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PORTUGUÊS

INSTRUMENTAL

autoras do original
MARIA TEREZA DE MOURA LEITE
VALQUIRIA DA CUNHA PALADINO

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  solange moura, roberto paes e gladis linhares

Autor do original  maria tereza de moura leite e valquiria da cunha paladino

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  paulo vitor bastos e victor maia

Revisão linguística  aderbal torres bezerra

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

l839 Leite, Maria Tereza de Moura e Valquiria da Cunha Paladino


Português Instrumental
— Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2015.
336 p

isbn: 978-85-60923-29-8

1. Língua portuguesa. 2. Gramática. 3. Ortografia. I. Título.

cdd 469.5

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Apresentação 7

Unidade I: Abordagem normativa da língua 9

Capitulo 1 – Aspectos da escrita: ortografia,


acentuação e pontuação 11

Regras ortográficas básicas 12


Uso do hífen: nomes compostos e prefixos 16
Emprego do porquê 20
Emprego dos pronomes: eu/mim 24
Uso de acentos gráficos na escrita 26
Palavras parônimas e homônimas 30
Uso do sinal indicativo da crase 34
Os sinais de pontuação no português 50
Qualidades da comunicação escrita: clareza, concisão,
adequação vocabular e correção gramatical 63

Capítulo 2 – Sintaxe: articulação


dos termos na oração 73

Introdução os estudo da sintaxe: frase, oração e período 74


Sintaxe de concordância nominal e verbal 79
Concordância verbal: regras básicas 94
Particularidades da concordância verbal 96
Concordância dos verbos fazer, haver, ser e dar 109
Sintaxe de colocação pronominal 120
Unidade II: Articulação textual: coesão,
coerência e regência 133

Capítulo 3 – Coesão e coerência 135

3.1 Coerência: a construção do sentido 137


3.2 Coesão textual: o uso dos conectivos na construção do texto 138
Mecanismos de coesão textual: referencial, sequencial e recorrencial 141
Textualidade e seus fatores de coerência 154
Pontuação como fator de coesão e coerência 162
Coesão nos pronomes demonstrativos: tempo, espaço, discurso 177

Capítulo 4 – sintaxe de regência


verbal e nominal 185

Sintaxe de Regência Verbal 188


Regência de alguns verbos 190
4.3 Sintaxe de Regência Nominal 213

Unidade III: Produção textual: a construção do texto 225

Capítulo 5 – Tipologias textuais 227

Características e construção do texto narrativo 228


Características e construção do texto descritivo 250
Características e construção do texto dissertativo,
expositivo e argumentativo 256
Características e construção do texto injuntivo 266
Construção do parágrafo padrão 269
Tipos de tópicos-frasais 270
Tipos de argumento 276
Capítulo 6 – Articulação textual: leitura e
produção de texto 291

Leitura, compreensão e produção de textos 294


Modalização da linguagem na produção de textos 310
Resumo: definição e usos 320
Resenha: definição e usos 324
Apresentação

“Deve-se escrever da mesma maneira com que as lavadeiras lá de Alagoas fazem em


seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da
lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o
anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada,
agora jogando água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais
uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois
de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para
secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita
para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”

RAMOS, Graciliano. Linhas Tortas. São Paulo: Record, 1981.

Caro aluno,

Como professores, conhecemos bem as dificuldades enfrentadas no estudo da


Língua Portuguesa e foi justamente isso que nos animou a aceitar o desafio de es-
crever um livro em que o trabalho com a língua e com a gramática deixasse de ser
uma apresentação cansativa de descrições e regras.
Você perceberá, no decorrer da leitura deste livro, como as estruturas gramati-
caisfuncionam no interior dos diversos tipos de textos e, consequentemente,a pro-
duzir textos em que se faça um uso consciente dos aspectos estudados.
Desse modo, se desejamos, por exemplo, contar um fato vivido na infância, faze-
mos uso de um relato; se queremos contar uma história de ficção, como uma fábula,
construímos um texto narrativo; se pretendemos ensinar alguém a fazer um doce de
abóbora com coco, produzimos um texto instrucional ou injuntivo, a receita, indi-
cando os ingredientes e orientando sobre ao modo de fazer; se temos em vista trans-
mitir umconhecimento científico, optamos por um texto expositivo; se queremos
expressar nossa opinião sobre determinado assunto, recorremos a um texto argu-
mentativo, pois a intenção é persuadir o interlocutor de nossas ideias; se desejamos
narrar um fato ou um acontecimento, fazemos uma narrativa e assim por diante.
Sabemos que compreender como se dá a construção do sentido nos textos é o
objetivo maior do estudo da Língua Portuguesa, logo, além de ampliar a sua com-
petência linguística e discursiva, tornando-o bom leitor e produtor de todos os ti-

7
pos de textos de maneira crítica, reflexiva e consciente, este livro contribui também
para enriquecer a sua compreensão não só em razão de um texto lido, mas também
da realidade, apontando-lhe formas concretas de participação social.
Para isso, oferecemos um grande número de fragmentos de textos (contos, crô-
nicas, romances), a fim de estimulá-lo também, ao hábito de ler e à prática da inter-
pretação e da produção textual. Aliado às normas gramaticais (sintaxe de regência e
de concordância, regras de ortografia e acentuação, emprego de pronomes, pontu-
ação), aspectos da linguística (coesão, coerência, fatores de textualidade) e à inter-
pretação de imagens e de textos, este livro oferece os recursos necessários para que
você produza textos adequados aos destinatários e aos objetivos de sua produção.
Esperamos, pois, que este livro, Português Instrumental, voltado para a produ-
ção e interpretação de textos, contribua não apenas para ampliar sua capacidade
de lidar com as dificuldades e as exigências da vida acadêmica, mas também para
prepará-lo a enfrentar os desafios do atual mercado de trabalho.
Finalmente, a utilização deste livro irá contribuir para que as aulas de Português
sejam momentos muito especiais e de resultados ainda mais satisfatórios a todos
os envolvidos no processo ensino-aprendizado.

Bons estudos!

maria tereza de moura leite


valquiria da cunha paladino

8
UNIDADE I
Abordagem normativa
da língua

“A minha pátria é a língua portuguesa”.


Fernando Pessoa

9
1
Aspectos da
escrita: ortografia,
acentuação e
pontuação
Chega mais perto e contempla as palavras
cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrde

1  Regras ortográficas básicas


A ortografia significa escrita correta, logo, pode ser entendida como o conjunto
de regras de uma língua, estabelecido pela gramática normativa para a grafia cor-
reta das palavras, o uso correto de acentos, da crase e dos sinais de pontuação.
O alfabeto possui 26 letras para escrever todas as palavras da Língua Portu-
guesa. Observe:

ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ

As letras k,w e y, são usadas em várias situações, vejamos:

na escrita de símbolos de unidades de medida: km (quilômetro), kg (quilograma),


W (watt);

na escrita de palavras e nomes estrangeiros (e seus derivados): show, playboy, play-


ground, windsurf, kung fu, yin, yang, William, kaiser, Kafka, kafkiano.

A grafia de certos fonemas provoca uma série de dificuldades no ato da es-


crita, como no caso dos fonemas /s/, /z/. Descrevemos a seguir algumas regras
ortográficas com a finalidade de esclarecer essas dificuldades.

12 • capítulo 1
1.1  Regras para o uso de S, SS, Ç, SC, SÇ

Em substantivos derivados de verbos terminados em –nder, a sequência


1 nd + vogal temática + R é substituída pela sequência –NSÃO.
Exemplos: Estender – estensão; Ascender – ascensão.

Em substantivos derivados do verbo ceder e seus compostos, a sequência


2 ced + e + r é substituída pela sequência –CESS.
Exemplos: Conceder – concessão; Exceder – excesso, excessivo

Em substantivos formados a partir dos compostos do verbo ter, usa-se o Ç.


3 Exemplos: Conter – contenção; Deter – detenção

Em algumas palavras de origem erudita, usam-se os dígrafos SC ou SÇ.


4 Exemplos: fascinante, descer, desço, adolescência, consciência, nascer,
nascimento, nasço.

1.2  Escreve-se com XC

Em algumas palavras de origem erudita, usa-se o dígrafo XC: excitar, excepcional,


excesso, exceder, excêntrico, exceção, excelente.

1.3  Escreve-se com S

Verbos terminados em –isar, derivados de palavra que já tem a letra S em


1 seu radical:
Exemplos: análise – analisar; paralisia – paralisar.

Palavras que indicam nacionalidade, origem, profissão, e título de nobreza por


2 meio das terminações –ês, –esa, –isa.
Exemplos: marquês, marquesa, princesa, duquesa, polonesa, sacerdotisa, poetisa.

capítulo 1 • 13
Adjetivos terminados em –oso, –osa:
3 Exemplos: gostoso, saboroso, luminoso, estudiosa.

1.4  Escreve-se com Z

Substantivos abstratos derivados de adjetivos.


1 Exemplos: aridez, tristeza, palidez, sensatez, insensatez.

Verbos formados a partir do acréscimo da terminação –izar, quando derivados de


2 palavras que não possuam o Z.
Exemplos: disponibilidade – disponibilizar; humano – humanizar.

1.5  Escreve-se com X

1 Depois de ditongos: peixe, caixa.

2 Depois da sílaba inicial me: mexer, mexicano, mexerica (exceção: mecha).

3 Depois da sílaba inicial en: enxada, enxofre, enxame, enxadrista.

4 Nas palavras de origem inglesa: xampu, xerife.

Nas palavras de origem indígena e africana: xavante, capixaba, xique-xique,


5 xará, xingar.

Em algumas palavras, o fonema /Z/ é representado pela letra X: exagero, exame,


6 exausto, executar, exemplo, êxito, exonerar, existir, exequível, execução, exercer,
exílio.

14 • capítulo 1
Em algumas palavras, o fonema /S/ é representado pela letra X: exploração,
7 sintaxe, experiência, auxílio, extrovertido, exposição.

1.6  Escreve-se com G

Palavras terminadas em –ágio, –égio, –ígio, –ógio, –úgio: pedágio, colégio,


1 prestígio, relógio, refúgio.

2 Substantivos terminados em –gem: garagem, viagem, fuligem, vagem.

1.7  Escreve-se com J

Em palavras derivadas de outras terminadas em –ja: gorja, gorjeta; gorjear,


1 gorjeio.

Nas palavras de origem tupi, africana, árabe: jiboia, jirau, jiló, jerimum, canjica,
2 manjericão, jerimum, pajé, canjica.

Nas formas derivadas dos verbos terminados em –jar no infinitivo: despejar –


3 despejo, despeje, despejem; enferrujar – enferruje, enferrujem; viajar- viajo,
viaje, viajem; manejar – manejo, manejemos.

ATENÇÃO
Atenção à grafia das palavras obsessão e obcecado.

capítulo 1 • 15
CONCEITO
Dígrafo é o grupo de duas letras usado para representar um único fonema. Em português há
os seguintes dígrafos: RR, SS, NH, LH, SC, SÇ, XC, GU, QU.

2  Uso do hífen: nomes compostos e prefixos


O hífen, também chamado traço de união, é um sinal em forma de peque-
no traço horizontal (-), usado para unir os elementos de palavras compostas
(pronto-socorro, terça-feira); separar sílabas no final de linha (certa-/mente) e
marcar ligações enclíticas (dize-me) e mesoclíticas (dir-te-ei).

ATENÇÃO
Não confundir com o travessão (—), usado:
a) quando se tem uma cadeia vocabular (linha Norte—Sul, rodovia Rio—São Paulo);
b) para abrir diálogos (Ela pediu: “— Por favor, ajude-me.”);
c) para separar ou destacar frases (O governo — disse o ministro da Educação — vai promo-
ver a reforma ortográfica).

As palavras compostas (que formam um conjunto semântico), em geral, são


1 ligadas por hífen. Exemplos: boa-fé, má-fé, decreto-lei, porta-retratos, primeiro-
ministro, mesa-redonda.

Já os elementos repetidos ou quase iguais, em geral, sem elementos de ligação,


têm hífen, como pingue-pongue, tico-tico, blá-blá-blá, lenga-lenga, zigue-zague,
esconde-esconde, pega-pega, corre-corre. Também com hífen quando o 1º ele-
2 mento são as formas além, aquém, recém, bem, mal e sem: além-mar, aquém-
montanha, recém-casado, bem-estar, mal-estar, bem-aventurado, sem-vergo-
nha. Mas SEM hífen: benfazejo, benfeito, benfeitor, benfeitoria, benquerença.

16 • capítulo 1
Não se usa o hífen em compostos que apresentam elementos de ligação, como
pé de moleque, pé de vento, pai de todos, dia a dia, fim de semana, cor de
vinho, camisa de força, cara de pau, olho de sogra.

Incluem-se nesse caso os compostos de base oracional, como maria vai com
3 as outras, leva e traz, diz que diz, deus me livre, deus nos acuda, cor de burro
quando foge, bicho de sete cabeças, faz de conta.

Mas, há EXCEÇÕES, nestes casos: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-ro-


sa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa.

Usa-se o hífen nos compostos que designam espécies animais e botânicas


(nomes de plantas, flores, frutos, raízes, sementes), tendo ou não elementos de
4 ligação, como bem-te-vi, peixe-espada, peixe-do-paraíso, mico-leão-dourado,
andorinha-da-serra, lebre-da-patagônia, copos-de-leite, erva-doce, ervilha-de-
cheiro, pimenta-do-reino, peroba-do-campo, cravo-da-índia.

ATENÇÃO
NÃO se usa o hífen, quando os compostos que designam espécies botânicas e zoológicas
são empregados fora de seu sentido original (sentido figurado). Observe a diferença de
sentido entre os pares:
•  bico-de-papagaio (espécie de planta ornamental) — bico de papagaio (deformação nas
vértebras).
•  olho-de-boi (espécie de peixe) – olho de boi (espécie de selo postal).

Expressões latinas, SEM hífen: advogado ad hoc, verbi gratia. As exceções


5 consagradas pelo uso são habeas-corpus e habeas-data, com hífen, mas
sem acento.

capítulo 1 • 17
Usa-se o hífen nas palavras compostas que não apresentam elementos de
ligação, como guarda-chuva, arco-íris, boa-fé, segunda-feira, mesa-redonda,
vaga-lume, joão-ninguém, porta-malas, porta-bandeira, pão-duro, bate-boca.
6
Contudo, NÃO se usa o hífen em certas palavras que perderam a noção de
composição, como girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas,
paraquedista, paraquedismo.

Usa-se o hífen nos compostos entre cujos elementos há o emprego do apóstro-


7 fo. Exemplos: gota-d’água, pé-d'água.

Usa-se o hífen nas palavras compostas derivadas de topônimos (nomes pró-


prios de lugares), com ou sem elementos de ligação. Observe:
Belo Horizonte – belo-horizontino
8 Porto Alegre – porto-alegrense
Mato Grosso do Sul – mato-grossense-do-sul
Rio Grande do Norte – rio-grandense-do-norte
África do Sul – sul-africano

Nas formações com prefixo, usa-se o hífen quando o 1º elemento termina por
9 vogal igual à que inicia o 2º elemento: anti-ibérico, arqui-inimigo, auto-ônibus,
sobre-estimar, micro-ônibus, micro-ondas.

Mas se o 1º elemento termina por vogal diferente da que inicia o 2º elemento,


NÃO se usa hífen: aeroespacial, agroindustrial, antiácido, euroasiático, antiaé-
reo, autoescola. Se o 2º elemento começa por r ou s, essas consoantes devem
10 ser dobradas: antessala, antirreligioso, contrarregra, contrassenso, corréu,
corréus, contrarrazões, contrarrevolução, minissaia, antirracismo, ultrassom,
semirreta.

18 • capítulo 1
Os prefixos co, pro, pre e re (todos sem acento) em geral se aglutinam com o
2º elemento, mesmo quando iniciado por e ou o: coedição, coautor, coautoria,
preeleito, reeleito, reeleição, coabitar, coerdeiro, coerdar, preexistir, preen-

11 cher, prejulgar, preordenar.

Mas usa-se hífen se o 1º elemento terminar com acento gráfico: pós-gradua-


ção, pré-escolar, pré-histórico, pré-molar, pré-cozido.

Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por m ou n e o 2º elemento começa


12 por vogal, h, m e n: circum-escolar, pan-americano, pan-africano, pan-negritude,
pan-histórico.

Usa-se hífen quando o 1º elemento é ex, vice, sota, soto: ex-presidente,


13 vice-presidente, ex-ministro, sota-almirante, soto-capitão.

Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por vogal, sob, sub e prefixos termina-
dos em r (hiper, super e inter) e o segundo elemento começa por h: bio-histórico,
14 poli-hidrite, sub-hepático, sub-humano, super-homem. Mas palavras de uso
consagrado não mudam, como reidratar, reabilitar, reabituar, reabitar, reumani-
zar, reaver. São aceitas as formas carboidrato e carbo-hidrato.

Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por b (ab, ob, sob, sub) ou d (ad)
e o 2º elemento começa por b ou r: sub-bélico, sub-rogar, ad-referendum,
sub-reitor, sub-reptil, sub-reptício, ab-rogar, ab-rupto (ou abrupto). Mas sem
15 hífen nos demais casos, como subalimentar, subestimar, subchefe, subdiretor,
subfaturar, subgrupo, subemprego, subdividir, submundo, suburbano, subpro-
curador, subliminar.

NÃO se usa hífen com os prefixos des e in quando o 2º elemento perde o h


16 inicial: desumano, inábil, inumano.

capítulo 1 • 19
NÃO se usa hífen com a palavra não com função prefixal: não violência, não
17 agressão, não comparecimento.

Nas formações com sufixos de origem tupi-guarani, que representam formas


adjetivas, emprega-se o hífen quando o 1º elemento termina por vogal acen-
18 tuada graficamente ou quando a pronúncia exige a distinção gráfica dos dois
elementos: amoré-guaçu, anafá-mirim, capim-açu, Ceará-Mirim. Mas, escreve-
se sem o hífen em Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Mogi das Cruzes.

ATENÇÃO
Com mal, usa-se o hífen quando a palavra seguinte começar por vogal, h ou l, como em
mal-entendido, mal-estar, mal-humorado, mal-educado, mal-limpo.

Quando mal significa doença, usa-se o hífen, se não houver elemento de ligação, como em
mal-francês. Se houver elemento de ligação, escreve-se sem o hífen. Observe: mal de lázaro
(lepra), mal de sete dias (tétano umbilical ou tétano neonatal).

3  Emprego do porquê

Quais são as maneiras de escrita dos porquês?


Na forma escrita, de que modo se costuma escrever o por quê?

Há quatro formas para o emprego do porquê, cada qual com um uso específico.
O mais importante é não se deixar enganar pela solução tradicional e superfi-
cial de saber “qual é o da pergunta e qual é o da resposta”.
Com as explicações a seguir, não há mais como ter dúvidas. Basta utili-
zá-las como referência de pesquisa sempre que empregar os porquês, para sa-
ber exatamente a distinção entre cada uma delas.

20 • capítulo 1
POR QUE (= POR QUAL MOTIVO)

A forma POR QUE pode ser identificada ao se substituir por “por qual motivo, por qual
razão”. Observe os exemplos:

•  Por que ainda temos tantas dúvidas?


•  Em breve, entenderemos por que tínhamos tantas dúvidas.
•  Eles não disseram por que, depois de tanto tempo de estudo, ainda permaneciam
as dúvidas.

ATENÇÃO
A forma POR QUE também pode ser simplesmente a preposição POR ao lado do pronome
relativo QUE, e, nesse caso, pode ser substituída, para efeito de confirmação, por “pelo qual”
e flexões.
•  A transportadora por que os livros serão enviados definiu sua rota de entrega. (= pela qual)

CONCEITO
Caso surja, no final de uma frase, imediatamente antes de um ponto (final, de interrogação,
de exclamação) ou de reticências, a sequência deve ser grafada por quê, pois, devido à posi-
ção na frase, a palavra "que" passa a ser tônica.

A forma porquê representa um substantivo, significando "causa", "razão", "motivo" e,


normalmente, surge acompanhada de palavra determinante (artigo, por exemplo).

E a forma porque é uma conjunção, equivalendo a pois, já que, uma vez que, como,
sendo geralmente utilizada em respostas, para explicação ou causa.

capítulo 1 • 21
POR QUÊ (= POR QUAL MOTIVO)
A forma POR QUÊ também significa “por qual motivo, por qual razão”. A diferença de
uso entre essa forma e POR QUE se dá pela observação da conclusão ou não da ideia
contida em POR QUE.

Repare o exemplo:
•  Em breve, entenderemos por que tínhamos tantas dúvidas.

Se tirarmos da frase a “continuação” do POR QUE, ele ganhará um acento. Normalmen-


te se diz que o acento aparece no fim da frase. Isso faz sentido, pois, se a frase termina,
é óbvio que a ideia não continua.

Ou, então:
•  Antes, tínhamos tantas dúvidas; em breve, entenderemos por quê.
•  Ele tem dúvidas. Por quê?
•  Embora tenhamos entendido por quê, ainda não estávamos satisfeitos.

PORQUE (= POIS, UMA VEZ QUE, JÁ QUE)


A forma PORQUE pode ser substituída por algum termo que denote causa ou expli-
cação, como pois, uma vez que, já que. Independe se aparecer em uma pergunta ou
resposta. Antes de empregá-lo, confira se o sentido não é o de “por qual motivo”, o que
indicaria que a forma correta seria POR QUE.

Exemplos:
•  Ainda temos muitas dúvidas porque faltou aprendizado em uma fase mais madura
da vida.
•  Porque ele não tem dúvidas todos não devem ter?

ATENÇÃO
Observe as duas frases:
•  Sabemos porque fomos informados.
•  Sabemos por que fomos informados.

22 • capítulo 1
No primeiro caso, o sentido é: “Sabemos, pois alguém nos informou.” Estamos apresentando
a causa de sabermos.
No segundo caso, o sentido é: “Sabemos por qual razão nos escolheram para receber a
informação.” Estamos dizendo o que sabemos, o complemento do verbo saber.

PORQUÊ (= SUBSTANTIVO, SIGNIFICA O MOTIVO, A RAZÃO)


A forma PORQUÊ é um substantivo, e a maneira de saber isso é sempre buscar o deter-
minante que o acompanha. Se não houver um determinante, não será um substantivo.

Observe:
•  Esse porquê satisfez a todos.
•  Vá pensando em um porquê para a sua falta.
•  Ele sempre tem muitos porquês.
•  Em breve, entenderemos o porquê de termos tantas dúvidas.

RESUMO

FORMA EMPREGO EXEMPLOS

Por que ele chorou? (interrogativa


Em frases interrogativas
direta)
(diretas e indiretas).
Digam-me por que ele chorou. (inter-
POR QUE Em substituição à expres-
rogativa indireta)
são “pelo qual” (e suas
As cidades por que passamos eram
variações).
sujas. (por que = pelas quais)

Eles estão revoltados por quê?


POR QUÊ No final de frases.
Ele não veio não sei por quê.

capítulo 1 • 23
Em frases afirmativas e em
PORQUE respostas.
Não fui à praia porque choveu.

PORQUÊ Como substantivo. Todos sabem o porquê da sua angústia.

4  Emprego dos pronomes: eu/mim

“Pra mim brincar”


Não há nada mais gostoso do que o mim
sujeito de verbo infinitivo. Pra mim brincar. As
cariocas que não sabem gramática falam assim.
Todos os brasileiros deviam de querer falar
como as cariocas que não sabem gramática.
- As palavras mais feias da língua
portuguesa são quiçá, alhures e miúde.

BANDEIRA, Manuel
Fragmentos. (BANDEIRA, Manuel. Seleta em prosa e verso. Org.: Emanuel de Moraes.
4 ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1986. p. 19).

Eu é pronome pessoal reto. Sempre exerce a função de sujeito.


Mim é pronome pessoal oblíquo tônico. Nunca exerce a função de sujeito e,
obrigatoriamente, deve ser usado com preposição: a mim, de mim, entre mim,
para mim, por mim.

EXEMPLOS
Eu li o jornal “O Globo” hoje. (sujeito)
Ela trouxe o jornal “O Globo” para mim. (não é sujeito)
Entretanto, observe:
Ela trouxe o jornal “O Globo” para eu ler.

24 • capítulo 1
Nesse último caso, são duas orações. “Ela trouxe o jornal ‘O Globo’” é a oração principal e
“para eu ler” é oração reduzida de infinitivo (para que eu lesse).

Deve-se usar o pronome pessoal reto (eu), porque exerce a função de sujeito do verbo no
infinitivo (ler). Essa função só pode ser exercida pelos pronomes pessoais retos, nunca por
pronomes pessoais oblíquos, como é o caso do pronome mim.

RESUMO
A diferença entre para mim e para eu está na presença ou não de um verbo sempre no infi-
nitivo após o pronome. A regra é clara: para + eu + infinitivo.
•  Este documento é para mim.
•  Este documento é para eu escrever.
•  O suco é para mim.
•  O suco é para eu beber agora.
•  Entregou a carta para mim.
•  Entregou a carta para eu ler depois.

Portanto, sempre que houver um verbo no infinitivo, deve-se usar os pronomes pessoais
retos, qualquer que seja a preposição.
•  Paulo fez isso por eu estar muito cansada.
•  Lívia chegou antes de eu sair.

ATENÇÃO
No caso da expressão “entre mim e você”, tem-se a preposição entre antes, e não há verbo
após o pronome. Isso significa que se deve usar sempre o pronome pessoal oblíquo mim em
vez do pronome pessoal reto eu. Observe.

•  Nada há entre mim e você.


•  Nada há entre mim e ti.
•  Nada há entre mim e João.

capítulo 1 • 25
5  Uso de acentos gráficos na escrita
Na Língua Portuguesa, todas as palavras de mais de uma sílaba têm sílabas pro-
nunciadas de forma mais acentuada – ou mais forte – do que as demais. A gramá-
tica classifica as palavras, de acordo com a sua tonicidade em oxítona, paroxíto-
nas e proparoxítonas. Também são considerados tônicos alguns monossílabos.

CONCEITO
As palavras oxítonas são aquelas em que a tonicidade está na última sílaba. As paroxítonas
são aquelas em que a tonicidade está na penúltima sílaba. Já as proparoxítonas são aquelas
em que a tonicidade está na penúltima sílaba. Monossílabos são palavras de uma só sílaba.
Também são considerados tônicos alguns monossílabos.

5.1  Palavras oxítonas

Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas nas vogais –a, –e, –o (seguidas ou não
de –S): sofá, bebês, pajé, cipó.

Acentuam-se as palavras oxítonas com mais de uma sílaba, terminadas em –em, –ens:
alguém, parabéns, amém.

Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas em ditongo aberto e tônico –éi, –éu, –ói
(seguidas ou não de –S): véu, véus, anéis, céu, chapéus, herói, caubóis.

Os monossílabos tônicos seguem as regras das oxítonas terminadas nas vogais –a, –e,
–o (seguidas ou não de –S): pá, pés, pó, fé.

5.2  Palavras paroxítonas

Recebem acento gráfico as palavras paroxítonas que apresentam na sílaba tôni-


ca as vogais –a, –e, –o (abertas ou fechadas), além de –i, ou –u, terminadas em:

26 • capítulo 1
–i, –is, –us: júri, táxi, biquíni, grátis, bônus, Vênus

–l, –n, –r, –x, –ps: hábil, fóssil, abdômen, âmbar, córtex, bíceps, fórceps

–ã, –ãs, –ão, –ãos: irmã, irmãs, cidadão, cidadãos, irmão, irmãos, órfão, órfãos

–on, –ons: íon, elétron, elétrons

–um, –uns: álbum, álbuns, quórum

–ei, –eis: vôlei, pôneis, venderíeis, cantaríeis

5.3  Palavras proparoxítonas

Acentuam-se todas as palavras proparoxítonas.

EXEMPLOS
Cômoda, véspera, lívida, álibi, lâmpada, paralelepípedo.

Acentuam-se ainda as palavras terminadas em ditongo oral crescente, se-


guidas ou não de –S, que admitem uma pronúncia com hiato final, como: náu-
sea, história, glória, secretária, rosário, espécies, vácuo, argênteo, amêndoa.

CASOS ESPECIAIS
Nas palavras oxítonas e paroxítonas, acentuam-se o –i e o –u tônico dos hiatos quando
ocorrem sozinhos na sílaba ou seguidos de –S, como Piauí (Pi-au-í), baús (ba-ús), aí
(a-í), tuiuiús (tui-ui-ús) , juízes (ju-í-zes), saúde (sa-ú-de), balaústre (ba-la-ús-tre).

capítulo 1 • 27
5.4  Acentos Diferenciais

Acentuam-se as formas verbais indicativas de terceira pessoa do plural dos ver-


bos ter e vir (e seus compostos), para distingui-las da forma da terceira pessoa
do singular: ele tem – eles têm; ele vem – eles vêm.

pôr (infinitivo verbal, encontrado também no substantivo composto pôr-do-sol) e


por (preposição).

pôde (forma verbal de 3ª pessoa do singular, passado) e pode (forma verbal de terceira
pessoa do singular, presente).

ATENÇÃO
Em fôrma/forma, o acento circunflexo é facultativo.
Porquê (substantivo) e porque (conjunção).
Quê (substantivo, interjeição, pronome, quando ocorre no final do enunciado) e que (nas
demais funções e ocorrências).

CONCEITO
As palavras oxítonas são aquelas em que a tonicidade está na última sílaba; paroxítonas são
aquelas em que a tonicidade está na penúltima sílaba; as proparoxítonas são aquelas em
que a tonicidade está na antepenúltima sílaba. Monossílabos são palavras de uma só sílaba.
Alguns monossílabos são considerados tônicos.

ATENÇÃO
1.  Não se usam mais os acentos gráficos nos ditongos abertos ei e oi das palavras paroxíto-
nas: ideia, boia, joia, boia (substantivo), boia (forma verbal), assembleia, apoia (forma verbal),
apoio (forma verbal). As únicas exceções são estas: gêiser, destróier, Méier.

28 • capítulo 1
2.  O trema foi eliminado – aguentar, sequestro, bilíngue, tranquilo, cinquenta – e só será
usado nas palavras estrangeiras e em suas derivadas, como Müller, mülleriano; Bündchen.

3.  Não são assinaladas com acento gráfico as formas verbais creem, deem, leem, veem e
seus derivados: descreem, desdeem, releem, reveem.

4.  Também não recebe acento gráfico o penúltimo o do hiato –oo: voo, enjoo, entoo, perdoo,
povoo, zoo.

5.  Não são assinaladas com acento gráfico as palavras homógrafas: para (verbo) e para
(preposição), pelo (substantivo) e pelo (verbo). Exceção: pôde (pretérito perfeito) e pôr
(verbo), polo (s).

6.  Não são assinaladas com acento gráfico as palavras paroxítonas cujas vogais tônicas i e u
são precedidas de ditongo oral decrescente: baiuca, feiura, bocaiuva, assim como o u tônico
da forma rizotônica de arguir e redarguir: arguo, arguis, argui.

Essa regra é válida somente para palavras paroxítonas. Assim, continuam a ser acentu-
adas as palavras oxítonas terminados em éis e ói(s), como papéis, herói, heróis.

7.  Verbos como aguar, apaziguar, averiguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir e afins
possuem dois paradigmas, a saber: com o u tônico em formas rizotônicas sem acento gráfico,
como averiguo, averigue; com o a ou o i dos radicais tônicos acentuados graficamente, como
averigúo, enxáguo.

Acentos diferenciais

1. Permanece o acento diferencial em pôde/pode. Pôde é a forma do passa-


do do verbo poder (pretérito perfeito do indicativo), na 3ª pessoa do singular.
Pode é a forma do presente do indicativo, na 3ª pessoa do singular, como:
Ontem, ele não pôde sair mais cedo, mas hoje ele pode.

2. Permanece o acento diferencial em pôr/por. Pôr é verbo. Por é preposição.


Observe: Vou pôr o livro na estante que foi feita por mim.

capítulo 1 • 29
3. Permanecem os acentos que diferenciam o singular do plural dos verbos
ter e vir, assim como de seus derivados (manter, deter, reter, conter, convir, in-
tervir, advir). Observe:
Ele tem dois carros. / Eles têm dois carros.
Ele vem de Sorocaba. / Eles vêm de Sorocaba.
Ele mantém a palavra. / Eles mantêm a palavra.
Ele convém aos estudantes. / Eles convêm aos estudantes.
Ele detém o poder. / Eles detêm o poder.
Ele intervém em todas as aulas. / Eles intervêm em todas as aulas.

4. É facultativo o uso do acento circunflexo para diferenciar as palavras for-


ma/fôrma. Em alguns casos, o uso do acento deixa a frase mais clara. Observe
mais este exemplo: Qual é a forma da fôrma do bolo?

6  Palavras parônimas e homônimas

6.1  Palavras parônimas

A Língua Portuguesa apresenta palavras que se diferenciam na grafia e na pro-


núncia; apresentando sempre significados diferentes. Essas palavras são cha-
madas de parônimas. Observe:

COMPRIMENTO CUMPRIMENTO

30 • capítulo 1
EXEMPLOS
Outros exemplos:

ABSORVER – fazer desaparecer um líquido CERRAR – fechar


ABSOLVER – julgar inocente SERRAR – cortar
AMORAL – ausência de moral CENSO – recenseamento
IMORAL – contrário à moral SENSO – juízo
ACENDER – iluminar DEFERIR – conceder
ASCENDER – elevar DIFERIR – adiar, divergir, distinguir-se
ACENTO – símbolo gráfico DESCRIÇÃO – ato de descrever
ASSENTO – lugar de sentar DISCRIÇÃO – reserva em atos e atitudes –
ACIDENTE – acontecimento casual grave ser discreto
INCIDENTE – acontecimento casual sem DESPERCEBIDO – desatento
gravidade DESAPERCEBIDO – despreparado, despre-
APRESSAR – acelerar venido
APREÇAR – atribuir preço, perguntar preço DESCRIMINAR – diferenciar, inocentar
ANTI – ação contrária (prefixo) DISCRIMINAR – preconceito
ANTE – em frente (preposição) DIFERIR – diferenciar
ÁREA – espaço DEFERIR – atender
ÁRIA – qualquer peça musical DISPENSA – demite
COMPRIMENTO – extensão, medida, ta- DESPENSA – cômodo ou lugar para guardar
manho objetos
CUMPRIMENTO – saudação, cumprir, cum- DELATAR – denunciar
primentar DILATAR – aumentar as dimensões
CAVALHEIRO – homem de boas maneiras EMERGIR – vir à tona, despontar
CAVALEIRO – homem que monta à cavalo IMERGIR – mergulhar
CASSAR – anular o mandato político ESTÁTICO – parado
CAÇAR – capturar EXTÁTICO – estado de êxtase
COSER – costurar EMIGRANTE – quem sai voluntariamente
COZER – cozinhar de seu próprio país para se estabelecer em
CONCERTO – audição de música clássica, outro
acordo IMIGRANTE – quem entra em outro país a
CONSERTO – reparo fim de se estabelecer
CALDA – parte líquida de um doce EMINENTE – destacado, elevado – atribuir
CAUDA – rabo de animais, piano importância

capítulo 1 • 31
IMINENTE – prestes a acontecer – está para LAÇO – nó que se desta sem esforço
acontecer LASSO – frouxo
ESPERTO – vivo, sagaz MANDATO – período de ação política
EXPERTO – experiente, perito MANDADO – ordem
ESTADA – permanência de pessoas PLEITO – disputa
ESTADIA – permanência de veículos PREITO – homenagem
ESPIAR – observar secretamente RATIFICAR – confirmar, não modificar
EXPIAR – pagar, redimir RETIFICAR – corrigir, alterar, modificar
ESPIRAR – respirar RECREAR – divertir
EXPIRAR – morrer RECRIAR – criar novamente
EMIGRAR – sair de determinado lugar RUÇO – difícil, grisalho, descolorido
IMIGRAR – entrar em determinado lugar RUSSO – originário da Rússia
FLAGRANTE– evidente SOAR – emitir som
FRAGRANTE – perfumado, aromático SUAR – transpirar
FLUIR – correr com abundância SEXTA – numeral
FRUIR – desfrutar, aproveitar CESTA – recipiente
FUZIL – arma de fogo SESTA – descanso após o almoço
FUSÍVEL – utilidade de se fundir SORTIDO – abastecido
FLAGRANTE – ocasião, evidente SURTIDO – efeito provocado
FRAGRANTE – perfume TRÁFEGO – trânsito de veículos em vias pú-
INCIPIENTE – inexperiente blicas
INSIPIENTE – ignorante TRÁFICO – comércio desonesto ou ilícito
INFLAÇÃO – desvalorização da moeda – inflar TERRAPLANAGEM – encher de terra até
INFRAÇÃO – violação da lei – desrespeito tornar plano
INTEMERADO – puro, íntegro TERRAPLENAGEM – encher de terra até
INTIMORADO – valente tornar pleno, cheio
INCERTO – que não é certo VIAJEM – verbo
INSERTO – inserido VIAGEM – substantivo

32 • capítulo 1
6.2  Palavras homônimas

MANGA

A palavra manga pode ser usada para definir um fruto, a parte da camisa em
que cobre os braços e no sentido de palavra originária do verbo mangar, que
significa zombaria, curtição.
As palavras homônimas podem ser:

idênticas na pronúncia, mas diferentes na escrita (homônimas homófonas);

idênticas na escrita, mas diferentes na pronúncia (homônimas homógrafas) ou

idênticas na pronúncia e na escrita (homônimas homófonas homógrafas ou homônimas


perfeitas).

Mas, em todos esses casos, os significados entre os pares de palavras são


sempre diferentes.
A palavra manga pode ser classificada como homônima homófona homó-
grafa ou homônima perfeita.

CONCEITO
Homônimas homógrafas: palavras de mesma grafia e significado diferente.
Exemplos: jogo (substantivo) e jogo (verbo).

capítulo 1 • 33
Homônimas homófonas: palavras com mesmo som e grafia diferente.
Exemplos: cessão (ato de ceder), sessão (atividade), seção (setor).

Homônimas homógrafas e homófonas: palavras com mesma grafia e mesmo som.


Exemplos: planta (substantivo) e planta (verbo); morro (substantivo) e
morro (verbo).

MULTIMÍDIA
Para assistir
O filme “Caramuru a invenção do Brasil”, dirigido por Guel Arraes, trabalha as relações se-
mânticas, na sociedade, por meio de recursos audiovisuais. O filme traz trechos que expli-
citam essa relação do significado das palavras, suas definições e propriedades semânticas.

7  Uso do sinal indicativo da crase


A palavra crase designa, em gramática normativa, a contração da preposição a
com o artigo feminino a. Graficamente, é o acento grave (`) o sinal que indica a
presença da crase (a + a = à).
A banda Engenheiros do Havaí questiona o fenômeno da crase na letra a seguir:

Tô sempre escrevendo cartas que nunca vou mandar


Para amores secretos, revistas semanais e deputados federais
Às vezes nunca sei se "as vezes" leva crase
Às vezes nunca sei em que ponto acaba a frase (.,;?!...)
Você sempre soube (eu não sabia)
Toda frase acaba num riso de autoironia
Você sempre soube (eu não sabia)
Toda tarde acaba com melancolia
E, se eu escrevesse "sem" com "s", ou escrevesse "cem" com "c"?
?por acaso faria alguma diferença?
?que diferença faria?

34 • capítulo 1
?o que você faria no meu lugar...
... se tivesse pr'aonde ir e não tivesse que esperar?
...o que você faria se estivesse no meu lugar...
... se tivesse que fugir e não pudesse escapar?
Você sempre soube que eu não conseguiria
Quando a frase acaba tarde, tudo fica pr'outro dia
Você sempre soube, eu não sabia
Toda tarde acaba em melancolia

Às vezes não entendo minha própria letra


Minha própria caneta me trai
Às vezes não entendo o que você quer dizer quando fica calada
Você sempre soube (eu não sabia)
Quando a frase acaba o mundo silencia
Às vezes não entendo onde você quer chegar quando fica parada
É como ficar esperando cartas que nunca vão chegar
Não vão chegar com "x" nem vão chegar com "ch"
É como ficar esperando horas que custam a passar
Enquanto ficamos parados, andando pra lá e pra cá
É como ficar desesperado de tanto esperar
Olhando pela janela até onde a vista alcançar
É como ficar esperando cartas que nunca vão chegar
É como ficar relendo velhas cartas até a vista cansar
Você sempre soube - eu não sabia
Você sempre soube - eu não sabia

“Às vezes nunca”, de Humberto Gessinger

MULTIMÍDIA
Para ouvir
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&-
co_obra=20722, acessado em 18 de abril de 2015

capítulo 1 • 35
7.1  Crase: como usar?

O emprego adequado do acento grave, indicativo da presença do fenômeno da


crase, e as regras de regência nominal e regência verbal são imprescindíveis
para que se possa apresentar um bom desempenho redacional.
A crase não é um acento, é a contração de a mais a. Para haver crase, é ne-
cessário que existam dois a. O primeiro a é a preposição, e o segundo a pode
aparecer em três casos diferentes:

A) ARTIGO DEFINIDO:

•  Ele se referiu a (preposição) + a (artigo) carta. = Ele se referiu à carta.


•  Ele entregou o documento a (preposição) + as (artigo) professoras. = Ele entregou
o documento às professoras.

B) PRONOME DEMONSTRATIVO:

•  Sua camisa é igual a (preposição) + a (pronome = a camisa) do meu pai. = Sua


camisa é igual à do meu pai.
•  Ele fez referência a (preposição) + as (pronome = aquelas) que saíram. = Ele fez
referência às que saíram.

C) VOGAL A INICIAL DOS PRONOMES AQUELE, AQUELES, AQUELA,


AQUELAS E AQUILO:

•  Ele se referiu a (preposição) + aquele livro. = Ele se referiu àquele livro.


•  Ele fez alusão a (preposição) + aquelas obras. = Ele fez alusão àquelas obras.
•  Prefiro isso a (preposição) + aquilo. = Prefiro isso àquilo.

EXEMPLOS
Observe os exemplos a seguir:
•  Comprei um lote em Angra dos Reis a perder de vista.
•  A reunião começará a partir das 10h.

36 • capítulo 1
•  Maria Antônia começou a chorar.
•  Paulo Elísio prefere sair a ficar em casa.

Se a compra é “a prazo”, deveria ser “a vista” sem o acento da crase, pois não
haveria o artigo feminino. Há autores, contudo, que defendem a crase para to-
das as locuções adverbiais femininas, incluindo aí o “à vista” e o “à venda”. Por
uma questão até de clareza: “Vender a vista sem o acento da crase” pode parecer
que se está vendendo o órgão – “o olho”.
Por essa razão, opta-se pelo uso do acento da crase para desfazer a ambigui-
dade. Sendo assim, muitos estudiosos defendem o uso do acento da crase para
todas as locuções adverbiais femininas, como:

a) à vista, à toa, às claras – de modo;

b) à noite, às vezes, às 14h – de tempo;

c) à porta, à mesa, à direita – de lugar.

Nos demais exemplos, vê-se também que não há crase, pois antes de verbos
jamais haverá artigo, apenas a preposição a.

EXEMPLOS
Leia novos exemplos a seguir:
Na frase “Eu estava contando à minha mãe o quanto somos semelhantes”, o uso do acento
da crase é facultativo, em razão do pronome possessivo “minha”.
Mas em “Disse à mamãe que estudaria bastante hoje” ocorre, obrigatoriamente, o fenômeno
da crase porque o verbo “dizer” exige a preposição a e o substantivo “mamãe” admite o artigo
definido a.
Se disser, contudo, “Mamãe começou a rir da minha brincadeira” não se usa o acento da
crase, porque antes de verbo, como já dito, não há artigo.

capítulo 1 • 37
Observe este exemplo:

A verba não utilizada para a reforma deste monumento será revertida à entida-
des assistenciais.

O acento grave indicador da crase está incorreto, porque não existe crase,
apenas o uso da preposição a antes de uma palavra feminina no plural. Só ha-
veria o acento da crase se houvesse o artigo definido as: “... às Oficinas de Lei-
tura...”. Logo, não ocorre o fenômeno da crase quando o a estiver no singular,
seguido de palavra no plural.

ATENÇÃO
O acento grave, indicador de crase, é obrigatório diante de palavras femininas determinadas
pelos artigos definidos a ou as quando subordinadas a termos que exigem a preposição a.

•  As crianças voltaram à piscina.


•  Ninguém é insensível à dor.
•  Fez uma excursão à cidade de Florianópolis.

Crase, portanto, não é acento, mas sim a fusão de duas vogais iguais.

7.1.1  Regras: uso do acento grave, indicador da crase

Existe crase quando acontece a contração do a ou as artigo com:

A) A PREPOSIÇÃO A:

Fomos à cidade e assistimos às festas.

B) O PRONOME DEMONSTRATIVO A OU AS:

Refiro-me à que foi transferida.

38 • capítulo 1
7.1.2  Emprego de à, à que, às que

Quando o a das expressões a que, as que for pronome demonstrativo, elas po-
dem vir regidas da preposição a, caso em que se usam as formas acentuadas
à que, às que. Se o a antes de que for apenas preposição, não levará o acento
grave indicativo da crase.

EXEMPLO
Não se referiu à que estava ao nosso lado. (à que = àquela que)
Os prêmios foram entregues às que discursavam. (às que = àquelas que)
A pessoa a que te referes não veio hoje. (a = preposição)

O a inicial dos pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo.

EXEMPLO
Refiro-me àquele fato.
Vou àquele cinema.
Não irás àquela festa.
Não dei importância àquilo.

Para haver crase é necessário, pois, que existam dois a. O primeiro a é pre-
posição, o segundo, como visto, pode ser: artigo definido (a/as), a vogal a inicial
dos pronomes demonstrativos aquele, aqueles, aquela, aquelas e aquilo, e a e as
quando pronomes demonstrativos.

ATENÇÃO
1.  Embora os pronomes demonstrativos femininos a, as tenham a mesma forma dos artigos de-
finidos, não há que confundi-los, pois quando forem pronomes demonstrativos, virão acompanha-
dos de preposição, geralmente, de ou do e do pronome relativo que (oração subordinada adjetiva).

A capitania de Minas Gerais estava unida à de São Paulo.


Refiro-me à que você namora.
Falarei às que quiserem me ouvir.

capítulo 1 • 39
2.  O pronome indefinido outra(s), quando estiver empregado de modo determinado, referin-
do-se à restante de duas coisas, pessoas ou animais, precedido do artigo definido a:

“Paz e guerra, senhores, são duas ideias que se contrapõem naturalmente em nosso
espírito, como as expressões antagônicas uma à outra do bem e do mal”. (Rui Barbosa,
Antologia, 1955, 106.)

3.  Pronomes indefinidos que admitem o artigo feminino, dando ensejo à crase:

Não fale nada às outras colegas.


Estavam atentas umas às outras.

7.1.3  Locuções: adverbiais, prepositivas e conjuntivas

Acentua-se, geralmente, o a ou as de locuções adverbiais, prepositivas e con-


juntivas formadas de substantivo feminino (expresso ou elíptico/oculto).
As locuções adverbiais constam geralmente de preposição combinada com
substantivo, ou de preposição combinada com substantivo e mais um adjetivo
ou termo determinante.
Das locuções formadas de preposição, substantivo e adjetivo, muitas há em
que se suprime o substantivo. Diz-se indiferentemente à direita, à esquerda
ou à mão direita, à mão esquerda; mas deixa-se de mencionar o substantivo
(modo, moda, maneira) em expressões, como as seguintes: à francesa, à portu-
guesa, às boas, às cegas, às ocultas, às claras.
A locução prepositiva, em geral, é constituída de advérbio ou locução adver-
bial seguida da preposição de, a ou com: A universidade ficava em frente à casa
do coordenador.
As chamadas locuções conjuntivas são formadas da partícula que antecedida
de advérbios, de preposições e de particípios: desde que, antes que, já que, até
que, sem que, dado que, posto que, visto que, à medida que, à proporção que.

Nas locuções prepositivas e adverbiais, só haverá o acento grave com palavras femini-
nas: à custa de, à procura de, à mercê de, à moda de.

40 • capítulo 1
A seguir, apresenta-se uma relação das locuções de uso mais frequente:

à beça à paisana às ocultas

à noite à beira de à cata de

à risca à semelhança de à ocidental

à minuta à força à farta

à mercê de à vista à parte

à primeira vista às pressas à hora certa

à1h à esquerda às sete horas

à toda à direita à zero hora

à revelia à toa à custa de

à luz à força de à americana

À una (=conjuntamente)
à espera de à espanhola
a uma só voz

às avessas à vista de às cegas

à medida que à milanesa às claras

à proporção que, à medi-


à oriental às escondidas
da que

às vezes (= algumas ve-


à maneira de à deriva
zes, de vez em quando)

à distância (quando de-


à queima-roupa às moscas
terminada)

Nas locuções à prestação, à máquina, à mão, à tinta, à faca, à chave, o acento grave
está condicionado ao sentido do contexto, pois nem sempre representa uma contração.
Usa-se como sinal esclarecedor do sentido da frase: cheirar a gasolina e cheirar à ga-
solina / receber a bala e receber à bala / matar a fome e matar à fome...

capítulo 1 • 41
7.1.4  Casos inaceitáveis

Por não haver artigo definido a/as, é impossível ocorrer crase, nos casos a seguir:

ANTES DE PALAVRAS MASCULINAS

Não assisto a filmes de guerra ou de violência.


Isto cheira a vinho.
Admirei os quadros a óleo.
Escreveu um bilhetinho a lápis.
Fomos a São Lourenço, onde passeamos a pé, a cavalo, de charrete.
Amar a Deus.

ANTES DE ARTIGOS INDEFINIDOS

Ele chegou a certa hora.


Ele disse que chegaria a uma hora qualquer.
Referia-se a uma velha história.
Chegamos à cidade a uma hora morta.

ANTES DE VERBOS

Prefiro isso a aceitá-lo na empresa.


Estamos dispostos a colaborar.
Entra em vigor a partir de hoje a nova legislação.
O Estado deveria estar sempre disposto a resolver os problemas sociais.
Quando me dispunha a sair, começou a chover.

ANTES DOS PRONOMES DEMONSTRATIVOS ESTA, ESSA, ISSO

Estamos atentos a essa tendência.


Ofereceu o prêmio a esta aluna aqui.
Entregou a essa secretária tudo que ela pediu.

42 • capítulo 1
ANTES DE PRONOMES PESSOAIS

Recorreram a mim. (a nós, a ela, a você)


Ele se referiu a ti.
Tudo foi entregue a ela.
Eu me referia a você.

ANTES DE PRONOME DE TRATAMENTO

Solicito a Vossa Senhoria o obséquio de anotar nosso endereço.


Não me referi a Vossa Excelência.
Hei de pedir licença a Sua Majestade, e espero alcançá-la.
Cedeu o documento de propriedade a V. Sª.

Quando a expressão de tratamento só se refere à mulher, pode ocorrer a crase.

Falou à senhora (= Falou ao senhor)


À senhorita (= ao jovem)
À doutora (= ao doutor)
À madame (= ao cavalheiro)
À senhora Maria Antônia (= ao senhor)

Antes da palavra Dona (que se abrevia D.), o emprego do artigo é facultativo. Isso signi-
fica que poderá ocorrer ou não o uso do acento grave.

Entreguei a chave da casa a Dona Olga.


Contei tudo à D. Carminha.

ANTES DE PRONOMES INDEFINIDOS

O letreiro pode despencar a qualquer hora.


Estamos a pouca (ou a certa) distância da fronteira.
Começou a toda força.

capítulo 1 • 43
ANTES DE QUALQUER NOME FEMININO TOMADO EM SENTIDO
GENÉRICO OU INDETERMINADO, ISTO É, SEM ARTIGO DEFINIDO

Tudo cheirava a velhice.


Dedicas o trabalho a homem ou a mulher?
Não fui a reunião nenhuma. (Não fui a encontro nenhum.)
O tormento maior era não poder confiar a pessoa alguma os seus cuidados.

ANTES DE PALAVRAS NO PLURAL (QUANDO O A ESTIVER NO SINGULAR)

Conferiu prêmios a pessoas que se destacaram na firma.


Não atendem a reclamações.
Não vai a festas nem a reuniões.
Não dê atenção a pessoas suspeitas.

ANTES DE SUBSTANTIVO REPETIDO, NAS LOCUÇÕES ADVERBIAIS

Tomou o remédio gota a gota.


Estavam frente a frente.
Foi de cidade a cidade.
Entravam uma a uma.
Dia a dia, a empresa foi crescendo.

Com as expressões daqui a, dali a, daí a, não ocorre a crase. Em adjuntos


adverbiais de tempo introduzidos por essas expressões, a partícula a é simples
preposição.

Daqui a uma hora estarei de volta.


Daqui a duas horas entrego-lhe o trabalho.

44 • capítulo 1
7.1.5  Casos especiais

a) Palavras casa e terra

Não se usa crase antes da palavra casa no sentido de lar, domicílio, quando ela
não vem acompanhada de adjetivo ou locução adjetiva que a caracterize:

Quando a palavra casa não significa lar, domicílio, e sim estabelecimento comercial, hos-
pitalar, residência oficial de chefe de Estado, dinastia, torna-se obrigatório o uso da crase.

• Voltamos a casa tristes.


•  Chegou Pedro a casa, e atirou-se a chorar sobre a cama.
• Fui à Casa Olga comprar um presente.
•  O presidente americano regressou à Casa Branca.
•  Poucos conhecem à Casa da Moeda.

Se a palavra casa vier acompanhada de adjetivo ou locução adjetiva, ocorrerá o acento


da crase.

• Voltou à casa paterna.


•  Fiz uma visita à velha casa de meus avós.
• Fui à casa de meu amigo.
• Dirigi-me à casa da Lívia.

Como a palavra terra, no sentido de terra firme, chão (em oposição a bordo,
a mar), não recebe artigo definido, não haverá crase:

•  Os marinheiros tinham descido a terra para visitar a cidade.


•  Vendo o tubarão, o nadador voltou logo a terra.
•  Depois de tantos meses no mar, chegamos a terra.

Observação: Quando a palavra terra equivaler à pátria ou região determinada ocorrerá


a crase.

• Vou à terra dos meus avós.


• Retornei à terra natal.
• Chegamos à terra prometida.

capítulo 1 • 45
b) Pronomes possessivos

O uso do artigo antes dos pronomes possessivos fica a critério de quem escreve.
Daí a possibilidade de ser facultativo o emprego da crase.

•  A minha viagem é certa. • Referiu-se à minha viagem.

•  Minha viagem é certa. • Referiu-se a minha viagem.

•  As minhas colegas vêm. •  Fiz um apelo às minhas colegas.

•  Minhas colegas vêm. •  Fiz um apelo a minhas colegas.

Observação: Ocorrendo a elipse do substantivo, o a será obrigatoriamente acentuado.

•  Ele se referia à desgraça do amigo e não à sua.


•  Eu fui à formatura dele, mas ele não compareceu à minha.

É, também, facultativo o fenômeno da crase, antes de pronomes possessi-


vos femininos, mesmo seguidos de nomes de parentesco.

• Recorri a minha mãe.


•  Peço desculpas a sua irmã.
•  Fizemos uma visita a nossa tia.
•  Nunca saio satisfeito das visitas que faço a minha mãe.
•  Arrependi-me de ter falado a minha prima.

c) Numerais

Antes de numerais cardinais, referentes a substantivos não determinados pelo


artigo, não há crase:

•  Chanceler inicia visita a oito países africanos.


• Assisti a duas sessões (ou a uma só sessão).
•  A fazenda ficava a três léguas da cidade.
• Daqui a quatro semanas tudo terá mudado.
•  O número de candidatas aprovadas não chega a vinte.

46 • capítulo 1
Observação: Usa-se, porém, o acento grave nas locuções adverbiais que exprimem hora
determinada e nos casos em que o numeral estiver precedido de artigo, pois há crase.

• Chegamos às oito horas da noite.


• Assisti às duas sessões de ontem.
•  Entregaram-se os prêmios às três alunas vencedoras.
•  A aula começa sempre às 7h.
•  A reunião será às 10h.
•  A sessão só começará às 17h.
•  A próxima reunião será à uma hora da tarde.

Observação: Se houver a presença de outra preposição, significa que não há a preposi-


ção a, logo não haverá crase.

•  Após as 18h, o leilão será encerrado.


•  Romário fez o gol com a mão.
•  A reunião ficou para as 16h.
•  Ele teve de comparecer perante a justiça.
•  Ele ficará aqui até as 18h. (facultativo)

d) Palavras masculinas

Só ocorre o fenômeno da crase diante de palavras masculinas, quando, antes


delas estiverem em elipse as expressões moda de, maneira de ou estilo de:

• Calçados à Luís XV.


• Cabelos à Sansão.
• Estilo à Machado de Assis.
•  Magníficas perucas à Luís XIV.
• Bife à milanesa.
• Filé à francesa.

e) Nomes próprios

Facultativo é também, na linguagem familiar, o uso do artigo diante de nomes


próprios personativos:

capítulo 1 • 47
•  Mandamos um convite à (ou a) Antonella.
• Escrevi à (ou a) Solange.
•  Entreguei a carta à (ou a) Maria Teresa.

Observação: Haverá crase, se o nome vier acompanhado de um termo determinante (de


um adjunto).

• Refiro-me à Epitácia do Dr. Leite.


•  À querida Neida (nas dedicatórias).

Antes de nomes próprios (pessoa célebre ou lugar) que repelem o artigo,


não ocorrerá a crase:

• Rezo a Nossa Senhora.


•  Dedicaram templos a Minerva e a Júpiter.
•  O guerreiro falou a Iracema.
•  O historiador referiu-se a Joana d’Arc.
•  Fiz uma promessa a Santa Teresinha.
•  Iremos a Curitiba e depois a Londrina.
• Fomos a Paquetá.

Observação: Haverá crase quando o nome próprio admitir o artigo ou vier acompanhado
de adjetivo ou locução adjetiva.

• Fomos à Bahia.
• Chegamos à Argentina.
• Referiu-se à Roma dos Césares.
• Cheguei à histórica Ouro Preto.

Observação: Não se emprega o artigo diante de nomes próprios quando os adjetivos


São, Santo ou Santa aparecem como parte integrante do nome.

•  Santa Bárbara sempre foi invocada nas horas de tempestade.

48 • capítulo 1
RESUMO
Há ocorrência da crase:
•  Quando se pode trocar o a por ao;
•  Antes da palavra casa, quando especificada;
•  Antes da palavra terra — no sentido de “terra natal” (no sentido de chão não haverá crase);
•  Antes da palavra distância — só quando determinada;
•  Diante de palavra feminina subentendida — ocorrendo troca de a por ao;
•  Antes de aquele, aquela, aquilo trocados por ao;
•  Antes de localidade, na troca de a por da ou na, e ainda para a.

NÃO ocorre o fenômeno da crase:


•  Antes de palavra masculina;
•  O a no singular seguido de palavra no plural;
•  Antes de pronome de tratamento;
•  Depois das preposições para, ante, perante, após, sob, entre, contra;
•  Nas locuções formadas por palavras repetidas (cara a cara, frente a frente, costa a costa
e outras);
•  Com o pronome relativo cuja e flexões;
•  Com o pronome relativo quem;
•  Com pronome relativo que, quando o a que o precede for antes uma preposição;
•  A pessoa a que me refiro estuda nesta Instituição;
•  Quando a preposição a estiver precedida por outra preposição.

Crase é facultativa
•  Antes de pronome possessivo (minha, sua);
•  Antes de nomes próprios femininos.

MULTIMÍDIA
Para assistir
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&-
co_obra=20722, acessado em 18 de abril de 2015

capítulo 1 • 49
8  Os sinais de pontuação no português

Comentário ouvido num bonde


Que moça culta, a Maria Eduarda: usa ponto e vírgula!
Mário Quintana

A pontuação tem um papel muito importante no sentido de expressar o pen-


samento do escritor ou produtor de texto e, por conseguinte, orientar o leitor
durante o processo de leitura.
Embora os sinais de pontuação tenham surgido com a função primor-
dial de “indicar pausas para respirar”, durante a leitura em voz alta, isto é,
durante a oralização dos textos, não podem mais ser considerados desse
modo, constituindo-se, na realidade, recursos linguísticos necessários à
construção da textualidade.
A pontuação não deve ser relacionada apenas à respiração, conforme foi
aprendido com os nossos antigos Mestres, pois, se assim o fosse, o candidato a
um concurso público, após ter subido vários degraus ou lances de uma escada,
ao receber a prova, não acertaria qualquer questão versando sobre esse tema,
porque a pontuação seria bem diferente, devido à sua respiração ofegante.
Se o candidato estivesse resfriado, apresentaria outra totalmente distinta;
se tivesse fôlego de mergulhador, mataria o corretor de seu texto de infarto, ao
final da leitura, pois ele leria direto até o final do texto sem encontrar sinal al-
gum de pontuação.
Se tivesse dispneia, quer dizer, insuficiência respiratória aguda, também
apresentaria outra forma de pontuar, e a leitura seria um desastre, na base do
“soluço”, pois, com certeza, usaria uma vírgula após outra.
É inquestionável, portanto, que a pontuação é de natureza racional, sintáti-
ca e até semântica, em alguns casos especiais.
Como a pontuação também é de ordem sintática atua no sentido de unir e
separar partes do discurso, realizando junções, disjunções, inclusões, exclusões,
dependências e hierarquizações no âmbito da organização do texto escrito, auxi-
liando o leitor a perceber as relações entre as partes do texto que o compõem e,
desse modo, reconhecer que a pontuação é um grande recurso coesivo textual.
Atualmente, firma-se que, entre os instrumentos que a língua dispõe a
todos aqueles que dela fazem uso, encontra-se a pontuação, que é funda-

50 • capítulo 1
mental para que o efeito do sentido se faça coerentemente compreensível:
“Pontuar bem é ter visão clara da estrutura do pensamento e da frase”. “Pon-
tuar bem é governar as rédeas da frase”. “Pontuar bem é ter ordem no pen-
sar e na expressão”.
Para estudar a pontuação da Língua Portuguesa, é importante observar a
organização mais usual das sentenças. Geralmente, os enunciados seguem cer-
ta sequência – chamada ordem direta –, que se inicia com o sujeito, seguido
de verbo, de complementos e, finalmente, de expressões adverbiais (sujeito +
verbo + o restante).
Segundo Bechara (1999, p. 581-582), dentre os casos de colocação usual ou
normal (ordem direta), em português sobressaem-se os seguintes:

colocação do adjunto preposicionado depois do seu substantivo (O carro de


A Paulo.);

B colocação do adjunto adjetivo depois do seu substantivo (Homem rico.);

colocação do adjunto não representado por adjetivo (artigo, pronome adjunto,


C quantificadores) antes do substantivo (a mulher generosa, minha tia rica, sete
pecados capitais, muitos livros raros);

D colocação do verbo depois do sujeito (Paulo mudou de colégio.);

E colocação do complemento verbal depois do verbo (Assistiram à peça teatral.);

colocação do objeto direto antes do indireto, quando constituídos por substan-


F tivos (Escreveram cartas à família de Lílian Telles).

colocação do objeto indireto antes do direto, quando constituídos por pronomes ou


G o direto por substantivos (Escreveram-lhe cartas. / Escreveram-lhas [= lhe + as]).

capítulo 1 • 51
8.1  Uso dos sinais de pontuação

8.1.1  A vírgula
A vírgula serve apenas para separar os termos de uma oração ou as orações de
um período assim como os elementos frasais deslocados. A ordem normal dos
termos na frase é sujeito + verbo + complemento (o restante). Quando há uma
frase nessa ordem, não se separam seus termos imediatos.
Ressalta-se que não pode haver vírgula entre o sujeito e o verbo, e o verbo e
o seu complemento, nem entre o nome e seu complemento nominal.
As palavras em sua posição natural não precisam de vírgula, ou seja, não se
coloca vírgula entre sujeito e verbo, entre verbo e complementos – desde que
atendam ao requisito da sequência natural sem intercalações ou deslocamentos.
O preceito básico é usar a vírgula somente onde haja uma quebra da estru-
tura lógica da frase, porque a vírgula marca justamente um deslocamento de
palavras ou orações da sua ordem normal, ou uma quebra, uma interrupção do
pensamento, que é o caso das duas vírgulas que marcam as intercalações.

Emprego da vírgula
Utiliza-se a vírgula nos casos descritos a seguir.

1.  Para separar o adjunto adverbial deslocado.

Um dia, na fronteira, um homem lutador levantou a nossa bandeira.


No Oriente, as mulheres curvam-se na presença dos homens. No Ocidente, é o inverso.

A decisão de deslocar o adjunto adverbial ou oração subordinada adverbial


para o início da frase tem, geralmente, a finalidade de definir um pano de fundo
antes de apresentar a ideia principal. Nem sempre o deslocamento do adjunto
adverbial será usado como recurso estilístico, pois, em determinadas situações,
o deslocamento é necessário para desfazer as frequentes ambiguidades textuais.

2.  Para separar complementos verbais ou nominais que foram deslocados


para o início da oração.

De sua terra natal, ela sente saudades.


Uma dor pavorosa, Paulo sentiu quando quebrou a braço.

52 • capítulo 1
3.  Quando os sujeitos forem diferentes ou quando o e aparecer repetido.

Eles sairão de férias, e eu tomarei conta do sítio.


Trabalhava, e estudava, e tomava conta dos pais.

4.  Para separar orações interferentes, justapostas ou intercaladas, que são


aquelas que aparecem no período de maneira independente, a fim de ofere-
cer um esclarecimento, uma citação ou um comentário.

Irei à praia, disse Antônio Tito, quando ninguém mais esperava.


O ladrão, perguntei eu, foi preso ou não?

Toda inserção na frase básica deve ser indicada ao leitor por meio de algu-
ma forma de pontuação; portanto, no caso de intercalações, devem-se usar vír-
gulas, travessões, parênteses ou colchetes, sinais esses que marcam uma espé-
cie de gradação natural, dando mais rapidez e organização à leitura.

5.  Para indicar, às vezes, a elipse de um verbo.

Maria Antônia deu a todos os seus primos um presente no Dia das Crianças; ao seu
irmão, apenas um beijo.

Há elipse quando se omite um termo ou oração que facilmente se pode identificar ou


subentender no contexto. Pode ocorrer na supressão de pronomes, conjunções, pre-
posições ou verbos.

6.  Para isolar expressões corretivas, continuação, conclusão, concessão e ex-


plicativas, como: isto é, a saber, por exemplo, ou seja, aliás, digo, ou melhor e
outras similares.

O ministro afirmou, aliás, que não haverá aumento de impostos durante o seu governo.

Neste caso, como se vê, além dos componentes básicos da frase – sujeito,
verbo, objeto direto, objeto indireto e adjunto adverbial –, há outros elementos,
geralmente, com função persuasiva, que são adicionados depois que a frase bá-
sica está completa e que, portanto, sempre virão separados por vírgulas.

capítulo 1 • 53
7.  Para separar os elementos paralelos de um provérbio.

Mocidade ociosa, velhice vergonhosa.


Um dia é da caça, outro é do caçador.

8.  Para separar elementos coordenados de uma mesma classe ou função


sintática.

Comprei um livro, um caderno, um lápis e um dicionário.

Observação: Na série de sujeitos seguidos imediatamente de verbo, o último sujeito da


série não é separado do verbo por vírgula.

Teus irmãos, tu e eu tomaremos a decisão.

9.  As demais conjunções (porém, entretanto, contudo, no entanto dentre ou-


tras) devem ser antecedidas por vírgula e, se deslocadas para o meio da ora-
ção, ficam, neste caso, isoladas por duas vírgulas:

O assunto, porém, já estava esquecido.


Há aqueles que se esforçam muito, contudo nunca são premiados.

10.  Para separar nome de lugar nas datações e endereços.

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2014.

11.  Para separar ou intercalar vocativos:

Não tenho como terminar o livro, Tereza.


Você é incontrolável, Lívia.

O vocativo é o único termo isolado dentro da oração, pois não se liga ao ver-
bo nem ao nome; portanto, não faz parte do sujeito nem do predicado. A função
do vocativo é chamar ou interpelar o elemento a que se está dirigindo.
O vocativo é sempre marcado por sinal de pontuação (vírgula ou entre vírgulas).

54 • capítulo 1
12. Para separar ou intercalar apostos:

Vitória, capital do Espírito Santo, é uma ilha que possui belas praias.

CONCEITO
Aposto
O aposto é um termo que amplia, explica, desenvolve ou resume o conteúdo de outro termo.
Nem sempre o aposto é separado do termo a que se refere por vírgulas; podem ser utilizados
também travessões ou dois pontos.

O promotor fez sua proposta: que você passe a trabalhar em obras sociais. (Oração subordi-
nada substantiva apositiva)

A obra de Euclides da Cunha — sobretudo Os Sertões — entrou para a História. (aposto)

13.  O aposto especificativo, diferentemente dos demais tipos, não pode vir
marcado por sinais de pontuação (dois pontos, travessões ou vírgulas).

Gosto do poeta Carlos Drummond de Andrade.


Gosto da cidade de Natal.

14. O conector pois pode ser inserido na frase de duas formas, e isso acar-
retará classificações distintas. Quando vier no início da oração que introduz
será antecedido de vírgula (explicativo); mas se estiver deslocado, virá sempre
entre vírgulas (conclusivo), equivalente, nesse caso, a portanto:

Cumprimente-o, pois hoje é o seu aniversário.


O relógio é de ouro; não enferruja, pois.
A situação econômica é delicada; devemos, pois, agir cuidadosamente.

capítulo 1 • 55
8.1.2  O ponto e vírgula

O ponto e vírgula denota que o período não se encontra encerrado totalmen-


te, mas que também não pertence à oração anterior, evitando-se fragmentar as
partes do período em nome da clareza e buscando um emprego coesivo com
melhor qualidade.

1.  Usa-se o ponto e vírgula, a depender do contexto, não só para alongar a


coesão do período, mas também para atribuir mais clareza ao texto quando
se tratar de enumerações complexas, facilitando, assim, a leitura e a compre-
ensão do texto.

a)  Um traz água pura, fonte de vida; o outro leva embora dejetos pútridos.
b)  Assim, os livros ficam proibidos; a população, mais ignorante; os editores, cautelosos
na seleção do que publicar.

2.  O ponto e vírgula separa orações coordenadas extensas.

a)  Era incrível a variedade dos adornos; contudo, a pessoa não gostou de nenhum.
b)  As doses eram diminutas; tinham, portanto, de aguardar longo prazo pelo efeito.
c)  A natureza das relações sociais constitui a base do desenvolvimento das capacida-
des humanas; logo, das qualificações.
d)  Mas a curiosidade por Roma é eterna; por isso a vanguarda da arqueologia mudou.

3. O ponto e vírgula é usado, inclusive, para separar parágrafos e sequência enu-


merativa, como decretos, leis, portarias, regulamentos ou outro documento:

Há feitos, porém, que têm curso normal no período de férias, isto é, processam-se duran-
te as férias e não se suspendem, como os demais pela superveniência delas. Acham-se
eles enumerados pelo artigo 174 do Código de Processo Civil e são os seguintes:

I.  os atos de jurisdição voluntária bem como os necessários à conservação de direitos,


quando possam ser prejudicados pelo adiamento;
II.  as causas de alimentos provisionais, de dação ou remoção de tutores e curadores,
bem como as mencionadas no art. 275;
III.  todas as causas que a lei federal determinar.

56 • capítulo 1
Em linhas gerais, quando os itens enumerados forem relativamente sim-
ples, as vírgulas serão suficientes para separá-los; mas se houver frases com-
pletas ou elementos simples misturados com apostos, em uma estrutura mais
complexa, o ponto e vírgula é mais aconselhável para tornar clara a divisão.

8.1.3  Os dois pontos

Os dois pontos apresentam uma função bastante própria: a da enunciação;


aparecem em frases não concluídas com o objetivo de organizar e separar as
partes componentes do período.

Usam-se dois pontos:

1.  Antes de uma citação:

Gregório de Matos Guerra criticou asperamente a Justiça de seu tempo:


Que falta nesta cidade?
Verdade
Que mais por sua desonra
Honra
Falta mais que se lhe ponha
Vergonha. [...]

2.  Antes de uma enumeração:

Os convidados da festa que já chegaram são estes: Júlia, Renata, Paulo e Antônio.

Observação: São os dois pontos o sinal de pontuação preferível após o vocativo que
encabeça ou inicia uma carta, requerimento, ofício (quando menos por motivos estéti-
cos, já que acaba uma linha, e a seguinte começa com inicial maiúscula), embora muitos
empreguem vírgula, ponto de exclamação, ponto, ou mesmo dispensem qualquer sinal:

Caros amigos:
Prezados Senhores:
Senhor Diretor:

capítulo 1 • 57
8.1.4  O ponto final

O ponto simples final serve para encerrar períodos que terminem por qualquer
tipo de oração que não seja a interrogativa direta, a exclamativa e as reticências.
É empregado, ainda, para acompanhar muitas palavras abreviadas. Com frequ-
ência, aproxima-se das funções do ponto e vírgula e do travessão, que, às vezes,
aparecem em seu lugar.

“Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar
amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado”.
(A carteira, Machado de Assis)

8.1.5  O ponto parágrafo

Um grupo de períodos cujas orações se prendem pelo mesmo centro de interes-


se é separado por ponto. Quando se passa de um para outro centro de interesse,
impõe-se a obrigatoriedade do emprego do ponto parágrafo iniciando-se a es-
crever, na outra linha, com a mesma distância da margem com que foi come-
çado o escrito.

“A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos;


por desgraça perdera ultimamente um processo, em que fundara grandes esperanças.
Não só recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma coisa à reputação jurí-
dica; em todo caso, andavam mofinas nos jornais.

D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios.
Não contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de
prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou
duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música
alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava com indi-
zível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política.”

(A carteira, Machado de Assis)

58 • capítulo 1
8.1.6  O ponto de exclamação

É importante recurso para dar expressividade à leitura e à escrita além de ser


responsável pela variação melódica que se imprime à voz. Põe-se no fim da ora-
ção enunciada com entonação exclamativa.
Funções desse sinal de pontuação:

1. Para indicar, dependendo da intenção da mensagem, surpresa, espanto,


animação, alegria, ironia, dor, além de acompanhar as interjeições e intensi-
ficar as mensagens imperativas:

a) Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora e uma voz que bradava:
“Missa do Galo! Missa do Galo!” (Machado de Assis)
b) – Viva o meu príncipe! Sim, senhor... Eis aqui um comedouro muito compreensível e
muito repousante, Jacinto!
– Então janta, homem! (Eça de Queiroz)

2. Pode ser associado ao ponto de interrogação para indicar uma atitude de


surpresa ou uma expectativa diante de algum fato, com ausência de resposta:

“– Que é que a gente podia fazer?!”

3. Algumas vezes aparece nas exclamações que contêm certo tom interrogativo:

– “Que faremos com os mortos!”

8.1.7  O ponto de interrogação

O uso do ponto de interrogação implica uma inflexão de voz bem característica


quando se lê o texto em que ele aparece ou mesmo quando ao suscitar dúvida
ou expectativa nas interrogações diretas. Normalmente é usado para indicar in-
terrogações diretas – típicas dos diálogos – e nas interrogações indiretas livres
– fusão das linguagens do narrador e personagem.

capítulo 1 • 59
Enquanto a interrogação conclusa final de enunciado requer maiúscula
inicial da palavra seguinte, a interrogação interna, quase sempre fictícia, não
exige essa inicial maiúscula da palavra seguinte:

“– Esqueceu-se alguma coisa? perguntou Marcela de pé, no patamar”. (M.A.)

Usa-se o ponto de interrogação:

1. Quando o período pede uma resposta:

“O criado pediu licença para entrar:


– O senhor não precisa de mim?
– Não obrigado. A que horas janta-se?
– Às cinco, se o senhor não der outra ordem.
– Bem.
– O senhor sai a passeio depois do jantar? de carro ou a cavalo?
– Não”.
(Senhora, José de Alencar)

2. Geralmente depois do advérbio não, quando se deseja confirmar uma ideia:

a) Esse filho é seu mesmo, não?


b) Dia três é o aniversário de mamãe, não?

3. Para indicar dúvidas, expressas no interior da narrativa, referentes a ideias


já apresentadas:

Egídio Joia, presidente do Clube Comercial, tenta, em vão?, defender a Baixada


Fluminense.

8.1.8  As reticências

Usadas com o propósito da sugestão, as reticências dizem respeito à natureza


emocional do escritor que intenta tocar a imaginação do leitor com a interrup-
ção violenta ou suave em determinado pensamento.

60 • capítulo 1
São empregadas para:

1. Indicar a supressão de pensamento ou suspensão do sentido da frase:

És tu que tens um primo que na loja...

2. Indicar hesitações naturais do falante, sugerindo ironia, alegria, distância,


surpresa, dúvida, ameaça, sonho, melancolia, receio, censura; as partes omi-
tidas em uma citação; pausas propositadas para explorar o poder de sugestão
de uma ideia, atribuindo-lhe mais ênfase:

“– D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...” (Missa do Galo, Machado de Assis)

3. Quando forem reticências iniciais, indicam que se omitiu parte do texto.


Nesse caso devem vir entre colchetes:

“[...] Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-


me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era
apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima.” (Machado de Assis)

4. Salientar os silêncios em uma situação de diálogo, nas narrativas.

“– De barbeiro? A senhora nunca foi à casa de barbeiro...” (Missa do Galo, Machado de Assis)

8.1.9  As aspas

As aspas, também conhecidas por vírgulas dobradas (às vezes em forma de


cunhas), são sinais com que, normalmente, se abrem e fecham citações.
As palavras e as expressões estrangeiras, de igual modo, devem vir entre as-
pas, permitindo-se também explicitar tal circunstância com o uso de grifo equi-
valente, sublinha, itálico ou negrito:

capítulo 1 • 61
“[...] O voltarete, o dominó e o ‘whist’ são remédios aprovados. O ‘whist’ tem até a rara
vantagem de acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspecção.
Não digo o mesmo da natação, da equitação e da ginástica, embora elas façam re-
pousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fazem repousar, restituem-lhe as forças
e a atividade perdidas. O bilhar é excelente”. (Teoria do Medalhão, Machado de Assis)

8.1.10  Os parênteses

Os parênteses são empregados para isolar, em algum momento do texto, pa-


lavras, locuções ou frases intercaladas no período com caráter explicativo ou
acessório.

“Um gaiato anônimo, que sempre os há, comentou (e a piada se espalhou pela cida-
de) que só faltavam ao arranjo floral alguns cravos-de-defunto”.

8.1.11  O travessão

Não pode ser confundido com o hífen, já que é um traço maior. Pode também
funcionar como um importante recurso expressivo, no caso de se querer dar
ênfase a certa expressão ou palavra especial. É o sinal do diálogo.
Dos sinais de pontuação, o travessão é um dos mais requisitados atualmen-
te, pelo fato de proporcionar mais clareza do que as vírgulas nas intercalações
longas e maior ênfase nos destaques. Travessões substituem e são substituíveis
por dois pontos, parênteses ou duas vírgulas, dependendo do caso.

Emprega-se um só travessão:

Para indicar mudança de interlocutor nos diálogos (discurso direto):

Transcreve-se, como exemplo, o centro da teoria do “humanitismo” — “Ao vencedor


as batatas” —, o momento em que Quincas Borba defende o caráter benéfico da
guerra, como “seleção natural” do mais forte:

62 • capítulo 1
“— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas,
pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida,
porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não
atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra.”
(Quincas Borba, Machado de Assis)

RESUMO
A pontuação aparece sempre em posições que indicam fronteiras sintático-semânticas; aliás,
é principalmente para isso que ela serve, ou seja, para separar termos deslocados, evitando
sentidos confusos, incoerentes e ambiguidades.

Há mais de uma possibilidade de pontuar um texto; daí muitos gramáticos apresentarem-na


como “a arte de dividir, por meio de sinais gráficos, as partes do discurso que não têm entre si
ligação íntima, e de mostrar do modo mais claro as relações que existem entre essas partes”.

9  Qualidades da comunicação escrita:


clareza, concisão, adequação vocabular e
correção gramatical
Para que se estabeleça um processo de comunicação eficaz é imprescindível
que a redação do texto possua certas qualidades básicas, como clareza; conci-
são; adequação vocabular; correção gramatical.

9.1  Clareza: palavras simples e ordem direta

Em nome da clareza deve-se fazer uso de palavras simples e conhecidas, porque


as palavras de uso corrente são de mais fácil entendimento. O texto escrito com
palavras conhecidas é mais transparente e legível; ao contrário, do texto que
tem palavras difíceis porque se torna confuso, de difícil entendimento.
É importante o leitor entender o que o texto quer passar instantanea-
mente; isso faz com que ele continue a leitura até o final.

capítulo 1 • 63
Devem-se usar também as palavras no seu sentido denotativo, respeitan-
do as acepções registradas em nossos dicionários, evitando-se palavras em
sentido figurado.
Não se pode confundir simplicidade com vulgarismo, logo palavras e ex-
pressões populares ou chulas são inadequadas ao texto escrito.
Além disso, devem-se explicitar com clareza os elementos centrais do texto.
A presença de passagens ambíguas frequentemente provoca dificuldades
de compreensão de um texto e deve ser evitada.
A interpretação ambígua pode ser desencadeada pelo uso de uma palavra
que não permite identificação precisa de seu referente no texto. É o caso, por
exemplo, do uso indevido do pronome relativo. Não é incomum o resultado de
um mau uso desse pronome gerar interpretações problemáticas.
Assim como, deve-se evitar também a construção de orações intercaladas,
porque alongam a frase e separam palavras que se complementam, dificultan-
do o entendimento do texto.
As intercalações aceitáveis são sempre curtas e esclarecedoras, como neste
exemplo: A crise financeira internacional, que já demitiu milhares de trabalha-
dores em todo o mundo, perde força.

CONCEITO
Sentido literal (ou denotativo)
É o significado referencial, “básico” das palavras, expressões e enunciados da língua.

Sentido figurado (ou conotativo)


É aquele que as palavras, as expressões e os enunciados adquirem em situações particulares
de uso, quando o contexto exige que o falante/leitor perceba que o sentido literal foi modifi-
cado, e as palavras e as expressões ganham um novo significado ou sentido.

Ambiguidade
É a indeterminação de sentido que certas palavras ou expressões apresentam, dificultando
a compreensão do enunciado.

64 • capítulo 1
9.1.1  • Ordem direta: sujeito + verbo + o restante

Em nome da clareza, deve-se fazer uso da ordem direta, ou seja, o sujeito deve
ser colocado antes do predicado e a oração principal antes da subordinada,
pois as informações mais importantes devem vir no início da frase.
Deve-se priorizar a construção da voz ativa porque ela dinamiza, acelera a
leitura, facilitando mais a compreensão, diferentemente do que ocorre na voz
da passiva, que alonga o texto e dificulta o entendimento.
Observe: “Governo anuncia pacote de medidas” (voz ativa) e “Pacote de me-
didas é anunciado pelo Governo” (voz passiva). É perfeitamente perceptível a
clareza e a dinamicidade dada ao enunciado no primeiro exemplo.
Construir uma frase invertendo a posição natural dos termos não é erro,
mas dificulta a leitura. Logo, se hoje o objetivo principal é a clareza da frase
ou do enunciado, é preferível o uso de frases curtas, em ordem direta (sujeito +
verbo + o restante).

CONCEITO
Voz passiva
É a estrutura sintática em que o sujeito é o paciente do processo expresso pelo verbo, ou
melhor, em que esse sujeito sintático sofre a ação verbal.

Voz passiva analítica


É expressa por meio de uma locução verbal formada pelo verbo ser + particípio passado do
verbo principal.

Agente da passiva
É o termo que exprime, nas estruturas da voz passiva analítica, o agente da ação verbal, so-
frida pelo sujeito da oração.

9.1.2  Períodos curtos ou frases curtas

Os períodos curtos são mais fáceis de ler e não cansam, enquanto o perío-
do longo é exaustivo e complicado. Alguns períodos, de tão longos se tornam

capítulo 1 • 65
ininteligíveis. O leitor tem que reler, voltando atrás para entender a ideia cen-
tral do texto, o que pode fazê-lo desistir da leitura.

9.2  Concisão

Ser conciso é dizer o necessário com o mínimo de palavras. É ser objetivo e direto.
Concisão é, pois, antônimo de prolixidade (escrever o desnecessário)
Em nome da concisão, deve-se evitar: repetição de palavras, redundâncias e
o desnecessário.
A concisão consiste em apresentar um texto que consegue transmitir um
máximo de informações com um mínimo de palavras. Ser conciso, no entanto,
não significa que se vá eliminar passagens substanciais do texto, no intuito de
reduzi-lo em tamanho.
Trata-se, exclusivamente, de evitar os circunlóquios ou perífrases, as pala-
vras inúteis, redundâncias ou pleonasmos, passagens que nada acrescentam
ao que já foi dito.
Alguns pleonasmos são considerados, inclusive, vícios de linguagem,
por isso devem ser evitados, pois representam má qualidade na escrita. Eles
ocorrem sempre que a ideia repetida informa uma obviedade e não desempe-
nha qualquer função expressiva no enunciado. Exemplos comuns de pleonas-
mo viciosos são as expressões subir para cima, descer para baixo, entrar para
dentro, sair para fora, ser o principal protagonista, evidências concretas.
Acrescenta-se, ainda, que se devem priorizar sempre as palavras com o
menor número possível de sílabas em busca de um texto mais enxuto, conciso.
O estilo deve ser o mais objetivo possível (impessoal), evitando-se o
subjetivismo (marcas pessoais) e tudo o que possa dificultar a progressão do
pensamento.
Analise este exemplo:

“É uma triste realidade – tradicional e costumeira – que a diversão popular (e ela abran-
ge várias modalidades circunscritas a épocas ou regiões diversas) geralmente é ofe-
recida ao povo (podemos remontar à Roma Antiga), visando não ao objetivo precípuo
da diversão – dar lazer a quem dele necessite –, mas sim visando a uma alienação dos
seres pensantes em relação à situação política vigente, a fim de que eles não pensem
na fome, na miséria e na injustiça, suas companheiras de infortúnio e dor. ”

66 • capítulo 1
Percebe-se que o texto acima é prolixo, trazendo muitas informações desne-
cessárias, dificultando o entendimento textual. A prolixidade é uma caracterís-
tica muito negativa no texto escrito, deve, pois, ser evitada.
Apresentando apenas as informações essenciais, o parágrafo poderia ser
reescrito da seguinte forma: “A diversão oferecida ao povo visa, em geral, à alie-
nação política.”

9.3  Adequação vocabular

Muitas palavras podem assumir significados diferentes segundo o contexto. É


como dizia Carlos Drummond de Andrade em Procura da poesia: “cada uma (a
palavra) tem mil faces sob a face neutra”. Isso quer dizer que por meio do con-
texto pode-se atribuir significados diferentes a uma mesma palavra.
Agostinho Dias Carneiro (2001, p. 66) descreve seis critérios de adequação
vocabular, listados a seguir:

9.3.1  A adequação ao referente

Esse critério baseia-se na utilização de vocábulos gerais em frente a vocábulos


específicos. O exemplo que o autor dá é a palavra ver, que tem emprego mais
amplo que observar, contemplar, distinguir, espiar, fitar.
Ao se dizer, por exemplo, “Paulo estava muito triste com a separação, por isso,
foi à praia, sentou-se na areia e viu o sol.” certamente causar-se-á estranhamento
no interlocutor. Mas se se disser “Pedro estava muito triste com a separação, por
isso foi à praia, sentou-se na areia e contemplou o sol.”, não haverá nenhum pro-
blema na comunicação, pois houve adequação quanto ao uso do vocábulo.

9.3.2  Adequação ao ponto de vista

Aqui serão levados em consideração os vocábulos positivos, neutros e negativos.


Em “Você me deu um café gelado”, a palavra gelado assume valor negativo.
Assume valor positivo, entretanto, em “Depois do trabalho vamos tomar uma
cerveja gelada?”

capítulo 1 • 67
9.3.3  Adequação aos interlocutores

Há, nesse critério, quatro tipos de seleção vocabular: quanto à atividade pro-
fissional, com o uso dos jargões; quanto à imagem social de um dos interlocu-
tores, ou seja, um chefe de Estado se expressa como o que se espera de alguém
que ocupa tal cargo; quanto à idade, com o uso de vocábulos modernos (lumi-
nária) ou antigos (abajur), ou quanto à origem dos interlocutores, com empre-
go do vocábulo regional (piá – criança).

9.3.4  Adequação à situação de comunicação

Refere-se, esse critério, ao uso de vocábulos formais ou informais e ainda aos


estrangeirismos.
Lembrando que palavras estrangeiras devem ser grafadas entre aspas nas
redações e só devem ser usadas quando necessárias, ou melhor, quando forem
importantes para o entendimento; em uma situação de estilo, ou quando não
houver palavra equivalente na Língua Portuguesa.

9.3.5  Adequação ao código

É relevante, para esse critério, a correção não só ortográfica, mas também se-
mântica, respeitando os significados dicionarizados.

9.3.6  Adequação ao contexto

As situações textuais revelam-se nas relações desenvolvidas entre as palavras do


texto. Por exemplo:

se há relação de causa e consequência – tropeçar/cair;

se há relação de finalidade – livro/estudar;

se há relação de parte e todo – rei/xadrez;

se há relação de sinonímia – aroma/perfume;

68 • capítulo 1
se há relação de antonímia – entrar/sair;

se há relação de unidade e coletivo – livro/biblioteca;

se há relação de objeto e ação – cadeira/sentar e

se há relação simbólica – pomba/paz.

O uso do vocábulo fora de um desses critérios e, até mesmo em critério ina-


dequado à situação, será erro.

CURIOSIDADE
A linguagem falada não é um elemento fixo e imutável. Ao contrário, reflete mudanças do
meio social. Vem se transformando por meio dos tempos e – o mais notável – pode mudar,
dentro de uma mesma época, de acordo com as circunstâncias sociais.

MULTIMÍDIA
Para ler e ouvir
Ouça e leia agora o texto Antigamente, de Carlos Drummond de Andrade, que viveu no
século XX (1902-1987), neste site: http://dominiopublico.mec.gov.br/pesquisa/DetalheO-
braForm.do?select_action=&co_obra=86732

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito


prendadas. Não fazia manos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas,
mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam
longos meses debaixo do balaio. E, se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da
chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era
para tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para
colher maduro e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que,
nesses entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam al-
guém que lhes passavam a manta e azulava dando às de vila-diogo. Os mais idosos,

capítulo 1 • 69
depois da janta, faziam o quilo, saindo pra tomar a fresca; e também tomavam cautela
de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao
cinematógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam andar de aeroplano; os quais,
de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira
que dessem com os burros n’água.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. “Antigamente”. In: Seleta em prosa e verso. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1971. p. 3)

9.4  Correção gramatical

Devem-se produzir textos na modalidade culta da língua, com competência lin-


guística, obedecendo rigorosamente às normas gramaticais, estabelecidas pela
nossa Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), de ortografia, acentuação,
concordância, regência, crase, pontuação, sintaxe, dentre outras.

RESUMO
Um texto coeso, coerente, conciso, correto linguisticamente e com uma boa seleção de pala-
vras é, em geral, elegante. E a elegância de um texto escrito não está em seu rebuscamento
ou dimensão, mas em sua simplicidade, adequação vocabular e nas demais qualidades da
comunicação escrita aqui estudadas.

REFLEXÃO
E-mail
O correio eletrônico e-mail, por seu baixo custo e celeridade, transformou-se na principal for-
ma de comunicação para transmissão de documentos. O e-mail institucional já é considerado
como documento comprobatório, por essa razão deve-se também ficar atento à formalidade,
nesse tipo de comunicação, fazendo uso adequado das normas gramaticais, da modalização
da linguagem e do uso adequado dos pronomes pessoais de tratamento, não se esquecendo,
em momento algum, da obrigatoriedade do uso da modalidade culta da língua.

70 • capítulo 1
LEITURA
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry I06
O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Sanit-Exupéry, já foi traduzido em mais de 200
línguas diferentes

O Pequeno Príncipe foi escrito e ilustrado por Antoine de Saint-Exupéry um ano antes de sua
morte, em 1944. Piloto de avião, durante a Segunda Grande Guerra, o autor se fez o narrador
da história, que começa com uma aventura vivida no deserto depois de uma pane no meio do
Saara. Certa manhã, é acordado pelo Pequeno Príncipe, que lhe pede: "Desenha-me um car-
neiro"? É aí que começa o relato das fantasias de uma criança como as outras, que questiona
as coisas mais simples da vida com pureza e ingenuidade.

O principezinho havia deixado seu pequeno planeta, onde vivia apenas com uma rosa vaidosa
e orgulhosa. Em suas andanças pela galáxia, conheceu uma série de personagens inusitados
– talvez não tão inusitados para as crianças! O pequeno príncipe é uma obra aparentemente
simples, mas, apenas aparentemente. É profunda e contém todo o pensamento e a "filosofia"
de Saint-Exupéry.

Apresenta personagens plenos de simbolismos: o rei, o contador, o geômetra, a raposa, a


rosa, o adulto solitário e a serpente, dentre outros.

O pequeno príncipe vivia sozinho em um planeta do tamanho de uma casa que tinha três
vulcões, dois ativos e um extinto. Tinha também uma flor, uma formosa flor de grande beleza
e igual orgulho. Foi o orgulho da rosa que arruinou a tranquilidade do mundo do pequeno
príncipe e o levou a começar uma viagem que o trouxe finalmente à Terra, onde encontrou
diversos personagens a partir dos quais conseguiu descobrir o segredo do que é realmente
importante na vida.

É uma obra que nos mostra uma profunda mudança de valores, que ensina como nos equi-
vocamos na avaliação das coisas e das pessoas que nos rodeiam e como esses julgamentos
nos levam à solidão. Nós nos entregamos a nossas preocupações diárias, nos tornamos
adultos de forma definitiva e esquecemos a criança que fomos.

capítulo 1 • 71
CONEXÃO
Manual de Redação da Presidência da República de 2002.
Disponível neste site: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais-manual-
de-redacao-da-presidencia-da-republica, acessado em 11/9/2014.

72 • capítulo 1
2
Sintaxe de
concordância:
articulação dos
termos da oração
1  Introdução os estudo da sintaxe: frase,
oração e período

Este capítulo traz alguns conceitos fundamentais de Análise Sintática – frase,


oração e período –, bem como algumas regras gramaticais referentes à Língua
Portuguesa, para um aprimoramento da produção textual.

1.1  Noções de Sintaxe: frase, oração e período

Sintaxe é a parte da Gramática que estuda a palavra, não em si, mas em relação
às outras que com ela se unem, para exprimir o pensamento. A sintaxe, ao dis-
ciplinar as relações entre as palavras, contribui de modo fundamental para a
clareza da exposição e para a ordenação das ideias.
A sintaxe pode ser definida como o conjunto das regras que determinam as
diferentes possibilidades de associação das palavras da língua para a formação
dos enunciados. É função da sintaxe organizar a estrutura das unidades linguís-
ticas que se combinarão em sentenças.
A sintaxe considera a oração ou proposição como um todo, e as palavras que
a constituem como termos essenciais ou secundários da proposição. O que, em
análise morfológica, é substantivo, como termo de oração é sujeito ou objeto; o
que lá se classifica como verbo, por denotar ação ou estado, na oração faz papel
de predicado; o que em um caso se denomina adjetivo, no outro, atendendo à
função oracional, é o predicativo (atributo).
A sintaxe examina, assim, a estrutura do período, divide e classifica as ora-
ções que o constituem e reconhece a função sintática dos termos de cada oração.

1.1.1  O que é frase?

Frase é todo enunciado capaz de transmitir, a quem ouve ou lê, tudo o que se
pensa, quer ou sente. Pode revestir as mais variadas formas, desde a simples
palavra até o período mais complexo, elaborado segundo os padrões sintáticos
do idioma.

74 • capítulo 2
Exemplificando:

Socorro!
Sentinela, alerta!
Que horror!
As luzes da cidade estavam apagadas.

Muitas frases, mormente as que se desviam do esquema sujeito + predica-


do, só podem ser entendidas dentro do contexto (= o escrito onde figuram) e na
situação (= o ambiente, as circunstâncias) em que o falante se encontra.
Chamam-se frases nominais as que se apresentam sem o verbo, conforme
os exemplos dados anteriormente, com exceção do último, pois este apresenta
verbo (estavam).
A mesma frase pode assumir sentidos diferentes, conforme o tom em que
é proferida:

Paulo esteve aqui. (declarativa)


Paulo esteve aqui? (interrogativa)
Paulo esteve aqui! (exclamativa)

A frase é um enunciado de sentido completo com uma situação de comu-


nicação, com início e fim marcados pela entoação (na fala) ou pontuação (na
escrita). Descreve-se assim a frase como a expressão verbal de um pensamen-
to ou o enunciado capaz de estabelecer uma comunicação, para isso, deve ter
um sentido completo; e, quanto à extensão, pode ser formada por um termo ou
pela combinação de elementos.
Na escrita, a frase inicia por uma letra maiúscula e termina com sinais de
pontuação.

1.1.2  O que é oração?

A oração é a frase de estrutura sintática que apresenta, normalmente, sujeito e


predicado e, excepcionalmente, só o predicado.
Analisando apenas este exemplo: “Por que não usamos meu celular”, per-
cebe-se que se está diante de um período simples, formado apenas por uma
oração, pois só existe um único verbo (usar/usamos) nesse enunciado.

capítulo 2 • 75
Na oração, as palavras estão relacionadas entre si como partes de um conjun-
to harmônico, pois elas são os termos ou as unidades sintáticas da oração. Cada
termo da oração desempenha uma função sintática. Observe este exemplo:

EXEMPLO
O jardineiro podou as roseiras

SUJEITO PREDICADO

Os termos essenciais são o sujeito e o predicado, responsáveis pela es-


trutura básica da oração, ou seja, a oração reúne, na maioria das vezes, duas
unidades significativas entre as quais se estabelece a relação predicativa – o
sujeito e o predicado.

CONCEITO
Sujeito
O sujeito é o termo com o qual o verbo da oração concorda em número (singular ou plural)
e pessoa (1ª, 2ª, 3ª).

Predicado
Predicado é o termo da oração que faz uma predicação, isto é, uma afirmação sobre o sujeito.
No caso das orações sem sujeito, a predicação é feita genericamente. O núcleo do predicado
pode ser um verbo, um nome, ou pode ser constituído de um verbo e de um nome.

Cada um dos termos da oração apresenta uma palavra principal (geralmente


um substantivo, pronome ou verbo), que encerra a essência de sua significação.
Assim, no exemplo apresentado, as palavras jardineiro e podou são o núcleo
do sujeito e do predicado, respectivamente.
A maioria das orações apresenta um sujeito e um predicado, embora também
possam ocorrer orações sem sujeito, mas não sem predicado, já que oração se
caracteriza por ter uma palavra fundamental que é o verbo (ou sintagma verbal).
Em “Choveu durante à noite”, por exemplo, o verbo flexionado na 3ª pessoa
marca o sujeito gramatical, isto é, assinalado apenas gramaticalmente, pois
não admite sujeito.
Diz-se que o verbo é impessoal e a oração é sem sujeito. Por essa razão, enten-

76 • capítulo 2
de-se que nem mesmo o sujeito é um constituinte imprescindível da oração e,
por conseguinte, da relação predicativa, pois há aqui sujeito inexistente.
De acordo com sua importância, os termos da oração se dizem essenciais,
integrantes e acessórios.
Os termos integrantes têm a função de complementar o sentido de determi-
nados verbos e nomes. São eles: o objeto direto e o objeto indireto (complemen-
tos verbais), o complemento nominal e o agente da passiva.
Os termos acessórios modificam ou especificam outros termos, não sendo
fundamentais para a estrutura sintática das orações. São eles: o adjunto adno-
minal, o adjunto adverbial e o aposto. Sua ocorrência nas orações se justifica
por razões de ordem semântica e discursiva.
Portanto, a oração é um enunciado linguístico que apresenta uma estrutura
caracterizada, sintaticamente, pela presença obrigatória de um predicado. O
predicado é introduzido, na oração, por um verbo.
Por esse motivo se diz que toda oração precisa ter um verbo.
A frase diferencia-se, basicamente, da oração por ser constituída de sujeito
(podendo não estar em nível oracional) e predicado (obrigatório), além de inú-
meros termos e também orações.
Sintaticamente, a oração é todo enunciado construído em torno de um verbo.
Embora não haja oração sem verbo, não basta simplesmente ter verbo para ser
oração, é imprescindível que as palavras estejam relacionadas e façam sentido.

1.1.3  Período

A Gramática normativa prevê ainda outro tipo de unidade sintática que é o pe-
ríodo. O período é um enunciado de sentido completo, constituído por uma
ou mais orações. O início e o fim do período são marcados, na fala, pelo uso de
uma entoação característica e, na escrita, pelo uso de uma pontuação específi-
ca, que delimita sua extensão.
O enunciado ou período é tudo aquilo que é dito ou escrito. É uma sequên-
cia de palavras de uma língua que costuma ser delimitada por marcas formais:
na fala, pela entoação; na escrita, pela pontuação. O enunciado está sempre as-
sociado ao contexto em que é produzido.
Assim, toda a manifestação da linguagem com vistas à comunicação com
nossos semelhantes constrói-se com uma sequência de unidades linguísticas
delimitadas que se dá o nome de enunciado ou período.

capítulo 2 • 77
Tipos de períodos
O período pode ser simples (uma única oração) ou composto (mais de uma oração).
No período simples “A menina comprou uma linda boneca.” há apenas uma ora-
ção e ela é classificada como oração absoluta.
Ao se estudar a sintaxe do período composto, identifica-se o tipo de relação
(de coordenação ou de subordinação) que se estabelece entre as orações no in-
terior do período; investiga-se a natureza da relação semântica que se estabele-
ce entre as orações; e, quando o período é composto por subordinação, procu-
ra-se identificar a que termos equivalem as orações subordinadas na estrutura
da oração principal e que função elas exercem em relação a essa oração.

Período composto por coordenação


Período composto por coordenação é aquele construído por orações sintatica-
mente independentes, que se apresentam organizadas em uma sequência. Em
termos da significação, cada uma delas vale por si e o sentido do período é cons-
truído pela “soma” de todas elas.
Em “Saímos de manhã e voltamos à noite”, há um período composto forma-
do por duas orações. Essas orações são independentes, estando apenas coorde-
nadas entre si, mas sem nenhuma dependência sintática entre elas.

Período composto por subordinação


Já o período composto por subordinação é aquele constituído por uma oração
principal à qual se subordinam as demais orações, que atuam, sintaticamente,
como termos da oração principal (sujeito, objeto direto, objeto indireto, com-
plemento nominal, predicativo, aposto, agente da passiva, adjunto adnominal
e adjunto adverbial).
Em “O problema do projeto foi que ninguém previu todas as suas consequ-
ências”, o período é composto por subordinação, contendo duas orações.
Nesse período, existe apenas uma oração principal e uma subordinada
substantiva predicativa. Nota-se que a oração principal – “O problema do pro-
jeto foi (...)”– é sempre incompleta, e as orações subordinadas é que desempe-
nham a função sintática que falta na principal.

78 • capítulo 2
2  Sintaxe de concordância nominal e verbal
O conteúdo aqui apresentado sobre Sintaxe de Concordância Nominal e Verbal
faz parte de noções mais fundamentais que podem ser levadas aos alunos que
pretendem conhecer, por meio da análise sintática, a estrutura da frase, surgin-
do naturalmente conceitos como sujeito, predicado e complementos, fazendo
com que o falante perceba que essas denominações denunciam relações de fe-
nômenos sintáticos no universo da oração e do discurso.
Ao construir orações, o falante conta com a liberdade de seleção dos vocá-
bulos com que elas se vão constituir; entretanto não pode modificar a estrutura
em que eles se combinam no intercâmbio das ideias. As estruturas oracionais
obedecem a certos modelos formais que podem não ser coincidentes de uma
língua para outra, e que constituem os padrões estruturais.
As estruturas oracionais ou construções sintáticas apresentam seus proces-
sos característicos que são:

A associação dos vocábulos de acordo com a sua função sintática (Regência);

concordância dos vocábulos de acordo com certos princípios fixados na língua


B (Concordância);

ordem dos vocábulos de acordo com sua função sintática e importância na


C comunhão das ideias (Colocação).

A sintaxe se ocupa, assim, do estudo dos padrões estruturais vigentes, em de-


terminada língua, motivados pelas relações recíprocas dos termos, na oração, e
das orações no discurso. A sintaxe pode ainda estudar o emprego dos vocábulos.
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) divide a sintaxe em:

•  de regência (nominal e verbal);


•  de concordância (nominal e verbal);
•  de colocação.

Este capítulo destina-se apenas ao estudo da sintaxe de concordância no-


minal e verbal.

capítulo 2 • 79
2.1  Sintaxe de concordância nominal

A concordância é um processo utilizado pela língua para marcar formalmente


as relações de determinação ou dependência morfossintáticas existentes entre
os termos dos sintagmas no interior das orações.
Assim, a concordância nominal se estabelece entre o núcleo de um sintagma
nominal, em suas flexões de gênero (masculino ou feminino) e número (singu-
lar ou plural), e todos os termos que o determinam.
Já a concordância verbal se estabelece entre o verbo, em suas flexões de nú-
mero e pessoa e o sujeito da oração com o qual se relaciona.

2.1.1  Concordância do adjetivo com o substantivo: regras básicas

O adjetivo varia em gênero e número de acordo com o gênero e o número do


substantivo ao qual se refere.
É por essa correspondência de flexões que os dois termos se acham intrinse-
camente relacionados, mesmo quando distantes um do outro na frase:

As minhas velhas paixões acabaram esquecidas

↓ ↓ ↓ ↓ ↓

ARTIGO PRONOME ADJETIVO SUBST. VERBO ADJETIVO

ADJETIVO REFERIDO

ATENÇÃO
Os adjetivos, os pronomes adjetivos, os artigos, os numerais e os particípios concordam em
gênero e número com o núcleo do sintagma nominal que determinam, isto é, flexionam-se
em gênero e número, acompanhando as flexões do elemento substantivo (substantivo, pro-
nome ou numeral substantivo) a que se referem.

Sintagmas são unidades mínimas entre as quais se estabelecem uma relação de determi-
nação. Em uma relação sintagmática, um dos elementos modifica ou determina o outro, es-

80 • capítulo 2
pecificando-o de alguma maneira. Em “menina levada”, o elemento determinado é “menina”,
pois é o que sofre modificação, já “levada” é o elemento determinante, isto é, que modifica o
outro termo do sintagma.

Os sintagmas nominais têm por núcleo um substantivo, e os sintagmas verbais são os que
têm por núcleo um verbo (“comprei” flores).

Os substantivos são núcleos dos sintagmas nominais, funcionando, como: sujeitos, objetos
diretos, indiretos, predicativos do sujeito, predicativos do objeto, complementos nominais, ad-
juntos adnominais, adjuntos adverbiais, agentes da passiva, apostos, vocativos.

CONCEITO
Complemento nominal é o substantivo ou o pronome substantivo preposicionado que com-
pleta o sentido de um substantivo, adjetivo ou de um advérbio que tenha base nominal.

EXEMPLO
Tenho necessidade de atividades físicas.

A expressão atividades físicas é um complemento nominal porque completa o sentido do


substantivo abstrato necessidade.

2.1.2  Adjetivo/adjunto adnominal

Adjetivo antes dos substantivos

REGRA GERAL

O adjetivo concorda em gênero e número com o substantivo mais próximo, ou seja, com
o primeiro deles.

capítulo 2 • 81
•  Vivia em tranquilos bosques e montanhas.
•  Vivia em tranquilas montanhas e bosques.
•  Tinha por ela alta admiração e respeito.

Observação: Quando os substantivos são nomes próprios ou nomes de parentesco, o


adjetivo vai sempre para o plural.

•  Conheci ontem as gentis irmã e cunhada de Lívia.


•  Portugal cultua os feitos dos heróicos Diogo Cão e Bartolomeu Dias.

2.1.3  Adjetivo depois dos substantivos

Nesse caso, a concordância depende do gênero e do número dos substantivos.

1.  Se os substantivos são do mesmo gênero e do singular, o adjetivo toma o gê-


nero (masculino ou feminino) dos substantivos e, quanto ao número, vai para o
singular ou para o plural.

•  A professora estava com um vestido e um chapéu escuro.


•  A professora estava com um vestido e um chapéu escuros.

2.  Se os substantivos são de gêneros diferentes e do singular, o adjetivo pode


concordar com o substantivo mais próximo ou com os substantivos em conjun-
to, caso em que vai para o masculino plural.

•  Estudo o idioma e a literatura portuguesa.


•  A aluna estava com uma saia e um chapéu escuros.

3.  Se os substantivos são do mesmo gênero, mas de números diversos, o ad-


jetivo toma o gênero dos substantivos, e vai para o plural ou para o número do
substantivo mais próximo.

82 • capítulo 2
•  Maria Antônia comprou dois vestidos e um chapéu escuros.
•  Maria Antônia comprou dois vestidos e um chapéu escuro.

4.  Se os substantivos são de gêneros diferentes e do plural, o adjetivo vai para o


plural e para o gênero do substantivo mais próximo ou para o masculino plural.

•  Maria Antônia comprou chapéus e saias escuros.


•  Maria Antônia comprou saias e chapéus escuros.

5.  Se os substantivos são de gêneros e números diferentes, o adjetivo pode ir para


o masculino plural ou para o gênero e o número do substantivo mais próximo
(concordância que não é rara quando o último substantivo é um feminino plural).

•  Maria Antônia comprou saias e chapéu escuros.


•  Maria Antônia comprou saias e chapéu escuro.
•  Paulo estuda os falares e a cultura portugueses.

Observação: Quando está em concordância apenas com o substantivo mais próximo,


o adjetivo nem sempre caracteriza de forma precisa o substantivo dele distanciado. Por
isso, em todas as hipóteses mencionadas, pode-se e deve-se, caso a concordância
origine qualquer dúvida, repetir o adjetivo para cada um dos substantivos.

•  Maria Antônia comprou uma saia escura e um chapéu escuro.


•  Paulo estuda os falares portugueses e a cultura portuguesa.

CASOS GERAIS

1 Dois substantivos masculinos  →  adjetivo masculino plural

2 Dois substantivos femininos  →  adjetivo feminino plural

capítulo 2 • 83
3 Um substantivo masculino e um feminino  →  adjetivo masculino plural

EXEMPLOS
1.  Cansados ficaram o pai e o filho.
2.  Cansadas ficaram a mãe e a filha.
3.  Cansados ficaram o pai e a mãe.

2.1.4  Adjetivo/predicativo de sujeito simples ou composto

1ª) Quando o adjetivo exerce função de predicativo a vários substantivos é


mais aconselhável a concordância com o conjunto.

Declarei livres o inocente e a culpada

PREDICATIVO DO OBJETO

O inverno e o abandono são nocivos ao idoso.

PREDICATIVO DO SUJEITO

Eram mudos a expressão, a presença e o gesto.

PREDICATIVO DO SUJEITO

Observação: O predicativo anteposto deve concordar com o substantivo mais próximo,


se o verbo estiver no singular.

Era muda a expressão, a presença e o gesto.

84 • capítulo 2
2ª) Se o sujeito for representado por um pronome de tratamento, a concor-
dância do predicativo será feita com o sexo da pessoa referida:

generoso
Vossa alteza é
generosa

3ª) Se o adjetivo predicativo estiver ligado a sujeito que exprime ideia genéri-
ca, mantém-se na forma invariável:

CONDOMÍNIO PRIVATIVO
PROIBIDO ENTRADA DE
PESSOAS ESTRANHAS

4ª) Havendo determinação do substantivo, o adjetivo concorda com ele:

• É necessária nossa compreensão neste caso.


•  As vitaminas são boas.
• É proibida a entrada.

5ª) É importante observar que um único substantivo pode ser modificado por dois
ou mais adjetivos. Nesse caso, o substantivo irá para o plural ou ficará no singular:

•  As escolas particular e pública.


•  As línguas portuguesa e francesa.
•  A escola particular ea pública.
•  A língua portuguesa ea francesa.

capítulo 2 • 85
Observe, também, a concordância dos numerais adjetivos:

•  A primeira e segunda séries (ou série).


•  A primeira ea segunda série (ou séries).

6a) Como as orações, e as palavras tomadas materialmente, se consideram do


número singular e do gênero masculino, quando o sujeito é expresso por uma
oração (plena ou reduzida), o adjetivo predicativo fica no masculino singular.

•  É justo que uma nação venere os seus poetas.


•  É honroso morrer pela pátria.

7ª) Um só adjetivo qualificando mais de um substantivo:

A) QUANDO VEM POSPOSTO AOS SUBSTANTIVOS:

Vai para o plural, dando prioridade ao masculino:


•  Tratava-se de vaidade e orgulho excessivos.

Concorda com o elemento mais próximo:


•  Tratava-se de vaidade e orgulho excessivo.

Observação: Quando o adjetivo vem posposto aos substantivos e funciona como pre-
dicativo, vai para o plural.

A vaidade e o orgulho são companheiros.

86 • capítulo 2
B) QUANDO O ADJETIVO VEM ANTEPOSTO AOS SUBSTANTIVOS,
CONCORDA, POR NORMA, COM O ELEMENTO MAIS PRÓXIMO.

Era dotado de extraordinária coragem e talento.

Observação: No caso b, quando o adjetivo anteposto for um predicativo (do sujeito ou


do objeto), poderá concordar com o substantivo mais próximo ou ir para o plural.

Estava deserta a vila, a casa e o templo.


Estavam desertos a vila, a casa e o templo. (forma verbal no plural)

8ª) Um só substantivo e mais de um adjetivo


Quando um único substantivo vem qualificado por mais de um adjetivo, ocor-
rem, de modo geral, as seguintes concordâncias:

O substantivo fica no singular e repete-se o artigo antes de cada adjetivo.


A •  O produto conquistou o mercado europeu e o americano.

O substantivo vai para o plural e não se repete o artigo antes de cada adjetivo.
B •  O produto conquistou os mercados europeu e americano.

9ª) Bastante / bastantes


Há palavras que, na frase, podem funcionar ora com valor adverbial, ora com
valor adjetivo.
Pode-se descrever o seu comportamento da seguinte maneira:

São adverbiais – portanto invariáveis – quando se referem a verbos ou adjetivos.


•  Falaram bastante do assunto.
A •  Suas opiniões são bastante discutíveis.
•  Os seres melhor adaptados sobrevivem.

capítulo 2 • 87
São adjetivos – portanto variáveis – quando se referem a substantivos.
•  Havia bastantes razões para confiarmos em Paulo.
B •  Venceram as melhores propostas.
Estão, nesse caso, palavras como pouco, muito, bastante, barato, caro, meio, longe.

10ª) Anexo – anexa / obrigado – obrigada


Anexo e obrigado são palavras adjetivas e, como tais, devem concordar com o
nome a que se referem.

• Seguem anexas as listas de preços. Muito obrigado, disse ele.


• Seguem anexos os planos de aula. Muito obrigada, disse ela.

ATENÇÃO
Na expressão muito obrigado, o particípio é usado com valor adjetivo, razão por que deve
concordar em gênero e número com o sexo da pessoa que fala. Logo, se o agradecimento
parte de uma mulher, a expressão deve assumir a forma feminina; se parte de um homem,
deve assumir a forma masculina.

Observação: Em anexo fica invariável.

Em anexo, seguem as listas de preços.

Observação: São também adjetivas as seguintes palavras: incluso, mesmo, apenso,


próprio, quite, leso. Concordam, portanto, com os nomes a que se referem.

Crime de lesa-pátria.
Eu estou quite com meus credores.
Elas mesmas falaram.

Observação: São sempre invariáveis: alerta, menos, pseudo.

88 • capítulo 2
11ª) Só – sós / a sós
Só, quando equivale a somente, é palavra denotativa de exclusão e invariável;
quando equivale a sozinho, é adjetivo e variável.

•  Só eles não concordaram com a proposta apresentada.


•  Eles saíram sós.

Observação: a expressão a sós é invariável.

•  Gostaria de ficar a sós por uns momentos.

12ª) O mais claro possível / os mais claros possíveis


Em expressões desse tipo, possível varia ou não, em sintonia com o artigo que
encabeça a expressão. Tal palavra aparece sempre nas expressões: o mais pos-
sível, o menos possível, o melhor possível, o pior possível, quanto possível. O
adjetivo possível fica invariável, ainda que se afaste do vocábulo mais.

•  Buscava exemplos os mais claros possíveis.


•  Buscava exemploso mais claros possível.
•  Paisagens quanto possível belas.

Observação: todo substantivo com valor de adjetivo fica invariável.

• Ternos gelo.
• Calças creme.
• Blusas rosa.
• Luvas areia.

Observação: Todo (= totalmente) é o único advérbio que se flexiona.

•  A porta está toda aberta.


•  Tina surgiu toda arrumada.

capítulo 2 • 89
CASOS PARTICULARES
PALAVRA PARTICULARIDADE NORMA EXEMPLOS

a) Precedido de
São casas o
o mais, o menor,
Fica no singular melhor possível
o melhor, o pior,
localizada
quanto.
1) Possível
b) Precedido
Eram as mais
de os mais, os
Vai para o plural belas cidades
menores, os me-
possíveis.
lhores, os piores.

Concordam com Estão anexos os


2)  Anexo e
o substantivo a documentos e a
incluso
que se referem procuração.

Em anexo
Precedido da
3) Anexo Fica invariável seguem os docu-
preposição em.
mentos.

Elas têm menos


4) Menos Não se flexiona força que os
irmãos.

Quaisquer so-
Concorda com
luções, entre as
5) Qualquer substantivo a que
cogitadas, com-
se refere
plicam o caso.

90 • capítulo 2
a) Substantivo
Não é permitido
em sentido inde- Adjetivo no mas-
entrada nesse
terminado (sem culino (neutro)
recinto.
artigo)
6) Permitido
b) Substantivo
Adjetivo con- Só é permitida a
com sentido de-
corda com o entrada a funcio-
terminado (com
substantivo nários.
artigo)

a) Numeral Bebeu meia gar-


Variável
(= metade) rafa de cerveja.

7) Meio
Andava meio
b) Advérbio
Invariável aborrecida com
(= parcialmente)
os amigos.

a) Adjetivo (refe-
Estavam caros
rido a substan- Variável
os ovos.
tivo)
8)  Barato e Caro

b) Advérbio (refe- Custavam caro


Invariável
rindo a verbo) os ovos.

a) Pronome
adjetivo indefi- Tenho bastantes
nido (= muitos), Variável amigos, feliz-
referido a subs- mente.
tantivo.
9) Bastante

b) Advérbio (=
muito), referido Estavam bastante
Invariável
a adjetivo ou a alegres, na festa.
verbo.

capítulo 2 • 91
a) Adjetivo Remeto-lhe a
Variável
(= anexo) conta junta.
10) Junto
b) Advérbio Junto, segue a
Invariável
(= juntamente) carta.

Concordam com Ela disse:


11) Obrigado,
o gênero e nú- – Muito obrigada.
Mesmo, Próprio,
mero da pessoa Eu mesma cuida-
Ambos
a que se referem rei do assunto.

Concorda com o
Cometeu crime
12) Leso substantivo a que
de lesa-pátria.
se refere

a) Adjetivo Elas se sentiam


Variável
(= sozinho) sós naquela casa.

13) Só b) Palavra Eles só se sen-


denotativa de tiam bem quando
Invariável
exclusão (= ela estava em
somente) casa.

Concorda com
Estamos quites
14) Quite Significa livre aquele a que se
com o colégio.
refere

Ela é pseudo-ad-
15) Pseudo,
São palavras ministradora. Por
Alerta, Salvo,
invariáveis isso, fiquemos
Exceto
sempre alerta.

92 • capítulo 2
ATENÇÃO
Caso os substantivos, a serem modificados por um adjetivo no plural, sejam de gêneros dife-
rentes, a concordância será feita no masculino plural.

Os adjetivos podem ir para o plural ou concordar em número com o substantivo mais próximo
se houver uma sequência de substantivos no singular cujo encadeamento construa uma
ideia de gradação:
•  Os noivos foram tomados por uma emoção, de uma alegria, de um entusiasmo contagian-
tes ao final da cerimônia religiosa.
•  Os noivos foram tomados por uma emoção, de uma alegria, de um entusiasmo contagiante
ao final da cerimônia religiosa.

RESUMO
A concordância nominal se baseia na relação entre um substantivo (ou pronome, ou numeral
substantivo) e as palavras que a ele se ligam para caracterizá-lo, como artigos, adjetivos,
pronomes adjetivos, numerais adjetivos e particípios.

2.2  Sintaxe de concordância verbal

É o estudo da flexão do verbo em concordância com o sujeito referido em nú-


mero e pessoa, venha ele claro ou oculto. Sujeito é o termo com o qual o verbo
da oração concorda em número (singular ou plural) e pessoa (1ª,2ª,3ª).
Observe:

•  A paisagem ficou espiritualizada. (sujeito: A paisagem)


•  José chegou muito cedo ao evento cultural. (José)
• O rebanho e os pastores voltaram do pasto num tranquilo bando. (O rebanho/os pastores)
•  Fomos à Floresta da Tijuca. (Nós)

capítulo 2 • 93
ATENÇÃO
O sujeito simples apresenta um único núcleo, enquanto o sujeito composto apresenta mais
de um núcleo.

Núcleo é o termo central de um sintagma (nominal ou verbal). Outro termo pode ser a ele
anexados e subordinados. Nos dois primeiros exemplos, cada sujeito apresenta um único
núcleo: paisagem, José. No terceiro, há dois núcleos: rebanho e pastores.

No último exemplo, tem-se sujeito oculto ou elíptico (Nós). Esse tipo de sujeito é aquele que,
embora não venha explicitado na oração, pode ser identificado pela flexão número pessoal do
verbo ou pela sua presença em outra oração do mesmo período ou de um período antecedente.

Sujeito indeterminado é quando não é possível identificar um referente explícito na oração —


ou no contexto do enunciado — para a flexão verbal.

Oração sem sujeito (ou sujeito inexistente) é aquela que apresenta um verbo impessoal, não
se referindo a nenhuma pessoa do discurso, não se admitindo, pois, sujeito: No verão, anoi-
tece mais tarde. (Anoitece- verbo impessoal).

Verbos impessoais são os que indicam fenômeno da natureza, como: chover, nevar, relam-
pejar, trovejar.

3  Concordância verbal: regras básicas


A regra geral estabelece que o verbo assume a flexão de número (singular ou
plural) e pessoa (1ª, 2ª, 3ª) com o termo da oração ao qual se refere. A concor-
dância verbal está sempre presente na articulação entre o sujeito e o verbo.

3.1  Sujeito Composto

1ª. Quando o sujeito é composto e anteposto ao verbo, a concordância se faz


no plural.

94 • capítulo 2
•  Pai e filho conversaram longamente.
•  Pais e filhos devem conversar com frequência.

2ª. Sujeito composto posposto ao verbo, o verbo poderá ir para o plural ou


estabelecer concordância com o núcleo do sujeito mais próximo.

• Pouco falaram o presidente e o ministro.


• Pouco falou o presidente e o ministro.

3ª. Quando ocorre ideia de reciprocidade, no entanto, a concordância é feita,


obrigatoriamente, no plural.

•  Abraçaram-se vencedor e vencido. (Um ao outro/mutuamente)


•  Ofenderam-se o jogador e o árbitro. (Um ao outro/mutuamente)

4ª. Nos sujeitos compostos, formados por pessoas gramaticais diferentes, a


concordância, no plural, obedece ao seguinte esquema: a primeira pessoa
prevalece sobre a segunda pessoa que, por sua vez, prevalece sobre a terceira.

•  Teus irmãos, tu e eu tomaremos a decisão.


•  Tu e teus irmãos tomareis a decisão.
•  Pais e filhos precisam respeitar-se.

Observação: Contemporaneamente, vários gramáticos e bons escritores empregam o


verbo na 3ª pessoa do plural, quando o sujeito composto é formado por um elemento
da segunda pessoa e um da terceira, já que o tratamento vós vem desaparecendo na
Língua Portuguesa contemporânea.

•  Tu e teus irmãos tomarão a decisão.

capítulo 2 • 95
4  Particularidades da concordância verbal
1ª. Sujeitos resumidos por um pronome indefinido (aposto resumitivo) – ver-
bo no singular, pois o verbo concorda com este pronome e não com o sujeito.

•  Pontes, viadutos, túneis, nada disso é prioritário em uma cidade como São Paulo.
•  Filmes, teatros, novelas, amigos, nada o tirava de sua apatia.
•  Bombons, balas, pastéis, tudo era devorado pelas crianças.

2ª. As expressões um e outro e nem um nem outras seguidas ou não por subs-
tantivo singular, verbo no singular ou plural; porém a preferência atual é pelo
singular.

•  Só um ou outro menino usava sapatos; a maioria de tamancos ou descalça.


•  Mas nem um nem outro pudera(m) compreender logo toda a extensão e a gravidade
do mal.
•  Nem um nem outro previa(m) este encontro.

3ª. Quando o sujeito é constituído por expressão partitiva, como a maioria de,
a maior parte de, grande parte de, parte de, uma porção de, o grosso de, o res-
to de, metade de e equivalentes e um substantivo ou pronome plural, o verbo
pode ir para o singular (concordando com o núcleo do sujeito) ou no plural
(concordando com o nome plural posposto ao partitivo).

•  A maior parte deles já não vai à empresa.


•  Uma porção de meninos de rua me olhavam surpresos.
•  Para meu espanto, a maioria dos alunos matriculados não dispunha de recursos fi-
nanceiros.

Observação:
Verbo no singular – quando se quer destacar o conjunto como unidade.
Verbo no plural - para evidenciar os vários elementos que compõem o todo.

96 • capítulo 2
4ª. Não só... mas também; tanto... quanto; tanto... como – verbo no singular
ou plural, ambas as construções são corretas, embora seja preferível o plural.

•  É um homem excelente, e tanto Bianca como Eleonora o estimam muito, a seu modo.
•  Qualquer um se persuadirá de que não só a nação, mas também o príncipe estariam
pobres.
•  Tanto um como outro se ocupavam em comercializar.

5ª. Um dos que, sintaxe dupla – verbo no singular ou plural.

•  Foi uma das coisas que mais me surpreenderam.


•  Uma das coisas que sempre agradou a Deus.

6ª. Mais de um – verbo no singular, concordando com o substantivo; se hou-


ver ideia de reciprocidade, verbo no plural.

•  Mais de um eleitor compareceu ao diretório. (Ideia de reciprocidade =mutuamente).


•  Mais de um aniversariante se abraçaram na festa. (Ideia de reciprocidade = mu-
tuamente).

Observação: O sujeito de que participa mais de dois leva o verbo ao plural.

7ª – Quais, aqueles, quantos, poucos, muitos – verbo na 3ª pessoa do plural ou


em concordância com o pronome que o acompanha.

•  Quais de vós me acusareis?


•  Quais de vós me acusarão?
•  Muitos de nós andam por aí querendo puxar conversas com vocês.
•  Muitos de nós andamos por aí querendo puxar conversas com vocês.

Na frase: “Alguns de nós preferem sacrificar o conforto em favor da moda.”,


o sujeito é pronome indefinido no plural — "alguns" —, seguido de pronome

capítulo 2 • 97
pessoal preposicionado — "de nós" — o verbo pode concordar com a 3ª pessoa
do plural — "preferem" ou, então, com o pronome pessoal "nós"— Alguns de
nós “preferimos” [...].

8ª. Se o interrogativo ou indefinido estiver no singular (qual de nós, qual de


vós, nenhum de vós), o verbo deverá ficar no singular.

•  Quando as nuvens começaram a existir, qual de nós estava presente?


•  Qual dentre vós me amou realmente?

9ª. Com – verbo no plural; a não ser que se atribua a ação a uma só persona-
gem; nesse caso, verbo no singular.

•  O presidente com seus companheiros fazia a desordem da classe. (Ação participativa)


•  O presidente, com seus assessores, assinou o acordo internacional. (Ação persona-
lizada – só o presidente assinou)

10ª. Nem – aconselha-se o singular, se a ideia for de exclusão; o plural, se for


de participação.

•  Nem o pai nem o filho será eleito governador. (Nenhum dos dois: exclusão)
•  Nem o pai nem o avô telefonavam. (O fato expresso pelo verbo pode ser atribuído a
todos os sujeitos)
•  Fui devagar, mas o pé ou o espelho traiu-me. (O fato expresso pelo verbo só pode ser
atribuído a um dos sujeitos)

11ª. Se os sujeitos ligados por ou ou por nem não são da mesma pessoa, isto
é, se entre eles há algum expresso por pronome da 1ª ou da 2ª pessoa, o verbo
irá normalmente para o plural e para a pessoa que tiver predominância.

•  Ou ela ou eu havemos de abandonar para sempre esta casa; e isso, hoje mesmo.
•  Nem tu nem eu soubemos ser nós uma única vez.

98 • capítulo 2
12ª. Ou – se houver exclusão, verbo no singular; se participação, verbo no plural.

•  Um professor ou um aluno será escolhido.


•  O último acerto ou o último erro é o que dá nome ao juízo de toda vida. (Vieira)

13ª. Se o sujeito for interceptado por ou, com ideia de retificação de núme-
rogramatical, o verbo concordará com o mais próximo e, também, ficará no
singularse a conjunção indicar identidade ou equivalência.

•  Nenhuma pista deixou o bandido ou bandidos.


•  O bandido ou bandidos não deixaram nenhuma pista.
•  O professor ou o nosso segundo pai merece respeito da sociedade.

14ª. Quando o núcleo do sujeito é um coletivo, verbo no singular (Concordân-


cia Gramatical) ou no plural (Concordância Atrativa ou Ideológica).

•  A manada de elefantes foi afastada da estrada.


•  Uma quadrilha de bandidos invadiu o colégio.

15ª.Os nomes de lugar, e também os títulos de obras, que têm forma de plural
são tratados como singular, se não vierem acompanhados de artigo.

•  Mas Campos é que não o esquecerá tão cedo!


•  Os Lusíadas consagraram o gênero épico de Portugal.
•  Os Estados Unidos, então, por sua vez, tentam contornar o caso do presidente Clinton.
•  As Memórias Póstumas de Brás Cubas afinavam-lhe a língua.
•  Os Andes ficam na América do Sul.

Observação: Com nomes de obras artísticas, mesmo antecedidas de determinante no


plural, há alguns gramáticos que preferem o verbo no singular.

capítulo 2 • 99
•  Os Lusíadas imortalizou Camões.
•  Os Sertões narram a luta de Canudos.

16ª. Com o verbo ser e o predicativo a seguir no singular, dá-se preferência ao


verbo no singular.

•  Os Lusíadas é a obra maior da literatura portuguesa.


•  Os Estados Unidos é a maior potência do mundo.
•  Os Sertões é a obra máxima de Euclides da Cunha.

17ª. Se o artigo estiver no singular ou ausente, o verbo irá para o singular.

•  O Amazonas é considerado o pulmão do mundo.


•  Vidas Secas, de Graciliano Ramos, retrata um quadro social do Brasil.

18ª. Pronomes de tratamento (Vossa Excelência, Vossa Alteza, Você etc.) exi-
gem o verbo na 3ª pessoa do singular.

•  Saiba, Vossa Alteza, que seus súditos o aguardam.


•  Aceite, Vossa Excelência, meus cumprimentos.

Observação:
Vossa Excelência – deve ser usado quando nos dirigimos à pessoa.
Sua Excelência – deve ser usado quando falamos a respeito da pessoa.

19ª. Que, Quem – o relativo que propõe a concordância com o antecedente. Já


o relativo quem leva o verbo para a 3ª pessoa do singular, qualquer que seja o
antecedente do relativo, ou concorda com este antecedente.

100 • capítulo 2
•  Sou eu que decido.
•  Fomos nós que o denunciamos.
•  Fui eu quem pagou a conta.
•  Fui eu quem paguei a conta.

20ª. Quando não houver o pronome que, o verbo deverá, obrigatoriamente, con-
cordar com o núcleo do sujeito (= pronome que está antes da preposição de.)

•  Nenhum de nós dois pôde comparecer ao casamento.


•  Alguém da coordenação resolveu o problema.
•  Muitos de nós leram ou lemos Dom Casmurro, de Machado de Assis. (inclusão do
sujeito)

21ª. Em caso de fração, o verbo deve concordar com o numerador.

•  Um terço compareceu.
•  Dois terços compareceram.

22ª.Em caso de percentagem, sem especificador, o verbo deve concordar com


a percentagem.

•  1% votou (até 1,9% verbo no singular)


•  2% votaram (acima de 2% = verbo no plural)

23ª. Com especificador singular, o verbo pode concordar com o especificador


no singular.

•  20% da população votou.


•  90% da população brasileira recebe salário-mínimo.

capítulo 2 • 101
24ª. Com especificador plural, o verbo deve concordar com a percentagem.

•  50% dos eleitores entrevistados votarão em Aécio Neves para presidente.

25ª. Quando o percentual é antecedido por um determinante, a concordância


é feita com esse determinante.

•  Esses vinte por cento de terra serão ocupados.

26ª. Com as expressões cerca de, perto de, por volta de, em torno de, mais de,
menos de, o verbo deve concordar com o substantivo (= núcleo do sujeito).

•  Cerca de duzentos alunos entraram em confronto com a direção do colégio.


•  Perto de vinte mil torcedores assistiram ao jogo do Vasco.

27ª. Quando os sujeitos são dois ou mais infinitivos, o verbo fica no singular.

•  Olhar e ver era para mim um recurso de defesa.


•  Fazer e escrever é a mesma coisa.

28ª. Quando os infinitivos exprimem ideias nitidamente contrárias, o verbo


pode ir para o plural.

•  Em sua vida, à porfia, se alternam rir e chorar. (Alberto de Oliveira)

29ª. Quando o sujeito é constituído de quantidade (muito, pouco, bastante)


ou de uma expressão numérica que se considera em sua totalidade, o verbo
ser fica no singular.

102 • capítulo 2
•  Oito anos sempre é alguma coisa.
•  Trinta reais? Não será demais?

30ª.Termo tomado materialmente – verbo no singular.

•  Nós é pronome pessoal do caso reto.


•  Felicidades é o substantivo daquela frase.

31ª. Sujeito e predicativo representado por pronomes pessoais – o verbo con-


corda como sujeito.

•  Eu não sou ela, gritava a aluna.


•  Tu não és ele.

32ª. A concordância com a expressão não (nunca)... senão; o verbo concorda


com o termo que se segue a senão.

•  Ao aparecer o dia, por quanto os olhos podiam alcançar, não se viam senão cadáveres.
•  Não se viam mais que cadáveres.

Observação: Tanto a concordância nominal quanto a concordância verbal podem, além


da concordância rigidamente gramatical, ser feitas também atrativa ou ideologicamente.

•  Concordância Rígida, Gramatical ou Lógica: é feita de acordo com as nor-


mas gramaticais.
•  Concordância Atrativa: é feita por uma questão de proximidade, abando-
nando as regras gramaticais.
•  Concordância Ideológica: é feita de acordo com a ideia transmitida pelas
palavras, e não por sua forma gramatical. A concordância ideológica é chamada
também de silepse.

capítulo 2 • 103
4.1  Concordância Ideológica

Silepse de gênero: muito comum


A com os pronomes de tratamento.
Vossa Senhoria foi injusto.

Silepse de pessoa: quando o falante


B também se considera incluído em um Todos chegamos atrasados à palestra.
sujeito na 1ª pessoa do plural.

Silepse de número: quando há como


sujeito um substantivo coletivo que Caíram de joelhos aquele povo nor-
C tem forma singular, mas expressa destino sofrido.
ideia de pluralidade.

RESUMO
TIPO PARTICULARIDADE NORMA EXEMPLOS

Como única Verbo no sin- A multidão vaiava


1 – Coletivo
palavra. gular. o ladrão.

Como única O pessoal quer a


palavra, mas Pode haver si- vitória, sem dú-
2 – Coletivo
distanciado do lepse de número. vida, mas sabem
verbo. que será difícil.

Verbo no singular A maioria dos


3 – A maioria de, (realçando o jovens quer
Particularizado
a maior parte de, todo) ou no plural as reformas.
por complemento
grande número (destacando a A maioria dos
no plural.
de etc. ação do indiví- jovens querem as
duo. reformas.

104 • capítulo 2
V. Exª. sabe
que isso não é
4 – Forma de Do tipo V.S.ª.,Ex.ª., Verbo na 3ª
verdade. S.Sªs.
tratamento S. Ex.ª etc. pessoa.
estiveram aqui
ontem.

Mais de um
5 – Mais de, Verbo concorda ano se passou.
Com um subs-
menos de, perto com o substan- Menos de cem
tantivo
de, cerca de tivo. alunos vieram à
Universidade.

6 – Sou eu que, Verbo ser + Verbo concorda Sou eu que faço.


foste tu que, se- pronome pessoal com o pronome Seremos nós que
remos nós que + que pessoal. faremos.

Sou eu quem
Verbo concorda faço.
7 – Sou eu
Verbo ser + com o pronome Sou eu quem faz.
quem, foste tu
pronome pessoal pessoal ou fica Somos nós quem
quem, seremos
+ quem na 3ª pessoa do fazemos.
nós quem
singular. Somos nós quem
faz.

Se o primeiro ele-
Quem de nós viu
mento estiver no
o pôr-do-sol?
singular, o verbo
Alguém dentre
Pronome ficará na 3ª pes-
8 – Quem de nós sairá mais
indefinido ou soa do singular.
nós, alguém cedo.
interrogativo + Se o primeiro ele-
dentre vós, quais Quais de nós
preposição de ou mento for plural,
de vós, vários viram (ou vimos)
dentre + prono- o verbo ficará na
dentre vós. o pôr-do-sol?
me pessoal. 3ª pessoa do plu-
Várias dentre vós
ral ou concordará
sairão (ou sai-
com o pronome
reis) mais cedo.
pessoal.

capítulo 2 • 105
Ela é uma
Verbo ficará na
Antecedido da das que mais
9 – Pronome 3ª pessoa do
expressão um impressiona (ou
relativo singular ou do
dos, uma das. impressionam)
plural.
os colegas.

Aquela é uma
Antecedido da
das peças de
expressão um Verbo fica, obri-
10 – Pronome Nélson Rodri-
dos, uma das, gatoriamente, no
relativo que gues que hoje
com ideia de singular.
se apresentará
seletividade.
neste teatro.

Os Estados
Se precedido de
Unidos exportam
11 – Nomes artigo plural, o
Antecedidos de produtos manu-
próprios locativos verbo irá para o
artigo plural, ou faturados.
ou intitulativos de plural. Não sendo
não. Minas Gerais
formas plurais assim, irá para o
progride intensa-
singular.
mente.

Verbo vai para o O pai e o filho


12 – Composto Antes do verbo.
plural. caminhavam.

Verbo concorda Caminhavam


com o núcleo o pai e o filho.
13 – Composto Após o verbo.
mais próximo, ou Caminhava o pai
vai para o plural. e o filho.

A primeira pes- Eu, tu e ela con-


Verbo concor-
soa predomina versaremos.
14 – Composto dará conforme
sobre as demais; Tu e ela conver-
por pronomes a prioridade
a segunda pes- sareis. (Hoje, já
diferentes gramatical das
soa predomina se admite: tu e
pessoas.
sobre a terceira. ela conversarão)

106 • capítulo 2
O fato expresso O mestre com o
pelo verbo pode Em função disso amigo visitaram
15 – Composto,
ser atribuído a o verbo irá para a Itália. A viúva,
com núcleos
todos os núcleos o plural ou para o com o resto da
ligados por com
ou a apenas um, singular. família, mudou-se
o primeiro. para Salvador.

O fato expresso Nem o cansaço


pelo verbo pode nem a ansiedade
Em função disso,
16 – Composto, ser atribuído a o impediram de
o verbo irá para
com núcleos todos os núcleos sonhar.
o plural ou para o
ligados por nem ou a um deles Nem o amor nem
singular.
(ideia de alterna- o ódio me move
tiva). nesse caso.

Tanto um como o
17 – Composto, Normalmente o outro se ocupa-
Núcleos consi-
com núcleos verbo irá para vam do caso.
derados como
ligados por tanto, o plural (pode- Não só o pai,
termos que se
como, não só, se encontrar o mas também os
reforçam.
mas também. singular). avós resolveram
agir.

Pode-se valorizar Em função disso, Um e outro tinha


um elemento da o verbo irá para razão. Um e outro
18 – Um e outro
locução, ou os o plural ou para o admitiram sua
dois. singular. culpa.

Um ou outro che-
Com expressão Verbo fica
19 – Um ou gará hoje.Um ou
substantiva ou normalmente no
outro outro aluno fará
adjetiva. singular.
o trabalho.

capítulo 2 • 107
Nem um nem ou-
Como expressão Verbo fica
20 – Nem um tro chegou. Nem
substantiva ou normalmente no
nem outro um nem outro rei
adjetiva. singular.
governou.

Maria ou Luana
será a eleita do
21 – Composto, Conjunção indica coração do rapaz.
Verbo fica no
com núcleos exclusão, ou A Glotologia ou
singular.
ligados por ou sinonímia. Linguística estuda
fatos da lingua-
gem humana.

O inverno ou
22 – Composto, Conjunção indica verão não me
Verbo fica no
com núcleos inclusão, ou incomodam. O
plural.
ligados por ou antonímia. amor ou o ódio
estão presentes.

Não sei qual foi o


autor ou autores
23 – Composto, Verbo concorda
Conjunção indica do livro.
com núcleos com o núcleo
retificação. O autor ou auto-
ligados por ou mais próximo.
res não apare-
ceram.

Amores, ódios,
Seguido por
24 – Sujeito O verbo concor- paixões, tristezas,
aposto resumi-
Composto da com o aposto. tudo aconteceu
tivo.
com ele.

RESUMO
Em regra, o verbo concorda com o núcleo do sujeito em número e pessoa. Assim, deve-se ob-
servar os tipos de sujeitos existentes nas orações, em busca de uma perfeita concordância.

108 • capítulo 2
5  Concordância dos verbos fazer, haver, ser e dar

REGRAS ESPECIAIS

Verbos Impessoais
Os verbos impessoais são os que não possuem sujeito, ficando na terceira pessoa do
singular. São eles:

a)  Os que denotam fenômeno da natureza: chover, nevar, ventar, gear, amanhecer,
entardecer, anoitecer, relampejar, trovejar.
•  Choveu muito ontem.

b)  O verbo fazer quando indica fenômeno da natureza ou tempo decorrido.


•  Faz dez anos que eles chegaram de Salvador.
•  Em Natal faz verões terríveis.
•  Fazia dois meses.

c)  O verbo haver no sentido de existir.


•  Havia muitos alunos em AV3.

5.1  Concordância do verbo fazer

Se o verbo fazer vier com um auxiliar, transfere sua impessoalidade a seu auxiliar.

•  Vai fazer dois anos.


•  Ia fazer quatro semanas.
•  Há de fazer três dias.
•  Deve fazer frio.
•  Faz agora vinte anos que ali se inaugurou a sua Clínica Médica.
•  Faz agora três anos e um dia que ele partiu.

O verbo fazer é chamado também de verbo vicário, porque faz as vezes do


outro verbo, quando usado para evitar repetição do verbo principal.
Quis viajar, mas não pude fazê-lo. (não pude viajar)

capítulo 2 • 109
5.2  Concordância do verbo haver

O verbo haver no sentido de existir é impessoal. Deve, pois, ficar na 3ª pessoa


do singular.

•  Há festas.
•  Houve eleições.
•  Havia razões.
•  Haverá dúvidas.

Se o verbo haver vier com um auxiliar, este se torna também impessoal.

•  Vai haver festas.


•  Deve haver razões.
•  Há de haver eleições.
•  Ia haver dúvidas.

Se o verbo haver auxiliar um verbo pessoal, concordará com o sujeito deste


verbo.

•  Vós haveis de crer.


•  Hás de voltar.
•  Hão de cair as folhas.
•  Haviam de calar as vozes.

O verbo haver só é impessoal no sentido de existir e na indicação de tempo


decorrido (= faz). Em outros sentidos, é pessoal, tem sujeito com o qual concorda.

•  Os trabalhadores houveram do empregador uma remuneração mais condigna.


(= obtiveram)
•  Os alunos houveram que a obra fosse camoniana. (= julgaram)
•  Os alunos houveram-se bem nos exames. (= portaram-se)
•  Se não estudares, haverás comigo. (= ajustará contas)

O verbo haver, no sentido de existir, é impessoal, porém o verbo existir é


pessoal, tem sujeito com o qual concorda.

110 • capítulo 2
•  Existem festas.
•  Existiram dúvidas.
•  Existiam razões.
•  Existirão eleições.

Se o verbo existir vier com um auxiliar, transfere sua pessoalidade para o seu
auxiliar.

•  Devem existir festas.


•  Iam existir dúvidas.
•  Vão existir dúvidas.
•  Hão de existir eleições.

A expressão há pouco, há tempo, há século, há anos, há meses, há semanas, há


dias, há horas, há minutos, há segundos são escritas com h se a circunstância for
passado, e sempre na terceira pessoa do singular.

•  Há dias vi-o.
•  Há pouco encontrei-o.
•  Há segundos partiu.
•  Há meses estudava inglês.

Se a circunstância for futura ou indicar distância, omite-se o h daquelas ex-


pressões.

•  A segundos partirás.
•  A meses estudarei inglês.
•  Mora a cem metros do colégio.
•  Observação:

Observação: Concordância de haja vista

A expressão haja vista fica sempre invariável quando vier seguida de termo
singular ou preposicionada. Mas, quando o termo que acompanhar a expressão
estiver no plural, sem preposição, ela poderá ser flexionada. Observe:

capítulo 2 • 111
•  Haja vista o nordestino.
•  Haja vista o ideal.
•  Hajam vista os nordestinos.
•  Hajam vista os ideais.

Nas expressões bem haja, mal haja, o verbo haver tem sujeito com o qual
concorda.

•  Bem hajam os inocentes.


•  Mal hajam as ilusões soçobradas.

ATENÇÃO
É erro grave usar o verbo ter em substituição a haver. O verbo ter reclama, sistematicamente,
a presença do sujeito.

•  Tem aula. (errado)


•  Na sala tem carteiras. (errado)
•  Há aula. (certo)
•  Na sala há carteiras. (certo)

5.3  Concordância dos verbos dar, bater, soar

Se houver sujeito o verbo concorda com o sujeito.

•  O relógio deu quatro horas.


•  Os relógios soaram uma hora.
•  O sino bateu oito horas.

112 • capítulo 2
Se não houver sujeito, o verbo concorda com o número de horas.

•  No relógio, deram quatro horas.


•  Soaram duas horas.
•  Deram cinco horas no relógio da Matriz.
•  Cinco horas soaram, bateram, tangeram, tocaram, tiniram, marcaram, no relógio da
Matriz.

5.4  Concordância especial: verbo ser

O verbo ser merece relevância quando se discute a concordância verbal. Há ca-


sos em que esse verbo concorda com o sujeito da oração, há casos em que con-
corda com o predicativo e há casos, ainda, em que pode concordar tanto com o
sujeito como o predicativo, a depender do termo que se quer destacar.

Verbo ser indicando tempo


Na indicação de tempo, o verbo ser concorda com o numeral que ocorre no pre-
dicativo. Observe os exemplos.

•  São cinco horas da madrugada e você continua acordado!


•  Já é uma hora da tarde.
•  Já são mais de nove horas.
•  Hoje são três de outubro.

Observe que, na especificação do dia do mês, conforme ocorre no último


exemplo, o verbo ser concorda no singular com o substantivo dia, se ele antece-
der o numeral.

Verbo ser + sujeito constituído por pronome interrogativo, indefinido ou de-


monstrativo
Quando o sujeito do verbo ser é um dos pronomes interrogativos que ou quem,
pronome indefinido ou um dos pronomes demonstrativos isto, isso, aquilo, a
concordância se faz com o predicativo do sujeito. Observe:

capítulo 2 • 113
•  Quem são os alunos vencedores do Quiz.
•  Que são substantivos coletivos?
•  Isso são falares que se usem em sala de aula?

Verbo ser + sujeito constituído por expressões que indicam quantidade


Quando o sujeito da oração é constituído de expressões que indicam quantidade,
preço, valor, medida no plural, o verbo ser permanece na 3ª pessoa do singular.

•  Cem quilos é muita coisa.


•  Trezentos euros é um preço aceitável por uma diária no Hotel Fasano.

Verbo ser + pronome pessoal do caso reto

•  Eu sou a Lóri de Clarice Lispector. A Lóri de Clarice Lispector sou eu.

Verbo ser + substantivo próprio+substantivo comum

•  A Meryl Streep foi, por longas décadas, todos os meus sonhos.


•  Os meus sonhos, por longas décadas, foi a Meryl Streep.

Verbo ser + núcleo do sujeito no singular + núcleo do predicativo no plural


Quando o verbo ser ocorre entre um sujeito cujo núcleo é um substantivo co-
mum, no singular, e um predicativo cujo núcleo é um substantivo comum, no
plural, a tendência é o verbo concordar com o predicativo.

•  O problema do cartão são os juros.

114 • capítulo 2
5.5  Concordância verbal: voz passiva

Leia o texto:

O gramático e o ferreiro

Foi assim com o ferreiro da esquina, em cujo portão de tenda uma tabuleta – “Ferra-se
cavalos” – escoicinhava a santa gramática.
– Amigo – disse-lhe pachorrentamente Aldrovando – natural a mim me parece que
erres, alarve que és.
Se erramparedros, nesta época de ouro da corrupção.
O ferreiro pôs de lado o malho e entreabriu a boca.
– Mas da boa sombra do teu focinho espero – continuou o apóstolo – que ouvidos me
darás. Naquela tábua um desleixo existe que seriamente à língua lusa ofende. Venho
pedir-te, em nome do asseio gramatical, que o expunjas.
–???
– Que reformes a tabuleta, digo.
– Reformar a tabuleta? Uma tabuleta nova, com a licença paga? Estará acaso rachada?
– Fisicamente, não. A racha é na sintaxe. Fogem ali os dizeres à sã gramaticalidade.
O honesto ferreiro não entendia nada de nada.
– Macacos me lambam se estou entendendo o que V. S.ª diz...
– Digo que está a forma verbal com eiva grave. O ferra-se tem que cair no plural, pois
que a forma é passiva e o sujeito é cavalos.
O ferreiro abriu o resto da boca.
– O sujeito sendo “cavalos” – continuou o mestre – a forma verbal é “ferram-se” – “fer-
ram-se cavalos”.
– Ah! – respondeu o ferreiro – começo agora a compreender.
Diz V. S.ª que...
–... que “ferra-se cavalos” é um solecismo horrendo e o certo é “ferram-se cavalos”.
– V. S.ª me perdoe, mas o sujeito que ferra os cavalos sou eu, e eu não sou plural. Aquele
“se” da tabuleta refere-se cá a este seu criado. É como quem diz: Serafim ferra cavalos
– Ferra Serafim cavalos. Para economizar tinta e tábua abreviaram o meu nome, e ficou
como está: Ferra Se (rafim) cavalos. Isto me explicou o pintor, e entendi-o muito bem.
(Negrinha - Monteiro Lobato. http://www.ideiacriativa.org/2012/01/livros-dominio
-publico-para-baixar.html)

capítulo 2 • 115
CONCEITO
Escoicinhava: tratar brutalmente, insultar.
Alarve: rústico, grosseiro, rude.
Paredros: mentor guia; bras. dirigente de clube esportista.
Expunjas: fazer desaparecer (uma escrita) para substituí-la por outra; apagar.

Na voz passiva, o verbo concorda com o sujeito paciente da ação verbal.

•  Os mares são iluminados pelo sol.


•  Iluminam-se os mares.

Há, em português, duas maneiras de se praticar a voz passiva, uma com o


verbo ser, outra com a partícula se.

•  O professor ensina idiomas.


•  Idiomas são ensinados pelo professor.
•  Ensinam-se idiomas.

Em ambos os casos, o verbo concordou com idiomas que é o sujeito da ação


verbal. Só os verbos transitivos diretos permitem a voz passiva.
Observe a frase:

•  Vendem-se estas duas casas.

Aí não está escrito que “alguém vende estas duas casas”, mas que “estas
duas casas são vendidas”, ou seja, o sujeito não é o agente da ação verbal, mas o
paciente; o verbo não está na voz ativa, mas passiva. Eis por que concorda com
o sujeito da oração que lhe segue.

Vendem-se estas duas casas

PARTÍCULA SUJEITO
APASSIVADORA PASSIVO

116 • capítulo 2
Na frase, a concordância está perfeita, pois não está escrito que “alguém
vende “votos”, mas sim que “votos são vendidos”, ou seja, o sujeito não é o
agente da ação verbal, mas o paciente; o verbo não está na voz ativa, mas passiva
pronominal ou sintética (se- pronome apassivador). Eis por que o verbo concor-
da com o sujeito da oração que lhe segue.
Assim, quando o verbo vier acompanhado de pronome apassivador se, con-
cordará em número e pessoa com o sujeito.

Ainda se leem os clássicos. Nunca jamais se viu tanto peixe assim.

Dão-se aulas. Nunca jamais se viram tantos peixes assim.

No Brasil, fabricam-se carros e plantam-


Só se visam cheques à tarde.
se cereais.

Cobrem-se botões. Não se ouve a voz.

Não se ouvem as vozes. Abrem-se as portas com fragor.

ATENÇÃO
Só o verbo transitivo direto (ou transitivo direto e indireto) admite a voz passiva. O verbo tran-
sitivo indireto ou intransitivo não passa para voz passiva. A partícula se junto a eles funciona
como índice de indeterminação do sujeito, e o verbo sempre fica na terceira pessoa do sin-
gular. Entretanto, atualmente, alguns verbos transitivos indiretos são usados na voz passiva e
aceitos pela Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB –, como: obedecer, assistir.

Se: índice de indeterminação do sujeito


Repare agora nos exemplos a seguir:

•  No Chile, come-se bem.

Essa oração está na voz ativa; alguém ou qualquer pessoa come bem no Chile.

capítulo 2 • 117
No Chile come-se bem

VERBO ÍNDICE DE
INDETERMINAÇÃO
DO SUJEITO
INTRANSITIVO

Logo, o verbo ficará sempre na 3ª pessoa do singular, quando o sujeito esti-


ver indeterminado pela partícula se, que será classificada como índice de inde-
terminação do sujeito.

Sempre se obedece aos juízes. Precisa-se de técnicos.

Necessita-se de bons professores. Sempre se perdoa aos pecadores.

Morre-se nos campos de batalha. Vive-se nos campos e cidades.

No interior, dorme-se de portas e janelas


Não mais se viaja de trem.
abertas

RESUMO
TIPO PARTICULARIDADE NORMA EXEMPLOS

Verbo concorda Deram dez horas


com o sujeito da noite.O relógio
Pode ou não
1 – Com os explícito; se não deu dez horas.
haver um sujeito
verbos dar, bater, houver, verbo Os relógios de-
explícito (relógio,
soar concorda com a ram uma hora.
por exemplo).
expressão numé- Deram dez horas
rica das horas. no relógio

A causa eram
Verbo pode
No geral, con- os seus projetos
2 – Com o verbo concordar com o
corda facultativa- eclesiásticos.
ser sujeito ou com o
mente. As causas era um
predicativo.
grande mistério.

118 • capítulo 2
São sete horas.
Verbo concorda
3 – Com o verbo Indicando hora, Hoje são 13 de
com o predica-
ser data ou distância. outubro.
tivo.
Hoje é dia 13.

Tudo eram sor-


4 – Com o verbo Verbo normal-
Predicativo é um risos.
ser (sujeito isto, mente concorda
substantivo no Isso são modos?
isso, tudo, quem, com o predica-
plural. Quem são os
nada, aquilo) tivo.
meninos?

Dois é pouco.Trin-
5 – Com o verbo Indicando medi- Verbo fica no ta quilos é muita
ser da, preço, peso. singular. coisa. Dez reais é
quase nada.

Vendem-se
Na voz passiva
casas.
sintética, com o O verbo concor-
Podem-se ler
6 – Passivo pronome apassi- da com o sujeito
vários livros.
vador se. Verbo paciente
Escutavam-se
transitivo direto.
rumores.

Com o pronome
indeterminador O verbo fica na Precisa-se de
7- Indeterminado do sujeito se. 3ª pessoa do empregados.
Verbo é transitivo singular. Vive-se bem aqui.
indireto.

Há fatos estra-
O verbo fica na
8 – Com o verbo Com o significa- nhos neste caso.
3ª pessoa do
haver do de existir. Houve muitos
singular.
apelos do público.

Indicando o
Há dez noites ele
tempo passado, Os verbos ficam
9 – Com o verbo vigia a casa.
os verbos são na 3ª pessoa do
haver e fazer Já faz três noites
impessoais, não singular.
que ele se foi.
têm sujeito.

capítulo 2 • 119
6  Sintaxe de colocação pronominal
O objetivo aqui é ensinar a colocação pronominal, a posição preferencial do
pronome oblíquo átono, no português do Brasil, e as regras que definem o uso
da ênclise, próclise e em que contexto deve ser usada a mesóclise.
Leia o exemplo a seguir:

•  João comenta com Paulo que ambos devem massacrar José no jogo de futebol.
Repetem em uma única voz: “–Vamos massacrá-lo?” “– Vamos arrasar ele?

No exemplo dado, o pronome lo e ele substituem a palavra José e dos dois


empregos apresentados, mas apenas o primeiro está de acordo com a norma
padrão, pois os pronomes retos funcionam sempre como sujeito e nunca como
complemento verbal; logo o correto seria “Vamos arrasá-lo”.

CURIOSIDADE
A gramática normativa recomenda que os pronomes oblíquos átonos o, a os, as, sejam usa-
dos quando na função sintática, a ser exercida pelos pronomes, for a de complemento verbal
— objeto direto. Em linguagem informal, contudo, no lugar dos pronomes o, a, os, as, são
empregados pronomes de 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas), conforme apresentado.

Na frase “Encontrei Miguel na Floresta da Tijuca”, provavelmente seria substituído, em um


contexto informal, por um pronome pessoal do caso reto: “Encontrei ele na Floresta da Tijuca.”

Para que servem os pronomes?

Pronomes são palavras que exercem papel fundamental nas interações verbais. São
eles que indicam as pessoas do discurso, expressam formas sociais de tratamento e
substituem, acompanham ou retomam palavras e orações já expressas. Contribuem,
assim, a clareza, a coerência e a coesão do texto.

120 • capítulo 2
6.1  Pronomes oblíquos átonos

Leia o texto intitulado Papos, de Veríssimo:

– Me disseram... – Falo como todo mundo fala. O im-


– Disseram-me. portante é me entenderem. Ou enten-
– Hein? derem-me?
– O correto é "disseram-me". Não "me – No caso... não sei.
disseram". – Ah, não sabe? Não o sabes? Sabes
– Eu falo como quero. E te digo mais... -o não?
Ou é "digo-te"? – Esquece.
– O quê? – Não. Como "esquece"? Você prefere
– Digo-te que você... falar errado? E o certo é "esquece" ou
– O "te" e o "você" não combinam. "esqueça"? Ilumine-me. Me diga. Ensi-
– Lhe digo? nes-o-me, vamos.
– Também não. O que você ia me dizer? – Depende.
– Que você está sendo grosseiro, pe- – Depende. Perfeito. Não o sabes. En-
dante e chato. E que eu vou te partir sinar-me-o-ias se o soubesses, mas
a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua não
cara. Como é que se diz? sabes–o.
– Partir-te a cara. – Está bem, está bem. Desculpe. Fale
– Pois é. Parti-a hei de, se você não como quiser.
parar de me corrigir. Ou corrigir-me. – Agradeço-lhe a permissão para falar
– É para o seu bem. errado que mas dás. Mas não posso
– Dispenso as suas correções. Vê se mais dizer-o-te o que dizer-te-ia.
esquece-me. Falo como bem entender. –Por que?
Mais uma correção e eu... – Porque, com todo este papo, esque-
– O quê? ci-o.
– O mato.
– Que mato? VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comé-
– Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar- dias para se ler na escola. http://www.
lhe-ei-e. Ouviu bem? dominiopublico.gov.br/pesquisa/De-
– Pois esqueça-o e para-te. Pronome talheObraForm.do?select_action=&-
no lugar certo e elitismo! co_obra=193282
– Se você prefere falar errado...

capítulo 2 • 121
Percebe-se que, intencionalmente, Veríssimo criou o texto de forma humo-
rística, por meio de um contexto de uma conversa informal, para abordar a ques-
tão da colocação pronominal. Assim, quando um dos interlocutores do texto
afirma que o correto é “disseram-me” e não “me disseram”, está fazendo refe-
rência a uma das regras da gramática normativa para a colocação pronominal.
Há uma série de outras infrações gramaticais, além das de colocação prono-
minal, nesse texto, como: “Me disseram...”, “Vê se esquece-me”, “Matar-lhe-ei-
te”, dentre outros.
Leia, agora, o poema Pronominais, de Oswald de Andrade:

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
ANDRADE, Oswald. Obras completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.

O poema dialoga, intertextualmente, com o texto de Veríssimo, pois todos


eles tratam do mesmo tema: colocação pronominal. No último verso, o uso do
pronome oblíquo me, na frase: “Me dá um cigarro” não está de acordo com a
norma culta, pois segundo as regras de colocação pronominal, um pronome
oblíquo átono não deve iniciar uma frase.
Nesse caso, deve-se priorizar a ênclise, e não a próclise como ocorre na frase
em questão. Contudo, esse uso é bastante frequente, na linguagem informal ou
coloquial, apesar de a norma padrão não aceitá-lo.
Os pronomes pessoais oblíquos átonos atuam, sintaticamente, como com-
plementos de verbo. A colocação pronominal é a parte da gramática normativa
que determina qual deve ser a posição ocupada pelos pronomes oblíquos, em
relação aos verbos, a depender do contexto sintático em que ocorrem.

122 • capítulo 2
CONCEITO
Intertextualidade
O termo intertextualidade fora proposto por Julia Kristeva (1979) a partir de uma franca
influência dos trabalhos realizados por Mikhail Bakhtin (1895-1975). A noção de Intertextu-
alidade, introduzida por Kristeva para o estudo da literatura, chamava atenção para o fato de
que a produtividade da escritura literária redistribui, dissemina textos anteriores em um texto
atual. Uma vez que todo texto literário apresenta como característica uma relação, implíci-
ta ou explicitamente marcada, com textos que lhe são anteriores, essa concepção permite
tomar o texto literário como o lugar do intertexto por excelência. “[...] todo texto se constrói
como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto” (KRIS-
TEVA, 1979, p. 68).

Os pronomes pessoais caracterizam-se:


•  por denotarem as três pessoas gramaticais (quem fala; com quem se fala;
de quem se fala).
•  por poderem representar, quando na 3ª pessoa, uma forma nominal ante-
riormente expressa.

•  Exemplo: Levantaram Tina, quiseram levantá-la, embora ela se opusesse [...]

•  por variarem de forma, segundo a função que desempenham na oração:

RETOS Função sujeito e predicativo. Poderão ser vocativos (no caso de tu e vós);

OBLÍQUOS fundamentalmente função sintática de objeto direto ou indireto.

•  quando o pronome oblíquo de 3ª pessoa, que funciona como objeto dire-


to, vem antes do verbo, apresenta-se sempre com as formas o, a, os, as.

•  Exemplo: Não o ver para mim é um suplício.

•  quando, porém, está colocado depois do verbo e se liga a este por hífen
(pronome enclítico), a sua forma depende da terminação do verbo:

capítulo 2 • 123
Forma verbal terminada em vogal ou ditongo oral, emprega-se o, a, os, as:
A Louvo-o; Louvei-os.

Forma verbal terminada em —r, —s, ou —z, suprimem-se estas consoantes, e o


B pronome assume as modalidades lo, la, los, las:
Vê-lo para mim é um suplício. Encontramo-la em casa”.

Forma verbal terminada em nasal, a nasalidade transmite-se ao pronome:


C A professora passa os exercícios e os alunos fazem-nos com prazer.

ATENÇÃO
Infrações gramaticais
1)  O uso indevido de um pronome pode gerar ambiguidade, como em:
Miguel disse a Paulo que ele chegaria primeiro.

2)  Na fala vulgar e familiar do Brasil, é frequente o uso do pronome ele(s), ela(s) como
objeto direto em frases como “Vi ele” e “Encontrei ela”. O certo é “Vi-o” e “Encontrei-a”, pois
ambos os verbos são transitivos diretos, exigindo como complemento objeto direto. Portanto
é errado dizer também “Não lhe via há muito tempo”. O correto é “Não o via há muito tempo”.

(CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001)

Em situações de maior formalidade, os pronomes pessoais oblíquos devem


ser empregados sempre após o verbo, desde que não haja a presença de um
atrator que possa justificar a ocorrência da próclise.

Colocação pronominal no português do Brasil e no de Portugal

Um dos aspectos que diferenciam bastante o português do Brasil do português


de Portugal é justamente a posição em que os pronomes oblíquos átonos cos-
tumam ocorrer.

124 • capítulo 2
Como a organização do aspecto rítmico dos enunciados é bem diferente
para as duas variedades do português, em Portugal, fatores produtivos da lín-
gua levaram ao uso sistemático do pronome oblíquo átono após o verbo, em
contexto em que, no Brasil, refere-se o emprego antes do verbo.

Posição ocupada pelos pronomes oblíquos átonos

Os pronomes oblíquos átonos podem ocupar três posições diferentes:

Quando o pronome oblíquo átono vem antes do verbo, diz-se que ocorreu uma
1 próclise pronominal.
Exemplo: Não se permitiam mulheres na política.

Quando o pronome oblíquo átono aparece após o verbo, diz-se que ocorreu uma
2 ênclise pronominal.
Exemplo: Justificou-nos a sua ausência à reunião.

Quando o pronome oblíquo átono aparece entre o radical e a desinência das


formas verbais do futuro do presente e do futuro do pretérito, diz-se que ocor-
3 reu uma mesóclise.
Exemplo: Inscrever-me-ei no Concurso para Magistratura do Paraná.

Colocação pronominal

PRÓCLISE Pronome antes do verbo

ÊNCLISE Pronome depois do verbo

Pronome entre o radical e a desinência das formas verbais no futuro


MESÓCLISE do presente e do futuro do pretérito.

capítulo 2 • 125
6.1.1  Regras: colocação dos pronomes oblíquos átonos

Ênclise
O pronome oblíquo átono deve assumir uma posição enclítica (depois) ao ver-
bo nestes contextos:

Verbo iniciando a oração, seguido de pronome oblíquo átono:


A Faça-me o favor de não se atrasar na próxima consulta médica.

Infinitivo impessoal:
B Vai acompanhar-me até o aeroporto?

Imperativo afirmativo:
C Deixe-o na gaveta do armário.

Verbo no gerúndio sem estar precedido da preposição em:


D Não se explicou, deixando-nos apreensivos.

Usa-se pronome oblíquo em posição enclítica quando inexistirem motivos


para o emprego da próclise ou da mesóclise, ou ainda quando o verbo estiver no
infinitivo regido ou não de preposição.

Próclise
Existem determinadas palavras da língua que atraem o pronome oblíquo áto-
no, obrigando o uso da próclise, por isso são consideradas “atratores” dos pro-
nomes pessoais oblíquos átonos e, nesses casos, esses pronomes devem ante-
ceder o verbo que complementam.
Recomenda-se o uso da próclise nos seguintes casos:

Palavra ou locuções de sentido negativo:


A Ninguém lhe devolverá o livro. Nunca a esquecerei, Maria.

126 • capítulo 2
Em orações com o verbo precedido de advérbio, desde que não haja uma pausa
entre eles:
B Aqui me furtaram o pouco que consegui. Amanhã te procurarei para conver-
sarmos.

Pronomes relativos:
C A moça a que me referi é aquela.

Pronomes indefinidos:
D Alguém o traiu naquela história.

Conjunções ou locuções conjuntivas coordenativas que formam orações coor-


E denadas sindéticas alternativas:
Ou te inscreves no concurso, ou te esqueces do prêmio.

Conjunções e locuções subordinativas e integrantes:


F O médico que a examinou é gaúcho. Os professores ficaram frustrados, porque
nos esperavam para a festa e não pudemos comparecer.

Em orações optativas (que exprimem desejo) e exclamativas:


G Deus o ajude! Tomara que me aceitem na Empresa.

Em orações interrogativas:
H Quem me viu com você?

Em orações subordinadas desenvolvidas:


I Mesmo que me queiras, não voltarei.

Em orações com o verbo precedido de um pronome demonstrativo neutro:


J Aquilo te deu uma péssima impressão. Isto me entristece muito.

Em orações com o verbo no gerúndio, precedido de preposição em ou de ad-


vérbio de negação:
L Em se tratando de criança, aceito a brincadeira. Não nos favorecendo nesse
caso, não poderemos mais contar com ele.

capítulo 2 • 127
Mesóclise
A gramática normativa recomenda o uso da mesóclise sempre que o verbo es-
tiver no futuro do presente ou no futuro do pretérito e não vier precedido por
uma das palavras que atraem os pronomes átonos, vistas acima quando se fa-
lou em palavras consideradas atratores, caso em que a próclise irá prevalecer.
Quanto ao uso da mesóclise, ressalta-se que essa colocação pronominal
está praticamente em desuso na língua, ficando hoje restrita somente a alguns
contextos formais de uso escrito da linguagem.
Observa-se frequentemente que, nas raras ocorrências de mesóclise na lin-
guagem coloquial, ela costuma ser utilizada para provocar um efeito de humor
ou de ironia, ou mesmo para criar uma imagem associada ao formalismo exces-
sivo e ao pedantismo.
Nos casos em que a próclise é obrigatória, o pronome fica proclítico, mes-
mo diante de verbo no futuro:

•  Não se aceitarão passaportes vencidos.

Locuções verbais
Nas locuções verbais, pode ocorrer próclise ou a ênclise em relação ao verbo
auxiliar ou ao verbo principal (expresso nas formas nominais).

Verbo auxiliar + gerúndio


Usa-se de preferência a próclise, mas são usados, além dela, mais dois tipos de
colocação.

•  Essa ideia me foi surgindo como uma salvação. (antes do verbo auxiliar)
•  A imagem dela vai-se delineando aos poucos. (depois do verbo auxiliar)
•  Suas amigas estavam preparando-lhe uma festa surpresa. (depois do verbo principal)

Verbo auxiliar + infinitivo


Em geral, o pronome oblíquo átono vem após a locução verbal.

•  Jéssica pareceu comprometer-se com aquele sorriso.


•  Ter uma ideia e poder expressá-la é muito bom.

128 • capítulo 2
Verbo auxiliar + particípio
Geralmente, o pronome oblíquo átono é empregado no meio da locução verbal.
É raro aparecer antes da locução verbal.

•  A lua tinha-se escondido atrás da montanha.

ATENÇÃO
Esta regra vale para todas as locuções verbais formadas por verbo auxiliar + forma nominal
(gerúndio, infinitivo ou particípio): quando se verificar algum dos casos que determinam a
próclise, o pronome fica antes do verbo auxiliar.

Nossa mãe não nos deixava ir ao clube sozinhas. (não — expressão negativa)

Pronome oblíquo átono: fator de coesão


A coesão é revelada por meio de marcas linguísticas presentes na estrutura se-
quencial do texto. Ela estabelece a relação semântica entre elementos do texto
que são cruciais para a sua interpretação. Nesse sentido, como os pronomes
pessoais são palavras que têm sua carga semântica plena apenas quando rela-
cionadas a um substantivo, significa que nunca têm autonomia e, por referir-se
a outro termo, tornam-se peça fundamental na arquitetura de um texto.

RESUMO
Esta Unidade I estrutura-se em dois capítulos. O Capítulo 1 trata dos conceitos básicos da
gramática, como regras de acentuação gráfica e ortografia, uso do hífen, parônimos, homô-
nimos, uso do porquê, emprego dos sinais de pontuação, qualidades da comunicação escrita
(clareza, concisão, adequação vocabular e correção gramatical).

O Capítulo 2 também compreende temas relacionados à descrição dos fatos linguísticos, ou


seja, da estrutura da forma gramatical, focalizando o conteúdo descritivo tradicional, encon-
trado em toda gramática, com ênfase, porém, na compreensão do papel que os elementos e
processos gramaticais desempenham na construção do sentido e na interação verbal.

capítulo 2 • 129
ATIVIDADE
Questões objetivas
1.  (IBMEC - SP-2007) Leia os enunciados a seguir:
I. Especialistas atribuem o alto número de casos de anorexia, em parte, à ________ cultural
por ________
II. A ________ de agentes da Polícia Federal teve grande ________ na imprensa.
As lacunas estão corretamente preenchidas em
a) obseção, magresa, paralisação, repercução
b) obsessão, magreza, paralização, repercussão
c) obsceção, magreza, paralisação, repercussão
d) obssessão, magresa, paralização, repercução
e) obsessão, magreza, paralisação, repercussão

2.  (ESAF) Indique a sequência que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo.
A história nos mostra que o desenvolvimento econômico europeu, ____ partir das navega-
ções, sempre se fez ____ custa dos territórios ultramarinos. Não foram apenas as maté-
rias-primas, destinadas ao consumo ou ____ produção que o financiaram, mas também o
capital propriamente dito, fruto dos lucros e resultado do saqueio da natureza virgem. Hoje, a
biotecnologia abre grande perspectiva ___ um país como o Brasil, de ricosbancos genéticos.
O nosso território foi dos primeiros ____ ser saqueado em sua riqueza vegetal. É necessário
impedir que os produtos da flora e da fauna nos sejam roubados, como roubados fomos no
passado. Noentanto, o governo está empenhado em aprovar uma proposta de emenda ____
Constituição que facilitará a entrega de nossos recursos biológicos ____ estrangeiros.
a) a, à, à, a, a, à, a
b) a, à, à, à, a, à, à
c) à, à, a, à, a, à, a
d) a, a, à, a, a, a, a
e) à, a, a, à, à, a, a

3.  Em seguida vai um pequeno trecho de Machado de Assis, pontuado de diversos modos.
Só uma vez a pontuação estará de acordo com as normas gramaticais. Assinale-a:
a) homem gordo, não faz revolução. O abdômen, é naturalmente amigo da ordem. O estôma-
go pode destruir, um império: mas há de ser antes do jantar;
b) homem gordo não faz revolução. O abdômen é naturalmente amigo da ordem; o estômago
pode destruir um império: mas há de ser antes do jantar;

130 • capítulo 2
c) homem gordo não faz revolução, o abdômen é, naturalmente, amigo da ordem. O estôma-
go, pode destruir um império: mas há de ser antes do jantar;
d) homem gordo não faz revolução: o abdômen e naturalmente, amigo da ordem. O estômago
pode destruir um império: mas há de ser antes do jantar;
e) homem gordo não faz revolução: o abdômen é naturalmente amigo da ordem. O estômago
pode destruir um império mas há de ser, antes do jantar.

Questões discursivas
4.  (FUVEST) Reescreva as frases, substituindo existir por haver e vice-versa:
a) Existiam jardins e manhãs naquele tempo: havia paz em toda a parte.
b) Se existissem mais homens honestos, não haveria tantas brigas por justiça.

GABARITO
Questão 1: e
Questão 2: a
Questão 3: b
Questão 4
a) Havia jardins e manhãs naquele tempo: existia paz em toda a parte.
b) Se houvesse mais homens honestos, não existiriam tantas brigas por justiça.

capítulo 2 • 131
132 • capítulo 2
UNIDADE II
Articulação textual: coesão,
coerência e regência

[...] o modo de ser da Literatura tem algo de peculiar e incom-


parável, e impõe uma tarefa muito específica ao ser transfor-
mada em compreensão... Não há nada que represente uma
marca tão pura do espírito como a escrita, e nada está tão
absolutamente vinculado ao espírito compreendedor como
ela... Quem sabe ler o que foi transmitido por escrito atesta e
realiza a pura atualidade do passado.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços funda-


mentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes,
1997, p. 261-262.

capítulo 2 • 133
134 • capítulo 2
3
Coesão e coerência
textuais
O objetivo deste capítulo é possibilitar uma visão necessária e básica sobre o que
se tem chamado, nos estudos linguísticos, de coerência e coesão textuais, como
também discorrer sobre os instrumentos necessários para entender o fenômeno
da textualidade em suas várias manifestações. Para isso, apresentaremos uma
teorização mínima e essencial, razão por que não será polemizada qualquer con-
trovérsia, ainda que de ordem terminológica, buscando-se trabalhar apenas a li-
nha de ideias que se julga ser a mais pertinente e válida do nosso ponto de vista.

O que é um texto?

Conceitua-se o texto como uma manifestação verbal, constituída de elementos


linguísticos selecionados e ordenados, que é tomada pelos usuários da língua,
de modo a permitir-lhes, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos
semânticos. (KOCH, 2013, p. 27).
Entende-se também que o texto não é uma unidade fechada de sentido –
mas sim uma “rede de sentidos”, formando um todo significativo. Embora ele
possa ser considerado uma unidade inteira – início, meio, fim —, o texto é lugar
de apreensão de sentidos, de trabalho da “linguagem, por excelência”.
O sentido de um texto é construído na interação Autor/Texto/Leitor, e não
algo que preexista a essa interação. Por esse motivo, a coerência não pode ser
entendida como simples qualidade ou propriedade do texto, mas sim ao modo
como os elementos presentes na superfície textual, aliados a todos os elemen-
tos do contexto, vêm a constituir uma configuração veiculadora de sentidos por
parte da interação com seus interlocutores.
Observe o esquema:
Em volta de cada parte, está o seu próprio
contexto. O texto "funcionará" na zona de
interseção com traços paralelos. (KOCH,
Autor Leitor
2013, p. 27).
É necessário, portanto, que haja uma
Interseção interação entre estes três elementos: Au-
tor/ Texto/Leitor, para que sejam capazes
de construir um determinado sentido
Autor diante do texto, pois o sentido não está no
texto, mas se constrói a partir dele, no cur-
so dessa interação.

136 • capítulo 3
1  Coerência: a construção do sentido
A coerência é um dos fundamentos da textualidade. Ela se refere às ligações de
sentido construído no texto, que podem estar relacionadas a diferentes fatores:
lógico linguísticos, textuais ou culturais.
A coerência, para Koch & Travaglia (2014, p. 38), não é apenas uma caracte-
rística do texto, mas depende, fundamentalmente, da interação entre o texto,
aquele que o produz e aquele que busca compreendê-lo. Logo, pode-se sistema-
tizar que o sentido é estabelecido não só pelo texto, mas pelo leitor.
O leitor, com base em conhecimentos que possui, busca interpretar o texto,
produzir sentido, em uma verdadeira atitude de cooperação. Cabe-lhe, então,
a tarefa de estabelecer elos coesivos que não foram explicitados entre as ideias
do texto e, quanto mais informações tiver, mais terá a possibilidade de fazê-lo.
A tela Retirantes (1944) de Portinari, em epígrafe, organiza uma riqueza co-
erente de significado e forma, em uma estrutura total, que define claramente
o lugar e a função de cada detalhe em conjunto. Nota-se, nessa obra de arte, a
retratação da denúncia das desigualdades sociais tão acentuadas naquele pe-
ríodo. São figuras com expressões de cansaço e dor, maltrapilhas, esquálidas e
mutiladas pela vida que dão uma dramaticidade ao contexto.
Os Retirantes é, assim, um perfeito documentário sobre famílias sofridas
em busca de trabalho em meio à pobreza. É fato que para uma leitura crítica,
reflexiva e autônoma, as informações presentes em um texto devem estar ade-
quadas ao conhecimento de mundo do leitor.

DESVENDANDO AS PALAVRAS

Ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas ideias; rela-


COERÊNCIA ção harmônica, conexão.

Falta de lógica; ausência de ligação, de nexo entre fatos, ideias,


INCOERÊNCIA ações, desarmonia, desconexão, discrepância, inconsequência.

capítulo 3 • 137
2  Coesão textual: o uso dos conectivos na
construção do texto

Koch (2023, p. 18) descreve coesão como o fenômeno que diz respeito ao modo
como os elementos linguísticos, presentes na superfície textual, se encontram
interligados entre si, por meio de recursos também linguísticos, formando se-
quências veiculadoras de sentidos.
Esses elementos linguísticos assinalam determinadas relações de sentido
entre os enunciados ou parte de enunciados, como:

oposição ou contraste;

finalidade;

localização temporal;

explicação ou justificativa;

adição de fatos.

É por meio de mecanismos como esses que se vai tecendo o “tecido” (tessi-
tura) do texto. A este fenômeno é que se denomina coesão textual.
Entende-se, assim, por coesão a ligação, a relação, os nexos que se estabe-
lecem entre os elementos que constituem a superfície textual. Ao contrário da
coerência, que é subjacente, a coesão é explicitamente revelada por meio de
marcas linguísticas e pode ser sintática, gramatical e semântica.
Na verdade, há uma relação estreita entre esse tipo de sequenciação tex-
tual e os vários modos de organização do texto. Assim, por exemplo, em um
texto descritivo é natural que a progressão do texto seja realizada por meio de
simples acréscimo de novos elementos da realidade descrita, enquanto, em
um texto argumentativo, essa continuidade se processe por meio de relações
lógicas e, em um texto narrativo, o fato ocorra e seja narrado por meio de uma
sucessão cronológica de fatos relevantes.
Em relação à coesão, reitera-se que os conectores coordenativos (conjun-
ções e locuções coordenativas), assim como as formas verbais pretéritas, advér-
bios e locuções adverbiais, modalizadores, são fundamentais para garantir as

138 • capítulo 3
relações de sentido – de coerência – entre os fatos narrados e descritos, porque
os parágrafos e as sequências textuais temporais construídos, no corpo textual
da narrativa, contribuem não só para a coesão, mas também para a coerência,
isto é, para melhor interpretabilidade do texto.
Produzir um texto se assemelha, assim, à arte de produzir um tecido, ou
seja, conduz-se um fio ora para cá, ora para lá, sempre com o cuidado de amar-
rá-lo para que o trabalho não se perca. Quando se tece, um ponto deve estar
ligado a outro para formar a trama, o que significa que um ponto sozinho não
forma um tecido.
O produtor de um texto é assim como o tecelão, em um eterno desfazer e
refazer de textos; está sempre preocupado, unicamente, com a tessitura de um
texto coeso e coerente por se vir sempre rodeado de sentidos.
Percebe-se, pois, que a relação entre coesão e coerência é muito forte
porque a coesão é fundamental a qualquer tipo de texto e é construída pe-
los procedimentos linguísticos que estabelecem relações de sentido entre
segmentos do texto (enunciados ou parte deles, parágrafos, sequências tex-
tuais), e o uso adequado dos elementos coesivos no texto é de grande rele-
vância para que o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um
sentido diante de um texto.

Coerência sem coesão textual

A coesão é apenas um dos fatores de coerência, que contribui para a constitui-


ção do texto enquanto tal, mas não sendo nem necessária, nem suficiente para
converter uma sequência linguística em texto. Há sequências sem coesão, mas
com coerência; e sequências com coesão, mas sem coerência.
Leia o fragmento descritivo a seguir (ABAURRE, 2007, p. 58).
“[...] Uma folha no chão no outono, vermelha, dourada e marrom, de-
licada. [...] Poeira em um peitoril de janela. Uma pilha de pimentões [...],
amarelos, verdes, vermelhos. [...] O buraco de uma agulha. [...] Uma mãe em
sua cama, chorando, cheiro de manjericão no ar. [...] Uma torre para preces,
alta e octogonal, sacada aberta, solene, rodeada de brasões. Vapor subindo
de um lago no início da manhã. Uma gaveta aberta. Dois amigos em um
café, o lustre iluminando o rosto de um dos amigos, o outro na penumbra.
Um gato olhando um inseto na janela. Uma jovem em um banco, lendo uma
carta, lágrimas de contentamento em seus olhos verdes. [...] O branco de

capítulo 3 • 139
um veleiro, com o vento de popa, velas se agitando como asas de um gigan-
tesco pássaro branco. [...]

(LIGHTMAN, Alan. Sonhos de Einstein. “15 de maio de 1905”. São Paulo:


Companhia das Letras, 1997, p. 72-76).

ATENÇÃO
Substantivos: em vermelho
Adjetivos: em verde

Esse fragmento, em estudo, se organiza por justaposição — sem a presença


de conectores —, isto é, sem a presença da coesão textual; mas, mesmo assim,
pode ser considerado texto, pois constitui uma unidade de sentido.
Nota-se que os substantivos constituem a base do texto e o autor recorre a ad-
jetivos para singularizar as imagens criadas, que vão sendo descritas e apresen-
tadas simultaneamente ao leitor, provocando uma sensação de presente em que
todas as coisas existem ao mesmo tempo, em uma linha coerente de raciocínio.
Portanto, pode sim haver coerência, mesmo sem coesão, mas este tipo de
construção de texto é muito usado na Literatura e em textos publicitários, dife-
rentemente das produções de textos jurídicos, expositivos, didáticos, jornalísti-
cos, técnicos, científicos, entre outros, que pela necessidade de clareza exigem
a utilização explícita dos elementos de coesão.

140 • capítulo 3
3  Mecanismos de coesão textual: referencial,
sequencial e recorrencial

Segundo casamento de Dom Pedro I. Jean-Baptiste Debret (Século XIX)

AUTOR
Jean-Baptiste Debret foi um importante artista plás-
tico (pintor e desenhista) francês. Nasceu em 18 de
abril de 1768, em Paris, e faleceu na mesma cidade
em 28 de junho de 1848. Debret integrou a Missão
Artística Francesa que chegou ao Brasil em 26 de
março de 1816. Suas obras formam um importante
acervo para o estudo da história e cultura brasileira
da primeira metade do século XIX.
Seu trabalho retrata o cotidiano, o processo de independência do Brasil e os primeiros anos
do governo de Pedro I. Uma de suas obras mais conhecidas é um quadro de Dom João em
tamanho real.

Os mecanismos de coesão textual, segundo Koch (2013), dizem respeito a


“todos os processos de sequencialização que asseguram [...] uma ligação lin-
guística significativa entre os elementos [...]” de um texto, conforme se pode

capítulo 3 • 141
evidenciar também na tela de Debret, em epígrafe.
Vimos há pouco que coesão textual são as conexões gramaticais existentes
entre palavras, orações, frases, parágrafos e partes maiores de um texto, e que
os conectores são portadores de sentido, razão por que também contribuem
para construir a coerência de um texto.
Além disso, o bom uso dos elementos coesivos é de fundamental importân-
cia para que o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um sentido
diante de um texto.
Está-se considerando aqui como coesão todos aqueles elementos textuais,
chamados de conectores, que sinalizam para o leitor a relação entre as diversas
partes do texto. São eles: pronomes, as elipses, as hiponímias e hiperonímias e as
repetições, as conjunções e preposições, os advérbios de sequência, as diversas ma-
neiras de sinalizar o tempo, as relações semânticas entre as palavras.
Quanto aos mecanismos de coesão, há apenas três tipos: referencial; se-
quencial e recorrência.

3.1  Coesão referencial

Coesão referencial, também chamada de lexical, é a que se estabelece entre


dois ou mais componentes da superfície textual que remetem (ou permitem
recuperar) um mesmo referente já citado, que pode, em geral, ser acrescido de
outros traços que vão se agregando a ele textualmente.
A coesão referencial é obtida por meio de dois mecanismos básicos:

Substituição: quando um componente de superfície textual é retomado (anáfo-


ra) ou precedido (catáfora) por pronome, verbo, advérbio, quantificadores que
A substituem outros elementos do texto. Há também a substituição por zero (0)
que é a elipse. Tem-se, nesse caso, a coesão referencial por formas pronomi-
nais, formas verbais, formas adverbiais, formas numerais.

Reiteração que se faz por meio de sinônimos, de hiperônimos, de nomes gené-


B ricos, de expressões nominais definidas, de repetição do mesmo item lexical.

142 • capítulo 3
CURIOSIDADE
•  Elemento de referência — pode ser representado por um nome, expressão nominal, frag-
mentos de oração, uma oração ou todo um enunciado.
•  Referente – é algo que se (re)constrói textualmente, no desenrolar do texto, modificando-
se a cada novo nome que se lhe dê ou a cada nova ocorrência do mesmo nome.

3.1.1  Substituição de um elemento por outro

Formas Pronominais
a)  Encontrei os óculos que tanto procurava. Eles estavam guardados na estan-
te. (eles — pronome pessoal do caso reto);
b)  Os meninos saíram cedo de casa. Eles foram treinar para o torneio de fute-
bol. (eles — pronome pessoal do caso reto);
c)  O aluno e a mãe foram chamados à direção da escola, mas ninguém compa-
receu. (ninguém — pronome substantivo Indefinido);
d)  João levou um romance policial para a escola, porém quis ler o meu. (meu —
pronome substantivo possessivo);
e)  Pedro experimentou um terno azul escuro, mas decidiu comprar aquele.
(aquele —pronome substantivo demonstrativo);
f)  Antônio, João e Miguel depuseram na Delegacia, entretanto quem disse a
verdade? (quem — pronome substantivo interrogativo);
g)  Todos os professores que foram convocados compareceram à reunião. (que
— pronome substantivo relativo);
h)  Paulo foi para Itália e lá foi feliz. (lá — pronome adverbial).

Formas verbais (geralmente, ser e fazer)


Os verbos são empregados em referência a todo o predicado e não apenas
ao verbo.
a)  O cantor apresentou apenas dois números, e o mágico fez o mesmo. (ver-
bo fazer)

Formas adverbiais
a)  Saiu três vezes, e o outro, nunca.

capítulo 3 • 143
Formas numerais
a)  Antônio e Rafaela saíram, mas os dois se desentenderam.
b)  Comprou vários presentes; o primeiro, uma bola de futebol.
c)  Fiz 10 exercícios de Português, mas o meu professor pediu o dobro.
d)  Havia dez maçãs e ela comeu um terço delas.

Substituição por elipse


Outro processo utilizado, na coesão dos elementos do texto, é a substituição
por elipse, que é a omissão de termos já enunciados e, por isso mesmo, podem
ser facilmente recuperados por meio de outros elementos textuais.
A elipse, segundo os ensinamentos da gramática normativa, é uma figura de
construção (ou de sintaxe) caracterizada pela omissão de um termo facilmente
subentendido pelo contexto ou pela situação.
A elipse pode também ser entendida como um processo de economia dis-
cursiva que tanto pode resultar de ocorrências ligadas ao contexto ou à situa-
ção, como de usos estabelecidos na língua.
Neste texto: “[...] sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos
povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia,
mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua.” (A alma encantadora das
ruas — João do Rio)
No exemplo apresentado, há a elipse do pronome nós com função de sujeito
nas formas verbais sentimos, soframos.

3.1.2  Reiteração de elementos do texto

Sinônimos ou quase sinônimos

Por hipônimos e hiperônimos

Hiperônimo é o termo geral e hipônimos são os termos específicos nele con-


tidos. Assim, fruta é hiperônimo de laranja, pera, abacaxi e estes vocábulos
são hipônimos.
Hiperônimos e hipônimos são vocábulos que pertencem a um mesmo cam-
po semântico, ou seja, campo de sentido. O hiperônimo é o termo mais abran-
gente e o hipônimo, o mais específico.
As palavras como computador, monitor, impressora e teclado apresentam

144 • capítulo 3
certa familiaridade de sentido pelo fato de pertencerem ao mesmo campo se-
mântico, ou seja, ao universo da Informática. Já a palavra equipamento tem um
sentido mais amplo, que engloba todas as outras. No caso, diz-se que o com-
putador, o monitor, a impressora e o teclado são hipônimos de equipamento.
Equipamento, por sua vez, é um hiperônimo dessas palavras.

BEBIDA REFRIGERANTE COCA-COLA

Note que as palavras “bebida”, “refrigerante” e “Coca-Cola” estabelecem


entre si uma relação de sentido, porém há uma espécie de escala de significa-
ção entre elas.
“Bebida” é um hiperônimo de “refrigerante”, que por sua vez funciona
como hipônimo nesse caso.
Já em relação à “Coca-Cola”, “refrigerante” é um hiperônimo e “Coca-Cola”
torna-se o seu hipônimo.
O normal é o hipônimo preceder o hiperônimo, pois, quando se inverte a or-
dem, o texto perde a clareza. Geralmente, a regra é esta: o hipônimo precede o
hiperônimo. Contudo, há casos especiais em que se deve inverter a ordem, por
exemplo, quando um hiperônimo ou uma locução hiperônima precede uma
enumeração de hipônimos, anunciando-a:

“Na primeira metade do século XVIII, a região paraense progressivamente se transfor-


ma em centro exportador de produtos florestais, como: cacau, baunilha, canela, cravo,
resinas aromáticas.”
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32 ed. São Paulo:  Nacional, 2005.

Outra exigência para o emprego da hiperonímia é que para se retomar um


referente por meio de um hiperônimo, é necessário que a expressão que no-
meia esse referente tenha sido explicitamente mencionada antes.

EXEMPLO
•  Nomes genéricos:
Miguel comprou camisas, sapatos e outras coisas.
•  Termos simbólicos:
Antônio Tito não tinha certeza se iria ou não à missa, mas o apelo da cruz foi mais forte.

capítulo 3 • 145
Repetições do mesmo termo:

a)  de forma idêntica: Paulo comprou a lancha, mas viu que a lancha não
tinha seguro.
b)  com um mesmo determinante: Paulo comprou a lancha, mas essa lancha
lhe trouxe problemas.
c)  de forma abreviada: Fernando Henrique Cardoso foi um bom político, mas
FHC não quer mais se recandidatar a cargo algum.
d)  de forma ampliada: Lula não goza do mesmo prestígio na política, logo certa-
mente Luís Inácio Lula da Silva seria voto vencido em uma eleição presidenciável.
e)  por forma cognata: Trabalhar é bom e o trabalho enobrece o homem.

Por expressões nominais definidas:

Pelé foi a Paris, onde o jogador do Século XX foi premiado.

Coesão referencial: anafórica ou catafórica

Reiteramos que a coesão referencial ocorre quando determinado elemento tex-


tual se remete a outro, substituindo-o. A referência, inicialmente, pode ser em
relação a um dado externo ou interno ao texto. Dessa forma, temos:

Coesão por referência exofórica: é aquela que se refere a um elemento fora do texto.

Coesão por referência endofórica: é aquela que faz referência a algo dentro do texto.

À ativação de referentes já mencionados no texto, nomeia-se anáfora, en-


quanto que à ativação de referentes que ainda serão mencionados, chama-
se catáfora.
Segundo Koch (2013), na coesão exofórica, o referente está fora do texto;
enquanto na coesão endofórica o referente se acha expresso no próprio texto.
Neste último caso, se o referente precede o item coesivo, tem-se a anáfora; se
vem após, a catáfora.

146 • capítulo 3
Observe o diagrama: I06

REFERÊNCIA

SITUACIONAL TEXTUAL
COESÃO EXOFÓRICA COESÃO ENDOFÓRICA

ANAFÓRICA CATÁFORA
(AO QUE PREDECE) (AO QUE SE SEGUE)

Na coesão endofórica, todo o processo de remissão é explícito ao texto, en-


quanto, na coesão exofórica, o leitor é obrigado a realizar todo esse processo
sozinho, com o seu conhecimento de mundo, com as suas vivências.
Esse tipo de coesão por remissão pode ser efetuado mediante os recursos
de ordem gramatical – pronomes pessoais de terceira pessoa (retos e oblíquos)
e os demais pronomes (possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogati-
vos, relativos), os diversos tipos de numerais, advérbios pronominais (aqui, aí,
lá, ali) e artigos definidos; ou, então, por intermédio de recursos de natureza
lexical, como sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, descrições definidas
e, finalmente, por meio da elipse.
A remissão para à frente – catáfora – realiza-se preferencialmente por meio
dos pronomes demonstrativos (isto, aquilo) ou indefinidos neutros (tudo, nada)
ou de nomes genéricos, como também por meio dos demais tipos de prono-
mes, de numerais e de advérbios pronominais.
O texto a seguir, de autor desconhecido, é um exemplo de um texto-piada
em que vários desses mecanismos de coesão referencial ou lexical estão pre-
sentes. Observe:

Num hospital para doentes mentais, certa vez, um dos pacientes passou horas escre-
vendo furiosamente.
Um psiquiatra, vendo-o em tão intensa atividade, perguntou-lhe:
- O que é que você está fazendo?
- Escrevendo, respondeu.
- Escrevendo o quê? - perguntou-lhe o médico.

capítulo 3 • 147
- Uma carta.
- Ah! Muito interessante! E para quem é a carta?
- Para mim mesmo.
- O que é que está escrito aí? – perguntou-lhe o psiquiatra, curioso.
Ao que o paciente respondeu:
- Não sei. Ainda não recebi...
(Autor desconhecido)

Nesse texto-piada, pode-se identificar os seguintes casos de coesão referen-


cial estudados:

Psiquiatra (hipônimo — termo específico),

Vendo-o (o — pronome pessoal oblíquo anafórico, retoma o termo paciente),

Perguntou-lhe: (lhe — pronome pessoal oblíquo anafórico, retoma o termo paciente),

(Você — pronome de tratamento anafórico, retoma o termo paciente),

Respondeu (zero — coesão por elipse (sujeito oculto),

Perguntou-lhe (lhe — pronome pessoal oblíquo anafórico, retoma o termo paciente)

E respondeu (zero — coesão por elipse/sujeito oculto),

O médico. (Coesão por hiperônimo),

(Aí — pronome adverbial anafórico, retoma o termo carta),

sei e recebi (zero — coesão por elipse/sujeito oculto).

O referente do constituinte um dos pacientes, da primeira frase, é retomado


pelos pronomes oblíquos o e lhe (uma ocorrência do primeiro e duas do segun-
do). O de um psiquiatra é retomado por o médico (hiperonímia).

Em seguida, tem-se o pronome adverbial aí, equivalente a “nesse lugar”, que


remete para a carta mencionada anteriormente, a qual é retomada por “zero”

148 • capítulo 3
(elipse total) no final do texto, quando o paciente, em resposta à pergunta do
médico, diz: “Não sei. Ainda não recebi”, ou seja, “Ainda não recebi a carta”.

CONCEITO
Tomismo — é a filosofia escolástica de São Tomás de Aquino (1225-1274), e que se carac-
teriza, sobretudo, pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo. Procurando
assim integrar o pensamento aristotélico e neoplatônico, aos textos da Bíblia, gerando uma
filosofia do Ser, inspirada na fé, com a Teologia.

Leia este fragmento, extraído do conto machadiano Quem conta um conto,


sobre a arte de contar ou narrar:

Eu compreendo que um homem goste de ver brigar galos ou de tomar rapé. Os rapés
dizem os tomistas que alivia o cérebro. A briga de galos é o Jockey Club dos pobres. O
que eu não compreendo é o gosto de dar notícias.
E todavia quantas pessoas não conhecerá o leitor com essa singular vocação? O nove-
leiro não é tipo muito vulgar, mas também não é muito raro. Há família numerosa deles.
São mais peritos e originais que outros. Não é noveleiro quem quer. É ofício que exige
certas qualidades de bom cunho, quero dizer as mesmas que se exigem do homem de
Estado. O noveleiro deve saber quando lhe
convém dar uma notícia abruptamente, ou quando o efeito lhe pede certos preparativos:
deve esperar a ocasião e adaptar-lhe os meios.
MACHADO DE ASSIS, J. M. Quem conta um conto. In: Contos fluminenses. Rio de
Janeiro: Saraiva, 1999.

A referência em Quem conta um conto está resumida em "o gosto de dar no-
tícias", uma vez que, em torno dele, gravitam as indagações contidas no conto.
Tanto que, ao iniciar suas considerações, o narrador mostra-se intrigado diante
da natureza humana para espalhar novas, declarando-se capaz de perceber a le-
gitimidade de certos prazeres duvidosos, unicamente com a intenção de tornar
mais incisiva a declaração seguinte: "O que eu não compreendo é o gosto de dar
notícias" (1999, p. 57).
Por constituir a referência textual básica, "o gosto de dar notícias" será
continuamente retomado por meio de elementos coesivos. A primeira reto-
mada ocorre por "essa singular vocação", em que o pronome adjetivo "essa",

capítulo 3 • 149
além de determinar o nome e seu modificador, faz uma referência anafórica
ao "gosto de dar notícias", gosto este que engendra um tipo, o "noveleiro", em
relação ao qual o narrador declara: "Não é tipo muito vulgar, mas também não
é tipo muito raro" (1999, p. 57), criando pressupostos nada enaltecedores da
singularidade de tal tipo.
Ao declarar que o noveleiro não é um tipo nem muito raro, nem muito vul-
gar, informa implicitamente que de "vulgar" a "raro" há uma considerável gra-
dação de sentidos, pressupõe-se, assim, que poucos são realmente habilidosos
e, contudo, existe grande número deles.
Um relevante elemento coesivo é o vocábulo "ofício" que remete ao vo-
cábulo "noveleiro", revelando o humor severo que move o narrador, uma
vez que este compara as habilidades do noveleiro às do homem de Estado,
já que ambos precisam ser especialmente versados na técnica de subjugar
seus interlocutores.
A seguir, o narrador retoma a questão preliminar, ou melhor, a questão de
sua perplexidade quanto ao "gosto de dar notícias", estabelecendo o vínculo
com a declaração inicial mediante a recorrência de estruturas sintáticas: "Não
compreendo, como disse, o ofício noveleiro" (1999, p. 57), na qual o conector
"como" e o pretérito perfeito do indicativo do verbo "dizer" retomam, reiteran-
do, o aparente desconcerto do narrador diante do noveleiro.
O narrador, como já posto, parece não compreender bem o ofício de nove-
leiro. Escapa-lhe ao entendimento que se encontre satisfação em contar, re-
criando, um episódio qualquer: "É coisa muito natural que um homem diga o
que sabe a respeito de algum objeto; mas que tire satisfação disso, lá me custa
a entender" (1999, p. 57).
Utilizando-se de uma oração adversativa, vinculou-se um novo sentido a no-
veleiro, "que tira satisfação" de dar notícias. A seguir, o desvelamento do que
motiva o noveleiro: "Ganha-se sempre em conhecer-se os caprichos do espírito
humano" (1999, p. 58).
Ao focalizar o "gosto de dar notícias" como um hipônimo de "caprichos do
espírito humano", o narrador implicitamente parece admitir a legitimidade do
referido gosto, porque o reconheceu como uma das tantas marcas característi-
cas da condição humana.

150 • capítulo 3
3.2  Coesão sequencial

A coesão sequencial é o estabelecimento de um sistema de referências e do


correto encadeamento de ideias para que haja sentido nos textos. Esse enca-
deamento de ideia é que permite que o texto avance, progrida, mas sem haver
retomada de termos ou expressões, por isso se chama coesão sequencial.
A coesão sequencial se dá por sequenciação temporal e sequenciação por
conexão. A primeira pode ser por ordenação linear, por expressões sequenciais,
por marcadores temporais ou por correlação dos tempos verbais. Já a segunda,
é a sequência que se faz por meio de conectores argumentativos (condicionali-
dade, causalidade, concessão, finalidade).
Não é sem propósito, que a utilização precisa dos mecanismos coesivos
ajuda a garantir a progressão textual e a promover uma boa articulação das
ideias, informações e argumentos no interior do texto, pois é por meio da co-
esão por sequenciação que o texto avança, garantindo-se, porém, a continui-
dade dos sentidos.

3.2.1  Exemplos de coesão sequencial

a) Condicionalidade: Se amanhã houver greve dos rodoviários, não haverá aula.


b)  Causalidade: Todos os alunos foram ao passeio de bermuda porque estava
fazendo muito calor.
c)  Implicação lógica: Só há um meio de escrever melhor: lendo.
d)  Explicação ou justificativa: Todos os professores chegaram atrasados, pois o
trânsito estava um caos.
e)  Conjunção: Cheguei a Brasília às 22h, e todos já estavam dormindo.
Charolles, (apud KOCH, 2014, p. 69), enfatiza que o uso dos mecanismos
coesivos tem por função facilitar a interpretação do texto e a construção da co-
erência pelos usuários.
No entanto, seu uso inadequado pode dificultar a compreensão do texto,
pois por possuírem, por convenção, funções bem específicas, eles não podem
ser usados sem respeito a tais convenções. Se o seu emprego estiver em de-
sacordo com sua função, o texto parecerá destituído de sequencialidade, o
que dificultará a sua compreensão e, portanto, a construção da coerência pelo
leitor/ouvinte.
Desse modo, por mais que as conjunções estejam incluídas no campo da

capítulo 3 • 151
coesão, elas são importantes para que o texto seja coerente, pois o uso indevido
de uma conjunção em uma sequência pode alterar o sentido da frase, podendo,
inclusive, comprometer o sentido do texto.

3.3  Coesão recorrencial

A coesão recorrencial é um mecanismo de coesão muito frequente, na Litera-


tura, especificamente no poema, que consiste em fazer o texto progredir pela
repetição dos termos, de estruturas, de conteúdos, de recursos fonológicos e de
tempos verbais.
No poema Cidadezinha qualquer, de Drummond, as palavras “entre”, “de-
vagar” e “vai” repetem-se, mas com finalidade poética, representando iconica-
mente, isto é, os versos imitam a coisa designada, que é a mesmice interiorana:
“Um homem vai devagar. / Um cachorro vai devagar. / Um burro cai devagar. /
Devagar... as janelas olham. /Êta vida besta, meu Deus. ”

CONCEITO
•  anáfora, quando retoma os elementos expressos anteriormente no texto;
•  catáfora, quando o termo pressuposto aparece depois do elemento coesivo;
•  coesão lexical, quando envolve a substituição de um vocábulo por outro de mesmo sig-
nificado – o chamado sinônimo – ou por palavras que estabeleçam entre si uma relação de
sentido – hiperônimos e hipônimos;
•  coesão referencial é a que cria, no interior do texto, um sistema de relação de palavras e
expressões, permitindo que o leitor identifique os referentes sobre os quais se fala no texto;
•  coesão sequencial é a que cria, no interior do texto, condições para que o texto progrida, avance;
•  conjunção (conectores), quando se estabelecem relações semânticas entre elementos ou
orações do texto; pode ser aditiva, adversativa, causal, temporal;
•  elipse, quando um elemento do texto é substituído por zero e, assim, como a classificação
anterior, pode ser nominal, verbal ou frasal;
•  zeugma é uma forma de elipse. Ocorre quando é feita a omissão de um termo já mencio-
nado. Exemplo: Ele gosta de Geografia; eu, de Português.
•  referência, quando um elemento do texto remete a outro, necessário à sua interpretação;
•  reiteração é a repetição de expressões que têm a mesma referência no texto;
•  substituição, quando um elemento do texto é colocado no lugar de outro, para evitar repe-
tição; pode ser nominal, verbal ou frasal.

152 • capítulo 3
3.4  Textualidade e seus fatores de coerência

“Todo texto assemelha-se a um iceberg — o que fica à tona, isto é, o que é ex-
plicitado no texto é apenas uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou
seja, implicitado.” Ingedore Koch
O fragmento a seguir é um grande ensinamento acerca de textualidade e
como narrar com coesão e coerência. O narrador, o ex-jagunço Riobaldo, ape-
sar de ser um homem simples do sertão, faz profundas reflexões filosóficas de
como se deve contar histórias para que elas tenham sentido. Leia o fragmento:

“Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que
têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembran-
ça da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se
misturam [...] Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância.
Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente
data. Toda saudade é uma espécie de velhice. Talvez, então, a melhor coisa seria contar
a infância não como um filme em que a vida acontece no tempo, uma coisa depois da
outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido, princípio, meio e fim,
mas como um álbum de retratos, cada um completo em si mesmo, cada um contendo
o sentido inteiro. Talvez seja esse o jeito de escrever sobre a alma em cuja memória se
encontram as coisas eternas, que permanecem [...]."
(Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. http://www.dominiopublico.gov.br/pesqui-
sa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=159223&co_midia=2)

Percebe-se que a palavra “não” nega a ideia anteriormente expressa: "Con-


tar é muito dificultoso.” Assim, o narrador ao empregar a palavra “não” se opõe
à possibilidade de se pensar que contar seja difícil por causa do tempo passa-
do, e o próprio conector adversativo “mas” introduz essa ideia que se opõe à
anterior, mostrando que a dificuldade está “pela astúcia que têm certas coisas
passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares”.
Nesse texto, nota-se a importância dada à coesão e à coerência nesta passa-
gem: “se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam
[...] Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância”.

capítulo 3 • 153
CONCEITO
Textualidade é o conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e
não apenas uma sequência de frases e para que ela se efetive, o texto precisa apresentar, no
mínimo, dois dos seus fatores que são a coerência e a coesão.

A importância da ordem cronológica ou linear no ato de narrar é presen-


tificada nestas linhas: “a melhor coisa seria contar a “infância... acontece no
tempo, uma coisa depois da outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe
dá sentido, princípio, meio e fim, mas como um álbum de retratos”.
Em “Talvez seja esse o jeito de escrever sobre a alma”, o pronome demons-
trativo anafórico “esse” é um conector, pois retoma o que foi desenvolvido antes
sobre o método de contar fatos do passado como um “álbum de retratos”.
Com a sequência de ideias apresentada pelo narrador, nota-se que o texto
se mostra coerente, pois as ideias se complementam de modo lógico, racional.
Percebe-se, então, por meio da escritura de Guimarães Rosa, que um texto não
pode ser construído com frases soltas, desconexas e para que tenha sentido, é
necessário que haja coerência, que é considerada um dos fatores fundamentais
da textualidade, por ser responsável pelo sentido do texto.
Há necessidade também da presença da coesão, que é tida como a manifes-
tação da coerência e responsável pela unidade formal do texto, construindo-se
por meio de mecanismos gramaticais e lexicais, razão por que é também um
dos requisitos imprescindíveis à construção de todo e qualquer texto.
Desse modo, pode-se chamar de textualidade ao conjunto de características
que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de
frases e para que ela se efetive, o texto precisa apresentar, no mínimo, dois dos
seus fatores que são a coerência e a coesão.
Logo, para que haja textualidade, o texto tem que ser bem estruturado, ter
palavras, frases e ideias articuladas entre si. Palavras relacionando-se com pala-
vras, frases com outras frases, parágrafos com outros parágrafos. Essa conexão,
como já posto, é garantida pela coerência e pela coesão textual.

4  FATORES DE TEXTUALIDADE
A constituição dos sentidos nos textos, para Beaugrande & Dressler (2013, p. 18),

154 • capítulo 3
é ancorada por 5 fatores da textualidade responsáveis não só pela textualidade,
mas também por todo o processamento cognitivo do texto. São eles:

Informatividade
Quanto à informatividade, ressalta-se que esse fator está relacionado ao in¬-
teresse do leitor pelo texto e pelo montante de informações de que ele dispõe
sobre o tema do texto.
Se as informações do texto forem previsíveis, isto é, de acordo com as expec-
tativas do leitor, esse texto será avaliado como de baixa informatividade. Em
contrapartida, o texto que contém certo grau de informações previsíveis, como
também novas informações, será considerado como de maior informatividade
e, finalmente, o texto quase imprevisível em suas informações será o mais rico
em informatividade, apesar de exigir maior dedicação do receptor para sua in-
terpretabilidade.
Para que os sentidos possam ser atingidos no texto, é necessária, portanto, a
utilização de informações com um nível de informatividade adequado aos par-
ticipantes da situação comunicativa. A ligação com a realidade do momento,
que é o ponto essencial do texto informativo. I07

Intencionalidade
O produtor de um texto tem, necessariamente, determinados objetivos, que vão
desde a simples intenção de estabelecer o contato com o receptor até a de levá
-lo a partilhar de opiniões ou a agir ou comportar-se de determinada maneira.
Assim, a intencionalidade refere-se ao modo como os emissores usam textos
para realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à ob-
tenção dos efeitos desejados. É por essa razão que o emissor procura, de modo
geral, construir seu texto de modo coerente e dar pistas ao receptor que lhe per-
mitam constituir o sentido desejado.
Graciliano Ramos, em seu romance Vidas Secas, inten-
cionalmente, escreve sobre as ausências de água, de no-
mes, sobrenomes, de palavras, de dinheiro, de respeito.
O silêncio, nesse livro, fala muitas vezes pelas persona-
gens e, Graciliano mostra, a partir de comparações entre
homens e animais, a zoomorfização dos homens. Fabia-
no se compara, intermitentemente, a um bicho, assim
como seu filho e a antropomorfização do animal Baleia,

capítulo 3 • 155
embora cachorra, possui as sensações mais humanas da história e cabe a ela
também o momento mais dramático da narrativa. A ela, o autor provê alegrias
e tristezas, vida e morte; às demais personagens, cabe apenas a sobrevivência.
Graciliano narrou, portanto, por meio dessa obra, intencionalmente, a rea-
lidade de uma determinada região e as injustiças sofridas pelas camadas des-
prestigiadas.
Para melhor entendimento do leitor, ele tem que ter conhecimento de mun-
do (informatividade), ou seja, saber ou ter lido sobre os abalos sofridos pelo
povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a crise econômica pro-
vocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a crise cafeeira, a Revo-
lução de 1930, o acelerado declínio do Nordeste.
Os romancistas da década de 1930 caracterizavam-se por adotarem visão
crítica das relações sociais, regionalismo, ressaltando o homem hostilizado
pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o
meio lhe impõe.
O romance Vidas Secas narra o episódio de uma família de retirantes em
busca de um lugar que lhes ofereça meios de melhorar suas condições de vida.
Essa família é composta por Fabiano, homem humilde e trabalhador; Sinhá Vi-
tória, esposa resignada e fiel; o Menino mais novo e o Menino mais velho, crian-
ças inocentes, representantes do anonimato social; além da cachorra Baleia,
animal que se humaniza em relação à dura realidade por que passa Fabiano e
sua família.

CONEXÃO
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&-
co_obra=117657,acessado em 19 de abril de 2015.

AUTOR
Graciliano Ramos de Oliveira (Quebrângulo, 27 de
outubro de 1892 — Rio de Janeiro, 20 de março de
1953). Foi um romancista, cronista, contista, jornalista,
político e memorialista brasileiro do século XX, mais
conhecido por seu livro Vidas Secas (1938).

156 • capítulo 3
Além do importante papel como romancista, Graciliano Ramos foi jornalista e político.
Sua obra é marcada por um forte teor social, como Memórias do Cárcere (1953), em que re-
vela sua amarga experiência, no período em que esteve preso, durante a ditadura de Getúlio
Vargas, em 1935, acusado de subversão.
O escritor foi homenageado na 11ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), realiza-
da entre os dias 3 e 7 de julho de 2013, momento em que foi comemorado o seu aniversário
de 120 anos.

REFLEXÃO
A intencionalidade tem relação estrita com o que se tem chamado de argumentatividade. Se se
aceita como verdade que não existem textos neutros, que há sempre alguma intenção ou obje-
tivo da parte de quem produz um texto, e que este não é jamais uma “cópia” do mundo real, pois
o mundo é recriado no texto por meio da mediação de nossas crenças, convicções, perspecti-
vas e propósitos, então se admite que existe sempre uma argumentatividade subjacente ao uso
da linguagem. (KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Intencionalidade e
aceitabilidade. In: A coerência textual. 18 ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 84).
M. Pêcheux (1975) afirma também que “não há discurso sem sujeito e não há sujeito
sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz
sentido”.

Situacionalidade
O terceiro fator de textualidade é denominado de situacionalidade, que é outro
fator responsável pela coerência, pode ser vista atuando em duas direções: da
situação para o texto e do texto para a situação, ou seja, na produção e na recep-
ção do texto.
Desse modo, a situacionalidade determina como deve ser produzido o tex-
to. O contexto deve servir como orientação para a produção e para a recepção,
sendo fun¬damental que o produtor saiba quem é o receptor de seu texto e
quais os seus conhecimentos.
Um professor, por exemplo, na condição de palestrante, não utilizará o mes-
mo registro de linguagem para dar uma palestra para outros professores em
um Congresso e para um grupo de estudantes do Ensino Médio em uma ativi-
dade escolar.

capítulo 3 • 157
Aceitabilidade
A aceitabilidade é a contraparte da intencionalidade, ou seja, o autor ao produ-
zir um texto tem uma intenção ou objetivo provável com o leitor, e o leitor, por
sua vez, esforça-se (intuitivamente) para compreender e entender o enunciado.
Na verdade, a união destes três fatores intencionalidade, aceitabilidade e
situacionalidade é responsável pelo tipo de texto utilizado em cada situação co-
municativa.

REFLEXÃO
A aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. [...] quando duas pessoas intera-
gem por meio da linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e procuram calcular
o sentido do texto do(s) interlocutor(es), partindo das pistas que ele contém e ativando seu
conhecimento de mundo, da situação. Assim, mesmo que um texto não se apresente, à pri-
meira vista, como perfeitamente coerente, [...] o receptor vai tentar estabelecer a sua coerên-
cia, dando-lhe a interpretação que lhe pareça cabível, [...].
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Intencionalidade e aceita-
bilidade. In: A coerência textual. 16 ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 85.

Observe o texto a seguir:

“Era meia-noite. O Sol brilhava. Pássaros cantavam pulando de galho em galho. O ho-
mem cego, sentado à mesa de roupão, esperava que lhe servissem o desjejum. Enquan-
to esperava, passava a mão na faca sobre a mesa como se a acariciasse tendo ideias,
enquanto olhava fixamente a esposa sentada à sua frente. Esta, que lia o jornal, absorta
em seus pensamentos, de repente começou a chorar, pois o telegrama lhe trazia a
notícia de que o irmão se enforcara num pé de alface. O cego, pelado com a mão no
bolso, buscava consolá-la e calado dizia: a Terra é uma bola quadrada que gira parada
em torno do Sol. Ela se queixa de que ele ficou impassível, porque não é o irmão dele
que vai receber as honrarias. Ele se agasta, olha-a com desdém, agarra a faca, passa
manteiga na torrada e lhe oferece, num gesto de amor.
(Esse texto reproduz aproximadamente versão ouvida junto a crianças de Araguari-MG).
Fonte: KOCH, Ingedore & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 16 ed. São
Paulo: Contexto, 2014, p. 59.

158 • capítulo 3
Nota-se, na abertura do texto os marcadores temporais, por meio dos quais
se tem a ideia de sequência de fatos, como: “Era meia-noite”, “Enquanto espe-
rava”, “de repente”. Contudo, apesar de aparentemente bem-redigido, o texto
apresenta graves problemas de coerência, pois a narração ocorre à meia-noite,
entretanto, as informações apresentadas contradizem isso, como: “O Sol bri-
lhava,” “o homem espera que lhe servissem o desjejum”; além de outros ele-
mentos que contrariam o conceito de que a Terra gira em torno do Sol, como:
“Terra quadrada”; “Terra que gira parada”.
Há outras contradições ou incoerências relacionadas ao cego e à esposa, a
saber: “O cego olhava fixamente a esposa”; “o homem cego de roupão x o cego pela-
do”; a esposa lia o jornal x começou a chorar com o telegrama”.
Após essas primeiras reflexões, percebe-se que a coerência é regulada
pelo próprio contexto discursivo; razão por que as frases não podem ser ava-
liadas isoladamente, de forma descontextualizada, desconsiderando-se a
situação de comunicação.
O texto apresenta também marcas de coesão, como “esperava que lhe servis-
sem” (servissem ao cego), “passava a mão na faca sobre a mesa como se a acari-
ciasse” (acariciasse a faca), Esta lia o jornal (a esposa sentada), o telegrama lhe tra-
zia a notícia (à esposa), Ela se queixa (a esposa), ele ficou impassível...(o homem
cego), Ele se agasta,...( o homem cego), olha-a ... ( a esposa), dentre outros.
Compreende-se que dos quesitos para se avaliar a coerência de um texto é
o da intencionalidade e o da situacionalidade, segundo o qual basta o texto ser
adequado à intenção e situação com que foi produzido para ser coerente e che-
gar à aceitabilidade, embora seu conteúdo seja incoerente no sentido leigo do
termo. No caso em análise, o leitor sabe que o texto é incoerente, mas faz disso
o seu sentido. Logo, o leitor vai entender que o produtor fez o texto absurdo,
incoerente com um propósito e deve considerar que a não coerência é que lhe
dá sentido.

CONCEITO
•  Agasta (agastar): zanga-se, irrita-se.
•  Absorta: imersa nos seus pensamentos, pensativa

capítulo 3 • 159
Intertextualidadade
Outro fator de coerência é a intertextualidade porque para o processamento
cognitivo (produção/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento prévio
de outros textos, isto é, um texto pode sempre ler outro e, assim por diante, até
o fim dos textos.
Dessa forma, a intertextualidade faz-se por intermédio do conhecimento
advindo de outro(s) texto(s): diálogo entre os textos. Em outros dizeres: “Todo
texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é a absorção e trans-
formação de outro texto”. (KRISTEVA, Julia, 1974, p. 64.)
Quando o produtor cria o novo texto, ele nem sempre o constrói a partir de
ideias inéditas, mas como resultado daquilo que já foi apreendido em outros
textos. Por outro lado, a recepção desse mesmo texto depende também, por
parte do receptor, do conhecimento proveniente de outros textos.
Um exemplo de intertextualidade ocorre entre Otelo (1622) e a novela Mou-
ro de Venezia (1584), de Geraldo Cinthi. Shakeaspeare seguiu de perto a versão
original, mas fez algumas modificações: atribuiu ao nosso Mouro um caráter
mais nobre e refinado e também uma função de destaque em Veneza. Aumen-
tou também a importância de Emília na trama; acentuou a dignidade de Iago;
criou novas personagens e eliminou outras.
Machado de Assis, em Dom Casmurro, faz alusões a Otelo, de Shakespeare,
permitindo-nos relacionar também essas duas obras sob uma perspectiva de
diálogo intertextual. É a acusação de infidelidade que aproxima Desdêmona de
Capitu. Ambas são envolvidas numa situação dramática que culmina no assas-
sinato da primeira, e na morte relegada da segunda.
Desdêmona denunciada por um lenço, enquanto Capitu vê o próprio filho
ser usado como prova de adultério. Uma inocente, maculada aos olhos de Otelo
pela fala pérfida de Iago, a outra caluniada pela voz do Dom Casmurro que bus-
ca tecer uma imagem de Capitu falsa, enganosa e calculista, deixando a dúvida
de sua inocência por meio de subterfúgios próprios da linguagem jurídica, de
um bacharel e ex-seminarista que se utiliza do grande exercício de retórica vi-
sando a culpá-la de adultério.

CURIOSIDADE
A obra Otelo é classificada como tragédia por apresentar características, como: infidelidade,
desejo desmedido pelo poder; traição e a presença da morte.

160 • capítulo 3
COMENTÁRIO
Reitera-se que o termo intertextualidade fora proposto por Julia Kristeva (1979) a partir de
uma franca influência dos trabalhos realizados por Mikhail Bakhtin (1895-1975). A noção de
Intertextualidade, introduzida por Kristeva para o estudo da literatura, chamava atenção para
o fato de que a produtividade da escritura literária redistribui, dissemina textos anteriores em
um texto atual. Uma vez que todo texto literário apresenta como característica uma relação,
implícita ou explicitamente marcada, com textos que lhe são anteriores, essa concepção
permite tomar o texto literário como o lugar do intertexto por excelência. “[...] todo texto se
constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de outro texto”
(KRISTEVA, 1979, p. 68).

RESUMO
Na parte de coesão textual, trabalhou-se com os mecanismos constitutivos do texto e, a partir
deles processos de ordenação e de retomada dos termos da oração, os tempos verbais, tipos
ou mecanismos de coesão, dentre outros fenômenos.
Na parte de coerência textual, foi feita não só uma exposição sobre a organização dis-
cursiva de cada tipo de texto, mas também a constituição dos sentidos nos textos e seus
demais fatores de textualidade: os elementos linguísticos, a informatividade, a intenciona-
lidade, a intertextualidade.
Por fim, entendeu-se que a coerência textual é global. Um texto será coerente a partir do
momento em que sua totalidade puder produzir uma única unidade de sentido. Essa coerên-
cia global é resultado de um conjunto de coerências locais, ou seja, sequências lógicas den-
tro do texto que, quando reunidas, serão capazes de promover uma intenção comunicativa.
Para que essas relações sejam harmoniosas e não produzam incoerências, é ne-
cessário que a relação entre coerência e coesão seja realizada de maneira adequada.
Portanto, enquanto a coerência é subjacente ao texto e não linear, a coesão deverá dar
sentido entre os elementos da superfície textual, sendo revelada por meio de marcas
linguísticas, dando-lhe um caráter linear.

CONCEITO
Intertextualidade: A intertextualidade é uma espécie de conversa entre textos; esta intera-
ção pode aparecer explicitamente diante do leitor ou estar em uma camada subentendida,

capítulo 3 • 161
nos mais diferentes gêneros textuais. Para compreender a presença deste mecanismo,
em um texto, é necessário que a pessoa detenha uma experiência de mundo e um nível
cultural significativos.
Paráfrase é a réplica de um escrito alheio, posicionado em um uma obra com as palavras
de seu autor. Este deve, portanto, esclarecer que o trecho reproduzido não é de sua autoria,
citando a fonte bibliográfica pesquisada, a fim de não cometer plágio.
Pastiche é a imitação rude de outros criadores – escritores, pintores, entre outros – com
intenção pejorativa, ou uma modalidade de colagens e montagens de vários textos ou gêne-
ros, compondo uma espécie de colcha de retalhos textual.
Epígrafe é a citação de pequena extensão ou fragmento de texto, colocada no início de
um capítulo ou em página única de trabalhos acadêmicos, livros, que não se mistura com o
texto produzido, mantendo com este, pensamento relacionado ao conteúdo da obra. Acom-
panhado da indicação de autoria.
Alusão é um tipo de intertexto que faz referência, de modo explícito ou implícito, a uma
obra de arte, a um fato histórico ou a uma celebridade, para servir de termo de comparação e
que apela à capacidade de associação de ideias do leitor que ativa seu conhecimento prévio,
sem o qual o sentido não pode ser alcançado.
Paródia. Modernamente, Sant’Anna (2003 p. 12) define a paródia como um jogo
intertextual, mantido por uma relação antagônica com o texto original. O redator des-
constrói e desvirtua o pensamento do autor, sem, contudo, perder a identidade do tex-
to fonte. Tem por objetivo satirizar, contestar ou ridicularizar fatos sociohistóricos que
ocorrem cotidianamente.

5  Pontuação como fator de coesão e coerência


Pontuar um texto envolve tanto a utilização quanto a supressão de sinais grá-
ficos no intuito de produzir sentido. Daí a necessidade de desenvolver-se um
olhar mais cuidadoso e aplicado ao emprego dos diferentes sinais gráficos
como dado prioritário na construção escrita, pois eles são participantes ativos
da textualidade, interferindo seja na coesão, seja na coerência.
Com efeito, a pontuação adequada é também um elemento fundamental
para garantir a coerência e a coesão textual, por isso deve ser entendida, reitera-
se, como marca de coerência e coesão para estabelecimento do sentido do texto
em determinadas situações comunicativas, pois ela influencia não só na constru-

162 • capítulo 3
ção de um texto coeso e coerente, mas também fornece importantes pistas para o
entendimento do texto, que poderão ser compartilhadas ou não pelo leitor.
A pontuação deve, então, ser vista como um dos componentes de organiza-
ção de ideias – que é tão importante quanto a escolha lexical e o uso dos conec-
tivos –, associando-a ao entendimento do texto, em uma parceria também entre
sintaxe e semântica.
Repare o caso a seguir em que o uso de uma vírgula evidencia uma com-
pleta alteração de sentido, proporcionando quatro versões diferentes para
o mesmo fato:

Um homem rico, à beira da morte, pediu caneta e papel para determinar como seriam
distribuídos os seus bens. Infelizmente, faleceu antes de fazer a pontuação e deixou o
seu testamento assim:
“Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do alfaia-
te nada aos pobres.” (Autor desconhecido)

Afinal, a quem ele deixou a fortuna?


Eram quatro concorrentes: a irmã, o sobrinho, o alfaiate e os pobres. O es-
crito chegou às mãos deles e cada um o reescreveu em benefício próprio. Sendo
assim, produziu-se o texto de várias formas.
•  Primeiramente, chegou o sobrinho e fez estas pontuações numa cópia
do bilhete:

“Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do
alfaiate. Nada aos pobres.”

•  Em seguida, a irmã do morto chegou, com outra cópia do escrito, pontu-


ada deste modo:

"Deixo os meus bens à minha irmã. Não ao meu sobrinho. Jamais será paga a
conta do alfaiate. Nada aos pobres".

capítulo 3 • 163
•  Logo após, surgiu o alfaiate que, pedindo a cópia do original, fez estas
pontuações:

“Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho, jamais. Será paga a conta do
alfaiate. Nada aos pobres.”

O Juiz estudava o caso, quando chegaram os pobres da cidade; e um deles,


mais sabido, tomando outra cópia, pontuou-a assim:
•  Pobres:

"Deixo os meus bens à minha irmã? Não. Ao meu sobrinho? Jamais. Será paga
a conta do alfaiate? Nada. Aos pobres."

O caso acima evidencia como o uso intencional das diversas pontuações


apresentadas pode promover no texto quatro sentidos diferentes e como a es-
colha consciente por um modo específico de pontuação e de articulação sintá-
tica das ideias pode auxiliar o produtor de texto a alcançar a sua intenção, em
um texto mais claro, coerente e seguro.

5.1  Por que pontuar e onde pontuar? Ao pontuar, que sinal deverá
ser utilizado?

A pontuação adequada é também um elemento fundamental para garantir a


coesão textual. Isso implica a utilização dos sinais de pontuação, incluindo tra-
vessão e ponto e vírgula, e não apenas a vírgula e o ponto, como se percebe na
maioria dos textos. A pontuação deve ser entendida como marca de coerência
e coesão para estabelecimento do sentido do texto em determinadas situações
comunicativas.
Assim como se usam os conectores e outros elementos de coesão para arti-
cular vocábulos ou orações e indicar as relações existentes entre eles, os sinais
de pontuação também contribuem para a costura do texto, orientando o leitor
para a construção do sentido.
Dessa forma, o sentido e as intenções pretendidas para o texto, às vezes, são
construídos e indicados pelo uso dos diversos sinais de pontuação que funcio-

164 • capítulo 3
nam como importantes pistas para o entendimento do texto.
Os sinais de pontuação na construção do texto também são responsáveis
pelos efeitos de sentido - ironia, humor, diversão.
Diferentemente da fala, que, além da palavra, conta com outros recursos
para a construção do sentido - expressão facial, entonação, gestos, postura cor-
poral, ambiente -, a linguagem escrita dispõe apenas de recursos gráficos. Entre
esses recursos a pontuação é um dos mais importantes, pois ajuda a organizar
sintaticamente o texto, a evitar ambiguidade, a enfatizar um termo da oração e
a tornar as ideias do texto mais claras, coesas e precisas.
Entretanto, para se entender bem as regras de uso dos sinais de pontuação, é
preciso compreender primeiramente o conceito de frase, oração e período, con-
forme já trabalhado no Capítulo 2 da Unidade I em “A pontuação e a sintaxe”.

Sinais de Pontuação
Estudou-se na Unidade I, Capítulo 1, a pontuação em relação aos termos da
oração, agora se estudará a pontuação em relação aos diversos tipos de oração,
para isso faz-se uma revisão dos elementos fundamentais da sintaxe.
Vimos também, que frase é todo enunciado linguístico com sentido com-
pleto, que começa sempre com letra maiúscula e termina sempre com um dos
seguintes sinais de pontuação: o ponto simples (.), o ponto de exclamação (!),
o ponto de interrogação (?). As reticências [...] indicam que a frase foi cortada
sem terminar.
Os demais sinais de pontuação: vírgula, ponto e vírgula; dois pontos; traves-
são; parênteses não terminam uma frase, mas aparecem dentro dela.
Leia agora o texto a seguir:

"Quando, às duas horas da tarde do dia seguinte, Natividade se meteu no bonde, para
ir a não sei que compras na Rua do Ouvidor, levava a frase consigo. A vista da enseada
não a distraiu, nem a gente que passava, nem os incidentes da rua, nada; a frase ia
dentro dela, com o seu aspecto e tom de ameaça. No Catete, alguém entrou de salto,
sem fazer parar o veículo. Adivinha que era o conselheiro; adivinha também que, posto
o pé no estribo, e vendo logo adiante a nossa amiga, caminhou para lá rápido e aceitou
a ponta do banco que ela lhe ofereceu.
Depois dos primeiros cumprimentos:

capítulo 3 • 165
– Pareceu-me vê-la olhar assustada -disse Aires.
– Naturalmente, não imaginei que fosse capaz deste ato de ginástica.
– Questão de Costume. As pernas saltam por si mesmas. Um dia, deixam-me cair, as
rodas passam por cima...
— Fosse como fosse, chegou a propósito.
— Chego sempre a propósito."
(ESAÚ e JACÓ - Machado de Assis, cap. XXXVIII.)

Percebe-se que o fragmento em estudo é formado por 11 frases. Observe


a primeira frase: “Quando, às duas horas da tarde do dia seguinte, Nativi-
dade se meteu no bonde, para ir a não sei que compras na Rua do Ouvidor,
levava a frase consigo”. Note que a frase só termina quando o narrador com-
pleta o seu enunciado. A frase pode ser longa ou pode ser curta como esta:
"Questão de Costume".
Observa-se no texto dado que há frases que possuem mais de um verbo (os
verbos estão em negrito), frases que possuem apenas um verbo e frases que não
possuem nenhum verbo. Com base nisso pode-se entender o conceito de perí-
odo e oração. Assim, oração é a frase que possui verbo, e Período é a frase que
possui oração ou orações.
O período, como já estudado na Unidade I, pode ser simples, quando pos-
sui apenas uma oração; ou composto, quando possui mais de uma oração. Lem-
brando-se de que a quantidade de verbos em uma frase é a mesma quantidade
de orações. Já a frase nominal acontece quando na frase não há verbos, portan-
to, não há oração.
Análise de exemplos do texto:

Questão de costume. (Nessa frase, não há nenhum verbo,


FRASE NOMINAL portanto, nenhuma oração).

PERÍODO Chego sempre a propósito. (Nessa frase, há apenas um ver-


SIMPLES bo — "chego" — portanto, há apenas uma oração).

166 • capítulo 3
Adivinha que era oconselheiro; adivinha também que, posto o
PERÍODO pé no estribo, e vendo logo adiante a nossa amiga, caminhou
COMPOSTO para lá rápido e aceitou a ponta do banco que ela lhe ofere-
ceu. (Nessa frase, há 7 verbos, portanto, 7 orações).

A pontuação pode ser usada dentro de um período simples para destacar os


termos de uma oração ou dentro de um período composto separando orações.
Para evitar sinais de pontuação desnecessariamente e dar ainda maior cla-
reza ao texto na construção dos períodos, segue-se, preferencialmente, o pa-
drão normal, isto é, a ordem direta (sujeito + verbo + o restante).

Orações coordenadas e subordinadas


Para o estudo do uso da vírgula entre as orações do período há necessidade de
se conhecer as regras de sua aplicação para separar as orações e, consequente-
mente, a identificação dos períodos, das orações e seus tipos.
Atente agora para as explicações que se seguem acerca dos períodos com
mais de uma oração e para compreensão de toda a estrutura dos períodos, das
orações e de seus diversos tipos que se ligam para formar o período.
Além disso, as orações estabelecem relações diversas entre elas, podendo
ser um complemento sintático de outra, ou pode entre elas apenas haver rela-
ção de sentido. Todas essas informações são fundamentais para que se utilize
não só da pontuação de forma precisa, mas também para se construir um texto
bem estruturado com coesão e coerência, ou seja, com textualidade.

Orações Coordenadas
As orações coordenadas não mantêm entre si dependência gramatical, são
independentes. Existe entre elas, evidentemente, uma relação de sentido,
mas do ponto de vista sintático, uma não depende da outra. A essas orações
independentes, dá-se o nome de orações coordenadas, que podem ser as-
sindéticas ou sindéticas.

capítulo 3 • 167
Emprega-se a vírgula para separar as orações coordenadas assindéticas (li-
gadas sem a conjunção) e as orações coordenadas sindéticas (unidas pela con-
junção), com exceção das introduzidas pela conjunção e:

Vim, vi, venci. (orações coordenadas assindéticas)


Maria Antônia está muito doente, logo não vai ao cinema com Paulo Elísio.

As orações coordenadas sindéticas unidas pela conjunção e podem vir sepa-


radas por vírgulas quando tiverem sujeitos diferentes ou, então, a conjunção e
for repetida várias vezes.
Repare estes exemplos:

O rapaz nem se preocupou em se explicar, e seu pai também não fez questão de saber.
“Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua”.

A conjunção e pode funcionar com valor adversativo (= mas) e, nesse caso,


exige-se a vírgula.
Observe:

Usufruí dos seus serviços, e não os paguei.


O homem chorava copiosamente, e não parecia ter perdido sua razão.

CONCEITO
•  Orações Coordenadas: orações colocadas lado a lado, sem que uma seja ter-
mo integrante da outra, ou seja, não existindo relação sintática entre elas. Na ver-
dade, a classificação de uma oração coordenada leva em conta fundamentalmen-
te o aspecto lógico-semântico da relação que se estabelece entre as orações.
Orações coordenadas assindéticas (sem conjunção): orações que se encadeiam sem a pre-
sença de uma conjunção. Aparecem justapostas (uma ao lado da outra), separadas por vírgulas
Orações coordenadas sindéticas: orações coordenadas que vêm articuladas umas às outras
por meio de conjunções coordenativas.

168 • capítulo 3
•  Orações Subordinadas Substantivas
A oração subordinada substantiva tem valor de substantivo e vem introduzida, geralmen-
te, por conjunção integrante (que, se).
Quanto ainda às orações subordinadas substantivas, somente as subordinadas subs-
tantivas apositivas devem ser separadas por vírgula (ou dois pontos) da oração principal; as
demais substantivas, não.
Exemplos:
O diretor da empresa necessita de que todos os colaboradores estejam presentes na
reunião. (objetiva indireta)
Só lhe faço uma observação: que não desrespeite seus colegas. (apositiva)
•  Orações Subordinadas Substantivas são as que exercem, em relação à oração princi-
pal, funções próprias dos substantivos, como: sujeito (subjetiva), objeto direto (objetiva dire-
ta), objeto indireto (objetiva indireta), complemento nominal (completiva nominal), predicativo
(predicativa) e aposto (apositiva).

REFLEXÃO
Estão erradas, portanto, as construções a seguir porque separam por vírgula a oração prin-
cipal de oração subordinada substantiva A exceção é feita apenas à subordinada apositiva
porque tem função de aposto, vindo sempre isolada da oração principal por meio de vírgula
ou de dois pontos.
Repare:
a)  A testemunha disse, que todos os tiros foram efetuados por uma só arma. (objetiva direta)
b)  O Supremo Tribunal Federal tem decidido, que não há crimes nesses casos. (objetiva direta)
c)  Não cabe agora a afirmação, de que o autor não pode arcar com as custas processuais.
(completiva nominal)

Orações Subordinadas Adverbiais


A pontuação dos períodos em que há orações subordinadas adverbiais obede-
ce aos mesmos princípios observados em relação aos adjuntos adverbiais. Isso
significa que a oração subordinada adverbial sempre pode ser separada por vír-
gulas da oração principal. Essa separação é optativa quando a oração subordi-
nada adverbial estiver posposta à principal e será obrigatória quando a oração
subordinada adverbial estiver intercalada ou anteposta.

capítulo 3 • 169
Sendo assim, as orações subordinadas adverbiais são separadas por vírgula
nestes casos:

A) OPCIONALMENTE, SE VIEREM APÓS A ORAÇÃO PRINCIPAL:

José estudou bastante, embora não tenha passado no exame.


José estudou bastante embora não tenha passado no exame.

B) OBRIGATORIAMENTE, SE VIEREM ANTEPOSTAS OU INTERCALADAS À ORAÇÃO PRINCIPAL:

Quando vi a estátua, senti uma das maiores emoções de minha vida.


No período dado, a oração "Quando vi a estátua" é uma oração subordinada adver-
bial temporal e veio anteposta à principal, razão por que a vírgula torna-se obrigatória.
Disse que, quando chegar, tomará todas as providências. A oração intercalada (em
itálico) fica obrigatoriamente entre vírgulas.

C)  OBRIGATORIAMENTE, QUANDO FOREM REDUZIDAS DE GERÚNDIO,


PARTICÍPIO E INFINITIVO:
Por precisar muito de dinheiro, minha irmã fez um empréstimo no Banco. (oração subor-
dinada adverbial causal, reduzida de infinitivo = “Porque precisava muito de dinheiro”—
oração subordinada adverbial causal (desenvolvida).
Chegando a São Paulo, iremos logo à Bienal de Livros. (oração subordinada ad-
verbial temporal, reduzida de gerúndio = “Quando chegarmos a São Paulo...” oração
subordinada adverbial temporal [desenvolvida]).
O réu, condenado a quatro anos de detenção, cometeu novo crime. (oração subordinada
adjetiva explicativa, reduzida de particípio = “que foi condenado a quatro anos de detenção”).
Encontrei seu pai, usando gravata borboleta. (oração subordinada adjetiva explica-
tiva, reduzida de gerúndio = “que usava gravata borboleta”).

CONCEITO
•  Orações subordinadas adverbiais são aquelas que exercem a função de adjuntos adver-
biais, própria dos advérbios e vêm introduzidas por conjunções subordinativas, quando de-
senvolvidas. As orações subordinadas adverbiais podem ser: causais, consecutivas, condicio-
nais, concessivas, conformativas, comparativas, finais, proporcionais, temporais.

170 • capítulo 3
As orações subordinadas reduzidas podem ser de gerúndio, particípio ou de infinitivo,
dependendo da forma verbal que se utilizam para evitar o uso da conjunção ou do pronome
relativo (orações subordinadas adjetivas). As orações reduzidas contribuem, assim, para evi-
tar o uso excessivo da palavra que.

Orações Subordinadas Adjetivas


Na relação que estabelecem com o termo que caracterizam, as orações subor-
dinadas adjetivas podem atuar de duas maneiras diferentes. Há aquelas que
restringem ou especificam o sentido do termo a que se referem, individuali-
zando-o. Nessas orações não há marcação de pausa, sendo chamadas subordi-
nadas adjetivas restritivas. Existem também orações que realçam um detalhe
ou amplificam dados sobre o antecedente, que já se encontra suficientemente
definido, as quais se denominam subordinadas adjetivas explicativas.
Logo, somente as orações subordinadas adjetivas explicativas devem ser se-
paradas por vírgula da oração principal, as restritivas, não. Sendo assim, o uso
da vírgula define o sentido explicativo ou restritivo da subordinada adjetiva.
Repare os exemplos:
O corretor de imóvel, que me pareceu muito ético, enviou sua proposta de
acordo. (oração subordinada adjetiva explicativa)
Os alunos que têm preguiça de ler escrevem muito mal. (oração subordinada
adjetiva restritiva)

CONCEITO
•  Orações Subordinadas Adjetivas Restritivas: são as que delimitam, restringem ou particula-
rizam o sentido de um nome (substantivo ou pronome) antecedente. Na escrita, ligam-se ao
antecedente diretamente, sem vírgulas.
•  Orações Subordinadas Adjetivas Explicativas: são as que acrescentam ao antecedente
uma informação que já é do conhecimento do interlocutor; assim, generalizam ou universali-
zam o sentido do antecedente. Na escrita, aparecem entre vírgulas.

capítulo 3 • 171
Valores Semânticos: orações subordinadas adjetivas

As orações subordinadas adjetivas — geralmente iniciadas pelo pronome rela-


tivo que — são aquelas que têm valor de adjetivo, pois cumprem papel de de-
terminar um substantivo (nome ou pronome) antecedente, por isso funcionam
como adjunto adnominal, referindo-se sempre a um substantivo ou pronome
substantivo, explicando ou restringindo o seu sentido, daí serem classificadas
em explicativas e restritivas.
As orações subordinadas adjetivas explicativas modificam um termo da ora-
ção principal que não necessita de restrição. Assim, as explicativas procuram
apenas dar informações sobre ele, realçando alguma de suas qualidades e são
sempre separadas por vírgula do restante do período:

O elefante africano, que é um animal terrestre, chega a 4 metros de altura e a 7000 quilos de peso.
Oração subordinada
adjetiva explicativa

Orações subordinadas adjetivas restritivas são aquelas que restringem o sen-


tido do termo a que se referem.
Observe:
Jamais teria chegado aqui, não fosse a gentileza de um homem que passava
naquele momento.
Nesse período, observa-se que a oração em destaque restringe e particula-
riza o sentido da palavra "homem": trata-se de um homem específico, único.
A oração limita o universo de homens, isto é, não se refere a todos os homens,
mas sim àquele que estava passando naquele momento. Lembre-se de que a
oração subordinada adjetiva restritiva nunca vem separada da oração principal
por vírgula.
Imagine agora a seguinte situação: está acontecendo uma reunião de profes-
sores na Estácio de Natal — RGN —, e o Coordenador do Curso de Direito diz:
“Neste semestre, se todos concordarem, adotaremos algumas medidas pe-
dagógicas. Os alunos que têm dificuldades em compreensão e interpretação de
textos terão aulas aos sábados”.
No exemplo dado, a intenção do Coordenador é informar que apenas uma
parte dos alunos terá aulas aos sábados, isto é, aqueles que têm dificuldades
em compreensão e interpretação de textos.

172 • capítulo 3
Repare, agora, na alteração de sentido que ocorre na frase quando a oração
adjetiva é colocada entre vírgulas:
“Os alunos, que têm dificuldades em compreensão e interpretação de tex-
tos, terão aulas aos sábados.”
No segundo exemplo, a intenção do Coordenador é outra, pois ele afirma que
todos os alunos têm dificuldades em compreensão e interpretação de textos.
No primeiro caso, a oração subordinada adjetiva restringe, particulariza o
sentido da palavra alunos; portanto é uma oração subordinada adjetiva restritiva.
No segundo caso, a oração explica ou acrescenta à palavra alunos uma in-
formação que já é de conhecimento do interlocutor; por isso é uma oração su-
bordinada adjetiva explicativa. Ela generaliza, universaliza o sentido da palavra
alunos: todos os alunos têm dificuldade em compreensão e interpretação de
textos; por isso todos terão aulas aos sábados.
O uso da vírgula, como se pode notar, define o sentido explicativo ou restri-
tivo da subordinada adjetiva. Daí ser necessária muita atenção para que se evite
alteração grave no sentido de todo o período.

COMENTÁRIO
Pronome relativo é aquele que liga orações e se refere a um termo anterior- o antecedente.
Para reconhecer um pronome relativo e uma oração subordinada adjetiva, procure trocar o
pronome relativo que introduz a oração por o (a) qual, os(as) quais, regidos ou não de preposição.
O emprego desse artifício só não é possível com o conectivo cujo e suas flexões; contu-
do cujo é sempre pronome relativo.

ATENÇÃO
A oração subordinada adjetiva explicativa é separada da oração principal por uma pausa, que,
na escrita, é representada pela vírgula. É comum, por isso, que a pontuação seja indicada
como forma de diferenciar as orações explicativas das restritivas, razão por que as explicati-
vas vêm sempre isoladas por vírgulas; as restritivas, não.

capítulo 3 • 173
RESUMO
Orações Coordenadas: orações colocadas lado a lado, sem que uma seja termo integrante
da outra, ou seja, não existindo relação sintática entre elas.
•  Orações coordenadas assindéticas (sem conjunção): orações que se encadeiam sem a pre-
sença de uma conjunção. Aparecem justapostas (uma ao lado da outra), separadas por vírgulas.
•  Orações coordenadas sindéticas: orações coordenadas que vêm articuladas umas às ou-
tras por meio de conjunções coordenativas que podem ser:
a)  aditivas (sequência ou adição de fatos ou acontecimentos — soma de ideias — sem que
entre as orações se estabeleça alguma outra relação de sentido),
b)  adversativas (o conteúdo da segunda oração opõe-se àquilo que se declara na primeira,
estabelecendo-se uma ideia de compensação ou contraste, oposição),
c)  conclusivas (a segunda oração expressa uma conclusão ou consequência lógica, basea-
da em uma oração anterior),
d)  explicativas ( quando a oração coordenada fornece uma explicação, razão ou motivo para
aquilo que se afirma em uma oração anterior),
e)  alternativas (expressam duas ou mais ideias que se alternam ou se excluem).
Orações Subordinadas: funcionam como termo de uma principal.
•  Orações Subordinadas Substantivas: são as que exercem, em relação à oração principal,
funções próprias dos substantivos, como:
a)  sujeito (subjetiva),
b)  objeto direto (objetiva direta),
c)  objeto indireto (objetiva indireta),
d)  complemento nominal (completiva nominal),
e)  predicativo (predicativa) e
f)  aposto (apositiva).
•  Orações Subordinadas Adjetivas: são as que exercem, em relação à oração principal, a
função de adjunto adnominal, própria dos adjetivos. Essas orações, em sua forma desenvolvi-
da, são introduzidas por pronomes relativos e podem ser explicativas ou restritivas.
•  Orações Subordinadas Adverbiais: são aquelas que exercem a função de adjuntos adver-
biais, própria dos advérbios. As orações subordinadas adverbiais, em sua forma desenvolvida,
vêm introduzidas por conjunções subordinativas.
•  As orações subordinadas adverbiais podem ser:
a)  causais (exprimem uma circunstância de causa);
b)  consecutivas (traduzem a ideia de consequência, indicando um fato que pode ser enten-
dido como um efeito ou uma consequência de algo que se afirma na oração principal;

174 • capítulo 3
c)  condicionais (expressam uma circunstância de condição [real ou hipotética] em relação
ao predicado da oração principal);
d)  concessivas (fazem uma concessão ao que está sendo afirmado na oração principal);
e)  conformativas (expressam ideia de conformidade em relação a algo que foi afirmado na
oração principal);
f)  comparativas (expressam uma comparação — de igualdade, de superioridade ou de infe-
rioridade –, com um dos termos da oração principal);
g)  finais (expressam finalidade, objetivo ou fim daquilo que se declara na oração principal);
h)  proporcionais (expressam gradação ou proporcionalidade, relacionando o processo ver-
bal indicado na oração principal com aquele expresso na subordinada);
i)  temporais (exprimem circunstâncias temporais – de anterioridade, simultaneidade, poste-
rioridade –, relativas ao acontecimento que vem expresso na oração principal).
Orações Reduzidas
•  Subordinadas substantivas reduzidas: desempenham com relação à oração principal, a mes-
ma função que suas equivalentes na forma desenvolvida. Para classificá-las, portanto, basta
desenvolvê-las e analisar que tipo de relação sintática estabelecem com a oração à qual se su-
bordinam e apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).
•  Subordinadas adverbiais reduzidas: quando não são desenvolvidas, podem ser reduzidas de
infinitivo, de gerúndio ou de particípio. Nesse caso, não são introduzidas por uma conjunção su-
bordinativa e apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).
•  Subordinadas adjetivas reduzidas (explicativas e restritivas): não são introduzidas por prono-
me relativo e apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).

COMENTÁRIO
Os conectores ou articuladores têm como função articular, conectar, ligar grupos de palavras;
unir frases simples, formando frases complexas; estabelecer nexos lógicos entre períodos e
parágrafos, de modo a construir textos coesos e coerentes.
O papel coesivo das conjunções na articulação com o texto é de grande importância,
pois, dependendo da escolha de diferentes conjunções coordenativas ou subordinativas, o
sentido de um período composto modifica-se consideravelmente.
Daí ser fundamental o estudo das conjunções ou conectores para a compreensão das
relações semânticas que estabelecem entre as orações, pois só assim haverá condições de
se utilizar adequadamente esses importantes elementos coesivos na elaboração dos textos.
Os conectores podem ser classificados com funcionalidades lógicas distintas, de acordo
com o contexto de uso.

capítulo 3 • 175
Observe o quadro:
Conectores

CONECTORES /
DESIGNAÇÃO FUNÇÃO ARTICULADORES

e, nem (negativa), bem como,


agrupar, adicionar ideias,
não só… mas também, além
ADITIVOS segmentos, sequências,
disso, mais ainda, igualmen-
informação
te, ainda, além de tudo isso.

ou, ou… ou, ora… ora, seja…


apresentar opções,
ALTERNATIVOS alternativas
seja, alternativamente, em al-
ternativa, opcionalmente.

mas, porém, todavia, contudo,


indicar uma oposição, um no entanto, contrariamente,
ADVERSATIVOS contraste pelo contrário, entretanto, e
(= mas).

portanto, assim, logo, por con-


seguinte, concluindo, para
expressar uma conclusão,
concluir, em conclusão, em
CONCLUSIVAS uma inferência (dedução
consequência, daí, então, des-
lógica a partir do já exposto)
te modo, por isso, por este mo-
tivo, pois (depois do verbo).

expressar o motivo, a razão pois (antes do verbo), por-


EXPLICATIVOS de uma afirmação anterior. que, que (= porque).

traduzir o fim, a intenção, o para (que), a fim de, a fim de


FINAIS objetivo que, com o objetivo de

176 • capítulo 3
como, tal como, assim como,
COMPARATIVOS exprimir uma comparação bem como, mais / menos do
que, tanto quanto.

porque, visto que, como, uma


CAUSAIS exprimir a causa, a razão
vez que, já que.

introduzir hipóteses se, caso, desde que, a não


CONDICIONAIS ou condições ser que, contanto que

por isso, de tal forma…


exprimir a ideia de conse-
CONSECUTIVOS quência, resultado, efeito
que, tanto… que, tal… que,
tão… que.

indicar ação que ocorre pro-


ao passo que, à medida que,
PROPORCIONAIS porcionalmente à ação indi-
à proporção que.
cada na oração principal.

6  Coesão nos pronomes demonstrativos:


tempo, espaço, discurso

Imagine uma situação rotineira em uma Delegacia de Polícia.

Quem foi o assassino?


Os suspeitos respondem e cada um deles aponta para uma direção:
–Ele.
–Essa.
–Este.
–Ela.
–Esse.
–Aquele.
E a confusão na Delegacia de Polícia está instaurada.

capítulo 3 • 177
Já se percebe que o momento de um Inquérito Policial é bastante interes-
sante para se aprender o uso desses pronomes.
Nessa situação hipotética, os pronomes demonstrativos são os que indicam
a posição dos seres em relação às três pessoas do discurso.
Do ponto de vista semântico, os pronomes estão caracterizados porque in-
dicam dêixis – que significa designar, dizer — o apontar para —, isto é, estão ha-
bilitados, como verdadeiros gestos verbais, como indicadores, determinados
ou indeterminados; ou de uma dêixis contextual a um elemento inserido no
contexto — a anafórica e a catafórica [...] (BECHARA, 2009, p. 162), já trabalha-
dos anteriormente em Coesão textual.
Sendo assim, os pronomes demonstrativos são os que indicam a posição
dos seres em relação às três pessoas do discurso. A localização pode ser no tem-
po, no espaço ou no discurso:

1ª pessoa: este, esta, isto (e flexões)

2ª pessoa: esse, essa, isso (e flexões)

3ª pessoa: aquele, aquela, aquilo (e flexões)

EU / ESTE

TU / ESSE ELE / AQUELE

Desse modo, os pronomes demonstrativos, assim como os outros pronomes,


também possuem natureza dêitica, porque fazem referência a algo de acordo
com a posição das pessoas do discurso. Em sua relação com as pessoas do discur-
so, os pronomes demonstrativos servem para localizar os objetos (seres e coisas)

178 • capítulo 3
que entram no conteúdo dos enunciados. Para tanto, as pessoas do discurso pas-
sam a ser unidades referenciais em cujos limites o enunciador situa.
Em: “Este livro de Graciliano Ramos” é o livro que está perto da pessoa que
fala; “Esse livro de Graciliano Ramos” é o que está longe da pessoa que fala e per-
to da pessoa a quem se fala; “Aquele livro de Graciliano Ramos” é o que se acha
distante da 1ª e da 2ª pessoa.
a)  Para a segunda pessoa: os pronomes demonstrativos esse, essa, esses,
essas, isso designam o que está próximo da pessoa a quem se fala:
b) Para a terceira pessoa: os pronomes demonstrativos aquele, aquela,
aqueles, aquelas, aquilo designam o que está afastado tanto da pessoa que fala,
quanto daquela a quem se fala.

ATENÇÃO
Na correspondência, este (e flexões) se refere ao lugar de onde se escreve, e esse (e fle-
xões) denota o lugar para onde a carta se destina. A referência ao documento que se escreve
se faz com este, esta. Quando se quiser apenas indicar que o objeto se acha afastado da
pessoa que fala, sem nenhuma referência à 2ª pessoa, usa-se esse.
Exemplos:
a)  Dirijo-me a essa universidade Estácio de Sá com o objetivo de solicitar informações
sobre a XXII Conferência Nacional de Advogados. (trata-se da universidade destinatária)
b)  Reafirmamos a disposição desta universidade Estácio de Sá em participar na próxima
XXII Conferência Nacional de Advogados. (trata-se da universidade que envia a mensagem)
No tempo: presente, passado e futuro
•  Este (e flexões) refere-se ao tempo presente e ao passado ou futuro próximos da fala.
Exemplos:
a)  Nestas próximas semanas, estarão ocorrendo as inscrições para o concurso vestibu-
lar na Estácio. (futuro próximo)
b)  Esta noite (= noite passada) tive um sonho belíssimo.
c)  Este ano de 2014 está sendo marcado pelo caos no trânsito em razão das grandes
obras que vêm sendo realizadas na cidade do Rio de Janeiro. (presente)
•  Esse (e flexões) refere-se a tempo já passado ou a um passado recente; aquele ( e flexões)
refere-se a um passado mais distante.
Exemplos:
Em: “Nessa época, o Brasil também atravessava uma fase bastante difícil.”, o pronome
demonstrativo essa (a contração da preposição em como o pronome demonstrativo essa=

capítulo 3 • 179
nessa) refere-se a um passado recente.
•  Aquele (e flexões) se refere a um passado distante.
Em: “Comentávamos aquele período em que as mulheres eram apenas senhoras do lar.”,
o pronome demonstrativo aquele se refere a um passado distante.

6.1  Pronomes demonstrativos este e aquele (e flexões): anafóricos


e catafóricos

Quando bem utilizados, os demonstrativos são eficientes elementos de coesão


entre o que se está falando e o que já se disse ou irá dizer adiante. Deve-se utili-
zar este e suas flexões para adiantar o que se vai dizer, e esse, quando se refere
ao já-dito, fazendo-se apenas uma retomada.

6.2  Emprego dos pronomes demonstrativos anafóricos: este e aquele


( e flexões)

1º TERMO 2º TERMO ESTE AQUELE

Quando houver dois elementos anteriormente citados e é necessário refe-


rir-se somente a um deles, usa-se este em oposição a aquele (e flexões). Este se
refere ao mais próximo, e aquele, ao mais distante.
a)  “Política e politicalha: esta é a arma dos espertos; aquela, dos sábios.”Na
frase, o pronome demonstrativo esta indica o que se referiu por último – politi-
calha —, e o pronome demonstrativo aquela indica o que se referiu em primei-
ro lugar — Política.
b)  Os Estados Unidos (EUA) têm estreitado as relações com o Brasil e o Chile,
mas aquele país ainda sofre fortemente os impactos da última crise econômica.
Na sentença, o pronome demonstrativo aquele é usado para retomar
anaforicamente um elemento textual distante – os EUA.

180 • capítulo 3
PRONOME ESTE / ESTA / ISTO
DEMONSTRATIVO

PESSOA DO Faz referência à pessoa ou coisa próxima da pessoa que


DISCURSO fala (eu).

LUGAR Refere-se ao lugar em que está o emissor.

TEMPO Refere-se ao presente.

Com função anafórica, identifica o termo mais próximo,


havendo dois anteriormente citados.
DISCURSO Com função catafórica, refere-se ao que vai ser citado no
discurso.

PRONOME ESSE / ESSA / ISSO


DEMONSTRATIVO

PESSOA DO Faz referência a pessoa ou coisa próxima da pessoa a


DISCURSO quem se fala (tu).

LUGAR Refere-se ao lugar em que está o receptor.

TEMPO Refere-se a passado ou futuro próximos.

DISCURSO Com função anafórica, refere-se ao que foi citado no discurso.

capítulo 3 • 181
PRONOME AQUELE / AQUELA / AQUILO
DEMONSTRATIVO

PESSOA DO Faz referência a pessoa ou coisa distante da pessoa que


DISCURSO fala e da pessoa a quem se fala. Corresponde a ele.

LUGAR Refere-se a lugar distante do emissor e do receptor.

TEMPO Refere-se a passado ou futuro distantes.

Com função anafórica, identifica o termo mais distante, haven-


DISCURSO do dois anteriormente citados.

RESUMO
“Coloque na estante estes livros de Administração que estão comigo junto a esses de Direito
Civil; retire esses de Português e coloque-os com aqueles de Literatura, do outro lado da sala.
Em relação às reformas da previdência, administrativa e fiscal, todas essas (ou todas elas)
são importantes; mas a mais urgente é esta: a reforma da legislação penal.”
A regra ou norma é esta: o demonstrativo este se refere ao termo mais próximo; afas-
tando-se, usa-se esse; o mais afastado é aquele. Isso também vale para os termos mais pró-
ximos e os mais remotos da oração ou período. Há dois princípios constitucionais básicos, a
saber: a dignidade humana e a liberdade de escolha. Aquela (a dignidade humana) não pode
ser exercida sem esta (a liberdade de escolha).
Além disso, este representa algo que se pretende designar, mostrar ou dizer, ou seja,
ainda não conhecido, enquanto esse se refere à coisa já mencionada, já conhecida: Essa
situação (passada, já referida) provocou esta reação na Educação brasileira (que agora vou
mencionar): uma greve geral dos professores. Assim também isto e isso: Prestem atenção
nisto (que vamos dizer agora) – não foi isso que nós explicamos.

182 • capítulo 3
REFLEXÃO
Coesão textual trata-se da ligação, da conexão entre as palavras de um texto, por meio de
elementos formais, que assinalam o vínculo entre os seus componentes. A coesão textual
pode se estabelecer por meio de diversos elementos linguísticos.
Dentre esses elementos, os pronomes assumem grande relevância, principalmente, pelo fato
de ser por meio deles que se faz a retomada do referente, isto é, aquilo a que o texto se refere.
Todos os tipos de pronomes podem funcionar como recurso de referência a termos ou
expressões anteriormente empregados, conforme já estudado em Coesão textual.

CURIOSIDADE
Alguns estudiosos têm-se insurgido contra o emprego anafórico do demonstrativo mesmo,
substantivado pelo artigo, precedido ou não de preposição, para referir-se à palavra ou decla-
ração expressa anteriormente por o considerarem em desuso. Para eles, o mesmo deve ser
substituído por ele (dele, dela).
Exemplo:
Os políticos presos tiveram habeas corpus. Apareceu um relatório contra eles (e não os
mesmos), e contra outros também envolvidos no esquema da corrupção.

MULTIMÍDIA
Othello (ou Otelo)
Direção: Oliver Parke
Sinopse:
Adaptação da obra homônima de Shakespeare, que fala sobre o mouro Othello, um grande
líder e guerreiro, que sai vitorioso na luta contra os turcos. Seu amigo Iago não esconde a
inveja, ainda mais ao ver a paixão de Othello pela bela Desdêmona.

capítulo 3 • 183
184 • capítulo 3
4
Sintaxe de regência
verbal e nominal
Regência deriva-se de reger ‘governar, comandar, dirigir’ e significa ‘governo,
comando, direção’. A relação necessária que se estabelece entre duas palavras,
uma das quais serve de complemento à outra. A palavra dependente denomina-
se regida, e o termo a que ela se subordina, regente.
A língua prevê dois tipos de regência, a depender dos termos que se subor-
dinam:

a regência nominal estabelecida entre nomes e seus complementos; e

a regência verbal, estabelecida entre verbos e seus complementos.

A regência verbal estuda a relação que se estabelece entre os verbos e os ter-


mos que os complementam (objetos diretos e objetos indiretos) ou caracteri-
zam (adjuntos adverbiais).
O estudo da regência verbal permite a ampliação da capacidade expressiva
de cada um, pois oferece oportunidade de serem conhecidas as diversas signifi-
cações que um verbo pode assumir com a simples mudança ou retirada de uma
preposição. Observe:

A mãe agrada o filho. → acariciar

A mãe agrada ao filho. → causar agrado ou prazer, satisfazer.

Conclui-se, pois, que "agradar alguém" é diferente de "agradar a alguém".


É importante saber que o conhecimento do uso adequado das preposições
é um dos aspectos fundamentais do estudo da regência verbal (e também no-
minal). As preposições são capazes de modificar completamente o sentido do
que se está sendo dito.
Leia, agora, o fragmento do poema Dispersão, do poeta português Mário de
Sá Carneiro:

Perdi-me dentro de mim


Porque eu era labirinto,

186 • capítulo 4
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida [...]

AUTOR
Mário de Sá Carneiro (Lisboa, 19 de maio de 1890 — Paris, 26 de abril de
1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expo-
entes do modernismo em Portugal.

Observe que a escolha por determinada preposição não é aleatória, pois


quem tem saudades, tem saudades de alguém ou de alguma coisa e quem sente
ânsia, sente ânsia de ou por alguma coisa.
Nota-se que as palavras saudade e ânsia são substantivos (termos regentes)
que necessitam de uma preposição para se ligar ao seu complemento (termo
regido). Assim como os verbos, em algumas situações, os nomes também pre-
cisam de complementos para possuir sentido completo.
Leia, agora, o poema Versos íntimos, de Augusto dos Anjos:

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

capítulo 4 • 187
AUTOR
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Paraíba, 20 de abril de 1884 -
Minas Gerais, 12 de novembro de 1914) foi um poeta brasileiro.

Nesse poema, há o emprego da palavra necessidade que é um substantivo


(termo regente) que necessita de uma preposição para se ligar ao seu comple-
mento (termo regido).
A partir desses exemplos, já se pode conceituar regência nominal como a
denominação dada à relação particular que se estabelece entre substantivos,
adjetivos e determinados advérbios e respectivos complementos nominais. E
essa relação vem sempre intermediada por uma preposição.
Muitos desses nomes apresentam a mesma regra dos verbos que derivam.
Observe: quem obedece, obedece a alguém ou a algo; e quem é obediente, é
obediente a alguém ou a algo.
Destaca-se que as preposições ligando substantivos, adjetivos e advérbios a
seus complementos podem variar.

CONCEITO
Termo regente
Palavra principal a que outra se subordina.

Termo regido
Palavra dependente que serve de complemento e que se subordina ao termo regente.

1  Sintaxe de regência verbal


1.1  Termo regente — verbo

O verbo lembrar, por exemplo, quando pronominal (lembrar-se), rege objeto


indireto, a ele subordinado no interior do predicado verbal. A preposição de
marca a regência desse verbo pronominal. Observe:

188 • capítulo 4
Transitivo indireto, com o pronome:
•  Os homens nunca se lembram de uma data importante.
•  Lembro-me do dia de nossa primeira briga muito séria.

Transitivo direto, sem o pronome:


•  Os homens nunca lembram uma data importante.
•  Lembro o dia de nossa primeira briga muito séria.

Assim, o verbo lembrar ou lembrar-se é o termo regente, e o complemento


verbal (objeto direto ou indireto), o termo regido.
Uma construção semelhante e bastante frequente ocorre também com o verbo
esquecer, pois é comum, na fala, em vez de se usar “Esqueci os documentos” ou
“Esqueci-me dos documentos”, as pessoas dizerem: “Esqueci dos documentos”.
Esse uso é perfeitamente aceitável, na modalidade coloquial da fala, mas
inaceitável na escrita.
Também já se tornou bastante usual, no português corrente, a forma
implicar em. No entanto, em contextos mais formais da escrita, deve-se ob-
servar a regência desse verbo, que é transitivo direto, ligando-se, pois, a seu
complemento sem o auxílio da preposição, como em “Maior consumo impli-
ca mais despesas por parte da empresa. ”
Observe, na figura ao lado,
uma construção também muito
frequente com o verbo assistir:
O verbo assistir no sentido de
presenciar, estar presente, ver é
transitivo indireto, e a preposição
a marca a sua regência. Logo, o
certo seria: “O aluno não veio mais
assistir à aula”.
Os verbos aspirar, assistir, obe-
decer, desobedecer e visar, quando
transitivos indiretos, rejeitam o pronome oblíquo átono lhe (s) como complemen-
to; em seu lugar são empregados os pronomes oblíquos tônicos a ele (s), a ela(s).
Esse filme, já assistimos a ele durante nossa viagem a Paris.

capítulo 4 • 189
CONCEITO
Regência verbal
Regência verbal é a denominação que se dá à relação particular que se estabelece entre
verbos e respectivos complementos (objetos diretos e indiretos). Essa relação vem sempre
marcada por uma preposição, no caso dos objetos indiretos. O verbo é considerado o termo
regente e seu complemento, o termo regido.

2  Regência de alguns verbos


Alguns verbos costumam apresentar certas dificuldades de regência, ora por-
que o uso popular se apresenta em desacordo com a norma culta, ora porque
têm mais de um sentido e, consequentemente, mais de uma regência. E, tam-
bém, há os que apresentam dupla regência (avisar, cientificar, informar, cer-
tificar-se, entre outros). Eis por que relaciona-se apenas a regência de alguns
verbos mais usuais, pois o objetivo deste livro não é apresentar um dicionário
de regimes verbais e nominais.

Abdicar
a) Com o sentido de renunciar voluntariamente (ao poder, a um cargo, a um
título), desistir, pode ser transitivo direto ou indireto regido da preposição de.

•  Não abdicava de seus direitos.


•  Dona Inês abdicou da sua coroa de orgulho.

Abraçar
a) No sentido de apertar entre os braços é transitivo direto:

•  O mais velho abraçou-a, beijou-a e subiu para o seu berço de palha.


•  Abracei-o, dizendo que eu era quem devia pedir perdão.

b) Abraçar-se, quando pronominal, é transitivo indireto, passando a ter outra


regência. Abraçar-se com (ou de, contra, a):

190 • capítulo 4
•  Quando melhorou, abraçou-se à menina.
•  Valentina abraçou-se contra o seio da mãe.

Ajudar
a) Com o sentido fundamental de prestar ajuda, auxiliar:

•  O confeiteiro veio ajudá-lo.


•  Ajudou o padre a guardar o pão sagrado.

b) O verbo ajudar se vier seguido de infinitivo ou oração infinitiva, pode ser


transitivo direto ou indireto:

•  Ajudei-o a guardar os livros. ou Ajudei-lhe a guardar os livros.


•  Tendes vossos pais: ajudai-lhes a levar a sua cruz.

c) Mas se o infinitivo for intransitivo, somente transitivo direto:

•  Ajudei-o a fugir.

Agradar/Desagradar
a) Agradar e desagradar são transitivos indiretos (com preposição a) no sentido
de satisfazer, contentar, ser agradável:

•  As novas medidas agradaram/desagradaram aos contribuintes.


•  A reportagem agradou/desagradou à maioria dos leitores.
•  Nada lhes agradaria/desagradaria ou Nada agradaria/desagradaria mais a eles.
•  Agradava aos estranhos e desagradava aos familiares.

b) Agradar, apenas, pode ser transitivo direto (sem preposição), equivalendo a


acariciar, afagar, fazer carinho:

•  Agradou o neto Paulo.


•  Gostava muito de agradar os seus cachorros.

capítulo 4 • 191
Agradecer
a) Agradecer no sentido de mostrar-se grato por é transitivo direto:

•  Agradeceu a ajuda das amigas.


•  Agradeceram os aplausos.

b) Demonstrar gratidão a (transitivo indireto):

•  Recebi o livro e vou agradecer ao autor.

c) Demonstrar gratidão a alguém (transitivo direto e indireto):

•  Agradeceu a Deus a graça alcançada.


•  Agradeceu-lhes o favor.

d) Mostrar gratidão, apenas (intransitivo):

•  Ganhou um elogio e nem agradeceu.

Atender
a) Atender – no sentido de acolher ou receber alguém com atenção, responder a
alguém que se dirige a nós, pede objeto direto.

•  Atender o cliente.
•  Atendê-lo.
•  A professora não o atendeu.
•  A tenista não atendeu o repórter. Ela não quis atendê-lo.

b) Atender costuma aparecer com objeto indireto regido da preposição a,


principalmente em referência a dar atenção a alguém, ouvir-lhe os conselhos,
levar em consideração o que alguém nos diz, considerar, atentar, prestar
atenção a, considerar:

192 • capítulo 4
•  Não atendera aos amigos, fora entregar-se a impostores.
•  Atenda bem ao (ou para o) que lhe digo.
•  Atendemos ao apelo (ou ao chamado, aos conselhos, aos interesses, às exigências,
às reivindicações) de Fulano.

Aposentar
a) Dar aposentadoria a alguém, pôr de lado alguma coisa (transitivo direto):

•  O governo aposentou os funcionários públicos licenciados.


•  O bacharel aposentou seus confortáveis chinelos.
•  Os petistas aposentaram sua filosofia política.

b) Obter aposentadoria, retirar-se do trabalho (exige o pronome se):

•  Ele se aposentou (e não “ele aposentou”) aos 60 anos de idade.


•  Antonio não vê a hora de se aposentar.

Aspirar
a) Aspirar pede objeto direto no sentido de sorver, inalar, absorver, atrair o ar
aos pulmões (transitivo direto):

•  Aspirou o ar poluído da Restinga de Marambaia.


•  Preferia aspirar o doce perfume do amante.

b) Aspirar pede complemento preposicionado (objeto indireto) no sentido de


desejar muito, pretender com ardor:

•  Aspirava ao cargo de presidente.


•  Ter uma casa na praia era tudo a que aspirava.

Observação: Em tal caso, não admite o seu complemento preposicionado, represen-


tado por pronome átono:

capítulo 4 • 193
•  Jamais aspirou a ela (e não: lhe aspirou).

Estão, nesse caso, os verbos assistir (= presenciar), responder (com objeto indi-
reto referente a coisa), aludir, visar (= desejar), aceder e referir-se.

Assistir
a) Assistir pede complemento preposicionado iniciado pela preposição a,
quando significa estar presente a, presenciar (transitivo indireto).

•  Assistir ao espetáculo.
•  Os fiéis assistiram à missa.
•  Todos assistimos aos espetáculos, à sessão, aos trabalhos.
•  Gostava muito de assistir à televisão.
•  Ontem assistimos ao jogo.

Observação: Nesse sentido, assistir não admite seu complemento representado por
pronome átono:

•  Não pude assistir a ele (e não: lhe pude assistir).

Logo, por ser indireto, também rejeita as formas pronominais o, a, lo, la, os,
as, los e las como complemento. Não escreva:

•  Perdi a corrida, mas queria tanto assisti-la.


•  Chegou cedo ao treino e assistiu-o com interesse.

2.1  Verbos com dupla regência

Avisar, Informar, Cientificar, Certificar, Proibir, Assegurar, Agradecer, Incumbir


a) Avisar ou informar alguma coisa (transitivo direto):

•  Já avisamos (informamos) os alunos do curso de direito.


•  Já os avisamos (informamos).

194 • capítulo 4
b) Avisar ou informar de (transitivo indireto):

•  Os jornais avisavam (informavam) da epidemia.

c) Avisar ou informar alguém (objeto direto) de alguma coisa (objeto indireto)


ou avisar ou informar alguma coisa (objeto direto) a alguém (objeto indireto):

•  A direção já avisou (informou) os funcionários das mudanças na universidade.


•  A direção já avisou (informou) aos funcionários as mudanças na universidade.
•  Ninguém queria avisar (informar) a eles o risco que corriam.
•  Avisaram-lhes (informaram-lhes) que a missão era difícil.

Chamar
a) O verbo chamar pede objeto direto no sentido de convocar ou solicitar a pre-
sença de alguém:

•  Chamou o técnico de computador.


•  Chamou-o às 7 horas.
•  Chamou os sócios para uma reunião.

b) Chamar, no sentido de invocar, pedindo auxílio ou proteção, rege objeto di-


reto preposicionado com a preposição por como posvérbio:

•  Na hora de dificuldade, chamava pelos pais.


•  Chamava por todos os santos.

c) Chamar, no sentido de dar nome, apelidar pede objeto direto ou complemen-


to preposicionado (objeto indireto) e predicativo do objeto (direto ou indireto)
com ou sem preposição:

•  Chamou o inimigo de covarde.


•  Chamou a ideia de absurda
•  Chamavam-lhe de tolo.

capítulo 4 • 195
•  Chamavam-lhe tolo.
•  Nós o chamamos de tolo.
•  Nós o chamamos tolo.

Chegar (e os demais verbos de movimento)


a) Na norma culta da língua, chegar, verbo intransitivo, exige a preposição a
junto à expressão locativa, e não em:

•  A comissão da ONU chegou hoje a (e não em) São Paulo.


•  Os jogadores chegaram atrasados ao campo.
•  Tiveram dificuldades para chegar ao estacionamento.

b) Chegar deve ser acompanhado de a no sentido figurado (transitivo indireto).

•  Ele chegou a uma conclusão inesperada.


•  Sua tolerância chegara ao limite.

c) O único caso em que se pode empregar em com chegar é na referência a tem-


po (intransitivo):

•  O palestrante chegará em dez minutos.


•  Chegamos em cima da hora.
•  Cheguei na hora exata.

d) Com chegada, use igualmente a e não em:

•  A chegada do presidente Fidel Castro ao (e não: no) Brasil está marcada para amanhã.

e) Os demais verbos de movimento (ir, levar, descer, subir) também se constro-


em com a:

•  Fui ao (e não no) cinema.


•  Levou o neto Paulo ao (e não no) circo.

196 • capítulo 4
•  Desceu pelas escadas ao (e não no) quarto andar.
•  Saiu à (e não na) janela.

Seguem a mesma regência os substantivos correspondentes:

•  Sua ida ao circo estava marcada para o domingo.


•  Na sua saída à janela, viu um belo homem.
•  Pretendia resolver muitos problemas na sua vinda ao Rio de Janeiro.

Comunicar
a) Comunica-se alguma coisa a alguém (transitivo direto e indireto):

•  O diretor comunicou as decisões aos assessores.


•  O diretor comunicou-lhe o seu casamento.

b) Nunca diga nem escreva:

•  O ministro comunicou os assessores sobre (ou as) decisões.

Da mesma forma, ninguém pode ser comunicado de ou sobre alguma coisa.


Pode, isso sim, ser informado, avisado, cientificado ou notificado:

•  Foi informado sobre a decisão.


•  Foi avisado de que não deveria voltar aqui.
•  Os funcionários foram cientificados sobre as mudanças na empresa.
•  O réu foi notificado da decisão da Justiça.

Confraternizar
Confraternizar não é verbo pronominal, portanto não pode ser flexionado com
pronomes oblíquos átonos:

•  Os amigos confraternizaram.
•  Confraternizava até com os adversários.

capítulo 4 • 197
Contribuir
a) Contribuir para (concorrer para alguma coisa, cooperar para que alguma coi-
sa ocorra):

•  O juiz condenou o réu a contribuir para o Fome Zero.


•  A sua presença contribuiu para a melhoria do debate.
•  A imprensa contribuiu para a divulgação da campanha.

b) Contribuir com (dar apoio material a):

•  Cada um vai contribuir com 1.000 reais.


•  A empresa contribuiu com 100 mil reais para as obras da igreja.
•  Convidado a escrever na revista, o escritor contribuiu com dois artigos.
•  Contribuíram com tijolos e cimento para a reconstrução do muro.

Custar
a) Custar tanto ou alguma coisa; no sentido de ser difícil, ser custoso, tem por
sujeito aquilo que é difícil.

•  Custam-me estas respostas.


•  O livro custava 40 reais.
•  A vitória custou muitos sacrifícios.

b) Custar alguma coisa a alguém:

•  A falta de visão custou-lhe a falência da empresa.


•  A aprovação no exame custou a eles muito esforço.

Observação: Se o verbo vier seguido de um sujeito oracional no infinitivo, este poderá


ou não vir precedido da preposição a:

•  Custou-me acreditar nessa história.


•  Custa a crer que não virão para as bodas dos pais.
•  Custa muito manter uma família.

198 • capítulo 4
•  Custou-me resolver estes problemas.
•  Custou-me a resolver estes problemas.

Observação: Por uma valorização da pessoa a quem o fato é difícil, a linguagem colo-
quial dá essa pessoa como sujeito da oração, e constrói dessa maneira, condenada por
muitos gramáticos.

•  Custei resolver (ou a resolver) estes problemas.

Esquecer
a) Esquecer alguma coisa, pede objeto direto da coisa esquecida:

•  Esqueceu o tema da palestra.


•  Esqueceu que era o dia do aniversário do chefe.
•  Esqueceu o que queria escrever.
•  Não os esquecemos.

Observação: A coisa esquecida pode aparecer como sujeito e a pessoa passa a com-
plemento (uso escasso):

•  Esqueceram-nos os livros.
•  Esqueceu-te o meu aniversário.

b) Esquecer-se de alguma coisa:

•  Esqueceu-se de fazer o trabalho.


•  Esqueceram-se da festa.
•  Queria que ninguém se esquecesse dela.

Observação: Esquecer-se, pronominal, pede objeto indireto encabeçado pela prepo-


sição de.

capítulo 4 • 199
Favorecer
a) Favorecer alguém ou alguma coisa (transitivo direto):

•  O árbitro favoreceu o (e nunca ao) time da casa.


•  O talento favoreceu-a.

b) Favorecer alguém com:

•  A natureza favoreceu a atriz com rara beleza.

Implicar
a) No sentido de acarretar, trazer consequência, é verbo transitivo direto, com
regência zero, isto é, sem preposição.

•  Toda ação implica uma reação igual ou contrária.

b) No sentido de ter implicância — verbo transitivo indireto —, com regência


usando a preposição com.

•  Maria vivia implicando com o irmão.

c) O verbo implicar quando pronominal — implicar-se — é transitivo indireto,


com regência usando a preposição em.

•  Embora jovem, implicou-se em situações delicadas.

Iniciar
a) Iniciar, no sentido de começar alguma coisa, não pede complemento prepo-
sicionado:

•  O clube iniciou as obras da piscina.

b) Iniciar, no sentido de instruir alguém em uma atividade ou ciência, pede


dois complementos (transitivo direto e indireto):

200 • capítulo 4
•  Ele os iniciou em artes marciais.
•  O tio o iniciou no direito.

c) Exige se como sinônimo de começar, apenas:

•  A festa inicia-se (e não inicia) hoje.


•  As inscrições para o vestibular iniciaram-se (e não: iniciaram) domingo.

Informar
O verbo informar pede tanto objeto direto da pessoa informada e preposiciona-
do de coisa (com de ou sobre), quanto, inversamente, objeto indireto de pessoa
e direto de coisa informada, como dito antes:

•  Informei o peticionário do andamento do processo.


•  Informei-o do (sobre o) andamento do processo.
•  Informei-lhe o andamento do processo.
•  Informei ao peticionário (informei-lhe) o andamento do processo.

Ir
O verbo ir pede a preposição a ou para junto à expressão de lugar:

•  Fui à cidade.
•  Foram para França.

Observação: Nem sempre é indiferente o emprego de a ou para depois do verbo ir e ou-


tros que denotam movimento. A preposição a ora denota a simples direção, ora envolve
a ideia de retorno. A preposição para lança a atenção do nosso ouvinte para o ponto ter-
minal do movimento ou não condiciona a ideia de volta ao local de partida. Nesta última
acepção, pode trazer para a ideia de transferência demorada ou definitiva para o lugar.

Evite-se a construção popular: Fui na praia.

capítulo 4 • 201
Investir
a) No sentido de dar posse ou investidura, empossar:

•  O governo o investiu no cargo de presidente da empresa.

b) Na acepção de fazer investimentos, empregar dinheiro:

•  A empresa investiu ali enormes capitais.


•  Ele investe parte dos lucros em pesquisas científicas.
•  Investir em tecnologia, na compra de ações, em imóveis etc.

c) No sentido de atacar, acometer, arremeter, pode ser transitivo direto ou tran-


sitivo indireto regido de preposição com ou contra:

•  Quando a onda investe a praia.


•  O bacharelando em Direito, seguido de seus oito colegas, investiu com os de Admi-
nistração.
•  O touro enfurecido investiu contra (ou com) o toureiro.

Lembrar
a) Lembrar alguma coisa (transitivo direto):

•  Lembrou os ensinamentos do pai.


•  Lembrou que era dia de pagamento.
•  Lembrou o que precisava fazer.

b) Lembrar-se de alguma coisa (transitivo indireto):

•  Lembrou-se da infância, com muita saudade.


•  Queria que todos se lembrassem dele de maneira favorável.

Observação: Lembrar-se, pronominal, pede objeto indireto encabeçado pela preposi-


ção de.

202 • capítulo 4
Morar, Residir

•  Constroem-se com a preposição em:


•  Eles moram (residem) no campo.
•  O casal morava (residia) na Rua do Bosque.
•  A família morou (residiu) na Praça da República.
•  Não conheço a casa em que ele mora (reside).

Observação: Morador e residente, cognatos dos verbos morar e residir, exigem, como
os verbos, a preposição em.

Obedecer/Desobedecer
a) Exigem sempre a preposição a:

•  Obedeceu /desobedeceu aos superiores.


•  Obedeceu /desobedecia às ordens.
•  Obedecia-lhe / desobedecia-lhe sem hesitar.
•  Obedecia / desobedecia a ele.

b) Embora esses verbos sejam indiretos, admitem a voz passiva:

•  Suas determinações foram obedecidas / desobedecidas pelos subordinados.


•  Os pais são obedecidos pelos filhos.

Obstar
Obstar pede objeto indireto acompanhado da preposição a:

•  Isto não obsta aos nossos planos.

capítulo 4 • 203
Pagar
a) Pagar alguma coisa (transitivo direto)

•  Pagou a consulta, as compras e a camisa.


•  Pagou a camisa barato.
•  Pagou os pecados.
•  Pagou o que devia.

b) Pagar a alguém ou a uma entidade (transitivo indireto):

•  O deputado não pagou ao assessor.


•  Os fraudadores devem pagar aos lesados.
•  Os estados afinal pagaram às empreiteiras.
•  Devia pagar-lhe religiosamente.

c) Pagar alguma coisa a alguém (transitivo direto e indireto):

•  O Estado pagou o salário aos servidores.


•  Pagou-lhe o que prometera.

Perdoar
a) Perdoar alguma coisa (transitivo direto):

•  Perdoou as indiretas dos amigos.


•  É difícil perdoar um crime.
•  Não conseguiu perdoar tanta falsidade.

b) Perdoar a alguém (transitivo indireto):

•  Perdoai aos pobres de espírito.


•  É mais fácil perdoar aos invejosos do que aos mal-intencionados.
•  Achou mais conveniente perdoar-lhes.

204 • capítulo 4
c) Perdoar alguma coisa a alguém (transitivo direto e indireto):

•  Perdoou-lhes os defeitos.
•  O padre perdoou os pecados a todos.

Observações:

a) Perdoar pede objeto direto de coisa perdoada e indireto de pessoa a quem se


perdoa. O verbo pagar admite as mesmas regências do verbo perdoar:

•  Pagou a dívida.
•  Paguei ao médico.
•  Paguei-lhe a dívida, conforme já vimos.

b) O verbo perdoar como o verbo obedecer admite a forma passiva:

•  Seus pecados foram perdoados pelo padre.

c) Embora comum, a regência perdoar alguém é condenada pelos gramáticos.


Evite, pois, frases como:

•  A polícia perdoou os infratores (o adequado é: A polícia perdoou aos infratores).


•  Eles perdoaram os seus devedores (o adequado é: Eles perdoaram aos seus devedores).

Presidir
a) O verbo presidir pede complemento sem preposição ou indireto com a pre-
posição a:

•  Tu presidiste a reunião. (objeto direto)


•  Tu presidiste à reunião. (complemento preposicionado)
•  Presidi o concurso.
•  Presidi ao concurso.
•  Pode-se dizer ainda:
•  Tu presidiste na reunião.

capítulo 4 • 205
b) O complemento preposicionado pode ser substituído por forma pronominal
tônica ou átona:

•  Ninguém lhe presidiu.


•  Ninguém presidiu a ela.

Precisar, Necessitar
a) Precisar é transitivo direto quando significa indicar com precisão, parti-
cularizar:

•  Não soube precisar o dia da partida.


•  Era difícil precisar o número de pessoas presentes.

b) No sentido de carência, use precisar e necessitar, de preferência, com a pre-


posição de:

•  Todos precisamos (necessitamos) de amigos.


•  O País precisa (necessita) de novos empregos.
•  Era o sinal de que precisávamos (necessitávamos).

c) Antes de infinitivo, dispense o de:

•  Eles precisavam (necessitavam) sair cedo.


•  O país precisa (necessita) criar empregos.

d) Pode também ser usado com o pronome se (índice de indeterminação do


sujeito):

•  Precisa-se (necessita-se) de ascensoristas.


•  Não se precisa (necessita) de muita coisa para viver ali.

206 • capítulo 4
Preferir
a) Usa-se com a preposição a e não com a locução do que:

•  Prefere a mãe ao pai (e não: do que o pai).


•  Os alunos preferiam jogar futebol a (e não: do que) praticar atletismo.
•  “Prefiro os que colocam bem as ideias aos (a + aqueles) que colocam bem os prono-
mes”. (Sílvio Romero)

b) Também não se deve empregar preferir com em vez de:

•  O lateral prefere jogar no Brasil a (e não: em vez de) ir para a Espanha.

c) Como preferir já tem valor absoluto, são inadequadas construções tais como:

•  Prefiro antes morrer a renunciar.


•  Os times preferem mais atacantes a defensores.
•  Preferia mil vezes brincar a estudar.
•  Prefiro estudar do que ficar falando da vida alheia.

d) Com preferível, proceda da mesma forma:

•  Achou preferível sair a ficar.


•  É preferível lutar a morrer sem glória.

e) O do que pode ser usado com melhor:

•  É melhor um pássaro na mão do que dois voando.


•  Achou melhor sair do que ficar em casa.

Proceder
a) Proceder – no sentido de executar alguma coisa, iniciar, levar a efeito, reali-
zar, solicita objeto indireto com a preposição a:

•  O inquérito a que se procedeu nada apurou.


•  Procedemos ao concurso.

capítulo 4 • 207
b) É intransitivo no sentido de ter fundamento:

•  O depoimento da testemunha procedia.


•  Como a queixa não procedia, ela foi arquivada.
•  Não procedem as acusações que lhe fazem.

c) Na acepção de comportar-se, agir é também intransitivo:

•  A senhora procedeu bem.


•  Procedi de acordo com a lei.
•  O menino procedia mal na escola.
•  Proceda de maneira que não levante suspeitas.

d) Constrói-se com a preposição de, na acepção de originar-se, provir, derivar,


descender:

•  Da ambição humana procedem muitos males.


•  A língua portuguesa procede do latim.
•  O Espírito Santo procede do Pai e do Filho.

Querer
a) Desejar alguma coisa (transitivo direto):

•  Ele quis a todo custo voltar para a cidade natal.


•  A secretária queria um computador mais potente.

b) Com o significado de gostar ou ter apreço por, exige preposição a ou o prono-


me lhe (transitivo indireto):

•  Todos sabiam que ela queria muito ao noivo.


•  Receba o abraço do amigo que muito lhe quer.
•  Jurou que lhe queria demais.

208 • capítulo 4
Reclamar
a) Exigir alguma coisa (transitivo direto):

•  Reclamaram melhores salários.


•  O empregado reclamou seus direitos.

b) Protestar contra alguma coisa (transitivo indireto):

•  Reclamou das condições de trabalho.


•  Reclamou contra as injustiças.

c) Exigir alguma coisa de alguém (transitivo direto e indireto):

•  Reclamou da empresa o pagamento de horas extras.

Recorrer
a) Pedir ajuda a alguém ou a alguma coisa (transitivo indireto):

•  O fiel recorre a Deus quando está aflito.


•  O clube recorreu à justiça.
•  Quando tem dúvidas, recorre a um dicionário.

b) Apresentar recurso contra (transitivo indireto):

•  O acusado recorreu da decisão (e nunca: recorreu à decisão).


•  A empresa recorreu da multa.

Responder
a) Responder, no sentido de dar resposta a alguém ou a alguma coisa, pede a
regência indireta, ou seja, com preposição:

•  Respondeu à carta, ao ofício, ao documento, ao processo.


•  Evitava responder às calúnias.
•  A polícia respondeu aos tiros dos assaltantes.

capítulo 4 • 209
b) Responder, no sentido de dar resposta áspera, deve ser usado como transiti-
vo direto (sem preposição):

•  Respondeu o que quis.


•  Respondeu que não aceitava a proposta.
•  Respondeu cobras e lagartos.

c) Apesar de indireto, admite a voz passiva:

•  A carta foi respondida pela secretária.

Observação: O objeto indireto pode ser representado por pronome átono:

•  Vou responder-lhe.

Servir
a) Servir, no sentido de prestar serviço, ser útil, convir é transitivo indireto:

•  Isto não nos serve.


•  O prezado amigo nos serve sempre.

b) No significado de estar ao serviço de alguém é transitivo direto:

•  Faz pouco que o empregado o servia.

c) No sentido de oferecer alguma coisa a alguém é transitivo direto e indireto:

•  O amigo serviu-me um copo de suco de abacaxi.

d) No sentido de prestar serviços militares é intransitivo:

•  Paulo servia em Barbacena.

210 • capítulo 4
Simpatizar
Simpatizar pede objeto indireto regido da preposição com:

•  Não simpatizei com ele nem com as suas ideias.


•  Há pessoas com quem não simpatizamos.

Observações:

a) Esse verbo não é pronominal.

•  Não se diz, portanto, simpatizei-me com ele, mas simpatizei com ele.

b) Tem o mesmo regime o antônimo antipatizar:

•  Quando fomos apresentados, não antipatizei com ele.

Sobressair
Sobressair não deve ser usado com o pronome se:

•  Ele sobressaía (e não: se sobressaía) entre os colegas.


•  Os pinheiros sobressaíam na paisagem.
•  Na vida, alguns naufragam e outros sobressaem.
•  Sua doçura sobressaía pela naturalidade.

Socorrer
a) Socorrer, no sentido de prestar ajuda ou socorro, pede objeto direto de pes-
soa (transitivo direto):

•  O policial socorreu os acidentados.


•  Sempre que pode, socorre os pobres.
•  Devemos socorrer os mendigos.

capítulo 4 • 211
b) Socorrer alguém em algum lugar:

•  Socorreram os atropelados na rua.


•  O médico socorreu-a no consultório.

c) Ser socorrido em (intransitivo):

•  As vítimas foram socorridas no Hospital das Clínicas (e não: socorridas para o HC, por
influência de: levadas ao HC para serem socorridas).

d) Socorrer pronominal, com o sentido de valer-se, pede complemento iniciado


pelas preposições a ou de (transitivo indireto):

•  Socorreu-se ao empréstimo.
•  Socorremo-nos dos amigos nas dificuldades.
•  Socorreu-se das economias para pagar os credores.

Suceder
a) Suceder como sinônimo de acontecer, substituir, ser o sucessor de pede com-
plemento preposicionado da pessoa substituída, iniciado pela preposição a:

•  D. Pedro I sucedeu a D. João VI.


•  Os acertos sucedem aos erros no trabalho.
•  O filho sucedeu ao pai na chefia da família.
•  George W. Bush sucedeu a Bill Clinton no governo dos Estados Unidos.
•  Sucedeu ao chefe.

b) No sentido de acontecer é intransitivo:

•  Sucede que a professora Maria Antônia é extraordinária Mestra.

Ver
O verbo ver pede objeto direto (complemento sem preposição):

•  Nós o vimos na cidade (e não: lhe vimos).

212 • capítulo 4
Visar
a) Como equivalente a ter em vista, pretender ou ter por objetivo ou almejar
exige a preposição a (transitivo indireto):

•  Visou exclusivamente a seus interesses.


•  Nunca visaram aos bens materiais.

Observação: A norma vale também quando visar precede infinitivo, mas, nesse caso, a
preposição pode aparecer elíptica.

•  Visava (a) atender aos pedidos dos parentes.


•  O bom governo visa (a) melhorar as condições da população.

b) Visar, no sentido de mirar, dar o visto em alguma coisa, pede objeto direto:

•  O atirador visou o alvo.


•  A polícia visou o passaporte.
•  O gerente do banco não quis visar o cheque.
•  Visou o peito do inimigo (= mirar, apontar).

3  Sintaxe de regência nominal


Já se sabe que o complemento de verbo é o que se chama complemento verbal
e a previsão deste pelo verbo constitui a regência verbal.
De forma análoga e paralela, leva o nome de complemento nominal o com-
plemento de palavras que não são verbos, e regência nominal, o respectivo fe-
nômeno semântico-sintático, ou seja, a exigência ou previsão de complementa-
ção por parte dessas palavras.
Como o termo nominal, na sua estrutura, está dizendo de ou relativo a
nome, os termos complemento/regência nominal correspondem a comple-
mento/regência de nome(s).
Nome é termo abrangente, pois abrange as classes substantivo, adjetivo, ad-
vérbio: nome substantivo, nome adjetivo e nome advérbio.

capítulo 4 • 213
Assim como alguns verbos, não podem vir desacompanhados de comple-
mento, sendo, por vezes, regidos de preposição, alguns nomes (substantivos,
adjetivos ou advérbios) também, por não encerrarem, em si mesmos, sentido
completo, necessitam de complementação. A essa complementação dá-se o
nome de complemento nominal.
Todos os complementos nominais são indiretos, isto é, vêm ligados ao
nome mediante preposição: é o que se chama de regência nominal.
Na condição de regentes, há substantivos e adjetivos que exigem a presença de-
terminada de uma única preposição para que o seu sentido se complete na oração.
Dessa forma, o adjetivo contrário pede a preposição a: contrário a todos os
valores; contrário às normas de conduta social. Por sua vez, o substantivo perda
liga-se a de: perda da dignidade, perda da confiança.
Na maior parte dos casos, contudo, os substantivos e os adjetivos combi-
nam-se com mais de uma preposição. Intolerância, por exemplo, compõe-se
com as seguintes preposições a, com, contra, em, e para com: intolerância ao
governo, intolerância em aceitar determinados opinamentos, intolerância con-
tra os críticos, intolerância para com os jovens escritores.
Já o adjetivo preocupado pode ser seguido por com, de, em, para com e por:
preocupado com os filhos, preocupado da qualidade de vida, preocupado em sair
mais tarde, preocupado para com os colegas, preocupado pela saúde dos filhos.
Sendo assim, as preposições que fazem a ligação entre substantivos, adjeti-
vos e determinados advérbios e seus complementos variam. Por esse motivo, é
importante conhecer a regência de alguns nomes e, assim, saber quais as pre-
posições podem ser utilizadas para vinculá-los a seus complementos.
Veja a seguir uma relação de substantivos, adjetivos e advérbios acompa-
nhados pelas preposições.

REGÊNCIAS DE ALGUNS NOMES

acessível, adequado, alheio, análogo, apto, avesso, benéfico,


cego, conforme, contíguo, desatento, desfavorável, desleal, equi-
a valente, fiel, grato, guerra, hostil, idêntico, inacessível, inerente,
indiferente, infiel, insensível, nocivo, obediente, odioso, oposto,
peculiar, pernicioso, próximo (de), superior, surdo (de), visível

214 • capítulo 4
amante, amigo, ansioso, ávido, capaz, cobiçoso, comum, contem-
porâneo, curioso, devoto, diferente, digno, dessemelhante, dota-
de do, duro, estreito, fértil, fraco, incerto, indigno, inocente, menor,
natural, nobre, orgulhoso, pálido, passível, pobre, pródigo (em),
temeroso, vazio, vizinho

afável, amoroso, aparentado, compatível, conforme, cruel, cuida-


com doso, descontente, furioso (de), inconsequente, ingrato, intole-
rante, liberal, misericordioso, orgulhoso, parecido (a), rente (a, de)

contra desrespeito, manifestação, queixa

constante, cúmplice, diligente, entendido, erudito, exato, fecundo,


fértil, fraco, forte, hábil, impossibilidade (de), incansável, incerto,
em inconstante, indeciso, lento, morador, parco (de), perito, prático,
sábio, sito, último (de, a), único

entre convênio, união

apto, bom, diligente, disposição, essencial, idôneo, incapaz, inútil,


para odioso, pronto (em), próprio (de), útil

para com afável, amoroso, capaz, cruel, intolerante, orgulhoso

por ansioso, querido (de), responsável, respeito (a, de)

sobre dúvida, influência, triunfo

capítulo 4 • 215
ATENÇÃO
Advérbios com sufixo –mente, originados de radicais de adjetivos, seguem a mesma regência
dos adjetivos de que foram formados.

Observe:
•  As ações dos políticos deveriam ser compatíveis com os projetos de governo que defen-
dem em campanha.
•  Os políticos deveriam conduzir suas ações compativelmente com os projetos de governo
que defendem em campanha.

REFLEXÃO
O objeto direto é o complemento do verbo que não possui preposição e que também pode
ser representado pelos pronomes oblíquos o, a, os, as.
Já o objeto indireto vem acrescido de preposição e igualmente pode ser representado
pelos pronomes lhe, lhes.
Deve-se, porém, tomar cuidado com alguns verbos, como assistir e aspirar, que não ad-
mitem o emprego desses pronomes.
Os pronomes me, te, se, nos e vos podem, entretanto, funcionar como objetos diretos ou
indiretos.
O aspecto mais importante desse estudo é constatar que a articulação dos termos, nas
orações, depende das relações de regência nominal e verbal. Por essa razão, deve-se procu-
rar conhecê-las e respeitá-las nas produções de texto.
Assim, a relação entre o verbo (termo regente) e o seu complemento (termo regido) cha-
ma-se Regência Verbal, orientada pela transitividade dos verbos, que podem se apresentar
diretos ou indiretos, ou seja, exigindo um complemento na forma de objeto direto ou indireto.
Por fim, a regência é o mecanismo que regula as ligações entre um verbo ou nome e os
seus complementos.

RESUMO
Na Unidade III, capítulo 3, na parte de coesão textual, trabalha-se com os mecanismos cons-
titutivos do texto e, a partir deles, classes de palavras, conectivos, processos de ordenação e

216 • capítulo 4
de retomada do tema, os tempos verbais, tipos ou mecanismos de coesão, a função retórica
dos operadores argumentativos, dentre outros fenômenos.
No que se refere à coerência textual, apresenta-se não só uma exposição sobre a orga-
nização discursiva de cada tipo de texto, mas também a constituição dos sentidos nos textos
e seus demais fatores de textualidade, como: os elementos linguísticos, a informatividade, a
intencionalidade, a intertextualidade.
Em Emprego dos pronomes demonstrativos este, esse e aquele (flexões) realça-se que
esses pronomes são os que indicam a posição dos seres, em relação às três pessoas do
discurso, e que localização pode ser no tempo, no espaço ou no discurso, como também a
sua função no texto como elemento de referência anafórico e catafórico.
Em A pontuação como fator de coesão e coerência evidencia-se a coesão, a coerência
e a pontuação como fatores de textualidade, ressaltando-se a relevância desses elementos
na construção dos textos.
Por fim, no capítulo 4, estuda-se que a regência é a relação que se estabelece entre duas
palavras, por meio da qual uma das palavras se subordina à outra, funcionando como seu
complemento; e que a regência verbal é estabelecida entre verbos e seus complementos; já
a regência nominal é estabelecida entre nomes e seus complementos.

capítulo 4 • 217
ATIVIDADE
Questões objetivas
(ENADE 2012) Cultivar um estilo de vida saudável é extremamente importante para diminuir
o risco de infarto, mas também de problemas como morte súbita e derrame. Significa que
manter uma alimentação saudável e praticar atividade física regularmente já reduz, por si só, as
chances de desenvolver vários problemas. Além disso, é importante para o controle da pressão
arterial, dos níveis de colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a diminuir o estresse e
aumentar a capacidade física, fatores que, somados, reduzem as chances de infarto. Exercitar-
se, nesses casos, com acompanhamento médico e moderação, é altamente recomendável.
ATALIA, M. Nossa vida. In: Época, 23 mar. 2009.

Questão 1
As ideias veiculadas no texto se organizam estabelecendo relações que atuam na constru-
ção do sentido. A esse respeito, identifica-se, no fragmento, que:
a)  a expressão “Além disso” marca uma sequenciação de ideias.
b)  o conectivo “mas também” inicia oração que exprime ideia de contraste.
c)  o termo “como”, em “como morte súbita e derrame”, introduz uma generalização.
d)  o termo “Também” exprime uma justificativa.
e)  o termo “fatores” retoma coesivamente “níveis de colesterol e de glicose no sangue”.

Leia os parágrafos jurídicos a seguir e depois responda à questão:

“Definida a competência de um juiz, a qual se determina no momento em que a ação é


proposta, permanece ela até o julgamento definitivo da causa. Este princípio é chamado da
“Perpetuação da Jurisdição” e tem por finalidade impedir que modificações, que venham a
ocorrer depois de proposta a demanda, interfiram no juízo competente para sua decisão.
A disposição legal que consagra essa ideia tem por fim evitar que uma causa iniciada em
uma Comarca e juízo seja deslocada para outro por razões de fato ou de direito ocorridas
posteriormente. Uma vez proposta a demanda, a situação de fato e de direito a ser examinada
para a determinação da competência é a desse momento, sendo irrelevantes as alterações
do estado de fato ou de direito que ocorrem posteriormente”.

218 • capítulo 4
Questão 2
Marque a afirmação INCORRETA em relação ao texto seguinte:
a)  Tanto o primeiro como o segundo parágrafo jurídico estão ligados por meio de elementos
gramaticais. O pronome demonstrativo “essa”, na expressão “essa ideia”, tem a função de
ligar o segundo parágrafo ao primeiro.
b)  O conector “a qual” retoma competência de juiz, “essa” retoma todo o parágrafo jurídico
anterior, “desse” retoma a expressão “uma vez proposta a demanda”.
c)  Os elementos gramaticais presentes no texto mantêm a coesão estabelecida entre ora-
ções e parágrafos e recebem o nome de conectores gramaticais
d)  O pronome demonstrativo “Este” é catafórico.
e)  O primeiro e segundo parágrafos jurídicos apresentam este tópico frasal ou ideia-núcleo:
“Definida a competência de um juiz, a qual se determina no momento em que a ação é pro-
posta, permanece ela até o julgamento definitivo da causa.”

UM EM CADA 4 BRASILEIROS CONSEGUE COMPREENDER O TEXTO QUE LÊ

Apenas 26% da população brasileira com mais de 15 anos têm domínio pleno das habi-
lidades de leitura e escrita. Isso significa que somente um em cada quatro jovens e adultos
consegue compreender totalmente as informações contidas em um texto e relacioná-las
com outros dados.
O restante são os chamados analfabetos funcionais, que “mal conseguem identificar
enunciados simples, sendo incapazes de interpretar texto mais longo ou com alguma com-
plexidade”, aponta estudo Inaf (Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional), feito pelo
Instituto Paulo Montenegro, que é ligado ao Ibope. Segundo o trabalho, o Brasil possui 16
milhões de analfabetos com mais de 15 anos (9% da população).
Em contraponto, a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” diz que 67% dos brasileiros
têm interesse pela leitura. O Plano Nacional do Livro, Leitura e Biblioteca – Fome de Livro,
do governo federal, considera que as pessoas têm vontade de ler e, para estimular o hábito,
agirá em várias frentes.
Uma delas é zerar o número de cidades brasileiras sem uma biblioteca. A outra é criar
uma política federal centralizada para aumentar a leitura. A democratização do acesso ao
livro se dará por meio das bibliotecas públicas, da revitalização das 5.000 bibliotecas exis-
tentes, construção de acervos básicos infanto-juvenis, proliferação de centros de inclusão
digital, livrarias e realização de campanhas de distribuição de livros.
[...]

capítulo 4 • 219
Segundo pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Na-
cional de Editores de Livros em 2001, 61% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito
pouco ou nenhum contato com os livros, não existem livrarias em 89% dos municípios brasi-
leiros e 6,5 milhões de pessoas não têm condições financeiras de comprar um livro. De acor-
do com o Mapa do Analfabetismo no Brasil, produzido pelo Inep (Instituto Nacional de Estu-
dos e Pesquisas Educacionais), 35% dos analfabetos brasileiros já freqüentaram a escola.
O título do projeto é uma homenagem a um de seus idealizadores, o poeta Waly Salomão,
que costumava dizer: o povo tem fome de comida e de livros.
“O governo criou o Fome Zero para combater a fome e a miséria que têm, como eixos
estruturantes, a educação e a cultura”. [...]
Fonte: UOL – EDUCAÇÃO, 30 set. 2004. (Adaptado) As informações são da Agência Brasil.

Questão 3
No texto, alguns sinais de pontuação são muito expressivos, como o emprego de aspas, tra-
vessões e parênteses. O emprego do sinal de pontuação está corretamente justificado em:
a)  “(Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional)” (l. 7) – os parênteses introduzem um
comentário do autor.
b)  “(9% da população)” (l. 9) – os parênteses explicam os dados que serão mencionados
posteriormente.
c)  “...‘Retratos da Leitura no Brasil’...” (l. 10) – as aspas indicam que a expressão não está em
seu sentido real.
d)  “O Plano Nacional do Livro, Leitura e Biblioteca – Fome de Livro,” (l. 11) – o travessão
explica a informação anterior.
e)  “O governo criou o Fome Zero para combater a fome [...].” (l. 28) – as aspas indicam uma
citação da fala de alguém.

Questão 4
“A outra é criar uma política federal centralizada para aumentar a leitura.” (l. 14-15)
Apesar de não apresentar conectivo, a oração destacada se liga à primeira com determinada
relação de sentido.
Essa relação de sentido é caracterizada por uma ideia de:
a)  proporção.
a)  concessão.
a)  finalidade.
a)  comparação.
a)  consequência.

220 • capítulo 4
Questões Discursivas
Questão 1
Estabeleça as proposições pedidas a seguir eliminando todas as redundâncias:
1. A – O advogado chegou ao Rio.
B – O advogado hospedou-se num hotel famoso.
Proposição: Adicione A e B

2. A – Ele é o juiz responsável pelo processo.


B – Devemos respeitar a decisão do juiz sobre o processo.
Proposição: Faça de B conclusão de A

3. A – Os funcionários federais estão há seis anos sem reajuste.


B – Os funcionários federais resolveram entrar em greve.
Proposição: Faça de A causa de B

4. A – Eu não consegui entender o laudo pericial.


B – Eu estudei a noite inteira o laudo pericial.
Proposição: Faça de B concessão de A

5. A – O candidato (não) leu as obras indicadas para o concurso da Defensoria Pública.


B – O candidato (não) passou no exame da Defensoria Pública.
Proposição: B oposição de A:

Questão 2
Opere os períodos simples A e B, atendendo às relações solicitadas abaixo:
A – O candidato (não) leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura.
B – O candidato (não) passou no exame da Magistratura.

Sendo:
1.  A causa de B:
2.  A concessão de B:
3.  A condição de B:
4.  B finalidade de A:
5.  B conclusão de A:

capítulo 4 • 221
Questão 3
Conecte os períodos simples a seguir, transformando-os em períodos compostos únicos
coerentes e coesos, fazendo as adaptações necessárias. Atenção à Regência!
a)  A revolução foi vencida pelos legalistas. Tu te referiste a essa revolução.
b)  A ponte foi destruída pela enchente. Vários mendigos moravam sob os arcos dessa ponte.
c)  As leis são justas. Nós obedecemos a essas leis.
d)  Os telefones públicos são frequentemente depredados. A importância dos telefones pú-
blicos é inestimável.
e)  A causa do meu cliente era perdida. Eu me empenhei no conhecimento dessa causa
perdida.

Questão 4
Diversidade e respeito às diferenças
Nas últimas décadas, governos de diferentes países têm adotado políticas de inclusão e res-
peito à diversidade e às diferenças relacionadas, por exemplo, a raça, etnia, gênero, religião,
deficiência física e mental, entre outros. Algumas dessas políticas podem ser exemplificadas
a partir da obrigatoriedade de rampas em espaços públicos, o ensino obrigatório de Libras,
cultura afro-brasileira e indígena em todos os níveis do Ensino Formal (Lei 11645/2008),
a adoção de cotas para negros no ingresso às universidades, entre várias outras. Por outro
lado, atitudes como a disseminação de discursos racistas na internet, a proibição do uso de
véus islâmicos em território francês, a deportação frequente de estrangeiros realizada por
países ricos, entre tantos outros exemplos, revelam que nem sempre é fácil conviver com
quem é diferente.

Redija um texto dissertativo-argumentativo, em torno de cinco parágrafos, posicionando-se


quanto ao tema “Diversidade e respeito às diferenças.”

222 • capítulo 4
GABARITO
Questões objetivas
Questão 1: A
Questão 2: E
Questão 3: E
Questão 4: C

Questões discursivas
Questão 1
1.  O advogado chegou ao Rio e hospedou-se em um hotel famoso.
2.  Ele é o juiz responsável pelo processo, devemos, pois, (portanto, por conseguinte), respei-
tar a decisão dele.
3.  Como os funcionários federais estão há seis anos sem reajuste, resolveram entrar em greve.
4.  Eu não consegui entender o laudo pericial, embora o tenha estudado a noite inteira.
5.  O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, mas não passou no
exame.

Questão 2
1.  A causa de B: Como o candidato não leu as obras indicadas para o concurso da Magis-
tratura, não passou no exame.
2.  A concessão de B: Embora o candidato tenha lido as obras indicadas para o concurso da
Magistratura, não passou no exame.
3.  A condição de B: Se o candidato tivesse lido as obras indicadas para o concurso da Ma-
gistratura, teria passado no exame.
4.  B finalidade de A: O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, a
fim de passar no exame.
5.  B conclusão de A: O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura,
por conseguinte passou no exame.

Questão 3
a)  A revolução a que te referiste foi vencida pelos legalistas.
b)  A ponte sob cujos arcos vários mendigos moravam foi destruída pela enchente.
c)  As leis a que ( ou às quais) obedecemos são justas.
d)  Os telefones públicos cuja importância é inestimável são frequentemente depredados.
e)  A causa em cujo conhecimento me empenhei era perdida.

capítulo 4 • 223
Questão 4: Produção pessoal do aluno.
Itens a serem avaliados:
1.  Pertinência ao tema e qualidade da argumentação: o aluno deve basear o tema da reda-
ção na proposta, evitando copiar partes do texto motivador, a fim de garantir o ineditismo e a
qualidade argumentativa do texto.
2.  Coesão e coerência: o aluno deve empregar, adequadamente, os mecanismos coesivos e
os fatores de coerência.
3.  Aspectos gramaticais: é exigido do aluno o adequado emprego da acentuação, ortografia,
pontuação, construção morfossintática de frases, orações e períodos.
4.  Estrutura textual: a redação deve conter introdução, desenvolvimento e conclusão, respei-
tando as principais características de um texto dissertativo bem como o número mínimo de
linhas e parágrafos sugerido na proposta.
5.  Adequação à norma-padrão: o aluno deve respeitar a norma-padrão da língua portuguesa.

224 • capítulo 4
UNIDADE III
Produção textual:
a construção do texto

Entendo que para contar é necessário primeiramente cons-


truir um mundo, o mais mobiliado possível, até os últimos
pormenores. Constrói-se um rio, duas margens, e na margem
esquerda coloca-se um pescador, e se esse pescador possui
um temperamento agressivo e uma folha penal pouco limpa,
pronto: pode-se começar a escrever, traduzindo em palavras
o que não pode deixar de acontecer. […] Com se vê, bastou
mobiliar com pouca coisa nosso mundo e já se tem o início de
uma história. [...] O problema é construir o mundo, as palavras
virão quase por si sós.

ECO, Umberto. Pós-Escrito a O Nome da Rosa. Rio de Janeiro:


Nova Fronteira, 1985, p.21-2

capítulo 4 • 225
226 • capítulo 4
5
Tipologias
textuais
Neste capítulo, pretende-se trabalhar com a teoria clássica, visto que o objetivo
é estudar apenas as tipologias textuais, enfocando os modos de organizar os
textos e as características predominantes, em cada um dos tipos de textos: des-
critivo, narrativo, dissertativo-expositivo, dissertativo-argumentativo e injunti-
vo —, porque se acredita que o estudo da tipologia textual, no meio acadêmico,
prepara o aluno para reconhecer e produzir qualquer tipo de gênero textual de
maneira progressiva, segundo as dificuldades que se apresentam na língua ma-
terna e, também, de acordo com as suas necessidades comunicativas e aos fins
a que se destinam.
A expressão tipologia textual apresenta certas propriedades linguísticas in-
trínsecas, como o uso de determinadas palavras, determinados tempos verbais,
determinadas relações lógicas. Além dessas marcas linguísticas, cada tipo tex-
tual tem um propósito. Em outros dizeres, uma narração “conta uma história”,
uma descrição apresenta as características físicas (ou psicológicas) de uma
entidade, uma exposição ou dissertação apresenta fatos da realidade, uma ar-
gumentação defende uma ideia ou uma tese e uma injunção procura provocar
uma reação do interlocutor, seja ela física ou verbal.
Sendo assim, quando se produz um determinado texto, precisa-se decidir se
se trata de narrar algum acontecimento, expor ideias, argumentar, descrever al-
guma situação ou cena, dar instruções ou ordens. Raramente, encontra-se um
texto que seja totalmente narrativo, descritivo, e assim por diante. Em geral,
os textos são formados por uma sequência de vários tipos, mas um deles, em
regra, é predominante.

1  Características e construção do texto


narrativo

Contar histórias faz parte da natureza humana. Quanto mais se recua no tem-
po, mais se encontra testemunhos dessa nossa capacidade, como os homens
pré-históricos, ao redor das fogueiras, que certamente contavam, uns aos ou-
tros, as caçadas do dia. As pinturas egípcias, assim como filmes, revistas em
quadrinhos, desenhos animados continuam a tradição de contar histórias.
A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas
as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não

228 • capítulo 5
há, nunca houve em lugar nenhum povo algum sem narrativa; todas as classes,
todos os grupos humanos têm as suas narrativas, muitas vezes essas narrativas
são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes.
Como se vê, atualmente, as narrativas existentes são as mais variadas, e tão
diversos também são os meios em que elas são encontradas, como: mitos, len-
das, adivinhas, contos, crônicas, romances, histórias em quadrinhos, novelas e
seriados de televisão, jogos eletrônicos, filmes de ação ao vivo e de animação,
entre tantos outros tipos de narrativas.
Das pinturas nas paredes das cavernas à televisão interativa, muitas são as
formas possíveis de se narrar acontecimentos.
Leia o poema em prosa de Manuel Bandeira:

“Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra Misael, funcionário da Fazenda, com
63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, – prostituída, com sífilis, dermite nos
dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico,
dentista, manicura… Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de
boca bonita, arranjou logo um namorado, um tiro, uma facada. Não fez nada disso:
mudou de casa. Viveram três anos assim: toda vez que Maria Elvira arranjava namorado,
Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos,
Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra
vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência,
matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de
organdi azul.”

(BANDEIRA, Manuel. “A tragédia Brasileira”.


In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990)

Como é sabido, toda narração transmite uma história que, organizada em


um enredo, evolui no tempo e no espaço. Os acontecimentos de uma narrati-
va se organizam em uma linha temporal. O poema de Manuel Bandeira possui
todos os elementos da narrativa, como: enredo, personagens, espaço, tempo.

capítulo 5 • 229
Observe:

•  O quê? Romance conturbado, que resulta em crime passional.


•  Quem? Misael, personagem de classe média, e de classe baixa, Maria Elvira.
•  Como? Narra um assassinato e suas causas em decorrência do envolvimento de um
homem de 63 anos com uma prostituta.
•  Onde? Lapa, Estácio, Rocha, Catete e vários outros lugares, sempre no Rio de Janeiro.
•  Quando? Duração do relacionamento: três anos.
•  Por quê? Promiscuidade de Maria Elvira.
•  Por isso... Condenação por crime de homicídio.

CONCEITO
A narrativa apresenta fatos em sequência e decorrentes de uma relação de causa consequ-
ência, isto é, um fato causa uma consequência que dá origem a outro fato, e assim por diante.
Isso significa afirmar que entre uma ação e outra, entre um fato e outro, há um lapso tempo-
ral, e é a indicação de transcurso do tempo a tarefa principal do autor da narrativa, depois de
selecionar os fatos narrados. Os fatos são vividos por personagens, em determinado tempo e
lugar e apresenta um narrador que, diante dos fatos narrados, pode assumir dois pontos de
vista: o de narrador-personagem ou o de narrador-observador.

1.1  Construção dos elementos da narrativa

1.1.1  Enredo
O enredo é a própria estrutura narrativa, ou seja, o desenrolar dos acontecimen-
tos. Como o próprio nome indica, enredar significa “tecer, entrelaçar os fatos”.
Todos os enredos envolvem um conflito: o homem contra a natureza, ou o ho-
mem contra os outros homens, ou o homem lutando contra si próprio. Por isso,
pode-se afirmar que a “alma da narrativa é justamente esse conflito”.
Para determinar quais as ações que se encontram em evolução cronológi-
ca, em um texto narrativo, é indispensável identificar qual a ação narrativa ini-
cial a partir da qual as demais se sucedem, ou seja, qual o ponto de partida de
uma sequência de ações narrativas. A identificação se prende ao tempo verbal
empregado, que é geralmente o pretérito perfeito do indicativo, mas que tam-

230 • capítulo 5
bém pode ser o presente do indicativo, naquelas narrativas interessadas em dar
maior dinamismo à narrativa.

Organização estrutural dos enredos


Um percurso narrativo bastante tradicional é o que indica a existência de
cinco fases:

•  a introdução, na qual as informações necessárias ao perfeito entendimento do texto


são dadas;
•  a complicação, em que os personagens começam a relacionar-se;
•  o desenvolvimento, na qual as histórias latentes começam a realizar-se;
•  o clímax, em que o ponto de maior tensão do relacionamento se verifica e
•  a conclusão, em que tudo se reorganiza ou não, segundo um novo (des)equilíbrio.

Repare a organização estrutural do enredo no poema narrativo de Bandeira:


a)  Exposição ou apresentação – apresenta as personagens, localizando-as no
tempo e no espaço: a união de Misael, 63 anos, funcionário público, à Maria
Elvira, prostituta.
b)  Na apresentação, já há uma estrutura concentrada, voltada para o equilí-
brio, para uma situação estável, mas que, certamente, será perturbada por algo,
desencadeando-se, assim, um processo de desequilíbrio do universo narrativo
apresentado. É a parte que precede o conflito tematizado pelo autor. É a etapa
em que o narrador faz a ambientação da história em seu estado inicial de equi-
líbrio, localizando-a no tempo (quando?) e no espaço (onde?) e identificando
personagens (quem?).
c)  Complicação: a infidelidade de Maria Elvira obriga Misael a buscar novos
espaços de moradia para o casal;
Percebe-se que esse elemento aponta para o surgimento do conflito, ou me-
lhor, para o desequilíbrio da narrativa. Momento em que se rompe o equilíbrio
inicial da ação, passando o protagonista a vivenciar um problema ou um confli-
to, que pode trazer-lhe consequências desastrosas ou positivas, até porque um
texto em que não houvesse a passagem de uma situação de harmonia para uma
situação de desarmonia não seria um texto narrativo, mas sim descritivo.
d)  Clímax – as sucessivas mudanças de residência, provocadas pelo comporta-
mento desregrado de Maria Elvira, acarretam o descontrole emocional de Misael.

capítulo 5 • 231
e)  A solução do conflito é o ponto central da estrutura da narrativa. Assim,
o clímax é o momento de maior tensão da narrativa, quando o antagonismo
gerado pelo problema ou conflito chega a seu ponto máximo, que é o da res-
tauração da ordem.
f)  Desfecho – Misael matou Maria Elvira com seis tiros, e a polícia a encon-
trou caída em decúbito dorsal.
O desfecho irá apresentar a solução do conflito. Pode ser feliz, trágico,
cômico, surpreendente. Pode apresentar uma avaliação do narrador a res-
peito da história e/ou também uma moral, que orientará a interpretação da
história narrada.

Diferença: ações e acontecimentos

Observe a diferença entre ações e acontecimentos. As ações são ligadas a moti-


vos, enquanto os acontecimentos são ligados a causas.
Os fatos presentes, em uma narrativa, podem ser causados por agen-
tes físicos, desprovidos de intenção — rolar uma pedra do alto do morro,
um raio atingir uma árvore, um temporal inundar as ruas — e, nesse caso,
são denominados acontecimentos (causa e efeito), ou podem estar ligados
a atos intencionais de agentes humanos e, nesse caso, são denominadas
ações (causa e consequência).
Fonte: CARNEIRO, Agostinho Dias. O caminho pelo texto. Disponível em: http://eadsaraiva.
entende.com.br/ files/arquivosAulas/20129/MD_Modulo02_Aula03.pdf

CONCEITO
Enredo, também chamado de trama ou intriga, é o conjunto dos fatos de uma história. Nele
estão envolvidas a apresentação das personagens e das situações, além das sucessivas
transformações pelas quais elas vão passando ao longo do tempo transcorrido.
O enredo pode se desenvolver de modo linear, isto é, em uma sucessão contínua dos fa-
tos, que vêm um após o outro, em um encadeamento lógico de causa e consequência. Pode,
todavia, desenvolver-se também de modo não linear, ou seja, sem que haja uma sequência
entre os fatos, que evoluem aos saltos, com omissões, interrupções e cortes (flash backs).

232 • capítulo 5
Ponto de vista
Leia o fragmento do conto Pai contra mãe, de Machado de Assis, de 15.8.1876:

“A escravidão levou consigo ofícios e Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.
aparelhos, como terá sucedido a outras – Você é que tem culpa. Quem lhe man-
instituições sociais. [Tia Mônica] Não [...] da fazer filhos e fugir depois? Perguntou
Se tiverem um filho, morrem de fome [...] Cândido Neves.
Não fique zangado; não digo que você Não estava em maré de riso, por causa
seja vadio, mas a ocupação que esco- do filho que lá ficara na farmácia, à es-
lheu é vaga”. [...] “mas em que é que o pai pera dele.
dessa infeliz criatura que aí vem, gasta o Também é certo que não costumava di-
tempo? Tia Mônica deu ao casal o con- zer grandes cousas. Foi arrastando a es-
selho de levar a criança que nascesse à crava pela Rua dos Ourives, em direção à
Roda dos Enjeitados. Em verdade, não da Alfândega, onde residia o senhor. Na
podia haver palavra mais dura [...] Mais esquina desta a luta cresceu; a escrava
tarde, quando o senhor tiver a vida mais pôs os pés à parede, recuou com gran-
segura, os filhos que vierem serão rece- de esforço, inutilmente. O que alcançou
bidos com o mesmo cuidado que este foi, apesar de ser a casa próxima, gastar
ou maior. Este será bem criado sem lhe mais tempo em lá chegar do que devera.
faltar nada [...]. Chegou, enfim, arrastada, desesperada,
[...] – Estou grávida, meu senhor! excla- arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas
mou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, em vão. O senhor estava em casa, acudiu
peço-lhe por amor dele que me solte; eu ao chamado e ao rumor.
serei tua escrava, vou servi-lo pelo tem- – Aqui está a fujona, disse Cândido Ne-
po que quiser. – Me solte, meu senhor ves. – É ela mesma. – Meu senhor! –
moço! – Siga! repetiu Cândido Neves. – Anda, entra.
Me solte! – Não quero demoras; siga! Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o
Houve aqui luta, porque a escrava, gemen- senhor da escrava abriu a carteira e ti-
do, arrastava-se a si e ao filho. Quem pas- rou os cem mil-réis de gratificação. Cân-
sava ou estava à porta de uma loja, com- dido Neves guardou as duas notas de
preendia o que era e naturalmente não cinquenta mil réis, enquanto o senhor
acudia. Arminda ia alegando que o senhor novamente dizia à escrava que entrasse.
era muito mau, e provavelmente a castiga- No chão, onde jazia, levada do medo e
ria com açoutes, –cousa que, no estado da dor, e após algum tempo de luta a es-
em que ela estava, seria pior de sentir. crava abortou.

capítulo 5 • 233
O fruto de algum tempo entrou sem vida mas para a casa de empréstimo com o fi-
neste mundo, entre os gemidos da mãe lho e os cem mil-réis de gratificação. Tia
e os gestos de desespero do dono. Cân- Mônica, ouvida a explicação, perdoou a
dido Neves viu todo esse espetáculo. volta do pequeno, uma vez que trazia os
Não sabia que horas era quaisquer que cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas
fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e palavras duras contra a escrava, por cau-
foi o que ele fez sem querer conhecer as sa do aborto, além da fuga.
consequências do desastre. Cândido Neves, beijando o filho, entre lá-
Quando lá chegou, viu o farmacêutico grimas, verdadeiras, abençoava a fuga e
sozinho, sem o filho que lhe entregara. não se lhe dava do aborto.
Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêu- – Nem todas as crianças vingam, bateu-
tico explicou tudo a tempo; o menino lhe o coração. ”
estava lá dentro com a família, e ambos
ASSIS, Machado de. “Pai contra Mãe”. In:
entraram. O pai recebeu o filho com a
Relíquias da Velha Casa. Rio de Janeiro:
mesma fúria com que pegara a escrava
Garnier, 1990, p. 30-35.
fujona de há pouco, fúria diversa, natural-
mente, fúria de amor.
Agradeceu depressa e mal, e saiu às car-
reiras, não para a Roda dos enjeitados,

Partindo do conto de Machado de Assis, entende-se que quem narra uma histó-
ria é quem a experimenta, ou quem a vê, ou seja, é aquele que narra ações a partir
da experiência que tem delas, ou é aquele que narra ações a partir de um conheci-
mento que passou a ter delas por tê-las observado em outro ou escutado de terceiro.
É fato, contudo, que o ponto de vista é inerente a todo e qualquer discurso,
pois surge simultaneamente à sua elaboração, estruturando-o e nele deixando
pistas dessa organização, e para reconhecer o ponto de vista que organiza um
discurso narrativo, deve-se prestar atenção ao modo de narrar do narrador, pro-
curando saber o que ele faz exatamente nessa função.
Quando o narrador não participa da história, mas apenas relata o que fa-
zem as personagens, diz-se que se trata de um narrador em terceira pessoa ou
narrador-observador como nesse fragmento em estudo, narrado em 3ª pessoa,
e a sua perspectiva aproxima o leitor do tempo e do espaço por meio de relatos
históricos sobre os fatos que envolviam a escravidão, como na descrição das
crueldades das quais os escravos eram vítimas.

234 • capítulo 5
Nesse conto a escravidão é o próprio enredo da narrativa. Aliás, na primeira
linha do conto, o autor escreve: "A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos,
como terá sucedido a outras instituições sociais".

Narrador "intruso"
O narrador intruso é o narrador na terceira pessoa que se dirige diretamente ao
apreciador e/ou julga de maneira direta as personagens e os acontecimentos.
Ou seja, não assume uma posição de neutralidade diante daquilo que narra.
A intrusão é seu traço característico mais marcante — à medida que narra os
acontecimentos, o narrador intruso tece comentários próprios, entrosados ou
não com a história narrada, sobre os acontecimentos, a vida das personagens,
seus costumes, a moral vigente e tudo mais que lhe ocorrer.
Mas há também narradores "intrusos" que, mesmo não sendo personagem
da história, fazem comentários em primeira pessoa. Assim, descem ao nível da
narrativa, transformando-se também em personagem de papel, como ocorre
no conto O dicionário, de Machado de Assis, em que o narrador instaura um
leitor no texto e fala com ele. Observe:

“[...] ERA UMA VEZ um tanoeiro, dema- passava a chamar-se, em vez de Bernardi-
gogo, chamado Bernardino, o qual em no, Bernardão. Particularmente encomen-
cosmografia professava a opinião de que dou uma genealogia a um grande doutor
este mundo é um imenso tonel de mar- dessas matérias, que em pouco mais de
melada, e em política pedia o trono para uma hora o entroncou a um tal ou qual
a multidão. Com o fim de a pôr ali, pegou general romano do século IV, Bernardus
de um pau, concitou os ânimos e deitou Tanoarius; — nome que deu lugar à contro-
abaixo o rei; mas, entrando no paço, ven- vérsia, que ainda dura, querendo uns que o
cedor e aclamado, viu que o trono só dava rei Bernardão tivesse sido tanoeiro, e ou-
para uma pessoa, e cortou a dificuldade tros que isto não passe de uma confusão
sentando-se em cima. — Em mim, bradou deplorável com o nome do fundador da fa-
ele, podeis ver a multidão coroada. Eu sou mília. Já vimos que esta segunda opinião é
vós, vós sois eu. O primeiro ato do novo rei a única verdadeira. [...]”
foi abolir a tanoaria, indenizando os tanoeiros,
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria.
prestes a derrubá-lo, com o título de Magnífi-
Contos definitivos. Porto Alegre: Novo
cos. O segundo foi declarar que, para maior
Século, 1998, p. 8.
lustre da pessoa e do cargo,

capítulo 5 • 235
A expressão “era uma vez” é tradicional no começo de histórias, principal-
mente nas infantis, logo é própria da ficção. Ela está relacionada ao momento
que é feita a narrativa, mas depois de os fatos já terem ocorrido, localizando os
acontecimentos relatados em algum momento indefinido do passado.
Sendo assim, toda a ação já foi supostamente iniciada, desenvolvida e con-
cluída, em um momento anterior ao ato da narração, e o narrador já demonstra
conhecer tudo o que aconteceu na história, inclusive como ela termina. Encon-
tra-se fora dos acontecimentos, relatando-os, ordenando-os de forma linear, não
de forma neutra, mas sim, tomando parte da ação e fazendo juízo do narrado.
Identifica-se no texto, portanto, a figura do narrador intruso — com total
conhecimento da intriga ou ação — um narrador que capta tanto a vida do lado
de fora da personagem, por meio de um foco narrativo externo, quanto à vida
interior, dela, por meio de um foco narrativo interno (discurso indireto livre).
Assim, ciente até da presença de um interlocutor, que ele imagina ser um leitor,
interrompe a narração para falar-lhe (diálogo direto com o leitor): “Já vimos que
esta segunda opinião é a única verdadeira. [...]”. Esse tipo de narrador intruso
é muito comum nas obras machadianas, o que faz com que a ironia crítica seja
uma das características definidoras de sua escritura.

ATENÇÃO
Por que ir ao dicionário?
Durante a leitura, não saber significados pode comprometer o entendimento. A utilização do
dicionário é um ótimo recurso para garantir um verdadeiro mergulho no mundo das palavras.

RESUMO
Tipos de narrador
Nos textos narrativos em prosa (paragrafação), o narrador é quem conta a história. Se o
narrador fizer uso da primeira pessoa é narrador-personagem. Logo, se o narrador é perso-
nagem, todos os acontecimentos, as ações ou as motivações e os demais personagens são
apresentados a partir do seu ponto de vista.
O exemplo mais famoso de narrador protagonista da Literatura brasileira talvez seja a
personagem Bentinho, do romance Dom Casmurro (1900), de Machado de Assis. O enredo
envolve a partir da dúvida do narrador protagonista sobre a fidelidade da esposa.
O narrador informa o leitor sobre a possível traição de Capitu, seu grande amor, sem, no
entanto, o leitor ter certeza de que a traição de fato ocorreu, uma vez que a história narrada

236 • capítulo 5
ao leitor é construída a partir da própria consciência do protagonista, não havendo a certeza
de uma visão onisciente ou um segundo ponto de vista em que se possa basear.
Impregnada de incertezas, a mente de Bentinho o leva a narrar acontecimentos do seu
momento presente, do passado, do real e do seu imaginário.
Contudo, embora o narrador construa o foco narrativo em primeira pessoa, ele pode não
ser o protagonista da história, fato esse que deve ser observado. Assim, há variantes do narra-
dor em primeira pessoa, pois ele pode ser o narrador-testemunha ou o narrador-protagonista.
O narrador-testemunha vive os fatos narrados como personagem secundária, condição
em que pode observar os acontecimentos e testemunhá-los ao leitor de forma mais direta e
verossímil. Entretanto, o seu ângulo de visão é limitado, pois não sabe o que se passa no pen-
samento das demais personagens, apenas pode levantar hipóteses sobre o que viu ou ouviu.
O narrador-protagonista vive os fatos como personagem principal, mas não tem acesso
aos pensamentos das demais personagens e narra os acontecimentos, limitando-se às suas
percepções, pensamentos e sentimentos, como já posto.
Já o narrador onisciente, que é uma variante do narrador em terceira pessoa, tem co-
nhecimento total dos fatos, podendo, inclusive, por exemplo, antecipar para o leitor algum
fato futuro ou revelar os traços, os desejos e os sentimentos mais íntimos das personagens,
como acontece em A cartomante, de Machado de Assis, e em A morte da porta-estandarte,
de Aníbal Machado, só para citar alguns exemplos, entre os inúmeros que há na Literatura.
Outra variante do narrador, em terceira pessoa, é o narrador intruso, que é aquele que
fala com o leitor ou que julga o comportamento das personagens. É o caso, por exemplo, que
ocorre no conto O dicionário, de Machado de Assis, trabalhado há pouco.
O narrador-observador, como um observador distante, narra os acontecimentos na ter-
ceira pessoa. Esse tipo de narrador-observador é o que se presentifica nas narrativas jurídi-
cas. A “imparcialidade” do narrador em terceira pessoa é relativa, porque o texto sempre irá
revelar diferentes pontos de vista sobre os acontecimentos narrados.

CONCEITO
Chama-se foco narrativo o ponto de vista ou a perspectiva estabelecida pelo narrador a partir
do qual a história será contada. A adoção de um determinado ponto de vista afeta o modo
como a história contada é interpretada pelos seus leitores.
A narração pode ser feita em primeira ou em terceira pessoa e classifica-se como nar-
rador em 1ª pessoa (narrador-personagem) e narrador em 3ª pessoa (narrador-observador).

capítulo 5 • 237
1.1.2  Modos de narrar: discurso direto, indireto, indireto livre

Há discurso direto quando o narrador reproduz textualmente as palavras da perso-


nagem, da forma como ela as diz. O discurso direto caracteriza-se pela presença:
•  de verbos de elocução, aqueles que servem para introduzir a fala da perso-
nagem (dizer, afirmar, perguntar, responder, declarar, pedir, exclamar);
•  de verbos da área semântica (sentido) de perguntar (indagar, inquirir, ques-
tionar, interrogar) e
•  de verbos que expressam estado de espírito, reação psicológica da perso-
nagem, emoções (gemer, suspirar, lamentar (-se), queixar-se, explodir).
Esses verbos podem vir explícitos ou implícitos. Esse tipo de discurso direto
não deve ser utilizado na narrativa jurídica, guardadas apenas situações excep-
cionais, ímpares.
No discurso indireto, o narrador conta a história e reproduz fala e reações das
personagens, sendo escrito em terceira pessoa. Nesse caso, o narrador se utiliza
das palavras dele para reproduzir aquilo que foi dito pela personagem.
Já o discurso indireto livre é um tipo de discurso misto, em que se associam as
características do discurso direto e do indireto. Nesse tipo de discurso, a fala inte-
rior da personagem (as emoções, as ideias, os sentimentos, as reflexões) insere-se
em meio à fala do narrador de forma sutil, causando certa confusão em relação
a quem está se pronunciando (narrador ou a personagem). Por conseguinte, na
maioria dos casos, desaparecem os verbos de elocução, travessão, dois pontos,
enfim, os sinais de pontuação. Além disso, esse tipo de discurso é mais frequente
com o foco narrativo na 3ª pessoa. Esse tipo de discurso é próprio da Literatura.

Passagem do discurso direto para discurso indireto

Mudança das pessoas do discurso

A 1.ª pessoa no discurso direto passa para a 3.ª pessoa no discurso indireto.
Os pronomes eu, me, mim, comigo, no discurso direto, passam para ele(s),
ela(s), se, si, consigo, o(s), a(s), lhe(s) no discurso indireto.
Os pronomes nós, nos, conosco, no discurso direto, passam para eles, elas, os,
as, lhes no discurso indireto.
Os pronomes meu, meus, minha, minhas, nosso, nossos, nossa, nossas, no
discurso direto, passam para seu, seus, sua, suas, dele (a) (s) no discurso indireto.

238 • capítulo 5
Mudança de tempos verbais

Presente do indicativo, no discurso direto, passa para pretérito imperfeito do in-


dicativo no discurso indireto.
Pretérito perfeito do indicativo, no discurso direto, passa para pretérito mais-
que-perfeito do indicativo no discurso indireto.
Futuro do presente do indicativo, no discurso direto, passa para futuro do pre-
térito do indicativo no discurso indireto.
Presente do subjuntivo, no discurso direto, passa para pretérito imperfeito
do subjuntivo no discurso indireto.
Futuro do subjuntivo, no discurso direto, passa para pretérito imperfeito do
subjuntivo no discurso indireto.
Imperativo, no discurso direto, passa para pretérito imperfeito do subjunti-
vo no discurso indireto.

Mudança na pontuação das frases

Frases interrogativas, exclamativas e imperativas, no discurso direto, passam


para frases declarativas no discurso indireto.

Mudança dos advérbios e adjuntos adverbiais

Ontem, no discurso direto, passa para no dia anterior no discurso indireto.


Hoje e agora, no discurso direto, passam para naquele dia e naquele mo-
mento no discurso indireto.
Amanhã, no discurso direto, passa para no dia seguinte no discurso indireto.
Aqui, aí, cá, no discurso direto, passam para ali e lá no discurso indireto.
Este, esta e isto, no discurso direto, passam para aquele, aquela, aquilo
no discurso indireto.

ATENÇÃO
Narrador é o autor?
O autor é o sujeito que escreve o texto, o escritor, é o que recebe da realidade em que vive
os estímulos que o levam à produção do texto. No texto narrativo, no entanto, é fundamental
entender que o narrador é uma entidade fictícia, como as personagens e a história contada,

capítulo 5 • 239
logo ele não pode ser confundido com o autor, que é um ser real, de “carne e osso”, mesmo
quando a narrativa for contada em terceira pessoa.

Tempo

Pela narração, verifica-se que os fatos do enredo são narrados pelo narrador por
uma sequência de ações, realizadas pelas personagens construídas no próprio
texto, regidas pelo transcurso do tempo. Os fatos podem ser narrados na ordem
linear ou cronológica, seguindo o transcurso do tempo tal como no calendário
ou relógio, ou, então, na ordem alterada, chamada de alinear (“vaivém” do tem-
po), narrando-se os fatos acontecidos posteriormente em relação a outros que
tenham ocorrido antes, isto é, não obedecendo à sequência temporal do antes
e do depois (relação de causa – consequência).
Em Senhora, José de Alencar trabalha com o flash back , narrando o casa-
mento de Aurélia e Fernando até a noite de núpcias, promovendo um corte e
narrando fatos bem anteriores ao casamento, para finalmente retomar fatos
acontecidos depois do casamento.
Dessa maneira, na construção do tempo de uma narrativa, deve-se, em pri-
meiro lugar, determinar em que momento as ações se sucederão e, depois,
escolher verbos, advérbios e locuções adverbiais de acordo com o momento a
ser caracterizado, pois a marcação do tempo é estabelecida, em uma narrativa,
com o auxílio desses elementos linguísticos.
A construção do tempo, na narrativa, é muito relevante para a compreensão
do enredo. Inclusive, há narrativas que são construídas pelo tempo cronológico
ou psicológico e outras até em função do tempo histórico, chegando a temati-
zar a marcação do tempo.

ATENÇÃO
Leia o fragmento:
"Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando", costumava dizer Ana
Terra. Mas, entre todos os dias ventosos de sua vida, um havia que lhe ficara para sempre na
memória, pois o que sucedera nele tivera a força de mudar-lhe a sorte por completo. Mas em
que dia da semana tinha aquilo acontecido? Em que mês? Em que ano? Bom, devia ter sido
em 1777: ela se lembrava bem porque esse fora o ano da expulsão dos castelhanos do ter-

240 • capítulo 5
ritório do Continente. Mas, na estância onde Ana vivia com os pais e os dois irmãos, ninguém
sabia ler, e mesmo naquele fim de mundo não existia calendário nem relógio. Eles guardavam
na memória os dias da semana; viam as horas pela posição do sol; calculavam a passagem
dos meses pelas fases da lua; e era o cheiro do ar, o aspecto das árvores e a temperatura
que lhes diziam as estações do ano. Ana Terra era capaz de jurar que aquilo acontecera na
primavera, porque o vento andava bem doido, empurrando grandes nuvens brancas no céu,
os pessegueiros estavam floridos e as árvores que o inverno despira se enchiam outra vez
de brotos verdes.”
Fonte: VERÍSSIMO, Érico. O continente. In: O tempo e o vento.
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=86359).

MULTIMÍDIA
Novela (ou Romance para muitos) O Tempo e Vento (O continente), de Erico Veríssimo,
disponível no site:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
obra=86359, acessado em 19 de abril de 2015.

A frase “Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando”


pertence à memória de Ana Terra e encontra-se na primeira parte de O conti-
nente. Nesse trecho, nota-se que há a reconstituição de um momento do passa-
do histórico da ocupação da região Sul do Brasil no século XVIII.
Como se sabe, naquele tempo, era muito comum as pessoas serem anal-
fabetas e não terem sequer instrumentos para marcação do tempo, pois não
tinham acesso a calendário nem a relógio. As personagens têm, pois, que recor-
rer a acontecimentos importantes, conforme a expulsão dos castelhanos, em
1777, para localizarem algum acontecimento no tempo histórico.
Nesse fragmento, o espaço é que fornece os indícios a partir dos quais Ana
Terra e seus familiares procuram “marcar” a passagem do tempo, como: o ven-
to, o cheiro do ar, o aspecto das árvores, a temperatura, a posição do Sol, as fa-
ses da Lua, que são, na verdade, as referências da mudança das estações do ano.
Lembre-se de que, em um texto narrativo, predominam os verbos de ação.
Afinal, na narração, o desenrolar de um fato ou de um acontecimento pressu-
põe mudanças; isto significa que se estabelecem relações anteriores, concomi-
tantes e posteriores.

capítulo 5 • 241
Para se organizar um bom texto narrativo há necessidade de se trabalhar a
estrutura gramatical que o sustenta, sem se esquecer das passagens descritivas,
pois por meio delas que se obtém o movimento na narrativa, além das suas ca-
racterísticas fundamentais, a saber: qualificar, individualizar e localizar.

RESUMO
•  Tempo cronológico
É o tempo que transcorre na ordem linear, na ordem natural dos fatos do enredo (=
calendário), do começo para o final. Chama-se tempo cronológico porque pode ser medido
em horas, meses, anos, séculos. Os textos O monstro, Tragédia brasileira, por exemplo, foram
construídos na ordem linear.
•  Tempo psicológico
É o tempo que transcorre numa ordem determinada pela vontade, pela memória ou pela
imaginação do narrador ou personagem. É característico do enredo não linear, ou melhor, do
enredo em que os acontecimentos estão fora da ordem natural. No fragmento O tempo e o
vento, há a presença desse tempo, como também do tempo histórico.
•  Tempo histórico
É referente ao momento histórico em que se situam os fatos narrados. Conforme apre-
sentado no fragmento O tempo e o vento: “Bom, devia ter sido em 1777”, referindo-se à
expulsão dos castelhanos naquele ano.
•  Tempo do flashback
O flashback é um recurso narrativo que consiste em voltar no tempo. Ocorre, por exemplo,
quando uma personagem lembra um fato ou conta a outras personagens fatos que acres-
centam informações ou esclarecem uma situação. No romance Memórias Póstumas de Brás
Cubas, Machado de Assis apresenta essa técnica, pois o tempo para o narrador-personagem
Brás Cubas tem como referência a sua condição de morto, o que lhe permite voltar tanto para
o passado recente, contando como morreu, como no passado mais distante, narrando fatos
de sua infância e juventude.

CONCEITO
O tempo de uma narrativa é caracterizado pela duração da ação nela apresentada. Na
narrativa há diferentes tempos, a saber:
tempo cronológico, quando os fatos são narrados, segundo a ordem em que acontecem;

242 • capítulo 5
tempo psicológico, quando a rememoração do passado desencadeia a narrativa e
tempo histórico, referente ao momento histórico em que se situam os fatos narrados.

CURIOSIDADE
Quando o filme começa pelo final, geralmente se emprega essa técnica do flashback. É o
caso do filme Cinema Paradiso no qual um cineasta de sucesso, em Roma, ao receber a no-
tícia de que Alfredo, o projecionista do cinema de sua cidade natal morrera, volta ao passado
e recorda-se de sua infância e adolescência vividas na Sicília, Itália.
O gênero policial se utiliza bastante dessa técnica como recurso narrativo, pois testemu-
nhas, detetive, criminoso e suspeitos geralmente reconstroem, cada um a seu modo, a cena do
crime e contam como ele aconteceu, tal qual acontece na reconstrução dos crimes em Direito.

Personagens

As personagens são as que participam do desenrolar dos acontecimentos, isto


é, aquelas que vivem o enredo. A personagem principal de uma narrativa é o
protagonista (o principal ator ou lutador) e, dependendo do escritor e do estilo
de época, pode ser apresentado de maneira mais idealizada (como os heróis
românticos) ou mais próxima do real.
O protagonista, via de regra, vai se defrontar com o antagonista – o que luta
contra algo ou alguém. Observe que as palavras protagonista/antagonista já de-
nunciam, em sua significação, o conflito.
Há personagens que não representam individualidades e sim tipos huma-
nos, identificados primeiramente pela profissão, pelo comportamento, pela
classe social. É o caso, por exemplo, da maioria das personagens de Memórias
de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, em que se tem o
Barbeiro, a Parteira, os Meirinhos, o Major, os Ciganos.
Pode haver personagens que tenham determinados traços ou comporta-
mentos extremamente realçados: são as personagens caricaturais.
É fato que grandes escritores preocupam-se com a relação personagem/
nome próprio. Graciliano Ramos, em Vidas Secas, cria os seguintes nomes: Vi-
tória que é o nome de uma mulher, retirante nordestina, que alimenta peque-
nos sonhos, sempre frustrados; Baleia é o nome de uma cachorra que morre em

capítulo 5 • 243
consequência da seca, em pleno sertão nordestino.
Machado de Assis é outro exemplo, pois os nomes, em suas obras, já denun-
ciam características de suas personagens. Em Dom Casmurro, a personagem-
narradora chama-se Bento, e tem sua vida, em grande parte, determinada pela
carolice da mãe, que queria torná-lo padre.
Há personagens que aparecem nos grandes romances de um país, acabam
por ganhar “vida” e fazer parte do seu imaginário cultural, tornando-se conhe-
cidos até por quem não leu os livros em que aparecem, como no caso de Dom
Quixote. No Brasil, entre outros, tem-se a personagem Macabéa do romance
Hora da Estrela, de Clarice Lispector.

REFLEXÃO
A personagem, de forma verossímil, é criada traço a traço ao longo da obra, por meio de traços
qualificacionais (dados na descrição de gestos, características físicas ou morais) ou funcionais,
representados pelos papéis e depreendidos das ações e das falas narradas das personagens.

CONCEITO
Verossímil é aquilo que parece verdadeiro. No caso das narrativas ficcionais, a verossimi-
lhança é muito importante porque é ela que garante a coerência da história contada. Embora
todos os elementos sejam construídos pela imaginação de um dado autor e não tenham
qualquer relação com a realidade, o texto será verossímil se o leitor aceitar que a história
contada poderia ser real, porque parece ser verdadeira.

Espaço
O espaço de ambiente (físico, social) é o cenário por onde circulam as perso-
nagens e onde se desenrola o enredo. Em alguns casos, a importância do am-
biente é tão fundamental que se transforma em personagem. Observe como o
Nordeste, em grande parte do romance modernista brasileiro; o colégio inter-
no, em O ateneu, de Raul Pompéia; o cortiço, em O cortiço, de Aluísio Azevedo
funcionam como espaço ambiente.
Perceba também como sempre há relação estreita entre a personagem,
seu comportamento e o ambiente que a cerca. Repare como, muitas vezes,
por meio dos objetos possuídos pode-se fazer um retrato perfeito do possui-
dor (personagem).

244 • capítulo 5
ATENÇÃO
Leia o fragmento descritivo seguir:
“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua
infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as
derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra
da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um
fartum acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e
em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acu-
mulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bo-
cejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam
as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; troca-
vam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas
interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros
abafados de crianças que ainda não andam.
No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem
se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos
saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à
semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.”
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço.
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_
autor=2149

AUTOR
Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo (São Luís, 14 de
abril de 1857 — Buenos Aires, 21 de janeiro de 1913) foi um
romancista, contista, cronista, diplomata, caricaturista e jornalista
brasileiro; além de bom desenhista e discreto pintor. É autor de
vários romances de estética naturalista: "O mulato" (1881), "Casa
de pensão" (1884), "O cortiço" (1890), dentre outros.

capítulo 5 • 245
CONCEITO
fartum: mau cheiro
traquinava: do verbo traquinar, "fazer travessuras"
altercavam: do verbo altercar, "discutir"; "provocar polêmica"
espanejando-se: do verbo espanejar, "sacudir (as aves) o pó das asas, batendo-as"

No parágrafo descritivo anterior, sobre o amanhecer no cortiço, a personi-


ficação do cortiço evidencia a imagem de que o lugar é um todo orgânico, com
vida própria: o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas uma infinidade de
portas e janelas alinhadas.
Esse fragmento descritivo a serviço da narrativa, refere-se ao amanhecer do
cortiço, criado pelo narrador pelo viés naturalista, em que o homem é visto den-
tro de sua animalidade, sendo um produto do meio social (espaço) no qual está
inserido, em que as personagens são expostas a um ambiente hostil, desenvol-
vendo comportamento violento e os espaços entre os humanos e não humanos
se entrecruzam, não havendo distinção alguma.
Logo, quando se faz referência ao espaço, em um texto narrativo, pode-se
identificar dois tipos distintos: o espaço físico ou geográfico e o espaço social. O
espaço físico é um conjunto de elementos da paisagem exterior, ou seja, trata-
se do cenário criado pelo autor em que será ambientada a ação. Já o espaço so-
cial refere-se às vivências da personagem, seus sentimentos, seus sonhos, seus
pensamentos, isto é, aquilo que permite ao leitor conhecer a motivação (causa)
para seus comportamentos.
Além da caracterização específica do espaço físico, os aspectos morais, psi-
cológicos, culturais e socioeconômicos das personagens aparecem, geralmen-
te, na construção do espaço social.

RESUMO
•  Espaço físico
O espaço físico ou geográfico é o lugar onde acontecem os fatos que envolvem as per-
sonagens. O espaço pode ser descrito pormenorizadamente ou suas características podem
aparecer diluídas na narração. Quase sempre é possível identificá-lo como espaço aberto ou
fechado, urbano ou rural.
No conto A morte da porta-estandarte, estudado há pouco, o espaço onde os fatos são

246 • capítulo 5
narrados é urbano carioca — carnaval na Praça Onze —, no Centro da cidade do Rio de
Janeiro. O período de tempo em que os fatos são narrados é curto, sendo equivalente a
uma noite. Já no romance de tese O cortiço, o espaço é o próprio cortiço carioca do final do
século XIX que acaba se tornando, de certa forma, uma personagem do livro devido a uma
personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento, o narrador diz que: “Eram cinco
horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos”.
•  Espaço social
É o espaço referente às condições socioeconômicas, morais e psicológicas que dizem
respeito às personagens. Dessa maneira, esse espaço possibilita situar as personagens na
época, no grupo social e nas condições em que se passa a história, projetar os conflitos vivi-
dos por elas, fornecer pistas para certo tipo de desfecho, como no caso do conto machadiano
Pai contra mãe, em que se tem o espaço físico, porque ocorre no Rio de Janeiro nos fins do
Segundo Império, como também o social — escravidão.

CONCEITO
Na narrativa, o espaço é o lugar onde se passa a ação ou o acontecimento. Articula-se com as
personagens, podendo influenciar suas atitudes ou sofrer transformações provocadas por elas.
Os fatos de uma narrativa mantêm relações com o espaço nestes dois níveis: físico ou
geográfico e social, este também chamado por muitos estudiosos de espaço de ambiente,
por englobar, segundo eles, o tempo e o espaço.
Leia a seguir o miniconto de Marina Colasanti, intitulado A honra passada a limpo em que
se presentificam todos os elementos da narrativa estudados para perceber a importância do
reconhecimento deles não só em sua produção textual, mas também no momento de inter-
pretar um determinado texto:

“Sou compulsiva, eu sei. Limpeza e arrumação.


Todos os dias boto a mesa, tiro a mesa. Café, almoço, jantar. E pilhas de louça na pia, e
espumas redentoras.
Todos os dias entro nos quartos, desfaço camas, desarrumo berços, lençóis ao alto
como velas. Para tudo arrumar depois, alisando colchas de crochê.
Sou caprichosa, eu sei. Desce o pó sobre os móveis. Que eu colho na flanela. Escu-
recem-se as pratas. Que eu esfrego com a camurça. A aranha tece. Que eu enxoto. A
traça rói. Que eu esmago. O cupim voa. Que eu afogo na água da tigela sob a luz.

capítulo 5 • 247
E de vassoura em punho gasto tapetes persas.
Sou perseverante, eu sei. À mesa que ponho ninguém senta. Nas camas que arrumo
ninguém dorme. Não há ninguém nesta casa, vazia há tanto tempo.
Mas, sem tarefas domésticas, como preencher de feminina honradez a minha vida?”
COLASANTI. Amores Rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
SUGIRO COLOCAR O TEXTO EM BOX CONEXÃO

Percebe-se que o narrador pode se posicionar de diferentes modos em


relação ao tempo dos acontecimentos – ele pode narrar os fatos no tempo
em que eles estão acontecendo –; pode narrar um fato já perfeitamente con-
cluído; pode entremear presente e passado, utilizando a técnica de flash
back. No conto, o momento escolhido é o presente visando a dar mais dina-
mismo à narrativa.
O conto A honra passada a limpo possui apenas uma personagem, uma mu-
lher. O enredo do conto baseia-se na descrição feita pela personagem de sua
rotina, e inicia-se com a seguinte afirmação: “Sou compulsiva, eu sei. Limpeza
e arrumação”. A partir daí, a personagem relata as ações que se repetem, na
mesmice de cada um de seus dias.
A intensidade que é dada as suas ações revelam o quanto a personagem
está acostumada a realizar essas tarefas, como se já estivesse programada,
automatizada.
Ao final do conto, a revelação da personagem causa certo estranhamento
no leitor, pois diante de todos os encargos que ela possui, naquela casa, e a
regularidade com que os realiza, jamais se poderia supor que ela estivesse
sozinha, pelo contrário, a impressão que se tem é a de que a casa estaria
sempre cheia de gente.
Nota-se que a personagem vive em uma situação de solidão, e que se dedicar
aos afazeres domésticos seria sua única atividade, seu único passatempo, a úni-
ca coisa que sabia fazer e bem. Apesar de a casa estar vazia, há muito tempo, seu
dever era aquele, não haveria outra forma de preencher sua vida, e ainda mais,
de ser honrada. Dedicar-se à casa e a sua manutenção é sinônimo de virtude
feminina, cujos atributos ela mesma diz ter: capricho, perseverança, compulsi-
vidade na realização de suas tarefas.

248 • capítulo 5
ATENÇÃO
Cada palavra criada dentro de um texto é selecionada criteriosamente pelo seu autor e tem
sempre uma intenção, ou seja, um sentido, pois se nada significasse não estaria no texto, mas
sim no cesto de lixo. Logo, no texto tudo faz sentido.

Considerações finais
Pode-se afirmar que a produção do texto narrativo pressupõe a construção de
um enredo, baseado em fatos que se modificam no tempo, a criação de perso-
nagens que vivenciam os fatos, em um determinado espaço e a instituição de
um narrador que, a partir de um ponto de vista, organiza todos esses elementos
constitutivos da narrativa.
Assim, construir uma narrativa é mostrar, no texto, a ação de uma persona-
gem, que opera uma transformação em seu meio. Em toda narrativa, alguém
age e muda o estado das coisas, alterando a situação inicial. Se se propõe a
construir um texto narrando fatos, é porque há uma alteração, uma mudança
neles, e alguém a opera.
Não se deve esquecer ainda de que esse tipo de texto tem um forte cunho in-
formativo, embora traga sempre um ponto de vista implícito, pois é impossível
uma narração isenta, imparcial.

LEITURA
Em Missa do Galo: variações sobre o mesmo tema, um dos mais célebres contos de Machado
de Assis é recontado por seis grandes escritores brasileiros (várias versões sobre um mesmo
fato): Antonio Callado, Autran Dourado, Julieta de Godoy Ladeira, Lygia Fagundes Telles,
Nélida Piñon e Osman Lins.
O conto original é o relato de um rapaz que, retomando um momento do passado, tenta
compreender o que se passou, na rapidez cronológica de pouco mais de uma hora, entre ele,
então com 16 anos, e Conceição, já na casa dos 30.
Nas releituras, os seis autores jogam com o tempo e o espaço, além de dividirem os
pontos de vista.
Disponível em: http://www.skoob.com.br/livro/40535-missa_do_galo. Acessado em 20/7/2014.

capítulo 5 • 249
2  Características e construção do texto
descritivo

Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infe-


lizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinaria-
mente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio
seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma
sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da
caatinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo
escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça; Fabiano sombrio, cambaio, o
aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de
pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. ”
Vidas Secas, Graciliano Ramos.

CONCEITO
Descrição é o ato de descrever. Descrever é apontar atributos da pessoa ou coisa descrita,
que se costuma denominar objeto da descrição. Pode ser uma pessoa, um animal, um pro-
cesso, um ser inanimado, uma cena, um local. Assim, o texto descritivo é entendido como o
que descreve, fazendo uma representação verbal de um objeto (ser, coisa, circunstância do
acontecimento do fato, paisagem), por meio da indicação dos seus aspectos mais caracterís-
ticos, dos seus atributos, dos pormenores que o individualizam, que o distinguem.
Para Platão e Fiorin (2012), a descrição “é o tipo de texto em que se relatam as ca-
racterísticas de uma pessoa, de um objeto ou de uma situação qualquer, inscritos em certo
momento estático do tempo” (p. 297). Os autores ressaltam que o texto descritivo não relata
mudança de estado que ocorrem no tempo, apenas retrata as propriedades e os aspectos que
os elementos descritos em certo estado, tomando-os como se estivessem parados no tempo.
O fragmento de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, citado, apresenta uma predominância
de sequências descritivas. As sequências descritivas, nesse contexto, têm a função de desa-
celerar a narrativa, trazendo uma lentidão tanto na narrativa quanto na vida das personagens
que se arrastam pelo sertão, vagando, em busca de uma melhor condição de vida.
No texto descritivo, podem ocorrer tanto caracterizações objetivas (físicas, concretas),
quanto subjetivas (aquelas que dependem do ponto de vista de quem descreve). A finalidade
da descrição é transmitir a impressão que a coisa vista desperta em nossa mente mediante
os sentidos. Ela é mais que fotografia, porque é interpretação também, salvo se se tratar de

250 • capítulo 5
descrição técnica ou científica.
A descrição apresenta ainda algumas características, como: presença de substantivos,
que marcam traços genéricos do objeto descrito; de adjetivos e locuções adjetivas, que atri-
buem características específicas que permitem um detalhamento maior.
Além disso, há também o uso de verbos de ligação; predomínio da coordenação de
ideias; predomínio de verbos no pretérito imperfeito — porque permite tornar “presente” o
que já passou. Já o uso do presente do indicativo, em uma descrição, é para fazer com que
aquilo que se descreve apareça como um quadro vivo à nossa frente. Assim como, o emprego
de metáforas e de comparações objetiva materializar a imagem descrita.

COMENTÁRIO
Metáfora e comparação
Metáfora — consiste em utilizar uma palavra ou uma expressão em lugar de outra, sem
que haja uma relação real, mas em virtude da circunstância de que o nosso espírito as asso-
cia e depreende entre elas certas semelhanças. Na comparação (ou símile) aparece sempre
um conectivo comparativo (como, assim como, que nem, tal qual), o que a diferencia da metá-
fora. "Meu pensamento é um rio subterrâneo." (Fernando Pessoa). Nesse caso, a metáfora é
possível porque o poeta estabelece relações de semelhança entre um rio subterrâneo e seu
pensamento (pode estar relacionando a fluidez, a profundidade, a inatingibilidade).
Se Pessoa fizesse uso de um conector comparativo, passaria a ser uma comparação:
"Meu pensamento é como (ou tal qual) um rio subterrâneo." Na verdade, toda metáfora é uma
espécie de comparação implícita, em que o elemento comparativo não aparece.

Verifique no conto A cartomante, de Machado de Assis, como o narrador


apresenta as suas personagens:

[...]Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens.
Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de
magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo
médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou
um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com
uma dama formosa e tonta;

capítulo 5 • 251
abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa
para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.[...]Camilo e Vilela olharam-se com
ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do
Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos,
olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava
trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela
fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral
e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza
põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.

ASSSIS, José Maria Machado de. Várias Histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

Machado de Assis, em suas descrições, apresenta sempre as três qualidades


inerentes a esse tipo de texto, como identificação, localização e qualificação. A
descrição presente no fragmento dado, assim como em todos os textos do au-
tor, é a mais fotográfica possível, criando, no leitor, a sensação de estar "vendo"
a personagem como ser real — como construção de perfis humanos —, ou a
cena tal como aconteceu na realidade. É como se o escritor estivesse pintando
um quadro com palavras.
No texto descritivo, como se sente, ao escritor cabe fotografar o real com
palavras e ao leitor, "ler para ver".
Sabe-se, contudo, que não se apreende a realidade apenas por meio da visão;
apesar de se falar em “retrato verbal” ou “ler para ver”, pois uma boa descrição
não pode prescindir das outras sensações. Nossa percepção da realidade se dá por
meio da visão, da audição, do olfato, do tato, da gustação. Por essa razão, é comum
encontrar sinestesias em textos descritivos, conforme ocorre no fragmento de O
cortiço, de Aluísio Azevedo, já estudado há pouco em elementos da narrativa.

2.1.1  Descrição: objetiva e subjetiva

Há dois tipos de descrição, dependendo da postura assumida pelo observador:


a subjetiva e a objetiva.
A descrição objetiva é aquela em que o observador se limita aos valores exte-
riores, aproximando-se o mais possível da realidade, sem emitir juízos de valor.
Mas, na verdade, salvo as descrições técnicas ou científicas, toda descrição re-
vela, em maior ou menor grau, a impressão que o autor tem daquilo que descre-

252 • capítulo 5
ve, pois não existe texto sem intenção.
Já a descrição subjetiva é aquela em que o observador emite juízos de va-
lor, salienta determinadas características que o impressionam. Portanto, o
que está sendo descrito é filtrado pelo observador; interessa o que ele quer ver,
como ele vê, a exemplo tem-se a descrição literária, como em São Bernardo, de
Graciliano Ramos:
“Começo declarando que me chamo Paulo Honório, peso oitenta e nove
quilos e completei cinquenta anos pelo São Pedro. A idade, o peso, as sobrance-
lhas cerradas e grisalhas, estes rostos vermelhos e cabeludos têm-me rendido
muita consideração. Quando me faltavam essas qualidades, a consideração era
menor.”

CURIOSIDADE
Na descrição subjetiva, a interferência do autor é sempre maior e costuma ser caracterizada
pela emissão de juízos de valor. Já na descrição objetiva, o autor interfere menos, tentando
nos passar uma imagem mais próxima ao real, evitando os julgamentos pessoais.

2.1.2  A articulação textual: narrativo e descritivo

A narrativa corresponde à finalidade do “que é contar?”, e para fazê-lo, descre-


ve, ao mesmo tempo, ações e qualificações, utilizando, assim, os modos de or-
ganização do discurso narrativo e descritivo. Descritivo e narrativo distinguem-
se pelo tipo de visão do mundo que constroem e pelos papéis desempenhados
pelo sujeito que descreve ou narra.
O descritivo faz o ser descobrir um mundo que se presume existir como um
estar-aí que se apresenta como tal, de maneira imutável. O narrativo, ao con-
trário, leva o ser a descobrir um mundo que é construído no desenrolar de uma
sucessão de ações que se influenciam umas às outras e se transformam em um
encadeamento progressivo.
A ideia central de um parágrafo descritivo é um quadro, ou melhor, um frag-
mento daquilo que está sendo descrito (uma pessoa, uma paisagem, um am-
biente), visto sob determinada perspectiva em um determinado momento.
A descrição constitui uma forma de organização sequencial que pode ser
inserida, em diferentes tipos de discurso, sendo no interior dos discursos da

capítulo 5 • 253
ordem do narrar (geralmente na sequência narrativa) que a tradição e o uso
identificam as sequências descritivas, ocorrendo uma articulação entre os seg-
mentos narrativos e descritivos, que pode ser analisada de forma a perceber
frases que expressam a progressão cronológica dos acontecimentos e outras
que apresentam características do quadro em que se inscreve essa progressão.
Na realidade, existem três operações que definem a descrição: identifica-
ção, localização e qualificação.

2.1.3  A função persuasiva da descrição

A verossimilhança (semelhança com a verdade ou realidade) muitas vezes é


utilizada como recurso de persuasão. Uma descrição rica em detalhes, nomes
completos, idades e cenários, cria a impressão de realidade, auxiliando no con-
vencimento em favor de alguma causa. Busca-se provocar a sensibilidade do
interlocutor a fim de se conseguir dele a adesão à determinada forma de pensar
e, quem sabe, agir.
Koch (2013, p. 65) afirma, em razão dos diversos tipos de textos, que não há
nenhum tipo de texto neutro, objetivo, imparcial: “os índices de subjetividade se
introjetam no discurso, permitindo que se capte a sua orientação argumentativa”.
Dessa forma, ao se observar uma sequência descritiva, depreende-se pela
seleção lexical o ponto de vista do narrador do texto na tentativa de persuadir o
seu interlocutor (RODRIGUEZ, 2002, p. 178):

“O réu ameaçava a vítima que, aos gritos, clamava por não ser morta. Ele pediu as joias
e, ao ouvir a negativa da vítima, que dizia não possuir nenhuma, não teve dúvida: com
frieza desumana, puxou o gatilho do revólver encostado à cabeça da vitimada, prostran-
do-a no chão sem vida, de forma cruel, por motivo absolutamente fútil.”

“O réu, no intento de roubar, pediu à vítima joia e dinheiro. Assustado, temeroso e alte-
rado, pois não é bandido profissional, mas incidentalmente cometendo aquele equívoco,
ouviu a ríspida negação da vítima e, supondo tendo ela chance de reação, que por certo
poria sua vida em risco, em um ímpeto de emoção e medo apertou o gatilho, temendo
por sua sobrevivência.”

254 • capítulo 5
Nos parágrafos em análise, há duas narrativas da mesma cena, e cada nar-
rador a descreve exatamente como se tinha passado. Não é que um tenha visto
uma coisa e o outro, outra diferente, mas cada um a descreveu com um ponto
de vista diferente (acusatório e defensivo).
O autor tem, portanto, de selecionar e ordenar adequadamente os elemen-
tos a serem incluídos no texto, tendo como diretriz, nesse processo decisório,
o objetivo com que o texto é produzido. Afinal, todo tipo de texto tem um obje-
tivo, por essa razão, ao se interpretar um fragmento descritivo em outro tipo de
texto, deve-se procurar identificar a motivação subjacente à seleção e ordena-
ção do objeto descrito.

ATENÇÃO
Descrever é pintar um quadro, retratar um objeto, uma personagem, um ambiente. A descri-
ção difere da narração fundamentalmente por não se preocupar com a sequência de ações,
com o desenrolar do tempo. A descrição enfrenta um ou vários objetos, uma ou várias perso-
nagens, uma ou várias ações, em um determinado momento, em uma mesma fração da linha
cronológica. É a foto de um instante. Sendo assim, a descrição é o “retrato verbal” de seres
(pessoas, objetos), paisagens ou situações; trabalha com imagens, permitindo uma visualiza-
ção do que está sendo descrito.

RESUMO
O texto descritivo pode ser conceituado como o que descreve, fazendo uma representação
verbal de um objeto (ser, coisa, circunstância do acontecimento do fato, paisagem), por meio
da indicação dos seus aspectos mais característicos, dos seus atributos, dos pormenores que
o individualizam, que o distinguem.
A descrição também está a serviço de outras artes, como a pintura, a fotografia e a escultura.

A Pietá de Michelangelo é talvez a mais co-


nhecida e uma das mais famosas esculturas
feitas pelo artista. Representa Jesus morto
nos braços da Virgem Maria. Observá-la per-
mite perceber a descrição da dor de uma mãe
ao ter nos braços o filho morto.

capítulo 5 • 255
Vitalino Pereira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino, artesão ceramista brasi-
leiro, filho de lavradores, ficou conhecido por retratar, em seus bonecos de barro, cenas
que descrevem o folclore do povo nordestino, especialmente do interior de Pernambu-
co, e o modo de vida dos sertanejos.

Johann Moritz Rugendas (Augsburg, Alemanha 1802 — Weilheim, Alemanha 1858).


Pintor, desenhista, gravador.

3  Características e construção do texto


dissertativo: expositivo e argumentativo

3.1  Texto dissertativo expositivo

A dissertação-expositiva, também chamada de texto expositivo ou exposição, é


o tipo de texto em que são apresentadas as informações a respeito de um deter-
minado tema ou assunto. Esse tipo de texto é o mais utilizado em meios acadê-
micos, científicos, jornalísticos, informativos, objetivos, técnicos.
Assim, o texto dissertativo analisa e interpreta a realidade a partir de conceitos
abstratos (científicos, filosófico, religiosos) e pode adotar duas caracterizações
mais gerais: uma centrada no sujeito que expressa determinada opinião — sub-
jetiva; e outra centrada na própria opinião e em sua fundamentação — objetiva.
Dessa maneira, a dissertação deve apresentar um discurso generalizante,
dirigido a um interlocutor de perfil genérico, por essa razão que os textos ex-
positivos são os mais utilizados em discursos da ciência, da Filosofia, em livros
didáticos, em divulgação científica. Quanto à sua estrutura, deve apresentar es-
tes três momentos:

Introdução: apresenta-se o assunto que será o objeto da dissertação, o tema,


A a matéria a ser discutida. Essa introdução é de caráter geral. Geralmente, é o
primeiro parágrafo.

256 • capítulo 5
Desenvolvimento: alinham-se ideias, fatos, exemplos, comparações, citações,
argumentos, com que o autor pretende demonstrar seu ponto de vista. É a parte
B mais importante porque se passa da generalização para a especificação. É es-
sencial que esses itens específicos estejam em uma ordem lógica.

Conclusão: É o último parágrafo do texto e nele se dá o desfecho do assun-


C to abordado.

Leia o texto seguinte – Cidade: sincretismo do mundo – que trata do tema da


multiplicidade das cidades:

Cada cidade é um mundo em miniatura onde coexistem os mais diferentes tipos hu-
manos, arquitetônicos e naturais. Com seu dinamismo, a cidade atrai e expele, glorifica
e massacra, dá a vida e também tira de seus filhos, sejam eles naturais ou adotivos.
Somos nela criados, somos por ela educados, sentimo-nos estrangeiros fora da nossa
cidade – ela é o centro da nossa existência.
Miscigenação de raças, classes sociais e profissionais, desenhos habitacionais cotidia-
nos e irregulares, sede do poder e da pobreza, o centro urbano reúne em si vitória e
derrota, felicidade e dor, contradição. Há o que busca a vida tranquila na Rocinha, há o
que busca apenas o lazer no shopping center, o reduto mundial do consumismo. Cidade
é permissão. Cidade é coação. “Faz o que tu queres, mas serás julgado por tudo.” A
cidade é o espaço singular onde nascemos, vivemos e morreremos; que conhecemos
tão bem, mas que explicamos sem explicar. A cidade ou não tem explicação, ou permite
todas as explicações.
O espaço urbano é construído com base nos tipos que nele habitam ou são os tipos mol-
dados pelo ambiente? Local da multiplicidade, da integração e da discórdia, o sincretismo
urbano é, para muitos, o sonho da mudança acertada, o caminho da felicidade. É São
Paulo para os sertanejos. É o Rio de Janeiro para Macabéa: é cidade feita contra pessoas.

capítulo 5 • 257
Visão ingênua deste mundo contraditório, ela representa a realização do sonho das
massas. A cidade, em sua grandiosidade, é protetora e é perversa, é a paz é o inferno,
é a certeza e é a contradição. Há a possibilidade de se filosofar sobre ela, de divagar
sobre seus prós e seus contras, sobre seu bem e sobre seu mal. Todavia, conhecer uma
cidade é como conhecer uma pessoa: é vivê-la, é sofrê-la, é amá-la. A cidade é a nossa
própria vida.
Tanto é nossa vida que está em nós. Está em nossas roupas, em nosso jeito de ser, em
nossos gostos, em nossa falta. O porto-alegrense é um singular. Ao florianopolitano
não tem igual: é o mané da ilha, Guga para o mundo. Quem confunde um carioca e um
soteropolitano? Cidade é a identidade. Somos nossa cidade, somos estrangeiros fora
dela. Curitibano em Manaus é brasileiro no Japão – ambos expatriados porque o fixo
e o fluxo de Curitiba e de Manaus são opostos, como os do Brasil são do Japão. Uma
cidade forma-se de pessoas, partículas homogêneas que, todas juntas com suas dife-
renças, dão o ar heterogêneo que é a cara da cidade.
Mundo, vasto mundo: teu início é na minha cidade, ainda que a cidade não seja minha.
Com a globalização que conectou todo o globo, as fronteiras fecharam-se mais e mais.
O mundo todo está em todas as cidades, enquanto cada uma tenta manter-se sua: es-
paço múltiplo, porém restrito. Cada cidade é de cada um que a tem como sua. Cidade é
propriedade, a cidade é pública.

JUNKES, Larissa. Cidade: sincretismo do mundo. Vestibular Unicamp. Redações 2004.


Campinas, 2004. p. 77-80.
Disponível em: http://concursos.urisantiago.br/saopedro/provas2/ Arquiteto.pdf, acessado em
20/9/2014.

CONCEITO
Sincretismo: Fusão de elementos culturais diversos, ou de culturas distintas, ou de diferen-
tes sistemas sociais.

COMENTÁRIO
Após a leitura do texto, percebe-se que a autora organiza uma estrutura argumentativa com
o objetivo de demonstrar, ao leitor, a diversidade como um elemento constitutivo das cidades.

258 • capítulo 5
No primeiro parágrafo, tem-se a introdução com a apresentação da tese a ser defen-
dida – “a cidade é um mundo em miniatura” –, destacando a importância da cidade na
vida de seus habitantes.
No segundo parágrafo, a autora enumera várias características observadas nas cidades,
que por si sós, já constituem argumentos para sustentação da tese de que a cidade é o es-
paço do múltiplo – “é um mundo em miniatura”.
No terceiro parágrafo, por meio de uma pergunta retórica – “O espaço urbano é construído
com base nos tipos que nele habitam ou são os tipos moldados pelo ambiente?” – a autora con-
tinua a enumerar os aspectos observáveis nos centros urbanos que reiteram sua diversidade
no que se refere às condições de vida presente e às perspectivas de vida futura, servindo essas
observações como argumentos para a defesa da análise que está sendo construída.
No quarto parágrafo, a autora apresenta argumentos por exemplos que reafirmam o que
foi dito antes, dando-lhes uma função argumentativa.
No quinto parágrafo, a autora, fazendo a citação de um verso do Poema de sete faces
de Drummond, em forma de vocativo para cidade, retoma por meio da intertextualidade a
tese apresentada no primeiro parágrafo “a cidade é um mundo em miniatura”, para concluir
a defesa de sua tese.
Nota-se que a autora, em todos os parágrafos, reafirma a sua tese principal e que ini-
cialmente ela faz uma afirmação mais generalizante sobre a cidade e, em seguida, reúne
os exemplos que comprovam a verdade do que foi dito, razão por que eles têm uma função
argumentativa no texto.

3.2  Texto dissertativo – argumentativo

Diferentemente do dissertativo-expositivo, cujo propósito principal é expor,


explicar ou interpretar ideias, o dissertativo-argumentativo visa, sobretudo, a
persuadir o leitor ou o ouvinte. No dissertativo-argumentativo, além da análise
cuidadosa e detalhada de um tema, espera-se que o texto também apresente os
argumentos para a defesa do ponto de vista.
Em razão desses dois tipos de textos, Othon Garcia (2010, p. 370) explica
que, na dissertativo-expositiva, expressa-se o que se sabe ou o que se acredita
saber acerca de um determinado assunto, externando-se uma opinião sobre o
que é ou parece ser. Já no dissertativo-argumentativo, além disso, procura-se
principalmente formar a opinião do leitor ou do ouvinte, tentando convencê-lo
e persuadi-lo de que a razão está com o argumentador, e que ele é quem está de

capítulo 5 • 259
posse da “verdade”. O texto argumentativo sempre estabelece uma polêmica
com aqueles que defendem uma tese contrária à apresentada.
Assim, estabelece-se a seguinte diferença entre estes tipos de textos: expli-
car uma verdade ou tese, em uma visão racional, para influenciar o interlocu-
tor, para convencê-lo (dissertativo-expositivo ou expositivo) ou persuadi-lo (dis-
sertativo- argumentativo).
Quanto à linguagem do texto dissertativo-expositivo ou dissertativo-argu-
mentativo predomina o uso dos verbos no presente do indicativo – por não ter
esse tempo verbal conotação temporal –, ou seja, ele não faz referência a acon-
tecimentos ocorridos. Deve-se evitar também o uso das formas de primeira pes-
soa (eu/nós) no texto dissertativo para que não seja visto como expressão de um
olhar subjetivo, particular, mas sim como uma argumentação racional, válida
para todas as pessoas
Sendo assim, o texto dissertativo-argumentativo visa a defender uma tese ou
ponto de vista e é classificado como argumentativo porque nele o argumentador
precisa argumentar, desenvolver argumentos a fim de comprovar a sua tese, por
isso apresenta sempre dois elementos fundamentais: tese e argumentos.

ATENÇÃO
Persuadir significa convencer alguém a aceitar uma ideia, acreditar em algo, agir de uma
determinada maneira. A persuasão sempre envolve a utilização de argumentos no contexto
da interlocução, visto que um dos interlocutores procura influenciar o outro.

CONCEITO
Tese — é o ponto de vista ou posicionamento a ser defendido pelo argumentador.
Argumento — é a fundamentação da tese ou as razões ou justificativas evocadas com o
objetivo de demonstrar a validade da tese.

Com efeito, produzir um texto argumentativo equivale a inserir-se em um


debate, em uma disputa de opiniões conflitantes. Ao argumentar a favor de
uma determinada opinião, está-se também, ao mesmo tempo, argumentando
contra todas as possíveis opiniões contrárias. Em um texto argumentativo, por-
tanto, o argumentador não apenas defende o seu ponto de vista, mas também

260 • capítulo 5
ataca os pontos de vistas contrários.
É por isso que, nesse tipo de texto, estão presentes pelo menos estas duas
vozes ou pontos de vista distintos:
•  a voz do argumentador (que defende a tese apresentada no texto) e
•  a voz do indivíduo ou grupo que defende a tese contrária.
Leia o texto argumentativo a serguir, que apresenta uma visão possível, mas
que não exclui outras, certamente.

“O adolescente infrator vem sendo bombardeado pela mídia como um dos grandes
responsáveis pelo crescente aumento da violência e da marginalidade. São colocados
como chefes de quadrilhas com condições suficientes para o discernimento necessário
à imputabilidade. A solução para o problema parece ser a diminuição da maioridade pe-
nal, o que significaria a alteração do artigo 228 da Constituição da República Federativa
do Brasil/88 e do artigo 27 do Código Penal.
Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substancialmente a segurança
no país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento porquanto, se assim o fosse,
não haveria maior criminoso, visto que há punibilidade prevista para o maior de dezoito
anos. É preciso que se esclareça que o menor não fica impune aos atos que pratica, pois
por isso o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) elenca uma série de medidas
socioeducativas para recuperá-lo e adequá-lo à vida em sociedade, o que na maioria
dos casos foi subtraído por toda uma injustiça social que há muito campeia neste país.
Sobre essa questão, há dois pontos que merecem atenção. De um lado, se a função do
Estado é garantir a dignidade da pessoa humana, parece mais razoável que se invista no
cumprimento do disposto no artigo 227 da CRFB/88, proporcionando um ambiente saudá-
vel para a formação integral do adolescente e respeitando o seu caráter peculiar de pessoa
em desenvolvimento. Observe-se que o texto utiliza a expressão “absoluta prioridade”:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adoles-
cente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). Parece que o Estado vem descumprindo
a sua parte em garantir esse direitos ao adolescente.
E não se trata de norma programática, mas de um imperativo.

capítulo 5 • 261
Por outro lado, se os direitos e garantias fundamentais não podem sofrer alterações
que venham a restringi-los, parece lógico que o artigo 228 da CRFB/88 contempla
uma garantia individual da pessoa humana que não pode ser objeto de alteração. É uma
garantia ao menor de dezoito anos que não seja responsabilizado penalmente por seus
atos: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial”.
Enfim, diante da Constituição da República Federativa do Brasil/88, não há que falar
em diminuição da maioridade penal. Se o texto constitucional contempla a dignidade
da pessoa humana, a diminuição da idade para responsabilização penal, divorcia-se do
mandamento que determina o respeito à condição peculiar do adolescente, de pessoa
em desenvolvimento. Ademais, a questão dos direitos fundamentais do adolescente é
uma prioridade para um Estado que tem de se preocupar com as futuras gerações. A
dimensão social do texto não pode ser negligenciada. A formação de uma nova geração
depende da intenção política de se fundar um Estado em que a felicidade não seja uma
ficção ou uma referência aos autores clássicos do Direito.”

CHALITA, Gabriel. “Heurística e direito”. In. Hermenêutica Plural. 2002, p. 235-237, com
adaptações.

COMENTÁRIO
1.  Introdução — formulação de tese
Ao se escrever um texto dissertativo-argumentativo, o ponto de partida será a formu-
lação de uma tese. A tese é a ideia principal que se pretende defender durante o texto a
ser produzido. Ela deve estar relacionada ao tema da proposta apresentada e ser apoiada
por argumentos válidos e consistentes em busca da persuasão dos leitores ou ouvintes.
A tese deve, pois, ser clara, definida, quanto ao que afirma ou nega e deve ser suficiente-
mente específica para permitir uma tomada de posição contra ou a favor, pois é fato que
a argumentação tem um caráter dialético, pois implica uma resposta da parte do receptor,
um confronto de pontos de vista.
No primeiro parágrafo do fragmento em estudo, tem-se a apresentação da tese do autor
– contra a diminuição da maioridade penal, reforçada no início do segundo parágrafo, já no
desenvolvimento: “Acreditam os que defendem essa tese que isso [...]”.
O primeiro parágrafo cria assim uma expectativa do que deverá ser demonstrado pelo
texto para comprovar a tese anunciada.

262 • capítulo 5
2.  Desenvolvimento — formulação dos argumentos
No desenvolvimento do corpo do texto dissertativo-argumentativo, será feita a formula-
ção dos argumentos que constitui a argumentação propriamente dita. É o momento no qual
o autor apresenta as provas ou as razões que são o suporte de suas ideias.
Os argumentos devem se basear em fatos (exemplos, comparações, ilustrações, decla-
rações, narrações, citações). Também devem ser fundamentados os argumentos contrários
à tese apresentada, momento este em que o argumentador passa à contestação ou à refu-
tação da possível tese contrária àquela formulada por ele, para que a sua argumentação se
torne mais convincente e persuasiva.
Observa-se que, no segundo parágrafo do desenvolvimento, ao fazer uso de um argu-
mento de concessão — “Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substan-
cialmente a segurança no país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento [...]” “[...] se
assim o fosse, não haveria maior criminoso [...]” e de autoridade — CRFB/88 e do ECA —, o
argumentador continua a enumerar argumentos sobre a tese proposta, articulando-os entre
os demais parágrafos para defesa e análise da tese que está sendo construída — não dimi-
nuição da maioridade penal, como a demonstração das razões pelas quais se afigura mais
consistente com as normas e os princípios constitucionais.
Nesse parágrafo, o argumentador se propõe a refutar a tese oposta à sua. Para isso ele pre-
cisa desacreditar os argumentos da parte adversa: “Acreditam os que defendem essa tese que
isso alteraria substancialmente a segurança no país. Parece um pouco ingênuo... dezoito anos”.
O terceiro parágrafo enfatiza novamente o argumento de autoridade, ao discorrer sobre
a importância da garantia do Princípio da dignidade da pessoa humana, julgando-se ser mais
razoável que se invista no cumprimento do disposto, no artigo 227 da CRFB/88, objetivando-
se assim a sustentação da tese principal.
Na verdade, em todos os parágrafos do desenvolvimento, o produtor do texto, reafirma a
tese principal, sempre com base no argumento de autoridade e na responsabilização social
do Estado em relação aos adolescentes infratores.
Conclusão — Confirmação da tese
Ao final da formulação dos argumentos, segue-se a conclusão, sem a qual a argumenta-
ção ficará vaga; e que deve ser iniciada por conjunções conclusivas ou locuções conjuntivas
conclusivas, como: logo, portanto, assim, enfim, por isso, por conseguinte, isso posto. Pode-
se também iniciar esse trecho final da argumentação, fazendo uso de locuções conjuntivas
consecutivas, como: de modo que, de forma que, ao passo que, de sorte que.
A conclusão se constrói naturalmente das provas arroladas, dos argumentos apresen-
tados. Sendo um fechamento do texto, deve também propor, neste elemento, sempre que
possível, a solução ao problema, a partir dos pontos já levantados durante o texto produzido

capítulo 5 • 263
e a retomada e a confirmação da tese.
Na conclusão do texto em análise, o argumentador reafirmou a tese principal — da não
diminuição da maioridade penal —, citando, mais uma vez, o texto constitucional que contem-
pla a dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais do adolescente e apresentando
como solução uma prioridade do Estado sobre esse tema por ser responsabilidade deste a
preocupação com as futuras gerações.
Constata-se, no texto dissertativo-argumentativo sobre a Redução da Maioridade Penal,
que o argumentador não apresentou um argumento sequer a favor da redução da maioridade
penal. Em vez disso, ocupou-se de combater e desconstruir, por meio de um questionamento,
um dos argumentos daqueles que são a favor dessa redução.

CONCEITO
Argumento de autoridade – é baseado na opinião de um especialista ou nas diversas fontes
do Direito.
Argumento por Concessão – é um tipo eficiente de contra-argumentação. Essa estratégia
é executada em duas etapas. Em primeiro momento, o argumentador dá a impressão de con-
cordar com o seu adversário, isto é, ele parece conceder a razão ao seu adverso (daí o nome
concessão), contudo, em seguida, a tese adversária é combatida e devidamente refutada.

ATENÇÃO
Quanto aos aspectos formais, a dissertação dispensa o uso abusivo de figuras de lingua-
gem, bem como o valor conotativo das palavras. Por suas características, o texto dissertativo
requer uma linguagem mais sóbria, denotativa, sem rodeios; preferindo-se sempre o uso da
terceira pessoa.
Diferentemente da narração, a dissertação não apresenta uma progressão temporal; os con-
ceitos são genéricos, abstratos e, em geral, não se prendem a uma situação de tempo e
espaço. Daí o emprego de verbos no presente. Ao contrário também da descrição, que se
caracteriza pelo período simples, a dissertação trabalha com o período composto, com o
encadeamento de ideias e, nesse tipo de construção, o emprego correto dos conectores é
fundamental para se obter um texto claro, coeso e coerente.

264 • capítulo 5
MULTIMÍDIA
A eutanásia é tema bastante polêmico, que envolve aspectos médicos, éticos, jurídicos e
religiosos. Como responder a questões como as que seguem?
•  Se estiver consciente, o doente tem o direito de decidir quando parar de viver?
•  E se estiver inconsciente, a família poderia ter esse direito?
•  Caso fosse legalizado, quem teria a tarefa de ajudar o doente a provocar a própria morte?
•  E os médicos, como deveriam agir, já que juraram defender a vida?

Mar adentro, filme espanhol que discute a eutanásia, ganhou o Oscar de melhor filme es-
trangeiro em 2004.
Sinopse:  Ramón Sampedro (Javier Bardem) é um homem que luta para ter o direito de
pôr fim à sua própria vida. Na juventude, ele sofreu um acidente, que o deixou tetraplégico e
preso a uma cama por 28 anos. Lúcido e extremamente inteligente, Ramón decide lutar, na
justiça, pelo direito de decidir sobre sua própria vida, o que lhe gera problemas com a Igreja,
a sociedade e até mesmo seus familiares.

As invasões bárbaras (2003), do diretor canadense Denys Arcand.


Sinopse:  Trata-se de um drama que narra os momentos finais da vida de um professor uni-
versitário do Canadá, doente de câncer em estágio terminal. Suas relações familiares haviam
se decomposto, pois não vivia mais com sua esposa e com seus dois filhos nem sequer man-
tinha contato. O estranhamento em sua atividade fica ilustrado de saída em uma ocasião na
qual se despede de seus alunos, deixando claro se afastar “por motivo de saúde”, recebendo
como retorno apenas uma pergunta sobre o prazo de entrega dos trabalhos. Isso em uma
cena que mostrava a postura dos universitários: superficiais por excelência.

capítulo 5 • 265
4  Características e construção do texto injuntivo

NÃO ESQUEÇA: A DENGUE


SE COMBATE TODO DIA.
CONTRA A DENGUE, NÃO DEIXE ÁGUA PARADA.

Os textos injuntivos são aqueles cujo objetivo é levar as pessoas a agirem de de-
terminada maneira, como modo de alcançarem um resultado específico: insta-
lar ou configurar um aparelho, preparar uma refeição.
Nesse tipo de texto, o conteúdo é sempre algo a ser feito e/ou como ser feito,
uma ou várias ações ou fatos e fenômenos cuja realização é pretendida por alguém.
O texto injuntivo distingue-se de uma sequência narrativa pela ausência de
um sujeito responsável pelas ações a praticar e pelo caráter diretivo no qual as
formas verbais específicas dessas frases estão geralmente no modo subjuntivo,
infinitivo e imperativo, mas o último — o imperativo — é o modo mais frequen-
te nesse tipo de texto.
Desse modo, o texto injuntivo objetiva dizer a ação requerida, desejada, di-
zer o que e/ou como fazer e assim incitar o receptor à realização da situação.
Os textos instrucionais se caracterizam pela apresentação de uma série de
procedimentos a serem seguidos, em uma determinada circunstância, e esta-
belecem uma interlocução direta com o leitor, como: prescrição médica, bulas
de remédio, receitas culinárias, manuais, regras de jogo, guias de uso.
Mas todos os textos instrucionais são considerados injuntivos, porque apre-
sentam também procedimentos a serem seguidos.
A letra de música Feijoada Completa, de Chico Buarque, apresenta alguma
semelhança com a estrutura de textos instrucionais. Observe:

Mulher, você vai gostar: Eles vão com uma sede de anteontem.
Tô levando uns amigos para conversar. Salta a cerveja estupidamente
Eles vão com uma fome Gelada para um batalhão
Que nem me contem; E vamos botar água no feijão.

266 • capítulo 5
Mulher, não vá se afobar; Joga o paio, carne seca,
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar. Toucinho no caldeirão
Ponha os pratos no chão e o chão tá E vamos botar água no feijão.
posto Mulher, depois de salgar
E prepare as linguiças pro tira gosto. Faça um bom refogado,
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão Que é pra engrossar.
E vamos botar água no feijão. Aproveite a gordura da frigideira
Mulher, você vai fritar Pra melhor temperar a couve mineira.
Um montão de torresmo pra acompa- Diz que está dura, pendura
nhar: A fatura no nosso irmão
Arroz branco, farofa e a malagueta; E vamos botar água no feijão.
A laranja-bahia ou da seleta.

O cantor ecompositor Dorival Caymmi também se utilizou do texto ins-


trucional para fazer uma de suas canções mais conhecidas — Vatapá:

Quem quiser vatapá, ô Um bocadinho mais


Que procure fazer Pimenta malagueta
Primeiro o fubá Um bocadinho mais
Depois o dendê Amendoim, camarão, rala um coco
Procure uma nega baiana, ô Na hora de machucar
Que saiba mexer Sal com gengibre e cebola, iaiá
Que saiba mexer Na hora de temperar
Que saiba mexer Não para de mexer, ô
Procure uma nega baiana, ô Que é para não embolar
Que saiba mexer Panela no fogo
Que saiba mexer Não deixa queimar
Que saiba mexer Com qualquer dez mil réis e uma nega ô
Bota castanha de caju Se faz um vatapá
Um bocadinho mais Se faz um vatapá
Pimenta malagueta Que bom vatapá
Um bocadinho mais Bota castanha de caju
Bota castanha de caju Um bocadinho mais

capítulo 5 • 267
Pimenta malagueta Um bocadinho mais
Um bocadinho mais Amendoim, camarão, rala um coco
Bota castanha de caju Na hora de machucar
Um bocadinho mais Sal com gengibre e cebola iaiá
Pimenta malagueta Na hora de temperar

MULTIMÍDIA
Para ouvir
Gal canta Caymmi, de Gal Costa. Philips, 1976.
Nesse CD, Gal canta um clássico de Dorival Caymmi de 1942, Vatapá, que se utilizou do
texto instrucional para fazer uma de suas canções mais conhecidas: “Quem quiser vatapá, ô/
Que procure fazer/Primeiro o fubá, depois o dendê...”.
Chico Buarque – Philips, 1977
Em Feijoada completa, um marido avisa à esposa que está para chegar a casa com amigos. É
hora de incrementar a feijoada: “Depois de salgar/Faça bom refogado, que é para engrossar/
Aproveite a gordura da frigideira/Para melhor temperar a couve-mineira”. Essa música, feita
para o filme Vai trabalhar, vagabundo, de Hugo Carvana, apresenta alguma semelhança com
a estrutura de textos instrucionais ou injuntivos.

Para assistir
A beleza do filme Como água para chocolate está justamente nos acontecimentos que
ocorrem na cozinha da casa e na mesa, onde todos os moradores do rancho partilham as
refeições, ou nas festas, em que convidados chegam para saborear os pratos preparados
por Tita, servidos em uma bonita mesa ao ar livre. Na vida de muitas famílias mexicanas, o
preparo da comida tem uma importância muito grande. Para as filhas mulheres, criadas na
cozinha, aprendendo a preparar os pratos, alimentos e sentimentos misturam-se, revelando
os momentos de tristeza e alegria. Alfonso Arau conta a história dessa família mexicana a
partir de doze receitas, quase todas feitas por Tita, que recriam os momentos de maior felici-
dade e dor vividos pelas personagens

268 • capítulo 5
5  Construção do parágrafo-padrão
No texto argumentativo, conforme já comentado, o emissor precisa persuadir
o ouvinte, isto é, precisa tocar suas emoções e fazê-lo mudar suas ações, para
isso deve garantir que o receptor entenda sua mensagem e, assim, a mensagem
precisa ser organizada com coesão, coerência, clareza e objetividade. É sabido
que o receptor não é um elemento passivo no processo de comunicação, mas
que, pelo contrário, contribui de forma decisiva na construção dos sentidos de
um texto (KOCH, 2002).
Entende-se o parágrafo-padrão (GARCIA, 2010, p. 188) como uma unidade
de composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvol-
ve determinada ideia central ou nuclear, também chamada de tópico frasal, a
que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e
logicamente decorrentes dela (coesão e coerência).
O parágrafo-padrão é composto de três partes:
•  a introdução, representada geralmente por um ou dois períodos curtos ini-
ciais, em que se expressa de maneira sumária a ideia-núcleo (ou tópico frasal);
•  o desenvolvimento, isto é, a explanação dessa ideia-núcleo;
•  e a conclusão, mais rara nos parágrafos curtos ou naqueles em que a ideia
central não apresenta maior complexidade.
Observe:

No aniversário de dez anos do Código de acidentes tiram a vida de nossos jovens,


Trânsito Brasileiro (CTB), o Ministério da destroem famílias, mutilam corpos, inter-
Saúde divulgou uma triste estatística: 35 rompem sonhos. E exigem de nós atitu-
mil pessoas, a maioria jovens, morreram des que visem não apenas à redução do
em acidentes nas estradas e ruas do número de acidentes, mas a uma mu-
país em 2007. Esse elevado número de dança radical de atitude.
mortes revela que a violência no trânsito
Jorge Picciani. Limites. In: O Globo,
está longe de ter um fim. Causados, em
20/11/2007
grande parte, pela mistura de álcool e ve-
locidade, esses

Trata-se de um texto argumentativo, que parte de um problema – a grande


quantidade de pessoas mortas em acidentes de trânsito —, apela para a afe-

capítulo 5 • 269
tividade a fim de agir sobre o leitor, em busca da persuasão, e termina com a
demonstração de interesse na solução de um problema que atinge grande nú-
mero de pessoas, mostrando preocupação e responsabilidade social.
Observe o parágrafo, retirado do livro As formas do falso (1986), de Walnice
Nogueira Galvão, em que a autora faz um estudo sobre a ambiguidade no Gran-
de sertão: veredas, de Guimarães Rosa:

“Dá-se o nome de sertão a uma vasta e indefinida área do interior do Brasil, que abran-
ge boa parte dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Maranhão,
Goiás e Mato Grosso. É o núcleo central do país. Sua continuidade é dada mais pela
forma econômica predominante, que é a pecuária extensiva, do que pelas característi-
cas físicas, como tipo de solo, clima e vegetação. Embora uma das aparências do sertão
possa ser radicalmente diferente de outra não muito distante – a caatinga seca ao lado
de um luxuriante barranco de rio, o grande sertão rendilhado de suas veredas –, o con-
junto delas forma o sertão, que não é uniforme, antes bastante diversificado.”

Nesse parágrafo, pode-se extrair como ideia central a caracterização do ser-


tão, e como ideias que giram em torno da ideia central as seguintes: a localiza-
ção geográfica, a economia predominante, as várias configurações do sertão, o
conjunto formado.
Ao se analisar a estrutura desse parágrafo, percebe-se esta ideia central –
“Dá-se o nome de sertão a uma vasta e indefinida área do interior do Brasil, que
abrange boa parte dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pa-
raíba, Maranhão, Goiás e Mato Grosso.” Essas frases servem de introdução ao
parágrafo, apresentando a ideia-núcleo que será desenvolvida adiante. A essa
ideia-núcleo, que inicia o parágrafo, convencionou-se chamar de tópico frasal.
Em outros exemplos, pode-se encontrar o tópico frasal colocado em até
uma frase. Um tópico frasal claro, objetivo, consistente, é ponta de lança para a
obtenção de um parágrafo bem-redigido.

6  Tipos de tópicos-frasais
A expressão “tópico-frasal”, utilizada por Othon M. Garcia (2010, p. 206), é a
designação dada a um ou dois períodos curtos iniciais que contêm a ideia-nú-

270 • capítulo 5
cleo do parágrafo em texto dissertativo, dissertativo-argumentativo, descritivo,
narrativo e injuntivo, por exemplo. O tópico frasal é eficiente e uma maneira
bastante prática de estruturar o parágrafo, pois já de início expõe a ideia que
se quer passar, a qual é comprovada e reforçada pelos períodos subsequentes.
Dessa forma, o tópico frasal (também chamado de frase-síntese ou período
tópico) é o enunciado mais relevante do parágrafo porque serve de fio condutor
do raciocínio, garantindo a qualidade da escrita; coerência, coesão, objetivida-
de e a unidade de significação. A ideia central ou tópico frasal, geralmente, vem
no começo do parágrafo, seguida de outros períodos que explicam ou detalham
a ideia central.
Os tipos mais comuns de tópicos- frasais são aqueles organizados com
base em:

6.1  Declaração Inicial

Afirma-se ou nega-se algo de início para, em seguida, justificar-se e comprovar-


se a afirmativa com exemplos, comparações, testemunhos de autores. Essa é a
maneira mais comum de iniciar um parágrafo: as ideias secundárias desenvol-
vem a ideia-núcleo, contida na primeira frase:

“É um grave erro a liberação da maconha. Provocará de imediato violenta elevação


do consumo. O Estado perderá o precário controle que ainda exerce sobre as drogas
psicotrópicas e nossas instituições de recuperação de dependentes químicos não terão
estrutura suficiente para atender à demanda.”

6.2  Enumeração

Forma de indicação de fatos (ou algo), um por um, em uma exposição ou rela-
ção metódica:

“Os turistas visitaram o Corcovado, conheceram a Floresta da Tijuca, telefonaram para


seus parentes na Suíça, passearam de bondinho no Pão de Açúcar e tomaram caipiri-
nha na beira da praia de Copacabana”.

capítulo 5 • 271
Machado de Assis (1992), no capítulo XLV das Memórias póstumas de Brás
Cubas, utilizou este tipo de tópico frasal quando a personagem-título fala do
enterro de seu pai:

“Soluços, lágrimas, casa arrumada, veludo preto nos portais, um homem que veio ves-
tir o cadáver, outro que tomou a medida do caixão, caixão, essa, tocheiros, convites,
convidados que entravam, lentamente, a passo surdo, e apertavam a mão à família,
alguns tristes, todos sérios e calados, padre e sacristão, rezas, aspersões de água
benta, o fechar do caixão, a prego e martelo, seis pessoas que o tomam da essa, e o
levantam, e o descem a custo pela escada, não obstante os gritos, soluços e novas
lágrimas da família, e vão até o coche fúnebre, e o colocam em cima e trespassam e
apertam as correias, o rodar do coche, o rodar dos carros, um a um... Isto que parece
um simples inventário, eram notas que eu havia tomado para um capítulo triste e
vulgar que não escrevo”.

Esse capítulo, intitulado Notas, enumera coisas, ações e circunstâncias re-


lacionadas a um enterro, evitando frases completas. Como diz o próprio narra-
dor, trata-se de um inventário (= enumeração) dos elementos que constituiriam
o capítulo e não do capítulo propriamente dito que, aliás, Brás Cubas diz que
não escreve. Mas é claro que escreveu: estamos falando sobre ele.

6.3  Descrição de detalhes

Tópico frasal desenvolvido por descrição de detalhes é o processo típico do de-


senvolvimento de um parágrafo descritivo:

“[...] Entreabriu a porta, mergulhou na faixa de luz que passou pela fresta, correu o trinco
devagarinho. Avançou, temendo esbarrar nos móveis. Acostumando a vista, começou a
distinguir manchas: cadeiras baixas e enormes, que atravancavam a saleta. Escorregou
para uma delas, o coração aos baques, o fôlego curto. Afundou no assento gasto. As
rótulas estalaram, as molas do traste rangeram levemente. Ergueu-se precipitado, en-
costou-se à parede, com receio de vergar os joelhos. Se as juntas fizessem barulho, os
moradores iriam acordar, prendê-lo.

272 • capítulo 5
Achou-se fraco, sem coragem para fugir ou defender-se. Acendeu a lâmpada e logo se
arrependeu. O círculo de luz passeou no assoalho, subiu numa cadeira e sumiu-se. A
escuridão voltou. Temeridade acender a lâmpada.

(RAMOS, Graciliano, “Um ladrão”. In: Insônia. São Paulo: Obras Completas, Aguilar. 1990.)

Nesse parágrafo, há uma descrição de caráter visual, que se fixa em uma


imagem, como objeto de uma descrição: “cadeiras baixas e enormes, que atra-
vancavam a saleta; o coração aos baques, o fôlego curto”.

6.4  Oposição

A estratégia do parágrafo de oposição, na contra-argumentação, consiste em


combater e desconstruir o ponto de vista do adversário, isto é, em vez de argu-
mentar diretamente a favor da sua tese, argumenta-se contra o posicionamento
do adversário. Esse questionamento tem o objetivo de contestar o raciocínio do
adversário, buscando a invalidar a tese dele:

[...] “Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substancialmente a
segurança no país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento porquanto, se
assim o fosse, não haveria maior criminoso, visto que há punibilidade prevista para
o maior de dezoito anos. É preciso que se esclareça que o menor não fica impune
aos atos que pratica, pois por isso o Estatuto da Criança e do Adolescente elenca
uma série de medidas socioeducativas para recuperá-lo e adequá-lo à vida em so-
ciedade, o que na maioria dos casos foi subtraído por toda uma injustiça social que
há muito campeia neste país”.

6.5  Razões

No desenvolvimento, apresentam-se as razões, as causas e as consequências


que comprovam o que se afirma no tópico frasal:

capítulo 5 • 273
“A maior parte da classe política não goza de muito prestígio e confiabilidade por parte
da população. A causa para isso pode ser o fato dos inúmeros escândalos de corrupção
e o enriquecimento ilícito por parte dos eleitos. Em consequência, os grandes proble-
mas que afligem o povo brasileiro deixam de ser convenientemente discutidos”.

6.6  Divisão
Apresenta-se a divisão do todo em partes, isto é, a ideia núcleo é subdividida
e desenvolvida por meio de ideias secundárias. A divisão é método eminente-
mente didático, pelo qual o tópico frasal apresenta-se na forma de sequência
de elementos ou de itens, que serão desenvolvidos no mesmo parágrafo ou em
parágrafos distintos. Muitas vezes, a divisão é antecedida de uma definição:

“Predominam ainda no Brasil duas convicções errôneas sobre o problema da exclusão


social: a de que ela deve ser enfrentada apenas pelo poder político e a de que a sua su-
peração envolva muitos recursos extraordinários. Experiências relatadas mostram que
o combate à marginalidade social em Nova York vem contando com intensivos esforços
do poder público e ampla participação da iniciativa privada”.

6.7  Exemplificação
Trata-se de apresentar exemplos concretos que ajudem a sustentar uma deter-
minada posição. No parágrafo a seguir, o argumentador se posiciona contra a
pena de morte e, para sustentação da tese dele, recorreu à exemplificação, ci-
tando os casos da Geórgia e do Canadá:

“É preciso recusar a pena de morte por esta razão muito simples: ela não reduz os índi-
ces de criminalidade. Basta observar a experiência dos países que a adotam. O Estado
americano da Geórgia, maior aplicador de pena capital, tem 20% mais homicídios que
a média nacional. No Canadá, entretanto, a criminalidade caiu em 27% depois que a
pena de morte foi abolida”.

Disponível em: http://bit.ly/1G9Y3Ug, acessado em 17/8/2014

274 • capítulo 5
6.8  Definição
Muitas vezes, o tópico frasal apresenta-se sob a forma de definição, o que lhe
confere característica didática. O objetivo do parágrafo é definir a ideia-núcleo
ou principal – o artigo constitucional – e as ideias secundárias explicam a defi-
nição expressa pela ideia-núcleo:

“O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encon-
trar seu lugar entre os demais seres da natureza. É um modo ingênuo, fantasioso, ante-
rior a toda reflexão e não crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam
parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também,
as formas da ação humana”.

6.9  Citação
Nesse parágrafo, há uma citação direta de dados levantados pelo IBGE:

Brasil tem mais ex-fumantes do que fumantes, diz IBGE:


O número de ex-fumantes supera o de fumantes no Brasil. O país tem 24,6 milhões
de fumantes, o equivalente a 17,2% da população adulta. Por outro lado, já possui 26
milhões de pessoas que deixaram de fumar, a maioria há mais de dez anos”.

Disponível em:www.tabagismohoje.blogspot.com, acessado em 17/8/2014.

Forma do parágrafo
Quanto à forma, o parágrafo é indicado materialmente na página digitada ou
manuscrita por um ligeiro afastamento da margem esquerda da folha (aproxi-
madamente dois centímetros). À semelhança do texto como um todo e do de-
senvolvimento das teses, cada parágrafo também é estruturado em introdução,
desenvolvimento e conclusão. Essas partes do texto são compostas de um ou de
vários parágrafos, os quais são constituídos por períodos que, por sua vez, são
formados por orações.
Além disso, deve-se respeitar também a utilização da folha em branco do
caderno, escrevendo sempre até o final de cada linha. Parando-se a qualquer
momento da linha constante da folha de papel, só se for iniciar um novo pa-

capítulo 5 • 275
rágrafo, assim como não se deve pular linhas entre os parágrafos, quando se
tratar de texto manuscrito (com letra cursiva, de próprio punho, e não digita-
da). O parágrafo deve apresentar no mínimo, de 4 a 6 linhas e, no máximo, 10
a 11 linhas e devem se apresentar sempre alinhados, um abaixo do outro, na
mesma direção.
Lembre-se de que paragrafação única existe somente em atas de reunião.

7  Tipos de argumentos
A argumentação se baseia em dois elementos principais: a consistência do ra-
ciocínio e a evidência das provas. As evidências referem-se a fatos, exemplos,
ilustrações, dados estatísticos, testemunhos (GARCIA, 2010, p. 389).
Ressalta-se, contudo, que cada tipo de argumento tenta convencer ou persu-
adir o leitor de uma maneira um pouco diferente. O argumento de autoridade,
por exemplo, se sustenta na credibilidade da palavra do outro, que geralmente
é algum filósofo, cientista renomado, ou ainda alguma pessoa que ocupa ou
ocupou um cargo muito relevante, relacionado ao tema que se está discutindo.
Em contrapartida, no argumento por evidência, o articulista sustenta sua tese
com base em dados que evidenciam que sua tese é verdadeira.
Pode-se pensar também no argumento por comparação, no qual a argu-
mentação se dá por meio do raciocínio lógico.
Segundo Garcia (2010, p. 389), são cinco os tipos mais comuns de evidência:
os fatos propriamente ditos, os exemplos, as ilustrações, os dados estatísticos
(tabelas, números, mapas) e o testemunho.

Os fatos constituem o elemento mais importante da argumentação em particular, assim


como da dissertação ou explanação de ideias em geral. Os fatos provam, convencem,
persuadem, embora nem todos os fatos sejam irrefutáveis.

Exemplos são fatos típicos ou representativos de determinada situação.

Quando o exemplo se alonga em narrativa detalhada e entremeada de des-


crições, tem-se a ilustração.

276 • capítulo 5
Dados estatísticos são também fatos, mas fatos específicos. Têm grande valor de con-
vicção, constituindo quase sempre prova ou evidência incontestável.

Testemunho é ou pode ser o fato trazido à colação por intermédio de terceiros. Se au-
torizado ou fidedigno, seu valor de prova é inegável. Entretanto, sua eficácia também é
relativa. Mas sua presença na argumentação em geral constitui, desde que fidedigno ou
autorizado, valioso elemento de prova.

Atente agora para alguns tipos de argumentos:

7.1  Argumento pelo absurdo

O argumento por absurdo consiste em levar o interlocutor a uma conclusão absur-


da para convencê-lo a admitir uma determinada tese. Ao se admitir a concepção do
mal cometido conscientemente, chega-se pela lógica a conclusões absurdas.
A mais caracterizada argumentação pelo ridículo consistirá em admitir mo-
mentaneamente uma tese oposta
àquela que se quer defender, em de-
senvolver-lhe as consequências, em
mostrar a incompatibilidade dessas
com o que se crê e, por outro lado,
em pretender passar daí a verdade
da tese que se sustenta.
Exemplifica-se esse tipo de ar-
gumento com a fábula do Lobo e
o cordeiro, de Esopo (REBOUL, Disponível no site: http://bit.ly/1Gw4fYV
2005, p. 145):

Um cordeiro estava bebendo água em um riacho. O terreno era inclinado e por isso
havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também
bebendo da água.
— Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo - disse o lobo, que
estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.

capítulo 5 • 277
— Senhor — respondeu o cordeiro — não precisa ficar com raiva porque eu não estou
sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o
senhor está falando.
— Você agita a água — continuou o lobo ameaçador — e sei que você andou falando
mal de mim no ano passado.
— Não pode — respondeu o cordeiro — no ano passado eu ainda não tinha nascido.
O lobo pensou um pouco e disse:
— Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
— Eu não tenho irmão — disse o cordeiro — sou filho único.
— Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que
cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue.
Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou
-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.
Moral: A razão do mais forte é sempre a melhor.

O argumento pelo absurdo consiste, de modo geral, em se refutar uma as-


serção, mostrando-lhe a falta de cabimento ao contrariar a evidência. É o argu-
mento contrário à razão ou que está para além dos limites da racionalidade. No
exemplo dado, absurdo foi o argumento do primeiro ao dizer que o cordeiro lhe
turvava a água, porque este (o cordeiro) estava muito mais abaixo.

AUTOR
Esopo foi um escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas várias fábulas populares. A ele
se atribui a paternidade das fábulas como gênero literário. Malgrado sua existência permane-
ça em dada medida incerta, e pouco se saiba quanto à origem de várias de suas obras, seus
contos se disseminaram em muitas línguas pela tradição oral. Em muitos de seus escritos, os
animais falam e têm características humanas.
As fábulas de Esopo serviram como base para recriações de outros escritores ao longo
dos séculos, como Fedro e La Fontaine.

7.2  Argumento por comparação ou analogia

Estabelece o confronto entre duas realidades diferentes, seja no tempo, seja no


espaço, seja quanto às características físicas:

278 • capítulo 5
“Há alguns anos a preocupação maior do jovem era casar, constituir uma nova família e
obter liberdade. Atualmente, ocorre o inverso. Os filhos estão ficando cada vez mais na
casa de seus pais, retardando a sua independência.”

No argumento por comparação ou por analogia, o argumentador pretende


levar o auditório a aderir à tese ou conclusão com base em fatores de seme-
lhança, evidenciados pelos dados apresentados. A analogia baseia-se, assim, na
semelhança entre ideias ou coisas, procurando explicar o desconhecido pelo
conhecido, o estranho pelo familiar.

EXEMPLO
”Enquanto países como a Inglaterra e o Canadá têm leis que protegem as crianças de ex-
posição ao sexo e à violência da televisão, no Brasil não há nenhum controle eletivo sobre
a programação. Não é de surpreender que muitos brasileiros estejam defendendo alguma
forma de censura sobre a TV aberta.”

7.3  Argumento por exemplificação

No argumento por exemplificação, o argumentador baseia a tese ou conclusão em


exemplos representativos, os quais, por si sós, já são suficientes para justificá-la:

“É inegável que a Internet propicia aos seus usuários um poder fantástico. Pode-se
conhecer as diversas culturas do mundo, utilizar seus serviços, fazer compras, sem falar
nas disputadas salas de bate-papo. Porém é preciso discernir seus sites, o que uma
criança e até mesmo um adolescente, em sua maioria, não é capaz.”

7.4  Argumento por causa e consequência

No argumento por causa e consequência, a tese, ou conclusão, é aceita justa-


mente por ser uma causa ou uma consequência dos dados:

capítulo 5 • 279
“A Zona Rural apresenta inúmeros problemas que dificultam a permanência do homem
no campo. As cidades encontram-se despreparadas para absorver esses migrantes e
oferecer-lhes condições de subsistência e de trabalho.”

Estabelece-se, assim, uma relação de causalidade, pois são apresentadas as


causas e as consequências a respeito de determinado fato.

7.5  Argumento pragmático

O argumento pragmático fundamenta-se na relação de dois acontecimentos


sucessivos por meio de um vínculo causal:

Uma semana após a implantação do Novo Código Nacional de Trânsito, em 1998, os


jornais divulgaram uma estatística que comprovava um decréscimo de acidentes com
vítimas da ordem de 56%. Essa estatística serviu de tese de adesão inicial para a tese
principal: a de que o novo Código era uma coisa boa.“

Para que o argumento pragmático funcione é preciso que o auditório (desti-


natário/interlocutor) concorde com o valor da consequência.

7.6  Argumento de autoridade

No argumento de autoridade, o interlocutor é levado a aceitar a validade da tese


ou conclusão defendida a respeito de certos dados, pela credibilidade atribuída
à palavra de alguém publicamente considerado autoridade na área do assunto
em discussão.
Consiste em fazer uso de frases célebres, ou de trechos escritos de cientistas,
técnicos, artistas, filósofos, políticos, citados em discurso direto ou indireto.
A declaração que confere autoridade ao argumento pode ser introduzida
por citação direta ou indireta. No caso de citação em discurso indireto (paráfra-
se), cita-se o nome da pessoa e faz-se um resumo de suas ideias. Quando trans-
crita em discurso direto, a citação dever vir entre aspas:

280 • capítulo 5
“O cinema nacional conquistou, nos últimos anos, qualidade e faturamento nunca vistos
antes. ‘Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça’ – a famosa frase-conceito do diretor
Glauber Rocha – virou uma fórmula eficiente para explicar os R$ 130 milhões que o
cinema brasileiro faturou no ano passado”. (Época, 14/04/2010).

CONCEITO
Discurso indireto: paráfrase
Paráfrase é um resumo, cuidadoso e original, do conteúdo da obra ou trecho lido, elabo-
rado com as próprias palavras do pesquisador. [...] Deve ser redigida com bastante clareza,
objetividade e exatidão, de modo a possibilitar, no futuro, a sua utilização sem necessidade
de retorno à obra original. (MARCHI, Eduardo Silveira. Guia de Metodologia Jurídica. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009).

7.7  Argumentos consensuais ou de senso comum

São aqueles em que certas “verdades” aceitas por todos são utilizadas. São afir-
mações que não dependem de comprovação, como:

“Atualmente, considera-se a Educação um dos setores mais importantes para o de-


senvolvimento de uma nação. É mediante a produção de conhecimentos que um país
cresce, aumentando sua renda e a qualidade de vida das pessoas. Embora o Brasil
tenha avançado, neste campo, nas últimas décadas, ainda há muito para ser feito. A
escola (Ensino Fundamental e Médio) ou a universidade tornaram-se locais de grande
importância para a ascensão social e muitas famílias têm investido muito neste setor.”

ATENÇÃO
O emprego de argumentos baseados no senso comum, além da baixa informatividade, pode
comprometer a qualidade de um texto dissertativo-argumentativo. Esse tipo de argumento,
como visto, consiste em julgamentos que, embora não apresentem base científica, acabam
sendo tomados como “verdades sociais”.

capítulo 5 • 281
7.8  Argumentos com provas concretas

Consistem na apresentação de dados estatísticos, de resultados de enquetes,


dentre outros similares:

“Segundo pesquisa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro, com o Ibope,


feita em 2014, 32,5 milhões de brasileiros acima de 15 anos são analfabetos funcio-
nais, ou seja, apenas decodificam as palavras, mas são incapazes de compreender o
que leem e de usar a leitura e a escrita como instrumentos de ação efetiva nas práticas
sociais. E, mais grave ainda, o ensino universitário não assegura solução, pois 38% dos
portadores de diploma de curso superior não alcançam o nível de alfabetização plena. É
urgente reverter o quadro da leitura no Brasil.”

Disponível em: http://www.stellabortoni.com.br/index.php/4103-leitura- emancipadora. Acesso


em30/9/2014.

7.9  Alusão histórica

O produtor de texto retoma acontecimentos do passado para explicar fatos


do presente.

“Sabe-se que o Brasil, desde antes de proclamar a República, carrega consigo problemas
de várias ordens, inclusive de cunho político. Suas bases foram fundadas em ideologia
colonialista, o que acarreta sérias falhas na estrutura organizacional do país; sucessivos
equívocos quanto às estratégias utilizadas em políticas econômicas a serem adotadas
também vieram contribuir para o quadro que se observa hoje. Daí dizer-se hoje que os
brasileiros são, historicamente, vítimas de um processo que ainda não está terminado.”

7.10  Argumento por ilustração

O argumento por ilustração difere do de exemplo em razão do estatuto da regra


em que um e outro se apoiam. Enquanto o exemplo fundamenta a regra, a ilus-
tração reforça a adesão a uma regra conhecida e aceita:

282 • capítulo 5
“Creio que foi Oscar Wilde quem disse certa vez (referindo-se obviamente às pessoas
que escrevem) que no mundo só existe uma coisa pior do que ser comentado desfavo-
ravelmente: é não ser comentado.”

7.11  Argumento por modelo

O uso do argumento do modelo ocorre quando se considera uma determinada


conduta admirável e se sugere a sua imitação:

“Dizem que, quando Tancredo Neves pretendia ser candidato à presidência da Repú-
blica, houve, dentro do PMDB, rumores contrários à sua candidatura, alegando ter ele
idade avançada. Imediatamente, Tancredo argumentou pelo exemplo, dizendo que, aos
23 anos, Nero tinha posto fogo em Roma e que, com 71 anos, Churchil tinha vencido
os nazistas, na Segunda Guerra Mundial.”

Já o antimodelo é utilizado para demonstrar a repulsa de uma determinada


conduta ou a vontade de provocar a mudança de uma atitude já adotada:

“Pode haver alguns iguais a mim, que me educo mais contrariando os exemplos do
que os imitando e mais deles fugindo do que os seguindo. Nessa espécie de disciplina
pensava o velho Catão, quando disse que os sensatos têm mais que aprender com os
loucos do que os loucos com os sensatos; e Pausânias conta que um velho tocador
de lira costumava obrigar seus discípulos a irem ouvir um mau músico que morava em
frente, para aprenderem a odiar suas desafinações e compassos errados[...]”

7.12  Argumento de retorsão

O autor utiliza os próprios argumentos do interlocutor para destruí-los. Esse


tipo de argumento é, pois, bastante eficiente para tentar invalidar o argumento
do outro por meio da demonstração das suas incoerências.
A retorsão nem sempre precisa estar clara e explicitamente presente no

capítulo 5 • 283
texto, nem tampouco o argumentador precisa expressar o que o outro afirmou
para usar o argumento a seu favor.
Observe a carta de reclamação e a resposta dada a ela pela secretaria de uma
subprefeitura da cidade de São Paulo, para entender a retorsão:

Carta do leitor
“Desde novembro estão fazendo uma obra em um imóvel na esquina da Oscar Freire
com a Haddock Lobo, identificada apenas pelas letras “SH” num tapume. Desde o iní-
cio, a lei de silêncio é desrespeitada, pois eles trabalham aos domingos e feriados e, na
semana, em horários impróprios. É impossível descansar em qualquer dia e horário da
semana. Já fizemos várias reclamações ao Psiu, polícia e subprefeitura, mas tudo leva a
crer que o dono do imóvel ou a construtora têm algum poder para que não se respeite
a lei”. J.L. de M. C.- Cerqueira César
Resposta da Prefeitura
“Esteja certo de que a construtora não está acima da lei, assim como a Prefeitura, que
deve respeitar a legislação. A obra no imóvel na esquina citada é regular. Em relação ao
barulho, agentes do Psiu estiveram no local, no dia 19 de maio de 2008, constatando
que o ruído está dentro do que é permitido pela legislação. Peço ao leitor que, caso o
problema persista, nos avise, para que uma nova vistoria seja feita.”
(Andrea Matarazzo — Secretaria das subprefeituras (O Estado de São Paulo, 9/6/2008)

7.13  Argumento ad hominem

Trata-se da estratégia de se desviar da discussão em pauta para criticar de alguma


maneira o próprio adversário – em vez de criticar, refutar ou combater suas ideias.
O exemplo a seguir traz uma situação muito comum em um debate político:

Debatedor 1:
Há fortíssimas evidências de que o senhor está envolvido em um mega escândalo de
corrupção.
Debatedor 2:
Quem é o senhor para me criticar? No ano passado, o seu chefe de gabinete foi envol-
vido no escândalo do caixa 2 para financiamento de campanha.

284 • capítulo 5
Técnicas de contra-argumentação
A estratégia da contra-argumentação consiste em combater e desconstruir o
ponto de vista do adversário. Ou seja: em vez de argumentar diretamente A fa-
vor da sua tese, argumenta-se contra o posicionamento do rival.
Observe:

Alguns doutrinadores defendem que reduzir a maioridade penal seria inconstitucional,


já que o artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal, proíbe emendas que venham
a abolir direitos e garantias individuais. Ora, têm-se dois fatores a explanar quanto a
esse assunto. O primeiro é: o que é inconstitucional? Hoje é implementada uma série
de emendas constitucionais. Um procedimento semelhante ocorre no texto seguinte.

Disponível em: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp? codnoticia


=8216&cod_canal=48. Acesso em: 17/9/2014.

O exemplo acima é um parágrafo do texto “Impunidade”, no qual se pro-


põe a redução da maioridade penal no Brasil para 16 anos. Esta é, portanto, a
tese defendida no texto. Nota-se que, no trecho transcrito, o argumentador não
apresenta um argumento a favor da redução da maioridade penal. Em vez dis-
so, ele se ocupa de combater e desconstruir, por meio de um questionamento,
um dos argumentos daqueles que são contrários a essa redução.

Concessão: refutação e/ou restrição


Um tipo particularmente eficiente de contra-argumentação é a concessão. A
concessão é um recurso discursivo por meio do qual o argumentador concede
razão a uma tese contrária à dele, ou a um argumento a ela favorável, dando
impressão de certa empatia para com o ponto de vista da outra parte, para em
seguida invocar um argumento mais forte em favor da sua tese, ou seja, con-
cordar em um aspecto de importância secundária, com um opositor (real ou
imaginário, presente ou ausente, que pode ou não ser o leitor/ouvinte), para,
em seguida, refutar ou negar a tese adversária.
Logo, essa estratégia é executada em duas etapas. Em um primeiro momen-
to, o argumentador dá a impressão de concordar com o seu rival – ou seja, ele
parece conceder a razão ao seu adversário, daí o nome “concessão”. Logo em
seguida, contudo, a tese adversária é combatida e devidamente refutada:

capítulo 5 • 285
“Muitos dizem que o aborto é uma forma de assassinato, e que a vida deve sempre ser
preservada. É verdade. Mas por que, então, o mesmo raciocínio não deve valer para
preservar a vida das milhares de gestantes que acorrem todos os anos a clínicas clan-
destinas cujos procedimentos “cirúrgicos” não raro resultam em morte?”

No fragmento dado, procura-se defender a tese de que o aborto deve ser le-
galizado no Brasil. Em um primeiro momento, o argumentador parece concor-
dar com seus rivais, ou seja, parece se inclinar contra a legalização do aborto.
Essa impressão é transmitida pelo emprego da expressão “É verdade”. Mas isso
dura pouco. Logo em seguida, ele levanta um questionamento: “Mas por que,
então, o mesmo raciocínio […]”
Esse questionamento, claro, tem o objetivo de contestar o raciocínio do ad-
versário e, em última instância, invalidar a tese rival.

As sequências concessão/restrição e restrição/ concessão


Na construção que utiliza conectores adversativos, estes introduzem a restri-
ção, e a ordem é fixa: concessão-restrição.
A restrição (conectores adversativos) é favorável à tese do argumentador e
nega uma consequência “indesejável” da concessão, tornando-se argumenta-
tivamente mais forte do que esta, pelo simples fato de desempenhar no texto
o papel da restrição. Isso significa que “A mais B” equivale a “A, mas (o que
importa é) B”:

Paulo é brasileiro, mas prefere Fórmula1 a futebol.

Na construção que emprega os conectores concessivos, ao contrário, o co-


nector introduz a concessão, por isso se denomina concessivo e há possibilida-
de de inversão.
Em “Embora seja brasileiro, o Paulo prefere Fórmula 1 a futebol” pode ser
reescrita em outra ordem, passando a:

“Paulo prefere Fórmula 1 a futebol, embora seja brasileiro”.

286 • capítulo 5
Há um conflito de expectativas entre concessão e restrição. A asserção restri-
tiva irá sempre contrariar a expectativa gerada pela concessão, já a concessão,
com o conector que a introduz (embora, ainda que), no início da frase, anuncia,
desde o começo, uma quebra de expectativa.
Percebe-se que a asserção argumentativamente mais forte é sempre a res-
trição, que direciona o leitor/ouvinte para a conclusão a que deseja chegar o
argumentador, ou seja, para a tese. Este concorda com a concessão, porém mi-
nimiza sua importância argumentativa em proveito da restrição.

Desconstruindo argumentos:a contra-argumentação

Tente descobrir incoerências ou contradições nos argumentos do interlocutor;


1 se houver, aponte-as e transforme-as em novos argumentos em seu favor.

Sempre que possível, procure se servir de dados e informações (estatísticas,


pesquisa, publicações, exemplos da História, comparações com realidades di-
2 ferentes, citações) capazes de demonstrar que o argumento do interlocutor é
falso ou apenas parcialmente verdadeiro.

Se as afirmações do adversário são generalizantes, demonstre, com um ou mais


3 exemplos de casos ou situações particulares, que o argumento dele é inconsis-
tente ou apenas parcialmente verdadeiro quando confrontado com a realidade.

Faça concessões: é possível que você concorde, em parte, com algumas das
ideias do adversário. Nesse caso, é conveniente fazer concessões, isto é, admitir
4 que o outro tem razão em parte. Provavelmente o interlocutor fará o mesmo, o
que pode ser um caminho para um acordo, isto é, para que as partes cheguem
a uma posição intermediária entre as ideias divergentes.

Ao final, faça uma síntese dos argumentos do adversário e dos contra-argu-


mentos que você apresentou, demonstrando, de forma global, que o ponto de
5 vista do adversário está fundamentado em razões equivocadas, falsas ou ape-
nas parcialmente verdadeiras. (CEREJA, William & COCHAR, Thereza. Texto e
interação. 3. ed. São Paulo: Atual, 2009, p.344.)

capítulo 5 • 287
Avalie seu texto dissertativo-argumentativo

Observe se seu texto apresenta estas três partes essenciais:


•  introdução (com a tese ou ideia central), desenvolvimento e conclusão;
•  se no desenvolvimento, os argumentos fundamentam devidamente a
sua tese ou ponto de vista, estabelecendo relações de causa e consequência,
apoiando-se em comparações, depoimentos ou citações de pessoas especiali-
zadas no assunto, dados estatísticos, pesquisas, alusões históricas;
•  se a linguagem empregada está adequada ao tipo de texto, ao público e à
situação comunicacional.

RESUMO
A escolha dos argumentos pelos produtores dos textos dissertativo-argumentativos, como se
pôde observar, é feita a partir do conhecimento dos tipos de argumentos que podem ajudá
-los a defender uma determinada tese.
Muitas vezes, na falta de conhecimento sobre outras possibilidades de defesa do ponto
de vista, os alunos, como produtores de texto, habituam-se a utilizar sempre o mesmo tipo de
argumento. É preciso, contudo, que exercitem as mais diversas formas de persuadir o leitor,
já que, em determinadas circunstâncias, o uso do argumento a que estão habituados pode
ser menos eficiente do que outro desconhecido.
Nesse ponto, o ensino de tipos de argumentos é fundamental. Argumentar prescinde
também de amadurecimento cognitivo-intelectivo.

LEITURA
Othon Moacir Garcia (Mendes, 1912 — Rio de Janeiro, 2002) foi um filólogo, linguista, ensaísta
e crítico literário brasileiro. Othon Garcia se elegeu membro da Academia Brasileira de Filologia
(cadeira 21) e da Sociedade Brasileira de Filologia. Sua principal obra é Comunicação em pro-
sa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar, publicada pela Editora FGV.

288 • capítulo 5
MULTIMÍDIA
O Cortiço
Sinopse: Moradora de um cortiço de propriedade do português João Romão, Rita Baiana é
uma mulher expansiva e liberada. Ao se apaixonar por Jerônimo, jovem lusitano recém-che-
gado ao Brasil, ela deflagra um jogo de paixões que acaba em tragédia. Baseado no romance
de Aluísio de Azevedo. Considerado sua obra-prima. Esse romance (ou filme) narra, em sua
linguagem vigorosa, a vida miserável dos moradores de duas habitações coletivas. O filme foi
dirigido por Francisco Ramalho Jr., em 1978.

capítulo 5 • 289
290 • capítulo 5
6
A leitura do texto
e a construção dos
sentidos
Ler é condição fundamental para o bom desempenho, visto que qualquer disci-
plina, na Universidade, conta com a leitura de textos como veículo de obtenção
de informações necessárias ao seu desenvolvimento profissional.
Os alunos universitários não estão chegando como leitores plenamente
desenvolvidos, portanto, são ainda muito imaturos nas leituras que fazem de
qualquer texto que lhes é apresentado.
A prática da leitura não se reduz somente aos aspectos técnicos, mas exige
que o leitor compreenda os diferentes sentidos do texto de forma crítica, refle-
xiva e criativa. A leitura é um ato de atribuição de significado a um texto escrito.
Essa atribuição de significados depende, sobretudo, do que o leitor já conhece
sobre o assunto.
Na Universidade, a leitura é a última oportunidade para tornar o aluno um
leitor competente, crítico, criativo, reflexivo, que compreende e usa de forma
adequada às informações obtidas via texto.
O universitário ainda não percebeu que a leitura instrumentaliza-o para a
escrita (escritura) e não tem consciência da importância da leitura na sua for-
mação. A falta de preparo do estudante, na execução de tarefas que envolvam a
leitura sistematizada, na sala de aula, aumenta dia a dia.
O aluno, para se tornar um leitor maduro, deve:

•  refletir acerca do que foi lido;


•  pensar criticamente sobre o conteúdo do texto;
•  ter capacidade de interpretação e compreensão do texto em estudo.

O aluno precisa entender que ler se constitui na compreensão que emerge


das relações textuais implícitas ou explícitas no contato dele, como leitor, com
os diferentes textos. Sendo assim, o que se espera dos estudantes universitários
é justamente a possibilidade de a leitura transcender ao texto, que eles estabe-
leçam além das conexões texto a texto, ou seja, a intertextualidade.
É justamente, nessa mesma linha de raciocínio, que Eliane Yunes, em seu
livro Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados (2009, p. 9), ensina que:

O ato de leitura não corresponde unicamente ao entendimento do mundo do texto,


seja ele escrito ou não. A leitura carece da mobilização do universo de conhecimento
do outro – do leitor – para atualizar o universo do texto e fazer sentido na vida, que é o

292 • capítulo 6
lugar onde o texto realmente está. Aprender a ler é familiarizar-se com diferentes tex-
tos produzidos em diferentes esferas sociais (jornalística, artística, judiciária, científica,
didático-pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária, entre outras) para desen-
volver uma atitude crítica, quer dizer, de discernimento, que leve a pessoa a perceber as
vozes presentes nos textos e perceber-se capaz de tomar a palavra diante deles.
YUNES, Eliana. Apresentação. In: Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curi-
tiba: Aymará, 2009, p. 9.

AUTOR
Eliana Yunes
Possui graduação em Filosofia e Letras pela Faculdade de Fi-
losofia Nossa Senhora Medianeira (1971), mestrado em Letras
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1974) e
doutorado em Linguística pela Universidade de Málaga (1976),
em Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (1986), com pós-doutorado em Leitura pela Universidade de Colônia (1991). Atu-
almente é professora associada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e
professora visitante em diversas universidades brasileiras e do exterior. Diretora da Cáte-
dra UNESCO de Leitura PUC-Rio.

Como se percebe, as informações anteriores trazem uma crítica ao modo


de ler e escrever, que parece estar focado ainda, segundo o aluno, no estudo da
forma e dos aspectos formais da língua, não entendendo o estudante que, ao
escrever, ele o faz tendo em vista um interlocutor, a intencionalidade/finalida-
de, adequação da linguagem aos objetivos e ao tipo de texto eleito.
Essas colocações apresentadas sobre o ato de ler [que não pode ser entendido
separadamente da escrita] permitem uma reflexão sobre a possibilidade da leitu-
ra não ser concebida, ainda pelo aluno, como um ato mecânico, sem dialogismo
e sem interação social com o texto a ser lido. O aluno leitor deve se posicionar
diante do texto como um coautor, pois a partir do texto primitivo, ele irá produzir
um texto derivado, que é fruto de sua competência autônoma, enquanto leitor.
Por compreender que o ato de ler e escrever constitui-se em ferramenta
básica para o desenvolvimento integral do indivíduo na sociedade, buscou-se,

capítulo 6 • 293
neste capítulo, ressaltar ao aluno-leitor que a leitura é uma questão de modos
de relações de produção de sentidos, de condições, enfim de historicidade.
O sentido em que se toma a leitura é, em uma acepção mais ampla, a ideia
de interpretação e de compreensão, seja na escrita ou oralidade. Afinal a legibi-
lidade está relacionada às questões de condições, e não de essência.
É preciso, pois, atribuir sentidos para a leitura, porque eles não existem a
priori e é preciso que o aluno-leitor reflita sobre como e por que aqueles objetos
produzem, ou não, determinados sentidos.

1  Leitura, compreensão e produção de textos


A leitura é uma habilidade fundamental para o desenvolvimento de qualquer
ser humano tanto no cenário profissional quanto no cenário pessoal.
A leitura é como um meio de aproximação entre os indivíduos e a produ-
ção cultural, podendo significar a possibilidade concreta de acesso ao conhe-
cimento e intensificar o poder de crítica por parte do público leitor, e assim
expressar os anseios da sociedade.
No mundo moderno e globalizado, inúmeras tarefas dependem dela, desde
ler uma placa na rua, até uma bula de remédio corretamente. A leitura está pre-
sente no cotidiano das pessoas.
Segundo Koch (2008), "a leitura é uma atividade na qual se leva em conta as
experiências e os conhecimentos do leitor", cabendo, pois, a ele buscar subsídios
para compreender determinado assunto abordado, por meio de recursos, como
o dicionário, pesquisando os significados de certas palavras e também o interes-
se em conhecer a biografia do autor, para ter a possibilidade de desenvolver e or-
ganizar as suas próprias ideias, pois um leitor crítico é também um pesquisador.
A leitura, por um lado, nos fornece ainda a matéria-prima para a escrita: o que
escrever. Por outro, contribui para a constituição de modelos: o como escrever.
Por essa razão, a compreensão de um texto é um processo que se caracteriza
pela utilização de conhecimento prévio, pois o leitor utiliza na leitura o que ele
já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação
de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual
e o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto.
E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que in-
teragem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer,

294 • capítulo 6
com segurança, que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não
haverá compreensão.

Discurso e texto
O texto é lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele
se constituem e são constituídos.
O texto não só se dirige a interlocutores com perfil definido, mas também
faz referência às circunstâncias de natureza cultural, social, política, que pre-
cisam ser conhecidas pelos leitores/ouvintes para que o sentido do texto possa
ser construído.
Assim como o aluno-leitor deve atentar também para a relação entre o dis-
curso e texto, visto que o discurso é social e o texto é uma manifestação de na-
tureza individual.
Todo texto vincula-se ao discurso que lhe deu origem. O modo como um tex-
to específico manifesta um determinado discurso é o que define o seu caráter
subjetivo porque ele nasce do olhar específico de um autor, que toma decisões
particulares sobre como falar acerca de determinados temas.

Texto e contexto
O contexto é a situação concreta a que um texto faz referência. Ele é formado
pelas relações estabelecidas entre o conjunto de circunstâncias associadas à
ocorrência de determinado fato ou situação de que trata o texto. Há diferentes
tipos de contexto (social, cultural, estético, político, religioso, ideológico) e sua
identificação é essencial para que se compreenda o sentido do texto.
Os textos, escritos ou orais, não têm existência autônoma, porque sua signi-
ficação depende do reconhecimento de um contexto e da relação que os leito-
res/ouvintes estabelecem com ele.
O recurso ao contexto é indispensável para a produção e a compreensão,
e para a construção do sentido. O contexto engloba não só o co-texto, como a
situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-cul-
tural), o contexto sociocognitivo dos interlocutores.
Este último, na verdade, subsume os demais. Ele reúne todos os tipos de co-
nhecimentos arquivados na memória dos sujeitos sociais, que necessitam ser
mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal, como o conhecimento linguístico
propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, o conhecimento da situação
comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade), o conhecimento superestru-

capítulo 6 • 295
tural ou tipológico (gêneros e tipos textuais), o conhecimento estilístico (registros,
variedades de língua e sua adequação às situações comunicativas), bem como o
conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).
A liberdade do autor de um texto, contudo, nunca será total, visto que todos
os membros de um grupo social expressam, em alguma medida, a formação
discursiva que reflete a sua ideologia.
É relevante o aluno-leitor ter conhecimento do que seja ideologia, dos fa-
tores que participam da constituição de uma formação ideológica, de como as
marcas ideológicas se manifestam na linguagem, do conceito de formação dis-
cursiva e como essa formação discursiva se relaciona com a formação ideológi-
ca para que obtenha resultados mais satisfatórios em suas leituras.

ATENÇÃO
O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos. Assim, po-
de-se afirmar que texto é o produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo
significativo e acabado, qualquer que seja sua extensão. É uma sequência verbal constituída
por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Esse
conjunto de relações tem sido chamado de textualidade.
Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade
significativa global, quando possui textualidade.

1.1  O texto e suas marcas ideológicas

Primeiramente, há de se entender os conceitos acerca de discurso e ideologia.


O termo discurso refere-se ao uso da língua em um contexto específico, isto
é, à relação entre os usos da língua e os fatores extralinguísticos presentes no
momento em que esse uso ocorre.
Por essa razão, o discurso é o espaço da materialização das formações ide-
ológicas, sendo por elas determinado. Nesse sentido, pode ser visto como uma
abstração, porque corresponde à “voz” de um grupo social.
A ideologia produz, portanto, seus efeitos no discurso, materializando-se
nele. Há, assim, uma relação recíproca entre ideologia e linguagem.
Por esse motivo que um dos fatores essenciais para a compreensão de um
texto é o conhecimento prévio do aluno. Durante a leitura, ele deve utilizar-se

296 • capítulo 6
de sua bagagem de conhecimento, como também do conhecimento linguísti-
co, do textual e do conhecimento de mundo para construir o seu significado,
pois sem esse conhecimento, não haverá compreensão, ou pelo menos, haverá
um comprometimento em relação ao seu significado.
É na interação desses níveis de conhecimento que o leitor consegue cons-
truir o sentido do texto; portanto esses conhecimentos devem ser ativados du-
rante a leitura para se atingir o momento da compreensão.
A leitura é entendida, assim, como um ato individual de construção de sig-
nificado em um contexto que se apresenta mediante a interação entre autor,
texto e leitor.
A operação da ideologia, na vida humana, basicamente envolve a constitui-
ção e a padronização de como os seres humanos vivem como atores conscien-
tes e reflexivos, em um mundo estruturado e significativo. A ideologia opera
como discurso que se dirige ou interpela os seres humanos como sujeitos.
A ideologia é, na verdade, um sistema de ideias (crenças, tradições, princí-
pios e mitos) interdependentes, sustentadas por um grupo social de qualquer
natureza ou dimensão, as quais refletem, racionalizam e defendem os próprios
interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, polí-
ticos ou econômicos.
Todas as classes sociais deixam as marcas de sua visão de mundo, dos seus
valores e crenças, ou seja, de sua ideologia, no uso que fazem da linguagem.
A linguagem, portanto, é a materialização da nossa ideologia. É por isso que
a cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva específica.
A formação discursiva é governada por uma formação ideológica e como uma
formação discursiva é um dos componentes de uma formação ideológica espe-
cífica, ela é um espaço de embates, de lutas ideológicas.

REFLEXÃO
A ideologia é entendida como um mecanismo de naturalização dos sentidos. Nenhum signo
está despido de ideologia; toda palavra enunciada pertence a uma formação discursiva
que tem subjacente uma formação ideológica. Sendo assim, não há ideologia sem sujeito
nem sujeito sem ideologia.
O discurso é ideológico. A ideologia constitui o sujeito e materializa-se no discurso e este
é um processo inconsciente.

capítulo 6 • 297
Leia o fragmento do conto de Dalton Trevisan, um moderno escritor
paranaense:

“Primeira noite ele conheceu que Santina não era moça. Casado por amor, Bento se
desesperou. Matar a noiva, suicidar-se, e deixar o outro sem castigo? Ela revelou que,
havia dois anos, o primo Euzébio lhe fizera mal, por mais que se defendesse. De vergo-
nha, prometeu a Nossa Senhora ficar solteira. O próprio Bento não a deixava mentir,
testemunha de sua aflição antes do casamento.

Santina pediu perdão, ele respondeu que era tarde — noiva de grinalda sem ter direito.

TREVISAN, Dalton. Cemitério de elefantes. “Primo”. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.

As questões contextuais são sempre importantes para que se entenda um


texto. Dalton Trevisan é um autor paranaense, e nomes como Bento, Santina
são usuais em seu estado, além de serem nomes que os antigos usavam.
Pelo desenrolar da história consegue-se perceber que é um fato acontecido
em tempos distantes. Tinham toda uma preocupação com a honra, com a ver-
dade, com o medo do escândalo. Fato que hoje em dia é “comum” e, certamen-
te, não causaria estranheza.
Dalton Trevisan não retrata, em sua obra, a família burguesa, atém-se às
classes populares, citadinas e rurais, do século XX. Os casamentos já não são
arranjados, não são acordos comerciais estabelecidos para dar continuidade
à fortuna a ao nome de família, mesmo porque não há fortuna nem nomes de
família a serem resguardados.
No entanto, percebe-se que a questão cultural é muito maior e muito mais
forte, pois mesmo em um contista, que aborda o lado mais grotesco e chocante
dos seres humanos, retirando suas personagens de contextos de degradação e
decadência, a visão sobre a mulher e sobre o homem ainda guarda resquícios
da ordem cultural patriarcal, ou seja, o que se queria era ainda manter a chama-
da “dignidade masculina” à custa da opressão sobre a mulher.
É preciso ter o conhecimento de mundo de que a grinalda, o véu (subenten-
dido no texto) representam a pureza, a inocência da mulher e uma vez que ela
não era mais virgem não poderia utilizar desses adornos. O modelo patriarcal,
como se percebe, continua sendo o foco também nesta análise
As perguntas inferenciais levam a uma leitura mais profunda, pois elas obri-

298 • capítulo 6
gam os leitores a interagirem com o texto. Assim, pode-se partir da seleção in-
tencional, por exemplo, dos nomes “Bento” e “Santina”, embora sejam comuns
no Paraná, com certeza, que nada há de “Bento” e “Santina” nesse enredo.
Percebe-se como o modelo familiar em questão se mostra enraizado na so-
ciedade, visto que, mesmo não se tratando de um caso de adultério, a figura
feminina “não pura” não era aceita pelo marido.
Em razão desse fato, Bento decide, afinal, entregar a esposa de volta ao pai.
Nesse ponto, observa-se que o modelo patriarcal ainda estava impregnado nas
famílias rurais do século XX, pois este conto é dessa época.
A partir daí percebe-se que Bento demonstra aspectos de vingança, pois de-
cide devolver Santina à família.
Há outro aspecto característico dos séculos anteriores, ao homem cabia
o direito de vingar sua reputação em casos como o de casar-se com mulheres
impuras, ou de adultério, podendo assassinar os “traidores” sem que houves-
se punição.
O conto de Dalton Trevisan, em evidência, mostra cenas de preconceito
e de violência física e moral. Por fim, o conto O primo representa, ao seu esti-
lo, uma figura feminina que não era frágil e sim fragilizada, que não nasceu
submissa, mas que foi condicionada a isso pela sociedade eminentemente
machista. A representação da mulher situa-se a partir da ótica masculina e
denota o pensamento masculino, não apenas por parte do homem, mas por
parte da sociedade como um todo.
A análise do texto apresentado evidencia como é importante reconhecer
pressupostos implícitos, ser capaz de fazer inferências e de estabelecer rela-
ções intertextuais. Somente os bons leitores, que dispõem de um repertório
cultural mais amplo, enfrentam sem dificuldade, o desafio de ler não apenas as
linhas, mas principalmente as entrelinhas dos textos.
Como se percebe, na leitura de um texto, o resultado da compreensão de-
pende da qualidade das inferências geradas, pois os textos possuem informa-
ções explícitas e implícitas; existem sempre lacunas a serem preenchidas.
O leitor infere ao associar as informações explícitas aos seus conhecimen-
tos prévios e, a partir daí, gera sentido para o que está, de algum modo, infor-
mado pelo texto ou por meio dele.
A informação fornecida direta ou indiretamente é uma pista que ativa uma
operação de construção de sentido. Logo, a inferência não está no texto, mas na
leitura, e vai sendo construída à medida que leitor vai interagindo com o texto.

capítulo 6 • 299
Daí a leitura ser polissêmica, pois se caracteriza pela atribuição de múlti-
plos sentidos ao texto, e isso depende, certamente, do acesso do sujeito à exte-
rioridade constitutiva do dizer e dos diferentes tipos de discurso.
O sujeito, que realiza uma leitura, deve ir além do significado literal do tex-
to, historicizando os sentidos e duvidando da ilusão de sentido único.

“O silêncio não é vazio, ou sem-sentido; ao contrário, ele é o indício de uma totalidade


significativa. Isto nos leva à compreensão do “vazio” da linguagem como um horizonte e
não como falta”. (ORLANDI; p. 70; 1997).

Significa que o silêncio é a garantia do movimento dos sentidos. Sempre se diz a par-
tir do silêncio. [...] Ele é, sim, a possibilidade para o sujeito trabalhar sua contradição
constitutiva, a que o situa na relação do um com o múltiplo, a que aceita a reduplicação
e o deslocamento que nos deixam ver que o todo discurso sempre se remete a outro
discurso que lhe dá realidade significativa.

ORLANDI, E. Puccinelli. As formas do silencio: no movimento dos sentidos. Campinas:


Unicamp, 1997, p. 23.

1.2  Acervo ou conhecimento prévio

Acervo ou conhecimento prévio é essa configuração historiográfica, somada ao


tempo histórico de composição do texto e do processamento efetivo dos atos
de leitura, que produz os sentidos. Um leitor, que possui um repertório mais
vasto, poderá acionar um processo de diálogo com outros textos mais apurado
e, portanto, depreenderá muito mais sentidos do texto.
Assim, considerar o leitor e seus conhecimentos, e que esses conhecimen-
tos são diferentes de um leitor para outro implica, necessariamente, aceitar
uma pluralidade de leituras e de sentidos em relação a um mesmo texto.
Pela consonância com essa posição, destaca-se aqui um trecho dos Parâme-
tros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998):

“A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do sig-


nificado do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre

300 • capítulo 6
o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características dos tipos e gêneros textuais,
do portador, do sistema de escrita. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da
escrita’ decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade
que implica, necessariamente, compreensão. Qualquer leitor experiente que conseguir
analisar sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um dos procedi-
mentos que utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias
como seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível rapidez
e proficiência. É o uso de procedimentos desse tipo que permite controlar o que vai
sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante
do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas.”

REFLEXÃO
“Os sentidos são produzidos em face aos lugares ocupados pelos sujeitos em interlocução.
Assim, uma mesma palavra pode ter diferentes sentidos em conformidade com o lugar so-
cioideológico daqueles que a empregam.”
FERNANDES, C.A., Análise do discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas,
2005, p. 23.

Nesse fragmento, encontra-se reforçado, na atividade de leitura, o papel do


leitor enquanto um construtor de sentido, utilizando-se, para tanto, de uma série
de estratégias, dentre as quais a seleção, antecipação, inferência e verificação.
Observe, agora, a função de cada uma delas no ato de ler:

ESTRATÉGIAS DE Permitem que o leitor se atenha aos índices úteis, desprezan-


SELEÇÃO do os irrelevantes.

ESTRATÉGIAS DE Tornam possível prever o que ainda está por vir, com base em
ANTECIPAÇÃO informações explícitas e em suposições.

O tipo textual (ou gênero textual), o autor, o título e muitos índices infor-
mam ao leitor o que é possível que se encontre em um texto. Assim, ao se ler
uma história de Monteiro Lobato chamada Viagem ao céu, é previsível que se

capítulo 6 • 301
encontre determinados personagens, certas palavras da astronomia e que, cer-
tamente, alguma travessura acontecerá.

ESTRATÉGIAS DE Permitem captar o que não está dito no texto de forma ex-
INFERÊNCIA plícita.

A inferência é aquilo que se “lê”, mas não está escrito. São conclusões base-
adas tanto em pistas dadas pelo próprio texto como em conhecimentos que o
leitor possui. Às vezes, essas inferências se confirmam, e às vezes, não. Logo, é
um tipo de raciocínio que conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.
O contexto, na verdade, contribui decisivamente para a interpretação do
texto e, com frequência, até mesmo para inferir a intenção do autor.

Tornam possível o controle da eficácia ou não das demais


ESTRATÉGIAS DE estratégias, permitindo confirmar, ou não, as especulações
VERIFICAÇÃO realizadas.

Esse tipo de checagem para confirmar – ou não – a compreensão é inerente


à leitura.
Todas estas estratégias de leitura são utilizadas pelo leitor mais ou menos
ao mesmo tempo, sem que ele tenha consciência disso. Ele só dará conta do
uso delas ao analisar com cuidado o processo de leitura que está realizando.

1.3  Intertextualidade e interdiscursividade: pluralidade de leituras e


sentidos

A intertextualidade consiste em importante recurso de linguagem que eviden-


cia o caráter multifacetado e dialógico do discurso. Para se pensar em intertex-
tualidade, convém retomar o conceito basilar do pensamento bakhtiniano, já
trabalhado na Unidade II, capítulo 3, o dialogismo, que é o princípio constitu-
tivo da linguagem do qual se derivam, em síntese, duas noções: o diálogo entre
interlocutores e o diálogo entre textos.
O termo intertextualidade, conforme já visto, propagou-se pelo Ocidente a
partir das publicações de Kristeva (1974) que, tecendo considerações a respeito
do dialogismo de Bakhtin, definiu o texto como um mosaico de citações, resul-
tante da inscrição de textos anteriores.

302 • capítulo 6
A Intertextualidade, conforme destaca Fiorin (2006), é um tipo particular
de interdiscursividade em que se relacionam textos de materialidades distin-
tas. A intertextualidade pode ser compreendida, então, como o diálogo entre
textos, ou seja, a presença de um texto em outro; ao passo que a interdiscursi-
vidade constitui uma memória discursiva que forma um sentido global para a
atividade discursiva. Esse autor enfatiza que as relações entre textos ocorrem
“quando duas vozes se acham no interior de um mesmo texto” e “ há relações
entre textos, quando um texto se relaciona dialogicamente com outro texto já
constituído”. Há no texto que se relaciona com ele o encontro de dois textos
[ou mais?] (FIORIN, 2006, p. 181-182).
A interdiscursividade é condição própria do discurso, à medida que os
enunciados se concretizam, nessa pluralidade de vozes, em que se cons-
troem os sentidos, percebidos por cada sujeito nas relações de interação.
Interdiscursividade é, portanto, a relação dialógica entre enunciados/dis-
cursos, porque sempre há, no processo discursivo, o embate entre locutor
e seu interlocutor. Apreender os confrontos que geram os sentidos desse
enunciado/discurso é essencial para que o sujeito possa captar o dialogismo
que perpassa por ele.
Dessa forma, a intertextualidade caracteriza-se por remeter um texto a ou-
tros, seja por meio de paródias, alusões, estilizações, citações, repetições de si-
tuações narrativas, de personagens ou outros instrumentos. É na relação com o
discurso do outro que se apreende a ideologia e o aspecto histórico-social que
perpassa o discurso, ou melhor, o dialogismo é parte constitutiva e inscrita no
interior do discurso, conforme afirma Bakhtin (2003).

CONCEITO
Um processo de intertextualidade muito utilizado é a paródia. A paródia é uma imitação,
na maioria das vezes cômica, de uma composição literária (também existem paródias
de filmes e músicas), sendo, pois, uma imitação que geralmente possui efeito cômico,
utilizando a ironia e o deboche.
Ela geralmente é parecida com a obra de origem, mas, quase sempre tem sentidos dife-
rentes. É um processo de intertextualização com a finalidade de desconstruir ou reconstruir
um texto. Leia a Canção do Exílio (1843), de Gonçalves Dias, e observe uma das paródias
feitas desse texto:

capítulo 6 • 303
Minha terra tem palmeiras, Minha terra tem primores,
Onde canta o Sabiá; Que tais não encontro eu cá;
As aves que aqui gorjeiam, Em cismar - sozinho, à noite -
Não gorjeiam como lá. Mais prazer encontro eu lá;
Nosso céu tem mais estrelas, Minha terra tem palmeiras,
Nossas várzeas têm mais flores, Onde canta o Sabiá.
Nossas flores têm mais vida, Não permita Deus que eu morra
Nossa vida mais amores. Sem que eu volte para lá;
Em cismar, sozinho, à noite, Sem que desfrute os primores
Mais prazer encontro eu lá; Que não encontro por cá;
Minha terra tem palmeiras, Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá. Onde canta o Sabiá.

O escritor modernista Oswald de Andrade, parodiou Gonçalves Dias, em Canto de regresso


à pátria (1922):

Minha terra tem palmares Ouro terra amor e rosas


Onde gorjeia o mar Eu quero tudo de lá
Os passarinhos aqui Não permita Deus que eu morra
Não cantam como os de lá Sem que volte para lá
Minha terra tem mais rosas Não permita Deus que eu morra
E quase que mais amores Sem que volte pra São Paulo
Minha terra tem mais ouro Sem que veja a Rua 15
Minha terra tem mais terra E o progresso de São Paulo.

AUTOR
O poema Canção do exílio foi escrito pelo poeta brasileiro Gonçalves Dias, em 1843, na ci-
dade de Coimbra, sendo primeiros poemas do livro Primeiros Cantos. Trata-se da obra-prima
desse poeta brasileiro, pertencente à primeira geração romântica, como um dos mais famo-
sos poemas da língua portuguesa.

O segundo poema é o Canto de regresso à pátria, escrito pelo poeta, ensaísta e dramaturgo
brasileiro Oswald de Andrade. Ele foi um expoente e promotor da Semana de Arte Moderna

304 • capítulo 6
de 1922, na cidade de São Paulo, e pertenceu à primeira geração modernista. Oswald de
Andrade foi considerado, já em sua época, o mais rebelde de seu grupo.

1.4  Compreensão e interpretação

Canto de regresso à pátria é a primeira paródia modernista da Canção do Exílio,


de Gonçalves Dias, poeta romântico. O poema original, por ser um “hino” à
nacionalidade, apresenta uma visão ufanista, idealizadora da pátria.
Oswald de Andrade, em sua paródia, troca palmeiras por palmares, desta-
cando, assim, o nacionalismo crítico dos modernistas: minha terra tem opres-
são, escravidão, dominação e também lutas pela libertação. Palmares é o nome
do mais famoso quilombo para onde fugiam os escravos.
Há, também, uma forte referência ao progresso de São Paulo — símbolo do
desenvolvimento econômico do país — que se opõe à valorização da natureza
presente no poema de Gonçalves Dias.
Quando Oswald de Andrade diz que os passarinhos daqui, isto é, do estran-
geiro, não cantam como os de lá — os do Brasil — ele relativiza o juízo de valor,
a ideia da superioridade de nossa fauna e de nossa flora em relação à Europa,
afirmando a diferença em oposição ao que se encontra em Gonçalves Dias. O
verso “E quase que mais amores” destaca a relativização do patriotismo ro-
mântico e, finalmente, a ausência de pontuação, especialmente em “Ouro terra
amor e rosas”, acaba de configurar a modernidade da Canção de Regresso à
Pátria — poema paródico que, aparentemente, imitando o texto a partir do qual
foi escrito, inverte os seus sentidos por meio da sátira.

CURIOSIDADE
Na Unidade II, Capítulo 3, ao se trabalhar com intertextualidade, ressaltou-se que a Canção
do Exílio foi amplamente recriada e parodiada, principalmente pelos poetas modernistas, e
dois de seus versos estão citados no Hino Nacional Brasileiro ("Nossos bosques têm mais
vida,/Nossa vida, mais amores.").

Estas são algumas das inúmeras releituras e citações que o poema de Gonçalves Dias rece-
beu, a partir do Modernismo, pelas mãos de diversos poetas brasileiros:

capítulo 6 • 305
•  Canção do exílio – Casimiro de Abreu
•  Canto de regresso à pátria – Oswald de Andrade
•  Europa, França e Bahia – Carlos Drummond de Andrade
•  Nova Canção do exílio – Carlos Drummond de Andrade
•  Nova Canção do exílio – Ferreira Gullar
•  Canção do exílio – Murilo Mendes
•  Canção do expedicionário – Guilherme de Almeida
•  Uma canção – Mário Quintana
•  Canção de exílio facilitada – José Paulo Paes
•  Sabiá – Letra de Chico Buarque de Holanda e música de Antônio Carlos Jobim
•  Terra das palmeiras – Taiguara
•  Pátria minha – Vinícius de Moraes

1.5  Relação interdiscursiva e relação intertextual: o movimento dos


sentidos

O russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), filósofo e teórico da linguagem, defendia


a tese de que não há discurso puro e original. Todo discurso, segundo esse au-
tor, é uma resposta ao discurso de outra pessoa, seja para confirmar, seja para
ampliar ou discordar do que o outro disse.
Assim, discurso citado é o discurso incorporado por outro discurso e ele
pode ocorrer em todos os tipos de linguagem, como: no cinema, no teatro, na
música, na literatura, nas artes plásticas, no jornalismo, nas tiras humorísticas,
nas charges, na publicidade.
Desse modo, mesmo que não se tenha consciência disso, a todo instante
se está dialogando com o discurso dos outros e trazendo para dentro do nosso
discurso, diferentes vozes com que se tem contato, como: as vozes dos autores
de livros, jornais e revistas lidos, dos professores... Enfim, para se constituir,
nosso discurso incorpora os discursos de muitas outras pessoas.
Reitera-se que toda relação interdiscursiva é uma relação intertextual; con-
tudo, a interdiscursividade é mais ampla que a intertextualidade. Naquela,
quando um discurso cita outro, não há apenas referência ao texto ou as partes
do texto citado, mas também à situação de produção dele (quem fez, para quê,
em que momento histórico, com qual finalidade), à ideologia subjacente e aos
significados que aquele discurso foi assumido historicamente.

306 • capítulo 6
LEITOR COMPETENTE

O leitor competente deve:


•  compreender o que lê;
•  saber ler o que não está escrito, identificando elementos implícitos;
•  estabelecer relações entre o texto que lê e outros textos já lidos;
•  saber que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto;
•  conseguir justificar e validar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos.

CURIOSIDADE
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2011, do Instituto Pró-LIVRO, mostrou que 50%
dos brasileiros não têm o costume de ler, 75% da população nunca entrou em uma bibliote-
ca, e a média de livros por habitante/ano é 4, inclusive os didáticos; sem os didáticos, a leitura
cai para 1 livro por habitante/ano.
Em países ditos “de primeiro mundo”, os índices indicam mais de 10 livros por habitante/
ano. Se considerarmos que a leitura é fator essencial para o desenvolvimento humano, social
e econômico de um país, pois o avanço tecnológico depende de qualificação e a qualificação
está ligada à habilidade de leitura, encontramos um dos motivos do nosso atraso.
É urgente reverter o quadro da leitura no Brasil.

Fonte: http://www.stellabortoni.com.br/index.php/103-leitura-emancipadora, acessado em


30/9/2014.

Pode-se concluir que a leitura está sempre presente no meio social, levando
o indivíduo à capacidade de comunicação e informação, basta este, por sua vez,
ter vontade de descobrir o mundo no qual ele vive e compreender o quanto o ato
de ler é prazeroso, dinâmico e conscientizador.
Em uma leitura, os sujeitos (autor e leitor) são privilegiados pelo processo
de interação de seus conhecimentos. E o texto é o lugar dessa interação, cujo
sentido não está lá, no texto, mas sim construído, considerando-se, para tanto,
as “sinalizações” ou pistas textuais fornecidas pelo autor, às quais o leitor agre-
ga os seus conhecimentos durante todo o processo de leitura, para que, espera-
se, concordando ou não com as ideias do autor, complete-as, adapte-as.

capítulo 6 • 307
Como nem sempre os textos trazem explícitos todos os elementos que parti-
cipam da construção do seu sentido, o leitor está frequentemente complemen-
tando as informações fornecidas pelos textos com outras informações de que
dispõe, ou que infere a partir do que foi dito pelo autor (ou narrador) do texto.
Por isso, a sociedade atual exige um cidadão leitor e não “ledor”.
Assim, para ser um leitor competente, é necessário compreender o que se
lê, lendo também o que está implícito no texto, fazendo inferências e checando
se elas se confirmam ou não de acordo com as exigências do texto.
Desse modo, a leitura deve ser entendida também como um processo de (re)
significação .
Por fim, como a leitura emerge da interação, acredita-se, então, em vários
modos de ler e, consequentemente, em vários modos de interpretar e entender
um texto.

GLOSSÁRIO

•  Cognição é o ato ou processo da aquisição do conhecimento que se dá por meio da


percepção, da atenção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem.
•  Contexto é o conjunto das circunstâncias (sociais, políticas, históricas, culturais) a que
um texto se refere.
•  Discurso é uma atividade comunicativa - constituída de texto e contexto discursivo
(quem fala, com quem fala, com que finalidade) – capaz de gerar sentido, desenvolvida
entre os interlocutores. É uma manifestação individual do modo como um sujeito escolhe
organizar os elementos de expressão de que dispõe para veicular o discurso do grupo a
que pertence.
•  Discurso citado é o discurso que é incorporado por outro discurso.
•  Enunciado é tudo aquilo que é dito ou escrito por meio de palavras, delimitadas por mar-
cas formais. Na fala, pela entoação; na escrita, pela pontuação. O enunciado está sempre
associado ao contexto em que é produzido.
•  Formação discursiva é um conjunto de temas (categorias ordenadoras do mundo na-
tural [alegria, medo, vergonha, solidariedade, honra, liberdade, opressão] e de termos [ele-
mentos que estabelecem uma relação com o mundo natural: mesa, carro, árvores, mulher])
que concretizam uma visão específica. Sempre que for possível identificar, em um conjunto
de textos, uma regularidade (recorrência de temas e termos), está-se diante de uma mes-
ma formação discursiva.

308 • capítulo 6
•  Formação ideológica é um conjunto de valores e crenças a partir dos quais julga-
mos a realidade na qual estamos inseridos.
•  Gêneros discursivos correspondem a certos padrões de composição de texto de-
terminados pelo contexto em que são produzidos, pelo público a que eles se destinam,
por sua finalidade, por seu contexto de circulação. São exemplos de gêneros discursi-
vos o conto, a história em quadrinhos, a carta, o bilhete, a receita, o anúncio, o ensaio, o
editorial, entre outros.
•  Ideologia é um sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdepen-
dentes, sustentadas por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as quais
refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucio-
nais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos.
•  Interdiscursividade é a relação dialógica entre dois discursos, caracterizada por um
citar o outro.
•  Intertextualidade é a relação entre dois textos caracterizada por um citar o outro.
•  Interlocutor designa cada um dos participantes de um diálogo. Como o texto se diri-
ge a um leitor em quem o autor pensa no momento de escrever, diz-se que os leitores
a quem um texto se dirige são os interlocutores.
•  Ironia é o efeito resultante do uso de uma palavra ou expressão que, em um contexto
específico, ganha sentido oposto ou diverso daquele com que costuma ser utilizada.
•  Juízo de valor é um conceito filosófico e se refere a um julgamento que expressa
uma apreciação, uma avaliação ou uma interpretação sobre a realidade. Os juízos de va-
lor se opõem aos juízos de fato, que dizem o que as coisas são, como são e por que são.
•  Língua é um sistema de representação socialmente construído, constituído por sig-
nos linguísticos.
•  Linguagem é uma atividade humana que, nas representações de mundo que cons-
trói, revela aspectos históricos, sociais e culturais. É por meio da linguagem que o ser
humano organiza e dá forma às suas experiências. Seu uso ocorre na interação social
e pressupõe a existência de interlocutores.
•  Lugar discursivo é a posição ocupada no discurso pelos interlocutores, que ora
assumem o papel de falantes, ora o de ouvintes.
•  Paródia é um tipo de relação intertextual em que um texto cita outro, geralmente com
objetivo de fazer-lhe uma crítica ou inverter ou distorcer suas ideias.
•  Polissemia é a multiplicidade de sentidos que uma mesma palavra da língua pode
apresentar, em diferentes contextos de uso.

capítulo 6 • 309
•  Premissa é uma afirmação que se toma como ponto de partida para realizar um
raciocínio.
•  Texto é o espaço de concretização do discurso. Trata-se sempre de uma manifesta-
ção individual, do modo como um sujeito escolhe organizar os elementos de expressão
de que dispõe para veicular o discurso do grupo a que pertence.

2  Modalização da linguagem na produção de


textos

Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado.
Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a
verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda
a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou um via um lado das coisas e ou-
tro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado,
cada um as via com um critério idêntico ao do outro. Mas cada um via uma coisa diferen-
te, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.

Fernando Pessoa

Nesta parte deste capítulo, discute-se a aplicação dos estudos da modalização,


considerando não só o ensino da análise linguística, mas também o ensino da
leitura e da produção textual. O objetivo é demonstrar de que maneira o fenô-
meno da modalização é indispensável para a construção de sentidos, em um
enunciado ou texto, e como o aluno pode utilizar o esse fenômeno para desen-
volver a sua competência linguístico-discursiva.
Aqui, a modalização é vista como uma estratégia semântico-discursiva pre-
sente em diferentes tipos e gêneros textuais/discursivos, a partir da linha teóri-
ca de Koch (2002), Nascimento (2010) e Nascimento e Silva (2012).
Pontua-se que a modalização se apresenta como um fenômeno que permite
ao locutor deixar registrado, no seu discurso, marcas de sua subjetividade por
meio de determinados elementos linguístico-discursivos e, portanto, imprimir
um modo como esse discurso deve ser lido. Dessa forma, age em função da in-
terlocução.

310 • capítulo 6
Em outros dizeres, a modalização é um fenômeno inerente à linguagem hu-
mana porque, por meio dela, pode-se expressar avaliação sobre o dito e intera-
gir com nossos interlocutores, indicando ora como nosso enunciado deve ser
lido, ora como se quer que o interlocutor (re)aja.
Assim, ao asseverar em enunciado “É certo que Paulo venha”, o locutor
além de expressar certeza com relação ao fato da vinda futura de Paulo, ele o faz
em função do seu interlocutor, ou porque queira que seu interlocutor acredite
também que essa informação é verdadeira, ou porque tem outra intenção, que,
algumas vezes, só é recuperada pela enunciação.
Logo, o estudo dos elementos modalizadores deve estar voltado para o uso
da linguagem, para os efeitos de sentido que esses elementos provocam nos
enunciados e nos textos.
Para o estudo da modalização da linguagem, parte-se também do enten-
dimento de que o discurso é o efeito de sentidos entre interlocutores, pen-
sando o fato dos sentidos se relacionarem com os textos e suas condições de
produção; com os diferentes tipos de textos; e com as relações do dizer com o
que não é dito. Resulta daí o caráter múltiplo e incompleto do sentido, jamais
fechado e acabado.
A modalidade está expressa na atitude do falante ao produzir um enunciado.
Ela revela a maneira como o enunciador tenta persuadir seu interlocutor em uma
proposição, que poderá ser ou não verdadeira, divulga as intenções desse enun-
ciador, a forma de se expressar e de opinar sobre o conteúdo do assunto em foco.
Sempre que o falante pronuncia seu discurso, seja ele político, religioso,
científico ou cultural, deixa marcas linguísticas que expressam sua opinião
e que, na maioria das vezes, revelam o que ele conhece acerca do assunto. O
modo como o falante veicula sua mensagem está presente na estrutura semân-
tica, sintática e pragmática do discurso que produz.
O sujeito enunciador marca, assim, sua presença no enunciado pelas mar-
cas de modalização, entendidas como índice das atitudes, opiniões e pontos
de vista do enunciador em relação ao seu dizer. A modalização contribui para
oferecer ao leitor um direcionamento argumentativo, possibilitando perceber
o grau de adesão do falante ao seu discurso. O emprego dos modalizadores pos-
sibilita, assim, a identificação do ponto de vista do enunciador no discurso.
Dessa maneira, a modalização tem um papel importante na argumentação,
uma vez que é responsável pela instauração dos modos de existência e presen-
ça dos sujeitos no discurso. Por essa razão, apesar dos procedimentos, muitas

capítulo 6 • 311
vezes utilizados para produzir o efeito de objetividade e neutralidade, é possí-
vel perceber, a partir dos procedimentos de modalização, um posicionamento
do enunciador e uma intencionalidade por meio da orientação argumentativa
construída no texto. Essa orientação aponta sempre para uma direção argu-
mentativa, indicando um modo de ler o texto e analisar os fatos que enuncia.
A narração, apesar de apresentar um foco meramente informativo, voltan-
do-se, pois, para a função referencial da linguagem, tende sempre a adotar um
ponto de vista inicial. É esse ponto de vista que faz com que o narrador, ao nar-
rar qualquer fato, de acordo com a sua intenção, procure convencer o leitor/
ouvinte, a partir de sua interpretação pessoal dos fatos narrados.
As escolhas lexicais são responsáveis por deslizamentos de sentido e os vo-
cábulos que dão suporte a essas escolhas são os nomes – substantivos e adje-
tivos – em sua maioria, axiológicos (avaliativos) e advérbios. Os axiológicos (va-
lorativos, avaliativos) constituem uma categoria lexical que está intimamente
ligada às apreciações do enunciador.
A maior parte dos substantivos afetivos e avaliativos é derivada de verbos
ou de adjetivos. Nessa visão, à medida que alguns substantivos revelam uma
avaliação do sujeito enunciador, podem variar de uma enunciação para outra
e devem ser eliminados de um discurso com pretensões de objetividade. Esses
substantivos, que podem ser considerados como portadores de subjetividade,
possuem traços axiológicos. Os substantivos axiológicos serão, portanto, mais
numerosos em enunciados de pretensão avaliativa.
Em relação aos adjetivos, constata-se que as unidades lexicais de uma lín-
gua são carregadas de subjetividade, de acordo com uma escala significativa
que transita do mais objetivo para o mais subjetivo.
O emprego dos adjetivos subjetivos afetivos não se aplica a certos tipos de
discurso, que pretendem objetividade. Algumas vezes, no entanto, é possível
encontrá-los em editoriais.
Há também os advérbios modalizadores que podem ser reveladores de julga-
mentos de verdade, como talvez, sem dúvida, certamente e aqueles que implicam
um julgamento de realidade como realmente, verdadeiramente, efetivamente.
Os advérbios modalizadores são importantes, na análise linguística, visto
que compõem uma classe de elementos adverbiais que têm como característica
básica expressar alguma intervenção do falante na definição da validade e do
valor de seu enunciado. Além disso, o uso dos modalizadores constitui uma das
estratégias para marcar essa atitude do falante em relação ao que ele próprio diz.

312 • capítulo 6
É grande a importância de substantivos, adjetivos e advérbios subjetivos,
sobretudo os avaliativos, na enunciação argumentativa porque marcam, de ma-
neira significativa, a presença do sujeito enunciador e permitem a orientação
para o sujeito destinatário de determinadas conclusões ou interpretações, que
interessam ao sujeito enunciador.

ATENÇÃO
É importante destacar que quanto mais um discurso se esforça em ser exaustivo, tanto mais
tende à objetividade; quanto mais seleciona as informações que verbalizará, tanto mais corre
o risco de ser subjetivo.

Efeito Modalizador dos Pressupostos


A noção de pressuposição é relevante para o estudo do significado linguístico.
Os pressupostos podem ser considerados como sensíveis ao contexto discursi-
vo, seja ele de natureza semântica ou pragmática, no qual o enunciado poderá
ser desenvolvido.
A pressuposição é a relação que se estabelece entre os elementos, de modo
que a presença de um deles é condição necessária para a presença do outro.
A outra forma de implícito – o subentendido – só aparece ligada à enuncia-
ção, ao componente retórico, constituindo uma opção de organização do dis-
curso e produzindo efeitos de sentido que surgem na interpretação.
O subentendido não aparece marcado na frase; é fruto de um processo in-
terpretativo. Pelo fato de sugerir, sem dizer, o subentendido funciona como es-
tratégia de não comprometimento do enunciador.
Assim, o pressuposto é uma informação estabelecida como indiscutível ou
evidente tanto para o falante quanto para o ouvinte, pois a estrutura linguística
oferece os elementos necessários para depreender o sentido do enunciado. Já o
subentendido, por possibilitar dizer alguma coisa, sem dizê-la explicitamente,
passa a ser de responsabilidade do ouvinte/leitor.

COMENTÁRIO
Os modalizadores, elementos que ativam modalização nos enunciados e no discurso, po-
dem gerar diferentes efeitos de sentido e, dependendo do sentido que veiculam, é possível

capítulo 6 • 313
classificá-los em epistêmicos (ligados ao conhecimento), deônticos (ligados à obrigatorieda-
de, permissão, proibição ou volição), avaliativos (expressando juízo de valor) e delimitadores
(estabelecendo limites para o conteúdo do enunciado). Assinala-se que a classificação de
um modalizador não é fechada e depende do contexto em que o aparece, uma vez que um
mesmo modalizador pode assumir diferentes funções.
Optou-se aqui por não dar relevância a essa classificação ou nomenclatura dos ele-
mentos modalizadores, por acreditar-se que se pode muito bem trabalhar a modalização na
análise linguística sem se valer de uso de nomenclaturas classificatórias, mas voltando-se,
principalmente, para o uso desses elementos em enunciados e textos.

ATENÇÃO
Os implícitos são basicamente de dois tipos: pressupostos e subentendidos. Os pressupos-
tos estão inscritos na língua; não há como fugir ao sentido que eles determinam. Já os su-
bentendidos dependem de interpretação.
Se um professor diz a um aluno: “Finalmente você veio à aula”, pressupõe-se que o aluno
há tempo não comparecia às aulas; o advérbio que introduz a oração indica isso.
Caso o professor acrescentasse uma observação do tipo: “Deixou o orgulho de lado”,
estaria formulando um subentendido. A ausência do outro teria sido interpretada como so-
berba. O subentendido sempre envolve um julgamento, um juízo de valor, e, por vezes, leva à
distorção da verdade.

Modalização e leitura
Em determinados textos, a observância dos modalizadores é de fundamental
importância para a construção de um sentido mais global do próprio texto.
Por essa razão, quando da ocorrência de modalizadores, o aluno deve con-
siderar os efeitos de sentido que eles geram, bem como de que maneira esses
modalizadores interferem para a compreensão global.
A seguir estão transcritos alguns textos em que a identificação e compre-
ensão dos modalizadores são indispensáveis para uma leitura mais profunda.
Para cada texto segue uma análise do funcionamento discursivo dos moda-
lizadores, com o objetivo de indicar, para o aluno, como os elementos modali-
zadores devem ser tratados no processo de leitura.

314 • capítulo 6
Observe também como é impossível uma narração isenta, imparcial:

O réu ameaçava a vítima que, aos gritos, O réu, no intento de roubar, pediu à vítima
clamava por não ser morta. Ele pediu as joias e dinheiro. Assustado, temeroso e
joias e, ao ouvir a negativa da vítima, que alterado, pois não é bandido profissional,
dizia não possuir nenhuma, não teve dúvi- mas incidentalmente cometendo aque-
da: com frieza desumana, puxou o gatilho le equívoco, ouviu a ríspida negação da
do revólver encostado à cabeça da vitima- vítima e, supondo tendo ela chance de
da, prostrando-a no chão sem vida, de for- reação, que por certo poria sua vida em
ma cruel, por motivo absolutamente fútil. risco, em um ímpeto de emoção e medo
(RODRÍGUEZ, 2002, p. 178) apertou o gatilho, temendo por sua sobre-
vivência. (RODRÍGUEZ, 2002, p. 178)

Têm-se, aqui, duas narrativas da mesma cena. Cada narrador a descreve


exatamente como se tinha passado. Não é que um tenha visto uma coisa e o ou-
tro, outra diferente, ou seja, desviando-se da verdade. Não: cada um via a cena
exatamente como se havia passado, mas cada um a descreveu com um ponto de
vista diferente (acusatório e defensivo).
Pontos de vista diversos também estão visivelmente marcados no trecho de
Pessoa utilizado como epígrafe na abertura deste capítulo.
Nota-se, então, que, na narrativa dos fatos, o ponto de vista é implícito, pois
não é enunciado diretamente, apenas sugerido, em uma modalização da lin-
guagem “aparentemente” imparcial.
Para melhor compreensão do que está sendo afirmado até o momento, leia
os textos hipotéticos, extraídos também do livro de Rodríguez (2002, p. 177):

CAMELÔS INVADEM O CENTRO DA CIDADE E


TUMULTUAM A VIDA DO PAULISTANO.

Revoltados porque a Prefeitura resolveu retirá-los das ruas do centro da cidade, came-
lôs fizeram ontem manifestação agressiva, destruindo vitrines de lojas e tumultuando
o centro da cidade, inclusive ferindo transeuntes. A polícia foi obrigada a apaziguar o
tumulto, dispersando os manifestantes.

capítulo 6 • 315
POLÍCIA AGRIDE MANIFESTANTES NO CENTRO DA CIDADE.

Camelôs, que foram expulsos de seu local de trabalho nas ruas do centro da cidade,
fizeram ontem manifestação na região central. A tropa de choque foi chamada para
reprimir a manifestação, agredindo vários camelôs, que saíram feridos.

Observa-se que ambos os textos narram um mesmo evento: a manifestação


dos camelôs e a repressão dos policiais. Entretanto, cada autor apresenta seu
ponto de vista implícito mediante a utilização de dois procedimentos: a seleção
vocabular e a seleção de fatos a serem narrados.
Como se pode verificar, não há diferença entre os fatos apresentados, ape-
nas o modo de ver ou o ponto de vista varia, escolhendo, cada um dos narrado-
res, relatar aquilo que lhe parece mais relevante.
Nos fatos mais importantes — manifestação de camelôs em virtude de uma
conduta da prefeitura e o chamado da polícia para pôr fim ao tumulto —, os
textos coincidem. No entanto, fatos diferentes, atendendo à necessidade de
comprovação do ponto de vista apresentado por cada um dos redatores, foram
selecionados, mostrando o objetivo acusatório ou defensivo, sem, entretanto,
enunciar que cada um deles narra os fatos da forma que lhe interessa ou que
ambos fujam à verdade.
Perceba a escolha lexical opositiva, apresentada em ambos os textos:

“dispersa” x “agride”;

“apaziguar o tumulto” x “reprimir a manifestação”;

“os camelôs feriram transeuntes” x “a polícia feriu camelôs”.

Constata-se, pois, que a seleção vocabular e a intencionalidade do narrador


funcionam como elementos de persuasão e modificam a recepção do texto.
Leia mais estes outros exemplos:

316 • capítulo 6
1º exemplo:
O comandante do policiamento de Belém, coronel PM Geraldo Magela, recuou e deci-
diu anteontem não cumprir a ordem judicial de despejo de 400 famílias sem-teto em
Ananindeua, região metropolitana de Belém. Os cerca de mil sem-teto ocupam desde
agosto uma área de 90 mil metros quadrados. Anteontem, os sem-teto se armaram
com facões, paus e pedras e o coronel Magela ordenou a suspensão da operação. “Es-
peramos uma segunda ordem da Justiça”, disse Teodoro Nagano, gerente da empresa
Agropel, que é proprietária da área.

“Cabia a mim avaliar a situação e preferi evitar o massacre”, disse Magela ao se reunir
com a juíza Odete Silva e explicou os motivos do recuo. A juíza aguarda um relatório
dos oficiais da Justiça. (Folha de São Paulo, 2006 )

2º exemplo:
Um grupo de 40 famílias de sem-teto ocupou o plenário da Câmara de Campinas (99
Km de SP) entre 14h e 21 h de ontem após ser desalojado de uma área invadida em
abril deste ano por cerca de 600 pessoas. Os sem teto permaneceram no plenário da
Câmara e só concordaram em deixar o local após o juiz Jamil Miguel, da 5ª Vara Civil
de Campinas, anular liminar para reintegração de posse expedida ontem. (Folha de
São Paulo, 2008 )

Percebe-se, nos textos acima, como é significativa a escolha desta ou daque-


la palavra e como esta escolha constrói sentidos distintos. Sabe-se que a ques-
tão da “escolha” é consciente, diz respeito a um sujeito intencional. Dizer in-
vadir ou dizer ocupar traz, necessariamente, diferentes efeitos de sentido, pois
estas palavras trazem consigo uma memória discursiva distinta.
No exemplo 1, há a presença do discurso jurídico-militar e a situação é de
confronto, pois o vocabulário da notícia é jurídico-militar também: os sem-teto
estão em operação de guerra, armam-se, o coronel suspende a operação, recua, evi-
ta um massacre. O coronel tem nome, o proprietário da área também. Os sem-
teto são anônimos, sem voz, e a notícia os silencia.
Nota-se, portanto, as diferentes maneiras de funcionamento de uma prá-
tica discursiva que permite o apagamento de um sentido para os sem-teto,
mas que, contraditoriamente, pela falta de sentido, mais possibilidades de
sentido apresentam.

capítulo 6 • 317
Também requer atenção o uso da palavra invadida no texto 2, pois diz-se
invadir para não se dizer ocupar. Invadir é tomar à força; ocupar, no sentido jurí-
dico, é o ato de apoderar-se legalmente, ter ou possuir por direito.
Dessa forma, os sentimentos contra ou a favor dos sem-teto vão se sedimen-
tando; ressaltando, assim, como o funcionamento dos sentidos resulta da esco-
lha lexical que corresponde ao ponto de vista do relator.
Conclui-se, assim, que a seleção de fatos da narrativa deve ser feita de acor-
do com as intenções da argumentação daquele que a redige.
Leia o texto:

PUDIM DE PÃO COM CHOCOLATE


INGREDIENTES
20 fatias de pão de forma sem casca e picadas
120 ml de leite
8 ovos
1 xícara (chá) + 1/2 xícara (chá) de açúcar (340 g)
2 xícaras (chá) de chocolate em pó (240 g)
100 g de chocolate meio amargo cortado em quadradinhos
CALDA DE CHOCOLATE
1 xícara (chá) de açúcar (190 g)
1 xícara (chá) de chocolate em pó (120 g)
1 colher (sopa) de margarina
1/2 xícara (chá) de leite
MODO DE PREPARO
Num processador coloque 20 fatias de pão de forma sem casca e picadas e processe
por 1 minuto. Acrescente 120 ml de leite, 8 ovos, 340 g de açúcar e 2 xícaras (chá) de
chocolate em pó e bata bem até formar um creme.
Numa fôrma de pudim, untada com manteiga, coloque metade do creme e salpique 50 g de
chocolate meio amargo picado. Coloque o restante do creme e a outra metade do chocolate
picado. Leve ao forno pré-aquecido a 180 graus em banho-maria por +/- 45 minutos.
CALDA DE CHOCOLATE
Numa panela coloque 1 xícara (chá) de açúcar, 1 xícara (chá) de chocolate em pó, 1
colher (sopa) de margarina e 1/2 xícara (chá) de leite e leve ao fogo brando mexendo
sempre até ferver (+/- 5 minutos). Retire do fogo e deixe esfriar.
Disponível em http://receitas.maisvoce.globo.com/. Acesso em 16/9/2014.

318 • capítulo 6
O texto anterior é um exemplo de texto injuntivo, pois se trata de receita culiná-
ria. É característica composicional desse tipo textual a existência de duas partes.
Na primeira, como o próprio nome sugere, estão presentes os ingredien-
tes necessários para que seja realizada a receita. Na segunda parte é descrito o
modo de preparo da receita, que tem o objetivo de levar o cozinheiro a produzir
o alimento com sucesso.
Como se observa nesse exemplo, essa descrição é comumente realizada de
forma instrucional, ou seja, o locutor se vale de estratégias linguístico-discur-
sivas para instruir o cozinheiro a conseguir realizar o preparo de forma ade-
quada. No referido exemplo, a estratégia utilizada foi o uso de verbos no modo
imperativo (coloque, acrescente, salpique, leve, retire, deixe).
O imperativo acima funciona como um modalizador de obrigatoriedade no
sentido em que indica que o interlocutor tem de obrigatoriamente realizar as
ações previstas pelo verbo, na ordem em que aparecem, para que o alimento
seja preparado adequadamente. Ele é usado para dar instruções claras para o
interlocutor a fim de que este atinja o objetivo esperado pelo locutor.

CURIOSIDADE
Em determinados tipos textuais, a presença desses elementos linguístico-discursivos é tão
necessária que se torna difícil a produção do texto sem a sua utilização. É o caso dos cha-
mados textos instrucionais (a exemplo dos manuais de instruções), em que a presença de
modalizadores de obrigatoriedade determina de que maneira o leitor deve proceder para
executar determinada tarefa.

RESUMO
A partir da modalização da linguagem, observa-se como há diferentes formas para se traba-
lhar os processos de produção de sentidos nos diversos tipos de textos.
Adquirir a capacidade de ler e produzir enunciados em que esses elementos modalizado-
res aparecem, expressando diferentes efeitos de sentido, é uma das habilidades que o aluno
precisa adquirir para ser competente linguisticamente.
Logo, faz-se necessário estudar esses elementos não somente no processo de análise
linguística, mas também no processo de leitura e produção textual.
Por fim, a modalização é indispensável para a construção de sentido em determinados

capítulo 6 • 319
tipos textuais e, em razão disso, o aluno tem que dar atenção a esse tema para que venha a
ler e produzir textos com competência.

Para evitar que a análise apresentada sobre um determinado assunto seja


facilmente contestada, basta eliminar do texto afirmações categóricas, muito
amplas ou genéricas. Para obtenção desse efeito, o uso adequado dos modali-
zadores é perfeito, pois devem-se usar termos que atenuam o sentido geral da
afirmação ou conclusão apresentada.
Seguem alguns modalizadores que devem ser utilizados nessas situações
comunicacionais, como:

Pronomes indefinidos (muitos, poucos, alguns);

Advérbios (quase sempre, talvez, muitas vezes, poucas vezes, frequentemente); deter-
minadas flexões de tempo e modo verbal (faria, obteria gostaria).

Há ainda os verbos auxiliares modais, como dever e poder, que expressam


possibilidade em determinados contextos de uso (Ele deve retornar hoje de via-
gem. Pode ser que a peça de teatro seja bastante interessante).

3  Resumo: definição e usos


Em diversas situações de fala ou escrita, costuma-se resumir a história de um filme
a que se assiste ou de um livro lido, uma notícia porque há a intenção de provocar
em nosso interlocutor o desejo de ler o livro, ou assistir ao filme, ou porque o resu-
mo de um livro ou texto pode ser um ponto de partida para outros estudos, citações.
O resumo pode apresentar-se de várias formas, conforme o objetivo a que
se destina. No sentido estrito, padrão, deve reproduzir as opiniões do autor do
texto original, a ordem como essas são apresentadas e as articulações lógicas
do texto, sem emitir comentários ou juízos de valor.
Dito de outro modo, resumir trata-se de reduzir o texto a uma fração da ex-
tensão original, mantendo sua estrutura e seus pontos essenciais.
Em qualquer tipo de resumo, entretanto, certos cuidados são indispensá-
veis: como buscar a essência do texto e manter-se fiel às ideias do autor.

320 • capítulo 6
Copiar partes do texto e fazer uma "colagem", sob a alegação de buscar fide-
lidade às ideias do autor não é permitido, pois o resumo deve ser o resultado de
um processo de "filtragem", uma (re)elaboração de quem resume. Se for con-
veniente utilizar excertos do original (para reforçar algum ponto de vista, por
exemplo), esses devem ser breves e estar identificados (autor e página).
É evidente que o grau de dificuldade para resumir um texto depende basica-
mente de dois fatores:

Da complexidade do próprio texto (vocabulário, estruturação sintático-semânti-


A ca, relações lógicas, o tipo de assunto tratado);

Da competência do leitor (grau de amadurecimento intelectual, o repertório de


B informações que possui, a familiaridade com os temas explorados)

EXEMPLO
A chinela turca pertence ao volume Papéis avulsos (ASSIS, 2005), sua primeira cole-
tânea de contos publicada em 1882, mas o conto mesmo apareceu, em 1875, no jornal
Época, sob pseudônimo de Manassés. Conta a história do jovem Duarte, que, em 1850, está
se preparando para um baile onde encontrará sua amada. É inesperadamente interrompi-
do em seus preparativos pela visita de uma personagem que havia decidido tornar-se um
grande dramaturgo. Sem aviso prévio, tal visita senta-se para ler um drama infindável sem
sentido, para desespero de Duarte, que vê o tempo passar e suas chances de um encontro
romântico se esvaírem.
De repente, o dramaturgo sai correndo sem nada dizer, mas Duarte percebe que é tarde
demais para ir ao baile. A campainha toca novamente e dois policiais surgem anunciando
sua prisão pelo roubo de duas valiosas chinelas turcas. Seu clamor de inocência parece
inútil e Duarte é levado preso. No caminho do distrito policial, entretanto, a carruagem para e
ele é levado a uma mansão enorme e caríssima, ricamente decorada com mobília arabesca.
O espaço lembra um labirinto com uma série de salas e portas que ele atravessa. Alguém
lhe diz que o roubo fora mero pretexto para ser levado ao local. Vê um padre passar, que o
cumprimenta e abençoa, enquanto sente a opressão de um pêndulo a bater constantemente
no recinto. Levado ao aposento principal, encontra o dono do imóvel, que anuncia que está
prestes a se casar com sua filha.

capítulo 6 • 321
Duarte protesta contra tal situação e lembra de sua amada. Surpreende-se com a chega-
da da filha do dono do imóvel, sua noiva. A linda figura surpreende-o, mas ele logo é avisado
de que deverá se casar, assinar um testamento e ser envenenado até a morte. O pai da noiva
fala de seu interesse pela fortuna de Duarte que, ao tentar se recusar a casar, é ameaçado
por um revólver, devendo escolher a melhor forma de morrer. O padre reaparece e cochi-
cha em seus ouvidos para fugir pela janela. Duarte corre pelos jardins desesperadamente e
entra em uma casa no meio do jardim, onde felizmente encontra o dramaturgo calmamente
sentado lendo sua obra. A história termina com a sensação de Duarte de que fora salvo pelo
dramaturgo que o impedira de ir ao baile naquela noite.
(ASSIS, M. de. Papéis avulsos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.)

Como se observa, o resumo apresentado sintetiza o conteúdo do conto ma-


chadiano e fornece informações acerca do enredo do conto, com o objetivo de
orientar o leitor em sua escolha.
Pelo resumo o leitor, de acordo com suas preferências de leitura e interesses
pessoais ou profissionais, pode decidir se lê esse conto ou não.
Verifica-se, então, que resumo é uma forma de condensar de maneira coe-
rente e compreensível as ideias e informações ou os fatos contidos em um texto
literário, científico, expositivo, jornalístico.
Resumir é assim reduzir o texto original ao essencial, sem destruir o conte-
údo. Para isso, ao resumir, deve-se captar as ideias essenciais do texto, conside-
rando a progressão em que as ideias se sucedem e se relacionam em cada uma
das partes e no texto como um todo.
Resumir um texto não é reproduzir frases ou partes integrais do texto origi-
nal, construindo uma espécie de colagem de suas ideias principais. Isso é frag-
mentar um texto, não resumi-lo. Em um resumo deve-se apresentar, com as pró-
prias palavras, com autonomia de linguagem, os pontos relevantes de um texto.
Fazer um resumo, portanto, requer técnica e significa elaborar um novo tex-
to. Assim, é impossível fazê-lo sem antes compreender o conteúdo global do
texto primitivo.

AUTOR
Joaquim Maria Machado de Assis, nascido em 1839, é considerado o maior
nome da literatura nacional. Foi poeta, cronista, dramaturgo, contista, folheti-
nista, jornalista e crítico literário. Sua obra constitui-se em nove romances e

322 • capítulo 6
peças teatrais, 200 contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos e mais de 600 crônicas.
Veio a falecer em 1908, aos 79 anos de idade.

QUESTÕES DE INTERESSE ÀS TICS

Ler integralmente o texto a ser resumido, do começo ao fim, tentando responder men-
talmente à pergunta do que trata o texto?

Ler uma segunda vez, interrompendo a leitura para compreender o significado de pa-
lavras que desconhece ou captar o sentido das frases mais longas ou complexas que
possuam inversões. Nessa leitura é preciso, ainda, estar atento à relação entre as fra-
ses, prestando atenção nas locuções adverbiais, como, em primeiro lugar, consequente-
mente, e nos elementos relacionais, isto é, aqueles que estabelecem as conexões entre
as ideias, como os conectores já que, entretanto, embora, no entanto.

Segmentar o texto em blocos de ideias que contenham alguma unidade de signifi-


cação. Desse modo, se for resumir um texto pequeno, pode segmentá-lo em pará-
grafos; se um capítulo do livro, ou um livro todo, deve-se procurar outros critérios de
segmentação, de acordo com o tipo de texto. Se for um romance, por exemplo, pode
segmentá-lo, colocando em oposição fatos, personagens, tempo. Ao terminar essa
etapa, resumem-se as ideias contidas em cada segmento, procurando-se empregar
palavras abstratas e abrangentes.

Redigir o resumo com palavras próprias, procurando não só reduzir ao essencial as


segmentações, mas também encadeá-las numa ordem em que as ideias se sucedem e
se relacionem em cada uma das partes e no texto como um todo.

Ao fazer o resumo, é possível eliminar palavras, expressões e até frases inteiras, quan-
do elas não forem necessárias à compreensão de outras partes do texto. Pode-se
também substituir palavras e expressões por outras equivalentes ou reduzi-las a um
termo que as inclua.

capítulo 6 • 323
RESUMO
O resumo tem por objetivo apresentar com fidelidade ideias ou fatos essenciais contidos
num texto. Sua elaboração é bastante complexa, já que envolve habilidades como leitura
competente, análise detalhada das ideias do autor, discriminação e hierarquização dessas
ideias e redação clara e objetiva do texto final.
Em contrapartida, dominar a técnica de fazer resumos é de grande utilidade para qual-
quer atividade intelectual que envolva seleção e apresentação de fatos, processos, ideias.

4  Resenha: definição e usos


Resenha é um texto que, além de resumir o objeto, faz uma avaliação sobre ele,
uma crítica, apontando os aspectos positivos e negativos. Trata-se, portanto, de
um texto de informação e de apreciação crítica.
A resenha, por ser em geral um resumo crítico, exige que o resenhista seja
alguém com conhecimentos na área, uma vez que avalia a obra, julgando-a cri-
ticamente.
O objetivo da resenha é divulgar objetos de consumo cultural - livros, filmes
peças de teatro, por isso a resenha é um texto de caráter efêmero, pois "envelhe-
ce" rapidamente, muito mais que outros textos de natureza opinativa.

EXEMPLO
Esta resenha procura mostrar a representação do sertanejo na obra Os Sertões de Euclides da
Cunha. O autor dividiu o seu livro em três partes: “A terra”, “O homem”, “A luta”. Na primeira parte,
faz uma abordagem sobre as condições de espaço físico em que os sertanejos sobreviviam,
na segunda, acerca das características e das representações em si do sertanejo e, na terceira,
narra com muita maestria crítica e engenho o desempenho de um povo sofrido, assim como
retrata a luta, mostra todas as expedições do Exército contra Canudos e a grande resistência
sertaneja, que em muitos ataques enfrentou o Exército apenas contando com a coragem.
Em Os Sertões, o autor desmistifica o modo de pensar daquela época que era a de
considerar apenas as pessoas de raça branca como representantes do povo brasileiro. Eu-
clides da Cunha ressaltou em sua obra a mistura de raças que havia no país e a importância
de valorizar esse fato para que o Brasil tivesse um povo real, pois os brancos, puros, sem

324 • capítulo 6
misturas de raças, já eram poucos e fadados a desaparecer, terminando assim com toda a
representação brasileira.
O autor em questão concordava com a tese de que a mistura de raças diferentes seria
prejudicial, mas admitia que os sertanejos conseguiram, mesmo assim, formar uma raça forte,
devido ao isolamento do deserto, o que fez com que a mestiçagem fosse uniforme.
Euclides da Cunha considerava sim que a mestiçagem enfraquecia as raças, mas era
inevitável. Para o autor, os mestiços do litoral eram degenerados e os sertanejos, atrasados,
retrógrados. Admitia, contudo, que, em se tratando de sertão, apenas o sertanejo é tão forte
e tem as características próprias para se adaptar à região e suportar o martírio da seca.
Somente ele, o sertanejo, conhece os caminhos sertanejos, a terra, suas plantas e animais,
conseguindo assim aliar-se a tudo isso e garantir a sua sobrevivência, mesmo que, muitas
vezes, passe o dia com apenas um copo d’água.
Essa realidade, segundo o autor, faz com que o sertanejo seja uma raça rude, sem perder
a serenidade.
CUNHA, E. Os Sertões. Rio de Janeiro: Record, 1998.

REFLEXÃO
Os Sertões é um livro brasileiro, escrito por Euclides da Cunha e publicado em 1902.Trata
da Guerra de Canudos (1896-1897), no interior da Bahia. Euclides da Cunha presenciou
uma parte desta guerra como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo. Pertence, ao
mesmo tempo, à prosa científica e à prosa artística. Pode ser entendido como uma obra de
Sociologia, Geografia, História ou crítica humana.

4.1  Técnica da resenha

A resenha não é um simples comentário. Trata-se de um trabalho científico


que pressupõe conhecimento do conjunto da obra e não apenas de um de seus
componentes (capítulos), leitura analítica, realização de anotações, maturida-
de intelectual, poder de síntese, capacidade crítica, objetividade, seriedade e
uso de linguagem culta e, por isto, deve seguir as seguintes orientações:
•  A estrutura de uma resenha associa informações, argumentos e juízos
de valor de modo a converter o leitor de que a opinião do autor sobre a obra
avaliada é justa.

capítulo 6 • 325
•  A preocupação com a contextualização é necessária, porque ajuda o lei-
tor a situar a obra no conjunto maior a que ela pertence. Esse procedimento é
essencial para que ele acompanhe os juízos de valor que são apresentados ao
longo do texto.
•  Pela mesma razão, as comparações são parte da estratégia argumentativa
e uma característica das resenhas críticas. Elas promovem o confronto entre a
obra que está sendo avaliada e outras (boas ou ruins), que passam a servir de
parâmetro para o juízo que está sendo formado.
•  O título representa o primeiro contato do leitor com a obra analisada e
deve informá-lo do tema da obra. A leitura já pode trazer algum juízo de valor.
A identificação do autor da resenha pode preceder o texto ou aparecer no final.
•  A resenha crítica não deve ser vista ou elaborada mediante um resumo a
que se acrescenta, ao final, uma avaliação ou crítica. A postura crítica deve estar
presente desde a primeira linha, resultando em um texto em que o resumo e a
voz crítica do resenhista se interpenetram.
•  No primeiro parágrafo, que é a introdução, apresenta-se o contexto no
qual a obra resenhada se insere. O autor da resenha também deve trazer nes-
te parágrafo as informações básicas (título, autor, editora, número de páginas,
preço, exemplares vendidos) sobre o livro que será analisado.
•  Dentre essas informações, merece atenção especial a descrição resumida
do conteúdo da obra e uma breve apresentação do autor do texto resenhado,
bem como explicitar também alguns dos seus juízos de valor.
•  O que se deve observar é que o parágrafo inicial costuma sempre trazer
uma contextualização do tema abordado, para que o leitor possa se “localizar”
e recuperar as informações de que já dispõe sobre o assunto.
•  A partir do segundo parágrafo começa o desenvolvimento do texto, em
que é construída uma cadeia argumentativa. As estratégias exploradas para
convencer o leitor da tese defendida pelo texto vão variar de autor para autor,
mas todos precisam organizar os argumentos de modo a sustentar sua análise.
•  Deve haver neste parágrafo uma expansão do contexto mais geral no qual
se insere o livro resenhado.
•  O autor do texto deve informar aos seus leitores outras obras semelhan-
tes, publicadas no Brasil, por exemplo. Esse tipo de comparação é comum
nas resenhas. Pode ser feito de duas formas, a saber: confrontando a obra
resenhada com outras do mesmo tipo, ou comparando diferentes obras de
um mesmo autor.

326 • capítulo 6
•  A informação sobre outras obras do mesmo tipo é utilizada como base
para a explicitação do juízo de valor.
•  No terceiro parágrafo, o autor deve concentra-se na análise do objeto da
resenha e parte de um breve resumo do enfoque que a obra dá para introduzir
mais alguns juízos de valor, agora voltados para a avaliação da obra resenhada.
•  Os juízos de valor procuram orientar o leitor sobre a qualidade da aborda-
gem da qualidade da obra.
•  É importante observar que as comparações feitas ao longo do texto têm valor
argumentativo, porque ajudam o resenhista a validar suas opiniões, fazendo com
que não pareçam juízos de valor, emitidos sem qualquer referência mais concreta.
•  Reitera-se que a avaliação crítica é a parte principal da resenha, pois é o mo-
mento em que o resenhista realiza uma apresentação crítica da obra, destacando
sua coerência interna, originalidade, contribuição científica, clareza na exposição
da ideia central e nos argumentos, êxito no objetivo proposto, avaliação da dispo-
sição de sua estrutura (capítulos), do método, da linguagem e do estilo utilizados.
•  No último parágrafo, apresenta-se a conclusão que deve ser uma reafir-
mação da avaliação feita sobre a obra resenhada.

ATENÇÃO
Juízo de valor é um conceito filosófico e refere-se a um julgamento que expressa uma apre-
ciação, uma avaliação ou uma interpretação acerca da realidade. Os juízos de valor se con-
trastam aos juízos de fato, que afirmam o que as coisas são, como são e por que são. Ao se
falar “Está um dia muito ensolarado”, está-se enunciando um acontecimento constatado por
todos, tratando-se, pois, de um juízo de fato. Se se dissesse “O dia está triste”, passa-se da
constatação à interpretação de um fato, porque este foi avaliado subjetivamente, ocorrendo,
portanto, um juízo de valor.

RESUMO
A resenha é um trabalho científico que objetiva apresentar uma obra, devidamente analisada
e criticada. Enquanto a resenha exige capacidade de análise crítica, o resumo, por possuir
a finalidade de difundir as principais ideias do autor de um determinado livro, artigo ou tese,
demanda apenas apresentação concisa de seu conteúdo.

capítulo 6 • 327
RESUMO
Nesta Unidade III, no Capítulo 5 – TIPOLOGIAS TEXTUAIS –, abordam-se os tipos tex-
tuais,como NARRAÇÃO, DESCRIÇÃO, DISSERTAÇÃO EXPOSITIVA, DISSERTAÇÃO-AR-
GUMENTATIVA, INJUNÇÃO, dialogando-os com a organização discursiva do texto, dentre
outros estudos linguísticos e textuais enfocados, como conhecimentos gramaticais, apre-
sentando-se criteriosamente as características predominantes emcada um deles. Foram
abordados textos de tipologia variada, analisados, mesmo em fragmentos, à procura também
da construção do significado e da organização de uma linha de raciocínio clara, coesa e coe-
rente. Assim como foram descritas estratégias textuais que, conscientizadas, darão ao aluno
oportunidade de progresso na escrita.
No Capítulo 6 – A LEITURA DO TEXTO E A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS – abor-
da-se o importante papel da leitura para o aprimoramento da escrita. Enfatiza-se que a
leitura consiste em perceber e compreender as relações existentes no mundo e que ler
é atribuir sentido ao texto, e também relacioná-lo com o contexto e com as experiências
vivenciadas pelo leitor.
Em relação à modalização da linguagem, estuda-se que os modalizadores atuam nos
textos provocando diferentes efeitos de sentido, tais como: um ponto de vista, um sentimento
ou um julgamento do locutor em relação ao enunciado. Percebe-se também que o locutor se
utiliza dessas marcas linguísticas para direcionar a forma como ele quer que o seu texto seja
lido pelo interlocutor.
Verifica-se também que a modalização é indispensável para a construção de sentido em
determinados tipos textuais.
Mostra-se a diferença entre resumo e resenha e aborda-se ainda que a resenha traz uma
caracterização resumida da obra analisada, apresentando, também, uma opinião sustentada
por comentários e avaliações críticas sobre sua qualidade, enquanto que o resumo tem por
objetivo apresentar com fidelidade ideias ou fatos essenciais contidos num texto, reduzindo
-o a uma fração da extensão original, mas mantendo sua estrutura e seus pontos essenciais,
ou seja, mantendo-se a essência do texto e a fidelidade às ideias do autor.

328 • capítulo 6
ATIVIDADE
Questões Objetivas
(UFF/2009)-Valsinha – Chico Buarque de Holanda e Vinicius de Moraes

“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.”

Questão 1
Identifique o comentário adequado sobre aspectos sintáticos, semânticos e discursivos do
texto “Valsinha”.
A)  Dentre as marcas verbais presentes na progressão do texto, há a predominância do pre-
térito perfeito para indicar fatos passados habituais, de ação mais curta.
B)  A progressão do texto se opera por modelo narrativo, em que o desenvolvimento dos
acontecimentos se dá por meio da repetição do conectivo “e” e das expressões de tempo
verbais e adverbiais.
C)  A presença frequente da ênclise no desenvolvimento do sentido de um encontro amoro-
so implica um registro informal da língua, próprio de uma canção.
D)  A gradação dos substantivos – praça, vizinhança, cidade, mundo – constrói um sentido de
crítica incompatível com as atitudes dos personagens envolvidos na história narrada.
E)  As diferentes marcas da relação de causa-consequência (tanto que/e) ocorrem ao longo
do texto, para explicitar a construção linguística do desencontro amoroso.

capítulo 6 • 329
Questão 2
Marque a afirmação CORRETA em relação ao texto abaixo:

"Senti tocar-me no ombro; era Lobo Neves. Encaramo-nos alguns instantes, mudos,
inconsoláveis. Indaguei de Virgília, depois ficamos a conversar uma meia hora. No fim
desse tempo, vieram trazer-lhe uma carta; ele leu-a, empalideceu muito e fechou-a com
a mão trêmula." (Machado de Assis, in.Memórias Póstumas de Brás Cubas)

A)  É texto dissertativo com alguns elementos descritivos.


B)  Não se trata de texto narrativo, pois não há personagens.
C)  É um texto descritivo, com alguns elementos narrativos.
D)  O texto não apresenta personagem-narrador.
E)  Trata-se de uma narração, sem nenhum traço dissertativo.

Questão 3
Qual a tipologia textual do trecho apresentado abaixo?

Dona Julieta chamou os filhos mais novos para uma conversa séria. Era uma manhã de
domingo, o dia estava claro e ensolarado. Pediu a eles que compreendessem a situação
do pai, que não tinha no momento condição de colocá-los em uma escola melhor.

A)  Dissertação subjetiva


B)  Descrição
C)  Narração com alguns traços descritivos
D)  Dissertação objetiva com alguns traços descritivos
E)  Narração com alguns traços dissertativos

330 • capítulo 6
Questões Discursivas
Proposta 1: Produção de Texto

“Na volta do cemitério, vovô subiu uma última vez ao sótão, só o tempo de tirar uma caixa de
sapatos que, ao descer, entregou a mamãe com algumas palavras de explicação. [...] Dentro
havia fotografias, cartões-postais, cartas, um broche e dois cadernos. A letra do mais estra-
gado deles, caprichada no começo ia piorando à medida que se viravam as páginas, até ficar
no fim quase ilegível, algumas notas arremessadas que se diluíam no branco das últimas
folhas virgens”. (ROUAUD,Jean. Os Campos de Honra. Rio de Janeiro: Record, 1996.)

O fragmento acima é parte histórica de uma família contada por um narrador que “vasculha” a
memória, buscando encontrar um sentido para a existência e decifrar um enigma cuja chave
pode estar guardada numa caixa escondida no sótão.
Continue a narrativa, elaborando um parágrafo narrativo, seguindo as seguintes instruções:

•  Sua história pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa.


•  O episódio narrado deverá estar centrado em pelo menos um dos objetos guardados na
caixa de sapatos (fotografias, cartões-postais, cartas, broche, dois cadernos).

Proposta 2 (Enade 2010): Produção de Texto


Em toda sociedade convivem gerações diversas, que se relacionam de formas distintas, exi-
gindo de todos o exercício contínuo de lidar com a diferença.

Texto 1

capítulo 6 • 331
Texto 2

As relações intergeracionais permitem a transformação e a reconstrução da tradição no es-


paço dos grupos sociais. A transmissão dos saberes não é linear; ambas as gerações pos-
suem sabedorias que podem ser desconhecidas para a outra geração, e a troca de saberes
possibilita vivenciar diversos modos de pensar, de agir e de sentir e, assim, renovar as opini-
ões e visões acerca do mundo e das pessoas. As gerações se renovam e se transformam
reciprocamente, em um movimento constante de construção e desconstrução. (Adaptado
de Diálogo intergeracional entre idosos e crianças. Rio de Janeiro. PUC-RJ, 2007, p 52.)

Leia os textos 1 e 2 acima e elabore sua NARRATIVA a partir do seguinte recorte temático:
“O convívio entre gerações tem lugar privilegiado no ambiente familiar.”

Instruções:
1.  Imagine uma personagem jovem que vai estudar em outra cidade e passa a morar com
os avós.
2.  Narre o(s) conflito(s) da personagem, dividida entre os sentimentos em relação aos avós
e as dificuldades de convívio com essa outra geração.
3.  Sua história pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa.

Proposta 3 ( Enade 2012): Produção de Texto

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como o uso de força física ou
poder, por ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou
comunidade, que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desen-
volvimento prejudicado ou privação. Essa definição agrega a intencionalidade à prática do
ato violento propriamente dito, desconsiderando o efeito produzido.
DAHLBERG, L. L.; KRUG, E. G. Violência: um problema global de saúde pública. Disponível
em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 18 jul. 2012 (adaptado).

332 • capítulo 6
A partir da análise das duas charges acima e da definição de violência formulada pela OMS,
redija um texto DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO a respeito da violência na atualidade. Em
sua abordagem, deverão ser contemplados os seguintes aspectos:
a)  tecnologia e violência;
b)  causas e consequências da violência na escola;
c)  proposta de solução para o problema da violência na escola.

GABARITO
Questões Objetivas
Questão 1: A
Questão 2: E
Questão 3: C

Questões Discursivas
Proposta 1
Espera-se que, o produtor de texto narre um acontecimento com coesão e coerência, centra-
do em um dos objetos guardados na caixa de sapatos, e que a memória do objeto escolhido
seja entendida como vínculo e convívio entre diferentes gerações. A narração pode ser feita
em primeira ou terceira pessoa.

capítulo 6 • 333
Proposta 2
Espera-se que o produtor de texto construa uma narrativa decorrente de uma rotina de con-
vivência entre a personagem jovem e seus avós, como: adaptação aos horários da nova casa
(refeições, hora de acordar e de dormir, hora de voltar para casa), necessidade de prestar
assistência em certas ocasiões, de lidar com os limites impostos à sua privacidade. O produ-
tor de texto deve mostrar que esse conflito pode envolver, por exemplo, a alternância entre
reações negativas e positivas, atitudes de revolta ou rejeição seguidas de momentos de
alegria e descontração; sentimento de culpa, entremeado de afeto; brigas e reconciliações
nascidas da dificuldade de lidar com outra geração.
Espera-se, finalmente, que, ao narrar tal(is) conflito(s), leve-se em consideração ques-
tões para as quais a coletânea aponta, tais como a descoberta do valor da experiência e
da memória como possibilidade de vínculo e convívio entre diferentes gerações, o conflito
gerado pelo despreparo para lidar ou conviver, de modo mais próximo, com as demandas
específicas de uma outra geração.
A narração deve ser feita em terceira pessoa.

Proposta 3
Deve-se redigir texto dissertativo-argumentativo, abordando os seguintes tópicos:
A – Comentários gerais a respeito da violência na atualidade, considerando o papel de tec-
nologias no estímulo ou combate à violência.
B – Aspectos relacionados à educação escolar e a violência, apontando suas causas e con-
sequências.
C – Ações/soluções para a violência na escola. Exemplos: atualização dos profissionais da
educação, conscientização da comunidade escolar sobre o assunto, desenvolvimento de po-
líticas públicas ligadas ao combate à violência.

334 • capítulo 6
LEITURA
Eni Orlandi
Possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara
(1964), mestrado em Lingüística pela Universidade de São Paulo (1970), doutorado em
Lingüística pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Paris/Vincennes(1976).
Eni Orlandi publicou e/ou organizou mais de 35 livros (entre edições e reedições), sem-
pre trabalhando com a teoria do discurso, aplicada a diversas áreas, como ensino, mídia,
história, religião entre outras. Em 2010, foi a representante do Governo Brasileiro como
Membro da COLIP em reunião em Portugal na CCPLP como Perito em Língua Portuguesa
junto ao Corpo Diplomático, assessorando diretamente a Delegação do Itamaraty, Presidên-
cia da República Federativa do Brasil.
Em 1993, venceu o prêmio Jabuti em Ciências Humanas, com o livro As Formas do Silêncio.

MULTIMÍDIA
Filme São Bernardo (1934),de Leon Hirszman.
A história de Paulo Honório, um homem simples que, movido por uma ambição sem limites,
acaba se transformando em um grande fazendeiro do sertão de Alagoas e casa-se com
Madalena para conseguir um herdeiro. Incapaz de entender a forma humanitária pela qual a
mulher vê o mundo, ele tenta anulá-la com seu autoritarismo. Com esta personagem, Graci-
liano Ramos traça o perfil da vida e do caráter de um homem rude e egoísta, do jogo de poder
e do vazio da solidão, em que não há espaço nem para a amizade, nem para o amor.

Filme "Os Sertões"


"Os Sertões", do dramaturgo Zé Celso Martinez, inspirado no livro homônimo de Euclides da
Cunha, que também já foi adaptado por aquele para o teatro.
Direção: Humberto Mauro
Sinopse: "A vida do grande escritor brasileiro, evocando a época em que viveu, sobretudo, a
Guerra de Canudos, tema de sua principal obra Os Sertões."

capítulo 6 • 335
ANOTAÇÕES

336 • capítulo 6

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