Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de História – IH
Disciplina: Mulheres nas Américas 2019.1
Professora: Hevelly Acruche
Aluna: Barbara Barbosa Machado Laranjeiras
DRE: 114192470
Resenha do livro “Mulheres e poder: um manifesto”
Mesclando documentação, arte e mitologia clássica com diversas obras mais recentes, à
fatos contemporâneos e relatos pessoais, o livro de autoria de Mary Beard, “Mulheres e poder:
um manifesto”, lançado no ano de 2018 no Brasil, busca apresentar a raiz da misoginia e do
silenciamento feminino e, bem como traz o título, a dinâmica entre as mulheres, o poder e sua
voz.
Mary Beard, nascida em 1º de janeiro de 1955, é professora na Universidade de
Cambridge, onde leciona disciplinas ligadas à “Antiguidade Clássica”, sendo especialista em
Roma Antiga. Além disso, escreve para jornais, produziu diversos documentários sobre Roma
para a BBC e dá diversas palestras. Duas de suas palestras, “A voz pública das mulheres” e
“Mulheres no poder” são, respectivamente, os capítulos 1 e 2 do livro em questão. Distribuídos
em 123 páginas, “Mulheres e Poder: um Manifesto” traz um prefácio; suas duas palestras
aprimoradas e transformadas em capítulos; o posfácio; e inúmeras referências e indicações de
outras obras, bem como uma lista das ilustrações do livro e um índice remissivo.
Começando o capítulo 1, “A voz pública das mulheres” que fora criado a partir de uma
palestra de 2014, Mary Beard relembra e expõe o primeiro texto em que um homem silencia
uma mulher: a Odisseia, obra clássica de Homero. Descrevendo a cena em questão, na qual o
jovem Telêmaco, filho de Odisseu, manda sua própria mãe Penélope calar-se e voltar para seus
afazeres domésticos, pois ela não era digna de ter a voz ouvida em público. A partir desse caso,
a autora apresenta e nos faz atentar para um termo homérico, muthos, que “define o discurso
público abalizado, não o tipo de tagarelice ou fofoca a que qualquer pessoa- inclusive as
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mulheres, ou em especial as mulheres- poderia se dedicar” (BEARD, 2018, p. 18). O termo, de
acordo com Mary Beard, ainda que muito antigo, se encontra presente na contemporaneidade,
visto que o ato de silenciar a mulher que se manifesta, principalmente de forma contrária ao
homem, é algo infelizmente muito corriqueiro.
Entre charges críticas ao silenciamento feminino e obras clássicas, a autora nos explicita
a mudez de Io e Eco, bem como os estupros sofridos por Lucrécia, Filomena e Lavínia. A
primeira contou publicamente os abusos sofridos e depois se matou; a segunda, incapaz de falar
pois sua língua havia sido arrancada, teceu e expôs o acontecido; a última, para que não
houvesse chance alguma de defesa e acusação, teve sua língua e suas mãos cortadas. E não
somente com violência física se dá o silenciamento das mulheres – o discurso feminino, quando
feito em público, se torna razão para chacotas, interrupções e xingamentos, pois ainda existe a
crença de que o poder e o discurso público digno pertençam aos homens.
Revisitando ideias do primeiro capítulo e seguindo o fio condutor de direito de
expressão feminina e o consequente silenciamento, o segundo capítulo do livro, “Mulheres no
poder”, cuja palestra foi desenvolvida em 2017, elucida principalmente as situações encaradas
por mulheres que fazem parte da política e que ocupam altos cargos. Sendo o direito de fala
uma propriedade tida exclusivamente masculina, as mulheres, cujos discursos se destacaram no
passado – como o a rainha Elizabeth I em Tilbury - e ainda se destacam atualmente são
constantemente submergidas em um processo de fabricação de androgenia, ainda que de modo
sutil. Nem mesmo a própria deusa grega da sabedoria e da estratégia em batalha, Atena, escapou
dessa transformação, visto que suas características físicas, bem como a forma que nasceu
(saindo já vestida para o combate diretamente da cabeça de seu pai, Zeus) demonstra como é
descartável a presença de uma mulher para os gregos antigos.
Pensando em políticas como Angela Merkel, Margareth Thatcher, a ex-presidenta do
Brasil Dilma Rousseff e Hillary Clinton, Mary Beard destaca como tom da voz é engrossado
para se assemelhar ao de um homem e transmitir a ideia de autoridade, já que o timbre mais
agudo “não impõe respeito”. Os cabelos são cortados mais curtos do que é tido como padrão de
beleza e, ao invés de utilizarem tailleur com saia o utilizam com calça e sapatos de salto baixo,
justamente para a imagem parecer “mais masculina”, onde Theresa May é tida como uma
exceção com seus sapatos de salto alto escandalosos.
Contudo, a androgenia não é o único processo ao qual elas estão expostas – constantes
ilustrações, charges, comentários extremamente desrespeitosos e maldosos (a própria autora é
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vítima desse tipo de atitude na rede social Twitter) e ameaças fazem parte do cotidiano dessas
mulheres. Uma das formas de ofensa que parece ser comum à todas são comparações com a
Medusa, uma mulher que foi punida por ter sido estuprada dentro por Poseidon dentro do
templo de Atena. A deusa, furiosa com o desrespeito, pune a mulher transformando-a em um
monstro com olhar petrificante e cabelos de serpentes, que posteriormente é assassinada por
Perseu. Esse herói por vezes chegou a ter seu rosto substituído pelo do atual presidente dos
Estados Unidos da América, Donald Trump, especialmente durante a disputa eleitoral deste
com Hillry Clinton.
A vaidade e a feminilidade são tidas como fraquezas, e até hoje, como a autora pontua,
é necessário um constante trabalho de ressignificação de lugares, assim como de poder. A ideia
de poder e de estar no poder, que é tradicionalmente reservada e pensada para poucos, sendo
esses exclusivamente homens, precisa ser repensada. Juntamente à essas ideias, deve ser
repensado o sistema na qual elas se inserem. O fato da ideia de enxergar mulheres em posição
de liderança causar estranhamento ou simplesmente não passar pela cabeça das pessoas mostra
como as estruturas públicas são misóginas e excludentes. O sistema, conforme a autora pontua
na página 93, necessita ser desvinculado do prestígio social e ser desenvolvido de modo a se
tornar mais colaborativo, ouvindo e abrangendo a todos, não somente aos que estão no poder.
Portanto o livro, que se mostra rico em detalhes de obras e exemplos referentes
majoritariamente à “Antiguidade Clássica”, especialização da autora, traça de fato um
panorama sobre a fala feminina, o silenciamento e sua origem, deixando pouco espaço para
questões raciais, por exemplo. Após exemplos com menor destaque, é somente no final do livro
que Mary Beard nos chama atenção e discorre um pouco sobre o grande movimento
contemporâneo Black Lives Matter, que conta com a autoria de três mulheres: Alicia Garza,
Patrice Cullors e Opal Tometi. Destaca-se a incapacidade, tanto pautada na misoginia quanto
no racismo, de se pensar que três mulheres pudessem ter criado tal movimento, além de destacar
sutilmente que as mulheres, ainda que as maiores atingidas pelos silenciamentos, não são
atingidas da mesma forma, caso contrário um movimento que protesta e procura chamar a
atenção para a truculência policial sofrida pela população negra não precisaria existir.
Bibliografia:
BEARD, Mary. Mulheres e poder: um manifesto. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.