Seminário Presbiteriano do Norte - SPN
Teologia Reformada
UMA DEFESA DA DOUTRINA DA ELEIÇÃO INCONDICIONAL
Rev. Fúlvio Leite1
“eleitos, |segundo a presciência de Deus Pai|, em santificação do Espírito,|
para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo,| graça e paz vos
sejam multiplicadas”( 1 Pedro 1:2).
Em três orações separadas, Pedro descreve três atos do Deus Triúno. O Pai
tem a presciência, o Espírito santifica e Jesus Cristo espera obediência daqueles
que foram purificados do pecado. Essas três orações explicam o termo eleito
(vs. 1 e 2).
Observemos os seguintes pontos:
a. Presciência.
“De acordo com a presciência de Deus Pai”. A maioria dos tradutores prefere
ligar a palavra eleito às três orações preposicionais:
De acordo com a presciência de Deus Pai,
através da santificação do Espírito,
para a obediência a Jesus Cristo e a aspersão por seu sangue.
Comentário:
Algumas traduções seguem exatamente a ordem das palavras no grego e não
repetem o termo eleitos no início do versículo 2, mas a frase dirige sua ênfase
para o termo eleitos, pois o conceito de presciência está diretamente
relacionado à eleição.
1
Professor de Teologia Sistemática do seminário Presbiteriano do Norte - SPN
O que é presciência? E muito mais do que a habilidade de prever
acontecimentos futuros. Ela inclui a soberania de Deus em determinar e colocar
em prática sua decisão de salvar o ser humano pecador. A palavra presciência é
usada no sermão de Pedro em Pentecoste, no qual ele declara ao seu público
judeu que Jesus foi “entregue pelo determinado desígnio e presciência de
Deus” (At 2.23).
Pedro deixa implícito que Deus agiu de acordo com seu plano e
propósito soberano, os quais havia preparado de antemão. Paulo também se
refere à presciência em Romanos 8.29: “Aos que de antemão conheceu,
também os predestinou para serem con formes à imagem de seu Filho”.
Paulo indica que os conceitos de presciência e predestinação andam
juntos. A presciência e a predestinação são atos de Deus antes da criação do
mundo (ver Ef 1.4,5).
O prefixo - ante na oração de antemão conheceu... os predestinou (Rm
8.29) denota esse fato. Voltando à primeira epístola de Pedro, observamos que,
ao escrever sobre Cristo, o apóstolo menciona o ensinamento da eleição quando
diz: “Escolhidos antes da criação do mundo” (1.20).2
No mundo grego, prognosis tinha um significado que, a princípio, não ia
além da capacidade de conhecer coisas de antemão, ou seja, a “presciência”
que possibilita a predição do futuro.
No Novo Testamento, a palavra e o verbo correlato, proginoskein,
aparecem ao todo sete vezes. Em duas delas (At 26.5 e 2 Pe 3.17), a alusão é
claramente ao conhecimento prévio de alguma coisa. Das cinco restantes, duas
(At 2.23 e 1 Pe 1.20) se referem a Cristo, cujo sacrifício na cruz é visto como
tendo estado previamente na mente de Deus (sendo que 1 Pe 1.20 especifica
que isso aconteceu já “antes da fundação do mundo”). Dificilmente
2
Simon J. Kistemaker.
poderíamos excluir dessas duas passagens alguma ideia de uma determinação
ativa por parte de Deus, no sentido de que as coisas realmente se
encaminhassem para tal desfecho. Das três outras passagens, uma (Rm 11.2) se
refere ao povo de Israel, e as outras duas (Rm 8.29 e a nossa, 1 Pe 1.2) se
referem ao povo de Deus da nova aliança; o pensamento nas três é o de que
este povo já́ tinha sido conhecido de antemão por Deus.3
John Calvin (Commentary 1Peter 1.20).
No entanto, ele, ao mesmo tempo, nos lembra de onde essa eleição
flui, pelo qual estamos separados para a salvação, para que não perecemos com
o mundo; Pois ele diz, de acordo com a presciência de Deus. Esta é a fonte e a
primeira causa: Deus sabia antes que o mundo fosse criado, a quem ele
havia eleito para a salvação.
Mas devemos considerar com sabedoria o que é essa precognição ou
presciência. Quanto aos sofistas, com o fito de obscurecerem a graça de Deus,
eles imaginam que os méritos de cada um são antevistos por Deus e que,
portanto, os réprobos são distinguidos dos eleitos, na medida em que alguém
comprove ser digno desse ou daquele quinhão.
Mas a Escritura em todos os lugares define o conselho de Deus, sobre
o qual se fundam a nossa salvação, em oposição aos nossos méritos. Assim,
quando Pedro os chama eleitos de acordo com a precognição de Deus, ele
afirma que a causa disso não depende de não mais, senão de Deus, pois ele de
sua própria vontade nos escolheu. Então a presciência de Deus exclui toda
dignidade por parte do homem.
Sam Storms (Escolhidos: Uma exposição da doutrina da eleição).
A passagem de 1 Pedro 1. 1-2 afirma que somos eleitos “de acordo com a pré-
conhecimento de Deus Pai”. Como já vimos, a presciência de Deus é o deleite
especial ou a afeição graciosa com a qual Ele nos vê. Mais uma vez, um bom
sinônimo é “amar primeiro”.
3
Ênio R. Mueller
R. C. Sproul (Eleitos de Deus, p.97).
“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que
chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também
glorificou” (Rm 8.29,30).
A conhecida passagem de Romanos tem sido chamada de "Cadeia
Dourada da Salvação." Notamos uma espécie de ordem aqui que começa com a
presciência de Deus e segue até a glorificação do crente. É crucial para a visão
presciente o fato de que neste texto a presciência de Deus vem antes da
predestinação de Deus.
Talvez a maior fraqueza da visão presciente seja o texto citado como sua
maior força. A passagem de Romanos citada acima se torna um sério problema
para a visão presciente. Está passagem ensina menos do que os advogados da
presciência gostariam que ensinasse e, ainda assim, ensina mais do que eles
querem ensinar.
A visão presciente sofre ainda de um problema maior, pelo acréscimo da
palavra alguns (muitos). Se a predestinação de Deus é baseada em sua
presciência de como as pessoas responderão ao chamado exterior do
Evangelho, como é que somente alguns dos predestinados são chamados?
Exigiria que Deus predestinasse alguns que não são chamados.
Se alguns dos predestinados são predestinados sem serem chamados,
então Deus não estaria baseando sua predestinação num conhecimento prévio
da resposta deles ao seu chamado.
Eles não poderiam ter nenhuma resposta a um chamado que eles nunca
receberam! Deus não pode ter presciência da não-resposta de uma pessoa a
um não-chamado.
MOLINISMO E CALVINISMO
O Molinismo é uma doutrina teológica e filosófica cristã que recebe seu
nome do Padre Jesuíta Espanhol Luis de Molina (séc. XVI). Ela afirma tanto
um controle meticuloso de Deus sobre todas as coisas existentes, como a total
liberdade dos homens (livre-arbítrio).
De uma maneira geral, podemos dizer que o Molinismo adere
simultaneamente a uma visão de soberania divina muito próxima do
Calvinismo e a um conceito de livre-arbítrio (chamado Libertarianismo) muito
próximo do Arminianismo.
No molinismo, Deus mantém controle providencial de todas as coisas
através de algo denominado como “conhecimento médio”. Deus conhece antes
da fundação do mundo todas as escolhas livres que qualquer pessoa faria em
qualquer situação. Desta forma Deus cria um mundo onde as pessoas
livremente fazem à vontade de Deus.
Conhecimento Médio É o conhecimento de como uma
criatura livre (liberdade libertária) agiria livremente em
qualquer situação. Nesse tipo de conhecimento, Deus
sabe como qualquer ser criado agiria diante de qualquer
conjunto de circunstâncias. Ele sabe se você livremente
vai querer casquinha de baunilha ou de chocolate
amanhã, sabe se você livremente aceitaria a Cristo se o
tivesse visto na Palestina (como os Apóstolos viram).
Entretanto, uma distinção deve ser feita aqui. Para que
um conhecimento seja Médio ele deve estar localizado
antes do conhecimento Livre, ou seja, Deus deve
conhecer as contrafactuais (situação ou evento que não
aconteceu) ANTES de criar o mundo.4
4
https://molinismo.wordpress.com/2016/04/18/o-que-e-conhecimento-medio/
No molinismo os seres humanos são agentes ativos da Vontade de Deus.
Ele passa a exercer controle sobre todas as coisas não como causa primária,
mas como ordenador do universo que foi criado e conhecedor de tudo que irá
ocorrer.
Deus criou o mundo onde a sucessão de eventos e decisões humanas
livres colaboram com a Sua Vontade, ainda que em uma análise primária
pareça que não. O molinismo então passa a ser uma visão peculiar sobre como
Deus planeja os acontecimentos futuros.
Um exemplo que podemos dar de como isso ocorre é o episódio da
crucificação de Cristo. Era da vontade de Deus que Pilatos mandasse
crucificar Jesus, mas Deus não interfere na decisão de Pilatos. Nessa situação,
caso Pilatos não desejasse crucificar Jesus, então Deus poderia, por exemplo,
não ter criado Pilatos ou agido com sua providência para que o governador da
judeia naquele momento fosse outra pessoa.
Ou seja, Deus comanda o curso da história sem violar a vontade das criaturas
criadas.