TRÊS POEMAS SOBRE CURITIBA
A FUNDAÇÃO DE CURITIBA
Tudo isso longe vai a esfuminhar-se em lenda...
— "Aqui!" o bugre disse e a gente aventureira
no seio dos pinhais, com a luz por padroeira,
plantou de Curitiba a originária tenda.
Floriu. Outra pepita — o trigo — na moenda
tosca avisou exausta a antiga faisqueira...
Depois — filhos de heróis — daqui quanta bandeira
foi tecer dos sertões a epopéia estupenda!
Tudo isso longe vai... Primeiros povoadores...
Juízes... almotacés... Existe a poeira só,
mas lembram-lhes o nome alguns historiadores.
Felizes! No porvir, entre saudade e dó,
ninguém se lembrará de seus continuadores,
de nós que somos hoje a sombra desse pó!
Euclides Bandeira, 1940
Euclides da Mota Bandeira e Silva nasceu em Curitiba, em 22 de novembro de 1877 e faleceu na mesma
cidade em 1948. Foi jornalista, fundador do Centro de Letras e colaborador de várias revistas locais.
Publicou: Heréticos (1901), Ouropéis (1906) e Prediletos (1940).
CURITIBA
Dispensa essas velhas estampas
recortadas de uma revista:
Petrópolis, Paris. Os pampas,
Paulista.
Quero antes a simetria
dos teus quarteirões sem barroco.
Poucas curvas. Teu mais-seria,
teu pouco
sobrando nas pedras da XV,
no muito do céu de teus parques.
Não falta mar. Faltara fuligem
e charques?
A vida é um ajardinado
sobre os despojos de um rio:
perfeito, ó bela! Só cuidado
com o vazio
que os arquitetos cultivam
em tua possibilidade.
Atenta pro Olho no ar,
cidade.
Já no caminho de Morretes
brincavas de abismo também.
(Domada Iguaçu nos dormentes
do trem.)
A vida, o ajardinado,
eles pensam que o sonhamos.
Mais um café lá no Mercado;
já vamos
ser de novo o que te preliba
na viagem a planejar:
Curitiba! E Curitiba
ao voltar –
saudade menina que lembra
um velho exercício de crase:
venho e vou. Jamais se desmembra
teu quase.
Wladimir Saldanha
Salvador, 22-12-2015
Wladimir Saldanha dos Santos nasceu em 1977, em Salvador. É crítico, poeta e tradutor. Publicou Culpe
o vento (2014), Lume Cardume Chama (2014), Cacau inventado (2015) e Natal de Herodes (2017).
AS RUÍNAS DE SÃO FRANCISCO
Não sabemos do flóreo lampadário
pendurado na abóboda alta e ignota.
Mas ao sonhar com o esplêndido sacrário,
uma luz clara da agra abside brota,
arde e assusta. Ou da nave à sacristia,
não haveria as garras dessa grade
a guardar as ruínas da arcaria,
nem mesmo o suave enlevo que te evade.
Senão seria um muro de tijolos
que tombara ao primeiro pé de vento,
servindo a bêbados, mendigos, tolos...
ou tão só um admirável monumento
intérmino – e não mística jazida.
É preciso mudar a minha vida.
Wagner Schadeck
Curitiba, 25-05-17
Wagner Schadeck nasceu em Curitiba, onde vive. É tradutor, ensaísta, editor e poeta. Publicou a
tradução completa das Odes de John Keats (2017) e Quadros provincianos (2018).