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TMEPM CarlaTeixeira

Este documento resume uma dissertação sobre como a literatura angolana pode contribuir para o entendimento da história e cultura de Angola. A dissertação analisa obras de três escritores angolanos - Pepetela, Óscar Ribas e José Eduardo Agualusa - para mostrar como a ficção literária representa eventos históricos e tradições culturais de Angola. A autora argumenta que a literatura pode ser usada como uma ferramenta auxiliar no ensino da história.

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Mário Teixeira
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Este documento resume uma dissertação sobre como a literatura angolana pode contribuir para o entendimento da história e cultura de Angola. A dissertação analisa obras de três escritores angolanos - Pepetela, Óscar Ribas e José Eduardo Agualusa - para mostrar como a ficção literária representa eventos históricos e tradições culturais de Angola. A autora argumenta que a literatura pode ser usada como uma ferramenta auxiliar no ensino da história.

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UNIVERSIDADE ABERTA

NARRATIVAS EM DIÁLOGO: POR ENTRE A HISTÓRIA E A CULTURA


ANGOLANAS - NOS TRILHOS DE PEPETELA, ÓSCAR RIBAS E JOSÉ
EDUARDO AGUALUSA

Carla Cristina Rosales Santana Guimarães Falcão Teixeira

Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares

2018
UNIVERSIDADE ABERTA

NARRATIVAS EM DIÁLOGO: POR ENTRE A HISTÓRIA E A CULTURA


ANGOLANAS - NOS TRILHOS DE PEPETELA, ÓSCAR RIBAS E JOSÉ
EDUARDO AGUALUSA

Carla Cristina Rosales Santana Guimarães Falcão Teixeira

Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares

Dissertação orientada pela Professora Doutora


Ana Rita Soveral Padeira

2018
Resumo

Vários autores consideram pouco adequada a forma como a literatura e a história são apresentadas
aos jovens. Desde a escola primária até à faculdade, são apresentadas como matéria escolar a ser
apreendida e não como fonte de conhecimento sobre o mundo.

No caso específico da literatura, esta amplia o nosso universo ativando a imaginação e criando
sensações que transportam a visão do mundo para uma orientação em plenitude e beleza estética,
através do simbolismo, da recriação e da ficção. Estes fatores não só permitem uma melhor
identificação com o espaço recriado a partir do real, como também permitem um posicionamento
do leitor em relação ao tempo da história. No decorrer da narrativa e no sentido de consolidar o
nosso conhecimento sobre os factos passados para pontualizar o presente, os autores propõem um
jogo entre a ficção e o real, ao qual submetem as personagens.

Neste contexto, e como afirma Correia (2012) no seu artigo sobre o uso da literatura como fonte
para a história, “a literatura pode ser utilizada como documento histórico, capaz de revelar as
mudanças e permanências da sociedade de uma época”.

Esta afirmação foi o foco motivador para uma reflexão sobre uma das finalidades do género
narrativo, a representação de factos ou acontecimentos, e confirmar a importância da
interdisciplinaridade na aprendizagem através da introdução de métodos auxiliares, como a
literatura, para o despertar do conhecimento sobre a História de Angola.

Utilizando uma das modalidades do género narrativo, o romance, e através de uma ordem
específica de leitura de algumas obras de escritores angolanos como: Pepetela, Óscar Ribas e José
Eduardo Agualusa, foi possível traçar o percurso do conhecimento sobre a história, a cultura e
costumes do povo angolano, assim como compreender os caminhos que levaram à constituição de
Angola como nação. Através dos diálogos cruzados entre a história de Angola e a literatura
angolana, articulando a ficção com a realidade, foi possível analisar e apresentar uma proposta de
trabalho como auxiliar para o problema apresentado nesta tese: o contributo da literatura para o
conhecimento da história.

iv
Para pormenorização da problemática, recorremos a dois romances de Pepetela, Yaka e A Gloriosa
Família - o tempo dos flamengos, que traçam um período da história de Angola que está na base
da consciência para o despertar da nacionalidade.

Este sentimento nacionalista é confirmado no espaço dedicado ao escritor angolano José Eduardo
Agualusa onde analisamos a sua versão sobre uma das figuras da história angolana como
personagem de ficção através do romance: A Rainha Ginga. E de como os africanos inventaram
o mundo.

O conhecimento sobre a tradição oral angolana é um fator importante para a compreensão de


alguns comportamentos e atitudes vivenciadas na sociedade. O simbolismo, a mitologia, e as
tradições do povo angolano são peças fundamentais nos comportamentos individuais e em
comunidade, pelo que, consideramos que o romance, Uanga, do escritor angolano Óscar Ribas,
poderia dar o seu contributo na aquisição de conhecimentos sobre as tradições da sociedade
angolana.

Para enquadramento deste trabalho foi necessário utilizar algumas ferramentas introdutórias como:
breves exposições sobre a história de Angola e sobre o percurso da literatura angolana; um breve
posicionamento sobre o conceito e objetivo da modalidade – romance- dentro do género narrativo
e um cruzamento entre a história e os costumes de Angola, com algumas obras literárias de
Pepetela e de Óscar Ribas.

Estas ferramentas permitiram a afirmação do posicionamento teórico do género de narrativa


literária, romance, e sugerem que uma interdisciplinaridade entre história e literatura pode
incentivar a consolidação da aprendizagem da história.

Palavras – Chave: Literatura e História de Angola, Ficção Literária Angolana, Literatura


angolana.

v
Abstract

Many authors consider the way in which literature and history are presented to young people as
inadequate. From elementary school to college, they are presented as school material to be
apprehended and not as a source of knowledge about the world.

In the specific case of literature, it enlarges our universe by activating the imagination and creating
sensations that carry the vision of the world to a full orientation and aesthetic beauty, through
symbolism, recreation and fiction. These factors not only allow a better identification with the
space re-created from the real, but also allow a positioning of the reader in relation to the time of
the story. In the course of the narrative and in the sense of consolidating our knowledge about the
past facts to punctuate the present, the authors propose a game between the fiction and the real, to
which they submit the characters.

In this context, and as Correia (2012) affirms in his article on the use of literature as a source for
history, "literature can be used as a historical document capable of revealing the changes and
permanences of the society of an era."

This statement was the motivating focus for a reflection on one of the purposes of the narrative
genre, the representation of facts or events, and to confirm the importance of interdisciplinarity in
learning through the introduction of auxiliary methods, such as literature, to awaken knowledge
about History of Angola.

Using one of the modalities of the narrative genre, the novel, and through a specific order of
reading some works by Angolan writers such as: Pepetela, Óscar Ribas and José Eduardo
Agualusa, it was possible to trace the course of knowledge about history, customs of the Angolan
people, as well as understanding the ways that led to the constitution of Angola as a nation.
Through the dialogues between Angolan history and literature, articulating fiction with reality, it
was possible to analyze and present a work proposal as an aid to the problem presented in this
thesis: the contribution of literature to the knowledge of history.

For a detailed analysis of the problem, we have used two novels by Pepetela, Yaka and A Gloriosa
Família – o tempo dos flamengos, which trace a period of Angolan history that is at the basis of
consciousness for the awakening of nationality.
vi
This nationalist sentiment is confirmed in the space dedicated to Angolan writer José Eduardo
Agualusa where we analyze its version about one of the figures of Angolan history as a fictional
character through the novel: A Rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo.

Knowledge about Angolan oral tradition is an important factor for understanding some behaviors
and attitudes experienced in society. The symbolism, mythology, and traditions of the Angolan
people are fundamental elements in individual and community behavior. Therefore, we consider
that the novel, Uanga, by the Angolan writer Óscar Ribas, could contribute to the acquisition of
knowledge about the traditions of Angolan society.

To frame this work it was necessary to use some introductory tools such as brief presentations on
the history of Angola and on the course of Angolan literature; a brief stance on the concept and
purpose of the novel mode within the narrative genre and a link between the history and customs
of Angola with some literary works by Pepetela and Óscar Ribas.

These tools allowed the affirmation of the theoretical positioning of the genre of literary narrative,
novel, and suggest that an interdisciplinarity between history and literature can encourage the
consolidation of the learning of history.

Keywords: Literature and History of Angola, Angolan Literary Fiction, Angolan Literature.

vii
eating sensations that carry the vision of the world to an orientation in fu

Dedicatória

À minha mãe, meu irmão e minha cunhada Gabi, os meus imbondeiros.

Aos meus filhos Paulo e Miguel, as minhas pitangas, a minha vida.

Aos meus netos, meus futuros Mwangolés.

viii
ix
Agradecimentos

À minha mãe, por toda a coragem que me transmitiu desde sempre.

Ao meu irmão, pela força e incentivo que nunca me recusou.

À minha cunhada Gabi, por me dedicar algumas das suas pausas.

Aos meus filhos por terem compreendido a minha ausência necessária para
conseguir atingir todas as metas a que me tenho proposto.

À minha orientadora, Professora Doutora Ana Rita Soveral Padeira, por


toda a paciência, carinho e motivação que me transmitiu.

O meu muito obrigada e um abraço do tamanho do mundo a todos. Sem


vocês, não seria possível.

x
xi
Índice geral
Resumo ........................................................................................................................................................ iv
Abstract ........................................................................................................................................................ vi
Dedicatória ................................................................................................................................................. viii
Agradecimentos ............................................................................................................................................ x
Índice de fíguras ..........................................................................................................................................xiv
Introdução................................................................................................................................................... 13
Capítulo I ..................................................................................................................................................... 19
Na encruzilhada das histórias ..................................................................................................................... 19
1.1. Pela História de Angola. ............................................................................................................... 21
1.2. Breve apontamento sobre a história da Literatura Angolana. ...................................................... 28
1.3 . Da importância da ficção romanesca. ....................................................................................... 37
Capítulo II .................................................................................................................................................... 43
No encalço da História com Pepetela, Óscar Ribas e José Eduardo Agualusa ............................................ 43
2.1 Percorrer Angola com Pepetela, Óscar Ribas e Agualusa .............................................................. 45
2.2 Tradição e identidade: mitos e estórias enquanto pilares da cultura nos romances de Pepetela,
Óscar Ribas e Agualusa. ........................................................................................................................... 61
2.2.1 Pepetela: A Gloriosa família – o tempo dos flamengos e Yaka....................................................... 61
2.2.2. Óscar Ribas: Uanga ........................................................................................................................ 72
2.2.3. Agualusa: A rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo. .................................. 75
Capitulo III ................................................................................................................................................... 81
Viajar no tempo através da personagem.................................................................................................... 81
3.1. A figura histórica e a construção da personagem. .......................................................................... 83
3.2. O exemplo de Nzinga: O narrador e a construção da personagem. .............................................. 86
Em jeito de conclusão ................................................................................................................................. 93
Bibliografia .................................................................................................................................................. 97
ANEXO 1 .................................................................................................................................................... 101
Algumas propostas para atividade interdisciplinar ............................................................................. 103

xii
xiii
Índice de fíguras

Figura 1 - Mapa Etnolinguístico de Angola ................................................................................................ 22


Figura 2 - Principais reinos históricos de Angola – Século XV ................................................................. 24
Figura 3 - Mapa da expansão portuguesa em Angola ................................................................................ 45
Figura 4 - Mapa do Reino da Lunda no séc. XVI. ...................................................................................... 50
Figura 5 - Mapa dos reinos do Congo, Angola (Ngola) e Benguela – Séc XVI e XVII ............................. 51
Figura 6 - Mapa de Angola Colonial – Séc. XIX e XX .............................................................................. 52

xiv
xv
Introdução

Ao escolher uma obra literária, o leitor procura no prazer da sua leitura uma forma de se identificar
com a versão do mundo que lhe é apresentada pelo autor daquela. É através dessa identificação
que compreende e interpreta a obra, inteirando-se igualmente sobre o percurso feito pelo autor em
causa, o que lhe permite obter um certo conhecimento sobre determinada personagem histórica,
sobre um tema em particular e sobre o tempo ou o espaço em que se enquadra.

O esforço de descodificação ou de análise que desenvolve na sua viagem através da leitura da obra
literária, proporciona, por conseguinte, ao leitor comum o alargar de horizontes relativamente ao
que desconhecia ou, simplesmente, intuía. Através de cruzamentos sucessivos entre o vivenciado
e o imaginado, um leitor atento vai assim estabelecendo uma correspondência de factos e de
sentidos entre o passado e o presente.

De acordo com o exposto na obra Literatura em perigo1, Todorov considera que a forma como a
literatura é apresentada aos jovens, desde a escola primária até à faculdade, constitui um perigo já
que se apresenta como “matéria escolar a ser apreendida” no âmbito de um determinado contexto
periódico e não tanto como ‘janela’ para o mundo e “fonte de conhecimento sobre o mesmo”, tal
como efetivamente deveria ser apreciada:

[…] a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e
organizá-lo. … a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interacção com os outros e, por
isso nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo
real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. (p:24)

A narrativa literária transforma-se em discurso coevo e autorizado à medida que lhe vão sendo
atribuídos sentidos e significados, o que verificamos acontecer com o género literário romance,
aquele que melhor e de forma mais verosímil reproduz o mundo e a vida, o passado e o presente
ou, ainda, os sentimentos e as emoções.

A partir das diferentes funções que os ‘agentes’ da narrativa desempenham, sejam eles as
personagens ou os narradores, por hipótese, é possível obter a representação de histórias que
remetem para a própria História quer a partir de acontecimentos quer de situações relatadas, dos
lugares que são recriados e das tradições que permitem a reconstituição de outros tempos que

1
Tradução de Caio Meira , 2009
13
fazem parte do passado, mas que são, porém, importantes e configuradores do presente, que assim
revelam e ajudam a explicar.

Os estudiosos que se debruçam sobre as afinidades que existem entre a Literatura e a História,
analisando a interação que eventualmente se estabelece entre ambas as ciências, partem do
pressuposto que a História como fonte de conhecimento é sempre uma representação do passado
e que, desta forma, toda a fonte documental para produzir esse conhecimento é, também ela, uma
representação de determinada realidade.

De acordo com a premissa atrás referida, Sandra Pesavento (2006) sugere que as narrativas, sejam
elas históricas ou literárias, ou ainda outras, ao construírem uma determinada representação da
realidade, procuram compreender a produção e a receção dos textos num exercício de articulação
entre a escrita, a linguagem e a leitura. A investigadora destaca esta tríade como sendo
determinante para a formação do conhecimento histórico através da literatura.

Partindo do conceito de literatura como representação do real, um texto literário pode ter como
objetivo a identificação de lugares e momentos de uma realidade cultural. A narrativa literária
pode, por conseguinte, ser encarada também como uma forma de representação social e histórica,
tornando-se frequentemente testemunha de uma época, cujo tempo e espaço históricos reconstrói,
fazendo uso de factos históricos, sociais ou culturais que servem por assim dizer como ponto de
partida para a ficcionalização da realidade social e da própria História.

A literatura é uma forma de arte e como tal a narrativa literária utiliza recursos próprios, estilísticos,
para recontar através da ficção estórias que têm origem na própria História e no passado. Ao
dialogar com o leitor, a obra de arte literária proporciona a interação do presente com o passado,
convocando tanto o imaginário como o real, ou seja, aquilo que já foi, mas também o que, através
da recriação artística e da imaginação do escritor, poderia ter sido. A importância de que se
revestem, no contexto de abordagem que ora se propõe, as figuras da ficção, parece ser
efetivamente incontestável. Elas representam as figuras históricas, recriando com maior ou menor
fidelidade, consoante os propósitos do escritor, os universos em que se moveram.

Um dos objetivos do presente trabalho é precisamente procurar explicar e compreender, através


da literatura romanesca escolhida a partir de um corpus restrito de autores, a realidade atual da

14
nação e do povo angolano, fazendo uma releitura da sua História, recorrendo para o efeito a
acontecimentos já passados que ajudam a perceber melhor o presente, não só no que diz respeito
a um coletivo de gentes mas também à importância da tradição e da cultura ancestral na
preservação de usos e de costumes, de comportamentos e de atitudes que são traços que confirmam
e configuram a existência de uma certa angolanidade.

Assim, optámos por trabalhar alguns romances de autores angolanos sobejamente conhecidos,
ainda que possam ser identificados com épocas históricas distintas. São eles: Pepetela 2 com os
romances Yaka (1985) e a Gloriosa família - o tempo dos flamengos (1997); Óscar Ribas, com a
narrativa de ficção em formato de romance folclórico Uanga (1951) e José Eduardo Agualusa com
A rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo (2014). Esta escolha ficou a dever-
se, em parte, ao reconhecimento de características que, devido ao desenrolar dos acontecimentos
que as ficções recriaram, convidam à interpretação e à reflexão sobre factos e ocorrências que
realmente se verificaram e que são ‘protagonizados’ pelas figuras da ficção, num espaço que é o
de Angola.

Privilegiando uma visão necessariamente interdisciplinar, enriquecedora e indispensável, neste


confronto de ciências que aqui se implicam, a Literatura e a História, o presente trabalho ambiciona
redescobrir a história de Angola através da sua literatura, nomeadamente a partir da obra
romanesca dos três autores supra identificados, destacando a visão própria e subjetiva de cada um,
modelada por idiossincrasias distintas.

Para o efeito, pretende-se percorrer o caminho da História de Angola desde a sua colonização até
ao período pós-independência, sempre que os romances concedam atenção aos momentos
históricos referidos. Serão igualmente incluídos elementos da cultura tradicional sempre que os
mesmos justifiquem a formação da imagem da angolanidade, com especial destaque para o
desenvolvimento da ideia de Identidade e da Memória, bem como do conceito de Nação. Evocando
a atuação de alguns heróis nacionais que pelos seus feitos e bravura se destacaram na história
recente (e menos recente) de Angola, pensamos poder completar com o modesto contributo a
imagem da formação de uma nação.

2
Pseudónimo de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos.
15
Estão em causa cerca de 500 anos de colonização portuguesa cuja história é, no entanto,
maioritariamente conhecida através de autores estrangeiros. A obra de Pepetela, designadamente
os romances suprarreferidos, apesar de não ter sido escrita seguindo a ordem cronológica dos
factos acontecidos, pode ser evocada para recordar o caminho percorrido por Angola desde as
origens até ao momento em que adquire o estatuto de Nação, e da sua identificação como país até
aos dias de hoje.

Os romances de Pepetela espelham as principais transformações sociais e políticas que ocorreram,


bem como as reformas empreendidas para a construção e ‘desconstrução’3 já que a personagem
principal dos seus romances parece ser, inegavelmente, Angola e a sua história.

Se, para coadjuvar o percurso histórico que o país empreendeu, escolhemos os romances de
Pepetela já referidos, para ilustrar a importância dos domínios da tradição, mas também da
ancestralidade e da oralidade no contexto da cultura africana, recorremos à obra Uanga (1951) de
Óscar Ribas, como etnógrafo de grande relevância sobre a cultura angolana. Já José Eduardo
Agualusa, sendo um recriador, de entre vários escritores de várias nacionalidades, da figura
histórica talvez mais influente da história angolana, Nzinga Mbandi, afigurou-se-nos, por isso,
como escolha incontornável o romance Rainha Ginga e de como os africanos inventaram o mundo
(2014). A leitura deste romance constitui-se não só numa viagem ao passado como também num
expediente para melhor compreender o presente. É o que também procuraremos demonstrar.

Havendo necessidade de definir os campos da História e da Literatura e dada a impossibilidade de


obtenção de toda a literatura disponível sobre o tema, foi necessária uma revisão da mesma, no
sentido de aprofundar os campos teóricos que serviram de base à investigação.

Seguindo uma metodologia dedutiva, e começando pela análise de textos tanto teóricos como de
ficção, ou seja, contemplando as revisões do estado da arte e considerando os romances que podem
ser enquadrados nos períodos históricos mais importantes, respetivamente, tentámos proceder a
uma análise prática dos aspetos que no âmbito dos romances escolhidos melhor ilustraram a
recorrência da História e dos seus factos e figuras na Literatura, ou seja, nas histórias ficcionadas.

3
Pepetela utiliza o termo ‘desconstrução’ ao refletir sobre a utopia em que se transformou o sonho que levou os
nacionalistas a lutar pela descolonização e libertação de Angola. Após a independência nacional, a ideologia socialista
reverteu para uma nova forma de capitalismo que estava longe do sonho inicial.
16
Simultaneamente, e sempre que se revelou oportuno, estabeleceu-se um confronto interdisciplinar
agregador destes dois domínios do saber que simultaneamente promovem o conhecimento e
estimulam o saber.

Assim, e de acordo com os diferentes contributos bibliográficos pesquisados, optou-se pela divisão
do presente trabalho em três momentos distintos, a saber: o campo de atuação da História, o da
literatura e a correlação de Literatura e da História na análise dos romances selecionados.

Partindo do princípio de que a revisão da literatura não é apenas uma junção de visões sobre um
determinado tema, mas também uma forma de possuir uma avaliação crítica das teorias, a revisão
sistemática da literatura – a reflexão sobre o estado da arte - tornou-se um aliado na elaboração do
presente trabalho.

Assim, o primeiro capítulo, a que demos o título “Na encruzilhada das histórias”, abarca uma breve
passagem pela História de Angola, de forma a evidenciar melhor os factos, as situações, as épocas
e as figuras que os romances destacadamente mais evidenciam.

Porque o presente estudo versa sobre a representação da história na narrativa de ficção, também
neste capítulo inserimos considerações sobre o conceito do género narrativo romance assim como
considerações sobre o percurso da literatura angolana que teve um início tardio, fruto da política
do sistema educativo colonial.

Ainda a este propósito, pretendeu-se reforçar o lento caminho percorrido pela literatura angolana
até á sua afirmação enquanto instituição, salientando o papel decisivo que desempenhou no espaço
da concertação nacional, nomeadamente através da literatura de intervenção, com duas
composições do poeta e, não menos importante, figura política de relevo notável, António
Agostinho Neto. Em ambos os casos, “Comboio Africano” e “Havemos de voltar”, evidencia-se o
percurso e o sentimento do povo angolano face à condição de repressão e ao despertar para a
nacionalidade.

No segundo capítulo, com o título “No encalço do reconhecimento histórico e cultural: Pepetela,
Óscar Ribas e Agualusa”, fazemos um enquadramento da história e da cultura de Angola com
romances de Pepetela e obras de Óscar Ribas. Ainda neste capítulo analisamos os dois romances
de Pepetela, Yaka e A gloriosa família - o tempo dos flamengos, inseridos num período da história
17
em que se revelam as consciências que levam aos movimentos de libertação, assim como o
romance de Agualusa A rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo que versa
sobre o mesmo período da história, mas visto numa perspetiva do contributo da figura histórica
para o percurso da história do país. Através da representação ficcional, entendeu-se ainda fazer a
ponte com o romance Uanga de Óscar Ribas, que concede atenção particular aos usos e costumes,
ou seja, às tradições e a uma cultura que conserva viva a memória e a ancestralidade do seu
passado.

No terceiro capítulo, analisaremos o romance de Agualusa, A rainha Ginga. E de como os


africanos inventaram o mundo, do ponto de vista da personagem. Trata-se de uma visão pessoal
da figura histórica enquanto personagem de ficção, num espaço e num tempo da história
igualmente retratado nos romances de Pepetela. Agualusa faz, também ele, uma leitura sobre a
angolanidade e a questão da identidade, através da figura histórica que protagoniza a história
ficcionada. A figuração histórica da Rainha Nzinga Mbandi está de acordo com o desejo de
construir e legitimar o conceito de Nação que, consequentemente, assume contornos significativos
no âmbito da construção da própria história da nação angolana.

Por último, apresenta-se ainda uma proposta de trabalho de caráter pragmático, a ser desenvolvida
com alunos do ensino médio, inseridos no sistema de ensino de Angola (em cumprimento com a
reforma educativa implementado pela LBSE - Lei de Bases do Sistema de Educação4). A proposta
em causa consiste na abordagem interdisciplinar da história de Angola, através da sua literatura,
nomeadamente através dos romances de Pepetela e de Agualusa supramencionados.

4
Lei nº 13/01 de 31 de dezembro de 2001

18
Capítulo I

Na encruzilhada das histórias

19
20
1.1. Pela História de Angola.

Como anteriormente referido na introdução deste trabalho, incluímos neste ponto do Capítulo I
um resumo muito breve da História de Angola5 que inclui o período pré-colonial, o período
colonial e o período pós-independência. Julgamos que este ponto de referência à história de Angola
permite uma contextualização dos romances que vamos abordar nos capítulos II e III do presente
trabalho.

Etimologicamente Angola deriva de Ngola6, nome atribuído a uma dinastia dos povos Ambundo,
fixados no médio-Kwanza. É limitada a norte, pela República do Congo e pela República
Democrática do Congo; a leste, pela República da Zâmbia e ainda pela República Democrática do
Congo; a sul, pela República da Namíbia e a oeste, pelo Oceano Atlântico. Tem duas estações
climáticas distintas: a das chuvas – húmida e quente, que decorre de setembro a abril, e a do
cacimbo 7 – seca e fria, que vai de maio a setembro.

Sobre o contexto histórico, a investigadora e historiadora Rosa Cruz e Silva, efetuou um estudo
sobre Angola e o seu potencial/História (1997). Esse estudo, não só serviu para a compreensão de
situações relevantes ocorridas no desenvolvimento de Angola, como também foram objeto de
reflexão de alguns estudiosos, como por exemplo: Filipe Zau (2002).

O estudo da investigadora Rosa Cruz e Silva, além da componente de história que reporta desde a
pré-história de Angola até ao período pós-independência, pode também ser considerado um
documento histórico de extrema importância no que concerne à compreensão da complexidade do
processo educativo angolano. Este processo educativo faz parte de uma componente determinante
da vida dos angolanos, quer se refira à vida política ou à vida social, económica e cultural de
Angola, através de uma visão africana e, que encontramos nos romances que iremos rever. Desta
forma e, a partir do estudo da investigadora, optamos por referir, neste ponto 1.1 do trabalho,
algumas fases da História de Angola que pretendemos contextualizar com o estudo dos romances

5
O território de Angola ocupa uma área de 1.246.700 Km2, sobre o qual existem poucas obras disponíveis para
investigação, sobre a sua história, desde o pré-colonial até ao período colonial.
6
De acordo com o Dicionário Glossográfico e Toponímico da documentação sobre Angola – séculos XV-XVII, de
Adriano Parreira (1990), Ngola, é uma palavra de origem na língua tradicional angolana Kimbundo e que significa: o
que fala a língua Kimbundo; o que pertence ao grupo Ambundo; o que pertence à etnia Mbundo.
7
Idem, p.32. A palavra cacimbo deriva da língua tradicional angolana Kimbundu. Kisibu. Refere-se à estação mais
seca e temperada que a das chuvas e cuja duração varia consoante o espaço geográfico.
21
escolhidos como referências para o conhecimento da história de Angola em geral, como também
para os romances que escolhemos para análise e comparação de acordo com as categorias da
narrativa, através do contexto e da intensão do autor.

Em território angolano existem vestígios que reportam à Idade da Pedra, assim como vestígios da
Idade do Ferro. São também encontrados, em território angolano, indicadores sobre a existência
de diferentes etnias e que derivam da migração de povos Bantu8, originários da região dos
Camarões. Destes povos derivam alguns grupos etnolinguísticos da atual região angolana que é
detentora de várias línguas tradicionais, sendo que sete dessas línguas, convivem na sociedade
atual, tais como: Kimbundo, Umbundo, Chokwe, Kikongo, Ngangela, Kwanhama e Nyaneca.

Figura 1 - Mapa Etnolinguístico de Angola

8
A diversidade cultural e étnica do povo angolano é grande, sendo na sua quase totalidade de origem bantu. A
designação bantu é atribuída à quase maioria da população fixada ao sul do Equador. São, sobretudo, pastores.

22
Angola, é uma sociedade plural, composta por vários grupos culturais, que comunicam em várias
línguas tradicionais. No sentido de promover e não deixar que estas línguas caiam no esquecimento
da população, algumas emissoras radiofónicas nacionais e o canal de televisão público têm
emissão de noticiários e outros programas, em horários específicos, em algumas dessas línguas.
Segundo fonte governamental, através dos meios de comunicação o governo de Angola pretende
introduzir algumas das línguas tradicionais no ensino, a partir do 1º ciclo do ensino básico, situação
que ainda se encontra em fase de estudo e planificação.

A história da ocupação de Angola pelos portugueses foi contada em diferentes versões. Qualquer
uma dessas versões foi sempre analisada tendo em consideração os interesses dos portugueses,
apesar de as histórias dos dois países se cruzarem. A ocupação do território, hoje angolano, foi
marcado por guerras de conquistas que visavam o abastecimento de escravos para mão de obra,
seguiram-se lutas contra os holandeses, onde os portugueses perderam o domínio do território e
voltaram a recuperar e as várias guerras promovidas pela insatisfação e não aceitação de domínio
estrangeiro, por parte da população nativa.

Antes da chegada dos portugueses, no século XV, o reino do Congo controlava cerca de um oitavo
do atual território de Angola e a quem os restantes reinos tinham de pagar tributos.

O território da atual Angola estava organizado por reinos que derivavam das aglomerações em
aldeias com o poder centralizado num chefe de linhagem, com poder económico e prestígio perante
a comunidade. Estes chefes, designados por Sobas, ainda fazem parte da estrutura social da atual
Angola. A fundação dos reinos foram ocorrendo em épocas diferentes e distintas, como nos
informa Rosa Cruz e Silva (1997).

Após os conflitos armados resultantes da intervenção portuguesa na região, enquanto o reino do


Ndongo procurava preservar a sua unidade política no século XVI, o reino do Kongo estabelecia
com Portugal um intercâmbio comercial e cultural vantajoso, que só, posteriormente, no século
XVII, se veio a desmoronar. Mas neste período, ainda o reino da Lunda estava longe de se edificar.
Daí que os reinos do Kongo e do Ndongo, onde os portugueses chegaram, respetivamente, nos
finais do século XV e princípios do século XVI, constituíram duas experiências distintas: no tocante
ao reino do Kongo, situado entre os rios Zaire e Dande, o Atlântico e o rio Kwango, a coroa
portuguesa procurou pôr em prática uma política de contactos amigáveis, de intercâmbio cultural,
embora marcados pelo proselitismo religioso. Estes primeiros contactos estabelecidos foram
caracterizados como amistosos. (pp:39-40)

23
Figura 2 - Principais reinos históricos de Angola – Século XV

Sete anos após a chegada do navegador português Diogo Cão à foz do rio Zaire em 1482, o
soberano do reino do Congo, converteu-se ao catolicismo através do batismo. Escolheu o nome
cristão de “João”, o mesmo do soberano português da altura, D. João II, uma vez que pretendia
imitar o estilo e modo de vida do Rei Português. O Congo tornou-se num repositório africano de
influências e ideias europeias que acabou por destruir a unidade do reino. Soberanos de outros
reinos como: N’Gola, soberano do reino do Ndongo, não partilhavam da mesma vontade de
submissão demonstrada pelo rei do Congo aos invasores estrangeiros.

24
Na sua investigação, Rosa Cruz e Silva (1997), refere que o reino do Ndongo9, que estava ligado
à dinastia dos Ngola e designado pelos portugueses por reino de Angola, tal como o reino do
Congo, também foi alvo de muitos interesses por parte dos portugueses: a prata, o ferro, o cobre e
o comércio de escravos. Uma vez que os interesses do rei N’Gola, soberano do reino do Ndongo,
não estavam na mesma linha de interesses do rei João (rei do Congo), os contatos da primeira
missão comandada por Paulo Dias de Novais, em 1560, não só não foram fáceis, como, tal como
já havia acontecido quarenta anos antes, o chefe da missão e diversos companheiros acabaram por
ficar prisioneiros durante vários anos.

Em 1575, Paulo Dias de Novais regressa a Angola e não foi recebido com agrado pelos Ngola,
tendo o primeiro batismo ocorrido em 1620, quando o reino do Congo já se encontrava em declínio.
Para o reino de Angola estava reservada a conquista a ferro e fogo, a exploração intensiva de
escravos para as plantações e minas de territórios do continente americano, nomeadamente para o
Brasil, segundo a fonte supracitada “Capturar e vender escravos, foi o negócio em que se
envolveram portugueses e africanos”. (pp 44-45)

Os angolanos ficaram em desvantagem uma vez que o propósito que servia a ocupação colonial
não permitia que as populações cultivassem as terras e desenvolvessem as políticas de governação
nativas. Homens, mulheres e crianças, eram capturados como escravos, vendidos e enviados para
as plantações de outras colónias, o que fazia com que faltasse mão de obra para trabalhar as lavras
em território angolano, situação que desagradava a alguns soberanos locais.

O diálogo que se seguiu, após a chegada de Paulo Dias de Novais ao reino do Ndongo, tornara-se
infrutífero. O rei Ngola-a-Kilwanji não se mostrou interessado nas propostas portuguesas,
recusando-se a aceitar a missionação no reino e a submissão à coroa portuguesa, como
recomendavam os regimentos que se foram seguindo no decorrer da alternância governativa
portuguesa sediada em Luanda. Esta intenção dos portugueses no Ndongo intensificou-se, mais
concretamente, com o início das campanhas militares efetuadas, tendo como objetivo a submissão
dos chefes locais, pela força. Os colonizadores portugueses pensavam que desta forma alcançariam
o domínio na zona, o que lhes facilitaria as operações para a captura dos escravos.

9
Ndongo tem como significado, canoa, na língua Kimbundu, de acordo com: História de Angola – trilhos, consultado
em https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/.../ANGOLA-Trilhos.
25
A partir de 1617 Manuel Cerveira Pereira, governador enviado pelo rei de Portugal, funda o reino
de Benguela a sul do território submetendo os sobas daquelas localidades e instalando uma nova
autoridade na região e, tal como em Luanda, passava a funcionar no então reino de Benguela uma
pequena administração colonial de onde saíam também várias caravanas de “peças”, escravos, para
embarcarem nos navios negreiros e enfrentar o destino que lhes estava reservado nas plantações
de outras colónias.

A resistência oferecida pelos chefes Ngola10 dificultou as investidas dos portugueses para a
submissão no reino do Ndongo. No período de governação de Ngola Mbande11, 1617-1626, as
contendas militares reduziram o poder do rei na região. Ngola Mbande viu-se obrigado a solicitar
a ajuda de sua irmã Jinga Mbande12, (Nzinga Mbande ou Ginga Mbande) exímia política da época
que lutou durante quase quatro décadas para impedir a submissão do Reino do Ndongo à Coroa
Portuguesa. Mas apesar de toda a resistência oferecida pelos Ngola, as expedições militares
prosseguiam levando o reino ao seu desmoronamento, conforme documentam Douglas Wheeler
& René Pélissier. História de Angola (2011, pp:66-76).

De acordo com várias fontes, entre as quais as supracitadas, o reino do Ndongo, o reino da
Matamba13e o reino de Kassanje14, mantiveram a sua independência até ao século XIX.

No século XVIII, a disputa pelas terras de África para além de Portugal era partilhada pela França,
a Inglaterra e a Alemanha que mais tarde, na Conferência de Berlim (1884-1885), dividiram o
continente de acordo com os seus interesses. Referimo-nos ao “Mapa Cor- de Rosa”.

No início do século XIX, o domínio português estava praticamente completo. Os antigos reinos do
Congo, de Angola (constituído pelos reinos de Ndongo, Matamba e Kassange) e de Benguela

10
Ngola – também significa, e neste contexto, “rei” de Angola, de acordo com o Dicionário Glossográfico e
Toponímico da documentação sobre Angola – séculos XV-XVII, de Adriano Parreira (1990).
11
Ngola Mbande, filho de Ngola-a-Kilwanji e que a este sucedeu como rei do reino do Ndongo, após a sua morte, e
contra a vontade de todos que pretendiam que Nzinga Mbande fosse a sucessora de seu pai.
12
Nzinga Mbande, rainha do reino do Ndongo, do reino da Matamba e do reino de Cassange, após a morte de seu
irmão Ngola Mbande. Governou durante cerca de 40 anos e após algumas derrotas nas guerras contra os portugueses,
nunca foi capturada. Faleceu aos 82 anos. Tornou-se num simbolo de libertação nacional.
13
Região que se situava a norte do Lukala, entre os rios Kwale, Kwango, Kambo e Lukala. Foi em finais do terceiro
decénio do século XVII, dominada pela rainha Jinga. A Matamba e Kisanji foram provavelmente, os maiores pumbos
(feiras de escravos) do mundo, no século XVII. Parreira, Adriano. 1990: pp. 160 - 176.
14
Região situada entre os rios Kamba, Lutoa, Kwango, ocupando o que se chama Baixa ou Escarpa de Kasanji. Estado
fundado pelos Mbangala Kulaxingo, em 1630. Um dos principais pumbos da região. Idem.

26
passaram a constituir a unidade administrativa colonial com o estatuto de Província. Tenta-se
também abolir a escravatura. A ocupação portuguesa torna-se efetiva e com ela a resistência das
monarquias vigentes, tais como: O rei Ekuikui II, considerado como símbolo da resistência do
planalto; Mutu Ya Kevela, líder militar do reino do Bailundo e que foi quem promoveu a maior
revolta nativista do continente africano contra o poder colonial antes da primeira Guerra mundial;
Ndunduma, rei do Bié e também ele forte opositor à dominação portuguesa e Mandume que, tendo
sido escolarizado por missionários protestantes alemães, foi também o último rei dos Cuanhamas.
Estes soberanos são também considerados como símbolos nacionais pelo facto de terem oferecido
resistência entre as últimas décadas do século XIX e o primeiro quartel do século XX, altura em
que a dominação portuguesa aconteceu de facto.

Rosa Cruz e Silva (1997) conclui que Angola era mais uma província portuguesa que, com o fim
do tráfico negreiro, necessitou de obter outro tipo de mão de obra barata para as plantações de café.
Para isso, o governo necessitou de desenvolver reformas administrativas, educativas e agrárias que
fizessem crescer os rendimentos do Estado Português.

Apesar de tantas dificuldades que o processo acarretou, o final do século XIX seria marcado pela
organização de uma administração colonial, correspondente ao espaço e aos homens dominados. A
estratégia na economia assentava, basicamente, na agricultura e na exportação de matérias primas.
O comércio da borracha, que as caravanas do planalto conduziam aos portos do litoral, a cera, os
marfins, entre outros produtos, somavam os rendimentos do Estado, acrescido dos impostos
cobrados às populações. (p:49).

Após a implantação da República Portuguesa em 1910, surgem grupos nacionalistas que


confrontam o poder através de movimentos que despertam para a consciência nacional. O MPLA
(Movimento Popular de Libertação de Angola), a FNLA (Frente Nacional de Libertação de
Angola) e a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), são os movimentos
que encabeçam a frente nacional e cujo conflito político e armado acaba na proclamação da
Independência a 11 de novembro de 1975. Sob o governo do MPLA toma posse como primeiro
Presidente da República o Dr. António Agostinho Neto, médico e poeta. Inicia-se a fase de
concertação nacional, visando várias reformas políticas, económicas e sociais, com o objetivo do
crescimento e da estabilidade do país.

27
Às casas, às nossos lavras
às praias, aos nossos campos
havemos de voltar

Às nossos terras
vermelhas de café
brancas de algodão
verdes dos milharais
havemos de voltar

às nossas minas de diamantes


ouro, cobre, de petróleo
havemos de voltar

Aos nossos rios, nossos lagos


às montanhas, às florestas
havemos de voltar

À frescura da mulemba
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar

À marimba e ao quissange
ao nosso carnaval
havemos de voltar

À bela pátria angolana


nossa terra, nossa mãe
havemos de voltar

Havemos de voltar
À Angola libertada
Angola independente

Poema “Havemos de Voltar” de António Agostinho Neto (1975).

1.2. Breve apontamento sobre a história da Literatura Angolana.

Para entender Angola é necessário conhecer a sua história, no que respeita à sua fundação como
nação, mas também perceber alguns aspetos que respondem a questões concernentes a
comportamentos sociais e até mesmo individuais. Muitos desses aspetos, no caso específico de
Angola, foram marcados por um trajeto muito lento no campo do ensino e educação nativa e que
são o resultado da existência de uma educação literária muito recente e pouco numerosa,
comparando com a cultura literária europeia.

28
A nossa escolha para este trabalho foi a análise de narrativas literárias que comportam o
conhecimento da história de Angola, dos costumes e das tradições. Assim, introduzimos este
ponto, com uma breve descrição do percurso do ensino e da formação literária dos
escritores/autores angolanos. Pretendemos que esta breve passagem pela história da literatura
angolana permita uma contextualização com os temas escolhidos e que são também os temas mais
utilizados nos romances de autores angolanos e de quem falaremos no capítulo seguinte.

O despertar tardio para a produção literária, na nossa perspetiva, é um dos motivos pelo qual a
literatura angolana aparece muito recentemente, e com uma missão muito ligada a questões
políticas de incentivo à descolonização. A lentidão deste percurso não é apenas justificada no
campo da produção literária. Faz parte de todo o processo de criação da nação, tal como é retratado
no poema “O comboio africano” de António Agostinho Neto (1974), um dos poemas que
compõem a obra “Sagrada Esperança” (1975).

Um comboio
subindo num difícil vale africano
chia que chia
lento e caricato

Grita e grita

quem esforçou não perdeu


mas ainda não ganhou

Muitas vidas
ensoparam a terra
onde assenta os rails
e se esmagam sob o peso da máquina
e no barulho da terceira classe

Grita e grita

quem esforçou não perdeu


mas ainda não ganhou

Lento caricato e cruel


o comboio africano…

Durante a época em que Angola foi colónia e província portuguesa, apesar das declarações das
autoridades da metrópole mencionarem que a principal preocupação era a assimilação do homem
africado, o que é certo é que, com exceção do esforço dos missionários, os nativos viveram, na sua

29
maioria, na ignorância. A realidade cultural angolana começa a revelar-se, apenas, a partir do Acto
Colonial de 1930 15.

Ao longo do período colonial, a população obteve conhecimento sobre as suas raízes, hábitos e
costumes, através de relatos verbais. A população nativa não tinha acesso à educação e por
conseguinte, também não tinha acesso a obras literárias que fomentassem ou desenvolvessem as
suas capacidades literárias escritas, ficando-se pela literatura oral tradicional e de conhecimento
vivenciado pelos próprios.

Caso seja possível definir uma ‘política educativa’ em Angola, esta apenas ocupa algum espaço a
partir da implantação da república portuguesa, orientada para os interesses da metrópole. A
educação mantinha-se a cargo das missões e a tentativa de implementação de uma rede escolar não
teve sucesso. O ensino estava a cargo dos religiosos que tinham como missão, para além do ensino,
a evangelização da população e a submissão à bandeira portuguesa.

O primeiro liceu em Angola surgiu em 1917 e o segundo em 1929. Os estudos superiores só eram
possíveis em Portugal. A intensão da política colonial passava por obrigar os africanos, das suas
colónias, a frequentar os estudos superiores na metrópole. Desta forma garantiam o enquadramento
político e a inoculação da ideologia do colonizador.

O Regime de Oliveira Salazar, em 1926, criou um sistema educativo que se baseava na distinção
entre “indígenas e civilizados”. Os portugueses e os assimilados16, os civilizados, seguiam o
sistema de ensino da metrópole enquanto os indígenas, os nativos com subordinação económica e
social, seguiam um ensino básico onde aprendiam a falar, a ler e escrever a língua portuguesa, pois
assim era conveniente para a continuidade da colonização.

Ao contrário dos europeus que em terras angolanas tinham professores e podiam frequentar as
escolas fora do país, os angolanos não tiveram possibilidade de desenvolver uma cultura. Para o
governador Norton de Matos o ensino destinado aos africanos da colónia deveria ser ministrado
em oficinas, consoante a especialidade e à semelhança do que, hoje, acontece com o ensino técnico

15
O Acto Colonial foi primeiro documento constitucional do Estado Novo e que reformulou a terminologia oficial,
ao chamar de novo “Colónias”, o que até então se chamava “Províncias Ultramarinas”, com o objetivo de fazer
participar o africano na comunidade cultural portuguesa.
16
Assimilados eram os cidadãos pertencentes à elite Africana e que estavam sujeitos às leis comuns.
30
profissional. Para além das aprendizagens das disciplinas de Língua Portuguesa e de Matemática
era facultado o ensino de uma profissão manual especializada, ou seja, praticava-se uma educação
para o trabalho, como convinha ao domínio colonial.

Só a partir de 1963, depois de iniciadas as guerras de libertação nacional, foram dados os primeiros
passos para se fundar os Estudos Gerais Universitários em Angola.

A política de educação colonial apenas permitiu que a aprendizagem da maioria da população


angolana fosse efetuada ao longo da vida. Os valores e práticas sociais do quotidiano foram
passados e explicados num contexto de solidariedade, entre quem conta e quem escuta. A
oralidade e sua funcionalidade tornaram-se de extrema importância no dia-a-dia dos povos. A
palavra é o testemunho da memória. Através da palavra era garantido o conhecimento sobre: a
tradição, o mito, a cultura, o uso e costume do povo. A literatura tradicional oral torna-se o único
veículo para a população indígena chegar ao conhecimento.

A experiência dos mais idosos era fonte de conhecimento sobre os mais variados temas de interesse
para as sociedades indígenas, assim como eram os códigos de conduta para as mais variadas
situações de ordem política, social e económica.

Existe um provérbio indiano, de autor desconhecido, que diz:” Quando morre um velho, perde-se
uma biblioteca”. É um provérbio que se adapta à realidade de Angola. O escritor angolano Óscar
Ribas baseou as suas recolhas etnográficas, e documentadas em obras escritas que fazem parte da
herança literária que deixou ao povo angolano e ao mundo, neste tipo de fonte de conhecimento.
A palavra como testemunho da memória.

Atualmente, quase não se fala em literatura tradicional e literatura oral. Apenas em Literatura e
sempre num contexto de escrita, de documento escrito, sejam descrições, exposições ou narrações.

Todas as disciplinas são importantes na construção do conhecimento e formação do indivíduo. O


percurso escolar é compactado de forma a cobrir os timings da vida e abranger todas as áreas do
conhecimento, para uma formação global, de acordo com os interesses pessoais. Os vários géneros
de literatura, sejam eles romances, contos, fábulas ou outros são a principal fonte de inspiração
para a descoberta do desconhecido durante o percurso escolar dos jovens aprendentes.

31
A análise sobre o percurso escolar e sobre a relação que é possível existir entre as disciplinas
curriculares no sentido de promover a obtenção de um conhecimento mais próximo e permitir uma
abertura e descoberta do saber é um motor impulsionador para este estudo, visando
simultaneamente estabelecer o confronto e delimitar as fronteiras entre a Literatura e a História.
Para melhor enquadramento do tema entendemos ser necessário explicar alguns dos motivos
devido aos quais a literatura angolana teve um aparecimento tardio, bem como um
desenvolvimento lento, porém sempre vocacionado para a exigência da constituição de uma
consciência nacional.

Alguns estudiosos sobre o percurso da literatura angolana, como Carlos Ervedosa (1963), referem
que em Angola, até ao século XVII, apenas podemos contar com uma literatura de cariz popular,
transmitida oralmente de geração em geração. A literatura da população, apesar de muito rica era
uma literatura oral em forma de contos, lendas, fábulas e poesias. “As primeiras produções de um
autor filho de Angola, de que há conhecimento até agora, remontam ao séc. XVII, segundo nos
informa António Cadornega na sua «História Geral das Guerras Angolanas», e saíram da pena de
um militar, o capitão António Dias de Macedo, que «tinha sua veya de poeta»”. (p:8).

No artigo sobre O Passado presente na literatura africana, publicado por Rita Chaves (2004), a
investigadora sustenta a sua opinião de “uma não existência de literatura angolana” o que chama
a atenção para uma política colonial de não inclusão da população indígena no processo educativo.
Foi uma medida consciente uma vez que a supremacia da língua portuguesa tinha de ser defendida.

Foram muitas as rupturas agenciadas pelo colonizador. Entre as mais drásticas, está o afastamento
entre o colonizado e sua língua de origem. E nesse campo, a situação atinge um patamar dramático.
Porque aqui se impõe um corte de caráter irreversível. Impedido de falar a sua língua, o dominado
também não tem total acesso à língua do colonizador. Seu universo fica assim comprometido pelo
risco da incomunicabilidade, que levaria à morte de toda e qualquer forma cultural. […].
Praticamente toda a literatura angolana é escrita em Português. Mas a aceitação não será passiva.
Via atlântica nº 7 (pp:152-153).

“Os brancos escrevem livros, nós escrevemos no peito”

(provérbio Ovimbundu – Etnia da região centro de Angola)

32
As primeiras publicações, em Angola, foram em formato de jornal e datam da segunda metade do
séc. XIX. Nestes periódicos definiram-se, por assim dizer, as condições para a manifestação do
fenómeno literário, através da publicação de romances em episódios, contos e lendas.

A realidade cultural angolana é diferente das outras realidades culturais africanas devido aos
contornos que adquiriu e que foram o ponto de partida para uma nova estrutura civilizacional. As
entidades culturais angolanas foram desenvolvendo uma tendência que se afastava dos valores
culturais europeus e que, posteriormente, passará de uma resistência cultural não armada para uma
resistência cultural armada, passaram da escrita à luta armada. Uma resistência que se iniciou com
os alertas para uma mentalidade nacionalista, que estava implícita nos poemas, contos e romances
que começaram a surgir com a sociedade angolana. Eram jovens a quem foram proporcionadas
condições para estudar fora de Angola. Jovens cultos, instruídos e informados que prepararam a
resistência armada a partir da literatura que produziam.

É habitual encontrar referência a quatro grupos literários na história da literatura angolana. O


primeiro grupo, de 1880, deu vida à imprensa africana e tiveram, na altura, um notável
desenvolvimento; o de 1896, privilegiou o jornalismo como melhor forma de expressão. Estes dois
primeiros grupos literários angolanos eram constituídos por intelectuais negros e mestiços,
normalmente autodidatas, que se autodenominavam “filhos do País”. Expressavam-se em
quimbundo e também em português. As publicações eram essencialmente boletins, folhetins e
jornais semanários. Nas edições, que tinham caraterísticas de crónicas e também textos
informativos, manifestavam interesse pela abolição da escravatura, criticavam os governantes e
defendiam os interesses económicos e administrativos da Província de Angola.

Destes grupos de periodistas e escritores angolanos constam nomes de considerável importância


literária como Alfredo Trony, que tem o seu nome inscrito entre os grandes nomes da literatura
angolana com a novela “Nga Muturi” (1882), publicada inicialmente em forma de folhetins na
imprensa de Lisboa e posteriormente reunida em livro quase cem anos depois.

Nga Muturi constituiu, seguramente, um marco histórico nas letras angolanas erigindo-se como um
importante documento cultural e sociológico, ao retratar, com grande rigor, uma época de
referência da vida de Luanda.

Foi num ambiente de harmonia racial que nasceram e foram criados os meninos de todas as raças
que, atingida a maioridade, lançariam em 1950 o «Movimento dos Novos Intelectuais de Angola».
33
Mas enquanto cresciam à sombra acolhedora de mulembas e acácias cujos ramos maternalmente
protegiam todos os seus filhos, à sua volta iam-se acumulando as nuvens que mais tarde
desencadeariam a mais violenta tempestade que até hoje assolou a terra angolana. Carlos Ervedosa
(1963:20)

Os dois últimos grupos, de 1950 e de 1957, apesar de utilizarem o jornalismo como registo de
expressão preferencial, também incluíam temas de linguística, de história e etnografia angolenses.
Os artigos eram assinados por nomes como: José de Fontes Pereira, Mattoso da Câmara, Salles
Almeida, Sousa Machado, João António de Magalhães, João de Pinho, Pedro Félix Machado,
Cordeiro da Matta, etc.

Aos dois últimos nomes mencionados, que também se dedicaram à literatura com publicações em
romance e poesia, juntamos o de António de Assis Júnior que, apesar de pertencer ao 2º grupo
literário (1896), tem seu romance “O segredo da morta” editado apenas em 1934, quando os
movimentos sociais ligados à cultura pela informação iam-se desvanecendo e já se começava a
pensar na luta armada. Trata-se de um romance de costumes angolenses que tem como objetivo a
preservação das tradições.

Na verdade, os últimos dois grupos ficaram conhecidos como “literatura angolana” e eram
constituídos por elementos brancos, naturais de Angola ou que nela se radicaram desde crianças.
Pela forma como se exprimiam, refletem uma mestiçagem cultural, segundo o pesquisador Carlos
Ervedosa (1963:8).

A implantação da República Portuguesa em 1910, além de provocar alterações das condições de


vida que se iam processando em Angola, também provocaram o esmorecer dos jornais africanos
que eram intensificados pela censura, mas onde se verificaram também as primeiras formas de
profissionalismo.

Na década de quarenta, Castro Soromenho inicia a publicação dos seus livros de contos, lendas,
novelas e romances. Estas publicações eram fruto da experiência da sua vida do mato, em contacto
com o negro da Lunda, facto que lhe proporcionou recolher material etnográfico e sociológico para
as suas obras, cujos temas eram a vida das sociedades tribais em que o branco se encontra ainda
ausente. Dessa experiência resultaram contos e romances, dos quais “Terra Morta” (1949) e
“Viragem” (1957), romances que abordam as relações do colonizador com o colonizado. Além do

34
género romance, também outros escritores se destacaram na poesia como: António Agostinho Neto
e Alda Lara.

Óscar Ribas, de cuja obra literária nos ocuparemos adiante, é também reconhecido no campo da
ficção como conhecedor da psicologia e vida dos nativos da região de Luanda e, começa na década
de quarenta, a preparar o material para a elaboração de uma das obras mais representativas da
literatura angolana, o romance “Uanga” (1951), que edita no início da década de cinquenta em
conjunto com o livro de contos “Ecos da Minha Terra” (1952). São obras representativas da
sociedade africana do fim do século XIX, com o seu folclore, as suas superstições, o seu linguajar
e as suas formas de relacionamento em comunidade. Também publica “Missosso” com o
patrocínio do Museu de Angola, em três volumes (1961-1964), como repositórios dos contos
tradicionais da região de Luanda.

Segundo o ensaísta Mário António, citado em Luís Kandjimbo (2001:3), “Óscar Ribas surge como
um elo necessário entre uma tradição em perigo e os anseios de afirmação literária das gerações
mais novas da sua terra”.

Na segunda metade do século XX, os novos intelectuais angolanos, escritores, poetas, jornalistas,
alteram o seu foco de atenção para o povo e para toda a simbologia que Angola oferece. No decurso
do ano 1958, a Casa dos Estudantes do Império em Lisboa, é responsável pela notoriedade de
nomes no campo da literatura angolana como: Alfredo Margarido, Fernanda Mourão, Luandino
Vieira, Mário António, Arnaldo Santos, Viriato da Cruz, Costa Andrade, António Cardoso,
Manuel Lima, António Jacinto, Agostinho Neto, Alexandre Dáskalos, Tomaz Vieira da Cruz e
Henrique Abranches.

Numa fase de descolonização a caminho da independência, a literatura tornou-se no veículo


essencial para abertura e reconhecimento das vozes representativas do povo, num plano de
consciência nacional.

Esta entidade cultural emergente, a partir da 2ª metade do século XX, apresenta-se como elemento
principal da identidade nacional, num plano de angolanidade que liga a realidade geográfica à
estrutura social e à organização política, tendo em consideração que a luta pela independência

35
nacional, também foi a luta pela identidade nacional. A luta pela libertação nacional traduziu-se,
também, em luta pela identidade nacional através da consequente libertação cultural.

Como refere Manuel Jorge (1998:160), “[…] a angolanidade não se constrói por meio da rejeição
do substrato negro-africano, nem pela diluição numa qualquer cultura dominante e ainda menos
pela aceitação da pseudo-condição de mestiço cultural. […] constrói-se com tudo o que a história
legou ao povo angolano”.

A investigadora Maria de Belém Ribeiro (2010), em A definição de uma literatura Angolana,


defende a Literatura Angolana como sendo o resultado de uma “aculturação/miscigenação”, na
medida em que dentro da pluralidade é encontrada uma singularidade que marca a diferença e lhe
confere um caráter universal que transporta o passado e a história para o futuro de uma cultura.

Neste sentido, o leitor ocidental, ao descodificar o texto africano deverá ter em conta o processo
de negociação entre o colonizador/colonizado, uma vez que a língua do colonizador constitui ao
mesmo tempo um espaço de repressão, uma porta de evasão e o caminho para a liberdade. Depois
de uma fase de escrita nostálgica e acrítica, os escritores, através da apropriação criativa, pela
intersecção de línguas coloniais com temas locais, procuram dar voz aos seus ideais e projetar as
suas literaturas no mundo. (p:4). […] A Literatura Angolana centra-se nos problemas do período
da independência, nas falácias geradas e nos desencantos que restaram das utopias. O Angolano,
ao lutar contra a opressão e tirania do colonizador, desenvolveu também conflitos internos, de luta
pelo poder. A Angola pertencente aos angolanos não passou de um projecto, que foi perdendo os
seus contornos dando espaço a guerras civis e a poderes locais que camuflaram e apagaram o ideário
de libertação traçado inicialmente. (p:34).

Esta forma de arte transita sem demora para uma literatura de intervenção. Em Angola, literatura
e política traçam o percurso lado a lado, ora moldando mentalidades, ora fazendo entender as
mudanças com a intenção de conhecer o passado para compreender o presente e procurar o futuro.
As produções escritas manifestavam o repúdio pela opressão, pela desigualdade e pela injustiça
entre o colonizador e o colonizado. A literatura angolana passa assim a ter um papel preponderante
no percurso a caminho da emancipação e da libertação.

O romance expressa a forma mais adequada para transmitir e expandir as ideias, apesar de mais
remotamente, quer a poesia quer o conto, terem sido utilizadas como recursos da literatura de
vanguarda. Escritores angolanos contemporâneos como Pepetela e Mário Rui, garantem o seu
lugar na literatura pós-independência, através do género romance, sem perder o foco da

36
consciência social, política e nacional. A estes nomes vêm juntar-se José Eduardo Agualusa,
Ondjaki e tantos outros.

A produção literária do período pós-independência resulta de um envolvimento político e


institucional dos escritores com o estado e com o partido do governo, em resposta à solicitação da
União dos Escritores Angolanos. A intenção passa pela tentativa de reforçar a necessidade de
consolidar e fundir as ideias de “cultura angolana” e “unidade da nação”. Assim, é imputada, aos
escritores angolanos, a responsabilidade da articulação entre a descoberta e a compreensão da
cultura angolana no sentido de orientar para a identidade nacional.

A União dos Escritores Angolanos, UEA, foi criada em dezembro de 1975, um mês após a
proclamação da independência, tendo à data da sua fundação cerca de trinta e dois escritores. Foi
presidida pelo escritor e Presidente da República Dr. António Agostinho Neto e tinha como
missão: reunir os escritores angolanos, estimular a criação literária e promover a cultura nacional.
Deste leque de intelectuais também fez parte Pepetela que chegou a ser presidente da Assembleia
Geral.

Na primeira década de independência, a literatura angolana passou a fazer parte dos currículos
escolares. Através da compilação de vários textos, distribuídos pelos diversos módulos escolares,
a UEA, tentou aproximar a literatura com a alfabetização através da leitura. Pepetela participou na
produção do Manual de Alfabetização e do livro de História de Angola. A literatura angolana, a
partir da independência, está ligada ao sistema de ensino e educação e é a principal responsável
pela difusão do sentido de nação.

1.3. Da importância da ficção romanesca.

A introdução deste ponto visa completar o processo de contextualização dos romances que serão
analisados nos capítulos seguintes, uma vez que é nossa intenção refletir sobre a ficção de autores
angolanos cujas narrativas versam sobre acontecimentos reais da história e que são facilmente
identificados como tal pelos leitores mais atentos.

37
A geração atual, os estudantes do século XXI, são uma geração de especialistas. São a geração da
globalização. O desenvolvimento, quer pela ciência quer pela técnica, são a tendência atual e
futura das sociedades, o que acaba por eliminar alguns dos denominadores comuns da cultura dos
povos, enquanto indivíduos com características culturais diferentes, tendo em consideração que a
globalização une essas culturas e por vezes as confunde.

Não obstante o desinteresse que tem sido votado à literatura é através dela que os leitores
reconhecem a individualidade cultural, dialogam de forma independente sobre esse
reconhecimento cultural independentemente das suas ocupações ou interesses pessoais. No
entanto, as pessoas estão cada vez mais empenhadas nas suas tarefas diárias e não reservam tempo
para o prazer da leitura. O cinema e a televisão passaram a ocupar esse tempo.

Encontramos uma opinião que vai ao encontro do tema do presente trabalho sobre a
interdisciplinaridade que pode manifestar-se entre as disciplinas de Língua Portuguesa e de
História, em Angola. Falamos do ensaio do escritor Mário Vargas Llosa, (2009), no Newsletter
Cultura, publicado em 26 de setembro, onde revela que, na sua opinião, a literatura está a
desaparecer dos currículos escolares ao invés de se apostar na sua inclusão na educação, como
uma das disciplinas básicas, e pergunta se é possível pensar o mundo moderno sem o romance. A
sua resposta é a seguinte:

Nada, mais do que os bons romances, ensina a ver nas diferenças étnicas e culturais a riqueza do
patrimônio humano e a valorizá-las como uma manifestação de sua múltipla criatividade. Ler boa
literatura é divertir-se, com certeza; mas, também, aprender, dessa maneira direta e intensa que é a
da experiência vivida através das obras de ficção, o que somos e como somos, em nossa integridade
humana, com os nossos atos e os nossos sonhos e os nossos fantasmas, a sós e na urdidura das
relações que nos ligam aos outros, em nossa presença pública e no segredo de nossa consciência,
essa soma extremamente complexa de verdades contraditórias - como as chamava Isaiah Berlin -
de que é feita a condição humana.

Normalmente, o leitor elege o género literário de acordo com a moda da época ou até pelos mitos
representados ou pela intenção social do escritor, caso vá ao encontro das suas próprias intenções.
As narrativas têm a capacidade de recuperar o passado histórico e representá-lo de forma a entreter,
mas também instruir o leitor. A narrativa produz um processo de aprendizagem tendo por base o
efeito que os problemas abordados, no romance, serão ou não motivo de consciencialização para

38
o leitor. Essa consciência é construída de acordo com a implicação temporal orientada pelo autor
durante o desenvolvimento do acontecimento e do envolvimento das personagens.

O Romance é na verdade um género literário no qual a narrativa ficcional se relaciona com fatos
da vida real. Enquanto formato literário, pode recorrer a factos reais, trabalhando-os
ficcionalmente. Revela ainda facetas da experiência humana através de algumas das suas
características como: a narrativa longa, geralmente dividida em capítulos; com personagens
variados, em torno das quais acontece a história principal e também estórias paralelas; e pode
apresentar espaço e tempo variados. Estas caraterísticas, entre outras, permitem a regeneração do
romance de acordo com o objetivo e propósito do seu autor.

O objetivo inicial do romance era o divertimento do leitor: representar temas fictícios, e


personagens inseridas em espaços também eles inventados. Nos séculos XIX e XX, os romances
passaram a ser o género de literatura de massas e os autores verdadeiros conhecedores das
sociedades onde vivem. Os romances passaram a ser escritos por quem conhece bem a sociedade
e passaram também a ser um veículo para transmissão dos problemas e da história dessa sociedade.
Os temas fictícios, para puro divertimento, foram sendo substituídos por temas de interesse
histórico e cultural que satisfaziam uma certa tipologia de leitores. Da pura invenção de factos
passou-se à representação de acontecimentos deveras ocorridos, protagonizados por entidades
ficcionais, porém representativas e verosímeis, com equivalência nas camadas sociais retratadas.
Mesmo os romances pós-modernos passaram a incidir sobre momentos da história, como é o caso
dos que abordaremos nos capítulos seguintes.

No estudo elaborado por Arlenice da Silva (2001) sobre a teoria do romance e a questão dos
géneros em Lukács (1916) é referido que se pode partir do pressuposto que o romance passa por
um diálogo com proposições do passado num todo, a partir do individual. “O romance é a epopeia
de uma era para a qual a totalidade extensiva da vida não é mais dada de modo evidente, para a
qual a imanência do sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção
a totalidade.” (pp 29-51)

Considera também o tempo como implícito na forma o que permite, à memória, a captação da
singularidade do objeto no seu todo, como era e como é expectável e ideal para o sujeito leitor.
39
A partir deste marco, a forma atende, em o Romance Histórico, a uma conquista do sentido que se
dá na concretude das relações sociais e não mais em categorias unívocas do pensamento. A correta
apreensão do sentido da forma romanesca decorre de um acompanhamento temporal conectado
com a evolução histórica da sociedade. A crítica literária pode, agora, ser pensada nos quadros de
uma história social da literatura. (p:31).

O romance permite compreender a realidade através da interseção entre o plano das categorias e o
da história, revelando-se como uma pré-história dos acontecimentos do mundo representado.

Ao leitor compete a tarefa de “distinguir e reagrupar” o cenário, de forma a que seja permitido
vivenciar o acontecimento representado. O Romance, como género literário, exprime as ações e
sentimentos através de personagens fictícias e adapta factos da vida real à ficção, que se tornam
mais evidentes, quanto maior for o conhecimento do leitor sobre o facto.

Os autores de romances históricos ou de conteúdos históricos referem sempre as fontes


documentais que utilizaram para criar a representação ficcional do conteúdo de extração histórica,
o que lhes permite quase toda a liberdade para a sua criação enquanto recriação de um momento
da história ou de figuras da história. Geralmente, todos garantem ter feito pesquisa o que orienta
para um ponto de partida de utilização de material já existente, podendo, no entanto, ser descartada
qualquer dependência em relação a essas mesmas fontes uma vez que em ficção não há necessidade
de colagem das personagens às figuras reais da história, mas sim uma representação que permita
ao leitor identificar ou reconhecer em traços gerais o momento ou a figura histórica em causa.

Outros estudos de referência sobre a literatura e os géneros, como por exemplo da investigadora
Sandra Pesavento (2006), defendem que os leitores organizam e orientam a sua apreensão e
compreensão sobre o texto, a partir dos objetos. Esses objetos, durante o processo de leitura, vão
sendo enquadrados com o que parece abstrato de forma a constituir uma objetividade
compreensível para o próprio leitor a partir dos seus conhecimentos prévios e dos adquiridos no
momento da leitura.

Vários investigadores das áreas da literatura e da história concluem, nas suas teses de estudo sobre
estas matérias, com a afirmação de que a literatura relaciona a matéria social e histórica numa
produção ficcional, permitindo a criação de um mundo imaginário através do diálogo com as
personagens. Desta forma as fontes literárias são formas de representação da realidade.

40
O género narrativo romance reproduz um retrato que é representativo de um espaço onde se
desenvolveu um acontecimento, num tempo identificado e vivido por personagens que o
representam, de forma a tornar possível a compreensão da matéria ficcionada através da
racionalidade do conhecimento científico ou empírico do leitor.

Recorde-se que o presente trabalho tem por objetivo relançar a ponte que viabiliza o diálogo entre
a história e a literatura, a supramencionada interdisciplinaridade. São na verdade duas disciplinas
que partem do mesmo objeto, o real, com o intuito de o conhecer melhor, porém, ambas têm
objetivos e perspetivas distintas. A História tem como perspetiva a ciência e a literatura tem como
perspetiva a ficção. Ambas, correspondem a narrativas explicativas do real, cada uma a seu modo,
que se renovam no tempo e no espaço, mas que são dotadas de um traço de permanência ancestral
e que por esse motivo permitem o enriquecimento do conhecimento através da ficção.

Assim, o romance é o género literário que melhor traduz as relações entre a literatura e a sociedade
uma vez que comporta as ideologias, os valores e o imaginário das sociedades em que é gerado.
Através do seu ponto de vista, o romancista, ou mais exatamente o narrador, revela os momentos
da história responsabilizando-se pela forma e concretização do objetivo da obra, tal como é
referido por diversos críticos e investigadores que se debruçaram sobre o estudo do romance, como
por exemplo o crítico literário uruguaio Ángel Rama.

Citando o escritor e crítico angolano, Luís Kandjimbo (2001) “Do ponto de vista histórico, o
romance é o género literário mais recente em Angola e de um modo geral nas literaturas africanas.
[…]. Os narradores reaparecem na cena literária nas décadas de 50 e 60 como os nomes de Manuel
Santos Lima, Luandino Vieira e Arnaldo Santos. A estes vêm juntar-se outros autores como
Henrique Abranches, Manuel Rui, Pepetela e Uanhenga Xitu”. (p:164).

A narrativa literária angolana contempla uma grande fasquia de arte verbal que remete para a
defesa da tese de que a mesma existe desde os primórdios, nos encantos e ensinamentos do povo,
nas histórias que foram passando verbalmente de geração em geração, nas línguas tradicionais,
como é referido pelo crítico supracitado.

Será literatura angolana aquele conjunto que compreende os textos orais, as versões escritas dos
textos orais em línguas nacionais, os textos escritos em línguas nacionais, língua portuguesa ou
41
outras línguas europeias, produzidos por angolanos com recursos às técnicas de ficção narrativa,
de outros modos da escrita desde que se verifique neles uma determinada intenção estética, crítica
ou histórico-literária, veiculando elementos culturais angolanos. (p:168).

O autor, refere que: “do ponto de vista ontológico são considerados autores angolanos os que são
objetos e sujeitos da experiência angolana”.

A formação do romance em Angola coincide na verdade com a formação da nação e é possível


reconhecer a relação existente entre a ficção e a história, inseridas num imaginário social, como
no caso do escritor Pepetela, na totalidade da sua obra.

Neste sentido, as caraterísticas do romance moderno estão identificadas nos autores propostos para
este estudo. Estes autores manifestam a capacidade de inserir as personagens de ficção no contexto
dos acontecimentos socioculturais identificados, num jogo entre o desconhecido da sociedade e da
história de Angola, assim como a intenção de compreensão do presente e justificação das atitudes
políticas, tal como foi solicitado no manifesto da revolução nacionalista que levou à
independência.

42
Capítulo II
No encalço da História com Pepetela, Óscar
Ribas e José Eduardo Agualusa

43
44
2.1 Percorrer Angola com Pepetela, Óscar Ribas e Agualusa

Figura 3 - Mapa da expansão portuguesa em Angola

Mantendo o foco deste trabalho na interdisciplinaridade entre a história e a literatura, através dos
romances de Pepetela, das obras literárias de Óscar Ribas e do romance de Agualusa, conseguimos
traçar uma breve história de Angola e enquadrar as épocas mais importantes no processo de
formação do país.

45
Sendo os autores acima referidos romancistas de renome e de todos bem conhecidos, podemos
considerar que eles encarnam também o papel de informadores realistas do estado da nação,
relembrando os momentos históricos que acompanharam o processo de criação da ficção narrativa,
a par da função estética que os caracteriza.

Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nasceu em Benguela em 1941. É, contudo, sob o nome
de Pepetela (que é a tradução de Pestana para o dialeto Umbundo) que tem publicado diversos
romances, contos e peças teatrais.

Este escritor representa uma geração que, pela ideologia que defende, se comprometeu com a
construção de uma nação com novos valores sociais. Os seus romances seguem esta orientação e
inserem-se no género realista também designados por romances modernos e da atualidade.

Como é referido em Mata (2010), a regra geral adotada pelo escritor africano de língua portuguesa
baseou-se no posicionamento que assumiu focado em três objetivos principais: a construção de
uma ideia de nação e do ideal do nacionalismo, a reprodução dos seus alicerces identitários e a
configuração de uma consciência nacional alcançada através dos conceitos de modernização
urbana que surgiram com o despertar para a literatura.

Refletindo sobre o conhecimento que tem do passado pretende obter uma melhor compreensão do
presente. É a metodologia que Pepetela utiliza para pesquisar as raízes da história de Angola e
escrever romances baseados em factos da história. Faz da reflexão sobre o modo como o país se
vai desenvolvendo, o enredo que sustenta as múltiplas histórias que imagina e que dão origem aos
diversos romances que escreveu.

Compreender a causa do presente e o efeito do passado nesse presente é primordial para o


conhecimento da tradição histórica de um país. Conhecer a tradição histórica é por sua vez um
elemento essencial para saber o que esperar do futuro.

Os africanos tendem a entender o mundo através de símbolos que unem o cosmos, a sociedade e
o homem, numa visão que revela toda a riqueza de um imaginário muito próprio. Essa visão raras
vezes tem uma explicação lógica dos fenómenos ou acontecimentos. Na verdade, é através do mito
que os africanos encontram frequentemente as respostas às questões do seu próprio quotidiano.

46
Os romances de Pepetela contrariam a tendência da fusão entre a história dos colonizadores e o
desinteresse destes pela individualidade. Pepetela passa da individualidade à história,
possibilitando ao leitor, através dessa transição, deleitar-se numa experiência que mistura realidade
e ficção, facto e imaginação.

Tal como outras personalidades participantes no projeto de reconstrução nacional, Pepetela


acredita que a literatura nacional é um elemento importante e indispensável para a consolidação
da independência.

Sendo coautor da história de Angola escrita em 1965, o escritor possui um conhecimento abalizado
sobre os acontecimentos e episódios da História mais marcantes, que transmite através dos
romances que escreveu. Ao conhecimento sobre a história acrescenta a experiência que viveu
enquanto guerrilheiro que participou na guerra pela independência de Angola, quer através dos
relatos que ouviu da população, quer através das suas próprias experiências e convivências.

A investigadora Inocência Mata reconhece a obra de Pepetela como a “representação de uma


modalidade da literatura angolana contemporânea baseada em ecos e ressonâncias do passado”
que dão sentido à “grande narrativa da nação”. Refere que o escritor pretende “reinventar um outro
futuro” através do aproveitamento do saber histórico. Segundo a autora, “A literatura é narrativa
que, de modo ancestral, pelo mito, pela poesia ou pela prosa romanesca fala do mundo de forma
indireta, metafórica e alegórica” (2010:185).

[...] pode ser exagero – é caso para se discutir – mas afirmo que não há, não pode haver, a criação
dum país verdadeiramente independente sem uma literatura nacional própria, que mostre ao povo
aquilo que o povo sempre soube: isto é, que tem uma identidade.17

Através de uma nova leitura sobre alguns episódios da história tradicional de Angola, que é
conhecida de forma algo imprecisa e superficial, Pepetela vai mostrando, através da literatura
romanesca, a originalidade e a peculiaridade do povo africano ao mesmo tempo que valoriza as
raízes desse povo através da criação de personagens ligadas à mitologia angolana.

Trecho retirado da epígrafe do artigo “Pepetela – A parábola do cágado velho: construindo pontes”, de António
17

Hildebrando.

47
Nos romances de Pepetela verificamos, com frequência, muitas palavras escritas em registo de
línguas nacionais como: Kimbundo e Umbundu. São registos de escrita que ajudam a transmitir a
mensagem de forma fidedigna, uma vez que, à priori, o leitor dos seus romances terá alguma
informação adquirida sobre o tema da narrativa.

Com o romance, Lueji- o nascimento de um império, publicado em 1990, Pepetela regressa quase
ao berço e às origens da nacionalidade angolana. É sabido que nos séculos XIII e XIV constituiu-
se o reino da Lunda e Pepetela resgata a “origem lendária do império Lunda”, buscando
reconstituir uma identidade individual e coletiva. Neste romance o ficcionista faz uma
representação metafórica das duas Angolas: Luanda, a Angola colonial, onde se sente a presença
do colonizador e, Lunda, enquanto representação da Angola Negra, ou seja, a verdadeira
identidade da nação.

Através da caracterização de duas mulheres, Lu e Lueji, e dos acontecimentos extraídos da história,


e reconhecidos na memória coletiva, o escritor vai encontrar no mito de Lueji18 as raízes da
identidade da nação angolana. Compara e celebra o encontro entre o passado (tradição) e o presente
(modernidade), numa abordagem política da sociedade, baseando-se nos costumes, nas tradições
e no modo de pensar do povo Lunda.

As duas narrativas ocorrem em simultâneo e, através de sucessivos e inesperados avanços e recuos


na narrativa, o narrador traça o percurso entre a história do passado e a contemporaneidade, épocas
separadas por uma distância de quatrocentos anos, mas com um aspeto em comum: “O confronto
com o mundo e a busca da identidade”.19

Trata-se do regresso às origens, à “Mãe-Angola” com os seus ritos e mitos. A lenda de “Ilunga e
Lueji, na Terra da Amizade” localizada na Lunda, desperta para a força tribal, para a unificação

18
Na dimensão do passado mítico, narra-se a história da rainha da Lunda, Lueji, e de seus conflitos com Tchinguri (o
irmão mais velho que, bêbado, assassina o próprio pai, chefe da Lunda) e Chyniama (o irmão do meio, que admira
Lueji e teme Tchinguri. Lueji, após o assassinato do pai é indicada para governar, tornando-se numa brilhante chefe
de estado do Reino Lunda e rainha de todos os filhos do estado. Governou um reino economicamente muito forte e
bem estruturado. Quebra com as tradições ao decidir casar-se com um seu escravo.
19
O casamento da rainha Lueji é considerado, por todo o reino, como rutura com o pacto sagrado, provoca o abandono
de vários membros importantes da corte o que provocou o desmoronamento da união do reino e que a obriga a deixar
o poder para o seu filho, de forma a conseguir estabilizar o reino.
48
do território e africanidade que ajuda a perceber o espírito e motivação para as guerras da
independência e desejo da descolonização.

Neste romance Pepetela baseia-se, aliás, nos relatos da expedição de Henrique de Carvalho20 ao
Muatiânvua (chefe supremo do reino da Lunda), e nos contos de aproveitamento de lendas e
histórias fundadoras, de Castro Soromenho21 .

O leitor é desafiado a acompanhar vários momentos históricos importantes. As referências


históricas são descritas de formas diferentes, remetem para contextos diversos transportando o
leitor para a civilização angolana e para a simbologia do poder do mito como: o uso do “lukano”22
e sua simbologia na transição do poder (2016: 21, 35, 36), ou o ritual de chamamento da chuva.
(idem, 60 - 63).

O paradigma mítico do feminino é revisto em Lueji. A Mãe – Lueji - é dinâmica e responsável


pela formação e identidade do povo Lunda. Não é uma figura estática ou passiva, mas antes ligada
ao processo de fertilidade que a mítica invoca sobre o feminino.

Através deste romance, Lueji- o nascimento de um império, Pepetela recria o período pré-colonial
de Angola buscando representar os modos de vida e a organização social, aspetos bem pouco
conhecidos do público leitor em geral, devido à fraca divulgação que tiveram através dos livros de
história.

20
Henrique Augusto Dias de Carvalho (1843-1909), foi um oficial do Exército Português que se distinguiu como
explorador africano. Contemporâneo de Brito Capelo e Roberto Ivens, foi enviado em expedição ao Muatiânvua, no
país da Lunda, no ano de 1884. Dessa expedição resultou um livro contend pesquisas ciêntificas, sociologicas,
etnográficas e geográficas, documentadas e fotografadas. A sua obra encontra-se no Museu Etnográfico da. Sociedade
de Geografia de Lisboa.(fonte: enciclopédia livre, Wikipédia)
21
Fernando Monteiro de Castro Soromenho (1910-1968) foi um jornalista, ficcionista e etnólogo moçambicano. É
considerado um escritor do movimento neorrealista português e igualmente um romancista da literatura angolana.
Publicou os livros Lendas Negras (1936) e Nhári (1938) que possuem como objeto ficcional lendas e mitos da região
nordeste de Angola, a Lunda, localidade que no final do século XIX se notabilizou no cenário político-imperial
europeu por ser o centro do afamado império do Muatiânvua e por sua vizinhança com o estado do Congo.
22
Na cultura Lunda, o Lukano é símbolo de poder. Trata-se de uma pulseira feita com tendões humanos e que vai
passando de soberano para soberano.
49
Figura 4 - Mapa do Reino da Lunda no séc. XVI.

Com o romance A Sul. O sombreiro, publicado em 2011, Pepetela desenvolve o enredo num
ambiente de Angola pré-colonial (séculos XVI e XVII) num cenário de lutas de poder entre
governantes e ordens religiosas, nomeadamente, católicos, franciscanos e jesuítas. O romance
comporta vinte e sete capítulos que ficam a cargo de três narradores, de forma alternada, ora na
primeira pessoa ora em terceira pessoa, remetendo para uma época relativamente desconhecida da
história de Angola, que apenas se importava com o fornecimento de escravos para o Brasil, numa
época em que Portugal estava sob o domínio filipino.

O narrador convida assim o leitor a navegar através das rivalidades tribais, da tradição e da
utilização dos recursos naturais no combate pela sobrevivência, a que os povos africanos estão,
desde sempre, habituados.

A frase com que inicia o romance, “Manuel Cerveira Pereira, o governador de Benguela, é um
filho da puta. O maior filho da puta que pisou esta miserável terra.”, caracterizando-o como alguém
impiedoso, sem escrúpulos e egoísta, é a representação da imagem do colono da época. Muitas
vezes desterrados, condenados e refugiados, os colonos eram na verdade o pior da sociedade
50
portuguesa, a quem só interessava fazer fortuna, sendo a escravatura a maior fonte de riqueza para
alcançar esse objetivo.

A terceira e última personagem-narrador é Carlos Rocha, apresentado e descrito como descendente


de Diogo Cão, o primeiro português a chegar à região no ano de 1482. Esta personagem faz
referência a figuras encontradas em documentos históricos tais como o kingrejê Andrew Battell, o
Rei Jaga Imbe Kalandula e António Carlos Mossungo (três das figuras que fizeram parte da
história de Angola no sec. XV). São figuras da história que, pela dimensão que lhes é atribuída no
romance, convidam o leitor a procurar os seus próprios antecedentes.

Durante este período de início de colonização de Angola e perante as intenções dos portugueses e
dos holandeses no que concerne à ocupação do território de Angola e exploração de recursos,
surgem heróis da resistência à colonização, como a rainha Java- Nzinga Mbandi Ngola, Rainha de
Matamba e Angola (1582-1663)23 . Esta figura da história de Angola é um símbolo nacional. Sobre
os seus feitos falaremos, com maior relevância, adiante, assim como teremos ocasião de destacar,
a propósito do romance de Agualusa que nos propusemos analisar, os seus feitos principais.

Figura 5 - Mapa dos reinos do Congo, Angola (Ngola) e Benguela – Séc XVI e XVII

23
Njinga Mbandi, Nzinga Mbandi, Ginga Mbandi ou D. Ana de Sousa Njinga Mbandi(1582-1663) soberada do reino
do Ndongo, Matamba e Cassange, mais tarde conhecido como reino de Angola.
51
O período da história atrás referido pode ser acompanhado em A gloriosa família - o tempo dos
flamengos24. Sobre ele incidirá a nossa análise nos capítulos posteriores do presente trabalho.

Ao início da colonização segue-se o momento do desenvolvimento da colónia até meados do


século XX (1961), quando enfim surge o sentimento de identidade nacional que dará origem aos
movimentos nacionalistas de libertação e ao início da luta armada contra o domínio português.
Iniciam-se então as guerras pela libertação de Angola que culminam com a proclamação da
independência em 11 de novembro de 1975. Uma vez mais, Pepetela brinda os seus leitores com
um romance que promove por assim dizer uma viagem virtual através desse período da história.

Com a publicação de Yaka em 1985, continuamos a verificar a existência de uma articulação


estreita entre a literatura e a história, prosseguindo o escritor o seu trabalho de ficcionalização da
história. Com este romance, conforme teremos ocasião de demonstrar, Pepetela traça o
desenvolvimento político e social de Angola, no período compreendido entre 1890 a 1975, através
da história singular da família Semedo. São sensivelmente oitenta e cinco anos de história marcada
por conflitos entre colonos portugueses e nativos angolanos, cujas crises políticas e históricas
fazem parte do reportório histórico narrado nos dias de hoje e em diversas ocasiões e atividades
festivas, no sentido de enaltecer o plano nacionalista.

Figura 6 - Mapa de Angola Colonial – Séc. XIX e XX

24
Romance de 1997, com o qual Pepetela recebe o prémio Camões
52
Entre 1975 e 2002 o país passa por um período de vinte e sete anos de guerra civil. Apenas nessa
data o país alcança a paz e a tão esperada reconstrução económica e social da nação sob a
coordenação do Movimento Popular de Libertação de Angola – M.P.L.A. Começa o esforço por
grandes reformas sociais e políticas no sentido de promoção da paz e concertação social, tal como
se havia prenunciado o poeta António Agostinho Neto no poema “Havemos de voltar”, já
mencionado, e que faz parte da obra Sagrada Esperança (1977).

É durante este momento que se regista o despertar para a necessidade de constituir uma literatura
angolana. O sentimento nacionalista e o esforço de vários escritores na mobilização para o
movimento de libertação e consciencialização do povo contribuíram para o surgimento de uma
literatura de características próprias e denominada “Literatura Angolana”, que agrega escritores
angolanos que falam sobre histórias e denunciam a cultura, as tradições, os costumes e a sociedade
tipicamente angolanos.

Pepetela ao transportar o leitor entre o passado e o presente esbate também as fronteiras entre a
ficção e a realidade. Quem conhece a atual Angola, facilmente a revê nos romances de Pepetela,
identificando sem dificuldade os lugares e os espaços referidos, como sucede por exemplo através
da especulação imobiliária que reflete as profundas desigualdades sociais. Desigualdades estas que
sobreviveram aos factos e aos acontecimentos reais desde o tempo colonial e que perduram ainda
hoje, na atualidade.

O período das guerras de libertação que é enaltecido nos livros de História e que serve de mote
político à unificação da nação é também personagem nos romances do escritor. Por ser
contemporâneo dessa época e por nela ter participado como guerrilheiro, a sua escrita é por assim
dizer transparente porque se inspira na realidade que tão bem conheceu.

Pepetela escreve o seu romance Mayombe, em 1980. Trata-se de um romance onde transmite
sentimentos e acontecimentos no período da guerra de libertação, também conhecida como Luta
Armada de Libertação Nacional. Tem como cenário a floresta de Maiombe25 que foi o local onde

25
Maiombe é a maior floresta da província de Angola e situa-se em Cabinda, fazendo fronteira com a República do
Congo, com a República Democrática do Congo e com a República do Gabão.
53
se deu a união dos guerrilheiros dos vários partidos de libertação e se desenvolveram alguns dos
conflitos armados contra as forças portuguesas.

O romance desenvolve-se em cinco capítulos sendo as suas personagens apresentadas através de


nomes de códigos representativos de entidades sociológicas que transmitem os seus ideais
individuais e coletivos, medos e receios, a par da noção de tribalismo, do papel da mulher libertada
ou da questão da educação.

Tal como em As aventuras de Ngunga – novela escrita e que foi publicada em 1972, ou em O
planalto e a estepe - publicado em 2009, Mayombe envolve-se no sentimento patriótico do
nacionalismo africano e nas ideologias que levaram à guerra de libertação. Trata-se de uma obra
que reflete os ideais socialistas e procede de uma reflexão sobre a realidade da sociedade.

No entanto, a ideologia que inicialmente foi defendida para Angola, acabou por ser contrariada e
os princípios do Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA pervertidos, o que se
constituiu numa desilusão para alguns dos intervenientes nessa luta como é o caso do próprio
Pepetela.

A desilusão com o caminho que a luta ideológica levou depois da independência, encontra-se
plasmada no seu romance Geração da Utopia, publicado em 1992. Pepetela considera que a luta
revolucionária em que participou se transformou em utopia. Neste romance desvenda precisamente
o esmorecer do sonho de um país que se tornou independente e de um povo que ambicionava viver
livre da miséria. O ficcionista denuncia a transformação que os ideais sofreram sob o jugo do
poder: a instauração da corrupção e a “desconstrução” dos valores revolucionários contrariam e
contradizem a essência da revolução acontecida. A Geração da Utopia foi a primeira publicação
depois de Lueji,

Com o romance publicado em 2005, Os Predadores, o escritor vai também ao encontro da reflexão
iniciada em Geração da Utopia transportada, todavia, para a atualidade. Faz uma reflexão sobre o
quotidiano angolano estabelecendo analogias com a análise do poder que já havia realizado em
Lueji.

54
Através das personagens, a instância autoral pretende representar vários estratos sociais, numa
história povoada de contrastes em que se vislumbra uma minoria que explora e se aproveita de
uma maioria, porém desfavorecida, honesta e necessitada. A imagem da Angola atual contrasta
profundamente com os ideais ‘utópicos’ que nortearam a luta armada inicialmente empreendida e
cujos esforços, afinal, se revelaram em vão.

Sem sequência linear, a narrativa de Os Predadores ocorre num lapso de tempo de cerca de trinta
anos, desde novembro de 1974 até dezembro de 2004. Os diversos tempos históricos vão sendo
intercalados à medida que se constrói a trajetória do personagem Vladimiro Caposso, personagem
representante de toda a situação política (repleta de predadores como ele) que dominou Angola
nas décadas que sucederam a 1975. A narrativa visa, por conseguinte, denunciar a corrupção
institucionalizada e que passou a ser prática comum e até uma forma de sobrevivência.

Se o passado não tivesse asas, o último romance do escritor e que foi publicado em 2016, continua
a revelar o fascínio do seu autor pela história do país e pelos problemas sociais que nele continuam
sem solução. O romance desenvolve-se a partir da construção alternada de dois tempos distintos,
situados num passado relativamente próximo: o período da guerra civil mais ativo, em 1995 e, o
ano 2012, já em período de paz. Os personagens são inspirados nos sobreviventes da guerra e nos
sobreviventes da falta de estrutura social que se verifica após a independência e que, após quarenta
e um anos, ainda é uma realidade no país.

Com frieza e declarada revolta, o narrador introduz na trama dos acontecimentos as personagens
da atual Luanda. São os “meninos de rua” que se multiplicam na Ilha de Luanda: filhos, enteados
e órfãos de guerra, que cheiram gasolina, cheiram a mar, lutam e matam a fome em contentores de
lixo, lavam carros, pedem esmola, dançam kuduru26 e sonham com um futuro feliz. São “os filhos
da guerra”, o fruto de um sistema social falhado,

Apesar de os romances referidos não terem sido escritos pela ordem aqui apresentada, acreditamos
e defendemos que a leitura das narrativas de Pepetela é bem capaz de preencher as lacunas que
existem no ensino da história de Angola, nomeadamente no que aos seus principais momentos diz
respeito, mas também através da divulgação dos usos e costumes, das tradições antigas, da

26
Estilo de dança que surgiu em Angola nos anos 80.
55
organização social e da mentalidade, ajudando assim a construir o retrato de uma certa africanidade
– a angolanidade – e de uma identidade própria.

A história e a literatura podem completar-se, portanto, tal como bem defendeu Saramago: “No
fundo, há que reconhecer que a história não é apenas seletiva, é também discriminatória, só come
da vida o que lhe interessa”, enquanto a narrativa literária é um discurso metafórico que leva o
leitor a questionar (e a questionar-se) sobre a representação simbólica dos elementos que a
constituem.

É sabido que a tradição e a cultura angolanas não faziam parte dos interesses dos colonizadores
cujo objetivo era apenas o desejo de dividendos que poderiam obter com o comércio de escravos
e com outros produtos extraídos do solo angolano. Por esta ordem de ideias, facilmente se
compreende que não haja registos, na história imposta pelos portugueses, que justifiquem alguma
atenção dada aos usos e aos costumes ou tradições do povo autóctone subjugado.

Os registos que existem pertencem à tradição oral, em Kimbundu, “mussosso”, no plural


“missosso” para designar histórias/estórias narrativas tipicamente angolanas. São narrativas
maiores que o conto e menores do que as novelas e, normalmente contêm acontecimentos e
personagens sob a forma de animais, criados pelo contador, mas que não podem ser, todavia,
equiparados a fábulas. O “mussosso” é então a forma narrativa utilizada para entreter os seus
ouvintes, contando histórias ancestrais ao serão, por baixo de uma árvore ou à volta de uma
fogueira.

Óscar Ribas27 conseguiu documentar muitas dessas tradições orais de Angola, através de pesquisas
que realizou em várias vertentes filosóficas, filológicas e religiosas, sobre os povos Kimbundu de
Angola. Recolheu assim contos, canções, provérbios, adivinhas, rituais, poesias, estórias, sobre as
quais manifestou a sua opinião. “Angola devia deixar de ser uma sociedade negra inculta”,
defendeu Ribas, a certa altura.

O escritor inicia a sua atividade de escrita literária em 1927, apenas interrompida com a sua morte.
Filho de pai português e de mãe angolana, Óscar Ribas perde a visão aos trinta e seis anos,
passando a depender de familiares para efetuar o registo escrito das suas pesquisas e recolhas de

27
Óscar Bento Ribas (1909-2004) foi um escritor e etnólogo angolano.
56
testemunhos orais. As suas obras denunciam o conhecimento da arte de “sunguilar”, ou seja, de
contar e ouvir histórias ao serão, também muitas vezes referida como literatura da noite, porém,
sempre em busca da identidade nacional. Ribas foi assim um dos mais importantes investigadores
das tradições orais de Angola.

O africano faz a sua aprendizagem ao longo da vida. Desta forma, também o povo angolano
reconhece que a comunicação verbal é uma passagem de testemunho dos valores e das práticas
sociais do quotidiano que foram transmitidos e explicados sempre num contexto de solidariedade
entre quem conta e quem escuta. É sabido que a oralidade e a sua funcionalidade são de extrema
importância no dia-a-dia de todos os povos africanos. A palavra é o testemunho da memória.
Através da palavra é mantida a tradição, o mito, a cultura, os usos e os costumes de um povo.

Óscar Ribas fez a recolha etnográfica sobre os costumes e tradições e ao garanti-los, através da
escrita, acrescentou o seu cunho de opinião pessoal sobre a influência dos mesmos no
desenvolvimento do povo e da sociedade, como pátria ou nação. No presente estudo, o que
verdadeiramente nos importou foi analisar o contributo que Ribas trouxe para o conhecimento
dessas tradições, e que fez dele uma referência incontornável no estudo dos domínios em causa.

Pelo facto de o escritor ter sido funcionário da Direcção dos Serviços de Fazenda e Contabilidade
de Luanda, entre 1923 e 1926, efetuou imensas viagens pelo país que lhe proporcionaram um vasto
conhecimento do território urbano e rural e alguma facilidade na recolha de testemunhos orais, em
todos os formatos, que aliados à sua “consciência histórica” deram origem ao trabalho reconhecido
e de grande utilidade etnográfica sobre o povo angolano. A sua preocupação passou por preservar
a cultura local que com o progresso e as transformações globais tende a desaparecer. No caso de
Óscar Ribas, a sua sabedoria mantém-se viva mesmo após a sua morte, nomeadamente através da
literatura que produziu, contestando assim a célebre máxima, já citada: “Cada velho africano que
morre é uma biblioteca que se queima”.

Óscar Ribas compõe Ecos da minha terra, (1952), com dez dramas angolanos ou contos, um
complemento em quimbundo e um elucidário. Na introdução da obra pode ler-se a seguinte
explicação:

Os contos, ou, antes, dramas, que enfeitam esta obra, não reproduzem produto da imaginação, mas
episódios transplantados da vida real. Portanto, além de recreativos, sobrepõem-se pela matéria
57
folclórica que proporciona aos estudiosos. Embora não retratando vivências, moldamos «Gente do
Mar» e «Noite de Natal» em cenas naturais, desvendando práticas, sentimentos e outras
manifestações ambientais. Ficcionalmente estruturados, nem por isso deixam de constituir
fotografias da realidade. (p:8)

Em 1958, 1961 e 1964, respetivamente, o escritor acima mencionado, compõe a obra Missosso,
em três volumes. No primeiro, compila vinte e seis contos de vários temas da vida, com informação
dos narradores, e cerca de quinhentos provérbios transcritos em língua nacional e tradução para
português.

O volume referido contém ainda um elucidário e a designação das abreviaturas utilizadas. Como
introdução aos provérbios, Ribas explica que “engloba os provérbios propriamente ditos, os
adágios, os rifões e demais afins”, referindo-se aos provérbios como “património espiritual dum
povo – riqueza tradicional acumulada desde a primitividade de sua consciência”. Na sua opinião,
eles constituem o topo da sabedoria de um povo na medida em que são “cristalizações do
pensamento e contêm a essência dos ensinamentos da vida”. (1958: 154).

No segundo volume, introduz temas como a psicologia dos nomes, culinária e bebidas, desdéns,
passatempos infantis, vozes de animais e, para além do elucidário, também um epistolário onde
podem ser consultadas cartas elucidativas de como angolanos, indivíduos com a 3ª classe ou
menos, encararam a arte da comunicação escrita, numa língua que, apesar de ser diferente da sua,
era necessária para o entendimento entre todos.

Na opinião do autor, aquelas cartas são a prova da vontade de comunicação, de interação e da


tentativa de integração das populações na sociedade colonial através da assimilação, neste caso,
através da língua portuguesa. De acordo com Óscar Ribas, a divulgação desses documentos na sua
originalidade são um importante avanço histórico “pela sua naturalidade, consequentemente sem
a deformação do arrebique”. São cartas de gentes de nível cultural mais inferior, nas quais tudo foi
respeitado, nomeadamente, erros ortográficos, pontuação, disposição do alinhamento, entre outros
fatores. O escritor sugere que “retocando, desapareceria a essência, o natural, o típico. E o que se
pretende, é justamente isso”, revelar o verdadeiro, o real, o que realmente foi. (1961: 210).

Como complemento aos passatempos infantis, Óscar Ribas apresenta um apêndice ilustrativo e
pergunta. “Agora, tu, leitor distante, tu que nada conheces do viver africano, diz-me: que te ocorre

58
de tudo isto? Beleza insipidez? Afinidades com os demais povos? Sim, afinidades, porque a
humanidade constitui um todo.” (p:265)

Por último, o terceiro volume de Missosso é dedicado às canções, adivinhas, súplicas e exorcismos,
prantos por morte, instantâneos da vida negra, contendo igualmente um elucidário. Tanto as
canções como as adivinhas são transcritas na língua nacional com tradução em Português. Segundo
o autor, “todas as canções retratam um acontecimento doméstico ou social. Por isso, nelas não
existe o vazio da fantasia. Para a cor, ou para o dramatismo, basta a naturalidade”. Dadas as
características da poesia popular angolana, este género literário representa uma excelente fonte de
estudo do viver do povo. Desde a dor à alegria, desde o elogio à crítica, impõe-se essa poesia como
um valioso subsídio psicológico. (1964:30- 31).

Como se depreende, Ribas documentou os usos e costumes em várias obras que contribuem para
o conhecimento da realidade angolana e para o enriquecimento do seu património cultural. Com a
dimensão da guerra e todas as consequências que o povo angolano tem sofrido, designadamente
com a movimentação das populações, a literatura oral tende a desaparecer com a rutura dos laços
tradicionais. A figura do velho ancião, contador de estórias, do entendido na arte de “sunguilar”,
tende a desaparecer até porque os êxodos para as zonas urbanas já não favorecem o serão à volta
da fogueira. As obras deste estudioso mantêm, por conseguinte, fresca a memória coletiva, ligando
o presente ao passado, no que respeita aos usos, aos costumes e às tradições. A propósito destas
últimas, tal como sucede com os rituais relacionados com os espíritos e feitiços, Ribas deixou-nos
um romance folclórico intitulado “Uanga” (1951) sobre o qual nos debruçaremos adiante.

A história de Angola escreve-se sobre a construção da memória, sobre a tomada de consciência e


necessidade de valorização de conceitos reais, míticos e ficcionais, mas que contribuem para o
romper com preconceitos e valorizar o que é nacional.

Esse conceito nacionalista, visto e revisto nas campanhas de luta pela independência e controlo
nacional, foi reconhecido em algumas figuras míticas da história que se tornaram mote para o
aparecimento de romances ditos ‘históricos’, com características simultaneamente documentais e
ficcionais, porém capazes de ilustrar um determinado momento da história, desvendando-o e
dando-o a conhecer, ainda que num registo ficcional.

59
Os séculos XVI e XVII, são os mais amplamente referidos quando se fala de nacionalismo e de
africanidade, devido às guerras e revoltas contra a colonização através das figuras dos reis do
Ndongo e da Matamba. A arte de guerrear e das habilidades políticas imputadas à rainha Nzinga
Mbamdi são tidas como exemplo a seguir durante os conflitos em prol da independência do país.
Esta fase da história de Angola, tem servido para impulsionar o despertar da mentalidade
nacionalista, desde o início da guerra colonial, passando pela fase da independência e pela da pós-
independência no sentido da unificação da nação.

José Eduardo Agualusa, escritor angolano, publicou em 2014, A Rainha Ginga. E de como os
africanos reinventaram o mundo. Apesar de a protagonista ser uma figura mítica da história de
Angola, o subtítulo abre ao romance a possibilidade de transmitir uma revelação ficcional da
História, escudando-se simultaneamente na criação de uma personagem que tem as suas origens
na História, como veremos.

O romance narra um período de oitenta anos de história de lutas políticas e comerciais que
marcaram o povo que hoje faz parte de uma nação independente. A Rainha Ginga, herda um
território dizimado e reconstruído várias vezes, no entanto, com a sua inteligência, originalidade e
astúcia nas negociações políticas, estabelece alianças diplomáticas estratégicas com os holandeses,
ao mesmo tempo que comanda os seus exércitos contra outros reis africanos e tropas luso-
brasileiras.

Também através deste romance de Agualusa acreditamos que é possível utilizar a ficção narrativa
para despertar o interesse pelo conhecimento da História, como pretendemos demonstrar adiante.

Agualusa nasceu no Huambo, Angola, em 196028. A crítica tem considerado de forma mais ou
menos unânime que “este romance é historicamente ousado, porque tanto reproduz o mito como
reinventa a memória simbólica de um povo”. O romance foi recomendado como sugestão de leitura
para o Ensino Secundário, pelo Plano Nacional de Leitura em Portugal. A editora publicou que
segundo a opinião dos leitores “é o romance que faltava para confirmar Agualusa como uma das
vozes literárias mais interessantes de Angola e do mundo lusófono”.

28
O escritor estudou silvicultura e agronomia em Lisboa. Iniciou a carreira literária em 1988.
60
Tal como os escritores anteriormente referidos, Agualusa recria também a história de Angola, para
além de refletir e de criticar a atual sociedade do país. A sua primeira obra literária foi o romance
editado em 1989, A conjura, através do qual colocou em relevo a sociedade crioula de Luanda do
século XIX. Já em A estação das chuvas (1996), o ficcionista deixou transparecer a preocupação
com o estado da nação e que atravessa todo o romance. De forma semelhante, Nação Crioula, foi
publicado em 1997, trazendo ao seu autor considerável notoriedade, ainda que por razões diversas
das do romance anterior. Neste caso em particular, tal ficou provavelmente a dever-se ao facto de
a instância autoral ter recriado uma personagem do escritor Eça de Queirós, Fradique Mendes,
para narrar precisamente as contradições e os conflitos das sociedades coloniais, mais exatamente
no contexto da sociedade de Luanda dos finais do século XIX.

Mencionamos, assim, três grandes escritores da literatura angolana, cujas obras representam a
geografia, a história e a cultura da nação e que fazem, destes, autores realistas que utilizam a ficção
permitida pela narrativa do género romance, uma belíssima forma de recriar a história do país.

2.2 Tradição e identidade: mitos e estórias enquanto pilares da cultura nos


romances de Pepetela, Óscar Ribas e Agualusa.

2.2.1 Pepetela: A Gloriosa família – o tempo dos flamengos e Yaka.

Em entrevista a Michel Laban em 1988, Pepetela explica que faz ficção baseando-se na história e
que apesar de existirem factos aos quais não pode fugir, a forma como os explica ou descreve é
que faz a diferença entre a história documentada nos compêndios de História e a mesma história
contada ficcionalmente. Pepetela reconhece que Angola é uma fonte inspiradora para a literatura
que produz porque para chegar a bom porto necessita de inspirar-se na tradição, buscando nela as
raízes histórico-culturais, uma vez que é sobre cultura e tradições angolanas que escreve.

O escritor reconta partes da História de Angola, contrapondo a sua versão ‘inventada’ à versão
documental do historiador. Recupera assim figuras da história, mas também imagina e cria
personagens que poderiam ter vivido esses momentos, colocando nelas o foco das narrativas.

61
Baseia portanto a sua obra na realidade. Usa a história para fazer ficção e a ficção para realçar os
factos da história. Durante o seu percurso criativo recorre ainda ao mito.

Ninguém sabe dizer o que verdadeiramente aconteceu na Lunda há mais de 500 anos, nem se
houve uma rainha de nome Lueji. Existem várias histórias sobre esse mito e Pepetela recriou uma
delas para construir o enredo do seu romance, para “criar uma versão do mito”, tal como
mencionou na entrevista já referida.

Angola, assim como outros países africanos, foi colonizada num ambiente de autoritarismo,
violência, opressão e racismo. O povo angolano sofreu essa tirania na pele, morreu pela libertação
e ainda hoje luta pela reconstrução do país. A literatura transformou-se num poderoso ‘meio de
comunicação’ para proclamar e reafirmar a nacionalidade ambicionada, recuperando uma
identidade própria.

No processo de construção do discurso literário, o recurso a entidades próprias da cultura, a signos


e a símbolos provenientes do conhecimento de origem popular, contribuíram para explicar e ajudar
a enquadrar as obras literárias, cujo interesse primordial é o de recriar histórias antigas e por vezes
ancestrais, mas de todos conhecidas. Além de figuras da história, símbolos facilmente
identificáveis, Pepetela recorre à língua tradicional para reforçar ou identificar factos que pretende
apresentar e dar a conhecer ao leitor.

O mundo ficcional não surge apenas na construção do texto, mas também na projeção que permite
a interação entre o autor e o leitor. Com Pepetela, o passado contribui para o questionamento sobre
o presente e para a recuperação das memórias que reconstroem a história : o passado de um povo,
os seus usos e costumes, bem como as suas principais tradições. O escritor chama a si a tarefa de
representar determinados factos que escrevem a história sob a forma de ficção. Os romances
selecionados para este estudo configuram a representação de momentos da história que explicam
a mentalidade nacionalista angolana. Através da funcionalidade ficcional ao serviço do objeto da
história, o escritor explica o contexto político em que a história se desenvolveu com o objetivo de
explicar essa mesma história.

Sendo este tipo de literatura essencialmente narrativa, e sobretudo o género romance uma
ferramenta que permite ao escritor fazer uso da sua imaginação para evidenciar um ou vários factos
62
reais, Pepetela encontrou neste género literário uma forma de refletir sobre a história que aconteceu
e que se reveste de significados simbólicos. Essa simbologia remete para o que a história tornou
evidente, funcionando também como recurso semântico que ajuda a explicar determinados
comportamentos adotados em momentos do passado.

A representação dos acontecimentos reais, em contraste com a representação dos acontecimentos


possíveis ou apenas imaginados, permite fazer a aproximação da história à literatura e também da
literatura à história. A literatura romanesca, baseada em factos reais, torna-se mais uma
possibilidade de ampliar o conhecimento ainda que através da construção de um mundo
imaginário. A ficção não é por isso o inverso do real, mas uma forma de o captar.

A ‘família’ que Pepetela intitula de ‘gloriosa’, no romance supramencionado, é composta por


Baltazar Van Dum e os seus onze filhos, dos quais três, são fruto de união do próprio com escravas.
Baltazar Van Dum é holandês (flamengo) e católico. Esta personagem encontra-se na história de
Pepetela ao serviço do reino da Espanha, facto que justifica possuir dupla identidade: a holandesa,
por nascimento, e a portuguesa por afinidade religiosa. Este facto colocou a personagem numa
situação vantajosa, na Luanda do século XVII, permitindo a sua melhoria financeira com o tráfico
e a venda de escravos.

A família Van-Dum pode ser considerada personagem secundária na medida em que, fazendo parte
do imaginário do ficcionista, representa a personagem principal, a sociedade de Luanda, num
momento histórico específico. Os hábitos, comportamentos e movimentações do povo angolano,
mas principalmente a atitude dos antigos colonos que pretendiam a todo o custo recuperar o
território perdido, são os elementos principais nos quais o autor se reporta para a construção da
sua narrativa ficcional, através das personagens da família em questão.

A Gloriosa Família - o tempo dos flamengos não é propriamente uma narrativa histórica, mas um
romance baseado em factos históricos sobre a nação angolana recriados com a objetividade e
fidelidade máximas a que a ficção narrativa pode aspirar. Para introdução do cenário e do tema,
Pepetela começa por apresentar, no prólogo, desde logo, um excerto da “História geral das guerras
angolanas” de António de Oliveira Cadornega, (1680), indo ao encontro do facto documental para
legitimar, por assim dizer, a veracidade da história que imaginou.

63
Em a cidade assistia hum homem por nome Baltazar Van Dum, Flamengo de Nação, mas de animo
Portuguez que havia ido dos primeiros Arrayaes para a Loanda com permissão de quem governava
os Portuguezes, o qual esteve posto em risco de o matarem os Flamengos, a respeito que antes desta
tregoa e Communicação corrente, hum Cidadão, por ver se por sua via podiamos haver algumas
intelligencias de que passava entre o Flamengo, para este effeito, mandou de Masangano dous
Negros com huma Carta direitos aos arimos e fazendas do Bengo, onde o dito Van Dum tinha
alguma gente de sua conta, seus Escravos; estes taes levarão os Mensageiros à Cidade e entrarão
com elles na Samzala do Van Dum, o que não foi tão em segredo que logo não fosse publico; e
avizado o Director de como tinhão entrado Negros dos Portuguezes na Cidade e Sanzala, de que
ficou alterado, e deo logo ordem ao major que governava as Armas, o mandasse logo prender, o
qual era Amigo de Baltazar Van Dum; e por isto se diz, bom he ter hum Amigo mesmo que seja no
Inferno, mas de taes amizades nos livre Deos; e vendo o perigo em que estava, o avizou
secretamente, em como o hião a prender, e o porquê; que viesse logo dar parte ao Senhor Director
do que havia, e se desencontrasse com os que o hião a prender, porque elle os mandava pela calçada,
que viesse elle por Santo Antonio ou sua Igreja; tanto que teve este avizo veyo pellos ares, como a
quem lhe não ia nisso menos do que a vida em sua presteza; chegado que foi ao Collegio onde o
Director rezidia, lhe deo parte de haverem chegado aquelles Negros de Masangano com a carta
ainda fechada; olhou o Director para elle, dizendo-lhe ah! Van Dum, Van Dum! a tua Cabeça, a
tiveste mui arriscada [...]29

Num jogo entre a ficção e a história oficial de Cadornega, Pepetela cria um enredo envolvido em
mitos e histórias do imaginário popular africano, confrontando mito e cultura.

O romance desenvolve-se no espaço temporal entre 1642 e 1648 e recria um período de sete anos
de ocupação da cidade de Luanda, pelos holandeses, que simultaneamente envolve uma figura
mítica da história de Angola – Nzinga, Njinga também denominada por Ginga Mbandi.

O romance em causa apresenta-se organizado em doze capítulos. Cada um deles relaciona


acontecimentos com datas históricas, começando em fevereiro de 1642 e terminando em agosto
de 1648. O leitor é então informado que, no início, perante a ocupação Holandesa, os Portugueses
estavam sitiados em Massangano; já o fim do período de ocupação Holandesa é assinalado com a
chegada das caravelas Portuguesas à baía de Luanda. Nos capítulos intermédios, o escritor vai
desenvolvendo temas relacionados com o contexto da época, referindo as guerras políticas que os
portugueses foram travando para recuperar a região de Luanda. Num primeiro momento, o escritor
privilegia o período fundacional da história da nação, numa incursão ao seu passado longínquo,
que todavia ecoa no presente quando tem em mente a consolidação da independência.

29
Cadornega citado por Pepetela no prólogo de A Gloriosa Familia : o tempo dos flamengos. Editorial Nzila,
Luanda, 2004.
64
O narrador é um escravo mudo e analfabeto. Na sua condição de escravo encontra a fonte de
inspiração que explica tudo aquilo que sabe. Enquanto seguidor incondicional do seu “dono”,
Baltazar Van Dum, vai encontrar na força da magia e do mito africano as condições e a confiança
de que necessita para desempenhar a função de narrar a história de uma família.

Trata-se de um narrador espectador que presencia as ações que se vão desenrolando. O narrador
apenas estabelece comunicação com o leitor, raramente o fazendo com as personagens. O seu
estatuto é por isso subjetivo e omnisciente. Conduz a história por vezes na 3ª pessoa, mas também
o faz na 1ª pessoa, quando revela como obteve o conhecimento sobre as personagens ou sobre
alguns factos, emitindo a sua própria opinião. É um demiurgo que tudo sabe através do que
observa, do que ouve e do que suspeita. É conhecedor profundo de tudo o que sucede e vai
acontecer na esfera da narrativa, uma vez que a sua função é precisamente seguir o seu “dono”.

A investigadora Rita Chaves (2009) refere-se a Pepetela como um exemplo do escritor que no
âmbito da literatura africana se preocupa em evidenciar as vozes silenciadas e que se identificam
com uma visão tradicional da cultura. No romance A Gloriosa Família - o tempo dos flamengos,
o autor encontrou no silêncio do narrador, um surdo-mudo, o código de que precisava para
representar o povo perante o colonizador. Ele representa a forma como o povo era menosprezado
e desvalorizado, em virtude da sua condição social. O narrador veicula a visão que o colono tinha
da população nativa e que foi escravizada.

Não tem perigo. É mudo de nascença. E analfabeto. Até duvido que perceba uma só palavra que
não seja de kimbundu. Sei lá mesmo se percebe Kimbundu... Umas frases se tanto! Como pode
revelar segredos? Este é que é mesmo um túmulo, o mais fiel dos confidentes. Confesse-lhe todos
os seus pecados, ninguém saberá, nem Deus. (p:393)

O arquivo histórico da colonização revela a invisibilidade do escravo, da população nativa e


consequentemente a supremacia do colono. Pepetela não ignora esse parâmetro da história e
transforma-o em poder, na sua ficção. Recorre à magia e à mística da terra para encontrar a força
que motiva os oprimidos, explicando concomitantemente como no silêncio se aprende e se constrói
um ideal.

Sempre achei que o meu dono subestimava as minhas capacidades. Bem gostaria nesse momento
de poder falar para lhe dizer que até francês aprendi nos tempos dos jogos de cartas. E que bem

65
podiam baixar a voz ao mínimo entendível que eu ouvia sem esforço, bastando ajustar o tamanho
das orelhas. Pepetela, (p:393)

É também através do criado e escravo mudo de Baltazar Van Dum que ficamos a conhecer a
opinião dos flamengos sobre as mulheres europeias. São na verdade opiniões que refletem um
conjunto de imagens estereotipadas, construídas a partir de traços distintivos particulares baseados
na nacionalidade ou na raça.

O espaço mítico africano é também revelado através do narrador com o manuseamento dos rituais.
Através da utilização dos “poderes ocultos da pemba”, caulino branco utilizado nos rituais
africanos, ou nos riscos traçados no céu e interpretados como “encruzilhadas pelos espíritos
inquietos”, revela as crenças africanas projetadas nos rituais que caracterizam a tradição e se
pronunciam nas “artes da feitiçaria”.

Este lado místico africano é também aproveitado pelo escritor numa profecia feita por Matilde,
uma das filhas de Baltazar Van Dum, sobre uma mensagem escrita em “letras de fogo” que lê no
céu, e que o autor utiliza para introduzir o assunto dos sete anos de permanência dos holandeses
em Angola.

Uma das características do mito é, precisamente, a ligação entre os poderes sobrenaturais feita
através de mensagens que julgam ver no céu, o que corrobora a ideia de que a origem de tudo é
sagrada e que os humanos comunicam com os espíritos através dos céus.

Os mitos africanos também compreendem esse inconsciente ou subconsciente coletivo que se


articula entres as relações dos deuses com os homens. Tudo pode acontecer num mito, apesar de,
aparentemente, os acontecimentos não se pronunciarem de forma lógica ou obedecerem tão pouco
a alguma regra.

O mito, por norma, refere-se a acontecimentos passados (“há muito tempo…”) que, todavia,
permanecem no tempo de forma explicativa ou sob forma de compromisso com o acontecimento.
Revela ainda o encontro do passado com o presente como forma de explicar ‘o aqui e o agora’ de
forma aparentemente ‘racional’.

66
A representação mitológica está também presente na narrativa deste romance, no episódio do mito
do leão “cazumbi” (espírito, fantasma), um exemplo do “sobrenatural nos limites terrenos”. Este
mito é introduzido quando um dos filhos de Baltazar Van Dum, Nicolau, regressa a Luanda com
cerca de cem escravos e um leão ataca um dos homens. O animal é espantado por um escravo de
nome “Thor”, o nome de um Deus da mitologia germânica, assinalando, desta forma, o mito
africano.

Mais uma vez é a profetisa Matilde quem dá a explicação sobre o leão. Diz que em tempos, por
se sentir ameaçado, um leão atacou um homem. Este homem transformou-se num espírito pois era
vergonhoso ser morto por um animal, qualquer que ele fosse. O espírito encarnou no leão que
passou a perseguir homens. Matilde explica também que este leão não voltou a atacar porque
“Thor” possuía um poder ou um dom que fazia dele um ser mítico.

É ainda através do narrador surdo-mudo que Pepetela recorre à lenda da Rainha Njinga Mbandi
radicando no passado o desejo de consolidar o país enquanto nação. A ideia de nação começa a ser
pensada como a libertação do domínio pelos estrangeiros e na recuperação da posse da terra, dos
mitos e dos rituais, que é o mesmo que dizer da cultura e das tradições:

Posso dizer que sou um filho do Kuanza, pois nasci no meio dele, nas ilhas perto de Maopungo,
onde foi a capital de Jinga em épocas de defesa, Pungo Andongo, a terra dos enormes pedregulhos
negros que pareciam escalar até o céu. Pepetela (p: 259).
Mas existia mesmo? Só pelo orgulho do meu dono, que fazia questão em me apresentar a novos
conhecimentos, um escravo que a Jinga me deu. Não era qualquer um que tinha um escravo como
oferta da poderosa e lendária rainha Jinga Mbandi, talvez ele fosse o primeiro europeu a poder se
gabar disso
Mas, Jinga, não tinha querido vender os escapados do arraial do Gango, pela fuga se tinham tornado
livres e não era ela que os entregaria para as grilhetas. Pepetela (p: 97).

O escravo narrador condena a criação de uma imagem negativa de Njinga no processo de


legitimação da conquista:
Os portugueses dizem ela é canibal, uma víbora em que se não pode confiar, mas eu tenho outra
versão. Aliás, ainda não vi inimigo desconsiderado demónio. [...] porque só rei manda, e ela não
tem nenhum marido que mande nela, ela é que manda nos muitos homens que tem no seu harém e
que chama de minhas esposas. É Rei Jinga Mbandi e acabou. Pepetela (p: 23).

67
O autor vai recorrer ao significado encontrado nas forças superiores, e reconhecido como
“feitiçaria” tipicamente utilizada na cultura tradicional, como solução para as dificuldades da vida.
É o que sucede, por exemplo, com o episódio de Angélica Ricos Olhos, mulher de um dos filhos
de Baltazar Van Dum que procura vingar-se do marido com o auxílio da feiticeira Tia Anita. São
igualmente exemplos os significados atribuídos aos surpreendentes acontecimentos que
denunciam a força do sobrenatural, tais como a jarra que se parte na mão de Baltazar, a rede que
se solta quando este se deita ou até mesmo o estourar do candeeiro. São situações como as referidas
que fazem com que Baltazar Van Dum reconsidere a sua posição relativamente às crendices que
achava primitivas.

Os ritmos fortes em sentimento e emoções, o som do batuque e da marimba, são elementos


primordiais que consubstanciam os rituais da cultura africana. São mitos e ritos que o escritor
utiliza para a ficção criada no seu romance, Yaka (1983). Através do diálogo entre os textos
historiográficos e os textos literários de Homero, o ficcionista entrelaça a cultura angolana com os
mitos gregos. Ao longo das etapas narrativas em que cruza a saga da família Semedo com as lutas
pela independência de Angola, vai estabelecendo o cruzamento e analogias entre a mitologia grega
e a mitologia africana.

Yaka foi a primeira narrativa fundacional que escreveu em busca do mito fundador da nação
através da simbologia da estátua com o mesmo nome. Ela representa na verdade a consciência
coletiva africana, a mesma que dá o título à obra e que o autor denomina como “cazumbi 30
-
antecipado da nacionalidade”.

Na nota prévia ao romance, o autor explica o papel da estátua como sendo o princípio da
resistência. O escritor atribui à estátua várias representações simbólicas como: a representação da
rainha Nzinga na rebelião contra os portugueses; os jagas que unificaram o território; a repressão
sofrida pelo povo que ficou fechado durante séculos assimilando culturas, ou seja, a estátua é a
representação da força interior de um povo que lutou pela libertação da subjugação colonial a que
esteve sujeito durante quinhentos anos.

30
Cazumbi, em várias culturas e nas várias línguas tradicionais significa: alma ou espírito de pessoa morta, espírito,
fantasma.
68
Mas não é deles que se trata este livro, só duma estátua. E a estátua é pura ficção. Sendo a estatuária yaka
riquíssima, ela podia ter existido. Mas não. Por acaso. Daí a necessidade de criar, como mito recriado. Até
porque só os mitos têm realidade. E como nos mitos, os mitos criam a si próprios, falando. (p-10).

Para além de utilizar a estátua como uma alegoria da unidade nacional, o romance Yaka tinha como
objetivo a análise da sociedade colonial que levou à consciencialização da necessidade de
libertação. Recria a história do último período de colonização, os últimos cem anos de domínio
Português. Aqui é contada a história de uma família de colonos portugueses em território angolano,
os Semedo, cujo percurso vai simultaneamente representando os diversos momentos da construção
da nação angolana.

31
Ao longo do desenrolar dos acontecimentos, a estátua de origem jaga que o pai de Alexandre
Semedo ganha no jogo é a alegoria da própria nação que está a ser formada e, ao mesmo tempo, a
representação de todos os angolanos, símbolo, portanto, de uma consciência coletiva.

Não obstante o seu estatuto ficcional, a família Semedo e os acontecimentos que a envolvem
proporcionam o relance de um olhar à História, através de um discurso que tem por pano de fundo
figuras históricas como foram Silva Porto - Mutu-ya-Kevela, Ndunduma, Mandume - e António
Salazar, na presença dos quais, a simbologia da estátua torna-se evidente e sai reforçada.

O romance é estruturado em cinco partes que compõem um corpo em formação, significando o


corpo da nação angolana, no qual cada uma das partes representa determinado momento da história
angolana: “A boca” remete para o período compreendido entre 1890 e 1904, marcando a nova
relação dos colonizadores portugueses com o território que lhes restou da partilha, após o ultimato
inglês; “Os olhos”, situam-se em 1917, assinalando a conquista de Angola, a começar pelo
planalto dos Ovimbundos32 até à ocupação do sul e sudoeste; “O coração”, período entre 1940 e
1941, contempla a perseguição aos últimos guerreiros hereros33 independentes; “O sexo”, passado
em 1961, identifica o inicio da luta armada e a criação do movimento de libertação e, finalmente,

31
Jaga Yaka é a designação de um grupo étnico que habitavam nos reinos do Congo e do Ndongo. Eram guerreiros
mercenários que foram submetidos tanto pelos nacionais como pelos portugueses.
32
Ovimbundos é a designação da população da étnia Bantu que habita a sul do rio Cuanza.
33
Os hereros eram originalmente uma tribo de pastores de gado que viviam em uma região da África do Sudoeste
Alemã, a Namíbia moderna.Foram derrotados pelo Império Alemão, expulsos do território e feitos escravos.
69
“As pernas” é a parte que se passa no ano de 1975, o ano da Independência de Angola e da fundação
da nação.

O fio condutor da trama narrativa é o conflito que se identifica no patriarca: nele convergem
simultaneamente os valores da cultura portuguesa, por um lado, e as injustiças praticadas contra o
povo colonizado, conforme reconhecido pelo próprio, por outro.

A escravidão, o roubo de terras e os massacres de negros são algumas das ações indicadas como
impulsionadoras da prosperidade da burguesia colonial. Estas considerações são a problemática
central do romance Yaka, que assenta na reivindicação da devolução da nação aos angolanos.

A narração vai alternando entre Alexandre Semedo e um narrador que vai inserindo os seus
conhecimentos na história através dos diálogos entre as personagens e os pensamentos de
Alexandre em relação à estátua, como antevisão do futuro. A narrativa é introduzida através dos
testemunhos das personagens que remontam à memória da história real, tendo sido por eles
vivenciada.

A Yaka olha para mim. Não, o olhar perfura-me e vai contemplar algo para lá, talvez no
passado ou no futuro. Sinto que ela me transmite uma mensagem. Quanto mais a olhava e
mais percebia se tratar duma mensagem (...). A mensagem vinha das profundezas de sua
História? (p: 128)

Óscar Semedo não é uma personagem principal, mas é importante no desenvolvimento da ação
pois é através dele que é representada a dimensão cultural. Trata-se de um homem de cultura, que
transmite ao filho Alexandre, os conhecimentos sobre a história universal e a literatura grega. O
nome de Alexandre surge, aliás, pela admiração que sentia por Alexandre Magno.

Alexandre é a personagem principal, a par de Yaka, a estátua. Teve cinco filhos, nove netos e um
só bisneto. Com exceção da última filha, Ofélia, a quem não pôde dar o nome, todos receberam
nomes gregos retirados do teatro de Sófocles e das epopeias de Homero, autores de referência
cujas obras acompanham Óscar Semedo na deportação para Angola.

Para alguns analistas literários, como Miranda (2008), as conquistas de Alexandre Magno podem
ser lidas, em Yaka, como uma metáfora das conquistas angolanas ou mesmo das conquistas

70
portuguesas, uma vez que, com a colonização existiu também usurpação do território e do
património, para além da imposição de outra cultura.

As analogias com os mitos gregos mantêm-se por conseguinte em termos dos nomes usados, mas
com algumas diferenças no que respeita a equivalências. Aquiles e Ulisses de Homero combatem
lado a lado, mas os ‘heróis’ de Pepetela combatem em lados opostos. Se Aquiles Semedo morre
em defesa do colonialismo português, Joel – Ulisses para Alexandre Semedo, participa na guerra
de libertação, supondo-se que tenha morrido em defesa da nação angolana.

Joel é a personagem que corresponde à antevisão do futuro que a estátua vai fazendo ao longo da
narrativa. É esta personagem que representa o sentimento/pensamento imposto pela estátua e que
só no final do romance, Alexandre Semedo consegue compreender.

Pelos olhos da estátua Yaka o patriarca vê agora Joel perto da Bibala, deitado no chão à sombra de
uma árvore, será a mulemba sagrada dos Cuvale, o centro do Mundo, onde moram todos os espíritos
dos antepassados? A tua geração vai ser a última, diz ainda a estátua Yaka. Isso te falei toda a vida
para te preparares. E só agora entendes. A terra que a boca de Alexandre Semedo morde lhe sabe
bem. (p: 395).

Joel passará por muitos sofrimentos, mas conseguirá devolver Angola ao seu povo, a mesma terra
que simbolicamente o seu avô provou assim que nasceu, quando a parteira o deixou cair. Pepetela
introduz como caraterística do povo angolano um sentimento profundo de patriotismo apesar do
colonialismo ter sido aceite. É desse nacionalismo que se serve para construir o romance.

Nasci em 1980, em baixo duma árvore. A minha mãe foi assistida por uma velha Ntumba, escrava
ganguela. A escrava, talvez por velhice, deixou-me cair no pó. Segundos apenas. Os suficientes
para no meu corpo ficarem misturados o pó da terra e os líquidos que trazia comigo ao sair da mãe.
Pepetela (p:18).

A mistura, em Alexandre, da terra com as lágrimas da negra que o deixara cair, é significativa para
o simbolismo da terra angolana como pertença dos angolanos que Alexandre só entende no fim
dos seus dias, através do seu neto Joel.

Nestes dois romances Pepetela utiliza momentos específicos da história de Angola para explicar a
necessidade que os angolanos tiveram em reclamar pela descolonização, pela liberdade e pela
independência da nação.

71
2.2.2. Óscar Ribas: Uanga

A obra de Óscar Ribas, como já foi mencionado no primeiro ponto deste capítulo, ficou sobretudo
conhecida pelo reconhecimento do seu trabalho de recolha etnográfica. As gentes, seus usos e
costumes, suas tradições e rituais, foram fundamentalmente os objetos que o escritor mais
perseguiu.

Uanga (Ribas:1951) não deve ser considerado um romance histórico fundacional nem tão pouco
se baseia em factos ou momentos da História. Trata-se antes de uma narrativa de substrato
folclórico baseada na sociedade indígena angolana. O próprio título que a identifica é uma palavra
em Kimbundu com o significado de feitiço, bruxaria, em português.

O romance desenvolve-se em ambiente típico da população nativa de Luanda. Uma população


que mistura práticas feiticistas com práticas de cultura religiosa como, por exemplo, a devoção a
Santo António da Igreja do Carmo.

O assunto narrado versa sobre o relacionamento amoroso entre as personagens, Catarina, Joaquim
e a intriga sobre a falsa morte de Joaquim, perpetrada por António Sebastião, criando-se um clima
opressivo de ódio e de vingança que conduz ao recurso da feitiçaria como tentativa de resolução
dos problemas. Este procedimento era um costume de cariz cultural, igualmente explorado nos
romances de Pepetela, como já se viu anteriormente.

Óscar Ribas dedica o romance aos angolanos, não como um romance de sala, mas como um
documentário sociocultural da sociedade negra inculta. (1951, p:15).

O escritor faz parte do grupo de angolanos que sofreu a assimilação, o que significa que também
ele teve de preencher alguns dos requisitos para ser considerado cidadão português. O processo de
assimilação é por assim dizer duplo. Ambos os lados em causa sofrem invasões culturais que
podem ser usadas contra ou a favor do opressor e do oprimido. Óscar Ribas situa-se no meio termo.
Se por um lado é um negro, por outro é culto, integrando uma comunidade iletrada. Esta
ambiguidade terá eventualmente sido a motivação para que se tornasse num estudioso da cultura
africana.

72
Essa ambiguidade pode também ser um facto que leva à compreensão de em Uanga o narrador ser
um observador que analisa com atenção a comunidade. Esta dualidade resulta em vozes narrativas
com caraterísticas diferentes, porque têm também funções diferentes: por um lado, dar a conhecer
os costumes e tradições, por outro lado fazer juízos de valor sobre esses comportamentos e ainda
por outro lado, dar a conhecer as narrativas orais que predominam nos meandros da sociedade
luandense e que servem de padrão de conduta para a comunidade. Assim, de um narrador
preocupado em explicar as tradições, passamos a outro que interfere na narrativa dando as suas
opiniões pessoais, construídas com base no conhecimento de um mundo mais civilizado, e também
um narrador contador de estórias a par das narrativas orais que são introduzidas.

Os narradores vão introduzindo os hábitos e costumes da população, em diversos contextos sociais


que vão acompanhando o romance e que começam com a festa durante a qual Catarina e Joaquim
se conhecem. O capítulo com o título “Antigamente”, transporta o leitor para o ano de 1882, tal
como nos contos que, normalmente, começam com a tradicional expressão: “Era uma vez, num
tempo distante…”.

O início do relacionamento de ambos acompanha o desenvolvimento da narrativa que passa pelos


restantes rituais cumpridos pela população nativa da época, tais como o ritual do casamento ou o
ritual da viuvez. A vida do casal permite que o narrador vá registando os hábitos e costumes da
população “inculta”, na resolução dos problemas decorrentes da vida em sociedade sob a forma de
rituais. De vez em quando, o narrador assume a função de contador de estórias e introduz na
narrativa lendas, provérbios, canções ou adivinhas, interrompendo dessa forma o pacto ficcional
com o leitor.

Tal como nos romances de Pepetela, também em Uanga de Óscar Ribas, os mitos e lendas surgem
para explicar as motivações de algumas estruturas sociais, como modelos de atuação a seguir pela
população. É o caso da lenda de Caisso que fala sobre a lei da convivência. Caisso e a irmã entram
em litígio transgredindo, assim, a lei da convivência. Ambas foram punidas, mas Caisso foi a mais
penalizada porque, na sua condição de quimbanda34, tinha o poder de adivinhar as manifestações

34
Quimbanda, em várias línguas tradicionais de Angola, significa médico-adivinho, curandeiro, exorcista.
73
dos espíritos. Ou seja, quem tem maior conhecimento tem obrigação de ter um comportamento
mais correto e não quebrar as regras impostas pela comunidade.

Para além da preocupação com o registo da linguagem popular falada, procurando o equilíbrio e a
sintonia entre a representação da personagem e o nível sociocultural representado, Óscar Ribas
constrói o enredo do romance a partir da cultura tradicional angolana, com base nos contos do
sobrenatural, lendas sobre monstros e seres irreais, fábulas que evidenciam as qualidades e defeitos
do homem, cantigas e adivinhas e outras vivências da cultura angolana, fruto da aculturação
durante o processo de colonização.

[…] Feitiço! Que palavra tão arrepiante na vida dos indígenas de África! Desde a benquerença à
hostilidade, desde a saúde à morte, o feitiço negreja com um cortejo de superstições e terrores.
Destárte, como refúgio da esperança, as gentes ignaras, e até civilizadas, apelam para o feitiço:
feitiço para o amor, feitiço para matar, feitiço para tudo. E quando pela adivinhação se infere o
malfeitor, quantos inocentes não sofrem agravos! […] Com o intuito de revelar a muitos o grau
imaginoso da raça, desenrolamos uma série de adivinhas, algumas histórias e diversos provérbios,
pois, segundo Cândido de Figueiredo, «os anexins, ditados, aforismos e brocados, constituem o
tesoiro da sabedoria das nações, e as suas origens escapam, na sua maioria, à investigação dos
curiosos». […]. Como desejávamos abeirar-nos da realidade norma para quem pretende focar uma
sociedade fugimos da rotina seguida pelos escritores coloniais, a quem, talvez por ausência de
observação, o mundo negro se afigura como uma incógnita.” (p :15-16).

Nos momentos em que conduz a narrativa do envolvimento amoroso entre as personagens do


romance, Catarina e Joaquim, o narrador aproveita igualmente para descrever, de forma bastante
pormenorizada, as vivências que envolvem a sociedade nesse contexto, assim como também vai
fazendo referência aos rituais que preparam a população tanto para a vida como para a morte.
Recorre ainda à língua tradicional sempre que descreve os pormenores que caracterizam o dia-a-
dia das comunidades, bem como à oralidade, com o intuito de demonstrar como a língua
portuguesa foi assimilada e transformada.

No decorrer da pormenorização dos rituais, o escritor aproveita para fazer a análise sociológica da
sociedade. O romance é um depósito da forma de viver dos angolanos.
No momento em que a intriga do romance é desmontada, a narrativa é de novo interrompida para
dar lugar à fábula “dança do raio”, que tem como objetivo a moralização social, num contexto de
vingança, como uma apologia à harmonia, à amizade e ao bom senso.

74
O narrador retoma o espaço de Catarina e Joaquim, mas mais uma vez a narrativa é interrompida,
desta vez para introduzir brincadeiras expressas nos versos de uma canção que representa a forma
como os angolanos/africanos se expressam. Os cânticos fazem parte do modo de vida e
enquadram-se não só no campo da diversão como também no da difusão do conhecimento.

Em suma, a ambiguidade literária de Óscar Ribas, no romance Uanga, pode ser considerada o
pórtico de acesso ao conhecimento da cultura angolana que o próprio apelidou de “inculta”. A obra
é a representação das imagens sociais que reescrevem o mundo africano, através do conhecimento
sobre a sua cultura e sua história, contada pela população em estudo. Uma história de ficção
contada pela população angolana, com traços próprios da cultura africana.

2.2.3. Agualusa: A rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo.

Apesar de A Gloriosa Família – o tempo dos flamengos de Pepetela versar sobre o período da
história de Angola em que Njinga Mbandi foi soberana e teve grande influência, o foco do romance
é mais a história de Angola, no período representado, e não tanto a figura da rainha.

A ficção de A gloriosa família - o tempo dos flamengos é uma versão explicativa do presente,
reportando a um passado onde se insere a personagem como marco temporal. A figura da rainha é
lembrada com grande entusiasmo através do narrador, o escravo surdo-mudo que diz ter sido
também escravo da rainha e por ela ter sido ofertado ao seu dono Baltazar Van -Dum. O mesmo
acontece com o romance Yaka, do mesmo autor, onde o simbolismo da rainha é transmitido através
da imagem da estátua.

O período da história recriado por Pepetela, nos dois romances que foram objeto deste estudo,
fascinou e motivou igualmente, o escritor angolano José Eduardo Agualusa para a composição do
romance: A rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo, (2014).

Por altura do lançamento do romance, o escritor admitiu tratar-se de um livro que queria escrever
há muito tempo, dado o fascínio que tem, desde criança, sobre as histórias da rainha e

75
simultaneamente “que responde a uma inquietação dos angolanos, que querem conhecer o seu
passado numa nova perspetiva”35.

Agualusa refere ainda que esse fascínio pelo poder e inteligência da rainha levou-o ao
aproveitamento desta figura, no tempo e no espaço, para dar a conhecer esse período da história,
não tanto como símbolo de resistência, mas sobretudo como entidade influente na história e no
contexto africano. O autor pretende que o seu romance incida sobre esse período da história,
recontada no entanto a partir da conduta e dos ideais políticos da personagem, para mostrar como
os africanos foram ativos no processo de construção de nações.

Neste romance, o escritor reconstrói uma época pouco conhecida através da história escrita,
misturando figuras fictícias com figuras históricas. Remonta ao século XVII, ao início da
colonização portuguesa e à ocupação holandesa quando “Njinga Mbandi”, mais tarde batizada com
o nome de Ana de Souza, desafiou a coroa portuguesa, liderou exércitos e lutou para manter o
domínio do seu reino.

A obra traduz uma perspetiva bastante real e crítica sobre a história da colonização em Angola e o
tema principal não é uma biografia da rainha, apesar de ter como “pano de fundo” o seu reinado.
O tema da narrativa são, entre outros, as questões da linguagem, da escravidão, da
autodeterminação dos povos, da religião e dos mitos. Num diálogo com a história, a obra transmite
as ideias de identidade nas quais Angola se revê. Nessa época ainda não podia falar-se de Angola
propriamente dita, uma vez que o território ainda não existia, sendo Njinga vista somente como
(mais) uma soberana de um reino de África.

Em discurso indireto e através das memórias do narrador, a narrativa desenvolve-se em dez


capítulos. O primeiro capítulo é dedicado à chegada do missionário ao reino do Congo. É também
neste capítulo que ele conta como conheceu Ginga36 e como se torna seu secretário. O segundo
capítulo é dedicado aos desencantos da vida de Ginga e como estes momentos a marcaram
enquanto rainha. Os restantes capítulos são dedicados à vida mais íntima de Ginga no quilombo37;

35
Em entrevista a António Rodrigues, (2014), consultada em http://www.redeangola.info/especiais/demorei-a-vida-
inteira-a-escrever-este-livro/
36
O nome da rainha adotado pelo escritor para o romance
37
A palavra quilombo tem origem na língua Bantu e significa povoação
76
às tramas políticas existentes entre portugueses e holandeses, no contexto das quais a rainha
desempenha um papel preponderante.

Os relatos terminam no derradeiro capítulo com a retirada dos holandeses, enaltecendo a bravura
dos portugueses que em menor número e sob o comando do bravo capitão Salvador Correia de Sá
e Benevides recuperaram o território que esteve durante sete anos sob o domínio holandês.

Para narrador, Agualusa constrói a figura do padre Francisco José de Santa Cruz, um padre jesuíta
que trai as suas origens abandonando o sacerdócio e tornando-se aliado dos africanos contra a
coroa portuguesa. Apesar do seu estatuto ficcional, as memórias do padre-narrador são baseadas
em factos reais uma vez que a rainha foi sempre acompanhada e aconselhada por missionários.
São da autoria destes os trabalhos sobre a sua biografia, tal é o caso do missionário capuchinho
“Giovanni Antonio Cavazzi de Montecuccolo”38. Na entrevista de Agualusa, dada por altura do
lançamento do romance, e à qual já fizemos referência, o escritor justifica que o narrador não
poderia ser Cavazzi porque este foi participante da história e, apesar de ter muita admiração pela
rainha, retrata-a com algum preconceito.

Com esta narrativa o que o escritor pretende introduzir é uma figura da história que tinha “um
projeto pessoal, um projeto de poder e que estabeleceu alianças de acordo com esse projeto” e
simultaneamente defender que os africanos não foram os “agentes passivos” de que reza a história
e que a história da Africa Austral teria sido muito diferente se Ginga tivesse ganho a batalha contra
os portugueses. A perspetiva de que a personagem principal do romance possa ser a africanidade
afigura-se pois como hipótese verosímil neste aceitável.

A obra traduz uma perspetiva bastante real e crítica sobre a história da colonização no reino do
Ndongo, Matamba e Cassange, a qual deu origem ao território hoje conhecido como Angola. No
entanto, a matéria ficcionada não se traduz numa eventual biografia da rainha, apesar de ter como
“pano de fundo” o seu reinado. São igualmente abordadas as questões da linguagem, da
escravidão, da autodeterminação dos povos, da religião e dos mitos. Num diálogo que

38
Giovanni António Cavazzi de Montecuccolo (1621-1678), foi o missionário capuchinho que na história real foi
conselheiro da Rainha Ginga e que a acompanhou até à sua morte tendo proferido as ezéquias fúnebres.
77
constantemente mantem com a história, a narrativa transmite uma ideia de identidade na qual
Angola se revê.

Neste romance histórico A rainha Ginga. E de como os africanos inventaram o mundo, Agualusa
constrói uma narrativa que transporta o seu leitor para terras lusas, africanas e brasileiras,
associando as memórias do passado com ideias do futuro.

O padre narrador, após renunciar à religião, é perseguido pela inquisição e acaba por juntar-se a
um grupo de marginais: um judeu (Cristovão), um mouro (Cipriano), um príncipe do reino do
Ndongo (Ingo), um pirata com perna de pau (Rafael) e, Ginga, uma personagem controversa que
ora se alia aos portugueses ora os combate. Se por um lado, ela respeita e defende as tradições do
seu povo, por outro sabe ignorá-las quando pretende cativar o inimigo.

Estas memórias do narrador representam África e suas diferenças, ou seja, um território onde
coabitam diversas povoações, e etnias, e onde se fundem diversos ritmos de vida ao sabor de uma
diversidade de culturas. Como exemplo do exposto, refira-se a narração do momento do cerco ao
quilombo e no qual é apresentado Cipriano Gaivoto, o mouro:

Quão imprevisto e surpreendente é o destino! Ali estavam milhares de soldados pretos combatendo
em nome de um remoto um rei espanhol, enquanto do lado dos africanos se destacava aquele
homem de Évora, e alguns outros como ele, brancos ou quase brancos, que haviam buscado fortuna
em terras de Ginga, trocando espingardas e munições, além de tecidos e missangas, espelhos e
outros objetos vilíssimos, que não servem senão para efeminar os espíritos, por escravos e marfim.
(p.64)

O facto de o narrador ter renunciado à religião cristã e ter sido julgado pela inquisição corrobora
a influência decisiva que a rainha exercia sobre os que com ela de mais perto conviviam. O
narrador renuncia às leis que querem impor uma assimilação que faria com que o território
perdesse a sua identidade. Para os africanos, aceitar as leis da igreja cristã supunha renunciar a
condição de África e seus mitos uma vez que os rituais africanos eram desaconselhados,
considerados abomináveis e punidos pela Santa Igreja.

Através do percurso de Ginga, Agualusa, debate a questão da africanidade. A descrição que é feita
da personagem contrasta com a descrição feita por Cavazzi. Em Agualusa, Ginga é uma mulher
pequena, magra, que olhava o mar. Uma mulher “sem muita existência” (p:13) que assegurou que
o mar que era visto como um “trilho aberto aos portugueses, será um dia mar africano”. (p: 14). A
78
união representada pelo grupo formado pelo narrador representa a união dos povos que levaria à
expulsão dos portugueses do território e a recuperação desse território pelos angolanos/africanos.
No romance, a figura da rainha surge como uma personagem representativa de ideais e conceitos
de africanidade, como exemplo dos povos em combate contra exclusão, repressão e opressão
estrangeira e que reclamavam a sua identidade defendendo as suas caraterísticas próprias.

Agualusa baseia-se na imagem de uma mulher serena e paciente, mas que, quando confrontada
com a tentativa de ser convertida aos modos e costumes europeus, mostra com toda a ira a firmeza
das suas convicções, demonstrando a perseverança africana que justifica “como os africanos
inventaram o mundo”. Neste sentido, Agualusa, (2014), coloca no narrador a tarefa de descrever
e ajuizar sobre a atitude da rainha quando lhe são ofertadas várias peças de vestuário para se
apresentar ao governador e sua corte; após um “ataque de fúria”, acaba por exclamar: “Dizei-lhe,
insistia, que irei trajada segundo as minhas próprias leis, inteligência e entendimento” (p:35).

Também o episódio do encontro com o governador leva o narrador a confessar a sua simpatia e
compreensão pela conduta da futura rainha e tudo o que ela representava: “Ouvindo-a discursar
com tanto brilho e tanta justiça, várias vezes me achei em pensamento ao lado dela e do rei Ngola
Mbandi”. Assim como após ouvir o seu companheiro de memórias, o tradutor Domingos Vaz
manifestou compreensão pelo facto de Ginga de ter acedido a ser batizada e a receber um novo
nome: “[…] a decisão de Ginga não era de natureza espiritual e sim política”. (p:36-37).

O romance segue a vida, condições e orientações de uma figura da história de África, como forma
de introdução de acontecimentos marcantes de uma época que, dada a especificidade do seu
interesse por este capítulo da história, o escritor diz ter sido narrado por um “tradutor de mundos”
que permite seguir os trilhos de gentes e momentos importantes que escreveram uma parte da
história do século XVII. Tal como o próprio escritor proferiu na entrevista por ocasião do
lançamento do romance, este romance narra uma viagem entre Angola e Brasil feita através de
personagens reais, personagens fictícias e também com uma rainha mítica porque “aquilo com que
se constroe o mito tem muito de carne e sangue”.

Neste capítulo em que foram analisados os romances de Pepetela, Óscar Ribas e Agualusa,
pretendemos avaliar como a história pode funcionar como uma motivação para a literatura e de

79
como a literatura pode, através da história, compor, narrar e divulgar através de histórias
imaginadas aspetos da história recente, no caso em apreço. A história comporta muitas matérias e
assuntos que convidam à efabulação e à ficcionalização, sendo as narrativas resultantes uma
motivação legítima para fazer despertar o interesse pelo conhecimento da realidade.

Pepetela, um angolano a escrever a história do seu país, escreve romances que ajudam a entender
a colonização portuguesa e a necessidade de independência. Com o seu romance Yaka, (1984),
Pepetela empreendeu uma viagem pelos últimos 100 anos de colonização de Angola, marcada por
um sistema imperial carregado de racismo e de segregação, compondo a sua narrativa em discurso
direto e indireto, num diálogo que oscila permanentemente entre o mito e a realidade. Encontra na
vivência familiar, do nascimento até à morte, um veículo para melhor entendimento dessa
realidade. “Angola levou séculos para germinar e necessita de outros tantos para se desenvolver e
crescer”, defendeu o autor em entrevista à Televisão Pública de Angola (TPA).

No romance A gloriosa família – o tempo dos flamengos, (1997), Pepetela contorna a realidade de
factos que marcaram um tempo da história através da ficção, trabalhando-os ficcionalmente até
que se tornem testemunhos gloriosos para a construção de uma ideia de nação. O escritor insere
na história que recria um narrador que representa a população indígena e deste modo encontra a
forma de representar uma época que foi significativa para o processo de afirmação nacional que
lentamente foi sendo congeminada, até culminar no processo de construção de uma nação.

Porque África é representativa de mitos e rituais que justificam comportamentos e atitudes,


inserimos neste capítulo a análise do romance folclórico Uanga, (1951), de Óscar Ribas, para
representarmos Angola revista através da cultura e das tradições do seu povo. Através do
desenvolvimento de uma relação amorosa entre Catarina e Joaquim, como vimos, o autor dá a
conhecer a cultura, hábitos e costumes da população nativa da cidade de Luanda, mas que é, afinal,
extensivo a todo o território angolano.

80
Capitulo III

Viajar no tempo através da personagem

81
82
3.1. A figura histórica e a construção da personagem.

A vivência de subjugação que ronda a história de Angola, faz das suas figuras da história,
personagens heroicas, símbolos nacionais, a força motivadora para a consciência coletiva do
nacionalismo e patriotismo que levou à independência do território.

No percurso das lendas, que enriquecem o conhecimento popular, e nos relatos dos historiadores
sobre a pré-colonização e colonização de Angola, encontramos figuras heroicas que podem ser
aproveitadas pela ficção literária no cruzamento constante entre a história e a ficção. Segundo
alguns historiadores, em quatro séculos de colonização estão registados cerca de quinhentos
levantamentos ou rebeliões da população nativa, o que sugere a possibilidade de aparecerem
muitos heróis enquanto narradores de histórias.

Nos dois primeiros capítulos de Yaka (1985), “A boca e Os olhos”, que fazem referência a épocas
de grande desenvolvimento na ocupação do território por parte do colono, Pepetela inclui duas das
figuras lendárias da historia de Angola que, tal como Nzinga Mbandi, estão ligadas às lutas contra
os Portugueses. Tendo por objeto retratar na sua narrativa a nação angolana, e não tanto as figuras
da história, o escritor utiliza os feitos e a força dessas personagens como modelos e símbolos para
os momentos históricos que pretende retratar.

Mutu-Ya-Kevela, soba39 do rei Kalandula do Bailundo, o qual não reconhecendo a autoridade


portuguesa reuniu outros sobas e partiu para a guerra contra o trabalho forçado que os colonos
praticavam no interior de Angola e que era comparado a uma escravatura. Apesar da sua morte em
combate, a revolta continuou em nome da abolição da escravatura e em prol da expulsão do
colonialismo.

Mutu-Ya-Kevela caminha com os seus sekulos40pela anhara do Bailundo. A boca arde com as
palavras que vai dizer ao soba do Huambo. Temos de fazer a guerra, mas todos juntos. Começar e
acabar juntos. Não acabar quando algum ganhou alguma coisa ou ficou satisfeito. Mesmo os sobas
independentes são escravos, escravos da borracha, só sonham com caravanas de borracha. É preciso
fazer muito milho, muita comida, como o defunto chefe Ekuikui41 ensinou. (1985: p:44)

39
Nas comunidades angolanas, o Soba representa a autoridade máxima. É o chefe da comunidade.
40
Sekulo, significa em língua tradicional, mais velhos, pessoas de grande influência devido à idade e sabedoria.
41
Ekuikui II é um dos reis mais respeitado, acarinhado e importante na história do Huambo, reino do Bailundo.
83
No mesmo romance e nos mesmos capítulos, o autor também faz referência a Mandume ya
Ndemufayo42 que foi o último dos reis Kuanyama ou Cuanhama. Este régulo expulsou os
Portugueses do território Kwanyama e denunciou a inflação dos preços que eram praticados. Dizia
que “todos os brancos que estivessem dentro do seu território e que não fossem padres deveriam
ser mortos”. Emitiu decretos proibindo a apanha de fruta não amadurecida, para se proteger contra
as secas, e o uso desnecessário de armas de fogo, um produto importante obtido de comerciantes
europeus. Estabeleceu duras penas para o crime de estupro e permitiu que as mulheres tivessem o
seu próprio rebanho, o que anteriormente era ilegal.43

Os alemães avançavam no Sudoeste Africano em direcção à fronteira sul de Angola. Era preciso
chegar primeiro que eles e conquistar o Cuanhama, reino independente, habitado por criadores de
gado, grandes guerreiros. Nós estávamos mais preocupados com a crise da borracha e a nova guerra
que se preparava no Sul parecia longínqua. Até que chegou a notícia do desastre, o maior de sempre.
O pai dizia que isso era a prova que não podia haver autonomia nenhuma, não havia força para nos
defendermos dos negros, os arautos da autonomia eram apenas agentes dos alemães ou dos ingleses,
não interessava, bastaria a Metrópole deixar de mandar tropas que até Benguela era tomada pelos
mundombes ou bailundos. (1985: pp:72-73)

Apesar de tantas rebeliões e tantos heróis na história da colonização e da descolonização de


Angola, a rainha Nzinga, Njinga ou Ginga Mbandi, pelo seu passado, ligado a lutas contra os
portugueses, foi a mais recorrentemente utilizada como personagem de ficção, assim como o
período de quarenta anos durante o qual exerceu a sua governação.

Através da estátua Yaka, Pepetela transporta a figura da rainha para a sua narrativa sobre os últimos
cem anos de colonização, passados que eram duzentos anos sobre a sua morte. Na sombra da
ideologia desta governante, foi-se desenvolvendo o conceito de nacionalismo. O autor refere-se-

42
Mandume, filho distinto de África, foi o único rei em África que enfrentou um general. O General que enfrentou a
Mandume, Pereira de Eça, na sua biografia fez a seguinte referência: vou terminar, como é de justiça, fazendo também
o elogio do adversário, cuja bravura foi inexcedível. Atacar três dias seguidos que no último combate, que durou dez
horas, a uma distância que chegou a ser de cinquenta metros, revela um moral e uma instrução de tiro e de
aproveitamento de abrigos que fariam honra às melhores tropas brancas. Esse adversário teve quem o armasse e
instruísse, bem o sei, mas só com uma tempera verdadeiramente guerreira, entregue a si próprio, se manteria como se
manteve até à Môngua, onde a nossa ofensiva quase que só se pôde efectuar no campo estratégico, pertencendo ao
inimigo a do campo táctico. (fonte: Wikipédia, enciclopédia livre)
43
Segundo a versão Kwanyama, o Rei Mandume após derrota e por recusar submeter-se ao controlo sul-africano,
suicida-se após matar três dos seus fiéis seguidores. É também recordado como herói nacional, o “Rei dos Reis” do
povo angolano. A sua biografia poderia também, quer pela beleza quer pelo africanismo, ter sido traduzida para a
literatura ou cinema, a par da Rainha Nzinga Mbandi, do último imperador de Gaza, Gungunhana (Moçambique) ou
do Rei Shaka Zulu (África do Sul).

84
lhe como sendo “o princípio do que se sabe” e que “talvez Njinga fosse Yaka?”, ao confirmar que
a estátua sendo pura ficção podia ter existido. (1985: pp:9-10). A partir desta introdução, Pepetela
constrói a sua intriga através das personagens de ficção da família Semedo, nas quais encontra
formato e motivação para a representação do ideal nacionalista, tomando como ponto de partida
procurar compreender melhor o passado.

Também com o romance A gloriosa família – o tempo dos flamengos, (1997), Pepetela recorre à
rainha como figura importante da história de Angola, isto é, como protagonista que foi desse
período que foi prévio à sua emancipação plena.

Pepetela constrói a sua narrativa a partir de um excerto da História Geral das Guerras Angolanas
(1680). Nesse excerto, António de Oliveira Cadornega, autor da referida obra, refere a existência
na cidade de “Loanda” de um homem de nome Baltazar Van-Dum, um Flamengo/Português, que
se dividia entre os Holandeses e os Portugueses com o objetivo de não perder o estatuto e posição
social que já tinha.

A partir desta figura real da história, o escritor desenvolve toda a trama narrativa, ou seja, o que se
passou e o que se poderia ter passado. Através de um narrador homodiegético representativo do
povo angolano submisso e silencioso, o escritor faz o retrato da época. O período de vigência do
poder da rainha Njinga é aproveitado pelo ficcionista para lembrar, através das personagens da
família que imaginou, o quanto a família africana da época foi gloriosa ao ponto de poder ser
considerada uma referência para a família angolana da atualidade. Esta família, em representação
do povo, foi construindo a sua independência a partir da ânsia pela liberdade.

Nos romances de Pepetela, as personagens são construídas a partir da necessidade de


reconstituição da história de uma época, corresponda ela a um espaço temporal mais alargado,
como em Yaka, ou a outro mais curto, como em A gloriosa família.

Quer as caraterísticas psicológicas quer as físicas das personagens estão relacionadas com a
sensibilidade, com o sofrimento e com o comportamento do povo angolano, em geral,
características estas que vão sendo reveladas à medida que os acontecimentos se sucedem no
espaço e no tempo da narrativa, explicando assim comportamentos e atitudes.

85
Pepetela serve-se dos contornos da história para desenvolver as suas personagens de ficção e
construir as suas obras em conexão estreita com a realidade, inscrevendo nelas alusões ou
referências de forma a lembrar ao leitor que a época em destaque é aquela durante a qual viveu e
lutou a rainha da resistência angolana. O ficcionista utiliza, portanto, figuras que se inspiraram em
modelos da história real, dotando-as de tão assombrosa verosimilhança narrativa que conseguem
transportar o leitor para um tempo passado.

É com Agualusa que a figura histórica retratada em A rainha Ginga. E como os africanos
inventaram o mundo, (2014) é aproveitada como personagem. Trata-se na verdade da mais famosa
e controversa personagem da história de África, relacionada com a história de Angola do século
XVII.

Através das memórias do narrador, também ele entidade ficcional, porém, de contornos
verosímeis, a vida da rainha vai sendo passada em revista, condicionando e preparando o
desenrolar dos acontecimentos.

A par do narrador, inspirado quer na vida do missionário capuchinho Geovanni Cavazzi de


Montecucollo, que seguiu e serviu a rainha, quer possivelmente na de Rafael, o pirata da perna de
pau inspirado na figura do capitão Jol que conquistou Luanda para a Companhia das Índias
Ocidentais, Agualusa cria a personagem Ginga, que vai interagindo com o narrador para assim
permitir o regresso ao passado e às memórias que impulsionam o avanço da narrativa.

3.2. O exemplo de Nzinga: O narrador e a construção da personagem.

Istória descrizione de tre regni Kongo, Matamba ed Angola (1687), de António Cavazzi de
Montecuccolo, é uma obra sobre a história da rainha e da época em que viveu, a qual serviu durante
muito tempo como fonte para o conhecimento da história e da sociedade da África Central, no
século XVII. Para além de todos os pormenores que contem, a obra é ainda profusamente ilustrada,
apresentando gravuras que fornecem elementos para uma compreensão plena da vida quotidiana
dessas regiões, na época em causa.

86
Esta obra contém uma narrativa notável da vida da rainha angolana, D. Ana de Sousa Njinga
Mbandi, que Cavazzi conheceu pessoalmente. Por ser o seu confessor, passou vários anos junto
dela como conselheiro, tendo assistido à morte da rainha e consequentemente oficializado o seu
funeral.

A obra de Cavazzi baseia-se em factos experienciados pelo povo com quem partilhou os anos que
viveu em África. Agualusa baseia-se nas narrações de Cavazzi feitas na primeira pessoa, narrando
o que vivenciou, e transporta concomitantemente essa vivência para o narrador. Desta forma
constrói a personagem e narrador, Francisco José de Santa Cruz. Trata-se de um padre
pernambucano que vem a ser indicado para secretário e conselheiro da rainha, à semelhança dos
factos que a história de Cavazzi reporta.

Assim, o nascimento da rainha é narrado em formato de pronúncio sobre o futuro.

Mbandi Ngola Kilwanji, oitavo rei de Ndongo, teve, em 1582, uma filha à qual deu o nome de Njinga, ou
Nzinga, como se pronuncia em Umbundu. Esta princesa veio ao mundo com alguns sinais, sobre os quais as
arúspices, em que os negros acreditam particularmente em semelhantes circunstâncias, não pressagiam nada
de bom, e as previsões foram consideradas verdadeiras. Garante-se mesmo que, depois de os adivinhos terem
observado o recém-nascido, não ousaram fazer uma interpretação particular, mas olharam uns para os outros
com medo e gemeram, “Màmà Ó aoe! Màmà ò aoe! Ò aoe”, o que quer dizer: “Oh, que monstro de selvajaria
será esta criança! Infelizes aqueles que se encontrarem sob o seu domínio!” Segundo as descrições na obra,
o rei amava muito a filha e educou-a com grande cuidado e de acordo com o seu estatuto porque lhe
reconhecia uma extraordinária vivacidade de espírito e uma grande sagacidade. Ensinava-lhe os dogmas e
abençoava-a em cerimónias da seita. (p:59)44

Filha de Mbandi Ngola Kilwanji, oitavo rei do Ndongo, Nzinga ou Njinga Mbandi nasceu em 1582
e morreu em 1663. Foi criada pelo pai para ser guerreira, tornando-se rainha após envenenar o
irmão. Formou uma aliança com o povo guerreiro dos jagas45 e com os holandeses, a quem ajudou
na ocupação de Luanda. Paralelamente, converteu-se ao catolicismo, numa tentativa de reforçar os
laços com os portugueses.

44
Recolha a partir da versão Njinga Rainha de Angola- A relação de António Cavazzi de Montecuccolo, (1687),
Escolar Editora, Lisboa, 2013.
45
Os Jagas eram povo de guerreiros mercenários que tiveram origem no reino da Lunda e foram vitimas do comércio
de escravos pelo reino do Congo. Percorreram o território da atual Angola onde fundaram o reino de Cassange. Com
o casamento entre a Rainha Ginga e o soberano Jaga, a rainha adequire também a soberania deste reino passando a ser
designada como rainha do Ndongo, Matamba e Cassange.
87
Nzinga travou uma luta contra o tráfico negreiro numa época em que o escravo era moeda para
trocas comerciais. A sua biografia é controversa na medida em que, se por um lado, lutou contra a
escravidão do seu povo, por outro, ela própria possuía escravos, prisioneiros das guerras que
travava e que vendia aos portugueses. Defendia a religião do seu reino, mas converteu-se à religião
católica através do batismo e adotou muitos costumes católicos. Para conseguir o apoio dos jagas,
adotou também a sua cultura. Apesar de tudo, a verdade é que durante o período do seu reinado
verificou-se a diminuição do tráfico negreiro, nos anos de 1624 a 1641.

Além do combate contra a invasão dos portugueses, Nzinga Mbandi tinha como missão a
unificação do reino do Ndongo, o que a obrigava a combater a oposição interna, pelo facto de ser
mulher e também devido à sua mãe ser escrava. Tinha igualmente por missão combater os Jagas,
inimigos tradicionais. Na obra de Cavazzi, este povo, composto fundamentalmente por guerreiros
saqueadores e com costumes culturais abomináveis, é descrito de forma horrenda, inclusivamente
em virtude de serem praticantes de canibalismo e de outros rituais satânicos.

O irmão da rainha, que sucedeu no reino do Ndongo após a morte de seu pai, tomou como primeira
medida o assassinato do filho de Nzinga Mbandi por forma a eliminar a concorrência, tendo já
nessa altura ordenado a mutilação das suas irmãs, Nzinga inclusive, para que não pudessem ter
filhos que ameaçassem a sucessão. Contra todos os propósitos, Nzinga tornou-se rainha em 1624,
após a morte do seu irmão que, segundo Cavazzi, foi por ela mandado assassinar como vingança
da morte do próprio filho.

Uma vez reconhecido o seu brilhante desempenho enquanto diplomata, ela assume o trono numa
das piores crises do reino, tendo porém realizado a sua melhor manobra política que foi a união
com os terríveis jagas. Para conseguir o seu propósito adotou muitos costumes estranhos à cultura
de Ndongo, como os rituais de canibalismo que ajudavam a manter os soldados animados para a
batalha. Os jagas combatiam até ao último homem, já que a covardia era punida com a morte.

Segundo os relatos de Cavazzi, em certos rituais Nzinga vestia-se de homem e obrigava seus
inúmeros amantes a fantasiarem-se de mulher. Provavelmente tratava-se de uma forma de
reafirmar o próprio poder numa sociedade que não aceitava a Mulher como soberana.

88
Ao conceder exílio aos escravos fugidos, contribuiu também para fomentar o desejo de liberdade
e de libertação. “Sansalas inteiras” fugiam procurando apoio da rainha, contribuindo para a
diminuição do tráfico de escravos. Entre 1620 e 1630, fez várias investidas, impedindo que se
constituíssem feiras de comércio de escravos, tendo conseguido paralisar a atividade no interior.
Conseguiu unir numa confederação, todos os chefes descontentes com a presença portuguesa,
tornando-se referência política para além das fronteiras do território que governava.

A rainha instigou e fomentou ações militares que impediram que muitos sobas pagassem tributos
aos portugueses, o que levando à diminuição dos pagamentos “em escravos”, contribuiu para o
enfraquecimento da prática.

O nome Nzinga Mbandi ficou para sempre ligado à história de Angola como uma referência da
resistência africana contra o colonialismo. No Brasil, fruto do destino que levavam os escravos de
Angola, a rainha NZinga, Njinga, Ginga ou Jinga é homenageada em muitas festas populares de
origem bantu e o seu nome foi dado a uma técnica de jogo aplicado na capoeira46, como referência
à sua técnica de luta no terreno, com os seus avanços, recuos e estratégias de combate, “seduzindo
e enganando”.

Os feitos da sua governação foram entendidos como um símbolo nacionalista, incentivo e


motivação na educação do povo. No Museu Nacional de História Militar – Forte de S. Miguel, em
Luanda, encontra-se uma galeria com a sua história em azulejos, além da imponente estátua na
entrada. Apesar de tanta controvérsia, tornou-se uma das maiores governantes da história da África
e um símbolo da construção de Angola enquanto nação.

Se por um lado, a obra de Cavazzi traça um retrato grotesco e selvagem da rainha, por outro,
Agualusa, no romance A rainha Ginga. E como os africanos inventaram o mundo, faz um retrato
moderado da rainha, de acordo o objetivo de dar a conhecer a inteligência política com que
governou e lutou pelos ideais que a moviam e que se identificavam plenamente com os ideais da
africanidade.

46
Capoeira é o nome de uma espécie de luta que os escravos praticavam nos navios negreiros. Esta luta expandiu-se
para o Brasil, por altura do tráfico de escravos, onde se veio a transformar em arte, praticada ao som do birinbau, um
instrumento musical.
89
A primeira vez que a vi, a Ginga olhava o mar. Vestia panos e estava ornada de belas joias de ouro
ao pescoço e de sonoras malungas de prata e de cobre nos braços e calcanhares. Era uma mulher
pequena, escorrida de carnes e, no geral sem muita existência, não fosse pelo aparato com que
trajava e pela larga corte de mucanas e de homens de armas a abraçá-la. (p-13)

No romance, Agualusa reconhece a história contada por Cavazzi, através do acompanhante do


narrador, Domingos Vaz, o tradutor (tandala) que põe o padre ao corrente das práticas de uso de
poder da rainha. O narrador compara essas práticas às práticas de violência e injustiça exercidas
em nome de Deus, pela igreja Cristã.

Nessa mesma noite, já no acampamento onde pernoitámos, Domingos Vaz narrou, com preciosa
soma de detalhes, algumas das cerimónias e superstições gentílicas a que assistira. Senti, escutando-
o, que estava entrando em pleno inferno e enchi-me de terror. (p.16)

Cavazzi pretendeu imortalizar os acontecimentos descrevendo os factos verídicos e colhidos na


primeira pessoa. Agualusa pretende enaltecer a invenção do mundo pelos africanos, através dos
ideais de uma mulher poderosa, que dominava com supremacia como um homem e que também
se comportava como um homem. De África saíram muitos navios negreiros para povoar outros
locais no mundo. De África saiu uma cultura, hábitos e costumes que foram assimilados pelas
populações onde os africanos se inseriam. África é por isso considerada o berço da humanidade,
segundo também o ponto de vista de cientistas.

Agualusa aproveita assim a história de Cavazzi, transpondo-a para a memória do narrador, e a


partir da qual a narrativa se constrói. A descrição da rainha, assim como a descrição do tamanho
dos seus feitos, barbáries e horrores, é ultrapassada no romance de Agualusa, pela colagem a uma
personagem astuta, ardilosa, de figura pequena e esguia que consegue dominar e articular amigos
e inimigos através de interesses coletivos e não individuais, como o seu casamento com o soba dos
jagas, Caza Cangola, para assim conseguir a união dos dois reinos.

O que levou a rainha a casar-se com Caza Cangola? Já o disse antes: convinha-lhe o poder e a
astúcia dos jagas. O que levou o belicoso soba a aceitá-la como esposa é mais difícil de
compreender: talvez o amor.

Creio que o velho jaga se deixou encantar por aquela mulher que batia de armas na mão, tão viril
quanto o homem mais macho. Uma mulher que nunca se vergava; que não tinha amo nem Deus.
Uma mulher que conhecia as artes da guerra, as suas armadilhas e danações, e que ao debater com
os seus macotas pensava melhor do que o melhor estratego, pois, sabendo cogitar como um homem,
possuía ainda a seu favor a subtil astúcia de Eva. (p:92)

90
A história retrata esta rainha como hábil guerreira e uma estratega política e militar de excelência,
aspetos aos quais se junta o facto de nunca ter sido capturada, não obstante ter passado a vida em
combate e ter chefiado, pessoalmente, as suas tropas até aos setenta e três anos de idade. Este é o
facto da história que interessa particularmente a Agualusa e que é introduzido no seu romance
através da personagem de Ginga. Uma personagem respeitada e capaz de convencer os seus
inimigos, mas também capaz de transformar os seus amigos. Tal como a história confirma, Nzinga
Mbandi foi uma referência para os chefes africanos, não só no combate à política de colonização
de Portugal, nomeadamente na captura de escravos e no seu envio para a América. Eventualmente,
será por esta razão que Angola só foi dominada pelos portugueses após a sua morte, aos 81 anos.

As narrativas além da função comunicativa e de entretenimento desempenham também o papel de


irradiar informação sobre determinados factos e momentos da história levando o leitor a refletir
sobre eles. Quanto maior o conhecimento do leitor sobre o acontecimento, maior é o impacto que
a obra terá sobre si, já que mais facilmente consegue reconhecer o que se passou.

Na ficção romanesca, é verdade que a construção da personagem demanda respetivamente a sua


apresentação prévia e posterior descrição, o que possibilita ao leitor criar no seu imaginário uma
determinada ideia da figura em causa. Neste sentido, as personagens de Pepetela, de Agualusa e
de Óscar Ribas transmitem grosso modo uma imagem verosímil das figuras que as inspiraram ou
que elegeram como modelo, proporcionando aos seus leitores uma interessante e particular viagem
no tempo que, simultaneamente, pode contribuir para despertar neles o interesse para a aquisição
de outros conhecimentos, nomeadamente, no campo da História mas também da Cultura e da
Sociedade angolanas, transformando-se desta forma a Literatura num potencial ‘veículo’ de
enriquecimento que de forma muito própria reinventa e representa a vida e os homens.

91
92
Em jeito de conclusão

Contar estórias é uma atividade praticada por muitos. A “arte de sunguilar”, utilizando a versão
de Óscar Ribas, vem sendo praticada entre gerações, de pais para filhos, entre professores e
amigos. Trata-se de uma prática utilizada por um leque populacional elevado, neste caso concreto,
no contexto de Angola, em todas as esferas geográficas e por todas as gerações, procurando ir
sempre ao encontro de um objetivo, seja ele: o entretenimento, a sensibilização para questões
sociais prementes, a explicação de causas e de fenómenos vivenciados e que fazem parte de um
determinando quotidiano, a moralização de costumes, entre outros objetivos.

Muitos são os que escrevem, outros que simplesmente contam, outros, ainda, que tão só recontam,
transformando a matéria relatada e assim voltando a contar, tendo em vista objetivos específicos.
Enfim, a maioria do público (leitor e ouvinte) compreende que toda a narrativa, seja ela oral ou
escrita, em prosa ou em verso e com imagens ou não, possui elementos fundamentais que
respondem a várias questões, tais como, entre outras, procurar desvendar «O que
aconteceu?»,«Quem viveu os factos narrados?», «Como aconteceu o sucedido?»,«Onde se passam
os acontecimentos?» ou, ainda, «O que lhes esteve na origem?» …

A Literatura pode então ‘funcionar’ como auxiliar eficaz para a obtenção do conhecimento sobre
a história, mas também sobre a geografia, os costumes e as tradições; transformando-se em um
instrumento útil para a formação individual e coletiva já que motiva e estimula o leitor comum,
levando-o a desejar desenvolver e aprofundar as suas aprendizagens e os seus conhecimentos de
uma forma agradável e útil.

No que respeita ao conhecimento da história de Angola, Pepetela procura através da simbologia


da história desvendar o conhecimento da realidade e do presente, cumprindo-se assim um dos
propósitos da narrativa literária que é fazer, a seu modo, a representação do mundo, exprimindo
de vida e os sentimentos, a sensibilidade e os afetos, mas também testemunhar formas
determinadas de pensar e de agir que reiteram a permanência do Homem no Tempo.

Apesar de as suas obras de ficção não serem ideologicamente isentas, contendo não raramente
críticas implícitas à sociedade do seu tempo, elas convidam concomitantemente à autorreflexão.
A revisitação de factos históricos, que seguramente aconteceram, conduz a um conhecimento

93
muito interessante sobre a história de Angola, num sugestivo ‘vai - vem’ entre o passado e o
presente.

Embora Pepetela não tenha publicado os seus romances pela ordem com que foram introduzidos
no presente trabalho, se, todavia, eles forem lidos na perspetiva cronológica supramencionada é
possível fazer uma ‘viagem’ pela Historia angolana, desde os seus tempos mais remotos e
fundacionais, passando pela sua condição de colónia e terminando na afirmação de uma nação
nova e independente. O tema genérico da sua ficção é, portanto, Angola, deslindando o autor o
percurso da construção da nação com o intuito de o dar a conhecer aos seus leitores, porém dentro
dos constrangimentos da verdade histórica e da ancestralidade que perpassa a cultura tradicional
do seu país. Assim, questiona a história de Angola transmitida pelos portugueses durante o tempo
do poder colonial e propõe uma versão angolana dos acontecimentos, aproveitando para convidar
os leitores a uma reflexão sobre os factos e os episódios do passado e do presente que desta arte
coloca em confronto.

Tendo em atenção que o percurso literário angolano teve origem na necessidade propagandística
de validar a ideologia nacionalista, a obra de Pepetela, enquanto escritor contemporâneo,
testemunhando as vivências diversas da nação até à sua reconstrução em estado independente,
enquadra-se bem no pressuposto que considera a literatura, também, um testemunho do passado
que simultaneamente representa e ajuda a compreender (ou não) o sentido do quotidiano e da
atualidade.

Como a história de um povo não se baseia apenas em factos políticos e económicos, mas também
em convivências sociais que reforçam cada traço cultural, incluímos no percurso do presente
trabalho a obra de Óscar Ribas, com o intuito de completar o processo que respeita ao
conhecimento de uma cultura e de suas tradições ancestrais, numa perspetiva por assim dizer
etnográfica, que corrobora que os valores culturais do passado jamais foram postos em causa.

A estes, acrescentou-se, por fim, a visão dos factos heroicos da história e da mitologia de Angola
veiculada através do romance de José Eduardo Agualusa e apoiado na lendária rainha Ginga, uma
das grandes figuras da história da nação retratada enquanto tal e representante de uma ideologia

94
revolucionária considerada como um marco na procura incessante da matriz e da identidade de um
povo.

O género romance promove particularmente a envolvência entre o escritor e o leitor através do


enredo e das personagens que recria, o que consideramos ser uma mais-valia para incrementar a
motivação para a aprendizagem da História, principalmente tendo em vista o contexto dos
estudantes angolanos que estão de alguma forma familiarizados com o espaço e o tempo em que a
narrativa decorre, para além de conhecerem, por vivência próxima, o desfecho dos acontecimentos
convocados pelo autor na sua ficção e, as transformações operadas nos espaços e lugares que,
afinal, são também aqueles onde os próprios vivem.

Torna-se assim bastante motivador percorrer os acontecimentos que a ficção constrói em torno da
rainha Ginga, tentando identificar, no espaço e agora, os momentos e os registos desse tempo que
nos são transmitidos de forma bela e artística através de personagens que o autor inventou, mas
que, todavia, encontram na História real do país a sua verdadeira e mais profunda razão de ser.

95
96
Bibliografia

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100
ANEXO 1

101
102
Algumas propostas para atividade interdisciplinar

Partindo do princípio que é necessário o incentivo à leitura assim como o incentivo à construção
do conhecimento como elemento motivador da aprendizagem para turmas da área de humanidades
que tenham como disciplinas da área geral e específica, Língua e Literatura Portuguesa - uma ou
ambas - e a disciplina de História, optámos por apresentar, ainda, um plano de trabalho que, para
além de apelar à pesquisa e concentração nestes domínios do conhecimento, pode ser motivador
para desenvolver e impulsionar a criatividade dos estudantes, sobretudo dos mais tímidos ou
simplesmente mais desligados destes interesses.

Neste sentido, concebemos algumas tarefas para uma actividade interdisciplinar entre ambas as
disciplinas, História e Língua Portuguesa - de forma a motivar o estudante para a leitura do texto
literário, preferencialmente, e para a pesquisa, enquanto metodologia para a aquisição de
conhecimentos.

No sentido de facilitar o cumprimento dos objectivos gerais do plano de aprendizagem das duas
disciplinas, destacamos alguns objetivos específicos, tais como:

1- Adquirir competências de análise de fontes de informação de natureza diversa;


2- Relacionar a história real com a história ficcional;
3- Identificar e caraterizar as fases principais da evolução da História no contexto da formação
da nação angolana;
4- Estabelecer relações entre o tempo passado e o tempo presente;
5- Produzir textos através da escrita e da oralidade;
6- Caraterizar as diversas tipologias de textos;
7- Interpretar e analisar textos.

Disciplina de Língua Portuguesa/Português/Literatura Portuguesa e disciplina de História, cujo


programa contemple a história de Portugal e de África, partir do século XVII, para estudantes
que frequentam entre o 10º e o 12º ano.

103
Dividir a turma em número igual de estudantes para cada lado, caso seja possível.

1ª parte da atividade – tempo: 1º trimestre (em atividade extraescolar)

Um dos grupos deverá ler o romance Yaka e o outro grupo, A gloriosa família: o tempo dos
flamengos, ambos do escritor angolano, Pepetela.

Durante o período em que decorre a leitura das obras, a partir da disciplina de língua ou
literatura, elaborar uma ficha técnica de leitura que deverá conter:

1- Enquadramento da obra quanto ao género; tipo de narrativa; elementos da narrativa que


a constituem; tipo de narrador; tema; mensagem e tipo de discurso;
2- Cada estudante deverá selecionar um pequeno excerto da obra, com a dimensão máxima
de dois parágrafos, para serem analisados pela turma ao nível do funcionamento da
língua, de acordo com o programa do ano curricular em que a atividade se desenvolve e
de acordo com as metas curriculares definidas.
Durante o período em que decorre a leitura das obras, a partir da disciplina de História, elaborar
uma ficha técnica que deverá conter:
1- Identificação do tema; respetivo enquadramento histórico;
2- Identificação das Fontes históricas/bibliografia utilizada pelo escritor;
3- Reconhecimento eidentificação dos principais elementos ficcionais e mitológicos;
4- Pequena biografia do escritor.
2ª parte da atividade – tempo: 2º trimestre (actividade em sala)

1- Partilha das tarefas realizadas e resultados alcançados pelos estudantes, na turma;


2- Discussão pública a partir de grupos de representação.
3ª atividade- tempo: último semestre (atividade em sala)

Para a disciplina de línguas e literaturas: os estudantes deverão fazer uma pequena adaptação da
obra ao teatro, consistindo numa encenação dramática simplificada.

104
Para a disciplina de História: os estudantes deverão apresentar uma versão alternativa, dando
largas à sua criatividade , porém partindo do real conhecimento que possuem desse período da
história.

As atividades finais poderão ser apresentadas em seminário a promover no final do ano letivo e
integrado nas atividades planeadas para a/as turma/as, de acordo com o plano de atividades da
escola, ou promover concursos, entre turmas, sobre a temática da interdisciplinaridade ou, ainda,
promover desafios a apresentar a outras escolas que sigam o mesmo programa curricular.

105

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