Aspectos e Controvérsias Dos Crimes Contra A Fauna.
Aspectos e Controvérsias Dos Crimes Contra A Fauna.
aspectos controversos
dos crimes contra a fauna
Administração Superior
Ficha Técnica
RB Digital Ltda.
Belo Horizonte - 2016
Tiragem: 3.500 exemplares MPMG Jurídico • 1
Colaboradores
ENTREVISTA
Peter Albert David Singer
Graduado em Filosofia e História pela Universidade de Melbourne (Austrália) e Filosofia Moral pela Universidade de Oxford (Reino
Unido). Atualmente é professor de Bioética na cadeira Ira W. DeCamp na Universidade de Princeton (EUA) e professor laureado no
Centro de Filosofia Aplicada e Ética Pública (CAPPE) da Universidade de Melbourne.
ARTIGOS
Alex Fernandes Santiago
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Ambiental e mestre em Direito Penal pela
Universidade de Buenos Aires. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com atribuições na Promotoria
de Defesa do Meio Ambiente de Juiz de Fora. Autor do livro Fundamentos de Direito Penal Ambiental.
Cecília Barreto
Médica veterinária formada pela Escola de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Ciência Animal
também pela UFMG. Analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA -
lotada no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Belo Horizonte onde desempenha atividades relacionadas ao manejo,
proteção, conservação e medicina de animais silvestres.
4 • MPMG Jurídico
MAUS-TRATOS A ANIMAIS EM RODEIOS 48
MPMG Jurídico • 5
Entrevista
6 • MPMG Jurídico
MPMG Jurídico • 7
1. Why must Humanity have ethical concerns except that they often have miserable lives in factory farms.
regarding animals? If we really understood this, we would not support this abuse
by buying the products of factory farms.
For the same reason that we must have ethical concerns
regarding all other humans, including people of different 4. Your book “Animal Liberation is regarded as a
races, distant strangers, and future generations. It is because milestone in the movement for animal defense. How
animals are sentient beings, and their lives can go well or do you evaluate the impacts of these ideas in favor of
badly. It is wrong for us to fail to take their pain and suffering animals worldwide?
into consideration.
At the time the book appeared, most people thought that
In the past, racists disregarded the suffering of people who concern for animals was just for “animal lovers” – that is,
were not members of their own race. We now acknowledge for people who have a strong emotional attachment to
that racism is wrong. The same is true of the treatment of animals. My book helped people to see that improving the
women. We have changed, or are changing, our practices in way animals are treated is not just something for people who
these respects, even though racism and sexism have been love animals, but for anyone with a basic sense of right and
with us for a long time. wrong who does not want to see beings mistreated.
Similarly, the fact that animals are not members of our In addition, the book informed people about the true nature
species is not morally relevant to how much their suffering of many experiments done on animals. They learned that
matters. What is important is that they can and do suffer. So even unnecessary products like cosmetics were being tested
once again, we should change our long-standing practices on animals by being put directly into the eyes of rabbits, or
regarding animals. that other animals were force-fed with them until half of
them died. These experiments caused an enormous amount
2. What are the problems with the economic of suffering.
exploitation of animals for human feeding and
scientific researches? Readers also learned about how their food was produced
– in factory farms that confined animals indoors, in small
The problems with this economic exploitation follow from crates or crowded cages. It was enough to describe the
my answer to the previous question. These practices treat conditions in which these animals lived to show people that
animals as things for us to use. They allow our interests to this is wrong.
producing a product cheaply, or in carrying out research, to
override the interests of the animals. If we could not survive 5. How does the ethical treatment of animals
without eating animals, we would be justified in killing and contribute for environmental sustainability?
eating them, although it would still be the case that we ought
to allow them to have lives that are as good as possible, Concern for animals and concern for the planet both point in
without any unnecessary suffering. But today a great deal the same direction here.
of meat production is for people who have a wide variety of
possible foods, and they don’t need to eat animals at all. The head of the Intergovernmental Panel on Climate Change
has said that we should eat less meat, and the United Nations
Scientific research is different, as it can take many different Food and Agriculture Organization issued a report showing
forms and have many different purposes, some more that the livestock industry makes a bigger contribution to
important than others, and some of which inflict a great deal climate change than the entire transport sector – all cars,
of pain and suffering on animals while others may not harm trucks, buses, trains, ships and planes put together. Here the
them at all (for example, purely observational studies of most important factor is to reduce the eating of meat, and
animals). But the essential principle is the same: we should especially of ruminant animals such as cattle, because they
not disregard, or discount, the interests of animals just emit so much methane.
because they are not members of our species. We can only
justify harming them if it is clearly for a greater good, and in 6. What can people do to live in a more ethical way
general, we should avoid harming them wherever possible. of life concerning animals?
3. Humanity has always had affective bounds to some They can do many things. They can switch to a vegetarian
animal species. Why do we offer so much affection to pets or vegan diet, or if they find that difficult, they can at least
and endangered species whereas we neglect those animals avoid factory farmed animal products. Also, as concerned
exploited for economic reasons? citizens, they can support politicians and political parties
that show concern for animals, and ensure that stronger
Some animals we live with, and get to know them as laws are passed to protect animals, and that these laws are
individuals, and care for them. They become members of properly enforced.
our family. Others we never see, or think about, except when
they end up on our plate, or else (if we are raising them to
sell) we have to think of them as things to sell, and so do not
let ourselves become attached to them.
Introdução
O dever imposto ao Poder Público e à coletividade de defen- mésticos. Tais critérios poderão ser utilizados na mensura-
der e preservar o meio ambiente foi estabelecido pelo caput ção da indenização civil de reparação do dano e também na
do art. 225 da Constituição Federal. Tal imposição constitu- proposta de transação penal e de suspensão condicional do
cional deve conjugar-se com os valores de justiça, solidarie- processo. Este trabalho almeja otimizar a prática ministerial
dade e igualdade, para que sanções adequadas sejam apli- na defesa do meio ambiente.
cadas aos transgressores. É importante determinar a medida
da responsabilização do agente que comete dano ambiental
como a crueldade contra animais domésticos. Quais seriam Antropocentrismo, biocentrismo
os critérios objetivos de mensuração? e ecocentrismo
Quando não há critérios objetivos aceitos por todos os en-
volvidos, surge um claro risco de que se atribuam reparação Ao final do século XIX, já existiam três correntes filosóficas
de danos, compensações e penalidades desproporcionais à definidoras da relação entre o homem e o meio ambiente:
repreensão da conduta e à magnitude do dano causado. antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo.
As sanções e indenizações desarrazoadas e desproporcio- O movimento antropocentrista considera o ser humano o centro
nais desmoralizam a aplicação da legislação ambiental e do Universo. Na visão antropocêntrica, o ser humano, dotado
comprometem a credibilidade do sistema judicial civil e de razão, é a espécie mais importante que habita o planeta, e
penal. Tendo em conta o dever institucional do Ministério as demais formas de vida são importantes apenas na medida
Público de zelar pela coletividade e defender os interesses em que promovem a maximização de seu bem-estar de modo
sociais e individuais indisponíveis, a valoração dos danos
positivo ou negativo. (KORTENKAMP; MOORE, 2001).
causados ao meio ambiente é essencial para que tal tarefa
seja cumprida com a objetividade, a clareza e a transparên-
cia que devem ser peculiares à instituição. Esta corrente defende a gestão racional e eficiente dos recursos
naturais, com foco na utilização produtiva das terras selvagens,
Este artigo apresenta critérios objetivos para a mensuração promovendo o desenvolvimento e o bem-estar social. O
de danos ambientais causados por agentes a animais do- interesse econômico justifica o domínio e a utilização da
10 • MPMG Jurídico
natureza de modo racional, e a percepção de que muitos dos Huxley respondeu que ele não teria vergonha de ter um macaco
recursos naturais eram não renováveis induzia a uma utilização como seu antepassado, mas teria vergonha de ser conectado a
regrada de tais recursos. Nessa corrente, eminentemente um homem que usa de seus dons para obscurecer a verdade1.
antropocentrista,encontram-se as bases para o desenvolvimento
sustentável e outras visões de caráter economicista. As Esta discussão estava no coração dos sentimentos e
ideias do antropocentrismo se fundamentam no sentimento pensamentos do século XIX. Antes de Darwin, o ser humano
humano de se posicionar acima das demais espécies. era divino, criado por Deus, e senhor de tudo ao seu redor. Com
o surgimento da teoria de Darwin, o ser humano nada mais é
O biocentrismo, por sua vez, refere-se à “justiça biótica”, que que um descendente de macacos. Foi uma teoria que estressou
confere importância a todos os seres vivos, não considerando e balançou a autoestima de muitos, especialmente da Igreja.
o aspecto puramente utilitarista do antropocentrismo O próprio Darwin, que era um homem muito religioso, ficou
estreito como gerador de bem-estar humano, ou seja, o atordoado com seus pensamentos, teorias e descobertas, a
biocentrismo está centrado no raciocínio moral. A justiça ponto de tentar amenizá-las e harmonizá-las com o pensamento
biótica considera a questão do risco do recurso natural como relacionado a Deus e à Criação nas edições seguintes do seu
elemento importante de avaliação e, por isso, questiona livro. Assim, a primeira edição de “A Origem das Espécies” é que
vários paradigmas clássicos do valor (MOTA; BURSZTYN, deve ser lida para entender o pensamento puro de Darwin.
2013). O biocentrismo defende a preservação integral de
determinadas regiões em virtude do valor intrínseco do meio O Brasil é subscritor da Declaração Universal dos Direitos dos
ambiente, desconectado de interesse econômico. Animais (1978), que estabelece os direitos fundamentais de todos
os animais. Tal instrumento internacional, embora não vinculante,
O reconhecimento da interdependência dos ecossistemas deve ser observado pelos países subscritores ao definir suas
e de seu valor intrínseco deu origem a uma outra corrente: políticas e leis internas. Essa declaração traz uma clara referência
o ecocentrismo. É um paradigma que expõe valores não ao ecocentrismo em contraposição ao antropocentrismo. Em
utilitaristas dos ecossistemas e da biosfera, e considera o homem seu art. 1º, ressalta que todos os animais têm o mesmo direito
apenas como mais uma parte da natureza. Todos os seres vivos à vida e à existência, e não diferencia a importância da vida do
teriam valor moral intrínseco. O reconhecimento de que a vida animal pela medida de sua utilidade. Em seu art. 2º, ressalta a
não humana possui status moral leva à conclusão de que outros obrigação humana de pôr seu conhecimento à disposição dos
seres vivos possuem os mesmos direitos dos grupos humanos, o animais, não podendo violar seus direitos, conferindo a eles
que é chamado de Liberação Animal (TAVOLARO, 2000). atenção, respeito, cuidados e proteção. O art. 3º é ainda mais
claro ao determinar que nenhum animal deve ser submetido a
Esta terceira visão fundamenta-se na “ética da terra” com um maus-tratos nem a atos cruéis, e, se sua morte for necessária,
enfoque sistêmico para auxiliar no entendimento de como deverá ser de modo indolor e instantâneo. Os animais utilizados
o sistema biótico sobrevive e se modifica, sinalizando que o para alimentação são protegidos pela disposição do art. 9º,
valor é guiado por esta perspectiva. Todos os elementos da que indica que esses animais devem ser alimentados, alojados,
biota (as espécies e seus meios ambientes) estão interligados. transportados e mortos sem que isso resulte em ansiedade e
Por esta perspectiva, a ótica da terra adquire um forte apelo
biológico e sugere uma forma de antídoto para as metodologias dor. Ressalte-se também que o art. 12 prevê o genocídio animal
individualistas, baseadas no utilitarismo antropocêntrico, pela poluição e destruição do ambiente natural, ou seja, pela
principalmente na filosofia econômica predominante no prática de exterminação indireta, contra o meio em que ele
passado. O valor, por este enfoque, alcança uma dimensão que habita. As determinações da Declaração Universal dos Direitos
não é somente econômica, mas também de senso filosófico. A dos Animais devem ser observadas pelos seus subscritores como
ética ecocêntrica considera que os seres humanos devem usar o orientações na definição da legislação interna. Uma das formas
meio ambiente de tal maneira que respeitem a sua integridade, que o Brasil adotou para efetivar a declaração foram os crimes
a estabilidade e a beleza da comunidade biótica (MOTA; contra a fauna, definidos nos artigos 29 a 37 da Lei nº 9.605/98.
BURSZTYN, 2013). Esta terceira visão, centrada no animal, e A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 flertou
não no ser humano, inclui a capacidade do animal de sentir. com o ecocentrismo, ao estabelecer em seu art. 225 a tutela dos
Esta corrente marcou o fortalecimento de associações civis em
interesses dos animais:
defesa dos direitos dos animais. Assim, além do ser humano,
havia outros seres vivos merecedores de consideração moral.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
(AMARO; FELGUEIRAS, 2013). ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
A avaliação de risco (sua exposição a dano) de um recurso Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
natural reflete o imperialismo antropocêntrico dominante na para as presentes e futuras gerações.
nossa cultura, permanecendo ainda o paradigma cultural e a
racionalidade tecnocrática na tomada de decisão. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:
A divisão entre antropocentrismo e ecocentrismo está refletida
[...]
de modo bastante passional e colorido no debate ocorrido no
Museu da Universidade de Oxford, em 30 de junho de 1860, sete VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei,
meses após a publicação do livro “A Origem das Espécies”, de as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
Charles Darwin. Vários cientistas britânicos e filósofos participa- provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais
ram do evento, incluindo Thomas Henry Huxley, Bispo Samuel a crueldade.
Wilberforce, Benjamin Brodie, Joseph Dalton Hooker e Robert
FitzRoy. Durante uma discussão acalorada, o Bispo Wilberforce A Constituição de 1988 e seus paradigmas ambientais foram
pergunta a Huxley se o seu parentesco com os macacos era por 1 Disponível em: <http://www.americanscientist.org/issues/pub/2000/5/
parte de pai ou por parte de mãe. huxley-wilberforce-and-the-oxford-museum>. Acesso em: 29 dez. 2014.
MPMG Jurídico • 11
considerados avançados em relação à questão ambiental. Mas, Crimes contra a fauna
apesar de tutelar os interesses dos animais, a Constituição
traz forte carga antropocêntrica. Ao preconizar que todos têm
A Seção I do Capítulo V da Lei nº 9.605/98, que define os
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a palavra
crimes contra a fauna, é resultado de uma consolidação
“todos”, para muitos, se refere a todos os seres humanos, não
legislativa dos crimes já existentes previstos na Lei nº
incluindo outros seres. Também a expressão “bem de uso
5.197/67 (Código da Caça) e no Decreto-Lei nº 221/67 (Código
comum do povo” destaca o uso humano no meio ambiente
da Pesca). Segundo Édis Milaré (2009):
como objeto, predominando uma visão utilitarista do meio
ambiente. Ainda, ao se referir ao meio ambiente como “essencial As penas prometidas guardam adequação à gravidade dos
à sadia qualidade de vida”, novamente menciona apenas a fatos, ao contrário do sistema anterior, que por considerar
vida humana, excluindo os seres não humanos do direito à inafiançáveis os delitos contra a fauna silvestre e por
sadia qualidade de vida baseada no meio ambiente. Outros prever sanções rigorosíssimas, era de discreta ou nenhuma
posicionamentos que confirmam o antropocentrismo podem aplicação.
ser encontrados no § 1º, inciso II e V, da Constituição de 1988.
A Lei Federal nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais –
Apesar da predominância do antropocentrismo, a Constituição de LCA) define como crime de maus-tratos contra a fauna as
1988 traz, como visto acima, algumas referências ao ecocentrismo. seguintes ações ou omissões:
Um exemplo está no inciso VII do § 1º do art. 225, que estabelece
a obrigação do Poder Público de proteger a fauna e a flora. Essa Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar
animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou
obrigação convida a uma reflexão sobre a amplitude de tal proteção:
exóticos:
ela engloba todos os seres vivos que compõem a biota, como os
vírus, bactérias e fungos? Ou apenas o reino animal e vegetal de Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
forma individual, sem considerar as espécies vivas como um todo?
Porém o viés antropocêntrico é novamente observado quando se § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência
associa a proteção da fauna e flora às suas “funções ecológicas”. O dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins
termo “função” relaciona a existência dos seres animais e vegetais didáticos ou científicos, quando existirem recursos
ao cumprimento de um determinado papel que promova o bem- alternativos.
estar dos seres humanos (SILVA; SANTINELLI. 2011).
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se
ocorre morte do animal.
O Código Civil Brasileiro de 2002, por sua vez, adotou
claramente uma posição que reflete a coisificação do animal, São quatro as condutas previstas por esses tipos penais:
antropocêntrica, ao considerar o animal um objeto de praticar ato de abuso (e. g., submeter o animal a trabalhos
propriedade e de forma de garantia de obrigações. excessivos, transporte inadequado), praticar maus-tratos
(causar sofrimento ao animal, colocando em perigo sua
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano
integridade física), ferir (machucar) ou mutilar (amputação de
por este causado, se não provar culpa da vítima ou força
maior. membros ou partes do corpo). A conduta de matar o animal
está englobada no art. 32, em relação aos animais domésticos,
Há ainda a previsão no Código Civil de garantia por vícios ocultos tendo em vista que o agente necessariamente ferirá, abusará
em venda de animais, no art. 445, o qual dispõe que, em relação ou maltratará o animal antes de matá-lo (GOMES; MACIEL.
à venda de animais, lei especial tratará dos prazos de garantia 2011). Para os animais silvestres, o art. 29 da Lei nº 9.605/98
por vício oculto ou, em sua falta, será o prazo regido pelos usos e traz um tipo específico para a conduta de matar.
costumes locais, aplicando-se o prazo de 180 dias, caso não haja
regras que disciplinem a matéria. Outro dispositivo antropocentrista Como assevera Miguel Reale Júnior (apud Antunes, 2002, p. 683):
e utilitarista é o art. 1.142 do Código Civil:
[...] não se sabe o que vem a ser praticar ato de abuso.
Art. 1.442. Podem ser objeto de penhor: De outro lado, maus-tratos é o nome jurídico da conduta
I - máquinas e instrumentos de agricultura; constante do artigo 136 do Código Penal, que tipifica como
II - colheitas pendentes, ou em via de formação; crime expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua
III - frutos acondicionados ou armazenados; autoridade, guarda, vigilância, privando-a de alimentação
IV - lenha cortada e carvão vegetal; ou cuidados indispensáveis... ou abusando de meios de
V - animais do serviço ordinário de estabelecimento correção.
agrícola.
Alvim (2014) assim o explica:
Muito clara a coisificação do animal no artigo 1.442, em que A crueldade – que em geral e conceitualmente é a realização
animais utilizados para a execução de serviços agrícolas são de algo pungente, doloroso e lancinante de forma severa ou de
objeto de penhor e tratados da mesma forma jurídica que modo que se compraz – é pormenorizada pelo caput do artigo
máquinas, colheitas pendentes e carvão vegetal. 32 como realização de ato de abuso, maus tratos, ferimento ou
mutilação aos animais. Para os efeitos esperados pelo texto de
lei, a leitura necessária é que o abuso nada mais é que um uso
A lógica do nosso Código Civil aponta para uma
incorreto e indevido, um mau uso, que se expressa em excesso,
fundamentação de que a proteção animal é tutelada sob a
descomedimento, ou então em contrariedade às boas normas,
ótica dos interesses dos seres humanos, seus proprietários. em síntese, gerando violações. No caso dos maus tratos, como
O animal, no Código Civil, não é sujeito de direitos. a lei utiliza um termo já usado pelo ordenamento jurídico (no
Código Penal), de certa maneira, permite a analogia conceitual,
que no Decreto-lei 3.914/41 significa exposição ao perigo a vida
12 • MPMG Jurídico
ou a saúde da pessoa que se acha sob sua autoridade, guarda O elemento subjetivo do crime previsto no art. 32, segundo
ou vigilância, seja privando de alimentação ou cuidados Freitas (2006), é a consciência, intenção, vontade de usar mal,
indispensáveis, seja impondo-lhe trabalho excessivo ou ferir, maltratar ou mutilar o animal. De fato, é de difícil avaliação,
impróprio, seja abusando dos meios corretivos disciplinares. já que o animal culturalmente é encarado como propriedade,
Significa, em resumo, expor ao sofrimento, por ultraje ou
visão antropocêntrica que, como já tratado, encontra espelho no
violência, independentemente de lesão visível ou morte. O
ato de ferir refere-se à produção de ferida, ou seja, fratura ou Código Civil, o que, no entendimento de alguns, confere licença
contusão. Por fim, a mutilação é uma privação de membro para que o proprietário faça com o animal o que bem entender
ou parte do corpo. Além disso, o sofrimento gerado por todas (FREITAS; FREITAS, 2006). Todavia, essa afirmativa não passa no
essas condutas pode ser de natureza física ou psicológica para teste da ponderação de princípios de Alexy, especialmente em
estar abarcado pela regra. relação ao princípio da solidariedade presente no Código Civil.
Assim, há em nosso ordenamento jurídico espaço, por exemplo,
Os sujeitos passivos do crime ambiental de maus-tratos contra para a reprovabilidade da conduta de submeter animais de
a fauna são os animais silvestres, domésticos, domesticados, tração a cargas abusivas.
sejam nativos, sejam exóticos. Os animais silvestres são assim
definidos, conforme o art. 29, § 3º, da Lei nº 9.605/98:
A ciência do bem-estar animal
[...] espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes e a fauna doméstica
às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras,
aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu
O bem-estar animal é uma ciência voltada para o
ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território
brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras. conhecimento e satisfação das necessidades básicas
daqueles animais mantidos sob domínio humano. Além das
necessidades básicas, tal expressão se relaciona a conceitos
Os animais domésticos são aquelas espécies tradicionalmente
como sofrimento, dor, ansiedade, medo, estresse, saúde e
submetidas a processos de manejo, possuindo estreita
liberdade.
dependência do ser humano para sobrevivência, sendo
passível de transação comercial e, por vezes, utilização
A primeira definição de bem-estar animal data de 1965, foi
econômica. A fauna domesticada é formada por espécies
elaborada pelo Governo do Reino Unido com a publicação
naturalmente encontradas na natureza, mas que passaram a
do “Relatório do Comitê Consultivo do Bem-Estar Animal”,
conviver harmoniosamente com o ser humano, dependendo
liderado pelo Prof. Roger Brambell (por isso conhecido como
dele para sua sobrevivência, podendo ou não manter suas
Relatório do Comitê Brambell): “um termo amplo que inclui
características comportamentais de animais silvestres.
tanto a saúde física quanto a saúde mental e comportamental
Animais nativos são aqueles provenientes da fauna nacional,
de um animal”. O Comitê Brambell realizou pesquisas no
enquanto que os exóticos são os provenientes da fauna
Reino Unido para sugerir melhorias e orientações quanto
estrangeira (MILARÉ, 2009).
aos procedimentos para obtenção de produtos de origem
animal. Estudos científicos se mostraram necessários para
MPMG Jurídico • 13
embasar as orientações, derivando daí a criação dessa O estresse, que é parte da liberdade psicológica, pode ser
ciência denominada Bem-Estar Animal (apud SOUZA, 2006). medido por critérios científicos objetivos, como demonstram
pesquisas científicas mais recentes (MARQUES FILHO; FERREIRA;
Na ciência do bem-estar animal são identificadas cinco FUGIHARA). As respostas do organismo ao estresse produzem
liberdades que apresentam os elementos que determinam variadas mudanças na atividade do sistema endócrino e
a percepção de bem-estar pelo próprio animal e definem as neurológico. O aumento do nível de cortisol, substância
condições necessárias para promover esse estado. São elas produzida pelo próprio organismo, é indicador quantitativo
(VIEIRA; AJUDA; STILWELL. 2011): do aumento do estresse no animal. Em estudos realizados em
primatas, fatores como disponibilidade de comida, formação de
• Liberdade Nutricional (livre de sede, fome e má- grupos, separação social e mudanças de ambiente induziram
nutrição): acesso à água fresca de qualidade e a uma a mudanças psicológicas, gerando estresse e liberando mais
dieta adequada às condições fisiológicas dos animais; cortisol no organismo. Tal substância pode ser medida pela
saliva, fezes, urina e sangue (ELDER; MEZEL, 2001).
• Liberdade Sanitária (livre de dor, ferimentos e
doenças): prevenção de doenças, diagnóstico rápido e Critérios objetivos de medição do
tratamento adequados;
bem-estar animal para procedimentos
• Liberdade Ambiental (livre de desconforto): administrativos e judiciais de reparação
fornecimento de um ambiente adequado que inclua um
abrigo com zona de descanso confortável; do dano ambiental da fauna doméstica
• Liberdade Comportamental (livre para expressar seu Em relação à fauna doméstica, o crime de maus-tratos pertence
comportamento natural): fornecimento de espaço e à categoria dos crimes de menor potencial ofensivo, conforme
instalações adequadas, e a companhia de animais da o art. 61 da Lei nº 9.099/95, com pena máxima inferior a dois
mesma espécie; anos, submetendo-se portanto ao procedimento dos juizados
especiais. O art. 76 da Lei nº 9.099/95 prevê a transação penal,
• Liberdade Psicológica (livre de medo e estresse): podendo o Ministério Público propor imediata aplicação de pena
garantia de condições e de manejo que evitem restritiva de direitos ou multa, que, sendo aceita pelo investigado,
sofrimento mental. será aplicada pelo juiz, não importando em reincidência.2 Ainda,
é aplicável ao delito em tela o instituto da suspensão condicional
Além de definir o Bem-Estar Animal, o Comitê criou uma forma do processo, proposta pelo Ministério Público após a denúncia,
direta de sua avaliação, denominada “Cinco Liberdades”, submetendo o autor do crime a período de prova com condições
tendo sido revisada, em 1993, pelo FAWC (Farm Animal Welfare determinadas pela proposta ministerial.
Council). Tal avaliação consiste numa lista de checagem,
com a qual são identificadas situações que comprometem Na aplicação de tais institutos, deve-se ter em conta o objetivo
o bem-estar animal, como falta de alimento e de água, dor, principal da Lei nº 9.605/98, o de reparação do dano causado
desconforto, ferimentos, doenças, isolamento social ou pelo infrator. De fato, não sendo possível ou já frustrada a pre-
estresse comportamental, utilizando parâmetros desde venção, o Direito Ambiental Constitucional preza, em segundo
“muito bom” a “muito pobre”. Por exemplo, as consequências lugar, pela reparação do dano. A proposta de transação penal de
(e os indicadores simultaneamente) de um estado de bem- aplicação imediata de pena restritiva de direitos, prevista no art.
estar animal classificado como “pobre”: reduzida expectativa 76 da Lei nº 9.099/95, encontra-se condicionada à prévia com-
de vida; reduzida capacidade para crescer, produzir ou se posição do dano ambiental, salvo impossibilidade comprovada
reproduzir; lesões corporais e doenças; imunossupressão; (art. 27 da LCA). Também a suspensão condicional do processo
patologias comportamentais e supressão do comportamento dependerá de “laudo de constatação de reparação do dano am-
normal de sua espécie; alteração do processo fisiológico biental”, excetuando-se, novamente, a comprovação no caso de
normal e do desenvolvimento anatômico, entre outros sua impossibilidade (art. 28 da LCA).
(SOUZA, 2014). O conceito de bem-estar animal também inclui
elementos como felicidade, competição, controle, sensações Atendendo ao intuito da Lei nº 9.605/98 de primordial
diversas, ansiedade, medo e tédio. Sendo assim, por meio das reparação do dano ambiental, todos os mecanismos jurídicos
cinco liberdades, podemos estabelecer critérios objetivos de à disposição do operador do direito (e. g., juízes, advogados
avaliação dos danos causados à fauna e, desse modo, chegar e Ministério Público) devem ser utilizados para reparar o
a uma pena adequada à gravidade da conduta praticada. dano causado ao meio ambiente de maneira específica ou,
não sendo possível, de maneira geral. As medidas impostas
O sofrimento é estabelecido quando o animal se encontra pelo Poder Judiciário que não respondem a esse objetivo
submetido a sensações subjetivas desagradáveis, desmoralizam a aplicação da Lei de Crimes Ambientais.
momentâneas ou contínuas, sendo incapaz de remover
sua causa. Sofrimento e decréscimo de bem-estar são dois Existem inúmeros exemplos de transação civil ou penal
elementos que geralmente se encontram associados. O em que a punição do crime de maus-tratos consiste na
estresse, por sua vez, é um estado experimentado pelo obrigação do infrator de doar cestas básicas ou cartuchos
animal, em que se gera uma série de sensações físicas de impressora à Polícia Civil. Tais penas não se relacionam
e mentais, como a ansiedade, definida como estímulo com o dano causado, são inconstitucionais e falham na
ambiental sobre um indivíduo que sobrecarrega seus prevenção específica de nova prática delituosa, bem como na
sistemas de controle e pode reduzir sua adaptação. O recuperação do próprio agente para evitar reincidência.
tédio ocorre quando há escassez de estímulos ambientais,
culminando em alterações comportamentais, sofrimento, 2 Deve-se ter em vista, porém, que caso aceite o acordo, o autor do fato
não mais poderá receber o benefício da transação penal no prazo de cinco
dor e decréscimo de bem-estar (SILVANO et al., 2010). anos – art. 76, § 4º.
14 • MPMG Jurídico
Com os instrumentos da transação civil, da transação penal A prestação pecuniária deve ser destinada, prioritariamente,
e da suspensão condicional do processo, o Ministério Público para a arrecadação de recursos financeiros a serem investidos
tem grande protagonismo na proteção do meio ambiente, e na reparação específica do dano. No caso de maus-tratos
especificamente na atuação contra os maus-tratos aos animais. a animais, os destinos apropriados seriam, por exemplo,
Todavia, essa é uma tarefa hercúlea para o Parquet, uma vez que o tratamento médico veterinário dispensado ao animal,
a conduta descrita no tipo do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais custos com seu abrigo, encaminhamento para adoção,
apresenta grande caráter subjetivo, dificultando sua aplicação entre outros. Não sendo possível a reparação específica,
de maneira harmoniosa, ponderada e justa. Para resolver esse os recursos financeiros arrecadados devem ser destinados
problema, é importante a elaboração doutrinária de critérios às instituições públicas ou privadas com fim social, para
objetivos para que os membros do Ministério Público possam posteriormente serem repassados a projetos de instituições
fundamentar-se no momento de utilizar os instrumentos públicas e privadas relacionados à proteção dos animais.
jurídicos da transação e da suspensão condicional do processo. Dentre tais instituições, destaca-se o Fundo Nacional do Meio
Para uma definição objetiva do tipo “prática de maus-tratos Ambiente, do Ministério do Meio Ambiente3, que apoiou, ao
contra animais” e sua intensidade no caso concreto, sugerimos longo de sua existência, 1.400 projetos socioambientais.4
um novo caminho: o da quantificação da intensidade dos maus-
tratos e do bem-estar animal. Em Minas Gerais, temos o Fundo Estadual de Defesa dos Direitos
Difusos (Fundif)5, que estabelece, como uma de suas finalidades,
promover a reparação de danos causados ao meio ambiente. Suas
fontes de recursos são, entre outras, valores oriundos de termos
de ajustamento de conduta firmados pelo Ministério Público,
indenizações de condenações por danos causados a bens protegidos
pelos direitos difusos e multas decorrentes do descumprimento
dessas obrigações, bem como recursos a ele destinados pelo Fundo
Nacional de Direitos Difusos. O Fundif é administrado pelo Conselho
Estadual de Defesa dos Direitos Difusos.
Essa combinação de elementos objetivos, que podem ser re- SOUZA, M. F. A. Implicações para o bem-estar de equinos usados
fletidos nos laudos técnicos de veterinários, no procedimen- para tração de veículos. Revista Brasileira de Direito Animal.
to judicial ou administrativo, avalia o real nível de maus-tra- 2014. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/
tos que o agente infrator impôs ao animal, além de conscien- RBDA/article/view/10247/7304>. Acesso em: 17 set. 2014.
tizar o agente acerca do seu dever de tutela dos animais em
geral. As tabelas supramencionadas trazem um exemplo de TAVOLARO, S. B. F. Sociabilidade e construção de identidade
como esses critérios objetivos poderiam ser aplicados pelo entre antropocêntricos e ecocêntricos. Ambiente e Sociedade,
Ministério Público na apuração do valor de indenização/re- 6: 63-84, 2000.
paração do dano/compensação no caso concreto.
UNESCO. Declaração Universal dos Direitos dos Animais.
Referências Bruxelas, Bélgica. 1978. Disponível em: <http://www.urca.br/ceua/
arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.pdf>.
ALVIM, Mariana Spacek. Experimentação animal na nova Lei 11.794/08 Acesso em: 19 set. 2015.
à luz da interpretação conforme a Constituição. Revista Brasileira de
Direito Animal, 2014. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/ VIEIRA, Ana; AJUDA, Inês; STILWELL, George. Bem estar de
index.php/RBDA/article/view/11045/7966>. Acesso em: 17 set. 2014. ruminantes. Animal welfare indicators. Faculdade de Medicina
Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa. Disponível em: http://
AMARO, A; FELGUEIRAS, ML. Perspectiva Histórica sobre a educação e o www.animal-welfare-indicators.net/site/images/publicpress/
movimento de defesa dos animais não humanos na transição do século awin-out11-shot-version-Ruminates%20Magazine.pdf.> Acesso
XIX para o século XX. Disponível em: <http://www.exedrajournal.com/ em: 21 set. 2014.
wp-content/uploads/2013/12/03.pdf>. Acesso em: 17 set. 2014.
MPMG Jurídico • 17
Principais ameaças e medidas de
salvaguarda aos animais silvestres
Daniel Ambrózio da Rocha Vilela
Cecília Barreto
Diêgo Maximiano Pereira de Oliveira
MPMG Jurídico • 19
propõe-se discutir neste artigo alguns fatores que influenciam fiscal, baseada na área sob proteção declarada pelos estados
negativamente a fauna silvestre, como a perda de habitat, o e municípios (ICMS ecológico). Após a implantação desse
tráfico de animais, o impacto das rodovias e a introdução das programa, o número de áreas protegidas no estado do Paraná
espécies exóticas, bem como tecer algumas recomendações de aumentou em 165% (ALGER; LIMA, 2003).
ações mitigadoras ou de coibição desses impactos.
O estabelecimento de áreas protegidas privadas também
Perda de habitat representa grande passo para a manutenção das espécies,
principalmente em ecossistemas fragmentados, como a Mata
Para atender as demandas, cada vez maiores, da sociedade Atlântica. As Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN)
moderna de alto consumo, faz-se necessária a conversão pertencem a uma categoria oficial de unidade de conservação
dos habitats naturais em empreendimentos agropecuários, criada pela iniciativa de proprietários rurais, que têm como
hidrelétricos, minerários e urbanos. Estima-se que o crescimento principalmotivoaconservaçãoperpétuadadiversidadebiológica,
da população mundial entre 2000 e 2050 será de 50% e que sem perder titularidade do imóvel. O Brasil conta atualmente com
a economia global quadruplicará (SLINGENBERG et al, 2009). centenas de RPPNs, que juntas somam quase 500 mil hectares e
A necessidade por alimentos, energia, forragem e madeira complementam o sistema de áreas protegidas pelo poder público.
aumentará a demanda por recursos
naturais e, consequentemente, Além da proteção de áreas
o impacto na biodiversidade. estratégicas, merecem atenção
algumas iniciativas focadas na
Entretanto, existe o consenso de que
proteção de espécies ameaçadas e
a maior ameaça à biodiversidade é a
de espécies bandeiras, que quase
perda e a fragmentação de habitats,
desapareceram principalmente
o que provoca a remoção imediata
por causa da perda do habitat.
da flora e da fauna nativas e, assim,
Entre as mais conhecidas e bem-
o desaparecimento de populações
sucedidas estão os programas
inteiras ou de parte delas, a redução
de conservação para os quatro
da distribuição geográfica das
micos-leões (Leontopithecus), os
espécies e a perda de diversidade
muriquis (Brachyteles) e a arara-
genética (DIRZO; RAVEN, 2003). azul-de-lear. Essas iniciativas
surgiram no início dos anos 1980,
A retirada da cobertura vegetal do com um enfoque no salvamento
território brasileiro alcançou índices da extinção das espécies-alvo,
alarmantes. Os dois principais e amadureceram, tornando-se
biomas e de maior concentração programas multidisciplinares de
populacional, a Mata Atlântica e os conservação, que produziram
Pampas, contam, respectivamente, importantes aprendizados e
com menos de 8% e 37% de sua avanços no delineamento de
vegetação original. A floresta estratégias de conservação,
atlântica é um dos biomas mais com inclusão das comunidades
ameaçados do mundo e ainda humanas (TABARELLI et al., 2005).
apresenta o agravante de que a
escassa vegetação existente está Particularmente importante para
acentuadamente fragmentada. No a conservação da fauna silvestre
Cerrado, o segundo maior bioma é a implementação do Código
brasileiro, a vegetação nativa tem Florestal, que prevê a proteção e/
sido removida para dar espaço ou restauração das reservas legais e
principalmente à agricultura e à das áreas de proteção permanente
pecuária de grande escala, a tal ponto que somente 50% dessa em todas as propriedades, incrementando de maneira expressiva
vegetação ainda resistem. Situação parecida é observada os habitats e garantindo que as propriedades rurais cumpram os
na Caatinga, bioma exclusivo do Brasil, onde apenas 54% da objetivos sociais e ambientais estabelecidos pela Constituição
vegetação natural ainda estão presentes. Já na Amazônia e no Federal (ALGER; LIMA, 2003).
Pantanal, a área total desflorestada ainda não atingiu 20% da
cobertura vegetal natural, mas os índices de conversão do solo Empreendimentos de grande porte, como as minerações
são crescentes e preocupantes nessas regiões. A alteração ou e as hidrelétricas, que causam significativos impactos
degradação do habitat afeta diretamente a fauna silvestre, sendo socioambientais diretos e indiretos e deslocamento de
responsável pela inclusão de 85% das espécies animais listadas populações humanas e de vida silvestre de grandes áreas, devem
como ameaçadas de extinção no mundo (HILTON-TAYLOR, 2000; receber atenção especial durante o licenciamento ambiental.
BIRDLIFE INTERNATIONAL, 2000). Entre as medidas básicas previstas na legislação para alguns
casos, e que podem minimizar os impactos negativos, encontra-
A reversão da tendência atual de perda e fragmentação de se a aquisição e proteção perpétua, pelo empreendedor, de área
habitat exige melhorias nas ações de fiscalização e controle, de tamanho proporcional ao impacto e de mesma relevância
além de mecanismos inovadores de incentivo à conservação da ecológica. Os programas de monitoramento ambiental com
biodiversidade, que incluem aqueles direcionados à redução ações prévias à implantação e de monitoramento dos efeitos da
da pobreza e promoção do desenvolvimento social nas regiões instalação e operação do empreendimento sobre as espécies
impactadas. Um instrumento promissor é a compensação também devem ser obrigatórios.
20 • MPMG Jurídico
O tráfico de animais silvestres foram contados cerca de 264 mil animais apreendidos em
nove anos, sugere-se que pessoas humildes, que vivem nas
O comércio ilegal de animais silvestres e de seus subprodutos zonas rurais, capturam os animais a fim de complementar
ameaça aproximadamente um terço dos mamíferos e aves a baixa renda familiar para a sobrevivência. Ainda segundo
em todo o mundo (BAILLIE et al., 2004). No entanto, apesar a RENCTAS (2002), o transporte clandestino de fauna
da forte pressão que exerce sobre a biodiversidade, existem silvestre é realizado por motoristas de ônibus, ambulantes,
poucos dados confiáveis sobre o tráfico de animais no planeta, barqueiros ou pessoas que transitam entre os ambientes
principalmente porque o comércio clandestino de fauna urbanos e rurais, e o principal destino desses animais são as
silvestre, por sua própria natureza, é obscuro. Theile et al. residências das pessoas que os mantêm como pet, além de
(2004) registraram que, apenas entre os anos de 2000 e 2002, alguns criadouros e zoológicos.
foram apreendidos mais de 120 mil animais silvestres em
aeroportos de nove países membros da União Europeia. A Vilela (2012), após análise dos registros de animais silvestres
Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) estima encaminhados para todos os centros de triagem (CETAS) do
que o contrabando de vida selvagem movimente cerca US$ 10 Brasil durante os anos de 2008 a 2010, verificou que as aves
bilhões por ano em todo o mundo, sendo dominado por redes são as principais vítimas do tráfico, representando 86%
bem organizadas de caçadores, atacadistas, distribuidores e dos 235 mil animais contabilizados, em seguida os répteis
varejistas (CEC, 2005). Segundo Moyle (1998), os animais e seus com 9% e os mamíferos com 5%. As famílias Passerifomes
subprodutos entram nessa cadeia pelas mãos dos caçadores, (sabiás, tico-tico, canário, entre outros), com 80%, e
e seus preços vão se elevando a cada etapa. O fluxo desse Psitaciformes (papagaios, araras, periquitos e outros), com
comércio parte quase sempre das nações em desenvolvimento, 10%, foram as mais apreendidas, sendo o canário-da-terra
ricas em biodiversidade, para a Europa e Estados Unidos. (Sicalis f. brasiliensis) e o trinca-ferro (Saltator similis) as
duas espécies mais capturadas ilegalmente. Muitas dessas
Herrera e Maillard (2011), por meio de investigações em feiras espécies de Passeriformes, como o bicudo (Sporophila
de comércio ilegal de animais silvestres na Bolívia, estimaram maximilianii) e o curió (Sporophila angolensis), comumente
que aproximadamente 22 mil psitacídeos, principalmente encaminhadas aos CETAS, estão entre aquelas ameaçadas
das espécies Amazona aestiva, Myopsitta monachus e Forpus de extinção, sobretudo em virtude de capturas clandestinas
xanthopterygius, são comercializados anualmente naquele (SOUZA; VILELA, 2013).
país. Esses autores identificaram ainda algumas espécies
exclusivamente brasileiras e sugeriram que a Bolívia talvez Esses dados referem-se apenas ao volume de animais
represente uma escala para o tráfico internacional de animais apreendidos e encaminhados aos CETAS do Brasil.
silvestres procedentes do Brasil. Certamente o quantitativo de animais retirados da natureza
é muito superior, uma vez que parte significativa dos animais
Fortes evidências sugerem que a maioria dos animais silvestres silvestres morre no trajeto ou não é confiscada pelos agentes
comercializados ilegalmente no Brasil é destinada ao mercado públicos. Neste contexto, a realização de projetos de pesquisa
interno, para atender a demanda da sociedade em manter que avaliem os procedimentos relativos à recuperação,
animais silvestres em residências, como animais de estimação, reabilitação e devolução à natureza desses espécimes é
ou para ornamentação de residências. O perfil das espécies mais fundamental, pois existe a obrigatoriedade de destinação
apreendidas, geralmente de baixo valor comercial, e o pequeno dos animais apreendidos, e a soltura tem sido considerada
percentual de animais confiscados nas fronteiras, portos e forma prioritária, tanto legal quanto tecnicamente, de
aeroportos, corroboram essa informação. Acredita-se que o tráfico disposição da fauna nativa, além de importante instrumento
internacional priorize poucas espécies raras ou ameaçadas de de conservação de espécies silvestres (Seddon et al., 2014).
extinção, que provavelmente alcancem altos valores e justifiquem
o maior risco (RENCTAS, 2002; GODOY, 2006). Vilela (2012) observa que o grande número de aves,
mamíferos e répteis apreendidos e recolhidos em apenas
Não existem muitas investigações abrangentes e recentes sobre três anos expõe a necessidade de novas políticas públicas
o comércio ilegal de animais silvestres no Brasil. No entanto, específicas para o combate ao tráfico e a guarda doméstica
pelos relatos mais recentes de apreensões locais ou regionais, ilegal de animais silvestres, já que as atuais têm sido
pode-se estimar que dezenas ou centenas de milhares de ineficientes para coibir tal atividade, conforme demonstrado
animais são retirados por ano ilegalmente do ambiente natural também por Silva e Bernard (2015).
para atender ao mercado nacional (Ferreira, Glock, 2004; Vidolin
et al., 2004; Souza e Filho, 2005; Borges et al., 2006; Rocha et al., É importante a adoção de estratégias mais inteligentes de
2006; Bastos et al., 2008; Hernandez e Carvalho, 2006; Pagano et fiscalização, que priorizem evitar a retirada dos animais do
al., 2009; Barbosa et al., 2010; Gogliath et al., 2010; Santos et al., ambiente, e a necessidade de implantação de novos CETAS e
2011; Souza e Vilela, 2013; Souza e Vilela, 2014; Souza et al., 2014; de melhoria dos já existentes para receber, cuidar, recuperar e
Freitas et al., 2005). Os impactos a longo prazo são imprevisíveis, destinar adequadamente os animais apreendidos, recolhidos
mas a extinção recente, tanto em escala regional quanto ou entregues voluntariamente pela população. De maneira
nacional, de várias espécies de animais, como a ararinha-azul geral, verifica-se que a educação ambiental, com foco no
(Cyanopsitta spixii) e a arara-azul-pequena (Anodorhynchus esclarecimento sobre como estabelecer um convívio ético entre
glaucus), indica bem o que poderá ocorrer com outras espécies, a fauna nativa e a sociedade é fundamental para os avanços na
caso essa pressão não seja controlada. conservação das espécies, incluindo-se a humana, pois está
demonstrado que o analfabetismo ambiental está intimamente
Um estudo em caráter nacional foi elaborado pela RENCTAS associado à retirada de animais da natureza para comércio
(2002), que avaliou os dados de animais apreendidos pelo ilegal (LATORRE; MIYAZAKI, 2005).
IBAMA durante os anos de 1992 a 2000. Nesse estudo, no qual
MPMG Jurídico • 21
Impactos das estradas sobre a fauna silvestre fazer com que sejam adotados instrumentos inadequados para
a redução de impactos e, por conseguinte, desperdiçar recursos
Os estudos sobre impactos das rodovias sobre a fauna silvestre financeiros, o que provocaria a contestação de empreendedores,
surgiram na década de 1920, quando foram publicados os gestores e da população em geral sobre a necessidade de
primeiros artigos científicos sobre o tema. Stoner, em 1925, fez implantar tais medidas (TEIXEIRA; KINDEL, 2012).
o registro de 225 espécimes de 29 espécies de animais mortos
durante sua viagem de automóvel de 632 milhas pelos Estados Tabela 1. Fauna atropelada no Brasil, de acordo com Gumier-
Unidos (STONE, 1925; van der REE, 2011). No Brasil, os pioneiros Costa e Sperber (2009), Pinheiro e Turci (2013), Hengemühle
foram Novelli e colaboradores (1988), que estudaram a morte e Cademartori (2008), Santos, Rosa e Bager (2012) e Weiss e
de aves por atropelamento na BR-471 no Rio Grande do Sul. Até Viana (2012).
muito recentemente, os estudos sobre ecologia de estradas no
país ainda tinham um perfil estritamente descritivo, limitando- Classe Pará Acre RS MG Paraná Total
se a apresentar listas de animais atropelados e seus respectivos Anfíbios 0 61 24 3 1 89
percentuais, sendo poucos os autores que discutiam os aspectos Répteis 34 84 58 11 196 383
sazonais e as relações entre atropelamentos e paisagem de
Aves 16 81 14 18 125 254
entorno (BAGER et al., 2007). Atualmente, com o uso de novas
Mamíferos 80 18 42 14 3507 3661
abordagens e ferramentas tecnológicas, principalmente
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por Não 25 0 5 0 2 32
identificados
meio do Núcleo de Ecologia de Rodovia e Ferrovias (NERF),
e pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), por meio do Total 155 244 143 46 3831 4419
Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE),
grandes avanços estão sendo observados na produção de Para tentar reduzir os impactos das estradas e rodovias sobre
conhecimentos sobre os impactos das estradas para a fauna. a fauna silvestre, vários autores recomendam que medidas
mitigadoras podem e devem ser implantadas pelo poder
O que se observa, de fato, é que a construção de estradas, público ou pelas concessionárias, tais como: a) construção de
rodovias e o fluxo de veículos são responsáveis por diversos passagens para a fauna não apenas por sobre as estradas e
impactos diretos e indiretos sobre a fauna silvestre mundial, ferrovias (viadutos, pontes, pontilhões, bueiros, túneis), como
sendo os principais os relacionados à perda de habitat, já também sob elas, e passagens sobre o dossel para espécies
apresentados neste artigo, ao efeito de barreira e à morte por arborícolas; b) uso de telas, muros ou cercamentos para
atropelamento (TEIXEIRA; KINDEL, 2012). bloquear os lugares de maior risco e conduzir os animais para
os locais adequados de travessia; c) medidas de redução de
O efeito de barreira faz com que animais evitem atravessar as velocidade como lombadas, redutores eletrônicos, radares
estradas e rodovias. São vários os relatos a respeito de estradas e sinalização educativa horizontal e vertical; d) manejo da
que limitam o uso dos espaços aos animais silvestres. Paula vegetação na borda da via, e e) educação ambiental no trânsito e
e colaboradores (2013), monitorando um exemplar de onça- campanhas informativas (FORMAN et al., 2003; SEILER, HELLDIN,
parda (Puma concolor), capturado em situação de conflito com 2006; GLISTA et al., 2009). Essas medidas preventivas devem ser
humanos, reabilitado e solto novamente portando rádio colar, adotadas somente mediante a realização de estudos técnicos
verificaram que a BR-262 e a BR-116 atuaram como barreiras sobre as principais espécies-alvo, a metodologia, os períodos
aos deslocamentos desse animal em Minas Gerais, restringindo- e locais prioritários para implantação. A colocação de um túnel
lhe a troca genética e impedindo-o até de acessar o Parque sob uma rodovia não implica necessariamente a redução dos
Nacional do Caparaó, onde existem registros dessa espécie. riscos para os animais.
Essa onça-parda teve uma conduta adequada, pois geralmente
quando esses animais se arriscam a atravessar as rodovias não Além de estudos de melhor qualidade, que abordem a
conseguem atingir o objetivo. distribuição espaço-temporal da comunidade faunística no
entorno das rodovias, é necessária a tomada de decisão sobre
A colisão de veículos com animais silvestres em rodovias quais espécies devem ser protegidas, pois seria equivocada a
é considerada o maior fator antrópico de mortalidade de pretensão de proteger todas as espécies de um local, tornando
vertebrados terrestres no mundo, superando a própria caça as diversas medidas mitigadoras ineficazes. Os responsáveis
(FORMAN; ALEXANDER, 1998). Assim, existe uma enorme pelos sistemas de proteção da fauna contra atropelamentos
preocupação com relação aos efeitos gerados pelas estradas, devem considerar que o uso de tela e a construção de túnel
rodovias e ferrovias sobre a fauna silvestre brasileira e mundial. nem sempre constituem uma solução. Por exemplo, em um
Além disso, os animais que atravessam as estradas e rodovias local cujas espécies mais afetadas são répteis, a colocação
do país oferecem sérios riscos aos condutores de veículos, pois de barreiras físicas como parapeitos de concreto não vazado
os atropelamentos podem causar a morte de pessoas, além de surtiria mais efeito do que o telamento (BAGER et al., 2007).
prejuízos financeiros (TEIXEIRA; KINDEL, 2012).
A ecologia de estradas é uma ciência recente, em franco
A tabela 1 mostra que os mamíferos são as maiores vítimas crescimento, que vai proporcionar grandes avanços no
animais dos acidentes nas estradas e rodovias no país. conhecimento e na proposição de soluções técnicas para esse
Entretanto, é necessário cuidado nas conclusões, visto que grave problema ambiental. No entanto, a educação ambiental é
grupos como o dos anfíbios, de menor tamanho, podem ser ação fundamental para a redução das mortes de animais, e por
subestimados pela dificuldade de serem vistos depois de isso campanhas educativas deveriam ser realizadas no ensino
mortos, e outros de maior massa, como os mamíferos, são mais formal, nas rodovias, nas estradas e nos centros de formação de
facilmente identificados entre os animais atropelados. Dessa condutores de todo país.
forma, uma investigação deficiente e de baixa qualidade pode
22 • MPMG Jurídico
Introdução de espécies exóticas invasoras Muitas outras espécies de plantas e animais já estão
introduzidas no Brasil. As consequências ecológicas,
A invasão de habitats por espécies não nativas é um fenômeno econômicas e sociais são imprevisíveis. Magalhães (2007),
global com sérias consequências para a economia, para a estudando apenas a bacia do rio Paraíba do Sul, em Minas
saúde da sociedade e para a conservação da biodiversidade. Gerais, encontrou 44 espécies de peixes exóticos introduzidos
As espécies exóticas invasoras promovem o deslocamento por fugas de tanques de piscicultura ornamental.
de espécies nativas, competem por recursos e por habitat, e
podem ser predadoras dos habitantes naturais, promovendo Em virtude da relevância do tema, o Ministério do Meio
assim a modificação do funcionamento dos ecossistemas Ambiente elaborou documento denominado “Estratégia
(ENSERINK, 1999). Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras” para prevenir
e mitigar os impactos negativos desses animais sobre a
Algumas espécies vegetais e animais estão sendo população humana, os setores produtivos, o meio ambiente
introduzidas, deliberada ou acidentalmente, fora de sua e a biodiversidade, por meio do planejamento e execução
ocorrência natural. Muitos autores consideram tal introdução de ações de prevenção, erradicação, contenção ou controle
a segunda maior causa de extinção de organismos no planeta de espécies exóticas invasoras com a articulação entre os
(CLAVERO, GARCÍA-BERTHOU, 2005; DAVIS, 2009; SOULÉ, órgãos dos Governos Federal, Estadual e Municipal e a
1990; WILSON, 1992), em virtude do vasto histórico de eventos sociedade civil, incluindo a cooperação internacional (MMA,
catastróficos e prejuízos ambientais e socioeconômicos 2009). Verifica-se que, de maneira geral, é extremamente
decorrentes dessa ação (CLAVERO, GARCÍA-BERTHOU, 2005; necessário investir na prevenção, a fim de evitar que outras
PIMENTEL, ZUNIGA, MORRISON, 2005; LOCKWOOD et al., espécies com potencial invasor sejam introduzidas no
2007; VITULE et al. 2009; SIMBERLOFF, 2010; SIMBERLOFF, Brasil, e na produção de pesquisa científica com foco no
REJMÁNEK, 2011). controle e erradicação das espécies invasoras que já se
encontram estabelecidas em ambiente natural.
São notórios casos como o da lebre (Lepus europaeus),
uma espécie invasora, originalmente distribuída ao Sul da Considerações finais
África na região do Cabo, e que foi trazida ao continente
americano pelos uruguaios para a prática de caça Apesar de silenciosa, a atual crise da biodiversidade é
desportiva. Atualmente a lebre se encontra estabelecida em evidente pelo declínio de espécies, em nível regional e
ambientes naturais na região Sul do Brasil e vem ampliando global, e, principalmente, pela perda acelerada de habitats,
seus limites geográficos para a região Sudeste, com a ajuda ameaçando a manutenção de biomas inteiros. Conservar
da expansão agrícola, que substitui áreas de floresta por a diversidade biológica é uma necessidade, tendo-
campos cultivados ou pastagens, ambientes mais propícios se em vista os benefícios dos serviços ecossistêmicos
a essa espécie. Outro grave problema de introdução no Brasil para o desenvolvimento econômico, social e cultural da
é o javali (Sus scrofa), espécie de grande porte, que já se humanidade. Trata-se também de um imperativo ético
encontra disseminada por todo o país, e que pode competir cada vez mais reconhecido. Uma estratégia interessante
por habitat com as espécies nativas de porcos-do-mato, de conservação in situ da fauna em escala regional pode
em especial com o cateto (Pecari tajacu), e eventualmente ser feita com a criação de áreas protegidas das ações
predar outras espécies de plantas e até de animais. humanas, destinadas exclusivamente à preservação
das espécies, e de áreas parcialmente protegidas, que
permitam o manejo sustentável da biodiversidade,
onde populações humanas e outras possam coexistir.
Para a conservação ex situ, faz-se necessário criar e
manter estruturas e instalações para a pesquisa e
conservação dos animais e de seu material genético, que
tenham condições de recuperar as espécies e viabilizar,
quando adequado tecnicamente, a reintrodução deles
no ambiente natural. A eficácia dessas medidas não
depende apenas da atuação do poder público, mas
também da iniciativa privada, visto que a conservação
deve ocorrer tanto em esferas públicas quanto privadas.
Nas terras particulares, a observância da legislação
florestal e a adoção de tecnologias agropecuárias
poupadoras de recursos, ambientalmente mais corretas,
além da criação de reservas particulares, complementam
tigre-d’água iniciativas públicas. O Brasil, como campeão mundial
de biodiversidade, tem grande responsabilidade em
O tigre-d’água (Trachemys scripta elegans) é também uma utilizar seus recursos naturais de modo sustentável e
espécie exótica comum no Brasil. Originária da América do tomar medidas de controle da degradação ambiental, a
Norte, trazida ao país pelo tráfico internacional de animais fim de que as futuras gerações não sejam prejudicadas e
e por meio de solturas indevidas e liberações espontâneas condenadas a vivenciar um processo de homogeneização
por parte de pessoas que mantinham seus exemplares em biótica sem precedentes.
cativeiro, a espécie tem se transformado em invasora em
vários biomas.
MPMG Jurídico • 23
Referências GLISTA, D. J.; De VAULT, T. L.; De WOODY, J. A. A review of mitigation
measures for reducing wildlife mortality on roadways. Landscape
and Urban Planning. v. 91, n.1, p. 1-7, 2009.
ALGER, K.; LIMA, A. Políticas Públicas e fragmentação de
ecossistemas. In: RAMBALDI, Denise M.; OLIVEIRA, Daniela A. S. GODOY, S. N. Patologia comparada de passeriformes oriundos
(Org.) Fragmentação de ecossistemas: causas, efeitos sobre a do tráfico – implicações na soltura. 2006. Tese (Doutorado) –
biodiversidade e recomendações de políticas públicas. Brasília: Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2006.
MMA/SBF, 2003. p. 392-420. GOGLIATH, M; BISAGGIO, E. L; RIBEIRO, L. B; RESGALLA, A. E; BORGES,
BAGER, A. et al. Fauna Selvagem e Atropelamento. Diagnóstico do R. C. Avifauna apreendida e entregue voluntariamente ao Centro
conhecimento brasileiro. In: BAGER, A. Áreas Protegidas – Repensando de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) do IBAMA de Juiz de Fora,
as escalas de atuação. Porto Alegre: Armazém Digital. 2007. p. 49-62. Minas Gerais. Atualidades Ornitológicas, v. 154, p. 55-59, 2010.
BAILLIE, J. E. M.; HILTON-TAYLOR, C.; STUART, SN (ed). 2004 IUCN GUMIER-COSTA, F.; SPERBER, C. F. Atropelamentos de vertebrados
Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. A Avaliação Global de na Floresta Nacional de Carajás, Pará, Brasil. Acta Amazonica, v. 39,
Espécies. IUCN, Gland, Suíça e Cambridge, Reino Unido. (2004). n. 2, p. 459-466, 2009.
Disponível em: <http://data.iucn.org/dbtw-wpd/html/Red%20 HENGEMÜHLE, A.; CADEMARTORI, C. V. Levantamento de mortes
List%202004/completed/cover.html>. Acesso em: 19 jan. 2015. de vertebrados silvestres devido a atropelamento em um trecho
da estrada do mar (RS-389). Biodiversidade Pampeana. PUCRS,
BARBOSA, J. A. A.; NOBREGA, V. A.; ALVES, R. R. N. Aspectos da caça
Uruguaiana, v. 6, n. 2, p. 4-10, 2008.
e comércio ilegal da avifauna silvestre por populações tradicionais
do semi-árido paraibano. Revista de Biologia e Ciências da Terra, HERNANDEZ, E. F. T.; CARVALHO, M. S. O tráfico de animais silvestres
v. 10, n. 2, p. 39 - 49, 2010. no Estado do Paraná. Acta Scientiarum. Human and Social
Sciences, v. 28, n. 2, p. 257-266, 2006.
BASTOS, L. F.; LUZ, V. L. F.; REIS, I. J. et al. Apreensão de espécimes
da fauna silvestre em Goiás – situação e destinação. Revista de HERRERA, M.; MAILLARD, O. Z. El tráfico de aves silvestres, una de
Biologia Neotropical, v. 5, n. 2, p. 51-63, 2008. las principales causas de su declinación poblacional en Bolivia.
2011. Disponível em: <http://www.armonia-bo.org/spanish/
BIRDLIFE INTERNATIONAL. Aves do mundo ameaçado. Barcelona e recursos/boletines/>. Acesso em: 09 dez. 2011.
Cambridge, UK: Lynx Edicions e BirdLife International, 2000.
HILTON-TAYLOR, C. (Org.). 2000 IUCN Red List of Threatened
BORGES, R. C.; OLIVEIRA, A.; BERNARDO, N. et al. Diagnóstico da Species. IUCN Gland, Switzerland and Cambridge, UK, 2000.
fauna silvestre apreendida e recolhida pela Polícia Militar de Meio
Ambiente de Juiz de Fora, MG (1998 e 1999). Revista Brasileira de IBAMA. Portaria nº 062/97, de 17 de junho de 1997. Inclui morcegos na
Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. 1997.
Zoociências, v. 8, p. 23-33, 2006.
_____. Portaria nº 1.522, de 19 de dezembro de 1989. Dispõe sobre a Lista
BRANDON, K.; FONSECA, G. A. B.; RYLANDS, A. B.; SILVA, J.
Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. 1989.
M. C. Conservação Brasileira: desafios e oportunidades.
Megadiversidade, v. 1, p. 7-13, 2005. _____. Portaria nº 45-N, de 27 de abril de 1992. Incluir no item
1.0 Mammalia, subitem1. 2 Primates, da Portaria 1.522, de 19 de
CEC. Commission for Environmental Cooperation (Ed.) Montreal: dezembro de 1989. 1992.
Canadá, p. 25, 2005. Disponível em: <http://www.cec.org/Page.
asp?PageID=30101&ContentID=17247&SiteNodeID=504>. Acesso IUCN. The IUCN Red List of Threatened Species, 2015. Disponível
em: 12 dez. 2011. em: <www.iucnredlist.org>. Acesso em: 29 jan. 2015.
CLAVERO, M; GARCÍA-BERTHOU, E. Invasive species are a leading IUCN; WWF-BRASIL; IPÊ. Biodiversidade Brasileira: análise de
cause of animal extinctions. Trends in Ecology and Evolution, v. situação e oportunidades, documento-base. Brasília, DF: UICN,
20, n. 3, mar. 2005. WWF-BRASIL e IPÊ, 2011.
CONSTANZA, R.; D’ARGE, R.; GROOT, R.; FARBERK, S., et al. The value JOHNSON, P. T. J.; PRESTON, D. L.; HOVERMAN; J. T.; RICHGELS, K.
of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, v. L. D. Biodiversity decreases disease through predictable changes in
387, p. 253-260, may. 1997. host community competence. Nature, v. 494, p. 230-234, 2013.
LATORRE, D. C. P.; MIYAZAKI, S. L. O analfabetismo ambiental como
DAVIS, M. A. Invasion biology. Oxford: Oxford University Press, 2009.
agravante para o tráfico de animais silvestres. Integração, v. 43, p.
DIRZO, R.; CHAPIN, F. S.; SALA, O. E.; HUBER-SANNWALD, E. Global 319-323, 2005.
Biodiversity in a Changing Environment: Scenarios for the 21st
LEWINSOHN, T. M.; PRADO, P. I. Biodiversidade brasileira: síntese
Century. Ed. Springer: New York, 2001. p. 251–276. do estado atual do conhecimento. São Paulo: Contexto, 2002.
DIRZO, R.; RAVEN, P. H. Global state of biodiversity and loss. Annual LOCKWOOD, J. L.; HOOPES, M. F.; MARCHETTI, M. P. Invasion
Review of Environment and Resources. v. 28, p. 137-167, jul. 2003. ecology. Oxford: Blackwell, 2007.
DIRZO, R.; YOUNG, H. S.; GALETTI, M.; CEBALLOS, G; ISAAC, N. J. B.; MAGALHÃES, A. L. B. Novos registros de peixes exóticos para o
COLLEN, B. Defaunation in the anthropocene. Science, v. 345, p. Estado de Minas Gerais, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia, v.
401-406, jul. 2014. 24, n. 1. p. 250-252, 2007.
ENSERINK, M. Predicting invasions: Biological invaders sweep. In: MAY, E. C.; SPOTTISWOODE, S. J. P.; UTTS, J. M.; JAMES, C. L.
Science, v. 285, n. 5.435, p. 1.834-1.836, 1999. Applications of decision augmentation theory. Journal of
Parapsychology, v. 59, p. 221-250, 1995.
FERREIRA, C. M.; GLOCK, L. Diagnóstico preliminar sobre a avifauna traficada
no Rio Grande do Sul, Brasil. Biociências, v. 12, n. 1, p. 21-30, 2004. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE – MMA. Lista de espécies
ameaçadas de extinção – Peixes e invertebrados aquáticos, 2014.
FORMAN, R. T., et al. Road Ecology: Science and Solutions. Island
Press: Washington, DC. 2003. 481 p. _____. Listas Nacionais de espécies ameaçadas de extinção, Lista
de espécies ameaçadas de extinção – Fauna, 2014.
FREITAS, A. C. P.; OVIEDO-PASTRANA, M. E.; VILELA, et al. Diagnóstico
de animais ilegais recebidos no centro de triagem de animais _____. Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção.
silvestres de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, no ano de (Ed.) Machado, A. B. M., Drummond, G. M.; Paglia, A. P. Belo
2011. Ciência Rural, v. 45, n. 1, p. 163-170, 2015. Horizonte: Fundação Biodiversitas, 2008. 1420 p.
GALETTI, M. et al. Functional extinction of birds drives rapid evolutionary _____. Resolução CONABIO n. 5, de 21 de outubro de 2009. Dispõe
changes in seed size. Science. v. 340, n. 6.136, p. 1086–1090, 2013. sobre a estratégia nacional sobre espécies exóticas invasoras, 2009.
24 • MPMG Jurídico
_____. 4º Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade Biológica. SOUZA, G. M; FILHO, A. O. S. O comércio ilegal de aves silvestres na
Série áreas protegidas do Brasil, n. 7, Secretaria de Biodiversidade e região do Paraguaçu e sudeste da Bahia. Enciclopédia Biosfera, v.
Florestas, Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF. 2010. 1, p.1-11, 2005.
MOYLE, B. The bioeconomics of illegal wildlife harvesting: An SOUZA, T. O.; VILELA, D. A. R.; GARZON, B.; CÂMARA, B. G. O. Pressões
outline of the issues. J. Int. Wildl. Law Pol., v. 1, n. 1, p. 95–111, 1998. sobre a avifauna brasileira: Aves recebidas pelo CETAS/IBAMA, Belo
NOVELLI, R.; TAKASE, E.; CASTRO, V. Study of birds killed by collision Horizonte, Minas Gerais. Ornithologia, v. 7, n. 1, p. 1-11, 2014.
with vehicles in a stretch of highway BR-471, between Quinta and SOUZA, T. O.; VILELA, D. A. R. Canário-da-terra (Sicalis flaveola):
Taim, Rio Grande do Sul, Brazil. Revista Brasileira de Zoologia, v.
a principal espécie vítima do tráfico e criação ilegal de aves
5, n. 3, p. 441-454, 1988.
silvestres na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.
OERKE, E. C. Crop losses to pests. Journal of Agricultural Science, Atualidades Ornitológicas, v. 180, p. 10-13, 2014.
v. 144, p. 31-43, 2006.
______. Espécies ameaçadas de extinção vítimas do tráfico e criação
PAGANO, I. S. A.; SOUSA, A. E. B. A.; WAGNER, P. G. C. et al. Aves ilegal de animais silvestres. Atualidades Ornitológicas on-line, n. 176,
depositadas no Centro de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA 2013. Disponível em: < www.ao.com.br>. Acesso em: 19 jan. 2015.
na Paraíba: uma amostra do tráfico de aves silvestres no estado.
Ornithologia, v. 3, n. 2, p. 132-144, 2009. STONER, D. The toll of the automobile. Science, v. 61, p. 56-57, 1925.
PAULA, T. A. R.; ARAUJO, G. R.; DECO-SOUZA, T.; BERGO, L. C. F.; SILVA, TABARELLI, M.; PINTO, L. P.; SILVA, J. M. C.; HIROTA, M. M.; BEDÊ, L. C.
L. C.; GARAY, R. M. Projeto Suçuarana, Minas Gerais, exemplo para Desafios e oportunidades para a conservação da biodiversidade na Mata
educação ambiental. Projeto Suçuarana, Minas Gerais, exemplo Atlântica brasileira. Megadiversidade. Belo Horizonte, v. 1, n. 1, 2005.
para educação ambiental. Revista CFMV, v. 59, p.19 – 21, 2013.
TEIXEIRA, F. Z.; KINDEL, A. Atropelamentos de animais silvestres
PIMENTEL, D.; R. ZUNIGA; MORRISON, D. Update on the environmental na rota do sol: como minimizar esse conflito e salvar vidas? In:
and economic costs associated with alien-invasive species in the PRINTES, R. C. (Org.) Gestão ambiental e negociação de conflitos
United States. Ecological Economics, v. 52, p. 273-288, 2005. em unidades de conservação do nordeste do Rio Grande do Sul.
PIMM, S. L.; RUSSEL, G. J.; GITTLEMAN, J. L.; Brooks, T. M. The future Porto Alegre: CORAG, 2012. 165 p.
of biodiversity. Science, v. 269, p. 347–50, 1995.
THEILE, S.; STEINER, A.; KECSE-NAGY, K. Expanding borders: New
PINHEIRO, B. R.; TURCI, L. C. B. Vertebrados atropelados na estrada challenges for wildlife trade controls in the European
da Variante (BR-307), Cruzeiro do Sul, Acre, Brasil. Natureza Union. Brussels, Belgium: TRAFFIC Europe, 2004, 40 p.
on line, v. 11, n. 2, p. 68-78, 2013. Disponível em: <http://www.
naturezaonline.com.br>. Acesso em: 19 jan. 2015. Van der REE, R., JAEGER, J.A.G.; Van der GRIFT, E.A.; CLEVENGER,
A.P. Effects of roads and traffic on wildlife populations and
POTTS, S. G.; BIESMEIJER, J. C.; KREMEN, C.; NEUMANN, P.; landscape function: road ecology is moving towards larger scales.
SCHWEIGER, O.; KUNIN, W. E. Global pollinator declines: trends, Ecology and Society, v. 16, n. 1, 2011. Disponível em: <http://www.
impacts and drivers. Cell Press, v. 25, n. 6, p. 345-353, 2010. ecologyandsociety.org/vol16/iss1/art48/>. Acesso em: 19 jan. 2015.
REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES
VIDOLIN, G. P.; MANGINI, P. R.; MOURA-BRITTO, M.; MUCHAILH, M.C.
(RENCTAS). 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre.
Brasília: Renctas, 2002. 108 p. Programa estadual de manejo de fauna silvestre apreendida, Estado do
Paraná, Brasil. Cadernos da Biodiversidade, v. 4, n. 2, p. 37-49, 2004.
REDFORD, K. H. The empty forest. Bio Science, v. 42, n. 6, p. 412-422, 1992.
VILELA, D.A.R. Diagnóstico de situação dos animais silvestres
ROCHA, M. S. P.; SOUTO, J. S.; CAVALCANTI, P. C. M. et al. Aspectos da recebidos nos CETAS brasileiros e Chlamydophila psittaci em
comercialização ilegal de aves nas feiras livres de Campina Grande, Paraíba, papagaios (Amazona aestiva) no CETAS de Belo Horizonte, MG.
Brasil. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 6, n. 2, p. 204-221, 2006. 2012. Tese (Doutorado). Escola de Veterinária, Universidade Federal
SANTOS, A. L. P. G.; ROSA, C. A.; BAGER, A. Variação sazonal da fauna de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012.
selvagem atropelada na rodovia MG 354, Sul de Minas Gerais –
VITULE, J. R. S.; FREIRE, C. A.; SIMBERLOFF, D. Introduction of non-
Brasil. Biotemas, v. 25, n. 1, p. 73-79, 2012.
native freshwater fish can certainly be bad. Fish and Fisheries,
SANTOS, E. A. M.; BUENO, M.; ARAUJO, A. S.; BARROS, I. F. A; PAES, v.10, n. 1, p. 98-108, 2009.
N. N. G.; RODRIGUES, S. R. W.; CAMPOS, C. E. C. Aves do Centro de
Triagem de Animais Silvestres do Estado do Amapá. Ornithologia, WEISS, L. P., VIANNA, V. O. Levantamento do impacto das rodovias
v. 4, n. 2, 86-90, 2011. BR-376, BR-373 e BR-277, trecho de Apucarana a Curitiba, Paraná,
no atropelamento de animais silvestres. Publicatio UEPG Ciências
SEDDON, P. J.; GRIFFITHS, C. J.; SOORAE, P. S.; ARMSTRONG, D. Biológicas e da Saúde, Ponta Grossa, v. 18, n. 2, p. 121-133,
P. Reversing defaunation: Restoring species in a changing world. 2012. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/
Science, v. 345, p. 406-412, 2014.
biologica>. Acesso em: 19 jan. 2015.
SEILER, A.; HELLDIN, J. O. Mortality in wildlife due to transportation. In:
DAVENPORT, J.; DAVENPORT, J. L. (Eds.): The Ecology of Transportation: WHILES, M. et al. The effects of amphibian population declines
Managing Mobility for the Environment. Kluwer, 2006, p. 392. on the structure and function of Neotropical stream ecosystems.
Ecosystems, v. 16, p. 146-157, 2013.
SILVA, E. M.; BERNARD, E. Inefficiency in the fight against wildlife
crime in Brazil. Fauna & Flora International, Oryx, p. 1-6, jan. 2015. WILSON, E. O. The diversity of life. New York: W. W. Norton and
Company, 1992.
SIMBERLOFF, D. Invasive species. In: SODHI, N. S.; EHRLICH, P. R. (Ed.).
Conservation biology for all. Oxford: Oxford University Press, 2010.
SIMBERLOFF, D.; REJMÁNEK, M. Encyclopedia of biological
invasions. California: University of California Press, 2011.
SLINGENBERG, A.; BRAAT, L.; van der WINDT, H.; RADEMAEKERS, K.;
EICHLER, L.; TURNER, K. Study on understanding the causes of
biodiversity loss and the policy assessment framework: final report.
2009. Disponível em: <http://ec.europa.eu/environment/enveco/
biodiversity/pdf/causes_biodiv_loss>. Acesso em: 24 jan. 2011.
SOULÉ, M. E. The onslaught of alien species, and other challenges in
the coming decades. Conservation Biology, v. 4, n. 3, p. 233-240, 1990.
MPMG Jurídico • 25
O BEM JURÍDICO PROTEGIDO NOS
CRIMES CONTRA A FAUNA
Alex Fernandes Santiago
Introdução
Apesar de dominante, tal teoria não é imune a problemas.
Atualmente, os crimes contra a fauna, em especial o crime
de maus tratos de animais, presente no Brasil no artigo 32 Primeiramente, haverá aqueles que, em maior ou menor
da Lei 9.605/98, e, quiçá em um futuro próximo, os crimes de medida, negam ao Direito Penal a finalidade de proteção de
transporte inadequado de animais, abandono de animais, ou bens jurídicos, entendendo que sua verdadeira missão é a
omissão de socorro a animais, presentes nos artigos 392 a 394 proteção da vigência da norma.
do Projeto de novo Código Penal, o Projeto de Lei no Senado n.
236, de 2012, originam acaloradas discussões no Direito Penal, Em segundo lugar, os próprios partidários da teoria do bem
que culminam no questionamento da própria validade do jurídico reconhecem que o conceito de bem jurídico carece
conceito de bem jurídico na teoria geral do Direito Penal, o que de contornos precisos.
demonstra a necessidade de aprofundamento na discussão do
bem jurídico protegido nos crimes contra a fauna1. Por último, os mesmos seguidores reconhecerão que
em alguns tipos penais é difícil determinar qual o bem
As teorias sobre o bem jurídico jurídico protegido2.
protegido nos crimes contra a fauna,
especialmente no crime de maus Essa dificuldade é facilmente visualizada nas discussões
teóricas sobre o bem jurídico protegido no crime de maus
tratos contra os animais tratos contra os animais, em que, em princípio, haveria
problemas de legitimação para os defensores de uma
Considerando que, para a doutrina dominante, em cada visão antropocêntrica.
situação histórica e social de um grupo humano os requisitos
imprescindíveis para uma existência em comum se manifestam
em uma série de condições valiosas, que são os bens jurídicos 2 Resumo de Ordeig (2007). Tal livro é resultado das variadas discussões em
(ROXIN, 2008, p. 65); esta corrente majoritária entende que é Alemanha sobre a teoria do bem jurídico, sua adequação, ou necessidade de
tarefa do Direito Penal a proteção destes. superação, e sua projeção sobre a teoria geral do Direito Penal. É interessante
observar que neste encontro volta e meia os crimes contra a fauna eram
1 Parte dos argumentos aqui expendidos toma como base o que consta em agitados, seja para questionar a validade da teoria do bem jurídico, seja para
Santiago (2015). reafirmá-la, porém sob os mais diversos enfoques.
26 • MPMG Jurídico
A visão antropocêntrica - algumas estar que originam os maus tratos a animais é um sentimento
legítimo, que não pode prevalecer sobre um direito inexistente
vertentes daquele que maltrata a desenvolver sua personalidade
fazendo sofrer aos animais. Esse sentimento legítimo configura
Em uma visão antropocêntrica radical, uma teoria pessoal o bem jurídico protegido; sem embargo, mantendo a convicção
ou monista do bem jurídico, deriva do indivíduo todo juízo antropocêntrica, pois esse mal estar somente pode surgir
de merecimento de pena, e mesmo na proteção de bens quando os maus tratos a animais são observados por uma
coletivos deve-se buscar a recondução ao indivíduo (DOBÓN, pessoa ou por pessoas distintas do agressor que maltrata5...
2007, p. 209 e ss.).
Outros, reconhecendo explicitamente a dificuldade da
Por esta corrente não existe autonomia do bem jurídico coletivo teoria antropocêntrica para justificar a existência de um
meio ambiente. A tipificação de delitos contra o meio ambiente bem jurídico protegido no crime de maus tratos contra os
somente poderia ser contemplada sob o prisma da proteção animais, capitularão, afirmando que não existe bem jurídico
de determinados bens jurídicos individuais, em especial a vida, protegido no crime do artigo 32 da Lei 9.605/98. Apesar
a integridade física e a saúde. Em sua vertente radical, o meio disso, não renunciarão aos postulados antropocêntricos,
ambiente sequer pode ser considerado bem jurídico, mero asseverando constituir tal crime uma exceção à teoria do
instrumento que é para o ataque a bens jurídicos individuais. bem jurídico, que, contudo, não a invalida6.
Em consequência a esse entendimento, haverá quem afirme que
quanto mais distante da pessoa humana, maiores devem ser as Dificuldades da visão
justificativas para invocar a proteção penal, caso da proteção antropocêntrica, em uma teoria
ao meio ambiente, que somente poderia se relacionar com a
proteção do indivíduo de forma mediata. E que, apesar de não
pessoal do bem jurídico, em especial
ser ilegítima sua proteção, deve-se comprovar se há um vínculo reconhecer que os animais são
com as condições para o desenvolvimento pessoal do indivíduo protegidos por si mesmos
para que se possa cogitar da proteção da fauna, de acordo com o
seu grau de proximidade ao ser humano. Neste caso, entender- É hora de chamar a Defesa Civil e interditar o tradicionalíssimo
se-ia a proteção da fauna como proteção da vida humana ou prédio antropocêntrico, que já não pode ser mais habitado. As
da integridade física – de um modo intencionalmente extremo rachaduras no edifício evidenciam que a estrutura está abalada,
– contra a brutalidade frente a seres parecidos com os humanos e pede-se uma substituição do arcabouço teórico.
(STERNBERG-LIEBEN, 2007, p. 111-112).
É verdade que proteger a fauna e a flora acabará reconduzindo
Haverá também aqueles que, não podendo abandonar a à proteção da saúde e vida do próprio homem. Estamos todos
recondução ao indivíduo, dirão que a proteção dos animais
juntos nesse planeta. Mas isso no complexo de interações,
contra os maus tratos humanos se justifica desde uma visão
muitas delas desconhecidas, em ignorância imposta pelos
kantiana, no sentido que não se pode aceitar o perigoso
próprios limites do conhecimento humano atual.
abandono moral daquele que maltrata animais. Proteger-se-ia,
assim, não o animal em si, mas a pessoa humana, para que não
quede abandonada moralmente, maltratando as criaturas3. Semelhante doutrina traz inequívocos problemas de
legitimação, pois se afasta demasiadamente do bem jurídico
Avançando nessa compreensão, haverá na doutrina quem, protegido. Não bastasse, tem consequências mais que
após reconhecer a dificuldade em estabelecer qual o bem relevantes: acarreta maior exigência probatória, já que não
jurídico protegido, afirmará que se protege a vida e a saúde dos é suficiente a lesão ao bem jurídico meio ambiente, pois se
animais, mas em uma tentativa de conscientizar a sociedade de deve provar que houve a lesão ou exposição a perigo de lesão
que é necessário respeitar as distintas formas de vida e de que de bens jurídicos individuais. Somente argumentos muito
assumir o cuidado de animais implica uma responsabilidade forçados (SEHER, 2007, p. 87-89) levam em todo o momento a
a respeito destes. Enredado nesta posição, acabará afirmando uma proteção do homem, mas aí os próprios antropocêntricos
que o Direito Penal não deveria ser utilizado para cumprir estariam sendo bastante antropos, mas não tão centrum...
exclusivamente uma função simbólica (MUÑOZ CONDE; LÓPEZ
PEREGRÍN; GARCÍA ÁLVAREZ, 2013, p. 334). Se de um lado é certo que os bens jurídicos encontram-se ao
serviço das pessoas, pois são as condições básicas para a vida em
Outros antropocêntricos capitularão diante da dificuldade em sociedade, daí não implica que os bens jurídicos supraindividuais
encontrar um bem jurídico vinculado diretamente ao homem dependam dos individuais, de maneira que a lesão daqueles
nos crimes contra a fauna e afirmarão que se trata de um crime de somente adquira relevância para o Direito Penal se se visualiza
atividade sem bem jurídico, uma relativização da teoria do bem uma afetação dos segundos7. De outro lado, se é certo que os bens
jurídico, em que o legislador incrimina infrações contra convicções supraindividuais são aqueles que todos podem aceder, o que ao
culturais profundamente arraigadas, um sentimento socialmente final reverte no interesse de todos, isso não significa que os bens
dominante de que não se deve infligir dor aos “irracionais”4. jurídicos coletivos derivem dos bens jurídicos individuais8.
Como uma coisa chama a outra, haverá por seu turno quem Isso demonstra que a concepção antropocêntrica é muito
critique essa fundamentação, porque não se pode basear estreita e dela não deriva nenhum ponto de apoio para a decisiva
uma incriminação somente em um sentimento socialmente questão de quais são as ingerências na natureza admitidas ou em
dominante, o que poderia originar tipificações odiosas, qual medida o serão, assim como não especifica quais devem ser
como ocorreu em certo momento histórico, em relação à excluídas, e, afinal, quais devem ser sancionadas penalmente
homossexualidade; tampouco em um suposto direito dos (STRATENWERTH, 2005, p. 68). Exige-se, com esse alargamento
animais, porque esse direito não existe; e afirmará, em uma
visão antropocêntrica moderada, que o sentimento de mal 5 Posição de Ordeig (2007, p. 17-18).
6 Como anteriormente era a posição de Greco (2011, p. 89-92).
3 Como registra, criticando, Seher (2007, p. 87).
7 É o que critica Dobón (2007, p. 218).
4 Como sintetiza Ordeig (ob. cit., p. 16-17) a posição de Hefendehl, que se
aprofundou em estudo sobre bens jurídicos coletivos. 8 Citando Kuhlen, Dobón (2007, p. 219).
MPMG Jurídico • 27
das interações para atingir um valor antropocêntrico, um Vivemos simultaneamente uma crise de vínculo e de limite com
sobre-esforço do personalismo, que culmina, por fim, em não a natureza. Crise de vínculo, já que não conseguimos discernir
promover a tão sonhada função crítico-limitadora sonhada por o que nos liga ao animal, à natureza; crise de limite, pois não
seus partidários (AMELUNG, 2007, p. 238)...9 conseguimos discernir o que dela nos distingue. Enquanto não
repensarmos nossa relação com a natureza e enquanto não
E uma vez mais se comprova a assertiva de que os penalistas formos capazes de descobrir o que dela nos distingue e o que a
desconhecem o Direito Ambiental e suas peculiaridades. É ela nos une, vãos serão nossos esforços, como são testemunha
inerente ao dano ambiental seu aspecto bifronte, já que abarca a pouca efetividade do Direito Ambiental e a modesta
tanto aspectos coletivos quanto aspectos individuais. De um eficácia das políticas públicas neste âmbito (OST, 1995, p. 9).
mesmo evento lesivo podem surgir várias consequências,
de distinta natureza. Assim se dá com o dano ambiental. Ao Desde a modernidade se perdeu o sentido de vínculo e de limite
mesmo tempo em que o dano ambiental abrange os danos aos nas relações com a natureza. Isso se reflete nas duas grandes
recursos naturais, aos bens comuns e as suas consequências, correntes que disputam a primazia na concepção da relação
também os efeitos negativos causados sobre os indivíduos se do homem com a natureza, e que se projetam na concepção
encerram na expressão dano ambiental, configurando um dano do bem jurídico protegido nos crimes contra a fauna: a corrente
particular. Daí a ambivalência que preconizava Alsina, pois a antropocêntrica, que faz da natureza um objeto, e a ecocêntrica,
locução dano ambiental designa não somente o dano que recai que a transforma em sujeito (OST, 1995, p. 10.).
sobre os recursos naturais, bens comuns a toda coletividade,
Na corrente antropocêntrica, a natureza adquire status de
mas também se refere ainda ao dano que o meio ambiente
mero ambiente, simples cenário no centro do qual reina o
ocasiona de rebote (par ricochet) aos interesses legítimos de homem, dono e senhor, o que possuiria suporte em textos
uma pessoa determinada, um dano particular, patrimonial religiosos, como a Bíblia, em Gênesis I, 26.
ou extrapatrimonial10. Tal distinção terá reflexos inclusive no
Direito Processual Civil, em que o dano ambiental em sua face Todavia, muitos se esquecem que a Bíblia tem diversas
coletiva permite que se acionem os legitimados extraordinários, passagens que incitam à moderação e responsabilidade
titulares de interesses difusos; e, pela afetação do mesmo bem no uso dos recursos naturais, o que se observa no próprio
coletivo, podem ser produzidos efeitos quanto à vida, à saúde ou livro do Gênesis, IX, 9, quando se estabelece a aliança
patrimônio das pessoas, razão pela qual o dano ambiental, em entre não somente Deus e os homens, mas entre todos
seu aspecto individual, possibilita que se acionem os titulares os seres vivos que estavam ao redor. Ao usar e abusar
desses direitos individuais afetados11. desta, se alcançou a devastação que hoje nos ameaça,
por exemplo, com as mudanças climáticas. É o reinado
Todo o expendido evidencia que não há somente uma face da desmesura que se instala.
individual do dano ambiental; ao revés, ele é por natureza
bifronte, razão pela qual estão equivocados os partidários Semelhante postura é cristalizada no até aqui dominante
da corrente antropocêntrica. paradigma cartesiano, e seus quatro postulados principais:
E aqui voltamos ao aspecto central enfrentado com • os humanos são fundamentalmente diversos das outras
mais vagar em outra sede 12. Para compreender as criaturas, sobre as quais têm o poder de exercer o domínio;
razões dessas discussões teóricas, é necessário • os humanos são senhores de seu destino, razão pela
entender o contexto em que se insere a normativa penal qual lhes cabe fixar seus próprios objetivos e adaptar os
ambiental, em especial a proteção da fauna. O Direito meios necessários;
Penal Ambiental refletirá a concepção que determinada • o mundo é vasto e contém recursos ilimitados;
sociedade tem da natureza e o que quer desta relação, • a história da humanidade é de progresso constante,
o que lhe imporá diversas limitações 13. para todo problema há uma solução, em geral técnica,
razão pela qual não há motivo para travar o progresso.
9 Em verdade os antropocêntricos, em especial os seguidores da corrente
conhecida como de Frankfurt, capitaneada por Hassemer, dão mostras
de optar por uma discussão que é semântica. Ao agitar questionamentos A concepção antropocêntrica se reflete, v.g., na teoria civilista
fincados na teoria do bem jurídico, em verdade questionam o conteúdo por do direito de propriedade, que tem horror ao vazio (OST,
eles idealizado de Direito Penal. Nestes casos, a teoria do bem jurídico não 1995, p. 67 e ss.). A propriedade ou será pública ou privada.
pode servir para argumentos tão diversos, como anota Seher (2007, p. 77). À margem, o que não pertence a ninguém. Res nullius e res
Observemos que mesmo nos países em que não se adota a teoria do bem comunes. Tal compreensão carrega em seu interior uma lógica
jurídico, como nos anglo-saxões, em que o doutrinador protagonista é Joel de apropriação inesgotável e segue até hoje sem existir uma
Feinberg, expoente da teoria do harm principle, admite-se o Direito Penal teoria própria para os bens comuns, que são um desafio para
Ambiental sem problemas (KAHLO, 2007, p. 61). o futuro do Direito Ambiental.
10 Recorda Besalú Parkinson (2005, p. 199-200). A distinção é
tradicionalmente aceita pelas doutrinas ambientais argentina e brasileira, O que hoje se observa é um projeto do homem de domínio da
ensina Cafferatta (2009, p. 33-35). natureza, que depende da tecnologia. No momento que esta se
11 Ver Lorenzetti (2009, p. 28). A dupla face do dano ambiental é reconhecida incrementou de modo exponencial, este domínio também se
legislativamente no Brasil, conforme sua Lei de Política Nacional do Meio manifestou de modo mais profundo, com avançado estado de
Ambiente de 1981 (Lei 6.938, artigo 14, parágrafo primeiro): “é o poluidor degradação ambiental.
obrigado independentemente da existência de culpa, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua Em reação a tal tendência, e como inequívoca aplicação da
atividade.” “lei de bipolaridade dos erros14”, consubstanciada, no caso, em
12 Ver Santiago (2015). adotar a inversão completa de perspectiva, surge a deep ecology,
em que não é a Terra que pertence ao homem, e sim este à
13 “El derecho penal es el correlato normativo de una política criminal Terra, o que reativa a mais poderosa de todas as fantasias, que
determinada; esta afirmación es válida también para el campo del medio
ambiente. … La eficacia o el valor de la norma penal depende, entonces,
é o retorno às origens, conforme já abordado anteriormente.
de presupuestos previos, de una especie de trípode en el cual son decisivos
la naturaleza de la política social – en la que está incluida, naturalmente, 14 Teorizada por Gaston Bachelard, consistente em não abandonar uma
la política ambiental, la criminal, etc. – las características del estado que posição equivocada, para em seguida ocupar a posição oposta, igualmente
la aplica y la realidad social de la cual se extraen los datos de la ciencia.” reducionista e que comparte com a primeira certo número de características
(BAIGÚN, 1978, p. 25). essenciais, lembram François Ost e Michel van de Kerchove (1988, p. 177 e ss).
28 • MPMG Jurídico
Grandes lemas, que já dizem tudo, ressoam: Earth first, Live and Nesse sentido, as distintas vertentes antropocêntricas
let live!, Widening the circle, Earth wisdom, Liberation of life, of acima mencionadas demonstram que tal concepção já
nature, of animals. O que termina por conduzir a um monismo: dá mostras de estar em crise e necessita ser superada.
tudo é natureza, tudo está no círculo da vida, nenhuma criatura
é mais nem menos que outra, a natureza é sujeito de direito. Estar aferrado a uma visão antropocêntrica tão estreita
conduz o estudioso do Direito Penal a becos sem saída como
A tudo isto se pode objetar: 1) que o Direito é feito pelo os vistos acima: para reafirmar o dogma de que se protege
homem e para ele; 2) que a personificação da natureza o homem na tipificação dos maus tratos contra animais,
é uma estratégia mais simbólica que operativa; 3) que a cogitam alguns da proteção de sentimentos, ou saem pela
ideia da deep ecology tanto exige às vezes muito quanto tangente afirmando a ausência de bem jurídico... Talvez se
às vezes muito pouco da Ciência; 4) que nós não podemos possa visualizar esta proteção do homem em um sentido
acessar diretamente a natureza (OST, 1995, p. 212). extrapenal, protegendo-o de sua própria ignorância ou
brutalidade, mas afirmar que este é o bem jurídico protegido
Por mais que se queiram bem aos animais, não conseguimos é forçar excessivamente a argumentação.
pensar como eles, interpretar adequadamente seus desejos (se
muitas vezes não conseguimos entender nem os nossos, quanto Como visto, não é de hoje que os crimes contra a fauna
mais os das criaturas), e sempre teremos uma visão que, apesar representam um desafio para a teoria geral do Direito Penal.
de denominada ecocêntrica, será fruto de uma interpretação
Roxin já chegou a afirmar que a proteção jurídico-penal dos
humana do que seja melhor para os demais animais (é preciso
animais sempre “pôs em apuros” a teoria do bem jurídico16.
recordar que também somos
animais). Assim, para dar um
exemplo, por mais que eu O expoente alemão é inclusive
queira bem ao sapo Edgar, que um eloquente exemplo destes
se instalou no quintal de minha apuros, pois chegou a ensaiar
casa, não consigo entender uma aproximação de uma
realmente o que ele sente ou concepção mais ampla da
deseja, muito embora me alegre proteção do bem jurídico, para
com sua presença. Aliás, Edgar depois retroceder.
é como eu o chamo, e ele pode
muito bem ter outro nome entre Apesar de entender que os
os seus, que eu desconheço. bens jurídicos são realidades
ou fins úteis para o indivíduo e
A crise de vínculo e de limite o livre desenvolvimento de sua
conduz, assim, a dois equívocos personalidade, Roxin em um
opostos e solidários que são a visão momento (1997), pronunciou-
antropocêntrica e a ecocêntrica. se favoravelmente à proteção
Na primeira, a natureza é vista dos animais, entendendo que
como um objeto. O homem o princípio de proteção de bens
projeta nela sua visão das coisas, jurídicos deve ser ampliado, para
uma determinada visão das estender o contrato social do
coisas, necessariamente datada e círculo das pessoas vivas para
localizada. Na segunda, a natureza outras criaturas e também para
como sujeito tudo absorve. as gerações futuras, vendo a
proteção da fauna como um ato de
Obviamente esses problemas solidariedade com nossos “irmãos
se repetem no Direito Penal distantes”. Contudo, em edição
Ambiental. Neste âmbito, a teoria posterior de sua obra, já em 2006,
antropocêntrica pura, ou radical, suprimiu o trecho que continha
ou personalista-monista, não esta fundamentação, acreditando
serve para justificar os crimes parte da doutrina por representar
contra a fauna, não serve para o o perigo de voltar à proteção de
meio ambiente, e termina, por sentimentos morais17.
isso mesmo, por não servir para
o próprio homem, pois apenas no posea tal cualidad, sino que puede ser muestra de lo inapropiado de la
contribui para o reforço do estrechez doctrinal de la teoría que se sostiene. Un buen ejemplo de ello es
paradigma cartesiano e continuidade do deterioro ambiental, la campaña dirigida por los partidarios de la teoría personal del bien jurídico
em prejuízo do próprio ser humano. Ilude-se quem a aplica, e os contra los bienes universales o el medio ambiente. Por regla general, lo que
fundamentos que a alargam somente realçam sua inadequação. en un discurso democrático y plural se llega a definir como sustrato valioso
Por outro lado, afirmar que devemos, ou melhor, que somos y requerido de protección, resulta serlo también realmente.”
capazes de abraçar uma teoria ecocêntrica pura seria demasiada 16 Ver Roxin (2006, § 2, n. 55 e 56), lembrado por Ordeig (2007, p. 16).
pretensão do ser humano, pois a verdade é que somos
17 Conforme observa Ordeig, lembrando a mudança da 3ª para a 4ª edição
incapazes de interpretar exatamente o que querem os animais. da obra de Roxin (ROXIN, Claus. Strafrecht Allgemeiner Teil. vol. I, 3 ed.,
Não prejudicá-los já seria um grande progresso, em verdade. Munique: CH Beck, 1997) e a 4ª edição (ROXIN, 2006). Greco (2011, p. 90),
também acusa essa mudança, afirmando que a supressão se deveu à
Pois bem. Se a realidade não se ajusta a uma determinada impossibilidade de extensão do conceito de bem jurídico para a proteção
concepção de bem jurídico que um penalista acredita de sentimentos superiores, afastando sua função crítica, pelo que Roxin, na
correta, talvez seja o momento de reconhecer que sua quarta edição, entende haver uma criminalização sem bem jurídico. Mas
posição se demonstra inapropriada ou capitular diante da observemos que Roxin sustentou tal posição por um bom período, inclusive
estreiteza doutrinária da teoria anteriormente sustentada15. reafirmando-a em Congresso de 2002, conforme Roxin (2007, p. 456): “uno
no tiene que renunciar al principio de protección de bienes jurídicos, como
15 Ver Frisch (2007, p. 318-319): “Que una realidad no se ajuste al concepto pretende Stratenwerth, sino que sólo tiene que ampliarlo, extendiendo el
de bien jurídico que uno considera personalmente correcto no significa que contrato social del círculo de las personas vivientes a otras criaturas de la
creación y [Mitgeschöpfe] y a las generaciones futuras.” Analisa essa posição,
MPMG Jurídico • 29
E aí me parece que se pode visualizar um falso problema. determina a Constituição expressamente o dever do Poder
Público de “proteger a fauna e a flora, vedadas na forma da lei as
Acreditar que a proteção dos animais, por meio do crime de maus práticas que coloquem em risco a função ecológica, provoquem
tratos, representaria a busca da proteção de um sentimento, a a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade”.
reafirmação de uma moralidade, o que constitui uma premissa
incorreta, e daí alardear que tal concepção permitiria também É, portanto, expresso o comando constitucional de proteção
a incriminação de sentimentos então socialmente dominantes, à fauna e, mais especificamente, de proibir os maus tratos aos
como o repúdio à homossexualidade ou à prostituição, somente animais. E, se na ordem infraconstitucional, optou-se por reforçar
comprova a estreiteza da concepção antropocêntrica pura, que esta proteção com a sanção penal, não há problema algum, pois
constrói, a partir de seus postulados, um beco sem saída18. o comando era de que a proteção é necessária. Como devia ser
feita, quedou ao âmbito de avaliação do legislador. Nesse ponto,
Não se protege sentimento algum quando se protegem os a importância de recordar que a fuga para o Direito Administrativo
animais. O que se protege são os próprios animais: sancionador, dizendo que tais questões não devam ser
enfrentadas pelo Direito Penal, ou remetendo a um Direito de
[...] deve-se retirar uma lição do fracasso de todas as Intervenção, tampouco resolve o problema do bem jurídico, pois
tentativas de uma fundamentação indireta: os animais a diferença entre o ilícito penal e o ilícito administrativo não é
são protegidos pelo Direito Penal não em função do ser qualitativa, mas tão somente quantitativa 20.
humano, mas em função de si mesmos.19
Portanto, já não se trata, nesse caso, de perguntar-se se o
Os animais possuem um valor intrínseco. Se se pode fazer legislador pode proteger penalmente os animais, e sim, no
alguma concessão à teoria antropocêntrica nesse caso, melhor dos casos, sob que condições há que se protegê-los
teoria esta que precisa inserir o homem em tudo, nos crimes (AMELUNG, 2007, p. 236). E a ordem jurídica infraconstitucional
contra a fauna protegem-se os animais do homem. brasileira optou por criminalizar os maus tratos contra os
animais no artigo 32 da Lei 9.605/98.
As profundas discussões teóricas do bem jurídico protegido
nos crimes contra a fauna, das quais se apresentou, para E mais: o futuro não se avizinha tranquilo para os partidários de uma
não cansar o leitor, apenas um breve esboço, trazem à visão antropocêntrica. É tão evidente que a realidade da proteção
lembrança a observação de que a lei penal se evadiu do dos animais por si mesmos como bem jurídico está assentada
controle da doutrina (LUHMANN, 2007, p. 116), e o Direito no Brasil, que terão os antropocêntricos que fazer verdadeiros
malabarismos para encontrar o bem jurídico protegido caso vingue
Penal Ambiental é um caso eloquente, especialmente nas
o Projeto de novo Código Penal, o Projeto de Lei no Senado n. 236, de
discussões sobre o bem jurídico protegido nos crimes contra
2012, em especial seu artigo 394, que tipifica a conduta de
a fauna. Estas evidenciam a necessidade de rever certos
posicionamentos, em especial quando são contrariados pela
[...] deixar de prestar assistência ou socorro, quando
realidade, em que se verifica a ampla acolhida legislativa e
possível fazê-lo, sem risco pessoal, a qualquer animal que
jurisprudencial da necessidade da proteção penal da fauna. esteja em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses
casos, o socorro da autoridade pública.
Como bem observa Frisch, parece que alguns penalistas
ainda não se deram conta de que nas sociedades modernas
A criminalização da omissão de socorro de animais trará pruridos
a questão do bem jurídico está decidida há algum tempo,
intermináveis entre os antropocêntricos. Nesses casos, melhor
com caráter prévio ao Direito Penal. E gera perplexidade
mesmo a saída elegante do commodus discessus, ao afirmar que
ainda maior que o penalista discuta com seriedade sobre a
não há bem jurídico protegido, que é uma exceção à teoria.
qualidade de bem jurídico de certas realidades, e se olvide
que tais questões já foram decididas em princípios e normas
Vale como registro apontar ainda que alguns países já
que reconhecem tais realidades como bens jurídicos. E
arremata afirmando que um dos âmbitos onde o penalista permitem inclusive giros copernicanos, opostos a uma visão
corre o risco de patinar com suas construções teóricas antropocêntrica: no Equador a Constituição, em seu Título
despenalizadoras é o Direito Penal do Meio Ambiente, II, Derechos, capítulo VII, Derechos de la Naturaleza, artigo 71,
que alguns juristas continuam a combater, apesar do estabelece expressamente:
amplo reconhecimento legislativo, social, e, sobretudo,
constitucional (FRISCH, 2007, p. 316-317). La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza
la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su
existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos
Fundamento constitucional e vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos.
Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá
filosófico da proteção exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los
dos animais, per se derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos
derechos se observaran los principios establecidos en la
Ainda fazendo coro aos ensinamentos de Frisch, em lição Constitución, en lo que proceda. El Estado incentivará a las
transponível à realidade brasileira, tem-se que a proteção personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que
da fauna já vem definida em caráter prévio ao Direito Penal protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los
e encontra assento constitucional. A fauna é abordada em elementos que forman un ecosistema.
diversas passagens da Constituição brasileira, conforme
seus artigos 23, VII, 24, VI, e 225, parágrafo primeiro, inciso I. E A Constituição equatoriana, portanto, reconheceu direitos à
natureza, conforme, por exemplo, seu direito à restauração,
criticando a teoria pessoal do bem jurídico, que passaria a abranger no
conceito de pessoa os animais, Kiss (2011, p. 223-226).
consagrado no artigo 72 da Carta equatoriana.
18 Para um minucioso histórico dessa confusão que as justificativas Assim sendo, dando aplicação ao comando do artigo 71, que
moralistas promovem, metendo em um mesmo balaio de gatos a proteção
compreende os ciclos vitais da natureza, nestes incluídos os
aos animais, a tipificação da homossexualidade e a da prostituição, a
análise histórica e filosófica de Greco (2010, p. 47 e ss). ciclos vitais da fauna no Equador, o penalista poderia defender
19 Enfatiza Luís Greco (2010, p. 53). 20 Como bem rebate Ordeig (2007, p. 17).
30 • MPMG Jurídico
sem maiores constrangimentos os direitos dos animais, e uma antropocêntrico, no sentido de que o homem está no centro de
concepção ecocêntrica do bem jurídico protegido nos crimes todas as coisas, que tudo gira ao seu redor, somente pode ser
contra a fauna. O que se protegeria seria o próprio direito dos entendido como um discurso dos vencedores, na indesejável
animais a não sofrer maus tratos. disputa que o homem se propôs contra os outros animais,
matando-os e aniquilando as espécies, em progressiva extinção.
Se por um lado não podemos afirmar que a ordem jurídica E um discurso de um animal bastante convencido – sim, porque
brasileira já tenha caminhado de forma tão incisiva para uma também somos animais, parece que alguns se esquecem, mas é
visão ecocêntrica, que poderíamos chamar de ecocêntrica importante lembrar .
radical, em que se atribuem direitos à natureza (em que, ao
fim e ao cabo, sempre haveria uma interpretação feita pelo ser É importante reconhecer que estamos no centro apenas porque,
humano, condicionada, ainda que na melhor dasintenções, no momento, somos os mais fortes. E como as coisas assim
busque se aproximar do ecocentrismo), podemos e devemos se dão, e o mais forte é quem está no centro de tudo, também
reconhecer que o sistema legal pátrio deu mostras de considerar podemos perfeitamente imaginar que durante o período
o meio ambiente como bem autônomo, em uma evolução de Mesozóico, na Megassequência Andrelândia, onde se insere
uma visão econômica ou sanitária do meio ambiente21. parte da Zona da Mata mineira, possa ter acontecido alguma
reunião questionando o que deveriam fazer os dinossauros
Também temos que reconhecer que este bem é protegido pelo em relação aos animais humanos. Muito provavelmente,
sistema jurídico brasileiro per se, independentemente de que, neste encontro, o Tiranossauro Rex deve ter pedido a palavra,
direta ou indiretamente, também se proteja o ser humano. É ou, mais ao seu feitio, dado um grito, defendido uma posição
fundamental aclarar não ser esta uma condição necessária (a dinossaurocêntrica e afirmado que tudo girava ao redor dos
imediata ou mediata identificação de que está se protegendo dinossauros, que naquele momento eram os mais fortes. E que,
um ser humano). portanto, tudo devia ser pensado em função destes, inclusive os
costumes relativos aos demais animais.
É interessante observar, neste ponto, que muitas vezes se
protege o meio ambiente apesar do ser humano, ou sem que Do mesmo modo que mal sabiam os dinossauros que sua
muitos dos cidadãos saibam que tal proteção lhes convém, e extinção se aproximava, e que, inadaptados, a discussão se
até mesmo se posicionem contrariamente à proteção dos bens revelaria completamente inútil, talvez nós também hoje estejamos
ambientais. E tudo isso também será reflexo da estrutura dual questionando se deve prevalecer a nossa visão de mais forte,
que envolve o dano ambiental: muitas vezes, além do dano antropocêntrica, ou tentando formular uma visão, inexata e
ecológico puro, ou aos recursos naturais, também haverá o imperfeita, por vezes pueril, ecocêntrica. Daqui a alguns séculos ou
dano à saúde humana, ou algum dano econômico, individual. milênios, prosseguindo o ritmo de deterioro global que enfrentamos,
e concretizando-se as ameaças dos teóricosda mudança climática,
O fato é que devemos, os que estudam o Direito Penal, avançar as baratas, por exemplo, estarão discutindo qual é o centro,
para entender que o bem jurídico meio ambiente é um bem enquanto nós, humanos, seremos objeto de museu.
autônomo, com proteção constitucional e jurídico-penal,
tanto que assim o determinou, no mandato expresso de Triste é observar que a diferença de nós, humanos, para os
criminalização, o artigo 225, parágrafo terceiro, da Constituição dinossauros, é que eles não contribuíram intencionalmente
Federal. Que a fauna, como visto, também é reconhecida para o seu fim: o período glacial foi um fator externo, não
constitucionalmente como bem jurídico, e, como tal, nos oferece criado ou desejado pelos dinossauros, um perigo; as mudanças
a Constituição Federal uma oportunidade para abandonar a climáticas, o efeito estufa, no nosso caso, são resultado de
teoria antropocêntrica, em sua visão pessoal do bem jurídico. decisões conscientes da humanidade em busca de supostas
Repita-se: já não se trata de perguntar-se se o legislador deve vantagens econômicas e tecnológicas, o que caracteriza a nossa
proteger penalmente os animais, mas sim, no melhor dos casos, sociedade, a sociedade do risco.
sob que condições deve fazê-lo.
DOBÓN, Maria Carmen Alastuey. Consideraciones sobre SEHER, Gerhard. La legitimación de normas penales basada
el objeto de protección en el Derecho Penal del Medio en principios y el concepto de bien jurídico. In: HEFENDHEL,
Ambiente. In: PRADO, Luiz Regis (Coord.). Direito Penal Roland (Ed.). La teoría del bien jurídico. ¿Fundamento
Contemporâneo. Estudos em homenagem ao Professor de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios
José Cerezo Mir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. dogmático? Madrid: Marcial Pons, 2007.
FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e STERNBERG-LIEBEN, Detlev. Bien jurídico, proporcionalidad
imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal. y libertad del legislador penal. In: HEFENDHEL, Roland (Ed.).
In: HEFENDHEL, Roland (Ed.). La teoría del bien jurídico. La teoría del bien jurídico. ¿Fundamento de legitimación
¿Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Madrid:
abalorios dogmático? Madri: Marcial Pons, 2007. Marcial Pons, 2007.
GRECO, Luís. Proteção de bens jurídicos e crueldade com STRATENWERTH, Günther. Derecho penal. Parte general I. El
animais. In: Revista Liberdades, n. 3, janeiro-abril 2010. hecho punible. Buenos Aires, Hammurabi, 2005.
______. Modernização do direito penal, bens jurídicos
coletivos e crimes de perigo abstrato (com um adendo:
princípio da ofensividade e crimes de perigo abstrato). Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
32 • MPMG Jurídico
TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES:
HISTORIOGRAFIA E LÓGICAS DE CONTINUIDADE
Luciano J. Alvarenga
Após fortificar a antiga feitoria com vários canhões, o capitão Assim, uma Área de Preservação Permanente — APP —, p.
Duperet partiu do Brasil, em junho de 1532, deixando no ex., deve ser salvaguardada não apenas por um dispositivo
forte 70 soldados, sob o comando de um certo senhor de La legal assim o exigir, mas porque, a priori, determinados
Motte. Embora essas notícias ainda não tivessem chegado à condicionamentos ecossistêmicos (e.g., estabilidade geológica,
Europa, no exato instante em que a Peregrina era apreendida recarga hídrica, manutenção da diversidade fitofisionômica
no Mediterrâneo, o capitão português Pero Lopes de Sousa já e florística, do fluxo de espécies faunísticas, etc.) devem ser
estava combatendo os franceses em Pernambuco e logo iria levados em consideração. A afirmação dessa perspectiva
retomar a feitoria de Igaraçu, prender os soldados franceses e teórica é crucial não apenas para compreender o sentido dos
enforcar La Motte. institutos de direito ambiental, senão também para os colocar
à prova, relativizando-os num autêntico “diálogo de saberes”,
A espetacular captura da Peregrina foi a gota d’água nas
relações entre Portugal e França no que concerne ao Brasil.
2 Na própria concepção do nome “Brasil”, que se consolidou como
Ao serem informados da missão que a Peregrina realizara em
designativo do País anos mais tarde, entrevê-se a afirmação de uma
Pernambuco, o rei D. João III e seus assessores concluíram que perspectiva exploratória de um território riquíssimo em “pau-brasil”,
todas as ações repressivas e os vários tratados não haviam sido madeira muito cobiçada nas metrópoles europeias. Como refere Pádua
suficientes para impedir o assédio dos traficantes de pau-brasil (2004): “É preciso ter claro, neste sentido, que o Brasil não nasceu como
ao litoral brasileiro. Como todos os acordos e ameaças tinham uma nação, ou mesmo como um país. O Brasil nasceu de um macro
redundado em fracasso, o rei e seus conselheiros perceberam projeto de exploração ecológica ou, melhor dizendo, de um arquipélago
que só lhes restava uma solução: colonizar o Brasil. de projetos de exploração ecológica. Isto está indicado no próprio nome
‘Brasil’, que venceu uma disputa histórica com o nome ‘Santa Cruz’, apesar
da força ideológica do catolicismo. O nome ‘Brasil’ indica o predomínio
Iria iniciar-se o período das capitanias hereditárias.
da exploração ecológica sobre outros valores civilizatórios, na medida em
que o pau-brasil foi o primeiro elemento da rica natureza deste território
Para além da sua relevância geopolítica, o caso da nau passível de exploração pelo mercantilismo europeu. Ao contrário do nome
Peregrina é emblemático, também, sob os enfoques da ‘Santa Cruz’, que indicaria uma sociedade em evolução endógena a partir de
História Ambiental e das atuais preocupações concernentes determinados valores religiosos, o nome ‘Brasil’ sinaliza a exploração direta
à justiça socioambiental: o episódio consiste, em termos do mundo natural como fundamento da apropriação e ocupação social do
historiográficos, num dos primeiros registros do tráfico território”. Para melhor informação sobre influências e desdobramentos do
“eurocentrismo” na América Latina, cf. Dussel (1993).
34 • MPMG Jurídico
voltado para uma vigilante calibragem do tratamento que o tipicamente “ecossistêmicos”5, por um lado, e “humanísticos”6,
direito reserva à salvaguarda das dinâmicas ecossistêmicas.3 por outro. Cuida-se do ambiente, tal qual o apresenta Antunes
A inspiração teórica para essa assertiva provém da Ética de (2008, p. 83), como “[...] conjunto de bens naturais e culturais
Afirmação da Vida, inspirada em Schweitzer ([ca.]1931; 2013), e relevantes para a qualidade de vida ecológica e existencial
da Ética da Terra (Land Ethic), cujas bases foram lançadas por da pessoa humana”, a partir de um enquadramento teórico-
Leopold (2008, p. 188 ss.).4 metodológico capaz de conciliar as dimensões “naturalística”
(ecológica) e “estético-cultural-existencial” dos lugares.
De modo complementar, direitos socioambientais são
plasmados por necessidades sociais. Sublinha-se entre elas Assim, de um primeiro ângulo, consideram-se os elementos
a necessidade, vertida num dos fundamentos da República naturais, nomeadamente os faunísticos, numa complexa teia
Federativa do Brasil, de afirmação concreta da “dignidade de inter-relações ecossistêmicas, de maneira que cada um deles,
humana”, social e geograficamente igualitária, em todas as suas do ponto de vista do Direito Ambiental, não seja entendido
dimensões, inclusivamente na ambiental (FENSTERSEIFER, 2007, de modo isolado e fragmentado.7 Esse modo de percepção é
2014). O reconhecimento da dimensão humanística dos direitos decisivo para uma avaliação consistente da problemática do
socioambientais abre a perspectiva para incluir, como tema de tráfico de animais silvestres, pois, a se considerar o exemplo de
interesse de abordagens teóricas e de processos administrativos, um papagaio retirado de seu habitat e mantido em cativeiro,
legislativos ou jurisdicionais, as relações de significado, deve-se ter em mente que:
contemplativas e vivenciais — para além das ecológicas — que
pessoas e coletividades mantêm com os ambientes, vivenciados Segundo a visão cartesiana, fragmentada, isso significa que
como “lugares”, isto é, como espaços dotados de sentido, apenas um papagaio foi retirado da natureza e essa conduta
bem como com a diversidade de atributos abióticos e bióticos pode ser tida por insignificante ou de baixa lesividade.
(florísticos, faunísticos, etc.) que os habita. Nessa acepção, danos
ambientais apresentam-se como lesões ecológicas e existenciais, Do ponto de vista do pensamento complexo, um papagaio
“[...] tanto mais que a destruição [ou maltrato] dos bens não é apenas um papagaio, mas uma rede de relações. A
ambientais [entre os quais se incluem os diversos componentes retirada de um papagaio da natureza implica que aqueles
faunísticos] e paisagísticos implicará tantas vezes uma sensação papagaios que ficaram no ninho não serão alimentados
de desrealização, de perda de identidade, de anemia estético- e perecerão. Além disso, cabe considerar que as aves
emocional” (ANTUNES, 2008, p. 89). alimentam-se de frutas e excretam as sementes: resta,
então, comprometida a dispersão de sementes que
Essa anatomia dos direitos socioambientais corresponde contribuem para a manutenção da floresta.
logicamente à estrutura geral da problemática ambiental
contemporânea, assim descrita por Boff (2003, p. 49): Outro aspecto a ser considerado é o tráfico de animais:
uma ave irregular é uma ave oriunda do tráfico. E o tráfico
A relação depredadora para com a natureza — injustiça ecológica de animais é uma das atividades humanas mais danosas
—, afetando as águas, os solos, os ares, a base físico-química da à biodiversidade, haja vista que cerca de 90% das aves
vida, se transforma numa generalizada degradação da qualidade traficadas morrem durante esse processo. Assim sendo, para
social de vida — a injustiça social —, penalizando principalmente que se tenha a guarda doméstica ilegal de um papagaio,
os mais fracos e os pobres. Estes se veem condenados a morar cerca de nove papagaios morreram pelo caminho.
em locais de risco, a servir-se de águas contaminadas, a respirar
ares infectados de poluição e a viver sob relações sociais [...] um animal retirado da natureza é um animal que
altamente tensas devido à pobreza e à exploração. deixa de se reproduzir. A partir dos seis anos, um papagaio
pode gerar cerca de quatro filhotes por ano. Assim, ao fim
O “meio ambiente” aparece, assim, como uma categoria de 35 anos, a retirada de um exemplar da espécie pode
essencialmente híbrida, assente na interação de aspectos significar o impacto exponencial de mais de 3500 papagaios
que deixaram de nascer, considerando-se apenas os
3 Noutro lugar, procurei demonstrar em que medida a configuração da descendentes diretos, em duas gerações. E isso é apenas
legislação ambiental-florestal pode se apresentar incongruente à face das o início de uma longa cadeia causal de abstrações que
condições ecológicas, postas a priori como leis naturais, para a efetiva podem ser realizadas do ponto de vista da Ecologia e suas
salvaguarda da conectividade e diversidade fitoecológica dos ecossistemas,
nomeadamente no âmbito do bioma Cerrado. Cf. Alvarenga (2013). inter-relações (MARTINS, 2013, p. 22, 23).8
4 Para Leopold (2008, p. 188, 189): “Uma ética, em termos ecológicos, é uma
limitação da liberdade de agir na luta pela existência. Em termos filosóficos,
é a distinção entre uma conduta social e uma conduta anti-social. São duas 5 Calha reparar, para o fim de salientar tal dimensão do direito ambiental,
definições diferentes de uma mesma coisa. A coisa assim definida tem a sua o tratamento destacado que a Constituição de 1988 dedica ao “processos
origem na tendência dos indivíduos ou dos grupos interdependentes para ecológicos essenciais” (cf. art. 225, §1º, I).
estabelecerem modos de cooperação. O ecólogo chama a isso simbioses.
A política e a economia são simbioses avançadas nas quais a competição 6 Faz-se referência às interações dinâmicas e afetivas entre pessoas e
original de todos contra todos foi substituída, em parte, por mecanismos lugares.
cooperativos dotados de conteúdo ético. [...] A primeira ética tratou da relação 7 Para Bechara (2003, p. 54), “[...] se a harmonia de um ecossistema
entre indivíduos; o decálogo de Moisés é um exemplo dela. Aditamentos repousa na interação de todas as espécies, cada qual cumprindo uma
posteriores trataram da relação entre o indivíduo e a sociedade. A Regra função ecológica própria, e se nenhuma espécie pode ser considerada
de Ouro tenta integrar o indivíduo na sociedade; a democracia, integrar a inútil, é natural que a ausência de um elemento só que seja nesse ciclo
organização social ao indivíduo. Não há por enquanto nenhuma ética que natural deixará um vazio irreparável, pois que dificilmente esse vácuo será
trate da relação do homem com a terra, e com os animais e plantas que nela preenchido pela espécie ‘vizinha’, por mais que semelhante”.
crescem. A terra, como as jovens escravas de Ulisses, é ainda considerada
propriedade. A relação com a terra é ainda estritamente económica, 8 “O exemplo do papagaio” – prossegue Martins (2013, p. 23) – “é singelo
implicando privilégios mas não obrigações. A extensão da ética a esse e paradigmático: em termos ambientais, não se pode considerar apenas
terceiro elemento do ambiente humano é, se interpreto correctamente os aquilo que se vê, pois a maioria das interações está distante dos olhos do
factos, uma possibilidade de evolução e uma necessidade ecológica. É o observador e as consequências não são diretas ou imediatas, tais quais em
terceiro passo de uma sequência. Os primeiros dois foram já dados. Desde um acidente de carro. É preciso ir mais longe e visualizar a teia de infinitas
o tempo de Ezequiel e de Isaías existem já pensadores a título individual relações, nas quais há que se considerar a interdependência entre os
que afirmaram ser a pilhagem da terra não apenas prejudicial mas também fatores antrópicos, bióticos e abióticos. Se um singelo papagaio permite
errada. A sociedade, no entanto, não afirmou ainda como sua essa crença. avaliar tantos desdobramentos, o que dizer da construção de uma usina
Vejo no actual movimento conservacionista o embrião dessa afirmação”. hidrelétrica, por exemplo?”.
MPMG Jurídico • 35
A perspectiva “ecossistêmica” dos elementos da fauna, funcionalidades econômicas ou ecológicas, mas
para além de afirmar teórica e metodologicamente também como contentores de valorações, significações,
um conceito integral de “meio ambiente”, bem assim a simbolismos, afetividades e, como afirma Leloup
categorização dos “processos ecológicos essenciais” e (2002, p. 57), de uma “qualidade de pulsão inteligente”
da “biodiversidade” como bens tutelados pelo direito que reconhece o humano.11 Dessa perspectiva, os
ambiental9, evita a “discriminação ecológica”, que faz animais foram recentemente reconhecidos como “seres
sencientes” na Nova Zelândia (MCINTYRE, 2015).
com que determinadas espécies de animais, atrativas
por suas características estéticas ou utilitárias, recebam
Neste ponto, calha referir a pertinência do conceito
maior atenção protetiva, em detrimento de outras.10
de “paisagem”, como síntese das relações entre seres
vivos, biótopos, suas correlações dinâmicas, os ciclos da
Afirma-se, também, que os animais devem ser
natureza, a parte objecti, e “[...] uma especial modalidade
compreendidos não apenas em termos de suas
da experiência humana”, consistente no modo como
9 Cf. Constituição Brasileira, de 1988, art. 225, §1º, I, II e IV. Ver, também, as pessoas a experienciam (SERRÃO, 2004, p. 92).
Ferreira (2007, p. 231, 232), para quem “[...] ao utilizar o termo ecológico Simetricamente, parte-se da premissa de que a afirmação
não quis o constituinte referir-se a elementos isolados da natureza, concreta do direito a um ambiente equilibrado, e propício
mas sim ao conjunto das relações que constituem o objeto de estudo da à realizabilidade da dignidade humana, requer uma
ecologia. Dessa forma, quando se referiu a processos ecológicos essenciais,
quis o constituinte garantir a proteção dos processos vitais que tornam visão que não dissocie o meio ambiente “objetivamente
possíveis as inter-relações entre os seres vivos e o meio ambiente. considerado” (ambientes como ecossistemas) do meio
[...] Nessa perspectiva, portanto, é dever do Poder Público preservar e ambiente “vivido ou experienciado” (ambientes como
restaurar as condições indispensáveis à existência, à sobrevivência e ao lugares, paisagens culturais) (NARDY, 2003, p. 172), isto é,
desenvolvimento dos seres vivos”.
o espaço simbólico, carregado de significações e relações
10 Branco (1999, p. 176) observa haver “[...] um problema de discriminação afetivas, das relações homem-meio.
ecológica, na tese preservacionista radical, em que o fator estético adquire
grande relevância. Protege-se a borboleta e condena-se a lagarta... A
maior parte das preocupações dos ecologistas radicais é dirigida para
11 Neste sentido, Leopold (2008, p. 195) assevera que: “Uma das principais
as espécies que exibem caráter gracioso, como o mico-leão-dourado,
fraquezas de um sistema de conservação da natureza baseado inteiramente
aspecto multicolorido, como as borboletas e os pássaros, ou excêntrico,
em motivos económicos é que a maioria dos membros da comunidade
como alguns lagartos, estes dependendo dos caprichos da ‘moda’. Não
biótica da terra não tem valor económico. Exemplos disso são as flores
me recordo de haver tomado conhecimento de alguma medida especial
selvagens e o canto dos pássaros. Das 22 mil plantas e animais superiores
visando especificamente à proteção de algum inseto pouco vistoso ou
nativos do Wisconsin é duvidoso que mais de cinco por cento possam ser
mesmo repelente, como algumas vespas destruidoras de lagartas ou de
vendidos, engordados como animais de criação pelo homem, comidos
outros invertebrados. Quanto às espécies consideradas como pragas ou
ou usados de qualquer outra forma para fins económicos. No entanto,
parasitas do homem e de animais (desde que não possuam asas ou élitros
essas criaturas são membros da comunidade biótica, e se (como creio)
vistosos e multicoloridos, como algumas espécies de borboletas e besouros
a estabilidade dessa comunidade depende da sua integridade, têm o
altamente nocivos às plantas), estas são condenadas, num procedimento
direito de continuar a existir”. Aragão (2014, p. 199), por sua vez, assevera
evidentemente antropocêntrico e, portanto, incoerente com o radicalismo
que “[...] não podemos esquecer que, numa perspectiva de longo prazo, a
biocêntrico. Do ponto de vista de uma pretendida ‘ética da natureza’, trata-
conservação da natureza pode ser economicamente rentável e que, para lá
se de um verdadeiro pluralismo moral, ou seja, uma ética diferente para
da rentabilidade económica, há um conjunto não desprezível de vantagens
cada categoria considerada. Homens, baleias, florestas, rios, mulheres
e utilidades não económicas ligadas ao bem-estar e à qualidade de vida,
grávidas e seus fetos, cidadãos que votam e gerações futuras terão, sem
resultantes da simples existência e da possibilidade de desfrutar de zonas
dúvida, todos direito à consideração moral, porém não da mesma maneira,
naturais e m bom estado de conservação”.
nem pelas mesmas razões, nem a mesmo título”.
36 • MPMG Jurídico
O tráfico de animais silvestres (Tentativa de) Resposta do Direito
Categorização como crime organizado O Direito, como declaram textos normativos nacionais e
internacionais, demonstra preocupação no que se refere à
Muito mais sofisticado hoje em dia do que outrora, o tráfico salvaguarda da fauna. Mencione-se, e.g., a Convenção sobre
de animais silvestres apresenta características de crime o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora
organizado, quais sejam: (1) articulação por grandes redes Selvagens em Perigo de Extinção — Cites —, que toma fauna
de rotas para o traslado dos animais, quer no interior, quer e flora, reconhecidamente portadoras de valores biológicos,
para o exterior do País; (2) recurso ao apoio de atores-chave estéticos, científicos, culturais, recreativos e econômicos, como
no métier político, para uma proteção discreta e efetiva das elementos insubstituíveis, razão pela qual uma e outra devem
atividades criminosas; (3) corrupção de atores governamentais, ser protegidas no interesse da atual e das futuras gerações.
nomeadamente dos afetos às atividades fiscalizatórias, como Para tanto, os Estados devem assumir o papel de protagonistas,
fato, e nalguns casos como estratégia, que dá sustentação à procurando conformar o comportamento de atores sociais
prática; (4) conectividade dinâmica e sincronismo com outras
e institucionais de direito interno e se articular no âmbito
atividades ilícitas, sobremodo com os tráficos de armas e de
internacional para combater práticas lesivas aos bens florísticos
drogas; (5) estruturação hierárquica interna entre os agentes
e faunísticos, como o tráfico de animais silvestres.
do tráfico similar à das organizações criminosas profissionais,
marcada por uma divisão clara de funções e benefícios entre os
No plano do direito brasileiro, a Constituição da República, de
participantes (pessoas hipossuficientes economicamente, em
1988 — um dos marcos do processo histórico de “ecologização”
condições de vulnerabilidade sociopolítica, subordinam-se a
do direito no País13 —, afirma a fundamentalidade do direito a
membros com maior poderio).
um “meio ambiente ecologicamente equilibrado” e propício
Em termos econômicos, as cifras do tráfico de animais silvestres à realizabilidade da dignidade humana14, concebendo-o
como derivação, que é, do direito à vida.15 Um ambiente
ecologicamente equilibrado depende da salvaguarda da fauna,
e o texto constitucional brasileiro mostra-se acordante com tal
perspectiva, ao preceituar: (1) a preservação e restauração de
processos ecológicos essenciais, bem como o manejo ecológico
de espécies e ecossistemas; (2) a preservação da diversidade e
integridade do patrimônio genético do País; (3) a instituição,
em todas as unidades da Federação, de Espaços Territoriais
Especialmente Protegidos — Etep —, e a vedação a quaisquer
formas de utilização tendentes a comprometer a integridade
dos atributos que justificam sua instituição e salvaguarda;
(4) a exigência de estudo prévio de impacto ambiental para
instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação ao meio ambiente; (5) o controle da
produção, comercialização e do emprego de técnicas, métodos
e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente; (6) a promoção da educação
são superlativas, menores apenas que as movimentadas ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pelos tráficos de drogas e de armas. Em escala internacional, pública para a preservação do meio ambiente; (7) a proteção
fala-se em valores, estimativamente, entre 10 e 20 bilhões de da fauna e da flora, vedadas, na forma da lei, quaisquer práticas
dólares por ano. Por trás desses números, outros, igualmente que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
impressionantes, dão conta de aproximadamente 38 bilhões extinção de espécies ou submetam animais a crueldade.16
de animais retirados, ano a ano, de seus habitats naturais para
dinamizar o tráfico. A maior parte deles, entretanto, submetida O texto constitucional brasileiro declara, também, o princípio da
a toda sorte de maus-tratos, morre antes mesmo de ser posta responsabilidade tridimensional17 por lesões ao meio ambiente,
em comércio. No Brasil, acredita-se que o mercado movimente para sujeitar os praticantes de tais lesões a sanções penais e
cerca de 1 bilhão de euros por ano. Como tem vindo a apurar administrativas, além da obrigação de reparação dos danos
a United Nations Interregional Crime and Justice Institut, há uma causados a tal macrobem jurídico.18
conexão entre as atividades do tráfico de drogas e o de animais,
e às vezes se observa, o que causa perplexidade, um ou mais No nível infraconstitucional, a sobredita principiologia é
espécimes serem utilizados como “instrumentos de crime” densificada por leis específicas, que têm como objetivos, entre
(HERNANDEZ, 2002, p. 277).12 outros, a salvaguarda da fauna.
Pela “megadiversidade” biológica que possui (MITTERMEIER et A Lei 9.605, de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e
al., 1997; BRANDON et al., 2005), o Brasil é um dos principais focos administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas
históricos do tráfico de animais, o que levanta a problemática ao meio ambiente, na primeira seção do Capítulo V, dedicado
da adequabilidade e efetividade das estratégias normativas,
institucionais e operacionais que têm sido adotadas para
13 Sobre a “ecologização” do direito, cf. Benjamin (2007, p. 57 ss.).
enfrentá-lo no País. O tópico seguinte dedica algumas linhas a
essa reflexão. 14 Cf. art. 225, caput, e art. 1º, III.
15 Sobre o direito fundamental ao meio ambiente como uma decorrência
do direito à vida, cf. Derani (1998, p. 97 ss.).
12 Como refere Hernandez (2002, p. 277): “Quanto mais aperta o cerco ao 16 Cf. art. 225, §1º, I a VII.
tráfico de drogas, mais estes traficantes buscam alternativas de renda fácil. 17 Cf. art. 225, §3º.
[...] Muitos animais podem ser usados em simbiose com as drogas, para um
crime camuflar outro. Por exemplo, uma jibóia pode transportar drogas em 18 Sobre a qualificação do meio ambiente como bem jurídico incorpóreo,
suas entranhas, como ocorrido numa apreensão dos EUA, em que 36kg de distinto do somatório dos seus elementos constituintes, cf. Mirra (2002, p.
cocaína foram encontrados dentro de cobras provenientes da Colômbia”. 12 ss.).
MPMG Jurídico • 37
aos “crimes contra o meio ambiente”, estabelece a tipologia levando assim a um tratamento jurídico desproporcional da
dos “crimes contra a fauna”.19 Estão fixados na lei penal, problemática, apesar de sua historicidade, complexidade,
assim, dispositivos protetivos do patrimônio faunístico — à abrangência e gravidade. Submetidos aos procedimentos
perspectiva da tutela de um bem mais amplo, o “meio ambiente previstos na Lei 9.099, de 1995, “[...] os processos acabam
ecologicamente equilibrado” e propício à realizabilidade da terminando em transação penal ou, no máximo, com a
dignidade humana, em suas diversas dimensões (cultural, aplicação de uma pena restritiva de direitos, com a mesma
estética, afetiva, etc.).20 duração que teria a restritiva de liberdade, como a prestação
de serviços à comunidade, a interdição temporária de
Convencionalmente, afirma-se que a repressão normativa direitos e o recolhimento domiciliar” (RAPHAELLI, 2012).24
penal ao tráfico de animais deriva do art. 29, §1º, da Uma alternativa técnica diante da questão é promover
sobredita lei, que considera criminosa a conduta de “quem uma abordagem contextualizadora e complexa de fatos
vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em — isolados apenas à aparência — atinentes ao tráfico
cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou de animais, invocando a aplicabilidade (e, à obviedade,
espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, adotando as medidas técnicas de investigação para justificá-
bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes la) do dispositivo penal que pune a “associação criminosa”.25
de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão,
licença ou autorização da autoridade competente”. Para Sob o enfoque administrativo-ambiental, releva o dado
fins de aplicação desse preceito, consideram-se espécimes de que a maior parte das multas aplicadas aos agentes do
da fauna silvestre “todos aqueles pertencentes às espécies tráfico de animais sequer é executada, o que confere ao
nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou sistema de fiscalização um caráter meramente simbólico,
terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida em contraste com um conjunto de práticas criminosas com
ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou amplitude e complexidade superlativas.
águas jurisdicionais brasileiras”.21
Por sua vez, o sistema da responsabilidade civil por danos
Adicionalmente, sob o enfoque administrativo-ambiental, a à fauna, essencialmente reparatório, não alcança resultados
Lei 5.197, de 1967, já trazia dispositivo proibitivo do comércio eficazes em face do tráfico, cujas consequências negativas
de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que nos ecossistemas — irreversíveis — aproximam-se dos
impliquem sua caça, perseguição, destruição ou apanha22, limiares da incomensurabilidade.
o qual, uma vez infringido, pode imputar ao transgressor
sanções administrativas, nos termos do Decreto 6.514, de Para alcançarem resultados concretos, as atividades
2008 e com fulcro no já mencionado art. 225, §3º, do texto desenvolvidas pelo Poder Público para a prevenção e
constitucional brasileiro. repressão ao tráfico de animais requerem abordagens que
correspondam à complexidade e ao nível de organização
Os tratamentos penal e administrativo do tráfico de animais dessa prática criminosa. Do contrário, tais atividades,
silvestres são complementados, em Direito Ambiental, pela concebidas originariamente para salvaguardar o patrimônio
sistemática de reparação de danos causados ao “meio faunístico brasileiro, cumprirão uma funcionalidade
ambiente”, no quadro conceitual e normativo do regime meramente retórica, pouco representando em termos de
da responsabilização civil por danos ambientais. Danos transformação de mundividências e condutas agressivas a
patrimoniais ou extrapatrimoniais, diretos ou indiretos, tal patrimônio, presentes no Brasil desde os tempos em que
com efeitos imediatos ou diferidos no tempo, a espécimes a Peregrina cruzava o Atlântico, a levar para as terras além-
da fauna, vistas como elementos da cadeia de interações mar as riquezas, nomeadamente as biológicas, do País.
ecossistêmicas e como contentores de valores socioculturais
(cf. supra), justificam a imputação, a quem os der causa, das
medidas para reparação integral (restauração, recuperação,
compensação) do ambiente lesado, independentemente
da existência de culpa, nos termos do art. 225, §3º, da
Constituição de 1988 e do art. 14, §1º, da Lei 6.938, de 1981.
ARAGÃO, A. Ultrapassar o défice ecológico em tempo de crise MARTINS, G. S. Norma ambiental: complexidade e concretização.
(económica): breves reflexões o dever de restauração de habitats. 2013. 319f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro de Ciências
In: PERALTA, C. E. M.; ALVARENGA, L. J.; AUGUSTIN, S. (orgs.). Direito Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
e justiça ambiental: diálogos interdisciplinares sobre a crise MCINTYRE, S. Animals are now legally recognised as ‘sentient’
ecológica. Caxias do Sul: Educs, 2014, p. 191-215. beings in New Zealand, 2015. Disponível em: <http://www.
BECHARA, E. A proteção da fauna sob a ótica constitucional. São independent.co.uk/news/world/australasia/animals-are-now-
Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. legally-recognised-as-sentient-beings-in-new-zealand-10256006.
html>. Acesso em: 19 mai. 2015.
BENJAMIN, A. H. Constitucionalização do ambiente e ecologização
da Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. MIRRA, A. L. V. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio
(orgs.). Direito Constitucional Ambiental brasileiro. São Paulo: ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
Saraiva, 2007, p. 57-130. MITTERMEIER, R. A. et al. (eds.). Megadiversity: Earth’s biologically
BERQUE, A. A Ecúmena: medida terrestre do Homem, medida wealthiest nations. Mexico: Cemex, Agrupación Serra Madre, 1997.
humana da Terra. In: SERRÃO, A. V. S. (org.). Filosofia da paisagem: NARDY, A. Uma leitura transdisciplinar do princípio da precaução.
uma antologia. 2.ed. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de In: SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. (eds.). Princípios de
Lisboa, 2011, p. 187-199. Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. Belo
BOFF, L. Ética e eco-espiritualidade. Campinas: Verus, 2003. Horizonte: Del Rey, 2003, p. 113-249.
BRANCO, S. M. Ecossistêmica: uma abordagem integrada dos PÁDUA, J. A. A ocupação do território brasileiro e a conservação dos
problemas do meio ambiente. 2.ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1999. recursos naturais. In: MILANO, M.; TAKAHASHI, L.; NUNES, M. (orgs.).
Unidades de conservação: atualidades e tendências. Curitiba:
BRANDON, K. et al. Conservação brasileira: desafios e oportunidades. Fundação O Boticário, 2004, [s.d.t.].
Megadiversidade, n. 1, p. 7-13, jul. 2005.
RAPHAELLI, R. Noções sobre o tráfico de animais no Brasil, 2012.
BUENO, E. Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores. Disponível em: <http://envolverde.com.br/ambiente/preservacao-
Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. (Coleção Terra Brasilis; 3). ambiente/nocoes-sobre-o-trafico-de-animais-no-brasil/>. Acesso
DERANI, C. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: direito em: 27 abr. 2015.
fundamental e princípio da atividade econômica. Advocacia SCHWEITZER, A. Minha vida, minhas ideias. Tradução O. Schneider.
pública & sociedade, São Paulo, n. 3, p. 91-101, 1998. São Paulo: Melhoramentos, [ca. 1931].
DUSSEL, E. 1492: o encobrimento do Outro: a origem do mito da SCHWEITZER, A. Filosofia da civilização: queda e reconstrução
modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução J.A. Clasen. da civilização: civilização e ética. Tradução P. Rissatti. São Paulo:
Petrópolis: Vozes, 1993. Unesp, 2013.
FENSTERSEIFER, T. A dimensão ecológica da dignidade humana: SERRÃO, A. V. Filosofia e paisagem: aproximações a uma categoria
as projeções normativas do direito (e dever) fundamental ao estética. Philosophica, n. 23, p. 87-102, 2004.
ambiente no Estado Socioambiental de Direito. 2007. 320f.
Dissertação (Mestrado em Instituições de Direito do Estado) –
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
FENSTERSEIFER, T. Mínimo existencial ecológico (ou socioambiental):
o direito fundamental às prestações materiais mínimas em termos
de qualidade, equilíbrio e segurança ambiental para o desfrute
de uma vida humana digna e saudável (pelas presentes e futuras
gerações). In: PERALTA, C. E. M.; ALVARENGA, L. J.; AUGUSTIN, S.
(orgs.). Direito e justiça ambiental: diálogos interdisciplinares sobre
a crise ecológica. Caxias do Sul: Educs, 2014, p. 74-96.
FERREIRA, H. S. Política ambiental constitucional. In: CANOTILHO,
J. J. G.; LEITE, J. R. M. (orgs.). Direito Constitucional Ambiental
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 230-262.
GUSTIN, M.B.S.; DIAS, M.T.F. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria
e prática. 2.ed., rev., ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
HERNANDEZ, E. F. T. Das redes e do tráfico de animais. Geografia, n.
11, p. 271-281, jul./dez. 2002.
HERNANDEZ, E. F. T. O tráfico de animais. Âmbito Jurídico, n. 51,
mar. 2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/
site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2483>.
Acesso em: 24 abr. 2015.
KLINK, A. Linha d´água: entre estaleiros e homens do mar. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006.
LELOUP, J.-Y. A arte da atenção: para viver cada segundo em sua
plenitude. Tradução G. J. F. Teixeira. Campinas: Verus, 2002.
MPMG Jurídico • 39
MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS E VIOLÊNCIA
CONTRA AS PESSOAS
Marcelo Robis Francisco Nassaro
Meu orientador, com sapiência, disse-me que antes Anteriormente, outro caso que também repercutiu muito foi
de propor as tais patrulhas especializadas para essas o do poodle Rossi, em Porto Alegre. Um adolescente gravou
ocorrências, eu deveria provar cientificamente que cenas de uma senhora com uma criança de colo chutando
esse tema realmente era relevante para a Pasta da o animal. Também estava presente o filho de 5 anos dessa
Segurança Pública e que, por isso, mereceria uma senhora. Ela lhes dizia enquanto chutava o filhote: “tu não
equipe de policiais específica para esse atendimento. deve ter dó, cachorro a gente bate”(sic).
Assim, iniciei os estudos sobre a Teoria do Link, os quais 1 A expressão maus-tratos aos animais vem sendo utilizada comumente
compartilho com os Membros do Ministério Público de Minas no Brasil como sinônimo de crueldade animal. Apesar de aparentemente
Gerais por meio da Revista MPMG Jurídico. não haver diferença conceitual, o Decreto federal nº 24.645, de 1934 elegeu,
no seu art. 3º, caput, os maus-tratos como o gênero, sendo o ato de abuso
ou a crueldade uma das suas espécies. Neste trabalho utilizaremos ambos
como similares.
40 • MPMG Jurídico
O caso mais difundido no passado recente foi o de uma cadela Daniel S. Hellman e Nathan Blackman (1966) revisaram
Yorkshire terrier espancada até a morte pela enfermeira a Tríade. Diferentemente de Macdonald, a pesquisa
Camilla Correia Alves de Moura, em Goiânia. Ela não sabia, desenvolvida por eles alcançou o período da infância e
mas estava sendo filmada e essas imagens transmitidas nas da adolescência de cada um dos 84 prisioneiros adultos
mídias sociais se tornaram virais. No Facebook foi criada a entrevistados condenados por crimes violentos e não
comunidade Assassina de York Shire e no Twitter o endereço apenas por homicídio. Esses presos foram pesquisados
eletrônico #CamiladeMouraPresa#. no Centro de Saúde Mental de St. Louis, Missouri, nos
Estados Unidos.
Esse crime foi emblemático porque talvez tenha sido o principal
responsável por despertar na mídia nacional o interesse pela Eles concluíram que os mesmos três comportamentos,
difusão desses casos. Desde então, vídeos ou fotos de animais quando presentes de forma concomitante em crianças
sendo maltratados divulgados nas redes são rapidamente e adolescentes, poderiam prever pessoas violentas no
compartilhados. futuro, mas não necessariamente homicidas, como propôs
Macdonald. Em função disso, passaram a utilizar o título
Na Polícia Militar Ambiental paulista, por exemplo, a partir Tríade de Comportamentos e não mais Tríade do Sociopata.
desse caso da Yorkshire terrier, as denúncias de maus-tratos aos
animais aumentaram. No Brasil, de fato, não se sabe se os maus- Até então, os pesquisadores não haviam investigado o
tratos aos animais sempre ocorreram com frequência e apenas porquê do comportamento caracterizado por crueldade
estão sendo mais expostos pela mídia ou se a sociedade não animal estar presente nas tríades.
está admitindo tal conduta e, consequentemente, denunciando
mais esses crimes. De qualquer sorte, as denúncias passaram Foi Fernando Tapia (1971) que começou a investigar
a ser cada vez mais apuradas, impondo-se, de regra, sanções especificamente esse comportamento na pesquisa intitulada
penais e administrativas aos autores. Crianças que São Cruéis com Animais. Pioneiramente, ele
iniciou seus estudos com crianças e adolescentes com
A pergunta que se faz é: por que as pessoas maltratam histórico de crueldade animal que estavam recolhidos na
os animais? Seção de Psiquiatria Infantil da Universidade do Missouri,
nos Estados Unidos.
No artigo O Amor nos Tempos da Cólera, publicado no caderno
Aliás do Jornal Estadão, , o autor Christian Dunker (2015, p. Nessa pesquisa, curiosamente, nenhuma das 18
E2), abordando o caso de Rafael Hermida, enfatizou que: crianças e adolescentes apresentaram a Tríade de
Comportamentos completa. O único comportamento
[...] as reações da maior parte dos que opinam sobre o caso presente, em todas elas, era o de crueldade animal.
não é de que ele cometeu um erro – ainda que grave – que Chamou a atenção o fato de que todas essas crianças e
eventualmente poderia ser reparado, mas de que ele se adolescentes tinham origem em lares caóticos, com pais
tornou outra pessoa. agressivos. Essa constatação indicou o modelo de família
capaz de induzir comportamentos violentos em seus
Dagomir Marquezi (2015, p. E3), nesse mesmo caderno, no membros, especialmente em crianças e adolescentes.
artigo Sem Cachorrada pergunta se Rafael Hermida é um
psicopata. Ele concluiu que: A mais importante contribuição de Tapia foi apontar a
crueldade animal como uma red flag, ou seja, como um
[...] À medida que a sociedade percebe que a brutalidade motivo de alerta para a família e autoridades de que é
contra animais é a porta para agressões a humanos, mais necessário intervir em relação àquele que comete o crime
atenção deve dar a gente que esfola seus gatos, arrasta de maus-tratos aos animais, pois a não intervenção pode
cães no asfalto ou tortura bois no litoral de Santa Catarina permitir que essa pessoa se torne ainda mais violenta contra
durante a Semana Santa. pessoas e animais.
O que Marquezi está indicando ao mencionar os maus-tratos Alan Felthous (1979) desenvolveu pesquisa intitulada
aos animais como a porta para as agressões contra humanos Antecedentes Infantis de Comportamentos Agressivos
e a eventual existência de uma psicopatia nesses criminosos em Pacientes Masculinos de Psiquiatria. Nesse estudo,
é exatamente o que pesquisadores, especialmente dos realizado no Serviço de Psiquiatria do Centro Médico
Estados Unidos, buscam comprovar desde a década de 1960 Regional Naval de Oakland, Califórnia, Estados Unidos,
do século passado. foram avaliados 429 pacientes, os quais foram divididos em
2 grupos. Um deles era de pacientes agressivos e o outro
Os estudos que relacionam os maus-tratos aos animais à de não agressivos, selecionados por meio de entrevistas
violência contra pessoas iniciaram-se com os trabalhos de e preenchimento de questionários. Concluiu-se que era
John Marshall Macdonald (1963), pesquisador que descreveu mais comum o histórico de crueldade animal no grupo
a chamada Tríade do Sociopata ou Tríade Macdonald em de pacientes agressivos. Esse grupo também apresentou
sua obra A Ameaça de Matar. maior porcentagem de pais alcoólatras e separados,
enurese frequente até os 5 anos de idade e prática de atos
Ele analisou 100 pacientes adultos, condenados por homicídio, incendiários (presença da Tríade de Comportamentos).
do Hospital Colorado de Psiquiatria, em Denver, nos Estados
Unidos. Ao avaliá-los, percebeu três comportamentos Felthous realizou outra pesquisa em 1985, com a
comuns à maioria deles na infância e adolescência: enurese2 participação de Stephen R. Kellert, intitulada Crueldade
persistente, atos incendiários frequentes e crueldade animal. Animal na Adolescência entre Criminosos e Não
Macdonald publicou sua pesquisa intitulada Tríade do Criminosos. Nesse trabalho, 152 pessoas foram divididas
Sociopata, indicando que a presença desses comportamentos entre criminosos agressivos, moderadamente agressivos
em alguém, ainda quando criança e adolescente, poderia e não criminosos. Os criminosos foram selecionados em
indicar um futuro homicida. penitenciárias federais e os não criminosos nas mesmas
comunidades das penitenciárias.
2 Enurese significa incontinência urinária.
MPMG Jurídico • 41
Os criminosos excessivamente agressivos foram Animais de Estimação, percebeu-se que 71 % das mulheres
selecionados em função de informações obtidas dos agentes entrevistadas informaram que seus animais de estimação
penitenciários sobre seu comportamento no presídio. Foram haviam sido feridos ou ameaçados pelos seus maridos. Fatos
considerados excessivamente agressivos os queagrediam como colocar filhotes em liquidificador, enterrar gatos vivos
outros presos e praticavam lesões corporais, por exemplo. e atirar em cachorros foram relatados, inclusive a omissão
Exatamente esse grupo de criminosos excessivamente em alimentar e prestar atendimento veterinário.
agressivos foi o que cometeu a maior quantidade de atos
de crueldade animal durante a infância e adolescência, E ainda, 32% das entrevistadas que tinham filhos relataram
reforçando as indicações de crueldade animal como que eles haviam machucado ou matado seus animais de
precursora de uma pessoa violenta no futuro. estimação, deixando claro que o comportamento do pai
agressor estava sendo transmitido aos filhos.
Nessa mesma pesquisa, os criminosos descreveram 373
atos diferentes de crueldade praticados contra animais Além disso, 18% disseram ter retardado sua ida ao
e pelo menos 9 motivos para a realização desses atos, abrigo para mulheres vítimas de maus-tratos pelo
sendo eles, resumidamente: receio de possível agressão do companheiro ao animal
de estimação, indicando forte elo sentimental entre as
• controlar o animal (corrigir um comportamento); mulheres agredidas e seus animais de estimação.
• ato de retaliação contra o animal (punição por um erro
praticado pelo animal); E não é por outro motivo que há estados norte-americanos
• satisfazer um preconceito contra uma espécie ou raça que aceitam simultaneamente pessoas vítimas de maus-
(atos contra cobras, ratos, gatos pretos); tratos e seus animais de estimação nos abrigos, porque já
• expressar agressão contra o animal (simplesmente para se comprovou que algumas vítimas retardaram sua saída
mostrar agressividade ao animal ou a outra pessoa); de casa para salvaguardar seus animais, temendo que algo
• melhorar sua própria agressividade (uma forma de se ruim ocorresse para eles se elas não estivessem presentes.
autoconvencer de que é agressivo);
• chocar as pessoas como diversão (um prisioneiro Infere-se, pelas pesquisas apresentadas até aqui, que um
relatou que cortava as pernas das rãs e as deixava vivas animal de estimação maltratado em um ambiente familiar
apenas para diversão própria e de amigos); não é apenas o objeto material de um crime, ele é, também,
• retaliação contra outra pessoa (forma de se vingar de um indicativo de que naquela família pode haver outras
outra pessoa); vítimas em risco e mais, que as crianças e adolescentes
• deslocamento de hostilidade de uma pessoa para um expostos a esses atos de maus-tratos podem aprender
animal (hostilidade do autor para o animal); com seus pais, adquirindo deles aquilo que mais adiante se
• sadismo não especificado (foi identificado como tornará um transtorno mental, exposto por meio de violência
exercício total de poder e controle sobre o animal. contra pessoas e animais.
Abrir a barriga de anfíbios para uma morte lenta e
eletrocussão foram exemplos dados pelos criminosos Em 1997 foi publicada a mais ampla e refinada pesquisa sobre
excessivamente violentos. a relação entre a crueldade animal e outros crimes. Ela foi
desenvolvida por Cartes Luke, da Sociedade Massachussets
Ao final dos trabalhos, os dados alertaram pesquisadores, para a Prevenção da Crueldade Animal (MSPCA), e por Arnold
clínicos e líderes sociais sobre a importância de se considerar Arluke e Jack Levin da Universidade Northeastern.
a crueldade animal infantil como um potencial indicador
de distúrbio no relacionamento familiar e de um futuro Essa pesquisa analisou todos os casos de crueldade
comportamento antissocial agressivo. animal registrados no estado de Massachussets entre
os anos de 1975 e 1996, resultando em 80 mil registros.
A Associação Americana de Psiquiatria (1987, p. 274) reconheceu Destes, apenas 268 resultaram efetivamente em
em seu Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos persecução penal individual.
Mentais – DSM – a crueldade animal como um comportamento
associado aos transtornos mentais em crianças. Nesse estudo foi possível identificar 153 criminosos dos que
foram processados por crueldade animal. A avaliação das
[...] a característica essencial desse transtorno é um padrão fichas criminais compreendeu o período de 10 anos antes
de conduta no qual os direitos básicos dos outros e as do crime de maus-tratos e 10 anos após o crime. Pessoas
normas sociais são violadas... Agressão psíquica é comum.
Crianças e adolescentes com esse transtorno comumente
iniciam agressão, podem ser cruéis para outras pessoas
ou para animais e frequentemente destroem de forma
deliberada os bens materiais de outras pessoas (pode incluir
a destruição com uso do fogo). Elas podem se envolver em
roubo com confrontação da vítima, como assalto, furto de
bolsas, extorsão e roubo armado. Mais tarde a violência
psicológica pode tomar a forma de estupro, assalto ou em
vários casos de homicídio... As crianças podem não ter a
compreensão dos sentimentos, desejos e do bem estar
dos outros, demonstrando comportamentos insensíveis e
inexistência de culpa e de remorso.
42 • MPMG Jurídico
do mesmo sexo, com idade similar, nascidas nas mesmas preocupadas com a segurança de seu animal de estimação, a
cidades e nos mesmos bairros, às vezes vizinhas e da mesma permanecer e/ou ficar em silêncio sobre a situação abusiva;
classe social foram localizadas e selecionadas. Esse grupo 3) crueldade infantil com animais pode ser sinal de abuso,
de não criminosos foi chamado de grupo de controle, que ou negligência grave, infligido a criança ou crianças que
foi comparado com o grupo dos que cometeram crimes de testemunharam o abuso de animais, causando maior risco
maus-tratos aos animais. de que estas se tornem elas mesmas abusadoras;
4) comportamento agressivo ou sexualizado de um a criança
Os resultados obtidos foram impressionantes: 70% dos com os animais pode estar associado a um pós-abuso de
criminosos também tinham outras fichas criminais por seres humanos;
prática de violência, furtos, uso de drogas e vandalismo. 5) criminosos violentos encarcerados em presídios de
Quando eles foram comparados ao grupo de controle segurança máxima são significativamente mais propensos
apresentaram 5 vezes mais probabilidade de cometerem à violência do que os infratores não violentos, em caso de
atos violentos contra pessoas, 4 vezes mais probabilidade terem cometido atos de crueldade animal durante a infância.
de cometerem furtos e 3 vezes mais probabilidade de
cometerem crimes por uso de drogas e atos de vandalismo. Esses estudos de Ascione e Arkow originaram a Teoria do
Essa pesquisa concluiu que: Link, com a seguinte definição:
• a crueldade animal precisa ser notificada às autoridades, O Link é um adulto que abusa uma criança ou animal como
já que a quantidade de pessoas que cometem esses resultado dele ter sido testemunha de um abuso, ou ter sido
crimes é muito alta em relação à quantidade de processos abusado ele mesmo. Violência doméstica, abuso infantil
existentes; e crueldade animal estão intimamente conectados uns
• a justiça criminal precisa agir com maior rigor. O estudo aos outros e o círculo continuará até que seja quebrado.
mostrou que pouco menos da metade dos crimes (SPCALA, 2012)
notificados às autoridades chegaram a ser julgados;
• as penas precisam ser ampliadas. A crueldade animal Essa teoria não indica a ocorrência simultânea das 3
raramente leva alguém à pena privativa de liberdade e as variáveis (crueldade animal, abuso infantil e violência
multas são mínimas; familiar) para que se possa surgir um adulto violento,
• a crueldade animal precisa ser classificada como crime porém ela supõe que quando as variáveis estão presentes,
de violência e não mera contravenção; juntas ou isoladas, devem servir como alerta para que se
• a não notificação das autoridades da ocorrência do crime antecipem providências a fim de quebrar esse ciclo e evitar
deve ser responsabilizada; sua perpetuação na família.
• a crueldade animal é um sinal perigoso que
demandaintervenção. Ou seja, esses próprios autores indicaram que nem todas
as crianças que maltratam animais crescerão como pessoas
Frank Ascione e Phil Arkow, ambos psicólogos, ao estudarem violentas e que nem todas as crianças cruéis com animais
esse tema, perceberam que há uma conexão entre abuso foram vítimas elas mesmas de violência doméstica, porém
infantil, violência doméstica e crueldade animal. Essas
conclusões estão apresentadas na obra Abuso Infantil, [...] muitas pessoas que foram cruéis com animais foram
Violência Doméstica e Crueldade Animal – Conectando os vítimas, elas mesmas, de violência doméstica apontando
Círculos da Compaixão para a Prevenção e Intervenção. a conexão entre os maus-tratos aos animais e a violência
doméstica. (SPCALA, 2012 p. 145)
Conforme os autores (1997, p. 57-59)
Aplicação da teoria do link no Brasil
[...] estes estudos deixam claro que em famílias onde
existem maus-tratos a crianças e violência doméstica, A psicóloga Maria José Sales Padilha (2011) foi pioneira no
há aumento da oportunidade para que as crianças sejam Brasil ao relacionar a violência doméstica com a crueldade
expostas à crueldade animal. Mesmos se os membros animal. Seu estudo Crueldade com Animais X Violência
adultos da família não maltratarem os animais, algumas Doméstica Contra Mulheres: Uma Conexão Real corroborou
crianças podem expressar a dor de sua própria vitimização as pesquisas norte-americanas e iniciou o processo de
por meio do abuso aos animais de estimação da família, sensibilização nacional para o tema.
vulneráveis. Assim como os pesquisadores estão
começando a compreender a sobreposição entre o abuso Ela aplicou um questionário a 453 mulheres do estado de
e a negligência de crianças e a violência doméstica entre Pernambuco, selecionadas por terem sofrido violência de
parceiros íntimos adultos (Ross, 1996) eles devem agora seus maridos. Constatou-se que quase 50% dos agressores
considerar a sobreposição dessas formas de abuso com
já foram violentos com os animais da casa ou outros animais.
os maus-tratos de animais. Quando os seres humanos ou
animais em uma casa são abusados ou negligenciados,
Dois anos após, Nassaro (2013) realizou pesquisa científica
cria-se um sinal de aviso de que outros na casa podem não
aplicando a Teoria do Link e focalizando agora os sujeitos
estar seguros. Numerosos estudos documentados mostram
ativos autores dos crimes de maus-tratos aos animais.
que existe uma ligação direta entre os atos de crueldade
contra animais e violência para com os outros, incluindo
Na pesquisa buscou-se apurar se os infratores praticaram
abuso infantil, maus-tratos, abuso de idosos e outros
comportamentos violentos.
outros crimes além dos crimes de maus-tratos aos
animais e, em caso positivo, se esses outros crimes foram
Os resultados dos estudos de Ascione e Arkow incluem: violentos ou não.
1) em casas onde o abuso animal grave ocorreu, pode Para tanto, todas as 643 pessoas autuadas pela Polícia
haver uma maior probabilidade de que algum outro tipo de Militar Ambiental paulista no período de 2011, 2012 e 2013
violência familiar já esteja ocorrendo; pelo crime de maus-tratos aos animais foram avaliadas.
2) ameaças de maus-tratos a um animal de estimação podem ser Destas, 90 % eram homens e 10 % mulheres. A idade média
usadas para intimidar, coagir ou controlar mulheres e crianças, das pessoas era de 43 anos.
MPMG Jurídico • 43
204 pessoas, ou seja, 32 % do universo de 643 amostras, genérica, sendo o abuso uma determinada espécie.
possuíam outros registros criminais, indicando, portanto, Nesse decreto há outras condutas que são consideradas
que 1/3 das pessoas autuadas por maus-tratos aos animais maus-tratos, como abandonar animal doente, manter
cometeu outros crimes. animais em lugares anti-higiênicos, açoitar, golpear
ou castigar por qualquer forma um animal caído,
Todos os crimes, excetuando-se o crime de maus-tratos, dentre outros maus-tratos. É uma norma escrita na
foram somados, verificando-se, ao todo, 595 crimes, com década de 30 do século passado, que coloca o próprio
destaque aos seguintes: abuso e a crueldade como maus-tratos, por isso ela é
extremamente avançada para o período.
• 110 crimes de lesões corporais; Desconhece-se haver uma definição geral para os maus-
• 109 crimes de furto; tratos no âmbito das normas federais. De regra, como
• 52 crimes de receptação; ocorre no Decreto federal nº 24.645, de 1934 e também na
• 42 crimes de arma de fogo (porte/falta de registro); Resolução SMA 48, de 2014 da Secretaria Estadual do Meio
• 41 crimes de entorpecentes; Ambiente paulista, são condutas utilizadas como exemplos
• 21 crimes de homicídio; em um rol não taxativo de condutas, que, quando realizadas,
• 14 crimes de ameaça; constituem os maus-tratos.
• 12 crimes de roubo;
• 10 crimes de dano; Frank Ascione utiliza uma interessante definição para os
• diversos outros crimes, incluindo-se desacato, falsidade maus-tratos, sendo: “um comportamento social inaceitável
ideológica, embriaguez ao volante, estelionato, estupro, que intencionalmente causa dor, sofrimento, estresse ou a
atos libidinosos, periclitação de vida, sedução etc. morte do animal” (ASCIONE, 1997, p. 85).
Pela visualização dos números, é possível inferir que os Por sua vez, Eric Hickey diz que maus-tratos aos animais ocorrem
crimes de lesões corporais foram os mais cometidos, quando: “um animal é privado conscientemente de água,
indicando tendência de compatibilidade com a Teoria abrigo, socialização ou cuidados veterinários ou dolosamente
do Link, que aponta maior índice de agressividade em torturado, mutilado ou morto” (HICKEY, 2010, p. 99).
criminosos que também praticaram crimes de maus-
tratos aos animais. Como se percebe, é difícil eleger em um rol taxativo ou em uma
única definição todas as condutas que podem caracterizar
Ao se dividir todos os crimes cometidos em um grupo maus-tratos aos animais, daí porque, no momento, parece
de crimes violentos (lesões corporais, roubo, ameaça, ser opção do legislador pátrio deixar o conceito em aberto,
homicídio etc.) e em outro grupo de crimes não violentos, permitindo a avaliação de cada caso concreto.
verificou-se que metade dos crimes praticados por quem
tinha histórico criminal de maus-tratos aos animais foi de Porém, é necessário observar que o legislador, ao lançar os
maus-tratos como uma das condutas criminosas, ao lado do
crimes violentos contra as pessoas.
abusar, ferir e mutilar, acabou por inserir o gênero e as espécies
no mesmo tipo. Na prática, como se verá, o fato que não se
Uma das amostras pesquisadas, por exemplo, cometeu, subsumir ao abusar, ferir ou mutilar será tipificado como maus-
além do crime de maus-tratos aos animais, 8 lesões tratos. Talvez o mais adequado fosse apenas tipificar como
corporais, 1 estupro, 1 corrupção de menores, 3 tráficos de crime a conduta maltratar, que é a conduta gênero.
entorpecentes e 1 crime de bando ou quadrilha.
Da leitura do art. 32, caput, percebe-se, então, que é um
É bastante razoável, portanto, concluir, à semelhança tipo penal complexo, com diversas condutas contidas
das conclusões norte-americanas que no Brasil também nesse mesmo tipo. O ato de abuso é uma conduta que,
há maior propensão de as pessoas que cometem crimes de regra, possui maior dificuldade de caracterização, ao
de maus-tratos aos animais cometerem outros crimes, contrário de ferir e mutilar, que são identificáveis ictu oculi
incluindo crimes com violência. e por isso mais simples de serem constatados. Os maus-
tratos, como dito, se constituem no gênero, cujas espécies
O crime de maus-tratos aos animais são as várias descritas no Decreto federal nº. 24.645, de
1934, ou quaisquer outras assim reconhecidas em atos
no Brasil normativos posteriores.
Maus-tratos aos animais estão tipificados no art. 32 da Lei Os ferimentos e mutilações costumam ser visíveis e
federal nº 9.605, de 1998, Lei de Crimes Ambientais, com a permitem aos agentes públicos e cidadãos denunciantes
seguinte redação: a identificação preliminar dos maus-tratos aos animais.
Isso não isenta a necessária e legal expedição de parecer
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar ou laudo de profissional habilitado, ou perícia do órgão
animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou técnico estatal, porém enseja convicção preliminar,
exóticos: Pena de detenção, de 03 meses a 01 ano, e multa. justificada e suficiente ao agente público para adoção
§ 1º. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência imediata e urgente de providências.
cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou
científicos, quando existirem recursos alternativos. Por certo, a preocupação do agente público deve ser, em
§ 2º. A pena é aumentada de 1/6 a 1/3, se ocorre a morte primeiro lugar, a de salvar o animal maltratado. A eventual
do animal. responsabilização do sujeito ativo do crime é ato que
exigirá o processamento constitucionalmente previsto,
Como anteriormente mencionado, o Decreto federal nº com as garantias da Carta Magna e por isso deve iniciar-se
24.6453, de 1934, tratou os maus-tratos como conduta imediatamente após os primeiros socorros prestados ao
animal maltratado.
3 Essa norma encontra-se revogada por meio do Decreto Presidencial é inconstitucional porque o Decreto foi editado por meio de um processo
nº 11, de 18 de janeiro de 1991, conforme se pode verificar no site da legislativo de Decreto-Lei e por isso apenas uma lei ordinária teria poder
Câmara dos Deputados, porém há entendimentos de que essa revogação para revogá-lo, e não um decreto presidencial.
44 • MPMG Jurídico
Veja-se que o § 2º do art. 32 determina o aumento da Esse exemplo é muito difundido nas bibliografias jurídicas,
pena de 1/6 a 1/3 para o caso em que ocorra a morte do porém, como dito, a situação do caso concreto não é tão
animal, proveniente dos maus-tratos, mas é de se avaliar simples. Qual seria a carga adequada ao cavalo?
sempre se essa situação não se agravou também pela
falta de agilidade da administração pública em prestar os É também possível interpretar a zoofilia como um ato de
atendimentos adequados a partir do momento em que abuso, na medida em que impõe ao animal uma situação
tomou ciência dos fatos. sexual que não respeita sua natureza, muito menos suas
condições físicas.
Considere-se como exemplo o caso de uma pessoa que bate
em um animal causando-lhe ferimentos ou mutilações, As discussões se agravam quando são inseridas as chamadas
sendo o fato denunciado por um vizinho. A simples componentes ideológicas.Por exemplo, para algumas
visualização das lesões pelo agente público já o permite organizações de proteção aos animais, os carroceiros
retirar o animal para avaliação de profissional. Não fazê-lo, exercem a exploração dos cavalos, maltratando-os ao
à guisa da justificativa de dúvidas, quando o caso é visível submetê-los às carroças, independentemente do peso que
e o agente treinado e capacitado, pode gerar a esse agente puxem. Também se vem questionando, mais recentemente,
apuração e eventual responsabilização pela omissão. a utilização de cachorros por empresas de segurança privada
para realizarem patrulhamento em determinados lugares.
Em várias situações é exatamente a providência emergencial,
retirar o animal ferido ou mutilado, que o salva, pois são Há casos recentes no Brasil e em outros países de impetração
muitos os casos em que após impingir os ferimentos e de habeas corpus em favor de animais de circo, zoológicos
mutilações, o criminoso deixa o animal agonizando. É, e parques aquáticos, pleiteando sua libertação das jaulas,
portanto, o agente público ou qualquer um do povo que em já que a justificativa de sua manutenção nesses locais é a
muitas situações salva o animal maltratado. exploração para a obtenção de recursos financeiros, situação
que, conforme protecionistas, não se coaduna mais com a
Já o abuso, por vezes, é conduta mais complexa porque perspectiva humanitária de proteção dos animais5.
não é tão perceptível e simples de ser identificadasem
um profissional habilitado. O abuso costuma ser
Essas situações que envolvem a apuração dos abusos, como
interpretado como uma conduta que impõe ao animal
já mencionado, são complexas e literalmente se exaltam
uma situação que não respeite a sua natureza como, por
quando há uma carga ideológica subjetiva não delineada em
exemplo, forçar um cavalo a puxar uma carroça com peso
normativas legais, exigindo atuação do poder público.
além de suas forças4.
Nessa perspectiva, parece indicado submeter cada um
4 Nesse sentido a decisão. Trata-se de agravo interposto contra decisão de
inadmissibilidade de recurso extraordinário, que impugna acórdão da 2ª Turma dos casos aos competentes profissionais habilitados
Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal. Na espécie, o Ministério Público para que avaliem a existência de abuso que justifiquem
ofereceu denúncia em desfavor do agravante pela prática, em tese, do delito previsto as sanções respectivas.
no art. 32, da Lei n. 9.605/98, por ter cometido atos de abuso e maus-tratos a uma
égua branca, a qual era utilizada na atividade de coleta de material reciclável em
Brasília, exagerando no uso do chicote e mantendo o animal sem as ferraduras
adequadas (eDOC 7, p. 1). Sobreveio a condenação, na qual o réu recebeu a
reprimenda de 5 (cinco) meses de detenção, em regime aberto, pena esta substituída
por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade e ao
pagamento de 10 (dez) dias-multa (eDOC 7, p. 5). Interposta apelação criminal, esta
restou desprovida. Não contamina de nulidade o processo que a investigação policial
tenha se iniciado em razão de denúncia anônima se ao longo do inquérito e do
processo foram levantadas provas testemunhais e periciais cabais na demonstração
da existência do crime. 2. A correlação entre a natureza dos ferimentos do animal e o
uso reconhecido que o Réu faz dele estabelece a autoria do crime. A materialidade
está estampada no laudo pericial do animal e do local. 3. Consiste em dolo submeter
o animal a trabalho que se mostra excessivo e redunda em ferimentos comprovados.
A miserabilidade do Réu não implica na inexigibilidade de conduta diversa. 4. Pena
fixada de forma adequada considerando a prova do processo e a condição pessoal do
Réu. 5. Recurso conhecido, mas improvido (eDOC 10, p. 2-3). Opostos dois embargos
de declaração, estes restaram rejeitados (eDOC 13, p. 2-3 e eDOC 16, p. 2). No apelo
extremo, interposto com fundamento no art. 102, III, do permissivo constitucional,
sustenta-se violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da
legalidade (eDOC 18, 1-19). O recorrente aduz que sua condenação é excessiva e
desproporcional, ao afirmar que não se faz necessário a aplicação do Direito Penal
[última ratio] ao caso concreto, pois existem outras ferramentas mais eficazes e
menos drásticas a serviço da promotoria do meio ambiente e do Governo do Distrito
Federal. Argumenta também que no ato da condenação não foi levada em conta a
situação de miserabilidade do agravante. Afirma-se, ainda, que não foi discriminada
precisamente qual das condutas, alegadamente consideradas como maus-tratos,
teria sido perpetrada pelo Recorrente. O Tribunal a quo negou trânsito ao recurso
extraordinário, ao argumento de que se houvesse ofensa à Carta Magna, esta seria
reflexa e que demanda exige revolvimento fático-probatório (eDOC 23, p. 1-4). É
o relatório. Decido. O recurso não merece prosperar. Primeiramente, o recorrente
afirma desproporcionalidade, quando da aplicação da medida penal para inibir Obviamente, a sociedade muda na medida em que a
maus-tratos de animais. Ocorre que esta corte já proferiu entendimento no sentido maioria passa a entender determinadas condutas como
de que a Constituição Federal prevê em seu art. 225, § 1º, inciso VII, a proteção jurídica
do equilíbrio ambiental, envolvendo, nesse âmbito, a tutela da flora e da fauna, inaceitáveis e isso, de fato, ocorre com certa carga de ideologia,
sendo esta, a de animais silvestres e domésticos. Nesse sentido, não há de se falar porém, em respeito aos direitos humanos fundamentais e,
de desproporcionalidade da incidência da lei penal no âmbito da tutela ambiental,
haja vista ter sido esta, uma das importantes inovações da Constituição de 1988. consequentemente, ao princípio da reserva legal, nullum crimen
Colaciono a doutrina de PRADO, a título de elucidação: Desse modo, não se limita nulla poena sine praevia lege, parece mais adequado aguardar
simplesmente a fazer uma declaração formal de tutela do meio ambiente, mas, na que determinadas condutas estejam previamente tipificadas e
esteira da melhor doutrina e legislação internacionais, estabelece a imposição de
medidas coercitivas aos transgressores do mandamento constitucional. Assinala-se reconhecidas como maus-tratos.
a necessidade de proteção jurídico-penal, com a obrigação ou mandato expresso
de criminalização. Com tal previsão, a Carta Brasileira afastou, acertadamente,
qualquer eventual dúvida quanto à indispensabilidade de uma proteção penal do 5 Mesmo que se discuta se esse remédio constitucional é adequado e
ambiente. Reconhecem-se a existência e a relevância do ambiente para o homem
e sua autonomia como bem jurídico, devendo, para tanto o ordenamento jurídico aplicável aos animais, classificados como objetos semoventes pelo Código
lançar mão inclusive da pena, ainda que em ultima ratio, para garanti-lo. DF 0031098- Civil, é de se indicar que iniciativas como essas estão ficando cada vez mais
30.2011.8.07.0007. Publicado no DJE : 28/05/2014 . Pág.: 178. frequentes no mundo todo.
MPMG Jurídico • 45
Quanto aos maus-tratos em si, a redação do caput do art. 32 Em função da pena cominada, esse crime deve observar o
dá a entender que seria uma conduta específica, mas, de fato, procedimento previsto pela Lei federal nº 9.099, de 1995, Lei dos
acabará por se subsumir ao tipo caso não se enquadrar como Crimes de Menor Potencial Ofensivo7.
abusar, ferir ou mutilar.
Finalmente, o crime de maus-tratos previsto no art. 32, caput,
Um caso bastante comum de maus-tratos é a denúncia de é um crime comum e pode ser cometido por qualquer pessoa.
animal sem alimentação em determinada residência6. Uma A conduta “realizar experiência cruel em animal vivo”, prevista
vez caracterizada essa situação, deve-se aplicar o crime no § 1º do art. 32, está mais voltada, como dito, às instituições
do art. 32, na conduta maus-tratos. É inclusive o que está de ensino e pesquisa, normalmente pessoas jurídicas, o que não
previsto no inc. V do art. 3º do Decreto federal nº 24.645, impede que sejam responsabilizadas penalmente, nos termos
de 1934, com a seguinte redação: “abandonar animal do art. 3º da Lei federal nº 9.605.
doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar
de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa
prover, inclusive assistência veterinária”. A composição com o infrator –
momento para intervir e quebrar o
Também comete o crime de maus-tratos aquele que mantém ciclo da violência
animal em local inadequado, sem higiene, espaço e luz solar,
dentre outras situações que impedem que ele tenha qualidade O crime de maus-tratos aos animais, em função de sua
mínima de vida. Por certo, tais constatações demandam pena prevista, deve observar o procedimento da Lei federal
necessariamente avaliação de profissional habilitado. nº 9.099, de 1995, significando que o Ministério Público,
convicto de que não é caso de arquivamento, proporá ao
O § 1º do art. 32 está voltado às instituições de pesquisa e infrator a pena restritiva de direitos ou multas, nos termos
ensino, indicando-lhes a necessidade de modernização de do art. 76 dessa norma legal.
suas técnicas, a fim de minimizar ou impedir a utilização
de animais vivos como cobaias em testes e experiências ou Esse crime, por estar no rol dos crimes de menor potencial
em aulas que exijam conhecimento do funcionamento dos ofensivo e atentar contra animais e não pessoas, tem sido
organismos vivos da natureza. tratado com pouca relevância no contexto dos crimes em
geral, resultando, por vezes, em composições penais com o
Trata-se de um tema muito controverso, especialmente em infrator que se resumem ao pagamento de cestas básicas ou
função da eficácia dos métodos alternativos disponíveis no salários mínimos em nome de casas de caridade.
Por isso, o Ministério Público, intervindo ao propor a JORGENSEN, Star; MALONEY, Lisa; ASCIONE, Frank; ARKOW, Phil
adequada composição com o infrator, pode exercer um (Orgs.). Child Abuse, Domestic Violence and Animal Abuse:
papel fundamental que é o de agir para quebrar o ciclo de linking the circles of compassion for prevention and intervention.
violência, eventualmente já instalado na família. Indiana: Purdue University Press, 1999.
Ao conhecer a Teoria do Link, o Promotor de Justiça NASSARO, Marcelo Robis Francisco. Maus-tratos aos Animais e
poderá ampliar a proteção das pessoas e dos animais por Violência contra as Pessoas: a aplicação da Teoria do Link nas
meio da necessária intervenção ao infrator, ao propor ocorrências da Polícia Militar Paulista. São Paulo: Edição do Autor, 2013.
a adequada composição, nas audiências dos crimes
de menor potencial ofensivo previstas na Lei 9.099, RICKEY, Eric W. Serial Murderes and their Victims. Belmond:
de 1995, de forma a intervir no ciclo de violência que Wadsworth, 2010.
potencialmente está ocorrendo naquela família.
SPCALA. Facts about the Link and the Cycle of Violence. Disponível
Referências em: <htpp://spcala.com/humane_education/tlc/Link.php.> Acesso
em: 10 jan. 2015.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Conduct Disorder. In:
LOCKOOD, Randall; ASCIONE, Frank R. (Orgs.). Cruelty to Animals TAPIA, Fernando. Children who are Cruel to Animals. In: LOCKOOD,
and Interpersonal Violence: reading in research and application. Randall; ASCIONE, Frank R. (Orgs.). Cruelty to Animals and
Indiana: Purdue University Press, 1997. Interpersonal Violence: reading in research and application.
Indiana: Purdue University Press, 1997.
ASCIONE, Frank R.; ARKOW, Phil (Orgs.). Child Abuse, Domestic
Violence and Animal Abuse: linking the circles of compassion for
prevention and intervention. Indiana: Purdue University Press, 1999.
MPMG Jurídico • 47
MAUS-TRATOS A ANIMAIS EM RODEIOS
Edna Cardozo Dias
Introdução Origem
O presente artigo visa a examinar, sob o ponto de vista jurídico, a A prática do rodeio teve início nas fazendas do oeste norte-
utilização de animais em rodeios e vaquejadas. americano, quando os trabalhadores, exibindo-se após a lida,
disputavam quem possuía mais agilidade. Conquistado o
A Constituição da República, ao vedar as práticas que sub-
México pelos Estados Unidos, os colonos transportavam o gado
metem os animais à crueldade, delegou à legislação infra-
constitucional a conceituação do que é crueldade. Está cla- para o Sul, fazendo paradas para descanso. No tempo livre do
ro, porém, que os animais se tornaram titulares de direitos trabalho, os cowboys brincavam de montaria e laço. O que era
fundamentais previstos no inciso VII, § 1º, do art. 225 da CR, apenas uma brincadeira se tornou uma disputa amadora e,
quais sejam, o direito à integridade física e o de não ser sub- posteriormente, profissional (DIAS, 2000).
metido à dor ou ao sofrimento.
No Brasil, tem-se notícia dessa prática desde a década de 1950,
O presente estudo se justifica porquanto a profissão de peão com início em Barretos/SP, cidade cuja principal atividade é a
de rodeios se encontra regulamentada pela Lei Federal nº agropecuária e onde existem muitos frigoríficos. Enquanto os
10.220/2001, que a equipara à do atleta profissional. peões transportavam o gado das fazendas para os frigoríficos,
resolviam competir entre si, praticando a montaria.
Ademais, a Lei Federal nº 10.519/2002 veio regulamentar a atividade
dos rodeios e estabelecer regras de bem-estar e manejo dos animais. O primeiro evento de repercussão nacional foi a Festa do Peão,
realizada em Barretos/SP, em 1956:
Para analisar a eficácia dessa lei, não apenas serão descritos as di-
versas modalidades de rodeio, a vaquejada, os instrumentos e as
[...] a festa era realizada em 2 dias, com apresentações
técnicas utilizados, como também hão de ser analisadas as opiniões da Catira, Danças do Folclore brasileiro, Conjuntos de
de vários doutrinadores, concluindo-se que a Lei nº 10.519/2002 não Violeiros, Queima do Alho e Desfile típico com carros de boi e
é capaz de garantir o bem-estar físico e psicológico dos animais. conjuntos folclóricos e Pau de Sebo. Não havia eleição para
a Rainha, o clube escolhia uma moça da cidade para ser a
Portanto, faz-se necessária uma constate vigilância dos órgãos fis- representante da festa. As primeiras festas eram realizadas
calizadores em prol dos interesses difusos da sociedade e da defesa em circos alugados, do Patativa e do Fubeca (donos de
dos princípios morais e éticos que norteiam a norma constitucional. circos). Nesta década o Rodeio, que veio substituir as
48 • MPMG Jurídico
“Cavalhadas” que simbolizava a luta dos Cristãos contra os Existe ainda a prova do laço do bezerro (ou calf roping), na qual
Mouros, já era a atração principal da festa que empolgavam o bezerro é capturado pelo pescoço. O laçador, montado num
os espectadores que se identificavam com o evento que cavalo, atravessa a porteira perseguindo um bezerro de apenas
mistura esporte com o trabalho diário nas fazendas. três ou quatro meses de idade. O peão laça a cabeça do animal,
puxa-o para trás e para de correr. Depois, desce do cavalo, levanta
[...] o filhote até a altura da cintura e, com a corda que carrega na
boca, amarra três de suas patas. Três juízes cronometram
A internacionalização do rodeio veio com o início das
o tempo da prova, que não pode exceder 2 minutos. Vale a
montarias em touros em 1983. A 30º edição da festa, 1985,
foi realizada no novo espaço e levou milhares de visitantes marcação intermediária. O laçador não pode sair do box antes
de todo o país. Em 1989 foi inaugurado o Estádio de Rodeios, do bezerro, sob pena de acréscimo de 5 segundos na contagem
projetado por Oscar Niemeyer, com capacidade para 35 mil do tempo final (DIAS, 2000, 199-200).
espectadores sentados (INDEPENDENTES, 2014).
Uma variante dessa modalidade é o dois contra um ou roping,
A Festa do Peão Boiadeiro de 1956 tornou-se modelo para todas em que dois cavaleiros perseguem um boi jovem. O laçador é o
as festas realizadas desde então no país. Até hoje Barretos cabeceiro, que deve pegar a cabeça do animal. É o primeiro a sair.
continua sendo um dos principais locais para a realização de O peseiro tem a tarefa de laçar os pés traseiros do animal. Com
rodeios, e é onde está situado o Parque do Peão Boiadeiro, os laçadores de frente um para o outro, o animal é amarrado
projetado por Oscar Niemeyer. e puxado pela cabeça e pelos pés. Terminada a prova, os dois
peões levantam os braços (DIAS, 2000, p. 2000).
Descrição A prova de laço, conforme descrita por Anaiva Oberst, foi
incorporada aos rodeios de Barretos/SP:
O rodeio do Brasil se distingue um pouco do norte-americano.
Aqui foi inventada uma modalidade denominada cutiano. No
O rodeio de Barretos incorporou recentemente novas
cutiano, o peão também precisa ficar em cima do cavalo por atrações na “festa”: o laço de bezerro e o laço em dupla.
8 segundos, mas o que conta ponto são as esporeadas que Na primeira prova, laço de bezerro, um bezerrinho mal
ele desfere no animal. Cada um dos três juízes dá nota de 0 a apartado da mãe, com menos de 60 kg é laçado pelo
100, e a nota intermediária é a que vale para a classificação. Os pescoço, amarrado e arrastado por um peão, enquanto
peões afirmam que as esporas não têm pontas e por isso não no segundo, laço em dupla, dois peões, um de cada lado,
machucam os animais. Quanto ao sedém (corda feita com os laçam as extremidades de uma novilha, puxando o animal
pelos da crina ou da cauda do boi e presa na virilha do animal em sentidos opostos, em alta velocidade. As consequências
para manejá-lo), é o mesmo tipo usado pelos norte-americanos são contusões, fraturas, distensões, paralisias e, às vezes
até a morte (OBERST, 2012, p. 64).
(DIAS, 2000, p. 198).
Há também a prova da velocidade, o bulldogging. Enquanto um
A modalidade mais antiga de rodeio praticada nos Estados
auxiliar cerca o boi para constrangê-lo a seguir a rota prevista, o
Unidos é a saddle bronc, na qual o peão se apoia nos estribos,
peão se aproxima montado e salta em cima do boi, segurando-o
sentado numa sela, segurando um cabo de 1,20m de
pela cabeça. Torce o pescoço do animal até imobilizá-lo
cumprimento (DIAS, 2000, p. 199). completamente. A prova termina quando o boi é derrubado
(DIAS, 2000, p. 200).
Já o bareback é uma prova sem estribos, tendo o peão como
apoio uma única alça. Fica quase deitado sobre uma sela Para o sexo feminino, existe o teste dos três tambores. Os
pequena, com um braço no ar, e mesmo assim não pode parar tambores são dispostos na arena em forma de triângulo.
de esporear o animal (DIAS, 2000, p. 199). No final, o peão é salvo Depois que o juiz dá a largada, a amazona contorna o
pelo madrinheiro (ou madrinhador), espécie de peão que tem primeiro tambor, depois o segundo, o terceiro, e em seguida
função semelhante à de um salva-vidas; sua missão é entrar na corre até a linha de chegada. A vitória é de quem completar
arena para garantir a segurança dos peões, impedindo-lhes a o desafio em menor tempo. Se o tambor for derrubado,
queda e agilizando a volta dos animais aos bretes. são acrescentados 5 segundos à marca final do tempo da
competidora (DIAS, 2000, p. 200).
A prova mais perigosa é a de montaria em touro, ou bullriding,
prova na qual se substituiu o cavalo pelo boi. O peão tem de se Segundo os seus promotores, os rodeios não envolvem cruelda-
manter por 8 segundos montado num animal que corcoveia, de e os animais são bem tratados. Alegam que as esporas não
para receber nota de 0 a 100. Quanto mais o touro corcoveia e o pontiagudas não causam danos, o que, porém, é improcedente.
peão esporeia, tanto maior é a nota. O sedém aperta os órgãos Com ou sem pontas, as esporas têm a finalidade de desferir gol-
sexuais do boi, provocando nele pulos. Uma corda de náilon é pes que machucam o animal. As peiteiras também costumam
amarrada no touro, para que o peão a segure com uma só mão. causar ferimentos. Em alguns rodeios, são colocados sob a sela
As esporas não podem ter pontas. São frequentes as distensões pregos e pedras e outros objetos pontiagudos, ou são dados
musculares não apenas dos peões, como também do animal, e choques elétricos e mecânicos nas partes sensíveis do animal
podem ocorrer até fraturas. No final da prova, o peão escolhe antes de sua entrada na arena. O sedém é aplicado na virilha,
o melhor momento para saltar, enquanto um madrinhador, por ser uma região de pele fina bastante sensível, mas princi-
muitas vezes fantasiado de peão-palhaço, distrai o animal assim palmente porque é a área onde se localizam os órgãos genitais.
que o peão desmonta (DIAS, 2000, p. 199). Para determinadas provas, é feita a descorna1 do animal. Acres-
cente-se a tudo isso o transporte em condições precárias e o es-
As raças de cavalo mais empregadas nos rodeios são a árabe, tresse no confinamento, no brete, antes das provas.
crioulo, manga-larga e quarto-de-milha. Já entre os bois mais
usados estão os da raça nelore, holandês, caracu e red bull 1 “Descorna: o chifre dos bovídeos, para a realização de determinadas
provas, é ‘aparado’ com a utilização de um serrote, sem anestésico, e
(DIAS, 2000). causando sangramentos e dor aos animais;” (MARTINS, 2009, p. 372).
MPMG Jurídico • 49
Estudos médico-veterinários têm argumentado que, além da Legalidade
dor física sofrida pelos animais, o barulho, as luzes e as cordas
usadas lhes causam estresse. Afirmam ainda que a repetição
No início da prática no Brasil, os rodeios aconteciam de forma
dos impactos do peão caindo sentado na coluna do animal
pode pressionar os discos gelatinosos que separam as vérte- amadora e não havia legislação alguma sobre quem exercia a
bras, principalmente na região lombar. Nesse sentido é o pare- prática nem sobre os animais envolvidos nela.
cer técnico de Júlia Matera, presidente da Comissão de Ética da
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade O primeiro passo para a legalização dos rodeios no Brasil foi dado
de São Paulo: em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando
foi aprovada a Lei nº 10.220, que classificou a atividade de peão
A utilização de sedém, peiteiras, choques elétricos ou de rodeios como atleta profissional, regulamentando assim a
mecânicos e esporas gera estímulos que produzem dor física profissão. A lei estabelece o direito ao contrato e à remuneração.
nos animais, em intensidade correspondente à intensidade Além da remuneração, os peões passaram a ter direito a seguro
dos estímulos. Além da dor física, esses estímulos causam
de vida e de acidentes, ressarcimento de despesas médico-
também sofrimento mental aos animais, uma vez que
eles têm capacidade neuropsíquica de avaliar que esses hospitalares em caso de acidentes, bem como às terapias que
estímulos lhes são agressivos, ou seja, perigosos à sua se fizerem necessárias para a recuperação do acidentado. A lei
integridade. (MATERA, 2009, apud MARTINS, 2009, p. 377) veda o trabalho do menor sem autorização do responsável e
estabelece jornada máxima de 8 horas de trabalho para o peão,
É o mesmo entendimento expressado em laudo técnico porém não estabelece limites para o horário de trabalho dos
pela Dra. Ivênia Luiza de Santis Prada, professora titular animais (BRASIL, 2001). Foi o primeiro passo para a legalização
emérita de Anatomia da Faculdade de Medicina Veterinária dos rodeios em todo o país.
e Zootecnia da USP:
MPMG Jurídico • 51
Não obstante, para Anaiva Oberst, a lei veio maquiar a crueldade redor do corpo do animal, logo atrás da axila.
praticada contra os animais. Para a autora, basta assistir a um 4. Polaco: na peiteira são colocados sinos, os quais
rodeio ou ver fotos anexadas aos pareceres técnicos para se produzem um barulho irritante ao animal, ficando ainda
concluir que tais regras não são cumpridas (OBERST, 2012, p. 66). mais intenso a cada pulo.
5. Choques elétricos e mecânicos: aplicados nas partes
sensíveis do animal antes da entrada na arena;
Com a regulamentação da profissão de peão em 2001, foi fundada 6. Terebintina, pimenta e outras substâncias abrasivas são
a Confederação Nacional de Rodeio (CNAR), com a finalidade de introduzidas no corpo do animal antes que sejam colocados
representar o rodeio nacional diante do Ministério do Esporte e do na arena, para que fiquem enfurecidos e saltem.
Governo Federal. A entidade tem como objetivo organizar, dirigir e 7. Descorna: o chifre dos bovinos para determinadas provas
incentivar, em todo território nacional, a prática do rodeio, fiscalizan- é aparado com a utilização de serrote.
do e promovendo os eventos e campeonatos estaduais e nacionais 8. Brete – é o local onde ficam confinados antes da prova
em todas as modalidades, executando um trabalho em conjunto e onde são preparados para montaria (MARTINS, 2009, p.
com as Federações Estaduais de Rodeio (CNAR, 2014b). 312).
Introdução
A história e a evolução da humanidade apoia-se fortemente Contudo, pode-se considerar também o conceito segundo
no desenvolvimento e aprimoramento de técnicas de o qual doméstico é o animal criado e reproduzido pelo
agricultura, criação e domesticação de animais, atividades homem, em estado de cativeiro e mansidão natural, com o
iniciadas no período conhecido como Neolítico ou Idade da fim de obter uma utilidade ou serviço.
Pedra Polida, entre 12.000 e 4.000 anos antes de Cristo. Entre
10.000 e 5.000 anos antes de nossa era, algumas dessas O princípio da domesticação dos animais consiste em
sociedades começavam a semear plantas e manter animais subtrair uma população animal selvagem de seu modo
em cativeiro, com vistas a multiplicá-los e utilizar-se de seus de vida natural a fim de propagá-la, para explorá-la mais
produtos. Nessa mesma época, após algum tempo, essas cômoda e intensamente. A cada geração, essa população
plantas e animais especialmente escolhidos e explorados se encontrará submetida a condições de vida e de
foram domesticados e, paulatinamente, essas sociedades de reprodução distintas das populações que permaneceram
predadores se transformaram por si mesmas em sociedades selvagens. Essas novas condições tendem a eliminar certas
de cultivadores (MAZOYER; ROUDART, 2010, p. 70). características genéticas, comportamentais e morfológicas,
e a selecionar outras, sejam elas as características
Em decorrência do desenvolvimento da agricultura e da preexistentes nas populações selvagens de origem, ou
criação de animais, o ser humano deixou de ser nômade para surgidas por mutação durante o processo de domesticação.
tornar-se sedentário, e esse fato permitiu o desenvolvimento (MAZOYER; ROUDART, 2010, p. 39). Os animais domésticos
das primeiras comunidades, com um aumento significativo vivem sob o domínio do homem geração após geração,
na produção de alimentos. Segundo o IBAMA (1998), a fornecendo ao ser humano não apenas alimento, mas
expressão “animal doméstico” refere-se àqueles animais que também transporte, vestimentas, cultivo da terra,
através de processos tradicionais e sistematizados de manejo entretenimento, proteção, guarda e afetividade.
e melhoramento zootécnico tornaram-se domésticos, com
características biológicas e comportamentais em estreita Atualmente, milhares de anos após o início do processo
dependência do homem, podendo até mesmo apresentar de domesticação dos animais, o antropocentrismo ainda
aparência diferente da espécie silvestre que os originou. norteia a relação entre homens e animais, princípio esse
54 • MPMG Jurídico
que concebe o ser humano como o centro do universo ao A ciência do bem-estar animal
redor do qual gravitam todos os demais seres em posições
subalternas. O homem, sistematicamente, explora a natureza O termo bem-estar foi absorvido pela ciência e separado
e os animais considerando unicamente o seu próprio bem- das considerações éticas, com o objetivo de estabelecer
estar (MILARÉ, 2004, p.10). Contudo, os humanos têm sido protocolos de pesquisa e avaliação quantitativa e
levados a reconhecer a necessidade de mudar sua postura qualitativa. Diversas linhas de pensamento foram surgindo,
e conduta em relação aos animais não humanos a partir sendo a primeira delas a definição de bem-estar pelo
de achados sobre a vida mental e emocional dos animais, funcionamento biológico, através dos altos níveis de
levando em consideração a existência de atos conscientes, crescimento e reprodução, funcionamento normal dos
processos fisiológicos e altas taxas de longevidade e aptidão
a capacidade de comunicação complexa, as manifestações
física. Neste caso, doenças, injúrias e má nutrição são
de empatia e até mesmo a consciência de si próprio. indicativos de redução no bem-estar, e frequentemente são
(FLANAGAN, 1998, p. 177). associados ao stress, termo usado em geral para descrever
uma resposta comportamental e/ou fisiológica a estímulos
O conceito de senciência abrange e fortalece essas idéias. aversivos e perigos. Outros pesquisadores defenderam o
A senciência é a capacidade que um ser tem de sentir bem-estar pelo comportamento do animal, em estudos
conscientemente algo, ou seja, de ter percepções (sensações aplicados geralmente para espécies silvestres em vida livre
e sentimentos) sobre o que lhe acontece e rodeia (SINGER, e em cativeiro. Para eles, um ambiente que permita que o
2002). Os animais possuem sensibilidade similar à humana animal explore e manifeste seus comportamentos naturais
no que se refere à dor, à memória, à angústia e ao instinto é determinante para a manutenção de bons índices de bem-
de sobrevivência, e reconhecer a senciência provoca o estar (MANTECA et al., 2013).
surgimento de reflexões éticas sobre o uso que damos a eles,
acerca dos efeitos que a interferência humana provoca em
seu habitat e do grau de sofrimento que os atinge em virtude
da forma que os tratamos (SOUZA, 2008). A senciência é um
pré-requisito para que se possa ter interesses. Dizer que uma
criatura tem interesses significa supor que ela se importa
com o que lhe acontece; que ela prefere experimentar a
satisfação à frustração – num nível mínimo, ela prefere
não sofrer ou não reduzir seu bem-estar. (HOHENDORFF &
GONÇALVES, 2012, p. 7).
MPMG Jurídico • 55
por um grupo formado por pesquisadores e profissionais como no caso da segurança pública com a cavalaria de poli-
relacionados à agricultura na Inglaterra, o comitê Brambell, ciamento, por exemplo (LEAL; FALEIROS, 2012, p. 62).
e posteriormente aprimorado pelo Farm Animal Welfare
Council – FAWC (Conselho de Bem-estar em Animais de Cavalos em ambiente natural passam cerca de 60% de seu
Produção), em 1965 (LUDTKE et al., 2012, p. 11). São elas: tempo pastando, uma atividade de alimentação e exploração
do ambiente pela locomoção. O sistema de confinamento,
• liberdade psicológica (de não sentir medo, ansiedade muito utilizado no manejo dessa espécie em ambientes
ou estresse). urbanos, restringe seu movimento, assim como o convívio
• liberdade comportamental (de expressar seu comporta- social e o pastejo (McGREEVY, 2004, p.18). Isolamento,
mento normal). ociosidade, limitação de movimentos e ruptura da estrutura
• liberdade fisiológica (de não sentir fome ou sede). social nestes animais são considerados os principais
• liberdade sanitária (de não estar exposto a doenças, in- fatores para a redução de bem-estar e são frequentemente
júrias ou dor). associados ao aumento de agressividade, principalmente
• liberdade ambiental (de viver em ambiente adequado). nos horários de alimentação.
As três linhas de pensamento sobre bem-estar animal são Para os cavalos, a movimentação é a sua autorrealização,
diferentes em seus conceitos, mas se complementam na for- porque é por meio dela que o animal ativa sua organização
mação da base de indicadores que devem ser considerados motora acompanhada das funções de seu sistema
juntos. Dentro disso, foram selecionados alguns critérios bá- neurossensorial e do metabolismo. A movimentação
sicos e gerais de bem-estar, e seu parâmetro para avaliação, estimula o sistema circulatório, a formação dos músculos
relacionados na Tabela 1. tendões e ossos, os movimentos digestivos e outros
(GOLOUBEFF, 1993). O excesso de trabalho e peso,
Tabela 1. Critérios e parâmetros gerais para avaliação multi- geralmente observado no transporte de cargas e pessoas
dimensional de bem-estar animal por carroceiros, induzem sofrimento e comprometem a
integridade física dos cavalos, que na maioria das vezes
não possuem condição biomecânica necessária e cumprem
Critérios Parâmetros jornadas de 8 a 13 horas de trabalho com cargas que podem
chegar a 800 kg (OLIVEIRA et al., 2007, p. 207).
Ausência de fome Fontes de alimento (qualidade
e quantidade) Rodeios e montarias são atividades esportivas que implicam
Ausência de sede Fontes de água (qualidade e risco grave à integridade física e emocional dos animais
quantidade) envolvidos, cavalos e touros de montaria, e bezerros de laço.
Possibilidade de descanso Tipo de abrigo e
O sedém – espécie de corda amarrada fortemente ao redor
disponibilidade – limpeza do corpo do animal, na região inguinal (virilha: região onde
se aloja o aparelho genital e urinário) –, além de esporas
Conforto térmico Temperatura – sol/sombra – utilizadas em provas e treinamentos, causa muita dor e
ventilação sofrimento (PRADA, 2002, p. 3). Ao estimular dor e stress,
Facilidade de movimento Disponibilidade de espaço/ esse equipamento força o animal a saltar repetidamente
segurança e dar coices para trás e para cima, numa tentativa de
Ausência de lesões Pele, osteomuscular/ proteger sua integridade física e reprodutiva. Além desses
articulações fatores, o ambiente de rodeio com luzes, ruídos e grande
movimentação de pessoas provoca stress nestes animais
Ausência de doenças Condição corporal – Sintomas/ que naturalmente habitam locais silenciosos e tranquilos,
dor/manejo como campos e fazendas. Estes estímulos negativos podem
Expressão de comportamento Positivos: sociabilidade; provocar medo e desencadear alterações fisiológicas que
social Negativos: submissão, fugir, resultam em taquicardia e enrijecimento muscular, além
agressão de agressividade.
Expressão adequada de outros Comportamento exploratório
comportamentos e lúdico (brincadeiras) Além das questões já citadas, outras situações podem
causar desconforto e dor emocional em equinos, como
Relação humano-animal Reatividade – interação sede, fome, agressividade sem chances de defesa ou
positiva (agressividade) revide, privação de experiência ecossistêmica, privação
Relação com outros animais Interação social interespécie e de individualidade, processos autoagressivos, estado de
intraespécie incerteza perante as manipulações humanas. O stress
Estado emocional positivo Agressividade/ em cavalos eleva consideravelmente os níveis de cortisol
comportamentos anormais endógeno, resultando como consequência no aumento
do peristaltismo intestinal, o que pode gerar distúrbios
digestivos como cólicas e diarréias, e alterar a microbiota
intestinal. Outros aspectos que indicam sofrimento são a
Bem-estar de equídeos domésticos desidratação, perversão de apetite, perda de peso, dores
na musculatura e nos cascos, desgaste e degenerações
Os animais usados para trabalho contribuíram de forma sig- ósseas e articulares, lesões de pele, desgaste dos epitélios
nificativa na formação cultural e econômica das sociedades e mucosas, obnubilação e indiferença ao ambiente,
humanas desde o início das civilizações. A força dos animais, depressão imunológica, distúrbios hematopoiéticos
potência, velocidade e fácil manuseio foram determinantes e perda da visão (GOLOUBEFF, 1993). Além de
no processo de industrialização. Hoje, mais utilizados no alterações fisiológicas, comportamentos considerados
campo para cultivo da terra, transporte de cargas a curta anormais invariáveis e repetitivos (estereotipias) são
distância e lida com outros animais, os cavalos mantém sua frequentemente observados e indicam redução de bem-
importância na agricultura e também no ambiente urbano, estar (RIBEIRO et al., 2013, p. 1).
56 • MPMG Jurídico
São alguns: Neste sentido, a promoção de bem-estar para esses animais
é fortemente ligada ao conceito de guarda responsável, onde
• Roer madeira: esse ato evidencia a falta de minerais o tutor de um animal de companhia aceita e se compromete
na alimentação, a limitação da forragem fornecida, a assumir uma série de deveres centrados no atendimento
principalmente o tédio. Roer a madeira pode ser um das necessidades físicas, psicológicas e ambientais de seu
estereótipo ou um reflexo da tentativa de satisfazer a
animal, assim como prevenir os riscos que esse animal possa
necessidade nutricional do animal.
• Aerofagia com apoio/sem apoio: nesse movimento causar à comunidade ou ao ambiente, assistindo-o desde o
o equino move os lábios podendo prender objetos e nascimento até a morte (OPAS, 2003; REZENDE et al., 2012).
fixá-los com os incisivos, flexionando e arqueando o
pescoço, puxando para trás, engolindo e grunhindo A guarda responsável implica manter o animal dentro
ao mesmo tempo. Esse hábito é exclusivo de equinos do espaço doméstico e oferecer condições ambientais
domesticados, uma vez que nunca foi observado em adequadas de espaço, higiene, controle populacional,
manadas selvagens. A diferença entre a aerofagia sem vacinação regular (contra a raiva e outras doenças),
apoio e a aerofagia com apoio é que a sem apoio não assistência médico-veterinária, atividades físicas, interação
tem objeto fixado pelos incisivos. com as pessoas e outros animais.
• Síndrome de urso: é o hábito que o equino tem de andar
em círculos pela baia, correr perto de cercas ou balançar
O conceito de guarda responsável é pouco difundido;
a cabeça na porta da baia.
• Agressividade: pode ser resultado do medo ocorrer em frequente é a prática de arbitrariedades contra a dignidade
função da sua defesa. física e emocional de cães e gatos, por meio de diversos tipos
de abusos e maus-tratos. A não observância ou limitação de
qualquer uma das esferas de bem-estar (físico, emocional
Bem-estar de canídeos e felídeos e comportamental) pode ser considerada maus-tratos, e
domésticos pode manifestar-se nas cidades e no campo, em ambientes
domésticos e comerciais.
MPMG Jurídico • 57
susceptíveis a doenças (WSPA, 2006, p.35). A disseminação existente entre a saúde pública e a saúde animal. De acordo
de zoonoses – que são doenças e infecções naturalmente com essa visão, manejo populacional de cães e gatos
transmitidas entre os animais vertebrados e o ser humano beneficia o controle de zoonoses como raiva, leishmaniose,
(OMS, 1967) – é outra consequência significativa da falta de hidatidose, brucelose e outras. E casos conhecidos, a
políticas públicas que atuem na base do problema, e causa vacinação contra a raiva, juntamente com a esterilização dos
preocupação aos órgãos de saúde coletiva. Segundo o Manual cães, reconhecidamente resultou na eliminação local dos
Técnico do Instituto Pasteur (REICHMANN, et al., 2000), as casos ou previsão de levar à eliminação da raiva humana. O
zoonoses são o resultado do alto contingente populacional objetivo é reduzir o fluxo da população canina e o número de
de animais mantidos sem cuidados de prevenção de doenças cães suscetíveis à raiva, por meio de castração e vacinação.
e em más condições de vida. O manejo dessas populações
de animais abandonados é de grande importância para Sendo assim, são reconhecidos três métodos para o manejo
o controle da raiva e outras zoonoses. Para o controle de da população canina: restrição da movimentação, controle
zoonoses e da população de animais soltos nas ruas, o 6º do habitat e controle reprodutivo. A implementação de um
Informe Técnico da Organização Mundial de Saúde, datado de programa de manejo de populações deve ser coordenada
1973, recomendava a captura e extermínio, método que ainda pelo poder público de forma participativa com a sociedade e
é utilizado amplamente no Brasil, pois continua referendado o setor privado. É recomendável a realização permanente por
como principal método de ação pelo Ministério da Saúde. parte do Poder Executivo de programas de esterilização em
massa, de cães e gatos em parceria com universidades, clínicas
Entretanto, a Organização Mundial de Saúde, analisando a apli- veterinárias, organizações não governamentais de proteção
cação do método de sacrifício em vários países, concluiu pela animal e iniciativa privada. Esses programas devem ser feitos
sua ineficácia no tocante ao controle da população canina e para a população de forma massiva, sistemática, abrangente
ao combate da raiva, preconizando em seu 8º Informe Técnico, e gratuita e requerem a disponibilização de veículos próprios
datado de 1992, o controle de natalidade de cães e de gatos e ou parcerias que viabilizem o acesso geográfico e econômico
a educação da comu- à população
nidade. As pesquisas para a realização
realizadas entre 1981 de cirurgias. A
e 1988 revelaram que esterilização aliada
os programas de eli- à educação para a
minação de cães e guarda responsável
gatos são ineficazes e não resulta num
caros. impacto imediato
no controle
Além disso, não exis- populacional, mas
te nenhuma prova apresenta grandes
de que a elimina- resultados na
ção de cães tenha atitude para guarda
gerado um impacto responsável, que
significativo na den- são proporcionais
sidade das popula- aos investimentos,
ções caninas ou na tornando-se os
propagação da rai- pilares da única
va. A renovação das solução conhecida.
populações caninas
é muito rápida e a taxa de sobrevivência delas sobrepõe fa- O conhecimento do tamanho da população e dos indicadores
cilmente à taxa de eliminação. de dinâmica, como os índices de natalidade, mortalidade,
migração e abandono, estabelecem diretrizes e priorizam
Tendo em vista que uma só cadela pode originar, direta ou os grupos que serão trabalhados. O recolhimento deve ser
indiretamente, 67.000 cães num período de seis anos, se- seletivo e planejado, considerando animais que estejam
gundo as publicações de Thornton (1992), e que um macho, em situações de risco, maus-tratos e estado de saúde
antes de ser conduzido ao extermínio, já inseminou várias comprometido. Deve-se considerar também incentivar a
fêmeas, não é difícil deduzir que matar não soluciona o pro- manutenção dos animais chamados comunitários – dos
blema. Esses fatos mostram que segmentar as populações e quais uma ou mais pessoas se responsabilizam ainda que
conduzir os animais abandonados ao extermínio não se tor- fora de seus domicílios – em seus locais de origem, após
na uma estratégia apropriada para o controle das zoonoses, castrados e vacinados e desparasitados.
porque trata de forma restrita um problema que tem uma
origem múltipla e cíclica: o animal de rua não nasceu na rua. A realização de resgate, recuperação e reabilitação de animais
Ele é fruto de guarda irresponsável, reprodução e comércio abandonados deve ser acompanhada de ações de reintrodução
descontrolado e alta capacidade de suporte do ambiente. na sociedade por programas de adoção. O processo de adoção
Nesse sentido, o conceito de “Um Mundo – Uma Saúde”, ou possibilita a educação continuada humanitária e a sensibilização
Saúde Única, fomentado pela Organização das Nações Unidas sobre a guarda responsável, o bem-estar animal e a promoção
para a Alimentação e Agricultura (FAO), pela Organização da saúde, mediante estratégias de comunicação para adultos
Mundial da Saúde Animal (OIE) e pela Organização Mundial e crianças. Nesse sentido, é aconselhável que o animal seja
da Saúde (OMS), fundamentado no movimento mundial identificado a fim de que um sistema de informação possa
de colaboração interdisciplinar, foi pautado no forte elo relacioná-lo ao seu tutor/responsável, por meio da associação
58 • MPMG Jurídico
de um método de identificação visual (coleira e plaqueta) a um LUDTKE, C. B.; CIOCCA, J. R. P.; DANDIN, T.; BARBALHO, P. C.; VILELA, J. A.; VI.
permanente (microchip). Associados aos programas educativos, FERRARINI, C. Abate humanitário de bovinos. Rio de Janeiro: WSPA – So-
ciedade Mundial de Proteção Animal, 2012. 148 p.
é importante desenvolver ações com vistas ao controle e à
fiscalizaçãodacriaçãoedocomérciodeanimais,comoobjetivode MANTECA, X.; SILVA, C. A.; BRIDI, A. M.; DIAS, C. P. Bem-estar animal: concei-
tos e formas práticas de avaliação dos sistemas de produção de suínos. Se-
promover a aquisição responsável (WOLFF; SPREA, 2011, p. 125). mina, Ciências Agrárias, Londrina, v. 34, nº 6, Suppl. 2, p. 4.213-4.229, 2013.
MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas no mundo: do neolítico à
A identificação dos cães comunitários – animais mantidos
crise contemporânea. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: NEAD, 2010, p. 568
pela comunidade – e sua diferenciação dos cães abandona-
dos é importante para fornecer a esta população o controle McGREEVY, P. Equine behavior: a guide for veterinarians and equine scien-
tists. London: W. B. Saunders, 2004. p. 357.
reprodutivo por esterilização permanente e fornecer cuida-
dos veterinários básicos, como vacinação e controle de pa- MILARÉ, E; COIMBRA, J. A. A. Antropocentrismo x ecocentrismo na ciência
jurídica. Revista de Direito Ambiental, ano V, n. 36, p. 9-42, 2004.
rasitas, que atuam como barreira sanitária, além de motivar
o fortalecimento do vínculo já existente com a população. OLIVEIRA L. M.; MARQUES R. L.; NUNES C. H.; CUNHA A. M. O. Carroceiros e
eqüídeos de tração: um problema sócio-ambiental. Caminhos de Geogra-
O desenvolvimento de Programas de Saúde Animal – com
fia, v 8, n. 24, p. 204-216, 2007.
mecanismos que proporcionem o acesso da população aos
serviços veterinários preventivos e curativos como vacina- PRADA, I. L. S.; MASSONE, F.; CAIS, A.; COSTA, P. E. M.; SENEDA, M. M. Bases
metodológicas e neurofuncionais da avaliação de ocorrência de dor/sofri-
ções contra a raiva e doenças espécie-específicas, controle mento em animais. Revista de Educação Continuada em Medicina Veteri-
de endo e ecto parasitas, ações para prevenção e controle de nária e Zootecnia, v. 5, p. 1-13, 2002.
zoonoses, ações para prevenção de comportamento indese- REICHMANN, M. L. A. B.; FIGUEIREDO, A. C. C.; PINTO, H.B.F.; NUNES, V. F.
jável e soluções para problemas comportamentais – atuam P. Controle de populações de animais de estimação. São Paulo: Instituto
preventivamente ao abandono (WOLFF; SPREA, 2011, p. 126). Pasteur (Manuais, 6), 2000.
REZENDE, L. F. G.; LOPEZ, T. V.; MAIA, C. A. A.; WAJNSZTEJN, H.; SCHONS, SAN-
A partir da adoção e implementação destas práticas pela DRO DE VARGAS. Perfil dos proprietários de cães e gatos e a prática da guarda
sociedade, aliadas ao poder público, é possível estabelecer responsável dos acadêmicos CEULJI-ULBRA. In: 33º CONGRESSO DA ASSOCIA-
ÇÃO NACIONAL DE CLÍNICO VETERINÁRIO DE PEQUENOS ANIMAIS/ANCLIVEPA,
um controle ético das zoonoses, com o resgate do respeito
2012, Curitiba/PR. Archives of Veterinary Science, v. 17, 2012, p. 34-3.
na relação entre homens e animais. Um estado responsável,
que procura soluções éticas e preventivas sem delegar RIBEIRO, L. A.; SILVEIRA, L. D. B. S.; ZANUSSO, J. T.; MOREIRA, S. M., CONTO,
L. D.; SILVA JÚNIOR, J. C. Comportamentos estereotipados em equinos
suas responsabilidades à comunidade, é capaz de formar estabulados. In: Anais do III Simpósio de Sustentabilidade e Ciência
cidadãos também responsáveis e conscientes de seus Animal. São Paulo: USP, Pirassununga, 2013.
deveres na convivência e tutela de animais. SINGER, P. Vida ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da
atualidade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 54.
Referências SOUZA, M. F. A. Bioética e bem estar animal: novos paradigmas para a Medi-
cina Veterinária. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária, a.
AMARA, M. A. M. Bem-estar de cães e gatos. Cadernos Técnicos de Veteriná- 14, n. 43, p. 57-61, 2008.
ria e Zootecnia. Cadernos Técnicos da Escola de Veterinária da UFMG, Belo THORNTON, G. W. Pet overpopulation: Why is a solution so illusive? Urban
Horizonte, n. 67, p. 42-50, 2012. Animal Management Discussion Papers, v.18, 1993.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE PRODUTOS PARA ANIMAIS WOLFF, F. M.; SPREA, G. Manejo das populações de cães e gatos em áreas ur-
DE ESTIMAÇÃO – ABINPET. Abinpet divulga média de gasto com pets. banas. CRMVPR – Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná,
Disponível em: <http://abinpet.org.br/imprensa/releases-imprensa/ Curitiba, PR, v. 9, n. 34, p. 16-18, 2011. Disponível em: <http://www.crmv-pr.
abinpet-divulga-media-de-gasto-com-pets-2/>. Acesso em: 13 jan. 2015. org.br/uploads/20110510090356.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2015.
BROOM, D. M. Animal welfare: concepts, study methods and indicators. Revis- WORLD SOCIETY FOR THE PROTECTION OF ANIMALS. WSPA. Member Soci-
ta Colombiana de Ciencias Pecuarias. Medellin, v. 24, n. 3, p. 306-321, 2011. ety Manual. London: WSPA. 2006.
_______. Animal Welfare: the concept and the issues. In: DOLINS, F.L. (ed).
Attitudes to Animals: Views in Animal Welfare. Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, p. 129-142, 1999.
DUNCAN, I. J. H. Science-based assessment of animal welfare: farm animals.
Revue Scientifique et Technique. International Office of Epizootics, Paris,
v. 24, n. 2, p. 483-492, 2005.
FELIPE, S. T. Da igualdade. Peter Singer e a defesa da ética contra o especis-
mo. Philosophica, Lisboa, n. 17/18, p. 21-48, 2001.
FLANAGAN, O. Consciousness. In: BECHTEL, W; GRAHAM, G. (ed). A compan-
ion to cognitive science. London, Blackwell Publishers, p. 176-185, 1998.
GOLOUBEFF, B. Abdome agudo equino. São Paulo: Livraria Varela, 1993. 174 p.
IBAMA. Portaria IBAMA nº 93, de 7 julho de 1998. Normatiza a importação e a
exportação de espécimes vivos, produtos e subprodutos da fauna silvestre
brasileira e da fauna silvestre exótica. DOU, Brasília, 1998.
LEAL, B. B.; FALEIROS, R. S. Bem-estar de animais de trabalho. Cadernos
Técnicos de Veterinária e Zootecnia. Cadernos Técnicos da Escola de Vete-
rinária da UFMG, Belo Horizonte. n. 67, p. 62-69, 2012.
LOW, P. S. (eds J. Paanksep, D. Edelman, D. Reiss, B. Van Swinderen, PS
Low, C. Koch). The Cambridge Declaration on Consciousness. The Francis
Crick Memorial Conference on Consciousness in Human and non-Human
Animals, Cambridge, UK, 2012. Disponível em: <http://fcmconference.org>.
Acesso em: 6 jan. 2015.
MPMG Jurídico • 59
PONTOS CONTROVERTIDOS
DO CRIME DE PESCA
Luciana Maria Cardoso Carrilho
MPMG Jurídico • 61
normas o período no qual a pesca for proibida, os lugares de pesca e o pescado, é importante que o pescador
interditados por órgão competente, petrechos, métodos e mantenha sua licença atualizada (IEF, 2015).
técnicas não permitidas.
Além disso, devem ser observadas as características e
Assim, em eventual oferecimento de denúncia, deverá peculiaridades estabelecidas para cada uma das bacias
ser apresentada a norma complementar, sob pena da hidrográficas de Minas: Rios São Francisco, Pardo, Doce,
inépcia da denúncia (STJ, Processo HC 174165 / RJ, HABEAS Paraíba do Sul, Paranaíba, Grande, Jequitinhonha,
CORPUS, 2010/0095981-1, Ministro GILSON DIPP (1111), Piracicaba, Jaguari, Burnhém, Jucuruçu, Itanhém, Mucuri,
Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento São Mateus, Itapemirim e Itabapoana (IEF, 2015).
01/03/2012, Data da Publicação/Fonte DJe 08/03/2012).
Portanto, deve-se atentar para as portarias do IEF-MG e para
a legislação federal que dispõe sobre períodos em que a
Período em que a pesca é proibida pesca é proibida em bacias hidrográficas de Minas Gerais:
portarias do IEF nº 154/2011, nº 155/2011, nº 156/2011;
Dita o artigo 34 da Lei 9.605/98 ser crime pescar em período no instruções normativas do IBAMA nº 25/2009, nº 26/2009, nº
qual a pesca seja proibida. O período de pesca proibida mais 95/2008 e nº 196/2008; e portaria do IBAMA nº 50/ 2007.
conhecido é a piracema. Esse período é previsto por portaria
do órgão ambiental e está compreendido entre primeiro de Locais em Minas Gerais onde a pesca
novembro e vinte e oito de fevereiro do ano subsequente.
Refere-se ao período em que os peixes buscam os locais mais é proibida
adequados para desova e alimentação. É caracterizada pela
fragilidade dos cardumes, o que permite a captura dos peixes Dita o artigo 34 da Lei 9.605/98 ser crime pescar em lugares
com mais facilidade e em grandes quantidades (IEF, 2015). interditados por órgão competente. No Estado de Minas
Gerais, conforme prevê o Decreto 44.844/08 e demais
Conforme indica o IEF (2015), no Estado de Minas Gerais, portarias estaduais, é proibido pescar:
no período defeso, é permitida apenas a pesca com limite
de quantidade para espécies exóticas (de outros países), • no interior das áreas de conservação e proteção integral
alóctones (de outras bacias brasileiras), híbridos (produzidos e seu entorno, num raio de 10 quilômetros, ou como
em laboratório), além de poucas espécies autóctones definir o plano de manejo da Unidade de Conservação,
(nativas da bacia). exceto se houver autorização especial do órgão
ambiental;
• nas lagoas marginais temporárias ou permanentes e
criadouros naturais, exceto para fins científicos ou de
manejo devidamente autorizados pelo órgão ambiental;
• no rio Pandeiros e nos seus afluentes, em toda a sua
extensão;
• a menos de 200 metros a montante e a jusante de
cachoeiras e corredeiras;
• a menos de 200 metros da confluência do rio principal
com seus afluentes;
• a menos de 200 metros dos barramentos;
• num raio mínimo de 100 metros dos locais com
vegetação aquática densa e sob estas, inclusive com
quaisquer aparelhos ou petrechos, permitindo o uso
apenas de anzol, linha chumbada e caniço;
• no rio da Prata, de sua nascente no município de
Presidente Olegário, até sua foz no rio Paracatu,
município de Paracatu (IEF, 2015).
MPMG Jurídico • 63
Normas extrapenais editadas pelos Bacias hidrográficas de Minas Gerais
órgãos ambientais aplicáveis
No que concerne ao crime de pesca, devem ser observadas,
ao crime de pesca ainda, as características e peculiaridades estabelecidas para
cada uma das bacias hidrográficas de Minas Gerais, a saber:
Importa ressaltar, ainda, que outras normas federais e estaduais rios São Francisco, Pardo, Doce, Paraíba do Sul, Paranaíba,
dispõem sobre a pesca, aplicando-se ao crime, a saber: Grande, Jequitinhonha, Piracicaba, Jaguari, Burnhém,
Jucuruçu, Itanhém, Mucuri, São Mateus, Itapemirirm e
• Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981: dispõe sobre a Itabapoana (IEF, 2015).
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos
de formulação e aplicação, e dá outras providências; O IEF (2015) dispõe de mapa que possibilita a visualização
• Lei Federal nº 11.959, de 29 de junho de 2009: dispõe sobre dessas bacias:
a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da
Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras,
revoga a lei no 7.679/88, e dispositivos do decreto-lei no
221, de 1967, e dá outras providências;
• Lei nº 14.181/MG, de 17 de janeiro de 2002: dispõe sobre
a política de proteção à fauna e à flora aquáticas e de
desenvolvimento da pesca e da aquicultura no Estado e
dá outras providências;
• Lei 10.629/MG, de 16 de janeiro de 1992: estabelece o
conceito de rio de preservação permanente de que trata
o artigo 250 da Constituição do Estado, declara rios de
preservação permanente e dá outras providências;
• Lei 11.901/MG, de 01 de setembro de 1995: declara de
proteção ambiental as áreas de interesse ecológico
situadas na bacia hidrográfica do rio Pandeiros;
• Lei 11.943/MG, de 16 de outubro de 1995: declara áreas
de proteção ambiental as lagoas marginais do rio São
Francisco e de seus afluentes e dá outras providências;
• Lei 12.488/MG, de 09 de abril de 1997: torna obrigatória
a construção de escadas para peixes de piracema em
barragem edificada pelo estado;
• Decreto 38.744/MG, de 09 de abril de 1997: regulamenta
a lei 12.265/96, que dispõe sobre a política de proteção
à fauna aquática e de desenvolvimento da pesca e da
aquicultura no estado;
• Lei 13.199/MG, de 29 de janeiro de 1999: dispõe sobre
a Política Estadual de Recursos Hídricos e dá outras
providências;
• Lei 15.082/MG, de 27 de abril de 2004: dispõe sobre rios
de preservação permanente e dá outras providências;
• Instrução Normativa nº 206 de 2008 do IBAMA: proíbe,
nas águas sob jurisdição brasileira, o exercício da
pesca das lagostas vermelha (Panulirus argus) e verde
(Panulirus laevicauda), anualmente, no período de 1º de
dezembro a 31 de maio, e dá outras providências;
• Instrução Normativa nº 138 de 2006 do IBAMA: proíbe,
nas águas jurisdicionais brasileiras, a captura, o
desembarque, a conservação, o beneficiamento, o
transporte, a industrialização, a comercialização e a
exportação sob qualquer forma, e em qualquer local,
de lagostas das espécies lagosta vermelha (Panulirus
argus) e lagosta cabo verde (Panulirus laevicauda),
de comprimentos inferiores aos estabelecidos nesta Importa esclarecer, nesse contexto, que a bacia hidrográfica
instrução normativa; do Rio Doce compreende o Rio Piranga, Piracicaba, Santo
• Instrução Normativa do Ministério da Pesca e Aquicultura Antônio, Suaçuí Grande, Caratinga e Manhuaçu; a bacia
nº 09, de 13 de junho de 2012: estabelece regras gerais hidrográfica do São Francisco, os rios Alto Rio São Francisco,
para a pesca amadora em todo o território nacional; Pará, Paropeba, entorno da Represa de Três Marias, Rio
• Instrução Normativa nº 5 de 2004 do IBAMA: resolve das Velhas, Jequitaí e Pacui, Paracatu, Urucuia, Pandeiros
reconhecer como espécies ameaçadas de extinção e e Verde Grande; a bacia hidrográfica do Rio Grande, os rios
espécies sobre-explotadas ou ameaçadas de sobre- Alto Rio Grande, Rio das Mortes, entorno do reservatório
explotação, os invertebrados aquáticos e peixes, de Furnas, Rio Verde, Rio Sapucaí, afluentes dos Rios Mogi
constantes dos anexos a esta instrução normativa; – Guaçu e Pardo, médio Rio Grande e Baixo Rio Grande; a
• Portaria nº 146 do IEF de 04 de agosto de 2005: dispõe bacia hidrográfica do Leste, os rios do leste Itabapoana e
sobre a regulamentação da pesca subaquática no Itapemerim, Rios do Leste Itaúnas Peruípe e do Leste São
estado de Minas Gerais; Mateus; a bacia hidrográfica do Rio Paranaíba, o Alto Rio
• Portaria IEF n° 39, de 16 de abril de 2003: dispõe sobre Paranaíba, Rio Araguari e Baixo Rio Paranaíba e a bacia
a regulamentação da pesca nos reservatórios das UHEs hidrográfica do Paraíba do Sul, os Rios Preto e Praibuna, Rios
de Miranda e Nova Ponte e seus afluentes, no estado de Pomba e Muriaé, Rio Mucuri, Rio Pardo, Rio Paraíba do Sul.
Minas Gerais.
64 • MPMG Jurídico
Conclusão _____. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre
as sanções penais e administrativas derivadas de condutas
Assim, sem a pretensão de se exaurir os temas, foram e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras
apresentados alguns pontos controversos do crime de pesca, providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
especialmente no que tange àqueles mencionados no artigo ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em 03 de fev. 2015.
34 e seu parágrafo único e à definição de pesca trazida pelo _____. Lei 11.959, de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre
artigo 36 da Lei 9.605/98, além de se frisar a necessidade de a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da
verificar a vasta legislação extrapenal que complementa tais Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras,
normas penais em branco. revoga a lei no 7.679, de 23 de novembro de 1988, e
dispositivos do decreto-lei no 221, de 28 de fevereiro de
1967, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/Lei/L11959.
htm>. Acesso em: 04 fev. 2015.
_____. Superior Tribunal de Justiça. Processo Ag 991154.
Relator(a), Ministro Jore Mussi, Data da Publicação
07/10/2010, Decisão Agravo de Instrumento nº 991.154 SP
(2007/0300017-8), Relator: Ministro Jorge Mussi, Data da
Publicação: 07/10/2010. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.
com.br/jurisprudencia/16662334/ag-991154>. Acesso em: 03
fev. 2015.
_____. Superior Tribunal de Justiça. Processo HC 174165
/ RJ, HABEAS CORPUS, 2010/0095981-1. Ministro GILSON
DIPP (1111), Órgão Julgador T5 QUINTA TURMA, Data do
Julgamento 01/03/2012, Data da Publicação: 08/03/2012.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/
toc.jsp>. Acesso em: 03 fev. 2015.
_____. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº
911.109 PR (2006/0276843-8). Relator: Ministro Nilson
Naves, Data da Publicação: 14/02/2008. Disponível
em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/servlet/
INPDFViewer?jornal=126&pagina=551&data=14/02/2008&ca
ptchafield=firistAccess>. Acesso em 03 fev.2015.
_____. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Processo
Numeração Única: 0000255-05.2010.4.01.3601, ACR
2010.36.01.000157-0 / MT; Apelação Criminal. Relator
Desembargador Federal Ítalo Fioravanti Sabo Mendes,
Convocado Juíza Federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho
(conv). Orgão Quarta Turma. Publicação 07/11/2014 e-DJF1
P. 446, Data Decisão: 21/10/2014. Disponível em: <http://
jurisprudencia.trf1.jus.br/busca/crime pesca>. Acesso em:
03 fev. 2015.
_____. Tribunal Regional Federal da 2ª Região, V. Apelação
Criminal 2003.51.08.000427-0. Relator: Des. Federal Liliane
Roriz. Rio de Janeiro, 09 de março de 2010. TRF1 Processo
Numeração Única: ACR 0001609-31.2011.4.01.3601 / MT;
APELAÇÃO CRIMINAL, Relator Des. Federal Monica Sifuentes,
Órgão 3ª Turma, Publicação 22/11/2013, Data Decisão
05/11/2013. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf2.
jus.br/v1/search?q=cache:sZNkvieWvo0J:trf2nas.trf.net/
iteor/TXT/RJ0108210/1/50/295000.rtf+V+%E2%80%93+A
Destarte, como visto, longe de ser uma questão pacífica, o pela%C3%A7%C3%A3o+Criminal++2003.51.08.000427-
crime de pesca traz consigo várias discordâncias doutrinárias 0+&client=jurisprudencia&output=xml_no_
e jurisprudenciais, que deverão ser analisadas de modo a dtd&proxystylesheet=jurisprudencia&lr=lang_pt&ie=UTF-8&sit
não perder de vista a proteção do meio ambiente pretendida e=acordao&access=p&oe=UTF-8>. Acesso em: 03 fev. 2015.
pela Lei 9.605/98. _____. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Processo
Classe: ACR Apelação Criminal 26153, Nº Documento: 1
Referências / 2 Processo: 0007410-49.2002.4.03.6102 SP, Doc.: TRF3
00257269. Relator Juiz Convocado Márcio Mesquita, Órgão
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Julgador: Primeira Turma, Data do Julgamento 06/10/2009,
Brasília: Senado, 1988. Data da Publicação 21/10/2009. Disponível em: <http://
web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual/
_____. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Processo?NumeroProcesso=00074104920024036102>.
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos Acesso em: 03 fev. 2015.
de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ _____. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, 5ª Turma.
L6938compilada.htm>. Acesso em: 03 fev. 2015. ACR n. 1999.61.02.002568-0 /SP. Rel. Des. Fed. André
Nekatschalow, j. 7/3/2005. Disponível em: <http://web.trf3.
MPMG Jurídico • 65
jus.br/acordaos/Acordao/PesquisarDocumento>. Acesso _____. Portaria n° 129, de 10 de setembro de 2004.
em: 03 fev. 2015. Estabelece proibição da pesca amadora e profissional no Rio
das Mortes, trecho da nascente até Cachoeira das Lavras, a
_____. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Processo
jusante de Severiano Rezende. Disponível em: <http://www.
ACR PR 2004.70.02.006295-0. Relator(a): Marcelo Malucelli,
ief.mg.gov.br/images/stories/pesca/locais_pesca_proibida.
Julgamento: 16/12/2009, Órgão Julgador: oitava turma,
pdf>. Acesso em: 04 fev. 2015.
Publicação: DJ 20/01/2010. Disponível em: <http://
jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/resultado_pesquisa. _____. Portaria n° 151, de 28 de setembro de 2004. Dispõe
php>. Acesso em: 03 fev. 2015. sobre proibição da pesca no Rio Cipó, desde sua nascente
até sua desembocadura no rio Paraúna. Disponível em:
IBAMA. Instrução Normativa nº 5/2004. Resolve reconhecer
<http://www.ief.mg.gov.br/images/stories/pesca/locais_
como espécies ameaçadas de extinção e espécies sobre-
pesca_proibida.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2015.
explotadas ou ameaçadas de sobre-explotação, os
invertebrados aquáticos e peixes, constantes dos anexos _____. Portaria n° 261, de 30 de dezembro de 2005. Dispõe
a esta instrução normativa. Disponível em: <http://www. sobre proibição da pesca em trecho do rio Araguari, nos
ibama.gov.br/documentos-recursos-pesqueiros/instrucao- reservatórios formados ou em formação, das UHEs Capim
normativa>. Acesso em: 04 fev. 2015. Branco I e II. Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br/
images/stories/pesca/locais_pesca_proibida.pdf>. Acesso
_____. Instrução Normativa nº 138/06. Proibir, nas águas
em: 04 fev. 2015.
jurisdicionais brasileiras, a captura, o desembarque,
a conservação, o beneficiamento, o transporte, a _____. Portaria n° 79, de 20 de junho de 2007. Dispõe sobre a
industrialização, a comercialização e a exportação sob proibição da pesca em trecho do rio Preto, em São Gonçalo
qualquer forma, e em qualquer local de lagostas das do Rio Preto, MG. Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br/
espécies Panulirus argus (lagosta vermelha) e Panulirus images/stories/pesca/locais_pesca_proibida.pdf>. Acesso
laevicauda (lagosta cabo verde), de comprimentos inferiores em: 04 fev. 2015.
aos estabelecidos nesta Instrução Normativa. Disponível
_____. Portaria n° 109, de 21 de agosto de 2007. Dispõe sobre
em: <http://www.ibama.gov.br/documentos-recursos-
proibição da pesca em trecho do rio Doce e rio Piracicaba.
pesqueiros/instrucao-normativa>. Acesso em: 04 fev. 2015.
Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br/images/stories/
_____. Instrução Normativa nº 206/08. Proibir, nas águas pesca/locais_pesca_proibida.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2015.
sob jurisdição brasileira, o exercício da pesca das lagostas
_____. Portaria nº 146 de 04 de agosto de 2005. Dispõe sobre
vermelha (Panulirus argus) e verde (P. laevicauda),
a regulamentação da pesca subaquática no Estado de Minas
anualmente, no período de 1º de dezembro a 31 de maio
Gerais. Disponível em: <http://www.fpsmg.com.br/wp-
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
content/uploads/2011/04/IEFLegislacao.pdf>. Acesso em: 04
ibama.gov.br/documentos-recursos-pesqueiros/instrucao-
fev. 2015.
normativa>. Acesso em: 04 fev. 2015.
IGAM. Instituto Mineiro de Gestão das Águas. Bacias Mineiras.
_____. Portaria nº 18, de 11 de junho de 2008. Estabelece
Disponível em: <http://www.igam.mg.gov.br/index.
normas para pesca na bacia hidrográfica do Rio São
php?option=com_content&task=view&id=89&Itemid=146>.
Francisco, compreendendo Rio das Velhas, Rio Paraopeba e
Acesso em: 04 fev. 2015.
Pandeiros em MG. Disponível em: <http://www.ibama.gov.
br/documentos-recursos-pesqueiros/legislacao>. Acesso MARCÃO, Renato. Crimes Ambientais: anotações e
em: 04 fev. 2015. interpretação jurisprudencial da parte criminal da lei n.
9.605, de 12 de fevereiro de 1998. São Paulo: Saraiva, 2011.
IEF. Instituto Estadual de Florestas. Pesca em Minas.
Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br/pesca>. Acesso MINAS GERAIS. Lei 10.629, de 16 de janeiro de 1992.
em: 04 fev. 2015. Estabelece o conceito de rio de preservação permanente de
que trata o artigo 250 da constituição do estado, declara rios
_____. Locais, em Minas Gerais, onde a pesca é proibida.
de preservação permanente e dá outras providências. Diário
Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br/images/stories/
Oficial do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, 17 jan.
pesca/locais_pesca_proibida.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2015.
1992. Disponível em: <http://www.sfrancisco.bio.br/legislac/
_____. Piracema. Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br/ l10629.html>. Acesso em: 04 fev. 2015.
pesca/piracema>. Acesso em 04 fev. 2015.
_____. Lei 11.901, de 01 de setembro de 1995. Declara de
_____. Portaria n° 39, de 16 de abril de 2003 - Dispõe sobre proteção ambiental as áreas de interesse ecológico situadas
a regulamentação da pesca nos reservatórios das UHEs de na bacia hidrográfica do rio Pandeiros. Diário Oficial do
Miranda e Nova Ponte e seus afluentes, no Estado de Minas Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, 02 set. 1995.
Gerais. Disponível em: < http://www.ief.mg.gov.br/images/ Disponível em: <http://www.sfrancisco.bio.br/legislac/
stories/pesca/locais_pesca_proibida.pdf>. Acesso em: 04 l11901.html>. Acesso em: 04 fev. 2015.
fev. 2015.
_____. Lei 11.943, de 16 de outubro de 1995. Declara áreas de
_____. Portaria n° 111, de 16 de outubro de 2003. Estabelece proteção ambiental as lagoas marginais do rio São Francisco
tamanhos mínimos para captura e transporte de espécies e de seus afluentes e dá outras providências. Diário Oficial
nativas de peixes das bacias hidrográficas de Minas Gerais. do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, 17 out. 1995.
Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download. Disponível em: <http://www.sfrancisco.bio.br/legislac/
pdf?idNorma=16276>. Acesso em: 18 jun. 2015. l11.943.html>. Acesso em: 04 fev. 2015.
_____. Portaria n° 93, de 06 de setembro de 2004. Proibição _____. Lei 12.488, de 09 de abril de 1997. Torna obrigatória
da pesca em trecho do Rio Grande, no trecho compreendido a construção de escadas para peixes de piracema em
entre a ponte rodo-ferroviária do município de Ribeirão barragem edificada pelo estado. Diário Oficial do Estado de
Vermelho e o barramento da UHE Funil, nos municípios de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, 10 abr. 1997. Disponível
Lavras e Ijaci. Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br/ em: <http://www.sfrancisco.bio.br/legislac/l12.488.html>.
images/stories/pesca/locais_pesca_proibida.pdf>. Acesso Acesso em: 04 fev. 2015.
em: 04 fev. 2015.
66 • MPMG Jurídico
_____. Lei 13.199, de 29 de janeiro de 1999. Dispõe sobre amadora em todo território nacional. Diário Oficial da Repú-
a Política Estadual de Recursos Hídricos e dá outras blica Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 jun. 2012. Disponív-
providências. Diário Oficial do Estado de Minas Gerais. Belo el em: <http://www.mpa.gov.br/index.php/acoes-e-pro-
Horizonte, MG, 30 jan. 1999. Disponível em: <http://www. gramas/84-acesso-a-informacao/institucional/legislacao/
siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=5309>. Acesso instrucoes-normativas/293-instrucoes-normativas-2012>.
em: 04 fev. 2015.
Acesso em: 04 fev. 2015.
_____. Lei nº 14.181, de 17 de janeiro de 2002. Dispõe sobre
a política de proteção à fauna e à flora aquáticas e de MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. ed. São
desenvolvimento da pesca e da aquicultura no Estado e dá Paulo: Atlas, 2014.
outras providências. Diário Oficial do Estado de Minas Gerais. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais
Belo Horizonte, MG, 18 jan. 2002. Disponível em: <http:// Comentadas. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=146>.
Acesso em: 04 fev. 2015.
_____. Lei 15.082/MG, de 27 de abril de 2004. Dispõe sobre
rios de preservação permanente e dá outras providências.
Diário Oficial do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG,
28 abr. 2004. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/
sla/download.pdf?idNorma=147>. Acesso em: 04 fev. 2015.
_____. Decreto 38.744/97. Regulamenta a lei 12.265, de 24 de
julho de 1996, que dispõe sobre a política de proteção à fauna
aquática e de desenvolvimento da pesca e da aquicultura
no estado. Diário Oficial do Estado de Minas Gerais. Belo
Horizonte, MG, 10 abr. 1997. Disponível em: <http://www.
siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=1468>. Acesso
em: 04 fev. 2015.
_____. Decreto nº 43.713/04. Regulamenta a Lei nº 14.181, de
17 de janeiro de 2002, que dispõe sobre a política de proteção
à fauna e à flora aquáticas e de desenvolvimento da pesca
e da aqüicultura no Estado e dá outras providências. Diário
Oficial do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, 15
jan. 2004. Disponível em: <http://www.siam.mg.gov.br/sla/
download.pdf?idNorma=145>. Acesso em: 04 fev. 2015.
_____. Decreto 44.844/08. Estabelece normas para
licenciamento ambiental e autorização ambiental de
funcionamento, tipifica e classifica infrações às normas
de proteção ao meio ambiente e aos recursos hídricos e
estabelece procedimentos administrativos de fiscalização
e aplicação das penalidades. Diário Oficial do Estado
de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, 26 de jun. 2008.
Disponível em <http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.
pdf?idNorma=7966>. Acesso em: 03 fev. 2015.
_____. Tribunal de Justiça. Processo Apelação Criminal
1.0261.10.001756-3/0010017563-17.2010.8.13.0261 (1), Re-
lator(a) Des.(a) Catta Preta, Órgão Julgador Câmaras Crim-
inais Isoladas / 2ª Câmara Criminal, Data de Julgamento
22/11/2012, Data da publicação da súmula: 03/12/2012.
Disponível em:<http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/
pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegis-
tro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.
0261.10.0017563%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>.
Acesso em: 03 fev. 2015.
_____. Tribunal de Justiça. Processo Apelação Criminal
1.0625.08.076292-9/0010762929-81.2008.8.13.0625 (1) Re-
lator(a) Des.(a) Nelson Missias de Morais Órgão Julgador /
Câmara Câmaras Criminais Isoladas / 2ª CÂMARA CRIMINAL
Comarca de Origem São João Del Rei Data de Julgamen-
to 21/02/2013, Data da publicação da súmula: 04/03/2013.
Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/
pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegis-
tro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1
.0625.08.076292-9%2F001&pesquisaNumeroCNJ= Pesquis-
ar>. Acesso em: 03 fev. 2015.
Ministério da Pesca e Aquicultura. Instrução Normativa nº 09
de 13 de junho de 2012: estabelece regras gerais para a pesca
MPMG Jurídico • 67
A CRUELDADE NA PRODUÇÃO DE
ALIMENTOS DE ORIGEM ANIMAL
Luciana Imaculada de Paula
Nos dias atuais, estima-se que mais de 60 bilhões de animais A mudança do regime de criação ocorreu ao final da Segunda
sejam mortos anualmente, ao redor do mundo, para Guerra Mundial, quando a Europa sofria com a escassez
consumo humano (JUTZI, 2015). Somente no Brasil, segundo de alimentos e o método de produção em larga escala foi
dados do IBGE, no ano de 2014, foram abatidos 5,496 bilhões levado também ao setor pecuário. Desde então, o sono, a
quantidade de alimento e de água, o espaço, enfim, todos os
de frangos; 37,118 milhões de suínos e 33,907 milhões de aspectos da vida dos animais são controlados para reduzir
bovinos, além de outras espécies de aves, roedores, cavalos os custos e aumentar a produção.
e ovinos (OLIVEIRA, 2015). E a demanda por alimentos
de origem animal, sobretudo carnes, apresenta grande Foi assim que a pecuária tornou-se uma atividade altamente
crescimento, impulsionado, sobretudo, pelo aumento da competitiva e profissional, para a qual os animais são
riqueza de países em desenvolvimento. Como predito pelo
68 • MPMG Jurídico
considerados uma “formidável máquina de produção” O sistema intensivo e a crueldade
(DOMINGUES, 1960) e as preocupações com bem-estar são
secundárias ao propósito lucrativo. É o que alerta Molento: inerente às suas práticas
Partindo-se dessa premissa, os animais devem ser Quando se pensa em criação de animais para consumo,
alimentados, abrigados e mantidos saudáveis até o ponto vêm à mente cenários bucólicos, onde bichos, integrados
em que isto compense financeiramente. Dentro desta à paisagem, manifestam comportamentos naturais à sua
análise econômica, o tratamento especial dos animais espécie, como ciscar ou pastar. No entanto, esta não é a
especificamente para o benefício dos mesmos, ou do que realidade das fazendas produtivas, onde os animais são
se tem como BEA1, é irrelevante. Como podem, então, as submetidos a uma vida inteiramente artificial, apinhados em
preocupações éticas em relação ao BEA ser acomodadas gaiolas ou galpões cimentícios excessivamente povoados,
dentro de um conjunto de processos econômicos dominado desprovidos de janelas que lhes propicie luz e ventilação
por cálculos de custos e preços? (MOLENTO, 2015, p. 13).
natural. A alimentação é servida por equipamentos
Atenta a essa drástica mudança, Ruth Harrisson, por automáticos, em quantidades previamente estabelecidas.
meio da publicação da obra “Animal Machines”, retratou A iluminação é controlada para que os animais durmam ou
as crueldades vivenciadas por animais em fazendas fiquem alerta.
produtivas da Grã-Bretanha. O impacto negativo que
a publicação gerou na população britânica motivou o Acrescente-se a isso que o manejo desses animais não é mais
governo a formar o Comitê Brambell, destinado a avaliar as feito pela gente simples do campo, que, ao longo dos tempos,
condições de criação intensiva de animais. As conclusões desenvolveu conhecimento acerca do comportamento
do Comitê, publicadas em 1965, são admitidas como a animal, mas realizado por funcionários especializados que,
primeira referência contemporânea ao conceito de bem- desprovidos desse saber, não conseguem se sensibilizar com
estar animal, por enfatizar que o termo engloba tantos os as necessidades dos seres manejados.
aspectos físicos (fisiológicos) quanto os aspectos mentais
(comportamentais). Em verdade, não se pode negar que exista preocupação
em minimizar certas injúrias aos animais, quando elas
Atualmente, definição muito aceita acerca de bem-estar representam perdas financeiras, pois é sabido que animais
animal foi cunhada por Donald M. Broom, citado por Ludtke, severamente maltratados produzem menos ovos, não
que estabelece como: “o estado de um indivíduo durante engordam tanto, ou, se feridos, a carcaça é desvalorizada.
suas tentativas de se ajustar ao ambiente”. Nessa concepção, Assim, como observara Ruth Harrison (1968), “a crueldade
bem-estar significa [...] “estado” ou “qualidade de vida”, que só é reconhecida quando deixa de haver lucro”.
pode variar entre muito bom e muito ruim. Um animal pode As condições extremas dessa vida artificial causam intenso
não conseguir, apesar de várias tentativas, ajustar-se ao sofrimento físico e mental aos animais, sendo esses fatos
ambiente e, portanto, ter um bem-estar ruim. (BROOM apud reconhecidos, inclusive, pela Organização das Nações
LUDTKE, 2015, p. 12)2. Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que observou
O Comitê Brambell também desenvolveu a ideia central das que os porcos, as aves e as vacas são os animais que mais
chamadas cinco liberdades que devem ser asseguradas a sofrem maus-tratos em todo o mundo (SPITZCOVSKY, 2015).
todos os animais, pois configuram uma estrutura lógica e
abrangente para análise do bem-estar. São elas: Alta densidade
• Liberdade fisiológica: livre de fome e sede, com fácil Um dos pilares mais estratégicos do sistema intensivo é a
acesso à água fresca e a uma dieta que mantenha sua alta densidade, pois reduzir o espaço destinado aos animais
plena saúde e vigor; significa eliminar custos com o manejo e viabilizar o controle
• Liberdade ambiental: livre de desconforto, sanitário, higiênico, de temperatura, entre outros.
proporcionando um ambiente apropriado, incluindo A criação de aves de corte, tais como frangos e perus,
abrigo e uma área de descanso confortável; em granjas industriais, obedece a essa lógica. À guisa de
• Liberdade sanitária: livre de dor, ferimento ou doença, exemplo, basta mencionar que se recomenda destinar um
com a prevenção ou diagnóstico rápido e tratamento; metro quadrado para a manutenção de 12 frangos em um
• Liberdade comportamental: livre para expressar seu galpão de criação (EMBRAPA, 2003). Portanto, cada ave
comportamento normal, proporcionando espaço desfruta de espaço pouco superior a uma folha de papel
suficiente, instalações adequadas e a companhia de padrão ofício para viver.
animais da própria espécie;
• Liberdade psicológica: livre de medo e distresse, É certo que a manutenção das aves em espaço tão reduzido
assegurando condições e tratamento que evitem o compromete o bem-estar animal. Em primeiro lugar
sofrimento mental. porque dificulta a dissipação do calor corporal e eleva
Passadas mais de cinco décadas da publicação dessas a temperatura do galpão, tornando fatais as oscilações
recomendações, a realidade é que os animais destinados de temperatura, principalmente para aves adultas, que
a produzir alimentos à humanidade ainda não vivenciam possuem menor capacidade de dissipar o calor corporal
níveis mínimos de bem-estar. Antes, são cruelmente tratados em razão do acúmulo de gordura subcutânea, da falta de
como máquinas produtivas, não sendo exagerado afirmar glândulas sudoríparas e da cobertura de penas do corpo.
que vivem em estado de tortura institucionalizada (LEVAI, (EMBRAPA, 2015).
2015). É o que se demonstrará a seguir.
Assim, nas estações mais quentes do ano ou em episódios de
apagões elétricos e falta d’água – cada vez mais recorrentes
em tempos de aquecimento global – são esperadas mortes de
aves pelo estresse calórico. Embora sejam frequentemente
alardeadas e lamentadas as perdas financeiras do setor,
1 Bem-estar animal (BEA). pouca importância se dá ao fato de que a sofrida morte
2 BROOM, D. M. Indicators of poor welfare. British Veterinary Journal, dos animais ocorre justamente em razão de um sistema de
London, v. 142, n. 6, 1986. criação que favorece esse tipo de incidente.
MPMG Jurídico • 69
Outro efeito deletério da alta densidade é manter elevados As celas de gestação para porcas matrizes é outro exemplo
os níveis de amônia e de CO² no galpão que, aliados ao de confinamento extremo. Nesse método, os animais são
pó e aos micro-organismos inerentes à chamada “cama”, mantidos em gaiolas de 2,0m por 0,6m. Como a cela é pouco
mantêm a qualidade do ar em níveis insatisfatórios, maior que o corpo do animal, este fica impedido até de dar
acarretando problemas respiratórios nos animais, tais um giro em torno de si mesmo.
como aerossaculite (inflamação dos sacos aéreos), além de O confinamento por longo tempo acarreta distúrbios
doenças no tecido respiratório (PERIN, 2012). psicológicos em porcas matrizes, que podem desenvolver
estereotipias, como morder barras, movimentar a cabeça
Singer (2008, p. 89) registra que as aves obrigadas
repetidamente e pressionar bebedores sem tomar água,
a ficar de pé e a sentar-se sobre uma cama suja, em
ou se tornarem extremamente inativos e não responsivos.
decomposição e carregada de amoníaco, desenvolvem
Contribui, ainda, para o desenvolvimento de problemas
também úlceras nas patas, feridas nos peitos e
físicos, como a paralisação dos membros, perda de
queimaduras nos jarretes 3. São essas as partes do frango
massa muscular, fraqueza óssea e doenças respiratórias,
vendidas separadamente. No entanto, os machucados
decorrentes da exposição direta à amônia produzida por
nas patas não preocupam a indústria, uma vez que, de
suas fezes armazenadas sob o piso ripado. (PERIN, 2012).
qualquer forma, as patas são cortadas após o abate.
Engorda mecânica
No interior de minúsculas gaiolas, patos e gansos criados para
produzirem o refinado foie gras (fígado gordo, em francês),
não podem sequer abrir suas asas. Além disso, são forçados No Brasil Império, as Ordenações Manuelinas, vigentes
a ingerir grande quantidade de ração e de gordura através de a partir do ano de 1514, já revelavam preocupação
tubos introduzidos pela garganta e que alcançam o estômago. com o sofrimento e o destino dos animais, pois
É o tradicional método gavage de engorda. Depois de vedava a caça a perdizes, lebres e coelhos mediante
superalimentadas, as aves podem ter seu pescoço atado por o uso de redes, fios ou outros instrumentos e meios
um anel elástico, para impedir que regurgitem. São comuns
capazes de provocar dor e sofrimento na morte dos
as mortes pela perfuração ou rompimento dos órgãos.
animais. Por sua vez, as Ordenações Filipinas, que
A superalimentação artificial tem o propósito deliberado vigoraram desde 1603, puniam com multas, açoites ou
de causar uma doença nos animais, a chamada esteatose degredos aqueles que matassem animais por malícia.
hepática, que causa a hipertrofia do fígado, de sorte que,
findo o período de engorda, o órgão poderá pesar até 10 O registro normativo de maior importância foi o
vezes o tamanho regular. Decreto nº. 24.645/1934, considerada a primeira
norma editada em âmbito nacional com a finalidade
A produção de foie gras é uma prática muito contestada, precípua de proteger os animais em razão de seu valor
dada a sua evidente crueldade aos animais. Por isso, países intrínseco. O Decreto 24.645/1934 tipificou 31 condutas
como Austrália, Reino Unido e Irlanda decidiram proibir caracterizadoras de maus-tratos aos animais, quase
sua produção. No Brasil, o decreto nº. 24.645 é expresso em todas voltadas à proteção daqueles utilizados em
afirmar que se consideram maus-tratos engordar as aves serviços e produção de alimentos – opção normativa
mecanicamente (art.3º, XXV). bastante compreensível na realidade fática de sua
publicação, que revelava um país eminentemente agrário,
O Município de São Paulo publicou a Lei nº 16.222/2015, que em que vicejavam os serviços prestados pelos animais.
proíbe a produção e a comercialização da iguaria na capital Foi com a edição do Decreto-lei nº. 3.688/1941 que a
MPMG Jurídico • 71
crueldade contra animais recebeu, em âmbito criminal, Da ineficácia das normas protetivas
a definição de contravenção penal específica (art.
64). Finalmente, a lei nº. 9.605/1998, em seu artigo em favor dos animais de produção
32, estabeleceu ser crime praticar ato de abuso,
Infere-se das normas indicadas que a intolerância do
maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, legislador brasileiro com a crueldade aos animais é de longa
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos data4. Não obstante, um olhar para a realidade e se concluirá
(caput), ou ainda, realizar experiência dolorosa ou que a legislação protetiva favorece apenas algumas espécies,
cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou notadamente os animais silvestres ou aqueles considerados
científicos, quando existirem recursos alternativos (§ 1º). de estima, como cães e gatos. Com efeito, é bastante
incomum a mobilização da sociedade ou do aparato oficial
Por sua vez, a Constituição da República proíbe
em favor dos animais destinados a produzir alimentos para
expressamente comportamentos que submetam os a humanidade. Nesse sentido, com pertinência, observam
animais à crueldade e estabelece, ipso facto, o dever Broom e Molento:
correlato do Poder Público de impedir a ocorrência
dessas condutas (art. 225, § 1º, VII). O público geralmente sensibiliza-se por relatos de dor ou
imagens perturbadoras e bizarras de animais com as quais
as pessoas identificam-se prontamente. O cão ou cavalo
ferido ou desnutrido causa uma resposta maior de uma
pessoa leiga que um rato, ovelha ou galinha com problema
similar. (...) A natureza da utilização humana de um animal
ou de sua interação com ele não tem efeito algum sobre
a extensão da capacidade do animal de sofrer ou ser
afetado, adversamente de qualquer outra forma. Existe
uma tendência ilógica das pessoas apresentarem maior
preocupação com animais de estimação que com animais
mantidos em altas lotações ou largamente isolados do
público. Ao se imaginar um coelho apresentando um certo
grau de ferimento ou doença, deve-se lembrar que seu
bem-estar é pobre na mesma medida, seja ele um animal
de companhia, de laboratório, de produção ou silvestre.
(BROOM; MOLENTO, 1989).
Não é difícil entender a razão dessa acepção, pois, afinal, os
animais silvestres são associados aos papéis ecossistêmicos
E não se pode olvidar do conteúdo da Declaração
que favorecem a manutenção da vida humana sobre a Terra
Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em 1978, e os animais de estimação desfrutam do vínculo afetivo com
em Assembleia da UNESCO realizada na Bélgica, e da seus tutores. Mas os animais de produção ainda são vistos
qual o Brasil é signatário, que pontifica em seu art. 9º como objeto de propriedade, denotando a perspectiva
que, “no caso de criação para alimentação, o animal deve antropocêntrica e retrógrada do setor produtivo, da
ser nutrido, alojado, transportado e morto sem que disso sociedade e também do Estado. Questões outras ainda
resulte para ele ansiedade ou dor”. dificultam a implementação de normas protetivas em favor
de animais de produção.
Merece registro, por fim, uma rara norma específica sobre
a produção animal, no caso a Instrução Normativa nº A coisificação dos animais no pensamento civilista
56/2008, do MAPA, que estabelece Recomendações de
Boas Práticas de Bem-Estar para Animais de Produção O regramento civilista categoriza animais destinados à
produção de alimentos como bens semoventes (art. 82 do
e de Interesse Econômico (REBEM) e fixa os princípios
Código Civil), ou seja, como coisas suscetíveis de apropriação
norteadores da atividade, que são: exclusiva pelo homem, economicamente apreciáveis
(MONTEIRO, 1995). Adiante, o art. 1447 do Código Civil
estabelece que animais de produção e de serviço são bens
I - Proceder ao manejo cuidadoso e responsável nas várias passíveis de penhor mercantil ou industrial.
etapas da vida do animal, desde o nascimento, criação e
transporte; Ao assim dispor, o Código Civil contribui para a manutenção do
II - possuir conhecimentos básicos de comportamento sentimento comum de que animais de produção integram o
animal a fim de proceder ao adequado manejo; conteúdo positivo de propriedade privada, com seus elementos
III - proporcionar dieta satisfatória, apropriada e segura, de uso, gozo e disposição, o que, em tese, daria ao seu tutor o
adequada às diferentes fases da vida do animal; direito de explorá-lo como melhor lhe pareça. No entanto, é
IV - Assegurar que as instalações sejam projetadas preciso reconhecer que os animais possuem características
apropriadamente aos sistemas de produção das diferentes singulares que os colocam em posição mais próxima dos
espécies de forma a garantir a proteção, a possibilidade humanos que dos demais elementos planetários, afinal, são
de descanso e o bem-estar animal; seres sensíveis e inteligentes, conscientes de si e do mundo que
V - manejar e transportar os animais de forma adequada com a humanidade compartilham. Nesse sentido, Darwin já
para reduzir o estresse e evitar contusões e o sofrimento observara que a diferença entre os homens e os demais animais
desnecessário; VI - manter o ambiente de criação em seria de grau, não de natureza (DARWIN, 2002).
condições higiênicas. (MAPA, 2008).
4 Benjamin (1993, p.77), referindo-se precipuamente a normas ambientais,
observou que o problema brasileiro não mais reside propriamente na
existência ou na inexistência de regulamentação, mas sim na “ineficiência
desta regulamentação, na inexistência de uma implementação adequada
ou em ambas”.
72 • MPMG Jurídico
Aliás, a senciência5 animal já foi reconhecida expressamente No que diz respeito às próprias gaiolas, o cidadão comum
pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), por que tenha um cão em condições semelhantes durante toda
meio da Resolução 879/2008, que dispõe em seu artigo 2º que a sua vida arrisca-se a ser processado por crueldade. No
[...] qualquer procedimento que cause dor no ser humano entanto, um suinicultor que tenha desta forma um animal
causará dor em outras espécies de vertebrados, tendo em de inteligência comparável conseguirá, provavelmente,
vista que os animais são seres sencientes, experimentam dor, benefícios fiscais ou, nalguns países, um subsídio
prazer, felicidade, medo, frustração e ansiedade. governamental direto. (Singer, 2008).
No Brasil, essa situação ocorre de modo similar. Enquanto
Para além da capacidade de sentir, a Declaração de Cambridge abundam ocorrências policiais, processos e decisões judiciais
assevera que animais, semelhantemente aos humanos, são acerca de abusos e maus-tratos a cães e gatos, pouco ou nenhum
dotados de substratos neurológicos que geram a consciência registro se observa acerca dessas condutas perpetradas em
e que as diferenças físicas, econômicas e intelectuais não face de animais de produção (embora o número de indivíduos
aumentam nem diminuem a sensibilidade à dor e ao atingidos seja infinitamente superior).
sofrimento. (THE CAMBRIDGE, 2015).
Alguns países, como Suíça, Alemanha e Áustria, atentos a Sem adentrar na questão ética do uso de animais para
essas circunstâncias, já ofertam aos animais uma posição satisfação das necessidades humanas6, busca-se para o
intermediária entre os objetos e as pessoas. A França presente escrito apenas o pensamento da doutrina penalista
alterou recentemente o seu código napoleônico e passou mais tradicional, para a qual se configura o crime ambiental
a os considerar seres vivos dotados de sensibilidade. No de maus-tratos7 quando o uso do animal não é razoável, ou
Brasil, o Projeto de Lei do Senado nº351/2015 propõe o lhe causa sofrimento desnecessário. Como sustenta Luiz
acréscimo do parágrafo único ao art.82, e inciso IV ao art. 83 Regis Prado (2001), há abuso aos animais quando o seu uso é
do Código Civil, para determinar que os animais não sejam maléfico ou excessivo. E Celso Fiorillo (2000) esclarece que a
considerados coisas. crueldade aos animais decorre do emprego de meios excessivos
ou que não sejam absolutamente necessários à atividade.
Portanto, as características apontadas (senciência e
consciência), ínsitas aos animais, reclamam limites à De acordo com esse setor doutrinário, nem toda crueldade aos
perspectiva de uso, gozo e disposição por parte de seus animais interessa ao Direito, mas tão somente aquela que causa
tutores, não sendo admissível que recebam o mesmo um sofrimento desnecessário ou excessivo. Em outros termos,
tratamento ofertado às máquinas e outros insumos utilizados defende que a crueldade ínsita à atividade econômica deve ser
na produção de alimentos. tolerada pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, BECHARA
(2003, p. 82) aduz que “a crueldade a que se refere o art. 225, § 1º,
Conflito entre princípios constitucionais inciso VII do Texto Maior há de ser entendida como a submissão
do animal a um mal além do absolutamente necessário”.
Os princípios gerais da ordem econômica, como a livre
iniciativa e a propriedade privada, são frequentemente Indo além, Greco afirma que a inflição de “dores ou sofrimentos
suscitados para justificar o tratamento indigno conferido aos consideráveis” a um animal não é, por si mesma, problema do
animais de produção. Todavia, não se pode olvidar que entre Estado, exceto se as crueldades alcançarem intensidade tal que
os princípios que balizam a ordem econômica está também retirem a sua capacidade de autodeterminação. E explica:
a defesa do meio ambiente e, por conseguinte, a defesa dos
animais, pois estes integram o conceito de meio ambiente. (...) isso porque a provocação de dores e sofrimentos pode
gerar o mais completo controle sobre o outro, qual seja, um
Com pertinência, José Afonso da Silva pondera que a defesa controle que torne possível determinar não apenas que
do meio ambiente – elevada ao patamar de princípio da ordem ações o outro praticará – nada mais do que gritar – como
econômica – tem o efeito de condicionar a atividade laborativa também o conteúdo de seus desejos e de sua vontade – de
ao respeito à natureza e, por conseguinte, aos animais que que as dores cessem – e por fim também de suas crenças
o legislador protegeu da crueldade. E conclui, dizendo que e pensamentos sobre o mundo – até o ponto em que o
a defesa do meio ambiente é um daqueles princípios “que mundo da vítima dos atos de crueldade passe a conter
possibilitam a compreensão de que o capitalismo concebido nada além da dor. O caso paradigmático de crueldade não
há de humanizar-se” (SILVA, 2001). elimina apenas a capacidade de agir, mas também a de
querer e a de pensar, e por isso o impedimento desse tipo
Em última análise, em eventual suscitação de conflito entre
de conduta é da competência do Estado, cuja legitimidade
os citados princípios gerais da ordem econômica, como
também se deriva do fato de que ele existe para impedir tais
a livre iniciativa e a propriedade privada de um lado e, de
ocorrências. (GRECO, 2010).
outro, a defesa do meio ambiente e o mandamento do art.
225, § 1º da Carta Magna, devem esses últimos prevalecer. Vê-se, portanto, que mesmo a partir do pensamento penalista
Parafraseando o Ministro Francisco Rezek no julgamento tradicional e antropocêntrico, todas as técnicas de manejo
que proibiu a farra do boi em Santa Catarina, não se pode ter relatadas na presente sede violam o sistema normativo
como juridicamente correta a ideia de que em práticas dessa brasileiro vigente, dada a sua evidente crueldade contra os
natureza a Constituição não seja aviltada, pois não há uma animais, uma vez que excedem naquilo que é necessário para a
atividade econômica como abusos episódicos; são práticas produção de alimentos.
abertamente violentas e cruéis para com os animais, e a
Constituição não deseja isso. (BRASIL, 1998).
HUGHES, B.O.; DUNCAN, I.J.H. The notion of ethological “need”, models ROCHA, Júlia Sampaio Rodrigues; LARA, Leonardo José Camargos;
of motivation and animal welfare. Animal Behavior, Amsterdam, v. 36, BAIÃO, Nelson Carneiro. Produção e bem-estar animal: aspectos
p. 1696-1707, 1988. éticos e técnicos da produção intensiva de aves. Ciência Veterinária
nos Trópicos, Recife, v. 11, suplemento 1, p. 49-55, abr. 2008.
JUTZI, Samuel. Livestock’s long shadow environmental issues and Disponível em: <http://www.rcvt.org.br/suplemento11/49-55.pdf>.
options. Roma: FAO, 2006. Disponível em: <ftp://ftp.fao.org/docrep/ Acesso em: 20 nov. 2015.
fao/010/a0701e/a0701e.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2015.
SCHWARTZ, F. F.; ABREU, L. S. Agroecologia, ética e produção animal:
LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade consentida: a violência humana contribuição para a construção da legislação de bem estar animal
contra os animais e o papel do Ministério Público no combate à tortura (BEA) no Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROECOLOGIA, 7.,
institucionalizada. Anda, 13 abr. 2010. Disponível em: <http://www. 2011, Fortaleza. Resumos... Fortaleza: Cadernos de Agroecologia,
anda.jor.br/13/04/2010/crueldade-consentida-a-violencia-humana- dez. 2011. v. 6.
contra-os-animais-e-o-papel-do-ministerio-publico-no-combate-a-
tortura-institucionalizada>. Acesso em: 18 ago. 2015. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.
São Paulo: Malheiros, 2001.
LUDTKE, Charli Beatriz et al. Abate humanitário de bovinos. Rio de
Janeiro: WSPA Brasil, 2012. Disponível em: <http://www.agricultura. SINGER, Peter. Libertação animal. Tradução Marly Winckler. Porto
gov.br/arq_editor/Manual%20Bovinos.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2015. Alegre, São Paulo: Lugano, 2008.
MAZZUCO, Helenice et al. Manejo e produção de poedeiras comerciais. SUSIN, L. C.; ZAMPIERI, G. A vida dos outros: ética e teologia da
Concórdia: Embrapa, 1997. libertação animal. São Paulo: Paulinas, 2015.
_______. Osteoporose em poedeiras comerciais: uma doença TEIXEIRA, R. S. C.; CARDOSO, W. M. Muda forçada na avicultura
metabólica multifatorial. Embrapa. Disponível em: <http:// moderna. Revista Brasileira de Reprodução Animal, Belo
ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/57891/1/ Horizonte, v. 35, n. 4, p. 444-455, out./dez. 2011. Disponível em:
CUsersPiazzonDocumentsCIT-43.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2015. <www.cbra.org.br>. Acesso em: 20 nov. 2015.
MOLENTO, C.F.M. Bem-estar e produção animal: aspectos econômicos TOLSTOY, Leo. The first step: an essay on the morals of diet,
(Animal welfare and production: economic aspects – Review). to which are added two stories. Disponível em: <https://nypl.
Disponível em: <http://www.researchgate.net/profile/Carla_Molento/ bibliocommons.com/item/show/16766107052907_the_first_step>.
publication/228769245_BEM-ESTAR_E_PRODUO_ANIMAL_ASPECTOS_ Acesso em: 18 ago. 2015.
ECONMICOS-REVISO_(Animal_welfare_and_production_economic_
aspectsReview)/links/0deec51a164ca1c17b000000.pdf>. Acesso em: WEBSTER, A.B. Welfare implications of avian osteoporosis. Poultry
18 ago. 2015. Science, v. 83, p. 184-192, 2004.