Portugues
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INSTRUMENTAL
autoras do original
MARIA TEREZA DE MOURA LEITE
VALQUIRIA DA CUNHA PALADINO
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
Conselho editorial solange moura, roberto paes e gladis linhares
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
isbn: 978-85-60923-29-8
cdd 469.5
Apresentação 7
Caro aluno,
7
pos de textos de maneira crítica, reflexiva e consciente, este livro contribui também
para enriquecer a sua compreensão não só em razão de um texto lido, mas também
da realidade, apontando-lhe formas concretas de participação social.
Para isso, oferecemos um grande número de fragmentos de textos (contos, crô-
nicas, romances), a fim de estimulá-lo também, ao hábito de ler e à prática da inter-
pretação e da produção textual. Aliado às normas gramaticais (sintaxe de regência e
de concordância, regras de ortografia e acentuação, emprego de pronomes, pontu-
ação), aspectos da linguística (coesão, coerência, fatores de textualidade) e à inter-
pretação de imagens e de textos, este livro oferece os recursos necessários para que
você produza textos adequados aos destinatários e aos objetivos de sua produção.
Esperamos, pois, que este livro, Português Instrumental, voltado para a produ-
ção e interpretação de textos, contribua não apenas para ampliar sua capacidade
de lidar com as dificuldades e as exigências da vida acadêmica, mas também para
prepará-lo a enfrentar os desafios do atual mercado de trabalho.
Finalmente, a utilização deste livro irá contribuir para que as aulas de Português
sejam momentos muito especiais e de resultados ainda mais satisfatórios a todos
os envolvidos no processo ensino-aprendizado.
Bons estudos!
8
UNIDADE I
Abordagem normativa
da língua
9
1
Aspectos da
escrita: ortografia,
acentuação e
pontuação
Chega mais perto e contempla as palavras
cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrde
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ
12 • capítulo 1
1.1 Regras para o uso de S, SS, Ç, SC, SÇ
capítulo 1 • 13
Adjetivos terminados em –oso, –osa:
3 Exemplos: gostoso, saboroso, luminoso, estudiosa.
14 • capítulo 1
Em algumas palavras, o fonema /S/ é representado pela letra X: exploração,
7 sintaxe, experiência, auxílio, extrovertido, exposição.
Nas palavras de origem tupi, africana, árabe: jiboia, jirau, jiló, jerimum, canjica,
2 manjericão, jerimum, pajé, canjica.
ATENÇÃO
Atenção à grafia das palavras obsessão e obcecado.
capítulo 1 • 15
CONCEITO
Dígrafo é o grupo de duas letras usado para representar um único fonema. Em português há
os seguintes dígrafos: RR, SS, NH, LH, SC, SÇ, XC, GU, QU.
ATENÇÃO
Não confundir com o travessão (—), usado:
a) quando se tem uma cadeia vocabular (linha Norte—Sul, rodovia Rio—São Paulo);
b) para abrir diálogos (Ela pediu: “— Por favor, ajude-me.”);
c) para separar ou destacar frases (O governo — disse o ministro da Educação — vai promo-
ver a reforma ortográfica).
16 • capítulo 1
Não se usa o hífen em compostos que apresentam elementos de ligação, como
pé de moleque, pé de vento, pai de todos, dia a dia, fim de semana, cor de
vinho, camisa de força, cara de pau, olho de sogra.
Incluem-se nesse caso os compostos de base oracional, como maria vai com
3 as outras, leva e traz, diz que diz, deus me livre, deus nos acuda, cor de burro
quando foge, bicho de sete cabeças, faz de conta.
ATENÇÃO
NÃO se usa o hífen, quando os compostos que designam espécies botânicas e zoológicas
são empregados fora de seu sentido original (sentido figurado). Observe a diferença de
sentido entre os pares:
• bico-de-papagaio (espécie de planta ornamental) — bico de papagaio (deformação nas
vértebras).
• olho-de-boi (espécie de peixe) – olho de boi (espécie de selo postal).
capítulo 1 • 17
Usa-se o hífen nas palavras compostas que não apresentam elementos de
ligação, como guarda-chuva, arco-íris, boa-fé, segunda-feira, mesa-redonda,
vaga-lume, joão-ninguém, porta-malas, porta-bandeira, pão-duro, bate-boca.
6
Contudo, NÃO se usa o hífen em certas palavras que perderam a noção de
composição, como girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas,
paraquedista, paraquedismo.
Nas formações com prefixo, usa-se o hífen quando o 1º elemento termina por
9 vogal igual à que inicia o 2º elemento: anti-ibérico, arqui-inimigo, auto-ônibus,
sobre-estimar, micro-ônibus, micro-ondas.
18 • capítulo 1
Os prefixos co, pro, pre e re (todos sem acento) em geral se aglutinam com o
2º elemento, mesmo quando iniciado por e ou o: coedição, coautor, coautoria,
preeleito, reeleito, reeleição, coabitar, coerdeiro, coerdar, preexistir, preen-
Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por vogal, sob, sub e prefixos termina-
dos em r (hiper, super e inter) e o segundo elemento começa por h: bio-histórico,
14 poli-hidrite, sub-hepático, sub-humano, super-homem. Mas palavras de uso
consagrado não mudam, como reidratar, reabilitar, reabituar, reabitar, reumani-
zar, reaver. São aceitas as formas carboidrato e carbo-hidrato.
Usa-se hífen quando o 1º elemento termina por b (ab, ob, sob, sub) ou d (ad)
e o 2º elemento começa por b ou r: sub-bélico, sub-rogar, ad-referendum,
sub-reitor, sub-reptil, sub-reptício, ab-rogar, ab-rupto (ou abrupto). Mas sem
15 hífen nos demais casos, como subalimentar, subestimar, subchefe, subdiretor,
subfaturar, subgrupo, subemprego, subdividir, submundo, suburbano, subpro-
curador, subliminar.
capítulo 1 • 19
NÃO se usa hífen com a palavra não com função prefixal: não violência, não
17 agressão, não comparecimento.
ATENÇÃO
Com mal, usa-se o hífen quando a palavra seguinte começar por vogal, h ou l, como em
mal-entendido, mal-estar, mal-humorado, mal-educado, mal-limpo.
Quando mal significa doença, usa-se o hífen, se não houver elemento de ligação, como em
mal-francês. Se houver elemento de ligação, escreve-se sem o hífen. Observe: mal de lázaro
(lepra), mal de sete dias (tétano umbilical ou tétano neonatal).
3 Emprego do porquê
Há quatro formas para o emprego do porquê, cada qual com um uso específico.
O mais importante é não se deixar enganar pela solução tradicional e superfi-
cial de saber “qual é o da pergunta e qual é o da resposta”.
Com as explicações a seguir, não há mais como ter dúvidas. Basta utili-
zá-las como referência de pesquisa sempre que empregar os porquês, para sa-
ber exatamente a distinção entre cada uma delas.
20 • capítulo 1
POR QUE (= POR QUAL MOTIVO)
A forma POR QUE pode ser identificada ao se substituir por “por qual motivo, por qual
razão”. Observe os exemplos:
ATENÇÃO
A forma POR QUE também pode ser simplesmente a preposição POR ao lado do pronome
relativo QUE, e, nesse caso, pode ser substituída, para efeito de confirmação, por “pelo qual”
e flexões.
• A transportadora por que os livros serão enviados definiu sua rota de entrega. (= pela qual)
CONCEITO
Caso surja, no final de uma frase, imediatamente antes de um ponto (final, de interrogação,
de exclamação) ou de reticências, a sequência deve ser grafada por quê, pois, devido à posi-
ção na frase, a palavra "que" passa a ser tônica.
E a forma porque é uma conjunção, equivalendo a pois, já que, uma vez que, como,
sendo geralmente utilizada em respostas, para explicação ou causa.
capítulo 1 • 21
POR QUÊ (= POR QUAL MOTIVO)
A forma POR QUÊ também significa “por qual motivo, por qual razão”. A diferença de
uso entre essa forma e POR QUE se dá pela observação da conclusão ou não da ideia
contida em POR QUE.
Repare o exemplo:
• Em breve, entenderemos por que tínhamos tantas dúvidas.
Ou, então:
• Antes, tínhamos tantas dúvidas; em breve, entenderemos por quê.
• Ele tem dúvidas. Por quê?
• Embora tenhamos entendido por quê, ainda não estávamos satisfeitos.
Exemplos:
• Ainda temos muitas dúvidas porque faltou aprendizado em uma fase mais madura
da vida.
• Porque ele não tem dúvidas todos não devem ter?
ATENÇÃO
Observe as duas frases:
• Sabemos porque fomos informados.
• Sabemos por que fomos informados.
22 • capítulo 1
No primeiro caso, o sentido é: “Sabemos, pois alguém nos informou.” Estamos apresentando
a causa de sabermos.
No segundo caso, o sentido é: “Sabemos por qual razão nos escolheram para receber a
informação.” Estamos dizendo o que sabemos, o complemento do verbo saber.
Observe:
• Esse porquê satisfez a todos.
• Vá pensando em um porquê para a sua falta.
• Ele sempre tem muitos porquês.
• Em breve, entenderemos o porquê de termos tantas dúvidas.
RESUMO
capítulo 1 • 23
Em frases afirmativas e em
PORQUE respostas.
Não fui à praia porque choveu.
BANDEIRA, Manuel
Fragmentos. (BANDEIRA, Manuel. Seleta em prosa e verso. Org.: Emanuel de Moraes.
4 ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1986. p. 19).
EXEMPLOS
Eu li o jornal “O Globo” hoje. (sujeito)
Ela trouxe o jornal “O Globo” para mim. (não é sujeito)
Entretanto, observe:
Ela trouxe o jornal “O Globo” para eu ler.
24 • capítulo 1
Nesse último caso, são duas orações. “Ela trouxe o jornal ‘O Globo’” é a oração principal e
“para eu ler” é oração reduzida de infinitivo (para que eu lesse).
Deve-se usar o pronome pessoal reto (eu), porque exerce a função de sujeito do verbo no
infinitivo (ler). Essa função só pode ser exercida pelos pronomes pessoais retos, nunca por
pronomes pessoais oblíquos, como é o caso do pronome mim.
RESUMO
A diferença entre para mim e para eu está na presença ou não de um verbo sempre no infi-
nitivo após o pronome. A regra é clara: para + eu + infinitivo.
• Este documento é para mim.
• Este documento é para eu escrever.
• O suco é para mim.
• O suco é para eu beber agora.
• Entregou a carta para mim.
• Entregou a carta para eu ler depois.
Portanto, sempre que houver um verbo no infinitivo, deve-se usar os pronomes pessoais
retos, qualquer que seja a preposição.
• Paulo fez isso por eu estar muito cansada.
• Lívia chegou antes de eu sair.
ATENÇÃO
No caso da expressão “entre mim e você”, tem-se a preposição entre antes, e não há verbo
após o pronome. Isso significa que se deve usar sempre o pronome pessoal oblíquo mim em
vez do pronome pessoal reto eu. Observe.
capítulo 1 • 25
5 Uso de acentos gráficos na escrita
Na Língua Portuguesa, todas as palavras de mais de uma sílaba têm sílabas pro-
nunciadas de forma mais acentuada – ou mais forte – do que as demais. A gramá-
tica classifica as palavras, de acordo com a sua tonicidade em oxítona, paroxíto-
nas e proparoxítonas. Também são considerados tônicos alguns monossílabos.
CONCEITO
As palavras oxítonas são aquelas em que a tonicidade está na última sílaba. As paroxítonas
são aquelas em que a tonicidade está na penúltima sílaba. Já as proparoxítonas são aquelas
em que a tonicidade está na penúltima sílaba. Monossílabos são palavras de uma só sílaba.
Também são considerados tônicos alguns monossílabos.
Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas nas vogais –a, –e, –o (seguidas ou não
de –S): sofá, bebês, pajé, cipó.
Acentuam-se as palavras oxítonas com mais de uma sílaba, terminadas em –em, –ens:
alguém, parabéns, amém.
Acentuam-se as palavras oxítonas terminadas em ditongo aberto e tônico –éi, –éu, –ói
(seguidas ou não de –S): véu, véus, anéis, céu, chapéus, herói, caubóis.
Os monossílabos tônicos seguem as regras das oxítonas terminadas nas vogais –a, –e,
–o (seguidas ou não de –S): pá, pés, pó, fé.
26 • capítulo 1
–i, –is, –us: júri, táxi, biquíni, grátis, bônus, Vênus
–l, –n, –r, –x, –ps: hábil, fóssil, abdômen, âmbar, córtex, bíceps, fórceps
–ã, –ãs, –ão, –ãos: irmã, irmãs, cidadão, cidadãos, irmão, irmãos, órfão, órfãos
EXEMPLOS
Cômoda, véspera, lívida, álibi, lâmpada, paralelepípedo.
CASOS ESPECIAIS
Nas palavras oxítonas e paroxítonas, acentuam-se o –i e o –u tônico dos hiatos quando
ocorrem sozinhos na sílaba ou seguidos de –S, como Piauí (Pi-au-í), baús (ba-ús), aí
(a-í), tuiuiús (tui-ui-ús) , juízes (ju-í-zes), saúde (sa-ú-de), balaústre (ba-la-ús-tre).
capítulo 1 • 27
5.4 Acentos Diferenciais
pôde (forma verbal de 3ª pessoa do singular, passado) e pode (forma verbal de terceira
pessoa do singular, presente).
ATENÇÃO
Em fôrma/forma, o acento circunflexo é facultativo.
Porquê (substantivo) e porque (conjunção).
Quê (substantivo, interjeição, pronome, quando ocorre no final do enunciado) e que (nas
demais funções e ocorrências).
CONCEITO
As palavras oxítonas são aquelas em que a tonicidade está na última sílaba; paroxítonas são
aquelas em que a tonicidade está na penúltima sílaba; as proparoxítonas são aquelas em
que a tonicidade está na antepenúltima sílaba. Monossílabos são palavras de uma só sílaba.
Alguns monossílabos são considerados tônicos.
ATENÇÃO
1. Não se usam mais os acentos gráficos nos ditongos abertos ei e oi das palavras paroxíto-
nas: ideia, boia, joia, boia (substantivo), boia (forma verbal), assembleia, apoia (forma verbal),
apoio (forma verbal). As únicas exceções são estas: gêiser, destróier, Méier.
28 • capítulo 1
2. O trema foi eliminado – aguentar, sequestro, bilíngue, tranquilo, cinquenta – e só será
usado nas palavras estrangeiras e em suas derivadas, como Müller, mülleriano; Bündchen.
3. Não são assinaladas com acento gráfico as formas verbais creem, deem, leem, veem e
seus derivados: descreem, desdeem, releem, reveem.
4. Também não recebe acento gráfico o penúltimo o do hiato –oo: voo, enjoo, entoo, perdoo,
povoo, zoo.
5. Não são assinaladas com acento gráfico as palavras homógrafas: para (verbo) e para
(preposição), pelo (substantivo) e pelo (verbo). Exceção: pôde (pretérito perfeito) e pôr
(verbo), polo (s).
6. Não são assinaladas com acento gráfico as palavras paroxítonas cujas vogais tônicas i e u
são precedidas de ditongo oral decrescente: baiuca, feiura, bocaiuva, assim como o u tônico
da forma rizotônica de arguir e redarguir: arguo, arguis, argui.
Essa regra é válida somente para palavras paroxítonas. Assim, continuam a ser acentu-
adas as palavras oxítonas terminados em éis e ói(s), como papéis, herói, heróis.
7. Verbos como aguar, apaziguar, averiguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir e afins
possuem dois paradigmas, a saber: com o u tônico em formas rizotônicas sem acento gráfico,
como averiguo, averigue; com o a ou o i dos radicais tônicos acentuados graficamente, como
averigúo, enxáguo.
Acentos diferenciais
capítulo 1 • 29
3. Permanecem os acentos que diferenciam o singular do plural dos verbos
ter e vir, assim como de seus derivados (manter, deter, reter, conter, convir, in-
tervir, advir). Observe:
Ele tem dois carros. / Eles têm dois carros.
Ele vem de Sorocaba. / Eles vêm de Sorocaba.
Ele mantém a palavra. / Eles mantêm a palavra.
Ele convém aos estudantes. / Eles convêm aos estudantes.
Ele detém o poder. / Eles detêm o poder.
Ele intervém em todas as aulas. / Eles intervêm em todas as aulas.
COMPRIMENTO CUMPRIMENTO
30 • capítulo 1
EXEMPLOS
Outros exemplos:
capítulo 1 • 31
IMINENTE – prestes a acontecer – está para LAÇO – nó que se desta sem esforço
acontecer LASSO – frouxo
ESPERTO – vivo, sagaz MANDATO – período de ação política
EXPERTO – experiente, perito MANDADO – ordem
ESTADA – permanência de pessoas PLEITO – disputa
ESTADIA – permanência de veículos PREITO – homenagem
ESPIAR – observar secretamente RATIFICAR – confirmar, não modificar
EXPIAR – pagar, redimir RETIFICAR – corrigir, alterar, modificar
ESPIRAR – respirar RECREAR – divertir
EXPIRAR – morrer RECRIAR – criar novamente
EMIGRAR – sair de determinado lugar RUÇO – difícil, grisalho, descolorido
IMIGRAR – entrar em determinado lugar RUSSO – originário da Rússia
FLAGRANTE– evidente SOAR – emitir som
FRAGRANTE – perfumado, aromático SUAR – transpirar
FLUIR – correr com abundância SEXTA – numeral
FRUIR – desfrutar, aproveitar CESTA – recipiente
FUZIL – arma de fogo SESTA – descanso após o almoço
FUSÍVEL – utilidade de se fundir SORTIDO – abastecido
FLAGRANTE – ocasião, evidente SURTIDO – efeito provocado
FRAGRANTE – perfume TRÁFEGO – trânsito de veículos em vias pú-
INCIPIENTE – inexperiente blicas
INSIPIENTE – ignorante TRÁFICO – comércio desonesto ou ilícito
INFLAÇÃO – desvalorização da moeda – inflar TERRAPLANAGEM – encher de terra até
INFRAÇÃO – violação da lei – desrespeito tornar plano
INTEMERADO – puro, íntegro TERRAPLENAGEM – encher de terra até
INTIMORADO – valente tornar pleno, cheio
INCERTO – que não é certo VIAJEM – verbo
INSERTO – inserido VIAGEM – substantivo
32 • capítulo 1
6.2 Palavras homônimas
MANGA
A palavra manga pode ser usada para definir um fruto, a parte da camisa em
que cobre os braços e no sentido de palavra originária do verbo mangar, que
significa zombaria, curtição.
As palavras homônimas podem ser:
CONCEITO
Homônimas homógrafas: palavras de mesma grafia e significado diferente.
Exemplos: jogo (substantivo) e jogo (verbo).
capítulo 1 • 33
Homônimas homófonas: palavras com mesmo som e grafia diferente.
Exemplos: cessão (ato de ceder), sessão (atividade), seção (setor).
MULTIMÍDIA
Para assistir
O filme “Caramuru a invenção do Brasil”, dirigido por Guel Arraes, trabalha as relações se-
mânticas, na sociedade, por meio de recursos audiovisuais. O filme traz trechos que expli-
citam essa relação do significado das palavras, suas definições e propriedades semânticas.
34 • capítulo 1
?o que você faria no meu lugar...
... se tivesse pr'aonde ir e não tivesse que esperar?
...o que você faria se estivesse no meu lugar...
... se tivesse que fugir e não pudesse escapar?
Você sempre soube que eu não conseguiria
Quando a frase acaba tarde, tudo fica pr'outro dia
Você sempre soube, eu não sabia
Toda tarde acaba em melancolia
MULTIMÍDIA
Para ouvir
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&-
co_obra=20722, acessado em 18 de abril de 2015
capítulo 1 • 35
7.1 Crase: como usar?
A) ARTIGO DEFINIDO:
B) PRONOME DEMONSTRATIVO:
EXEMPLOS
Observe os exemplos a seguir:
• Comprei um lote em Angra dos Reis a perder de vista.
• A reunião começará a partir das 10h.
36 • capítulo 1
• Maria Antônia começou a chorar.
• Paulo Elísio prefere sair a ficar em casa.
Se a compra é “a prazo”, deveria ser “a vista” sem o acento da crase, pois não
haveria o artigo feminino. Há autores, contudo, que defendem a crase para to-
das as locuções adverbiais femininas, incluindo aí o “à vista” e o “à venda”. Por
uma questão até de clareza: “Vender a vista sem o acento da crase” pode parecer
que se está vendendo o órgão – “o olho”.
Por essa razão, opta-se pelo uso do acento da crase para desfazer a ambigui-
dade. Sendo assim, muitos estudiosos defendem o uso do acento da crase para
todas as locuções adverbiais femininas, como:
Nos demais exemplos, vê-se também que não há crase, pois antes de verbos
jamais haverá artigo, apenas a preposição a.
EXEMPLOS
Leia novos exemplos a seguir:
Na frase “Eu estava contando à minha mãe o quanto somos semelhantes”, o uso do acento
da crase é facultativo, em razão do pronome possessivo “minha”.
Mas em “Disse à mamãe que estudaria bastante hoje” ocorre, obrigatoriamente, o fenômeno
da crase porque o verbo “dizer” exige a preposição a e o substantivo “mamãe” admite o artigo
definido a.
Se disser, contudo, “Mamãe começou a rir da minha brincadeira” não se usa o acento da
crase, porque antes de verbo, como já dito, não há artigo.
capítulo 1 • 37
Observe este exemplo:
A verba não utilizada para a reforma deste monumento será revertida à entida-
des assistenciais.
O acento grave indicador da crase está incorreto, porque não existe crase,
apenas o uso da preposição a antes de uma palavra feminina no plural. Só ha-
veria o acento da crase se houvesse o artigo definido as: “... às Oficinas de Lei-
tura...”. Logo, não ocorre o fenômeno da crase quando o a estiver no singular,
seguido de palavra no plural.
ATENÇÃO
O acento grave, indicador de crase, é obrigatório diante de palavras femininas determinadas
pelos artigos definidos a ou as quando subordinadas a termos que exigem a preposição a.
Crase, portanto, não é acento, mas sim a fusão de duas vogais iguais.
A) A PREPOSIÇÃO A:
38 • capítulo 1
7.1.2 Emprego de à, à que, às que
Quando o a das expressões a que, as que for pronome demonstrativo, elas po-
dem vir regidas da preposição a, caso em que se usam as formas acentuadas
à que, às que. Se o a antes de que for apenas preposição, não levará o acento
grave indicativo da crase.
EXEMPLO
Não se referiu à que estava ao nosso lado. (à que = àquela que)
Os prêmios foram entregues às que discursavam. (às que = àquelas que)
A pessoa a que te referes não veio hoje. (a = preposição)
EXEMPLO
Refiro-me àquele fato.
Vou àquele cinema.
Não irás àquela festa.
Não dei importância àquilo.
Para haver crase é necessário, pois, que existam dois a. O primeiro a é pre-
posição, o segundo, como visto, pode ser: artigo definido (a/as), a vogal a inicial
dos pronomes demonstrativos aquele, aqueles, aquela, aquelas e aquilo, e a e as
quando pronomes demonstrativos.
ATENÇÃO
1. Embora os pronomes demonstrativos femininos a, as tenham a mesma forma dos artigos de-
finidos, não há que confundi-los, pois quando forem pronomes demonstrativos, virão acompanha-
dos de preposição, geralmente, de ou do e do pronome relativo que (oração subordinada adjetiva).
capítulo 1 • 39
2. O pronome indefinido outra(s), quando estiver empregado de modo determinado, referin-
do-se à restante de duas coisas, pessoas ou animais, precedido do artigo definido a:
“Paz e guerra, senhores, são duas ideias que se contrapõem naturalmente em nosso
espírito, como as expressões antagônicas uma à outra do bem e do mal”. (Rui Barbosa,
Antologia, 1955, 106.)
3. Pronomes indefinidos que admitem o artigo feminino, dando ensejo à crase:
Nas locuções prepositivas e adverbiais, só haverá o acento grave com palavras femini-
nas: à custa de, à procura de, à mercê de, à moda de.
40 • capítulo 1
A seguir, apresenta-se uma relação das locuções de uso mais frequente:
À una (=conjuntamente)
à espera de à espanhola
a uma só voz
Nas locuções à prestação, à máquina, à mão, à tinta, à faca, à chave, o acento grave
está condicionado ao sentido do contexto, pois nem sempre representa uma contração.
Usa-se como sinal esclarecedor do sentido da frase: cheirar a gasolina e cheirar à ga-
solina / receber a bala e receber à bala / matar a fome e matar à fome...
capítulo 1 • 41
7.1.4 Casos inaceitáveis
Por não haver artigo definido a/as, é impossível ocorrer crase, nos casos a seguir:
ANTES DE VERBOS
42 • capítulo 1
ANTES DE PRONOMES PESSOAIS
Antes da palavra Dona (que se abrevia D.), o emprego do artigo é facultativo. Isso signi-
fica que poderá ocorrer ou não o uso do acento grave.
capítulo 1 • 43
ANTES DE QUALQUER NOME FEMININO TOMADO EM SENTIDO
GENÉRICO OU INDETERMINADO, ISTO É, SEM ARTIGO DEFINIDO
44 • capítulo 1
7.1.5 Casos especiais
Não se usa crase antes da palavra casa no sentido de lar, domicílio, quando ela
não vem acompanhada de adjetivo ou locução adjetiva que a caracterize:
Quando a palavra casa não significa lar, domicílio, e sim estabelecimento comercial, hos-
pitalar, residência oficial de chefe de Estado, dinastia, torna-se obrigatório o uso da crase.
Como a palavra terra, no sentido de terra firme, chão (em oposição a bordo,
a mar), não recebe artigo definido, não haverá crase:
capítulo 1 • 45
b) Pronomes possessivos
O uso do artigo antes dos pronomes possessivos fica a critério de quem escreve.
Daí a possibilidade de ser facultativo o emprego da crase.
c) Numerais
46 • capítulo 1
Observação: Usa-se, porém, o acento grave nas locuções adverbiais que exprimem hora
determinada e nos casos em que o numeral estiver precedido de artigo, pois há crase.
d) Palavras masculinas
e) Nomes próprios
capítulo 1 • 47
• Mandamos um convite à (ou a) Antonella.
• Escrevi à (ou a) Solange.
• Entreguei a carta à (ou a) Maria Teresa.
Observação: Haverá crase quando o nome próprio admitir o artigo ou vier acompanhado
de adjetivo ou locução adjetiva.
• Fomos à Bahia.
• Chegamos à Argentina.
• Referiu-se à Roma dos Césares.
• Cheguei à histórica Ouro Preto.
48 • capítulo 1
RESUMO
Há ocorrência da crase:
• Quando se pode trocar o a por ao;
• Antes da palavra casa, quando especificada;
• Antes da palavra terra — no sentido de “terra natal” (no sentido de chão não haverá crase);
• Antes da palavra distância — só quando determinada;
• Diante de palavra feminina subentendida — ocorrendo troca de a por ao;
• Antes de aquele, aquela, aquilo trocados por ao;
• Antes de localidade, na troca de a por da ou na, e ainda para a.
Crase é facultativa
• Antes de pronome possessivo (minha, sua);
• Antes de nomes próprios femininos.
MULTIMÍDIA
Para assistir
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&-
co_obra=20722, acessado em 18 de abril de 2015
capítulo 1 • 49
8 Os sinais de pontuação no português
50 • capítulo 1
mental para que o efeito do sentido se faça coerentemente compreensível:
“Pontuar bem é ter visão clara da estrutura do pensamento e da frase”. “Pon-
tuar bem é governar as rédeas da frase”. “Pontuar bem é ter ordem no pen-
sar e na expressão”.
Para estudar a pontuação da Língua Portuguesa, é importante observar a
organização mais usual das sentenças. Geralmente, os enunciados seguem cer-
ta sequência – chamada ordem direta –, que se inicia com o sujeito, seguido
de verbo, de complementos e, finalmente, de expressões adverbiais (sujeito +
verbo + o restante).
Segundo Bechara (1999, p. 581-582), dentre os casos de colocação usual ou
normal (ordem direta), em português sobressaem-se os seguintes:
capítulo 1 • 51
8.1 Uso dos sinais de pontuação
8.1.1 A vírgula
A vírgula serve apenas para separar os termos de uma oração ou as orações de
um período assim como os elementos frasais deslocados. A ordem normal dos
termos na frase é sujeito + verbo + complemento (o restante). Quando há uma
frase nessa ordem, não se separam seus termos imediatos.
Ressalta-se que não pode haver vírgula entre o sujeito e o verbo, e o verbo e
o seu complemento, nem entre o nome e seu complemento nominal.
As palavras em sua posição natural não precisam de vírgula, ou seja, não se
coloca vírgula entre sujeito e verbo, entre verbo e complementos – desde que
atendam ao requisito da sequência natural sem intercalações ou deslocamentos.
O preceito básico é usar a vírgula somente onde haja uma quebra da estru-
tura lógica da frase, porque a vírgula marca justamente um deslocamento de
palavras ou orações da sua ordem normal, ou uma quebra, uma interrupção do
pensamento, que é o caso das duas vírgulas que marcam as intercalações.
Emprego da vírgula
Utiliza-se a vírgula nos casos descritos a seguir.
52 • capítulo 1
3. Quando os sujeitos forem diferentes ou quando o e aparecer repetido.
Toda inserção na frase básica deve ser indicada ao leitor por meio de algu-
ma forma de pontuação; portanto, no caso de intercalações, devem-se usar vír-
gulas, travessões, parênteses ou colchetes, sinais esses que marcam uma espé-
cie de gradação natural, dando mais rapidez e organização à leitura.
Maria Antônia deu a todos os seus primos um presente no Dia das Crianças; ao seu
irmão, apenas um beijo.
O ministro afirmou, aliás, que não haverá aumento de impostos durante o seu governo.
Neste caso, como se vê, além dos componentes básicos da frase – sujeito,
verbo, objeto direto, objeto indireto e adjunto adverbial –, há outros elementos,
geralmente, com função persuasiva, que são adicionados depois que a frase bá-
sica está completa e que, portanto, sempre virão separados por vírgulas.
capítulo 1 • 53
7. Para separar os elementos paralelos de um provérbio.
O vocativo é o único termo isolado dentro da oração, pois não se liga ao ver-
bo nem ao nome; portanto, não faz parte do sujeito nem do predicado. A função
do vocativo é chamar ou interpelar o elemento a que se está dirigindo.
O vocativo é sempre marcado por sinal de pontuação (vírgula ou entre vírgulas).
54 • capítulo 1
12. Para separar ou intercalar apostos:
Vitória, capital do Espírito Santo, é uma ilha que possui belas praias.
CONCEITO
Aposto
O aposto é um termo que amplia, explica, desenvolve ou resume o conteúdo de outro termo.
Nem sempre o aposto é separado do termo a que se refere por vírgulas; podem ser utilizados
também travessões ou dois pontos.
O promotor fez sua proposta: que você passe a trabalhar em obras sociais. (Oração subordi-
nada substantiva apositiva)
A obra de Euclides da Cunha — sobretudo Os Sertões — entrou para a História. (aposto)
13. O aposto especificativo, diferentemente dos demais tipos, não pode vir
marcado por sinais de pontuação (dois pontos, travessões ou vírgulas).
14. O conector pois pode ser inserido na frase de duas formas, e isso acar-
retará classificações distintas. Quando vier no início da oração que introduz
será antecedido de vírgula (explicativo); mas se estiver deslocado, virá sempre
entre vírgulas (conclusivo), equivalente, nesse caso, a portanto:
capítulo 1 • 55
8.1.2 O ponto e vírgula
a) Um traz água pura, fonte de vida; o outro leva embora dejetos pútridos.
b) Assim, os livros ficam proibidos; a população, mais ignorante; os editores, cautelosos
na seleção do que publicar.
a) Era incrível a variedade dos adornos; contudo, a pessoa não gostou de nenhum.
b) As doses eram diminutas; tinham, portanto, de aguardar longo prazo pelo efeito.
c) A natureza das relações sociais constitui a base do desenvolvimento das capacida-
des humanas; logo, das qualificações.
d) Mas a curiosidade por Roma é eterna; por isso a vanguarda da arqueologia mudou.
Há feitos, porém, que têm curso normal no período de férias, isto é, processam-se duran-
te as férias e não se suspendem, como os demais pela superveniência delas. Acham-se
eles enumerados pelo artigo 174 do Código de Processo Civil e são os seguintes:
56 • capítulo 1
Em linhas gerais, quando os itens enumerados forem relativamente sim-
ples, as vírgulas serão suficientes para separá-los; mas se houver frases com-
pletas ou elementos simples misturados com apostos, em uma estrutura mais
complexa, o ponto e vírgula é mais aconselhável para tornar clara a divisão.
Os convidados da festa que já chegaram são estes: Júlia, Renata, Paulo e Antônio.
Observação: São os dois pontos o sinal de pontuação preferível após o vocativo que
encabeça ou inicia uma carta, requerimento, ofício (quando menos por motivos estéti-
cos, já que acaba uma linha, e a seguinte começa com inicial maiúscula), embora muitos
empreguem vírgula, ponto de exclamação, ponto, ou mesmo dispensem qualquer sinal:
Caros amigos:
Prezados Senhores:
Senhor Diretor:
capítulo 1 • 57
8.1.4 O ponto final
O ponto simples final serve para encerrar períodos que terminem por qualquer
tipo de oração que não seja a interrogativa direta, a exclamativa e as reticências.
É empregado, ainda, para acompanhar muitas palavras abreviadas. Com frequ-
ência, aproxima-se das funções do ponto e vírgula e do travessão, que, às vezes,
aparecem em seu lugar.
“Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar
amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado”.
(A carteira, Machado de Assis)
D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios.
Não contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de
prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou
duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música
alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava com indi-
zível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política.”
58 • capítulo 1
8.1.6 O ponto de exclamação
a) Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora e uma voz que bradava:
“Missa do Galo! Missa do Galo!” (Machado de Assis)
b) – Viva o meu príncipe! Sim, senhor... Eis aqui um comedouro muito compreensível e
muito repousante, Jacinto!
– Então janta, homem! (Eça de Queiroz)
3. Algumas vezes aparece nas exclamações que contêm certo tom interrogativo:
capítulo 1 • 59
Enquanto a interrogação conclusa final de enunciado requer maiúscula
inicial da palavra seguinte, a interrogação interna, quase sempre fictícia, não
exige essa inicial maiúscula da palavra seguinte:
8.1.8 As reticências
60 • capítulo 1
São empregadas para:
“– D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...” (Missa do Galo, Machado de Assis)
“– De barbeiro? A senhora nunca foi à casa de barbeiro...” (Missa do Galo, Machado de Assis)
8.1.9 As aspas
capítulo 1 • 61
“[...] O voltarete, o dominó e o ‘whist’ são remédios aprovados. O ‘whist’ tem até a rara
vantagem de acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspecção.
Não digo o mesmo da natação, da equitação e da ginástica, embora elas façam re-
pousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fazem repousar, restituem-lhe as forças
e a atividade perdidas. O bilhar é excelente”. (Teoria do Medalhão, Machado de Assis)
8.1.10 Os parênteses
“Um gaiato anônimo, que sempre os há, comentou (e a piada se espalhou pela cida-
de) que só faltavam ao arranjo floral alguns cravos-de-defunto”.
8.1.11 O travessão
Não pode ser confundido com o hífen, já que é um traço maior. Pode também
funcionar como um importante recurso expressivo, no caso de se querer dar
ênfase a certa expressão ou palavra especial. É o sinal do diálogo.
Dos sinais de pontuação, o travessão é um dos mais requisitados atualmen-
te, pelo fato de proporcionar mais clareza do que as vírgulas nas intercalações
longas e maior ênfase nos destaques. Travessões substituem e são substituíveis
por dois pontos, parênteses ou duas vírgulas, dependendo do caso.
Emprega-se um só travessão:
62 • capítulo 1
“— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas,
pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida,
porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não
atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra.”
(Quincas Borba, Machado de Assis)
RESUMO
A pontuação aparece sempre em posições que indicam fronteiras sintático-semânticas; aliás,
é principalmente para isso que ela serve, ou seja, para separar termos deslocados, evitando
sentidos confusos, incoerentes e ambiguidades.
capítulo 1 • 63
Devem-se usar também as palavras no seu sentido denotativo, respeitan-
do as acepções registradas em nossos dicionários, evitando-se palavras em
sentido figurado.
Não se pode confundir simplicidade com vulgarismo, logo palavras e ex-
pressões populares ou chulas são inadequadas ao texto escrito.
Além disso, devem-se explicitar com clareza os elementos centrais do texto.
A presença de passagens ambíguas frequentemente provoca dificuldades
de compreensão de um texto e deve ser evitada.
A interpretação ambígua pode ser desencadeada pelo uso de uma palavra
que não permite identificação precisa de seu referente no texto. É o caso, por
exemplo, do uso indevido do pronome relativo. Não é incomum o resultado de
um mau uso desse pronome gerar interpretações problemáticas.
Assim como, deve-se evitar também a construção de orações intercaladas,
porque alongam a frase e separam palavras que se complementam, dificultan-
do o entendimento do texto.
As intercalações aceitáveis são sempre curtas e esclarecedoras, como neste
exemplo: A crise financeira internacional, que já demitiu milhares de trabalha-
dores em todo o mundo, perde força.
CONCEITO
Sentido literal (ou denotativo)
É o significado referencial, “básico” das palavras, expressões e enunciados da língua.
Ambiguidade
É a indeterminação de sentido que certas palavras ou expressões apresentam, dificultando
a compreensão do enunciado.
64 • capítulo 1
9.1.1 • Ordem direta: sujeito + verbo + o restante
Em nome da clareza, deve-se fazer uso da ordem direta, ou seja, o sujeito deve
ser colocado antes do predicado e a oração principal antes da subordinada,
pois as informações mais importantes devem vir no início da frase.
Deve-se priorizar a construção da voz ativa porque ela dinamiza, acelera a
leitura, facilitando mais a compreensão, diferentemente do que ocorre na voz
da passiva, que alonga o texto e dificulta o entendimento.
Observe: “Governo anuncia pacote de medidas” (voz ativa) e “Pacote de me-
didas é anunciado pelo Governo” (voz passiva). É perfeitamente perceptível a
clareza e a dinamicidade dada ao enunciado no primeiro exemplo.
Construir uma frase invertendo a posição natural dos termos não é erro,
mas dificulta a leitura. Logo, se hoje o objetivo principal é a clareza da frase
ou do enunciado, é preferível o uso de frases curtas, em ordem direta (sujeito +
verbo + o restante).
CONCEITO
Voz passiva
É a estrutura sintática em que o sujeito é o paciente do processo expresso pelo verbo, ou
melhor, em que esse sujeito sintático sofre a ação verbal.
Agente da passiva
É o termo que exprime, nas estruturas da voz passiva analítica, o agente da ação verbal, so-
frida pelo sujeito da oração.
Os períodos curtos são mais fáceis de ler e não cansam, enquanto o perío-
do longo é exaustivo e complicado. Alguns períodos, de tão longos se tornam
capítulo 1 • 65
ininteligíveis. O leitor tem que reler, voltando atrás para entender a ideia cen-
tral do texto, o que pode fazê-lo desistir da leitura.
9.2 Concisão
Ser conciso é dizer o necessário com o mínimo de palavras. É ser objetivo e direto.
Concisão é, pois, antônimo de prolixidade (escrever o desnecessário)
Em nome da concisão, deve-se evitar: repetição de palavras, redundâncias e
o desnecessário.
A concisão consiste em apresentar um texto que consegue transmitir um
máximo de informações com um mínimo de palavras. Ser conciso, no entanto,
não significa que se vá eliminar passagens substanciais do texto, no intuito de
reduzi-lo em tamanho.
Trata-se, exclusivamente, de evitar os circunlóquios ou perífrases, as pala-
vras inúteis, redundâncias ou pleonasmos, passagens que nada acrescentam
ao que já foi dito.
Alguns pleonasmos são considerados, inclusive, vícios de linguagem,
por isso devem ser evitados, pois representam má qualidade na escrita. Eles
ocorrem sempre que a ideia repetida informa uma obviedade e não desempe-
nha qualquer função expressiva no enunciado. Exemplos comuns de pleonas-
mo viciosos são as expressões subir para cima, descer para baixo, entrar para
dentro, sair para fora, ser o principal protagonista, evidências concretas.
Acrescenta-se, ainda, que se devem priorizar sempre as palavras com o
menor número possível de sílabas em busca de um texto mais enxuto, conciso.
O estilo deve ser o mais objetivo possível (impessoal), evitando-se o
subjetivismo (marcas pessoais) e tudo o que possa dificultar a progressão do
pensamento.
Analise este exemplo:
“É uma triste realidade – tradicional e costumeira – que a diversão popular (e ela abran-
ge várias modalidades circunscritas a épocas ou regiões diversas) geralmente é ofe-
recida ao povo (podemos remontar à Roma Antiga), visando não ao objetivo precípuo
da diversão – dar lazer a quem dele necessite –, mas sim visando a uma alienação dos
seres pensantes em relação à situação política vigente, a fim de que eles não pensem
na fome, na miséria e na injustiça, suas companheiras de infortúnio e dor. ”
66 • capítulo 1
Percebe-se que o texto acima é prolixo, trazendo muitas informações desne-
cessárias, dificultando o entendimento textual. A prolixidade é uma caracterís-
tica muito negativa no texto escrito, deve, pois, ser evitada.
Apresentando apenas as informações essenciais, o parágrafo poderia ser
reescrito da seguinte forma: “A diversão oferecida ao povo visa, em geral, à alie-
nação política.”
capítulo 1 • 67
9.3.3 Adequação aos interlocutores
Há, nesse critério, quatro tipos de seleção vocabular: quanto à atividade pro-
fissional, com o uso dos jargões; quanto à imagem social de um dos interlocu-
tores, ou seja, um chefe de Estado se expressa como o que se espera de alguém
que ocupa tal cargo; quanto à idade, com o uso de vocábulos modernos (lumi-
nária) ou antigos (abajur), ou quanto à origem dos interlocutores, com empre-
go do vocábulo regional (piá – criança).
É relevante, para esse critério, a correção não só ortográfica, mas também se-
mântica, respeitando os significados dicionarizados.
68 • capítulo 1
se há relação de antonímia – entrar/sair;
CURIOSIDADE
A linguagem falada não é um elemento fixo e imutável. Ao contrário, reflete mudanças do
meio social. Vem se transformando por meio dos tempos e – o mais notável – pode mudar,
dentro de uma mesma época, de acordo com as circunstâncias sociais.
MULTIMÍDIA
Para ler e ouvir
Ouça e leia agora o texto Antigamente, de Carlos Drummond de Andrade, que viveu no
século XX (1902-1987), neste site: http://dominiopublico.mec.gov.br/pesquisa/DetalheO-
braForm.do?select_action=&co_obra=86732
capítulo 1 • 69
depois da janta, faziam o quilo, saindo pra tomar a fresca; e também tomavam cautela
de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao
cinematógrafo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam andar de aeroplano; os quais,
de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira
que dessem com os burros n’água.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. “Antigamente”. In: Seleta em prosa e verso. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1971. p. 3)
RESUMO
Um texto coeso, coerente, conciso, correto linguisticamente e com uma boa seleção de pala-
vras é, em geral, elegante. E a elegância de um texto escrito não está em seu rebuscamento
ou dimensão, mas em sua simplicidade, adequação vocabular e nas demais qualidades da
comunicação escrita aqui estudadas.
REFLEXÃO
E-mail
O correio eletrônico e-mail, por seu baixo custo e celeridade, transformou-se na principal for-
ma de comunicação para transmissão de documentos. O e-mail institucional já é considerado
como documento comprobatório, por essa razão deve-se também ficar atento à formalidade,
nesse tipo de comunicação, fazendo uso adequado das normas gramaticais, da modalização
da linguagem e do uso adequado dos pronomes pessoais de tratamento, não se esquecendo,
em momento algum, da obrigatoriedade do uso da modalidade culta da língua.
70 • capítulo 1
LEITURA
O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry I06
O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Sanit-Exupéry, já foi traduzido em mais de 200
línguas diferentes
O Pequeno Príncipe foi escrito e ilustrado por Antoine de Saint-Exupéry um ano antes de sua
morte, em 1944. Piloto de avião, durante a Segunda Grande Guerra, o autor se fez o narrador
da história, que começa com uma aventura vivida no deserto depois de uma pane no meio do
Saara. Certa manhã, é acordado pelo Pequeno Príncipe, que lhe pede: "Desenha-me um car-
neiro"? É aí que começa o relato das fantasias de uma criança como as outras, que questiona
as coisas mais simples da vida com pureza e ingenuidade.
O principezinho havia deixado seu pequeno planeta, onde vivia apenas com uma rosa vaidosa
e orgulhosa. Em suas andanças pela galáxia, conheceu uma série de personagens inusitados
– talvez não tão inusitados para as crianças! O pequeno príncipe é uma obra aparentemente
simples, mas, apenas aparentemente. É profunda e contém todo o pensamento e a "filosofia"
de Saint-Exupéry.
O pequeno príncipe vivia sozinho em um planeta do tamanho de uma casa que tinha três
vulcões, dois ativos e um extinto. Tinha também uma flor, uma formosa flor de grande beleza
e igual orgulho. Foi o orgulho da rosa que arruinou a tranquilidade do mundo do pequeno
príncipe e o levou a começar uma viagem que o trouxe finalmente à Terra, onde encontrou
diversos personagens a partir dos quais conseguiu descobrir o segredo do que é realmente
importante na vida.
É uma obra que nos mostra uma profunda mudança de valores, que ensina como nos equi-
vocamos na avaliação das coisas e das pessoas que nos rodeiam e como esses julgamentos
nos levam à solidão. Nós nos entregamos a nossas preocupações diárias, nos tornamos
adultos de forma definitiva e esquecemos a criança que fomos.
capítulo 1 • 71
CONEXÃO
Manual de Redação da Presidência da República de 2002.
Disponível neste site: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais-manual-
de-redacao-da-presidencia-da-republica, acessado em 11/9/2014.
72 • capítulo 1
2
Sintaxe de
concordância:
articulação dos
termos da oração
1 Introdução os estudo da sintaxe: frase,
oração e período
Sintaxe é a parte da Gramática que estuda a palavra, não em si, mas em relação
às outras que com ela se unem, para exprimir o pensamento. A sintaxe, ao dis-
ciplinar as relações entre as palavras, contribui de modo fundamental para a
clareza da exposição e para a ordenação das ideias.
A sintaxe pode ser definida como o conjunto das regras que determinam as
diferentes possibilidades de associação das palavras da língua para a formação
dos enunciados. É função da sintaxe organizar a estrutura das unidades linguís-
ticas que se combinarão em sentenças.
A sintaxe considera a oração ou proposição como um todo, e as palavras que
a constituem como termos essenciais ou secundários da proposição. O que, em
análise morfológica, é substantivo, como termo de oração é sujeito ou objeto; o
que lá se classifica como verbo, por denotar ação ou estado, na oração faz papel
de predicado; o que em um caso se denomina adjetivo, no outro, atendendo à
função oracional, é o predicativo (atributo).
A sintaxe examina, assim, a estrutura do período, divide e classifica as ora-
ções que o constituem e reconhece a função sintática dos termos de cada oração.
Frase é todo enunciado capaz de transmitir, a quem ouve ou lê, tudo o que se
pensa, quer ou sente. Pode revestir as mais variadas formas, desde a simples
palavra até o período mais complexo, elaborado segundo os padrões sintáticos
do idioma.
74 • capítulo 2
Exemplificando:
Socorro!
Sentinela, alerta!
Que horror!
As luzes da cidade estavam apagadas.
capítulo 2 • 75
Na oração, as palavras estão relacionadas entre si como partes de um conjun-
to harmônico, pois elas são os termos ou as unidades sintáticas da oração. Cada
termo da oração desempenha uma função sintática. Observe este exemplo:
EXEMPLO
O jardineiro podou as roseiras
SUJEITO PREDICADO
CONCEITO
Sujeito
O sujeito é o termo com o qual o verbo da oração concorda em número (singular ou plural)
e pessoa (1ª, 2ª, 3ª).
Predicado
Predicado é o termo da oração que faz uma predicação, isto é, uma afirmação sobre o sujeito.
No caso das orações sem sujeito, a predicação é feita genericamente. O núcleo do predicado
pode ser um verbo, um nome, ou pode ser constituído de um verbo e de um nome.
76 • capítulo 2
de-se que nem mesmo o sujeito é um constituinte imprescindível da oração e,
por conseguinte, da relação predicativa, pois há aqui sujeito inexistente.
De acordo com sua importância, os termos da oração se dizem essenciais,
integrantes e acessórios.
Os termos integrantes têm a função de complementar o sentido de determi-
nados verbos e nomes. São eles: o objeto direto e o objeto indireto (complemen-
tos verbais), o complemento nominal e o agente da passiva.
Os termos acessórios modificam ou especificam outros termos, não sendo
fundamentais para a estrutura sintática das orações. São eles: o adjunto adno-
minal, o adjunto adverbial e o aposto. Sua ocorrência nas orações se justifica
por razões de ordem semântica e discursiva.
Portanto, a oração é um enunciado linguístico que apresenta uma estrutura
caracterizada, sintaticamente, pela presença obrigatória de um predicado. O
predicado é introduzido, na oração, por um verbo.
Por esse motivo se diz que toda oração precisa ter um verbo.
A frase diferencia-se, basicamente, da oração por ser constituída de sujeito
(podendo não estar em nível oracional) e predicado (obrigatório), além de inú-
meros termos e também orações.
Sintaticamente, a oração é todo enunciado construído em torno de um verbo.
Embora não haja oração sem verbo, não basta simplesmente ter verbo para ser
oração, é imprescindível que as palavras estejam relacionadas e façam sentido.
1.1.3 Período
A Gramática normativa prevê ainda outro tipo de unidade sintática que é o pe-
ríodo. O período é um enunciado de sentido completo, constituído por uma
ou mais orações. O início e o fim do período são marcados, na fala, pelo uso de
uma entoação característica e, na escrita, pelo uso de uma pontuação específi-
ca, que delimita sua extensão.
O enunciado ou período é tudo aquilo que é dito ou escrito. É uma sequên-
cia de palavras de uma língua que costuma ser delimitada por marcas formais:
na fala, pela entoação; na escrita, pela pontuação. O enunciado está sempre as-
sociado ao contexto em que é produzido.
Assim, toda a manifestação da linguagem com vistas à comunicação com
nossos semelhantes constrói-se com uma sequência de unidades linguísticas
delimitadas que se dá o nome de enunciado ou período.
capítulo 2 • 77
Tipos de períodos
O período pode ser simples (uma única oração) ou composto (mais de uma oração).
No período simples “A menina comprou uma linda boneca.” há apenas uma ora-
ção e ela é classificada como oração absoluta.
Ao se estudar a sintaxe do período composto, identifica-se o tipo de relação
(de coordenação ou de subordinação) que se estabelece entre as orações no in-
terior do período; investiga-se a natureza da relação semântica que se estabele-
ce entre as orações; e, quando o período é composto por subordinação, procu-
ra-se identificar a que termos equivalem as orações subordinadas na estrutura
da oração principal e que função elas exercem em relação a essa oração.
78 • capítulo 2
2 Sintaxe de concordância nominal e verbal
O conteúdo aqui apresentado sobre Sintaxe de Concordância Nominal e Verbal
faz parte de noções mais fundamentais que podem ser levadas aos alunos que
pretendem conhecer, por meio da análise sintática, a estrutura da frase, surgin-
do naturalmente conceitos como sujeito, predicado e complementos, fazendo
com que o falante perceba que essas denominações denunciam relações de fe-
nômenos sintáticos no universo da oração e do discurso.
Ao construir orações, o falante conta com a liberdade de seleção dos vocá-
bulos com que elas se vão constituir; entretanto não pode modificar a estrutura
em que eles se combinam no intercâmbio das ideias. As estruturas oracionais
obedecem a certos modelos formais que podem não ser coincidentes de uma
língua para outra, e que constituem os padrões estruturais.
As estruturas oracionais ou construções sintáticas apresentam seus proces-
sos característicos que são:
capítulo 2 • 79
2.1 Sintaxe de concordância nominal
↓ ↓ ↓ ↓ ↓
ADJETIVO REFERIDO
ATENÇÃO
Os adjetivos, os pronomes adjetivos, os artigos, os numerais e os particípios concordam em
gênero e número com o núcleo do sintagma nominal que determinam, isto é, flexionam-se
em gênero e número, acompanhando as flexões do elemento substantivo (substantivo, pro-
nome ou numeral substantivo) a que se referem.
Sintagmas são unidades mínimas entre as quais se estabelecem uma relação de determi-
nação. Em uma relação sintagmática, um dos elementos modifica ou determina o outro, es-
80 • capítulo 2
pecificando-o de alguma maneira. Em “menina levada”, o elemento determinado é “menina”,
pois é o que sofre modificação, já “levada” é o elemento determinante, isto é, que modifica o
outro termo do sintagma.
Os sintagmas nominais têm por núcleo um substantivo, e os sintagmas verbais são os que
têm por núcleo um verbo (“comprei” flores).
Os substantivos são núcleos dos sintagmas nominais, funcionando, como: sujeitos, objetos
diretos, indiretos, predicativos do sujeito, predicativos do objeto, complementos nominais, ad-
juntos adnominais, adjuntos adverbiais, agentes da passiva, apostos, vocativos.
CONCEITO
Complemento nominal é o substantivo ou o pronome substantivo preposicionado que com-
pleta o sentido de um substantivo, adjetivo ou de um advérbio que tenha base nominal.
EXEMPLO
Tenho necessidade de atividades físicas.
REGRA GERAL
O adjetivo concorda em gênero e número com o substantivo mais próximo, ou seja, com
o primeiro deles.
capítulo 2 • 81
• Vivia em tranquilos bosques e montanhas.
• Vivia em tranquilas montanhas e bosques.
• Tinha por ela alta admiração e respeito.
82 • capítulo 2
• Maria Antônia comprou dois vestidos e um chapéu escuros.
• Maria Antônia comprou dois vestidos e um chapéu escuro.
CASOS GERAIS
capítulo 2 • 83
3 Um substantivo masculino e um feminino → adjetivo masculino plural
EXEMPLOS
1. Cansados ficaram o pai e o filho.
2. Cansadas ficaram a mãe e a filha.
3. Cansados ficaram o pai e a mãe.
PREDICATIVO DO OBJETO
PREDICATIVO DO SUJEITO
PREDICATIVO DO SUJEITO
84 • capítulo 2
2ª) Se o sujeito for representado por um pronome de tratamento, a concor-
dância do predicativo será feita com o sexo da pessoa referida:
generoso
Vossa alteza é
generosa
3ª) Se o adjetivo predicativo estiver ligado a sujeito que exprime ideia genéri-
ca, mantém-se na forma invariável:
CONDOMÍNIO PRIVATIVO
PROIBIDO ENTRADA DE
PESSOAS ESTRANHAS
5ª) É importante observar que um único substantivo pode ser modificado por dois
ou mais adjetivos. Nesse caso, o substantivo irá para o plural ou ficará no singular:
capítulo 2 • 85
Observe, também, a concordância dos numerais adjetivos:
Observação: Quando o adjetivo vem posposto aos substantivos e funciona como pre-
dicativo, vai para o plural.
86 • capítulo 2
B) QUANDO O ADJETIVO VEM ANTEPOSTO AOS SUBSTANTIVOS,
CONCORDA, POR NORMA, COM O ELEMENTO MAIS PRÓXIMO.
O substantivo vai para o plural e não se repete o artigo antes de cada adjetivo.
B • O produto conquistou os mercados europeu e americano.
capítulo 2 • 87
São adjetivos – portanto variáveis – quando se referem a substantivos.
• Havia bastantes razões para confiarmos em Paulo.
B • Venceram as melhores propostas.
Estão, nesse caso, palavras como pouco, muito, bastante, barato, caro, meio, longe.
ATENÇÃO
Na expressão muito obrigado, o particípio é usado com valor adjetivo, razão por que deve
concordar em gênero e número com o sexo da pessoa que fala. Logo, se o agradecimento
parte de uma mulher, a expressão deve assumir a forma feminina; se parte de um homem,
deve assumir a forma masculina.
Crime de lesa-pátria.
Eu estou quite com meus credores.
Elas mesmas falaram.
88 • capítulo 2
11ª) Só – sós / a sós
Só, quando equivale a somente, é palavra denotativa de exclusão e invariável;
quando equivale a sozinho, é adjetivo e variável.
• Ternos gelo.
• Calças creme.
• Blusas rosa.
• Luvas areia.
capítulo 2 • 89
CASOS PARTICULARES
PALAVRA PARTICULARIDADE NORMA EXEMPLOS
a) Precedido de
São casas o
o mais, o menor,
Fica no singular melhor possível
o melhor, o pior,
localizada
quanto.
1) Possível
b) Precedido
Eram as mais
de os mais, os
Vai para o plural belas cidades
menores, os me-
possíveis.
lhores, os piores.
Em anexo
Precedido da
3) Anexo Fica invariável seguem os docu-
preposição em.
mentos.
Quaisquer so-
Concorda com
luções, entre as
5) Qualquer substantivo a que
cogitadas, com-
se refere
plicam o caso.
90 • capítulo 2
a) Substantivo
Não é permitido
em sentido inde- Adjetivo no mas-
entrada nesse
terminado (sem culino (neutro)
recinto.
artigo)
6) Permitido
b) Substantivo
Adjetivo con- Só é permitida a
com sentido de-
corda com o entrada a funcio-
terminado (com
substantivo nários.
artigo)
7) Meio
Andava meio
b) Advérbio
Invariável aborrecida com
(= parcialmente)
os amigos.
a) Adjetivo (refe-
Estavam caros
rido a substan- Variável
os ovos.
tivo)
8) Barato e Caro
a) Pronome
adjetivo indefi- Tenho bastantes
nido (= muitos), Variável amigos, feliz-
referido a subs- mente.
tantivo.
9) Bastante
b) Advérbio (=
muito), referido Estavam bastante
Invariável
a adjetivo ou a alegres, na festa.
verbo.
capítulo 2 • 91
a) Adjetivo Remeto-lhe a
Variável
(= anexo) conta junta.
10) Junto
b) Advérbio Junto, segue a
Invariável
(= juntamente) carta.
Concorda com o
Cometeu crime
12) Leso substantivo a que
de lesa-pátria.
se refere
Concorda com
Estamos quites
14) Quite Significa livre aquele a que se
com o colégio.
refere
Ela é pseudo-ad-
15) Pseudo,
São palavras ministradora. Por
Alerta, Salvo,
invariáveis isso, fiquemos
Exceto
sempre alerta.
92 • capítulo 2
ATENÇÃO
Caso os substantivos, a serem modificados por um adjetivo no plural, sejam de gêneros dife-
rentes, a concordância será feita no masculino plural.
Os adjetivos podem ir para o plural ou concordar em número com o substantivo mais próximo
se houver uma sequência de substantivos no singular cujo encadeamento construa uma
ideia de gradação:
• Os noivos foram tomados por uma emoção, de uma alegria, de um entusiasmo contagian-
tes ao final da cerimônia religiosa.
• Os noivos foram tomados por uma emoção, de uma alegria, de um entusiasmo contagiante
ao final da cerimônia religiosa.
RESUMO
A concordância nominal se baseia na relação entre um substantivo (ou pronome, ou numeral
substantivo) e as palavras que a ele se ligam para caracterizá-lo, como artigos, adjetivos,
pronomes adjetivos, numerais adjetivos e particípios.
capítulo 2 • 93
ATENÇÃO
O sujeito simples apresenta um único núcleo, enquanto o sujeito composto apresenta mais
de um núcleo.
Núcleo é o termo central de um sintagma (nominal ou verbal). Outro termo pode ser a ele
anexados e subordinados. Nos dois primeiros exemplos, cada sujeito apresenta um único
núcleo: paisagem, José. No terceiro, há dois núcleos: rebanho e pastores.
No último exemplo, tem-se sujeito oculto ou elíptico (Nós). Esse tipo de sujeito é aquele que,
embora não venha explicitado na oração, pode ser identificado pela flexão número pessoal do
verbo ou pela sua presença em outra oração do mesmo período ou de um período antecedente.
Oração sem sujeito (ou sujeito inexistente) é aquela que apresenta um verbo impessoal, não
se referindo a nenhuma pessoa do discurso, não se admitindo, pois, sujeito: No verão, anoi-
tece mais tarde. (Anoitece- verbo impessoal).
Verbos impessoais são os que indicam fenômeno da natureza, como: chover, nevar, relam-
pejar, trovejar.
94 • capítulo 2
• Pai e filho conversaram longamente.
• Pais e filhos devem conversar com frequência.
capítulo 2 • 95
4 Particularidades da concordância verbal
1ª. Sujeitos resumidos por um pronome indefinido (aposto resumitivo) – ver-
bo no singular, pois o verbo concorda com este pronome e não com o sujeito.
• Pontes, viadutos, túneis, nada disso é prioritário em uma cidade como São Paulo.
• Filmes, teatros, novelas, amigos, nada o tirava de sua apatia.
• Bombons, balas, pastéis, tudo era devorado pelas crianças.
2ª. As expressões um e outro e nem um nem outras seguidas ou não por subs-
tantivo singular, verbo no singular ou plural; porém a preferência atual é pelo
singular.
3ª. Quando o sujeito é constituído por expressão partitiva, como a maioria de,
a maior parte de, grande parte de, parte de, uma porção de, o grosso de, o res-
to de, metade de e equivalentes e um substantivo ou pronome plural, o verbo
pode ir para o singular (concordando com o núcleo do sujeito) ou no plural
(concordando com o nome plural posposto ao partitivo).
Observação:
Verbo no singular – quando se quer destacar o conjunto como unidade.
Verbo no plural - para evidenciar os vários elementos que compõem o todo.
96 • capítulo 2
4ª. Não só... mas também; tanto... quanto; tanto... como – verbo no singular
ou plural, ambas as construções são corretas, embora seja preferível o plural.
• É um homem excelente, e tanto Bianca como Eleonora o estimam muito, a seu modo.
• Qualquer um se persuadirá de que não só a nação, mas também o príncipe estariam
pobres.
• Tanto um como outro se ocupavam em comercializar.
capítulo 2 • 97
pessoal preposicionado — "de nós" — o verbo pode concordar com a 3ª pessoa
do plural — "preferem" ou, então, com o pronome pessoal "nós"— Alguns de
nós “preferimos” [...].
9ª. Com – verbo no plural; a não ser que se atribua a ação a uma só persona-
gem; nesse caso, verbo no singular.
• Nem o pai nem o filho será eleito governador. (Nenhum dos dois: exclusão)
• Nem o pai nem o avô telefonavam. (O fato expresso pelo verbo pode ser atribuído a
todos os sujeitos)
• Fui devagar, mas o pé ou o espelho traiu-me. (O fato expresso pelo verbo só pode ser
atribuído a um dos sujeitos)
11ª. Se os sujeitos ligados por ou ou por nem não são da mesma pessoa, isto
é, se entre eles há algum expresso por pronome da 1ª ou da 2ª pessoa, o verbo
irá normalmente para o plural e para a pessoa que tiver predominância.
• Ou ela ou eu havemos de abandonar para sempre esta casa; e isso, hoje mesmo.
• Nem tu nem eu soubemos ser nós uma única vez.
98 • capítulo 2
12ª. Ou – se houver exclusão, verbo no singular; se participação, verbo no plural.
13ª. Se o sujeito for interceptado por ou, com ideia de retificação de núme-
rogramatical, o verbo concordará com o mais próximo e, também, ficará no
singularse a conjunção indicar identidade ou equivalência.
15ª.Os nomes de lugar, e também os títulos de obras, que têm forma de plural
são tratados como singular, se não vierem acompanhados de artigo.
capítulo 2 • 99
• Os Lusíadas imortalizou Camões.
• Os Sertões narram a luta de Canudos.
18ª. Pronomes de tratamento (Vossa Excelência, Vossa Alteza, Você etc.) exi-
gem o verbo na 3ª pessoa do singular.
Observação:
Vossa Excelência – deve ser usado quando nos dirigimos à pessoa.
Sua Excelência – deve ser usado quando falamos a respeito da pessoa.
100 • capítulo 2
• Sou eu que decido.
• Fomos nós que o denunciamos.
• Fui eu quem pagou a conta.
• Fui eu quem paguei a conta.
20ª. Quando não houver o pronome que, o verbo deverá, obrigatoriamente, con-
cordar com o núcleo do sujeito (= pronome que está antes da preposição de.)
• Um terço compareceu.
• Dois terços compareceram.
capítulo 2 • 101
24ª. Com especificador plural, o verbo deve concordar com a percentagem.
26ª. Com as expressões cerca de, perto de, por volta de, em torno de, mais de,
menos de, o verbo deve concordar com o substantivo (= núcleo do sujeito).
27ª. Quando os sujeitos são dois ou mais infinitivos, o verbo fica no singular.
102 • capítulo 2
• Oito anos sempre é alguma coisa.
• Trinta reais? Não será demais?
• Ao aparecer o dia, por quanto os olhos podiam alcançar, não se viam senão cadáveres.
• Não se viam mais que cadáveres.
capítulo 2 • 103
4.1 Concordância Ideológica
RESUMO
TIPO PARTICULARIDADE NORMA EXEMPLOS
104 • capítulo 2
V. Exª. sabe
que isso não é
4 – Forma de Do tipo V.S.ª.,Ex.ª., Verbo na 3ª
verdade. S.Sªs.
tratamento S. Ex.ª etc. pessoa.
estiveram aqui
ontem.
Mais de um
5 – Mais de, Verbo concorda ano se passou.
Com um subs-
menos de, perto com o substan- Menos de cem
tantivo
de, cerca de tivo. alunos vieram à
Universidade.
Sou eu quem
Verbo concorda faço.
7 – Sou eu
Verbo ser + com o pronome Sou eu quem faz.
quem, foste tu
pronome pessoal pessoal ou fica Somos nós quem
quem, seremos
+ quem na 3ª pessoa do fazemos.
nós quem
singular. Somos nós quem
faz.
Se o primeiro ele-
Quem de nós viu
mento estiver no
o pôr-do-sol?
singular, o verbo
Alguém dentre
Pronome ficará na 3ª pes-
8 – Quem de nós sairá mais
indefinido ou soa do singular.
nós, alguém cedo.
interrogativo + Se o primeiro ele-
dentre vós, quais Quais de nós
preposição de ou mento for plural,
de vós, vários viram (ou vimos)
dentre + prono- o verbo ficará na
dentre vós. o pôr-do-sol?
me pessoal. 3ª pessoa do plu-
Várias dentre vós
ral ou concordará
sairão (ou sai-
com o pronome
reis) mais cedo.
pessoal.
capítulo 2 • 105
Ela é uma
Verbo ficará na
Antecedido da das que mais
9 – Pronome 3ª pessoa do
expressão um impressiona (ou
relativo singular ou do
dos, uma das. impressionam)
plural.
os colegas.
Aquela é uma
Antecedido da
das peças de
expressão um Verbo fica, obri-
10 – Pronome Nélson Rodri-
dos, uma das, gatoriamente, no
relativo que gues que hoje
com ideia de singular.
se apresentará
seletividade.
neste teatro.
Os Estados
Se precedido de
Unidos exportam
11 – Nomes artigo plural, o
Antecedidos de produtos manu-
próprios locativos verbo irá para o
artigo plural, ou faturados.
ou intitulativos de plural. Não sendo
não. Minas Gerais
formas plurais assim, irá para o
progride intensa-
singular.
mente.
106 • capítulo 2
O fato expresso O mestre com o
pelo verbo pode Em função disso amigo visitaram
15 – Composto,
ser atribuído a o verbo irá para a Itália. A viúva,
com núcleos
todos os núcleos o plural ou para o com o resto da
ligados por com
ou a apenas um, singular. família, mudou-se
o primeiro. para Salvador.
Tanto um como o
17 – Composto, Normalmente o outro se ocupa-
Núcleos consi-
com núcleos verbo irá para vam do caso.
derados como
ligados por tanto, o plural (pode- Não só o pai,
termos que se
como, não só, se encontrar o mas também os
reforçam.
mas também. singular). avós resolveram
agir.
Um ou outro che-
Com expressão Verbo fica
19 – Um ou gará hoje.Um ou
substantiva ou normalmente no
outro outro aluno fará
adjetiva. singular.
o trabalho.
capítulo 2 • 107
Nem um nem ou-
Como expressão Verbo fica
20 – Nem um tro chegou. Nem
substantiva ou normalmente no
nem outro um nem outro rei
adjetiva. singular.
governou.
Maria ou Luana
será a eleita do
21 – Composto, Conjunção indica coração do rapaz.
Verbo fica no
com núcleos exclusão, ou A Glotologia ou
singular.
ligados por ou sinonímia. Linguística estuda
fatos da lingua-
gem humana.
O inverno ou
22 – Composto, Conjunção indica verão não me
Verbo fica no
com núcleos inclusão, ou incomodam. O
plural.
ligados por ou antonímia. amor ou o ódio
estão presentes.
Amores, ódios,
Seguido por
24 – Sujeito O verbo concor- paixões, tristezas,
aposto resumi-
Composto da com o aposto. tudo aconteceu
tivo.
com ele.
RESUMO
Em regra, o verbo concorda com o núcleo do sujeito em número e pessoa. Assim, deve-se ob-
servar os tipos de sujeitos existentes nas orações, em busca de uma perfeita concordância.
108 • capítulo 2
5 Concordância dos verbos fazer, haver, ser e dar
REGRAS ESPECIAIS
Verbos Impessoais
Os verbos impessoais são os que não possuem sujeito, ficando na terceira pessoa do
singular. São eles:
a) Os que denotam fenômeno da natureza: chover, nevar, ventar, gear, amanhecer,
entardecer, anoitecer, relampejar, trovejar.
• Choveu muito ontem.
Se o verbo fazer vier com um auxiliar, transfere sua impessoalidade a seu auxiliar.
capítulo 2 • 109
5.2 Concordância do verbo haver
• Há festas.
• Houve eleições.
• Havia razões.
• Haverá dúvidas.
110 • capítulo 2
• Existem festas.
• Existiram dúvidas.
• Existiam razões.
• Existirão eleições.
Se o verbo existir vier com um auxiliar, transfere sua pessoalidade para o seu
auxiliar.
• Há dias vi-o.
• Há pouco encontrei-o.
• Há segundos partiu.
• Há meses estudava inglês.
• A segundos partirás.
• A meses estudarei inglês.
• Mora a cem metros do colégio.
• Observação:
A expressão haja vista fica sempre invariável quando vier seguida de termo
singular ou preposicionada. Mas, quando o termo que acompanhar a expressão
estiver no plural, sem preposição, ela poderá ser flexionada. Observe:
capítulo 2 • 111
• Haja vista o nordestino.
• Haja vista o ideal.
• Hajam vista os nordestinos.
• Hajam vista os ideais.
Nas expressões bem haja, mal haja, o verbo haver tem sujeito com o qual
concorda.
ATENÇÃO
É erro grave usar o verbo ter em substituição a haver. O verbo ter reclama, sistematicamente,
a presença do sujeito.
112 • capítulo 2
Se não houver sujeito, o verbo concorda com o número de horas.
capítulo 2 • 113
• Quem são os alunos vencedores do Quiz.
• Que são substantivos coletivos?
• Isso são falares que se usem em sala de aula?
114 • capítulo 2
5.5 Concordância verbal: voz passiva
Leia o texto:
O gramático e o ferreiro
Foi assim com o ferreiro da esquina, em cujo portão de tenda uma tabuleta – “Ferra-se
cavalos” – escoicinhava a santa gramática.
– Amigo – disse-lhe pachorrentamente Aldrovando – natural a mim me parece que
erres, alarve que és.
Se erramparedros, nesta época de ouro da corrupção.
O ferreiro pôs de lado o malho e entreabriu a boca.
– Mas da boa sombra do teu focinho espero – continuou o apóstolo – que ouvidos me
darás. Naquela tábua um desleixo existe que seriamente à língua lusa ofende. Venho
pedir-te, em nome do asseio gramatical, que o expunjas.
–???
– Que reformes a tabuleta, digo.
– Reformar a tabuleta? Uma tabuleta nova, com a licença paga? Estará acaso rachada?
– Fisicamente, não. A racha é na sintaxe. Fogem ali os dizeres à sã gramaticalidade.
O honesto ferreiro não entendia nada de nada.
– Macacos me lambam se estou entendendo o que V. S.ª diz...
– Digo que está a forma verbal com eiva grave. O ferra-se tem que cair no plural, pois
que a forma é passiva e o sujeito é cavalos.
O ferreiro abriu o resto da boca.
– O sujeito sendo “cavalos” – continuou o mestre – a forma verbal é “ferram-se” – “fer-
ram-se cavalos”.
– Ah! – respondeu o ferreiro – começo agora a compreender.
Diz V. S.ª que...
–... que “ferra-se cavalos” é um solecismo horrendo e o certo é “ferram-se cavalos”.
– V. S.ª me perdoe, mas o sujeito que ferra os cavalos sou eu, e eu não sou plural. Aquele
“se” da tabuleta refere-se cá a este seu criado. É como quem diz: Serafim ferra cavalos
– Ferra Serafim cavalos. Para economizar tinta e tábua abreviaram o meu nome, e ficou
como está: Ferra Se (rafim) cavalos. Isto me explicou o pintor, e entendi-o muito bem.
(Negrinha - Monteiro Lobato. http://www.ideiacriativa.org/2012/01/livros-dominio
-publico-para-baixar.html)
capítulo 2 • 115
CONCEITO
Escoicinhava: tratar brutalmente, insultar.
Alarve: rústico, grosseiro, rude.
Paredros: mentor guia; bras. dirigente de clube esportista.
Expunjas: fazer desaparecer (uma escrita) para substituí-la por outra; apagar.
Aí não está escrito que “alguém vende estas duas casas”, mas que “estas
duas casas são vendidas”, ou seja, o sujeito não é o agente da ação verbal, mas o
paciente; o verbo não está na voz ativa, mas passiva. Eis por que concorda com
o sujeito da oração que lhe segue.
PARTÍCULA SUJEITO
APASSIVADORA PASSIVO
116 • capítulo 2
Na frase, a concordância está perfeita, pois não está escrito que “alguém
vende “votos”, mas sim que “votos são vendidos”, ou seja, o sujeito não é o
agente da ação verbal, mas o paciente; o verbo não está na voz ativa, mas passiva
pronominal ou sintética (se- pronome apassivador). Eis por que o verbo concor-
da com o sujeito da oração que lhe segue.
Assim, quando o verbo vier acompanhado de pronome apassivador se, con-
cordará em número e pessoa com o sujeito.
ATENÇÃO
Só o verbo transitivo direto (ou transitivo direto e indireto) admite a voz passiva. O verbo tran-
sitivo indireto ou intransitivo não passa para voz passiva. A partícula se junto a eles funciona
como índice de indeterminação do sujeito, e o verbo sempre fica na terceira pessoa do sin-
gular. Entretanto, atualmente, alguns verbos transitivos indiretos são usados na voz passiva e
aceitos pela Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB –, como: obedecer, assistir.
Essa oração está na voz ativa; alguém ou qualquer pessoa come bem no Chile.
capítulo 2 • 117
No Chile come-se bem
VERBO ÍNDICE DE
INDETERMINAÇÃO
DO SUJEITO
INTRANSITIVO
RESUMO
TIPO PARTICULARIDADE NORMA EXEMPLOS
A causa eram
Verbo pode
No geral, con- os seus projetos
2 – Com o verbo concordar com o
corda facultativa- eclesiásticos.
ser sujeito ou com o
mente. As causas era um
predicativo.
grande mistério.
118 • capítulo 2
São sete horas.
Verbo concorda
3 – Com o verbo Indicando hora, Hoje são 13 de
com o predica-
ser data ou distância. outubro.
tivo.
Hoje é dia 13.
Dois é pouco.Trin-
5 – Com o verbo Indicando medi- Verbo fica no ta quilos é muita
ser da, preço, peso. singular. coisa. Dez reais é
quase nada.
Vendem-se
Na voz passiva
casas.
sintética, com o O verbo concor-
Podem-se ler
6 – Passivo pronome apassi- da com o sujeito
vários livros.
vador se. Verbo paciente
Escutavam-se
transitivo direto.
rumores.
Com o pronome
indeterminador O verbo fica na Precisa-se de
7- Indeterminado do sujeito se. 3ª pessoa do empregados.
Verbo é transitivo singular. Vive-se bem aqui.
indireto.
Há fatos estra-
O verbo fica na
8 – Com o verbo Com o significa- nhos neste caso.
3ª pessoa do
haver do de existir. Houve muitos
singular.
apelos do público.
Indicando o
Há dez noites ele
tempo passado, Os verbos ficam
9 – Com o verbo vigia a casa.
os verbos são na 3ª pessoa do
haver e fazer Já faz três noites
impessoais, não singular.
que ele se foi.
têm sujeito.
capítulo 2 • 119
6 Sintaxe de colocação pronominal
O objetivo aqui é ensinar a colocação pronominal, a posição preferencial do
pronome oblíquo átono, no português do Brasil, e as regras que definem o uso
da ênclise, próclise e em que contexto deve ser usada a mesóclise.
Leia o exemplo a seguir:
• João comenta com Paulo que ambos devem massacrar José no jogo de futebol.
Repetem em uma única voz: “–Vamos massacrá-lo?” “– Vamos arrasar ele?
CURIOSIDADE
A gramática normativa recomenda que os pronomes oblíquos átonos o, a os, as, sejam usa-
dos quando na função sintática, a ser exercida pelos pronomes, for a de complemento verbal
— objeto direto. Em linguagem informal, contudo, no lugar dos pronomes o, a, os, as, são
empregados pronomes de 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas), conforme apresentado.
Pronomes são palavras que exercem papel fundamental nas interações verbais. São
eles que indicam as pessoas do discurso, expressam formas sociais de tratamento e
substituem, acompanham ou retomam palavras e orações já expressas. Contribuem,
assim, a clareza, a coerência e a coesão do texto.
120 • capítulo 2
6.1 Pronomes oblíquos átonos
capítulo 2 • 121
Percebe-se que, intencionalmente, Veríssimo criou o texto de forma humo-
rística, por meio de um contexto de uma conversa informal, para abordar a ques-
tão da colocação pronominal. Assim, quando um dos interlocutores do texto
afirma que o correto é “disseram-me” e não “me disseram”, está fazendo refe-
rência a uma das regras da gramática normativa para a colocação pronominal.
Há uma série de outras infrações gramaticais, além das de colocação prono-
minal, nesse texto, como: “Me disseram...”, “Vê se esquece-me”, “Matar-lhe-ei-
te”, dentre outros.
Leia, agora, o poema Pronominais, de Oswald de Andrade:
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.
ANDRADE, Oswald. Obras completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
122 • capítulo 2
CONCEITO
Intertextualidade
O termo intertextualidade fora proposto por Julia Kristeva (1979) a partir de uma franca
influência dos trabalhos realizados por Mikhail Bakhtin (1895-1975). A noção de Intertextu-
alidade, introduzida por Kristeva para o estudo da literatura, chamava atenção para o fato de
que a produtividade da escritura literária redistribui, dissemina textos anteriores em um texto
atual. Uma vez que todo texto literário apresenta como característica uma relação, implíci-
ta ou explicitamente marcada, com textos que lhe são anteriores, essa concepção permite
tomar o texto literário como o lugar do intertexto por excelência. “[...] todo texto se constrói
como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto” (KRIS-
TEVA, 1979, p. 68).
RETOS Função sujeito e predicativo. Poderão ser vocativos (no caso de tu e vós);
• quando, porém, está colocado depois do verbo e se liga a este por hífen
(pronome enclítico), a sua forma depende da terminação do verbo:
capítulo 2 • 123
Forma verbal terminada em vogal ou ditongo oral, emprega-se o, a, os, as:
A Louvo-o; Louvei-os.
ATENÇÃO
Infrações gramaticais
1) O uso indevido de um pronome pode gerar ambiguidade, como em:
Miguel disse a Paulo que ele chegaria primeiro.
2) Na fala vulgar e familiar do Brasil, é frequente o uso do pronome ele(s), ela(s) como
objeto direto em frases como “Vi ele” e “Encontrei ela”. O certo é “Vi-o” e “Encontrei-a”, pois
ambos os verbos são transitivos diretos, exigindo como complemento objeto direto. Portanto
é errado dizer também “Não lhe via há muito tempo”. O correto é “Não o via há muito tempo”.
(CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001)
124 • capítulo 2
Como a organização do aspecto rítmico dos enunciados é bem diferente
para as duas variedades do português, em Portugal, fatores produtivos da lín-
gua levaram ao uso sistemático do pronome oblíquo átono após o verbo, em
contexto em que, no Brasil, refere-se o emprego antes do verbo.
Quando o pronome oblíquo átono vem antes do verbo, diz-se que ocorreu uma
1 próclise pronominal.
Exemplo: Não se permitiam mulheres na política.
Quando o pronome oblíquo átono aparece após o verbo, diz-se que ocorreu uma
2 ênclise pronominal.
Exemplo: Justificou-nos a sua ausência à reunião.
Colocação pronominal
capítulo 2 • 125
6.1.1 Regras: colocação dos pronomes oblíquos átonos
Ênclise
O pronome oblíquo átono deve assumir uma posição enclítica (depois) ao ver-
bo nestes contextos:
Infinitivo impessoal:
B Vai acompanhar-me até o aeroporto?
Imperativo afirmativo:
C Deixe-o na gaveta do armário.
Próclise
Existem determinadas palavras da língua que atraem o pronome oblíquo áto-
no, obrigando o uso da próclise, por isso são consideradas “atratores” dos pro-
nomes pessoais oblíquos átonos e, nesses casos, esses pronomes devem ante-
ceder o verbo que complementam.
Recomenda-se o uso da próclise nos seguintes casos:
126 • capítulo 2
Em orações com o verbo precedido de advérbio, desde que não haja uma pausa
entre eles:
B Aqui me furtaram o pouco que consegui. Amanhã te procurarei para conver-
sarmos.
Pronomes relativos:
C A moça a que me referi é aquela.
Pronomes indefinidos:
D Alguém o traiu naquela história.
Em orações interrogativas:
H Quem me viu com você?
capítulo 2 • 127
Mesóclise
A gramática normativa recomenda o uso da mesóclise sempre que o verbo es-
tiver no futuro do presente ou no futuro do pretérito e não vier precedido por
uma das palavras que atraem os pronomes átonos, vistas acima quando se fa-
lou em palavras consideradas atratores, caso em que a próclise irá prevalecer.
Quanto ao uso da mesóclise, ressalta-se que essa colocação pronominal
está praticamente em desuso na língua, ficando hoje restrita somente a alguns
contextos formais de uso escrito da linguagem.
Observa-se frequentemente que, nas raras ocorrências de mesóclise na lin-
guagem coloquial, ela costuma ser utilizada para provocar um efeito de humor
ou de ironia, ou mesmo para criar uma imagem associada ao formalismo exces-
sivo e ao pedantismo.
Nos casos em que a próclise é obrigatória, o pronome fica proclítico, mes-
mo diante de verbo no futuro:
Locuções verbais
Nas locuções verbais, pode ocorrer próclise ou a ênclise em relação ao verbo
auxiliar ou ao verbo principal (expresso nas formas nominais).
• Essa ideia me foi surgindo como uma salvação. (antes do verbo auxiliar)
• A imagem dela vai-se delineando aos poucos. (depois do verbo auxiliar)
• Suas amigas estavam preparando-lhe uma festa surpresa. (depois do verbo principal)
128 • capítulo 2
Verbo auxiliar + particípio
Geralmente, o pronome oblíquo átono é empregado no meio da locução verbal.
É raro aparecer antes da locução verbal.
ATENÇÃO
Esta regra vale para todas as locuções verbais formadas por verbo auxiliar + forma nominal
(gerúndio, infinitivo ou particípio): quando se verificar algum dos casos que determinam a
próclise, o pronome fica antes do verbo auxiliar.
Nossa mãe não nos deixava ir ao clube sozinhas. (não — expressão negativa)
RESUMO
Esta Unidade I estrutura-se em dois capítulos. O Capítulo 1 trata dos conceitos básicos da
gramática, como regras de acentuação gráfica e ortografia, uso do hífen, parônimos, homô-
nimos, uso do porquê, emprego dos sinais de pontuação, qualidades da comunicação escrita
(clareza, concisão, adequação vocabular e correção gramatical).
capítulo 2 • 129
ATIVIDADE
Questões objetivas
1. (IBMEC - SP-2007) Leia os enunciados a seguir:
I. Especialistas atribuem o alto número de casos de anorexia, em parte, à ________ cultural
por ________
II. A ________ de agentes da Polícia Federal teve grande ________ na imprensa.
As lacunas estão corretamente preenchidas em
a) obseção, magresa, paralisação, repercução
b) obsessão, magreza, paralização, repercussão
c) obsceção, magreza, paralisação, repercussão
d) obssessão, magresa, paralização, repercução
e) obsessão, magreza, paralisação, repercussão
2. (ESAF) Indique a sequência que preenche corretamente as lacunas do texto abaixo.
A história nos mostra que o desenvolvimento econômico europeu, ____ partir das navega-
ções, sempre se fez ____ custa dos territórios ultramarinos. Não foram apenas as maté-
rias-primas, destinadas ao consumo ou ____ produção que o financiaram, mas também o
capital propriamente dito, fruto dos lucros e resultado do saqueio da natureza virgem. Hoje, a
biotecnologia abre grande perspectiva ___ um país como o Brasil, de ricosbancos genéticos.
O nosso território foi dos primeiros ____ ser saqueado em sua riqueza vegetal. É necessário
impedir que os produtos da flora e da fauna nos sejam roubados, como roubados fomos no
passado. Noentanto, o governo está empenhado em aprovar uma proposta de emenda ____
Constituição que facilitará a entrega de nossos recursos biológicos ____ estrangeiros.
a) a, à, à, a, a, à, a
b) a, à, à, à, a, à, à
c) à, à, a, à, a, à, a
d) a, a, à, a, a, a, a
e) à, a, a, à, à, a, a
3. Em seguida vai um pequeno trecho de Machado de Assis, pontuado de diversos modos.
Só uma vez a pontuação estará de acordo com as normas gramaticais. Assinale-a:
a) homem gordo, não faz revolução. O abdômen, é naturalmente amigo da ordem. O estôma-
go pode destruir, um império: mas há de ser antes do jantar;
b) homem gordo não faz revolução. O abdômen é naturalmente amigo da ordem; o estômago
pode destruir um império: mas há de ser antes do jantar;
130 • capítulo 2
c) homem gordo não faz revolução, o abdômen é, naturalmente, amigo da ordem. O estôma-
go, pode destruir um império: mas há de ser antes do jantar;
d) homem gordo não faz revolução: o abdômen e naturalmente, amigo da ordem. O estômago
pode destruir um império: mas há de ser antes do jantar;
e) homem gordo não faz revolução: o abdômen é naturalmente amigo da ordem. O estômago
pode destruir um império mas há de ser, antes do jantar.
Questões discursivas
4. (FUVEST) Reescreva as frases, substituindo existir por haver e vice-versa:
a) Existiam jardins e manhãs naquele tempo: havia paz em toda a parte.
b) Se existissem mais homens honestos, não haveria tantas brigas por justiça.
GABARITO
Questão 1: e
Questão 2: a
Questão 3: b
Questão 4
a) Havia jardins e manhãs naquele tempo: existia paz em toda a parte.
b) Se houvesse mais homens honestos, não existiriam tantas brigas por justiça.
capítulo 2 • 131
132 • capítulo 2
UNIDADE II
Articulação textual: coesão,
coerência e regência
capítulo 2 • 133
134 • capítulo 2
3
Coesão e coerência
textuais
O objetivo deste capítulo é possibilitar uma visão necessária e básica sobre o que
se tem chamado, nos estudos linguísticos, de coerência e coesão textuais, como
também discorrer sobre os instrumentos necessários para entender o fenômeno
da textualidade em suas várias manifestações. Para isso, apresentaremos uma
teorização mínima e essencial, razão por que não será polemizada qualquer con-
trovérsia, ainda que de ordem terminológica, buscando-se trabalhar apenas a li-
nha de ideias que se julga ser a mais pertinente e válida do nosso ponto de vista.
O que é um texto?
136 • capítulo 3
1 Coerência: a construção do sentido
A coerência é um dos fundamentos da textualidade. Ela se refere às ligações de
sentido construído no texto, que podem estar relacionadas a diferentes fatores:
lógico linguísticos, textuais ou culturais.
A coerência, para Koch & Travaglia (2014, p. 38), não é apenas uma caracte-
rística do texto, mas depende, fundamentalmente, da interação entre o texto,
aquele que o produz e aquele que busca compreendê-lo. Logo, pode-se sistema-
tizar que o sentido é estabelecido não só pelo texto, mas pelo leitor.
O leitor, com base em conhecimentos que possui, busca interpretar o texto,
produzir sentido, em uma verdadeira atitude de cooperação. Cabe-lhe, então,
a tarefa de estabelecer elos coesivos que não foram explicitados entre as ideias
do texto e, quanto mais informações tiver, mais terá a possibilidade de fazê-lo.
A tela Retirantes (1944) de Portinari, em epígrafe, organiza uma riqueza co-
erente de significado e forma, em uma estrutura total, que define claramente
o lugar e a função de cada detalhe em conjunto. Nota-se, nessa obra de arte, a
retratação da denúncia das desigualdades sociais tão acentuadas naquele pe-
ríodo. São figuras com expressões de cansaço e dor, maltrapilhas, esquálidas e
mutiladas pela vida que dão uma dramaticidade ao contexto.
Os Retirantes é, assim, um perfeito documentário sobre famílias sofridas
em busca de trabalho em meio à pobreza. É fato que para uma leitura crítica,
reflexiva e autônoma, as informações presentes em um texto devem estar ade-
quadas ao conhecimento de mundo do leitor.
DESVENDANDO AS PALAVRAS
capítulo 3 • 137
2 Coesão textual: o uso dos conectivos na
construção do texto
Koch (2023, p. 18) descreve coesão como o fenômeno que diz respeito ao modo
como os elementos linguísticos, presentes na superfície textual, se encontram
interligados entre si, por meio de recursos também linguísticos, formando se-
quências veiculadoras de sentidos.
Esses elementos linguísticos assinalam determinadas relações de sentido
entre os enunciados ou parte de enunciados, como:
oposição ou contraste;
finalidade;
localização temporal;
explicação ou justificativa;
adição de fatos.
É por meio de mecanismos como esses que se vai tecendo o “tecido” (tessi-
tura) do texto. A este fenômeno é que se denomina coesão textual.
Entende-se, assim, por coesão a ligação, a relação, os nexos que se estabe-
lecem entre os elementos que constituem a superfície textual. Ao contrário da
coerência, que é subjacente, a coesão é explicitamente revelada por meio de
marcas linguísticas e pode ser sintática, gramatical e semântica.
Na verdade, há uma relação estreita entre esse tipo de sequenciação tex-
tual e os vários modos de organização do texto. Assim, por exemplo, em um
texto descritivo é natural que a progressão do texto seja realizada por meio de
simples acréscimo de novos elementos da realidade descrita, enquanto, em
um texto argumentativo, essa continuidade se processe por meio de relações
lógicas e, em um texto narrativo, o fato ocorra e seja narrado por meio de uma
sucessão cronológica de fatos relevantes.
Em relação à coesão, reitera-se que os conectores coordenativos (conjun-
ções e locuções coordenativas), assim como as formas verbais pretéritas, advér-
bios e locuções adverbiais, modalizadores, são fundamentais para garantir as
138 • capítulo 3
relações de sentido – de coerência – entre os fatos narrados e descritos, porque
os parágrafos e as sequências textuais temporais construídos, no corpo textual
da narrativa, contribuem não só para a coesão, mas também para a coerência,
isto é, para melhor interpretabilidade do texto.
Produzir um texto se assemelha, assim, à arte de produzir um tecido, ou
seja, conduz-se um fio ora para cá, ora para lá, sempre com o cuidado de amar-
rá-lo para que o trabalho não se perca. Quando se tece, um ponto deve estar
ligado a outro para formar a trama, o que significa que um ponto sozinho não
forma um tecido.
O produtor de um texto é assim como o tecelão, em um eterno desfazer e
refazer de textos; está sempre preocupado, unicamente, com a tessitura de um
texto coeso e coerente por se vir sempre rodeado de sentidos.
Percebe-se, pois, que a relação entre coesão e coerência é muito forte
porque a coesão é fundamental a qualquer tipo de texto e é construída pe-
los procedimentos linguísticos que estabelecem relações de sentido entre
segmentos do texto (enunciados ou parte deles, parágrafos, sequências tex-
tuais), e o uso adequado dos elementos coesivos no texto é de grande rele-
vância para que o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um
sentido diante de um texto.
capítulo 3 • 139
um veleiro, com o vento de popa, velas se agitando como asas de um gigan-
tesco pássaro branco. [...]
ATENÇÃO
Substantivos: em vermelho
Adjetivos: em verde
140 • capítulo 3
3 Mecanismos de coesão textual: referencial,
sequencial e recorrencial
AUTOR
Jean-Baptiste Debret foi um importante artista plás-
tico (pintor e desenhista) francês. Nasceu em 18 de
abril de 1768, em Paris, e faleceu na mesma cidade
em 28 de junho de 1848. Debret integrou a Missão
Artística Francesa que chegou ao Brasil em 26 de
março de 1816. Suas obras formam um importante
acervo para o estudo da história e cultura brasileira
da primeira metade do século XIX.
Seu trabalho retrata o cotidiano, o processo de independência do Brasil e os primeiros anos
do governo de Pedro I. Uma de suas obras mais conhecidas é um quadro de Dom João em
tamanho real.
capítulo 3 • 141
evidenciar também na tela de Debret, em epígrafe.
Vimos há pouco que coesão textual são as conexões gramaticais existentes
entre palavras, orações, frases, parágrafos e partes maiores de um texto, e que
os conectores são portadores de sentido, razão por que também contribuem
para construir a coerência de um texto.
Além disso, o bom uso dos elementos coesivos é de fundamental importân-
cia para que o leitor possa construir a coerência, isto é, estabelecer um sentido
diante de um texto.
Está-se considerando aqui como coesão todos aqueles elementos textuais,
chamados de conectores, que sinalizam para o leitor a relação entre as diversas
partes do texto. São eles: pronomes, as elipses, as hiponímias e hiperonímias e as
repetições, as conjunções e preposições, os advérbios de sequência, as diversas ma-
neiras de sinalizar o tempo, as relações semânticas entre as palavras.
Quanto aos mecanismos de coesão, há apenas três tipos: referencial; se-
quencial e recorrência.
142 • capítulo 3
CURIOSIDADE
• Elemento de referência — pode ser representado por um nome, expressão nominal, frag-
mentos de oração, uma oração ou todo um enunciado.
• Referente – é algo que se (re)constrói textualmente, no desenrolar do texto, modificando-
se a cada novo nome que se lhe dê ou a cada nova ocorrência do mesmo nome.
Formas Pronominais
a) Encontrei os óculos que tanto procurava. Eles estavam guardados na estan-
te. (eles — pronome pessoal do caso reto);
b) Os meninos saíram cedo de casa. Eles foram treinar para o torneio de fute-
bol. (eles — pronome pessoal do caso reto);
c) O aluno e a mãe foram chamados à direção da escola, mas ninguém compa-
receu. (ninguém — pronome substantivo Indefinido);
d) João levou um romance policial para a escola, porém quis ler o meu. (meu —
pronome substantivo possessivo);
e) Pedro experimentou um terno azul escuro, mas decidiu comprar aquele.
(aquele —pronome substantivo demonstrativo);
f) Antônio, João e Miguel depuseram na Delegacia, entretanto quem disse a
verdade? (quem — pronome substantivo interrogativo);
g) Todos os professores que foram convocados compareceram à reunião. (que
— pronome substantivo relativo);
h) Paulo foi para Itália e lá foi feliz. (lá — pronome adverbial).
Formas adverbiais
a) Saiu três vezes, e o outro, nunca.
capítulo 3 • 143
Formas numerais
a) Antônio e Rafaela saíram, mas os dois se desentenderam.
b) Comprou vários presentes; o primeiro, uma bola de futebol.
c) Fiz 10 exercícios de Português, mas o meu professor pediu o dobro.
d) Havia dez maçãs e ela comeu um terço delas.
144 • capítulo 3
certa familiaridade de sentido pelo fato de pertencerem ao mesmo campo se-
mântico, ou seja, ao universo da Informática. Já a palavra equipamento tem um
sentido mais amplo, que engloba todas as outras. No caso, diz-se que o com-
putador, o monitor, a impressora e o teclado são hipônimos de equipamento.
Equipamento, por sua vez, é um hiperônimo dessas palavras.
EXEMPLO
• Nomes genéricos:
Miguel comprou camisas, sapatos e outras coisas.
• Termos simbólicos:
Antônio Tito não tinha certeza se iria ou não à missa, mas o apelo da cruz foi mais forte.
capítulo 3 • 145
Repetições do mesmo termo:
a) de forma idêntica: Paulo comprou a lancha, mas viu que a lancha não
tinha seguro.
b) com um mesmo determinante: Paulo comprou a lancha, mas essa lancha
lhe trouxe problemas.
c) de forma abreviada: Fernando Henrique Cardoso foi um bom político, mas
FHC não quer mais se recandidatar a cargo algum.
d) de forma ampliada: Lula não goza do mesmo prestígio na política, logo certa-
mente Luís Inácio Lula da Silva seria voto vencido em uma eleição presidenciável.
e) por forma cognata: Trabalhar é bom e o trabalho enobrece o homem.
Coesão por referência exofórica: é aquela que se refere a um elemento fora do texto.
Coesão por referência endofórica: é aquela que faz referência a algo dentro do texto.
146 • capítulo 3
Observe o diagrama: I06
REFERÊNCIA
SITUACIONAL TEXTUAL
COESÃO EXOFÓRICA COESÃO ENDOFÓRICA
ANAFÓRICA CATÁFORA
(AO QUE PREDECE) (AO QUE SE SEGUE)
Num hospital para doentes mentais, certa vez, um dos pacientes passou horas escre-
vendo furiosamente.
Um psiquiatra, vendo-o em tão intensa atividade, perguntou-lhe:
- O que é que você está fazendo?
- Escrevendo, respondeu.
- Escrevendo o quê? - perguntou-lhe o médico.
capítulo 3 • 147
- Uma carta.
- Ah! Muito interessante! E para quem é a carta?
- Para mim mesmo.
- O que é que está escrito aí? – perguntou-lhe o psiquiatra, curioso.
Ao que o paciente respondeu:
- Não sei. Ainda não recebi...
(Autor desconhecido)
148 • capítulo 3
(elipse total) no final do texto, quando o paciente, em resposta à pergunta do
médico, diz: “Não sei. Ainda não recebi”, ou seja, “Ainda não recebi a carta”.
CONCEITO
Tomismo — é a filosofia escolástica de São Tomás de Aquino (1225-1274), e que se carac-
teriza, sobretudo, pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo. Procurando
assim integrar o pensamento aristotélico e neoplatônico, aos textos da Bíblia, gerando uma
filosofia do Ser, inspirada na fé, com a Teologia.
Eu compreendo que um homem goste de ver brigar galos ou de tomar rapé. Os rapés
dizem os tomistas que alivia o cérebro. A briga de galos é o Jockey Club dos pobres. O
que eu não compreendo é o gosto de dar notícias.
E todavia quantas pessoas não conhecerá o leitor com essa singular vocação? O nove-
leiro não é tipo muito vulgar, mas também não é muito raro. Há família numerosa deles.
São mais peritos e originais que outros. Não é noveleiro quem quer. É ofício que exige
certas qualidades de bom cunho, quero dizer as mesmas que se exigem do homem de
Estado. O noveleiro deve saber quando lhe
convém dar uma notícia abruptamente, ou quando o efeito lhe pede certos preparativos:
deve esperar a ocasião e adaptar-lhe os meios.
MACHADO DE ASSIS, J. M. Quem conta um conto. In: Contos fluminenses. Rio de
Janeiro: Saraiva, 1999.
A referência em Quem conta um conto está resumida em "o gosto de dar no-
tícias", uma vez que, em torno dele, gravitam as indagações contidas no conto.
Tanto que, ao iniciar suas considerações, o narrador mostra-se intrigado diante
da natureza humana para espalhar novas, declarando-se capaz de perceber a le-
gitimidade de certos prazeres duvidosos, unicamente com a intenção de tornar
mais incisiva a declaração seguinte: "O que eu não compreendo é o gosto de dar
notícias" (1999, p. 57).
Por constituir a referência textual básica, "o gosto de dar notícias" será
continuamente retomado por meio de elementos coesivos. A primeira reto-
mada ocorre por "essa singular vocação", em que o pronome adjetivo "essa",
capítulo 3 • 149
além de determinar o nome e seu modificador, faz uma referência anafórica
ao "gosto de dar notícias", gosto este que engendra um tipo, o "noveleiro", em
relação ao qual o narrador declara: "Não é tipo muito vulgar, mas também não
é tipo muito raro" (1999, p. 57), criando pressupostos nada enaltecedores da
singularidade de tal tipo.
Ao declarar que o noveleiro não é um tipo nem muito raro, nem muito vul-
gar, informa implicitamente que de "vulgar" a "raro" há uma considerável gra-
dação de sentidos, pressupõe-se, assim, que poucos são realmente habilidosos
e, contudo, existe grande número deles.
Um relevante elemento coesivo é o vocábulo "ofício" que remete ao vo-
cábulo "noveleiro", revelando o humor severo que move o narrador, uma
vez que este compara as habilidades do noveleiro às do homem de Estado,
já que ambos precisam ser especialmente versados na técnica de subjugar
seus interlocutores.
A seguir, o narrador retoma a questão preliminar, ou melhor, a questão de
sua perplexidade quanto ao "gosto de dar notícias", estabelecendo o vínculo
com a declaração inicial mediante a recorrência de estruturas sintáticas: "Não
compreendo, como disse, o ofício noveleiro" (1999, p. 57), na qual o conector
"como" e o pretérito perfeito do indicativo do verbo "dizer" retomam, reiteran-
do, o aparente desconcerto do narrador diante do noveleiro.
O narrador, como já posto, parece não compreender bem o ofício de nove-
leiro. Escapa-lhe ao entendimento que se encontre satisfação em contar, re-
criando, um episódio qualquer: "É coisa muito natural que um homem diga o
que sabe a respeito de algum objeto; mas que tire satisfação disso, lá me custa
a entender" (1999, p. 57).
Utilizando-se de uma oração adversativa, vinculou-se um novo sentido a no-
veleiro, "que tira satisfação" de dar notícias. A seguir, o desvelamento do que
motiva o noveleiro: "Ganha-se sempre em conhecer-se os caprichos do espírito
humano" (1999, p. 58).
Ao focalizar o "gosto de dar notícias" como um hipônimo de "caprichos do
espírito humano", o narrador implicitamente parece admitir a legitimidade do
referido gosto, porque o reconheceu como uma das tantas marcas característi-
cas da condição humana.
150 • capítulo 3
3.2 Coesão sequencial
capítulo 3 • 151
coesão, elas são importantes para que o texto seja coerente, pois o uso indevido
de uma conjunção em uma sequência pode alterar o sentido da frase, podendo,
inclusive, comprometer o sentido do texto.
CONCEITO
• anáfora, quando retoma os elementos expressos anteriormente no texto;
• catáfora, quando o termo pressuposto aparece depois do elemento coesivo;
• coesão lexical, quando envolve a substituição de um vocábulo por outro de mesmo sig-
nificado – o chamado sinônimo – ou por palavras que estabeleçam entre si uma relação de
sentido – hiperônimos e hipônimos;
• coesão referencial é a que cria, no interior do texto, um sistema de relação de palavras e
expressões, permitindo que o leitor identifique os referentes sobre os quais se fala no texto;
• coesão sequencial é a que cria, no interior do texto, condições para que o texto progrida, avance;
• conjunção (conectores), quando se estabelecem relações semânticas entre elementos ou
orações do texto; pode ser aditiva, adversativa, causal, temporal;
• elipse, quando um elemento do texto é substituído por zero e, assim, como a classificação
anterior, pode ser nominal, verbal ou frasal;
• zeugma é uma forma de elipse. Ocorre quando é feita a omissão de um termo já mencio-
nado. Exemplo: Ele gosta de Geografia; eu, de Português.
• referência, quando um elemento do texto remete a outro, necessário à sua interpretação;
• reiteração é a repetição de expressões que têm a mesma referência no texto;
• substituição, quando um elemento do texto é colocado no lugar de outro, para evitar repe-
tição; pode ser nominal, verbal ou frasal.
152 • capítulo 3
3.4 Textualidade e seus fatores de coerência
“Todo texto assemelha-se a um iceberg — o que fica à tona, isto é, o que é ex-
plicitado no texto é apenas uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou
seja, implicitado.” Ingedore Koch
O fragmento a seguir é um grande ensinamento acerca de textualidade e
como narrar com coesão e coerência. O narrador, o ex-jagunço Riobaldo, ape-
sar de ser um homem simples do sertão, faz profundas reflexões filosóficas de
como se deve contar histórias para que elas tenham sentido. Leia o fragmento:
“Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que
têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembran-
ça da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se
misturam [...] Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância.
Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente
data. Toda saudade é uma espécie de velhice. Talvez, então, a melhor coisa seria contar
a infância não como um filme em que a vida acontece no tempo, uma coisa depois da
outra, na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá sentido, princípio, meio e fim,
mas como um álbum de retratos, cada um completo em si mesmo, cada um contendo
o sentido inteiro. Talvez seja esse o jeito de escrever sobre a alma em cuja memória se
encontram as coisas eternas, que permanecem [...]."
(Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. http://www.dominiopublico.gov.br/pesqui-
sa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obra=159223&co_midia=2)
capítulo 3 • 153
CONCEITO
Textualidade é o conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e
não apenas uma sequência de frases e para que ela se efetive, o texto precisa apresentar, no
mínimo, dois dos seus fatores que são a coerência e a coesão.
4 FATORES DE TEXTUALIDADE
A constituição dos sentidos nos textos, para Beaugrande & Dressler (2013, p. 18),
154 • capítulo 3
é ancorada por 5 fatores da textualidade responsáveis não só pela textualidade,
mas também por todo o processamento cognitivo do texto. São eles:
Informatividade
Quanto à informatividade, ressalta-se que esse fator está relacionado ao in¬-
teresse do leitor pelo texto e pelo montante de informações de que ele dispõe
sobre o tema do texto.
Se as informações do texto forem previsíveis, isto é, de acordo com as expec-
tativas do leitor, esse texto será avaliado como de baixa informatividade. Em
contrapartida, o texto que contém certo grau de informações previsíveis, como
também novas informações, será considerado como de maior informatividade
e, finalmente, o texto quase imprevisível em suas informações será o mais rico
em informatividade, apesar de exigir maior dedicação do receptor para sua in-
terpretabilidade.
Para que os sentidos possam ser atingidos no texto, é necessária, portanto, a
utilização de informações com um nível de informatividade adequado aos par-
ticipantes da situação comunicativa. A ligação com a realidade do momento,
que é o ponto essencial do texto informativo. I07
Intencionalidade
O produtor de um texto tem, necessariamente, determinados objetivos, que vão
desde a simples intenção de estabelecer o contato com o receptor até a de levá
-lo a partilhar de opiniões ou a agir ou comportar-se de determinada maneira.
Assim, a intencionalidade refere-se ao modo como os emissores usam textos
para realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à ob-
tenção dos efeitos desejados. É por essa razão que o emissor procura, de modo
geral, construir seu texto de modo coerente e dar pistas ao receptor que lhe per-
mitam constituir o sentido desejado.
Graciliano Ramos, em seu romance Vidas Secas, inten-
cionalmente, escreve sobre as ausências de água, de no-
mes, sobrenomes, de palavras, de dinheiro, de respeito.
O silêncio, nesse livro, fala muitas vezes pelas persona-
gens e, Graciliano mostra, a partir de comparações entre
homens e animais, a zoomorfização dos homens. Fabia-
no se compara, intermitentemente, a um bicho, assim
como seu filho e a antropomorfização do animal Baleia,
capítulo 3 • 155
embora cachorra, possui as sensações mais humanas da história e cabe a ela
também o momento mais dramático da narrativa. A ela, o autor provê alegrias
e tristezas, vida e morte; às demais personagens, cabe apenas a sobrevivência.
Graciliano narrou, portanto, por meio dessa obra, intencionalmente, a rea-
lidade de uma determinada região e as injustiças sofridas pelas camadas des-
prestigiadas.
Para melhor entendimento do leitor, ele tem que ter conhecimento de mun-
do (informatividade), ou seja, saber ou ter lido sobre os abalos sofridos pelo
povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a crise econômica pro-
vocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a crise cafeeira, a Revo-
lução de 1930, o acelerado declínio do Nordeste.
Os romancistas da década de 1930 caracterizavam-se por adotarem visão
crítica das relações sociais, regionalismo, ressaltando o homem hostilizado
pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o
meio lhe impõe.
O romance Vidas Secas narra o episódio de uma família de retirantes em
busca de um lugar que lhes ofereça meios de melhorar suas condições de vida.
Essa família é composta por Fabiano, homem humilde e trabalhador; Sinhá Vi-
tória, esposa resignada e fiel; o Menino mais novo e o Menino mais velho, crian-
ças inocentes, representantes do anonimato social; além da cachorra Baleia,
animal que se humaniza em relação à dura realidade por que passa Fabiano e
sua família.
CONEXÃO
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&-
co_obra=117657,acessado em 19 de abril de 2015.
AUTOR
Graciliano Ramos de Oliveira (Quebrângulo, 27 de
outubro de 1892 — Rio de Janeiro, 20 de março de
1953). Foi um romancista, cronista, contista, jornalista,
político e memorialista brasileiro do século XX, mais
conhecido por seu livro Vidas Secas (1938).
156 • capítulo 3
Além do importante papel como romancista, Graciliano Ramos foi jornalista e político.
Sua obra é marcada por um forte teor social, como Memórias do Cárcere (1953), em que re-
vela sua amarga experiência, no período em que esteve preso, durante a ditadura de Getúlio
Vargas, em 1935, acusado de subversão.
O escritor foi homenageado na 11ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), realiza-
da entre os dias 3 e 7 de julho de 2013, momento em que foi comemorado o seu aniversário
de 120 anos.
REFLEXÃO
A intencionalidade tem relação estrita com o que se tem chamado de argumentatividade. Se se
aceita como verdade que não existem textos neutros, que há sempre alguma intenção ou obje-
tivo da parte de quem produz um texto, e que este não é jamais uma “cópia” do mundo real, pois
o mundo é recriado no texto por meio da mediação de nossas crenças, convicções, perspecti-
vas e propósitos, então se admite que existe sempre uma argumentatividade subjacente ao uso
da linguagem. (KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Intencionalidade e
aceitabilidade. In: A coerência textual. 18 ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 84).
M. Pêcheux (1975) afirma também que “não há discurso sem sujeito e não há sujeito
sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz
sentido”.
Situacionalidade
O terceiro fator de textualidade é denominado de situacionalidade, que é outro
fator responsável pela coerência, pode ser vista atuando em duas direções: da
situação para o texto e do texto para a situação, ou seja, na produção e na recep-
ção do texto.
Desse modo, a situacionalidade determina como deve ser produzido o tex-
to. O contexto deve servir como orientação para a produção e para a recepção,
sendo fun¬damental que o produtor saiba quem é o receptor de seu texto e
quais os seus conhecimentos.
Um professor, por exemplo, na condição de palestrante, não utilizará o mes-
mo registro de linguagem para dar uma palestra para outros professores em
um Congresso e para um grupo de estudantes do Ensino Médio em uma ativi-
dade escolar.
capítulo 3 • 157
Aceitabilidade
A aceitabilidade é a contraparte da intencionalidade, ou seja, o autor ao produ-
zir um texto tem uma intenção ou objetivo provável com o leitor, e o leitor, por
sua vez, esforça-se (intuitivamente) para compreender e entender o enunciado.
Na verdade, a união destes três fatores intencionalidade, aceitabilidade e
situacionalidade é responsável pelo tipo de texto utilizado em cada situação co-
municativa.
REFLEXÃO
A aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. [...] quando duas pessoas intera-
gem por meio da linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e procuram calcular
o sentido do texto do(s) interlocutor(es), partindo das pistas que ele contém e ativando seu
conhecimento de mundo, da situação. Assim, mesmo que um texto não se apresente, à pri-
meira vista, como perfeitamente coerente, [...] o receptor vai tentar estabelecer a sua coerên-
cia, dando-lhe a interpretação que lhe pareça cabível, [...].
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Intencionalidade e aceita-
bilidade. In: A coerência textual. 16 ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 85.
“Era meia-noite. O Sol brilhava. Pássaros cantavam pulando de galho em galho. O ho-
mem cego, sentado à mesa de roupão, esperava que lhe servissem o desjejum. Enquan-
to esperava, passava a mão na faca sobre a mesa como se a acariciasse tendo ideias,
enquanto olhava fixamente a esposa sentada à sua frente. Esta, que lia o jornal, absorta
em seus pensamentos, de repente começou a chorar, pois o telegrama lhe trazia a
notícia de que o irmão se enforcara num pé de alface. O cego, pelado com a mão no
bolso, buscava consolá-la e calado dizia: a Terra é uma bola quadrada que gira parada
em torno do Sol. Ela se queixa de que ele ficou impassível, porque não é o irmão dele
que vai receber as honrarias. Ele se agasta, olha-a com desdém, agarra a faca, passa
manteiga na torrada e lhe oferece, num gesto de amor.
(Esse texto reproduz aproximadamente versão ouvida junto a crianças de Araguari-MG).
Fonte: KOCH, Ingedore & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 16 ed. São
Paulo: Contexto, 2014, p. 59.
158 • capítulo 3
Nota-se, na abertura do texto os marcadores temporais, por meio dos quais
se tem a ideia de sequência de fatos, como: “Era meia-noite”, “Enquanto espe-
rava”, “de repente”. Contudo, apesar de aparentemente bem-redigido, o texto
apresenta graves problemas de coerência, pois a narração ocorre à meia-noite,
entretanto, as informações apresentadas contradizem isso, como: “O Sol bri-
lhava,” “o homem espera que lhe servissem o desjejum”; além de outros ele-
mentos que contrariam o conceito de que a Terra gira em torno do Sol, como:
“Terra quadrada”; “Terra que gira parada”.
Há outras contradições ou incoerências relacionadas ao cego e à esposa, a
saber: “O cego olhava fixamente a esposa”; “o homem cego de roupão x o cego pela-
do”; a esposa lia o jornal x começou a chorar com o telegrama”.
Após essas primeiras reflexões, percebe-se que a coerência é regulada
pelo próprio contexto discursivo; razão por que as frases não podem ser ava-
liadas isoladamente, de forma descontextualizada, desconsiderando-se a
situação de comunicação.
O texto apresenta também marcas de coesão, como “esperava que lhe servis-
sem” (servissem ao cego), “passava a mão na faca sobre a mesa como se a acari-
ciasse” (acariciasse a faca), Esta lia o jornal (a esposa sentada), o telegrama lhe tra-
zia a notícia (à esposa), Ela se queixa (a esposa), ele ficou impassível...(o homem
cego), Ele se agasta,...( o homem cego), olha-a ... ( a esposa), dentre outros.
Compreende-se que dos quesitos para se avaliar a coerência de um texto é
o da intencionalidade e o da situacionalidade, segundo o qual basta o texto ser
adequado à intenção e situação com que foi produzido para ser coerente e che-
gar à aceitabilidade, embora seu conteúdo seja incoerente no sentido leigo do
termo. No caso em análise, o leitor sabe que o texto é incoerente, mas faz disso
o seu sentido. Logo, o leitor vai entender que o produtor fez o texto absurdo,
incoerente com um propósito e deve considerar que a não coerência é que lhe
dá sentido.
CONCEITO
• Agasta (agastar): zanga-se, irrita-se.
• Absorta: imersa nos seus pensamentos, pensativa
capítulo 3 • 159
Intertextualidadade
Outro fator de coerência é a intertextualidade porque para o processamento
cognitivo (produção/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento prévio
de outros textos, isto é, um texto pode sempre ler outro e, assim por diante, até
o fim dos textos.
Dessa forma, a intertextualidade faz-se por intermédio do conhecimento
advindo de outro(s) texto(s): diálogo entre os textos. Em outros dizeres: “Todo
texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é a absorção e trans-
formação de outro texto”. (KRISTEVA, Julia, 1974, p. 64.)
Quando o produtor cria o novo texto, ele nem sempre o constrói a partir de
ideias inéditas, mas como resultado daquilo que já foi apreendido em outros
textos. Por outro lado, a recepção desse mesmo texto depende também, por
parte do receptor, do conhecimento proveniente de outros textos.
Um exemplo de intertextualidade ocorre entre Otelo (1622) e a novela Mou-
ro de Venezia (1584), de Geraldo Cinthi. Shakeaspeare seguiu de perto a versão
original, mas fez algumas modificações: atribuiu ao nosso Mouro um caráter
mais nobre e refinado e também uma função de destaque em Veneza. Aumen-
tou também a importância de Emília na trama; acentuou a dignidade de Iago;
criou novas personagens e eliminou outras.
Machado de Assis, em Dom Casmurro, faz alusões a Otelo, de Shakespeare,
permitindo-nos relacionar também essas duas obras sob uma perspectiva de
diálogo intertextual. É a acusação de infidelidade que aproxima Desdêmona de
Capitu. Ambas são envolvidas numa situação dramática que culmina no assas-
sinato da primeira, e na morte relegada da segunda.
Desdêmona denunciada por um lenço, enquanto Capitu vê o próprio filho
ser usado como prova de adultério. Uma inocente, maculada aos olhos de Otelo
pela fala pérfida de Iago, a outra caluniada pela voz do Dom Casmurro que bus-
ca tecer uma imagem de Capitu falsa, enganosa e calculista, deixando a dúvida
de sua inocência por meio de subterfúgios próprios da linguagem jurídica, de
um bacharel e ex-seminarista que se utiliza do grande exercício de retórica vi-
sando a culpá-la de adultério.
CURIOSIDADE
A obra Otelo é classificada como tragédia por apresentar características, como: infidelidade,
desejo desmedido pelo poder; traição e a presença da morte.
160 • capítulo 3
COMENTÁRIO
Reitera-se que o termo intertextualidade fora proposto por Julia Kristeva (1979) a partir de
uma franca influência dos trabalhos realizados por Mikhail Bakhtin (1895-1975). A noção de
Intertextualidade, introduzida por Kristeva para o estudo da literatura, chamava atenção para
o fato de que a produtividade da escritura literária redistribui, dissemina textos anteriores em
um texto atual. Uma vez que todo texto literário apresenta como característica uma relação,
implícita ou explicitamente marcada, com textos que lhe são anteriores, essa concepção
permite tomar o texto literário como o lugar do intertexto por excelência. “[...] todo texto se
constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de outro texto”
(KRISTEVA, 1979, p. 68).
RESUMO
Na parte de coesão textual, trabalhou-se com os mecanismos constitutivos do texto e, a partir
deles processos de ordenação e de retomada dos termos da oração, os tempos verbais, tipos
ou mecanismos de coesão, dentre outros fenômenos.
Na parte de coerência textual, foi feita não só uma exposição sobre a organização dis-
cursiva de cada tipo de texto, mas também a constituição dos sentidos nos textos e seus
demais fatores de textualidade: os elementos linguísticos, a informatividade, a intenciona-
lidade, a intertextualidade.
Por fim, entendeu-se que a coerência textual é global. Um texto será coerente a partir do
momento em que sua totalidade puder produzir uma única unidade de sentido. Essa coerên-
cia global é resultado de um conjunto de coerências locais, ou seja, sequências lógicas den-
tro do texto que, quando reunidas, serão capazes de promover uma intenção comunicativa.
Para que essas relações sejam harmoniosas e não produzam incoerências, é ne-
cessário que a relação entre coerência e coesão seja realizada de maneira adequada.
Portanto, enquanto a coerência é subjacente ao texto e não linear, a coesão deverá dar
sentido entre os elementos da superfície textual, sendo revelada por meio de marcas
linguísticas, dando-lhe um caráter linear.
CONCEITO
Intertextualidade: A intertextualidade é uma espécie de conversa entre textos; esta intera-
ção pode aparecer explicitamente diante do leitor ou estar em uma camada subentendida,
capítulo 3 • 161
nos mais diferentes gêneros textuais. Para compreender a presença deste mecanismo,
em um texto, é necessário que a pessoa detenha uma experiência de mundo e um nível
cultural significativos.
Paráfrase é a réplica de um escrito alheio, posicionado em um uma obra com as palavras
de seu autor. Este deve, portanto, esclarecer que o trecho reproduzido não é de sua autoria,
citando a fonte bibliográfica pesquisada, a fim de não cometer plágio.
Pastiche é a imitação rude de outros criadores – escritores, pintores, entre outros – com
intenção pejorativa, ou uma modalidade de colagens e montagens de vários textos ou gêne-
ros, compondo uma espécie de colcha de retalhos textual.
Epígrafe é a citação de pequena extensão ou fragmento de texto, colocada no início de
um capítulo ou em página única de trabalhos acadêmicos, livros, que não se mistura com o
texto produzido, mantendo com este, pensamento relacionado ao conteúdo da obra. Acom-
panhado da indicação de autoria.
Alusão é um tipo de intertexto que faz referência, de modo explícito ou implícito, a uma
obra de arte, a um fato histórico ou a uma celebridade, para servir de termo de comparação e
que apela à capacidade de associação de ideias do leitor que ativa seu conhecimento prévio,
sem o qual o sentido não pode ser alcançado.
Paródia. Modernamente, Sant’Anna (2003 p. 12) define a paródia como um jogo
intertextual, mantido por uma relação antagônica com o texto original. O redator des-
constrói e desvirtua o pensamento do autor, sem, contudo, perder a identidade do tex-
to fonte. Tem por objetivo satirizar, contestar ou ridicularizar fatos sociohistóricos que
ocorrem cotidianamente.
162 • capítulo 3
ção de um texto coeso e coerente, mas também fornece importantes pistas para o
entendimento do texto, que poderão ser compartilhadas ou não pelo leitor.
A pontuação deve, então, ser vista como um dos componentes de organiza-
ção de ideias – que é tão importante quanto a escolha lexical e o uso dos conec-
tivos –, associando-a ao entendimento do texto, em uma parceria também entre
sintaxe e semântica.
Repare o caso a seguir em que o uso de uma vírgula evidencia uma com-
pleta alteração de sentido, proporcionando quatro versões diferentes para
o mesmo fato:
Um homem rico, à beira da morte, pediu caneta e papel para determinar como seriam
distribuídos os seus bens. Infelizmente, faleceu antes de fazer a pontuação e deixou o
seu testamento assim:
“Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do alfaia-
te nada aos pobres.” (Autor desconhecido)
“Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do
alfaiate. Nada aos pobres.”
"Deixo os meus bens à minha irmã. Não ao meu sobrinho. Jamais será paga a
conta do alfaiate. Nada aos pobres".
capítulo 3 • 163
• Logo após, surgiu o alfaiate que, pedindo a cópia do original, fez estas
pontuações:
“Deixo meus bens: a minha irmã, não; a meu sobrinho, jamais. Será paga a conta do
alfaiate. Nada aos pobres.”
"Deixo os meus bens à minha irmã? Não. Ao meu sobrinho? Jamais. Será paga
a conta do alfaiate? Nada. Aos pobres."
5.1 Por que pontuar e onde pontuar? Ao pontuar, que sinal deverá
ser utilizado?
164 • capítulo 3
nam como importantes pistas para o entendimento do texto.
Os sinais de pontuação na construção do texto também são responsáveis
pelos efeitos de sentido - ironia, humor, diversão.
Diferentemente da fala, que, além da palavra, conta com outros recursos
para a construção do sentido - expressão facial, entonação, gestos, postura cor-
poral, ambiente -, a linguagem escrita dispõe apenas de recursos gráficos. Entre
esses recursos a pontuação é um dos mais importantes, pois ajuda a organizar
sintaticamente o texto, a evitar ambiguidade, a enfatizar um termo da oração e
a tornar as ideias do texto mais claras, coesas e precisas.
Entretanto, para se entender bem as regras de uso dos sinais de pontuação, é
preciso compreender primeiramente o conceito de frase, oração e período, con-
forme já trabalhado no Capítulo 2 da Unidade I em “A pontuação e a sintaxe”.
Sinais de Pontuação
Estudou-se na Unidade I, Capítulo 1, a pontuação em relação aos termos da
oração, agora se estudará a pontuação em relação aos diversos tipos de oração,
para isso faz-se uma revisão dos elementos fundamentais da sintaxe.
Vimos também, que frase é todo enunciado linguístico com sentido com-
pleto, que começa sempre com letra maiúscula e termina sempre com um dos
seguintes sinais de pontuação: o ponto simples (.), o ponto de exclamação (!),
o ponto de interrogação (?). As reticências [...] indicam que a frase foi cortada
sem terminar.
Os demais sinais de pontuação: vírgula, ponto e vírgula; dois pontos; traves-
são; parênteses não terminam uma frase, mas aparecem dentro dela.
Leia agora o texto a seguir:
"Quando, às duas horas da tarde do dia seguinte, Natividade se meteu no bonde, para
ir a não sei que compras na Rua do Ouvidor, levava a frase consigo. A vista da enseada
não a distraiu, nem a gente que passava, nem os incidentes da rua, nada; a frase ia
dentro dela, com o seu aspecto e tom de ameaça. No Catete, alguém entrou de salto,
sem fazer parar o veículo. Adivinha que era o conselheiro; adivinha também que, posto
o pé no estribo, e vendo logo adiante a nossa amiga, caminhou para lá rápido e aceitou
a ponta do banco que ela lhe ofereceu.
Depois dos primeiros cumprimentos:
capítulo 3 • 165
– Pareceu-me vê-la olhar assustada -disse Aires.
– Naturalmente, não imaginei que fosse capaz deste ato de ginástica.
– Questão de Costume. As pernas saltam por si mesmas. Um dia, deixam-me cair, as
rodas passam por cima...
— Fosse como fosse, chegou a propósito.
— Chego sempre a propósito."
(ESAÚ e JACÓ - Machado de Assis, cap. XXXVIII.)
166 • capítulo 3
Adivinha que era oconselheiro; adivinha também que, posto o
PERÍODO pé no estribo, e vendo logo adiante a nossa amiga, caminhou
COMPOSTO para lá rápido e aceitou a ponta do banco que ela lhe ofere-
ceu. (Nessa frase, há 7 verbos, portanto, 7 orações).
Orações Coordenadas
As orações coordenadas não mantêm entre si dependência gramatical, são
independentes. Existe entre elas, evidentemente, uma relação de sentido,
mas do ponto de vista sintático, uma não depende da outra. A essas orações
independentes, dá-se o nome de orações coordenadas, que podem ser as-
sindéticas ou sindéticas.
capítulo 3 • 167
Emprega-se a vírgula para separar as orações coordenadas assindéticas (li-
gadas sem a conjunção) e as orações coordenadas sindéticas (unidas pela con-
junção), com exceção das introduzidas pela conjunção e:
O rapaz nem se preocupou em se explicar, e seu pai também não fez questão de saber.
“Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua”.
CONCEITO
• Orações Coordenadas: orações colocadas lado a lado, sem que uma seja ter-
mo integrante da outra, ou seja, não existindo relação sintática entre elas. Na ver-
dade, a classificação de uma oração coordenada leva em conta fundamentalmen-
te o aspecto lógico-semântico da relação que se estabelece entre as orações.
Orações coordenadas assindéticas (sem conjunção): orações que se encadeiam sem a pre-
sença de uma conjunção. Aparecem justapostas (uma ao lado da outra), separadas por vírgulas
Orações coordenadas sindéticas: orações coordenadas que vêm articuladas umas às outras
por meio de conjunções coordenativas.
168 • capítulo 3
• Orações Subordinadas Substantivas
A oração subordinada substantiva tem valor de substantivo e vem introduzida, geralmen-
te, por conjunção integrante (que, se).
Quanto ainda às orações subordinadas substantivas, somente as subordinadas subs-
tantivas apositivas devem ser separadas por vírgula (ou dois pontos) da oração principal; as
demais substantivas, não.
Exemplos:
O diretor da empresa necessita de que todos os colaboradores estejam presentes na
reunião. (objetiva indireta)
Só lhe faço uma observação: que não desrespeite seus colegas. (apositiva)
• Orações Subordinadas Substantivas são as que exercem, em relação à oração princi-
pal, funções próprias dos substantivos, como: sujeito (subjetiva), objeto direto (objetiva dire-
ta), objeto indireto (objetiva indireta), complemento nominal (completiva nominal), predicativo
(predicativa) e aposto (apositiva).
REFLEXÃO
Estão erradas, portanto, as construções a seguir porque separam por vírgula a oração prin-
cipal de oração subordinada substantiva A exceção é feita apenas à subordinada apositiva
porque tem função de aposto, vindo sempre isolada da oração principal por meio de vírgula
ou de dois pontos.
Repare:
a) A testemunha disse, que todos os tiros foram efetuados por uma só arma. (objetiva direta)
b) O Supremo Tribunal Federal tem decidido, que não há crimes nesses casos. (objetiva direta)
c) Não cabe agora a afirmação, de que o autor não pode arcar com as custas processuais.
(completiva nominal)
capítulo 3 • 169
Sendo assim, as orações subordinadas adverbiais são separadas por vírgula
nestes casos:
CONCEITO
• Orações subordinadas adverbiais são aquelas que exercem a função de adjuntos adver-
biais, própria dos advérbios e vêm introduzidas por conjunções subordinativas, quando de-
senvolvidas. As orações subordinadas adverbiais podem ser: causais, consecutivas, condicio-
nais, concessivas, conformativas, comparativas, finais, proporcionais, temporais.
170 • capítulo 3
As orações subordinadas reduzidas podem ser de gerúndio, particípio ou de infinitivo,
dependendo da forma verbal que se utilizam para evitar o uso da conjunção ou do pronome
relativo (orações subordinadas adjetivas). As orações reduzidas contribuem, assim, para evi-
tar o uso excessivo da palavra que.
CONCEITO
• Orações Subordinadas Adjetivas Restritivas: são as que delimitam, restringem ou particula-
rizam o sentido de um nome (substantivo ou pronome) antecedente. Na escrita, ligam-se ao
antecedente diretamente, sem vírgulas.
• Orações Subordinadas Adjetivas Explicativas: são as que acrescentam ao antecedente
uma informação que já é do conhecimento do interlocutor; assim, generalizam ou universali-
zam o sentido do antecedente. Na escrita, aparecem entre vírgulas.
capítulo 3 • 171
Valores Semânticos: orações subordinadas adjetivas
O elefante africano, que é um animal terrestre, chega a 4 metros de altura e a 7000 quilos de peso.
Oração subordinada
adjetiva explicativa
172 • capítulo 3
Repare, agora, na alteração de sentido que ocorre na frase quando a oração
adjetiva é colocada entre vírgulas:
“Os alunos, que têm dificuldades em compreensão e interpretação de tex-
tos, terão aulas aos sábados.”
No segundo exemplo, a intenção do Coordenador é outra, pois ele afirma que
todos os alunos têm dificuldades em compreensão e interpretação de textos.
No primeiro caso, a oração subordinada adjetiva restringe, particulariza o
sentido da palavra alunos; portanto é uma oração subordinada adjetiva restritiva.
No segundo caso, a oração explica ou acrescenta à palavra alunos uma in-
formação que já é de conhecimento do interlocutor; por isso é uma oração su-
bordinada adjetiva explicativa. Ela generaliza, universaliza o sentido da palavra
alunos: todos os alunos têm dificuldade em compreensão e interpretação de
textos; por isso todos terão aulas aos sábados.
O uso da vírgula, como se pode notar, define o sentido explicativo ou restri-
tivo da subordinada adjetiva. Daí ser necessária muita atenção para que se evite
alteração grave no sentido de todo o período.
COMENTÁRIO
Pronome relativo é aquele que liga orações e se refere a um termo anterior- o antecedente.
Para reconhecer um pronome relativo e uma oração subordinada adjetiva, procure trocar o
pronome relativo que introduz a oração por o (a) qual, os(as) quais, regidos ou não de preposição.
O emprego desse artifício só não é possível com o conectivo cujo e suas flexões; contu-
do cujo é sempre pronome relativo.
ATENÇÃO
A oração subordinada adjetiva explicativa é separada da oração principal por uma pausa, que,
na escrita, é representada pela vírgula. É comum, por isso, que a pontuação seja indicada
como forma de diferenciar as orações explicativas das restritivas, razão por que as explicati-
vas vêm sempre isoladas por vírgulas; as restritivas, não.
capítulo 3 • 173
RESUMO
Orações Coordenadas: orações colocadas lado a lado, sem que uma seja termo integrante
da outra, ou seja, não existindo relação sintática entre elas.
• Orações coordenadas assindéticas (sem conjunção): orações que se encadeiam sem a pre-
sença de uma conjunção. Aparecem justapostas (uma ao lado da outra), separadas por vírgulas.
• Orações coordenadas sindéticas: orações coordenadas que vêm articuladas umas às ou-
tras por meio de conjunções coordenativas que podem ser:
a) aditivas (sequência ou adição de fatos ou acontecimentos — soma de ideias — sem que
entre as orações se estabeleça alguma outra relação de sentido),
b) adversativas (o conteúdo da segunda oração opõe-se àquilo que se declara na primeira,
estabelecendo-se uma ideia de compensação ou contraste, oposição),
c) conclusivas (a segunda oração expressa uma conclusão ou consequência lógica, basea-
da em uma oração anterior),
d) explicativas ( quando a oração coordenada fornece uma explicação, razão ou motivo para
aquilo que se afirma em uma oração anterior),
e) alternativas (expressam duas ou mais ideias que se alternam ou se excluem).
Orações Subordinadas: funcionam como termo de uma principal.
• Orações Subordinadas Substantivas: são as que exercem, em relação à oração principal,
funções próprias dos substantivos, como:
a) sujeito (subjetiva),
b) objeto direto (objetiva direta),
c) objeto indireto (objetiva indireta),
d) complemento nominal (completiva nominal),
e) predicativo (predicativa) e
f) aposto (apositiva).
• Orações Subordinadas Adjetivas: são as que exercem, em relação à oração principal, a
função de adjunto adnominal, própria dos adjetivos. Essas orações, em sua forma desenvolvi-
da, são introduzidas por pronomes relativos e podem ser explicativas ou restritivas.
• Orações Subordinadas Adverbiais: são aquelas que exercem a função de adjuntos adver-
biais, própria dos advérbios. As orações subordinadas adverbiais, em sua forma desenvolvida,
vêm introduzidas por conjunções subordinativas.
• As orações subordinadas adverbiais podem ser:
a) causais (exprimem uma circunstância de causa);
b) consecutivas (traduzem a ideia de consequência, indicando um fato que pode ser enten-
dido como um efeito ou uma consequência de algo que se afirma na oração principal;
174 • capítulo 3
c) condicionais (expressam uma circunstância de condição [real ou hipotética] em relação
ao predicado da oração principal);
d) concessivas (fazem uma concessão ao que está sendo afirmado na oração principal);
e) conformativas (expressam ideia de conformidade em relação a algo que foi afirmado na
oração principal);
f) comparativas (expressam uma comparação — de igualdade, de superioridade ou de infe-
rioridade –, com um dos termos da oração principal);
g) finais (expressam finalidade, objetivo ou fim daquilo que se declara na oração principal);
h) proporcionais (expressam gradação ou proporcionalidade, relacionando o processo ver-
bal indicado na oração principal com aquele expresso na subordinada);
i) temporais (exprimem circunstâncias temporais – de anterioridade, simultaneidade, poste-
rioridade –, relativas ao acontecimento que vem expresso na oração principal).
Orações Reduzidas
• Subordinadas substantivas reduzidas: desempenham com relação à oração principal, a mes-
ma função que suas equivalentes na forma desenvolvida. Para classificá-las, portanto, basta
desenvolvê-las e analisar que tipo de relação sintática estabelecem com a oração à qual se su-
bordinam e apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).
• Subordinadas adverbiais reduzidas: quando não são desenvolvidas, podem ser reduzidas de
infinitivo, de gerúndio ou de particípio. Nesse caso, não são introduzidas por uma conjunção su-
bordinativa e apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).
• Subordinadas adjetivas reduzidas (explicativas e restritivas): não são introduzidas por prono-
me relativo e apresentam o verbo em uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).
COMENTÁRIO
Os conectores ou articuladores têm como função articular, conectar, ligar grupos de palavras;
unir frases simples, formando frases complexas; estabelecer nexos lógicos entre períodos e
parágrafos, de modo a construir textos coesos e coerentes.
O papel coesivo das conjunções na articulação com o texto é de grande importância,
pois, dependendo da escolha de diferentes conjunções coordenativas ou subordinativas, o
sentido de um período composto modifica-se consideravelmente.
Daí ser fundamental o estudo das conjunções ou conectores para a compreensão das
relações semânticas que estabelecem entre as orações, pois só assim haverá condições de
se utilizar adequadamente esses importantes elementos coesivos na elaboração dos textos.
Os conectores podem ser classificados com funcionalidades lógicas distintas, de acordo
com o contexto de uso.
capítulo 3 • 175
Observe o quadro:
Conectores
CONECTORES /
DESIGNAÇÃO FUNÇÃO ARTICULADORES
176 • capítulo 3
como, tal como, assim como,
COMPARATIVOS exprimir uma comparação bem como, mais / menos do
que, tanto quanto.
capítulo 3 • 177
Já se percebe que o momento de um Inquérito Policial é bastante interes-
sante para se aprender o uso desses pronomes.
Nessa situação hipotética, os pronomes demonstrativos são os que indicam
a posição dos seres em relação às três pessoas do discurso.
Do ponto de vista semântico, os pronomes estão caracterizados porque in-
dicam dêixis – que significa designar, dizer — o apontar para —, isto é, estão ha-
bilitados, como verdadeiros gestos verbais, como indicadores, determinados
ou indeterminados; ou de uma dêixis contextual a um elemento inserido no
contexto — a anafórica e a catafórica [...] (BECHARA, 2009, p. 162), já trabalha-
dos anteriormente em Coesão textual.
Sendo assim, os pronomes demonstrativos são os que indicam a posição
dos seres em relação às três pessoas do discurso. A localização pode ser no tem-
po, no espaço ou no discurso:
EU / ESTE
178 • capítulo 3
que entram no conteúdo dos enunciados. Para tanto, as pessoas do discurso pas-
sam a ser unidades referenciais em cujos limites o enunciador situa.
Em: “Este livro de Graciliano Ramos” é o livro que está perto da pessoa que
fala; “Esse livro de Graciliano Ramos” é o que está longe da pessoa que fala e per-
to da pessoa a quem se fala; “Aquele livro de Graciliano Ramos” é o que se acha
distante da 1ª e da 2ª pessoa.
a) Para a segunda pessoa: os pronomes demonstrativos esse, essa, esses,
essas, isso designam o que está próximo da pessoa a quem se fala:
b) Para a terceira pessoa: os pronomes demonstrativos aquele, aquela,
aqueles, aquelas, aquilo designam o que está afastado tanto da pessoa que fala,
quanto daquela a quem se fala.
ATENÇÃO
Na correspondência, este (e flexões) se refere ao lugar de onde se escreve, e esse (e fle-
xões) denota o lugar para onde a carta se destina. A referência ao documento que se escreve
se faz com este, esta. Quando se quiser apenas indicar que o objeto se acha afastado da
pessoa que fala, sem nenhuma referência à 2ª pessoa, usa-se esse.
Exemplos:
a) Dirijo-me a essa universidade Estácio de Sá com o objetivo de solicitar informações
sobre a XXII Conferência Nacional de Advogados. (trata-se da universidade destinatária)
b) Reafirmamos a disposição desta universidade Estácio de Sá em participar na próxima
XXII Conferência Nacional de Advogados. (trata-se da universidade que envia a mensagem)
No tempo: presente, passado e futuro
• Este (e flexões) refere-se ao tempo presente e ao passado ou futuro próximos da fala.
Exemplos:
a) Nestas próximas semanas, estarão ocorrendo as inscrições para o concurso vestibu-
lar na Estácio. (futuro próximo)
b) Esta noite (= noite passada) tive um sonho belíssimo.
c) Este ano de 2014 está sendo marcado pelo caos no trânsito em razão das grandes
obras que vêm sendo realizadas na cidade do Rio de Janeiro. (presente)
• Esse (e flexões) refere-se a tempo já passado ou a um passado recente; aquele ( e flexões)
refere-se a um passado mais distante.
Exemplos:
Em: “Nessa época, o Brasil também atravessava uma fase bastante difícil.”, o pronome
demonstrativo essa (a contração da preposição em como o pronome demonstrativo essa=
capítulo 3 • 179
nessa) refere-se a um passado recente.
• Aquele (e flexões) se refere a um passado distante.
Em: “Comentávamos aquele período em que as mulheres eram apenas senhoras do lar.”,
o pronome demonstrativo aquele se refere a um passado distante.
180 • capítulo 3
PRONOME ESTE / ESTA / ISTO
DEMONSTRATIVO
capítulo 3 • 181
PRONOME AQUELE / AQUELA / AQUILO
DEMONSTRATIVO
RESUMO
“Coloque na estante estes livros de Administração que estão comigo junto a esses de Direito
Civil; retire esses de Português e coloque-os com aqueles de Literatura, do outro lado da sala.
Em relação às reformas da previdência, administrativa e fiscal, todas essas (ou todas elas)
são importantes; mas a mais urgente é esta: a reforma da legislação penal.”
A regra ou norma é esta: o demonstrativo este se refere ao termo mais próximo; afas-
tando-se, usa-se esse; o mais afastado é aquele. Isso também vale para os termos mais pró-
ximos e os mais remotos da oração ou período. Há dois princípios constitucionais básicos, a
saber: a dignidade humana e a liberdade de escolha. Aquela (a dignidade humana) não pode
ser exercida sem esta (a liberdade de escolha).
Além disso, este representa algo que se pretende designar, mostrar ou dizer, ou seja,
ainda não conhecido, enquanto esse se refere à coisa já mencionada, já conhecida: Essa
situação (passada, já referida) provocou esta reação na Educação brasileira (que agora vou
mencionar): uma greve geral dos professores. Assim também isto e isso: Prestem atenção
nisto (que vamos dizer agora) – não foi isso que nós explicamos.
182 • capítulo 3
REFLEXÃO
Coesão textual trata-se da ligação, da conexão entre as palavras de um texto, por meio de
elementos formais, que assinalam o vínculo entre os seus componentes. A coesão textual
pode se estabelecer por meio de diversos elementos linguísticos.
Dentre esses elementos, os pronomes assumem grande relevância, principalmente, pelo fato
de ser por meio deles que se faz a retomada do referente, isto é, aquilo a que o texto se refere.
Todos os tipos de pronomes podem funcionar como recurso de referência a termos ou
expressões anteriormente empregados, conforme já estudado em Coesão textual.
CURIOSIDADE
Alguns estudiosos têm-se insurgido contra o emprego anafórico do demonstrativo mesmo,
substantivado pelo artigo, precedido ou não de preposição, para referir-se à palavra ou decla-
ração expressa anteriormente por o considerarem em desuso. Para eles, o mesmo deve ser
substituído por ele (dele, dela).
Exemplo:
Os políticos presos tiveram habeas corpus. Apareceu um relatório contra eles (e não os
mesmos), e contra outros também envolvidos no esquema da corrupção.
MULTIMÍDIA
Othello (ou Otelo)
Direção: Oliver Parke
Sinopse:
Adaptação da obra homônima de Shakespeare, que fala sobre o mouro Othello, um grande
líder e guerreiro, que sai vitorioso na luta contra os turcos. Seu amigo Iago não esconde a
inveja, ainda mais ao ver a paixão de Othello pela bela Desdêmona.
capítulo 3 • 183
184 • capítulo 3
4
Sintaxe de regência
verbal e nominal
Regência deriva-se de reger ‘governar, comandar, dirigir’ e significa ‘governo,
comando, direção’. A relação necessária que se estabelece entre duas palavras,
uma das quais serve de complemento à outra. A palavra dependente denomina-
se regida, e o termo a que ela se subordina, regente.
A língua prevê dois tipos de regência, a depender dos termos que se subor-
dinam:
186 • capítulo 4
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida [...]
AUTOR
Mário de Sá Carneiro (Lisboa, 19 de maio de 1890 — Paris, 26 de abril de
1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expo-
entes do modernismo em Portugal.
capítulo 4 • 187
AUTOR
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Paraíba, 20 de abril de 1884 -
Minas Gerais, 12 de novembro de 1914) foi um poeta brasileiro.
CONCEITO
Termo regente
Palavra principal a que outra se subordina.
Termo regido
Palavra dependente que serve de complemento e que se subordina ao termo regente.
188 • capítulo 4
Transitivo indireto, com o pronome:
• Os homens nunca se lembram de uma data importante.
• Lembro-me do dia de nossa primeira briga muito séria.
capítulo 4 • 189
CONCEITO
Regência verbal
Regência verbal é a denominação que se dá à relação particular que se estabelece entre
verbos e respectivos complementos (objetos diretos e indiretos). Essa relação vem sempre
marcada por uma preposição, no caso dos objetos indiretos. O verbo é considerado o termo
regente e seu complemento, o termo regido.
Abdicar
a) Com o sentido de renunciar voluntariamente (ao poder, a um cargo, a um
título), desistir, pode ser transitivo direto ou indireto regido da preposição de.
Abraçar
a) No sentido de apertar entre os braços é transitivo direto:
190 • capítulo 4
• Quando melhorou, abraçou-se à menina.
• Valentina abraçou-se contra o seio da mãe.
Ajudar
a) Com o sentido fundamental de prestar ajuda, auxiliar:
• Ajudei-o a fugir.
Agradar/Desagradar
a) Agradar e desagradar são transitivos indiretos (com preposição a) no sentido
de satisfazer, contentar, ser agradável:
capítulo 4 • 191
Agradecer
a) Agradecer no sentido de mostrar-se grato por é transitivo direto:
Atender
a) Atender – no sentido de acolher ou receber alguém com atenção, responder a
alguém que se dirige a nós, pede objeto direto.
• Atender o cliente.
• Atendê-lo.
• A professora não o atendeu.
• A tenista não atendeu o repórter. Ela não quis atendê-lo.
192 • capítulo 4
• Não atendera aos amigos, fora entregar-se a impostores.
• Atenda bem ao (ou para o) que lhe digo.
• Atendemos ao apelo (ou ao chamado, aos conselhos, aos interesses, às exigências,
às reivindicações) de Fulano.
Aposentar
a) Dar aposentadoria a alguém, pôr de lado alguma coisa (transitivo direto):
Aspirar
a) Aspirar pede objeto direto no sentido de sorver, inalar, absorver, atrair o ar
aos pulmões (transitivo direto):
capítulo 4 • 193
• Jamais aspirou a ela (e não: lhe aspirou).
Estão, nesse caso, os verbos assistir (= presenciar), responder (com objeto indi-
reto referente a coisa), aludir, visar (= desejar), aceder e referir-se.
Assistir
a) Assistir pede complemento preposicionado iniciado pela preposição a,
quando significa estar presente a, presenciar (transitivo indireto).
• Assistir ao espetáculo.
• Os fiéis assistiram à missa.
• Todos assistimos aos espetáculos, à sessão, aos trabalhos.
• Gostava muito de assistir à televisão.
• Ontem assistimos ao jogo.
Observação: Nesse sentido, assistir não admite seu complemento representado por
pronome átono:
Logo, por ser indireto, também rejeita as formas pronominais o, a, lo, la, os,
as, los e las como complemento. Não escreva:
194 • capítulo 4
b) Avisar ou informar de (transitivo indireto):
Chamar
a) O verbo chamar pede objeto direto no sentido de convocar ou solicitar a pre-
sença de alguém:
capítulo 4 • 195
• Chamavam-lhe tolo.
• Nós o chamamos de tolo.
• Nós o chamamos tolo.
• A chegada do presidente Fidel Castro ao (e não: no) Brasil está marcada para amanhã.
196 • capítulo 4
• Desceu pelas escadas ao (e não no) quarto andar.
• Saiu à (e não na) janela.
Comunicar
a) Comunica-se alguma coisa a alguém (transitivo direto e indireto):
Confraternizar
Confraternizar não é verbo pronominal, portanto não pode ser flexionado com
pronomes oblíquos átonos:
• Os amigos confraternizaram.
• Confraternizava até com os adversários.
capítulo 4 • 197
Contribuir
a) Contribuir para (concorrer para alguma coisa, cooperar para que alguma coi-
sa ocorra):
Custar
a) Custar tanto ou alguma coisa; no sentido de ser difícil, ser custoso, tem por
sujeito aquilo que é difícil.
198 • capítulo 4
• Custou-me resolver estes problemas.
• Custou-me a resolver estes problemas.
Observação: Por uma valorização da pessoa a quem o fato é difícil, a linguagem colo-
quial dá essa pessoa como sujeito da oração, e constrói dessa maneira, condenada por
muitos gramáticos.
Esquecer
a) Esquecer alguma coisa, pede objeto direto da coisa esquecida:
Observação: A coisa esquecida pode aparecer como sujeito e a pessoa passa a com-
plemento (uso escasso):
• Esqueceram-nos os livros.
• Esqueceu-te o meu aniversário.
capítulo 4 • 199
Favorecer
a) Favorecer alguém ou alguma coisa (transitivo direto):
Implicar
a) No sentido de acarretar, trazer consequência, é verbo transitivo direto, com
regência zero, isto é, sem preposição.
Iniciar
a) Iniciar, no sentido de começar alguma coisa, não pede complemento prepo-
sicionado:
200 • capítulo 4
• Ele os iniciou em artes marciais.
• O tio o iniciou no direito.
Informar
O verbo informar pede tanto objeto direto da pessoa informada e preposiciona-
do de coisa (com de ou sobre), quanto, inversamente, objeto indireto de pessoa
e direto de coisa informada, como dito antes:
Ir
O verbo ir pede a preposição a ou para junto à expressão de lugar:
• Fui à cidade.
• Foram para França.
capítulo 4 • 201
Investir
a) No sentido de dar posse ou investidura, empossar:
Lembrar
a) Lembrar alguma coisa (transitivo direto):
202 • capítulo 4
Morar, Residir
Observação: Morador e residente, cognatos dos verbos morar e residir, exigem, como
os verbos, a preposição em.
Obedecer/Desobedecer
a) Exigem sempre a preposição a:
Obstar
Obstar pede objeto indireto acompanhado da preposição a:
capítulo 4 • 203
Pagar
a) Pagar alguma coisa (transitivo direto)
Perdoar
a) Perdoar alguma coisa (transitivo direto):
204 • capítulo 4
c) Perdoar alguma coisa a alguém (transitivo direto e indireto):
• Perdoou-lhes os defeitos.
• O padre perdoou os pecados a todos.
Observações:
• Pagou a dívida.
• Paguei ao médico.
• Paguei-lhe a dívida, conforme já vimos.
Presidir
a) O verbo presidir pede complemento sem preposição ou indireto com a pre-
posição a:
capítulo 4 • 205
b) O complemento preposicionado pode ser substituído por forma pronominal
tônica ou átona:
Precisar, Necessitar
a) Precisar é transitivo direto quando significa indicar com precisão, parti-
cularizar:
206 • capítulo 4
Preferir
a) Usa-se com a preposição a e não com a locução do que:
c) Como preferir já tem valor absoluto, são inadequadas construções tais como:
Proceder
a) Proceder – no sentido de executar alguma coisa, iniciar, levar a efeito, reali-
zar, solicita objeto indireto com a preposição a:
capítulo 4 • 207
b) É intransitivo no sentido de ter fundamento:
Querer
a) Desejar alguma coisa (transitivo direto):
208 • capítulo 4
Reclamar
a) Exigir alguma coisa (transitivo direto):
Recorrer
a) Pedir ajuda a alguém ou a alguma coisa (transitivo indireto):
Responder
a) Responder, no sentido de dar resposta a alguém ou a alguma coisa, pede a
regência indireta, ou seja, com preposição:
capítulo 4 • 209
b) Responder, no sentido de dar resposta áspera, deve ser usado como transiti-
vo direto (sem preposição):
• Vou responder-lhe.
Servir
a) Servir, no sentido de prestar serviço, ser útil, convir é transitivo indireto:
210 • capítulo 4
Simpatizar
Simpatizar pede objeto indireto regido da preposição com:
Observações:
• Não se diz, portanto, simpatizei-me com ele, mas simpatizei com ele.
Sobressair
Sobressair não deve ser usado com o pronome se:
Socorrer
a) Socorrer, no sentido de prestar ajuda ou socorro, pede objeto direto de pes-
soa (transitivo direto):
capítulo 4 • 211
b) Socorrer alguém em algum lugar:
• As vítimas foram socorridas no Hospital das Clínicas (e não: socorridas para o HC, por
influência de: levadas ao HC para serem socorridas).
• Socorreu-se ao empréstimo.
• Socorremo-nos dos amigos nas dificuldades.
• Socorreu-se das economias para pagar os credores.
Suceder
a) Suceder como sinônimo de acontecer, substituir, ser o sucessor de pede com-
plemento preposicionado da pessoa substituída, iniciado pela preposição a:
Ver
O verbo ver pede objeto direto (complemento sem preposição):
212 • capítulo 4
Visar
a) Como equivalente a ter em vista, pretender ou ter por objetivo ou almejar
exige a preposição a (transitivo indireto):
Observação: A norma vale também quando visar precede infinitivo, mas, nesse caso, a
preposição pode aparecer elíptica.
b) Visar, no sentido de mirar, dar o visto em alguma coisa, pede objeto direto:
capítulo 4 • 213
Assim como alguns verbos, não podem vir desacompanhados de comple-
mento, sendo, por vezes, regidos de preposição, alguns nomes (substantivos,
adjetivos ou advérbios) também, por não encerrarem, em si mesmos, sentido
completo, necessitam de complementação. A essa complementação dá-se o
nome de complemento nominal.
Todos os complementos nominais são indiretos, isto é, vêm ligados ao
nome mediante preposição: é o que se chama de regência nominal.
Na condição de regentes, há substantivos e adjetivos que exigem a presença de-
terminada de uma única preposição para que o seu sentido se complete na oração.
Dessa forma, o adjetivo contrário pede a preposição a: contrário a todos os
valores; contrário às normas de conduta social. Por sua vez, o substantivo perda
liga-se a de: perda da dignidade, perda da confiança.
Na maior parte dos casos, contudo, os substantivos e os adjetivos combi-
nam-se com mais de uma preposição. Intolerância, por exemplo, compõe-se
com as seguintes preposições a, com, contra, em, e para com: intolerância ao
governo, intolerância em aceitar determinados opinamentos, intolerância con-
tra os críticos, intolerância para com os jovens escritores.
Já o adjetivo preocupado pode ser seguido por com, de, em, para com e por:
preocupado com os filhos, preocupado da qualidade de vida, preocupado em sair
mais tarde, preocupado para com os colegas, preocupado pela saúde dos filhos.
Sendo assim, as preposições que fazem a ligação entre substantivos, adjeti-
vos e determinados advérbios e seus complementos variam. Por esse motivo, é
importante conhecer a regência de alguns nomes e, assim, saber quais as pre-
posições podem ser utilizadas para vinculá-los a seus complementos.
Veja a seguir uma relação de substantivos, adjetivos e advérbios acompa-
nhados pelas preposições.
214 • capítulo 4
amante, amigo, ansioso, ávido, capaz, cobiçoso, comum, contem-
porâneo, curioso, devoto, diferente, digno, dessemelhante, dota-
de do, duro, estreito, fértil, fraco, incerto, indigno, inocente, menor,
natural, nobre, orgulhoso, pálido, passível, pobre, pródigo (em),
temeroso, vazio, vizinho
capítulo 4 • 215
ATENÇÃO
Advérbios com sufixo –mente, originados de radicais de adjetivos, seguem a mesma regência
dos adjetivos de que foram formados.
Observe:
• As ações dos políticos deveriam ser compatíveis com os projetos de governo que defen-
dem em campanha.
• Os políticos deveriam conduzir suas ações compativelmente com os projetos de governo
que defendem em campanha.
REFLEXÃO
O objeto direto é o complemento do verbo que não possui preposição e que também pode
ser representado pelos pronomes oblíquos o, a, os, as.
Já o objeto indireto vem acrescido de preposição e igualmente pode ser representado
pelos pronomes lhe, lhes.
Deve-se, porém, tomar cuidado com alguns verbos, como assistir e aspirar, que não ad-
mitem o emprego desses pronomes.
Os pronomes me, te, se, nos e vos podem, entretanto, funcionar como objetos diretos ou
indiretos.
O aspecto mais importante desse estudo é constatar que a articulação dos termos, nas
orações, depende das relações de regência nominal e verbal. Por essa razão, deve-se procu-
rar conhecê-las e respeitá-las nas produções de texto.
Assim, a relação entre o verbo (termo regente) e o seu complemento (termo regido) cha-
ma-se Regência Verbal, orientada pela transitividade dos verbos, que podem se apresentar
diretos ou indiretos, ou seja, exigindo um complemento na forma de objeto direto ou indireto.
Por fim, a regência é o mecanismo que regula as ligações entre um verbo ou nome e os
seus complementos.
RESUMO
Na Unidade III, capítulo 3, na parte de coesão textual, trabalha-se com os mecanismos cons-
titutivos do texto e, a partir deles, classes de palavras, conectivos, processos de ordenação e
216 • capítulo 4
de retomada do tema, os tempos verbais, tipos ou mecanismos de coesão, a função retórica
dos operadores argumentativos, dentre outros fenômenos.
No que se refere à coerência textual, apresenta-se não só uma exposição sobre a orga-
nização discursiva de cada tipo de texto, mas também a constituição dos sentidos nos textos
e seus demais fatores de textualidade, como: os elementos linguísticos, a informatividade, a
intencionalidade, a intertextualidade.
Em Emprego dos pronomes demonstrativos este, esse e aquele (flexões) realça-se que
esses pronomes são os que indicam a posição dos seres, em relação às três pessoas do
discurso, e que localização pode ser no tempo, no espaço ou no discurso, como também a
sua função no texto como elemento de referência anafórico e catafórico.
Em A pontuação como fator de coesão e coerência evidencia-se a coesão, a coerência
e a pontuação como fatores de textualidade, ressaltando-se a relevância desses elementos
na construção dos textos.
Por fim, no capítulo 4, estuda-se que a regência é a relação que se estabelece entre duas
palavras, por meio da qual uma das palavras se subordina à outra, funcionando como seu
complemento; e que a regência verbal é estabelecida entre verbos e seus complementos; já
a regência nominal é estabelecida entre nomes e seus complementos.
capítulo 4 • 217
ATIVIDADE
Questões objetivas
(ENADE 2012) Cultivar um estilo de vida saudável é extremamente importante para diminuir
o risco de infarto, mas também de problemas como morte súbita e derrame. Significa que
manter uma alimentação saudável e praticar atividade física regularmente já reduz, por si só, as
chances de desenvolver vários problemas. Além disso, é importante para o controle da pressão
arterial, dos níveis de colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a diminuir o estresse e
aumentar a capacidade física, fatores que, somados, reduzem as chances de infarto. Exercitar-
se, nesses casos, com acompanhamento médico e moderação, é altamente recomendável.
ATALIA, M. Nossa vida. In: Época, 23 mar. 2009.
Questão 1
As ideias veiculadas no texto se organizam estabelecendo relações que atuam na constru-
ção do sentido. A esse respeito, identifica-se, no fragmento, que:
a) a expressão “Além disso” marca uma sequenciação de ideias.
b) o conectivo “mas também” inicia oração que exprime ideia de contraste.
c) o termo “como”, em “como morte súbita e derrame”, introduz uma generalização.
d) o termo “Também” exprime uma justificativa.
e) o termo “fatores” retoma coesivamente “níveis de colesterol e de glicose no sangue”.
218 • capítulo 4
Questão 2
Marque a afirmação INCORRETA em relação ao texto seguinte:
a) Tanto o primeiro como o segundo parágrafo jurídico estão ligados por meio de elementos
gramaticais. O pronome demonstrativo “essa”, na expressão “essa ideia”, tem a função de
ligar o segundo parágrafo ao primeiro.
b) O conector “a qual” retoma competência de juiz, “essa” retoma todo o parágrafo jurídico
anterior, “desse” retoma a expressão “uma vez proposta a demanda”.
c) Os elementos gramaticais presentes no texto mantêm a coesão estabelecida entre ora-
ções e parágrafos e recebem o nome de conectores gramaticais
d) O pronome demonstrativo “Este” é catafórico.
e) O primeiro e segundo parágrafos jurídicos apresentam este tópico frasal ou ideia-núcleo:
“Definida a competência de um juiz, a qual se determina no momento em que a ação é pro-
posta, permanece ela até o julgamento definitivo da causa.”
Apenas 26% da população brasileira com mais de 15 anos têm domínio pleno das habi-
lidades de leitura e escrita. Isso significa que somente um em cada quatro jovens e adultos
consegue compreender totalmente as informações contidas em um texto e relacioná-las
com outros dados.
O restante são os chamados analfabetos funcionais, que “mal conseguem identificar
enunciados simples, sendo incapazes de interpretar texto mais longo ou com alguma com-
plexidade”, aponta estudo Inaf (Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional), feito pelo
Instituto Paulo Montenegro, que é ligado ao Ibope. Segundo o trabalho, o Brasil possui 16
milhões de analfabetos com mais de 15 anos (9% da população).
Em contraponto, a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” diz que 67% dos brasileiros
têm interesse pela leitura. O Plano Nacional do Livro, Leitura e Biblioteca – Fome de Livro,
do governo federal, considera que as pessoas têm vontade de ler e, para estimular o hábito,
agirá em várias frentes.
Uma delas é zerar o número de cidades brasileiras sem uma biblioteca. A outra é criar
uma política federal centralizada para aumentar a leitura. A democratização do acesso ao
livro se dará por meio das bibliotecas públicas, da revitalização das 5.000 bibliotecas exis-
tentes, construção de acervos básicos infanto-juvenis, proliferação de centros de inclusão
digital, livrarias e realização de campanhas de distribuição de livros.
[...]
capítulo 4 • 219
Segundo pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Na-
cional de Editores de Livros em 2001, 61% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito
pouco ou nenhum contato com os livros, não existem livrarias em 89% dos municípios brasi-
leiros e 6,5 milhões de pessoas não têm condições financeiras de comprar um livro. De acor-
do com o Mapa do Analfabetismo no Brasil, produzido pelo Inep (Instituto Nacional de Estu-
dos e Pesquisas Educacionais), 35% dos analfabetos brasileiros já freqüentaram a escola.
O título do projeto é uma homenagem a um de seus idealizadores, o poeta Waly Salomão,
que costumava dizer: o povo tem fome de comida e de livros.
“O governo criou o Fome Zero para combater a fome e a miséria que têm, como eixos
estruturantes, a educação e a cultura”. [...]
Fonte: UOL – EDUCAÇÃO, 30 set. 2004. (Adaptado) As informações são da Agência Brasil.
Questão 3
No texto, alguns sinais de pontuação são muito expressivos, como o emprego de aspas, tra-
vessões e parênteses. O emprego do sinal de pontuação está corretamente justificado em:
a) “(Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional)” (l. 7) – os parênteses introduzem um
comentário do autor.
b) “(9% da população)” (l. 9) – os parênteses explicam os dados que serão mencionados
posteriormente.
c) “...‘Retratos da Leitura no Brasil’...” (l. 10) – as aspas indicam que a expressão não está em
seu sentido real.
d) “O Plano Nacional do Livro, Leitura e Biblioteca – Fome de Livro,” (l. 11) – o travessão
explica a informação anterior.
e) “O governo criou o Fome Zero para combater a fome [...].” (l. 28) – as aspas indicam uma
citação da fala de alguém.
Questão 4
“A outra é criar uma política federal centralizada para aumentar a leitura.” (l. 14-15)
Apesar de não apresentar conectivo, a oração destacada se liga à primeira com determinada
relação de sentido.
Essa relação de sentido é caracterizada por uma ideia de:
a) proporção.
a) concessão.
a) finalidade.
a) comparação.
a) consequência.
220 • capítulo 4
Questões Discursivas
Questão 1
Estabeleça as proposições pedidas a seguir eliminando todas as redundâncias:
1. A – O advogado chegou ao Rio.
B – O advogado hospedou-se num hotel famoso.
Proposição: Adicione A e B
Questão 2
Opere os períodos simples A e B, atendendo às relações solicitadas abaixo:
A – O candidato (não) leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura.
B – O candidato (não) passou no exame da Magistratura.
Sendo:
1. A causa de B:
2. A concessão de B:
3. A condição de B:
4. B finalidade de A:
5. B conclusão de A:
capítulo 4 • 221
Questão 3
Conecte os períodos simples a seguir, transformando-os em períodos compostos únicos
coerentes e coesos, fazendo as adaptações necessárias. Atenção à Regência!
a) A revolução foi vencida pelos legalistas. Tu te referiste a essa revolução.
b) A ponte foi destruída pela enchente. Vários mendigos moravam sob os arcos dessa ponte.
c) As leis são justas. Nós obedecemos a essas leis.
d) Os telefones públicos são frequentemente depredados. A importância dos telefones pú-
blicos é inestimável.
e) A causa do meu cliente era perdida. Eu me empenhei no conhecimento dessa causa
perdida.
Questão 4
Diversidade e respeito às diferenças
Nas últimas décadas, governos de diferentes países têm adotado políticas de inclusão e res-
peito à diversidade e às diferenças relacionadas, por exemplo, a raça, etnia, gênero, religião,
deficiência física e mental, entre outros. Algumas dessas políticas podem ser exemplificadas
a partir da obrigatoriedade de rampas em espaços públicos, o ensino obrigatório de Libras,
cultura afro-brasileira e indígena em todos os níveis do Ensino Formal (Lei 11645/2008),
a adoção de cotas para negros no ingresso às universidades, entre várias outras. Por outro
lado, atitudes como a disseminação de discursos racistas na internet, a proibição do uso de
véus islâmicos em território francês, a deportação frequente de estrangeiros realizada por
países ricos, entre tantos outros exemplos, revelam que nem sempre é fácil conviver com
quem é diferente.
222 • capítulo 4
GABARITO
Questões objetivas
Questão 1: A
Questão 2: E
Questão 3: E
Questão 4: C
Questões discursivas
Questão 1
1. O advogado chegou ao Rio e hospedou-se em um hotel famoso.
2. Ele é o juiz responsável pelo processo, devemos, pois, (portanto, por conseguinte), respei-
tar a decisão dele.
3. Como os funcionários federais estão há seis anos sem reajuste, resolveram entrar em greve.
4. Eu não consegui entender o laudo pericial, embora o tenha estudado a noite inteira.
5. O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, mas não passou no
exame.
Questão 2
1. A causa de B: Como o candidato não leu as obras indicadas para o concurso da Magis-
tratura, não passou no exame.
2. A concessão de B: Embora o candidato tenha lido as obras indicadas para o concurso da
Magistratura, não passou no exame.
3. A condição de B: Se o candidato tivesse lido as obras indicadas para o concurso da Ma-
gistratura, teria passado no exame.
4. B finalidade de A: O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura, a
fim de passar no exame.
5. B conclusão de A: O candidato leu as obras indicadas para o concurso da Magistratura,
por conseguinte passou no exame.
Questão 3
a) A revolução a que te referiste foi vencida pelos legalistas.
b) A ponte sob cujos arcos vários mendigos moravam foi destruída pela enchente.
c) As leis a que ( ou às quais) obedecemos são justas.
d) Os telefones públicos cuja importância é inestimável são frequentemente depredados.
e) A causa em cujo conhecimento me empenhei era perdida.
capítulo 4 • 223
Questão 4: Produção pessoal do aluno.
Itens a serem avaliados:
1. Pertinência ao tema e qualidade da argumentação: o aluno deve basear o tema da reda-
ção na proposta, evitando copiar partes do texto motivador, a fim de garantir o ineditismo e a
qualidade argumentativa do texto.
2. Coesão e coerência: o aluno deve empregar, adequadamente, os mecanismos coesivos e
os fatores de coerência.
3. Aspectos gramaticais: é exigido do aluno o adequado emprego da acentuação, ortografia,
pontuação, construção morfossintática de frases, orações e períodos.
4. Estrutura textual: a redação deve conter introdução, desenvolvimento e conclusão, respei-
tando as principais características de um texto dissertativo bem como o número mínimo de
linhas e parágrafos sugerido na proposta.
5. Adequação à norma-padrão: o aluno deve respeitar a norma-padrão da língua portuguesa.
224 • capítulo 4
UNIDADE III
Produção textual:
a construção do texto
capítulo 4 • 225
226 • capítulo 4
5
Tipologias
textuais
Neste capítulo, pretende-se trabalhar com a teoria clássica, visto que o objetivo
é estudar apenas as tipologias textuais, enfocando os modos de organizar os
textos e as características predominantes, em cada um dos tipos de textos: des-
critivo, narrativo, dissertativo-expositivo, dissertativo-argumentativo e injunti-
vo —, porque se acredita que o estudo da tipologia textual, no meio acadêmico,
prepara o aluno para reconhecer e produzir qualquer tipo de gênero textual de
maneira progressiva, segundo as dificuldades que se apresentam na língua ma-
terna e, também, de acordo com as suas necessidades comunicativas e aos fins
a que se destinam.
A expressão tipologia textual apresenta certas propriedades linguísticas in-
trínsecas, como o uso de determinadas palavras, determinados tempos verbais,
determinadas relações lógicas. Além dessas marcas linguísticas, cada tipo tex-
tual tem um propósito. Em outros dizeres, uma narração “conta uma história”,
uma descrição apresenta as características físicas (ou psicológicas) de uma
entidade, uma exposição ou dissertação apresenta fatos da realidade, uma ar-
gumentação defende uma ideia ou uma tese e uma injunção procura provocar
uma reação do interlocutor, seja ela física ou verbal.
Sendo assim, quando se produz um determinado texto, precisa-se decidir se
se trata de narrar algum acontecimento, expor ideias, argumentar, descrever al-
guma situação ou cena, dar instruções ou ordens. Raramente, encontra-se um
texto que seja totalmente narrativo, descritivo, e assim por diante. Em geral,
os textos são formados por uma sequência de vários tipos, mas um deles, em
regra, é predominante.
Contar histórias faz parte da natureza humana. Quanto mais se recua no tem-
po, mais se encontra testemunhos dessa nossa capacidade, como os homens
pré-históricos, ao redor das fogueiras, que certamente contavam, uns aos ou-
tros, as caçadas do dia. As pinturas egípcias, assim como filmes, revistas em
quadrinhos, desenhos animados continuam a tradição de contar histórias.
A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas
as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não
228 • capítulo 5
há, nunca houve em lugar nenhum povo algum sem narrativa; todas as classes,
todos os grupos humanos têm as suas narrativas, muitas vezes essas narrativas
são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes.
Como se vê, atualmente, as narrativas existentes são as mais variadas, e tão
diversos também são os meios em que elas são encontradas, como: mitos, len-
das, adivinhas, contos, crônicas, romances, histórias em quadrinhos, novelas e
seriados de televisão, jogos eletrônicos, filmes de ação ao vivo e de animação,
entre tantos outros tipos de narrativas.
Das pinturas nas paredes das cavernas à televisão interativa, muitas são as
formas possíveis de se narrar acontecimentos.
Leia o poema em prosa de Manuel Bandeira:
“Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra Misael, funcionário da Fazenda, com
63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, – prostituída, com sífilis, dermite nos
dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico,
dentista, manicura… Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de
boca bonita, arranjou logo um namorado, um tiro, uma facada. Não fez nada disso:
mudou de casa. Viveram três anos assim: toda vez que Maria Elvira arranjava namorado,
Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos,
Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra
vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência,
matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de
organdi azul.”
capítulo 5 • 229
Observe:
CONCEITO
A narrativa apresenta fatos em sequência e decorrentes de uma relação de causa consequ-
ência, isto é, um fato causa uma consequência que dá origem a outro fato, e assim por diante.
Isso significa afirmar que entre uma ação e outra, entre um fato e outro, há um lapso tempo-
ral, e é a indicação de transcurso do tempo a tarefa principal do autor da narrativa, depois de
selecionar os fatos narrados. Os fatos são vividos por personagens, em determinado tempo e
lugar e apresenta um narrador que, diante dos fatos narrados, pode assumir dois pontos de
vista: o de narrador-personagem ou o de narrador-observador.
1.1.1 Enredo
O enredo é a própria estrutura narrativa, ou seja, o desenrolar dos acontecimen-
tos. Como o próprio nome indica, enredar significa “tecer, entrelaçar os fatos”.
Todos os enredos envolvem um conflito: o homem contra a natureza, ou o ho-
mem contra os outros homens, ou o homem lutando contra si próprio. Por isso,
pode-se afirmar que a “alma da narrativa é justamente esse conflito”.
Para determinar quais as ações que se encontram em evolução cronológi-
ca, em um texto narrativo, é indispensável identificar qual a ação narrativa ini-
cial a partir da qual as demais se sucedem, ou seja, qual o ponto de partida de
uma sequência de ações narrativas. A identificação se prende ao tempo verbal
empregado, que é geralmente o pretérito perfeito do indicativo, mas que tam-
230 • capítulo 5
bém pode ser o presente do indicativo, naquelas narrativas interessadas em dar
maior dinamismo à narrativa.
capítulo 5 • 231
e) A solução do conflito é o ponto central da estrutura da narrativa. Assim,
o clímax é o momento de maior tensão da narrativa, quando o antagonismo
gerado pelo problema ou conflito chega a seu ponto máximo, que é o da res-
tauração da ordem.
f) Desfecho – Misael matou Maria Elvira com seis tiros, e a polícia a encon-
trou caída em decúbito dorsal.
O desfecho irá apresentar a solução do conflito. Pode ser feliz, trágico,
cômico, surpreendente. Pode apresentar uma avaliação do narrador a res-
peito da história e/ou também uma moral, que orientará a interpretação da
história narrada.
CONCEITO
Enredo, também chamado de trama ou intriga, é o conjunto dos fatos de uma história. Nele
estão envolvidas a apresentação das personagens e das situações, além das sucessivas
transformações pelas quais elas vão passando ao longo do tempo transcorrido.
O enredo pode se desenvolver de modo linear, isto é, em uma sucessão contínua dos fa-
tos, que vêm um após o outro, em um encadeamento lógico de causa e consequência. Pode,
todavia, desenvolver-se também de modo não linear, ou seja, sem que haja uma sequência
entre os fatos, que evoluem aos saltos, com omissões, interrupções e cortes (flash backs).
232 • capítulo 5
Ponto de vista
Leia o fragmento do conto Pai contra mãe, de Machado de Assis, de 15.8.1876:
“A escravidão levou consigo ofícios e Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.
aparelhos, como terá sucedido a outras – Você é que tem culpa. Quem lhe man-
instituições sociais. [Tia Mônica] Não [...] da fazer filhos e fugir depois? Perguntou
Se tiverem um filho, morrem de fome [...] Cândido Neves.
Não fique zangado; não digo que você Não estava em maré de riso, por causa
seja vadio, mas a ocupação que esco- do filho que lá ficara na farmácia, à es-
lheu é vaga”. [...] “mas em que é que o pai pera dele.
dessa infeliz criatura que aí vem, gasta o Também é certo que não costumava di-
tempo? Tia Mônica deu ao casal o con- zer grandes cousas. Foi arrastando a es-
selho de levar a criança que nascesse à crava pela Rua dos Ourives, em direção à
Roda dos Enjeitados. Em verdade, não da Alfândega, onde residia o senhor. Na
podia haver palavra mais dura [...] Mais esquina desta a luta cresceu; a escrava
tarde, quando o senhor tiver a vida mais pôs os pés à parede, recuou com gran-
segura, os filhos que vierem serão rece- de esforço, inutilmente. O que alcançou
bidos com o mesmo cuidado que este foi, apesar de ser a casa próxima, gastar
ou maior. Este será bem criado sem lhe mais tempo em lá chegar do que devera.
faltar nada [...]. Chegou, enfim, arrastada, desesperada,
[...] – Estou grávida, meu senhor! excla- arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas
mou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, em vão. O senhor estava em casa, acudiu
peço-lhe por amor dele que me solte; eu ao chamado e ao rumor.
serei tua escrava, vou servi-lo pelo tem- – Aqui está a fujona, disse Cândido Ne-
po que quiser. – Me solte, meu senhor ves. – É ela mesma. – Meu senhor! –
moço! – Siga! repetiu Cândido Neves. – Anda, entra.
Me solte! – Não quero demoras; siga! Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o
Houve aqui luta, porque a escrava, gemen- senhor da escrava abriu a carteira e ti-
do, arrastava-se a si e ao filho. Quem pas- rou os cem mil-réis de gratificação. Cân-
sava ou estava à porta de uma loja, com- dido Neves guardou as duas notas de
preendia o que era e naturalmente não cinquenta mil réis, enquanto o senhor
acudia. Arminda ia alegando que o senhor novamente dizia à escrava que entrasse.
era muito mau, e provavelmente a castiga- No chão, onde jazia, levada do medo e
ria com açoutes, –cousa que, no estado da dor, e após algum tempo de luta a es-
em que ela estava, seria pior de sentir. crava abortou.
capítulo 5 • 233
O fruto de algum tempo entrou sem vida mas para a casa de empréstimo com o fi-
neste mundo, entre os gemidos da mãe lho e os cem mil-réis de gratificação. Tia
e os gestos de desespero do dono. Cân- Mônica, ouvida a explicação, perdoou a
dido Neves viu todo esse espetáculo. volta do pequeno, uma vez que trazia os
Não sabia que horas era quaisquer que cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas
fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e palavras duras contra a escrava, por cau-
foi o que ele fez sem querer conhecer as sa do aborto, além da fuga.
consequências do desastre. Cândido Neves, beijando o filho, entre lá-
Quando lá chegou, viu o farmacêutico grimas, verdadeiras, abençoava a fuga e
sozinho, sem o filho que lhe entregara. não se lhe dava do aborto.
Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêu- – Nem todas as crianças vingam, bateu-
tico explicou tudo a tempo; o menino lhe o coração. ”
estava lá dentro com a família, e ambos
ASSIS, Machado de. “Pai contra Mãe”. In:
entraram. O pai recebeu o filho com a
Relíquias da Velha Casa. Rio de Janeiro:
mesma fúria com que pegara a escrava
Garnier, 1990, p. 30-35.
fujona de há pouco, fúria diversa, natural-
mente, fúria de amor.
Agradeceu depressa e mal, e saiu às car-
reiras, não para a Roda dos enjeitados,
Partindo do conto de Machado de Assis, entende-se que quem narra uma histó-
ria é quem a experimenta, ou quem a vê, ou seja, é aquele que narra ações a partir
da experiência que tem delas, ou é aquele que narra ações a partir de um conheci-
mento que passou a ter delas por tê-las observado em outro ou escutado de terceiro.
É fato, contudo, que o ponto de vista é inerente a todo e qualquer discurso,
pois surge simultaneamente à sua elaboração, estruturando-o e nele deixando
pistas dessa organização, e para reconhecer o ponto de vista que organiza um
discurso narrativo, deve-se prestar atenção ao modo de narrar do narrador, pro-
curando saber o que ele faz exatamente nessa função.
Quando o narrador não participa da história, mas apenas relata o que fa-
zem as personagens, diz-se que se trata de um narrador em terceira pessoa ou
narrador-observador como nesse fragmento em estudo, narrado em 3ª pessoa,
e a sua perspectiva aproxima o leitor do tempo e do espaço por meio de relatos
históricos sobre os fatos que envolviam a escravidão, como na descrição das
crueldades das quais os escravos eram vítimas.
234 • capítulo 5
Nesse conto a escravidão é o próprio enredo da narrativa. Aliás, na primeira
linha do conto, o autor escreve: "A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos,
como terá sucedido a outras instituições sociais".
Narrador "intruso"
O narrador intruso é o narrador na terceira pessoa que se dirige diretamente ao
apreciador e/ou julga de maneira direta as personagens e os acontecimentos.
Ou seja, não assume uma posição de neutralidade diante daquilo que narra.
A intrusão é seu traço característico mais marcante — à medida que narra os
acontecimentos, o narrador intruso tece comentários próprios, entrosados ou
não com a história narrada, sobre os acontecimentos, a vida das personagens,
seus costumes, a moral vigente e tudo mais que lhe ocorrer.
Mas há também narradores "intrusos" que, mesmo não sendo personagem
da história, fazem comentários em primeira pessoa. Assim, descem ao nível da
narrativa, transformando-se também em personagem de papel, como ocorre
no conto O dicionário, de Machado de Assis, em que o narrador instaura um
leitor no texto e fala com ele. Observe:
“[...] ERA UMA VEZ um tanoeiro, dema- passava a chamar-se, em vez de Bernardi-
gogo, chamado Bernardino, o qual em no, Bernardão. Particularmente encomen-
cosmografia professava a opinião de que dou uma genealogia a um grande doutor
este mundo é um imenso tonel de mar- dessas matérias, que em pouco mais de
melada, e em política pedia o trono para uma hora o entroncou a um tal ou qual
a multidão. Com o fim de a pôr ali, pegou general romano do século IV, Bernardus
de um pau, concitou os ânimos e deitou Tanoarius; — nome que deu lugar à contro-
abaixo o rei; mas, entrando no paço, ven- vérsia, que ainda dura, querendo uns que o
cedor e aclamado, viu que o trono só dava rei Bernardão tivesse sido tanoeiro, e ou-
para uma pessoa, e cortou a dificuldade tros que isto não passe de uma confusão
sentando-se em cima. — Em mim, bradou deplorável com o nome do fundador da fa-
ele, podeis ver a multidão coroada. Eu sou mília. Já vimos que esta segunda opinião é
vós, vós sois eu. O primeiro ato do novo rei a única verdadeira. [...]”
foi abolir a tanoaria, indenizando os tanoeiros,
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria.
prestes a derrubá-lo, com o título de Magnífi-
Contos definitivos. Porto Alegre: Novo
cos. O segundo foi declarar que, para maior
Século, 1998, p. 8.
lustre da pessoa e do cargo,
capítulo 5 • 235
A expressão “era uma vez” é tradicional no começo de histórias, principal-
mente nas infantis, logo é própria da ficção. Ela está relacionada ao momento
que é feita a narrativa, mas depois de os fatos já terem ocorrido, localizando os
acontecimentos relatados em algum momento indefinido do passado.
Sendo assim, toda a ação já foi supostamente iniciada, desenvolvida e con-
cluída, em um momento anterior ao ato da narração, e o narrador já demonstra
conhecer tudo o que aconteceu na história, inclusive como ela termina. Encon-
tra-se fora dos acontecimentos, relatando-os, ordenando-os de forma linear, não
de forma neutra, mas sim, tomando parte da ação e fazendo juízo do narrado.
Identifica-se no texto, portanto, a figura do narrador intruso — com total
conhecimento da intriga ou ação — um narrador que capta tanto a vida do lado
de fora da personagem, por meio de um foco narrativo externo, quanto à vida
interior, dela, por meio de um foco narrativo interno (discurso indireto livre).
Assim, ciente até da presença de um interlocutor, que ele imagina ser um leitor,
interrompe a narração para falar-lhe (diálogo direto com o leitor): “Já vimos que
esta segunda opinião é a única verdadeira. [...]”. Esse tipo de narrador intruso
é muito comum nas obras machadianas, o que faz com que a ironia crítica seja
uma das características definidoras de sua escritura.
ATENÇÃO
Por que ir ao dicionário?
Durante a leitura, não saber significados pode comprometer o entendimento. A utilização do
dicionário é um ótimo recurso para garantir um verdadeiro mergulho no mundo das palavras.
RESUMO
Tipos de narrador
Nos textos narrativos em prosa (paragrafação), o narrador é quem conta a história. Se o
narrador fizer uso da primeira pessoa é narrador-personagem. Logo, se o narrador é perso-
nagem, todos os acontecimentos, as ações ou as motivações e os demais personagens são
apresentados a partir do seu ponto de vista.
O exemplo mais famoso de narrador protagonista da Literatura brasileira talvez seja a
personagem Bentinho, do romance Dom Casmurro (1900), de Machado de Assis. O enredo
envolve a partir da dúvida do narrador protagonista sobre a fidelidade da esposa.
O narrador informa o leitor sobre a possível traição de Capitu, seu grande amor, sem, no
entanto, o leitor ter certeza de que a traição de fato ocorreu, uma vez que a história narrada
236 • capítulo 5
ao leitor é construída a partir da própria consciência do protagonista, não havendo a certeza
de uma visão onisciente ou um segundo ponto de vista em que se possa basear.
Impregnada de incertezas, a mente de Bentinho o leva a narrar acontecimentos do seu
momento presente, do passado, do real e do seu imaginário.
Contudo, embora o narrador construa o foco narrativo em primeira pessoa, ele pode não
ser o protagonista da história, fato esse que deve ser observado. Assim, há variantes do narra-
dor em primeira pessoa, pois ele pode ser o narrador-testemunha ou o narrador-protagonista.
O narrador-testemunha vive os fatos narrados como personagem secundária, condição
em que pode observar os acontecimentos e testemunhá-los ao leitor de forma mais direta e
verossímil. Entretanto, o seu ângulo de visão é limitado, pois não sabe o que se passa no pen-
samento das demais personagens, apenas pode levantar hipóteses sobre o que viu ou ouviu.
O narrador-protagonista vive os fatos como personagem principal, mas não tem acesso
aos pensamentos das demais personagens e narra os acontecimentos, limitando-se às suas
percepções, pensamentos e sentimentos, como já posto.
Já o narrador onisciente, que é uma variante do narrador em terceira pessoa, tem co-
nhecimento total dos fatos, podendo, inclusive, por exemplo, antecipar para o leitor algum
fato futuro ou revelar os traços, os desejos e os sentimentos mais íntimos das personagens,
como acontece em A cartomante, de Machado de Assis, e em A morte da porta-estandarte,
de Aníbal Machado, só para citar alguns exemplos, entre os inúmeros que há na Literatura.
Outra variante do narrador, em terceira pessoa, é o narrador intruso, que é aquele que
fala com o leitor ou que julga o comportamento das personagens. É o caso, por exemplo, que
ocorre no conto O dicionário, de Machado de Assis, trabalhado há pouco.
O narrador-observador, como um observador distante, narra os acontecimentos na ter-
ceira pessoa. Esse tipo de narrador-observador é o que se presentifica nas narrativas jurídi-
cas. A “imparcialidade” do narrador em terceira pessoa é relativa, porque o texto sempre irá
revelar diferentes pontos de vista sobre os acontecimentos narrados.
CONCEITO
Chama-se foco narrativo o ponto de vista ou a perspectiva estabelecida pelo narrador a partir
do qual a história será contada. A adoção de um determinado ponto de vista afeta o modo
como a história contada é interpretada pelos seus leitores.
A narração pode ser feita em primeira ou em terceira pessoa e classifica-se como nar-
rador em 1ª pessoa (narrador-personagem) e narrador em 3ª pessoa (narrador-observador).
capítulo 5 • 237
1.1.2 Modos de narrar: discurso direto, indireto, indireto livre
A 1.ª pessoa no discurso direto passa para a 3.ª pessoa no discurso indireto.
Os pronomes eu, me, mim, comigo, no discurso direto, passam para ele(s),
ela(s), se, si, consigo, o(s), a(s), lhe(s) no discurso indireto.
Os pronomes nós, nos, conosco, no discurso direto, passam para eles, elas, os,
as, lhes no discurso indireto.
Os pronomes meu, meus, minha, minhas, nosso, nossos, nossa, nossas, no
discurso direto, passam para seu, seus, sua, suas, dele (a) (s) no discurso indireto.
238 • capítulo 5
Mudança de tempos verbais
ATENÇÃO
Narrador é o autor?
O autor é o sujeito que escreve o texto, o escritor, é o que recebe da realidade em que vive
os estímulos que o levam à produção do texto. No texto narrativo, no entanto, é fundamental
entender que o narrador é uma entidade fictícia, como as personagens e a história contada,
capítulo 5 • 239
logo ele não pode ser confundido com o autor, que é um ser real, de “carne e osso”, mesmo
quando a narrativa for contada em terceira pessoa.
Tempo
Pela narração, verifica-se que os fatos do enredo são narrados pelo narrador por
uma sequência de ações, realizadas pelas personagens construídas no próprio
texto, regidas pelo transcurso do tempo. Os fatos podem ser narrados na ordem
linear ou cronológica, seguindo o transcurso do tempo tal como no calendário
ou relógio, ou, então, na ordem alterada, chamada de alinear (“vaivém” do tem-
po), narrando-se os fatos acontecidos posteriormente em relação a outros que
tenham ocorrido antes, isto é, não obedecendo à sequência temporal do antes
e do depois (relação de causa – consequência).
Em Senhora, José de Alencar trabalha com o flash back , narrando o casa-
mento de Aurélia e Fernando até a noite de núpcias, promovendo um corte e
narrando fatos bem anteriores ao casamento, para finalmente retomar fatos
acontecidos depois do casamento.
Dessa maneira, na construção do tempo de uma narrativa, deve-se, em pri-
meiro lugar, determinar em que momento as ações se sucederão e, depois,
escolher verbos, advérbios e locuções adverbiais de acordo com o momento a
ser caracterizado, pois a marcação do tempo é estabelecida, em uma narrativa,
com o auxílio desses elementos linguísticos.
A construção do tempo, na narrativa, é muito relevante para a compreensão
do enredo. Inclusive, há narrativas que são construídas pelo tempo cronológico
ou psicológico e outras até em função do tempo histórico, chegando a temati-
zar a marcação do tempo.
ATENÇÃO
Leia o fragmento:
"Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando", costumava dizer Ana
Terra. Mas, entre todos os dias ventosos de sua vida, um havia que lhe ficara para sempre na
memória, pois o que sucedera nele tivera a força de mudar-lhe a sorte por completo. Mas em
que dia da semana tinha aquilo acontecido? Em que mês? Em que ano? Bom, devia ter sido
em 1777: ela se lembrava bem porque esse fora o ano da expulsão dos castelhanos do ter-
240 • capítulo 5
ritório do Continente. Mas, na estância onde Ana vivia com os pais e os dois irmãos, ninguém
sabia ler, e mesmo naquele fim de mundo não existia calendário nem relógio. Eles guardavam
na memória os dias da semana; viam as horas pela posição do sol; calculavam a passagem
dos meses pelas fases da lua; e era o cheiro do ar, o aspecto das árvores e a temperatura
que lhes diziam as estações do ano. Ana Terra era capaz de jurar que aquilo acontecera na
primavera, porque o vento andava bem doido, empurrando grandes nuvens brancas no céu,
os pessegueiros estavam floridos e as árvores que o inverno despira se enchiam outra vez
de brotos verdes.”
Fonte: VERÍSSIMO, Érico. O continente. In: O tempo e o vento.
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=86359).
MULTIMÍDIA
Novela (ou Romance para muitos) O Tempo e Vento (O continente), de Erico Veríssimo,
disponível no site:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
obra=86359, acessado em 19 de abril de 2015.
capítulo 5 • 241
Para se organizar um bom texto narrativo há necessidade de se trabalhar a
estrutura gramatical que o sustenta, sem se esquecer das passagens descritivas,
pois por meio delas que se obtém o movimento na narrativa, além das suas ca-
racterísticas fundamentais, a saber: qualificar, individualizar e localizar.
RESUMO
• Tempo cronológico
É o tempo que transcorre na ordem linear, na ordem natural dos fatos do enredo (=
calendário), do começo para o final. Chama-se tempo cronológico porque pode ser medido
em horas, meses, anos, séculos. Os textos O monstro, Tragédia brasileira, por exemplo, foram
construídos na ordem linear.
• Tempo psicológico
É o tempo que transcorre numa ordem determinada pela vontade, pela memória ou pela
imaginação do narrador ou personagem. É característico do enredo não linear, ou melhor, do
enredo em que os acontecimentos estão fora da ordem natural. No fragmento O tempo e o
vento, há a presença desse tempo, como também do tempo histórico.
• Tempo histórico
É referente ao momento histórico em que se situam os fatos narrados. Conforme apre-
sentado no fragmento O tempo e o vento: “Bom, devia ter sido em 1777”, referindo-se à
expulsão dos castelhanos naquele ano.
• Tempo do flashback
O flashback é um recurso narrativo que consiste em voltar no tempo. Ocorre, por exemplo,
quando uma personagem lembra um fato ou conta a outras personagens fatos que acres-
centam informações ou esclarecem uma situação. No romance Memórias Póstumas de Brás
Cubas, Machado de Assis apresenta essa técnica, pois o tempo para o narrador-personagem
Brás Cubas tem como referência a sua condição de morto, o que lhe permite voltar tanto para
o passado recente, contando como morreu, como no passado mais distante, narrando fatos
de sua infância e juventude.
CONCEITO
O tempo de uma narrativa é caracterizado pela duração da ação nela apresentada. Na
narrativa há diferentes tempos, a saber:
tempo cronológico, quando os fatos são narrados, segundo a ordem em que acontecem;
242 • capítulo 5
tempo psicológico, quando a rememoração do passado desencadeia a narrativa e
tempo histórico, referente ao momento histórico em que se situam os fatos narrados.
CURIOSIDADE
Quando o filme começa pelo final, geralmente se emprega essa técnica do flashback. É o
caso do filme Cinema Paradiso no qual um cineasta de sucesso, em Roma, ao receber a no-
tícia de que Alfredo, o projecionista do cinema de sua cidade natal morrera, volta ao passado
e recorda-se de sua infância e adolescência vividas na Sicília, Itália.
O gênero policial se utiliza bastante dessa técnica como recurso narrativo, pois testemu-
nhas, detetive, criminoso e suspeitos geralmente reconstroem, cada um a seu modo, a cena do
crime e contam como ele aconteceu, tal qual acontece na reconstrução dos crimes em Direito.
Personagens
capítulo 5 • 243
consequência da seca, em pleno sertão nordestino.
Machado de Assis é outro exemplo, pois os nomes, em suas obras, já denun-
ciam características de suas personagens. Em Dom Casmurro, a personagem-
narradora chama-se Bento, e tem sua vida, em grande parte, determinada pela
carolice da mãe, que queria torná-lo padre.
Há personagens que aparecem nos grandes romances de um país, acabam
por ganhar “vida” e fazer parte do seu imaginário cultural, tornando-se conhe-
cidos até por quem não leu os livros em que aparecem, como no caso de Dom
Quixote. No Brasil, entre outros, tem-se a personagem Macabéa do romance
Hora da Estrela, de Clarice Lispector.
REFLEXÃO
A personagem, de forma verossímil, é criada traço a traço ao longo da obra, por meio de traços
qualificacionais (dados na descrição de gestos, características físicas ou morais) ou funcionais,
representados pelos papéis e depreendidos das ações e das falas narradas das personagens.
CONCEITO
Verossímil é aquilo que parece verdadeiro. No caso das narrativas ficcionais, a verossimi-
lhança é muito importante porque é ela que garante a coerência da história contada. Embora
todos os elementos sejam construídos pela imaginação de um dado autor e não tenham
qualquer relação com a realidade, o texto será verossímil se o leitor aceitar que a história
contada poderia ser real, porque parece ser verdadeira.
Espaço
O espaço de ambiente (físico, social) é o cenário por onde circulam as perso-
nagens e onde se desenrola o enredo. Em alguns casos, a importância do am-
biente é tão fundamental que se transforma em personagem. Observe como o
Nordeste, em grande parte do romance modernista brasileiro; o colégio inter-
no, em O ateneu, de Raul Pompéia; o cortiço, em O cortiço, de Aluísio Azevedo
funcionam como espaço ambiente.
Perceba também como sempre há relação estreita entre a personagem,
seu comportamento e o ambiente que a cerca. Repare como, muitas vezes,
por meio dos objetos possuídos pode-se fazer um retrato perfeito do possui-
dor (personagem).
244 • capítulo 5
ATENÇÃO
Leia o fragmento descritivo seguir:
“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua
infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as
derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra
da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um
fartum acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e
em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acu-
mulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bo-
cejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam
as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; troca-
vam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas
interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros
abafados de crianças que ainda não andam.
No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem
se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos
saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à
semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.”
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço.
Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_
autor=2149
AUTOR
Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo (São Luís, 14 de
abril de 1857 — Buenos Aires, 21 de janeiro de 1913) foi um
romancista, contista, cronista, diplomata, caricaturista e jornalista
brasileiro; além de bom desenhista e discreto pintor. É autor de
vários romances de estética naturalista: "O mulato" (1881), "Casa
de pensão" (1884), "O cortiço" (1890), dentre outros.
capítulo 5 • 245
CONCEITO
fartum: mau cheiro
traquinava: do verbo traquinar, "fazer travessuras"
altercavam: do verbo altercar, "discutir"; "provocar polêmica"
espanejando-se: do verbo espanejar, "sacudir (as aves) o pó das asas, batendo-as"
RESUMO
• Espaço físico
O espaço físico ou geográfico é o lugar onde acontecem os fatos que envolvem as per-
sonagens. O espaço pode ser descrito pormenorizadamente ou suas características podem
aparecer diluídas na narração. Quase sempre é possível identificá-lo como espaço aberto ou
fechado, urbano ou rural.
No conto A morte da porta-estandarte, estudado há pouco, o espaço onde os fatos são
246 • capítulo 5
narrados é urbano carioca — carnaval na Praça Onze —, no Centro da cidade do Rio de
Janeiro. O período de tempo em que os fatos são narrados é curto, sendo equivalente a
uma noite. Já no romance de tese O cortiço, o espaço é o próprio cortiço carioca do final do
século XIX que acaba se tornando, de certa forma, uma personagem do livro devido a uma
personificação do espaço. Por exemplo, em certo momento, o narrador diz que: “Eram cinco
horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos”.
• Espaço social
É o espaço referente às condições socioeconômicas, morais e psicológicas que dizem
respeito às personagens. Dessa maneira, esse espaço possibilita situar as personagens na
época, no grupo social e nas condições em que se passa a história, projetar os conflitos vivi-
dos por elas, fornecer pistas para certo tipo de desfecho, como no caso do conto machadiano
Pai contra mãe, em que se tem o espaço físico, porque ocorre no Rio de Janeiro nos fins do
Segundo Império, como também o social — escravidão.
CONCEITO
Na narrativa, o espaço é o lugar onde se passa a ação ou o acontecimento. Articula-se com as
personagens, podendo influenciar suas atitudes ou sofrer transformações provocadas por elas.
Os fatos de uma narrativa mantêm relações com o espaço nestes dois níveis: físico ou
geográfico e social, este também chamado por muitos estudiosos de espaço de ambiente,
por englobar, segundo eles, o tempo e o espaço.
Leia a seguir o miniconto de Marina Colasanti, intitulado A honra passada a limpo em que
se presentificam todos os elementos da narrativa estudados para perceber a importância do
reconhecimento deles não só em sua produção textual, mas também no momento de inter-
pretar um determinado texto:
capítulo 5 • 247
E de vassoura em punho gasto tapetes persas.
Sou perseverante, eu sei. À mesa que ponho ninguém senta. Nas camas que arrumo
ninguém dorme. Não há ninguém nesta casa, vazia há tanto tempo.
Mas, sem tarefas domésticas, como preencher de feminina honradez a minha vida?”
COLASANTI. Amores Rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
SUGIRO COLOCAR O TEXTO EM BOX CONEXÃO
248 • capítulo 5
ATENÇÃO
Cada palavra criada dentro de um texto é selecionada criteriosamente pelo seu autor e tem
sempre uma intenção, ou seja, um sentido, pois se nada significasse não estaria no texto, mas
sim no cesto de lixo. Logo, no texto tudo faz sentido.
Considerações finais
Pode-se afirmar que a produção do texto narrativo pressupõe a construção de
um enredo, baseado em fatos que se modificam no tempo, a criação de perso-
nagens que vivenciam os fatos, em um determinado espaço e a instituição de
um narrador que, a partir de um ponto de vista, organiza todos esses elementos
constitutivos da narrativa.
Assim, construir uma narrativa é mostrar, no texto, a ação de uma persona-
gem, que opera uma transformação em seu meio. Em toda narrativa, alguém
age e muda o estado das coisas, alterando a situação inicial. Se se propõe a
construir um texto narrando fatos, é porque há uma alteração, uma mudança
neles, e alguém a opera.
Não se deve esquecer ainda de que esse tipo de texto tem um forte cunho in-
formativo, embora traga sempre um ponto de vista implícito, pois é impossível
uma narração isenta, imparcial.
LEITURA
Em Missa do Galo: variações sobre o mesmo tema, um dos mais célebres contos de Machado
de Assis é recontado por seis grandes escritores brasileiros (várias versões sobre um mesmo
fato): Antonio Callado, Autran Dourado, Julieta de Godoy Ladeira, Lygia Fagundes Telles,
Nélida Piñon e Osman Lins.
O conto original é o relato de um rapaz que, retomando um momento do passado, tenta
compreender o que se passou, na rapidez cronológica de pouco mais de uma hora, entre ele,
então com 16 anos, e Conceição, já na casa dos 30.
Nas releituras, os seis autores jogam com o tempo e o espaço, além de dividirem os
pontos de vista.
Disponível em: http://www.skoob.com.br/livro/40535-missa_do_galo. Acessado em 20/7/2014.
capítulo 5 • 249
2 Características e construção do texto
descritivo
CONCEITO
Descrição é o ato de descrever. Descrever é apontar atributos da pessoa ou coisa descrita,
que se costuma denominar objeto da descrição. Pode ser uma pessoa, um animal, um pro-
cesso, um ser inanimado, uma cena, um local. Assim, o texto descritivo é entendido como o
que descreve, fazendo uma representação verbal de um objeto (ser, coisa, circunstância do
acontecimento do fato, paisagem), por meio da indicação dos seus aspectos mais caracterís-
ticos, dos seus atributos, dos pormenores que o individualizam, que o distinguem.
Para Platão e Fiorin (2012), a descrição “é o tipo de texto em que se relatam as ca-
racterísticas de uma pessoa, de um objeto ou de uma situação qualquer, inscritos em certo
momento estático do tempo” (p. 297). Os autores ressaltam que o texto descritivo não relata
mudança de estado que ocorrem no tempo, apenas retrata as propriedades e os aspectos que
os elementos descritos em certo estado, tomando-os como se estivessem parados no tempo.
O fragmento de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, citado, apresenta uma predominância
de sequências descritivas. As sequências descritivas, nesse contexto, têm a função de desa-
celerar a narrativa, trazendo uma lentidão tanto na narrativa quanto na vida das personagens
que se arrastam pelo sertão, vagando, em busca de uma melhor condição de vida.
No texto descritivo, podem ocorrer tanto caracterizações objetivas (físicas, concretas),
quanto subjetivas (aquelas que dependem do ponto de vista de quem descreve). A finalidade
da descrição é transmitir a impressão que a coisa vista desperta em nossa mente mediante
os sentidos. Ela é mais que fotografia, porque é interpretação também, salvo se se tratar de
250 • capítulo 5
descrição técnica ou científica.
A descrição apresenta ainda algumas características, como: presença de substantivos,
que marcam traços genéricos do objeto descrito; de adjetivos e locuções adjetivas, que atri-
buem características específicas que permitem um detalhamento maior.
Além disso, há também o uso de verbos de ligação; predomínio da coordenação de
ideias; predomínio de verbos no pretérito imperfeito — porque permite tornar “presente” o
que já passou. Já o uso do presente do indicativo, em uma descrição, é para fazer com que
aquilo que se descreve apareça como um quadro vivo à nossa frente. Assim como, o emprego
de metáforas e de comparações objetiva materializar a imagem descrita.
COMENTÁRIO
Metáfora e comparação
Metáfora — consiste em utilizar uma palavra ou uma expressão em lugar de outra, sem
que haja uma relação real, mas em virtude da circunstância de que o nosso espírito as asso-
cia e depreende entre elas certas semelhanças. Na comparação (ou símile) aparece sempre
um conectivo comparativo (como, assim como, que nem, tal qual), o que a diferencia da metá-
fora. "Meu pensamento é um rio subterrâneo." (Fernando Pessoa). Nesse caso, a metáfora é
possível porque o poeta estabelece relações de semelhança entre um rio subterrâneo e seu
pensamento (pode estar relacionando a fluidez, a profundidade, a inatingibilidade).
Se Pessoa fizesse uso de um conector comparativo, passaria a ser uma comparação:
"Meu pensamento é como (ou tal qual) um rio subterrâneo." Na verdade, toda metáfora é uma
espécie de comparação implícita, em que o elemento comparativo não aparece.
[...]Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens.
Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de
magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo
médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou
um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com
uma dama formosa e tonta;
capítulo 5 • 251
abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa
para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.[...]Camilo e Vilela olharam-se com
ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do
Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos,
olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava
trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela
fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral
e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza
põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.
ASSSIS, José Maria Machado de. Várias Histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
252 • capítulo 5
ve, pois não existe texto sem intenção.
Já a descrição subjetiva é aquela em que o observador emite juízos de va-
lor, salienta determinadas características que o impressionam. Portanto, o
que está sendo descrito é filtrado pelo observador; interessa o que ele quer ver,
como ele vê, a exemplo tem-se a descrição literária, como em São Bernardo, de
Graciliano Ramos:
“Começo declarando que me chamo Paulo Honório, peso oitenta e nove
quilos e completei cinquenta anos pelo São Pedro. A idade, o peso, as sobrance-
lhas cerradas e grisalhas, estes rostos vermelhos e cabeludos têm-me rendido
muita consideração. Quando me faltavam essas qualidades, a consideração era
menor.”
CURIOSIDADE
Na descrição subjetiva, a interferência do autor é sempre maior e costuma ser caracterizada
pela emissão de juízos de valor. Já na descrição objetiva, o autor interfere menos, tentando
nos passar uma imagem mais próxima ao real, evitando os julgamentos pessoais.
capítulo 5 • 253
ordem do narrar (geralmente na sequência narrativa) que a tradição e o uso
identificam as sequências descritivas, ocorrendo uma articulação entre os seg-
mentos narrativos e descritivos, que pode ser analisada de forma a perceber
frases que expressam a progressão cronológica dos acontecimentos e outras
que apresentam características do quadro em que se inscreve essa progressão.
Na realidade, existem três operações que definem a descrição: identifica-
ção, localização e qualificação.
“O réu ameaçava a vítima que, aos gritos, clamava por não ser morta. Ele pediu as joias
e, ao ouvir a negativa da vítima, que dizia não possuir nenhuma, não teve dúvida: com
frieza desumana, puxou o gatilho do revólver encostado à cabeça da vitimada, prostran-
do-a no chão sem vida, de forma cruel, por motivo absolutamente fútil.”
“O réu, no intento de roubar, pediu à vítima joia e dinheiro. Assustado, temeroso e alte-
rado, pois não é bandido profissional, mas incidentalmente cometendo aquele equívoco,
ouviu a ríspida negação da vítima e, supondo tendo ela chance de reação, que por certo
poria sua vida em risco, em um ímpeto de emoção e medo apertou o gatilho, temendo
por sua sobrevivência.”
254 • capítulo 5
Nos parágrafos em análise, há duas narrativas da mesma cena, e cada nar-
rador a descreve exatamente como se tinha passado. Não é que um tenha visto
uma coisa e o outro, outra diferente, mas cada um a descreveu com um ponto
de vista diferente (acusatório e defensivo).
O autor tem, portanto, de selecionar e ordenar adequadamente os elemen-
tos a serem incluídos no texto, tendo como diretriz, nesse processo decisório,
o objetivo com que o texto é produzido. Afinal, todo tipo de texto tem um obje-
tivo, por essa razão, ao se interpretar um fragmento descritivo em outro tipo de
texto, deve-se procurar identificar a motivação subjacente à seleção e ordena-
ção do objeto descrito.
ATENÇÃO
Descrever é pintar um quadro, retratar um objeto, uma personagem, um ambiente. A descri-
ção difere da narração fundamentalmente por não se preocupar com a sequência de ações,
com o desenrolar do tempo. A descrição enfrenta um ou vários objetos, uma ou várias perso-
nagens, uma ou várias ações, em um determinado momento, em uma mesma fração da linha
cronológica. É a foto de um instante. Sendo assim, a descrição é o “retrato verbal” de seres
(pessoas, objetos), paisagens ou situações; trabalha com imagens, permitindo uma visualiza-
ção do que está sendo descrito.
RESUMO
O texto descritivo pode ser conceituado como o que descreve, fazendo uma representação
verbal de um objeto (ser, coisa, circunstância do acontecimento do fato, paisagem), por meio
da indicação dos seus aspectos mais característicos, dos seus atributos, dos pormenores que
o individualizam, que o distinguem.
A descrição também está a serviço de outras artes, como a pintura, a fotografia e a escultura.
capítulo 5 • 255
Vitalino Pereira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino, artesão ceramista brasi-
leiro, filho de lavradores, ficou conhecido por retratar, em seus bonecos de barro, cenas
que descrevem o folclore do povo nordestino, especialmente do interior de Pernambu-
co, e o modo de vida dos sertanejos.
256 • capítulo 5
Desenvolvimento: alinham-se ideias, fatos, exemplos, comparações, citações,
argumentos, com que o autor pretende demonstrar seu ponto de vista. É a parte
B mais importante porque se passa da generalização para a especificação. É es-
sencial que esses itens específicos estejam em uma ordem lógica.
Cada cidade é um mundo em miniatura onde coexistem os mais diferentes tipos hu-
manos, arquitetônicos e naturais. Com seu dinamismo, a cidade atrai e expele, glorifica
e massacra, dá a vida e também tira de seus filhos, sejam eles naturais ou adotivos.
Somos nela criados, somos por ela educados, sentimo-nos estrangeiros fora da nossa
cidade – ela é o centro da nossa existência.
Miscigenação de raças, classes sociais e profissionais, desenhos habitacionais cotidia-
nos e irregulares, sede do poder e da pobreza, o centro urbano reúne em si vitória e
derrota, felicidade e dor, contradição. Há o que busca a vida tranquila na Rocinha, há o
que busca apenas o lazer no shopping center, o reduto mundial do consumismo. Cidade
é permissão. Cidade é coação. “Faz o que tu queres, mas serás julgado por tudo.” A
cidade é o espaço singular onde nascemos, vivemos e morreremos; que conhecemos
tão bem, mas que explicamos sem explicar. A cidade ou não tem explicação, ou permite
todas as explicações.
O espaço urbano é construído com base nos tipos que nele habitam ou são os tipos mol-
dados pelo ambiente? Local da multiplicidade, da integração e da discórdia, o sincretismo
urbano é, para muitos, o sonho da mudança acertada, o caminho da felicidade. É São
Paulo para os sertanejos. É o Rio de Janeiro para Macabéa: é cidade feita contra pessoas.
capítulo 5 • 257
Visão ingênua deste mundo contraditório, ela representa a realização do sonho das
massas. A cidade, em sua grandiosidade, é protetora e é perversa, é a paz é o inferno,
é a certeza e é a contradição. Há a possibilidade de se filosofar sobre ela, de divagar
sobre seus prós e seus contras, sobre seu bem e sobre seu mal. Todavia, conhecer uma
cidade é como conhecer uma pessoa: é vivê-la, é sofrê-la, é amá-la. A cidade é a nossa
própria vida.
Tanto é nossa vida que está em nós. Está em nossas roupas, em nosso jeito de ser, em
nossos gostos, em nossa falta. O porto-alegrense é um singular. Ao florianopolitano
não tem igual: é o mané da ilha, Guga para o mundo. Quem confunde um carioca e um
soteropolitano? Cidade é a identidade. Somos nossa cidade, somos estrangeiros fora
dela. Curitibano em Manaus é brasileiro no Japão – ambos expatriados porque o fixo
e o fluxo de Curitiba e de Manaus são opostos, como os do Brasil são do Japão. Uma
cidade forma-se de pessoas, partículas homogêneas que, todas juntas com suas dife-
renças, dão o ar heterogêneo que é a cara da cidade.
Mundo, vasto mundo: teu início é na minha cidade, ainda que a cidade não seja minha.
Com a globalização que conectou todo o globo, as fronteiras fecharam-se mais e mais.
O mundo todo está em todas as cidades, enquanto cada uma tenta manter-se sua: es-
paço múltiplo, porém restrito. Cada cidade é de cada um que a tem como sua. Cidade é
propriedade, a cidade é pública.
CONCEITO
Sincretismo: Fusão de elementos culturais diversos, ou de culturas distintas, ou de diferen-
tes sistemas sociais.
COMENTÁRIO
Após a leitura do texto, percebe-se que a autora organiza uma estrutura argumentativa com
o objetivo de demonstrar, ao leitor, a diversidade como um elemento constitutivo das cidades.
258 • capítulo 5
No primeiro parágrafo, tem-se a introdução com a apresentação da tese a ser defen-
dida – “a cidade é um mundo em miniatura” –, destacando a importância da cidade na
vida de seus habitantes.
No segundo parágrafo, a autora enumera várias características observadas nas cidades,
que por si sós, já constituem argumentos para sustentação da tese de que a cidade é o es-
paço do múltiplo – “é um mundo em miniatura”.
No terceiro parágrafo, por meio de uma pergunta retórica – “O espaço urbano é construído
com base nos tipos que nele habitam ou são os tipos moldados pelo ambiente?” – a autora con-
tinua a enumerar os aspectos observáveis nos centros urbanos que reiteram sua diversidade
no que se refere às condições de vida presente e às perspectivas de vida futura, servindo essas
observações como argumentos para a defesa da análise que está sendo construída.
No quarto parágrafo, a autora apresenta argumentos por exemplos que reafirmam o que
foi dito antes, dando-lhes uma função argumentativa.
No quinto parágrafo, a autora, fazendo a citação de um verso do Poema de sete faces
de Drummond, em forma de vocativo para cidade, retoma por meio da intertextualidade a
tese apresentada no primeiro parágrafo “a cidade é um mundo em miniatura”, para concluir
a defesa de sua tese.
Nota-se que a autora, em todos os parágrafos, reafirma a sua tese principal e que ini-
cialmente ela faz uma afirmação mais generalizante sobre a cidade e, em seguida, reúne
os exemplos que comprovam a verdade do que foi dito, razão por que eles têm uma função
argumentativa no texto.
capítulo 5 • 259
posse da “verdade”. O texto argumentativo sempre estabelece uma polêmica
com aqueles que defendem uma tese contrária à apresentada.
Assim, estabelece-se a seguinte diferença entre estes tipos de textos: expli-
car uma verdade ou tese, em uma visão racional, para influenciar o interlocu-
tor, para convencê-lo (dissertativo-expositivo ou expositivo) ou persuadi-lo (dis-
sertativo- argumentativo).
Quanto à linguagem do texto dissertativo-expositivo ou dissertativo-argu-
mentativo predomina o uso dos verbos no presente do indicativo – por não ter
esse tempo verbal conotação temporal –, ou seja, ele não faz referência a acon-
tecimentos ocorridos. Deve-se evitar também o uso das formas de primeira pes-
soa (eu/nós) no texto dissertativo para que não seja visto como expressão de um
olhar subjetivo, particular, mas sim como uma argumentação racional, válida
para todas as pessoas
Sendo assim, o texto dissertativo-argumentativo visa a defender uma tese ou
ponto de vista e é classificado como argumentativo porque nele o argumentador
precisa argumentar, desenvolver argumentos a fim de comprovar a sua tese, por
isso apresenta sempre dois elementos fundamentais: tese e argumentos.
ATENÇÃO
Persuadir significa convencer alguém a aceitar uma ideia, acreditar em algo, agir de uma
determinada maneira. A persuasão sempre envolve a utilização de argumentos no contexto
da interlocução, visto que um dos interlocutores procura influenciar o outro.
CONCEITO
Tese — é o ponto de vista ou posicionamento a ser defendido pelo argumentador.
Argumento — é a fundamentação da tese ou as razões ou justificativas evocadas com o
objetivo de demonstrar a validade da tese.
260 • capítulo 5
ataca os pontos de vistas contrários.
É por isso que, nesse tipo de texto, estão presentes pelo menos estas duas
vozes ou pontos de vista distintos:
• a voz do argumentador (que defende a tese apresentada no texto) e
• a voz do indivíduo ou grupo que defende a tese contrária.
Leia o texto argumentativo a serguir, que apresenta uma visão possível, mas
que não exclui outras, certamente.
“O adolescente infrator vem sendo bombardeado pela mídia como um dos grandes
responsáveis pelo crescente aumento da violência e da marginalidade. São colocados
como chefes de quadrilhas com condições suficientes para o discernimento necessário
à imputabilidade. A solução para o problema parece ser a diminuição da maioridade pe-
nal, o que significaria a alteração do artigo 228 da Constituição da República Federativa
do Brasil/88 e do artigo 27 do Código Penal.
Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substancialmente a segurança
no país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento porquanto, se assim o fosse,
não haveria maior criminoso, visto que há punibilidade prevista para o maior de dezoito
anos. É preciso que se esclareça que o menor não fica impune aos atos que pratica, pois
por isso o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) elenca uma série de medidas
socioeducativas para recuperá-lo e adequá-lo à vida em sociedade, o que na maioria
dos casos foi subtraído por toda uma injustiça social que há muito campeia neste país.
Sobre essa questão, há dois pontos que merecem atenção. De um lado, se a função do
Estado é garantir a dignidade da pessoa humana, parece mais razoável que se invista no
cumprimento do disposto no artigo 227 da CRFB/88, proporcionando um ambiente saudá-
vel para a formação integral do adolescente e respeitando o seu caráter peculiar de pessoa
em desenvolvimento. Observe-se que o texto utiliza a expressão “absoluta prioridade”:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adoles-
cente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). Parece que o Estado vem descumprindo
a sua parte em garantir esse direitos ao adolescente.
E não se trata de norma programática, mas de um imperativo.
capítulo 5 • 261
Por outro lado, se os direitos e garantias fundamentais não podem sofrer alterações
que venham a restringi-los, parece lógico que o artigo 228 da CRFB/88 contempla
uma garantia individual da pessoa humana que não pode ser objeto de alteração. É uma
garantia ao menor de dezoito anos que não seja responsabilizado penalmente por seus
atos: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial”.
Enfim, diante da Constituição da República Federativa do Brasil/88, não há que falar
em diminuição da maioridade penal. Se o texto constitucional contempla a dignidade
da pessoa humana, a diminuição da idade para responsabilização penal, divorcia-se do
mandamento que determina o respeito à condição peculiar do adolescente, de pessoa
em desenvolvimento. Ademais, a questão dos direitos fundamentais do adolescente é
uma prioridade para um Estado que tem de se preocupar com as futuras gerações. A
dimensão social do texto não pode ser negligenciada. A formação de uma nova geração
depende da intenção política de se fundar um Estado em que a felicidade não seja uma
ficção ou uma referência aos autores clássicos do Direito.”
CHALITA, Gabriel. “Heurística e direito”. In. Hermenêutica Plural. 2002, p. 235-237, com
adaptações.
COMENTÁRIO
1. Introdução — formulação de tese
Ao se escrever um texto dissertativo-argumentativo, o ponto de partida será a formu-
lação de uma tese. A tese é a ideia principal que se pretende defender durante o texto a
ser produzido. Ela deve estar relacionada ao tema da proposta apresentada e ser apoiada
por argumentos válidos e consistentes em busca da persuasão dos leitores ou ouvintes.
A tese deve, pois, ser clara, definida, quanto ao que afirma ou nega e deve ser suficiente-
mente específica para permitir uma tomada de posição contra ou a favor, pois é fato que
a argumentação tem um caráter dialético, pois implica uma resposta da parte do receptor,
um confronto de pontos de vista.
No primeiro parágrafo do fragmento em estudo, tem-se a apresentação da tese do autor
– contra a diminuição da maioridade penal, reforçada no início do segundo parágrafo, já no
desenvolvimento: “Acreditam os que defendem essa tese que isso [...]”.
O primeiro parágrafo cria assim uma expectativa do que deverá ser demonstrado pelo
texto para comprovar a tese anunciada.
262 • capítulo 5
2. Desenvolvimento — formulação dos argumentos
No desenvolvimento do corpo do texto dissertativo-argumentativo, será feita a formula-
ção dos argumentos que constitui a argumentação propriamente dita. É o momento no qual
o autor apresenta as provas ou as razões que são o suporte de suas ideias.
Os argumentos devem se basear em fatos (exemplos, comparações, ilustrações, decla-
rações, narrações, citações). Também devem ser fundamentados os argumentos contrários
à tese apresentada, momento este em que o argumentador passa à contestação ou à refu-
tação da possível tese contrária àquela formulada por ele, para que a sua argumentação se
torne mais convincente e persuasiva.
Observa-se que, no segundo parágrafo do desenvolvimento, ao fazer uso de um argu-
mento de concessão — “Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substan-
cialmente a segurança no país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento [...]” “[...] se
assim o fosse, não haveria maior criminoso [...]” e de autoridade — CRFB/88 e do ECA —, o
argumentador continua a enumerar argumentos sobre a tese proposta, articulando-os entre
os demais parágrafos para defesa e análise da tese que está sendo construída — não dimi-
nuição da maioridade penal, como a demonstração das razões pelas quais se afigura mais
consistente com as normas e os princípios constitucionais.
Nesse parágrafo, o argumentador se propõe a refutar a tese oposta à sua. Para isso ele pre-
cisa desacreditar os argumentos da parte adversa: “Acreditam os que defendem essa tese que
isso alteraria substancialmente a segurança no país. Parece um pouco ingênuo... dezoito anos”.
O terceiro parágrafo enfatiza novamente o argumento de autoridade, ao discorrer sobre
a importância da garantia do Princípio da dignidade da pessoa humana, julgando-se ser mais
razoável que se invista no cumprimento do disposto, no artigo 227 da CRFB/88, objetivando-
se assim a sustentação da tese principal.
Na verdade, em todos os parágrafos do desenvolvimento, o produtor do texto, reafirma a
tese principal, sempre com base no argumento de autoridade e na responsabilização social
do Estado em relação aos adolescentes infratores.
Conclusão — Confirmação da tese
Ao final da formulação dos argumentos, segue-se a conclusão, sem a qual a argumenta-
ção ficará vaga; e que deve ser iniciada por conjunções conclusivas ou locuções conjuntivas
conclusivas, como: logo, portanto, assim, enfim, por isso, por conseguinte, isso posto. Pode-
se também iniciar esse trecho final da argumentação, fazendo uso de locuções conjuntivas
consecutivas, como: de modo que, de forma que, ao passo que, de sorte que.
A conclusão se constrói naturalmente das provas arroladas, dos argumentos apresen-
tados. Sendo um fechamento do texto, deve também propor, neste elemento, sempre que
possível, a solução ao problema, a partir dos pontos já levantados durante o texto produzido
capítulo 5 • 263
e a retomada e a confirmação da tese.
Na conclusão do texto em análise, o argumentador reafirmou a tese principal — da não
diminuição da maioridade penal —, citando, mais uma vez, o texto constitucional que contem-
pla a dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais do adolescente e apresentando
como solução uma prioridade do Estado sobre esse tema por ser responsabilidade deste a
preocupação com as futuras gerações.
Constata-se, no texto dissertativo-argumentativo sobre a Redução da Maioridade Penal,
que o argumentador não apresentou um argumento sequer a favor da redução da maioridade
penal. Em vez disso, ocupou-se de combater e desconstruir, por meio de um questionamento,
um dos argumentos daqueles que são a favor dessa redução.
CONCEITO
Argumento de autoridade – é baseado na opinião de um especialista ou nas diversas fontes
do Direito.
Argumento por Concessão – é um tipo eficiente de contra-argumentação. Essa estratégia
é executada em duas etapas. Em primeiro momento, o argumentador dá a impressão de con-
cordar com o seu adversário, isto é, ele parece conceder a razão ao seu adverso (daí o nome
concessão), contudo, em seguida, a tese adversária é combatida e devidamente refutada.
ATENÇÃO
Quanto aos aspectos formais, a dissertação dispensa o uso abusivo de figuras de lingua-
gem, bem como o valor conotativo das palavras. Por suas características, o texto dissertativo
requer uma linguagem mais sóbria, denotativa, sem rodeios; preferindo-se sempre o uso da
terceira pessoa.
Diferentemente da narração, a dissertação não apresenta uma progressão temporal; os con-
ceitos são genéricos, abstratos e, em geral, não se prendem a uma situação de tempo e
espaço. Daí o emprego de verbos no presente. Ao contrário também da descrição, que se
caracteriza pelo período simples, a dissertação trabalha com o período composto, com o
encadeamento de ideias e, nesse tipo de construção, o emprego correto dos conectores é
fundamental para se obter um texto claro, coeso e coerente.
264 • capítulo 5
MULTIMÍDIA
A eutanásia é tema bastante polêmico, que envolve aspectos médicos, éticos, jurídicos e
religiosos. Como responder a questões como as que seguem?
• Se estiver consciente, o doente tem o direito de decidir quando parar de viver?
• E se estiver inconsciente, a família poderia ter esse direito?
• Caso fosse legalizado, quem teria a tarefa de ajudar o doente a provocar a própria morte?
• E os médicos, como deveriam agir, já que juraram defender a vida?
Mar adentro, filme espanhol que discute a eutanásia, ganhou o Oscar de melhor filme es-
trangeiro em 2004.
Sinopse: Ramón Sampedro (Javier Bardem) é um homem que luta para ter o direito de
pôr fim à sua própria vida. Na juventude, ele sofreu um acidente, que o deixou tetraplégico e
preso a uma cama por 28 anos. Lúcido e extremamente inteligente, Ramón decide lutar, na
justiça, pelo direito de decidir sobre sua própria vida, o que lhe gera problemas com a Igreja,
a sociedade e até mesmo seus familiares.
capítulo 5 • 265
4 Características e construção do texto injuntivo
Os textos injuntivos são aqueles cujo objetivo é levar as pessoas a agirem de de-
terminada maneira, como modo de alcançarem um resultado específico: insta-
lar ou configurar um aparelho, preparar uma refeição.
Nesse tipo de texto, o conteúdo é sempre algo a ser feito e/ou como ser feito,
uma ou várias ações ou fatos e fenômenos cuja realização é pretendida por alguém.
O texto injuntivo distingue-se de uma sequência narrativa pela ausência de
um sujeito responsável pelas ações a praticar e pelo caráter diretivo no qual as
formas verbais específicas dessas frases estão geralmente no modo subjuntivo,
infinitivo e imperativo, mas o último — o imperativo — é o modo mais frequen-
te nesse tipo de texto.
Desse modo, o texto injuntivo objetiva dizer a ação requerida, desejada, di-
zer o que e/ou como fazer e assim incitar o receptor à realização da situação.
Os textos instrucionais se caracterizam pela apresentação de uma série de
procedimentos a serem seguidos, em uma determinada circunstância, e esta-
belecem uma interlocução direta com o leitor, como: prescrição médica, bulas
de remédio, receitas culinárias, manuais, regras de jogo, guias de uso.
Mas todos os textos instrucionais são considerados injuntivos, porque apre-
sentam também procedimentos a serem seguidos.
A letra de música Feijoada Completa, de Chico Buarque, apresenta alguma
semelhança com a estrutura de textos instrucionais. Observe:
Mulher, você vai gostar: Eles vão com uma sede de anteontem.
Tô levando uns amigos para conversar. Salta a cerveja estupidamente
Eles vão com uma fome Gelada para um batalhão
Que nem me contem; E vamos botar água no feijão.
266 • capítulo 5
Mulher, não vá se afobar; Joga o paio, carne seca,
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar. Toucinho no caldeirão
Ponha os pratos no chão e o chão tá E vamos botar água no feijão.
posto Mulher, depois de salgar
E prepare as linguiças pro tira gosto. Faça um bom refogado,
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão Que é pra engrossar.
E vamos botar água no feijão. Aproveite a gordura da frigideira
Mulher, você vai fritar Pra melhor temperar a couve mineira.
Um montão de torresmo pra acompa- Diz que está dura, pendura
nhar: A fatura no nosso irmão
Arroz branco, farofa e a malagueta; E vamos botar água no feijão.
A laranja-bahia ou da seleta.
capítulo 5 • 267
Pimenta malagueta Um bocadinho mais
Um bocadinho mais Amendoim, camarão, rala um coco
Bota castanha de caju Na hora de machucar
Um bocadinho mais Sal com gengibre e cebola iaiá
Pimenta malagueta Na hora de temperar
MULTIMÍDIA
Para ouvir
Gal canta Caymmi, de Gal Costa. Philips, 1976.
Nesse CD, Gal canta um clássico de Dorival Caymmi de 1942, Vatapá, que se utilizou do
texto instrucional para fazer uma de suas canções mais conhecidas: “Quem quiser vatapá, ô/
Que procure fazer/Primeiro o fubá, depois o dendê...”.
Chico Buarque – Philips, 1977
Em Feijoada completa, um marido avisa à esposa que está para chegar a casa com amigos. É
hora de incrementar a feijoada: “Depois de salgar/Faça bom refogado, que é para engrossar/
Aproveite a gordura da frigideira/Para melhor temperar a couve-mineira”. Essa música, feita
para o filme Vai trabalhar, vagabundo, de Hugo Carvana, apresenta alguma semelhança com
a estrutura de textos instrucionais ou injuntivos.
Para assistir
A beleza do filme Como água para chocolate está justamente nos acontecimentos que
ocorrem na cozinha da casa e na mesa, onde todos os moradores do rancho partilham as
refeições, ou nas festas, em que convidados chegam para saborear os pratos preparados
por Tita, servidos em uma bonita mesa ao ar livre. Na vida de muitas famílias mexicanas, o
preparo da comida tem uma importância muito grande. Para as filhas mulheres, criadas na
cozinha, aprendendo a preparar os pratos, alimentos e sentimentos misturam-se, revelando
os momentos de tristeza e alegria. Alfonso Arau conta a história dessa família mexicana a
partir de doze receitas, quase todas feitas por Tita, que recriam os momentos de maior felici-
dade e dor vividos pelas personagens
268 • capítulo 5
5 Construção do parágrafo-padrão
No texto argumentativo, conforme já comentado, o emissor precisa persuadir
o ouvinte, isto é, precisa tocar suas emoções e fazê-lo mudar suas ações, para
isso deve garantir que o receptor entenda sua mensagem e, assim, a mensagem
precisa ser organizada com coesão, coerência, clareza e objetividade. É sabido
que o receptor não é um elemento passivo no processo de comunicação, mas
que, pelo contrário, contribui de forma decisiva na construção dos sentidos de
um texto (KOCH, 2002).
Entende-se o parágrafo-padrão (GARCIA, 2010, p. 188) como uma unidade
de composição constituída por um ou mais de um período, em que se desenvol-
ve determinada ideia central ou nuclear, também chamada de tópico frasal, a
que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e
logicamente decorrentes dela (coesão e coerência).
O parágrafo-padrão é composto de três partes:
• a introdução, representada geralmente por um ou dois períodos curtos ini-
ciais, em que se expressa de maneira sumária a ideia-núcleo (ou tópico frasal);
• o desenvolvimento, isto é, a explanação dessa ideia-núcleo;
• e a conclusão, mais rara nos parágrafos curtos ou naqueles em que a ideia
central não apresenta maior complexidade.
Observe:
capítulo 5 • 269
tividade a fim de agir sobre o leitor, em busca da persuasão, e termina com a
demonstração de interesse na solução de um problema que atinge grande nú-
mero de pessoas, mostrando preocupação e responsabilidade social.
Observe o parágrafo, retirado do livro As formas do falso (1986), de Walnice
Nogueira Galvão, em que a autora faz um estudo sobre a ambiguidade no Gran-
de sertão: veredas, de Guimarães Rosa:
“Dá-se o nome de sertão a uma vasta e indefinida área do interior do Brasil, que abran-
ge boa parte dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Maranhão,
Goiás e Mato Grosso. É o núcleo central do país. Sua continuidade é dada mais pela
forma econômica predominante, que é a pecuária extensiva, do que pelas característi-
cas físicas, como tipo de solo, clima e vegetação. Embora uma das aparências do sertão
possa ser radicalmente diferente de outra não muito distante – a caatinga seca ao lado
de um luxuriante barranco de rio, o grande sertão rendilhado de suas veredas –, o con-
junto delas forma o sertão, que não é uniforme, antes bastante diversificado.”
6 Tipos de tópicos-frasais
A expressão “tópico-frasal”, utilizada por Othon M. Garcia (2010, p. 206), é a
designação dada a um ou dois períodos curtos iniciais que contêm a ideia-nú-
270 • capítulo 5
cleo do parágrafo em texto dissertativo, dissertativo-argumentativo, descritivo,
narrativo e injuntivo, por exemplo. O tópico frasal é eficiente e uma maneira
bastante prática de estruturar o parágrafo, pois já de início expõe a ideia que
se quer passar, a qual é comprovada e reforçada pelos períodos subsequentes.
Dessa forma, o tópico frasal (também chamado de frase-síntese ou período
tópico) é o enunciado mais relevante do parágrafo porque serve de fio condutor
do raciocínio, garantindo a qualidade da escrita; coerência, coesão, objetivida-
de e a unidade de significação. A ideia central ou tópico frasal, geralmente, vem
no começo do parágrafo, seguida de outros períodos que explicam ou detalham
a ideia central.
Os tipos mais comuns de tópicos- frasais são aqueles organizados com
base em:
6.2 Enumeração
Forma de indicação de fatos (ou algo), um por um, em uma exposição ou rela-
ção metódica:
capítulo 5 • 271
Machado de Assis (1992), no capítulo XLV das Memórias póstumas de Brás
Cubas, utilizou este tipo de tópico frasal quando a personagem-título fala do
enterro de seu pai:
“Soluços, lágrimas, casa arrumada, veludo preto nos portais, um homem que veio ves-
tir o cadáver, outro que tomou a medida do caixão, caixão, essa, tocheiros, convites,
convidados que entravam, lentamente, a passo surdo, e apertavam a mão à família,
alguns tristes, todos sérios e calados, padre e sacristão, rezas, aspersões de água
benta, o fechar do caixão, a prego e martelo, seis pessoas que o tomam da essa, e o
levantam, e o descem a custo pela escada, não obstante os gritos, soluços e novas
lágrimas da família, e vão até o coche fúnebre, e o colocam em cima e trespassam e
apertam as correias, o rodar do coche, o rodar dos carros, um a um... Isto que parece
um simples inventário, eram notas que eu havia tomado para um capítulo triste e
vulgar que não escrevo”.
“[...] Entreabriu a porta, mergulhou na faixa de luz que passou pela fresta, correu o trinco
devagarinho. Avançou, temendo esbarrar nos móveis. Acostumando a vista, começou a
distinguir manchas: cadeiras baixas e enormes, que atravancavam a saleta. Escorregou
para uma delas, o coração aos baques, o fôlego curto. Afundou no assento gasto. As
rótulas estalaram, as molas do traste rangeram levemente. Ergueu-se precipitado, en-
costou-se à parede, com receio de vergar os joelhos. Se as juntas fizessem barulho, os
moradores iriam acordar, prendê-lo.
272 • capítulo 5
Achou-se fraco, sem coragem para fugir ou defender-se. Acendeu a lâmpada e logo se
arrependeu. O círculo de luz passeou no assoalho, subiu numa cadeira e sumiu-se. A
escuridão voltou. Temeridade acender a lâmpada.
(RAMOS, Graciliano, “Um ladrão”. In: Insônia. São Paulo: Obras Completas, Aguilar. 1990.)
6.4 Oposição
[...] “Acreditam os que defendem essa tese que isso alteraria substancialmente a
segurança no país. Parece um pouco ingênuo esse posicionamento porquanto, se
assim o fosse, não haveria maior criminoso, visto que há punibilidade prevista para
o maior de dezoito anos. É preciso que se esclareça que o menor não fica impune
aos atos que pratica, pois por isso o Estatuto da Criança e do Adolescente elenca
uma série de medidas socioeducativas para recuperá-lo e adequá-lo à vida em so-
ciedade, o que na maioria dos casos foi subtraído por toda uma injustiça social que
há muito campeia neste país”.
6.5 Razões
capítulo 5 • 273
“A maior parte da classe política não goza de muito prestígio e confiabilidade por parte
da população. A causa para isso pode ser o fato dos inúmeros escândalos de corrupção
e o enriquecimento ilícito por parte dos eleitos. Em consequência, os grandes proble-
mas que afligem o povo brasileiro deixam de ser convenientemente discutidos”.
6.6 Divisão
Apresenta-se a divisão do todo em partes, isto é, a ideia núcleo é subdividida
e desenvolvida por meio de ideias secundárias. A divisão é método eminente-
mente didático, pelo qual o tópico frasal apresenta-se na forma de sequência
de elementos ou de itens, que serão desenvolvidos no mesmo parágrafo ou em
parágrafos distintos. Muitas vezes, a divisão é antecedida de uma definição:
6.7 Exemplificação
Trata-se de apresentar exemplos concretos que ajudem a sustentar uma deter-
minada posição. No parágrafo a seguir, o argumentador se posiciona contra a
pena de morte e, para sustentação da tese dele, recorreu à exemplificação, ci-
tando os casos da Geórgia e do Canadá:
“É preciso recusar a pena de morte por esta razão muito simples: ela não reduz os índi-
ces de criminalidade. Basta observar a experiência dos países que a adotam. O Estado
americano da Geórgia, maior aplicador de pena capital, tem 20% mais homicídios que
a média nacional. No Canadá, entretanto, a criminalidade caiu em 27% depois que a
pena de morte foi abolida”.
274 • capítulo 5
6.8 Definição
Muitas vezes, o tópico frasal apresenta-se sob a forma de definição, o que lhe
confere característica didática. O objetivo do parágrafo é definir a ideia-núcleo
ou principal – o artigo constitucional – e as ideias secundárias explicam a defi-
nição expressa pela ideia-núcleo:
“O mito, entre os povos primitivos, é uma forma de se situar no mundo, isto é, de encon-
trar seu lugar entre os demais seres da natureza. É um modo ingênuo, fantasioso, ante-
rior a toda reflexão e não crítico de estabelecer algumas verdades que não só explicam
parte dos fenômenos naturais ou mesmo a construção cultural, mas que dão, também,
as formas da ação humana”.
6.9 Citação
Nesse parágrafo, há uma citação direta de dados levantados pelo IBGE:
Forma do parágrafo
Quanto à forma, o parágrafo é indicado materialmente na página digitada ou
manuscrita por um ligeiro afastamento da margem esquerda da folha (aproxi-
madamente dois centímetros). À semelhança do texto como um todo e do de-
senvolvimento das teses, cada parágrafo também é estruturado em introdução,
desenvolvimento e conclusão. Essas partes do texto são compostas de um ou de
vários parágrafos, os quais são constituídos por períodos que, por sua vez, são
formados por orações.
Além disso, deve-se respeitar também a utilização da folha em branco do
caderno, escrevendo sempre até o final de cada linha. Parando-se a qualquer
momento da linha constante da folha de papel, só se for iniciar um novo pa-
capítulo 5 • 275
rágrafo, assim como não se deve pular linhas entre os parágrafos, quando se
tratar de texto manuscrito (com letra cursiva, de próprio punho, e não digita-
da). O parágrafo deve apresentar no mínimo, de 4 a 6 linhas e, no máximo, 10
a 11 linhas e devem se apresentar sempre alinhados, um abaixo do outro, na
mesma direção.
Lembre-se de que paragrafação única existe somente em atas de reunião.
7 Tipos de argumentos
A argumentação se baseia em dois elementos principais: a consistência do ra-
ciocínio e a evidência das provas. As evidências referem-se a fatos, exemplos,
ilustrações, dados estatísticos, testemunhos (GARCIA, 2010, p. 389).
Ressalta-se, contudo, que cada tipo de argumento tenta convencer ou persu-
adir o leitor de uma maneira um pouco diferente. O argumento de autoridade,
por exemplo, se sustenta na credibilidade da palavra do outro, que geralmente
é algum filósofo, cientista renomado, ou ainda alguma pessoa que ocupa ou
ocupou um cargo muito relevante, relacionado ao tema que se está discutindo.
Em contrapartida, no argumento por evidência, o articulista sustenta sua tese
com base em dados que evidenciam que sua tese é verdadeira.
Pode-se pensar também no argumento por comparação, no qual a argu-
mentação se dá por meio do raciocínio lógico.
Segundo Garcia (2010, p. 389), são cinco os tipos mais comuns de evidência:
os fatos propriamente ditos, os exemplos, as ilustrações, os dados estatísticos
(tabelas, números, mapas) e o testemunho.
276 • capítulo 5
Dados estatísticos são também fatos, mas fatos específicos. Têm grande valor de con-
vicção, constituindo quase sempre prova ou evidência incontestável.
Testemunho é ou pode ser o fato trazido à colação por intermédio de terceiros. Se au-
torizado ou fidedigno, seu valor de prova é inegável. Entretanto, sua eficácia também é
relativa. Mas sua presença na argumentação em geral constitui, desde que fidedigno ou
autorizado, valioso elemento de prova.
Um cordeiro estava bebendo água em um riacho. O terreno era inclinado e por isso
havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também
bebendo da água.
— Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo - disse o lobo, que
estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.
capítulo 5 • 277
— Senhor — respondeu o cordeiro — não precisa ficar com raiva porque eu não estou
sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o
senhor está falando.
— Você agita a água — continuou o lobo ameaçador — e sei que você andou falando
mal de mim no ano passado.
— Não pode — respondeu o cordeiro — no ano passado eu ainda não tinha nascido.
O lobo pensou um pouco e disse:
— Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
— Eu não tenho irmão — disse o cordeiro — sou filho único.
— Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que
cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue.
Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou
-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.
Moral: A razão do mais forte é sempre a melhor.
AUTOR
Esopo foi um escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas várias fábulas populares. A ele
se atribui a paternidade das fábulas como gênero literário. Malgrado sua existência permane-
ça em dada medida incerta, e pouco se saiba quanto à origem de várias de suas obras, seus
contos se disseminaram em muitas línguas pela tradição oral. Em muitos de seus escritos, os
animais falam e têm características humanas.
As fábulas de Esopo serviram como base para recriações de outros escritores ao longo
dos séculos, como Fedro e La Fontaine.
278 • capítulo 5
“Há alguns anos a preocupação maior do jovem era casar, constituir uma nova família e
obter liberdade. Atualmente, ocorre o inverso. Os filhos estão ficando cada vez mais na
casa de seus pais, retardando a sua independência.”
EXEMPLO
”Enquanto países como a Inglaterra e o Canadá têm leis que protegem as crianças de ex-
posição ao sexo e à violência da televisão, no Brasil não há nenhum controle eletivo sobre
a programação. Não é de surpreender que muitos brasileiros estejam defendendo alguma
forma de censura sobre a TV aberta.”
“É inegável que a Internet propicia aos seus usuários um poder fantástico. Pode-se
conhecer as diversas culturas do mundo, utilizar seus serviços, fazer compras, sem falar
nas disputadas salas de bate-papo. Porém é preciso discernir seus sites, o que uma
criança e até mesmo um adolescente, em sua maioria, não é capaz.”
capítulo 5 • 279
“A Zona Rural apresenta inúmeros problemas que dificultam a permanência do homem
no campo. As cidades encontram-se despreparadas para absorver esses migrantes e
oferecer-lhes condições de subsistência e de trabalho.”
280 • capítulo 5
“O cinema nacional conquistou, nos últimos anos, qualidade e faturamento nunca vistos
antes. ‘Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça’ – a famosa frase-conceito do diretor
Glauber Rocha – virou uma fórmula eficiente para explicar os R$ 130 milhões que o
cinema brasileiro faturou no ano passado”. (Época, 14/04/2010).
CONCEITO
Discurso indireto: paráfrase
Paráfrase é um resumo, cuidadoso e original, do conteúdo da obra ou trecho lido, elabo-
rado com as próprias palavras do pesquisador. [...] Deve ser redigida com bastante clareza,
objetividade e exatidão, de modo a possibilitar, no futuro, a sua utilização sem necessidade
de retorno à obra original. (MARCHI, Eduardo Silveira. Guia de Metodologia Jurídica. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009).
São aqueles em que certas “verdades” aceitas por todos são utilizadas. São afir-
mações que não dependem de comprovação, como:
ATENÇÃO
O emprego de argumentos baseados no senso comum, além da baixa informatividade, pode
comprometer a qualidade de um texto dissertativo-argumentativo. Esse tipo de argumento,
como visto, consiste em julgamentos que, embora não apresentem base científica, acabam
sendo tomados como “verdades sociais”.
capítulo 5 • 281
7.8 Argumentos com provas concretas
“Sabe-se que o Brasil, desde antes de proclamar a República, carrega consigo problemas
de várias ordens, inclusive de cunho político. Suas bases foram fundadas em ideologia
colonialista, o que acarreta sérias falhas na estrutura organizacional do país; sucessivos
equívocos quanto às estratégias utilizadas em políticas econômicas a serem adotadas
também vieram contribuir para o quadro que se observa hoje. Daí dizer-se hoje que os
brasileiros são, historicamente, vítimas de um processo que ainda não está terminado.”
282 • capítulo 5
“Creio que foi Oscar Wilde quem disse certa vez (referindo-se obviamente às pessoas
que escrevem) que no mundo só existe uma coisa pior do que ser comentado desfavo-
ravelmente: é não ser comentado.”
“Dizem que, quando Tancredo Neves pretendia ser candidato à presidência da Repú-
blica, houve, dentro do PMDB, rumores contrários à sua candidatura, alegando ter ele
idade avançada. Imediatamente, Tancredo argumentou pelo exemplo, dizendo que, aos
23 anos, Nero tinha posto fogo em Roma e que, com 71 anos, Churchil tinha vencido
os nazistas, na Segunda Guerra Mundial.”
“Pode haver alguns iguais a mim, que me educo mais contrariando os exemplos do
que os imitando e mais deles fugindo do que os seguindo. Nessa espécie de disciplina
pensava o velho Catão, quando disse que os sensatos têm mais que aprender com os
loucos do que os loucos com os sensatos; e Pausânias conta que um velho tocador
de lira costumava obrigar seus discípulos a irem ouvir um mau músico que morava em
frente, para aprenderem a odiar suas desafinações e compassos errados[...]”
capítulo 5 • 283
texto, nem tampouco o argumentador precisa expressar o que o outro afirmou
para usar o argumento a seu favor.
Observe a carta de reclamação e a resposta dada a ela pela secretaria de uma
subprefeitura da cidade de São Paulo, para entender a retorsão:
Carta do leitor
“Desde novembro estão fazendo uma obra em um imóvel na esquina da Oscar Freire
com a Haddock Lobo, identificada apenas pelas letras “SH” num tapume. Desde o iní-
cio, a lei de silêncio é desrespeitada, pois eles trabalham aos domingos e feriados e, na
semana, em horários impróprios. É impossível descansar em qualquer dia e horário da
semana. Já fizemos várias reclamações ao Psiu, polícia e subprefeitura, mas tudo leva a
crer que o dono do imóvel ou a construtora têm algum poder para que não se respeite
a lei”. J.L. de M. C.- Cerqueira César
Resposta da Prefeitura
“Esteja certo de que a construtora não está acima da lei, assim como a Prefeitura, que
deve respeitar a legislação. A obra no imóvel na esquina citada é regular. Em relação ao
barulho, agentes do Psiu estiveram no local, no dia 19 de maio de 2008, constatando
que o ruído está dentro do que é permitido pela legislação. Peço ao leitor que, caso o
problema persista, nos avise, para que uma nova vistoria seja feita.”
(Andrea Matarazzo — Secretaria das subprefeituras (O Estado de São Paulo, 9/6/2008)
Debatedor 1:
Há fortíssimas evidências de que o senhor está envolvido em um mega escândalo de
corrupção.
Debatedor 2:
Quem é o senhor para me criticar? No ano passado, o seu chefe de gabinete foi envol-
vido no escândalo do caixa 2 para financiamento de campanha.
284 • capítulo 5
Técnicas de contra-argumentação
A estratégia da contra-argumentação consiste em combater e desconstruir o
ponto de vista do adversário. Ou seja: em vez de argumentar diretamente A fa-
vor da sua tese, argumenta-se contra o posicionamento do rival.
Observe:
capítulo 5 • 285
“Muitos dizem que o aborto é uma forma de assassinato, e que a vida deve sempre ser
preservada. É verdade. Mas por que, então, o mesmo raciocínio não deve valer para
preservar a vida das milhares de gestantes que acorrem todos os anos a clínicas clan-
destinas cujos procedimentos “cirúrgicos” não raro resultam em morte?”
No fragmento dado, procura-se defender a tese de que o aborto deve ser le-
galizado no Brasil. Em um primeiro momento, o argumentador parece concor-
dar com seus rivais, ou seja, parece se inclinar contra a legalização do aborto.
Essa impressão é transmitida pelo emprego da expressão “É verdade”. Mas isso
dura pouco. Logo em seguida, ele levanta um questionamento: “Mas por que,
então, o mesmo raciocínio […]”
Esse questionamento, claro, tem o objetivo de contestar o raciocínio do ad-
versário e, em última instância, invalidar a tese rival.
286 • capítulo 5
Há um conflito de expectativas entre concessão e restrição. A asserção restri-
tiva irá sempre contrariar a expectativa gerada pela concessão, já a concessão,
com o conector que a introduz (embora, ainda que), no início da frase, anuncia,
desde o começo, uma quebra de expectativa.
Percebe-se que a asserção argumentativamente mais forte é sempre a res-
trição, que direciona o leitor/ouvinte para a conclusão a que deseja chegar o
argumentador, ou seja, para a tese. Este concorda com a concessão, porém mi-
nimiza sua importância argumentativa em proveito da restrição.
Faça concessões: é possível que você concorde, em parte, com algumas das
ideias do adversário. Nesse caso, é conveniente fazer concessões, isto é, admitir
4 que o outro tem razão em parte. Provavelmente o interlocutor fará o mesmo, o
que pode ser um caminho para um acordo, isto é, para que as partes cheguem
a uma posição intermediária entre as ideias divergentes.
capítulo 5 • 287
Avalie seu texto dissertativo-argumentativo
RESUMO
A escolha dos argumentos pelos produtores dos textos dissertativo-argumentativos, como se
pôde observar, é feita a partir do conhecimento dos tipos de argumentos que podem ajudá
-los a defender uma determinada tese.
Muitas vezes, na falta de conhecimento sobre outras possibilidades de defesa do ponto
de vista, os alunos, como produtores de texto, habituam-se a utilizar sempre o mesmo tipo de
argumento. É preciso, contudo, que exercitem as mais diversas formas de persuadir o leitor,
já que, em determinadas circunstâncias, o uso do argumento a que estão habituados pode
ser menos eficiente do que outro desconhecido.
Nesse ponto, o ensino de tipos de argumentos é fundamental. Argumentar prescinde
também de amadurecimento cognitivo-intelectivo.
LEITURA
Othon Moacir Garcia (Mendes, 1912 — Rio de Janeiro, 2002) foi um filólogo, linguista, ensaísta
e crítico literário brasileiro. Othon Garcia se elegeu membro da Academia Brasileira de Filologia
(cadeira 21) e da Sociedade Brasileira de Filologia. Sua principal obra é Comunicação em pro-
sa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar, publicada pela Editora FGV.
288 • capítulo 5
MULTIMÍDIA
O Cortiço
Sinopse: Moradora de um cortiço de propriedade do português João Romão, Rita Baiana é
uma mulher expansiva e liberada. Ao se apaixonar por Jerônimo, jovem lusitano recém-che-
gado ao Brasil, ela deflagra um jogo de paixões que acaba em tragédia. Baseado no romance
de Aluísio de Azevedo. Considerado sua obra-prima. Esse romance (ou filme) narra, em sua
linguagem vigorosa, a vida miserável dos moradores de duas habitações coletivas. O filme foi
dirigido por Francisco Ramalho Jr., em 1978.
capítulo 5 • 289
290 • capítulo 5
6
A leitura do texto
e a construção dos
sentidos
Ler é condição fundamental para o bom desempenho, visto que qualquer disci-
plina, na Universidade, conta com a leitura de textos como veículo de obtenção
de informações necessárias ao seu desenvolvimento profissional.
Os alunos universitários não estão chegando como leitores plenamente
desenvolvidos, portanto, são ainda muito imaturos nas leituras que fazem de
qualquer texto que lhes é apresentado.
A prática da leitura não se reduz somente aos aspectos técnicos, mas exige
que o leitor compreenda os diferentes sentidos do texto de forma crítica, refle-
xiva e criativa. A leitura é um ato de atribuição de significado a um texto escrito.
Essa atribuição de significados depende, sobretudo, do que o leitor já conhece
sobre o assunto.
Na Universidade, a leitura é a última oportunidade para tornar o aluno um
leitor competente, crítico, criativo, reflexivo, que compreende e usa de forma
adequada às informações obtidas via texto.
O universitário ainda não percebeu que a leitura instrumentaliza-o para a
escrita (escritura) e não tem consciência da importância da leitura na sua for-
mação. A falta de preparo do estudante, na execução de tarefas que envolvam a
leitura sistematizada, na sala de aula, aumenta dia a dia.
O aluno, para se tornar um leitor maduro, deve:
292 • capítulo 6
lugar onde o texto realmente está. Aprender a ler é familiarizar-se com diferentes tex-
tos produzidos em diferentes esferas sociais (jornalística, artística, judiciária, científica,
didático-pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária, entre outras) para desen-
volver uma atitude crítica, quer dizer, de discernimento, que leve a pessoa a perceber as
vozes presentes nos textos e perceber-se capaz de tomar a palavra diante deles.
YUNES, Eliana. Apresentação. In: Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curi-
tiba: Aymará, 2009, p. 9.
AUTOR
Eliana Yunes
Possui graduação em Filosofia e Letras pela Faculdade de Fi-
losofia Nossa Senhora Medianeira (1971), mestrado em Letras
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1974) e
doutorado em Linguística pela Universidade de Málaga (1976),
em Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (1986), com pós-doutorado em Leitura pela Universidade de Colônia (1991). Atu-
almente é professora associada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e
professora visitante em diversas universidades brasileiras e do exterior. Diretora da Cáte-
dra UNESCO de Leitura PUC-Rio.
capítulo 6 • 293
neste capítulo, ressaltar ao aluno-leitor que a leitura é uma questão de modos
de relações de produção de sentidos, de condições, enfim de historicidade.
O sentido em que se toma a leitura é, em uma acepção mais ampla, a ideia
de interpretação e de compreensão, seja na escrita ou oralidade. Afinal a legibi-
lidade está relacionada às questões de condições, e não de essência.
É preciso, pois, atribuir sentidos para a leitura, porque eles não existem a
priori e é preciso que o aluno-leitor reflita sobre como e por que aqueles objetos
produzem, ou não, determinados sentidos.
294 • capítulo 6
com segurança, que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não
haverá compreensão.
Discurso e texto
O texto é lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele
se constituem e são constituídos.
O texto não só se dirige a interlocutores com perfil definido, mas também
faz referência às circunstâncias de natureza cultural, social, política, que pre-
cisam ser conhecidas pelos leitores/ouvintes para que o sentido do texto possa
ser construído.
Assim como o aluno-leitor deve atentar também para a relação entre o dis-
curso e texto, visto que o discurso é social e o texto é uma manifestação de na-
tureza individual.
Todo texto vincula-se ao discurso que lhe deu origem. O modo como um tex-
to específico manifesta um determinado discurso é o que define o seu caráter
subjetivo porque ele nasce do olhar específico de um autor, que toma decisões
particulares sobre como falar acerca de determinados temas.
Texto e contexto
O contexto é a situação concreta a que um texto faz referência. Ele é formado
pelas relações estabelecidas entre o conjunto de circunstâncias associadas à
ocorrência de determinado fato ou situação de que trata o texto. Há diferentes
tipos de contexto (social, cultural, estético, político, religioso, ideológico) e sua
identificação é essencial para que se compreenda o sentido do texto.
Os textos, escritos ou orais, não têm existência autônoma, porque sua signi-
ficação depende do reconhecimento de um contexto e da relação que os leito-
res/ouvintes estabelecem com ele.
O recurso ao contexto é indispensável para a produção e a compreensão,
e para a construção do sentido. O contexto engloba não só o co-texto, como a
situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sócio-político-cul-
tural), o contexto sociocognitivo dos interlocutores.
Este último, na verdade, subsume os demais. Ele reúne todos os tipos de co-
nhecimentos arquivados na memória dos sujeitos sociais, que necessitam ser
mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal, como o conhecimento linguístico
propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, o conhecimento da situação
comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade), o conhecimento superestru-
capítulo 6 • 295
tural ou tipológico (gêneros e tipos textuais), o conhecimento estilístico (registros,
variedades de língua e sua adequação às situações comunicativas), bem como o
conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).
A liberdade do autor de um texto, contudo, nunca será total, visto que todos
os membros de um grupo social expressam, em alguma medida, a formação
discursiva que reflete a sua ideologia.
É relevante o aluno-leitor ter conhecimento do que seja ideologia, dos fa-
tores que participam da constituição de uma formação ideológica, de como as
marcas ideológicas se manifestam na linguagem, do conceito de formação dis-
cursiva e como essa formação discursiva se relaciona com a formação ideológi-
ca para que obtenha resultados mais satisfatórios em suas leituras.
ATENÇÃO
O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio de textos. Assim, po-
de-se afirmar que texto é o produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo
significativo e acabado, qualquer que seja sua extensão. É uma sequência verbal constituída
por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Esse
conjunto de relações tem sido chamado de textualidade.
Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade
significativa global, quando possui textualidade.
296 • capítulo 6
de sua bagagem de conhecimento, como também do conhecimento linguísti-
co, do textual e do conhecimento de mundo para construir o seu significado,
pois sem esse conhecimento, não haverá compreensão, ou pelo menos, haverá
um comprometimento em relação ao seu significado.
É na interação desses níveis de conhecimento que o leitor consegue cons-
truir o sentido do texto; portanto esses conhecimentos devem ser ativados du-
rante a leitura para se atingir o momento da compreensão.
A leitura é entendida, assim, como um ato individual de construção de sig-
nificado em um contexto que se apresenta mediante a interação entre autor,
texto e leitor.
A operação da ideologia, na vida humana, basicamente envolve a constitui-
ção e a padronização de como os seres humanos vivem como atores conscien-
tes e reflexivos, em um mundo estruturado e significativo. A ideologia opera
como discurso que se dirige ou interpela os seres humanos como sujeitos.
A ideologia é, na verdade, um sistema de ideias (crenças, tradições, princí-
pios e mitos) interdependentes, sustentadas por um grupo social de qualquer
natureza ou dimensão, as quais refletem, racionalizam e defendem os próprios
interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, polí-
ticos ou econômicos.
Todas as classes sociais deixam as marcas de sua visão de mundo, dos seus
valores e crenças, ou seja, de sua ideologia, no uso que fazem da linguagem.
A linguagem, portanto, é a materialização da nossa ideologia. É por isso que
a cada formação ideológica corresponde uma formação discursiva específica.
A formação discursiva é governada por uma formação ideológica e como uma
formação discursiva é um dos componentes de uma formação ideológica espe-
cífica, ela é um espaço de embates, de lutas ideológicas.
REFLEXÃO
A ideologia é entendida como um mecanismo de naturalização dos sentidos. Nenhum signo
está despido de ideologia; toda palavra enunciada pertence a uma formação discursiva
que tem subjacente uma formação ideológica. Sendo assim, não há ideologia sem sujeito
nem sujeito sem ideologia.
O discurso é ideológico. A ideologia constitui o sujeito e materializa-se no discurso e este
é um processo inconsciente.
capítulo 6 • 297
Leia o fragmento do conto de Dalton Trevisan, um moderno escritor
paranaense:
“Primeira noite ele conheceu que Santina não era moça. Casado por amor, Bento se
desesperou. Matar a noiva, suicidar-se, e deixar o outro sem castigo? Ela revelou que,
havia dois anos, o primo Euzébio lhe fizera mal, por mais que se defendesse. De vergo-
nha, prometeu a Nossa Senhora ficar solteira. O próprio Bento não a deixava mentir,
testemunha de sua aflição antes do casamento.
Santina pediu perdão, ele respondeu que era tarde — noiva de grinalda sem ter direito.
TREVISAN, Dalton. Cemitério de elefantes. “Primo”. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
298 • capítulo 6
gam os leitores a interagirem com o texto. Assim, pode-se partir da seleção in-
tencional, por exemplo, dos nomes “Bento” e “Santina”, embora sejam comuns
no Paraná, com certeza, que nada há de “Bento” e “Santina” nesse enredo.
Percebe-se como o modelo familiar em questão se mostra enraizado na so-
ciedade, visto que, mesmo não se tratando de um caso de adultério, a figura
feminina “não pura” não era aceita pelo marido.
Em razão desse fato, Bento decide, afinal, entregar a esposa de volta ao pai.
Nesse ponto, observa-se que o modelo patriarcal ainda estava impregnado nas
famílias rurais do século XX, pois este conto é dessa época.
A partir daí percebe-se que Bento demonstra aspectos de vingança, pois de-
cide devolver Santina à família.
Há outro aspecto característico dos séculos anteriores, ao homem cabia
o direito de vingar sua reputação em casos como o de casar-se com mulheres
impuras, ou de adultério, podendo assassinar os “traidores” sem que houves-
se punição.
O conto de Dalton Trevisan, em evidência, mostra cenas de preconceito
e de violência física e moral. Por fim, o conto O primo representa, ao seu esti-
lo, uma figura feminina que não era frágil e sim fragilizada, que não nasceu
submissa, mas que foi condicionada a isso pela sociedade eminentemente
machista. A representação da mulher situa-se a partir da ótica masculina e
denota o pensamento masculino, não apenas por parte do homem, mas por
parte da sociedade como um todo.
A análise do texto apresentado evidencia como é importante reconhecer
pressupostos implícitos, ser capaz de fazer inferências e de estabelecer rela-
ções intertextuais. Somente os bons leitores, que dispõem de um repertório
cultural mais amplo, enfrentam sem dificuldade, o desafio de ler não apenas as
linhas, mas principalmente as entrelinhas dos textos.
Como se percebe, na leitura de um texto, o resultado da compreensão de-
pende da qualidade das inferências geradas, pois os textos possuem informa-
ções explícitas e implícitas; existem sempre lacunas a serem preenchidas.
O leitor infere ao associar as informações explícitas aos seus conhecimen-
tos prévios e, a partir daí, gera sentido para o que está, de algum modo, infor-
mado pelo texto ou por meio dele.
A informação fornecida direta ou indiretamente é uma pista que ativa uma
operação de construção de sentido. Logo, a inferência não está no texto, mas na
leitura, e vai sendo construída à medida que leitor vai interagindo com o texto.
capítulo 6 • 299
Daí a leitura ser polissêmica, pois se caracteriza pela atribuição de múlti-
plos sentidos ao texto, e isso depende, certamente, do acesso do sujeito à exte-
rioridade constitutiva do dizer e dos diferentes tipos de discurso.
O sujeito, que realiza uma leitura, deve ir além do significado literal do tex-
to, historicizando os sentidos e duvidando da ilusão de sentido único.
Significa que o silêncio é a garantia do movimento dos sentidos. Sempre se diz a par-
tir do silêncio. [...] Ele é, sim, a possibilidade para o sujeito trabalhar sua contradição
constitutiva, a que o situa na relação do um com o múltiplo, a que aceita a reduplicação
e o deslocamento que nos deixam ver que o todo discurso sempre se remete a outro
discurso que lhe dá realidade significativa.
300 • capítulo 6
o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características dos tipos e gêneros textuais,
do portador, do sistema de escrita. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da
escrita’ decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade
que implica, necessariamente, compreensão. Qualquer leitor experiente que conseguir
analisar sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um dos procedi-
mentos que utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias
como seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível rapidez
e proficiência. É o uso de procedimentos desse tipo que permite controlar o que vai
sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante
do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas.”
REFLEXÃO
“Os sentidos são produzidos em face aos lugares ocupados pelos sujeitos em interlocução.
Assim, uma mesma palavra pode ter diferentes sentidos em conformidade com o lugar so-
cioideológico daqueles que a empregam.”
FERNANDES, C.A., Análise do discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas,
2005, p. 23.
ESTRATÉGIAS DE Tornam possível prever o que ainda está por vir, com base em
ANTECIPAÇÃO informações explícitas e em suposições.
O tipo textual (ou gênero textual), o autor, o título e muitos índices infor-
mam ao leitor o que é possível que se encontre em um texto. Assim, ao se ler
uma história de Monteiro Lobato chamada Viagem ao céu, é previsível que se
capítulo 6 • 301
encontre determinados personagens, certas palavras da astronomia e que, cer-
tamente, alguma travessura acontecerá.
ESTRATÉGIAS DE Permitem captar o que não está dito no texto de forma ex-
INFERÊNCIA plícita.
A inferência é aquilo que se “lê”, mas não está escrito. São conclusões base-
adas tanto em pistas dadas pelo próprio texto como em conhecimentos que o
leitor possui. Às vezes, essas inferências se confirmam, e às vezes, não. Logo, é
um tipo de raciocínio que conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.
O contexto, na verdade, contribui decisivamente para a interpretação do
texto e, com frequência, até mesmo para inferir a intenção do autor.
302 • capítulo 6
A Intertextualidade, conforme destaca Fiorin (2006), é um tipo particular
de interdiscursividade em que se relacionam textos de materialidades distin-
tas. A intertextualidade pode ser compreendida, então, como o diálogo entre
textos, ou seja, a presença de um texto em outro; ao passo que a interdiscursi-
vidade constitui uma memória discursiva que forma um sentido global para a
atividade discursiva. Esse autor enfatiza que as relações entre textos ocorrem
“quando duas vozes se acham no interior de um mesmo texto” e “ há relações
entre textos, quando um texto se relaciona dialogicamente com outro texto já
constituído”. Há no texto que se relaciona com ele o encontro de dois textos
[ou mais?] (FIORIN, 2006, p. 181-182).
A interdiscursividade é condição própria do discurso, à medida que os
enunciados se concretizam, nessa pluralidade de vozes, em que se cons-
troem os sentidos, percebidos por cada sujeito nas relações de interação.
Interdiscursividade é, portanto, a relação dialógica entre enunciados/dis-
cursos, porque sempre há, no processo discursivo, o embate entre locutor
e seu interlocutor. Apreender os confrontos que geram os sentidos desse
enunciado/discurso é essencial para que o sujeito possa captar o dialogismo
que perpassa por ele.
Dessa forma, a intertextualidade caracteriza-se por remeter um texto a ou-
tros, seja por meio de paródias, alusões, estilizações, citações, repetições de si-
tuações narrativas, de personagens ou outros instrumentos. É na relação com o
discurso do outro que se apreende a ideologia e o aspecto histórico-social que
perpassa o discurso, ou melhor, o dialogismo é parte constitutiva e inscrita no
interior do discurso, conforme afirma Bakhtin (2003).
CONCEITO
Um processo de intertextualidade muito utilizado é a paródia. A paródia é uma imitação,
na maioria das vezes cômica, de uma composição literária (também existem paródias
de filmes e músicas), sendo, pois, uma imitação que geralmente possui efeito cômico,
utilizando a ironia e o deboche.
Ela geralmente é parecida com a obra de origem, mas, quase sempre tem sentidos dife-
rentes. É um processo de intertextualização com a finalidade de desconstruir ou reconstruir
um texto. Leia a Canção do Exílio (1843), de Gonçalves Dias, e observe uma das paródias
feitas desse texto:
capítulo 6 • 303
Minha terra tem palmeiras, Minha terra tem primores,
Onde canta o Sabiá; Que tais não encontro eu cá;
As aves que aqui gorjeiam, Em cismar - sozinho, à noite -
Não gorjeiam como lá. Mais prazer encontro eu lá;
Nosso céu tem mais estrelas, Minha terra tem palmeiras,
Nossas várzeas têm mais flores, Onde canta o Sabiá.
Nossas flores têm mais vida, Não permita Deus que eu morra
Nossa vida mais amores. Sem que eu volte para lá;
Em cismar, sozinho, à noite, Sem que desfrute os primores
Mais prazer encontro eu lá; Que não encontro por cá;
Minha terra tem palmeiras, Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá. Onde canta o Sabiá.
AUTOR
O poema Canção do exílio foi escrito pelo poeta brasileiro Gonçalves Dias, em 1843, na ci-
dade de Coimbra, sendo primeiros poemas do livro Primeiros Cantos. Trata-se da obra-prima
desse poeta brasileiro, pertencente à primeira geração romântica, como um dos mais famo-
sos poemas da língua portuguesa.
O segundo poema é o Canto de regresso à pátria, escrito pelo poeta, ensaísta e dramaturgo
brasileiro Oswald de Andrade. Ele foi um expoente e promotor da Semana de Arte Moderna
304 • capítulo 6
de 1922, na cidade de São Paulo, e pertenceu à primeira geração modernista. Oswald de
Andrade foi considerado, já em sua época, o mais rebelde de seu grupo.
CURIOSIDADE
Na Unidade II, Capítulo 3, ao se trabalhar com intertextualidade, ressaltou-se que a Canção
do Exílio foi amplamente recriada e parodiada, principalmente pelos poetas modernistas, e
dois de seus versos estão citados no Hino Nacional Brasileiro ("Nossos bosques têm mais
vida,/Nossa vida, mais amores.").
Estas são algumas das inúmeras releituras e citações que o poema de Gonçalves Dias rece-
beu, a partir do Modernismo, pelas mãos de diversos poetas brasileiros:
capítulo 6 • 305
• Canção do exílio – Casimiro de Abreu
• Canto de regresso à pátria – Oswald de Andrade
• Europa, França e Bahia – Carlos Drummond de Andrade
• Nova Canção do exílio – Carlos Drummond de Andrade
• Nova Canção do exílio – Ferreira Gullar
• Canção do exílio – Murilo Mendes
• Canção do expedicionário – Guilherme de Almeida
• Uma canção – Mário Quintana
• Canção de exílio facilitada – José Paulo Paes
• Sabiá – Letra de Chico Buarque de Holanda e música de Antônio Carlos Jobim
• Terra das palmeiras – Taiguara
• Pátria minha – Vinícius de Moraes
306 • capítulo 6
LEITOR COMPETENTE
CURIOSIDADE
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2011, do Instituto Pró-LIVRO, mostrou que 50%
dos brasileiros não têm o costume de ler, 75% da população nunca entrou em uma bibliote-
ca, e a média de livros por habitante/ano é 4, inclusive os didáticos; sem os didáticos, a leitura
cai para 1 livro por habitante/ano.
Em países ditos “de primeiro mundo”, os índices indicam mais de 10 livros por habitante/
ano. Se considerarmos que a leitura é fator essencial para o desenvolvimento humano, social
e econômico de um país, pois o avanço tecnológico depende de qualificação e a qualificação
está ligada à habilidade de leitura, encontramos um dos motivos do nosso atraso.
É urgente reverter o quadro da leitura no Brasil.
Pode-se concluir que a leitura está sempre presente no meio social, levando
o indivíduo à capacidade de comunicação e informação, basta este, por sua vez,
ter vontade de descobrir o mundo no qual ele vive e compreender o quanto o ato
de ler é prazeroso, dinâmico e conscientizador.
Em uma leitura, os sujeitos (autor e leitor) são privilegiados pelo processo
de interação de seus conhecimentos. E o texto é o lugar dessa interação, cujo
sentido não está lá, no texto, mas sim construído, considerando-se, para tanto,
as “sinalizações” ou pistas textuais fornecidas pelo autor, às quais o leitor agre-
ga os seus conhecimentos durante todo o processo de leitura, para que, espera-
se, concordando ou não com as ideias do autor, complete-as, adapte-as.
capítulo 6 • 307
Como nem sempre os textos trazem explícitos todos os elementos que parti-
cipam da construção do seu sentido, o leitor está frequentemente complemen-
tando as informações fornecidas pelos textos com outras informações de que
dispõe, ou que infere a partir do que foi dito pelo autor (ou narrador) do texto.
Por isso, a sociedade atual exige um cidadão leitor e não “ledor”.
Assim, para ser um leitor competente, é necessário compreender o que se
lê, lendo também o que está implícito no texto, fazendo inferências e checando
se elas se confirmam ou não de acordo com as exigências do texto.
Desse modo, a leitura deve ser entendida também como um processo de (re)
significação .
Por fim, como a leitura emerge da interação, acredita-se, então, em vários
modos de ler e, consequentemente, em vários modos de interpretar e entender
um texto.
GLOSSÁRIO
308 • capítulo 6
• Formação ideológica é um conjunto de valores e crenças a partir dos quais julga-
mos a realidade na qual estamos inseridos.
• Gêneros discursivos correspondem a certos padrões de composição de texto de-
terminados pelo contexto em que são produzidos, pelo público a que eles se destinam,
por sua finalidade, por seu contexto de circulação. São exemplos de gêneros discursi-
vos o conto, a história em quadrinhos, a carta, o bilhete, a receita, o anúncio, o ensaio, o
editorial, entre outros.
• Ideologia é um sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdepen-
dentes, sustentadas por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as quais
refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucio-
nais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos.
• Interdiscursividade é a relação dialógica entre dois discursos, caracterizada por um
citar o outro.
• Intertextualidade é a relação entre dois textos caracterizada por um citar o outro.
• Interlocutor designa cada um dos participantes de um diálogo. Como o texto se diri-
ge a um leitor em quem o autor pensa no momento de escrever, diz-se que os leitores
a quem um texto se dirige são os interlocutores.
• Ironia é o efeito resultante do uso de uma palavra ou expressão que, em um contexto
específico, ganha sentido oposto ou diverso daquele com que costuma ser utilizada.
• Juízo de valor é um conceito filosófico e se refere a um julgamento que expressa
uma apreciação, uma avaliação ou uma interpretação sobre a realidade. Os juízos de va-
lor se opõem aos juízos de fato, que dizem o que as coisas são, como são e por que são.
• Língua é um sistema de representação socialmente construído, constituído por sig-
nos linguísticos.
• Linguagem é uma atividade humana que, nas representações de mundo que cons-
trói, revela aspectos históricos, sociais e culturais. É por meio da linguagem que o ser
humano organiza e dá forma às suas experiências. Seu uso ocorre na interação social
e pressupõe a existência de interlocutores.
• Lugar discursivo é a posição ocupada no discurso pelos interlocutores, que ora
assumem o papel de falantes, ora o de ouvintes.
• Paródia é um tipo de relação intertextual em que um texto cita outro, geralmente com
objetivo de fazer-lhe uma crítica ou inverter ou distorcer suas ideias.
• Polissemia é a multiplicidade de sentidos que uma mesma palavra da língua pode
apresentar, em diferentes contextos de uso.
capítulo 6 • 309
• Premissa é uma afirmação que se toma como ponto de partida para realizar um
raciocínio.
• Texto é o espaço de concretização do discurso. Trata-se sempre de uma manifesta-
ção individual, do modo como um sujeito escolhe organizar os elementos de expressão
de que dispõe para veicular o discurso do grupo a que pertence.
Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado.
Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a
verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda
a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou um via um lado das coisas e ou-
tro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado,
cada um as via com um critério idêntico ao do outro. Mas cada um via uma coisa diferen-
te, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.
Fernando Pessoa
310 • capítulo 6
Em outros dizeres, a modalização é um fenômeno inerente à linguagem hu-
mana porque, por meio dela, pode-se expressar avaliação sobre o dito e intera-
gir com nossos interlocutores, indicando ora como nosso enunciado deve ser
lido, ora como se quer que o interlocutor (re)aja.
Assim, ao asseverar em enunciado “É certo que Paulo venha”, o locutor
além de expressar certeza com relação ao fato da vinda futura de Paulo, ele o faz
em função do seu interlocutor, ou porque queira que seu interlocutor acredite
também que essa informação é verdadeira, ou porque tem outra intenção, que,
algumas vezes, só é recuperada pela enunciação.
Logo, o estudo dos elementos modalizadores deve estar voltado para o uso
da linguagem, para os efeitos de sentido que esses elementos provocam nos
enunciados e nos textos.
Para o estudo da modalização da linguagem, parte-se também do enten-
dimento de que o discurso é o efeito de sentidos entre interlocutores, pen-
sando o fato dos sentidos se relacionarem com os textos e suas condições de
produção; com os diferentes tipos de textos; e com as relações do dizer com o
que não é dito. Resulta daí o caráter múltiplo e incompleto do sentido, jamais
fechado e acabado.
A modalidade está expressa na atitude do falante ao produzir um enunciado.
Ela revela a maneira como o enunciador tenta persuadir seu interlocutor em uma
proposição, que poderá ser ou não verdadeira, divulga as intenções desse enun-
ciador, a forma de se expressar e de opinar sobre o conteúdo do assunto em foco.
Sempre que o falante pronuncia seu discurso, seja ele político, religioso,
científico ou cultural, deixa marcas linguísticas que expressam sua opinião
e que, na maioria das vezes, revelam o que ele conhece acerca do assunto. O
modo como o falante veicula sua mensagem está presente na estrutura semân-
tica, sintática e pragmática do discurso que produz.
O sujeito enunciador marca, assim, sua presença no enunciado pelas mar-
cas de modalização, entendidas como índice das atitudes, opiniões e pontos
de vista do enunciador em relação ao seu dizer. A modalização contribui para
oferecer ao leitor um direcionamento argumentativo, possibilitando perceber
o grau de adesão do falante ao seu discurso. O emprego dos modalizadores pos-
sibilita, assim, a identificação do ponto de vista do enunciador no discurso.
Dessa maneira, a modalização tem um papel importante na argumentação,
uma vez que é responsável pela instauração dos modos de existência e presen-
ça dos sujeitos no discurso. Por essa razão, apesar dos procedimentos, muitas
capítulo 6 • 311
vezes utilizados para produzir o efeito de objetividade e neutralidade, é possí-
vel perceber, a partir dos procedimentos de modalização, um posicionamento
do enunciador e uma intencionalidade por meio da orientação argumentativa
construída no texto. Essa orientação aponta sempre para uma direção argu-
mentativa, indicando um modo de ler o texto e analisar os fatos que enuncia.
A narração, apesar de apresentar um foco meramente informativo, voltan-
do-se, pois, para a função referencial da linguagem, tende sempre a adotar um
ponto de vista inicial. É esse ponto de vista que faz com que o narrador, ao nar-
rar qualquer fato, de acordo com a sua intenção, procure convencer o leitor/
ouvinte, a partir de sua interpretação pessoal dos fatos narrados.
As escolhas lexicais são responsáveis por deslizamentos de sentido e os vo-
cábulos que dão suporte a essas escolhas são os nomes – substantivos e adje-
tivos – em sua maioria, axiológicos (avaliativos) e advérbios. Os axiológicos (va-
lorativos, avaliativos) constituem uma categoria lexical que está intimamente
ligada às apreciações do enunciador.
A maior parte dos substantivos afetivos e avaliativos é derivada de verbos
ou de adjetivos. Nessa visão, à medida que alguns substantivos revelam uma
avaliação do sujeito enunciador, podem variar de uma enunciação para outra
e devem ser eliminados de um discurso com pretensões de objetividade. Esses
substantivos, que podem ser considerados como portadores de subjetividade,
possuem traços axiológicos. Os substantivos axiológicos serão, portanto, mais
numerosos em enunciados de pretensão avaliativa.
Em relação aos adjetivos, constata-se que as unidades lexicais de uma lín-
gua são carregadas de subjetividade, de acordo com uma escala significativa
que transita do mais objetivo para o mais subjetivo.
O emprego dos adjetivos subjetivos afetivos não se aplica a certos tipos de
discurso, que pretendem objetividade. Algumas vezes, no entanto, é possível
encontrá-los em editoriais.
Há também os advérbios modalizadores que podem ser reveladores de julga-
mentos de verdade, como talvez, sem dúvida, certamente e aqueles que implicam
um julgamento de realidade como realmente, verdadeiramente, efetivamente.
Os advérbios modalizadores são importantes, na análise linguística, visto
que compõem uma classe de elementos adverbiais que têm como característica
básica expressar alguma intervenção do falante na definição da validade e do
valor de seu enunciado. Além disso, o uso dos modalizadores constitui uma das
estratégias para marcar essa atitude do falante em relação ao que ele próprio diz.
312 • capítulo 6
É grande a importância de substantivos, adjetivos e advérbios subjetivos,
sobretudo os avaliativos, na enunciação argumentativa porque marcam, de ma-
neira significativa, a presença do sujeito enunciador e permitem a orientação
para o sujeito destinatário de determinadas conclusões ou interpretações, que
interessam ao sujeito enunciador.
ATENÇÃO
É importante destacar que quanto mais um discurso se esforça em ser exaustivo, tanto mais
tende à objetividade; quanto mais seleciona as informações que verbalizará, tanto mais corre
o risco de ser subjetivo.
COMENTÁRIO
Os modalizadores, elementos que ativam modalização nos enunciados e no discurso, po-
dem gerar diferentes efeitos de sentido e, dependendo do sentido que veiculam, é possível
capítulo 6 • 313
classificá-los em epistêmicos (ligados ao conhecimento), deônticos (ligados à obrigatorieda-
de, permissão, proibição ou volição), avaliativos (expressando juízo de valor) e delimitadores
(estabelecendo limites para o conteúdo do enunciado). Assinala-se que a classificação de
um modalizador não é fechada e depende do contexto em que o aparece, uma vez que um
mesmo modalizador pode assumir diferentes funções.
Optou-se aqui por não dar relevância a essa classificação ou nomenclatura dos ele-
mentos modalizadores, por acreditar-se que se pode muito bem trabalhar a modalização na
análise linguística sem se valer de uso de nomenclaturas classificatórias, mas voltando-se,
principalmente, para o uso desses elementos em enunciados e textos.
ATENÇÃO
Os implícitos são basicamente de dois tipos: pressupostos e subentendidos. Os pressupos-
tos estão inscritos na língua; não há como fugir ao sentido que eles determinam. Já os su-
bentendidos dependem de interpretação.
Se um professor diz a um aluno: “Finalmente você veio à aula”, pressupõe-se que o aluno
há tempo não comparecia às aulas; o advérbio que introduz a oração indica isso.
Caso o professor acrescentasse uma observação do tipo: “Deixou o orgulho de lado”,
estaria formulando um subentendido. A ausência do outro teria sido interpretada como so-
berba. O subentendido sempre envolve um julgamento, um juízo de valor, e, por vezes, leva à
distorção da verdade.
Modalização e leitura
Em determinados textos, a observância dos modalizadores é de fundamental
importância para a construção de um sentido mais global do próprio texto.
Por essa razão, quando da ocorrência de modalizadores, o aluno deve con-
siderar os efeitos de sentido que eles geram, bem como de que maneira esses
modalizadores interferem para a compreensão global.
A seguir estão transcritos alguns textos em que a identificação e compre-
ensão dos modalizadores são indispensáveis para uma leitura mais profunda.
Para cada texto segue uma análise do funcionamento discursivo dos moda-
lizadores, com o objetivo de indicar, para o aluno, como os elementos modali-
zadores devem ser tratados no processo de leitura.
314 • capítulo 6
Observe também como é impossível uma narração isenta, imparcial:
O réu ameaçava a vítima que, aos gritos, O réu, no intento de roubar, pediu à vítima
clamava por não ser morta. Ele pediu as joias e dinheiro. Assustado, temeroso e
joias e, ao ouvir a negativa da vítima, que alterado, pois não é bandido profissional,
dizia não possuir nenhuma, não teve dúvi- mas incidentalmente cometendo aque-
da: com frieza desumana, puxou o gatilho le equívoco, ouviu a ríspida negação da
do revólver encostado à cabeça da vitima- vítima e, supondo tendo ela chance de
da, prostrando-a no chão sem vida, de for- reação, que por certo poria sua vida em
ma cruel, por motivo absolutamente fútil. risco, em um ímpeto de emoção e medo
(RODRÍGUEZ, 2002, p. 178) apertou o gatilho, temendo por sua sobre-
vivência. (RODRÍGUEZ, 2002, p. 178)
Revoltados porque a Prefeitura resolveu retirá-los das ruas do centro da cidade, came-
lôs fizeram ontem manifestação agressiva, destruindo vitrines de lojas e tumultuando
o centro da cidade, inclusive ferindo transeuntes. A polícia foi obrigada a apaziguar o
tumulto, dispersando os manifestantes.
capítulo 6 • 315
POLÍCIA AGRIDE MANIFESTANTES NO CENTRO DA CIDADE.
Camelôs, que foram expulsos de seu local de trabalho nas ruas do centro da cidade,
fizeram ontem manifestação na região central. A tropa de choque foi chamada para
reprimir a manifestação, agredindo vários camelôs, que saíram feridos.
“dispersa” x “agride”;
316 • capítulo 6
1º exemplo:
O comandante do policiamento de Belém, coronel PM Geraldo Magela, recuou e deci-
diu anteontem não cumprir a ordem judicial de despejo de 400 famílias sem-teto em
Ananindeua, região metropolitana de Belém. Os cerca de mil sem-teto ocupam desde
agosto uma área de 90 mil metros quadrados. Anteontem, os sem-teto se armaram
com facões, paus e pedras e o coronel Magela ordenou a suspensão da operação. “Es-
peramos uma segunda ordem da Justiça”, disse Teodoro Nagano, gerente da empresa
Agropel, que é proprietária da área.
“Cabia a mim avaliar a situação e preferi evitar o massacre”, disse Magela ao se reunir
com a juíza Odete Silva e explicou os motivos do recuo. A juíza aguarda um relatório
dos oficiais da Justiça. (Folha de São Paulo, 2006 )
2º exemplo:
Um grupo de 40 famílias de sem-teto ocupou o plenário da Câmara de Campinas (99
Km de SP) entre 14h e 21 h de ontem após ser desalojado de uma área invadida em
abril deste ano por cerca de 600 pessoas. Os sem teto permaneceram no plenário da
Câmara e só concordaram em deixar o local após o juiz Jamil Miguel, da 5ª Vara Civil
de Campinas, anular liminar para reintegração de posse expedida ontem. (Folha de
São Paulo, 2008 )
capítulo 6 • 317
Também requer atenção o uso da palavra invadida no texto 2, pois diz-se
invadir para não se dizer ocupar. Invadir é tomar à força; ocupar, no sentido jurí-
dico, é o ato de apoderar-se legalmente, ter ou possuir por direito.
Dessa forma, os sentimentos contra ou a favor dos sem-teto vão se sedimen-
tando; ressaltando, assim, como o funcionamento dos sentidos resulta da esco-
lha lexical que corresponde ao ponto de vista do relator.
Conclui-se, assim, que a seleção de fatos da narrativa deve ser feita de acor-
do com as intenções da argumentação daquele que a redige.
Leia o texto:
318 • capítulo 6
O texto anterior é um exemplo de texto injuntivo, pois se trata de receita culiná-
ria. É característica composicional desse tipo textual a existência de duas partes.
Na primeira, como o próprio nome sugere, estão presentes os ingredien-
tes necessários para que seja realizada a receita. Na segunda parte é descrito o
modo de preparo da receita, que tem o objetivo de levar o cozinheiro a produzir
o alimento com sucesso.
Como se observa nesse exemplo, essa descrição é comumente realizada de
forma instrucional, ou seja, o locutor se vale de estratégias linguístico-discur-
sivas para instruir o cozinheiro a conseguir realizar o preparo de forma ade-
quada. No referido exemplo, a estratégia utilizada foi o uso de verbos no modo
imperativo (coloque, acrescente, salpique, leve, retire, deixe).
O imperativo acima funciona como um modalizador de obrigatoriedade no
sentido em que indica que o interlocutor tem de obrigatoriamente realizar as
ações previstas pelo verbo, na ordem em que aparecem, para que o alimento
seja preparado adequadamente. Ele é usado para dar instruções claras para o
interlocutor a fim de que este atinja o objetivo esperado pelo locutor.
CURIOSIDADE
Em determinados tipos textuais, a presença desses elementos linguístico-discursivos é tão
necessária que se torna difícil a produção do texto sem a sua utilização. É o caso dos cha-
mados textos instrucionais (a exemplo dos manuais de instruções), em que a presença de
modalizadores de obrigatoriedade determina de que maneira o leitor deve proceder para
executar determinada tarefa.
RESUMO
A partir da modalização da linguagem, observa-se como há diferentes formas para se traba-
lhar os processos de produção de sentidos nos diversos tipos de textos.
Adquirir a capacidade de ler e produzir enunciados em que esses elementos modalizado-
res aparecem, expressando diferentes efeitos de sentido, é uma das habilidades que o aluno
precisa adquirir para ser competente linguisticamente.
Logo, faz-se necessário estudar esses elementos não somente no processo de análise
linguística, mas também no processo de leitura e produção textual.
Por fim, a modalização é indispensável para a construção de sentido em determinados
capítulo 6 • 319
tipos textuais e, em razão disso, o aluno tem que dar atenção a esse tema para que venha a
ler e produzir textos com competência.
Advérbios (quase sempre, talvez, muitas vezes, poucas vezes, frequentemente); deter-
minadas flexões de tempo e modo verbal (faria, obteria gostaria).
320 • capítulo 6
Copiar partes do texto e fazer uma "colagem", sob a alegação de buscar fide-
lidade às ideias do autor não é permitido, pois o resumo deve ser o resultado de
um processo de "filtragem", uma (re)elaboração de quem resume. Se for con-
veniente utilizar excertos do original (para reforçar algum ponto de vista, por
exemplo), esses devem ser breves e estar identificados (autor e página).
É evidente que o grau de dificuldade para resumir um texto depende basica-
mente de dois fatores:
EXEMPLO
A chinela turca pertence ao volume Papéis avulsos (ASSIS, 2005), sua primeira cole-
tânea de contos publicada em 1882, mas o conto mesmo apareceu, em 1875, no jornal
Época, sob pseudônimo de Manassés. Conta a história do jovem Duarte, que, em 1850, está
se preparando para um baile onde encontrará sua amada. É inesperadamente interrompi-
do em seus preparativos pela visita de uma personagem que havia decidido tornar-se um
grande dramaturgo. Sem aviso prévio, tal visita senta-se para ler um drama infindável sem
sentido, para desespero de Duarte, que vê o tempo passar e suas chances de um encontro
romântico se esvaírem.
De repente, o dramaturgo sai correndo sem nada dizer, mas Duarte percebe que é tarde
demais para ir ao baile. A campainha toca novamente e dois policiais surgem anunciando
sua prisão pelo roubo de duas valiosas chinelas turcas. Seu clamor de inocência parece
inútil e Duarte é levado preso. No caminho do distrito policial, entretanto, a carruagem para e
ele é levado a uma mansão enorme e caríssima, ricamente decorada com mobília arabesca.
O espaço lembra um labirinto com uma série de salas e portas que ele atravessa. Alguém
lhe diz que o roubo fora mero pretexto para ser levado ao local. Vê um padre passar, que o
cumprimenta e abençoa, enquanto sente a opressão de um pêndulo a bater constantemente
no recinto. Levado ao aposento principal, encontra o dono do imóvel, que anuncia que está
prestes a se casar com sua filha.
capítulo 6 • 321
Duarte protesta contra tal situação e lembra de sua amada. Surpreende-se com a chega-
da da filha do dono do imóvel, sua noiva. A linda figura surpreende-o, mas ele logo é avisado
de que deverá se casar, assinar um testamento e ser envenenado até a morte. O pai da noiva
fala de seu interesse pela fortuna de Duarte que, ao tentar se recusar a casar, é ameaçado
por um revólver, devendo escolher a melhor forma de morrer. O padre reaparece e cochi-
cha em seus ouvidos para fugir pela janela. Duarte corre pelos jardins desesperadamente e
entra em uma casa no meio do jardim, onde felizmente encontra o dramaturgo calmamente
sentado lendo sua obra. A história termina com a sensação de Duarte de que fora salvo pelo
dramaturgo que o impedira de ir ao baile naquela noite.
(ASSIS, M. de. Papéis avulsos. São Paulo: Martins Fontes, 2005.)
AUTOR
Joaquim Maria Machado de Assis, nascido em 1839, é considerado o maior
nome da literatura nacional. Foi poeta, cronista, dramaturgo, contista, folheti-
nista, jornalista e crítico literário. Sua obra constitui-se em nove romances e
322 • capítulo 6
peças teatrais, 200 contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos e mais de 600 crônicas.
Veio a falecer em 1908, aos 79 anos de idade.
Ler integralmente o texto a ser resumido, do começo ao fim, tentando responder men-
talmente à pergunta do que trata o texto?
Ler uma segunda vez, interrompendo a leitura para compreender o significado de pa-
lavras que desconhece ou captar o sentido das frases mais longas ou complexas que
possuam inversões. Nessa leitura é preciso, ainda, estar atento à relação entre as fra-
ses, prestando atenção nas locuções adverbiais, como, em primeiro lugar, consequente-
mente, e nos elementos relacionais, isto é, aqueles que estabelecem as conexões entre
as ideias, como os conectores já que, entretanto, embora, no entanto.
Ao fazer o resumo, é possível eliminar palavras, expressões e até frases inteiras, quan-
do elas não forem necessárias à compreensão de outras partes do texto. Pode-se
também substituir palavras e expressões por outras equivalentes ou reduzi-las a um
termo que as inclua.
capítulo 6 • 323
RESUMO
O resumo tem por objetivo apresentar com fidelidade ideias ou fatos essenciais contidos
num texto. Sua elaboração é bastante complexa, já que envolve habilidades como leitura
competente, análise detalhada das ideias do autor, discriminação e hierarquização dessas
ideias e redação clara e objetiva do texto final.
Em contrapartida, dominar a técnica de fazer resumos é de grande utilidade para qual-
quer atividade intelectual que envolva seleção e apresentação de fatos, processos, ideias.
EXEMPLO
Esta resenha procura mostrar a representação do sertanejo na obra Os Sertões de Euclides da
Cunha. O autor dividiu o seu livro em três partes: “A terra”, “O homem”, “A luta”. Na primeira parte,
faz uma abordagem sobre as condições de espaço físico em que os sertanejos sobreviviam,
na segunda, acerca das características e das representações em si do sertanejo e, na terceira,
narra com muita maestria crítica e engenho o desempenho de um povo sofrido, assim como
retrata a luta, mostra todas as expedições do Exército contra Canudos e a grande resistência
sertaneja, que em muitos ataques enfrentou o Exército apenas contando com a coragem.
Em Os Sertões, o autor desmistifica o modo de pensar daquela época que era a de
considerar apenas as pessoas de raça branca como representantes do povo brasileiro. Eu-
clides da Cunha ressaltou em sua obra a mistura de raças que havia no país e a importância
de valorizar esse fato para que o Brasil tivesse um povo real, pois os brancos, puros, sem
324 • capítulo 6
misturas de raças, já eram poucos e fadados a desaparecer, terminando assim com toda a
representação brasileira.
O autor em questão concordava com a tese de que a mistura de raças diferentes seria
prejudicial, mas admitia que os sertanejos conseguiram, mesmo assim, formar uma raça forte,
devido ao isolamento do deserto, o que fez com que a mestiçagem fosse uniforme.
Euclides da Cunha considerava sim que a mestiçagem enfraquecia as raças, mas era
inevitável. Para o autor, os mestiços do litoral eram degenerados e os sertanejos, atrasados,
retrógrados. Admitia, contudo, que, em se tratando de sertão, apenas o sertanejo é tão forte
e tem as características próprias para se adaptar à região e suportar o martírio da seca.
Somente ele, o sertanejo, conhece os caminhos sertanejos, a terra, suas plantas e animais,
conseguindo assim aliar-se a tudo isso e garantir a sua sobrevivência, mesmo que, muitas
vezes, passe o dia com apenas um copo d’água.
Essa realidade, segundo o autor, faz com que o sertanejo seja uma raça rude, sem perder
a serenidade.
CUNHA, E. Os Sertões. Rio de Janeiro: Record, 1998.
REFLEXÃO
Os Sertões é um livro brasileiro, escrito por Euclides da Cunha e publicado em 1902.Trata
da Guerra de Canudos (1896-1897), no interior da Bahia. Euclides da Cunha presenciou
uma parte desta guerra como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo. Pertence, ao
mesmo tempo, à prosa científica e à prosa artística. Pode ser entendido como uma obra de
Sociologia, Geografia, História ou crítica humana.
capítulo 6 • 325
• A preocupação com a contextualização é necessária, porque ajuda o lei-
tor a situar a obra no conjunto maior a que ela pertence. Esse procedimento é
essencial para que ele acompanhe os juízos de valor que são apresentados ao
longo do texto.
• Pela mesma razão, as comparações são parte da estratégia argumentativa
e uma característica das resenhas críticas. Elas promovem o confronto entre a
obra que está sendo avaliada e outras (boas ou ruins), que passam a servir de
parâmetro para o juízo que está sendo formado.
• O título representa o primeiro contato do leitor com a obra analisada e
deve informá-lo do tema da obra. A leitura já pode trazer algum juízo de valor.
A identificação do autor da resenha pode preceder o texto ou aparecer no final.
• A resenha crítica não deve ser vista ou elaborada mediante um resumo a
que se acrescenta, ao final, uma avaliação ou crítica. A postura crítica deve estar
presente desde a primeira linha, resultando em um texto em que o resumo e a
voz crítica do resenhista se interpenetram.
• No primeiro parágrafo, que é a introdução, apresenta-se o contexto no
qual a obra resenhada se insere. O autor da resenha também deve trazer nes-
te parágrafo as informações básicas (título, autor, editora, número de páginas,
preço, exemplares vendidos) sobre o livro que será analisado.
• Dentre essas informações, merece atenção especial a descrição resumida
do conteúdo da obra e uma breve apresentação do autor do texto resenhado,
bem como explicitar também alguns dos seus juízos de valor.
• O que se deve observar é que o parágrafo inicial costuma sempre trazer
uma contextualização do tema abordado, para que o leitor possa se “localizar”
e recuperar as informações de que já dispõe sobre o assunto.
• A partir do segundo parágrafo começa o desenvolvimento do texto, em
que é construída uma cadeia argumentativa. As estratégias exploradas para
convencer o leitor da tese defendida pelo texto vão variar de autor para autor,
mas todos precisam organizar os argumentos de modo a sustentar sua análise.
• Deve haver neste parágrafo uma expansão do contexto mais geral no qual
se insere o livro resenhado.
• O autor do texto deve informar aos seus leitores outras obras semelhan-
tes, publicadas no Brasil, por exemplo. Esse tipo de comparação é comum
nas resenhas. Pode ser feito de duas formas, a saber: confrontando a obra
resenhada com outras do mesmo tipo, ou comparando diferentes obras de
um mesmo autor.
326 • capítulo 6
• A informação sobre outras obras do mesmo tipo é utilizada como base
para a explicitação do juízo de valor.
• No terceiro parágrafo, o autor deve concentra-se na análise do objeto da
resenha e parte de um breve resumo do enfoque que a obra dá para introduzir
mais alguns juízos de valor, agora voltados para a avaliação da obra resenhada.
• Os juízos de valor procuram orientar o leitor sobre a qualidade da aborda-
gem da qualidade da obra.
• É importante observar que as comparações feitas ao longo do texto têm valor
argumentativo, porque ajudam o resenhista a validar suas opiniões, fazendo com
que não pareçam juízos de valor, emitidos sem qualquer referência mais concreta.
• Reitera-se que a avaliação crítica é a parte principal da resenha, pois é o mo-
mento em que o resenhista realiza uma apresentação crítica da obra, destacando
sua coerência interna, originalidade, contribuição científica, clareza na exposição
da ideia central e nos argumentos, êxito no objetivo proposto, avaliação da dispo-
sição de sua estrutura (capítulos), do método, da linguagem e do estilo utilizados.
• No último parágrafo, apresenta-se a conclusão que deve ser uma reafir-
mação da avaliação feita sobre a obra resenhada.
ATENÇÃO
Juízo de valor é um conceito filosófico e refere-se a um julgamento que expressa uma apre-
ciação, uma avaliação ou uma interpretação acerca da realidade. Os juízos de valor se con-
trastam aos juízos de fato, que afirmam o que as coisas são, como são e por que são. Ao se
falar “Está um dia muito ensolarado”, está-se enunciando um acontecimento constatado por
todos, tratando-se, pois, de um juízo de fato. Se se dissesse “O dia está triste”, passa-se da
constatação à interpretação de um fato, porque este foi avaliado subjetivamente, ocorrendo,
portanto, um juízo de valor.
RESUMO
A resenha é um trabalho científico que objetiva apresentar uma obra, devidamente analisada
e criticada. Enquanto a resenha exige capacidade de análise crítica, o resumo, por possuir
a finalidade de difundir as principais ideias do autor de um determinado livro, artigo ou tese,
demanda apenas apresentação concisa de seu conteúdo.
capítulo 6 • 327
RESUMO
Nesta Unidade III, no Capítulo 5 – TIPOLOGIAS TEXTUAIS –, abordam-se os tipos tex-
tuais,como NARRAÇÃO, DESCRIÇÃO, DISSERTAÇÃO EXPOSITIVA, DISSERTAÇÃO-AR-
GUMENTATIVA, INJUNÇÃO, dialogando-os com a organização discursiva do texto, dentre
outros estudos linguísticos e textuais enfocados, como conhecimentos gramaticais, apre-
sentando-se criteriosamente as características predominantes emcada um deles. Foram
abordados textos de tipologia variada, analisados, mesmo em fragmentos, à procura também
da construção do significado e da organização de uma linha de raciocínio clara, coesa e coe-
rente. Assim como foram descritas estratégias textuais que, conscientizadas, darão ao aluno
oportunidade de progresso na escrita.
No Capítulo 6 – A LEITURA DO TEXTO E A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS – abor-
da-se o importante papel da leitura para o aprimoramento da escrita. Enfatiza-se que a
leitura consiste em perceber e compreender as relações existentes no mundo e que ler
é atribuir sentido ao texto, e também relacioná-lo com o contexto e com as experiências
vivenciadas pelo leitor.
Em relação à modalização da linguagem, estuda-se que os modalizadores atuam nos
textos provocando diferentes efeitos de sentido, tais como: um ponto de vista, um sentimento
ou um julgamento do locutor em relação ao enunciado. Percebe-se também que o locutor se
utiliza dessas marcas linguísticas para direcionar a forma como ele quer que o seu texto seja
lido pelo interlocutor.
Verifica-se também que a modalização é indispensável para a construção de sentido em
determinados tipos textuais.
Mostra-se a diferença entre resumo e resenha e aborda-se ainda que a resenha traz uma
caracterização resumida da obra analisada, apresentando, também, uma opinião sustentada
por comentários e avaliações críticas sobre sua qualidade, enquanto que o resumo tem por
objetivo apresentar com fidelidade ideias ou fatos essenciais contidos num texto, reduzindo
-o a uma fração da extensão original, mas mantendo sua estrutura e seus pontos essenciais,
ou seja, mantendo-se a essência do texto e a fidelidade às ideias do autor.
328 • capítulo 6
ATIVIDADE
Questões Objetivas
(UFF/2009)-Valsinha – Chico Buarque de Holanda e Vinicius de Moraes
“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz.”
Questão 1
Identifique o comentário adequado sobre aspectos sintáticos, semânticos e discursivos do
texto “Valsinha”.
A) Dentre as marcas verbais presentes na progressão do texto, há a predominância do pre-
térito perfeito para indicar fatos passados habituais, de ação mais curta.
B) A progressão do texto se opera por modelo narrativo, em que o desenvolvimento dos
acontecimentos se dá por meio da repetição do conectivo “e” e das expressões de tempo
verbais e adverbiais.
C) A presença frequente da ênclise no desenvolvimento do sentido de um encontro amoro-
so implica um registro informal da língua, próprio de uma canção.
D) A gradação dos substantivos – praça, vizinhança, cidade, mundo – constrói um sentido de
crítica incompatível com as atitudes dos personagens envolvidos na história narrada.
E) As diferentes marcas da relação de causa-consequência (tanto que/e) ocorrem ao longo
do texto, para explicitar a construção linguística do desencontro amoroso.
capítulo 6 • 329
Questão 2
Marque a afirmação CORRETA em relação ao texto abaixo:
"Senti tocar-me no ombro; era Lobo Neves. Encaramo-nos alguns instantes, mudos,
inconsoláveis. Indaguei de Virgília, depois ficamos a conversar uma meia hora. No fim
desse tempo, vieram trazer-lhe uma carta; ele leu-a, empalideceu muito e fechou-a com
a mão trêmula." (Machado de Assis, in.Memórias Póstumas de Brás Cubas)
Questão 3
Qual a tipologia textual do trecho apresentado abaixo?
Dona Julieta chamou os filhos mais novos para uma conversa séria. Era uma manhã de
domingo, o dia estava claro e ensolarado. Pediu a eles que compreendessem a situação
do pai, que não tinha no momento condição de colocá-los em uma escola melhor.
330 • capítulo 6
Questões Discursivas
Proposta 1: Produção de Texto
“Na volta do cemitério, vovô subiu uma última vez ao sótão, só o tempo de tirar uma caixa de
sapatos que, ao descer, entregou a mamãe com algumas palavras de explicação. [...] Dentro
havia fotografias, cartões-postais, cartas, um broche e dois cadernos. A letra do mais estra-
gado deles, caprichada no começo ia piorando à medida que se viravam as páginas, até ficar
no fim quase ilegível, algumas notas arremessadas que se diluíam no branco das últimas
folhas virgens”. (ROUAUD,Jean. Os Campos de Honra. Rio de Janeiro: Record, 1996.)
O fragmento acima é parte histórica de uma família contada por um narrador que “vasculha” a
memória, buscando encontrar um sentido para a existência e decifrar um enigma cuja chave
pode estar guardada numa caixa escondida no sótão.
Continue a narrativa, elaborando um parágrafo narrativo, seguindo as seguintes instruções:
Texto 1
capítulo 6 • 331
Texto 2
Leia os textos 1 e 2 acima e elabore sua NARRATIVA a partir do seguinte recorte temático:
“O convívio entre gerações tem lugar privilegiado no ambiente familiar.”
Instruções:
1. Imagine uma personagem jovem que vai estudar em outra cidade e passa a morar com
os avós.
2. Narre o(s) conflito(s) da personagem, dividida entre os sentimentos em relação aos avós
e as dificuldades de convívio com essa outra geração.
3. Sua história pode ser narrada em primeira ou terceira pessoa.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como o uso de força física ou
poder, por ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou
comunidade, que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desen-
volvimento prejudicado ou privação. Essa definição agrega a intencionalidade à prática do
ato violento propriamente dito, desconsiderando o efeito produzido.
DAHLBERG, L. L.; KRUG, E. G. Violência: um problema global de saúde pública. Disponível
em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 18 jul. 2012 (adaptado).
332 • capítulo 6
A partir da análise das duas charges acima e da definição de violência formulada pela OMS,
redija um texto DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO a respeito da violência na atualidade. Em
sua abordagem, deverão ser contemplados os seguintes aspectos:
a) tecnologia e violência;
b) causas e consequências da violência na escola;
c) proposta de solução para o problema da violência na escola.
GABARITO
Questões Objetivas
Questão 1: A
Questão 2: E
Questão 3: C
Questões Discursivas
Proposta 1
Espera-se que, o produtor de texto narre um acontecimento com coesão e coerência, centra-
do em um dos objetos guardados na caixa de sapatos, e que a memória do objeto escolhido
seja entendida como vínculo e convívio entre diferentes gerações. A narração pode ser feita
em primeira ou terceira pessoa.
capítulo 6 • 333
Proposta 2
Espera-se que o produtor de texto construa uma narrativa decorrente de uma rotina de con-
vivência entre a personagem jovem e seus avós, como: adaptação aos horários da nova casa
(refeições, hora de acordar e de dormir, hora de voltar para casa), necessidade de prestar
assistência em certas ocasiões, de lidar com os limites impostos à sua privacidade. O produ-
tor de texto deve mostrar que esse conflito pode envolver, por exemplo, a alternância entre
reações negativas e positivas, atitudes de revolta ou rejeição seguidas de momentos de
alegria e descontração; sentimento de culpa, entremeado de afeto; brigas e reconciliações
nascidas da dificuldade de lidar com outra geração.
Espera-se, finalmente, que, ao narrar tal(is) conflito(s), leve-se em consideração ques-
tões para as quais a coletânea aponta, tais como a descoberta do valor da experiência e
da memória como possibilidade de vínculo e convívio entre diferentes gerações, o conflito
gerado pelo despreparo para lidar ou conviver, de modo mais próximo, com as demandas
específicas de uma outra geração.
A narração deve ser feita em terceira pessoa.
Proposta 3
Deve-se redigir texto dissertativo-argumentativo, abordando os seguintes tópicos:
A – Comentários gerais a respeito da violência na atualidade, considerando o papel de tec-
nologias no estímulo ou combate à violência.
B – Aspectos relacionados à educação escolar e a violência, apontando suas causas e con-
sequências.
C – Ações/soluções para a violência na escola. Exemplos: atualização dos profissionais da
educação, conscientização da comunidade escolar sobre o assunto, desenvolvimento de po-
líticas públicas ligadas ao combate à violência.
334 • capítulo 6
LEITURA
Eni Orlandi
Possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara
(1964), mestrado em Lingüística pela Universidade de São Paulo (1970), doutorado em
Lingüística pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Paris/Vincennes(1976).
Eni Orlandi publicou e/ou organizou mais de 35 livros (entre edições e reedições), sem-
pre trabalhando com a teoria do discurso, aplicada a diversas áreas, como ensino, mídia,
história, religião entre outras. Em 2010, foi a representante do Governo Brasileiro como
Membro da COLIP em reunião em Portugal na CCPLP como Perito em Língua Portuguesa
junto ao Corpo Diplomático, assessorando diretamente a Delegação do Itamaraty, Presidên-
cia da República Federativa do Brasil.
Em 1993, venceu o prêmio Jabuti em Ciências Humanas, com o livro As Formas do Silêncio.
MULTIMÍDIA
Filme São Bernardo (1934),de Leon Hirszman.
A história de Paulo Honório, um homem simples que, movido por uma ambição sem limites,
acaba se transformando em um grande fazendeiro do sertão de Alagoas e casa-se com
Madalena para conseguir um herdeiro. Incapaz de entender a forma humanitária pela qual a
mulher vê o mundo, ele tenta anulá-la com seu autoritarismo. Com esta personagem, Graci-
liano Ramos traça o perfil da vida e do caráter de um homem rude e egoísta, do jogo de poder
e do vazio da solidão, em que não há espaço nem para a amizade, nem para o amor.
capítulo 6 • 335
ANOTAÇÕES
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