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Psico Oncologia

Este documento fornece um resumo da história da Psico-Oncologia, descrevendo seus primeiros estudos na Grécia Antiga e seu desenvolvimento ao longo dos séculos até se tornar uma área estabelecida nos dias atuais. Também aborda brevemente as características e desafios da Psico-Oncologia.

Enviado por

Raíla Soares
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Psico Oncologia

Este documento fornece um resumo da história da Psico-Oncologia, descrevendo seus primeiros estudos na Grécia Antiga e seu desenvolvimento ao longo dos séculos até se tornar uma área estabelecida nos dias atuais. Também aborda brevemente as características e desafios da Psico-Oncologia.

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Psic o -On c o l o g ia : Hist r ia ,

Ca r a c t er st ic a s e Desa f ios

Maria Margarida Carvalho1

Este artigo visa oferecer uma viso da Psico-oncologia, atravs de um


resumo da histria, do campo de ao e dos problemas especficos da
rea. Os primeiros estudos da ligao corpo e mente no cncer tiveram
incio na Grcia, mas esta visofoi abandonada at osculoXIXquando
Freud voltou a mostrar que opsquicopodia ocasionarprocessosfsicos.
A Medicina Psicossomtica, a Medicina e a Psicologia Comportamental
e a Psicologia da Sade abriram o caminho para a Psico-Oncologia,
hoje muito apoiada pela Psiconeuroimunologia. As caractersticas
especficas dos psico-oncologistas brasileiros, bem como a suaforma de
atuao levaram a uma definio baseada na nossa cultura e realidade.
E levaram ao desenvolvimento atual deste campo em nosso meio. Os
profissionais da rea, entretanto, ainda se vemfrente a uma srie de
desafios, seja internos, no contedo da Psico-Oncologia, seja na
afirmao de seu campo de trabalho.
Descritores: Psico-oncologia. Cncer.

AOncologa , segundo Yamagushi (1994),


a cincia que estuda ocncer e como ele se forma, instala-se e progride, bemcomo
as modalidades possveis de tratamento. Omdico que cuida dos aspectos clnicos
chamado oncologista clnico. Almdeste, outros profissionais envolvidos no tra
tamento so o cirurgio oncolgico, oradioterapeuta e opsiclogo, que participam
de uma equipe multidisciplinar, (p. 21)

1 Endereo para correspondncia: Rua Jos Pereira de Queiroz, 46 - CEP 01241-180


- So Paulo, SP. Endereo eletrnico: [email protected]

Psicologia USP, 2002, Vol. 13, N.l, 151-166 151


Acolocao de Yamagushi passa a ser oficial, no tocante a psiclogos
na equipe, a partir da publicao da Portaria n 3.535 do Ministrio da Sa
de, publicada no Dirio Oficial da Unio, em 14/10/1998. Esta portaria de
termina a presena obrigatria do psiclogo nos servios de suporte, como
umdos critrios de cadastramento de centros de atendimento emOncologia
junto ao SUS.
Esta participao hoje considerada necessria traz tona todo umpro
cesso de desenvolvimento da rea denominada Psico-Oncologia, com seu
histrico, suas caractersticas e seus desafios.

Breve Histrico
Anoo de que o corpo e a mente so partes de umorganismo e que a
sade fruto deste equilbrio entre as partes do indivduo e deste com o
meio ambiente, j estava presente nos pais da Medicina Ocidental, Hipcra
tes e Galeno. Este chegou a observar que mulheres deprimidas apresentavam
maior incidncia de cncer.
Embora na Medicina Oriental o homemsempre tivesse sido visto co
mo uma unidade indivisvel, no Ocidente esta unidade desapareceu por um
longo tempo. Na Idade Mdia houve uma separao entre corpo e alma e
predominou a noo de que as doenas eram punies divinas, devido
grande influncia da religio. No Renascimento, o impacto da proposio de
Descartes separando res cogitans (mente) e res estensa (corpo) permitiu um
grande avano cientfico no estudo das doenas do corpo. Mas permitiu tam
bma viso do homemcomo umcomposto de partes separadas. Aviso car
tesiana deu origemao modelo biomdico, o qual prope que as doenas po
dem ser explicadas por distrbios em processos fisiolgicos, que surgem a
partir de desequilbrios bioqumicos, infeces bacterianas, virticas ou outras
e independemdeprocessos psicolgicos e sociais (Carvalho, 1998, p. 116).
No final do sculo XIX a integrao mente-corpo foi retomada por
Freud, emseus Estudos sobre Histeria. Ele demonstrou que acontecimen-
tos psquicos podiamter conseqncias orgnicas e abriu caminho para que
inmeras pesquisas buscassemas inter-relaes entre os aspectos biolgicos,
psicolgicos e sociais. Esta linha de pensamento e ao deu origem ao mo
delo biopsicossocial na Medicina, que ganha cada vez mais adeptos, mas a-
inda encontra resistncia na Medicina tradicional.
Otrabalho de Freud e as contribuies de Jung propiciaram o desen
volvimento de umcampo de estudos, pesquisa e atuao, denominado Me
dicina Psicossomtica. Aoficializao desta rea ocorreu coma fundao da
American Psychosomathic Medicine Association, em 1939. Muitas outras
linhas tericas vierampara contribuir para o fortalecimento do conceito de
Psicossomtica, passando este termo a significar, na literatura cientfica atu
al, a interrelao entre mente e corpo.
Os estudos de Pavlov mostrando a possibilidade da utilizao de con
dicionamentos na modificao de determinados comportamentos e estas
modificaes podendo ser usadas como forma de tratamento, impulsionaram
a criao das reas denominadas Medicina Comportamental e Psicologia
Comportamental. Na dcada de 70 teve incio a publicao da Journal of
Behavior Medicine, cuja finalidade era a integrao das pesquisas das Cin
cias Sociais e Biomdicas e sua aplicao nos tratamentos mdicos.
Em 1970, a Associao Americana de Psicologia criou a diviso de
Psicologia da Sade e no incio dos anos 80 comeou a ser publicada a Re
vista dePsicologiadaSade. Esta rea se propunha a: a) promoo e manu
teno da sade; b) preveno e tratamento de doenas; c) identificao da
etiologia e diagnsticos; d) atuao no sistema de poltica social da sade.
Esta oficializao da atuao do psiclogo na sade veio consolidar
ummovimento quej ocorria emconsultrios e hospitais como atendimen
to psicolgico de portadores de enfermidades. Tem-se notcia de unidades
psiquitricas e de cuidados com aspectos psicolgicos em hospitais gerais
desde 1902, quando os mdicos comearam a se interessar pelos conceitos
da Psicossomtica. EmSo Paulo, a psicloga Matilde Neder foi contratada
em 1954, para trabalhar no setor infantil da Clnica Ortopdica e Traumato-
lgica do Hospital das Clnicas da FMUSP. Os mdicos do setor sentiram
necessidade do auxilio psicolgico no trato com as crianas operadas e de
ram incio a um processo de contratao de psiclogos, hoje presentes em
muitos outros setores desse hospital, bemcomo emmuitos outros hospitais
no Brasil.
Mas as equipes formadas por psiquiatras e psiclogos s comearama
ser requisitadas pelos oncologistas a partir da dcada de 70, inicialmente
com o objetivo de auxiliar o mdico na dificuldade da informao do diag
nstico de cncer aopaciente e sua famlia.
Em 1981, a publicao do livro de Robert Adler, denominado Psico-
nenroimunologia deu incio a uma nova disciplina que congrega a pesquisa
cientfica do complexo campo das interligaes entre os sistemas endocrino,
imunolgico e nervoso. Na sua amplitude maior, a Psiconeuroimunologia
visa estudar a interrelao mente-corpo atravs dos mecanismos pelos quais
os sistemas psicolgico e fisiolgico se comunicam.
A Psico-Oncologia tem, na sua histria remota, a contribuio direta
de Galeno e, na sua histria recente, almdas contribuies citadas, todos os
desenvolvimentos nos prprios campos da Psiquiatria e da Psicologia. Na
medida emque estas reas foramcontribuindo cada vez mais para o conhe
cimento profundo do ser humano e desenvolvendo diferentes formas de tra
tamentos, foramse delineando as linhas de trabalhojunto ao paciente onco
lgico.
Por outro lado, o prprio desenvolvimento da Medicina no tocante ao
entendimento das enfermidades oncolgicas, bemcomo a descoberta de tra
tamentos novos, forammodificando, a partir do incio do sculo XX, a viso
do cncer como sentena de morte. As primeiras cirurgias, possibilitadas pe
la descoberta da anestesia, comearam a permitir a retirada de tumores, o
que abriu caminho para possibilidades de cura. Novas informaes sobre as
causas e os processos de cncer e novos tratamentos - radioterapia, quimio
terapia, imunoterapia e outros - comearam a modificar o panorama da do
ena, trazendo esperana de maior sobrevida e cura, emumgrande nmero
de casos.
Ocncer e aPsico-Oncologia
Cncer ou enfermidades oncolgicas so denominaes utilizadas pa
ra descrever um grupo de doenas que se caracterizam pela anormalidade
das clulas e sua diviso excessiva. Existe uma grande variedade de tipos de
cncer. Por exemplo o carcinoma, que surge nos tecidos epiteliais; o sarco
ma, que ocorre nas estruturas de tecidos conectivos, como ossos e msculos;
a leucemia que se origina na medula ssea e afeta o sangue; o melanoma
que umcncer de pele; e muitos outros (Carvalho, 2000).
Provavelmente, todos os diferentes tipos de cncer no tmuma nica
causa, mas simuma etiologia multifatorial (Hugues, 1987). Para que a doen
a ocorra, parece ser necessria uma operao conjunta de vrios fatores tais
como, a predisposio gentica, a exposio a fatores ambientais de risco, o
contgio por determinados vrus, o uso do cigarro, a ingesto de substncias
alimentcias cancergenas, e muitos outros (Trichopoulos, Li, & Hunter,
1996).
Acredita-se tambmna possibilidade de contribuies psicolgicas no
crescimento do cncer. Inmeros pesquisadores vmestudando possveis e-
feitos de estados emocionais na modificao hormonal e desta na alterao
do sistema imunolgico (Bovbjerg, 1990). Arelao entre o estresse e a de
presso com o enfraquecimento do sistema imunolgico e esta situao fa
vorecendo o desenvolvimento de formaes tumorais foram amplamente
analisadas por Le Shan (1992), Simonton, Simonton e Creighton (1987) e
pioneiros nos estudos dos aspectos psicolgicos envolvidos nos processos de
cncer.
Le Shan (1992) e Simonton et al. (1987) comearamtambma cuidar
dos pacientes, propondo formas de apoio psicossocial e psicoterpico ao do
ente e seus familiares, todos sob o impacto do diagnstico de cncer e suas
conseqncias. Seus trabalhos mostrama possibilidade de auxlio no encon
tro de uma melhor forma de enfrentamento do cncer e a obteno de uma
melhor qualidade de vida. E mostram tambm que, atravs de novas atitu
des, comportamentos mais saudveis, modificao de valores, em conjunto
como tratamento mdico, muitas pessoas modificaramo rumo de suas vidas
e chegarama uma sobrevida maior e mesmo a casos de cura.
Holland (1996), psiquiatra do Memorial Sloan-Kettering Cncer Cen
ter emNova Iorque, outra importante pioneira na rea, comea na dcada de
70 umservio de atendimento, pesquisa e treinamento de psiquiatria e psico
logia. Seu trabalho buscava responder as seguintes questes:
O que so respostas normais ao cncer? Quais so anormais, refletindo umsofri
mento que possa interferir no plano de tratamento? Qual a prevalncia de proble
mas psicolgicos que indicam a necessidade de psicoterapia? As reaes emocio
nais afetam o curso da enfermidade negativa ou positivamente? Quais as
intervenes emtodos de enfrentamentoquepodemreduzir osofrimento? (p. 122)
Atravs de questionrios, Holland buscou medir o funcionamento fsico,
psicolgico, social, sexual e no trabalho, comparando com estes funciona
mentos na ausncia da doena. E buscou melhorar a qualidade de vida em
seu conjunto, emseus pacientes.
Estes, entre outros trabalhos, foramestabelecendo a fundamentao
da Psico-Oncologia, que foi definida por Holland (1990) como
uma subespecialidade da Oncologa, que procura estudar as duas dimenses psico
lgicas presentes no diagnstico do cncer: 1) o impacto do cncer no funciona
mento emocional do paciente, sua famlia e profissionais de sade envolvidos em
seu tratamento; 2) o papel das variveis psicolgicas e comportamentais na inci
dncia e na sobrevivncia ao cncer, (p. 11)
A criao da Associao Internacional de Psico-Oncologia, pela prpria
Holland, veio a oficializar esta definio.
No Brasil, o movimento da Psico-Oncologia tomou vulto a partir da
reunio dos profissionais da sade em eventos voltados para o desenvolvi
mento da rea (Gimenes, Carvalho, &Carvalho, 2000). Havia profissionais
oferecendo atendimento psicossocial grupai em instituies particulares e
outros ainda, oferecendo apoio e desenvolvendo.pesquisas emhospitais par
ticulares, governamentais e universitrios.
O primeiro Encontro Brasileiro de Psico-Oncologia ocorreu em
1989 em Curitiba, o segundo emBrasilia e o terceiro em So Paulo, o qual
recebeu a denominao de I Congresso Brasileiro dePsico-Oncologia. Vie
ramemseguida os Congressos de Salvador e Goinia. Ogrande nmero de
profissionais presentes e a seriedade dos trabalhos apresentados demonstra
ramumgrande desenvolvimento deste campo emnosso meio, embora mui
to ainda esteja por fazer e haja ainda uma grande necessidade de divulgao
desta rea.
A Comisso Organizadora do Congresso em So Paulo sentiu a ne
cessidade de uma maior divulgao da rea e criou um Curso de Extenso
emPsico-Oncologia no Instituto Sedes Sapientiae em 1993. Este curso evo
luiu para um curso de Especializao em Psico-Oncologia, em 2 anos, no
mesmo Instituto, o qual teve incio em 1998.
Por ocasio do Congresso de So Paulo, em 1994, foi sentida a neces
sidade de que se formulasse uma definio brasileira de Psico-Oncologia,
compatvel comas caractersticas da nossa cultura, do nosso sistema de sa
de e do desenvolvimento que vinha ocorrendo at ento, observado atravs
das apresentaes de trabalhos nos encontros anteriores.
Embora a Psico-Oncologia seja uma rea de atuao multidisciplinar,
em nosso pas ela tem sido desenvolvida principalmente por psiclogos.
Cerca de 70%da freqncia aos Congressos e a maioria das contribuies a
estes temsido de psiclogos.
Esta realidade levou Gimenes (1994) a formular uma definio que se
oficializou tambm neste ano, com a fundao da Sociedade Brasileira de
Psico-Oncologia:
APsico-Oncologia representa a reade interface entre a Psicologia e a Oncologa e
utiliza conhecimento educacional, profissional e metodolgico proveniente da Psi
cologia da Sade para aplic-lo:

Io) Na assistncia ao paciente oncolgico, sua famlia e profissionais de Sade en


volvidos comapreveno, otratamento, a reabilitao e a fase terminal da doena;
2) Na pesquisa e no estudo de variveis psicolgicas e sociais relevantes para a
compreenso da incidncia, da recuperao e do tempo de sobrevida aps o diag
nstico do cncer;

3o) Na organizao de servios oncolgicos que visemao atendimento integral do


paciente, enfatizando de modo especial a formao e o aprimoramento dos profis
sionais da Sade envolvidos nas diferentes etapas do tratamento, (p. 46)
Atualmente sabe-se que cerca de 60% das formas de cncer so pre-
venveis, o que toma o trabalho de preveno de especial importncia e indi
ca o valor de uma poltica social de sade, com atuao comunitria. Otra
balho psicolgico, seja de apoio, aconselhamento, reabilitao ou
psicoterapia individual e grupai, temfacilitado a transmisso do diagnstico,
a aceitao dos tratamentos, o alvio dos efeitos secundrios destes, a obten
o de uma melhor qualidade de vida e, no paciente terminal, de uma me
lhor qualidade de morte e do morrer.
O uso de tcnicas de visualizao e relaxamento tem-se revelado de
grande utilidade, levando a resultados surpreendentes de melhora fsica, se
gundo inmeras pesquisas apresentadas em congressos (Carvalho, 1994).
Grupos de atendimento psicossocial, conduzidos coma finalidade de melho
rar a qualidade de vida, levarama resultados de prolongamento de tempo de
vida (Spiegel, Bloom, Kraemer, & Gottheil, 1989; Spiegel, Bloom, & Ya-
lom, 1981;). Participantes de grupos de aconselhamento mostraram menos
depresso, mais vigor fsico, aumento de sistema imunolgico e melhores
formas de enfrentamento do cncer, comparando com grupos de controle
(Fawsy et al., 1990; Fawsy et al., 1993).
Em So Paulo, o atendimento atravs do Programa Simonton no
CORA (Centro Oncolgico de Recuperao e Apoio), que vem ocorrendo
desde 1987, temlevado a resultados de pesquisas semelhantes aos encontra
dos emoutros pases (Carvalho &Nogueira, 1995, 1996). Esta uma moda
lidade de atendimento psicossocial a pacientes e familiares, realizada em
grupo temtico, comdurao pr-determinada. Emoutras cidades do Brasil,
onde este programa vemsendo desenvolvido, tambmtmsido encontrados
resultados muito favorveis no auxlio recuperao do paciente oncolgico
e ao seu bemestar psquico (Carvalho, 1998b).
A ajuda psicolgica s famlias, tambmsofredores nos seus medos e
angstias, no seu despreparo frente doena, na sobrecarga nas suas funes
e tantos outros transtornos, tem sido considerada como essencial, nas pes
quisas da rea. Aboa comunicao entre pacientes e familiares, bemcomo o
apoio que os familiares possamoferecer ao paciente, tm sido considerados
de maior importncia para os pacientes.
Por sua vez, os profissionais de Sade que atendemos pacientes onco
lgicos, responsveis por tratamentos invasivos, mutiladores, agressivos,
que infringemgrande sofrimento e nemsempre levam recuperao e cura,
tambm necessitam ajuda psicolgica. Os profissionais de Sade apresen
tam, emgrande nmero, umalto nvel de estresse.

Desafios
Por todas as etapas do processo de desenvolvimento da Psico-
Oncologia, os desafios estiverampresentes. E, em menor escala, continuam
presentes at este momento.
A corrente dentro da Medicina que pensa o cncer como uma enfer
midade do coipo ainda muito poderosa e atuante. Os seguidores do modelo
biomdico repudiamqualquer tentativa de encontrar interrelaes psicosso-
mticas na origem e no processo de cncer. Contestam esta posio com
pesquisas detalhadas sobre mutaes genticas e alteraes moleculares. E,
se depresso e ansiedade estiverempresentes no quadro clnico do paciente,
os psiquiatras seguidores da Psiquiatria Biolgica tratam com medicamen
tos, no valorizando o apoio psicoterpico. Para estes, a Psiquiatria Psicodi-
nmica no uma verdadeira Psiquiatria mdica (Bettarello, 1998).
Esta diviso entre diferentes posies tericas temdificultado uma vi
so unificada do homem e a integrao de tratamentos. E deixa em aberto
toda uma srie de questes: porque uma determinada clula, em determina
do momento, sofre uma mutao que a leva a uma proliferao inadequada e
descontrolada? Porque em situaes de exposio a elementos qumicos al
tamente cancergenos algumas pessoas desenvolvem um cncer e outras
no? Porque nemtodos os fumantes desenvolvemumcncer, sendo o cigar
ro comprovadamente cancergeno? Atravs exatamente de que processos
ocorre a interferncia do sistema imunolgico no cncer? O que explica o
efeito placebo? E as remisses espontneas, conhecidas por todos os mdi
cos? Qual o papel da f nas curas inexplicveis? Estas e inmeras outras
perguntas apenas sero respondidas atravs de uma compreenso mais am
pla do ser humano e de como realmente funciona o seu organismo.
Odiagnstico do cncer temusualmente umefeito devastador. Ele a-
inda traz a idia de morte, embora atualmente ocorrammuitos casos de cura.
Traz o medo de mutilaes e desfiguramento, dos tratamentos dolorosos e
das muitas perdas provocadas pela doena. Esta situao de sofrimento con
duz a uma problemtica psquica comcaractersticas especficas. Os proces
sos emocionais desencadeados nestes pacientes exigemum profissional es
pecializado, o que leva especificidade da Pisico-Oncologia e a diferencia
da Psicologia Hospitalar.
Umlevantamento feito por mimdos termos usados nos artigos de re
vistas de Psico-Oncologia e nos trabalhos apresentados em congressos na
cionais e internacionais, revela o seguinte quadro:
Problemtica intrapsquica - ansiedade, depresso, medo, raiva, re
volta, insegurana, perdas, desespero, mudanas de humor e esperana.
Problemticasocial - isolamento, estigma, mudana de papis, perda
de controle, perda de autonomia.
Problemtica relacionadaaocncer- processo da doena, mutilaes,
tratamentos, dor, efeitos colaterais, relaoproblemticacomomdico.
Emmaior ou menor nmero, emdiferentes momentos do processo da
enfermidade, opaciente apresenta umou vrios destes aspectos. E todos eles
evidenciam a importncia do apoio psicolgico. Os profissionais que atuam
na Psico-Oncologia so seguidores de vrias linhas tericas - psicanlise,
anlise, gestltica, cognitiva, comportamental - tendo como ponto de unio
o atendimento aos aspectos citados. Ou seja, o ponto de unio desta rea o
paciente de cncer. Suas dificuldades, necessidades, problemas precisam ser
atendidos, seja facilitando ummelhor enfrentamento da doena e permitindo
uma convivncia melhor com ela, seja melhorando o estado psicolgico e
este levando a ummelhor estado geral orgnico, auxiliando na recuperao e
na cura, se possvel. Avariedade de origens tericas temtrazido tambmal
guns conflitos na forma da conduo do processo psicoterpico. Por exem
plo, deve-se focalizar o cncer e suas conseqncias, emuma terapia breve
focal, ou buscar nas origens da personalidade do paciente, explicaes para
o prprio desenvolvimento do cncer?
Esta pergunta nos remete a um outro desafio - existe uma personali
dade tpica do paciente oncolgico? Segundo Carvalho (1994), a respeito
da influncia de estrutura da personalidade no surgimento e no desenvolvi
mento do cncer, os dados encontrados na literatura so abundantes e muitas
vezes contraditrios (p. 65). Este pesquisador fez umlevantamento biblio
grfico (Le Shan, 1997; LucDougall, 1991; Marty, 1993; Temoshok, 1992; e
outros) e concluiu que, se existirem personalidades predisponentes ao cn
cer, este fato indica a possibilidade de umtrabalho psicoterpico importante
depreveno.
Seriampessoas pertencentes ao grupo de maior possibilidade de adoe
cer de cncer, aquelas consideradas do tipo C, denominao criada por Te
moshok. Diferentemente daquelas do tipo A (que teriamtendncias a doen
as cardacas), as do tipo C no tmcrises de raiva, parecemrelaxadas, no
so competitivas. Mas sob essa superfcie calma, haveria uma grande difi
culdade de auto-afirmao, raiva no expressa, ansiedade e sentimentos re
primidos e uma profunda desesperana. E as histrias de vida de muitos pa
cientes pesquisados revelaram infncias marcadas por negligncia,
abandono e isolamento, com fortes sentimentos de perdas. Entretanto, nem
todas as pessoas com histrias de vida e as caractersticas citadas acima de
senvolvemumcncer. E nemtodos os pacientes apresentamo mesmo hist
rico e personalidade. Estamos lidando commaiorias obtidas atravs de esta
tsticas, sabendo que as concluses no se referem a todos os casos. E no
temos umconhecimento da coneco dos processos psicolgicos mais pro
fundos e o processo da doena.
Oprognstico do cncer umdos pontos mais crticos e desafiadores
para os oncologistas. Os prognsticos tambm so estabelecidos atravs de
estatsticas referentes quele tipo de cncer, naquele rgo e naquele grau de
estadiamento. Oque o mdico pode saber de cada caso a porcentagemde
tempo de sobrevida ou de mortalidade. Como explicar, entretanto, o que o-
corre comos 5%que no vema falecer, emuma porcentagemde probabili
dade de morte? Ou, como entender que o mesmo diagnstico e o mesmo
prognstico podemlevar a processos comencaminhamentos muito diferen
tes? So conhecidos casos comprognsticos de pouco tempo de vida e que
alcanaramuma sobrevida longa e que chegarama se curar.
Otrabalho psicoterpico de Simonton (1987) teve incio a partir desta
constatao. Mdico radiologista, no contato com pacientes sobreviventes,
comeou a perguntar como eles entendiamo fato de teremsobrevivido alm
das expectativas mdicas. E as respostas eram muito semelhantes: eles ti
nhamuma motivao para viver. Por exemplo, a espera do casamento da fi
lha, ou da sua prpria formatura emuma Faculdade ou o desejo de melhorar
a situao financeirapara deixar amulher amparada.
Todas estas dificuldades de previso do processo oncolgico tm le
vado os mdicos mais cuidadosos a apenas prognosticarem a porcentagem
de possibilidade de metstases e de volta da doena. Tmlevado tambm a
estudos de casos de remisso espontnea (Weil, 1995) e ao crescimento de
pesquisas que buscamconhecer opapel dos fatores psicolgicos envolvidos.
Sem dvida, ficam claras as lacunas do conhecimento do que real
mente ocorre, na sua amplitude, nos processos oncolgicos. No sabemos
quais so todos os fatores desencadeantes do processo cancergeno e quais
os fatores curativos. Os mesmos tratamentos no surtemos mesmos efeitos
em pacientes com os mesmos diagnsticos e prognsticos, atravessando a
mesma fase da doena.
Existe ainda umdesafio do trabalho emuma equipe multidisciplinar.
Otrabalho do psiclogo muitas vezes no reconhecido pelos mdicos, bem
como pode contrariar orientaes dadas por estes, quando aos aspectos psi
colgicos dos casos ematendimento. Outras vezes so os enfermeiros que se
senteminvadidos ou criticados na sua atuao, pelos psiclogos. Achegada
da Psico-Oncologia no hospital recente e sua funo ainda freqente
mente desconhecida ou distorcida. Mas j existem situaes em Hospitais
onde o psiclogo no s muito valorizado como tambm requisitado
pelos mdicos e pela enfermagem em seu prprio auxlio, quando em mo
mentos de dificuldades pessoais.
Todos estes e muitos outros desafios continuamestimulando a equipe
multidisciplinar a encontrar as chaves da compreenso do processo comple
xo e de mltiplas causas das doenas cancergens.
Siegel (1997), em um artigo denominado O que os mdicos devem
saber, fala da importncia de perguntar ao paciente o que ele est sentindo e
oitvir a resposta. E se o paciente melhorar acima do esperado, aprender com
a resposta. Fala tambm que a parte biofsica e a psquica so uma s enti
dade - so integradas e compartilhaminformaes para a sua sobrevivncia
atravs dos neuropeptdeos. E que as doenas que ameaam a vida so ne
cessariamente transformadoras.
As palavras de Siegel fornecemum ponto de apoio para as reflexes
de todos aqueles que trabalhamcomo paciente de cncer. E essencial com
preender e dar suporte a essas transformaes, bem como ouvir e aprender
com o paciente, tendo sempre em mente que estamos cuidando de um ser
humano e no apenas da enfermidade que ele traz.

Carvalho, M. M. (2002). Psycho-oncology: History, Caracteristics and


Challenge. Psicologia USP, 13(1), 151-166.
Abstract: This paper presents an overview of Psycho-oncology through a
briefing of its history, its work area and its specific problems. The first
studies about the body and mind connection with cancer began in Greece,
but this point of view was disregarded until the 19 Century, when Freud
demonstrated that certain psychic states were related to physical processes.
Psychosomatic Medicine, Behavioral Medicine and Behavior Psychology,
and Health Psychology have eased the way to Psycho-oncology, which is
also supported by Psychoneuroimunology today. The specific
characteristics of Brazilian psycho-oncologists as well as their way of
working created a framework based on our culture and way of life,
accounting for the contemporary development of this field in our country.
However, there are still some challenges, involving aspects of the Psycho
oncology theory and its action fields, which must be faced by the
professionals of this area.
Index terms: Psychooncology. Cancer.

Carvalho, M. M. (2002). Psycho-Oncologie: Histoire, Caractristiques et


Dfis. Psicologia USP, 13(1), 151-166.
Rsum: Cet article vise proposer une vision de la psycho-oncologie par
un rsum de son histoire, de son champ d'action et de ses problmes
spcifiques. Les premires tudes de la liaison entre le physique et le mental
dans le cancer commencrent en Grce, mais cette faon de voir fut
abandonne au XIXe sicle quand Freud dmontra que certains tats
psychiques pouvaient avoir une implication sur le physique. La mdecine
psychosomatique, la mdecine et la psychologie du comportement et la
psychologie de la sant ont ouvert le chemin pour la psycho-oncologie, trs
appuye aujourd'hui par la psychoneuroimmunologie. Les caractristiques
spcifiques des psycho-oncologistes brsiliens, comme leur faon de voir
les choses, amenrent par une dfinition base sur notre culture et notre
vision de la ralit, au niveau actuel de dveloppement de ce domaine dans
notre pays. Cependant les professionnels du secteur se voient maintenant
devant une srie de dfis, soit internes dans le contenu de la psycho-
oncologie, soit dans l'affirmation de son domaine d'action.
Mots-cls :psycho-oncologie. Cancer.

Referncias

Adler, R. (1981). Psychoneuroimunology. Orlando, FL: Academic Press.


Bettarello, S. (1998). Psiquiatria dinmica no contexto atual. In S. Bettarello (Org.),
Perspectivaspsicodinmicas empsiquiatria. So Paulo: Lemos.
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Recebido em 17.12.2001
Modificado em: 21.03.2002
Aceito em4.04.2002

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