro ultrapassa este desafio ¢ daj em diante|
apenas quer ouvir falar do seu triunfo sobre eles:
‘pois no que respeita A ciéncia da natureza na sua
especificidade, nfio nos devemos ater as regras ¢ as|
nogdes comuns e falhas de sentido; devemos pelo)
contrério aceitar as exigéncias dos proprios fendme-|
nos... a fim de que possamos viver sem cuidados»,
[Diog. X 86-87]. Deixa de haver necessidade de prin-
cipios ou, de pressupostos quando 0 proprio pressu-
posto se ope a consciéncia e a amedronta. No medo,
a representacao desaparece.
# por isso que Epicuro repete, como se nela
se reconhecesse, a seguinte frase: «Tudo se processa
sem abalos, mesmo que tudo deva set purificado
pela explicacio sob miiltiplas formas, de acordo
com 0s fenémenos: verifica-se isto quando admitimos,
como convém, o que se afirma de convincente a seu
respeito; mas se se admite uma explicacio e se
rejeita uma outra, quando ambas concordam com
os fenémenos, é evidente que nos estamos a afastar
da ciéncia da natureza para inmos cair no reino dos
21alas
[Diég. X 87]. Poe (N. 7.).
ie eAs almas sio mortals, contra’ Epleure, notas
de Pierre Gassendi sobre 0" livro 40. de. Diogenes
asrcios Daun ¢ 0 alr do anundo, contre, Epi
euro»... eDeus prooctipa-se com os ‘homens,
Epicuros (NV. do Autor). cetmuito mais rigorosa do que os cépticos. E note-se
que a filosofia moderna tessuscitou este fendmeno,
,¢ pelas mesmas razdes. A antiguidade procurava as
suas raizes na natureza, no substancial; a sua degra- |
dagio, a sta profenagao, 6 a marca profunda da |
fuptura da vida substancial virgem. O mundo mo- |
derno procura-as no espitito e pode facilmente de- |
gembaragar-se do seu Outro, da natureza. Do mesmo:
modo, 0 que para os antigos constitnia uma profa-
nagio da natureza torna-se, para os modernos, liber-
taco das cadeias da escravidao que ¢ a fé; ¢ aquilo
de que parte, pelo menos de acondo com o set
principio, a antiga filosofia jonica (ver o divino—a
ideia —incarnado na natureza), é algo a que a
moderna concepgaio racional da natureza se deveria
televar.
‘Quem nfo recordaré neste ponto a passagem,
cheia de entusiasmo, do maior dos filésofos antigos,
AristOteles, no. seu tratado «Da natureza animal»
(de animante natura) [Arist. De part. animal., 645 a),
que soa de uma forma totalmente diferente da mo-
@notonia desiludida de Epicuro!
A construcao epicurista do mundo
E nevessirio reter, a fim de realcar 0 método da
filosofia epicurista, o problema da criacao do mundo,
problema onde 6 sempre visivel 0 ponto de vista
de uma filosofia; efectivamente, 20 dar a conhecer
a forma como, segundo ele, o espirito cria 0 mundo,
este ponto de vista desereve as relagdes de uma
qualquer filosofia com 0 mundo, o poder criador
dessa qualquer filosofia, Epiouro afirma: «OQ mundo
€ um complexo celeste (periokhé ziss uranii) que
envolve os astros, a terra e todos os fenomenos,
que contém uma parcela (se0cio, apotomén) [Didg.
X 88] da injinitude © que se detém mon limite,
oo
quer este seja constituido por éter ou seja sdlido
(@ transgressio deste limite toma num caos tudo
© que) ele contém), quer esteja em repouso ou
seja redondo, triangular ou de qualquer ouira forma.
Existom, com efeito, todos os tipos de possibilidades
nna medida em que nenhuma dessas determinagdes
6 contraditoria com os fendmenos. Nao poderiamos
saber onde o mundo acaba; mas & evidente que
existe um mimero infinito de mundos,
% A insufici@ncia desta construgao do mundo salta
0s olhos de qualquer pessoa. O facto de o mundo
ser um complexo constituido pela terra, as estrelas,
‘etc., nada significa, pois ¢ 6 mais tarde que 0 nas-
cimento da lua, etc., se vorifica e é explicado.
Todo 0 corpo concreto € em geral um complexo,
¢ em Epicuro serd mais precisamente um complexo
de dtomos. A determinagio deste complexo, a sua
diferenca especifica, reside no seu limite; ¢ € por
jsso. que se toma supérfluo, uma yez que o mundo
foi definido como uma seco do infinito, acres:
centar © limite como determinagao mais precisa, pois
uma secgio esté separada de qualquer outra e €
uma coisa coneretamente diferente, portanto limitada
relativamente a um Outro, Mas 6 exactamente esse
limite que € necessirio entio determinar, pois um
complexo: limitado nfo é ainda um mundo, Ora
é-se mais adiante que o limite pode ser determinado
de todas as maneiras que se quiser, pantakhés
[Diog. X 88], ¢, finalmente, Epicuro admite que é
impossivel determinar a sua diferenca especitica, se
em que possamos conceber a sua existéncia,
Limitamo-nos pois a afirmar que a representacao
do retomo de uma ‘olalidade do diferencas a uma
unidade indeterminada, isto 6 a representaco «mun-
25do», existe na conscitneia e pode ser encontrada no
pensamento comum. O limite, a diferenga especifica,
€ portanto a imanéneia ou a necessidade de uma tal
representagdo € dada por inconcebivel; mas 6 possf-
vel conceber a existéncia dessa representagio, par-
tindo de uma tautologia , porque cla existe. O que
deve ser explicado, a criagdo, o nascimento ¢ a
Tedugio interna de um mundo pelo pensamento &
assim dada como inconcebivel e, guisa de explica-
Gio, citam-nos o serai dessa reptescntago na cons-
Gigncia.
© mesmo acontece quando se afirma que a
existncia de Deus pode ser provada mas que a sua
adifferontia specifican, quid sit, 0 porqué da sua
determinacao, € impenetrivel.
Quando Epicuro diz, por outro lado, que o limite
pode ser pensado da forma que se quiset, que toda
a determinagio, que habitualmente coneebemos a
partir de um limite real, the pode ser atributda, é
evidente que a representacdo «mundo» constitui ape-
pas 0 retomo a uma unidade sensivel indeterminada
© portanto determinével de qualquer mancira ou,
mais geralmente, e dado que 0 mundo & uma repre:
sentagto indeterminada da consciéncia que sente ¢
reflecte, 0 mundo sera, nessa consciéncia, composto
por todas as outras representacdes sensivels e limi
tado por elas, ea sua determinacdo ou o seu limite
sero tao diversificados quanto essas representagdes
sensiveis que 0 ceream, podendo cada uma delas
set considerada como seu limite e, portanto, como
sa determinagio ou explicacio mais rigorosa, & esta
a esséncia de todas as explicagdes epicuristas, e isto
21 A. tautologia 6 aqui uma definigéo circular.
(, do Autor).
48 Diferenga especifica, marca distintiva do seu
ser (N. do Autor).
26
€ tanto mais importante quanto 6 verdade que cons-
titui a esséncia de todas as explicagdes fornecidas
pela consciéneia produtora de representagdes, pri=
sioneira de pressupostos.
‘© mesmo acofitece com os autores _modernos
quando, ao referirem-se a Deus, Ihe atribuem bon-
dade, sabedoria, etc, Cada uma dessas ropresenta-
Ges, que stio determinadas, pode ser tida como 0
limite da representagio indeterminada «Deus» que
se encontra entre elas.
‘A esséneia desta explicagio consiste pois no facto
de qualquer representacdo que deva ser explicada
set extraida da consciéncia, A explicacao ou a deter-
‘minago mais rigorosa assenta pois no facto de as
Tepresentagdes admitidas como conhecidas e tiradas
da mesma esfera estarem em relacdo ‘com ela, ¢ por-
tanto no facto de ela estar, em geral, numa determi
nada esfera da consciéncia. Epicuro admite aqui 0)
defeito da sua filosofia assim como 0 do conjunto da
filosofia antiga: saber que existem representagbes na)
consciéncia mas ignorar completamente o scu limite,]
© seul principio, a sua necessidade, J
Mas Epicuro nao se contenta com o ter fomne-
cido 0 conceito da sua criagdo do mundo; ele proprio
representa o drama, objectiva aquilo que fez, ¢ 86
‘af comeca verdadciramente a sua criagio. Com efeito,
Iemos mais adiante: «Pode ainda acontecer que um
tal mundo nasca num intermundo (assim denomina-
mos 0 espago compreendido entre varios mundos),
num espago completamente vazio, num grande vacuo
transparente, de acordo com o seguinte processo: as
sementes aptas a esta fungao vém de um mundo ou
de um intermundo, ou entio de varios mundos, €
formam pouco a pouco aglomeragGes ou articulagbes,
conforme 0 caso, transformando assim 0 local ¢
recebendo do exterior tantos acréscimos quantos su-
porta a composicsio dos substractos que Ihe estéio na
base, Efectivamente, quando um mundo naste no
27
oo i.vazio, niio basta para o explicar pensar-se na forma:
go de um amontoado ou de um turbilhio © no cres-
Cimento dese amontoado até entrar em choque com
outta coisa, como o pretende um dos fisicos, De facto
een contradiz os fendmenos» [Didg. X
O primeiro ptessuposto da criagio do mundo 6
aqui, a existéncia de outros mundos; e o local onde
se produz, este acontecimento é 0 vazio. Logo, 0 que
anteriormente encontramos no conceit. da. criagiio
(que 0 que deve ser criado & pressuposto) 6 aqui
substancializado. A representacio, privada da sua
determinagdo mais precisa ¢ da sua relacio com
08 outros, portanto tal como 6 pressuposta antes
de se conceber a existéncia desses outros mundos, &
vacuo ou, se a incarnarmos, um. intermundo, um
espago vazio, A forma como se acrescenia a nova
determinagao é assim indicada por Epicuro: as se-
mentes apropriadas @ criagao do mundo retinem-se
como 6 necessirio para que esia se efectue, ou soja,
nio € dada nenhuma determinagio, nenhuma dife-
renga. No fim de contas s6 temos ainda, ¢ uma vez
mais, 0 dtomo © o Kendn (vazio), apesar da resis-
tencia de Epicuro em aceitar esta conclusfio, eic..
Ja Aristételes fez uma critica profunda ao cax
récter superficial deste método, que parte de um prine
cipio. abstracto sem deixar este principio. esbater-se
em formas (?) mais clevadas. Depois de louvar os
pitagéricos por terem sido os primeitos a libertar
as catogorias dos seus substractos, a no as consi-
derar como uma natuneza particular, com as caracte-
risticas de um predicado, mas a concebé-las mesmo
como uma substancia imanente: «Eles créem que o
limitado eo ilimitado (e 0 uno) nao eram naturezas
diferentes como o fogo, a terra ou qualquer outra
coisa diferente, mas sim que 0 proprio ilimitado e 0
proprio Uno constituiam a esséncia daquilo de que
Se diziam...» [Arist. met. 987 a 15 e segs,), faz-lhes
28
esta critica: qeonsideravam como esséneia da_coisa
primeira coisa em que se encontrava a definigao
a que se referiam» [Arist. met. 987 2 23 ¢ segs.)
A filosofia epicurista e 0 cepticismo
Vamos agora referir-nos as relagdes da filosotia
de Epicuro com o ceptivismo, tal como essas relacies
nos sfo dadas a conhecer por Sextus Empiricus,
Mas antes devemos ainda citar uma determinagio
fundamental do proprio Epicuro tirada do livro X
de Didgones Laéreio, aquando da deserigio do sébio:
«O sdbio comportar-se-4 dogmaticamente e nao apo-
reticamenten [Didg. X 121], Do conjunto da expo-
sigio do sistema epicurista, onde’ é dada a sua
relagao essencial com a filosofia antiga, colhem-se
como documentos importantes o seu principio do
pensivel, 0 que afirma acerea da linguagem e sobre
4 origem das representagdes: estes documentos con-
tém implicitamente a sua posigao telativamente aos
cépticos. & em certa medida mteressante ver qual a
origem que Sextus Empiricus atribui a actividade
filos6fica de Epicuro: [Extractos de Sext. Emp. adv.
dogm. WW 18-19; Pyrrh, hyp. IL 23-25; adv. dogm.
Ul 64.71.58; adv, dogm. 1 267; adv. math, 1 49.54.272
e segs; adv dogm. I 14-15.22. As obras de Sextus
Empiricus citadas sio «Adversus mathematicos»
(«Contra os mateméticosn) e «Hipotiposes de Pirro>]
«A refutagio daqueles que se ocupam das cign-
clas parece ter sido exposta muitas yezes pelos
adeptos de Epicuro assim como pelos discfpulos
de Pyrhon, mas nao a partir do mesmo sistema,
s epicuristas condenam as ciéncias afirmando que
elas em nada contribuem para atingir a sabedorias.
(isto. significa’ que os epicuristas consideram 0
‘conhecimento das coisas, na sua qualidade de um
set-outro do espirito, como impotente para estabelecer
29@ sua ¢Realitas»; e os pitronicos consideram a im-
poténeia do espirito para compreender as coisas
como constituindo o seu aspecto essencial, a sua
eal energia, Apesar de os dois lados se apresentarem
dogradados ¢ sem a frescura filos6fica dos antigos,
encontramos neles uma relagio semelhante a existente
entre os beatos ¢ os Kantianos nas suas posicoes
sobre 4 filosofia. Os primeiros renunciam a0 saber
por devosio, isto 6 acredilam, com os epicuristas,
que 0 ndo-saber constitui 0 divino nos homens, que
este carécter divino, que € proguiga, € perturbado
pelo conceito, Pelo contrrio, os Kantianos sao. 03
apéstolos oficiais do ndo-saber, consistindo a sua
tarefa quotidiana em desfiar um rosario pela sua pro-
pria impoténcia ¢ pelo poder das coisas. Os epi-
curistas sfio mais consoquentes: se 0 nio-saber € 0
acto do espirito, 0 saber nao € um acrescento de
natureza espiritual mas sim algo de indiferente a0
espirito; 0 divino existe para aquele que ndo sabe,
nao sendo © movimento do saber mas sim a sua
preguiga), «Alguns pensam também que esta teoria
disfargava a sua propria falta de cultura; com efeito,
Epicuro era ignorante em muitos assuntos e, mesmo
nas conversas de todos os dias, cometia erros de
Tinguagem [Sext. Emp., adv. math. I 1].
Sextus Empiricus, depois de forecer ainda alguns
exemplos que provam cabalmente 0 seu embaraco,
define do seguinte modo aquilo que opde a posicio
dos cépticos A de Epicuro, no que se refere & ciéncia:
«Mas se 0s cépticos condenam as cigncias, nio 0
fazem porque elas em nada contribuem para a sabe-
doria, pois esta opinido seria dogmética; também
no € por serem incultos..., (mas) & porque tém em
relagdo as ciéncias os mesmos sentimentos que expe-
rimentam relativamente a toda a filosofiay [Sextus
Empir. adv. math., 1 5-6]. (Vemos aqui como ¢ ne-
cessitio distinguir as mathémata e a philosophia
[as cigncias e a filosofia}, e que 0 desprezo de Epi.
30
curo, pelas mathémata se estende a tudo aquilo
a que chamamos conhecimentos; vemos. igualmente
© rigor com que esta assertio consenti [esta decla-
ragio concorda] com suo systemati omni [0 conjunto
do seu sistemal).
Nas Hipotiposes de Pirro, Livro I, capitulo
XVII, a eticlogia, normalmente empregue por Epi-
euro, € contradita de forma pertinente mas, simul-
taneamente, realga a propria impoténeia dos cépticos.
«Mas talyez as cinco maneiras de suspender o seu
juizo bastem para refutar a procura de razdes,
Efectivamente, ou se expoe uma razio que esta de
acordo com todas as maneiras de pensar que se
encontram na filosofia, com 0 cepticismo e com o
fenomeno, ou entio no se consegue faz6-lo, Ora é
talyez impossivel fornecer uma tal sazo» [Sex. Emp.
Pyrrh. hyp., 1 185]. (Com feito, € impossivel for-
necer uma razio que apenas scja constituida pelo
fen6meno porque a raziio é a idealidade do fend-
meno, o fenémeno suprimido. & igualmente impos-
siyel que uma razio esteja de acordo com o cepti-
cismo pois este contradiz qualquer pensamento, cons-
titui a supressao do acto de determinar enquanto tal,
© cepticismo tora-se ingénuo quando reine os
phaindmena (fendmenos), pois ele proprio € um
fendmeno, é o ser-perdido, 0 nao-ser do pensamento:
© cepticismo & este nfo-ser enquanto reflectido em
si, e 9 fondmeno desaparece nele, torna-se apenas
uma aparéncia; 0 cepticismo é 0 fendmeno que se
exprime, desaparece com o desaparecimento deste,
6 cle mesmo um fendmeno), «Pois a contradicio
Teina tanto sobre os fenémenos como sobre todas as
coisas que nao nos surgem. Mas se ele (0 etidlogo)
esi em contradigao, pedir-lhe-emos que dé igual-
19 Extractos de Sext. Emp, adv. math. I 6.
31mente razSes desta contradicao» [Sext. Emp. Pyrrh.
hyp., 1 185 e segs.). (Isto significa que o:céptico pre+
tende uma razio que constitu apenas uma aparéncia
@ que, por isso mesmo, no seja uma razAo). GE assim
que ele (0 ctidlogo) admiti: uma rao da ordem
do fenomeno para explicar um fenémeno, ou uma
tazio invisivel para uma coisa invisivel, poderé. man-
ter essa cadeia até ao infiniton [Sext. Emp., Pyrrh.
hyp. 1 186), (Isto 6 visto que 0 céptico nfio quer sai
da aparéneia ¢ no a quer afirmar como tal, ele
nao sai da aparéncia; ¢ este movimento pode repe-
tir-se até ao infinito. Na verdade, Epicuro pretende
ir do Atomo para outras determinagdes mas, como
se recusa a desfazer-se do dtomo enquanto tal,
unea ultrapassa as determinagdes atomistas exterio-
res a si mesmas e arbitrarias; 0 céptico, pelo con
tririo, aceita todas as determinagoes, mas sempre
na determinagio da aparéncia; a sua ocupagio &
portanto igualmente arbitratia ¢ apresenta sempre a
mesina indigéneia, Ele nada sem divida na maior
riqueza do mundo, mas mantém-se sempre na maior
miséria e tomna-se a incarnaco da impoténcia que
¥vé nas coisas. Epieuro esvazia em primeiro lugar 0
mundo, acabando dese modo na auséncia total de
determinagdes, no vazio que repousa em si, no deus
otiosus). «Assim que ele (0 etidlogo) parar em qual-
quer parte, deverd dizer, de acordo com o que afir-
mémos, se a razio foi instituida, e relativamente a
qué, suprimindo a sua relagio com a natureza; ou
enifo, se partir de um pressuposto, impedi-lo-emos
de continuary [Sext. Emp., Pyrrh. hyp., 1 186). Se,
para os fil6sofos antigos, os meteoros, 0 cdi vistvel,
Slo 0 simbolo ¢ a intuigiio da sua perturbacdo subs-
tancial, de modo que mesmo Aristoteles toma as
esttelas por deuses ou pelo menos coloca-as numa
conjuncio imediata com a energia mais elevada, j4
60 céu escrito, a palavra selada do Deus que se
manifestou a si proprio no decurso da hist6ria mun-
dial, que tem o papel de palavra de ordem no com-
bate da filosofia crista. O pressuposto dos antigos
é a acco da natureza, o dos modernos é a ac¢do
do espirito.
© combate dos antigos s6 podia acabar na des-
truigio do céu visivel, desse, ornamento substancial
da vida, da forca de gravitacio propria da existéncia
politica e religiosa, pois a natureza tem de ser dividida
em duas para que o espirito se possa unificar. Os
Gregos dividiram-na com o engenhoso martclo de
Efaistos, ¢ fizeram-na explodit em estétuas com os
seus golpes. Os Romanos enterraram-lhe a espada
até ao coraclo, e os povos pereceram; mas é a
filosofia moderna que lhe quebra 0 selo, ¢ a faz
desvanecer-se em fumo no fogo sagrado do espirito;
6 na sua qualidade de inimiga espiritual do espirito
© mo como um apéstata isolado © decadente da
gravitaco da natureza, que esta tem uma accio
universal e constr6i as formas que encerram 0 uni-
versal,
A incapacidade de Plucarco
para compreender Epicuro
HB necessitio dizer que no tratado de Plutarco
que agora examinamos ha muito poucas coisas utili-
zAveis. Basta Jer a introducdo, a sua esttipida fan-
farronice ¢ a sua grosseira interpretacao da filosofia
de Epicuro para imediatamente perder quaisquer
duvidas sobre a total incapacidade de Plutarco para
a critica filos6fica, [Extractos de Plutareo, de eo quod,
1807 ¢ segs.|. E evidente que Plutarco no com-
preende a logica de Epicuro. A maior voluptas (0
maior prazer) consiste para Epicuro em libertar-se
da dor, da diferenca, assim como de pressupostos;
© corpo que nio pressupde nenhum outro na sensa~
Gio, que nao semte essa diferenga, € sio € positivo.
33Esta posiglio, que tem a sua forma mais elevada no
Deus otiosus de Epicuro, existe por si mesmo nas
doengas que persistem na medida em que a doenca,
quando se mantém, deixa de ser um estado para se
tomar algo de familiar'e de particular. Vimos na filo-
sofia da natureza de Epicuro como o autor aspira a
esta austneia de pressuposto, a este afastamento da
diferenca, tanto na teoria como na pritica. © bem
supremo, para Epicuro; é a ataraxia (0 xepouso da
alma), pois 0 espirito de que trata é 0 espirito
empiricamente singular, Mas Plutarco apenas repete
lugares comuns ¢ raciocina como um aprendia,
0 conceito de sabio na filosofia grega
Podemos referir-nos em particular & determi-
nagio do sophos \(S4bio), pois cla constitui siste-
miaticamente 0 objecto das filosofias epicurista, es+
toica © céptica. O sen exame demonstraré que o
sébio encontra o seu lugar mais légico na filosofia
atomista de Epicuro e que 6 igualmente desse ponto
de vista que podemos observar como 0 declinio da
filosofia antiga se apresenta methor objectivado em
Epicuro.
© sibio, sophos, € obrigutdriamente concebido
péla filosofia antiga de acordo com duas determina-
ges que embora diferentes possuem ambas a mesma
raiz,
© que nos surge tedricamente na consideracio
da matéria, surge praticamente na determinagio do.
Sophos. A’ filosofia grega comega com sele sé
bios entre 0s quais se encontra o filosofo jénico
Thales, ¢ termina com a tentativa de claborar o
retrato_ conceptual do s4bio, O. principio © o fim
dessa filosofia sto definidos por sibios, e 0 seit
centro & eleproprio. um sophos: Socrates. Nao
devemos considerar exotético 0 facto de a filosofia
34
se mover em toro desses individuos_substanciais:
0 fio pouco como o facto de a Grévia se afundat
politicamente na época em que Alexandre porde
a sua sabedoria em Babilénia,
Como a vida grega e 0 espirito grego possuem
na sua alma a substéncia que neles aparece pela
primeira. vez. como |substéncia livre, 0 saber dessa
substéncia cai em existéncias independentes, em in-
dividuos, que na sua qualidade de homens notdveis
se opdem aos outros © thes so exteriores, ¢ cujo
saber, por outro lado, constitui a vida interior da
substincia e portanto uma vida interior as condicées
da tealidade efectiva que as rodeia. O fildsofo grego
6 um demiurgo, e/0 seu mundo & um mundo dife-
rente daguele que floresce sob o sol natural do
substancial.
+ Os primeiros sAbios s8o apenas os receptdculos,
os pitias, através dos quais a substancia faz ouvir
‘a sua yoz em ordens universais ¢ simples; a sua
linguagem ainda a da substincia que se pds a
falar, a dos poderes simples da vida ética que se
manifestam. Eles nfo sio mais do que os contra-
‘mestres da. vida politica, os legisladores.
Q3 fil6sofos jénicos da natuteza so fendmenos
tio isolados como as formas do elemento da natue
reza_a partir das quais procuram conceber 0 todo.
Os :pitagéricos concebem uma vida interior no Estado:
a forma na qual realizam o seu conhecimento da
substantia estf a meia disténcia do isolamento total
€ consciente (que no se encontra nos jOnicos, cujo
isolamento 6 antes o isolamento irreflectido e ingénuo
das existéncias clementares) ¢ da sua’ vida cheia de
confianga na realidade ética, A forma da vida dos
pitagdticos ¢ em si mesma a forma substancial,
politica, apenas tomada em abstracto ¢ levada a um
minimo de extensio e de fundamentaeio natural;
do mesmo modo 0 seu principio, o nlimeto, se en-
contra a meio caminho entre 0 sensivel variegado ¢
35© ideal, Os Bleatas, que foram os primeiros a des-
cobrir as formas ideais da substdncia cuja interiori-
dade eles proprios concebem de maneira puramente
interior, abstracta, intensiva, sdo os anunciadores
inspirados pelo Pathos ¢ os profetas da aurora
que surge. Merguthados nessa luz, afastam-se sem
© desejar do povo e dos deuses antigos. Mas, com
Anaxdgoras, € 0 proprio povo que se afasta do
antigo deus para se Ievantar contra o s4bio individual
© que o explica como tal ao excluilo de sii Criti-
cou-se recentemente o dualismo de Anaxfgoras (ver
por exemplo Ritter, Histéria da filosofia antiga, pri-
meiro volume); Aristételes afirma no primeiro livro
da sua Metafisica que se serve do niss (faculdade
do conhecimento imediato) como de um instru
mento e que s6 faz uso dele quando falham as expli-
cages naturais. Mas, por um lado, esta aparéncia
de dualismo no é mais do que © préprio elemento
dualista que comega; na época de Anaxégoras, a
cindir 0 coragio mais intimo do Estado: ¢ por
outro, deve ser compreendide de uma forma mais
profunda: o miss € em Anaxégoras activo e 36 ¢
empregue quando a determinacao natural nfo existe.
£ em si mesmo o non-ens (nio-ser) do natural, isto é
a idealidade. Além disso, a actuacio desta idealidade
sé comega quando fildsofo nao se pode apoiar
em qualquer anilise fisica, O miss € 0 proprio miss
do filésofo ¢ instala-se no. ponto preciso em que.
este iiltimo no consegue objectivar a sua actividade.
Com isso, 9 mriss aparece como 0 nticleo da filo-
sofia do fildsofo errante; © surge com todo o seu
poder enquanto idealidade da determinacao real, por
um lado com 03 sofistas por outro com Sécrates.
Se é um facto que os primeiros sabios sregos
correspondem ao prdprio spiritus. da substincia, a0
seu saber incamado, se as suas palavras tem a.
mesma intensidade pura da substincia, se A me-
dida que a substincia se vai idealizando cada vez
36
mais os suportes da sua evolugio fazem prevalecer
uma vida ideal, na sua realidade particular, contra a
realidade da substdncia que surge e da verdadeira
vida popular, também é verdade que a propria idea-
lidade ainda se encontra, na forma da. substancia,
Nao se sacodem os podetes vivos: os filésofos mais
idealists. deste periodo, os Pitagoricos e os Eleatas,
glorificam a vida piblica e¢ fazem dela a verda-
deira Razao, Os principios destes fil6sofos sao objec-
tivos © constituem um poder que os invade a si
proprios e que revelam em semimistérios conforme
a sa inspiracio postica, isto é de uma forma que
modifica a energia natural mas que a ndo destr6i ¢
que a elabora na sua totalidade adentro da deter-
minacio do natural. Esta incarnagio da substancia
ideal verifica-se nos préprios filsofos que a reyo-
Jam; néio apenas 2 sua expresso é o plastico-pratico
ea sua realidade € a sua propria pessoa e 0 seu
aparecimento, como ainda se tornam, cles proprios
as imagens vivas, as obras de arte vivas que 0 povo
vé sair de si mesmo na dimensio pldstica; onde
a sua actividads, tal como nos primeiros sdbios,
constitu 0 universal, as suas palavras sio. a subs:
t€ncia. que possui o verdadeiro valor: as leis,
Estes sSbios sto assim tio pouco populares como
as estituas dos deuses olimpicos. O seu movimento
constitui 0 repouso em si mesmo; estio relacionados
cam 0 povo com o mesmo grau de objectividade que
com a substincia. Os orculos do Apolo de Delfos
no foram para o povo os representantes da yerdade
divina nem foram omados pelo claro-escuro de um
poder desconhecido sendio enquanto o proprio po-
detio do espirito grego ecoou do alto do tripé
Pitico; © povo s6 se interessou tedricamente por
eles enquanto foram a expresso da propria teoria
do povo; foram populares apenas enquanto foram
impopulares. O. mesmo aconteceu com os. sfbios.
Mas com og sofistas ¢ Séctates (na mesma. linha do
37diinamis [poderio] que encontramos em Anaxé-
goras), a situacao inverteu-se. & agora a propria idea-
fidade que, na sua forma imediata, o espirito subjec-
tivo, se torna o principio da filosofia. Se, para os
antigos Gregos, a forma ideal da substineia, a sua
identidade, se manifestava opondo-se as vestes va-
fiegadas da sua realidade fenomenal, vestes essas
feitas de diferentes individualidades nacionais; se por
esse facto 0s sibios, por um lado, s apreendem o
absoluto nas determinacdes ontolégicas mais unila-
terais © mais universais, e se por outro lado repre-
sentam eles proprios o aparecimento da substincia
fechada sobre si mesma na realidade efectiva, e deste
modo, comportando-se de uma mancira exclusiva aos
pollot (4 multidio), sendo o mistério falante do seu
espitito, so, tais como os deuses plésticos das pragas
publicas no seu ser-voltado-para-si cheio de sereni-
dade, os préprias omamentos do povo ao qual voltam
revestidos de toda a sua singularidade, entdo agora,
pelo contrétio, € a idealidade, a abstracgio pura,
que faz frente & substdncia, Ela é a subjectividade
que se dé como principio da filosofia. © precisa-
mente por esta subjectividade ser impopular e estar
voltada contra os poderes substanciais da vida do
povo que se torna popular: volta-se para o exterior,
contra a realidade, 6 praticamente imiscuida nesta,
© a sua existéneia torna-se o movimento. Os receptd-
culos méveis deste desenvolvimento sio os sofistas;
€ a figura que Ihes € mais cara, pois esta liberta
das eseérias imediatas do fenémeno, é Séerates, a
quem oréculo de Delfos chama 0 sophétaton
(@ mais sibio).
Quando a sua propria idealidade enfrenta a
substincia, esta cai numa massa de existéncias e
de instituigoes acidentais e limitadas, cujo dircito
(a unidade, a identitas) foge para os espiritos subjec-
tivos. Estes constituem assim 0 receptéculo da subs-
tfncia; mas pelo facto de a idealidade se defrontar
38
com a realidade efectiva, esta apresenta-se as. pes-
soas objectivamente como um dever e subjectiva-
mente como uma pretenso, A expressio deste espi-
rito subjectivo que sabe possuir em si mesmo a idea-
lidade € 0 juizo do conceito, que possui como me-
dida do singular 0 determinado-em-si-mesmo, © ob-
jectivo, o bem, que, porém, s6 € ainda um dever da
realidade efectiva. Este dever da realidade € igual-
monte um dever do sujeito que tem consciéneia
dessa idealidade, pois que ele proprio. se mantém
na tealidade © a realidade fora. dele constitui o ser.
A. posigio deste. sujeito é assim to. determinada
com 0. seu destino,
Em. primeiro lugar, o facto de esta idealidade
da_substancia ter aparecido no. espitito. subjective
e de ter saido da propria substéncia constitui um
salto, uma queda para fora da vida subsiancial que
tem as suas condigoes no interior dessa vida, & por
isso que sia determinagio, que 6a sua, € para o
proprio sujeito. um, acontecimento, um poderio. es-
tranho de que ele passa a ser o poriador; 0 daimdnion
de Socrates. O daiménion 6 a manifestagio imediata
do facto de a filosofia ser para a vida grega tanto
algo puramente interior como puramente. exterior.
A determinagio do daiménion define o sujeito na
sua. singularidade empitica porque este 6, no interior
da, vida substancial.(portanto condicionada pela na-
tureza), a ruptura natural com essa vida; efectiva-
mente, 0 daiménion aparece como uma, determinacio
da natureza. Os sofistas sio precisamente esses de-
ménios que ainda/nio se separam da sta accio.
‘Socrates tem plena consciéneia de trazer 0 daimdnion
em si préprio; cle € assim a maneira substancial
que a substincia possui de se perder a si mesma
no. sujeito. Sécrates 6 portanto um individuo tio
substancial como os fildsofos. mais antigos; mas no
mundo da subjectividade, fechado sobre si mesmo,
ndo constitui uma imagem dos deuses, nao € miste-
39rioso nem € um vidente; € antes uma imagem
humana, clara e luminosa, um homem affivel
‘Vejamos agora a segunda determinagao: um dado
sujeito elabora um juizo de acordo com 0 dever, com
© objectivo. A substincia perden a sua idealidade,
pois encaminha-se para 0 espirito subjectivo: este
toma-se assim a propria determinagio desta subs-
(ancia, o sew predicado; segundo este ponto de vista,
a substincia degenera até tornar-se numa mera liga-
do de existéncias independentes, ligagio imediata
© injustificada que se limita a existir. O acto deter-
minante do predicado, dado que se reporta a um
ser, 6 em si mesmo imediato; como este ser 6 0 espi-
rito popular vivo, este acto é determinacio prética
dos espiritos singulares, é educacao e ensino. O dever
da substancialidade € a propria determinacio do
espitito subjectivo que 0 exprime. O objective do
mundo torna-se assim © proprio abjectivo do espirito
subjectivo, ¢ a sua missio é a de ensinar este objec-
tivo. © espirito subjectivo apresenta portanto em
si mesmo © objectivo tanto na sua vida como no
seu ensino, Eo sabio que entra no movimento
pratico.
Mas, para finalizar, quando este individuo traz
para o mundo 0 juizo do conceito, & ele pro-
prio dividido e condenado, pois a sua raiz 6 em
parte o substancial @ 0 direito da sua existénoia
encontrase no direito do seu Estado, da sua reli-
gif, enfim, de todas as condigdes substanciais que
surgem nele como sua natureza.
Por outro lado, possui em si o fim que seré 0
juiz da substancialidade em questo, Enido, a sua
propria substancialidade esté assim condenada nele;
€ cle desaparece justamente porque o lugar do seu
nascimento € 0 espitito substancial ¢ no o espitito
livre que suporta todas as contradigdes e as vence,
40
que nao reconhece como tal nenhum dos condicio-
nalismos da natureza,
Se Socrates tem uma tal importincia, € apenas
porque nele surge a relagio da filosofia greza com 0
espirito grego e, portanto, o limite interno dessa filo-
sofia. Quando, fecentemente, se comparou a’ esta
relago a existente entre a filosofia hegeliana e a
vida © Se aproveitou para condenar esla iltima, &
evidente que s¢ estava a praticar um contra-senso.
© mal especifico da filosofia grega consisie precisa-
mente no facto de ela estar ligada a um espirito
que € apenas substancial. No nosso tempo, os. dois.
termos so espitito e ambos pretendem ser reconhe-
cidos como tais.
No seu suporte imediato, a subjectividade surge
como constituindo a vida ea acco pritica desse
suport, como uma formagio através da qual ele
separa os individuos singulares dag determinagdes
da substancialidade para os conduzir & detenmi-
nagdo em si mesma; exoeptuando esta actividade
pratica, a sua filosofia tem apenas como con-
totido a determinagao abstracta do bem. Bla desem-
penha o papel de trampolim que, das representagdes
@ das diferencas subsianciais, etc., conduz & deter
minagéo-em-si; mas © seu tinico conteiido € 0 de
constituir um receptéculo para essa reflextio dissol-
vente. A sua filosofia € portanto, essencialmente, a
sua propria sabedoria, o seu proprio ser-bom; ¢
relativamente 20 mundo, a tinica realizacao do seu
ensino do bem & uma outra subjectividade bastante
diferente daquela que Kant designa ao elaborar o seu
imperativo categérico. A este, é perfeitamente indi-
ferente que 0 suporte se relacione com 0 imperativo
na qualidade de sujeito empirico,
‘O movimento torna-se em Plato um movimento
ideal; © tal como Sécrates ¢ a imagem do mundo
€-0 seu professor, assim as ideias de Platio, a stia
abstraceio filos6fiea, so os arquétipos desse mundo,
4Em Plato, esta determinagdo abstracta do bem,
do objective, dé origem a uma filosofia extensiva
que envolve 0 mundo. O objeotivo, enquanto deter-
minagao-em-si ¢.verdadeiro. querer do filésofo,. €
© pensamento; ¢ as determinacies reais deste bem
sfio os pensamentos imanentes. O verdadeito, querer
do fildsofo, a idealidade nele actuante, € o verda-
deiro_ dever do mundo real, E esta. a concepeao
que Platio tem das suas relagdes com a. tea-
lidade efectiva: um reino das ideias independente
paira acima da realidade (este para-além é a. propria
subjectividade do fildsofo), ¢ reflecte-se, obscuro,
nela, Se Socrates, apenas descobriu o. nome da ideali-
dade que passou da substdncia para o.sujeito, se
cle proprio nao é mais do. que este movimento
acompanhado de consciéneia, 9 mundo substancial
da tealidade entra agora, realmente idealizado, na
consciéncia de Platéo. Mas, assim, a. articulacao
interna deste mundo ideal é to simples como a do
mundo yerdadeiramente substancial que se the de-
fronta; e sobre. este assunto Arisibieles faz uma
observacio bastante justa: «Pois as formas sfio quase
semelhantes e quase tio numerosas como as coisas
de que partem estes pensadores, & procura das suas
origens, para atingir as formas» [Arist., met, 990 b 4
€ segs]. A determinagio deste mundo ¢ a sua arti-
eulagiio om si constituem assim para. proprio
filosofo um para-além; 9 movimento cai fora. deste
mundo. «Mas mesmo que houvesse formas, no seria
or isso que poderia naseer qualquer coisa que delas
izesse parte, a menos que no, exista mais nada
que dé origem ao, movimento», [Arist met. 991 b 5
© segs]. filésofo enquanto tal, isto é enquanto 6
© sibio e no o movimento do espirito verdadeiro
em geral, constitui assim a verdade transcendente do
mundo substancial que se.encontra perante si mesmo,
Plato revela-o da maneira mais clata quando afirma
que seria neoessério que os fil6sofos se tomassem
42
reis ow que 0s reis'se tornassem fildsofos’ pata que
Estado atingisse a sua determinacio. Aliés, ele
proprio fez essa tentativa dado que se encontrava
A mereé de um tirano, A situacio particulat mais
clevada é ainda a daqueles que sabem, Gostaria final
mente de mencionat duas observacdes feitas por
Arist6teles que nos dao, acerca da consciéncia pla-
tonica, esclarecimentos muito importantes ¢ que se
harmonizam com 0 ponto de vista que adoptimos
para a estudar, ou seja, com aquele que se relaciona
com 0 sophos.
Arist6teles afirma o seguinte de Plato: «No
Pédon, fala-se como se as formas fossem a otigem
do sere do gerar. Arist: mer. 991 b 4 ¢ sogs.].
Plato quer transferir para a idealidade nio apenas
alguns sores mas sim toda a esfera do ser: esta idea-
lidade € um reino fechado, diferenoiado especifica-
‘mente na propria conseiéncia filosofante; © precisa.
mente porque o € lhe falta o movimento,
Esta conttadi¢ao inerente a consciénéia filosofante
deve objectivar-se para essa mesma consciéncia, deve
ser expulsa por ela. «Por outro lado, as formas deve-
tiam ser no apenas paradigmas dos objectos dos
sentidos mas também paradigmas de si mesmas — por
exemplo, 0 género como género de formas—de
modo que uma unica coisi seria simultineamente
modelo © cbpia» [Arist., met., 991 a 29—b I],
As determinacées essenciais
da filosofia epicurista®
Sio essenciais para definir a filosofia epicurista
da natureza:
1) A eternidade da matéria, que est4 relacionada
com 0 facto de o tempo ser considerado como o
30 Tuxtractos de Lucréclo I—786 a 740,acidente dos acidentes, como pertencendo apenas as
composigies ¢ aos seus efeitos fortuitos ¢ sendo, por-
tanto, externo ao principio material, ao proprio
tomo, Isto concorda com o facto de a substancia,
na filosofia de Epicuro, originar uma reflexio pura-
mente externa, de ser a auséncia de pressuposto, de
constituir 0 arbitrario © fortuito. O tempo seré antes
a condigao da natureza, do finito; ea sua necessidade
interna € a unidade negativa consigo mesma.
2) O vazio, a negagao, ndo € o negativo da ma-
téria_ mas existe precisamente onde a matétia no
existe, Deste ponto de vista, esta negacio é também
elema em si mesma,
A figura que finalmente vemos sair do laborat6rio
da conscigncia greco-filos6fica, saida da obscuridade
da abstraceio ¢ coberta com as suas vestes sombrias,
€ a figura com a qual a filosofia grega caminha
viva pela cena do mundo, a mesma figura que até
via deuses numa casa ingendiada, a mesma que
bebeu a taca de veneno, a mesma que, depois de
se tomar 0 deus de Aristételes, gozou da maior
Felicidade, da Teoria [eontemplagao].
44
FILOSOFIA EPICURISTA.
TERCEIRO CADERNO.
BERLIM, SEMESTRE DE VERAO DE 1839.
Critica da polémica de Plutarco contra Epicuro
A ataraxia
® Também aqui Plutarco no compreende a 16-
gica de Epicuro; 0 facto de lamentar a auséncia de
‘uma_transigio especifica da voluptas corporis ad
voluptatem animi®? & importante e deve ser deter-
minado de forma mais precisa ¢ que corresponda
a0 que faz Epicuro, [Extractos de Plutarco, de eo
quod 1088 ¢ 1089).
Trata-se de uma observacio bastante importante
para a dialéctica epicurista do prazer, se bem que
Plutarco the faca uma critica deficiente. De acordo
com Epicuro, o proprio sdbio se encontra no estado
vacilante que surge camo definicdo do prazer (edoné);
© puro repouso (makaridtes) do nada, completo de-
sapareimento de toda a determinagio, & 0 proprio
2 Tixtractos de Plutarco de eo quod 1088, 4.
A obra citada intitula-se («Nao se pode viver feliz
seguindo a doutrina de Epicuros)—(N. dos 7.).
32 Do prazer corporal ao prazer da alma> (WV. do
Autor).
45Deus; e € essa a razio de, tal como o sibio, ele
habitar nfo no interior mas no exterior do mundo.
*8 Quando Plutarco objecta a Epicuro que, devido
A possibilidade da dor, a jiberdade num estado pre-
sente de boa satide nao pode existir, poderemos
dizer que, em primeiro lugar, o espirito epicurista
niio € um espirito que se embarace com tais possibi-
lidades e que & precisamente por a relatividade abso-
uta, 0 fortuito da relagdo em si constituir apenas a
auséncia de relagdo que o sabio epicurista considera
© seu estado desprovido de relagdes; & nessa medida
que esse estado para ele um estado seguro. Com
efeito, 0 tempo nfo é para ele sendo o acidente dos
acidentes; entio, como poderia a sua sombra pene-
tar na solida falange da araraxia? Mas quando
pressupde saudavel o pressuposto mais proximo do
espirito individual, o corpo, nao faz mais do que
trazer a auséncia ‘de pressuposto para as proximi-
dades do espirito, trazer-the a sua natureza inata, ou
seja, um corpo stio, no aberto para o exterior e
submetide A diferenga. Quando, na dor, esta sua
natureza The aparece do mesmo modo que 0s pro-
dutos imagindrios ¢ as esperancas de estados isola-
dos, nos quais se manifestava este estado caracte-
ristico do seu espitito, isso quer simplesmente dizer
que 0 individuo como tal contempla a sua subjecti-
yidade ideal de um modo individual, o que é uma
observagio perfeitamente exacta. Do ponto de vista de
Epicuro, a objecstio de Plutarco restringe-se ao se-
guinte: a liberdade do espirito num corpo sio nao
existe, porque existe; pois se € supérfiuo excluir a
possibilidade, é precisamente porque a realidade
efectiva s6 € determinada como possibilidade, como
caso, Se pelo contriio considerarmos 0 assunto na
%® xtractos de Plut, de e0 quod 1089.
sua universalidade, devemos esperar que 0 estado
verdadeiro, positivo e espiritual, abandone a univer-
salidade para nao se deixar obscurecer por singula-
tidades fortuitas. Se fosse como Plutarco 0 quer,
deveriamos pensar nas misturas singulares quando
nos referimos 20 éter puro, no odor das plantas
Venenosas ou na respiragéio das bestas, em nao viver
porque podemos morrer, etc., em ndo gozar a univer-
salidade para sair dela c cair nas singularidades. Um
tal espirito s6 se preocupa com 0 mintisculo, é de
tal modo previdente que nada vé,
Finalmente, se Plutarco quer dizer que devemos
preocupar-nos com a conservagio da satide do
corpo, entio veremos que também Epicuro se refere
a esta banalidade mas de uma forma muito mais
genial: aquele que considera 0 estado universal como
sendo 0 estado verdadeiro, preocupa-se mais do que
qualquer outro em conservé-lo, E assim © senso
comum; julea poder apresentar aos fildsofos as suas
bagatelas € 0 seus lugares comuns como se fossem
uma terra inedgnita*, Julga, quando nos langa ver-
dadeiras cascas de ovo, que € um Colombo. Epicuro
tem razio de um modo geral, exceptuando 0 seu
sistema (pois este € 0 seu summus jus), quando
afirma que © sfbio considera a doenca como um
ndo-ser, © que a sua aparéncia desaparece. Se estiver
doente, esta doenca sera para ele uma aparéncia eva-
hescente que nao pode durar; se est4 de boa satide,
a aparéncia deixa de existir na sua existéncia essen-
cial © ele tem mais em que pensar do que na possibili-
dade dessa aparéncia. Portanto, quando esti docnte
nfo actedita na doenea e quando tem satide venera
essa satide como sendo o estado que Ihe foi atribuido:
comporta-se como um homem de boa satide. Frente
24 cLugar desconhecido» (2. do Autor)
25
(«Contra o epieurista Colotess) — (N. dos 7.).
a
*Plutarco sente-se perturbado sempre que se
defronta com a ldgica de Epicuro. Se alguém con-
testa a opinido segundo a qual no devemos aceitar
que 0 frio seja frio e 0 calor seja calor apenas por-
que o afirma a multidio de acordo com o seu sen-
sorium, um. idiota pensaré que esse homem esté
enganado se mio afirmar que ambos os pontos de
vista so falsos. O nosso homem no se apercebe
de que assim a diferenca sai pura e simplesmente
da coisa para a consciéneia, Se se quiser resolver
esta dialéctica da certeza sensivel sem sair desta
Ultima, deve-se afirmar que a propriedade reside nos
dois termos tomados em conjunto, na relagio entre
© saber sensivel ¢ © sensivel, e que portanto cla é
imediatamente distinta na exacta medida em que
ssa relagio 6 imediatamente distinta. O erro nfo é
assim attibuido nem coisa nem ao saber; pelo
contrario, € 0 conjunto global da certeza sensivel
que € considerado como processo vacilante, Quem
nao possui poder dialéctico suficiente para nogar
esta esfera na sua totalidade, quem a quer deixar
tal © qual, deve-se contentar igualmente com a yer-
dade tal como se encontra no interior dessa esfera,
Plutarco é incapaz de tomar a primeira atitude; ¢
para tomar a segunda € demasiado honesto ¢ pre-
vidente,
*°Sobre qualquer propriedade, afirma Plutarco,
nao se doveria assim dizer que ela. existe ou que
‘no existe; pois que tudo se modifica conforme a
maneira como cada pessoa ¢ afeciada, Mas este
seu problema mostra imediatamente que mio com-
preende o assunto, Fala do ser ou mio-ser solido
‘como predicado; mas o que é caracteristico da exis-
2 Hxtractos de Plut, adv, ool, 1108, 2; 1110, 6,
% Extractas de Plut, adv. ool, 1110, 7.
63téncia do sensivel 6 antes 0 de néio ser um tal pre-
dicado, de nao constituir um ser ou um nio-ser
eonsistente, Quando se separam estes dois termos,
Separa-se jusiamente 0 que nao esté separado na
sensibilidade. O pensamento comum tem sempre
predicados abstractos a que recorrer, predicados que
separa dos sujeitos. E todos os filésofos transforma-
ram predicados em sujeitos.
# Quando Plutarco afirma daqueles que ensinam
as ideias, principalmente de Plato, «ele nio despreza
© seasivel, antes afirma o ser do Inteligivel» [Plut.,
ady, Col, 1116, 15], © estiipido ecléctico nao ve
que € precisamente isso que se critica em Platio.
Este nio suprime o sensivel, mas afirma o ser
do pensamento. O ser sensivel transcends os pensa-
mentos: € como O pensamento se torna iguaimente
um ser, estes dois reinos possuindo o ser subsistem
um ao lado do outro. Podem observar-se aqui. os ecos
que, com singular facilidade, o pedantismo platénico
alcanga no homem comum; e dadas as suas opiniGes
filosoticas, podemos colocar Plutareo no némero dos
homens comuns. E é evidente que o que aparece em
Plato de forma original e necessaria, num certo grau
do desenvolvimento da formagio filoséfica universal,
€ para um individuo que se encontre nos fins do
mundo antigo a recordago da bebedeira de um
morto, uma luz de um tempo ante-diluviano, 0 espec-
téculo repugnante de um homem idoso que volta &
sua infancia.
Nao poderiamos encontrar, para criticar Platao,
nada melhor do que 0 elogio que Ihe faz Plutarco:
«Ele nao despreza os acontecimentos que se pro-
31 Bixtractos de Plut., adv. col, 1111-1115, sobre as
yelagées com Deméerito, Empédoclos, Parménides e
Platao,
64
duzem ¢ surgem perante nés, mas antes ensina aos
seus discipulos que existem outros, mais s6lidos e
mais duraveis na sua esséncia; faz-lhes ver que estes
nio nasceram, nfio conhecem a destruigio e nao
estiio submetidos a nenhuma afeieio, ¢ ensina-os a
preocuparem-se de uma forma mais rigorosa com os
nomes da diferenga e a formular explicitamente 0
que existe ¢ o que devém» [Plut., adv. Col., 1116, 15].
* Platarco volta-se agora para Colotes e per-
gunta se 03 seus discipulos ndo estabelecem eles
proprios a diferenga entre o ser s6lido ¢ o ser pas-
sageiro, etc.
| ‘8 divertido escutar esta sinceridade que se
julga previdente. © proprio Plutarco coloca a dife-
renga platénica sob dois nomes diferentes, preten-
dendo no entanto que os epicuristas esto errados
ao atribuir aos dois lados um ser sdlido (porém,
estabelecem claramente a diferenca enire o dphthar-
ton e 0 aghéneton — imperecivel ¢ intransformavel —
€ 0 que existe por composigio); ¢ Platiio niio a faz
igualmente quando afirma que o ser est sdlidamente
estabelecido num dos lados ¢ 0 devir no outro?
#2 Hixtractos de Plut,, adv. col, 1116,
88 Bxtractos de Plut, adv, col, 1116,
4% Segundo a edicéo alemd, a ‘iltima pfigina de
texto deste caderno foi arrancada (N. dos T.).
65FILOSOFIA EPICURISTA.
QUARTO CADERNO. 1839.
SEMESTRE DE VERAO*
%6 evidente que Lucrécio ¢ necessiriamente
pouco utilizado.
Plutarco e Lucrécio
Na Primavera a natureza estende-se em toda a
sua nudez e, consciente da sua vitéria, oferece a0
olhar todos os seus encantos, enquanto que no
Tnverno ela cobre de neve ¢ de gelo a sua vergonha
a sua indigéncia: assim podemos definir a diferenca
entre Lucrécio, 0 vivo, audacioso e poético senhor
do mundo, ¢ Plutarco, que esconde a medioeridade
do seu eu sob a neve ¢ 0 gelo da moral.
35 Extractos de Plut, adv. col, 1117, 19; 1118;
1119-1122,26 sobre ag relagdes entre Eplcuro e S6-
crates, Hstilpon, os Cirenaicos e os Académicos (Arce-
silau).
36 Extractos de Luerécio I 63-79. 150. 159 e segs.
267 e segs. 323-330. 339 a 346, 382 © segs, 419 © sexs.
461-483, 479-482. 503-309. 340, 600-603. 654-689. T63-
-166, 783-793, 814-816, 820-822, 347-856, 871-895. 907-
“O14, 958-964, 984-997. 1009-1023. 1035-1041,
a‘Quando vemos um individuo medrosamente en-
colhido ¢ fechado sobre si mesmo, procuramos invo-
luntiriamente conselhos e ajuda, temos medo por
nés proprios; por assim dizer, temos medo de nos
perder. Mas quando vemos um ser de cores feéricas
que salta alegremente, esquecemo-nos de nés e sen-
timo-nos sair da nossa pele como se féssemos uma
forca universal; eo nosso respirar 6 mais ousado.
Entre aquele que sai da sala de aulas de Plutarco
penetrado da injustica que consiste em os homens
bons, com a morte, perderem o fruto da sua vida,
@ aquele que vé toda a riqueza da cternidade e ouve
© cantico ousado e tonitruante de Lucrécio,
oAcri
Percussit thyrso laudis spes magna meum cor
et simul incussit suavem mi in pectus amorem
Musarum, quo nunc instinctus mente vigenti
avia Pieridum peragro loca nullus ante
trita solo juvat integros accedere fontis
aique haurire, iuvatque novos decerpere flores
insignemque meo capiti petere inde coronam,
unde prius nulli velarine tempora Musae;
primum quod magnis doceo de rebus et artis:
Teligionum animum nodis exsolvere pergo,
deinde quod obscura de re tam lucida pango
carmina musaceo contingens cincta lepore.
T 922-934 #
qual se sente mais moral ¢ mais livre?
a7 «Mas a esporanca de gldrias tocou fortemente
Mo meu espirito com o seu bastdo de tirso / @ esta
esperanga acordou na minha alma o tao doce de-
sejo / das Musas; e\agora, cheio de desejo e de um
espirito vigoroso / passelo-me na longinqua regiio do
monte Pierus, que ainda ninguém desbravara. / 5 fol
68
Aquele que ndo sente mais prazer em construir
‘© mundo inteiro com os seus proprios meios, em set
um criador do mundo, do que em manter-se eterna-
mente dentro da sua pele, sofre o andtema do espitito,
€ marcado pela proibicéio, mas por uma proibigao
invertida; € afastado do templo ¢ do etemo gozo
lo espirito © € levado a cantar miisicas de embalar
destinadas A sua propria beatitude privada e, de
noite, a sonhar consigo mesmo,
Beatitudo non virtutis praemium, sed ipsea virtus
Espinoza, Zt, V 42)",
Veremos também que Lucrécio compreende Epi-
curo de uma forma infinitamente mais filoséfica do
que Plutarco, De facto, a primeira regra a cumprir
ara que se faga uma verdadeira investigagao filo-
SOfica € ter um espirito livre ¢ audacioso.
A critica de Lucrécio
4s filosofias da natureza anteriores
Devemos em primeiro lugar referir a pertinente
critica aos filosofos da natureza anteriores feita pelo
pensamento epicurista. Uma outra razio para a con-
af que tive a alegria de encontrar fontes virgens / ¢ de
nelas beber, © de colher flores pouco antes desabro.
chadas / e de as por & volta da minha cabeca como
Se fossem uma coroa real; / nunca antes as Musas
tinham assim coberto as témporas a quem quer que
fosse. / Com feito, o meu poema ensina coisas de
primeira grandeza, / Procuro Ubertar a alma das
cordas da religifo, / © em segulda, sobre qualquer
coisa obscura, escrevo um poema tio Iuminoso / que
atinge toda @ graca das Musas, (WV. do Autor),
% cA beatitude néo € a recompensa da virtude
mas sim a proprie virtuder (N. do Autor).
A obra de Espinoza citada no texto intitula-se
(N. do Autor).
41 lxtractos de Lueréclo, II 248-245, 251-258, 281
© segs.
“+ Bxtractos de Lucréclo, It 284-293,
16
Esta declinario, este clinamen, nio ocorre nem
numa regione loci certa nem num tempore certo
(aio ¢ determinavel nem segundo o lugar nem se-
gundo © tempo), nao ¢ uma qualidade sensivel; 6
antes a alma do Atomo.
No vazio desaparece a diferenga de peso pois
esta nio € uma condigio extrinseca do movimento
mas sim o proprio movimento que é-para-si, ima-
nente, absoluto.
**Lucrécio fi-lo prevalecer contra 0 movimento
limitado por condigdes. sensfveis
Esta potestas (poder, possibilidade), este decli-
hare (declinagio, desvio) 6 a obstinacto, a teimosia
do Atomo, 0 seu guidam in pectore (coracdo); ela
Ado indica a sua relagdo com o mundo, se bem que
indique a relacdo entre o mundo mecanico cindido em
dois e o individuo singular,
Do mesmo modo que Jtipiter nasceu no meio das
dancas guerreiras desencadeadas pelos Quirites, tam-
bém aqui o mundo cresce no meio da luta tumul-
tuosa dos étomos,
Luerécio € 0 auténtico poeta épico romano, pois
canta a substincia do espirito romano, Em luger das
figuras serenas, fortes e compactas de Homero, apre-
senta-nos herdis s6lidos, de armaduras impenetraveis,
aos quais faltam todas as outras propriedades; temos
a guerra de todos contra todos, a forma cheia de
dureza do ser para si, uma natuteza divinizada ¢
um deus naturalizado.
4 Txtracto de Lucrécio, I 295-989,
‘ Extracto de Luerécio, II 230-254, 277-280,
7As qualidades exteriores do dtomo
Observemos agora a determinagio das qualidades
exteriores do tomo; a sua qualidade especifica, inte-
rior ¢ imanente, mas que constitui igualmente a sua
substincia, j@ foi examinada anteriormente, Estas
determinagdes sfio muito fracas em Lucrécio, ¢ cons-
tituem igualmente em geral, uma das partes mais
dificeis ¢ mais arbitrarias de todo 0 conjunto da
filosofia epicurista.
*A opinifio de Epicuro segundo a gual a figu-
rarum yarietas (variedade das figuras) ndo & infinita
(infinita), mas que 0s corpuscula ejusdem figurae
infinita sint, e quorum perpetuo concursu mundus
perfectus est usque gignuntur®, 6 a mais importante
ea que melhor concorda com o papel desempenhado
pelos atomos relativamente as suas qualidades, isto
6, relativamente a si mesmos enquanto principios
de um mundo.
% A distancia, a diferenga entre os dtomos €
finita; se nfio a aceitdssemos como tal, os atomos
seriam em si mesmos mediatizados, conteriam em
si uma diversidade ideal. A infinidade dos étomos,
enquanto repulsiio, enquanto relag&o negativa con-
sigo mesmos, origina um mimero infinito de 4tomos
semelhantes, quae similis sint injinitas®* [Lucrécio IL
m Extractos de Luerécio, TE 284-803. 308-816. 333-
-843, 479-499, Sobre o movimento e a figura dos dtomos.
‘2 «HA um naimero infinito de Atomos eom a mesma
figura, fol do seu chogue perpétuo que o mundo salu,
foram originados...> (nfio ge sabe a que dizem respeito
estas ‘iltimas palavras) —(N. do Autor)
3 Bxtractos de Lucrécio, I 507-510. 512-514,
22-5907.
51 <0 nfimero dos que so semethantes € infinito»
(WN, a0 Autor),
B
256 e segs.J, © a sua infinidade nao tem nada que ver
com a sua diferenca qualitativa. Se aceitarmos a
infinidade do ser-diferenciado da forma do Atomo,
cada dtomo conterd em si o outro que simultinea-
‘mente suprime em si, havendo portanto dtomos que
representam toda a infinidade do mundo, tal como
as ménadas de Leibniz.
** Pode-se dizer que na filosofia epicurista o imor-
tal é a morte. O tomo, 0 vazio, 0 acaso, 0 arbitrario
@ a composi¢io slo, em si, a morte,
Paralelo entre os Epicuristas,
os Pietistas ¢ os Supranaturalistas *®
Sabe-se que para os epicuristas 0 acaso é a
categoria soberana, Daqui se conclui necesstiriamente
que a ideia 56 € considerada como um estado; 0
estado ¢ a persisténcia em si fortuita, A categoria
mais intima do mundo, o atomo, a sua conexio, etc.,
foge assim para longe, & considerada como um estado
passado. Encontramos a mesma posi¢%o nos pietistas
€ nos supranaturalistas. A criago do mundo, 0 pe-
cado original, a redencio, tudo isto e as suas determi-
nagées tais como o paraiso, ete, niio sio uma deter-
minagdo eterna da ideia, independente de qualquer
temporalidade imanente, mas sim um estado. Do
mesmo modo que Epicuro transporta a idealidade
do seu mundo, o vazio, para fora desse mesmo
mundo, para a criagio do mundo, também o supra
naturalista incarna a auséncia de pressuposto © a
ideia de mundo no paraiso.
50 Hxtractos de Lucrécio, TI 587 © segs. 573-580.
586-588, 646-851. 796. 812-846, 861-864, 967-974, 950-
7082; TH 179-182, 186 © segs, 193-195. 201 © segs.
220-284, 237-244. 258 e segs. 867-869.
so Toxtractos de Lucrécio, IIT 888-893, 1053-1059.
19EXTRACTOS DO 5. CADERNO*
‘A seguinte passagem de Estobeo, que niio per-
tence a Bpicuro, faz talvez parte das coisas mais
sublimes *, Mais do que a passagem citada por
Schaubach, a que citei mais atrés (Ecl. phys. L I p. 5).
87 Sen, ep. 9,1; 9, 20; 79, 15; de otio VIL 3 (ou
92, 11); ep. 66, 18; 61; 68, 45. 47; 21, 9-11; de const.
sap, XV 4; op. 24, 22-23; de vita deata XIX 1-2; ep.
107, 1; 9, 20; 81, 11; 52, 8, 4; 18, 9-10; 21, 7-8 (consultar
Est, flor, XVI 28); 12, 10; 18, 16°17; 14, 47; 46, 7
11,14; 48, 14-15; 19, 10; 22, 15; 23," 9; '25, 4; i10:
26, 8; 27, 9; 28, 9; 7, 11; 8 7; 6, 6; 97, 3
de! benef. IV 19, Bst., gol. 1, Vi 17 ¢ (3 208); VIII 40 b
(§ 252); X 14 (§ 306); XIV 1 e segs. (§ 845); XVI 1
(§ 866); XVIII 1 a (§ 380). 4 a (§ 388); XIX 1
(§ 394 (consulter Didg. X 40); XX 1 e segs. (§ 418);
XXE 3 0 (§ 442); XEI 10 (8 490),
ste eaderno contém quase inlcamente cltacdes.
‘Actuaimente existem spenss cerca de metade das
péginas iniciais,
se XXI 9 (§ 480); XXIZ 3 a (§ 496); XXIZ 3 bee
(§ 496-408); XXIV 10 (§ 514); XXV 3 f'(S 590-032).
‘AS obras citadas no texto intitulam-se, respectiva-
mente: Seneca, |(«Cartas a
Lucitius»); Seneca, «De otlo aut secessus sapientian;
Seneca, «De constinola sapientiss («Sobre @ perseve-
ranga do s4blos); Seneca, «De vita beatac («Sobre a
Vida feliz»); Estobeo, ; Estobeo, «Hclogae
physicae ef ethicaes' (cBelogas fisieas ¢ Gticasy); Sé-
neca, «De Beneficiis» («Sobre os beneficlos»)— N. dos 7,
81[1 29 b (§ 66)] parece sancionar 0 ponto de vista
que distingue dois tipos de dtomos, quando estes
so citados como principios imortais, ao lado dos
&tomos ¢ do vazio: os omoidtétes (semelhancas) ¢
05 cidéla (imagens), que nfo sio redutiveis uns
08 outros mas que se encontram relacionados da
seguinte forma: «Mas elas sao chamadas homeome-
rias ¢ elementos». Sio os étomos que estdo na base
do fenémeno, na medida em que constituem ele-
mentos sem homedmeros, que possuem as propric-
dades dos corpos na base dos quais se encontram, De
qualquer modo, isto falso. Metrodoro cita igual-
mente como causa «os dtomos ¢ os elementos». L, I
p. 52 [XXII 3 a @& 496)].
% Segundo Clemente de Alexandria, o apéstolo
Paulo visava Epicuro quando disse (citamos 2 pas-
sagem—I 11, 50, 5 © sogs.—ja traduzida}: «e
ainda: “Tende euidado em que nio haja ninguém
que se aptopric de v6s através da filosofia e da
doutrina vazia e pomposa que se inspiram na tra-
digo humana, ¢ que estio de acordo com os cle-
mentos do mundo e 10 com o Cristo’. Com estas
palavras, ele (0 apéstolo Paulo) nfio injuria todas
as filosofias mas sim a filosofia epicurista, a qual
criticou igualmente nos Actos dos Apdstolos, pois é
ela que suprime a Providéncia e diviniza o prazer,
que hontou os elementos sem colocar acima deles a
causa criadora, sem ter feito aparecer 0 criador do
mundo». De acordo: os filésofos foram rejeitados
porque néo deliravam com Deus. Compreende-se
t0 Bxtractos de Clem, Al. strom, VI 2; V 14;
TE 2; I 21, 22; IV 22; Tt 4. 23; I 15; IV 8; v8
82.
agora melhor esta passagem, ¢ vé-se que Paulo
visou todos os fildsofos *.
% Sequemse extractos de Son, nat quaest. VI 20,
5+; de otio cap. 30; de vita beata 12, 4-5; 18, 1)
de bene]. IV 2, 1; de vita beata 11, 2; de Benef. IV 13,
1-2; ep. 72, 9; 89, 11; ludus de morte VIII 1; ep. 68,
10;'24, 18. 'Mstob, flor. XVIT 22. 98; XVI 20; XVII 33.
34; XLI de republica (ndo ostabelecido) CXVII de
morte (nao estabelecido); XVII 29; XXIX 79; VI 57;
‘VI de in temperantia (nao estabelecido); ecl. I, I 29 b
($ 68),
‘As obras citadas aqui pela primeira vex intitu-
lam- («Questies na-
turals)»; Séneca, da filosofia, nesta passagem, sera a
pratica, que segundo Marx «6 felta de olhos brilhantes»,
isto 6 permite a filosofiia grandes realizagdes. (1.
ds T.).
86
maneira conereta que 6 a do organismo_inteiro,
A ciséo do mundo nao 6 causal se de facto esses
aspectos forem totalidades; 9 mundo é portanto um
mundo despedacado que enfrenta uma filosofia em
si mesma total. O fendmeno da actividade dessa filo-
sofia é portanto igualmente um fenémeno despeda-
ado ¢ contradit6rio; a sua universalidade objectiva
€ plasmada em formas subjectivas da consciéncia
singular nas quais continua a viver, As harpas nor-
mais deixam ouvir os seus sons quando qualquer
mao lhes toca; mas as harpas e6licas $6 tocam quando
sentem a tempestade. Nao nos deixemos enganar pelo
tufo que se segue a uma grande filosofia, a uma
filosofia do mundo.
Quem niio reconhece esta necessidade historica &
Jogicamente obrigado a negar que apés uma qual-
quer filosofia total os homens ainda possam viver,
a menos que considere a dialéctica da medida, en-
quanto tal, como a mais alta categoria do espirito
que se conhece a si mesmo ¢ afirme juntamente com
alguns dos actuais hegelianos, que conhecom Hegel
bastante mal, que a mediocridade & o fendmeno
normal do espirito absoluto. Mas a mediocridade
gue se aponta como fenémeno habitual do absoluto
cai necessiriamente na auséncia de medida, neste
caso no desmedido das suas pretensées. Sem aquela
necessidadé niio se poderia conceber o aparecimento,
depois de Aristételes, de um Zendo, de um Epicuro
ou de um Sextus Empiricus, e depois de Hegel,
das pobres tentativas, na sua maioria sem funda-
mento, dos fildsofos recentes.
‘As pessoas de meias-medidas tém, nessas épocas,
um ponto de vista contratio ao dos verdadeiros chefes.
Julgam poder reparar os prejuizos diminuindo as
forgas, economizando.as, assinando um tratado de
paz com as necessidades reais, enquanto que Temis-
tocles, quando Atenas se viu ameagada de devas-
tagio, propés aos atenienses que a abandonassem
87e que construfssem no mar, sobre um outro elemento,
uma nova Atenas.
Também nio nos devemos esquecer de que a
Gpoca que se segue a estas catdstrofes € uma época
de ferro, feliz quando é marcada por combates de
titdis ¢ lamentavel quando se assemelha aos séculos
que, coxeando, se seguem as grandes épocas actisticas,
pois estes contentam-se com fazer em cera, om gesso
© em cobre 0 que antes saia do métmore de Carrara
tal como Pallas Athena saiu da cabeca de Zeus,
© pai dos deuses. As épocas que sucedem a uma
filosofia total e as suas formas de desenvolvimento
subjectivas so titinicas, pois a dissencao que cons-
titui a sua unidade é gigantesca. B assim que vemos
surgir Roma depois das filosofias estoica, oéptica
epicurista. Estas filosofias so infelizes e a sua
existéneia € dura, pois os seus deuses esto mortos
ea deusa nova mantém ainda a sombria aparéncia
do destino, da luminosidade pura ou das puras trevas.
‘Ainda The faltam as cores do dia. Mas 0 nticleo
fintimo da desgraga 6 constituido pelo facto de a
alma desta época, a ménada espiritual, que se basta
a si mesma e 6 om si mesma representada ideal-
mente de todos os pontos de vista, nao reconhecer
nenhuma realidade que exista sem a sua intervenca
‘A saida para uma tal deseraca esté na forma subjec-
tiva, na modalidade em que a filosofia como cons-
cigncia subjectiva se relaciona com a realidade
efectiva.
E foi deste modo que as filosofias epicurista ©
est6ica constituiram a felicidade da sua €poca; quando
© sol universal se poe, a borboleta noctuma procura
a luz da lampada do particular.
© outro lado desta questio, que para o histo-
riador da filosofia 6 0 mais importante, é 0 facto de
esta viragem realizada pelos fil6sofos, esta trans-subs-
tanciago em carne sangue, ser diferente conforme
a determinagdo contida, como marea de nascenga,
88
em qualquer filosofia total ¢ concreta. E & simul-
tineamente uma réplica que pode ser usada contra
aqueles que, sob 0 pretexto de que Hegel considerava,
justa, ou seja, necesséria, a condenagio de Sécrates,
e 0 facto de Giordano Bruno dever expiar a sua
chama espiritual nas chamas e no fumo dos seus
cariceiros, conclufam com {oda a parcialidade que,
por exemplo, a filosofia hegeliana pronunciou a
sua propria condenagio, Mas é importante, de um
ponto de vista filosSfico, insistir nesta questio, pois,
& possivel voltar A determinago imanente © ao
cardcler que a existéncia de uma filosofia define na
historia mundial a partir da forma especifica como
se ofectua esta viragem. O que antes se apresentava
como crescimento torna-se agora determinasao, o
que era, negatividade em si tornou-se negacao. Por
assim dizer, vemos aqui o curriculum vitae de uma
filosofia roduzido a sua expressio mais simples © 4
sua aparéncia subjectiva do mesmo modo que depois
da morte de um herdi se pode falar sobre a historia,
da sua vida, O facto de considerar a relagiio entre
a filosofia epicurista e 0 mundo como um exemplo,
dessa forma da filosofia grega permite-me nao
por A cabeca da filosofia de Epicuro, como con-
digdes inerentes 4 vida, alguns temas das filosofias
gregas anteriores e de, pelo contrario, tirar algumas
conclusdes sobre estas filosofias a partir justamente
daquela, deixando-a assim exprimir a sua propria
posigio.
Sobre a forma subjectiva da filosofia platénica,
critica @ obra de Baur:
O elemento cristiio no. platonismo
Para em poucas palavras determinar ainda me-
jhor a forma subjectiva da filosofia platénica, vou
considerar detalhadamente algumas opinides do Pro-
89fessor Baur que se encontram na sua obra intitulada
«O elemento cristio no platonismos, Isto permitir-
~nos-4 tirar uma conclusto importante e esclarecer
simulténeamente alguns pontos de vista contradi-
t6rios.
«<0 elemento cristiio do platonismo, ou Séerates
¢ 0 Cristo», de D. F.C, Baur, Tubingen, 1837.
Baur diz na pfgina 24:
«A filosofia socratica ¢ 0 cristianismo esto con-
sequentemente um para 0 outro, considerados do
ponto de partida que a ambos se refere, como o
conhecimento de si esté para o reconhecimento dos
pecados»,
Parece-nos que a comparacéo entre Sécrates
Cristo que aqui nos € apresentada prova exacta-
tneate 0 contrario do que deveria ser, 0 contrétio de
uma analogia entre Sdcrates ¢ Cristo. O conheci-
mento de sie 0 reconhecimento dos pecados estio
entre si, sem ditvida alguma, como o universal esté
para o particular ou como a filosofia esté para a
teligido. Todo o filésofo ocupa essa posicio, quer
pertenga aos tempos antigos ou & época moderna.
Trata-se aqui mais da separaco eterna de dois
dominios do que da sua unidade; e essa separactio
€ igualmente uma relaciio, pois toda a separagio é
separacio de uma unidade. Isto quereria apenas dizer
que Sécrates est para Cristo como um filésofo esté
para um professor de religiio, De nada serve intro-
duzir uma semelhanga ou analogia entre 0 encanto
¢ a arte da parteira, pois a ironia praticada por
Socrates torna a contradicao, e nfo a analogia, cada
vez maior. A ironia socritica, tal como € coneebi
por Baur e tal como tem sido compreendida a partir
de Hegel, isto é a armaditha dialéctica que faz cait
© senso comum néo num muito confortavel aumento
de saber mas sim na verdade que Ihe € imanente,
fazendo-o sair da sua casca, esta ironia € apenas a
forma da filosofia que se relaciona subjectivamente
90
com a consciéncia comum, O facto de ela ter em
Sécrates a forma de um homem, de um sibio irénico,
decorre do cardcter fundamental da filosofia grega
e das suas relagdes especificas com a realidade; no
nosso pais, foi Frederico Schlegel quem propos a
ironia como férmula universal imanente, por assim
dizer como filosofia. Mas podemos ainda apresen-
tar alguns outros exemplos de fildsofos que, com
flutuagbes de objectividade e de contetido, fazem no
entanto valer a imanéncia contra a pessoa empitica,
so irbnicos: Herfclito, que além de desprezar 0
senso comum o detesta, Thales, que afirma que
tudo se compde de Agua apesar de todos os gregos
saberem que nao podiam viver so de Agua, Fichte
com o seu eu criador do mundo, apesar de o
proprio Nicholai reconhecer que era incapaz, de criar
um mundo,
No caso da graga, por outro lado, nfio ¢ apenas 0
sujelto que, por se encontrar em graga, reconhece
0s seus pecados mas & também aquele que a atribui
© que se eleva acima desse reconhecimento, que cons-
tituem pessoas empiricas.
Se portanto existir uma analogia entre Socrates
© Cristo, 96 poderd ser esta: Sécrates € a filosofia
personificada, Cristo 6 a religiio personificada. Mas
© que acabamos de dizer nao define uma relacio
universal entre a filosofia e a religiio; trata-se antes
de saber como se relaciona a filosofia incammada com
a religilo incarnada. Afirmar-se que ambas estiio
relacionadas ndo passa de uma verdade demasiado
yaga, ou melhor, é a condig&io universal da pergunta
e no o fundamento particular da resposta. Com a
voniade de demonstrar a existéncia de um elemento
cristio em Socrates sacrificou-se o rigor da deter-
minagio das relages entre as duas personalidades em
presenga, Cristo e Sdcrates, determinagio essa que
desse modo foi reduzida ao ponto de 96 definir a
1relagio genérica entre um fildsofo © ym professor de
religiio; © € essa mesma vacuidade que nos surge
quando se relaciona a estrutura ética universal da
ideia socritica, 0 Estado platénico, com a estrutura
universal da ideia, ou o Cristo, que & antes de mais
uma individualidade histériea, com a Igreja.
Se é justa a opiniao de Hegel, que Baur acelta,
segundo a qual Plato, na sua Repiiblica, fez preva
lecer a substancialidade grega contra o principio da
subjectividade, entdo 0 Cristo opde-se diametral-
mente a Platio, pois o Cristo fazia prevalecer esse
aspecto da subjectividade contra o Estado existente,
que descrevia como algo puramente terrestze ¢, por-
tanto, profano. O facto de a Repiiblica de Platio
nunca deixar de ser um ideal enquanto que a Igroja
ctisti atingiu a realidade, nfo constitui ainda a yerda-
deira diferenga; pelo contrério, esta relacio invette-se
na medida em que a ideia platénica prosseguiu o seu
caminho como tealidade enquanto que a ideia cristi
a precedeu,
Em resumo, seria muito mais exacto afirmar a
existéncia de elementos platénicos no cristianismo
do que o contrério, na medida em que os mais antigos
padres da Igreja provém historicamente, por um lado,
da filosofia platGnica; Jembremo-nos, por exemplo,
de Origones ¢ de Herennius. De um ponto de vista
filos6fico, é importante que, na Reptblica de Platio,
© Iugar primordial seja o dos sdbios: O mesmo
acontece com a relagdo entre as ideias platonicas
€ o Logos cristo, entre a reminiseéncia platonic
€ a renovagio cristi do homem através da qual
aleanga a sua imagem eterna, entre a queda plato-
nica das almas e a queda dos cristiios no pecado,
que € um mito da pré-existéncia. da alma,
Relagio do mito com a consciéncia platénica,
migracio platonica das almas, conexio com os astros.
92.
Baur diz. na. pagina &:
«Em nenhuma outra filosofia da antiguidade se
nota tanto o carécter da religiao como no plato-
nismon,
Isto 6 também uma consequéncia do facto de
Plato definir o «dever da filosofian (p. 86) como 0
de uma lifssis (ibertacHo), uma khdrismds (separaca
resgate), uma apallaghé (separacio) da, alma relati-
‘yamente a0 compo, como uma morte © uma meletdn
apothnéskhein {preparacio para a morte).
«O facto de esta forca de redencio ser ainda ¢
sempre altribuida em titima instancia a filosofia
constitui evidentemente 0 cardcter unilateral do pla-
tonismo» (p. 89).
Por um lado, poderiamos aceitar a opinitio de
Baur segundo a qua! nenhuma filosofia da antigui-
dade apresenta mais um cardcter de religiao do que
a de Plato, Mas o significado que seria licito accitar
Tesumir-se-ia a isto: nenhum outro fildsofo ensinou a
filosofia com maior entusiasmo religiose, para ne-
nhum outro a filosofia se apresentou mais com a de
terminacao e a forma de um culto religioso. Se
considerarmos 5 fil6sofos mais intensivos, tais como
Arist6teles, Espinoza ou Hegel, veremos que mesmo
0s sets comportamentos tinham uma forma mais
universal, menos submersa no sentimento empirico.
Mas 6 precisamente por isso que o entusiasmo de
Aristételes, quando giorifiea a Theoria (contempla-
ao) como semdo 0 que hi de melhor (16 édiston
Khai driscon, 0 mais agradavel ¢ o melhor), ou quando
admira a razio da natureza no tratado peri 12s
phiiseds dzoikhés (de animante natura) [Atist., de par-
tibus animalium 643 a}, ¢ mais recentemente 0 entu-
siasmo de Espinoza quando fala da contemplacao
sub specie aeternitatis (com um olhar de eternidade),
do amor de Deus, ou da libertas memtis. humanae
(iberdade do espitito humano), ou ainda o eniu-
siasmo de Hegel quando desenvolve a realizagio
93etema da ideia, o grande organismo do univers dos
espiritos, so mais s6lidos, mais quentes, mais ben-
fazejos para o espirito universal formado pela cul-
tura; 6 igualmente por isso que esses entusiasmos,
uma vez consumados, se tomam 0 puro fogo ideal
da eiéncia, enquanto que o de Platio se elevava a0
éxtase, seu cume maximo. B ainda por isso que a
inspiragdo de Plato nunca ultrapassou um jogo de
espiritos singulares, enquanto que as de Aristoteles,
Espinoza e Hegel foram o spiritus que animou 0
desenvolvimento da histéria mundial,
Portanto, se podemos assim, por um outro lado,
admitir que na religiio crista, precisamente aquela
que representa o ponto mais alto do desenvolvimento
religioso, se encontram mais ressondncias evocando a
forma subjectiva da filosofia platonica do que a de
qualquer outra filosofia antiga, deve-se também afir-
mar inversamente, ¢ pela mesma razio, que em
nenhuma outra filosofia se exprime mais claramente
a antitese entre o religioso ¢ 0 filos6fico, porque aqui
a filosofia surge na determinagiio da religido, en-
quanto que em Platao a religiao surge na forma da
filosofia.
Por outro lado, os juizos de Platio sobre a sal-
vagio da alma, etc., ndo provam absolutamente nada,
pois todos os fildsofos querem libertar a alma dos
seus limites empirioos; que existe aqui de anélogo
a religido € apenas o erro filoséfico que consiste em
considerar esta redenciio como objectivo da filosofia
quando ela nao 6 mais do que a condigio da salvagio
da filosofia, 0 comeco do comeco.
Finalmente, nio é um defeito de Platio, no é
unilateralidade 0 atribuir em filtima instancia esta
forca de redencio a filosofia; € a unilateralidade
que faz dele um fildsofo e nfo um professor de
crengas. Nao se trata de uma unilateralidade da
filosotia de Platéo mas sim daquilo que faz dela uma
filosofia; € através disso que Platio suprime nova-
of
mente a formula de uma missio da filosofia que
no seria 0 proprio filosofar,
«E aqui portanto, com 0 desejo de dar ao que
€ conhecido através da filosofia uma base indepen-
dente da subjectividade do individuo singular, que
se encontra igualmente a razio pela qual Platio,
no momento preciso em que desenyolve verdades
que tém o maior interesse moral e religioso, as apre-
senta imediatamente sob uma forma miticay (p. 94).
Resta saber se deste modo se determina seja 0
que for. O nticleo implicito desta resposta nao sera
a pergunta que pede a razio dessa tazio? Com
feito, perguntamo-nos qual sera a causa de Platio
querer dar 20 que $ conhecido pela filosofia um
estatuto positive que é, antes do mais, mitico. Este
desejo 6 uma das coisas mais estranhas que pode ser
dita por um fil6sofo que enconira o poder objectivo
no no seu sistema mas no poder etero da ideia.
E por isso que Aristételes diz que criar mitos € 0
mesmo que ditar sentencas.
J4 num plano exterior, podemos encontrar a
Tesposta a esta pergunta a forma subjectiva do
sistema platonico, a forma do didlogo, ¢ na ironia.
Aquilo que ¢ uma opinifio de um individuo e que
se faz pprevalecer como tal quando 6 oposta a outras
opinides ou a outros individuos, tem necessidade de
um ponto de apoio gracas ao qual a incerteza
subjectiva se torne verdade objectiva.
Mas pie-se ainda a questaio de saber porque se
encontra esta criagdo de mitos nos diflogos que
desenvolvem preferentemente verdades de ordem mo-
ral e religiosa, enquanto que Parménides, que 6 pura-
mente metafisico, esta isento deles. Qual sera a razio
de o fundamento positivo ser um fundamento mitico,
um fundamento que se apoia sobre mitos?
E este © instante critico em que 0 ovo estre-
mece antes da eclosio. Nos desenvolvimentos de
bdeterminadas questes como sejam as morais, reli
giosas ou mesmo as relacionadas com a filosofia da
natureza como acontece no Timeu, Platio nfo se
mostra 2 altura da sua interpretagio negativa do
absoluto; nesses casos mio basta por tudo no seio
de uma dessas noites em que, como diz Hegel, todas
as vacas so negras; 6 entio que Platio utiliza a
interpretagio positiva do absoluto, cuja forma essen-
cial, baseada nessa propria interpretacto, é 0 mito
ea alegoria, Onde o absoluto esté dum lado © a reali-
dade positiva e limitada do outro, e onde no entanto
se deve manter o positivo, este positive torna-se 0
meio através do qual passa a luz absoluta, através
do qual cla explode num fabuloso jogo de cores,
© finito, 0 positivo, indies uma outra coisa pois
tem em si uma alma que toma esta mudanca em
crisilida algo de maravilhoso; 0 mundo inteito tor-
na-se um mundo de mitos. Todo o simbolo é um
enigma, Este fenémeno repetiu-se aliés na época
moderna condicionado por uma Iei semelhante.
Esta interpretacdo positiva do absoluto e as suas
vestes mitico-aleg6ricas conslituem a fonte, a pul-
sacao da filosofia da transcendéncia, de uma trans-
cendéncia que tem uma relacio essencial com a ima-
néneia 20 mesmo tempo que a despedaca essencial-
mente. Aqui, sem divida, a filosofia platonica apa-
renta-se com todas as zeligides positivas e sobretudo
com a teligido cristi, que ¢ precisamente a mais
acabada filosofia da transcendéncia. Eis assim um
dos pontos de vista que nos permite unir mais
profundamente 0 cristianismo hist6rico & historia da
filosofia antiga. A esta interpretagio positiva do
absoluto est ligado 0 facto de para Platdo um tal
individuo (Sécrates) ser 0 espelho, por assim dizer,
© mito da sabedoria, e 0 facto de o intitular filésofo
da morte e do amor. Nao se poderé dizer que Plato
96
tenha ultrapassado 0 Socrates hist6rico. A interpre-
tagio positiva do absoluto esti relacionada com 0
carécter subjectivo da filosofia grega € com a deter
minagio do sibio.
‘A morte e 0 amor sfio o mito da dialéctica
negativa®, pois a dialéctica 6 a luz interior na
sua simplicidade, 0 olhar penetrante do amor, a alma
interior que nio 6 sufocada pelo corpo da cistio
material, 0 lugar interior do espirito. O mito da
dialéctica € portanto o amor; mas a dialéctica 6
também o rio que arranca, que quebra os miltiplos
€ 0 seu limite, que destréi as figuras auténomas,
afogando tudo no mar dnico da eternidade. O seu
mito 6 portanto a morte.
A dialéctica € entio a morte; mas € igualmente
© veiculo para uma vida resplandecente, para o desa-
fogo nos jardins do espirito, € a exspuma que deixam,
numa. taga efervescente, os s6is pontuais de onde
surge a flor de um dos fogos do espirito. E por
isso que Plotino a considera um meio para a apléssis
(Simplicidade) da alma, para a unio imediata com,
Deus, expresso que retine os dois aspectos © asse-
melha a Theorfa (contemplacao) de Aristoteles com
a dialéctica de Platdo. Mas como estas determinagdes
so, por assim dizer, pré-determinadas em Plato
e Aristoteles e nao sio desenvolvidas de acordo
com uma necessidade imanente, a sua introdugaio na
consciéncia empiricamente singular aparece em Pla-
tio como um estado, o estado do éxtase,
s1 Segundo a edicéo alem&, esta frase 6 uma
correceio, felta por Marx, destoutra: «com isto se rela~
clona a dialéctica negativay, (N. dos T.)
ts Segundo a edi¢ao alemd, poderia também querer
dizer: «da dialéctica antiga». (NV. dos 7.)
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