1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE DIREITO
CIRO COSTA DUARTE
A JUSTIÇA GRATUITA MODULADA NO CPC: ANÁLISE DOS
CRITÉRIOS DE CONCESSÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À
JUSTIÇA
Belo Horizonte
2018
2
CIRO COSTA DUARTE
A JUSTIÇA GRATUITA MODULADA NO CPC: ANÁLISE DOS
CRITÉRIOS DE CONCESSÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À
JUSTIÇA
Trabalho apresentado como requisito
parcial para a obtenção do grau de
bacharel em Direito, pela Universidade
Federal de Minas Gerais, sob orientação
do Professor Gláucio Ferreira Maciel
Gonçalves
Belo Horizonte
2018
3
CIRO COSTA DUARTE
A JUSTIÇA GRATUITA MODULADA NO CPC: ANÁLISE DOS CRITÉRIOS DE
CONCESSÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao Faculdade de Direito
e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito
parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.
Aprovado em: ____ de _______ de _____.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr. Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves – FDCE/UFMG (Orientador)
__________________________________________
Prof. Dr.
__________________________________________
Profa. Dra.
4
RESUMO
A presente dissertação tem como objeto de estudo a justiça gratuita,
principalmente de forma modulada. Aborda-se a evolução do acesso à justiça e a
transformação deste em direito fundamental no Brasil. Os termos comumente
tratados como similares à justiça gratuita são estudados de forma minuciosa. É
realizado exame da modulação da gratuidade, tanto no aspecto legal como no
aspecto jurisprudencial. Propõe-se ainda a positivação de critério objetivo para aferir
a necessidade de concessão do benefício.
Palavras-chave: Justiça gratuita. Justiça gratuita parcial. Parcelamento de
despesas. Acesso à justiça. Critério objetivo.
5
ABSTRACT
The present dissertation has free access to courts as its object, mostly about
its modulated form. The evolution of access to the courts and its transformation as a
fundamental right in Brazil are explained. The commonly expressions confused with
free access to courts are meticulous studied. The benefit modulation is analyzed in
its legal and jurisprudential aspects. There is a model for an objective law parameter
to avail the benefit grant.
Key words: Free access to the courts. Partial free access to the courts.
Installment of expenses. Objective law parameter.
6
SUMÁRIO
I – Introdução ............................................................................................................. 7
II – Capítulo I: Evolução histórica do acesso à justiça .......................................... 9
III – Capítulo II: Distinções entre assistência jurídica, assistência judiciária e
justiça gratuita ......................................................................................................... 13
IV – Capítulo III: Lei nº 1.060/50 e CPC/15: inovações e problemas .................... 15
V – Capítulo IV: estudo legal e jurisprudencial acerca dos parâmetros da
justiça gratuita parcial e do parcelamento das despesas ................................... 19
VI – Capítulo V: considerações finais .................................................................... 29
VII – Referências bibliográficas ............................................................................. 36
7
I – Introdução
A assistência jurídica integral e gratuita trata-se de direito fundamental
prescrito na Constituição da República de 19881, englobando também a assistência
judiciária e a justiça gratuita. Sua inserção como direito fundamental é retrato da
evolução do entendimento de acesso à Justiça.
Cita-se como grande referência bibliográfica do estudo do acesso à Justiça a
obra de Mauro Capelletti e Bryant Garth2, que estudou propostas acerca do tema e
as dividiu em ondas, que indicam a progressão do acesso à justiça nos países
ocidentais e que serão abordadas no Capítulo 1 deste trabalho.
Ao passo que outras garantias relativas ao processo foram conquistadas,
como o contraditório e a ampla defesa, o acesso à justiça foi relegado a uma
garantia simplesmente formal. O que não é dito, no entanto, é que o fato de o
acesso à justiça não ser cumprido esvazia as demais garantias do processo e o
torna menos democrático.
A justiça gratuita, como espécie do gênero assistência jurídica integral e
gratuita, protagoniza papel importantíssimo no âmbito do acesso à justiça, visto
destinada àqueles com insuficiência de recursos para pagar despesas processuais e
honorários advocatícios, conforme art. 98 do Código de Processo Civil3.
Disposta, inicialmente, na Lei nº 1.060 de 1950 a então chamada,
incorretamente, assistência judiciária, passou por alterações durante os anos até
que o CPC/15 tratou da matéria em seu conteúdo e trouxe inovações como a justiça
gratuita parcial, tema central desta monografia.
1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência
de recursos;
2 CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. 169 p.
3 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 28 ago.
2018.
8
Como já mencionado, o Capítulo 1 versará sobre a evolução histórica do
acesso à justiça, caminhando até os dias atuais, almejando explicar a evolução das
garantias processuais que democratizam o processo.
O Capítulo 2 será destinado à conceituação e diferenciação de termos tão
confundidos na legislação, na jurisprudência e até na doutrina, quais sejam:
assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita.
No Capítulo 3, será analisada a legislação acerca da justiça gratuita disposta
pelo CPC de 2015, abordando as inovações trazidas bem como problemas
encontrados na Lei.
Ainda em relação as inovações e problemas, será feita, no Capítulo 4, análise
de julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
que versam sobre a concessão (ou não) da justiça gratuita parcial.
Por derradeiro, o Capítulo 5 será destinado às conclusões acerca da nova
legislação, bem como acerca da produção de critérios objetivos para sustentarem as
decisões relativas à justiça gratuita parcial.
Importante salientar que esta monografia não tem a pretensão de esgotar o
tema nem de minimizar a importância da atuação de Magistrados ao propor novos
critérios para a aferição da necessidade ou não de concessão da justiça gratuita,
seja ela parcial ou integral.
9
II – Capítulo I: Evolução histórica do acesso à justiça
Sendo base para o estudo do acesso à justiça, a obra elaborada por Mauro
Capelletti e Bryant Garth será protagonista nesta seção da monografia por mostrar a
evolução contemporânea do acesso à justiça nos países ocidentais.
Inicialmente cumpre conceituar o termo “acesso à justiça”. Definitivamente
não é simples de ser definido, visto que a própria justiça comporta definições
variadas, já que em diferentes estágios de entendimento pelo mundo e em constante
modificação.
Para os autores supracitados, o acesso à justiça define duas finalidades
básicas do sistema jurídico, quais sejam: ser igualmente acessível a todos, bem
como produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.4
Em sua dissertação de mestrado5, Homero Francisco Tavares Junior
concorda com Capelletti e Garth, explicando que a expressão “acesso à justiça”
possui duplo significado, um relativo à participação no procedimento judicial (sentido
estrito) e outro, de sentido amplo, que envolve a efetiva oportunidade do cidadão de
participar nos processos político, econômico e social, produzindo direito realizado de
forma concreta.
Em ambas as obras existe uma dualidade na definição de acesso à justiça,
uma delas com foco no acesso em si, como possibilidade de os cidadãos poderem
ingressar no Poder Judiciário, mantendo a igualdade, e outra que envolve aspectos
sociais que garantiriam maior efetividade na Justiça.
Tratam-se de enfoques atuais do conceito de acesso à justiça, que
certamente foi modificado durante anos anteriores, o que será abordado neste
Capítulo.
Não é possível dizer exatamente a primeira vez em que se discutiu o acesso
à justiça, no entanto pode-se afirmar que o aumento da complexidade das
sociedades e a desigualdade presente nelas foram motivos para se propor uma
Justiça mais democrática.
Há autores que citam indícios de aplicação do acesso à justiça no Egito e na
Grécia antigos, bem como no período medieval, à luz do Cristianismo, até a
4CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. 169 p., p. 8
5 TAVARES JUNIOR, Homero Francisco. Assistência Jurídica Integral e Gratuita: Enfoque
necessário à efetividade do processo. 2009. 178 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.
10
assinatura da Magna Carta na Inglaterra, garantidora de igualdade, seja ela formal
ou não.6
Contudo é no final da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea que o
conceito teórico de acesso à justiça sofreu grande modificação, segundo Capelletti e
Garth.7
Os autores afirmam que nos Estados liberais burgueses dos séculos XVIII e
XIX o direito ao acesso à proteção judicial era visto de forma individualista e
consistia no direito formal do indivíduo de propor ou contestar uma ação. Nesse
momento da história pregava-se a passividade do Estado, não havendo, por parte
deste, proteção daqueles que não conheciam seus direitos ou não sabiam defendê-
los adequadamente.
No sistema do laissez-faire apenas aqueles com capacidade de enfrentar os
custos da Justiça podiam ter acesso a ela. Destarte, o acesso era claramente formal,
não efetivo.
Com aumento de tamanho e complexidade dessas sociedades, as relações
passaram a possuir maior caráter coletivo, exprimidas pelas Declarações de Direito
típicas dos séculos XVIII e XIX, que tentavam garantir de forma efetiva os direitos
antes proclamados, mas que, no entanto, eram apenas formais. Assim, a atuação do
Estado se torna ativa.
Os autores ainda citam os Estados de Bem Estar Social, que buscam dar
efetividade às garantias já existentes, bem como dar ao acesso à justiça caráter de
direito individual e social.
Na mesma obra, Capelletti e Garth dissertam sobre as práticas adotadas
pelos países ocidentais a partir de 1965 para garantir o acesso efetivo à justiça8,
dividindo-as em três ondas.
A primeira delas consiste na assistência judiciária para pobres, ou seja,
proporcionar serviços jurídicos a eles.
6 SEIXAS, Bernardo Silva de; SOUZA, Roberta Kelly Silva. Evolução histórica do acesso à justiça nas
constituições brasileiras. Direito e Democracia, Canoas, v. 14, n. 1, p.68-85, jan. 2013. Disponível
em: <http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/direito/article/viewFile/2660/1883>. Acesso em: 31 ago.
2018.
7 CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. 169 p., p. 9-
13
8 CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. 169 p., p . 31-
73
11
Já a segunda onda focou nos interesses difusos da sociedade, fugindo da
ideia de que o processo civil servia para resolver somente o problema das partes
diretamente envolvidas nele.
Por derradeiro, a terceira onda prega um novo enfoque de acesso à justiça,
qual seja um acesso mais amplo, que não ignora as ondas antigas, mas as
considera apenas uma parte da melhoria. O acesso, para ser efetivo dentro desta
onda, deve não só ser democrático, como também resolvido de forma célere e sem
prejuízo as partes, sendo inclusive adotados métodos alternativos de resolução de
conflitos.
No Brasil, o acesso à justiça remonta às Ordenações Filipinas, que
dispunham acerca da assistência judiciária, já no ano de 1603. Em âmbito
constitucional a assistência judiciária foi prevista, inicialmente, na Constituição de
1934, inspirada na Constituição do México de 1917 e na Constituição de Weimar
(1919). Em razão de seu teor autoritário, a Constituição de 1937 nada dispôs acerca
da assistência judiciária. Em 1939, o Código de Processo Civil garantiu o direito à
gratuidade daqueles sem condições de arcarem com as custas do processo. A
Constituição de 1946 dispunha acerca do direito de acesso ao Judiciário,
condicionando a concessão da assistência judiciária a termos de uma lei a ser
elaborada, qual seja a Lei 1.060 de 1950, grande uniformizadora do direito à
gratuidade de justiça,9 antes de ser expressa e parcialmente revogada pelo CPC/15.
Em relação às ondas no Brasil, foram adotadas quase simultaneamente na
década de 1980, não havendo ordem cronológica entre elas como houve entre os
principais países citados no Projeto Florença.10 O movimento de acesso à justiça
desta década teve seu auge com a promulgação da Constituição de 1988 e a
inserção da assistência jurídica integral e gratuita como direito fundamental.
A Constituição Cidadã propôs a ampliação e a democratização do acesso à
justiça não somente por oferecer assistência jurídica integral e gratuita aos
necessitados, mas também por garantir igualdade aos brasileiros com a ampla
defesa e o contraditório, bem como a criação dos juizados especiais para julgamento
9 TAVARES JUNIOR, Homero Francisco. Assistência Jurídica Integral e Gratuita: Enfoque
necessário à efetividade do processo. 2009. 178 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009, p. 40-44.
10 BASSETTO, Maria do Carmo Lopes Toffanetto Rossitto. Democratização do acesso à Justiça:
Análise dos juizados especiais federais itinerantes na Amazônia Legal brasileira. Revista CEJ: Série
Monografias, Brasília, v. 22, n. 74, p.19-107, out. 2016. Disponível em:
<http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/mono/article/viewFile/2154/2056>. Acesso em: 02 set. 2018.
12
de causas consideradas simples ou que possuam menor valor, abarcando,
obviamente, um maior número de casos.
Portanto, apesar dos avanços em relação ao acesso à justiça no Brasil terem
sido iniciados tardiamente, algumas medidas muito importantes vêm sendo adotadas
neste sentido, possibilitando àqueles com menor poder financeiro que suas lides
sejam discutidas em juízo.
13
III – Capítulo II: Distinções entre assistência jurídica, assistência judiciária e
justiça gratuita
Os termos assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita são
comumente tratados como sinônimos pelos agentes do Direito, no entanto possuem
conceitos diferentes.
O erro na utilização dos termos também é visto na legislação, que os
confunde e acaba propagando o erro. É o caso da Lei 1.060/50, que, em vários de
seus dispositivos, chama a justiça gratuita de assistência judiciária.
Diante do mau uso das expressões, cumpre-se elaborar uma distinção entre
elas.
Para Fredie Didier Jr. e Rafael Alexandria de Oliveira, a justiça gratuita é a
dispensa do adiantamento de despesas processuais11. Complementa Augusto
Tavares Rosa Marcacini ao afirmar que a justiça gratuita se estende às custas e
despesas, judiciais ou não, relativas a atos necessários ao pleno exercício dos
direitos e faculdades processuais.12.
Na visão deste, a assistência judiciária envolve o patrocínio gratuito da causa
por advogado. A defesa do assistido deve ser feita, a priori, pelo Estado, o que não
impede que seja realizada por entidades não estatais. O autor, no entanto, considera
como prestador de assistência judiciária, além dos já citados, apenas os advogados
que, por determinação judicial ou convênio com o Estado, desempenham o serviço
com frequência, excluindo os advogados ou escritórios de advocacia que atendem
alguém gratuitamente. Ainda segundo Marcacini, para ser considerado como
assistência judiciária, o serviço deve ser acessível por pessoas indeterminadas.
Tanto Marcacini como Didier Jr. e Oliveira ressaltam que a assistência judiciária não
é condicionada ao deferimento do juízo, não se confundindo com a concessão da
justiça gratuita.
Por derradeiro, os autores concordam em dizer que a assistência jurídica se
trata de conceito mais amplo, que abarca os dois anteriores, mas também vai além
11 DIDIER JUNIOR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da Justiça Gratuita: de
acordo com o novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016.
12 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência Jurídica, Assistência Judiciária e Justiça
Gratuita: e outros estudos sobre o Acesso à Justiça. São Paulo: Imprenta, 2009.
14
deles, por relacionar-se com serviços jurídicos fora do processo, como em
campanhas de conscientização ou em consultorias, individuais ou coletivas.
Tratam-se, portanto, de garantias diferentes e, apesar de serem concedidas
àqueles sem condição de custeá-los, são independentes. Destarte, ao cidadão não é
obrigatório o requerimento ou utilização de todas para fazer jus a uma delas, bem
como não é cabível o indeferimento de uma delas simplesmente por não estar
abarcado por todas.
Em conclusão, a assistência jurídica é a prestação gratuita de serviços
técnicos do Direito dentro ou fora do processo, abarcando tanto a assistência
judiciária como a justiça gratuita. A assistência judiciária, por sua vez, se dá apenas
no âmbito judicial, por meio da atuação de um profissional do Direito nos interesses
daquele sem condições financeiras. Já a justiça gratuita versa somente acerca da
isenção provisória das taxas e despesas latu sensu inerentes ao processo.
15
IV – Capítulo III: Lei nº 1.060/50 e CPC/15: inovações e problemas
De forma a regulamentar a assistência judiciária prevista na Constituição de
1946 foi elaborada a Lei nº 1.060, publicada em 5 de fevereiro de 1950. Reuniu, até
a edição do Código de Processo Civil de 2015, as regras mais importantes relativas
à justiça gratuita, no entanto, o art. 1072, III do CPC/15 revogou expressamente os
artigos da Lei que versavam especificamente sobre a justiça gratuita, restando
apenas aqueles aplicáveis de forma geral, tanto à justiça gratuita como à assistência
judiciária. Dessa forma, os artigos 98 a 102 do CPC, assim como os artigos não
revogados da Lei 1060/50 contém as normas aplicáveis à justiça gratuita
atualmente.
O objetivo deste Capítulo é comentar as disposições de ambas as legislações
que versam, de alguma forma, sobre o acesso à justiça, analisar os avanços
conquistados durante os anos e positivados no CPC, bem como tecer críticas aos
novos dispositivos e mostrar o impacto na prática forense em razão das decisões do
legislador.
Inicialmente, discute-se o uso, pelo legislador, dos termos discutidos no
Capítulo anterior, como sinônimos em ambas as legislações. No artigo 3º da Lei
1060/50 são listadas as isenções contidas no espectro da assistência judiciária.
Depreende-se da leitura deste artigo que, na verdade, a Lei trata a assistência
judiciária e a justiça gratuita como sinônimos de forma incorreta. O CPC de 2015
trata da justiça gratuita em Seção denominada “Da Gratuidade de Justiça” de forma
apartada, não renovando a confusão entre os termos. Assim, a mudança feita pelo
legislador, apesar de não ser marcante, pode evitar a perpetuação da confusão
entre os termos no meio forense, já que a legislação é fonte de informação para os
agentes do Direito.
É certo que a Lei 1060/50 foi alvo de muita discussão jurisprudencial durante
os anos da vigência de todos seus dispositivos. Foram, portanto, criados
entendimentos jurisprudenciais que, com a edição do CPC/15, passaram a fazer
parte da legislação. André Karam Trindade13 cita como exemplo a inclusão de
13TRINDADE, André Karam. Art 98. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo
Carneiro (orgs). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016
16
pessoas jurídicas como possíveis beneficiárias da justiça gratuita. Apesar de se
tratar de entendimento jurisprudencial previsto em Súmula do Superior Tribunal de
Justiça, a disposição em lei revela impacto no dia a dia forense, garantindo
fundamento positivado àquelas sociedades empresárias necessitadas. Cabe ainda
às pessoas jurídicas, conforme entendimento jurisprudencial e disposição do art. 99,
§3º do CPC, comprovarem a hipossuficiência, não havendo presunção de
veracidade da simples alegação como ocorre para as pessoas físicas.
Importante adição do CPC é a limitação da justiça gratuita para não acobertar
as eventuais multas processuais impostas ao beneficiário (art. 98, §4º). Tais multas,
no entanto, somente podem ser cobradas ao final do feito. Assim, simultaneamente,
impede-se que o beneficiário se utilize de sua condição para praticar atos
atentatórios à Justiça sem o pagamento de multa, bem como não o onera antes do
final do feito, o que poderia ferir o direito ao acesso à justiça.
A inovação com maior impacto na prática forense, por se relacionar com o
acesso à justiça, e principal foco desta monografia (Capítulo IV destinado ao seu
estudo), trata-se da modulação da justiça gratuita prevista nos parágrafos 5º e 6º do
artigo 98 do CPC. Trata-se da possibilidade expressa da gratuidade “ser concedida
em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução
percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do
procedimento”14 ou de se “conceder direito ao parcelamento de despesas
processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento”15.
A concessão parcial da justiça gratuita era aplicada de forma muito insipiente
na Lei 1.060/50 com a aplicação análoga de seu artigo 1316, no entanto não se
tratava de possibilidade expressa, o que revela a importância do instituto no CPC.
14 Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para
pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da
justiça, na forma da lei.
§ 5o A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou
consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso
do procedimento.
15 § 6o Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais
que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
16
Art. 13. Se o assistido puder atender, em parte, as despesas do processo, o Juiz mandará pagar as
custas que serão rateadas entre os que tiverem direito ao seu recebimento.
17
A modulação é importante para garantir o acesso à justiça ao passo que,
teoricamente, aqueles que teriam o benefício negado na vigência da Lei 1060/50
por possuírem situação econômica um pouco acima do limite na visão do
Magistrado, poderiam gozar do benefício em parte, obtendo o benefício em algum
dos atos processuais, redução percentual ou, em até em caso de ser negada, o
parcelamento, que não se trata de isenção, mas pode ser essencial para que o
interessado possa acessar o Judiciário. Ademais, a modulação pode garantir que o
Estado não seja onerado demasiadamente, sendo garantido o benefício somente no
montante necessário a garantir o acesso à justiça do indivíduo. Como consequência
natural da melhor distribuição da justiça gratuita, mais pessoas poderiam ser
beneficiadas.
Apesar de todos os aparentes benefícios citados, a grande questão em torno
da justiça gratuita parcial é o parâmetro utilizado para avaliar a necessidade do
indivíduo requerente. O critério para a concessão da justiça gratuita, tanto integral
como parcial é vago, posto que a “insuficiência de recursos” não é definida de forma
objetiva, variando de acordo com o entendimento do Magistrado e não havendo
entendimento jurisprudencial consolidado. Esperava-se que o CPC criasse alguma
baliza para a concessão da justiça gratuita de modo a uniformizar as decisões, no
entanto, diante da ausência cabe aos Tribunais encontrar um critério para tal.
Adiante com as inovações trazidas pelo CPC em relação à Lei 1060/50, cita-
se que o pedido de justiça gratuita somente pode ser indeferido “se houver nos
autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão
da gratuidade”17 e desde que, antes do indeferimento, o requerente seja intimado
para comprovar o preenchimento dos requisitos. Portanto, mesmo que a alegação
de insuficiência seja relativa, o CPC garante o contraditório ao requerente que
necessite da gratuidade para acessar o Poder Judiciário.
Apesar de não existirem critérios objetivos para a concessão da justiça
gratuita, alguns agentes do Direito tentaram emplacar a ideia de que o patrocínio da
causa por advogado particular a impedia. No entanto o Superior Tribunal de Justiça
17Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação,
na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§ 2o O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta
dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido,
determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
18
decidiu, por diversas vezes, que a simples alegação de representação processual da
parte por advogado particular não basta para afastar a veracidade da alegação de
insuficiência feita pelo requerente18. O CPC, por sua vez, positivou o entendimento
do STJ, mantendo a diferenciação entre os requisitos da justiça gratuita e os da
assistência judiciária.
Em caso de concessão da justiça gratuita e uma posterior revogação, o ex-
beneficiário não sairá isento, visto ter que arcar com as despesas processuais que
deixou de adiantar, bem como terá de pagar multa à Fazenda Pública em caso de
má-fé. A Lei 1060/50 já previa a multa, porém não era expresso que somente se
daria em caso de má-fé, construção criada jurisprudencialmente e positivada no
CPC. Como afirma Tavares Junior, a aplicação da multa era insipiente com a Lei
1060/50, tornando-se um incentivo para que indivíduos sem compromisso com a
veracidade da alegação façam o requerimento da prerrogativa 19. A aplicação não se
difere hodiernamente, tendo em vista a difícil comprovação da má-fé do requerente.
O art. 102 do CPC prevê que com o trânsito em julgado da revogação da
justiça gratuita e não recolhimento das despesas que a parte foi dispensada, o
processo deverá ser extinto caso o requerente seja o autor, e, “nos demais casos,
não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela
parte enquanto não efetuado o depósito”20. Destarte, o Estado evita o não
recebimento das parcelas devidas ao atravancar o andamento do processo. Decisão
correta que, diante dos pedidos despropositados recebidos não onera
incorretamente o erário nem impossibilita o acesso à justiça daqueles que realmente
precisam.
18 TAVARES JUNIOR, Homero Francisco. Assistência Jurídica Integral e Gratuita: Enfoque
necessário à efetividade do processo. 2009. 178 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009, p. 79.
19 TAVARES JUNIOR, Homero Francisco. Assistência Jurídica Integral e Gratuita: Enfoque
necessário à efetividade do processo. 2009. 178 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009, p. 81-82.
20 Art. 102. Sobrevindo o trânsito em julgado de decisão que revoga a gratuidade, a parte deverá
efetuar o recolhimento de todas as despesas de cujo adiantamento foi dispensada, inclusive as
relativas ao recurso interposto, se houver, no prazo fixado pelo juiz, sem prejuízo de aplicação das
sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Não efetuado o recolhimento, o processo será extinto sem resolução de mérito,
tratando-se do autor, e, nos demais casos, não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou
diligência requerida pela parte enquanto não efetuado o depósito.
19
V – Capítulo IV: estudo legal e jurisprudencial acerca dos parâmetros da
justiça gratuita parcial e do parcelamento das despesas
Levando em conta as mudanças trazidas pelo CPC/15 analisadas no Capítulo
anterior, a justiça gratuita parcial e o parcelamento das despesas processuais,
chamados conjuntamente aqui de modulação da justiça gratuita, merecem um
Capítulo para serem analisadas dentro de seus espectros legais e jurisprudenciais.
Como dito anteriormente, a preocupação com o acesso à justiça no Brasil se
deu tardiamente se comparado a outros países ocidentais. Apesar do atraso em
políticas de democratização da justiça e de efetividade do processo para todos os
cidadãos, a atualização da legislação com a edição do CPC em 2015 e a
consequente revogação de boa parte da ultrapassada Lei 1060/50, modernizou o
acesso à justiça, pelo menos, teoricamente.
Dispôs o CPC em matéria específica de justiça gratuita modulada (parcial e
parcelamento):
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com
insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e
os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da
lei.
[...]
§ 5o A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os
atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas
processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
§ 6o Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de
despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do
procedimento.21
A concessão da justiça gratuita, seja ela de forma integral ou parcial, ou ainda
a concessão de parcelamento das despesas são vinculadas a “insuficiência de
recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários” da pessoa
natural ou jurídica, conforme caput do artigo supracitado. Sem dúvida, este é um
conceito muito subjetivo que implica decisões discrepantes, visto que cada
magistrado tem seu próprio entendimento sobre o termo.
21 BRASIL. Lei nº 13.105, de 2015. Código de Processo Civil. Brasília
20
No CPC o legislador entendeu por bem não adotar critérios objetivos para a
concessão da justiça gratuita integral, assim como ao prever a justiça gratuita parcial
e o parcelamento das despesas manteve o critério da insuficiência de recursos. Por
um lado a escolha normativa do legislador é correta, de acordo com Fernanda
Tartuce, que citando Marcacini, afirma que não é possível aferir o conceito de
necessitado (no caso do CPC o correto seria a nomenclatura insuficiência) a partir
de regras rígidas, pois o direito ao benefício não se relaciona diretamente com
limites numéricos determinados, mas, sim com a indisponibilidade financeira do
indivíduo.22 O coautor deste mesmo artigo, Luiz Dellore argui no sentido inverso,
alegando que deveria ser instituído, ao menos, um critério objetivo mínimo para que
se evite as imensas disparidades nas decisões.
Com a adição da modulação da justiça gratuita e, concomitantemente, com a
ausência de critério objetivo para a concessão da justiça gratuita, o legislador adotou
postura contraditória. Isso porque o objetivo da modulação da justiça gratuita é
solucionar o caso daqueles indivíduos em situações limítrofes, que, poderiam ter o
benefício concedido ou serem totalmente desguarnecidos, dependendo de quem
julgava e, como resultado, terem seu direito ao acesso à justiça prejudicado.
Contudo, a opção pela não adoção de critério objetivo torna-se contraditória pois
dificulta a solução destes casos, uma vez que, em vez de auxiliar os magistrados na
decisão, apenas adiciona variáveis na já complicada equação que é a definição
acerca da justiça gratuita.
A inserção de novas variáveis sem a existência de um parâmetro para a
concessão da justiça gratuita pode implicar em um maior número de recursos contra
a decisão do magistrado, visto que a encruzilhada já existente ganha novos
caminhos, já que além da concessão e a não concessão da justiça gratuita integral,
passam a existir a concessão parcial (a proporcionalidade também passa a ser
discutida) e o parcelamento das despesas. Neste ponto fala-se de outro aspecto do
acesso à justiça: a efetividade do processo. De nada vale ao indivíduo ter garantida
22 TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Gratuidade da Justiça no Novo CPC. Revista de
Processo, São Paulo, v. 236, p.305-324, out. 2014. Disponível em:
<http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2016/02/Gratuidade-NCPC-com-Dellore-
Repro-out2014.pdf>. Acesso em: 28 set. 2018.
21
a justiça gratuita após longo tempo de decisão se neste meio tempo teve seu direito
ferido e não mais pode recuperá-lo.
Além da carência de critério objetivo, a leitura dos parágrafos 5º e 6º do artigo
98 gera mais questionamentos acerca da justiça gratuita modulada. Primeiramente,
eles podem ser aplicados conjuntamente, ou seja, é possível a concessão da justiça
parcial para um ato processual ou a redução da despesa juntamente com o
parcelamento do pagamento? E quanto ao parcelamento, o ato processual somente
poderá ser iniciado após o pagamento de todas as parcelas?
As respostas para essas perguntas, infelizmente, não estão presentes no
CPC, sendo deixadas a cargo dos Tribunais que, apenas diante do caso concreto,
serão capazes de solucionar tais questões.
Não resta dúvida de que a grande questão não respondida pelo CPC acerca
da justiça gratuita parcial é a criação de uma baliza ou referência mínima para sua
concessão. Ainda foram citadas questões marginais que também produzem
discussões e dúvidas nos agentes do Direito e que podem ser obstáculos do acesso
à justiça.
Além da análise legal da justiça gratuita modulada, foi proposto o estudo
jurisprudencial do benefício nesta monografia. Não obstante a demora da
jurisprudência para cristalizar-se, cumpre analisar o atual entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, bem como do Tribunal de Justiça de Minas Gerais acerca do
tema, de modo a acompanhar o rumo das decisões nos Tribunais Superiores, assim
como no âmbito desse estado.
Deste modo, a análise da jurisprudência se dará através da apresentação de
ementas de diferentes decisões seguidas de uma breve explicação acerca de seus
motivos, tal como dos limites traçados pelo magistrado, além da observação de
conteúdos pontuais.
Inicialmente cumpre salientar que a ausência de critério objetivo na legislação
obsta que o Magistrado exija do requerente qualquer tipo de requisito além da
“insuficiência de recursos”, não podendo fazer uso de critérios objetivos pessoais,
como valor dos proventos recebidos ou análise da declaração de imposto de renda.
22
Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça diversas vezes. Cita-se exemplo
in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. IMPUGNAÇÃO
AO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. CRITÉRIO
OBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE.
1. A decisão sobre a concessão de assistência judiciária judiciária
amparada em critério objetivo (remuneração inferior a cinco salários
mínimos), sem considerar a situação financeira do requerente, configura
violação dos arts. 4º e 5º da Lei 1.060/50.
2. Agravo não provido.23
Apesar de fazer uso do termo “assistência judiciária” como sinônimo da justiça
gratuita, além de utilizar parte revogada da Lei 1060/50, a argumentação usada pela
Ministra Nancy Andrighi segue o que dispõe o caput do art. 98 do CPC, que não
estabelece critérios objetivos para a concessão da justiça gratuita. Destarte não
cabe ao Magistrado, sem que exista disposição em lei, determinar um limite para a
concessão do benefício, sendo a situação financeira do requerente o fator de maior
relevância para a decisão.
É certo que existem indivíduos que possuem muitos gastos, seja por questões
de saúde ou de qualquer outra questão pessoal e, mesmo recebendo proventos de
alto vulto não conseguem arcar com as despesas inerentes ao processo. Existem
também aqueles que não possuem renda superior à daqueles beneficiados pela
justiça gratuita, mas que, por algum motivo, não possuem gastos aptos a interferir
em sua capacidade de arcar com os custos do processo, não necessitando da
gratuidade de justiça. No entanto, estes casos são extrema minoria na sociedade e,
ainda mais na prática forense, visto que a quantidade exacerbada de processos
prejudica a análise pormenorizada de questões como as descritas alhures. Ademais
os Magistrados adotam limites para balizarem suas decisões, apesar de não
utilizarem critérios objetivos de forma expressa, pretendendo tomar decisões
razoáveis e céleres.
23AgInt no REsp 1703327/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
06/03/2018, DJe 12/03/2018. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201702623111&dt_publicacao=12/0
3/2018>. Acesso em: 29 out. 2018.
23
São nos limites adotados pelos Magistrados que reside o problema da
ausência de critério objetivo mínimo. O que é moderado para um pode ser
exagerado ou parco para outro, gerando decisões contraditórias e uma infinidade de
recursos no mesmo caso concreto. Menciona-se decisão do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais para ilustração desta discordância:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - JUSTIÇA GRATUITA- PESSOA
FÍSICA - DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA - AUSÊNCIA
DE INDÍCIOS CONTRÁRIOS - DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. Para a
concessão da justiça gratuita à pessoa física, a declaração de insuficiência
financeira, aliada à ausência de elementos nos autos para infirmar a
necessidade alegada, é elemento suficiente para se deferir o benefício. O
valor dos rendimentos auferidos pela requerente, por si só, não indicia
capacidade financeira A avaliação da condição financeira da parte deve
guardar relação com o binômio receitas/despesas.
V.D. 1. A mera declaração de hipossuficiência apresentada pela parte
possui presunção iuris tantum, de forma que o magistrado pode indeferir o
pleito caso existam fatos que indiquem o contrário. 2. A possibilidade de
deferimento parcial da gratuidade da justiça, bem como a possibilidade de
parcelamento das custas processuais, nos moldes do que preveem o artigo
98, §§ 5º e 6º, evidenciam a necessidade de analisar com mais cautela a
alegação de hipossuficiência levantada pela parte.24
Neste processo o juiz de primeiro grau decidiu pelo indeferimento da justiça
gratuita ao requerente. Este agravou da decisão que, conforme entendimento dos
Desembargadores do TJ-MG, foi reformada para garantir a concessão do benefício.
Existe ainda voto de declaração de um dos Desembargadores indicando a
possibilidade de deferimento modulado do benefício, seja pela concessão parcial ou
pelo parcelamento das custas.
Vê-se, portanto, que o mesmo caso concreto proporcionou três respostas
diferentes dos Magistrados: indeferimento, deferimento parcial e deferimento
integral. É certo que não existe uma resposta correta pois a insuficiência de recurso
é um critério subjetivo que é aferido de acordo com o entendimento de cada
Magistrado acerca das condições do requerente de arcar com os custos do
processo, mas a discrepância entre os julgamentos é fonte de insegurança jurídica
para os cidadãos que desejam o acesso ao Poder Judiciário.
É quando nos deparamos com decisões díspares como as supracitadas que
entendemos a necessidade de positivação de uma baliza mínima para guiar o
24 TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.17.049803-4/001, Relator(a): Des.(a) Tiago Pinto , 15ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/12/0017, publicação da súmula em 13/12/2017. Disponível em <
http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?listaProcessos=10000170498034001>. Acesso
em: 29 out. 2018
24
julgamento, garantir segurança jurídica, uniformizar jurisprudência e, principalmente,
garantir o acesso à justiça de todos os cidadãos.
Há de se falar também que as decisões desiguais provocam um maior
número de recursos, atrapalhando o andamento do processo em si bem como do
Poder Judiciário como um todo. Em vista disso, aponta-se que a demora pra se
chegar a uma decisão conclusiva acerca do requerimento de justiça gratuita pode
ser vital para o possível beneficiário, que depende da concessão do benefício para
poder garantir seu direito em questão, bem como a interposição de recursos é
maléfica para o sistema judiciário e Magistrados que, atolados com a quantidade de
processos, tem de despender mais tempo com uma decisão que poderia já estar
mais uniformizada com a ajuda da legislação.
Ainda em relação ao caso concreto supradito é importante dizer que a renda
mensal média do requerente era de R$2.530,35, valor pouco superior àquele
estipulado pela Defensoria Pública da União como de presunção de necessidade
econômica para prestação de assistência jurídica integral e gratuita25. Cumpre
salientar que o valor estipulado pela Defensoria é relativo aos ganhos do núcleo
familiar, não somente do indivíduo que faz uso dos serviços. Não obstante, percebe-
se que os vencimentos do requerente não se tratam de valor vultoso, bem como
importantíssimo dizer que a justiça gratuita, como espécie da assistência jurídica
integral e gratuita, deve exigir insuficiência de recursos mais branda, sendo correta,
ao meu ver, a reforma da decisão.
No tocante a este caso, digo, por fim, que a decisão colegiada foi no sentido
de concessão integral da justiça gratuita ao requerente por questão de praticidade.
Como dito no voto de declaração presente na ementa, a concessão parcial da
gratuidade de justiça depende de análise cautelosa da alegação de hipossuficiência
feita pelo beneficiário. Tendo em vista que o valor recebido pelo requerente não era
exacerbado fez-se decidir pela concessão integral sem estudo pormenorizado dos
documentos juntados por ele, principalmente aqueles acerca de seus gastos
recorrentes, visando a celeridade do sistema judiciário como um todo.
Diante da quantidade de processos recebidos diariamente e da necessidade
de cumprimento de metas pelos Magistrados, opta-se, reiteradamente, pela decisão
25 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. Resolução nº 134, de 2016. Disponível em:
<https://www.dpu.def.br/conselho-superior/resolucoes/37083-resolucao-n-134-de-07-de-dezembro-
de-2016-fixa-o-valor-de-presuncao-de-necessidade-economica-para-fim-de-assistencia-juridica-
integral-e-gratuita>. Acesso em: 29 out. 2018.
25
mais simples que os livra daquele encargo de maneira mais eficaz no momento, no
entanto o efeito real nem sempre se coaduna com o esperado, já que uma decisão
pouco estudada pode gerar maior discussão no futuro, sendo alvo de inúmeros
recursos. Assim, aquela decisão mais simples torna-se complicada pois motiva a
rediscussão.
Derradeiramente, conclui-se, que a justiça gratuita parcial deve ser aplicada
em proporcionalidade à insuficiência de recursos do requerente, no entanto aferir tal
proporcionalidade sem a existência de um critério objetivo mínimo dificulta, e muito,
o trabalho dos Magistrados. Sem dúvida a concessão parcial da gratuidade de
justiça foi feita para abarcar aqueles indivíduos que não se encontram nos extremos
da dose de recursos: os abastados, que não fazem jus ao benefício e os muito
necessitados, que fazem jus ao benefício de forma integral.
Com os extremos mais claros, a concessão da justiça gratuita parcial busca
evitar abusos dos primeiros, bem como não inviabilizar o acesso à justiça dos
últimos.
Ainda no escopo do estudo da justiça gratuita modulada, mister analisar o
parcelamento das despesas processuais que deveriam ser adiantadas pelo
beneficiário, conforme disposto no parágrafo 6º do artigo 98 do CPC. Embora não se
trate de isenção propriamente dita, o parcelamento pode ser fundamental para o
acesso à justiça em alguns casos envolvendo despesas de alto valor que, se
tivessem de ser pagas à vista impossibilitariam a persecução de direitos.
Para exame jurisprudencial cola-se decisão do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
NULIDADE C/C INEXIGIBILIDADE DE COBRANÇA. JUSTIÇA GRATUITA
INDEFERIDA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA.
POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO A DETERMINADO
ATO. PARCELAMENTO OU REDUÇÃO DAS CUSTAS E DESPESAS
PROCESSUAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO.
1. O Novo Código de Processo Civil, em seus arts. 98 e ss., deu nova
disciplina às regras então existentes acerca da justiça gratuita previstas na
Lei nº 1.060/50, parcialmente revogada.
2. Em que pese a presunção de veracidade da alegação de insuficiência
financeira, o art. 99, §2º do CPC, estabelece que a assistência judiciária
pode ser indeferida quando existente, nos autos, prova com ela
incompatível, devendo, antes de indeferir o pleito, ser oportunizado à parte
interessada a produção de prova capaz de demonstrar a alegação.
3. Não tendo o agravante se desincumbido do ônus de comprovar que se
encontra em situação econômica precária ou grave, a ensejar a concessão
do benefício que pretende auferir, não tendo juntado ao instrumento de
26
agravo quaisquer provas de gastos recentes ou mesmo de alterações
significativas na sua situação financeira que caracterizassem o estado de
pobreza, não há que se falar em deferimento dos benefícios da justiça
gratuita.
4. A norma contida no § 6º, do art. 98, do CPC, autoriza o Magistrado
parcelar o valor das custas, que o beneficiário tiver que adiantar no curso do
processo.26
Verifica-se nesta decisão que a gratuidade de justiça foi indeferida, no entanto
foi concedido o parcelamento do valor das custas iniciais ao requerente. Trata-se de
decisão, em seu inteiro teor, muito didática, explicitando certeiramente os
dispositivos relativos ao tema dispostos no CPC. Por essa razão a decisão será
analisada de forma minuciosa com o objetivo de aclarar as dúvidas.
Inicialmente tem-se que o recorrente teve seu pedido de concessão de justiça
gratuita integral indeferido em sede de primeira instância por auferir rendimentos não
condizentes com o benefício, tendo sido oportunizado a ele a comprovação de sua
insuficiência de recursos, assim como determina o art. 99, §2º do CPC.
Não cumpre aqui nesta análise digladiar acerca do critério de “insuficiência de
recursos” adotado pelos Magistrados, visto esse ter sido o tema anterior aqui
discutido. Assim, o foco da discussão é o parcelamento de despesas daqueles não
considerados hipossuficientes financeiramente. O objetivo do parcelamento é, como
o da justiça gratuita propriamente dita, viabilizar o acesso à justiça de todos os
cidadãos. Dessa forma, mesmo sem isentar o indivíduo das despesas inerentes ao
processo, facilita-se o pagamento com a divisão em parcelas, aliviando a
onerosidade de um pagamento à vista que poderia significar a desistência da
persecução do direito pelo requerente.
No caso concreto supracitado, o valor das custas iniciais representava
montante capaz de comprometer grande parte dos rendimentos mensais do autor,
dificultando seu sustento e de sua família, se pago à vista. Foi então concedido o
parcelamento desta única despesa em três parcelas, de forma a homogeneizar os
gastos do requerente com o processo e impedir que o direito de acesso à justiça
desse fosse ultrajado.
Resta clara a importância do parcelamento de despesas para aqueles não
agraciados com a justiça gratuita integral. Tratam-se de pessoas que, diante dos
26 TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.17.036340-2/001, Relator(a): Des.(a) Bitencourt
Marcondes , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/07/0017, publicação da súmula em 06/07/2017.
Disponível em
http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado2.jsp?listaProcessos=10000170363402001. Acesso
em: 29 out. 2018.
27
valores envolvidos para acesso ao Poder Judiciário, certamente desistiriam de
buscar seus direitos em razão das possíveis complicações financeiras envolvidas.
Diga-se que o parcelamento, se bem aplicado, também afasta do Judiciário
demandas abusivas, que somente tem seu prosseguimento em caso de deferimento
da justiça gratuita integral. Nesses casos, a obrigação de pagamento de despesas,
ainda que de forma fracionada, freia aqueles que, num momento passado, eram
agraciados com a gratuidade de justiça erroneamente.
Ainda quanto a decisão, cita-se mais uma vez a habilidade didática do
Magistrado, que esclarece a possibilidade de deferimento da justiça gratuita a
qualquer momento, desde que haja alteração da situação financeira do requerente
ou a necessidade de produção de provas de alto custo. O parcelamento, ainda que
não classificado como justiça gratuita propriamente dita, também pode ser deferido a
qualquer momento diante das mesmas circunstâncias por estar dentro do escopo da
modulação do benefício.
Em relação às demais dúvidas levantadas não se faz necessário o estudo
jurisprudencial pormenorizado, tratando-se de questões de entendimento simples a
partir das ementas já juntadas e comentadas.
Inicialmente, discute-se a possibilidade de concessão da justiça gratuita
parcial e de parcelamento para o mesmo requerente. Não existindo impedimento
legal ou qualquer disposição contrária a esta alternativa, é completamente possível
que aconteça. Visando garantir o acesso à justiça, bem como a ampla defesa e o
contraditório o Magistrado pode conferir ao requerente, por exemplo, a justiça
gratuita somente em relação as custas iniciais, além de oportunizar o parcelamento
da perícia. Existe ainda a possibilidade de redução do valor do ato processual em
conjunto com o parcelamento, sendo mais provável de acontecer em caso de
perícias de maior complexidade e valor. Assim, seria deferida redução do valor para
garantir a produção de provas pelo requerente, havendo subsídio do Estado, mas
não haveria total pagamento de custas por este de modo a melhor distribuir o
benefício.
Acerca do início do ato processual nos casos de parcelamento, o CPC não
adotou medida para modificar o que vinha sendo decidido pelos Magistrados no
caso do parcelamento do pagamento de perícia, qual seja o pagamento adiantado
das parcelas, podendo a última ser paga após a entrega do laudo do perito. Entendo
ser correta essa forma de pagamento pois, não havendo isenção do pagamento de
28
despesas ao indivíduo, cabe a ele o ônus do pagamento integral antes da realização
do ato como forma de garantir que cumprirá com sua parte nas despesas do
processo. Cabe ainda destacar que esse entendimento deve valer para quaisquer
atos processuais, assegurando que o Estado não arque com as possíveis dívidas
daqueles que desejam acessar o Judiciário, mas não foram agraciados com a justiça
gratuita, apenas com o parcelamento.
Após a análise legal e jurisprudencial das disposições do CPC acerca da
justiça gratuita, da discussão sobre questões periféricas, além de todo o estudo feito
sobre o tema nesta monografia, cabe a elaboração de considerações finais com o
intuito de condensar as informações trazidas, além da proposição de uma nova
abordagem dos critérios para a concessão da justiça gratuita, seja ela integral ou
parcial. Derradeiramente, compete ainda reconhecimento da gratuidade de justiça
como importante componente do acesso à justiça.
29
VI – Capítulo V: considerações finais
É certo que o processo judiciário sofreu diversas evoluções durante o tempo,
sendo garantido às partes mais direitos, como o contraditório e a ampla defesa. O
acesso à justiça, inicialmente tratado como garantia formal, também passou por
transformações, sendo, atualmente, tratado como direito fundamental previsto em
nossa Constituição.
A justiça gratuita, seja ela integral ou parcial, é responsável pela
democratização do acesso à justiça, seja pelo acesso propriamente dito ou pela
oportunidade dada às partes de fazer jus as demais garantias do processo.
As disposições do CPC acerca da gratuidade de justiça foram foco deste
trabalho por se tratarem da legislação mais moderna e abrangente sobre o tema no
Brasil, igualmente por inovarem ao prever expressamente a possibilidade de
modulação do benefício. O efeito esperado da modulação era garantir a uma maior
quantidade de pessoas a justiça gratuita por meio da distribuição parcial do
benefício, assim como não sobrecarregar o Estado ao arcar com as despesas
integrais dos beneficiários em todos os processos, mantendo o direito de acesso à
justiça inviolado.
A grande discussão proposta nesta monografia se relaciona com a
inexistência de critério objetivo para a concessão do benefício, o que impede a
cristalização de um entendimento jurídico claro, gerando não só insegurança jurídica
como decisões injustas e que acabam se estendendo no tempo em razão da
discussão recursal que elas geram.
Anteriormente à expressa modulação da justiça gratuita, os Magistrados,
decidiam simplesmente entre a concessão ou não do benefício, adotando de
maneira não expressa critérios próprios para fundamentar a decisão. Claramente
havia praticidade na decisão binária, o que foi modificado com a inserção da
modulação.
Atualmente a apreciação da insuficiência de recursos ganhou novos
contornos, exigindo-se análise pormenorizada da situação do requerente para
fundamentar a decisão, já que a resposta sim ou não pode não ser mais suficiente.
O grande problema é que a anterior praticidade também garantia maior celeridade
se comparada ao modelo atual, visto que este possibilita um maior número de
respostas pelos Magistrados.
30
Como modo de manter a praticidade da decisão sem que se provoque queda
na fundamentação das decisões ou se possibilite discussão prolongada em forma de
recursos, igualmente para que exista uniformização da jurisprudência é que deve ser
criado critério objetivo mínimo para a concessão da justiça gratuita.
O estudo pormenorizado da situação financeira de cada caso concreto
demanda tempo do Poder Judiciário que, mesmo abarrotado de processos e com
escassez de Magistrados, deve garantir que os direitos de todos aqueles que o
acessam seja garantido.
Não se prega aqui a análise superficial da situação financeira dos requerentes
da gratuidade de justiça, nem o engessamento das decisões com um critério objetivo
rigoroso. Pelo contrário, o acesso à justiça determina a participação efetiva e
igualitária no processo por ambas as partes, bem como o contraditório e a ampla
defesa garantem a paridade de armas, sendo incabível a análise superficial
simplesmente por ela tomar tempo. Incabível também a criação de critério rigoroso
pois a concessão da justiça gratuita não está atrelada aos vencimentos do
requerente, mas, sim, a sua capacidade de arcar com as despesas processuais.
Portanto, o critério objetivo deve se basear na ideia da Defensoria Pública da
União já citada aqui, em que existe presunção de necessidade econômica para
prestação de assistência jurídica integral e gratuita daqueles que estão inseridos em
núcleo familiar que não aufere rendimentos superiores à R$2.000,0027.
Importante salientar a assistência jurídica integral e gratuita é gênero do qual
a justiça gratuita é espécie. Tratando-se de termo mais abrangente e que,
certamente, envolve custos maiores, é necessário adequar os valores do critério
objetivo para a realidade da gratuidade de justiça.
Acerca dos níveis de presunção de insuficiência de recurso, devem também
ser instituídos para aplicação da justiça gratuita parcial. As despesas mais vultosas
num processo costumam ser as custas iniciais e eventuais perícias necessárias para
os deslinde do feito. Destarte, estas devem ser as primeiras opções de aplicação da
modulação do benefício.
Quanto ao parcelamento das despesas acredito ser impossível a aplicação de
critério de presunção de insuficiência de recursos por se tratar de indivíduo que teve
27 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. Resolução nº 134, de 2016. Disponível em:
<https://www.dpu.def.br/conselho-superior/resolucoes/37083-resolucao-n-134-de-07-de-dezembro-
de-2016-fixa-o-valor-de-presuncao-de-necessidade-economica-para-fim-de-assistencia-juridica-
integral-e-gratuita>. Acesso em: 29 out. 2018.
31
o requerimento de justiça gratuita indeferido integralmente ou que esteja agraciado
de forma parcial. Assim, somente com a análise do caso concreto é possível aferir a
necessidade da modulação.
Em conclusão, de modo a evitar decisões díspares em casos semelhantes ou
até no mesmo caso, discussão recursal prolongada, demandas abusivas que
somente se sustentariam com a justiça gratuita e violação do direito de acesso à
justiça deve ser positivado na legislação critério objetivo mínimo de presunção de
insuficiência de recursos utilizando-se como parâmetro os ganhos médios do
requerente. Ou seja, se o requerente percebe valores inferiores aos estabelecidos
em lei, é presumida sua insuficiência de recursos, seja para a justiça gratuita
integral, seja para a justiça gratuita parcial, devendo, portanto, ser concedido o
benefício.
Tendo em consideração os valores estabelecidos pela Defensoria Pública da
União e a natureza da justiça gratuita em relação a prestação de serviços de
assistência jurídica, os valores de presunção de insuficiência de recursos utilizados
para aferição da justiça gratuita devem ser superiores aos estabelecidos pela DPU.
Deve ainda existir níveis de presunção para abarcar a justiça gratuita parcial,
principalmente em relação às custas iniciais e as perícias, despesas que devem ser
alvo do benefício modulado anteriormente em relação as demais despesas. Quanto
ao parcelamento, por não se tratar de isenção propriamente dita deve depender do
caso concreto, pois é cabível para aqueles que não são beneficiários da gratuidade.
Com o simples intuito de exemplificação do critério objetivo, sem a intenção
de utilizá-lo como referência fundamental para a positivação, produz-se tabela para
verificação do conteúdo:
Custas iniciais Perícia (valor
Valor dos (valor igual ou igual ou maior
vencimentos / Justiça gratuita maior à à metade dos Taxas
Benefício integral metade dos vencimentos judiciárias de
concedido vencimentos mensais menor valor
mensais médios)
médios)
R$0,00 a X
32
R$2.999,99
R$3.000,00 a X X X
R$4.999,99
R$5.000,00 a X X
R$5.499,99
R$5.500,00 ou
mais
Como bem frisado, o critério objetivo remete à presunção de insuficiência de
recursos, garantindo praticidade e celeridade nas decisões envolvendo os valores
estabelecidos sem ferir o direito de acesso à justiça dos indivíduos e dosando os
custos do Estado ao garantir este direito. Tratando-se de presunção, existe ainda a
necessidade de análise dos documentos probatórios relativos aos gastos e
vencimentos para aferir, com precisão, a real necessidade do requerente. Ou seja, o
critério objetivo funciona como baliza da decisão, mas não engessa o estudo
pormenorizado, não havendo, de forma alguma, mudança no quesito principal para a
concessão do benefício, que é a insuficiência de recursos.
Como dito, em relação ao parcelamento não é cabível a instituição de teto
para aplicação, visto tratar-se de indivíduo que tem condições de arcar com as
despesas do processo, mas, em razão do valor de uma destas despesas pode ter
seu orçamento mensal prejudicado. Assim, a solução passa a ser o parcelamento do
valor, suavizando os gastos mensais do requerente com o processo de modo a não
dificultar a persecução de seus direitos.
Como exemplo cita-se indivíduo que percebe R$7000,00 mensais e demanda
produção de perícia no valor de R$3000,00. Com a exceção da perícia o requerente
consegue arcar tranquilamente com as despesas do processo, no entanto o valor da
perícia, se pago à vista, compromete quase metade de seus vencimentos mensais.
Assim, o parcelamento da despesa em três vezes possibilita o pagamento de forma
mais suave, garante o acesso à justiça e não onera o Estado.
Mister salientar que a concessão da justiça gratuita pode ser modificada a
qualquer momento, tanto para aumentar o benefício quanto para revoga-lo. Assim,
havendo mudança na condição do requerente em arcar com as despesas do
processo, cabe ao Magistrado modificar os termos do benefício. Cabe ainda
33
ressaltar que a “insuficiência de recursos”, critério para a concessão da justiça
gratuita, não se relaciona somente com os proventos do requerente, sendo também
dependente do valor das despesas processuais. Destarte, o requerente pode ter seu
pedido concedido se houver despesa de alto valor mesmo mantendo seus
rendimentos mensais em igual patamar.
Os efeitos esperados com a instituição de baliza para a concessão da justiça
gratuita integral e parcial são, entre outros: segurança jurídica (1), maior aplicação
da modulação (2), celeridade no processo (3), melhor distribuição dos recursos do
Estado (4), menor quantidade de demandas abusivas (5) e, principalmente, garantia
do direito fundamental de acesso à justiça (6). Explica-se:
(1) Como já relatado anteriormente, existem casos em que as decisões se
diferem somente pelo entendimento adotado pelo Magistrado em relação a
“insuficiência de recursos”. Com o critério objetivo mínimo esses casos se tornariam
ainda mais incomuns, já que o requerente do benefício poderia se encontrar em
faixa de presunção de insuficiência. Assim, haveria maior uniformização das
decisões. Ademais, antes mesmo de ajuizar a ação o indivíduo já poderia verificar
em qual faixa se encaixaria, podendo analisar sua situação financeira em acordo
com o critério objetivo a ser aplicado.
(2) A aplicação da modulação da justiça gratuita de forma insipiente se dá, em
parte, pela dificuldade de aferição da real necessidade do requerente. O estudo
pormenorizado das condições financeiras do indivíduo é prejudicado pela
quantidade de processos que o Magistrado deve resolver, resultando na análise
superficial, bem como em soluções mais “simples” como a concessão integral ou o
indeferimento. Com o critério objetivo fica mais fácil a decisão, implicando em
maiores chances de a justiça gratuita modulada ser aplicada.
(3) Ainda em relação a quantidade de processos no Judiciário, a positivação
de critério objetivo cria menores discussões sobre a decisão do Magistrado. Com
decisões mais claras e conforme a legislação, a quantidade de recursos tende a
diminuir e o processo pode fluir mais. Salienta-se ainda que a própria aferição da
necessidade com o critério objetivo se torna mais rápida, visto que se os
vencimentos do requerente estiverem na faixa de insuficiência, a necessidade de
concessão do benefício é presumida.
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(4) A concessão parcial do benefício bem como o parcelamento das despesas
diminui os gastos do Estado com a justiça gratuita, possibilitando que o benefício
seja concedido a mais pessoas sem que o Estado tenha de gastar mais.
(5) As demandas abusivas são aquelas irresponsáveis, feitas com má-fé,
havendo leitura desconexa da legislação ou desvirtuação dos fatos para conseguir
alcançar um propósito abusivo. Essas demandas normalmente não logram êxito em
seus objetivos, portanto os indivíduos que patrocinam essas causas se valem da
justiça gratuita para não arcarem com suas ações. A concessão parcial do benefício,
por si só, já é capaz de afastar boa parte destas ações do Poder Judiciário, já que
não é proveitoso ao indivíduo “pagar para ver” nestes tipos de causas.
(6) Além dos gastos do Estado serem mais bem distribuídos havendo a
modulação da justiça gratuita e a instituição de critério objetivo, é certo que o direito
de acesso à justiça não pode ser prejudicado. A baliza para concessão do benefício
somente indica a presunção de insuficiência de recursos dos indivíduos, cabendo
discussão da modalidade do benefício mesmo que os vencimentos sejam superiores
aos valores estabelecidos. Destarte não existe prejuízo ao acesso à justiça somente
pela instituição da modulação ou do critério objetivo. Por certo que estes institutos
democratizam a justiça gratuita, já que permitem que aquele indivíduo que teria o
benefício indeferido anteriormente, tenha, pelo menos em parte, seu pedido
concedido.
As desigualdades sociais e financeiras no Brasil não podem servir de
impedimento aos direitos dos cidadãos, por isso a assistência jurídica integral e
gratuita, esculpida na Constituição de 1988 como direito fundamental, é essencial
para a democratização do acesso à justiça.
A justiça gratuita, espécie do gênero assistência jurídica, tem papel
importante no acesso ao Judiciário por indivíduos que não conseguem custear seu
acesso com suas próprias finanças, pois se não existisse impediria que milhões de
brasileiros pudessem garantir seus direitos através do Poder Judiciário.
A importância do CPC neste aspecto foi a atualização da legislação acerca da
justiça gratuita, trazendo novos conceitos e instituindo novas possibilidades em sua
concessão. Apesar das falhas da legislação citadas nesta monografia, qualquer
dispositivo que tenha como objetivo a democratização do acesso à justiça e a
garantia dos direitos dos cidadãos brasileiros não é só bem vinda, como deve ter
35
apoio dos governantes, dos agentes do direito e dos demais cidadãos para
prosperar e ter seu uso difundido no país.
O gasto com a garantia de direitos como a justiça gratuita não pode ser visto
como desperdício ou desnecessário, mas, sim como investimento do Estado na
construção de um país mais justo, que garante a todos os seus cidadãos os direitos
previstos na Constituição e em outras legislações.
As inovações do CPC devem ser aplicadas respeitando a proporcionalidade
da insuficiência de cada um e ao mesmo tempo garantindo o direito de todos de
terem acesso à Justiça, pois é certo que as diferenças entre os cidadãos não podem
ser motivo para causar prejuízos aos que mais necessitam do apoio estatal para a
garantia de seus direitos.
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VII – Referências bibliográficas
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à Justiça: Análise dos juizados especiais federais itinerantes na Amazônia Legal
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