SINOPSE DO CASE1
Laryssa Lemos Barreto de Oliveira2
Anna Valéria Cabral Marques3
1 DESCRIÇÃO DO CASO
Theoplistes e Alyuska são casados há 17 anos, e tem dois filhos Rozelha (16) e
Xenocrátes (10). Estes começam a frequentar uma casa de swing, onde conhecem Zenóbia
(19), com quem passam a manter relações sexuais. O casal convida Zenóbia, que é garçonete
do clube, para morar com eles, e passam a assumir todas as despesas pessoais dela, exigindo
que esta largue o emprego no clube de swing. Um ano depois Alyuska encontra Zenóbia
mantendo relações sexuais com a sua filha, o casal a expulsa de casa. Rozelha, leva uma surra
dos pais, tendo os braços quebradas. Zenóbia procura seu escritório para se informar quais os
direitos que possui em relação a Theoplistes e Aluyska, além de como deve proceder para se
casar com Rozelha, e solicitar a guarda de Xenocrátes, que é constantemente agredido.
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1 Descrição das decisões possíveis
2.1.1 A relação entre os sujeitos constitui uma entidade familiar
2.2.2 A relação entre os sujeitos não constitui uma entidade familiar
2.2.3 Admissibilidade de casamento entre Zenóbia e Rozelha
2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão
2.1.1 A relação entre os sujeitos constitui uma entidade familiar
Na vigência do código de 1916 somente o casamento civil era reconhecido como
entidade familiar, não admita-se a existência de uniões extramatrimonializadas, assim, ‘’o
casamento era a única forma de constituição da chamada família legítima, sendo, portanto,
ilegítima toda e qualquer outra forma familiar’’. (RODRIGUES, 2009, p. [?])
A Constituição Federal de 1988 vem normatizando novas regras com base na
nova realidade brasileira. Assim, aquela família tradicional advinda apenas do casamento,
constituída pelos pais e filhos não é mais a única forma de constituir uma entidade familiar,
1
Case apresentado à disciplina de Direito de Família;
2
Aluna do 6º período vespertino, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco;
3
Professora, mestre.
2
A constituição Federal de 1988 ampliou esse conceito, reconhecendo outras
entidades familiares. O direito passou a proteger todas as formas de família, não
apenas aquelas constituídas pelo casamento [...] definindo como entidade familiar
também a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, e
reconheceu a união estável como entidade familiar. (BUNCHE, 2011, p. 07)
A constitucionalização do direito de família abriu espaço para o advento de
relações de afeto, baseadas nas solidariedade e cooperação, a família existe para o
desenvolvimento pessoal, em busca da aspiração a felicidade (BUCHE, 2011, p. 06). O art.
226 da Carta Magna reconhece novas entidades familiares,
[...] concendendo-lhes os mesmos direitos e garantias do casamento. O artigo citado
possui rol exemplificativo, podendo adaptar aos novos conceitos de famílias. Dessa
forma, a existência de famílias paralelas a uniões estáveis ou casamentos, verificadas
na atual sociedade, não podem ser desprovidas de efeitos na ordem jurídica.
(BOAVENTURA; PENTEADO, p. 01)
A entidade familiar, nesse novo contexto, é constituída com base no afeto dos
sujeitos que a compõe, e não mais no patrimônio ou prole. Como esclarece, ‘’A família, na
atualidade, não se justifica sem a existência do afeto, pois é elemento formador e estruturador
das entidades familiares. Dessa maneira, a família é uma relação que tem como pressuposto o
afeto’’ (PESSANHA, 2011, p. 02).
O princípio da dignidade da pessoa humana, que é primado básico da Constituição
Federal, do qual decorrem outros princípios e direitos fundamentais, onde a sociedade busca a
felicidade entre as pessoas, e, portanto, o afeto é a ligação atual da família, com a intenção de
constituir um amor familiar, sendo a afetividade o elo de estruturação das entidades familiares
na atualidade. Consagra-se também o princípio da pluralidades das entidades familiares, o que
significa que o rol de famílias expostos no art. 226 da CF é meramente exemplificativo, não
taxativo, podendo-se reconhecer novas formas de constituição de famílias se não aquelas.
(PESSANHA, p. 03)
O afeto sendo vem gerando diversas formas de constituir a família, dentre estas, o
poliamor, que é,
a capacidade do ser humano amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. O poliamor
é diferente das uniões abertas, que priorizam o prazer sexual. O poliamor busca o
fomento sentimental. A característica primordial desta teoria é que há o desejo de
manutenção de uma relação amorosa, mas em concomitância com outros indivíduos
e de forma honesta com todos. (BOAVENTURA; PENTEADO, p. 13)
Portanto, por ser ligado a afetividade pode-se considerar uma entidade familiar,
que deve ser protegida, e respeita pelo estado. A relação do casal com Zenóbia se enquadra no
poliamor, baseada em laços de afetividade e amor entre estes, devendo ser reconhecida com
entidade familiar.
As uniões paralelas, ou simultaneidade familiar, ocorre quando ‘’o cônjuge (no
casamento) ou companheiro (na união estável) mantém, paralelamente a sua família, uma
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outra família’’ (BUCHE, 2014, p. 09). Assim, pelo princípio da afetividade, que só se
constitui entidade familiar aquela permeada pelo afeto, ‘’é imprescindível reconhecer a
existência de tais relações paralelas como entidades familiares, desde que, obviamente, se
preencha todos os requisitos necessários para tanto, sob pena de violação de preceitos éticos e
de conceder prestígio ao enriquecimento sem causa’’ (LIMA, 2015).
Observando os requisitos da união estável, tais como a estabilidade, continuidade,
publicidade, e o objetivo de constituir família, conforme o art. 1723 do CC de 2002, pode-se
configurar essa união paralela como união estável, e sendo a união estável, uma das formas
expressas pela Constituição de constituir família, essa união será entendida com uma família.
A apelação cível nº 70039284543 reconheceu viável a união estável paralela ao
casamento, reconhecendo a união dúplice, o que importaria na partilha de bens na forma de
triação, com a participação obrigatória da esposa formal. No caso julgado, a ex-companheira,
como Zenóbia, estava afastada há anos do mercado de trabalho, tendo evidente dependência
economia, fixando alimentos em prol dela. Desse modo, mesmo que não haja previsão
expressa das famílias paralelas, elas existem e geram efeitos jurídicos patrimoniais, já que, a
vedação ao enriquecimento ilícito torna viável a aplicação de direitos patrimoniais como a
meação, pedido de alimentos, direitos sucessórios e previdenciários.
2.2.2 A relação entre os sujeitos não constitui uma entidade familiar
O ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito ao regime familiar é regido
pela monogamia em detrimento da poligamia, não admitida pelo direito pátrio. A monogamia
é ‘’a prática de relação familiar clássica imposta e respeita pela sociedade contemporânea,
onde um homem possui apenas uma esposa, ou a esposa que mantém relação de exclusividade
afetiva e sexual a apenas um esposo’’. (ROCHA, 2013, p. 08)
As relações paralelas ao casamento civil constituem o que se chama de
‘’concubinato’’, já que, pela vigência de um matrimônio válido estas se encontram impedidas
de contrair um novo casamento, sob pena de incidir no crime de bigamia, previsto no art. 235
do código penal, e também são impedidas de contrair um união estável paralela, em
decorrência do regime monogâmico que rege as relações familiares na sociedade brasileira,
Fiel ao regime monogâmico das relações conjugais, o artigo 1.521, inciso VI, do CC
impede que se unam pelo matrimônio pessoas que já sejam civilmente casadas, ao
menos enquanto não for extinto o vínculo conjugal, pela morte, pelo divórcio ou
pela invalidade judicial do matrimônio. O casamento brasileiro é essencialmente
monogâmico, tanto que a bigamia é tipificada como infração criminal.
(BOAVENTURA; PENTEADO, 2014, p. 02)
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Por meio de uma interpretação literal do art. 1727, que dispõe que ‘’as relação não
eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar, constituem concubinato’’, se conclui
que as relações paralelas são desprovidas de efeitos jurídicos, sendo enquadradas como
concubinato, e ao concubinato é aplicado as regras de sociedade de fato, tornando-se inviável
o pleito de meação, alimentos, herança e direitos previdenciários. (BOAVENTURA;
PENTEADO, 2014, p. 14-15)
O código civil de 2002 trata tal situação com concubinato, desse modo, ‘’esse tipo
de relação não gera qualquer tipo de efeito ou direito no âmbito do direito de família’’
(LIMA, 2015, p. [?]). O código civil exclui da proteção do direito de família os concubinos,
e, desse forma, esta relação não pode vir a ser considerada uma entidade familiar. Mas
segundo a doutrina e jurisprudência têm-se o entendimento de que apesar de se negar a
proteção as relações paralelas pelo direito de família, lhes dão garantia através do direito
obrigacional. Desse modo, o concubinato não se caracteriza como entidade familiar, mas
como sociedade de fato, nos termos da súmula 380 do STF. (LIMA, 2015, p. [?]). Pela súmula
380 do STF, há a partilha, ou seja, divisão do patrimônio adquirido durante o concubinato,
pelo esforço comum, até mesmo para evitar o enriquecimento ilícito.
O STJ no REsp. 1096539/RS decidiu no sentido de que o fato de ser casado
constitui impeditivo para o reconhecimento de uma união estável, salvo se haja a separação de
fato ou de direito. E diante disso, há uma relação concubinária, simultânea ao casamento, não
reconhecendo a união estável. (SILVA, 2012, p. [?])
Em relação aos direitos de Zenóbia, reconhecida a sociedade de fato, rege-se tal
relação pelo direito obrigacional, e segundo a Súmula 380 do STF, havendo a contribuição da
concubina pelo esforço comum, haveria a partilha tanto pela contribuição direta como pela
indireta. (CHATER, 2015, p. 27-28)
2.2.3 Admissibilidade de casamento entre Zenóbia e Rozelha
Até meados de 2013, o judiciário não tratava essa relação homoafetiva como
união estável com vínculo civil capaz de geral gerar casamento, porque a constituição federal
e o código civil eram claros ao expressar a entidade familiar como vínculo entre o homem e
mulher, mas o STF através da ADIN 4.277 e a ADF 132, reconheceu a união homoafetiva
como entidade familiar, regida pelas mesmas regras que se aplicam a união estável dos casais
heterossexuais. A posteriori, o CNJ editou uma resolução emitindo que seria possível o
casamento, porque é um instituto equivalente a união estável, tal resolução recomenda que
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todos os cartórios reconhecessem a união e casamento de pessoas do mesmo sexo. Então, a
diversidade de sexo não é mais requisito necessário para a existência do casamento.
Admite-se a possibilidade de pessoas do mesmo sexo constituírem uma entidade
familiar através do casamento, sendo necessário se observar os requisitos formais para
constituição de um casamento, já que, o casamento é um negócio jurídico bilateral, que parte
de uma conjunção bilateral de vontades para casar (convergência de interesses), se fundando
assim na autonomia privada da vontade. É preciso também se observar os requisitos
essenciais para um negócio jurídico qualquer, como o agente capaz, o objeto lícito e a forma
solene (o proclamas, que é o processo de habilitação).
A capacidade núbil, a idade mínima para se contrair o casamento, é aos 16 anos.
Com os 17 anos, Rozelha pode se casar com Zenóbia, mas é preciso da anuência dos seus
pais, se um deles não concordar, esta terá que entrar na justiça pedindo suprimento judicial
desse consentimento. Conforme, o art. 1517 do CC, pode haver o casamento com dezesseis
anos, se exigindo a autorização de ambos os pais, enquanto não se atingir a maioridade civil.
No caso de denegação, entra-se com um pedido de suprimento judicial do consentimento.
Agora, se entender que Zenóbia constitui uma união estável paralela com os pais
de Rozelha, esta será considerada com seu afim, ou seja, sua parente por afinidade. O código
civil traz as causas impeditivas do casamento, que são as circunstancias que obstam a
realização de um determinado matrimônio, e o casamento realizado violando uma causa
impeditiva gera nulidade, com efeitos ex. tunc. O art. 1521 do Código Civil dispõe os tipos de
impedimentos prevendo um rol de circunstâncias que obstam a realização do casamento,
dentre estas, o inciso II prevê que não podem casar os afins em linha reta. Os afins são os
parentes, a família do cônjuge, desse modo, é impedido o casamento com os parentes em
linha reta, porque ele é meu parente por afinidade, sendo espelho da minha linha reta.
O poder familiar é ‘’conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante
a pessoa e aos bens dos filhos menores’’ (GONÇALVES apud FRIGATO, 2011). O art. 1630
do CC prevê que ‘’Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores’’, desse
modo, atingida a maioridade cessa o poder familiar, ou através da emancipação do menor.
Dentre as hipóteses elencadas no art. 1638 que trata das causas de perda do poder
familiar dispõe, ‘’perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar
imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral
e aos bons costumes’’. Segundo Elisa Frigato (2011), a perda é imperativa e ‘’abrange todos
os filhos, já que as causas de extinção são bastante graves, colocando em risco toda a prole’’.
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A tutela é um instituto que visa a proteção de menor. Conforme, o art. 1728 do
código civil, falecendo os pais, sendo julgados ausentes ou decaindo o poder familiar, os
filhos menores são postos em tutela, é preciso nomear um tutor para o menor. Institui-se,
então, uma pessoa que vai gerir o patrimônio e ser responsável por este menor.
3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES
Na primeira decisão utiliza-se como critério o poliamor e a sociafetividade. Na
segunda decisão utiliza-se como critério o princípio da monogamia. Na terceira decisão
utiliza-se como o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar e a tutela.
REFERÊNCIAS
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famílias brasileiras modernas. Disponível em:
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<http://revista.oabjoinville.org.br/artigos/Microsoft-Word---Familias-simultaneas---Giancarlo-Buche--
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CHATER, Luciana. União poliafetiva. Disponivel em:
<http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/1675/Monografia_Luciana%20Cha
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FRIGATO, Elisa. Poder familiar. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6447/Poder-Familiar-Conceito-caracteristica-conteudo-
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LIMA, Danilo Melgaço de. A concepção atual de entidade familiar e a possibilidade de
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PESSANHA, Jackelline Fraga. A efetividade com princípio fundamental para a estruturaçãoo
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ROCHA, Roberto Freitas de Carvalho. Relações Poligâmicas Consentidas. Disponivel em:
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RODRIGUES, Patrícia Matos Amatto. A nova concepção de família no ordenamento jurídico
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SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Poliamor é negado pelo supremo e pelo STJ. Disponível em :
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