DOCÊNCIA EM
NUTRIÇÃO APLICADA
SAÚDE ÀS DOENÇAS
CARDIOVASCULARES
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Portal Educação
P842n Nutrição aplicada às doenças cardiovasculares / Portal Educação. - Campo
Grande: Portal Educação, 2012.
190p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-589-4
1. Nutrição aplicada. 2. Doenças cardiovasculares. I. Portal Educação. II.
Título.
CDD 641.1
SUMÁRIO
1 ANATOMIA E FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR ....................................................................5
1.1 Artérias Coronárias .................................................................................................................11
2
2 EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES ...................................................25
3 HIPERTENSÃO ARTERIAL (HAS) ...........................................................................................26
3.1 Fatores de Risco para HAS .....................................................................................................27
3.2 Outros Fatores de Risco Cardiovascular ..............................................................................28
3.3 Medida da Pressão Arterial .....................................................................................................28
3.4 Rotina de Diagnóstico e Seguimento ....................................................................................31
3.5 Medida Residencial da Pressão Arterial ................................................................................32
3.6 Medida Ambulatorial da Pressão Arterial ..............................................................................32
3.7 Critérios Diagnósticos e Classificação ..................................................................................34
3.8 Investigação Clínico-Laboratorial e Decisão Terapêutica....................................................38
3.9 Estratificação de Risco e Decisão Terapêutica.....................................................................41
3.10 HAS Secundária .......................................................................................................................43
4 ATEROSCLEROSE ..................................................................................................................53
5 SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS ..............................................................................57
6 OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA .............................................................................62
7 MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS NAS DOENÇAS SISTÊMICAS ...........................................68
7.1 Diabetes Melito (DM) ...............................................................................................................68
7.2 Doenças Tireoidianas..............................................................................................................70
8 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE).........................................................................72
9 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (IC) .............................................................................................85
10 HIPERTENSÃO ARTERIAL (HAS) ...........................................................................................93
10.1 Dietoterapia na HAS ................................................................................................................95
11 ATEROSCLEROSE .................................................................................................................100
12 OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA (SM) ...................................................................106
3
13 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE)........................................................................109
14 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (IC) ............................................................................................111
15 DIETA DO MEDITERRÂNEO ..................................................................................................116
16 DIETAS VEGETARIANAS .......................................................................................................122
17 ALIMENTOS FUNCIONAIS EM CARDIOLOGIA.....................................................................128
18 DIRETRIZES PARA O TRATAMENTO DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES.................132
18.1 HAS ..........................................................................................................................................132
18.2 Decisão Terapêutica ...............................................................................................................138
18.3 Tratamento Medicamentoso ..................................................................................................141
18.4 Prevenção Primária ................................................................................................................144
19 ATEROSCLEROSE E DISLIPIDEMIAS ...................................................................................147
19.1 Classificação das dislipidemias ............................................................................................147
19.2 Tratamento não medicamentoso das dislipidemias e medidas de prevenção da
aterosclerose.....................................................................................................................................154
19.3 Tratamento medicamentoso das dislipidemias ..................................................................160
19.4 Dislipidemias em grupos especiais ......................................................................................168
20 SÍNDROME METABÓLICA .....................................................................................................176
20.1 Diagnóstico Clínico e Avaliação Laboratorial ......................................................................177
20.2 Prevenção Primária ................................................................................................................178
20.3 Tratamento da SM...................................................................................................................178
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................185
4
1 ANATOMIA E FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
O coração humano localiza-se no mediastino médio, estando envolvido por um saco
fibro-seroso, chamado pericárdio. 5
O pericárdio é composto por duas camadas: o pericárdio fibroso, uma camada
externa de tecido conjuntivo denso, que define os limites do mediastino médio, e o pericárdio
seroso, fino e constituído por duas partes: a camada parietal (que reveste a superfície interna do
fibroso) e a camada visceral (ou epicárdio) do pericárdio seroso, que adere ao coração e forma
sua cobertura externa.
Porção posterior do pericárdio
Fonte: Elsevier: Drale et al: Gray’a Anatomy for Students – www.studentsconsult.com
A forma e a orientação do coração na caixa torácica assemelham-se a uma pirâmide
que desabou e está apoiada em um de seus lados. O ápice da pirâmide projeta-se para frente,
para baixo e para a esquerda, enquanto a base fica oposta ao ápice e voltada numa direção
posterior. Os lados da pirâmide consistem em:
a) uma face diafragmática (inferior), onde a pirâmide está apoiada; b) uma face
esternocostal (anterior) orientada anteriormente; c) uma face pulmonar direita; d) uma face 6
pulmonar esquerda.
A face esternocostal está voltada anteriormente e consiste principalmente no
ventrículo direito, como uma parte do átrio direito à direita e uma parte do ventrículo esquerdo à
esquerda.
Na posição anatômica, o coração situa-se sobre a face diafragmática, que consiste no
ventrículo esquerdo e uma pequena porção do ventrículo direito, separados pelo sulco
interventricular posterior. Esta superfície está voltada inferiormente, apoiada no diafragma,
separada da base do coração pelo seio coronário, e estende-se da base ao ápice do coração.
7
Face esternocostal do coração
A face pulmonar esquerda está voltada para o pulmão esquerdo, é ampla e convexa,
consistindo no ventrículo esquerdo e numa porção do átrio esquerdo, enquanto que a face
pulmonar direita está voltada para o pulmão direito.
O coração humano possui quatro cavidades, sendo duas superiores (átrios) e duas
inferiores (ventrículos).
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Fonte: http://educacao.uol.com.br/ciencias/ult1686u24.jhtm
O átrio direito (AD) comunica-se com o ventrículo direito (VD), através da válvula
tricúspede (VT) e o átrio esquerdo (AD), com o ventrículo esquerdo (VE), através da válvula
bicúspede ou mitral (VM).
Fonte: http://www.manuaisdecardiologia.med.br/Anatomia/anatomia_Page357.htm
A parede do VE é duas vezes mais espessa que a parede do VD porque a pressão de
resistência encontrada pelo VE na aorta é muito mais alta. O trabalho dos ventrículos é diferente
em cada lado, pois no VD irriga os pulmões, enquanto que no lado esquerdo, o VE irriga todos
os órgãos.
De dentro dos ventrículos surgem as fibras tendinosas onde se inserem as cordoalhas
(fibras miocárdicas altamente resistentes) das válvulas de entrada. Durante a contração
ventricular estas fibras se distendem dando a sustentação necessária para segurar os folhetos
das válvulas, evitando que o sangue retorne para os átrios.
As válvulas cardíacas são estruturas fibrosas, posicionadas na entrada e saída dos
ventrículos, cuja função é garantir que o sangue siga numa única direção, sempre dos átrios 9
para os ventrículos, e destes para a aorta e artérias pulmonares. São elas:
a) Válvula tricúspede (VT): está situada entre o átrio e o ventrículo direito. Possui
três folhetos que se fecham no início da contração ventricular, evitando que o sangue retorne
do ventrículo ao átrio direito. Os folhetos são sustentados em forma de um guarda-chuva
pelas cordoalhas tendinosas.
b) Válvula Pulmonar (VP): é a válvula posicionada na saída do fluxo sanguíneo do
VD para o tronco da artéria pulmonar (AP). Seus folhetos se fecham no final da contração
ventricular, evitando que o sangue que atingiu a AP retorne para o VD. O diâmetro dessa
válvula é menor do que a válvula tricúspede.
c) Válvula Mitral (VM): localiza-se entre o átrio e o ventrículo esquerdo, e tem como
função, evitar o refluxo de sangue do ventrículo para o átrio esquerdo. A VM se fecha no
início da contração ventricular.
d) Válvula Aórtica (VA): é a válvula posicionada na saída do VE para a aorta. O
fechamento dos folhetos desta válvula ocorre no final da contração ventricular com a função
de evitar que o sangue que foi para a aorta retorne para o VE.
É importante notar que tanto as válvulas de entrada, bem como as de saída, em
condições normais, se fecham em perfeita sincronia a cada batimento cardíaco.
O músculo cardíaco (miocárdio) é um sincício funcional, ou seja, suas células
funcionam como se fossem uma rede de células ligadas por discos intercalares (gap junction),
favorecendo uma rápida propagação do estímulo para sua contração, permitindo que o
miocárdio se contraia como um todo. Quando uma célula do músculo cardíaco (miócito) é
excitada, o potencial de ação se espalha para todas as outras, passando de célula-a-célula, e
disseminando-se por todas as interconexões.
As células cardíacas (miócitos) são formadas por numerosos feixes ou ramos
entrecruzados (miofibrilas), os quais possuem cinco componentes principais: sarcolema 10
(membrana celular), túbulos T (para a condução do impulso), retículo sarcoplasmático
(reservatório de cálcio), elementos contráteis e mitocôndrias.
Os túbulos T estão envolvidos na propagação do estímulo elétrico, e também se
entrelaçam em torno das miofibrilas, o que facilita a propagação dos estímulos. Quando um
potencial de ação se propaga pela membrana de uma fibra muscular, se espalha ao longo do
túbulo T, chegando ao interior da membrana.
A principal característica do retículo sarcoplasmático é a alta concentração de cálcio,
que é liberado quando os túbulos T são excitados, ligando-se fortemente à troponina C e levando
à contração muscular. Esta continuará enquanto os íons cálcio permanecerem em concentração
elevada no líquido sarcoplasmático, e em geral, isto ocorre apenas no momento imediatamente
posterior a um potencial de ação.
O sarcômero é a unidade contrátil do coração, sendo funcionalmente constituído por
filamentos das proteínas contráteis, formados por actina (que é uma proteína contrátil) e miosina,
troponina e tropomiosina (filamentos espessos). A interação entre estes filamentos é responsável
pela contração e relaxamento do miocárdio.
As células adjacentes estão conectadas de uma ponta a outra por uma porção
espessa do sarcolema (disco intercalado), um segmento com baixa resistência para a
propagação da atividade elétrica pela célula, permitindo ao miocárdio, propagar o estímulo
elétrico por todas as células cardíacas rapidamente.
O núcleo está centralizado e as mitocôndrias estão situadas próximas às miofibrilas,
facilitando a transferência das moléculas de ATP (trifosfato de adenosina) do local de produção,
para o local de utilização, conferindo maior capacidade oxidativa. O retículo sarcoplasmático
localiza-se próximo ao sarcolema sendo de fundamental importância no processo de contração
muscular. A disposição das fibras cardíacas, a alta capacidade oxidativa e a maior afinidade ao
cálcio, conferem ao coração, maior eficiência contrátil, quando comparado ao músculo
esquelético.
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1.1 Artérias Coronárias
Fonte: http://www.incl.rj.saude.gov.br/incl/paginas/revas.asp
As artérias coronárias são os vasos que irrigam o miocárdio com sangue rico em
oxigênio. Elas derivam de dois pontos da raiz da aorta formando a artéria coronária direita (CD) e
o tronco da artéria coronária esquerda (TCE). Do tronco da coronária esquerda originam-se as
artérias descendente anterior (DA), responsável pela irrigação da parte frontal do miocárdio do
ventrículo esquerdo. No lado direito, a Coronária direita é responsável pela irrigação do
ventrículo direito.
Dela originam-se ramificações como a artéria ventricular posterior que irriga a porção
posterior do VD. É importante notar que o afilamento das artérias é muito abrupto, considerando
a área miocárdica. Isto é uma característica anatômica que favorece os eventos obstrutivos
destes vasos.
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Fonte:http://www.diproredinter.com.ar/general/cardio/INFARTO%20AGUDO%20MIOCARDIO_ar
chivos/image002.jpg
O desempenho do coração depende de alguns fatores, como pré-carga, pós-carga,
estado inotrópico e freqüência de contração, cuja inter-relação determina o desempenho
cardíaco, tendo em vista que alterações no miocárdio produzem uma ativação dependente de
comprimento, por intermédio de alterações na sensibilidade ao cálcio dos filamentos e aumento
no estado inotrópico ou na contratilidade do miocárdio. Desta forma, aumentos no comprimento
do músculo, favorecem aumentos graduais da força do miocárdio. Tais fatores são descritos
abaixo:
a) Pré-carga – ou mecanismo de Frank-Starling. Estabelece a relação entre a força
de contração e o comprimento da fibra muscular em repouso. Pode ser definida como a
tensão ou estresse de parede ventricular distólica final, o que determina que o enchimento
diastólico ventricular regule o desempenho sistólico. Isto ocorre porque, quanto maior for a
quantidade de sangue que chega ao coração, maior será a quantidade de sangue bombeado
para a aorta, considerando-se os limites fisiológicos de estiramento do músculo cardíaco.
b) Alguns fatores, como a volemia e a capacitância venosa interferem no retorno
venoso, e apresentam relação direta com a pré-carga. Outros fatores que também interferem
são o movimento respiratório, pois a caixa torácica se expande, junto com vasos, veias e
artérias e a venoconstricção, estimulada pelo sistema nervoso simpático.
c) Pós-carga - é a tensão, força ou estresse necessário ao sarcômero, para gerar a
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tensão de parede, abrir a valva aórtica e ejetar o sangue. Os fatores que determinam a pós-
carga são: resistência vascular periférica, características físicas da árvore arterial e volume
de sangue contido no sistema vascular ao início da ejeção. A pós-carga é bastante
influenciada pela pressão arterial e pela resistência vascular periférica, que determinam a
quantidade de sangue ejetado pelo coração. O aumento da pós-carga diminui o volume de
ejeção, além da extensão e velocidade da redução da parede ventricular.
d) Papel do cálcio na contração muscular - o influxo de íons cálcio através das
membranas dos sarcômeros, leva à interação troponina-tropomiosina, e conseqüentemente
à contração. A freqüência do surgimento e a intensidade (freqüência de formação de pontes
transversas) são moduladas pela atividade de vários sistemas enzimáticos e pelas
condições e a cinética do ATP no sarcômero, demonstrando que a concentração de cálcio e
a capacidade oxidativa são fundamentais para a deficiência da contração muscular.
O ritmo de contrações do miocárdio é controlado pelo nó sinoatrial, considerado o
marca-passo cardíaco, pois dispara o primeiro impulso para a contração do coração, e está
localizado na junção da veia cava superior com o átrio direito e se comunica com as vias
internodais, conduzindo o estímulo para o nó atrioventricular.
O nó atrioventricular (localizado entre o átrio e o ventrículo direitos) conduz, para os
ventrículos, o impulso gerado pelo sinoatrial. Sua função é retardar o impulso até os ventrículos,
permitindo então, que os átrios se contraiam antes. Este retardo acontece, porque as fibras
deste nó são mais delgadas e possuem um menor número de junções abertas nos discos
intercalares. O nó atrioventricular se bifurca, para formar as fibras de Purkinje, as quais também
se dividem em dois ramos (direito e esquerdo). Estas fibras conduzem o impulso até os
ventrículos rapidamente, permitindo a sincronização ventricular, ou seja, que todas as fibras do
ventrículo se contraiam ao mesmo tempo.
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Nó sinoatrial
Fonte: http://www.humanillnesses.com/original/images/hdc_0001_0001_0_img0092.jpg
O ciclo cardíaco engloba todos os eventos hemodinâmicos provocados pela
contração muscular e são três os eventos que possibilitam sua ocorrência: a despolarização
celular, a contração do miocárdio (ciclo fisiológico) e o movimento cinético do sangue e das
valvas cardíacas (que compõem o ciclo cardíaco propriamente dito). Todo o ciclo cardíaco
consiste em um período de relaxamento (diástole), durante o qual, o coração se enche de
sangue, seguido por um período de contração (sístole), no qual ocorre o esvaziamento
ventricular.
O sangue flui, normalmente, de forma contínua das grandes veias para os átrios, e
cerca de 75% do sangue flui diretamente dos átrios para os ventrículos, antes que aqueles se
contraiam. A contração dos átrios permite o enchimento adicional dos ventrículos, com 25% do
fluxo, e desta forma, os átrios atuam como bombas de reforço, aumentando a eficácia do
enchimento ventricular. Ao término da contração ventricular, as valvas AV se abrem, permitindo
que este sangue flua rapidamente para os ventrículos.
Durante a sístole, nos átrios, ocorre um grande acúmulo de sangue, devido ao
fechamento da valva AV. Quando a sístole termina, e a pressão sistólica cai de volta aos valores
diastólicos (mais baixos), a pressão moderadamente aumentada nos átrios promove a abertura
da valva AV, permitindo o fluxo rápido de sangue para os ventrículos (período de enchimento
rápido dos ventrículos – corresponde ao primeiro terço da diástole). Durante o segundo terço da
diástole, apenas uma pequena quantidade de sangue flui normalmente para os ventrículos, e
este sangue é o que chega das veias para os átrios e vai daí, para os ventrículos.
No último terço da diástole, os átrios se contraem e dão o impulso adicional ao influxo
de sangue para os ventrículos, o que corresponde a 25% do enchimento ventricular durante o 15
ciclo, e a contração ventricular isovolumétrica ocorre para aumentar as pressões nos ventrículos
e para que estes possam vencer a pós-carga. O período de ejeção permite que haja o
esvaziamento do ventrículo nos 30% restantes, e logo após ocorre o relaxamento isovolumétrico
do coração, período em que ocorre o enchimento dos átrios.
Após a sístole atrial, os ventrículos encontram-se em sua capacidade máxima de
volume, além de sua maior pressão diastólica (pressão diastólica final) e as valvas aórtica e
pulmonar estão fechadas, devido às pressões diastólicas arteriais serem bem maiores que a
pressão diastólica dos ventrículos. A ativação elétrica, ao chegar ao ventrículo, dá início à fase
de contração muscular, na qual a pressão intracavitária sobe rapidamente e as valvas AV, se
fecham completamente. Quando a pressão intracavitária ultrapassa a pressão diastólica das
grandes artérias, as valvas semilunares (aórtica e pulmonar) se abrem.
Os ventrículos precisam de 0,02 a 0,3 segundos, para gerar a pressão necessária para
abrir as valvas semilunares contra a pressão nas artérias aorta e pulmonar. Nesse período o
fluxo aórtico é nulo, e ocorre contração ventricular, porém, sem esvaziamento. A tensão no
interior do ventrículo aumenta, sem que haja encurtamento das fibras musculares (período de
contração isovolumétrica do ventrículo).
Quando a pressão esquerda aumenta pouco acima de 80mmHg ( e a direita, aumenta
pouco mais de 8mmHg), as valvas semilunares são forçadas a se abrir, fazendo com que 70%
do sangue saia dos ventrículos, no primeiro terço do período de ejeção (período de ejeção
rápida), enquanto que os outros 30%, saem nos outros dois terços (período de ejeção lenta)
Quando a sístole termina, começa subitamente o relaxamento ventricular. As altas
pressões nas grandes artérias distendidas empurram imediatamente o sangue de volta para os
ventrículos, forçando o fechamento abrupto das valvas aorta e pulmonar. O músculo ventricular
continua a relaxar, não ocorrendo alteração no volume ventricular, as pressões intraventriculares
retornam aos seus valores diastólicos rapidamente e as valvas AV se abrem para iniciar novo
ciclo cardíaco.
A função cardíaca depende do suprimento adequado de sangue para ser mantida,
pois a geração de energia ocorre em decorrência da oxidação de substratos (carboidratos,
lipídios e proteínas). As artérias responsáveis pelo fornecimento de sangue para o coração são
as artérias coronárias, que são os primeiros ramos emergentes da aorta, logo acima da valva 16
aórtica.
Pode-se dividir o fornecimento de sangue ao coração em:
a) Suprimento sangüíneo esquerdo – o sangue é fornecido pela artéria coronária
esquerda, sendo responsável pela irrigação da parede ântero-lateral do ventrículo esquerdo,
átrio esquerdo e porção anterior do septo ventricular, e
b) Suprimento direito – fornecido pela artéria coronária direita, que se encarrega da
irrigação do átrio e ventrículo direitos, da porção posterior do septo ventricular, dos nós
sinusal e atrioventricular e da parte posterior e mais significativa do septo ventricular.
O fluxo coronariano decorre da pressão de perfusão coronária e da relação inversa
com o tônus vascular. A pressão de perfusão é decorrente da razão de diferença entre a pressão
sangüínea na raiz da aorta e a pressão do átrio direito, relacionando-se com a pressão arterial
sistêmica e a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. Ocorre principalmente na diástole e
depende de sua duração, podendo apresentar-se comprometido durante momentos de
taquicardia (que causa encurtamento da diástole) ou em pacientes portadores de infartos prévios
ou de anormalidades de condução.
O fluxo coronariano pode ser afetado pela estimulação dos nervos autônomos, de
maneira direta ou indireta. Alguns neurotransmissores, como acetilcolina e noradrenalina, têm
ação direta sobre os vasos coronarianos, entretanto, os efeitos indiretos é que desempenham
papel preponderante no fluxo coronariano. A maior atividade cardíaca gera mecanismos
reguladores do fluxo sangüíneo local, para promover vasodilatação, com o fluxo sangüíneo
aumentado em proporção aproximada às necessidades metabólicas do miocárdio, através da
demanda aumentada de oxigênio.
A regulação da atividade cardíaca ocorre em resposta às alterações no volume de
sangue que chega ao coração (Lei ou mecanismo de Frank-Starling), e sempre que houver
um aumento no retorno venoso, haverá aumento no sangue ejetado, resultando em aumento do
débito cardíaco, devido à maior distensão do miocárdio, que se contrairá com maior força. 17
O mecanismo de Frank-Starling atua como fator regulador intrínseco do desempenho
cardíaco, ao aumentar o estiramento das miofibrilas, promovendo maior força de contração do
coração, mecanismo este, que engloba ajustes subcelulares em resposta ao estiramento das
miofibrilas, afetando o inotropismo miocárdico, promovendo maior afinidade das miofibrilas ao
cálcio.
O sistema nervoso autônomo é o responsável pela regulação neuro-hormonal do
coração, sendo constituído pelos sistemas nervosos simpático e parassimpático. A noradrenalina
(secretada pelos neurônios pós-ganglionares ou adrenérgicos do SNS), é liberada pelas fibras
do sistema nervoso simpático (SNS), aumenta a permeabilidade do coração aos íons sódio e
cálcio, promovendo aumento da freqüência de despolarização do nó sinoatrial, aumento na
velocidade de condução do estímulo, aumento da excitabilidade em todo o coração e aumento
na força de contração. A estimulação simpática do cérebro também estimula a secreção de
epinefrina (adrenalina) pelas glândulas adrenais (supra-renais), sendo este hormônio
responsável pela taquicardia, aumento da pressão arterial, da freqüência respiratória, aumento
da produção de suor, da glicose sangüínea (gliconeogênese) e da atividade mental, além de
promover vasoconstrição na pele.
O sistema nervoso parassimpático (SNP) é responsável pela inervação dos nodos
AV e AS. Os neurônios pós-ganglionares do SNP (neurônios colinérgicos) secretam acetilcolina,
que aumenta a permeabilidade cardíaca ao potássio (hiperpolarização), causando uma
diminuição da freqüência de despolarização dos novos AV e AS, demonstrando efeitos
antagônicos aos dos neurônios adrenérgicos, como bradicardia, diminuição da pressão arterial,
da freqüência respiratória, relaxamento muscular, etc..
O sistema cardíaco e o circulatório necessitam funcionar de forma sincronizada, e
qualquer alteração num destes dois sistemas levará a alterações e disfunções no outro.
A circulação pode ser dividida em duas etapas:
a) Circulação pulmonar (ou pequena circulação) – o sangue sai do ventrículo
direito, para os pulmões, onde será oxigenado, retornando ao átrio esquerdo;
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b) Circulação sistêmica (ou grande circulação) – o sangue sai do ventrículo
esquerdo, circula por todo o organismo e retorna ao coração, pelo átrio direito.
Pulmões
Pequena circulação
Coração
Grande circulação
Órgãos e sistemas
Fonte: http://www.icb.ufmg.br/fib/neurofib/Engenharia/Marcapasso/func_fisio.htm
O sistema circulatório é composto por artérias, veias, arteríolas, vênulas e capilares,
cujas funções são descritas a seguir:
a) Artérias – conduzem o sangue e controlam a força necessária de bombeamento
do coração, permitindo a perfusão sangüínea adequada e suficiente para a função celular.
São compostas por três camadas que formam suas paredes: a camada externa (adventícia),
composta por tecido conjuntivo, a camada média, formada por fibras musculares lisas e a
camada interna (íntima), formada por tecido conjuntivo, e recoberta internamente
por uma camada muito delgada de células que formam o endotélio;
b) Veias – conduzem o sangue contendo os produtos do metabolismo celular, e da
mesma forma que as artérias, possuem suas paredes formadas por três camadas, que se
diferenciam das camadas anteriores pela diminuição da camada média;
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c) Capilares – desempenham importante papel na nutrição celular e no transporte
de sangue para os tecidos, como também, na remoção dos produtos provenientes do
metabolismo celular para serem eliminados pelo organismo.
A volemia (volume sangüíneo) corresponde à cerca de 7% do peso corporal,
distribuída assim: 9% circulação pulmonar, 64% nas veias e vênulas, 7% arteríolas e capilares,
13% artérias e 7% coração, estando a maior parte do sangue, concentrada nas veias, pois o
sistema venoso contém menor quantidade de tecido elástico, tornando-o menos rígido e com
menor pressão, o que aumenta sua capacidade de armazenar o volume sangüíneo.
O endotélio é uma capa. Formada por uma única camada de células, que recobre
todos os vasos do organismo, desde o coração (endocárdio), a grandes, médias e pequenas
artérias e toda a rede venosa e vasos linfáticos. Atualmente, é considerado um órgão com
inúmeras funções metabólicas, além de atuar ativamente na regulação do tônus vascular,
através de diferentes mecanismos (metabólicos, miogênicos e neuroendócrinos), que interagem
entre si.
A célula endotelial, em resposta a estímulos humorais, neurais e mecânicos, pode
detectar alterações mínimas, seja na pressão arterial, no fluxo sangüíneo, no balanço oxidativo
(equilíbrio entre forças oxidativas e antioxidantes), na coagulação, sinal de inflamação ativando o
sistema imunológico, sintetizar e liberar substâncias vasoativas que modulam o tônus, calibre
dos vasos ou fluxo sangüíneo, desempenhando papel fundamental na circulação.
O endotélio pode ser considerado um agente regulador, pois controla alterações
antagônicas, como induzir a resposta pró-coagulante ou anticoagulante, além de alterar as
respostas vasculares, promovendo a liberação de agentes vasodilatadores ou vasoconstrictores,
ou inibir ou favorecer a angiogênese. O endotélio também é responsável pela secreção de
substâncias que controlam a vasodilatação e a vasoconstrição, e dentre os principais
mediadores da vasodilatação dependente do endotélio estão a prostaciclina e o óxido nítrico
(NO), sendo a produção deste, principal mecanismo vasodilatador, ocorrendo em resposta à
presença de substância como acetilcolina, bradicinina, trombina, histamina, endotelina e
alterações no estresse do cisalhamento, resultante do aumento no fluxo sangüíneo.
A endotelina é uma das principais e mais potentes entre as substâncias
vasoconstritoras. Outras substâncias vasoconstritoras, como a prostaglandina N2 e o radical 20
superóxido podem ter importância em situações patológicas, como hipertensão arterial e após
lesão vascular.
No músculo liso dos vasos, os mediadores de vasodilatação ou vasoconstrição
podem se ligar, promovendo seu relaxamento ou contração, sendo a função do endotélio, a
regulação deste mecanismo.
A vasodilatação tem início com a estimulação do receptor muscarínico, situado na
cavéola do endotélio pela acetilcolina, estimulando então, a liberação do NO, e este, como é
uma molécula de tamanho pequeno e altamente lipossolúvel, difunde-se para a musculatura lisa
vascular, estimulando a enzima guanilato ciclase e a produção de guanosina monofosfato cíclico
(GMPc), levando a uma maior captação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático das células
musculares lisas, através dos canais de cálcio, com isso, há uma diminuição do cálcio
intracelular disponível para iniciar a contração. Por sua vez, a proteína quinase dependente de
GMPc é ativada, levando à fosforilação da miosina de cadeia leve e vasodilatação.
As células endoteliais também produzem substâncias anticoagulantes e
antitrombóticas, como a prostaglandina 2 (PLGL2), o NO, a trombomodulina (ativador da
proteína C), ativadores teciduais do plasminogênio (T-PA) e uroquinase, porém em situações de
lesão vascular, podem haver efeitos pró-trombóticos, pois as citocinas e outros mediadores
inflamatórios podem estimular a produção de liberação de fatores pró-trombóticos, como o
inibidor do plasminogênio.
As células do endotélio estão unidas entre si por complexos juncionais, fazendo do
endotélio uma barreira de difícil permeabilidade; entretanto, a existência de receptores
específicos de membrana, permite a passagem de algumas moléculas, até a camada celular,
fazendo do endotélio, uma barreira seletiva. O endotélio também é responsável pela produção
de fatores de crescimento e agentes quimiotáticos, que são componentes importantes do
metabolismo lipídico, pois as células endoteliais podem interagir com os quilomícrons e
lipoproteínas de baixa densidade (LDL), provocando o surgimento ou perpetuando a formação
de placas ateromatosas.
“A pressão sangüínea é pressão que o sangue exerce contra a parede interna das
artérias, sendo também a força que movimenta o sangue pelo sistema circulatório, fluindo de um
local de alta pressão para outro de baixa pressão” (Araújo e Casella Filho, 2006). A pressão mais
alta, aferida durante a contração miocárdica é a sistólica, enquanto que a mais baixa, durante a
diástole ou relaxamento miocárdico, é a diastólica. 21
O fluxo sangüíneo no interior dos vasos está diretamente relacionado com a diferença
de pressão entre as duas extremidades do vaso e da resistência à passagem do fluxo, e desta
forma, pode-se observar que, ao aumentar o diferencial de pressão, o fluxo aumenta, e
aumentando a resistência, o fluxo diminui.
A resistência dos vasos ao fluxo sangüíneo depende de inúmeros fatores, como o
comprimento do vaso (quanto mais longo o caminho a ser percorrido pelo sangue, maior será a
resistência oferecida ao fluxo sangüíneo), diâmetro do vaso (pequenas variações no diâmetro de
um vaso, proporcionam grandes variações na resistência ao fluxo e grandes variações no fluxo),
viscosidade de sangue (quanto menor a viscosidade, como ocorre nos indivíduos anêmicos,
maior é o fluxo através dos vasos).
O mecanismo mais importante para o controle local do fluxo é a vasodilatação
decorrente da ação de substâncias que atuam no endotélio. Entretanto, existem outros fatores
que promovem o aumento do fluxo sangüíneo, como a hipóxia tecidual e o aumento das
substâncias do metabolismo, o que leva à formação de substâncias vasodilatadoras (CO2,
hidrogênio, lactato, potássio e adenosina). Além disso, a diminuição da quantidade de oxigênio
também é responsável pela vasodilatação, pois este gás é necessário para a manutenção do
tônus vascular. Em outras palavras, significa que sempre que houver um aumento no
metabolismo, haverá vasodilatação, que por sua vez, leva a um aumento imediato do fluxo
sangüíneo.
A hiperemia reativa também aumenta o fluxo sangüíneo, e ocorre quando o tecido
passa por um período de diminuição do fluxo sangüíneo, provocando um fluxo compensatório
posterior, em função da liberação de óxido nítrico. O óxido nítrico é liberado em resposta ao
aumento do fluxo, que promove uma deformação do citoesqueleto dos vasos, sendo detectado
pelo endotélio, que rapidamente promove a liberação do NO e vasodilatação.
O fluxo sangüíneo é controlado em duas fases distintas: controle agudo e em longo
prazo, como descrito a seguir:
a) Mecanismos de regulação em curto prazo:
a.1) Sistema neural – é realizado através do centro vasomotor, localizado no tronco
(ponte e bulbo), que possui três áreas ou grupos de neurônios:
- Área vasoconstritora - atua por intermédio de nervos eferentes do simpático,
com um constante estímulo para a manutenção do tônus vascular e para a atividade
cardíaca; sempre que for estimulada, ocorrerá um aumento do débito cardíaco e aumento 22
da resistência periférica total em decorrência da vasoconstrição, com conseqüente aumento
da pressão arterial;
- Área vasodilatadora – quando esta área é estimulada, promove inibição da
área vasoconstritora, revertendo, então, os efeitos da estimulação simpática, e uma
estimulação dos nervos vagos, por onde seguem as fibras eferentes do parassimpático. O
estímulo parassimpático, por diminuir a freqüência cardíaca, diminui também o débito
cardíaco, com conseqüente diminuição da pressão arterial.
- Área sensorial – recebe informações dos nervos vagos e glossofaríngeos,
identificando variações da pressão arterial (PA), além de controlar a atividade das outras
áreas, enviando sinais inibitórios ou excitatórios, para a área vasoconstritora ou
vasodilatadora, de acordo com as variações percebidas na PA.
Na parede da aorta (crossa) e nas artérias carótidas, onde estas se bifurcam (seios
carotídeos), existe um conjunto de células auto-excitáveis, que são estimuladas pela distensão
destas artérias. A cada aumento na pressão em seu interior, maior a distensão de suas paredes
e maior a excitação dos receptores (barorreceptores), os quais enviam sinais nervosos
inibitórios ao centro vasomotor, reduzindo a atividade deste e a PA.
O controle da PA também pode ser realizado pelos receptores de baixa pressão,
semelhantes aos barorreceptores, que estão localizados em áreas onde a pressão sangüínea é
normalmente baixa (átrios e artérias pulmonares), atuando em paralelo a aqueles,
potencializando assim, o controle da PA.
Quando há aumento da PA e estiramento dos átrios, ocorre vasodilatação reflexa das
arteríolas renais, o que leva a um aumento na filtração glomerular e na diurese, para promover
diminuição na PA – reflexo atrial.
Próximo aos barorreceptores, nas grandes artérias também estão os
quimiorreceptores, sensíveis à falta de O2 e ao excesso de CO2 e hidrogênio (H+). São
estimulados quando a PA cai abaixo de 80mmHg, pois nesta situação, ocorre diminuição do
fluxo sangüíneo para os tecidos e conseqüente acúmulo de CO2 e H+ no sangue. Os
quimiorreceptores enviam um sinal para a área sensorial do centro vasomotor, indicando que a
PA está diminuída, obtendo como resposta, uma elevação imediata da PA, em função da
estimulação da área vasoconstritora e inibição da área vasodilatadora.
a.2) Mecanismo Renal de controle da PA – é o mais importante mecanismo de
controle da PA, e pode ser subdividido em dois mecanismos: hemodinâmico e hormonal. 23
Qualquer aumento na PA promove aumento na pressão hidrostática nos capilares glomerulares
do néfron, levando a um aumento na filtração glomerular, no volume do filtrado e, finalmente, no
volume da urina (diurese). O aumento da diurese faz com que o volume do compartimento
extracelular diminua, ocasionando redução no volume sangüíneo e conseqüentemente, o débito
cardíaco, levando à diminuição da PA. Com a diminuição no volume do filtrado, as células
justaglomerulares, localizadas nas paredes das arteríolas aferentes e eferentes do néfron,
liberam maior quantidade de renina, que age sobre a proteína angiotensinogênio, convertendo-a
em angiotensina I, que por ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), é convertida em
angiotensina II. Esta atua como um potente vasoconstritor, promovendo aumento na resistência
vascular e aumento na PA.
A angiotensina II também leva as glândulas adrenais (supra-renais) a liberar maior
quantidade de aldosterona na circulação, a qual atua principalmente nos túbulos contornados
distais dos néfrons, favorecendo maior absorção de água e sal, com aumento no volume
sangüíneo e aumento no débito cardíaco e na PA. A vasopressina (ou hormônio antidiurético ou
ADH), é outro hormônio importante no controle da PA, sendo secretado por estimulação da
hipófise pela angiotensina II. O ADH atua nos rins, promovendo diminuição da diurese e da
excreção de sódio. O peptídio natriurético atrial (ANP) é produzido pelos átrios e liberados em
resposta ao estiramento destes, sendo liberados sempre que houver aumento da PA,
promovendo aumento da natriurese (eliminação de sódio na urina), levando à diminuição do
volume sangüíneo, o que irá reduzir o débito cardíaco e a PA.
b) Regulação em Longo Prazo da Pressão Arterial – os reguladores nervosos da
PA, apesar de agirem de forma rápida e eficiente, para corrigir alterações agudas da PA, em
algumas horas ou dias, perdem sua capacidade de controlá-las, pois a maior parte dos
receptores nervosos se adapta, perdendo sua responsividade. Em longo prazo, a PA necessita
de reguladores mais eficientes, como os mecanismos renais (mecanismo renina-angiotensina e
aldosterona). O sistema renina-angiotensina tem um papel importante na manutenção do
equilíbrio do organismo. A ECA participa da geração da angiotensina II, que atua
sistemicamente, pois a renina produzida no aparelho justaglomerular, é lançada no sangue para
atuar sob seu substrato específico, o angiotensinogênio, formando a angiotensina I, a partir de
reações enzimáticas. Esta enzima também promove a degradação da bradicinina, peptídio que
promove a liberação de NO pelas células endoteliais. A angiotensina II aumenta a produção de
ânions superóxidos, a partir da estimulação da NADPH (nicotinamida adenina dinuicleotidio 24
fosfato) oxidase, nas células musculares lisas, que por sua vez, levam ao aumento da
degradação do NO. A angiotensina II e a aldosterona também estimula a síntese de colágeno
nos vasos e nas células miocárdicas, entretanto, em situações de desequilíbrio, a ativação do
sistema renina-angiotensina favorece o surgimento de doenças cardiovasculares, pois a geração
da angiotensina II é regulada pelo sistema renina-angiotensina circulante e tecidual, ambos com
atividade aumentada na doença cardiovascular. Observa-se uma expressão aumentada da ECA
nos vasos de pacientes hipertensos e na microvasculatura da placa aterosclerótica, para a
produção local de angiotensina II, a qual desencadeará diversos mecanismos fisiopatológicos
intimamente associados à aterogênese, como inflamação vascular, ruptura da placa
aterosclerótica, e trombose, além de estresse oxidativo e estimulação de fatores de transcrição
nucleares, atração e ativação monocitária. Assim, o desequilíbrio do sistema renina-
angiotensina-aldosterona resulta em depressão da função cardíaca, em virtude do
remodelamento ventricular, causado pela deposição de colágeno nas fibras cardíacas.
2 EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES
Observa-se no Brasil, uma elevada taxa de mortalidade por doenças
cerebrovasculares, maior que por outras doenças cardiovasculares (DCV), principalmente nas
25
regiões Norte e Nordeste do país.
Em todo o território nacional, as DCV ocupam o segundo lugar como causa de
morbidade hospitalar, ficando atrás apenas das doenças respiratórias; entretanto, em relação ao
custo total, assumem a primeira posição na lista, ou o equivalente a quase 20% de todo o valor
gasto com internação no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo o principal gasto entre homens
e segundo entre as mulheres, perdendo apenas para as internações obstétricas.
Dentre as internações por DCV, a insuficiência cardíaca assume o lugar de destaque,
seguida pelas doenças isquêmicas do coração e pelo acidente vascular encefálico (AVE).
Dentre os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento das DCV estão o
tabagismo, a obesidade e o sedentarismo. A seguir, estão descritas as principais DCV.
3 HIPERTENSÃO ARTERIAL (HAS)
A HAS pode ser definida como a pressão de níveis tencionais sistólicos iguais ou
maiores que 140mmHg e/ou diastólicos iguais ou maiores que 90mmHg.
26
Pode ser definida como HAS primária ou secundária, de acordo com sua etiologia,
sendo os casos de HAS primária, cerca de 90% dos casos, e os demais 10%, decorrentes
(secundários) a outras patologias.
A HAS secundária, geralmente é decorrente de nefropatias, endocrinopatias e uso de
drogas hipertensoras, e pode ser revertida quando as causas puderem ser tratadas.
Durante a anamnese, deve-se suspeitar de HAS secundária quando houver: início do
quadro antes dos 30 anos ou após os 45 anos, início abrupto, hipertensão de difícil tratamento
(uso de três ou mais medicamentos, sem sucesso), labilidade emocional, cefaléia intensa,
rubores, palpitações, presença de sopro abdominal, etc.
Também se deve estar atento a sintomas como epistaxe, tonteira, zumbidos, mal-
estar e pressão na nuca. Além disso, como parte da investigação inicial, o médico deverá
solicitar exames complementares como: glicose, uréia, creatinina, hemograma completo, sódio,
potássio, EAS (elementos anormais e sedimentos – urina), radiografia de tórax,
eletrocardiograma e fundoscopia, com o objetivo de afastar possíveis causas secundárias de HS
e estratificar os pacientes quanto à presença de outros fatores de risco cardiovasculares ou de
lesões em órgãos-alvo.
Os principais sistemas que podem sofrer lesões decorrentes da HAS são: sistema
nervoso central (acidente vascular cerebral, ataque isquêmico transitório), sistema
cardiovascular (hipertrofia ventricular esquerda, angina, infarto agudo do miocárdio, aortopatias,
vasculopatias) e sistema urinário (glomerulonefrites, nefropatias e insuficiência renal).
3.1 Fatores de Risco para HAS:
a) Idade - A pressão arterial aumenta com a idade. Em indivíduos jovens, a
hipertensão é decorrente da elevação na pressão diastólica, enquanto que a partir da sexta 27
década o principal componente é a elevação da pressão sistólica. O risco relativo de desenvolver
doença cardiovascular associado ao aumento da pressão arterial não diminui com o avanço da
idade e o risco absoluto aumenta marcadamente.
b) Sexo e Etnia - A prevalência global de hipertensão insinua que sexo não é um
fator de risco para hipertensão. Estimativas globais sugerem taxas de hipertensão mais elevadas
para homens até os 50 anos e para mulheres a partir da sexta década. A HAS é mais prevalente
em mulheres afrodescendentes com excesso de risco de hipertensão de até 130% em relação
às mulheres brancas.
c) Fatores Socioeconômicos - Nível socioeconômico mais baixo está associado à
maior prevalência de hipertensão arterial e de fatores de risco para elevação da pressão arterial,
além de maior risco de lesão em órgãos-alvo e eventos cardiovasculares. Hábitos dietéticos,
incluindo consumo excessivo de sal e ingestão de álcool, índice de massa corporal aumentado,
estresse psicossocial, menor acesso aos cuidados de saúde e nível educacional, também são
possíveis fatores associados.
d) Sal - O excesso de consumo de sódio contribui para a ocorrência de hipertensão
arterial. A relação entre aumento da pressão arterial e avanço da idade é maior em populações
com alta ingestão de sal. Povos que consomem dieta com reduzido conteúdo deste, têm menor
prevalência de hipertensão e a pressão arterial não se eleva com a idade. Em população urbana
brasileira, foi identificada maior ingestão de sal nos níveis socioeconômicos mais baixos.
e) Obesidade - O excesso de massa corporal é um fator predisponente para a
hipertensão, podendo ser responsável por 20% a 30% dos casos de hipertensão arterial; 75%
dos homens e 65% das mulheres apresentam hipertensão diretamente atribuível a sobrepeso e
obesidade. Apesar do ganho de peso estar fortemente associado com o aumento da pressão
arterial, nem todos os indivíduos obesos tornam-se hipertensos. Estudos observacionais
mostraram que ganho de peso e aumento da circunferência da cintura são índices prognósticos
importantes de hipertensão arterial, sendo a obesidade central um importante indicador de risco
cardiovascular aumentado. Estudos sugerem que obesidade central está mais fortemente
associada com os níveis de pressão arterial do que à adiposidade total. Indivíduos com nível de
pressão arterial ótimo, que ao correr do tempo apresentam obesidade central, têm maior
incidência de hipertensão. A perda de peso acarreta redução da pressão arterial.
f) Álcool - O consumo elevado de bebidas alcoólicas como cerveja, vinho e
destilados aumenta a pressão arterial. O efeito varia com o gênero, e a magnitude está
associada à quantidade de etanol e à freqüência de ingestão. O efeito do consumo leve a 28
moderado de etanol não está definitivamente estabelecido. Verifica-se redução média de 3,3
mmHg (2,5 a 4,1 mmHg) na pressão sistólica e 2,0 mmHg (1,5 a 2,6 mmHg) na pressão
diastólica com a redução no consumo de etanol.
g) Sedentarismo - O sedentarismo aumenta a incidência de hipertensão arterial.
Indivíduos sedentários apresentam risco aproximado 30% maior de desenvolver hipertensão que
os ativos. O exercício aeróbio apresenta efeito hipotensor maior em indivíduos hipertensos que
normotensos. O exercício resistido possui efeito hipotensor semelhante, mas menos consistente.
3.2 Outros Fatores de Risco Cardiovascular
A presença de fatores de risco cardiovascular ocorre mais comumente na forma
combinada. Além da predisposição genética, fatores ambientais podem contribuir para uma
agregação de fatores de risco cardiovascular em famílias com estilo de vida pouco saudável. A
obesidade aumenta a prevalência da associação de múltiplos fatores de risco.
3.3 Medida da Pressão Arterial
A medida da pressão arterial deve ser realizada em toda avaliação de saúde, por
médicos das diferentes especialidades e demais profissionais da área de saúde, todos
devidamente treinados.
Alguns estudos têm mostrado que, na prática clínica, nem sempre a medida da
pressão arterial é realizada de forma adequada. No entanto, os erros podem ser evitados com
preparo apropriado do paciente, uso de técnica padronizada de medida da pressão arterial e 29
equipamento calibrado. O método mais utilizado para medida da pressão arterial na prática
clínica é o indireto, com técnica auscultatória e esfigmomanômetro de coluna de mercúrio ou
aneróide, ambos calibrados.
Apesar da tendência de substituir os aparelhos de coluna de mercúrio por equipamentos
automáticos, em razão do risco de toxicidade e contaminação ambiental pelo mercúrio, eles
continuam sendo os mais indicados para a medida da pressão arterial porque se descalibram
menos freqüentemente do que os aparelhos aneróides. Os aparelhos eletrônicos evitam erros
relacionados ao observador e podem ser empregados quando validados de acordo com
recomendações específicas, inclusive em estudos epidemiológicos.
Independente do tipo de aparelho escolhido, é importante saber que devem ser
testados e devidamente calibrados a cada seis meses.
A medida da pressão arterial na posição sentada deve ser realizada de acordo com os
procedimentos descritos na tabela abaixo, com manguitos de tamanho adequado à
circunferência do braço, respeitando a proporção largura/comprimento de 1:2. Embora a maioria
dos fabricantes não siga essas orientações, a largura da bolsa de borracha do manguito deve
corresponder a 40% da circunferência do braço, e seu comprimento, a pelo menos 80%. As
tabelas abaixo indicam o procedimento a ser adotado no momento de aferir a pressão arterial.
30
Fonte: Sociedade Brasileira de
Cardiologia, 2005.
3.4 Rotina de Diagnóstico e Seguimento
Na primeira avaliação, as medidas devem ser obtidas em ambos os membros
superiores e, em caso de diferença, utiliza-se sempre o braço com o maior valor de pressão para 31
as medidas subseqüentes. O indivíduo deverá ser investigado para doenças arteriais se
apresentar diferenças de pressão entre os membros superiores maiores de 20/10 mmHg para a
pressão sistólica/diastólica.
Em cada consulta, deverão ser realizadas pelo menos três medidas, com intervalo
de um minuto entre elas, sendo a média das duas últimas considerada a pressão arterial do
indivíduo. Caso as pressões sistólicas e/ou diastólicas obtidas apresentem diferença maior que 4
mmHg entre elas, deverão ser realizadas novas medidas até que se obtenham medidas com
diferença inferior ou igual a 4 mmHg, utilizando-se a média das duas últimas medidas como a
pressão arterial do indivíduo.
A posição recomendada para a medida da pressão arterial é a sentada. A medida
nas posições ortostática e supina deve ser feita pelo menos na primeira avaliação em todos os
indivíduos e em todas as avaliações em idosos, diabéticos, portadores de disautonomias,
alcoolistas e/ou em uso de medicação anti-hipertensiva.
Novos estudos consideram a utilização da MAPA (medida ambulatorial da pressão
arterial) e da MRPA (medida residencial da pressão arterial) como ferramentas importantes na
investigação de pacientes com suspeita de hipertensão. Recomenda-se, sempre que possível, a
medida da pressão arterial fora do consultório para esclarecimento diagnóstico, identificação da
hipertensão do avental branco e hipertensão mascarada.
A hipertensão do avental branco determina risco cardiovascular intermediário entre
normotensão e hipertensão, porém mais próximo ao risco dos normotensos. No entanto, apesar
de não existirem evidências de benefícios de intervenções nesse grupo de pacientes, eles
devem ser considerados no contexto do risco cardiovascular global, devendo permanecer em
seguimento clínico. Alguns estudos mostram que a hipertensão mascarada determina maior
prevalência de lesões de órgãos-alvo do que indivíduos normotensos.
Na dependência dos valores da pressão arterial de consultório e do risco
cardiovascular do indivíduo, define-se o intervalo entre as visitas para seguimento.
3.5 Medida Residencial da Pressão Arterial 32
A MRPA é o registro da pressão arterial por método indireto, com três medidas pela
manhã e três à noite, durante cinco dias, realizado pelo paciente ou outra pessoa treinada,
durante a vigília, no domicílio ou no trabalho.
A MRPA permite a obtenção de grande número de medidas de pressão arterial de
modo simples, eficaz e pouco dispendioso, contribuindo para o diagnóstico e o seguimento da
hipertensão arterial. A MRPA não deve ser confundida com automedida da pressão arterial, que
é o registro não sistematizado da pressão arterial realizado de acordo com a orientação do
médico do paciente.
São consideradas anormais na MRPA as médias de pressão arterial acima de 135/85
mmHg.
3.6 Medida Ambulatorial da Pressão Arterial
A MAPA é o método que permite o registro indireto e intermitente da pressão arterial
durante 24 horas, enquanto o paciente realiza suas atividades habituais na vigília e durante o
sono.
Evidências obtidas com estudos de desfechos clínicos têm demonstrado que este
método é superior à medida casual da pressão arterial em predizer eventos cardiovasculares,
tais como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral.
São consideradas anormais na MAPA as médias de pressão arterial de 24 horas,
vigília e sono acima de 130/80, 135/85 e 120/70 mmHg, respectivamente.
33
Fonte: Sociedade Brasileira de
Cardiologia, 2005.
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005 34
3.7 Critérios Diagnósticos e Classificação
Em estudos populacionais, a pressão arterial tem relação direta com o risco de morte
e de eventos mórbidos. Os limites de pressão arterial considerados normais são arbitrários e, na
avaliação dos pacientes, deve-se considerar também a presença de fatores de risco, lesões de
órgãos-alvo e doenças associadas. A acurácia do diagnóstico de hipertensão arterial depende
fundamentalmente dos cuidados dispendidos nas medidas da pressão arterial. Minimizam-se,
assim, os riscos de falsos diagnósticos, tanto da hipertensão arterial quanto da normotensão, e
suas repercussões na saúde dos indivíduos e no custo social envolvido.
Os valores que permitem classificar os indivíduos adultos acima de 18 anos, de acordo
com os níveis de pressão arterial estão na tabela 7.
35
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
Com referência a crianças e adolescentes, consideram-se os valores abaixo do percentil
90 como normotensão, desde que inferiores a 120/80 mmHg; entre os percentis 90 e 95, como
limítrofe1 (“pré-hipertensão”, de acordo com o The Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation,
and Treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents), e igual ou superior ao
percentil 95, como hipertensão arterial, salientando-se que qualquer valor igual ou superior a
120/80 mmHg em adolescentes, mesmo que inferior ao percentil 95, deve ser considerado
limítrofe (Tabela 8).
Por exemplo, um menino com 6 anos de idade, medindo 110 cm (percentil 10) e
apresentando pressão arterial de 100/60 mmHg, seria considerado normotenso. Já um menino
de mesma idade e altura, mas com pressão arterial de 108/70 mmHg, seria considerado
limítrofe. Se esta segunda criança, em vez de 110 cm, tivesse estatura de 119 cm (percentil 75),
a pressão arterial de 115/75 mmHg o faria ser considerado hipertenso.
Por outro lado, um menino com 14 anos de idade, medindo 158 cm (percentil 25) e com
pressão arterial de 110/70 mmHg, seria considerado normotenso. Já outro menino de mesma
idade e mesma altura, mas com pressão arterial de 122/70 mmHg, seria considerado limítrofe.
Se esta segunda criança, em vez de 158 cm, tivesse estatura de 170 cm (percentil 75), a
pressão arterial de 130/83 mmHg o faria ser considerado hipertenso.Fonte: Sociedade
Brasileira de Cardiologia, 2005
36
37
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
3.8 Investigação Clínico-Laboratorial e Decisão Terapêutica
Os objetivos da investigação clínico-laboratorial são os seguintes:
a) Confirmar a elevação da pressão arterial e firmar o diagnóstico de hipertensão 38
arterial;
b) Identificar fatores de risco para doenças cardiovasculares;
c) Avaliar lesões de órgãos-alvo e presença de doença cardiovascular;
d) Diagnosticar doenças associadas à hipertensão;
e) Estratificar o risco cardiovascular do paciente;
f) Diagnosticar hipertensão arterial secundária.
Para atingir tais objetivos, são fundamentais:
a) História clínica, considerando, em especial, o que consta da tabela 2:
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
b) Exame físico (Tabela 3)
39
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005.
c) Avaliação laboratorial inicial do hipertenso (Tabela 4):
40
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
A avaliação complementar (Tabela 5) está indicada em pacientes que apresentam
elementos indicativos de doenças associadas, lesões em órgãos-alvo, doença cardiovascular ou
três ou mais fatores de risco. Quando houver indícios de hipertensão secundária (Tabela 6), esta
possibilidade deve ser investigada por métodos específicos:
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
41
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
3.9 Estratificação de Risco e Decisão Terapêutica
Para a tomada da decisão terapêutica é necessária a confirmação diagnóstica,
seguindo-se a estratificação de risco (Tabela 7), que levará em conta, além dos valores de
pressão arterial, a presença de fatores de risco cardiovasculares (Tabela 8), as lesões em
órgãos-alvo e as doenças cardiovasculares (Tabela 9) e, finalmente, a meta mínima de valores
da pressão arterial, que deverá ser atingida com o tratamento (Tabela 10).
42
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
A estratégia terapêutica deverá ser individualizada de acordo com a estratificação de
risco e a meta do nível de pressão arterial a ser alcançado (Tabela 10).
Preconizam-se mudanças dos hábitos alimentares e do estilo de vida (tratamento
não-medicamentoso) para todos os pacientes, independentemente do risco cardiovascular. Para
emprego isolado do tratamento não-medicamentoso, ou associado ao tratamento
medicamentoso como estratégia terapêutica, deve-se considerar a meta da pressão arterial a ser
atingida, que em geral é determinada pelo grau de risco cardiovascular. A tabela 11 aponta a
estratégia de tratamento da hipertensão arterial mais provável de acordo com a estratificação do
risco cardiovascular.
43
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
3.10 HAS Secundária
Apresenta prevalência, em torno de 3% a 10%, e seu diagnóstico depende da
experiência de quem investiga e dos recursos diagnósticos disponíveis. As situações em que se
deve investigar a possibilidade de hipertensão arterial secundária estão na tabela 1.
44
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
Entretanto, deve-se fazer o diagnóstico diferencial com as seguintes possibilidades:
medida inadequada da pressão arterial; hipertensão do avental branco; tratamento inadequado;
não-adesão ao tratamento; progressão da doença; presença de comorbidades; interação com
medicamentos.
As principais causas de HAS secundárias estão descritas a seguir:
a) Hiperaldosteronismo Primário - Caracteriza-se pela produção aumentada de
aldosterona pela glândula supra-renal (ou adrenal), originada por hiperplasia da glândula,
adenoma, carcinoma ou por formas genéticas. A prevalência nos hipertensos varia de 3% a
22%, sendo mais alta nos hipertensos de difícil controle. Geralmente, os pacientes têm
hipertensão arterial estágio 2 ou 3, podendo ser refratária ao tratamento. A abordagem do
hiperaldosteronismo primário inclui quatro etapas principais: rastreamento, confirmação do
45
diagnóstico, diagnóstico diferencial entre hiperplasia e adenoma e tratamento.
O rastreamento deve ser realizado em todo hipertenso com hipocalemia espontânea
ou provocada por diuréticos, em hipertensos resistentes aos tratamentos habituais e em
hipertensos com tumor abdominal pela determinação da relação aldosterona sérica/atividade de
renina plasmática (A/R). Relação A/R > 30 ng/dl/ng, com aldosterona sérica superior a 15 ng/dl,
é achado considerado positivo e sugestivo de hiperaldosteronismo primário. Paciente com
rastreamento positivo para hiperaldosteronismo primário deve ter este diagnóstico confirmado
pela determinação de aldosterona após sobrecarga de sal realizada pela administração
endovenosa de soro fisiológico (2 l em 4 horas) ou pela administração via oral, durante quatro
dias, de acetato de fludrocortisona (0,1 mg 6/6 horas), além de dieta rica em sal. Pacientes com
concentrações de aldosterona > 5 ng/dl e > 6 ng/dl, após o final do primeiro e do segundo testes,
respectivamente, têm o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário confirmado.
O terceiro passo no diagnóstico do hiperaldosteronismo primário é fazer a
diferenciação entre hiperplasia e adenoma, essencial para o tratamento adequado dessas duas
condições. Isso pode ser feito a partir de dados clínicos, laboratoriais, radiológicos e, finalmente,
da determinação da aldosterona nas veias adrenais por cateterismo das adrenais, que indica se
existe lateralização na produção de aldosterona ou se ela é bilateral. Do ponto de vista clínico e
laboratorial, pacientes portadores de adenoma são, em geral, mais jovens, têm hipocalemia mais
acentuada e concentrações mais elevadas de aldosterona (> 25 ng/dl). A investigação
radiográfica do hiperaldosteronismo primário tem o objetivo de indicar a presença ou a ausência
de tumor. Deve ser feita pela tomografia computatorizada ou pela ressonância magnética das
adrenais. Entretanto, cerca de 20% dos adenomas são tumores menores que um centímetro e
podem não ser visualizados.
b) Feocromocitoma - São tumores neuroendócrinos da medula adrenal ou de
paragânglios extra-adrenais (paragangliomas), com prevalência de 0,1% a 0,6%. O tumor pode
se apresentar como esporádico ou associado a síndromes genéticas familiares (20% dos casos),
em que predominam a de Von-Hippel- Lindau, neoplasia endócrina múltipla tipo 2A e 2B,
neurofibromatose tipo 1 e paragangliomas, com pelo menos seis genes de suscetibilidade (RET,
VHL, NF1, SDHB, SDHD e SDHC). Geralmente, o tumor é adrenal unilateral, mas pode ser
bilateral (síndromes familiares), múltiplo e extra-adrenal, benigno ou maligno (5% a 26% dos
casos). A hipertensão paroxística (30% dos casos) ou sustentada (50% a 60% dos casos) e os
46
paroxismos são acompanhados principalmente de cefaléia (60% a 90%), sudorese (55% a 75%)
e palpitações (50% a 70%). O diagnóstico é baseado na dosagem de catecolaminas plasmáticas
ou de seus metabólitos no sangue e na urina e na identificação de mutações nos genes
envolvidos.
No Brasil, não se dispõe de dosagem sérica de metanefrina no sangue, mas pode-se
fazê-la na urina. Para o diagnóstico topográfico dos tumores e, eventualmente, de metástases,
os métodos de imagens recomendados são: tomografia computadorizada e ressonância
magnética, ambas com sensibilidade próxima a 100% para tumores adrenais e mapeamento de
corpo inteiro com metaiodobenzilguanidina, com sensibilidade de 56% (tumores malignos) a 85%
e alta especificidade. O tratamento preferencial é cirúrgico. No tratamento farmacológico pré-
operatório ou crônico, são utilizados alfabloqueadores (prazosina, doxazocina e dibenzilina),
combinados ou não a outros agentes como inibidores da ECA, bloqueadores dos canais de
cálcio, betabloqueadores, sempre após alfabloqueio efetivo e, principalmente em tumores
inoperáveis, alfametiltirosina (Demser®). Para a intervenção cirúrgica, recomenda-se controle da
hipertensão arterial e reposição volêmica. Em crises agudas e durante a cirurgia, nitroprussiato
de sódio e antiarrítmicos são agentes freqüentemente utilizados (vide capítulo 6, item 6.6). O
seguimento do paciente é essencial para a detecção de recorrências ou metástases. No
rastreamento familiar recomenda-se a detecção de mutações dos genes envolvidos e de outros
exames relativos às síndromes.
c) Hipotireoidismo - É relativamente comum, principalmente em mulheres, com
prevalência de aproximadamente 8% na população geral. Hipertensão, principalmente diastólica,
atinge 40%. Outros achados são: ganho de peso, queda de cabelos e fraqueza muscular. Pode
ser diagnosticado precocemente pela elevação dos níveis séricos de TSH e confirmado com a
diminuição gradativa dos níveis de T4 livre. Caso persista hipertensão arterial após a correção
com tiroxina, está indicado o tratamento com medicamentos anti-hipertensivos.
d) Hipertireoidismo - A prevalência das formas clínica e subclínica em adultos variam
de 0,5% a 5%. A suspeita clínica é feita em presença de hipertensão arterial sistólica isolada ou
sistodiastólica acompanhada de sintomas como intolerância ao calor, perda de peso,
palpitações, exoftalmia, tremores e taquicardia. O diagnóstico é feito pela identificação do TSH
baixo e elevação dos níveis de T4 livre. A correção geralmente se acompanha de normalização
da pressão arterial.
47
e) Hiperparatireoidismo - A suspeita clínica deve ser feita em casos de hipertensão
arterial acompanhada de história de litíase renal, osteoporose, depressão, letargia e fraqueza
muscular. O diagnóstico é feito pela dosagem dos níveis plasmáticos de cálcio e PTH. A
correção do hiperparatireoidismo não necessariamente se acompanha de normalização da
pressão arterial.
f) Hipertensão Arterial Renovascular - Caracteriza-se por aumento de pressão
arterial decorrente do estreitamento único ou múltiplo das artérias renais. Entretanto, a simples
identificação de uma estenose de artéria renal não faz o diagnóstico de hipertensão arterial
renovascular. Geralmente, o diagnóstico é confirmado após a correção da estenose e o
desaparecimento ou a melhora da hipertensão arterial. A prevalência é de 4% na população
geral, mas pode ser mais alta em paciente com doença arterial coronária e periférica. Estima-se
que 12% dos pacientes em programa de diálise apresentem doença renovascular. A estenose de
artéria renal pode ser causada por aterosclerose (90%) ou por displasia fibromuscular. As outras
causas de estenose de artéria renal incluem aneurisma de artéria renal, arterite de Takayasu,
tromboembólica, síndrome de Williams, neurofibromatose, dissecção espontânea de artéria
renal, malformações arteriovenosas, fístulas, trauma e radiação abdominal prévia. Os
indicadores clínicos de probabilidade de hipertensão arterial renovascular estão apresentados na
tabela.
48
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005
f.1 Tratamento da doença renovascular - Os objetivos principais do tratamento são a
cura ou a melhora da hipertensão arterial e/ou a melhora ou a preservação da função
renal. O tratamento da hipertensão arterial renovascular pode ser clínico, cirúrgico ou
por meio de revascularização percutânea com ou sem a colocação de próteses
endovasculares (stents).
f.1.1Tratamento clínico - Os inibidores da ECA, os bloqueadores dos canais de cálcio e
os betabloqueadores são medicamentos efetivos para o tratamento da hipertensão
arterial associada à estenose unilateral de artéria renal. Os bloqueadores dos
receptores AT1 também são efetivos para o tratamento da hipertensão arterial
associada à estenose de artéria renal. As indicações clínicas para correção da
estenose de artéria renal por via percutânea ou por revascularização cirúrgica são: a)
hipertensão resistente, hipertensão acelerada ou maligna e hipertensão com
intolerância à medicação; b) perda progressiva da função renal com estenose bilateral
ou estenose em rim único ou na estenose unilateral; c) insuficiência cardíaca
congestiva ou edema pulmonar agudo de repetição.
f.1.2 Tratamento cirúrgico - Está indicado em: a) obstrução total da artéria renal; b)
grandes fístulas arteriovenosas; c) lesões de aorta englobando as artérias renais; d)
insucesso do tratamento endovascular; e) insucesso do tratamento clínico. A técnica a
ser empregada depende da experiência e da decisão da equipe.
f.1.3 Tratamento por via percutânea (angioplastia isolada ou com stent). Salvo as
indicações citadas para cirurgia, o tratamento endovascular deverá ser a abordagem
inicial desde que atenda aos critérios clínicos para intervenção. O implante de stent é
considerado superior ao balão no tratamento da estenose de artéria renal de etiologia 49
aterosclerótica, de modo que o implante de stent é recomendado para lesões ostiais
ateroscleróticas e a angioplastia com balão para as lesões fibrodisplásicas.
g) Hipertensão em Diálise e Transplante Renal - Hipertensão arterial é altamente
prevalente nos pacientes dialisados(60% a 80%) e nos transplantados. Os eventos
cardiovasculares são os principais responsáveis pela morbidade e pela mortalidade nesses
indivíduos, sendo a hipertensão arterial considerada fator de risco independente. Na fase
precoce da diálise (< 2 anos), os níveis normais baixos de pressão arterial e os episódios de
hipotensão arterial estão mais relacionados com a mortalidade do que a hipertensão arterial, o
que provavelmente reflete a associação com outros estados mórbidos graves.
Em fases mais tardias e, principalmente, após cinco anos, a hipertensão arterial
representa papel mais relevante para mortalidade nesses pacientes. Tem sido relatada intrigante
elevação do risco de mortalidade na vigência de redução acentuada (< 110 mmHg) da pressão
arterial sistólica pré-diálise. A curva de associação entre pressão arterial e mortalidade adquire
padrão em forma de “U”, em que os pacientes de maior risco são aqueles muito hipertensos
(pressão arterial sistólica pré-diálise > 180 mmHg) e os muito hipotensos (pressão arterial
sistólica pré-diálise < 110 mmHg). Sugere-se que esta condição seja evitada tanto quanto
possível, assim como maior atenção deva ser dada à hipertensão arterial pós-diálise.
Hipertensos em diálise são, em geral, mal controlados, em decorrência da hipervolemia,
hiperatividade simpática, alterações do SRAA, concentração de sódio do dialisato,
hiperparatireoidismo, uso de eritropoetina e redução da resposta vasodilatadora dependente do
endotélio, sendo a sobrecarga de volume o mais importante. Há evidências de que a hemodiálise
diária e a CAPD estariam associadas ao melhor controle da pressão arterial.
A monitoração ambulatorial da pressão arterial, por períodos de 48 h, pode ser útil no
período interdialítico. A hipertensão arterial ocorre em mais da metade dos transplantados,
sendo considerada um fator de risco não-imunológico na sobrevida em longo prazo do enxerto.
Pode ser induzida por ciclosporina e outros imunossupressores, corticosteróides, rejeição,
recidiva da doença renal, estenose de artérias renais e hipertensão arterial primária
superajuntada. A terapia imunossupressora também eleva a ocorrência de dislipidemia. O
tratamento nos pacientes em programa de diálise pode ser feito com todas as classes de
medicamentos anti-hipertensivos, exceto os diuréticos tiazídicos e os de alça nos pacientes
50
anéfricos ou que não apresentam diurese com os diuréticos, além da adequação da diálise
Nos transplantados, há evidências de que os medicamentos que bloqueiam o SRAA
podem melhorar os resultados. Nos pacientes em uso de ciclosporina, os bloqueadores de
canais de cálcio são indicados por reverter a vasoconstrição ocasionada pela medicação, e o
verapamil e o diltiazem podem aumentar os níveis séricos de ciclosporina.
h) Coartação da Aorta - É causa de hipertensão secundária especialmente em
crianças e adultos jovens, em que há evidência de níveis de pressão arterial mais elevados em
membros superiores em relação aos inferiores ou quando há ausência ou diminuição de pulsos
em membros inferiores. Os exames complementares diagnósticos indicados são ecocardiograma
e angiografia por ressonância magnética. É muito importante o diagnóstico precoce, pois pode
ser causa de insuficiência cardíaca na infância e há relação inversa entre o tempo de exposição
à hipertensão e a reversão desta após a correção. A intervenção pode ser realizada por
procedimento endovascular, principalmente em crianças, ou por cirurgia.
i) Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono - É definida como a obstrução recorrente
completa ou parcial das vias aéreas superiores durante o sono, resultando em períodos de
apnéia, dessaturação de oxiemoglobina e despertares freqüentes com sonolência diurna. Está
relacionada ao desenvolvimento de hipertensão arterial independentemente da obesidade e
alterações precoces da estrutura e da função arterial, sendo reconhecida como fator de risco
para aterosclerose e doença cardiovascular. A ativação simpática e as respostas humorais,
como conseqüência aos episódios repetidos de hipoxemia, causam vasoconstrição, disfunção
endotelial, elevação da PCR, aumento dos níveis de fibrinogênio, das citocinas e da pressão
arterial. A suspeita clínica deve ser realizada na presença dos seguintes sintomas: ronco alto,
episódios de engasgo freqüentes, cansaço diurno, sonolência diurna excessiva, alterações de
memória e capacidade de concentração prejudicada.
Alguns achados clínicos associados auxiliam na suspeita diagnóstica, tais como
obesidade, aumento da circunferência do pescoço, orofaringe pequena e eritematosa,
insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão pulmonar e cor pulmonale. Alguns pacientes
podem ter apresentações clínicas atípicas, como palpitações noturnas, cefaléia matutina,
tonturas, refluxo gastroesofágico e noctúria. O diagnóstico é confirmado pelo achado de cinco ou
mais episódios de apnéia e/ou hipopnéia por hora de sono (índice de apnéia–hipopnéia) na
51
polissonografia. O tratamento inclui o uso de máscara de pressão positiva contínua (CPAP) em
vias aéreas superiores por via nasal durante o sono, tratamento cirúrgico do processo obstrutivo
e redução do peso em indivíduos com sobrepeso ou obesidade.
j) Hipertensão Induzida por Medicamentos e Drogas - A tabela 4 relaciona algumas
classes de substâncias com seu potencial hipertensivo e sugestões de intervenção. Recomenda-
se, em geral, avaliar a relação risco–benefício e adequar as doses e associações dos anti-
hipertensivos.
52
4 ATEROSCLEROSE
A aterosclerose é uma doença progressiva, que se caracteriza pelo acúmulo de 53
lipídeos e componentes fibrosos em grandes artérias (ateromatose), constituindo-se a causa
primária de doença arterial coronariana (DAC) e acidente vascular cerebral (AVC). È responsável
por cerca de 50% dos óbitos em países ocidentais. É considerada uma doença inflamatória e os
recentes avanços no estudo de sua fisiopatologia permitem que seja considerada uma doença
multifatorial e progressiva, que envolve a inflamação crônica em todos os seus estágios, desde
seu início, até a ruptura da placa aterosclerótica.
A ateromatose associa-se a inúmeras alterações estruturais e funcionais que ocorrem
na parede arterial: disfunção endotelial, acúmulo de LDL oxidada, elevada concentração de
macrófagos, neutrófilos e linfócitos T, além da migração de células musculares lisas. E, apesar
da presença de estenose luminal, causada pela placa de colesterol (ateroma) e a vasoconstrição
anormal ser basicamente a causa dos sintomas das doenças cardiovasculares. É a sobreposição
de um trombo por erosão ou ruptura de uma ou mais placas (trombose coronariana), que
promove a maioria dos sintomas ou manifestações clínicas mais graves de tais doenças,
principalmente das síndromes coronarianas agudas (SCA): angina instável, infarto agudo do
miocárdio (IAM) ou morte súbita.
O processo de aterosclerose tem início com a agressão do endotélio por diversos
fatores como o estresse mecânico e a lipoproteína de baixa densidade (LDL) oxidada, a qual é
considerada atualmente, um potencial fator de risco para a inflamação que vai desencadear o
processo aterosclerótico. Possivelmente, a oxidação da LDL é modulada pelo óxido nítrico (NO)
e seus derivados, além da mieloperoxidase e da ceruloplasmina.
Acredita-se que o endotélio lesado (porém sem alterações morfológicas) apresente
disfunção, que poderia se manifestar de formas distintas, causando inicialmente um maior
aprisionamento de LDL no espaço subendotelial, e o surgimento de moléculas de adesão
leucocitária em sua superfície. As quais seriam as responsáveis pela atração de monócitos e
linfócitos para a parede arterial.
O recrutamento de leucócitos mononucleares para a íntima dos vasos é um evento
precoce, no ateroma em formação. Estes leucócitos penetram na íntima através de ligação e
passagem pela camada de células endoteliais, enquanto múltiplos receptores leucocitários
interagem de forma sequencial com moléculas de adesão vascular durante este processo de 54
migração.
Após adentrar no ateroma em formação, a partir da adesão às células endoteliais e
penetração na camada íntima por diapedese entre as junções intercelulares, os leucócitos
mononucleares transformam-se em células espumosas, pelo acúmulo de lipídios.
O acúmulo de células espumosas, característico das estrias gordurosas, é um
processo reversível, entretanto, o acúmulo de macrófagos dentro da íntima, predispõe à
progressão do ateroma e à evolução para uma placa mais fibrosa e eventualmente mais
complicada, que pode ter conseqüências clínicas. O acúmulo de células musculares lisas, que
produzem macromoléculas da matriz extracelular, pode ter uma contribuição importante na
formação de lesões fibrosas durante a fase de progressão do ateroma. Sabe-se, atualmente, que
o ateroma pode se formar sem que ocorra descamação do endotélio, bastando apenas, uma
disfunção do mesmo. O endotélio influencia também o tônus e o remodelamento vascular,
através da produção de substâncias promotoras e inibidoras de seu crescimento, além dos
processos de hemostasia e trombose, por conta dos efeitos antiplaquetários, anticoagulantes e
fibrinolíticos.
A oxidação da LDL também leva à produção de interleucina-I, que estimula migração
e proliferação das células musculares lisas da camada média arterial, e estas, ao migrarem para
a íntima, passam a produzir citocinas, fatores de crescimento e matriz extracelular, que fará
parte da capa fibrosa da placa aterosclerótica madura. A disfunção endotelial induzida pela
oxidação da LDL também pode ocasionar a formação de microtrombos de plaquetas, os quais
também produzirão fatores de crescimento.
A evolução da lesão aterosclerótica, a partir das estrias gordurosas, até chegar à
placa fibrosa, é um processo bastante lento. Alguns estudos patológicos têm demonstrado que a
placa aterosclerótica inicialmente ocorre em direção à porção externa do vaso, e pode passar
anos neste processo contínuo de remodelamento, até apresentar estenose luminal. A placa
madura apresenta células e dois componentes estruturais distintos: um núcleo lipídico pouco
denso e a capa fibrosa, que representa cerca de 70% do tamanho total da placa, e quanto maior,
menos propensa ao rompimento será a placa aterosclerótica.
A placa fibrosa é composta principalmente por células musculares lisas, matriz
extracelular e células inflamatórias. A matriz extracelular compõe-se de colágeno, elastina, 55
proteoglicanos e microfibrilas protéicas, e tem sua síntese controlada por citocinas e fatores de
crescimento.
O núcleo lipídico é hipocelular e rico em lipídios extracelulares, principalmente cristais
e ésteres de colesterol, sendo altamente trombogênico. Ao entrar em contato com a corrente
sangüínea, devido à ruptura da capa fibrosa ou erosão endotelial, surgem os fenômenos de
adesão e agregação plaquetária, geração de trombina e fibrina, com formação de trombo
sobrejacente, que representa o ponto inicial comum das síndromes isquêmicas coronarianas
agudas.
Atualmente sabe-se que as placas de elevado conteúdo lipídico são mais
trombogênicas que as fibróticas, devido à alta concentração de fator tecidual, sendo os
macrófagos, a principal fonte desse fator trombogênico
A placa aterosclerótica pode permanecer clinicamente silente durante décadas e
repentinamente, esta lesão silente pode desencadear uma manifestação aguda de
aterosclerose, como infarto agudo do miocárdio (IAM), angina ou acidente vascular cerebral
(AVC). Em geral, a trombose é a principal causa da aterosclerose e a formação do trombo
parece estar relacionada com a ruptura do ateroma, ocasionada principalmente por estresse
físico. O estresse mecânico imposto ao ateroma parece ser maior no caso de lesões menores do
que no de lesões maiores, e a alteração da placa também pode ser causada por uma erosão
superficial, com exposição de colágeno (que é trombogênico) da membrana basal da camada
íntima. A ruptura da placa fibrosa pode permitir contato do sangue com material trombogênico,
como o fator tecidual, elaborado pro macrófagos, no interior do núcleo lipídico da placa.
Sendo assim, a aterosclerose passa a ser entendida não apenas como conseqüência
de distúrbios no metabolismo lipídico, mas como um processo complexo, que envolve a
participação do sistema inflamatório e a ocorrência de disfunção endotelial.
Evidências definem alguns fatores de risco independentes e maiores, sendo
diretamente causadores de DAC, como o tabagismo, a HAS, colesterol total sérico elevado
(principalmente a fração LDL), diminuição do HDL, e diabetes; entretanto, o controle destes
fatores diminui a ocorrência de eventos cardiovasculares mais graves.
A HAS constitui-se na principal causa de AVC e aumenta o risco para IAM recorrente
em pacientes portadores de DAC, e seu tratamento tem se mostrado um importante redutor na 56
incidência de AVC, fatal ou não. A presença de marcadores, como hipertrofia ventricular
esquerda, diminuição da taxa de filtração glomerular, proteinúria e alterações ao exame de fundo
de olho, como hemorragia ou presença de exsudatos, está associada ao risco aumentado de
DAC e independente do nível da pressão arterial.
Além destes fatores de risco, ditos tradicionais, existem alguns fatores condicionais,
como o aumento dos triglicerídios séricos, partículas de LDL pequenas e densas. Elevação dos
níveis de homocisteína, fatores pró-trombóticos e inflamatórios, além de obesidade,
sedentarismo, variáveis sócio-econômicas e de comportamento, raça e sexo, que contribuem
para o desenvolvimento da aterosclerose e para o desencadeamento de eventos
cardiovasculares. Além disso, a presença de múltiplos fatores de risco associa-se a um maior
risco de DAC.
É importante lembrar que todos os indivíduos portadores de DAC são considerados
como de alto risco e devem ter como meta do tratamento, um valor de LDL abaixo de 100mg/dl,
com instituição imediata de dieta hipolipídica. Diabéticos tipo 2 também estão incluídos na
categoria de alto risco e também devem ser submetidos à terapia hipolipemiante (dieta +
medicação).
Outro aspecto importante no tratamento da DAC é o incentivo à mudança no estilo de
vida, com cessação do tabagismo, adoção de hábitos alimentares saudáveis, controle do peso
corporal e atividade física, medidas que apresentam efeito preventivo e elevada relação custo-
benefício.
5 SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS
Este termo abrange dois grandes grupos de patologias: 57
a) Síndromes coronarianas agudas sem elevação do segmento ST – angina
instável e IAM sem elevação do segmento ST - A angina instável corresponde a uma
síndrome intermediária entre a angina estável crônica e o IAM, tem seu diagnóstico baseado na
história de dor torácica e exclusão do diagnóstico de IAM. Baseado no eletrocardiograma (ECG)
e marcadores de necrose miocárdica (CKMB – fração MB da creatinoquinase e troponina) e
pode ter três tipos de apresentação: angina de repouso, angina de início recente e angina em
crescendo.
b) Síndromes coronarianas agudas com elevação do segmento ST – IAM com
elevação do segmento ST – neste caso se observam a presença de elevação persistente do
segmento ST no ECG, durante a avaliação do paciente com dor torácica.
O IAM é a principal causa de óbitos no Brasil e no mundo, correspondendo a cerca
de 60.000 mortes por ano em nosso país, apesar de todos os avanços tecnológicos e
terapêuticos, observados nas últimas décadas.
Os episódios de isquemia podem ser causados por aumento na demanda
miocárdica de oxigênio, podendo ser precipitada por hipertensão arterial, taquicardia e/ou
diminuição na oferta de oxigênio, provocada pela diminuição no diâmetro no lúmen
coronariano, por trombos ou espasmo.
Os principais mecanismos envolvidos nas SCAs são: trombose, obstrução mecânica
(placa aterosclerótica), obstrução dinâmica (espasmo), inflamação e aumento da demanda
miocárdica (angina secundária), sendo o principal mecanismo fisiopatológico, a ruptura de uma
placa ateromatosa e a formação de um trombo sobreposto, visto que a fissura superficial de uma
placa promove a deposição plaquetária.
A inflamação, desencadeada pela ativação dos macrófagos, desempenha uma
importante função na aterosclerose, provocando instabilidade na placa ateromatosa,
favorecendo um estado pró-coagulatório e o surgimento de eventos clínicos. Enquanto que a
ruptura da placa pode ser causada pelo aumento do estresse por cisalhamento, com mudanças 58
súbitas na pressão arterial e tônus vascular, ocorrendo mais freqüentemente em placas mais
vulneráveis, com características bem definidas.
Tem sido observada em pacientes portadores de angina instável, a presença de
níveis elevados de proteína C reativa e interleucina-6, as quais estão associadas a taxas
elevadas de morte por IAM intra-hospitalar e após 1 ano do evento.
O quadro de IAM pode ser precedido de desconforto precordial inespecífico,
entretanto, o que carateriza a SCA é a dor, que pode ser variável em intensidade, apresentando-
se geralmente como dor grave ou intolerável em alguns casos. Trata-se de dor prolongada,
retroesternal, que se irradia frequentemente para ambos os lados do tórax anterior, com maior
tendência para o lado esquerdo, com duração de 30 minutos ou mais, podendo durar algumas
horas, e o desconforto costuma ser descrito como sensação de aperto, sufocamento,
esmagamento ou compressão. Em alguns casos, a dor inicia-se no epigástrio, podendo simular
inúmeros distúrbios abdominais, chegando até a ser confundida com indigestão. A dor também
pode irradiar-se pra os ombros, extremidades superiores, pescoço, maxilares e região
interescapular, predominando no lado esquerdo do corpo.
Em idosos o IAM pode manifestar-se com sintomas de insuficiência ventricular
esquerda, como dispnéia, fraqueza ou síncope, que podem vir acompanhados de náuseas,
vômitos e sudorese. Em diabéticos, pode manifestar-se como cansaço ou mal-estar
inespecífico, podendo apresentar também náuseas e vômitos, com risco de ser confundido com
quadro de colecistite, gastrite ou úlcera péptica aguda.
Normalmente o paciente com quadro de IAM, apresenta sudorese, agitação
psicomotora, taquipnéia e freqüência cardíaca variando desde bradicardia até taquicardia, com
pressão arterial normal, a exceção daqueles com falência ventricular esquerda, que podem
apresentar hipotensão e choque. Também se observa congestão pulmonar, dispnéia, pulso
fraco, oligúria, cianose e presença de terceira bulha, na ausculta.
O diagnóstico das SCA baseia-se na história de desconforto torácico, alterações no
ECG e dosagem de marcadores de lesão miocárdica (CKMB - fração MB da creatinoquinase e
troponina), sendo a história, o item mais importante para esclarecer se o caso trata-se de SCA
ou não. Níveis aumentados de CKMB são encontrados 4h após o IAM, com níveis de pico entre 59
9 e 30h, retornando ao normal, num prazo de 48 a 72 horas. As troponinas são proteínas do
complexo miofibrilar, que não são encontradas no músculo liso e suas concentrações séricas
começam a aumentar cerca de 4 a 6 horas após o IAM, e continuam elevadas por vários dias.
Os pacientes com angina instável não apresentam elevação dos marcadores de lesão
miocárdica. E para realizar o diagnóstico, é necessário que nos 10 primeiros minutos de
avaliação da suspeita de SCA, sejam realizados ECG, exames laboratoriais para avaliação dos
marcadores miocárdicos, hemograma, uréia, creatinina, eletrólitos e coagulograma.
O tratamento clínico das SCA pode ser dividido em etapas:
a) Primeira abordagem comum das SCA, com e sem supradesníveis do
segmento ST – ofertar oxigênio suplementar por cateter nasal a 3 ou 4l/min, por no
mínimo 3h ou enquanto a hipoxemia ao ar ambiente persistir; ácido acetilsalicílico (AAS)
macerado em dose inicial de 160 a 325mg, via oral, no momento da entrada do paciente no
setor de emergência, apresentando dor sugestiva de isquemia miocárdica; nos dias
subseqüentes, a dosagem deverá ser de 100mg/dia, entretanto, deve-se estar atento às
contra-indicações ao uso do AAS, como alergia à medicação, presença de sangramento
ativo, hemofilia, úlcera péptica ativa ou alta probabilidade de sangramento gastrointestinal
ou genitourinário; Dinitrato de isossorbida deve ser administrado precocemente, na
formulação sublingual (5 mg, em intervalos de 5min, num total de até 15mg), de
preferência logo após o ECG, e são usados para o controle da dor, provocada por
espasmo coronariano e controle da pressão arterial, estando contra-indicado apenas em
casos de hipotensão arterial (pressão sistólica < 100mmHG), IAM de ventrículo direito ou
uso prévio de sildenafil nas últimas 24h; o sulfato de morfina (intravenoso) deve ficar
reservado ás situações em que a dor não cessou apesar do uso de nitrato, o que é muito
freqüente, e podem ser feitas doses de 2 em 2 mg, até que a dor desapareça;
entretanto, a subdosagem de morfina deve ser combatida, pois leva à permanência da
dor e pode aumentar o consumo miocárdico de oxigênio; o clopidogrel deve ser usado
em todos os casos de SCA sem supradesnível de ST, a não ser em raras exceções
quando existe a possibilidade ou necessidade imediata de cirurgia de revascularização,
pois sua utilização torna obrigatório adiar a cirurgia em 5 dias, no mínimo, sendo a
dose de ataque de 300mg; os beta-bloqueadores devem ser administrados em todos 60
os pacientes com quadro de SCA, com o objetivo de reduzir a freqüência cardíaca e o
consumo de oxigênio pelo miocárdio.
b) Abordagem específica da SCA sem supradesnível do segmento ST – O uso
de antagonistas dos receptores de glicoproteínas não está indicado nos pacientes de
risco intermediário, devendo ser reservado aos pacientes de alto risco, junto com a
heparina e continuado por 48h. Caso o paciente seja submetido à angioplastia coronariana,
com ou sem stent, deve ser mantido até complementar as 48h de infusão. A heparina
deve ser administrada como terapia anticoagulante em pacientes de risco intermediário e
de alto risco, sendo opcional sua utilização em pacientes de baixo risco. A dose usual de
heparina não fracionada (HNF) é de 60UI/Kg em bolus, seguida de infusão contínua de
12UI/Kg/h, devendo-se realizar tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) de 6/6h e
ajustar a infusão conforme o resultado, tendo como objetivo uma TTPA de 50 a 70
segundos.
c) Abordagem específica do IAM com supradesnível do segmento ST (IAMST)
– desde a década de 1950, os agentes fibrinolíticos têm sido utilizados com o intuito de
dissolver o trombo intracoronariano, de forma a restituir o fluxo anterógrado; entretanto,
sua utilização, apesar de diminuir a mortalidade, apresenta algumas contra-indicações
como AVC hemorrágico (em qualquer tempo), AVC isquêmico nos últimos 6 meses,
recente trauma/cirurgia (nos últimos 3 meses), sangramento gastrointestinal (no último
mês), presença de sangramento ativo (exceto menstruação). Suspeita de dissecção da
aorta e doença terminal. A intervenção coronariana percutânea pode ser primária (uso do
cateter-balão ou implante de stent coronariano nas primeiras 12h de dor – melhor opção
para obtenção da reperfusão coronariana.
d) Tratamento após estabilidade clínica – recomenda-se administração de
inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), pelo menos 6h após início do
quadro álgico do IAM, já com o paciente estável, de preferência nas primeiras 24h de IAM.
O IECA mais utilizado é o captopril. Com relação às estatinas, não existem estudos
comprovando seus benefícios na fase aguda do IAM, entretanto, os consensos
mostram que com base, no LDL obtido na primeira manhã pós-IAM, deve-se
recomendar sua utilização aos pacientes com LDL > 130mg/dl, senso opcional quando
o LDL estiver entre 100 e 130mg/dl.
61
O prognóstico de pacientes com SCA depende principalmente do tempo entre o início
dos sintomas e o atendimento hospitalar, além da presença de alguns fatores, como diabetes,
função ventricular esquerda e idade, que são os principais preditores de mortalidade nesses
pacientes. Sendo assim, para reduzir a morbi-mortalidade dos pacientes com quadro de SCA,
um diagnóstico rápido e o tratamento adequado, são fundamentais.
6 OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA
A obesidade atualmente é considerada um dos maiores problemas de saúde pública e
uma das doenças não transmissíveis que mais cresce em todo mundo. No Brasil, segundo
62
dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) de 1989, o índice de obesidade na
região sudeste era de 10,5% e na região nordeste, de 8,7%, demonstrando que o excesso de
peso tem crescido inclusive nas regiões mais pobres do país, principalmente nas faixas etárias
mais baixas.
Esta situação, também decorre das mudanças nos hábitos de vida de toda a
população, não só de nosso país, como o aumento da ingestão de lipídios saturados, gorduras
“trans”, açúcar e alimentos refinados. E diminuição do gasto energético diário, decorrente da
diminuição da atividade física espontânea e de lazer, e aumento do sedentarismo.
Desta forma, observa-se que atualmente os fatores ambientais têm se sobreposto
aos fatores genéticos, com relação ao aumento do tecido adiposo total. A obesidade é
principalmente ocasionada por alterações nutricionais e no gasto energético, que desencadeiam
desequilíbrios funcionais, responsáveis pelo maior acúmulo de gordura no tecido adiposo
(visceral e/ou subcutâneo), ou até mesmo pela resistência na sua perda, quando indivíduos
obesos são submetidos a um programa de redução de peso. Entretanto, sendo a obesidade uma
doença de etiologia multifatorial, é importante lembrar que existem outros fatores, além dos
genéticos e ambientais, relacionados ao seu desenvolvimento, como os fatores psicológicos e
culturais
A obesidade surge quando a quantidade de gordura corporal armazenada começa a
exceder em muito, a quantidade de gordura dita “essencial”, (gordura necessária ao
funcionamento fisiológico normal. Armazenada em pequenas quantidades na medula óssea,
coração, pulmão fígado, baço, rins, músculos e tecidos ricos em lipídeos no sistema nervoso) e a
reserva energética primária. Nos homens, cerca de 3% da gordura corporal é considerada
essencial, e nas mulheres, cerca de 12%, sendo maior nestas em função da gordura presente
nas mamas, região pélvica, glúteos e coxas. Além desta gordura essencial, há a reserva
energética primária do corpo, constituída por triglicerídios armazenados no tecido adiposo, sob a
pele, e ao redor dos órgãos, para protegê-los. Este estoque energético é útil em momentos de
demanda aumentada, como crescimento, gestação, envelhecimento e mesmo, flutuações nas
circunstâncias ambientais e fisiológicas, como a disponibilidade de alimentos e exercício fisico.
A variação na taxa de gordura corporal total (gordura essencial + reserva energética
primária) relacionada à manutenção da saúde varia entre 8 a 24% nos homens e 21 a 35% nas
mulheres, e valores acima ou abaixo destes intervalos estão associados ao aumento da morbi- 63
mortalidade; entretanto, é comum que atletas de elite apresentem percentuais de gordura bem
abaixo do preconizado, sem, entretanto, apresentarem prejuízos na saúde e na performance.
A maior parte dos depósitos de gordura é obtida através dos triglicerídios da
alimentação, visto ser a composição dos ácidos graxos presente nos adipócitos, semelhante aos
da dieta. Entretanto, carboidratos (principalmente carboidratos simples) e proteínas ingeridos em
excesso ou a ingestão de valores energéticos totais acima das necessidades nutricionais
contribuem para o armazenamento de gordura corporal. Através do estímulo à lipogênese, visto
que, para a manutenção do peso corporal, é necessário que a ingestão seja equivalente ao
gasto de energia pelo indivíduo, diariamente. Entretanto, quando o excesso energético ocorre de
forma contínua, principalmente à custa da ingestão de carboidratos (simples), o excesso de
gordura corporal instala-se não pelo aumento da lipogênese, e sim, pela supressão da oxidação
de gordura, ou lipólise, provavelmente pelo maior estímulo à secreção de insulina.
A insulina atua no sistema nervoso central (SNC) e no sistema nervoso periférico,
regulando a ingestão alimentar, além de estar envolvida na síntese e armazenamento de
gordura. Observa-se também que, quanto maior a resistência à insulina, menor a termogênese
corporal e indivíduos obesos podem apresentar resistência à insulina decorrente da ausência de
resposta dos receptores de insulina, tolerância prejudicada de resposta aos receptores
insulínicos e tolerância prejudicada à glicose e hiperlipidemia associada; entretanto, tais
condições podem ser revertidas pela perda de peso.
A classificação dos graus de obesidade mais utilizada é a preconizada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS - 1998), e pode ser observada na tabela abaixo:
Classificação IMC (kg/m2) Risco de co-morbidades
Baixo peso < 18,5 Baixo, porém com aumento de outras
situações clínicas.
Peso normal 18,5 – 24,9 Médio
Sobrepeso 24 – 29,9 Ligeiramente aumentado 64
Obesidade: > ou = 30
Grau I > 30 – 34,9 Moderado
Grau II > 35 – 39,9 Grave
Grau III > ou = 40 Muito grave
Fonte, Naves, 2006.
O risco de complicações metabólicas, como HAS, dislipidemias, DAC, diabetes
mellitus, colelitíase, esteatose hepática e alguns tipos de câncer também pode ser avaliado
segundo a medida da circunferência abdominal, de acordo com os critérios da OMS (1997):
Circunferência Risco aumentado Risco substancialmente
abdominal aumentado
Homens 94 cm 102 cm
Mulheres 80 cm 88 cm
Fonte, Naves, 2006.
Já está bem-estabelecida a relação entre obesidade e síndrome metabólica (SM),
sendo a intolerância à glicose, o ponto de partida para o surgimento de outras complicações.
Como a resistência à insulina, aumento dos níveis de triglicerídios, diminuição dos níveis de HDL
colesterol, HAS, aumento da circunferência abdominal, estados pró-trombóticos e pró-
inflamatórios, hiperuricemia, microalbuminúria e síndrome do ovário policístico (em mulheres),
contribuindo, em muito, para o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
65
O National Cholesterol Education Program (NCEP III) propôs os seguintes critérios
para definição da SM:
Parâmetros Homens Mulheres
Circunferência abdominal > 102 cm > 88 cm
Glicemia > 110 mg/dl > 110 mg/dl
HDL colesterol sérico < 40 mg/dl < 50 mg/dl
Triglicerídios séricos > 150mg/dl > 150mg/dl
Pressão arterial > 130/85 mmHg > 130/85 mmHg
Fonte, Naves, 2006.
Existem outros critérios semelhantes para o diagnóstico da SM, além da resistência à
insulina, como os parâmetros preconizados pela Organização mundial de Saúde (OMS):
Parâmetros Homens Mulheres
Pressão arterial > ou = 140 x 90 mmHg > ou = 140 x 90 mmHg
Hipertrigliceridemia > ou = 150mg/dl > ou = 150mg/dl
HDL colesterol diminuído < 35mg/dl < 40mg/dl
66
Relação cintura/quadril > 0,90 > 0,85
IMC > 30kg/m2 > 30kg/m2
Microalbuminúria:
Albuminúria > ou = 20g/minuto > ou = 20g/minuto
Relação albumina/creatinina
> ou = 30mg > ou = 30mg
Fonte: adaptado de Cople-Rodrigues e Reis, 2005.
Freqüentemente, indivíduos portadores de SM desenvolvem doenças cardiovasculares
(DCV), em função da múltipla associação de inúmeros fatores como HAS, tríade lipêmica da
SM (aumento dos triglicerídios, aumento do LDL colesterol e diminuição do HDL colesterol),
obesidade (principalmente do tipo abdominal ou andróide) e estado de hipercoagulação.
A presença de tabagismo e de inatividade física aumenta ainda mais as chances de
surgimento de DCV, pois o fumo diminui os efeitos protetores do estrogênio (mulheres na fase
pré-menopausa), promove diminuição dos níveis de HDL colesterol, ativação da coagulação
promovida pelas plaquetas. Aumento dos níveis de fibrinogênio e dano endotelial devido à
oxidação e vasoconstrição, enquanto que a inatividade física dobra o risco de DCV. O exercício
físico é capaz de diminuir os riscos das DCV porque promove a diminuição dos níveis de
triglicerídios, do peso corporal, e da PA, além de melhorar o metabolismo dos carboidratos e
aumentar a atividade fibrinolítica.
A elevação dos níveis de homocisteína também tem sido associada à aterosclerose,
ao induzir a citotoxicidade endotelial, a peroxidação lipídica, o aumento da agregação plaquetária
e a ativação da coagulação. Acredita-se que a hiper-homocisteinemia não decorra diretamente
da resistência à insulina, entretanto, pode derivar diretamente de outros processos, como lesões
endoteliais, estado de inflamação crônica, doença renal e deficiência de vitamina B12 (muito
comum em vegetarianos estritos que não fazem suplementação medicamentosa desta vitamina).
67
Alterações nos níveis de proteína C reativa e adiponectina, marcadores sensíveis
da inflamação, podem estar associadas ao quadro de resistência à insulina. A adiponectina
parece exercer um efeito protetor nas injúrias vasculares, ao suprimir o ataque dos monócitos às
células endoteliais (etapa fundamental no processo de dano endotelial que gera a aterosclerose),
entretanto, na SM, na obesidade, no diabetes tipo II e nas DCV, seus níveis apresentam-se
diminuídos.
É importante que as alterações metabólicas presentes na SM sejam corrigidas, de
forma a evitar a progressão da doença e a instalação, de fato, de DCV. À medida que o padrão
alimentar se modifica, substituindo-se os carboidratos simples e as gorduras saturadas, por
carboidratos complexos, gorduras mono e poli-insaturadas, aumento no teor de fibras e
preferência por alimentos in natura, como frutas e hortaliças, em detrimento de alimentos
industrializados, ricos em sódio, açúcar e gordura trans, e à medida que o nível de atividade
física aumenta (pelo menos 30 minutos na maior parte dos dias da semana), o peso corporal, os
níveis glicêmicos e a pressão arterial diminuem, contribuindo para a diminuição dos riscos de
DCV.
7 MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS NAS DOENÇAS SISTÊMICAS
7.1 Diabetes mellius (DM)
68
O DM é um dos principais fatores de risco relacionados à doença arterial coronariana
(DAC), e sua presença está associada ao aumento da morbi-mortalidade neste grupo, resultante
das complicações e das alterações metabólicas induzidas por DM. Ocasionando maior
comprometimento aterosclerótico arterial, com manifestações precoces, que se traduzem por
maior incidência de DAC, doença cerebrovascular (AVC) e arteriopatia periférica.
A DAC é a doença cardíaca mais encontrada em diabéticos, e surge em conseqüência
da aterosclerose precoce, causada por complicações macro e microvasculares; entretanto, além
da DAC, as principais cardiopatias encontradas neste grupo de pacientes incluem:
cardiomiopatia diabética e denervação cardíaca resultante de neuropatia autonômica.
A aterosclerose precoce é causada por múltiplos fatores, como a presença de co-
morbidades associadas ao DM, como hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia,
hipercoagulabilidade e obesidade.
Os diabéticos insulino-dependentes (DMI) possuem um risco maior de desenvolver
DAC que os não insulino-dependentes (DMII).
Observa-se maior risco de infarto agudo do miocárdio (IAM), isquemia silenciosa e IC
após IAM em diabéticos, quando comparados a indivíduos não diabéticos.
A DAC se desenvolve numa faixa etária mais precoce, com comprometimento
multiarterial, lesões mais graves e distais, mas não necessariamente, mais difusa. As obstruções
coronarianas, atingindo a artéria descendente anterior, são encontradas com freqüência, da
mesma forma que o IAM prévio, envolvendo principalmente a parede anterior.
Também se observa a presença de cardiomiopatia com manifestação de IC
associada à disfunção tanto sistólica, quanto diastólica do ventrículo esquerdo.
Quanto às estratégias de tratamento, os resultados da revascularização miocárdica,
são desfavoráveis em diabéticos, seja a curto ou em longo prazo, quando comparados a
indivíduos não diabéticos, pois se observa uma tendência maior ao desenvolvimento de re-
estenose, maior taxa de re-infarto e necessidades de nova intervenção/revascularização, após 69
angioplastia. A mortalidade pós-angioplastia em diabéticos é similar à de não diabéticos,
entretanto, a sobrevida em longo prazo é menor nos diabéticos, principalmente entre o grupo
DMI.
A IC nos diabéticos pode se desenvolver por três prováveis mecanismos:
a) Presença de co-morbidades (ex: HAS) que levam à disfunção ventricular;
b) Cardiomiopatia isquêmica por desenvolvimento de DAC;
c) Cardiomiopatia diabética específica (CB).
Não se conhece o mecanismo exato para o desenvolvimento de cardiomiopatia
diabética específica, mas já foram sugeridas algumas hipóteses relacionadas à microangiopatia,
alteração de fatores metabólicos e fibrose miocárdica.
Acredita-se que a microangiopatia diabética, associada à disfunção endotelial, seja
responsável pela redução de reserva de fluxo coronariano nestes pacientes, e, além disso,
algumas lesões específicas, como microaneurismas miocárdicas de pequenos vasos e
espessamento da membrana basal capilar, são encontradas nos diabéticos.
As manifestações clínicas da cardiomiopatia diabética podem ser divididas em duas
fases:
a) Fase pré-clínica – o paciente apresenta-se assintomático e as alterações são
detectadas com auxílio de exames complementares;
b) IC instalada – nesta fase, o diagnóstico só é estabelecido após a exclusão de
outras possíveis causas de IC, como doença coronariana, HAS, doença valvar, alcoolismo,
hemocromatose e nefropatia com uremia.
A CB pode apresentar-se clinicamente tanto como disfunção sistólica, quanto
diastólica, porém acredita-se que a disfunção diastólica seja a primeira manifestação da CB,
70
observada em mais de 50% dos pacientes.
7.2 Doenças Tireoidianas
Os hormônios produzidos pela tireóide (tiroxina – T4 e triiodotironina – T3)
apresentam inúmeros efeitos sobre o sistema cardiovascular e a hemodinâmica circulatória,
interagindo com parâmetros hemodinâmicos, como a freqüência cardíaca, débito cardíaco e
resistência vascular sistêmica, além de efeitos inotrópicos sobre a musculatura miocárdica,
provocando aumento da contratilidade.
O T3 produz efeitos na resistência vascular sistêmica por meio de dilatação arteriolar
periférica, com aumento do consumo periférico de oxigênio e aumento secundário de
contratilidade cardíaca.
A produção excessiva de hormônios tireoidianos (hipertireoidismo), provoca um
estado hiperdinâmico no metabolismo, semelhante ao que ocorre no feocromocitoma, causado
pelo excesso de adrenalina, com manifestações de ansiedade, irritabilidade e palpitações.
Observa-se também queda da resistência periférica sistêmica, vasodilatação periférica e
aumento da contratilidade miocárdica pela ação direta do T3 e T4.
Observam-se também palpitações taquicárdicas, presentes em até 85% dos pacientes,
fadiga e dispnéia ao exercício em até 50% dos casos e aumento anormal da freqüência cardíaca
durante o exercício, além da presença de fibrilação atrial e arritmia.
O tratamento do hipertireoidismo engloba o controle de resposta ventricular,
anticoagulação e reversão da arritmia. A anticoagulação é recomendada em função do alto
índice de complicações embólicas, observadas principalmente naqueles pacientes com dilatação
de câmaras atriais e alterações valvares. Além disso, a presença de HAS e doença valvar, que
aumentam os riscos de fenômenos embólicos, também devem ser levadas em consideração,
quanto à indicação de anticoagulantes.
71
Pacientes cardiopatas podem ter descompensação do quadro clínico em presença de
hipertireoidismo, e a isquemia miocárdica pode ser decorrente do aumento da demanda de
oxigênio no coração em estado tireotóxico dinâmico.
O tratamento do hipertireoidismo busca a restauração do estado de equilíbrio
tireoidiano, através de medicamentos antitireoidianos, radioiodoterapia ou cirurgia. Os beta-
bloqueadores são utilizados para controle dos sintomas, como a taquicardia e a freqüência
cardíaca, e alívio dos sintomas periféricos, como tremor e ansiedade. O tratamento com drogas
antitireoidianas é capaz de reverter os sintomas cardíacos após restauração do estado de
equilíbrio dos hormônios tireoidianos.
No hipotireoidismo, as alterações hemodinâmicas são opostas às do hipertireoidismo,
e incluem: bradicardia com diminuição do débito cardíaco, diminuição da contratilidade
miocárdica e aumento da resistência vascular periférica, e hipertensão leve; entretanto, os
pacientes com hipotireoidismo raramente cursam com IC, pois o débito cardíaco, apesar de
baixo, geralmente é suficiente para suprir a baixa demanda periférica. Outras manifestações
cardiovasculares incluem bradicardia sinusal, derrame pericárdico e aterosclerose coronariana. A
aterosclerose apresenta-se mais acelerada no hipotireoidismo em função da hipercolesterolemia
e hipertensão arterial, freqüentemente encontradas neste grupo.
A amiodarona, droga antiarrítmica rica em iodo, é bastante utilizada no tratamento de
arritmias cardíacas, porém seu uso crônico promove aumento dos níveis plasmáticos de T4 e
diminuição de T3, resultante da inibição da enzima 5’deiodinase, responsável pela conversão de
T4 em T3, com conseqüente alteração na função tireoidiana, traduzida por hiper ou
hipotireoidismo. Confirmado o diagnóstico de disfunção tireoidiana, causada por amiodarona,
deve-se suspender a medicação e substituí-la por outro antiarrítmico, sempre que possível.
8 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE)
Pode ser definido como o comprometimento súbito da função cerebral, devido à 72
interrupção do fornecimento de oxigênio e nutrientes ao tecido cerebral, ocasionado por uma
obstrução ou ruptura do vaso sangüíneo responsável por este aporte.
Os AVEs podem ser classificados em duas grandes categorias, de acordo com suas
definições:
a) AVE isquêmico (AVEI) – resulta da oclusão de uma artéria, privando
determinada área do cérebro de nutrientes essenciais e oxigenação. Esta oclusão é provocada
pela presença de coágulos, que se desenvolvem dentro da própria artéria (trombose arterial) ou
que migraram de outro ponto do organismo (embolia cerebral). Corresponde a 75% dos casos e
ainda pode ser classificado segundo sua localização anatômica, como se segue;
a.1) AVEI da circulação anterior (ou do território carotídeo) – envolve a região suprida
pela artéria carótida;
a.2) AVEI da circulação posterior 9ou do território vértebro-basilar) – afeta o território
suprido pelo sistema vértebro-basilar e compromete o tronco encefálico e o cerebelo.
b) AVE Hemorrágico (AVEH) – é ocasionado pela ruptura de um vaso sangüíneo,
com conseqüente sangramento para dentro do parênquima encefálico (hemorragia
intraparenquimatosa - HIP) ou para a superfície do encéfalo (hemorragia subaracnóide- HSA).
HAS é a principal causa de hemorragia intraparenquimatosa, porém a angiopatia amilóide
também pode constituir-se em importante causa de sangramentos, enquanto que a principal
causa de hemorragia subaracnóide é a ruptura de aneurismas.
Deve-se suspeitar de AVE quando houver relato de aparecimento súbito de alteração
no nível de consciência, com sinal neurológico localizador (hemiparesias, paresias de face e
parestesias), tonteira, disfasia, disfagia, disfonia, cefaléia (de intensidade superior e diferente das
cefaléias anteriormente sentidas), alterações visuais, alteração da coordenação, etc.; de acordo
com o local afetado pela hemorragia, o exame físico deve revelar algum (alguns) dos seguintes
sinais e sintomas:
73
a) Comprometimento da circulação carotídea:
- Paresia unilateral – fraqueza ou sensação de peso em um hemicorpo, podendo ocorrer
assimetria facial. O lado acometido é oposto ao da artéria comprometida;
- Parestesia – perda da sensibilidade, formigamento ou sensação anormal em um lado do
corpo, que costuma ocorrer simultaneamente e do mesmo lado da fraqueza. Lembrando que o
lado acometido é oposto ao da artéria comprometida;
- Distúrbios da linguagem – dificuldade em selecionar corretamente as palavras,
linguagem incompreensível, dificuldade de compreensão, escrita ou de leitura (disfasia);
articulação anormal das palavras (disartria);
- Distúrbios visuais – visão borrada em um lado do campo visual e ambos os olhos. O
campo visual comprometido é oposto ao da artéria comprometida;
- Cegueira monocular – perda visual unilateral e indolor. O olho acometido é do mesmo
lado da artéria envolvida.
b) Comprometimento da circulação vértebro-basilar:
- Vertigem – sensação de estar girando que persiste no repouso e pode ser acompanhada
de nistagmo;
- Distúrbio da visão – visão borrada em um ou ambos os campos visuais. Acomete ambos
os olhos, simultaneamente;
- Diplopia (visão de duas imagens);
- Paresia ocular – incapacidade de mover os olhos para um determinado lado;
- Paresia – fraqueza que envolve um lado do corpo ou os quatro membros. A face pode
estar acometida de um lado e os membros, do outro;
- Parestesia – perda da sensibilidade, podendo acometer um lado do corpo ou os quatro
membros. Costuma ocorrer simultaneamente com os sintomas motores;
- Disartria – fala empastada, dificuldade de articulação;
- Ataxia – desequilíbrio marcha instável, falta de coordenação em um lado do corpo;
- “Drop attack” – consiste em paralisia súbita dos quatro membros, sem perda da 74
consciência, resultando em queda.
É importante também que seja feito o diagnóstico de exclusão de outras patologias,
que podem apresentar sintomas semelhantes aos AVEs, como: trauma de crânio/coluna cervical;
meningite/encefalite; encefalopatia hipertensiva/ isquemia cerebral pós-parada cardíaca;
presença de massas intracranianas;/ tumores; hematoma subdural/extradural; crise epiléptica,
com sinais neurológicos persistentes; paralisia de Todd; enxaqueca com sinais neurológicos
persistentes; hiperglicemia (coma hiperosmolar não-cetótico), hipoglicemia, intoxicação exógena
(por uso de drogas ilícitas ou medicamentos em doses excessivas).
O exame físico costuma apresentar dados semelhantes nos dois tipos de AVE
(isquêmico e hemorrágico). Entretanto, a cefaléia intensa, a rápida deterioração do nível de
consciência, a presença de vômitos e a síndrome meníngea sugerem a presença de
hemorragia, e o diagnóstico de certeza deverá ser feito com base nos exames complementares,
que são:
a) Avaliação laboratorial – hemograma completo, com contagem de plaquetas;
sódio, potássio, magnésio, uréia e creatinina séricos; glicemia; tempo de tromboplastina parcial
ativada; fibrinogênio;
b) Tomografia computadorizada cerebral (TCC) – exame inicial, realizado
geralmente no atendimento emergencial. Possui alta sensibilidade para o diagnóstico de
hemorragia intraparenquimatosa, porém pode não evidenciar pequenas hemorragias
subaracnóides ou lesões isquêmicas nas primeiras 48h e hemorragias situadas na fossa
posterior;
c) Ressonância magnética cerebral – exame mais dispendioso e não disponível em
todos os centros de atendimento, porém é o mais sensível para detecção precoce de lesões
isquêmicas (seqüências de difusão e perfusão) e das lesões da fossa posterior. Requer
imobilidade do paciente, o que pode constituir-se num fator limitante principalmente na fase
aguda, devido à agitação psicomotora;
d) Radiografia de tórax (sempre) e de coluna cervical (nos casos de trauma);
e) Eletrocardiograma – utilizado para verificação de arritmias;
f) Ultra-sonografia de carótidas – exame não-invasivo, útil para avaliação de
estenoses; 75
g) Exame do líquido cefalorraquidiano – quando houver suspeita clínica de HSA,
com TC cerebral normal;
h) Angiografia digital encefálica – para fazer um estudo detalhado da circulação
cerebral, nos casos de suspeita de malformações vasculares, como aneurismas e angiomas;
i) Doppler transcraniano – estudo sonográfico bastante prático para controle da
reperfusão nos AVEI e de vasoespasmo na HSA. É um exame não invasivo, realizado à beira do
leito e pode ser repetido quantas vezes for necessário;
j) Ecocardiograma transtorácico – usado na avaliação de lesões estruturais
cardíacas e presença de trombos intracavitários. Deve ser considerado caso não se consiga
evidenciar as causas de AVEI pelos métodos citados anteriormente;
k) Eletroencefalograma – utilizado nos casos de crises convulsivas concomitantes
com o AVE e nas monitorações dos pacientes em coma (inclusive o induzido).
A avaliação prognóstica do AVE deve basear-se na escala de coma de Glasgow
(tabela abaixo)
Escala de coma de Glasgow
Abertura ocular Espontânea 4
Ordem verbal 3
Dor 2
Sem resposta 1
Melhor resposta verbal Orientado 5
Confuso 4
Palavras inapropriadas 3
Sons 2
Sem resposta 1
76
Melhor resposta motora Obedece a comado verbal 6
Localiza dor 5
Flexão normal (inespecífica) 4
Flexão anormal (decorticação) 3
Extensão a dor (descerebração) 2
Sem resposta 1
Total 3 a 15 pontos
Fonte: Manfrin e Nascimento, 2005.
Nos casos de AVEI ou AVEH de origem hipertensiva, realiza-se também a escala de
AVE do National Institute of Health (NIH):
Escala de AVC do NIH:
Orientação Definição de escala (pontos)
1.a) Nível de consciência – o examinador deve escolher uma 0= alerta
alternativa mesmo se a avaliação for prejudicada por obstáculos
1 = não alerta, obedece a mínimos
como um tubo endotraqueal, barreiras de linguagem ou trauma.
estímulos, responde ou demonstra 77
Somente serão dados 3 pontos se o paciente não realizar nenhum
alguma reação;
movimento (além da postura reflexa) aos estímulos dolorosos.
2 = não alerta, requer estimulação
repetida ou estimulação dolorosa para
realizar movimentos;
3 = responde somente com reflexo
motor ou reações autonômicas, ou
totalmente irresponsivo, flácido e sem
reflexo.
1.b) Nível de consciência: perguntas – o paciente é
questionado sobre mês e sua idade. A resposta deve ser
0 = responde a ambas as questões
totalmente correta, não há nota parcial. Paciente com afasia ou
corretamente;
alteração do nível de consciência que não compreende as
perguntas irá receber 2. Paciente incapaz de falar devido à 1 = responde a uma questão
intubação endotraqueal e trauma orotraqueal, à disartria grave, a corretamente
barreiras de linguagem ou qualquer outro problema não
2 = não responde a nenhuma questão
secundário à afasia, receberá 1. É importante que somente a
corretamente.
resposta inicial seja considerada e que o examinador não interfira
na resposta!!!
1.c) Nível de consciência: comandos – O paciente é solicitado a
abrir e fechar os olhos e depois a abrir a mão não-parética.
0 = Realiza ambas as tarefas
Substitua por outro comando de um único passo se as mãos não
corretamente
puderem ser utilizadas. É dado crédito se a tentativa for realizada
mas não completada devido ao déficit neurológico. S o paciente 1 = Realiza uma tarefa corretamente
não responder ao comando, a tarefa deve ser demonstrada 2 = Não realiza nenhuma tarefa
através de gestos (pantomina) e o resultado registrado. Somente corretamente.
a primeira tentativa é registrada.
2) Olhar conjugado – Somente os movimentos oculares
horizontais são testados. Movimentos oculares voluntários ou
0 = Normal;
reflexos (óculo-cefálico) recebem notas, mas a prova calórica não
é realizada. Se o paciente tem um desvio conjugado do olhar, 1 = Paralisia parcial do olhar. Somente
78
pode ser sobreposto por atividade voluntária ou reflexa, recebe 1 será dado quando o olhar for anormal
ponto. Se o paciente tem uma paresia de nervo craniano isolada em um ou ambos os olhos e não
(III, IV ou V), marque 1. O olhar é testado em todos os pacientes houver desvio forçado ou paresia total
afásicos. Os pacientes com trauma ocular, curativos, cegueira do olhar;
preexistente ou outro distúrbio de acuidade visual ou déficit do
2 = Desvio forçado ou paresia total do
campo visual, devem ser testados com movimentos reflexos e a
olhar não revertida por manobra óculo-
escolha feita pelo examinador. Estabelecendo contato visual e,
cefálica..
então, movendo-se perto do paciente de um lado para outro,
ocasionalmente, irá esclarecer se há paralisia do olhar.
3) Visual – Os campos visuais (quadrantes superiores e
inferiores) são testados por confrontação, utilizando contagem de
0 = sem perda visual;
dedos ou desafio visual, conforme apropriado. O paciente deve
ser encorajado, mas se olhar apropriadamente para o lado do 1 = Hemianopsia parcial;
movimento dos dedos, deve ser considerado normal. Se houver
2 = Hemianopsia completa;
cegueira unilateral ou enucleação, os campos visuais no outro
olho devem ser considerados. 3 – Hemianopsia bilateral (cego,
incluindo cegueira cortical).
Marque 1 somente se uma clara assimetria, incluindo
quadrantanopsia for encontrada. Se o paciente for cego por
qualquer outra causa, marque 3. Estimulação dupla simultânea é
realizada neste momento. Se houver uma extinção, o paciente
recebe 1 e os resultados são utilizados para responder à questão
11.
4) Paralisia facial – Pergunte ou utiliza gestos para encorajar o 0 = Movimentos normais e simétricos;
paciente a mostrar os dentes ou sorrir e fechar os olhos.
1 = Paralisia leve (discreta perda do
Considere simetria da contração facial em resposta aos estímulos sulco naso-labial, assimetria no
dolorosos em pacientes com alteração do nível de consciência ou sorriso);
incapazes de compreender. Na presença de trauma/curativo
2 = Paralisia facial (paralisia total ou
facial, tudo orotraqueal ou outra barreira física, estes devem ser
quase total da região inferior da face);
removidos, quando possível.
3 = Paralisia completa (ausência de
movimentos faciais das regiões
superior e inferior da face). 79
5) Membros superiores – O membro é colocado na posição 5a = pontos para MSD
apropriada, extensão dos braços 90º (se sentado) ou 45º (se
5b = pontos para MSE
deitado). Considera-se queda se o braço cair em menos de 10
segundos. O paciente afásico é encorajado através de gestos ou 0 = Sem queda, mantém o MS a 90º
estimulação verbal. Cada membro é testado isoladamente, (ou 45º) por 10 segundos;
iniciando-se com o braço parético. Somente em caso de
1 = Queda. Mantém o MS a 90º (ou
amputação ou fusão das articulações do ombro pode ser colocada
45º), mas cai antes de completados os
a pontuação 9, e neste caso, o examinador deve esclarecer o
10 seg. e não toca a cama ou outro
motivo.
suporte;
2 = Demonstra algum esforço contra a
gravidade; MS não atinge ou não
mantém 90º (ou 45º), cai e encosta na
cama, mas mantém alguma força
contra a gravidade;
3 = Queda sem nenhum esforço
contra a gravidade;
4 = Ausência de movimento;
5 = Amputação, fusão da articulação:
EXPLIQUE!!!
6) Membros inferiores – O membro é colocado na posição 6a = pontos para MID
apropriada: MI a 30º (sempre testado deitado).É considerado
6b = pontos para MIE
queda se o MI cair antes de 5 segundos. O paciente afásico é
encorajado através de gestos ou estimulação verbal. Cada 0 = Sem queda mantém o MI a 30º por
membro é testado isoladamente, iniciando-se com o MI parético. 5 segundos;
Somente em caso de amputação ou fusão das articulações pode
1 = Queda. MI cai próximo ao término
ser colocado 9, e o examinador deve esclarecer o motivo.
dos 5 seg. e não toca a cama;
2 = Demonstra algum esforço contra a
gravidade; MI cai e encosta na cama,
mas mantém alguma força contra a 80
gravidade;
3 = Queda sem nenhum esforço
contra a gravidade;
4 = Ausência de movimento;
5 = Amputação, fusão da articulação:
EXPLIQUE!!!
7) Ataxia – Faça os testes com os olhos abertos. No caso de 0 = Ausente;
déficit visual, assegurar-se de que o teste seja realizado no
1 = Presente em um membro;
campo visual intacto. Os testes index-nariz e calcanhar-joelho são
realizados em ambos os lados, e a ataxia é considerada ausente 2 = Presente em dois membros.
no paciente que não pode compreender o teste ou está
Se presente a ataxia:
tetraplégico. Somente no caso de amputação ou fusão de
articulação deve ser atribuída a pontuação 9; neste caso, o MSD 1 = sim, 2 = não
examinador deve esclarecer o motivo. Na ocorrência de cegueira,
9 = amputação ou fusão da
teste tocando o nariz, a partir de uma posição com os braços
articulação: EXPLIQUE!!!
estendidos.
MSE 1 = sim, 2 = não
9 = amputação ou fusão da
articulação: EXPLIQUE!!!
MID 1 = sim, 2 = não
9 = amputação ou fusão da
articulação: EXPLIQUE!!!
MIE 1 = sim, 2 = não
9 = amputação ou fusão da
articulação: EXPLIQUE!!!
8) Sensibilidade – sensação ou mímica facial e retirada ao 0 = Normal, sem déficit;
realizar estímulo doloroso em paciente com rebaixamento do nível
1 = Déficit sensitivo, leve a moderado.
de consciência ou afásico. Somente o déficit sensitivo secundário
O paciente sente discreta alteração da
ao AVC deve ser registrado como anormal. O examinador deve 81
sensibilidade subjetiva, porém
testar todas as áreas do corpo incluindo tronco e face. Devem ser
continua ciente de que está sendo
dados 2 pontos somente quando um déficit sensitivo grave for
tocado aos estímulos dolorosos.
claramente demonstrado. Pacientes com rebaixamento do nível
de consciência ou afásicos irão receber 1 ou 0. O paciente com 2 = Déficit sensitivo grave; o paciente
AVC de tronco encefálico que tem um déficit bilateral sensitivo não sente os estímulos dolorosos.
deve receber 2. Se o paciente não responder e está tetraplégico,
marque 2. Paciente em coma (questão 1a = 3) recebe
arbitrariamente 2.
9) Linguagem – O paciente deve ser solicitado a: descrever o 0 = Normal, sem afasia;
que está acontecendo na figura anexa; nomear os itens na lista de
1 = Afasia leve a moderada. Algum
figuras anexas, e ler a lista de palavras em anexo. A
déficit na fluência verbal ou na
compreensão é julgada a partir destas respostas, assim como
compreensão, sem, contudo, limitar as
todos os comandos no exame neurológico precedente. Se a perda
idéias expressas ou a forma de
visual interferir no teste, peça ao paciente que identifique os
expressão. Na descrição sobre o
objetos colocados em sua mão repita e identifique em voz alta. O
material fornecido, o examinador
paciente intubado deve ser solicitado a escrever uma sentença. O
consegue identificar o quadro ou o
paciente em coma (questão 1a = 3) irá receber arbitrariamente 3
nome a partir das respostas do
pontos neste item. O examinador deve escolher a melhor
paciente;
pontuação para um paciente com rebaixamento do nível de
consciência ou que apresentar limitação na compreensão, 2 = Afasia grave. Toda a comunicação
contudo apenas devem ser dados 3 pontos ao paciente com é através de expressões
mutismo ou que não consegue realizar nenhum comando. fragmentadas, grande necessidade de
interferência no questionamento e nas
respostas por parte do examinador,
que não consegue identificar o que foi
respondido pelo paciente;
3 = Mutismo, afasia global. Nenhuma
fala ou compreensão foi obtida.
10) Disartria – Uma avaliação adequada da fala é obtida 0 = Normal;
solicitando ao paciente que leia ou repita as palavras da lista
1 = Leve a moderada, discreta
anexa. Se o paciente tem afasia grave, a clareza da articulação
alteração em algumas palavras. Pode
da fala espontânea poderá ser graduada. Somente se o paciente 82
ser entendido com alguma dificuldade;
estiver intubado ou apresentar outras barreiras físicas, deverá
receber 9, neste caso, o examinador deve esclarecer o motivo! 2 = Grave, fala empastada, chegando
a ser inteligível, na ausência de afasia
ou afasia desproporcional, mutismo ou
anartria;
9 = Intubado ou outra barreira física.
EXPLIQUE!!!
11) Extinção e inatenção (negligência) – Suficiente informação 0 = Normal; sem anormalidades;
capaz de identificar negligência pode ser obtida durante os testes
1 = Negligência visual, tátil auditiva,
anteriores. Se o paciente tem grave déficit visual que impede a
espacial ou extinção à estimulação
estimulação visual simultânea e os estímulos sensitivos estão
bilateral simultânea em uma das
normais, deve ser considerado normal. Se o paciente é afásico,
modalidades;
mas parece perceber ambos os lados, é também considerado
normal. A presença de negligência visual ou anosognosia pode 2 = Grave negligência para mais de
ser considerada como evidência de negligência. A negligência é uma modalidade. Não reconhece o
considerada somente quando presente. próprio membro e somente se orienta
para um lado do espaço.
Item adicional não faz parte dos pontos da escala de AVC do Total de pontos:
NIH
A.MSD
Função motora distal
B. MSE
O examinador segura o MS do paciente e mantém sua mão
elevada. 0 = Normal
O paciente é solicitado a estender seus dedos tanto quanto 1 = Pelo menos alguma extensão
possível. Se não pode ou não consegue estender os dedos, o após 5 segundos, na mão totalmente
examinador posiciona os dedos em extensão e observa a estendida. Os movimentos devem ser
presença de movimento em flexão por 5 segundos. Somente as realizados após comando verbal.
primeiras tentativas dos pacientes devem ser consideradas.
2 = Nenhuma extensão voluntária
após 5 seg. 83
Fonte: Manfrim e Nascimento, 2005.
Com relação ao tratamento, existem algumas medidas gerais, que devem ser
aplicadas em qualquer tipo de AVE, como: controle da PA; controle da pressão intracraniana;
controle das crises convulsivas; controle da glicemia; controle da temperatura corporal.
Entretanto, para cada tipo de AVE existem também medidas específicas:
a) AVEI – uso de antiagregante plaquetário, terapia fibrinolítica venosa,
procedimentos endovasculares (terapia fibrinolítica intra-arterial, angioplastias);
b) AVEH – drenagem de hematomas intraparenquimatosos, correção de
malformações vasculares, seja por técnicas cirúrgicas ou por procedimentos endovasculares.
É importante lembrar que os AVEs causam de 15 a 30% de incapacidade total e dentre
as alterações causadas pela incapacidade motora e funcional, destacam-se as relacionadas
ao sistema gastrointestinal:
a) Disfagia total ou parcial – na disfagia parcial, há dificuldade de deglutição de
alimentos com consistência líquida e/ou sólida. Para a alimentação via oral, os alimentos
deverão ser oferecidos na consistência semilíquida (cremes, sopas, purês) ou líquida espessada,
com o auxílio de espessantes, de forma a facilitar a diversificação da dieta. Na disfagia total, a
alimentação deverá ser por cateteres nasogástricos ou nasojejunais, ou preferencialmente, por
gastrostomia ou jejunostomia e a escolha da via de acesso dependerá da motilidade gástrica e
da competência do esfíncter esofagiano inferior, podendo a dieta ser do tipo artesanal
(preparada com alimentos in natura, com adição de módulos de macronutrientes, fibras,
vitaminas e/ou minerais) ou industrializada. A administração da dieta pode ser feita em bolus,
gravitacional ou com gotejamento controlado por bomba infusora, entretanto, independente da
forma de administração, a cabeceira do paciente deverá ser mantida em 45º, principalmente na
administração gástrica. 84
b) Paresia de face – A dificuldade para mastigação pode ocorrer, podendo ser
mantida a alimentação via oral, desde que a consistência da dieta seja líquida, semilíquida ou
pastosa.
c) Gastroparesia – a dieta deverá ser administrada por via duodenal ou jejunal,
caso a utilização de pró-cinéticos não seja capaz de contornar o problema.
d) Diminuição da motilidade intestinal – a constipação intestinal pode estar
presente, sendo recomendada a utilização de módulos de fibras e aumento da ingestão hídrica
(em média 1ml/Kcal), quando não houver nenhuma co-morbidade (ex: ICC ou insuficiência renal)
que limite o volume de líquidos. Caso a hipomotilidade seja severa, o uso de medicamentos
laxativos será necessário.
9 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (IC)
É uma síndrome na qual existe incapacidade do coração em manter a adequada 85
perfusão tecidual, ou quando só é possível fazê-lo à custa de elevadas pressões de enchimento
ventricular. Mesmo na presença de dano ao miocárdio, os pacientes podem ser assintomáticos,
enquanto o débito cardíaco for mantido pelos mecanismos de compensação; entretanto, é
importante ter em mente que esta doença é progressiva, e que leva à morte, que pode ser
súbita, por falência progressiva da bomba cardíaca ou, por co-morbidades, como o infarto agudo
do miocárdio (IAM) e/ou acidente vascular cerebral (AVC).
A insuficiência miocárdica (IM) ocorre quando há um dano na estrutura da fibra
muscular do coração, que ocasiona insuficiência cardíaca e circulatória, apesar da IC nem
sempre estar associada à IC, como nos casos de ruptura aguda da válvula aórtica por
endocardite infecciosa, sem que haja, ainda, disfunção ventricular.
A IC é a via final de quase todas as patologias cardiovasculares, visto que a falência do
coração depende de inúmeros fatores que atuam sobre suas fibras musculares, como necrose,
apoptose, hipertrofia, alterações do complexo excitação-contração, da captação energética, da
capacidade de responder aos estímulos neuro-humorais, além da matriz extracelular, alterando a
concentração e disposição de colágeno, culminando em modificações geométricas do coração,
que perde sua forma elipsóide, e adquire forma esférica (remodelamento ventricular), com perda
de eficiência mecânica da bomba.
Quando ocorre dano ao miocárdio, há uma diminuição no débito cardíaco, que
desencadeará outros mecanismos de recuperação da perfusão tecidual comprometida. Ocorre
disfunção dos reflexos cardiovasculares, que resulta em ativação adrenérgica exacerbada, com
conseqüente vasoconstrição e aumento na resistência periférica, ativando mecanismos neuro-
humorais, na tentativa de restabelecer o débito cardíaco comprometido.
A ativação do sistema nervoso simpático (SNS) promove aumento da contratilidade
miocárdica, da freqüência cardíaca e da resistência periférica, melhorando o débito cardíaco e
distribuindo melhor o fluxo sangüíneo. Este mecanismo, inicialmente é benéfico, entretanto, à
medida que aumenta o gasto energético das fibras cardíacas e há aumento na pós-carga, ocorre
sobrecarga do ventrículo esquerdo, previamente comprometido, culminando em hipertrofia das
fibras miocárdicas e isquemia, favorecendo o surgimento de arritmias e piorando as condições
do órgão doente. Com o passar do tempo, há diminuição da sensibilidade dos receptores beta1-
adrenérgicos do miocárdio, produzindo menor resposta contrátil. Além de induzir aumento das
86
citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa e interleucinas 1 e 6, que
contribuem para um maior decréscimo da função cardíaca, aumento das câmaras e piora da IC.
A diminuição do débito cardíaco promove maior liberação de renina, que atua sobre
o angiotensinogênio, estimulando a produção de angiotensina I, que sofre ação da enzima
conversora de angiotensina (ECA), transformando-se em angiotensina II, potente
vasoconstritor, que redistribui o fluxo sangüíneo e aumenta muito a resistência periférica,
dificultando o trabalho do ventrículo esquerdo. A angiotensina II também estimula a
produção de aldosterona pela adrenalina, levando a uma maior retenção de sódio e água,
aumento da volemia e do retorno venoso (pré-carga), o que leva ao aumento do volume
ventricular, aumento do volume sistólico pelo maior estiramento das fibras miocárdicas.
Ao atingir o limite da dilatação ventricular, a partir do momento em que tal estiramento
deixa de contribuir com o aumento da contração, o crescimento ventricular progressivo,
transformará a câmara cardíaca numa esfera, aumentando seu gasto energético, pelo aumento
da força tangencial de contração (Lei de Laplace). A angiotensina II também promove aumento
das fibras miocárdicas, apoptose e fibrose intersticial, enquanto que a aldosterona leva à
proliferação dos fibroblastos e deposição de colágeno, além de reduzir a reutilização neuronal de
adrenalina, o que agrava ainda mais a IC já instalada.
O endotélio também produz endotelina, um peptídio formado por 21 aminoácidos, com
potente ação vasoconstritora. Sua produção é estimulada pela angiotensina II, noreprinefrina e
interleucina-I, e pelo sistema arginina-vasopressina. A endotelina apresenta um potencial
mitogênico, que estimula o crescimento vascular, colaborando com o remodelamento cardíaco,
além de aumentar a proliferação dos fibroblastos. Tem sua concentração aumentada na IC,
constituindo-se um preditor de mau prognóstico.
As concentrações aumentadas de noradrenalina e angiotensina II estimulam a hipófise
a produzir e liberar arginina-vasopressina, neuro-hormônio de ação vasoconstritora, retentor de
sódio e hiponatremia dilucional. Na IC, seus valores estão elevados, principalmente nos
pacientes sintomáticos e casos secundários a infarto agudo do miocárdio, com grande destruição
muscular.
O nível das citocinas inflamatórias (fator de necrose tumoral alfa e interleucina-I
beta) também se encontra elevado, podendo apresentar importante papel na gênese da falência
miocárdica, pois no coração, ocorre inflamação, apoptose e caquexia. 87
A IC pode estar instalada, porém sem apresentar sintomas, desde que os mecanismos
compensatórios sejam capazes de manter o débito cardíaco adequado.
A IC pode ser clinicamente dividida em:
a) Anterógrada – há predomínio das manifestações de pós-carga aumentada, com
sinais e sintomas decorrentes da exacerbação adrenérgica, como cansaço,
hipotensão arterial sistêmica, diminuição do débito urinário, palidez cutâneo-
mucosa, pele fria e úmida;
b) Retrógrada ou congestiva – há predomínio do aumento pré-carga, aumento na
pressão venosa, da pequena circulação (congestão pulmonar) e/ou da grande
circulação (congestão sistêmica), e pode ocorrer com função sistólica normal,
caracterizando—se a forma diastólica de disfunção miocárdica (cerca de 30 a 40%
dos casos). Na presença de disfunção sistólica, surge o tipo mais comum, que é a
insuficiência cardíaca com cardiomegalia e fração de ejeção rebaixada.A
insuficiência cardíaca congestiva esquerda (ICCe) está presente, quando há
predomínio das manifestações decorrentes do aumento da pressão venosa da
pequena circulação (congestão pulmonar), pois a alteração hemodinâmica
depende de disfunção de uma ou de ambas as câmaras esquerdas, enquanto que,
havendo predomínio de alterações da pressão venosa da grande circulação
(congestão sistêmica pode-se falar em insuficiência cardíaca congestiva direita
(ICCd). Na ICCe os principais sintomas incluem: dispnéia aos esforços, que se
tornam progressivamente mais incapacitantes, ortopnéia, dispnéia paroxística
noturna e nas fases avançadas, dispnéia mesmo em repouso, além de alterações
estetoacústicas pulmonares, com estertoração inicialmente crepitante e a seguir,
subcrepitante, estendendo-se das bases, até atingir os ápices. Pode ser causada
por qualquer doença que comprometa o coração esquerdo, principalmente a
hipertensão arterial sistêmica (HAS), a insuficiência coronariana crônica e as
cardiomiopatias dilatadas. A ICCd é causada principalmente pela própria ICCe,
entretanto, doenças primárias dos pulmões, que causem aumento da pressão nas
artérias pulmonares, vão sobrecarregar o coração direito, podendo levá-lo à
disfunção. Seus principais sintomas são: edema de membros inferiores (MMII), 88
sensação de dor ou peso no hipocôndrio direito e aumento do volume abdominal.
Observa-se também estase jugular a 45º, hepatomegalia dolorosa e, nos casos
mais avançados, ascite.
Sintomas Sinais
IC anterógrada Cansaço PA convergente;
Baixo volume urinário Palidez;
Sudorese fria Sudorese fria;
Baixo volume urinário.
IC retrógrada:
IC esquerda Dispnéia; Ortopnéia;
Ortopnéia; Estertoração pulmonar
Dispnéia paroxística noturna
IC direita Edema MMII; Estase jugular a 45º;
Aumento do volume abdominal Hepatomegalia dolorosa;
Edema MMII;
Ascite.
Fonte: Adaptado de Fragata Filho, 2006.
O diagnóstico baseia-se em dados da história do paciente e exame físico, associados
a exames complementares, que auxiliam na descoberta de sua etiologia também. Os principais
métodos utilizados no diagnóstico da ICC são os seguintes:
a) Radiografia de tórax – a presença de aumento da área cardíaca, com ou sem
89
congestão pulmonar (predomínio de vasculatura venosa nos ápices pulmonares), sugere
disfunção sistólica. A análise das diversas câmaras cardíacas também fornece elementos para o
diagnóstico etiológico, por exemplo, um grande aumento do átrio esquerdo, tronco da artéria
pulmonar e ventrículo direito sugerem estenose mitral. Quando se observa congestão pulmonar
sem cardiomegalia ou aumento discreto do coração, desproporcional ao quadro da circulação
venosa pulmonar pode-se pensar em insuficiência cardíaca diastólica.
b) Eletrocardiograma – oferece elementos para um possível diagnóstico
etiológico. É importante lembrar que, um eletrocardiograma normal exige que o diagnóstico de
ICC seja revisto, pois seu valor preditivo negativo ultrapassa 90%.
c) Eletrocardiografia dinâmica (Holter) – não fornece diagnóstico de ICC, mas
oferece indícios de uma possibilidade etiológica relacionada com arritmias.
d) Ecocardiografia – importante para auxiliar no diagnóstico etiológico da IC, tanto
em pacientes assintomáticos, quanto sintomáticos, além de fornecer informações a respeito de
sua evolução, pois permite visualizar o tamanho das câmaras cardíacas, movimentação global
e/ou regional das paredes ventriculares, além da função das valvas cardíacas. Entretanto, este
exame sofre influência da pré e da pós-carga, devendo a avaliação dos resultados de função, ser
feita a partir dos demais dados clínicos.
e) Exames laboratoriais – não diagnosticam a IC, mas são indispensáveis para
afastar possíveis etiologias e/ou agravantes, como anemia, insuficiência renal, etc, além de
serem importantes na avaliação prognóstica e acompanhamento terapêutico.
f) Avaliação funcional – a diminuição da capacidade funcional na IC, está
associada a um pior prognóstico, e os métodos mais utilizados são o teste de caminhada de 6
minutos e a ergoespirometria (exame ergométrico associado à espirometria, onde o consumo
máximo de oxigênio é mensurado).
g) Cardiologia nuclear – a angiografia por substâncias radioisotópicas fornece
dados importantes sobre a função ventricular, consistindo uma das formas mais exatas de
expressar a fração de ejeção do ventrículo esquerdo. A cintilografia miocárdica pode ser usada
para diagnosticar isquemia, além da avaliação da viabilidade miocárdica em áreas fibrosadas, e
inflamação miocárdica.
O tratamento deve ser individualizado, pois as ICs não são iguais, e as bases da
terapia devem estar fundamentadas em sua fisiopatologia. Deve-se levar em consideração,
90
primeiramente, o fator etiológico da IC, o qual deverá, sempre que possível, ser corrigido, como
a vascularização de áreas isquêmicas, a plastia ou troca valvar. Além da abordagem de
prováveis causas desencadeantes, como infecções, estresse físico e/ou emocional, uso abusivo
de sal, bebidas alcóolicas ou ingestão excessiva de líquidos.
A orientação nutricional deve incluir alimentos de fácil digestão (e consistência
adequada), alimentos laxativos, pobre em sódio (até 4g de NaCl em casos de comprometimento
moderado e 2g NaCl, nos casos mais graves), fracionada (o ideal é que sejam realizadas cerca
de 6 refeições diárias), em pequenas porções, além de adequação às necessidades energéticas
do paciente, promovendo, quando necessário, perda de peso.
O tratamento farmacológico deve ser individualizado, e pode utilizar os seguintes
medicamentos:
a) Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) – produzem
vasodilatação por diminuir a transformação da angiotensina I em angiotensina II, permitindo o
predomínio da ação da bradicinina e diminuindo a liberação de aldosterona, com conseqüente
retenção de sódio e água. Por ação indireta os IECA diminuem a resistência periférica (pós-
carga) e o retorno venoso (pré-carga), além de diminuírem o remodelamento ventricular. Este
grupo de medicamentos é recomendado a todos os pacientes com IC, que apresentem
diminuição da função sistólica, mesmo e principalmente os assintomáticos. Seus efeitos
colaterais incluem diminuição da pressão arterial, e tosse seca e irritativa, associada ao acúmulo
de bradicinina, o que torna necessário, substituir o medicamento por antagonistas específicos da
angiotensina.
b) Inibidores de receptores de angiotensina II (BRA) – Não apresentam
benefícios maiores que os IECA, entretanto, seu uso, combinado com IECAs mostrou-se
benéfico aos pacientes nos quais não se pode utilizar os beta-bloqueadores.
c) Digitálicos – têm como principais ações a modulação da ativação neuro-
humoral, a redução da atividade simpática e a estimulação vagal, diminuindo a freqüência
cardíaca, além de promover aumento na sensibilidade dos reflexos barorreceptores e
cardiopulmonares. Em função destes mecanismos, não ocorre aumento no consumo de 91
oxigênio, motivo pelo qual a digoxina não aumenta a mortalidade quando utilizada
continuamente.
d) Diuréticos – medicamentos ditos de excelência, no tratamento dos sintomas
congestivos da IC. Os diuréticos de túbulo (tiazídicos) são indicados nos casos de leve retenção
hídrica, pois atuam inibindo a reabsorção de sódio na porção ascendente da alça de Henle e
principalmente no túbulo contornado distal, aumentando a excreção urinária de sódio em 5 a
10% (baixa capacidade diurética). Em geral, são ineficazes quando o clearance de creatinina é
menor que 30ml/min, e tem por efeitos colaterais a hipopotassemia, hipomagnesemia,
hipercalcemia, hiperglicemia, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. Quando há exacerbação
dos sintomas congestivos, com grande retenção de volume, é necessário utilizar diuréticos que
agem predominantemente na alça de Henle (furosemida e bumetamida), que atuam inibindo a
reabsorção de sódio, potássio e cloro na porção ascendente da alça. Seus principais efeitos
colaterais incluem: desidratação, com insuficiência pré-renal, hipotensão e hipopotassemia,
sendo raras as reações de hipersensibilidade. O suo prolongado de diuréticos de alça pode
reduzir sua ação, sendo muitas vezes necessário associá-lo a um diurético tiazídico, de forma a
reduzir a reabsorção de sódio em dois sítios diferentes.
e) Antagonistas da aldosterona – a espironolactona é o único fármaco
antagonista da aldosterona. Como é um medicamento retentor de potássio, sua utilização requer
monitoramento constante deste íon, principalmente em pacientes com insuficiência renal crônica.
f) Vasodilatadores diretos – Apresentam efeitos inferiores ao Enalapril,
entretanto, o uso de nitratos e hidralazina, se justificam quando não é possível utilizar IECAs ou
BRAs, como no caso dos renais crônicos.
g) Beta-bloqueadores – o bloqueio da atividade simpática exacerbada é o objetivo
deste grupo de medicamentos, capazes de promover mudanças importantes no prognóstico da
IC. Os três beta-bloqueadores aprovados em estudos controlados são: carvedilol, metoprolol e
bisoprolol. Nos pacientes tratados cronicamente com estes fármacos, o surgimento de
descompensação não deve ser motivo de interrupção abrupta do tratamento, de forma a evitar a
liberação de catecolaminas e conseqüente taquicardia, arritmias, e angina, que agravariam ainda
mais o quadro. Neste caso, recomenda-se diminuir a dose do medicamento.
h) Agentes inotrópicos positivos não digitálicos – apresentam pouca ação na
melhora dos sintomas e aumentam a mortalidade quando utilizados por tempo prolongado. Seu
uso só se justifica em situações de descompensação aguda, por via venosa e pelo menor
intervalo de tempo possível. A dobutamina estimula os beta-receptores cardíacos, aumentando 92
os níveis de adenosina monofosfato cíclico (AMPc), aumentando o cálcio intracelular e a força de
contração, enquanto os inibidores da fosfodiesterase (milrinona), têm ação pós-receptores,
inibindo a enzima responsável pela degradação do AMPc do inotropismo.
i) Anticoagulantes – diminuem o risco de AVC em pacientes com IC e fibrilação
atrial. Recomenda-se o uso de heparina subcutânea em pacientes com IC acamados, portadores
de importante insuficiência ventricular direita e grande retenção de líquidos. O uso de
anticoagulantes orais é recomendado para pacientes com fibrilação atrial, presença de trombo
em cavidade ventricular visível ao ecocardiograma ou ventriculografia e antecedentes de
tromboembolismo.
j) Antiarrítmicos – cerca de 90% dos pacientes com IC cursam com arritmia,
variando de extra-sistolia polimorfa a taquicardia ventricular e fibrilação atrial. A amiodarona é
eficiente nas arritmias supraventriculares e ventriculares, além da fibrilação atrial, sendo o
medicamento desta classe com menor efeito inotrópico negativo; entretanto, apresenta efeitos
colaterais como hipo ou hipertireoidismo, pneumonite intersticial e depósito em córnea, mas que
podem ser minimizados quando utilizados em doses baixas, de 100 a 200mg/dia.
10 HIPERTENSÃO ARTERIAL (HAS)
O tratamento da HAS, como envolve vários aspectos, deve ser multidisciplinar, 93
incluindo atendimento com Médico, Enfermeiro ou Técnico de Enfermagem, Nutricionista,
professor de Educação Física e Psicólogo, como se segue:
a) Médico – responsável pela avaliação clínica e controle terapêutico;
b) Enfermeiro (ou Técnico de Enfermagem) – responsável pela aferição e
acompanhamento dos níveis de pressão arterial, além de ser responsável pela busca dos
pacientes faltosos;
c) Nutricionista – responsável pelo acompanhamento nutricional e reeducação
dos hábitos alimentares individuais e em grupo;
d) Professor de Educação Física – responsável pela prescrição e supervisão da
atividade física;
e) Psicólogo – responsável pelo acompanhamento dos aspectos emocionais e
envolvimento dos familiares;
Para que o tratamento da HAS alcance resultados satisfatórios, é necessário estimular
os pacientes a adotar mudanças em seu estilo de vida, buscando modificar hábitos direta ou
indiretamente relacionados ao aumento dos níveis pressóricos, como descrito abaixo:
a) Perda de peso – o peso corporal é um determinante da PA na maioria dos
grupos étnicos, em todas as idades, e a prevalência de HAS em indivíduos com IMC (índice de
massa corporal) > 30 é de 38% para homens e 32% para mulheres, quando comparada, 18%
para homens e 17% para mulheres com IMC na faixa de 25. Acredita-se que a resistência
insulínica e a ativação do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina, bem
como alterações físicas nos rins, provocados pelo aumento do peso, sejam os fatores
responsáveis pelo aumento da PA. Assim, a perda de peso deve ser incentivada quando o
paciente apresentar-se com sobrepeso IMC >25) ou obesidade (IMC > 30), pois quanto maior o
peso corporal, maior o risco cardiovascular. A redução do peso deve ser obtida através de uma
dieta adequada, orientada por Nutricionista e pela prática de atividade física, orientada e
supervisionada por um Professor de Educação Física;
b) Atividade física – o exercício regular favorece a perda de peso, a diminuição da
pressão arterial (PA), dos níveis séricos de colesterol e do estresse. Devem-se priorizar 94
atividades aeróbicas, como caminhada, corrida ou natação, 3 a 5 vezes por semana, por no
mínimo, 40 minutos, tempo este, que deverá ser aumentado progressivamente. Atividade física
em grupo deve ser estimulada, pois é um fator que auxilia o programa de reabilitação dos
pacientes.
c) Reeducação alimentar – os pacientes deverão seguir uma dieta balanceada e
individualizada que deverá ser prescrita e supervisionada pelo Nutricionista, de acordo com suas
necessidades nutricionais e peso teórico (ou peso ideal), além de levar em consideração a
existência (ou não) de co-morbidades;
d) Diminuição da ingestão de álcool – estima-se que apenas 3 doses de
álcool/dia (90ml) sejam suficientes para elevar a PA em 3 mmHg e para evitar este efeito, a
ingestão não deve ser superior; o consumo de álcool está associado ao aumento dos níveis da
PA, não devendo ultrapassar 30 ml de etanol/dia, ou o equivalente a 60 ml de bebida destilada
(ex: uísque, vodka ou aguardente) ou 240 ml de vinho ou 720 ml de cerveja, para pacientes do
sexo masculino, enquanto que para mulheres, o consumo deve ser o equivalente à metade
destes valores;
e) Cessação do tabagismo – a nicotina libera grande quantidade de adrenalina no
organismo e está associada ao aumento do risco de doença coronariana, à dislipidemia e morte
súbita, além de induzir a resistência ao tratamento anti-hipertensivo. Assim, deve-se encorajar,
exaustivamente, o abandono do tabagismo;
f) Medidas antiestresse – o estresse está diretamente associado ao aumento dos
níveis tensionais e ao aumento do risco de DCV. A prática de atividades físicas, atividades de
relaxamento e atividades sociais devem ser estimuladas como formas de prevenir ou atenuar o
estresse;
g) Evitar o uso de drogas hipertensoras – medicamentos como
anticoncepcionais orais, antiinflamatórios, corticóides, antidepressivos tricíclicos, moderadores
de apetite, cafeína e codeína aumentam a PA e sempre que possível, deve-se optar por outros
medicamentos de menor efeito na mesma.
É importante lembrar que as mudanças no estilo de vida devem ser definitivas!
95
10.1 Dietoterapia na HAS
Já está bem documentada a eficácia da modificação de quatro fatores dietéticos na
prevenção primária e controle da hipertensão arterial, como sobrepeso, elevada ingestão de sal,
consumo de álcool e inatividade física.
Diversos estudos, como o estudo DASH (Dietary Aproaches to Stop Hypertension)
demonstraram a eficácia das alterações dietéticas na prevenção da HAS ou na diminuição da
pressão arterial. Este estudo mostrou que uma dieta rica em frutas, vegetais e laticínios
desnatados, baixo teor de gordura saturada e gordura total, é capaz de diminuir a pressão
arterial numa média de 6 a 11mmHg; entretanto, o estudo evidenciou que a adoção desta dieta
foi mais eficaz que simplesmente adicionar frutas e hortaliças à alimentação habitual.
A dieta DASH tanto pode ser utilizada para a prevenção, quanto para o tratamento da
HAS, entretanto, a adoção bem sucedida desta dieta requer muitas alterações comportamentais,
pois preconiza o dobro de porções habituais de frutas, vegetais e laticínios magros. Um terço da
ingestão habitual de carne bovina, carne de porco e presunto, metade da ingestão habitual de
gorduras, óleo e molhos para salada e um quarto da quantidade habitual de lanches e doces. É
importante lembrar que indivíduos com intolerância à lactose, precisam incluir suplementação
com a enzima lactase ou utilizar leites com baixo teor de lactose, iogurtes desnatados e leites
fermentados, cujo teor de lactose é menor.
Entretanto, antes de instituir mudanças no padrão alimentar dos pacientes, é
necessário avaliar seu grau de motivação e comprometimento com o tratamento proposto, de
forma a traçar metas em conjunto, como forma de aumentar a adesão à terapia.
A tabela abaixo indica as quantidades recomendadas de cada grupo alimentar, numa
dieta de 2000 Kcal diárias:
Grupo Porçõe Tamanho das porções Exemplos Principais
s nutrientes
diárias
Cereais 7a8 1 fatia de pão ou 1 Pão integral, aveia, Energia e fibras
xícara de cereal matinal biscoitos, pipoca.
ou ½ xícara de arroz
cozido ou massa ou 96
outro cereal cozido
Vegetais 4a5 1 xícara de vegetais Vegetais folhosos (couve, Potássio,
folhosos crus ou ½ espinafre, agrião), magnésio e
xícara de vegetal cozido legumes (cenoura, fibras
ou 200ml de suco de abóbora, chuchu)
vegetal
Frutas 4a5 200ml de suco de fruta Suco de laranja, Potássio,
ou 1 fruta inteira média melancia, uva, maçã, magnésio,
ou ¼ xíc fruta seca ou banana, ameixa seca, fibras, vit. C.
½ xíc fruta fresca. damasco seco.
Laticínios 2a3 240 ml de leite Leite desnatado, ricota, Proteínas,
desnatado ou 1 xícara queijo minas, cream cálcio e
de iogurte desnatado cheese, queijo cottage, magnésio
(ou 0% de gordura) ou frozen iogurt
45g de queijo branco
Carnes, 2 ou 90g de carnes, aves ou Carnes magras, frango Proteínas,
aves e menos peixes cozidos sem pele. magnésio e
peixes ferro
Nozes, 4 a 5/ ½ xícara ou 2 colheres Amêndoas, avelãs, Energia,
sementes e semana (sopa) ou ½ xíc de nozes, castanhas, proteínas,
feijões feijão cozido amendoim (sem sal), magnésio,
feijão, ervilha seca, potássio e
lentilha, grão de bico. fibras
Óleos e 2a3 1 colher (chá) Margarina vegetal, Energia,
gorduras margarina vegetal ou 1 maionese light, óleo vitamina E.
colher (sopa) de vegetal (azeite de oliva,
maionese light ou 1 óleo de milho, girassol,
colher (chá) óleo canola, soja)
vegetal
Doces 5/sema 1 colher (sopa) açúcar Xarope de milho, mel, Energia.
na ou 1 colher (sopa) geléia, gelatina, doces,
geléia de fruta glacês, sorvetes de
frutas. 97
Fonte: Adaptado de Krummel, D., 2005.
A tabela abaixo ilustra a quantidade de porções de cada grupo alimentar, na Dieta
DASH, para diferentes níveis de energia:
Kcal Cereais Vegetais Frutas Laticínios Carnes Leguminosas Óleos e
gorduras
1600 6 4 4 2 1 0,5 1
2000 8 5 5 3 2 1 2
2600 10 5 5 3 2 1 2
3100 13 6 6 4 2 1 3
Fonte: Adaptado de Krummel, D., 2005.
Outros fatores dietéticos também influenciam a PA, como:
a) Consumo Excessivo de Cloreto de Sódio - diversos estudos já demonstraram
a relação entre consumo de sal e HAS, entretanto, esta relação apresenta-se mais evidente em
pessoas mais velhas. A Dieta DASH, com reduzido teor de sal já demonstrou ser capaz de
reduzir os níveis tensionais, em cerca de 17%, além de uma diminuição de 6% na incidência de
DAC e 15% de AVEs. Entretanto, nem todos os pacientes hipertensos apresentam aumento da
PA após ingestão de sal (hipertensão resistente ao sal). As principais características da HAS
98
resistente ao sal incluem: raça negra, obesidade, idade avançada, diabetes, disfunção renal e
uso de ciclosporina. Os indivíduos sensíveis ao sal podem apresentar diminuição de 10mmHg na
pressão arterial, quando submetidos a uma dieta hipossódica. Contudo, nem sempre é possível
determinar a sensibilidade individual ao sal, sendo recomendável uma diminuição na ingestão
diária, ficando a mesma, limitada a 2400mg sódio (ou 6g de sal). Estes níveis de sódio são
facilmente atingidos com a diminuição do sal adicionado aos alimentos durante o cozimento,
além de evitar a ingestão de alimentos muito salgados, alimentos processados ou comer em
restaurantes nos quais a quantidade de sal não é controlada. Também se recomenda evitar
deixar o saleiro na mesa.
b) Suplementação de Potássio – a ingestão de níveis elevados de potássio está
inversamente relacionada à PA, ou seja, a ingestão de maiores quantidades de potássio está
relacionada à menor PA. A ingestão de potássio sobre a PA envolve a resistência vascular
periférica diminuída pela dilatação arteriolar direita, perda aumentada de água e sódio pelo
corpo, supressão de renina e angiotensina e estimulação da atividade da bomba de sódio-
potássio. A suplementação de potássio promove redução modesta da pressão arterial. Sua
ingestão na dieta pode ser aumentada pela escolha de alimentos pobres em sódio e ricos em
potássio, como feijões, ervilha, vegetais de cor verde-escuro, banana, melão, cenoura,
beterraba, frutas secas, tomate, batata inglesa, laranja e água de coco, conforme preconizado na
Dieta DASH. Recomenda-se uma ingestão de potássio de cerca de 4,7 g/dia. Para a população
saudável com função renal normal, a ingestão de potássio pode ser superior a 4,7 g/dia sem
oferecer riscos, porque o excesso será excretado pelos rins. Entretanto, para indivíduos com
função renal diminuída (taxa de filtração glomerular < 60 ml/min), a ingestão de potássio deve
ser inferior a 4,7 g/dia pelos riscos de hiperpotassemia. Recomenda-se cautela com
medicamentos à base de potássio, como expectorantes, em indivíduos suscetíveis à
hiperpotassemia, principalmente pacientes com insuficiência renal ou em uso de inibidor da ECA,
antagonista do receptor AT1 ou diuréticos poupadores de potássio.
c) Suplementação com cálcio e magnésio – uma dieta rica em frutas, verduras e
laticínios de baixo teor de gordura apresenta quantidades apreciáveis de cálcio, magnésio e
potássio, proporcionando efeito favorável em relação à redução da pressão arterial e de acidente
vascular cerebral. Não existem dados suficientes para recomendar suplementação de cálcio ou
magnésio como medida para baixar a pressão arterial, se não houver hipocalcemia ou
hipomagnesemia. Além disso, suplementação de cálcio excedendo 1 g/dia pode aumentar o
risco de litíase renal. 99
d) Lipídeos – os PUFA (ácidos graxos poli-insaturados) são precursores de
prostaglandinas, cujas ações afetam a excreção renal de sódio e relaxam a musculatura
vascular, estando seu maior consumo, como nas dietas vegetarianas estritas, relacionado a uma
diminuição da PA. Atualmente, alguns estudos têm demonstrado que a suplementação com óleo
de peixe (ômega-3), na dose de 3,7g/dia pode promover uma leve diminuição na pressão
sistólica e na diastólica, principalmente em hipertensos mais velhos. É importante lembrar que os
lipídeos afetam principalmente o risco de DCV, sendo recomendado diminuir a ingestão de
gorduras saturadas e hidrogenadas (gorduras “trans”) e aumentar a ingestão de PUFA (óleo
vegetais) e MUFA (ácidos graxos mono-insaturados. Como o azeite de oliva), de modo a
prevenir as complicações provocadas pela HAS e aterosclerose.
11 ATEROSCLEROSE
A abordagem dietética para a prevenção primária de DAC consiste de 4 diretrizes 100
maiores, que envolvem alterações na composição da dieta e atividade física. Estas diretrizes
para a prevenção primária são recomendadas para a população em geral, com mais de 2 anos
de idade, e devem fazer parte da adoção de um estilo de vida mais saudável, conforme ilustrado
abaixo:
Diretrizes Dietéticas da American Heart Association – metas populacionais:
Padrão alimentar Incluir uma variedade de frutas, vegetais, grãos, laticínios com baixo
Saudável Global teor de gordura, , peixes, leguminosas, aves, carnes magras.
Peso corporal adequado Combinar a ingestão de energia com as necessidades de energia,
com alterações apropriadas, para atingir a perda de peso quando
indicado.
Perfil de colesterol Limitar os alimentos ricos em gordura saturada e colesterol; substituir
desejável a gordura não saturada por vegetais, peixes, leguminosas e nozes.
Pressão arterial desejável Limitar o sal e o álcool; manter o peso corporal saudável e uma dieta
com ênfase em vegetais, frutas e laticínios com baixo teor de gordura
ou sem gordura.
Fonte: Adaptado de Krummel, 2005.
Os fatores de risco referentes ao estilo de vida (obesidade, sedentarismo, dieta
aterogênica), constituem as áreas de intervenção e os fatores de risco emergentes (lipoproteína,
homocisteína, fatores pró-trombóticos e pró-inflamatórios e glicemia de jejum aumentada) guiam
as decisões com relação à intensidade de terapia de redução de risco.
A terapia nutricional, que inclui atividade física, é a intervenção primária para
pacientes com colesterol LDL elevado. Os níveis de colesterol LDL nos quais a terapia deve ser
iniciada é demonstrado abaixo:
101
Classificação dos níveis de Colesterol total, LDL e HDL (mg/dL):
LDL (alvo primário da terapia)
<100
Ótimo
100 – 129
Próximo de ótimo
130 – 159
Limite superior
160 – 189
Alto
> ou = 190
Muito alto
Colesterol total
< 200 Desejável
200 – 239 Limite superior
> ou = 240 Alto
HDL
< 40 Baixo
> ou = 60 Alto
Fonte: Adaptado de Krummel, 2005.
Com a associação da dieta, com exercício e perda de peso, geralmente os pacientes
podem atingir as metas de lipídeos séricos, e conseqüentemente, estas intervenções são
tentadas antes da terapia medicamentosa.
A AHA (American Heart Association) preconiza dois níveis para a terapia nutricional:
Dieta Passo I (mais liberal em termos de gordura saturada – até 10% da ingestão calórica total e
até 300mg de colesterol/dia) e Dieta Passo II ou AEVT (Dieta de Alteração do Estilo de Vida)
(<8% da energia sob a forma de gordura saturada e menos de 200mg de colesterol/dia). 102
Planos alimentares:
Grupo alimentar Dieta Passo I Dieta Passo II ou AEVT
1200 Kcal 2500 Kcal 1200 Kcal 1600 Kcal 2000Kcal 2500
Kcal
Gorduras e óleos 3 8 3 5 7 8
Peixes, carne e aves 180g 180g 180g 180g 180g 180g
Gema de ovo 3/semana 3/semana 1/semana 1/semana 1/semana 1/seman
a
Laticínios desnatados 2 4 2 2 2 3
Pão, feijão, grãos e amido 3 10 4 5 8 10
Frutas 3 5 3 3 4 7
Vegetais 4 4 4 4 4 5
Açúcares, doces e álcool 0 2 0 2 2 2
Fonte: Adaptado de Krummel, 2005.
Para indivíduos com diagnóstico de síndrome metabólica, recomenda-se uma
ingestão total de lipídios na ordem de 30 a 35% das Kcal diárias, mantendo-se uma baixa
ingestão de gordura saturada e ácidos graxos trans, e devendo-se enfatizar o consumo de
MUFA e PUFA, como estratégia para diminuição dos triglicerídios e do LDL colesterol e aumento
do HDL colesterol, sem que ocorra aumento da glicemia.
O período de tempo recomendado para se observar os efeitos da terapia nutricional 103
é de 3 a 6 meses. Deve-se num primeiro momento, reduzir a ingestão de gordura saturada e
colesterol, como primeiro nível de mudança de comportamento. Esta dieta deve ser mantida por
6 semanas; na consulta subsequente, é avaliada a resposta do LSL e à terapia intensificada
conforme necessário. Neste momento, podem-se acrescentar fatores adjuvantes como
esteróis/estanóis vegetais, fibra e soja, e a adesão à dieta deve ser monitorada. Na terceira
consulta, o tratamento da síndrome metabólica começa se o LDL-alvo for atingido, devendo-se
estimular a atividade física e diminuir a ingestão energética, para facilitar a perda de peso. A
terapia nutricional (prescrita por Nutricionista), com 3 a 4 visitas de cerca de 50 minutos de
duração, tem sido associada a uma diminuição significante nos níveis séricos de colesterol.
Pacientes com DAC estabelecida apresentam 5 a 7 vezes mais chance de ter um
IAM subseqüente e a prevenção secundária, deve englobar os seguintes pontos:
a) Estimular os pacientes a para de fumar definitivamente;
b) Reduzir a PA para menos de 140/90mmHg ou 130/85 mmHg, se DAC,
insuficiência renal ou diabetes estiverem presentes;
c) Reduzir o colesterol LDL para menos de 100mg/dL e os níveis de não HDL para
menos de 130mg/dL;
d) Atividade física moderada por 30 minutos/dia por 3 a 4 vezes/semana;
e) Controle de peso para atingir o IMC abaixo de 25;
f) Hemoglobina A1C abaixo de 7%;
g) Uso indefinido de 2 drogas anti-hipertensivas (inibidor da ECA e beta-
bloqueadores) após IAM, a menos que contra-indicado.
A Terapia Nutricional é crítica para a prevenção secundária, pois os níveis de gordura
saturada estão relacionados com a progressão da doença em homens. Normalmente, para
atingir níveis mais baixos de LDL colesterol, a dieta deve ser mais agressiva.
A “Dieta de Alteração do Estilo de Vida” (AEVT) ou Dieta Passo II enfatiza os grãos,
cereais, leguminosas, vegetais, frutas, carnes magras, aves, peixes e laticínios sem gordura.
Algumas estratégias pra diminuir o consumo de gordura saturada e gordura trans são: 104
a) Evitar as gorduras hidrogenadas (ex: recheio de biscoitos);
b) Evitar o reduzir o consumo de carne;
c) Usar alimentos com baixo teor de gordura;
d) Usar margarinas com ésteres de colesterol;
e) Modificar os alimentos comuns para serem mais pobres em gordura (ex: retirar a
pele do frango);
f) Substituir os alimentos com alto teor de gordura por alimentos de baixo teor de
gordura (ex: substituir o leite integral, por desnatado).
As gorduras animais fornecem cerca de 2/3 de toda a gordura saturada da
alimentação; recomenda-se limitar a ingestão de carne a 150 a 180g, dando preferência às
carnes magras (alcatra, chã) e os ovos a 2 ou menos por semana. Recomenda-se também, o
aumento na ingestão de fibras solúveis, através da ingestão de leguminosas, aveia ou farelo de
aveia, linhaça, frutas frescas e hortaliças.
No caso de pacientes altamente motivados, que querem retardar o uso de terapia
medicamentosa, dietas com teor muito baixo de gordura podem ser eficazes para atingir as
metas de lipídeos sangüíneos. Além de poderem ser utilizadas como um adjuvante para a
terapia medicamentosa, como prevenção secundária e possível regressão de lesões. Estas
dietas contêm quantidades mínimas de produtos de origem animal, com ingestão de gordura
saturada abaixo de 3%, colesterol abaixo de 5 mg e gordura total abaixo de 10%. A ênfase é
dada aos grãos de baixo teor de gordura, leguminosas, frutas, vegetais e laticínios desnatados,
além de clara de ovo, caracterizando uma dieta ovolactovegetariana, conforme exemplificado
abaixo:
Plano alimentar para uma dieta agressiva de baixo teor de gordura (ovolactovegetariana):
Tamanho da porção Ingestão diária
recomendada
Laticínios desnatados (1 xícara de leite desnatado, 1 xícara de iogurte sem 2 porções
gordura, 30g de queijo sem gordura, ½ xícara de queijo cottage, ½ xícara de
105
ricota, 2 colheres de cream cheese)
Proteína (120g de feijão, 4 claras de ovo, carne de glúten sem gordura, tofu 120 a 240 g
ou proteína de soja de baixo teor de gordura)
Vegetais (1 xícara cru, ½ xícara cozido, ½ xícara de suco de vegetal) > ou = 5 porções
Frutas (1 fruta média crua, ½ fruta grande, 1 xícara de fruta fresca, ½ xícara > ou = 2 porções
de suco de fruta, ¼ de xícara de fruta seca) (se TG , limitar a
2 porções/dia)
Pães/cereais/amido (1 fatia de pão, 1 batata média, 1 xícara de massa, arroz > ou = 6 porções
ou cereal, 6 bolachas, ½ muffin inglês)
Doces e refeições sem gordura Raramente
Fonte: Adaptado de Krummel, 2005.
12 OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA (SM)
O aumento do peso é um marcador importante da SM, pois a associação entre 106
obesidade e resistência à insulina é bem reconhecida e o emagrecimento resulta em melhora da
ação da insulina e do estado metabólico. Já está bem documentado que uma perda de 7 a 10%
do peso inicial já é suficiente para melhorar as co-morbidades associadas.
As dietas hipocalóricas, independentemente da distribuição dos macronutrientes,
sempre foram o padrão de escolha no tratamento da obesidade, além da orientação
comportamental e do eventual tratamento psicoemocional. Entretanto, recentemente, as
mudanças comportamentais ganharam maior destaque no tratamento do sobrepeso e da
obesidade.
Diversos modelos de dietas hipocalóricas já foram criados e aplicados na prática
clínica, gerando uma diversidade de condutas, mas apesar disto, a maioria das dietas prescritas
não apresenta mais que 1200 Kcal e não possui menos de 100g de carboidratos, quantidade
esta que dificulta a cetose, decorrente da degradação do tecido adiposo.
Alguns estudos afirmam que o efeito da composição da dieta, ou seja, o tipo de
nutriente escolhido, é capaz de influenciar o controle do apetite, o que, por sua vez, é um
mecanismo importante na definição do controle da ingestão de alimentos. O ganho de peso seria
uma conseqüência da elevada ingestão calórica e não de determinado macronutriente, como a
gordura, por exemplo. Desta forma, a perda de peso depende da determinação do teor calórico,
para a qual existem vários métodos disponíveis de cálculo diário.
A diminuição do valor calórico total diário segue diversos critérios, como o
recomendado pela ADA (American Diabetes Association), que sugere uma diminuição de 500 a
1000 Kcal/dia, o que pode ser suficiente para garantir uma perda de peso inicial de até 10%.
Outra recomendação é a do Food Guide Pyramide, desenvolvida pelo Departamento de
Agricultura dos EUA, que recomenda uma diminuição de 500 Kcal/dia, além de limitar o consumo
de calorias vazias, como chocolate, balas, tortas, bolos e pizzas.
A manutenção da perda de peso é alcançada quando, além da continuidade de uma
baixa ingestão calórica, um programa de atividade física é iniciado e mantido. Abaixo, estão
descritas as dietas mais comumente utilizadas na prática clínica.
a) Dieta muito baixa em calorias – caracterizam-se por uma prescrição de 800 a
107
1000 Kcal/dia, por no mínimo 7 dias. São dietas nutricionalmente desequilibradas e têm a
desvantagem de favorecer a ciclagem de peso (“efeito sanfona”), pois podem induzir à
hiperfagia, devido ao seu elevado grau de restrição, além de não ter um caráter educativo e
sustentável. A indicação deste tipo de tratamento, é a refratariedade aos tratamentos
convencionais de perda de peso ou quando os pacientes apresentam um ICM > 30,
principalmente pacientes com obesidade grau III, cujo risco de morbidade e mortalidade é
significativo. Uma observação importante é que esta dieta não é indicada para diabéticos devido
ao risco de hipoglicemia. O retorno aos níveis normais de alimentação pode elevar a insulinemia
e favorecer a lipogênese, além de estimular a hiperfagia, favorecendo o ganho de peso
novamente. A restrição prolongada provoca uma queda de 15 a 20% na taxa metabólica basal,
sendo necessário um menor número de calorias para manutenção do peso, além da
necessidade de suplementação vitamínico-mineral;
b) Dietas hipocalóricas ricas em carboidratos – são pobres em lipídios (< 30%),
contêm cerca de 60% de carboidratos e 15 a 20% de proteínas; entretanto, dependendo do tipo
e da forma como os carboidratos são ingeridos (líquidos ou sólidos) podem contribuir para a
obesidade. Carboidratos complexos, como o amido, são digeridos mais lentamente, resultando
em baixo índice glicêmico, favorecendo a menor ingestão alimentar. Entretanto, dietas ricas em
carboidratos simples, podem aumentar os níveis de triglicerídeos e agravar a síndrome de
resistência à insulina. A ingestão de sacarose deve limitar-se a 10% do total das calorias diárias,
e para indivíduos com LDL > 100, a ingestão de sacarose deve ser inferior a 7%. A ingestão de
alimentos ricos em fibras deve ser encorajada, dando-se ênfase às fibras solúveis, que auxiliam
na diminuição do colesterol total e LDL, da glicemia, além de aumentar a saciedade.
c) Dietas de baixo carboidrato (low carb) – em alguns estudos utilizando dietas
contendo baixos teores de carboidratos, observou-se uma perda de peso mais rápida nos
primeiros 6 meses; entretanto, o efeito desta perda de peso assemelha-se após um ano ao da
dieta convencional. Recomenda-se restringir a ingestão de carboidratos a menos de 100g/dia,
nos primeiros seis meses de tratamento, de forma a induzir a cetogênese e estimular a perda de
peso. Usualmente as quantidades de carboidratos variam entre 20 a 90g/dia, assemelhando-se a
um jejum prolongado. Estas dietas privilegiam as gorduras insaturadas, fornecendo cerca de
30% das Kcal totais provenientes de mono e poli-insaturadas e menos de 7% de gorduras
saturadas. Também se deve evitar a ingestão de gordura trans. Uma das maiores vantagens
deste tipo de dieta é atenuar a diminuição do HDL colesterol e o aumento dos triglicerídeos, que
podem ocorrer em dietas com baixa gordura e alto carboidrato. As implicações para a saúde e as 108
intercorrências nutricionais desta dieta são: rápida perda de peso, aumento da diurese (perda
rápida de líquidos), perda acentuada de eletrólitos, aumento da produção de corpos cetônicos,
acentuada perda de cálcio com diminuição da massa óssea, melhora do perfil lipídico e glicídico,
tendência a ser pobre em vitaminas, minerais e fibras, maior saciedade promovida pela alta
ingestão de proteínas, alto teor de sal, diminuição dos níveis de insulina, elevação dos níveis
séricos de ácido úrico. É importante lembrar que este tipo de dieta não está indicado para
pacientes renais em função do elevado teor protéico. Os principais pontos positivos incluem a
melhora nos fatores de risco para doenças cardiovasculares e o fato de estimularem o paciente à
maior adesão ao tratamento, por favorecer a rápida perda de peso no início do tratamento;
d) Dieta de baixa gordura – contém no máximo 10% das calorias totais sob a
forma de gorduras, como a dieta proposta por Ornish. Esta dieta é indicada para graus elevados
de DAC. Seu objetivo é utilizar menos insulina e evitar o consumo de açúcar por serem
altamente calóricos.
Outras duas abordagens também sugeridas no tratamento da obesidade e da SM
envolvem a Dieta DASH (vide item1, sobre HAS) e a Dieta Mediterrânea. Entretanto,
independente da opção terapêutica escolhida, deve-se ter o cuidado para que o maior objetivo
do tratamento e do paciente sejam a busca do peso “ideal” e não a melhora da saúde em si, pois
esta situação favorece ainda mais a ciclagem de peso. É importante atentar para o aspecto
educacional que o tratamento dietético deve ter, buscando auxiliar o paciente a conscientizar-se
da importância da mudança de hábitos e da incorporação de uma alimentação saudável em sua
vida.
13 ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE)
Com relação aos AVEs deve-se focar principalmente a prevenção primária, que pode ser
109
realizada, em parte, pela instituição de medidas dietéticas, além das mudanças no estilo de vida,
como recomendado na prevenção e tratamento da HAS.
O quadro que segue demonstra os fatores relacionados à nutrição e risco de AVE:
Fatores relacionados à nutrição e risco de AVE:
Fatores de risco de AVE IMC > 27Kg/m2 em mulheres
Ganho de peso > 11Kg acima de 16 anos, em mulheres
Proporção tórax-quadril > 0,92 em homens
Diabetes
HAS
hipercolesterolemia
Fatores de proteção Consumo diário de frutas frescas;
contra AVE Consumo de flavonóides (>4,7 xíc de chá verde/dia);
Consumo de peixes, em mulheres negras e brancas e
homens negros.
Hipercolesterolemia.
Fonte: Adaptado de Remig, e Romero, 2005.
Após início do quadro isquêmico ou hemorrágico, a avaliação médica e terapia
devem ter início dentro de 6 horas, incluindo utilização de drogas trombolíticas, que permitem a
reversão da isquemia cerebral, pela lise dos coágulos, no AVE isquêmico e controle da pressão
intracraniana e em alguns casos mais graves, a drenagem cirúrgica de grande volumes de
sangue intracraniano, nos AVEs hemorrágicos.
Logo após a ocorrência dos AVEs, a redução dos níveis de ingestão de colesterol,
gordura e sal é de benefício questionável; entretanto, tais medidas devem ser enfatizadas como
forma de prevenir novos eventos. Durante a internação hospitalar por AVE, os esforços devem
ser dirigidos para a saúde total do paciente, devendo-se buscar manter o estado nutricional do
paciente adequado, o que muitas vezes é prejudicado pelas dificuldades na ingestão alimentar
decorrentes das lesões cerebrais.
110
A disfagia é um preditor independente da mortalidade, muito presente após os AVEs,
pois contribui para a desnutrição e complicações decorrentes desta, como infecções pulmonares,
incapacidade e estadia hospitalar prolongada, que por sua vez, também aumenta a chance de
complicações infecciosas. É muito importante que os pacientes apresentando disfagia sejam
avaliados quanto ao seu grau de disfagia, por um Fonoaudiólogo e não sendo possível a
alimentação via oral, deve-se instituir a nutrição enteral (NE) imediatamente.
O tempo de manutenção da nutrição enteral vai depender da evolução do paciente,
podendo ser temporário ou definitivo, em alguns casos. Sendo necessária a NE por mais de 6
semanas, recomenda-se fazer uma gastrostomia ou jejunostomia, de modo a prevenir as
complicações ocasionadas pela longa permanência dos cateteres naso-gástricos ou naso-
enterais.
A transição da NE para a via oral não deve ser feita de forma brusca e requer auxílio
do Fonoaudiólogo. Entretanto, independente da via de acesso da alimentação, as necessidades
nutricionais devem ser atendidas.
Nos casos em que a alimentação oral é possível (ou após desmame da NE), pode ser
necessária a utilização de preparações semilíquidas ou pastosas (sopas liquidificadas, purês,
vitaminas, etc) e líquidos espessados (por adição de espessantes) para diminuir os riscos de
broncoaspiração.
À medida que a alimentação oral é reassumida e que as funções motoras apresentam
melhora, o retorno às atividades diárias são fundamentais para o processo de reabilitação do
paciente, além de necessárias para que o mesmo reassuma sua independência.
14 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (IC)
As recomendações quanto ao tratamento correspondem ao estágio em que a patologia
é classificada, conforme demonstrado abaixo:
111
Estágio Situação Terapia
A Pacientes com: Tratar a HAS;
Encorajar parar de fumar;
HAS;
Tratar dislipidemia;
Cardiopatia coronária;
Encorajar exercício regular;
Diabetes melito ou
Desencorajar ingestão de álcool e
Pacientes em uso de cardiotoxinas.
drogas ilícitas;
Inibidores da ECA .
B (cardiopatia Pacientes com IAM anterior; Todas as medidas do estágio A;
estrutural) Disfunção sistólica do ventrículo Inibidores da ECA;
esquerdo; Beta-bloqueadores.
Doença valvar assintomática.
C Cardiopatia estrutural conhecida; Todas as medidas do estágio A;
(Desenvolvimento Falta de ar e fadiga; Drogas para uso de rotina:
de sintomas de IC) Tolerância reduzida ao exercício. diuréticos e inibidores da ECA,
beta-bloquadores e digital;
Restrição do sal dietético.
D (Sintomas Pacientes com sintomas marcantes Todas as medidas dos estágios
refratário de IV em em repouso apesar da terapia médica anteriores;
repouso) máxima (ex: pacientes Recursos de auxílio mecânico;
periodicamente hospitalizados ou que Transplante cardíaco;
não podem receber alta hospitalar Infusões inotrópicas IV como
sem intervenções especializadas). paliativo;
Cuidado hospitalar.
Fonte: Krummel, 2005
Para os pacientes em alto risco de desenvolver insuficiência cardíaca (estágio A),
o tratamento das condições subjacentes (HAS, hiperlipidemia, distúrbios da tireóide e arritmias),
112
evitar comportamento de alto risco (tabaco, álcool, uso de drogas ilícitas) e mudanças no estilo
de vida (exercício, diminuição da ingestão de sódio, etc) são recomendados. Entretanto, todas
estas recomendações também devem ser indicadas para os pacientes que se encontram, em
outros estágios da doença. O último estágio também inclui os recursos médicos auxiliares,
transplante cardíaco, terapia intravenosa contínua e cuidado hospitalar no final da vida.
As metas em curto prazo para o tratamento da IC são aliviar os sintomas e melhorar
a qualidade de vida do paciente, enquanto a meta a longo prazo é prolongar a vida pela
diminuição, cessação ou reversão da disfunção ventricular esquerda.
O tratamento inicial da IC deve incluir dieta hipossódica (2 a 3g/dia) e atividade física
regular (conforme os sintomas permitirem). O repouso no leito não é mais recomendado, exceto
para aqueles com insuficiência aguda.. A ingestão de líquidos deve ser diminuída caso ocorra
hiponatremia (nível de sódio sérico < 130mEq/L) e a restrição padrão deve limitar a ingestão total
de líquidos a 2000ml/dia. Quando os pacientes estão gravemente descompensados, a restrição
de líquidos deve ser mais restrita, permitindo no máximo 1000 a 1500ml/dia. De qualquer
maneira, mesmo na presença de níveis baixos de sódio sérico, a dieta hipossódica deve ser
mantida, pois o sódio, na realidade, mudou do sangue para os tecidos.
O balanço hídrico alterado dificulta a avaliação clínica e tratamento destes pacientes, e
o alcance do peso seco é uma meta clínica. Os pacientes devem registrar seu peso diariamente.
Em pacientes desnutridos, o peso corporal pode ser normal ou aumentado como
resultado da retenção de líquidos e pacientes com caquexia cardíaca podem perder até 10 a
15% do seu peso corporal. Outros marcadores de desnutrição (pré-albumina e transferrina
sérica) podem ser desproporcionalmente baixos em razão do efeito da diluição do fluido
extracelular em excesso, portanto, para fazer uma avaliação da massa magra, os dados
antropométricos e a história da dieta devem ser usados. A medida das circunferências da
panturrilha e da coxa, além da medida da circunferência do braço é o indicador mais sensível de
massa corporal magra em pacientes cardíacos com edema.
Com relação à dieta, devem-se observar os seguintes itens:
a) Energia – as necessidades de energia dependem do peso atual do paciente, 113
das restrições de atividades e da gravidade da IC. Pacientes com sobrepeso e atividade física
limitada devem atingir e manter um peso apropriado que não aumentará a carga de estresse do
coração. Para pacientes obesos, as dietas hipocalóricas (1000 a 1200Kcal/dia) diminuirão este
estresse e facilitarão a perda de peso. Em pacientes desnutridos, as necessidades de energia
estão aumentadas em 30 a 50% da taxa metabólica basal, como resultado do gasto aumentado
de energia do coração e dos pulmões, e nestes casos, a recomendação é usar 35 Kcal/Kg de
peso/dia. Os pacientes com caquexia cardíaca podem necessitar de maiores aumentos na
energia, ou 1,6 a 1,8 vezes a taxa metabólica basal, para repleção nutricional.
b) Sódio – Atualmente recomenda-se uma dieta com 3g de sódio para IC crônica,
devendo a dieta hipossódica estar associada ao uso de diuréticos, de forma a se obter melhores
resultados. Na dieta hipossódica, devem ser evitados alimentos congelados e enlatados
preparados com sal, além de alimentos nos quais se utiliza o sal como meio de conservação (ex:
bacalhau, carne seca). O tipo de dieta prescrito deve ser a menos restrita possível, porém capaz
de permitir os resultados desejados. O primeiro passo é eliminar o uso do saleiro de mesa e não
adicionar sal e temperos industrializados durante o preparo dos alimentos. Atentar para o
cuidado com alimentos naturalmente ricos em sódio como os alimentos protéicos, de origem
animal (leite, queijos, ovos, carne, aves e peixes), sendo importante também, evitar aditivos e
edulcorantes contendo sódio (ex: glutamato monossódico, fosfato dissódico, alginato de sódio,
benzoato de sódio, hidróxido de sódio, propionato de sódio, sulfato de sódio, caseinato de sódio,
bicarbonato de sócio, ciclamato de sódio, etc). Os condimentos naturais (alho, cebola, tomate,
pimentão), ervas (salsa, cebolinha, orégano, manjericão, alecrim, etc), suco de limão e vinagre,
podem ser usados para melhorar o sabor dos alimentos. Os alimentos com alto teor de sódio
estão descritos no quadro abaixo:
Alimentos com alto teor de sódio:
Carnes e peixes defumados, processados ou salgados. Ex: pernil, bacon, carne em conserva,
frios, salsichas, língua, carne de porco salgada, carne bovina, arenque em conserva,
anchovas, atum, sardinha;
Extratos de carne, caldos concentrados (em cubos), molhos de carne;
Lanches salgados (batata frita, batata chips, tortilhas chips, salgadinhos de milho, pretzels, 114
amendoim salgado, amendoim “japonês”, pipocas, etc);
Molhos de salada industrializados, temperos industrializados, molho inglês, molho shoyu,
catchup, mostarda, picles, azeitona, chucrute;
Alimentos congelados pré-embalados, misturas para molhos, sopas desidratadas, macarrão
instantâneo, alimentos orientais;
Sopa enlatada, queijos processados e pastas de queijo, queijos amarelos, manteiga,
margarina.
Fonte: Adaptado de Krummel, 2005.
Existem 4 graus de restrição de sódio, descritas abaixo:
Dietas hipossódicas:
3g (131mEq) de Alimentos com alto teor de sódio são limitados. É permitido ingerir até ½
sódio/dia (dieta sem colher de chá de sal/dia;
sal adicionado)
2g (287mEq/dia) de Alimentos com alto teor de sódio devem ser eliminados. Alimentos de teor
sódio/dia (restrição moderados devem ser evitados, sendo permitida a ingestão de até 1/4 de
leve) colher de chá de sal/dia;
1g (43mEq) de Alimentos com alto teor ou teor moderado de sódio devem ser eliminados,
sódio/dia (restrição não sendo permitido o uso de sal de adição. Alimentos enlatados ou
moderada) processados que contenham sal não são permitidos. Pão e alimentos de
panificação devem ser restringidos. Pode ser difícil manter esta dieta em
casa;
500mg (22mEq) de Alimentos de teor moderado de sódio devem ser eliminados, não sendo
sódio/dia (restrição permitido uso de sal de adição, nem alimentos enlatados ou processados que
severa) contenham sal.
Fonte: Adaptado de Krummel, 2005.
115
c) Potássio – Alguns diuréticos aumentam a excreção de potássio, o que pode
causar toxicidade por digitálicos, caracterizada por anorexia, náusea, vômito, desconforto
abdominal, alucinações, depressão, sonolência e arritmias cardíacas. Para alguns pacientes, o
aumento no consumo de alimentos ricos em potássio já é suficiente pra minimizar estes
sintomas, entretanto, em alguns casos, é necessário acrescentar suplementos de potássio. Os
substitutos do sal, contendo cloreto de potássio são uma alternativa ao sal de cozinha e uma
fonte extra de potássio, entretanto, não devem ser usados por pacientes com insuficiência renal.
d) Cálcio e Vitamina D – cerca de 50% dos pacientes com IC grave apresentam
osteopenia ou osteoporose e pacientes com caquexia cardíaca apresentam menor densidade
mineral e menores níveis de cálcio. A dieta deve fornecer quantidade suficiente de cálcio e
vitamina D, mas é importante ter cuidado com suplementos contendo cálcio, pois podem agravar
as arritmias cardíacas.
e) Magnésio – os diuréticos também aumentam a excreção de magnésio, podendo
causar deficiência deste, a qual agrava as alterações na concentração de eletrólitos, em função
do balanço positivo de sódio e negativo de potássio. Como a deficiência de magnésio está
associada a um mau prognóstico, os níveis sangüíneos de magnésio devem ser monitorados em
pacientes com IC e tratados de acordo;
f) Tiamina – Diuréticos de alça podem expoliar a tiamina corporal, sendo
recomendado aumentar a ingestão ou suplementação, quando necessário.
Os pacientes com IC toleram melhor refeições de menor volume e com maior
freqüência, do que refeições maiores e menos freqüentes, pois estas podem aumentar o
cansaço e promover distensão abdominal, aumentando o consumo de oxigênio e
sobrecarregando ainda mais o coração.
15 DIETA DO MEDITERRÂNEO
O interesse atual pela dieta mediterrânea originou-se na década de 50 quando se 116
verificaram taxas muito baixas de morte por doenças cardíacas nas regiões em torno do Mar
Mediterrâneo. Em 1948 o governo da Grécia, interessado em melhorar as condições
econômicas, sociais e de saúde do pós-guerra, encomendou um estudo epidemiológico à
Fundação Rockfeller para ser realizado na Ilha de Creta. Esta pesquisa, bastante detalhada no
que diz respeito ao consumo alimentar e perfil epidemiológico das doenças cardíacas, levou
Keys e colaboradores a realizarem um estudo na região junto a outras investigações paralelas
sobre dieta e risco de doença coronariana em sete países (Keys, 1995).
Desde então, a alimentação destes povos tem despertado o interesse de
pesquisadores e profissionais de saúde em função de algumas peculiaridades, como as baixas
taxas de mortalidade por doenças crônicas e a elevada expectativa de vida. Os gregos,
principalmente os habitantes de Creta, apresentavam a maior expectativa de vida no mundo até
1960, seguidos pelo da população do Sul da Itália, Espanha e França.
O trabalho precursor do interesse pela dieta mediterrânea, realizado por Allbaugh, traz
conclusões interessantes sobre o consumo alimentar na Grécia. Enquanto em Creta 61% do
consumo calórico se deriva do consumo de cereais, batata, nozes, vegetais e frutas, esses
mesmos produtos faziam parte de 37% do consumo calórico dos norte-americanos. Também os
produtos de origem animal (carne, peixe, ovos, laticínios) faziam parte de 7% do total energético
na ilha de Creta, enquanto nos Estados Unidos representavam 33%. Apesar do consumo de
óleos e gordura estar mais baixo nos Estados Unidos (15%) que em Creta (29%), 78% destes
últimos advêm de azeitonas e azeite de oliva.
Anos depois, o Estudo dos Sete Países (Keys, 1970) serviu para identificar os fatores
de risco para a doença coronariana, estabelecendo uma forte relação entre a gordura e vários
ácidos graxos com concentrações de colesterol sérico e risco para cardiopatia coronariana.
Os aspectos importantes da dieta mediterrânea incluem a ingestão de grandes
quantidades de cereais, grãos, hortaliças, leguminosas secas, azeite de oliva, alho, ervas
frescas, frutos do mar e frutas. O vinho é consumido com a alimentação em doses moderadas.
Carne e aves são também consumidos com moderação. As gorduras animais na forma de
manteiga, creme ou toucinho, não são incluídas na dieta.
Grieco (1996) ressalva que o atual conceito de dieta mediterrânea pode estar muito 117
distante de sua suposta origem geográfica e de uma realidade histórica determinada. Na
verdade, quando se fala nos valores e vantagens da dieta mediterrânea, há uma apropriação de
seus adjetivos nutricionais, para referir-se à diversidade da alimentação de todo o Mediterrâneo,
dando margem para as mais diversas interpretações. Como na definição de Mataix (1996), para
quem a dieta mediterrânea de referência é uma dieta saudável composta por alimentos que
estão presentes no mundo mediterrâneo com certo caráter ancestral. O rótulo
"mediterrâneo" passou a ser equivalente ao atributo saúde. Nesta direção, a valorização da
gastronomia e dos produtos mediterrâneos também tem sido exaltada, distanciando-se muito do
que Keys, em seu clássico estudo, chamou de dieta mediterrânea.
Muito da alimentação atual do Mediterrâneo pode ser rastreada dos tempos antigos. A
cozinha helênica, que nasceu possivelmente em Creta, é o berço da alimentação mediterrânea.
Na cozinha Grega se encontram as bases da dieta mediterrânea: o azeite de oliva, os cereais,
o vinho, o pescado, a manipulação das carnes de curral, começando pelos galináceos e
terminando pelo coelho, introduzido mais tardiamente (Luján, 1996).
A área que compreende o Mediterrâneo consiste em 3 continentes e mais de 15
países. Alguns dos países que influenciam a dieta mediterrânea são: Portugal, o sul da Espanha,
o sul da França, o sul da Itália, Grécia, Creta, sul da Turquia, Síria ocidental, Líbano ocidental,
Israel ocidental, norte do Egito, norte da Líbia, norte da Argélia e do Marrocos. Foi nas costas do
Mediterrâneo que a Civilização Ocidental começou. A oliveira, trigo, frutos do mar e carnes eram
realçados pelas especiarias árabes do Leste. Diz-se que os árabes tiveram grande influência na
Dieta Mediterrânea, trazendo nozes, açafrão, arroz, espinafre, açúcar de cana e laranjas à
região. Entretanto, vale lembrar que cada país tem a sua própria maneira de prepará-los, tendo
adaptado os ingredientes ao sabor local. Mas o que se pode perceber é que existe um consumo
comum dos mesmos ingredientes, e até mesmo na cocção. O resultado é bastante promissor,
pois embora consumam mais do que as taxas preconizadas de gordura diariamente, a saúde de
seus longevos, com atividades normais em idades avançadas, faz com que paremos para
pensar nos parâmetros que regem a atual dieta ocidental. Os principais ingredientes da dieta
mediterrânea e seus benefícios à saúde estão descritos a seguir:
a) Azeite de oliva - é um dos pilares da dieta mediterrânea, não somente por suas
118
características sensoriais e sua boa aceitação, mas também pelos efeitos benéficos
demonstrados na saúde. Homero, entendendo seus efeitos benéficos, chamou-o de “ouro
líquido” e os romanos ampliaram o cultivo das oliveiras por todo seu império. A chegada dos
árabes à Península Ibérica proporcionou um importante impulso no suco da azeitona, que eles
chamaram de az-zait, o azeite.
b) Carne fresca - os conhecimentos acerca do consumo de carnes na alimentação
humana remontam desde o Neolítico, baseados em achados e estudos arqueológicos.
Posteriormente, as primeiras fontes escritas (no Egito e no Oriente Próximo, principalmente) dão
uma idéia aproximada a respeito do consumo das carnes e da transformação do ser humano de
caçador a criador. Isto provocou o desenvolvimento de várias técnicas e métodos de
conservação (salgados, dessecados, defumados) que permitiram ao homem, mesmo em
períodos de escassez, seu consumo constante.
c) Frutas - Sabe-se que a fruta é consumida como sobremesa, ao final da refeição,
desde o tempo do Império Romano. Os romanos reservavam as frutas para o final de suas
refeições abundantes e intermináveis, porque conheciam seus efeitos saciantes e anorexígenos.
Para aumentar as festas e não frustrar precocemente suas comilanças deixavam a uva, cerejas,
melões e outras frutas da temporada para o final dos festins. As frutas são um grupo de
alimentos de origem vegetal, com um alto aporte de vitaminas, minerais, fibras e água, e baixo
teor energético. Estudos sobre a dieta mediterrânea destacam os nutrientes que aparecem nas
frutas como agentes que repercutem beneficamente na saúde.
d) Frutos secos - são aqueles frutos cuja parte comestível é a semente e possuem
em sua composição menos de 50% de água, definição esta, que abrange alimentos de
diferentes origens, que compartilham de uma particularidade: ricos em gorduras (menos para a
castanha portuguesa) e pobres em água. São fontes ricas em antioxidantes (vitamina E e
selênio), minerais e fibras. São alimentos muito nutritivos, que se adaptam facilmente a
diferentes pratos, podendo ser salgados ou doces, ou podem ser consumidos como aperitivos ou
petiscos ao longo do dia. No Mediterrâneo é comum serem utilizados como elementos de
decoração ou enriquecimento de sobremesas, pães e biscoitos. Com eles se elaboram produtos
típicos das festas natalinas como os torrones, por exemplo.
e) Hortaliças e verduras - desde a antigüidade o consumo de hortaliças e
verduras faz parte da dieta mediterrânea, sendo uma de suas principais características. Desde o
ano 50 de nossa era, Plínio, o Velho, descobriu que os vegetais podiam ser consumidos crus,
com um pouco de sal e vinagre. A estes se chamou “acetaria”, o que poderia ser considerado 119
como antepassado da salada. Estes elementos permanecem atrelados à dieta mediterrânea até
os dias atuais, por terem se adaptado perfeitamente ao estilo urbano e rápido da vida atual. São
pobres em gordura e proteínas, mas constituem um concentrado de fibras, carboidratos,
vitaminas, minerais e outros componentes saudáveis que combinam sabores ao longo de toda a
costa mediterrânea, desde tempos remotos. Na atualidade sabe-se da importância que têm na
saúde e nos possíveis benefícios sobre esta. As recomendações se encontram por volta de 5
porções diárias, sendo uma delas de forma crua.
f) Ovos - Na época romana, os ovos se converteram em um ingrediente
indispensável na cozinha e principalmente na confeitaria. Na Idade Media, constituíram um
alimento básico das pessoas mais humildes. Também no século XXI ainda é um alimento barato,
de fácil cocção, grande versatilidade culinária e valor nutricional. A fama do ovo como alimento
se explica, entre outros motivos, por suas características nutritivas. Considera-se como alimento
de referência por possuir todos os aminoácidos essenciais. Tem um aporte de altas quantidades
de vitaminas (B12, ácido pantotênico, biotina, vitaminas D, A, B2 e niacina) e minerais
(especialmente selênio, fósforo, iodo e zinco) e uma quantidade relativamente baixa em calorias.
A gordura da parte comestível é de 10,8% e inclui uma elevada proporção de fosfolipídios, alta
quantidade de acido graxo essencial linoléico, elevado conteúdo de ácidos graxos
monoinsaturados e uma relação entre ácidos graxos polinsaturados e saturados muito
favoráveis. Cada ovo contém cerca de 245mg de colesterol. As características na composição
lipídica do ovo e os conhecimentos que se tem atualmente sobre a etiologia das enfermidades
coronárias, obrigam a retificar a má fama que teve até pouco tempo na sua relação com o
colesterol plasmático e a enfermidade coronária.
A elevada proporção de vegetais frescos e cereais garantem uma alta ingestão de beta
caroteno, vitamina C, tocoferóis, minerais, polifenóis e antocianinas. Além disso, estudos
realizados com esteróis vegetais (campesterol e beta-sitosterol), presentes no trigo, no milho e
óleos vegetais, demonstraram que os mesmos inibem a absorção do colesterol, através da
inibição da enzima limitante da síntese do colesterol, a 3-hidroxi-3-metilglutaria CoA, além de
aumentarem as concentrações do HDL colesterol.
Diversas moléculas bioativas, as vitaminas C, E, A e beta-caroteno, licopeno (tomates),
sulfitos orgânicos (presente no alho e na cebola), glucosinolatos, polifenóis e bioflavonóides, 120
presentes nas frutas e hortaliças, têm demonstrado ação antioxidante, inibição da peroxidação
lipídica.
A ingestão diária de vinho tinto, em alguns estudos, demonstrou diminuir a
suscetibilidade à peroxidação lipídica, aumento do HDL colesterol, por favorecer o transporte
reverso do colesterol, o que não foi observado com a ingestão de vinho branco.
Outra característica da dieta mediterrânea é a menor proporção de carne vermelha,
comparada com as recomendações dietéticas usuais.
O estudo realizado por Keys na década de 1970 serviu de protótipo para se
estabelecer a política de recomendação dietética dos Estados Unidos e posteriormente constituiu
a base para determinar a proporção de alimentos na Pirâmide da Dieta Mediterrânea. A proposta
desta pirâmide baseia-se na abundância de alimentos vegetais (frutas frescas e secas,
hortaliças, pães, cereais, batatas, nozes, amendoim e sementes), azeite de oliva como principal
fonte de gordura, queijo, iogurte e peixe, vinho tinto em quantidades moderadas e
acompanhando as refeições. Estas recomendações contemplam uma baixa ingestão de gordura
saturada (7 a 8% da energia), um percentual de gordura entre 25 a 35%, alta ingestão de
carboidratos complexos e fibras.
A Pirâmide do mediterrâneo está ilustrada a seguir e destaca-se pelas seguintes
características:
121
Fonte: http://www.portalitalia.com.br/dietamediterranea/imagens/piramide.jpg
a) Abundância de alimentos vegetais – constituem o corpo da Pirâmide. Ex:
cuscuz de vegetais (Norte da África), macarrão, arroz, polenta, legumes e verduras (Sudeste da
Europa), pão, vegetais frescos, saladas, frutas, amêndoas, grãos e azeitonas, além de alho,
cebola e ervas como condimentos;
b) Azeite de oliva – principal fonte de gordura possui maior proporção de gordura
monoinsaturada e vitamina E;
c) Laticínios – recomenda-se o consumo moderado de laticínios, principalmente
queijos e iogurte, que podem ser elaborados a partir do leite de diversos animais, como vaca,
cabra, búfala, ovelha, e até camelo;
d) Carnes (vermelha, peixe, aves) e ovos – em quantidades moderadas;
e) Vinho – com moderação, junto às principais refeições. Para mulheres, a
recomendação é de apenas 1 taça/dia.
16 DIETAS VEGETARIANAS
Segundo Slywitch (2006), “ser vegetariano significa ter como princípio não comer 122
produtos que implicaram na morte de qualquer ser do reino animal”, e esta opção pode ser
motivada por 3 princípios (ou razões) básicos:
a) Razões éticas – muitas pessoas tornam-se vegetarianas por achar que os
animais têm o mesmo direito à vida e à preservação contra o sofrimento que os seres humanos.
As razões éticas também envolvem motivos religiosos, já que o vegetarianismo faz parte do
código de ética de algumas religiões, como o hinduísmo e o adventismo;
b) Razões ambientais – a consciência de que a criação industrial de animais traz
impacto ambiental negativo também é uma razão para que muitas pessoas optem pelo
vegetarianismo. A produção de carne, em larga escala apresenta diversos impactos para os
recursos naturais e humanos, principalmente a devastação das florestas, a poluição e
contaminação de mananciais aqüíferos;
c) Razões de saúde – muitas pessoas tornam-se vegetarianas por considerarem
que a alimentação sem carne traz muitos benefícios à saúde, o que já foi demonstrado em
muitos trabalhos científicos, como será visto adiante.
Vegetarianos são, em princípio, aqueles indivíduos que se abstêm de comer carne,
entretanto, muitos vegetarianos vão além e deixam também de consumir leite e derivados, ovos
e outros alimentos de origem animal, como o mel, além de deixarem de utilizar produtos de
origem animal até no vestuário (ex: lã, seda e couro). As dietas vegetarianas podem ser
classificadas da seguinte maneira:
a) Semivegetariana – a ingestão de carne costuma limitar-se à carne branca, no
máximo até 3 vezes na semana. Entretanto, os demais grupos vegetarianos consideram
semivegetarianos como onívoros (indivíduos que consomem alimentos de origem animal e
vegetal).
b) Ovolactovegetariana – somente a carne (de qualquer animal) é excluída da
alimentação, sendo ingeridos todos os outros alimentos de origem animal. Esta é a modalidade
que possui o maior número de adeptos em todo o mundo;
c) Lactovegetariana – carnes e ovos são excluídos, porém o consumo de
laticínios é liberado;
d) Ovovegetariana – carnes e laticínios são excluídos. Utilizam ovo e quem utiliza
esta dieta constitui minoria entre os vegetarianos; 123
e) Vegetarianos verdadeiros (ou estritos) – também conhecidos como veganos
(em inglês: vegans). Este grupo não ingere nada de origem animal; os vegetarianos excluem
totalmente o consumo destes produtos, tanto na alimentação, quanto no vestuário. Também não
consomem medicamentos e cosméticos que possuam qualquer ingrediente de origem animal, ou
que tenham sido testados em animais.
É importante destacar, que mesmo dentre os grupos citados, existem outros
subgrupos, como os crudivoristas (só ingerem alimentos crus ou aquecidos pela luz solar),
macrobióticos (raramente utilizam alimentos crus e alguns praticantes admitem a ingestão
esporádica de carne branca, principalmente peixe). Alguns vegetarianos só consomem alimentos
orgânicos e integrais, enquanto que outros não fazem distinção entre integrais e refinados.
Alguns não utilizam nem açúcar, nem adoçante, e há outros que fumam e ingerem bebidas
alcoólicas, além de existirem vegetarianos que praticam atividade física e há aqueles que são
sedentários.
Desta forma, simplesmente classificar alguém como vegetariano, sem buscar maiores
informações sobre sua ingestão alimentar e seus hábitos, partindo do princípio que todos os
vegetarianos são saudáveis, pode ser uma atitude precipitada e induzir o profissional de saúde a
erros tanto de diagnóstico, quanto de conduta, pois como ocorre em qualquer dieta, a adequação
nutricional dependerá da escolha dos alimentos que fornecem os nutrientes.
Entretanto, desde que bem planejadas as dietas vegetarianas, de qualquer
modalidade, são adequadas e capazes de fornecer todos os nutrientes necessários. A exceção
fica por conta da vitamina B12 (ou Cianocobalamina), que é encontrada somente em alimentos
de origem animal. Há que se ter atenção aos níveis séricos de vitamina B12 e homocisteína,
visto que a deficiência daquela vitamina, muito comum em veganos e vegetarianos de longa
data. Que não fazem suplementação eleva os níveis de homocisteína, que predispõe a maior
incidência de demência, mal de Alzheimer, osteoporose e principalmente, doenças
cardiovasculares. Os níveis séricos de B12 podem ser monitorados através da dosagem desta
vitamina, e da dosagem de homocisteína, ácido metilmalônico e holotranscobalamina II. Sendo
assim, recomenda-se o uso de alimentos fortificados com vitamina B12 (ainda pouco comuns no
Brasil) e a suplementação medicamentosa da vitamina, via oral ou injetável, cujas aplicações
124
podem ser semestrais ou anuais. Atenção especial deve ser dada às mulheres veganas em
idade fértil e gestantes.
A American Dietetic Association (ADA) e a Associação de Nutricionistas do Canadá,
em 2003, divulgaram um relatório a respeito das dietas vegetarianas, contendo os seguintes
dados:
- Diminuição das mortes por IAM em homens e mulheres vegetarianos, em
comparação com os onívoros;
- Menor taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares em vegetarianos,
quando comparados com semivegetarianos;
- Veganos apresentam menores taxas de colesterol sangüíneo, em comparação
com os onívoros;
- Menor pressão arterial em vegetarianos;
- 50% menos de chance de surgimento de diverticulite e de diabetes em
vegetarianos;
- Menor incidência de obesidade em vegetarianos.
Devido às suas características e estilo de vida, em geral, os vegetarianos são mais
magros, e conseqüentemente, apresentam menores níveis tensionais e menores taxas de
colesterol total e LDL, apresentam menor risco de DAC e menor mortalidade por estas doenças.
Acredita-se que este efeito protetor seja decorrente da combinação de diversos fatores, como a
menor ingestão de gorduras saturadas, e maior ingestão de fibras, antioxidantes, e gorduras
mono e poliinsaturadas.
Em indivíduos cardiopatas, com doença avançada, a regressão da aterosclerose já foi
demonstrada em diversos estudos, demonstrando que além de seu efeito protetor na prevenção
primária de DAC, contribuem também para prevenção secundária e reversão da doença já
instalada.
Assim como nas dietas onívoras, as dietas vegetarianas devem ser planejadas
levando-se em consideração os grupos de alimentos, conforme descrito a seguir:
a) Grupo dos grãos – recomenda-se dar preferência aos cereais integrais, como
125
arroz integral, grãos de trigo, aveia, centeio, cevada, quinua real, trigo e produtos industrializados
elaborados com farinhas integrais, além de aveia em flocos, farelo de trigo, fubá, flocos de milho,
pipoca. Os cereais refinados não são recomendados porque têm seu valor nutricional diminuído
durante o processo de refino, perdendo a maior parte de suas fibras, ferro, zinco e vitaminas do
complexo B.
b) Grupo dos alimentos ricos em proteína – incluem o ovo, o leite e os queijos,
para os ovolactovegetarianos, que devem dar preferência aos laticínios com menor teor de
gordura. Neste grupo também estão incluídos os feijões (de todos os tipos), a soja, a ervilha, o
grão de bico e a lentilha, as frutas oleaginosas (castanhas, nozes, avelã, pistache, pinhão), as
sementes (abóbora, girassol, gergelim, linhaça, melancia) e derivados da soja (leite de soja, tofu,
etc.) e de sementes e oleaginosas (tahine, pasta de amendoim, etc);
c) Grupo das hortaliças – incluem as verduras, legumes e vegetais amiláceos.
Deve-se dar preferência aos vegetais verde-escuros e em seguida, aos de cor alaranjada, de
forma a otimizar a ingestão de ferro, cálcio e vitamina A;
d) Grupo das frutas – engloba as frutas frescas, secas e os sucos de fruta;
e) Grupo dos óleos – agrupa óleos e gorduras de origem vegetal, que fornecem
energia e ácidos graxos essenciais ômega-3 (presente na linhaça) e ômega-6 (canola, soja,
girassol, milho, gergelim e coco), devendo-se enfatizar a ingestão de ômega-3, principalmente
em gestantes, e lactantes. Deve-se utilizar também azeite de oliva extra-virgem, rico em ômega-
9, que não interfere no metabolismo dos ômega-3 e 6. Recomenda-se evitar a ingestão de
gordura trans, presente em alimentos industrializados, snacks e frituras. Como fontes de
gorduras também podem ser utilizados abacate, azeitonas, oleaginosas, sementes e derivados
de sementes e oleaginosas.
O “Novo Guia Alimentar para Vegetarianos Norte-Americanos” (A New Food Guide
for North American Vegetarians) foi elaborado para auxiliar o planejamento alimentar de
vegetarianos e pode ser adaptado à realidade brasileira. Este guia estabelece um cardápio com
porções mínimas diárias, que fornece entre 1400 a 1500 Kcal/dia, para indivíduos adultos.
Entretanto, muitas vezes esta quantidade energética é insuficiente, devendo-se, após efetuar os
cálculos para conhecer as necessidades nutricionais do paciente, acrescentar outras porções
126
destes grupos alimentares, até que se atinjam as necessidades pré-estabelecidas. Recomenda-
se que o valor calórico não seja complementado somente com mais alimentos do grupo das
gorduras ou com álcool.
As porções mínimas estabelecidas pelo guia alimentar são as seguintes:
Porções mínimas diárias:
Grupo Quantidade Quantidades equivalentes a 1 porção
alimentar de porções
Grãos 6 1 fatia de pão integral, 5 cream crackers, ½ xíc de cereal cozido, ½ xíc de
mingau de aveia, 3 xíc de pipoca (estourada), ½ xíc de macarrão cozido, 1 xíc
de grãos de milho, 1 espiga de milho (8 a 9 cm), 1 xíc. de cereal instantâneo
em flocos.
Alimentos 5 1 ovo, 14g de sementes, 12 amêndoas, 24 pistaches, ¼ xíc de nozes, 2
ricos em colheres (sopa) de manteiga de amendoim, 2 colheres (sopa) de tahine, ½
proteína xíc de feijão cozido, ½ xíc de tofu, 28g de tempeh, 2 colheres (sopa) de
homus, 1 xíc de leite ou iogurte, 1 fatia de queijo duro, ½ xíc de ricota. 2 xíc
de queijo cottage, 1 ½ xíc de sorvete.
Vegetais 4 1 xíc de vegetais verde-escuro cozidos (brócolis, folhas, etc), 2 xíc de folhas
cruas, 2 cenouras médias, 1 xíc de legumes picados ou amassados, 1 batata
média, 1 xíc de broto de feijão, 1 xíc de cogumelos crus ou cozidos, 1 tomate
grande.
Frutas 2 1 fruta (ex: maçã, laranja, banana, pêssego, etc), 1 copo de suco de fruta
(sem água), 1 xíc de fruta picada, 2 ameixas grandes. 8 morangos, ½ xíc de
frutas secas.
127
Óleos 2 1 colher (chá) de óleo de linhaça 1 colher (sopa) de semente de linhaça, 1
colher (chá) de óleo de soja ou canola, ¼ xíc (chá) de nozes, 2 ½ col (chá) de
margarina, 8 azeitonas grandes, ½ abacate, 3 colheres (chá) de oleaginosas.
Fonte: Adaptado de Slywitch, 2006.
Para o planejamento das dietas vegetarianas, também é necessário estar atento aos
alimentos ricos em ferro (leguminosas, folhas verde-escuro, cereais), vitamina C (frutas e
hortaliças), zinco (leguminosas, sementes, oleaginosas, cereais), cálcio (folhas verde-escuro,
leguminosas, tofu e leite de soja suplementados, leite, queijos e iogurtes) e vitamina D (alimentos
fortificados, como leite e cereais matinais, e exposição moderada ao sol da manhã, para ativar a
vitamina D presente na pele).
17 ALIMENTOS FUNCIONAIS EM CARDIOLOGIA
Nas últimas décadas, diversas pesquisas científicas têm sido realizadas para estudar 128
os efeitos dos “alimentos funcionais”, que podem ser definidos como aqueles que, devido às
propriedades fisiologicamente ativas de seus componentes, oferecem benefícios à saúde. Os
quais vão além da nutrição básica, ou seja, que além de fornecer os nutrientes, sejam capazes
de prevenir ou tratar algumas doenças.
Segundo a resolução nº 18 de 30 de abril de 1999, da ANVISA (Agência Nacional de
Vigilância sanitária do Ministério da Saúde), alimento funcional é “todo aquele alimento ou
ingrediente que, além de suas funções nutricionais básicas, quando consumido como parte da
dieta usual, produza efeitos metabólicos e/ou fisiológicos e/ou efeitos benéficos á saúde,
devendo ser seguro para consumo sem supervisão médica”.
Tais pesquisas estudaram os efeitos de dietas suplementadas com fibras, óleo de
peixe, fitosterol, isoflavonas e flavonóides. Na prevenção e no tratamento da doença arterial
coronariana, e demonstraram efeitos positivos tanto na prevenção, quanto no tratamento destas
patologias, por meio de diferentes mecanismos, como a redução dos níveis de colesterol
plasmático, diminuição da formação de placas ateromatosas e diminuição na formação de
radicais livres.
Dentre os alimentos estudados, os que mais se destacam são:
a) Soja – sua eficácia já foi comprovada quanto à ação das proteínas e isoflavonas
na diminuição dos níveis séricos de colesterol. Após a publicação de diversos estudos, a FDA
(Food and Drug Administration) passou a recomendar o consumo superior a 25g de soja/dia,
contendo cerca de 50g de isoflavonas, para auxiliar na prevenção de DAC. As isoflavonas
pertencem a um grupo de substâncias vegetais com funções semelhantes ao estrógeno humano
(fitoestrógeno) podem estar relacionadas à prevenção da aterosclerose pelas ações que
exercem sobre as concentrações dos lipídeos plasmáticos, efeitos antioxidantes,
antiproliferativos e antimigratórios sobre as células musculares lisas. Além de efeitos sobre a
formação do trombo e na manutenção da reatividade vascular normal. A soja pode ser inserida
na alimentação através da ingestão do próprio feijão de soja, além de leite de soja, tofu, molho
de soja (shoyu), farinha ou concentrado protéico;
b) Fibras – são carboidratos complexos, não absorvidos pelo intestino, com ação
reguladora na função gastrointestinal. Podem ser classificadas em solúveis (pectina, presente
nas frutas e gomas, presentes nas leguminosas e na aveia) ou insolúveis (celulose, presente no
trigo e nos vegetais folhosos, hemicelulose, presente nos grãos e lignina, nas hortaliças). As 129
fibras solúveis diminuem o tempo de trânsito intestinal e auxiliam na diminuição do colesterol, por
aumentar sua excreção fecal e promovendo maior recaptação de LDL pelo fígado. Além disso,
as fibras solúveis atuam por outro mecanismo, através do estímulo às bactérias da microbiota
intestinal, que as convertem em ácidos graxos de cadeia curta (butirato, acetato e propionato),
que são absorvidos pelas células do cólon, entram na circulação portal e limitam, no fígado, a
ação da enzima HMG-CoA redutase, inibindo, assim, a síntese de colesterol hepático. O
alimento contendo a maior fonte de fibras solúveis e com maior capacidade de diminuir o
colesterol sérico, é o farelo de aveia. As insolúveis aumentam a saciedade, favorecendo a
diminuição na ingestão alimentar. Dentre as fibras, têm recebido destaque nos últimos anos os
frutooligossacarídeos (FOS) por exercerem efeito probiótico (estimulação do crescimento das
bifidobactérias presentes na microbiota intestinal, além de promover alterações no trânsito
intestinal e diminuição do colesterol e triglicerídeos plasmáticos, controle da pressão arterial e
aumento da biodisponibilidade de minerais). Os principais alimentos ricos em FOS são a cebola,
o tomate, o centeio, o alho, a banana, o aspargo, a alcachofra, o mel e a raiz de chicória, que
pode ser torrada para a produção comercial deste grupo de fibras alimentares. A recomendação
do NCEP (National Cholesterol Education Program) é de 20 a 30g de fibras/dia. Entretanto, uma
medida adicional para a redução do colesterol seria a ingestão de 5 a 10g/dia de fibras solúveis.
c) Óleos de peixe – ricos em ácidos graxos ômega-3 podem promover a redução
do perfil lipídico, diminuindo principalmente os níveis de triacilgliceróis, além da diminuição da
viscosidade sangüínea, relaxamento das artérias, redução da pressão arterial, além de efeitos
antiarrítmicos e antiinflamatórios. A recomendação quanto a sua ingestão diária ainda não está
bem estabelecida, entretanto, a FAO (Food and Agriculture Organization) e a OMS (Organização
mundial de Saúde) recomendam a ingestão de ômega-3 correspondente a 1 a 2% da ingestão
calórica diária.
d) Fitosteróis – são um extrato vegetal natural de sementes, como o girassol e os
grãos de soja. Possuem uma ação semelhante, nos vegetais, à do colesterol humano, que
corresponde à manutenção da estrutura e da função da membrana celular. Os mais comuns são
o sitosterol, o campesterol e estigmasterol. Atuam na diminuição do colesterol por impedirem sua
absorção no intestino. Para fins comerciais, os fitosteróis são adicionados às margarinas, nas
quais a recomendação para um efeito redutor do colesterol é de 20g/dia, atingindo a quantidade
de 1,6g de fitosterol.
e) Flavonóides – são antioxidantes polifenólicos encontrados em algumas frutas
vermelhas (amora, morango, uva, maçã), condimentos (alho, cebola) e algumas bebidas (vinho 130
tinto, suco de uva e chá verde). Estudos demonstraram que os polifenóis presentes nas uvas e
incorporados no vinho tinto ou no suco de uva, podem agir como substâncias antioxidantes,
diminuindo o risco de doenças cardiovasculares.
f) Azeite de oliva – os estudos acerca da Dieta Mediterrânea demonstraram que a
ingestão de azeite é um fator importante na redução da mortalidade por doenças
cardiovasculares. Os principais antioxidantes presentes no azeite são a oleuropeína e o
hidroxirirosol. Tais compostos encontram-se em maior quantidade no azeite extravirgem e nas
azeitonas, e apresentam efeito antiinflamatório e atividade antiaterogênica.
g) Tomate – possui diversas substâncias antioxidantes, entretanto, a de maior
concentração nos frutos maduros e nos produtos derivados (ex: molho de tomate) é o licopeno,
que também pode ser encontrado na goiaba, melancia, ameixa e grapefruit, porém em menor
proporção. O licopeno é um carotenóide, pigmento vegetal lipossolúvel com potente ação
antioxidante na neutralização de radicais livres, relacionada à aterogênese e à carcinogênese,
além de exercer proteção efetiva no combate à oxidação do colesterol e inibição da formação de
produtos oxidados do LDL colesterol. Decorrentes do controle exercido por este fitoquímico na
biossíntese do colesterol, ao atuar na enzima HMG-CoA redutase. O licopeno é melhor
absorvido pelo organismo quando proveniente de alimentos processados (molhos e
concentrados de tomate), principalmente depois de aquecidos, pois o aquecimento promove o
aumento da sua biodisponibilidade.
h) Alho – acredita-se que sua atividade antiaterogênica seja decorrente da
capacidade das substâncias fitoquímicas inibirem a síntese do colesterol hepático e bloquearem
a oxidação do LDL colesterol. Quando o alho é cortado ou esmagado, o aminoácido aliina, sofre
uma reação enzimática, sendo convertido em alicina, que é a substância responsável por suas
propriedades funcionais. Entretanto, o alho deve ser imediatamente consumido, pois a alicina
perde rapidamente sua ação. A ADA recomenda a ingestão de 600 a 900mg/dia ou o equivalente
a 1 dente de alho.
i) Linhaça – é uma semente oleaginosa rica em gordura, proteínas e fibras.
Apresenta grande concentração de ácidos graxos ômega-3 (57%) e 16% de ômega-6. A
quantidade de ômega-3 encontrada na linhaça é o dobro da encontrada no óleo de peixe, e sus
ações já são bem conhecidas, como a prevenção e controle da agregação plaquetária,
diminuição dos triglicerídios plasmáticos, diminuição da pressão arterial e efeito antiinflamatório,
além de efeito protetor nas isquemias. Seu efeito cardioproteor também se deve à presença de
lignanas, que são convertidas em enterodiol e enteronolactona, de estrutura semelhante aos 131
estrógenos, e assim como as isoflavonas, ocupam os receptores de estrógenos, promovendo os
benefícios mencionados.
j) Oleaginosas – grupo formado pelas nozes, castanhas, avelã, pistache, etc., são
importantes fontes de antioxidantes (principalmente resveratrol, que também é encontrado nas
uvas vermelhas, no vinho e no suco de uva) e exercem efeitos benéficos na prevenção do
câncer e doenças cardiovasculares. Contribuem na diminuição do LDL colesterol e agregação
plaquetária, diminuindo a formação de coágulos. Também possuem alta proporção de vitamina
E, outro antioxidante na redução da oxidação do LDL colesterol. Também são ricas em selênio,
manganês e magnésio, que exercem proteção cardiovascular, além de conterem arginina,
aminoácido com atividade na redução da agregação plaquetária e dilatação dos vasos
sangüíneos no coração, através da liberação de óxido nítrico.
18 DIRETRIZES PARA O TRATAMENTO DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES
18.1 HAS
132
Sendo a HAS um fator de risco independente, linear e contínuo para doença
cardiovascular, associando-se a um custo médico e sócio-econômico elevado, decorrente
principalmente de complicações como insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica, doença
cerebrovascular, DAC e doença vascular de extremidades. As Sociedades Brasileiras de
Cardiologia (SBC), de Hipertensão (SBH) e de Nefrologia (SBN), organizaram as V Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão Arterial, visando normatizar procedimentos diagnósticos e direcionar a
terapêutica. De forma a prevenir ou pelo menos, minimizar tais complicações e
conseqüentemente, reduzir os custos impostos aos serviços de saúde e aos próprios pacientes.
Segundo as V Diretrizes, a medida da PA é o elemento-chave para o estabelecimento
do diagnóstico da HAS e para a avaliação da eficácia do tratamento. Recomenda-se que a PA
seja aferida em todas as avaliações de saúde, por profissionais devidamente treinados, e o
método mais utilizado na prática clínica, é o indireto, com técnica auscultatória e
esfigmomanômetro de coluna de mercúrio ou aneróide, ambos calibrados. Lembrando que o
paciente deve estar na posição sentada, e o profissional deverá seguir os procedimentos já
discutidos no módulo II (HAS).
Na primeira avaliação, a medida da PA deve ser feita em ambos os membros superiores
e caso ocorra diferença entre eles, utiliza-se sempre o membro onde os valores apresentados
foram maiores, nas avaliações subseqüentes. Em cada consulta deverão ser feitas 3 medidas,
com intervalo de 3 minutos entre elas, e o resultado a ser considerado, será a média das duas
últimas aferições.
Recomenda-se também a avaliação da PA fora do consultório (utilização de MAPA –
medida ambulatorial da pressão arterial e MRPA – medida residencial da pressão arterial) para
esclarecimento diagnóstico, identificação da hipertensão do avental branco e hipertensão
mascarada. Os valores que podem ser considerados elevados, estão listados abaixo:
133
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006.
Dependendo dos valores de PA obtidos no consultório e do risco cardiovascular do
paciente, o intervalo entre as próximas consultas pode ser estabelecido de acordo com a tabela
abaixo:
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006.
A MRPA consiste no registro da PA, por método indireto, com 3 medidas pela manhã e
3 à noite, num período de 5 dias, podendo ser realizado pelo próprio paciente ou por pessoa
treinada, durante a vigília, no domicílio do paciente ou no local de trabalho. Este método não
deve ser confundido com a automedida da PA, registro sistematizado da PA, realizado de acordo
com a orientação do médico do paciente, enquanto a MAPA é o método que permite o registro
indireto e intermitente da PA durante 24 horas, enquanto o paciente realiza suas atividades
134
habituais na vigília e durante o sono. As indicações para realização da MAPA estão listadas a
seguir:
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
São considerados valores anormais obtidos na MAPA, os seguintes:
Valores anormais na MAPA (média dos valores):
24h 130/85 mmHg
Vigília 135/85 mmHg
Sono 120/70 mmHg.
Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia 2006.
Os pontos de corte para avaliação da PA, de acordo com as aferições realizadas no
consultório são os seguintes:
135
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
Além dos valores observados nas aferições da PA, é necessário considerar também a
existência de fatores de risco, lesões de órgãos-alvo e doenças associadas, sendo necessária
também a investigação clínico-laboratorial, e avaliação complementar. Em caso de três ou mais
fatores de risco, deve-se realizar:
a) Avaliação clínica
- História clínica – considerar identificação do paciente (sexo, idade, cor da pele,
profissão e condição sócio-econômica);
- História atual (duração conhecida da HAS, e níveis pressóricos habituais,
adesão e reações adversas aos tratamentos prévios);
- Sintomas de DAC, sinais e sintomas sugestivos de insuficiência cardíaca, AVE,
insuficiência vascular de extremidades, doença renal, diabetes;
- Fatores de risco modificáveis (dislipidemia, tabagismo, sobrepeso e obesidade,
sedentarismo, etilismo e hábitos alimentares não saudáveis);
- Avaliação dietética (consumo de sal, bebidas alcoólicas, gordura saturada,
cafeína e ingestão de fibras, frutas e vegetais);
- Consumo atual ou pregresso de medicamentos ou drogas que podem aumentar
a PA;
- Nível de atividade física;
- História atual ou pregressa de gota, DAC, pré-eclâmpsia/eclâmpsia, doença
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), asma, disfunção sexual, e apnéia do sono; 136
- Perfil psicossocial (situação familiar, condições de trabalho e grau de
escolaridade);
- História familiar de diabetes, dislipidemias, DAC, doença renal, AVE, DAC
prematura ou morte prematura e súbita de familiares próximos (homens < 55 anos e mulheres <
65 anos).
b) Exame físico – deve levar em consideração os seguintes dados:
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
c) Avaliação laboratorial inicial do hipertenso
137
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
d) Avaliação complementar
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
Se houver indícios de HAS secundária (vide tabela abaixo), a avaliação deve ser feita
seguindo métodos específicos.
138
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
18.2 Decisão Terapêutica
A decisão terapêutica deve ser tomada, após confirmação do diagnóstico, seguindo-se
a estratificação de risco (vide tabela 7, abaixo), que deve levar em conta também a presença de
fatores de risco cardiovasculares (tabagismo, dislipidemias, diabetes, nefropatia, idade > 60
anos, história familiar de doença cardiovascular, etc.). As lesões em órgãos-alvo e as doenças
cardiovasculares, além da meta mínima de valores da PA, que deverá ser atingida com o
tratamento.
139
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
Preconizam-se mudanças dos hábitos alimentares e do estilo de vida (tratamento não
medicamentoso) para todos os pacientes, independentemente do risco cardiovascular. A
estratégia a ser utilizada deve basear-se no seguinte:
140
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
É importante que o tratamento seja realizado por uma equipe multiprofissional, visto
ser um tratamento que exige diferentes abordagens. A equipe deve ser constituída por todos os
profissionais que lidam com pacientes hipertensos, como: médicos, nutricionistas, enfermeiros,
técnicos e auxiliares de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, professores de Educação
Física, fisioterapeutas, farmacêuticos, etc.
Decisão Terapêutica
Seu foco de ação são os fatores de risco modificáveis, como hábitos alimentares
inadequados, ingestão excessiva de sal, sedentarismo, obesidade, consumo excessivo de
álcool, etc., descritos na tabela abaixo:
141
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
Recomenda-se também a abordagem dos aspectos psicoemocionais e psicossociais,
pois o estresse também contribui para aumento dos níveis tensionais, além de dificultar a adesão
ao tratamento.
18.3 Tratamento Medicamentoso
O objetivo do tratamento da HAS é a diminuição da morbi-mortalidade cardiovascular;
os anti-hipertensivos devem, além de reduzir a PA, diminuir as chances de ocorrência de
eventos cardiovasculares fatais e não-fatais.
Os principais medicamentos utilizados no tratamento da HAS estão listados na tabela
abaixo:
142
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
A terapia medicamentosa pode ser feita utilizando-se somente um medicamento
(monoterapia) ou combinando 2 ou mais fármacos, de acordo com a avaliação médica, tendo-se
sempre o cuidado de escolher medicamentos que não interajam de forma negativa entre si. O
importante é que a terapia seja individualizada, busque manter a qualidade de vida do paciente e
estimule a adesão às recomendações prescritas. As principais interações medicamentosas estão
descritas na tabela abaixo:
143
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2006
18.4 Prevenção Primária
Refere-se às medidas preventivas de eventos cardiovasculares decorrentes da HAS
não tratada ou tratada de forma inadequada. A prevenção primária envolve a mudança de
144
hábitos alimentares para um padrão alimentar mais saudável, estímulo à atividade física
moderada e freqüente, cessação do tabagismo, controle do estresse e tratamento da apnéia do
sono (quando presente).
As estratégias recomendadas para implementação de medidas preventivas da HAS
são as seguintes:
a) Políticas públicas:
• Redução dos fatores de riscos para hipertensão arterial.
• Prevenção e promoção de saúde em diferentes níveis: educacional, laboral, de lazer,
comunitário e outros.
• Vigilância epidemiológica das condições de risco da hipertensão arterial no setor
público e privado.
• Ações educativas utilizando todas as formas de mídia.
• Manutenção e expansão da rede de equipamentos de saúde, garantindo o acesso, a
qualidade e a eficiência da atenção prestada.
• Incentivar o desenvolvimento e a implantação de programas nacionais, estaduais e
municipais de promoção do consumo de frutas e verduras que sejam sustentáveis e envolvam
todos os setores.
• Conscientização geral acerca dos hábitos alimentares saudáveis na prevenção da
hipertensão arterial.
• Exigir maior rigor na rotulagem do conteúdo nutricional dos alimentos com
concomitante educação da população a respeito de sua importância.
• Estabelecer normas governamentais para reduzir o conteúdo de sódio e gorduras
saturadas dos alimentos industrializados.
• Implementar políticas de conscientização da importância da atividade física para a
145
saúde.
• Implementar programas nacionais, estaduais e municipais de incentivo à prática de
atividades físicas, ampliando experiências bem sucedidas.
b) Atividades comunitárias:
• Apoiar a mobilização social e a intervenção na comunidade, voltadas à prevenção
integrada dos fatores de risco para hipertensão arterial.
• Identificar líderes, grupos organizados e instituições para a formação de coalizões e
alianças estratégicas.
• Capacitar grupos estratégicos da comunidade, em questões que tratam de
gerenciamento de projetos e prevenção dos fatores de risco para hipertensão arterial.
• Promover campanhas temáticas periódicas, como Dia Municipal, Estadual e/ou
Nacional de Prevenção à Hipertensão Arterial.
• Incentivar a formação de grupos comunitários para a prática de atividades físicas
coletivas, em locais públicos e privados.
c) Serviços de atenção à saúde:
• Estruturar o sistema de saúde, garantindo e facilitando o acesso, objetivando o
enfoque no cuidado contínuo e promoção de hábitos saudáveis de vida.
• Implementar práticas assistenciais que permitam a participação e o diálogo entre
profissionais, usuários, familiares e gestores.
• Treinar e dar apoio técnico aos profissionais envolvidos, sobre o planejamento
comunitário e a implementação de programas.
• Capacitar e desenvolver recursos humanos, formando profissionais de saúde
146
habilitados e capacitados para aplicação das medidas preventivas da hipertensão arterial.
• Fazer a interface entre os setores educacionais da sua área de abrangência (escolas
de 1º e 2º grau, profissionalizantes e universidades).
• Formar parcerias com centros acadêmicos para fortalecer o componente de avaliação
e ampliar a participação em pesquisas.
• Estimular a colaboração entre serviços públicos de saúde e de esportes (atividade
física), visando um atendimento mais integral à comunidade, para a adoção de um estilo de vida
ativo.
19 ATEROSCLEROSE E DISLIPIDEMIAS
19.1 Classificação das dislipidemias
147
As dislipidemias primárias (sem causa aparente) podem ser classificadas
genotipicamente ou fenotipicamente através de análises bioquímicas. Na classificação
genotípica, as dislipidemias se dividem em monogênicas, causadas por mutações em um só
gene, e poligênicas, causadas por associações de múltiplas mutações que isoladamente não
seriam de grande repercussão. A classificação fenotípica ou bioquímica considera os valores do
CT, LDL-C, TG e HDL-C. Compreende quatro tipos principais bem definidos:
a) Hipercolesterolemia isolada - Elevação isolada do LDL-C (≥ 160 mg/dL);
b) Hipertrigliceridemia isolada - Elevação isolada dos TG (≥150 mg/dL), que
reflete o aumento do volume de partículas ricas em TG como VLDL, IDL e quilomícrons. A
estimativa do volume das lipoproteínas aterogênicas pelo LDL-C torna-se menos precisa à
medida que aumentam os níveis plasmáticos de lipoproteínas ricas em TG. Assim, o valor do
Não-HDL-C pode ser usado como indicador de diagnóstico e meta terapêutica nestas situações.
- Obs.: equação de Friedewald (LDL-C = CT - HDL-C - TG/5), onde TG/5 representa
o colesterol ligado à VLDL ou VLDLcolesterol (VLDL-C), ou diretamente mensurado no
plasma. Em pacientes com hipertrigliceridemia (TG>400mg/dL), hepatopatia colestática crônica,
diabete melito ou síndrome nefrótica, a equação é imprecisa. Nestes casos, o valor do LDL-C
pode ser obtido por dosagem direta. Como o uso da fórmula de Friedewald é adequado à
maioria dos pacientes e tem custo muito menor, seu uso foi considerado como padrão pela
Diretriz de 2001 e pela de 2007.
c) Hiperlipidemia mista - Valores aumentados de ambos LDL-C (≥ 160 mg/dL) e
TG (≥150 mg/dL). Nestes indivíduos, pode-se também utilizar o Não-HDL-C como indicador e
meta terapêutica. Nos casos com TG ≥ 400 mg/dL, quando o cálculo do LDL-C pela fórmula de
Friedewald é inadequado, considerar-se-á hiperlipidemia mista se o CT for maior ou igual a 200
mg/dL;
d) HDL-C baixo - Redução do HDL-C (homens <40 mg/dL e mulheres <50 mg/dL)
148
isolada ou em associação com aumento de LDL-C ou de TG.
Estratificação de risco e metas lipídicas para prevenção e tratamento da aterosclerose
Um evento coronariano agudo é a primeira manifestação da doença aterosclerótica em
pelo menos metade dos indivíduos que apresentam essa complicação. Assim, a identificação
dos indivíduos assintomáticos que estão mais predispostos, é crucial para a prevenção efetiva
com a correta definição das metas terapêuticas.
A estimativa do risco de doença aterosclerótica resulta do somatório do risco causado
por cada um dos fatores de risco mais a potenciação causada por sinergismos entre alguns
desses fatores. Para minimizar riscos de subestimação ou superestimação dos casos de maior
ou menor risco, diversos algoritmos têm sido criados para a identificação do risco global. Dentre
os algoritmos existentes, o Escore de Risco de Framingham (ERF) é o indicado pela Diretriz
de 2007. Nele se estima a probabilidade de ocorrer infarto do miocárdio ou morte por doença
coronária no período de 10 anos em indivíduos sem diagnóstico prévio de aterosclerose clínica.
Embora esta estimativa de risco seja sujeita a correções, conforme indicadores epidemiológicos
da população estudada, o ERF identifica adequadamente indivíduos de alto e baixo risco.
149
Fonte: Sposito et al, 2007.
150
Fonte: Sposito et al, 2007.
a) Fase 1 – Presença de doença aterosclerótica significativa ou de seus
equivalentes – o risco de doença aterosclerótica é estimado com base na análise conjunta de
características que aumentam a chance de um indivíduo desenvolver a doença. Portanto, o mais
claro identificador de risco é a manifestação prévia da própria doença e o primeiro passo na
estratificação do risco é a identificação de manifestações clínicas da doença aterosclerótica ou
de seus equivalentes, como a presença de diabete melito tipos 1 ou 2 (Tabela IV). Indivíduos
assim identificados possuem risco maior do que 20%, em 10 anos, de apresentar novos eventos
cardiovasculares.
151
Fonte: Sposito et al, 2007.
b) Fase 2 – Escore de risco - entre os indivíduos sem doença aterosclerótica
significativa pode-se estimar pelo ERF (Escore de Risco de Framingham) aqueles de risco
baixo (probabilidade menor que 10% de infarto ou morte por doença coronária. No período de
10 anos) e risco alto (probabilidade maior do que 20% de infarto ou morte por doença coronária,
no período de 10 anos). Para os indivíduos identificados pelo ERF como portadores de risco
intermediário (probabilidade entre 10% e 20% de infarto ou morte por doença coronária, no
período de 10 anos), maior atenção deverá ser dada aos fatores agravantes (Fase 3), para
aperfeiçoar a acurácia do ERF nestes indivíduos. Na Tabela V, estão dispostos os critérios para
cálculo de risco pelo ERF.
Obs.: Síndrome metabólica - o excesso de peso associado ao acúmulo de gordura
na região mesentérica (obesidade central, visceral ou androgênica), está associado a maior risco
de doença aterosclerótica. A medida da circunferência abdominal permite identificar os
portadores desta forma de obesidade e deve ser avaliada com o paciente de pé, ao final da
expiração, no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca ântero-superior, com fita
inelástica, em posição horizontal. Em geral, esses indivíduos apresentam dislipidemia
(triglicérides elevados, HDL-C baixo, partículas de LDL pequenas e densas, hiperlipidemia pós-
prandial), resistência à insulina e hipertensão arterial sistêmica, condições que em conjunto
caracterizam a síndrome metabólica.
A Diretriz Brasileira de Dislipidemia, de 2007, adotou os critérios da Federação
Internacional de Diabetes (IDF) com valores diferenciados para a glicemia de jejum e para a
circunferência abdominal respeitando as diferentes etnias (Tabela VI). O ERF deve ser
igualmente utilizado em portadores de síndrome metabólica que não apresentem doença
aterosclerótica significativa ou seus equivalentes. No entanto, em qualquer categoria de risco,
a presença da síndrome metabólica constitui um fator agravante conforme Tabela VII. O
152
diagnóstico de síndrome metabólica requer a presença de obesidade abdominal, como condição
essencial e dois ou mais dos critérios expostos na Tabela VI.
Fonte: Sposito et al, 2007.
c) Fase 3 – Fatores agravantes - A estimativa do risco de eventos coronarianos
pelo ERF é menos precisa nos indivíduos de risco intermediário (nos quais ocorre a maioria dos
eventos), na avaliação do risco cardiovascular de curto prazo e nos jovens e nas mulheres. A
Tabela VII propõe agravantes que levam o indivíduo à categoria de risco imediatamente superior.
Os pacientes de baixo e médio risco que apresentem critérios agravantes podem ser
classificados em uma categoria de risco acima daquela estimada isoladamente pelo escore. A
utilização de testes diagnósticos bioquímicos e/ou de exames de imagem para detecção da
aterosclerose subclínica não é preconizada como ferramenta de rotina na estratificação de risco.
Mas pode ser incorporada de forma individualizada em indivíduos que apresentem história
familiar de doença aterosclerótica precoce ou que sejam considerados como de risco
intermediário segundo o ERF. 153
d) Metas terapêuticas e reavaliação do risco - todos os pacientes com
dislipidemia isolada ou com risco cardiovascular aumentado devem ser orientados para a
instituição de medidas não-farmacológicas relacionadas à mudança do estilo de vida (MEV). O
tratamento farmacológico deve ser iniciado nos de risco baixo (6 meses após) ou intermediário (3
meses após) que não atingirem as metas (Tabela VIII) após medidas não farmacológicas. Nos
indivíduos de alto risco, as medidas não-farmacológicas e o tratamento com hipolipemiantes
devem ser iniciados simultaneamente. Nos pacientes com doença aterosclerótica significativa,
de acordo com evidências atuais, a obtenção do nível de LDLC igual ou inferior a 70 mg/dL traz
redução adicional da incidência de eventos cardiovasculares. Portanto, recomenda-se a meta de
LDL-C igual ou inferior a 70 mg/dL para todos os indivíduos com doença aterosclerótica
significativa (Tabela IX).
154
Fonte: Sposito et al, 2007. FALTA A TABELA IX
19.2 Tratamento não medicamentoso das dislipidemias e medidas de prevenção da
aterosclerose
Terapia nutricional da hipercolesterolemia
Há muito tem sido demonstrado que o aumento do consumo de gordura associa-se à
elevação da concentração plasmática de colesterol e à maior incidência de aterosclerose
coronária e aórtica. A terapia nutricional deve, portanto, ser adotada na prevenção e no
tratamento das dislipidemias, onde o plano alimentar deverá contemplar questões culturais, 155
regionais, sociais e econômicas, devendo ser agradável ao paladar e visualmente atraente. O
paciente deverá receber também orientações relacionadas à seleção, quantidade, técnicas de
preparo e substituições dos alimentos. Na Tabela X, estão expostas as recomendações
nutricionais para tratamento da hipercolesterolemia.
Fonte: Sposito et al, 2007.
a) Colesterol e ácidos graxos saturados - os conteúdos alimentares de gorduras
saturadas e de colesterol influenciam diferentemente os níveis lipídicos plasmáticos, em especial
a colesterolemia. A maioria da população absorve aproximadamente metade do colesterol
presente na luz intestinal, enquanto uma minoria é hiperresponsiva, ou seja, absorve maior
quantidade. A absorção de gordura saturada, no entanto, não é limitada e, por isso, sua ingestão
promove efeito mais intenso sobre a colesterolemia. Para reduzir a ingestão de colesterol, deve-
se diminuir o consumo de alimentos de origem animal, em especial as vísceras, leite integral e
seus derivados, embutidos, frios, pele de aves e frutos do mar (camarão, ostra, marisco, polvo,
lagosta). Para diminuir o consumo de ácidos graxos saturados, aconselha-se a redução da
ingestão de gordura animal (carnes gordurosas, leite e derivados), de polpa e leite de coco e de
alguns óleos vegetais, como os de dendê.
156
b) Ácidos graxos insaturados - Os ácidos graxos insaturados são classificados em
duas categorias principais: poliinsaturados, representados pelas séries ômega-6 (linoléico e
araquidônico) e ômega-3 (alfalinolênico, eicosapentaenóico-EPA e docosahexaenóico- DHA) e
monoinsaturados representados pela série ômega-9 (oleico). O ácido linoleico é essencial e o
precursor dos demais ácidos graxos poliinsaturados da série ômega-6, cujas fontes alimentares
são os óleos vegetais de soja, milho, e girassol. A substituição isocalórica dos ácidos graxos
saturados por ácidos graxos poliinsaturados reduz o CT e o LDL-C plasmáticos. Os ácidos
graxos poliinsaturados possuem o inconveniente de induzir maior oxidação lipídica e diminuir o
HDL-C quando utilizados em grande quantidade. Os ácidos graxos ômega-3 (linolênico, EPA e
DHA) são encontrados respectivamente nos vegetais (soja, canola e linhaça) e em peixes de
águas frias (cavala, sardinha, salmão, arenque). Promovem redução dos triglicérides plasmáticos
pela diminuição da síntese hepática de VLDL, podendo ainda exercer outros efeitos
cardiovasculares, como redução da viscosidade do sangue, maior relaxamento do endotélio e
também efeitos antiarrítmicos. Os ácidos graxos monoinsaturados (oleico) exercem o mesmo
efeito sobre a colesterolemia, sem, no entanto, diminuir o HDL-C e provocar oxidação lipídica.
Suas principais fontes dietéticas são o óleo de oliva, óleo de canola, azeitona, abacate e
oleaginosas (amendoim, castanhas, nozes, amêndoas).
c) Ácidos graxos trans - Os ácidos graxos trans são sintetizados durante o
processo de hidrogenação dos óleos vegetais. Os ácidos graxos trans aumentam o LDL-C e
reduzem o HDL-C, aumentando assim a razão LDL-C/HDL-C e, da mesma forma que outros
ácidos graxos, aumentam os TG. A principal fonte de ácidos graxos trans na dieta é a gordura
vegetal hidrogenada, utilizada no preparo de sorvetes cremosos, chocolates, pães recheados,
molhos para salada, sobremesas cremosas, biscoitos recheados, alimentos com consistência
crocante (nuggets, croissants, tortas), bolos industrializados, margarinas duras e alguns
alimentos produzidos em redes de “fast-foods”. Não há consenso em relação à quantidade
máxima permitida na dieta, no entanto, recomenda-se que a ingestão de gordura trans deva ser
menor que 1% das calorias totais da dieta.
d) Fibras - Carboidratos complexos não absorvíveis pelo trato gastrointestinal. As
fibras solúveis são representadas pela pectina (frutas) e pelas gomas (aveia, cevada e
157
leguminosas: feijão, grão de bico, lentilha e ervilha); fibras reduzem o tempo de trânsito
gastrointestinal e a absorção intestinal do colesterol. O farelo de aveia é o alimento mais rico em
fibras solúveis e pode, portanto, diminuir moderadamente o colesterol sangüíneo. As fibras
insolúveis não atuam sobre a colesterolemia, mas aumentam a saciedade, auxiliando na redução
da ingestão calórica. São representadas pela celulose (trigo), hemicelulose (grãos) e lignina
(hortaliças). A recomendação de ingestão de fibra alimentar total para adultos é de 20 a 30 g/dia,
5 a 10g destas devendo ser solúveis, como medida adicional para a redução do colesterol.
e) Fitosteróis - Os fitosteróis são encontrados apenas nos vegetais e
desempenham funções estruturais análogas ao colesterol em tecidos animais. O β-sitosterol,
extraído dos óleos vegetais é o principal fitosterol encontrado nos alimentos. Reduzem a
colesterolemia por competirem com a absorção do colesterol da luz intestinal. Uma dieta
balanceada com quantidades adequadas de vegetais fornece aproximadamente 200 a 400mg de
fitosteróis e os níveis plasmáticos variam de 0,3 a 1,7 mg/dL. No entanto, é necessária a
ingestão de 2 g/dia de fitosteróis para a redução média de 10-15% do LDL-C. Os fitosteróis não
influenciam os níveis plasmáticos de HDL-C e de triglicérides. A ingestão de 3 a 4 g/dia de
fitosteróis pode ser utilizada como adjuvante ao tratamento hipolipemiante.
f) Proteína de soja - A ingestão de proteína da soja (25 gramas /dia) pode reduzir o
colesterol plasmático (-6% do LDL-C) e, portanto, pode ser considerada como auxiliar no
tratamento da hipercolesterolemia. Os dados disponíveis são contraditórios quanto aos efeitos
sobre os TG e HDL-C. Estudos com maiores casuísticas e delineamentos mais específicos a
esta questão serão necessários.
g) Antioxidantes - Os antioxidantes, dentre eles os flavonóides, presentes na dieta,
podem potencialmente estar envolvidos na prevenção da aterosclerose por inibirem a oxidação
das LDL, diminuindo sua aterogenicidade e, conseqüentemente, o risco de DAC. Os flavonóides
são antioxidantes polifenólicos encontrados nos alimentos, principalmente nas verduras, frutas
(cereja, amora, uva, morango, jabuticaba), grãos, sementes, castanhas, condimentos e ervas e
também em bebidas como vinho, suco de uva e chá. Não há estudos randomizados, controlados
158
e com número suficiente de pacientes que demonstrem a prevenção de eventos clínicos
relacionados à aterosclerose com suplementações com antioxidantes como, por exemplo, as
vitaminas E, C ou beta-caroteno. Como não há evidência de que suplementos de vitaminas
antioxidantes previnam manifestações clínicas da aterosclerose, recomenda-se uma alimentação
rica em frutas e vegetais diversificados. Isto fornece doses apropriadas de substâncias
antioxidantes, que certamente contribuirão para a manutenção da saúde, em vez do uso de
suplementos.
Terapia nutricional da hipertrigliceridemia
Pacientes com níveis muito elevados de triglicérides e que apresentem
quilomicronemia, devem reduzir a ingestão de gordura total da dieta. Recomenda-se a
ingestão de no máximo 15% das calorias diárias na forma de gordura (NCEP ATPIII). Na
hipertrigliceridemia secundária à obesidade ou diabete, recomenda-se, respectivamente, dieta
hipocalórica, adequação do consumo de carboidratos e gordura, controle da hiperglicemia,
além da restrição total do consumo de álcool. .
Atividade física
A atividade física regular constitui medida auxiliar para o controle das dislipidemias e
tratamento da doença arterial coronária. A prática de exercícios físicos aeróbios promove
redução dos níveis plasmáticos de TG, aumento dos níveis de HDL-C, porém sem alterações
significativas sobre as concentrações de LDL-C. Indivíduos com disfunção ventricular, em
recuperação de eventos cardiovasculares ou cirurgias, ou mesmo aqueles que apresentem
sinais e sintomas com baixas ou moderadas cargas de esforço, devem ingressar em programas
de reabilitação cardiovascular supervisionado, de preferência em equipe multidisciplinar. Além da
avaliação clínica, deve ser realizado um teste ergométrico ou teste cardio-respiratório em esforço
(ergoespirometria) para determinação da capacidade física individual e da intensidade de
treinamento a ser preconizada. 159
O programa de treinamento físico, para a prevenção ou para a reabilitação, deve incluir
exercícios aeróbios (caminhadas, corridas leves, ciclismo, natação) e devem ser realizados de
três a seis vezes por semana, em sessões de duração de 30 a 60 minutos. Nas atividades
aeróbias, recomenda-se como intensidade a zona alvo situada entre 60 e 80% da freqüência
cardíaca máxima (FC mx), estimada em teste ergométrico. Na vigência de medicamentos que
modifiquem a FC mx, como os betabloqueadores, a zona alvo permanecerá 60 a 80% da FC mx
obtida no teste em vigência do tratamento.
Quando estiver disponível avaliação ergoespirométrica, a zona alvo deverá ser definida
pela FC situada entre o limiar anaeróbio (limiar 1) e o ponto de compensação respiratória (limiar
2). Caso não seja possível estimar a FC mx em teste ergométrico convencional ou os limiares 1
e 2 na ergoespirometria, as atividades devem ser controladas pela escala subjetiva de esforço,
devendo ser caracterizadas como leves ou moderadas. O componente aeróbio das sessões de
condicionamento físico deve ser acompanhado por atividades de aquecimento, alongamento e
desaquecimento. Exercícios de resistência muscular localizada podem ser utilizados, com
sobrecargas de até 50% da força de contração voluntária máxima, porém como complemento ao
treinamento aeróbio.
Cessação do Tabagismo
A cessação do tabagismo constitui medida fundamental e prioritária na prevenção
primária e secundária da aterosclerose. Entre os métodos de suporte à cessação, os mais
efetivos são: abordagem cognitivo-comportamental (motivação, estímulo e acompanhamento)
e farmacoterapia (nicotínica e não-nicotínica). A terapia de reposição de nicotina (TRN) está
disponível, no nosso meio, nas formas de adesivos de liberação transdérmica e goma de
mascar. A TRN aumenta significativamente as taxas de cessação do fumo, mas deve ser
utilizada com cautela em pacientes com doença cardiovascular que possa ser exacerbada pelo
aumento da atividade simpática induzida pelo fármaco. Os medicamentos não nicotínicos são
bupropiona, nortriptilina, vareniclina e a clonidina.
160
19.3 Tratamento medicamentoso das dislipidemias
Os hipolipemiantes devem ser empregados sempre que não houver efeito satisfatório
das MEV ou impossibilidade de aguardar os efeitos da MEV por prioridade clínica. A escolha da
classe terapêutica está condicionada ao tipo de dislipidemia presente.
Medicamentos que atuam predominantemente na colesterolemia
Na hipercolesterolemia isolada, os medicamentos recomendados são as estatinas,
que podem ser administradas em associação à ezetimiba, colestiramina e eventualmente a
fibratos ou ácido nicotínico.
a) Estatinas ou inibidores da HMG-CoA redutase - as estatinas são inibidores da
HMG-CoA redutase, uma das enzimas chave na síntese intracelular do colesterol. Sua inibição
reduz o conteúdo intracelular de colesterol e, como conseqüência, há aumento do número de
receptores de LDL nos hepatócitos que então removem mais VLDL, IDL e LDL da circulação
para repor o colesterol intracelular. Estes medicamentos reduzem o LDL-C de 15% a 55% em
adultos. A duplicação das doses acrescenta em média 6% na redução de LDL-C. Reduzem os
TG de 7% a 28% e elevam o HDL-C de 2% a 10%. As estatinas reduzem a mortalidade
cardiovascular e a incidência de eventos isquêmicos coronários agudos, necessidade de
revascularização do miocárdio. As estatinas devem ser administradas por via oral, em dose
única diária, preferencialmente à noite para os fármacos de curta meia-vida, ou em qualquer
horário, naqueles com meia-vida maiores como a atorvastina e a rosuvastatina. O efeito
terapêutico só será mantido com doses diárias, não devendo o fármaco ser suspenso ou
usado em dias alternados, salvo haja efeito colateral ou contra-indicação clínica. As doses
recomendadas e a redução do LDL-C esperada encontram-se na Tabela XI: 161
Fonte: Sposito et al, 2007.
Os efeitos adversos são raros durante tratamento com estatinas. Os mais graves,
como hepatite, miosite e rabdomiólise, são observados ainda mais raramente. No entanto,
para identificar possíveis efeitos adversos, recomenda se a dosagem dos níveis basais de
creatinofosfoquinase (CK) e de transaminases (especialmente de ALT) e a repetição na primeira
reavaliação ou a cada aumento de dose. Recomenda-se monitorização cuidadosa em
pacientes que apresentarem dor muscular e ou aumento de CK de 3 a 7 vezes o limite
superior da normalidade (LSN). As estatinas devem ser suspensas caso ocorra um ou mais
dos seguintes critérios: aumento progressivo da CK; aumento da CK acima de 10 vezes o LSN
ou persistência dos sintomas musculares.
Nestas situações, após normalização do distúrbio que levou à suspensão, a mesma
estatina, com dose menor, pode ser reiniciada ou outra estatina pode ser tentada. São
evidências de hepatotoxicidade: icterícia, hepatomegalia, aumento de bilirrubina direta e do
tempo de protrombina. Na ausência de obstrução biliar, a dosagem da bilirrubina direta é mais
acurada que a simples dosagem das transaminases para identificação e avaliação prognóstica
de hepatotoxicidade.
Nos casos com identificação objetiva de hepatotoxicidade, ou seja, dois ou mais dos
referidos sinais, recomenda-se a suspensão da estatina e pesquisa da etiologia. Em pacientes
assintomáticos, a elevação isolada de 1 a 3 vezes o LSN das transaminases não justifica a
suspensão do tratamento com estatina. Caso ocorra elevação isolada e superior a 3 vezes do 162
LSN, um novo exame deverá ser feito para confirmação e outras etiologias avaliadas. Nestes
casos, a redução da dose ou suspensão da estatina deverá ser baseada no julgamento clínico.
Como referido previamente, não há contra-indicação do uso de estatinas em pacientes com
doença hepática crônica, doença hepática ou esteatose não alcoólicas. Entretanto, é contra-
indicado seu uso em pacientes com hepatopatias agudas.
- Ezetimiba - é um inibidor de absorção do colesterol que atua na borda em
escova das células intestinais, inibindo a ação da proteína transportadora do colesterol. Usada
isoladamente, reduz cerca de 20 % o LDL-C. Entretanto, variações de resposta podem ocorrer
em indivíduos com absorção intestinal de colesterol acima ou abaixo da média populacional.
Tem sido mais freqüentemente empregada em associação com as estatinas, em função da
potenciação da redução do colesterol intracelular (redução da síntese pela estatina e da
absorção intestinal pela ezetimiba). Em média, a dupla inibição proporciona reduções cerca de
20% maiores do que o recomendado LDL-C em comparação com a mesma estatina na mesma
dose, isoladamente. Alguns estudos estão em andamento para avaliar o benefício clínico na
redução de eventos cardiovasculares da associação deste fármaco associado à sinvastatina. Por
enquanto, é recomendado o uso da ezetimiba isoladamente em casos de intolerância à
sitosterolemia (doença hereditária rara em que as gorduras das frutas e dos vegetais se
acumulam no sangue e nos tecidos, podendo levar à aterosclerose, produção de glóbulos
vermelhos anormais e depósitos de gorduras ou xantomas nos tendões). Em associação com
estatinas, a ezetimiba pode ser usada em casos de elevações persistentes do LDL-C apesar de
doses adequadas de estatinas , em casos de hipercolesterolemia familiar homozigótica ou como
primeira opção terapêutica, conforme indicação. A ezetimiba é empregada na dose única de 10
mg ao dia. Pode ser administrada a qualquer hora do dia, com ou sem alimentação, não
interferindo na absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis. Até o momento, raros efeitos
colaterais têm sido apontados. Por precaução, recomenda-se que ela não seja utilizada em
casos de dislipidemia com doença hepática aguda.
- Resinas de troca - são fármacos que reduzem a absorção intestinal de sais
biliares e, conseqüentemente, de colesterol, reduzindo-se, assim, o colesterol intracelular no
hepatócito e, aumentando-se o número de receptores de LDL e a síntese de colesterol. O efeito
163
sobre a colesterolemia é variável, reduzindo em média 20% dos valores basais de LDL-C. Esse
efeito é potencializado pelo uso concomitante de estatinas. Ocasionalmente pode promover
pequena elevação do HDL-C. A colestiramina, no estudo “Lipid Research Clinics”, diminuiu a
incidência de infarto do miocárdio em 19%. Portanto, pode ser usada como adjuvante às
estatinas no tratamento das hipercolesterolemias graves, podendo também ser utilizada em
crianças, sendo a única liberada para mulheres no período reprodutivo sem método
anticoncepcional efetivo. A colestiramina (único inibidor disponível no Brasil) é apresentada em
envelopes de 4 g. A posologia inicial é de 4 g ao dia, podendo-se atingir no máximo 24 g/dia.
Posologias superiores a 16 g/dia são dificilmente toleradas. A apresentação na forma “light” pode
melhorar sua tolerância, mas contém fenilalanina, o que restringe seu uso em portadores de
fenilcetonúria. Os principais efeitos colaterais relacionam-se ao aparelho digestivo, por interferir
na motilidade intestinal: obstipação (particularmente em idosos), plenitude gástrica, náuseas e
meteorismo, além de exacerbação de hemorróidas pré-existentes. Raramente, pode ocorrer
obstrução intestinal e acidose hiperclorêmica em idosos e crianças, respectivamente. Diminui
eventualmente a absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, K, E) e de ácido fólico.
Suplementação desses elementos a crianças, ou eventualmente a adultos, pode ser necessária.
Entre os efeitos bioquímicos, verifica-se eventualmente aumento dos triglicérides, secundário ao
estímulo à síntese hepática de VLDL. Como conseqüência, seu uso deve ser evitado na
hipertrigliceridemia, particularmente se houver níveis acima de 400mg/dL. Qualquer
medicamento concomitante, deve ser utilizado 1 hora antes ou 4 horas depois da administração
das resinas.
Medicamentos que atuam predominantemente nos Triglicerídeos
No tratamento da hipertrigliceridemia isolada, são prioritariamente indicados os fibratos
e, em segundo lugar, o ácido nicotínico ou a associação de ambos. Pode-se ainda utilizar nesta
dislipidemia, o ácido graxo ômega-3 isoladamente ou em associação com os fármacos. Na
hiperlipidemia mista, o nível de triglicérides deverá orientar como o tratamento farmacológico
será iniciado. Caso os níveis de TG estejam acima de 500 mg/dL, deve-se iniciar o tratamento
com um fibrato, adicionando, se necessário, ácido nicotínico e/ou ômega-3. Nesta situação, a
meta prioritária é a redução do risco de pancreatite. Após reavaliação, caso haja a necessidade 164
de redução adicional da colesterolemia, pode-se adicionar uma estatina e/ou outros redutores da
colesterolemia. Nestes casos, deve ser evitado o uso do genfibrozil em associações entre
fibratos e estatinas. Caso os níveis de triglicérides estejam abaixo de 500 mg/dL, deve-se iniciar
o tratamento com uma estatina isoladamente ou associada à ezetimiba, priorizando-se a meta de
LDL-C ou Não-HDL-C.
a) Fibratos - são fármacos derivados do ácido fíbrico que agem estimulando os
receptores nucleares denominados “receptores alfa ativados de proliferação dos peroxissomas”
(PPAR-α). Esse estímulo leva a aumento da produção e ação da lipase lipoprotéica (LPL),
responsável pela hidrólise intravascular dos TG, e redução da Apo CIII, responsável pela inibição
da LPL. O estímulo do PPAR-α pelos fibratos também leva a maior síntese da Apo AI, e
conseqüentemente, de HDL. Reduzem os níveis de triglicérides de 30 a 60%. No entanto, a
redução será mais pronunciada quanto maior o valor basal da trigliceridemia. Aumentam o HDL-
C de 7 a 11%. Sua ação sobre o LDL-C é variável, podendo diminuí-lo, não modificá-lo ou até
aumentá-lo. O tratamento com genfibrozil reduziu a incidência de eventos cardiovasculares
maiores e atenuou a progressão de aterosclerose em monoterapia. Os fibratos são indicados
no tratamento da hipertrigliceridemia endógena quando houver falha das medidas não
farmacológicas. Quando os TG forem muito elevados (> 500 mg/dL) são recomendados
inicialmente, junto com as medidas não farmacológicas, no tratamento da dislipidemia mista com
predomínio de hipertrigliceridemia. As doses recomendadas encontram-se na Tabela XII. É
infreqüente a ocorrência de efeitos colaterais graves durante tratamento com fibratos, levando à
necessidade da interrupção do tratamento. Podem ocorrer: distúrbios gastrintestinais, mialgia,
astenia, litíase biliar (mais comum com clofibrato), diminuição de libido, erupção cutânea, prurido,
cefaléia, perturbação do sono. Raramente observa-se aumento de enzimas hepáticas e/ou CK,
também de forma reversível com a interrupção do tratamento. Casos de rabdomiólise têm sido
descritos com o uso da associação de estatinas com genfibrozil. Recomenda-se, por isso,
evitar essa associação, assim como, também é recomendado ter cautela nas seguintes
condições clínicas: a) portadores de doença biliar; b) uso concomitante de anticoagulante oral,
cuja posologia deve ser ajustada; c) pacientes com função renal diminuída; d) associação com
estatinas.
165
Fonte: Sposito et al, 2007.
b) Ácido nicotínico - reduz a ação da lipase tecidual nos adipócitos, levando à
menor liberação de ácidos graxos livres para a corrente sangüínea. Como conseqüência, reduz-
se a síntese de TG pelos hepatócitos. Reduz o LDL-C em 5% a 25%, aumenta o HDL-C em 15 a
35% e diminui os triglicérides em 20 a 50%. Administrado isoladamente na forma tradicional
observou-se diminuição de 27% nos eventos coronários agudos e, após 15 anos de
acompanhamento (dez anos após a interrupção do medicamento), houve diminuição significativa
da mortalidade total. Associado com estatinas, ou combinado com estatinas e resina, o ácido
nicotínico reduziu a progressão anatômica da aterosclerose coronária e os principais desfechos
cardiovasculares. O ácido nicotínico pode ser utilizado em pacientes com HDL-C baixo isolado,
mesmo sem hipertrigliceridemia associada, e como alternativa aos fibratos e estatinas ou em
associação com esses fármacos em portadores de hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia ou
dislipidemia mista. Devido à menor tolerabilidade com a forma de liberação imediata (rubor,
prurido) e à descrição de hepatotoxicidade com a forma de liberação lenta, tem sido preconizado
seu uso na forma de liberação intermediária, com melhor perfil de tolerabilidade. Como os efeitos
adversos relacionados ao rubor facial ou prurido, ocorrem com maior freqüência no início do
tratamento, recomenda-se dose inicial de 500 mg ao dia com aumento gradual, em geral para
750 mg e depois para 1000 mg, com intervalos de quatro semanas a cada titulação de dose,
buscando-se atingir 1 a 2 g diárias. O pleno efeito sobre o perfil lipídico apenas será alcançado
com o decorrer de vários meses de tratamento. Com a forma de liberação intermediária e o uso
de doses atualmente mais baixas de niacina, outros efeitos como alterações gastrintestinais,
hiperglicemia e hiperuricemia tornaram-se mais raros. De fato, estudo recente avaliando as
modificações na hemoglobina glicada em diabéticos mostrou que pacientes tratados com 1 g de 166
niacina isolada ou associada com estatina não tiveram modificações neste parâmetro glicídico.
Entretanto, pequeno aumento da hemoglobina glicada foi verificado com a dose de 1,5 g (0,02%
de aumento na HbA1c). Por outro lado, estes pacientes diabéticos com o uso de 1 ou 1,5 g de
niacina tiveram substancial aumento de HDL-C (19% e 24%, respectivamente).
c) Ácidos graxos ômega 3 - são derivados do óleo de peixes provenientes de
águas frias e profundas, que reduzem a síntese hepática dos TG. Os mais importantes são o
eicosapentaenóico (EPA) e o docosahexaenóico (DHA). Em altas doses (4 a 10 g ao dia)
reduzem os triglicérides e aumentam discretamente o HDLC. Podem, entretanto, aumentar o
LDL-C. Em portadores de DAC, a suplementação de 1g /dia de ômega- 3 em cápsulas, reduziu
em 10% os eventos cardiovasculares (morte, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral).
Portanto, os ácidos graxos ômega-3 podem ser utilizados como terapia adjuvante na
hipertrigliceridemia ou em substituição a fibratos, niacina ou estatinas em pacientes intolerantes.
Medicamentos que atuam predominantemente no HDL-C
Novos fármacos com ação específica de elevar o HDL-C estão em desenvolvimento e
os primeiros ensaios clínicos estão em andamento. Até o momento, fibratos e ácido nicotínico
são as opções disponíveis para tratamento de indivíduos com HDL-C baixo, particularmente
naqueles com aumento dos TG. Evidências do benefício da monoterapia com estes fármacos
são ainda escassas. Estudos da monoterapia com fibratos têm demonstrado resultados
contraditórios e as evidências favoráveis são advindas de análises retrospectivas de
subpopulações destes estudos que manifestavam síndrome metabólica. A monoterapia com
ácido nicotínico de liberação imediata reduziu moderadamente a mortalidade cardiovascular
(11%) no estudo Coronary Drug Project, ao longo de 10 anos de tratamento. Seu uso, no
entanto, tem sido limitado pelos freqüentes efeitos colaterais, como descrito acima. A
combinação terapêutica de estatinas com fibratos e/ou ácido nicotínico na forma de liberação
intermediária, tem despertado grande interesse em função da evidência de regressão de volume
de ateroma coronário e redução de eventos clínicos em estudos com pequenas casuísticas
(<200 indivíduos). Novos estudos estão em andamento e deverão definir a recomendação desta
167
terapêutica na prática clínica.
Produtos confeccionados em farmácias de manipulação
A ciência farmacêutica tem sido desenvolvida numa premissa essencial de garantir
segurança e eficácia terapêutica. Para tanto, estudos são realizados para garantir a segurança, a
biodisponibilidade e a eficácia de ambos, o princípio ativo e a forma farmacêutica que o
veiculará. Desta forma, a Diretriz de 2007 não recomenda a utilização de produtos
confeccionados em farmácias de manipulação e de similares cuja bioequivalência ao
medicamento original não tenham sido testadas e comprovadas.
Interações medicamentosas
A principal interação entre hipolipemiantes ocorre entre os fibratos e as estatinas.
Embora estes fármacos tenham essa característica, não há contra-indicação ao uso
concomitante de ambos sob vigilância clínica cuidadosa. Esta interação é particularmente
encontrada nas associações com o genfibrozil, devendo-se, por isso, evitar usar este fibrato nas
associações. Além dos fibratos, a associação de estatinas com o ácido nicotínico também deve
ser realizada com cautela. A possível interação entre os medicamentos hipolipemiantes e outros
produtos de utilização freqüente deve ser sempre lembrada, devendo ser consultadas tabelas de
interações antes da associação de vários medicamentos em um mesmo paciente.
19.4 Dislipidemias em grupos especiais
Dislipidemias graves
168
Os portadores de formas graves de dislipidemia e que apresentam pequena ou mesmo
nenhuma resposta ao uso de hipolipemiantes em doses habituais devem ser encaminhados a
centro de referência. Esse tratamento exige monitorização laboratorial intensiva e seguimento
clínico mais freqüente, em virtude da maior incidência de eventos adversos. Em centros de
referência, doses elevadas, associação de medicamentos e medidas alternativas podem ser
adotadas (aféreses, anastomose ileal parcial, transplante de fígado e terapêutica genética).
Diabete melito
Nos diabéticos, as dislipidemias habitualmente encontradas são hipertrigliceridemia,
redução do HDL-C e aumento do volume de partículas de LDL pequena e densa. Os níveis
absolutos de LDL-C, no entanto, são similares nos diabéticos e na população em geral. Apesar
disto, a redução da colesterolemia por meio do tratamento com estatinas em diabéticos tipo 2 é
um elemento crucial na prevenção da doença aterosclerótica. Nos últimos anos, estudos clínicos
bem controlados têm demonstrado que a redução do LDL-C nos diabéticos promove benefício
similar à redução do LDL-C em pacientes com doença coronária manifesta. Com base nesses
dados, a III Diretriz Brasileira sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, de 2001,
apontou como meta terapêutica LDL-C < 100 mg/dL em ambos, diabéticos e pacientes, com
doença aterosclerótica clinicamente manifesta. Nos últimos meses, estudos clínicos consistentes
demonstraram que a redução do LDL-C < 70 mg/dL promove redução adicional na manifestação
de eventos cardiovasculares em pacientes com doença coronária quando comparada à redução
para a meta de LDL-C < 100 mg/dL. Assim, em consistência com a III Diretriz, a meta < 70
mg/dL pode ser considerada opcional para os pacientes diabéticos, uma vez que estes são
considerados como de risco equivalente aos portadores da doença aterosclerótica.
169
Doença renal crônica
Cerca de 90% dos pacientes com doença renal crônica (DRC) apresentam
hipercolesterolemia. Hipertrigliceridemia, HDL-C < 35 mg/dL e Lp(a) > 30 mg/dL ocorrem, cada
uma, em 60% dos pacientes. No entanto, a prevalência pode variar conforme a gravidade da
DRC e o tratamento dialítico. Após transplante renal, os níveis de HDL-C e de Lp(a) tendem a se
normalizar nestes pacientes. Com relação à síndrome nefrótica, tanto a hipercolesterolemia
como a hipertrigliceridemia têm sido descritas. Estudos “in vitro” sugerem que a pressão oncótica
baixa do plasma, própria da síndrome nefrótica, estimula diretamente a transcrição do gene da
apolipoproteína B, aumentando a síntese das lipoproteínas que contêm essa apolipoproteína. A
redução do catabolismo tem também papel importante na fisiopatogenia da dislipidemia
observada na síndrome nefrótica. A regressão da síndrome nefrótica, espontânea ou após
tratamento medicamentoso, reverte a dislipidemia. Mais importante que a indução da
dislipidemia pela DRC é o papel desta e o do tratamento com hipolipemiante na evolução da
doença renal. Em alguns estudos, o tratamento da hipercolesterolemia com estatinas tem
demonstrado favorecer a preservação e, ocasionalmente, a melhora da função renal em
indivíduos em prevenção primária e secundária. No entanto, embora exista consenso com
relação à necessidade de tratamento das dislipidemias nos indivíduos com DRC, o volume de
evidências é insuficiente para o esclarecimento integral sobre este benefício. Em outras
palavras, não há evidência de que, na ausência de rabdomiólise, o uso de estatina possa causar
ou acentuar a disfunção renal. Pacientes com DRC, no entanto, pelo risco cardiovascular
acentuado que possuem, devem ser investigados e tratados com hipolipemiantes com a
finalidade de prevenir a doença cardiovascular. Neste contexto, a Diretriz de 2007 adotou a
presença de microalbuminúria, clearance de creatinina < 60 mL/minuto e/ou creatinina superior a
1,5 mg/dL como fator agravante, elevando o seu portador à categoria de risco imediatamente
superior.
Todo indivíduo portador de DRC deve, portanto, ser avaliado quanto à presença de
dislipidemias e sua hipercolesterolemia tratada conforme a meta indicada ao seu risco de
eventos cardiovasculares. Para este fim, o intervalo entre a sessão de diálise e a coleta das
amostras deve ser de, no mínimo, 12 horas. Cuidado especial deve ser feito ao risco de 170
rabdomiólise naqueles indivíduos com redução acentuada da função renal (clearance <60
mL/minuto) que passarem a fazer uso de estatinas ou fibratos. Nestes deve-se evitar o uso de
genfibrozil e preferir estatinas com menores taxas de excreção renal conforme Tabela XIII:
Fonte: Sposito et al, 2007.
Hipotireoidismo
A dislipidemia do hipotireoidismo é caracterizada pelo aumento das concentrações
plasmáticas do LDL-C, conseqüente ao decréscimo do número de receptores hepáticos para a
remoção destas partículas. Nos indivíduos com hipotireoidismo e obesidade, observa-se
hipertrigliceridemia em decorrência do aumento da produção hepática das partículas de VLDL,
da lipólise diminuída dos triglicérides séricos e, em alguns indivíduos com o genótipo E-2/E-2, da
remoção lenta dos remanescentes de VLDL. As alterações nos lípides plasmáticos ocorrem tanto
no hipotireoidismo manifesto clinicamente, como na forma subclínica. No entanto, mesmo após
reposição hormonal, alguns indivíduos permanecem dislipidêmicos, demonstrando a
coexistência da dislipidemia primária. Por isso, após reposição hormonal, deve-se aferir o perfil
lipídico para avaliar a necessidade de tratamento adicional.
O tratamento com estatinas não está contra-indicado nesses indivíduos. No entanto, 171
atenção especial deve ser dada à monitorização da miotoxicidade após início das estatinas nos
pacientes com hipotireoidismo não tratado, por terem eles risco aumentado de miosite. A
reposição hormonal corrige a dislipidemia induzida pelo hipotireoidismo.
Hepatopatias crônicas
A cirrose biliar, a colangite esclerosante e outras hepatopatias que cursam com
colestase, podem ser acompanhadas de hipercolesterolemia significativa. Entretanto, a
colesterolemia não se correlaciona aos níveis plasmáticos de bilirrubina. Com relação às
doenças hepáticas não-colestáticas crônicas e à cirrose hepática, não há contra-indicação à
terapia de prevenção com estatinas. Em casos de surgimento de icterícia, elevação de bilirrubina
direta ou aumento do tempo de protrombina, a estatina deve ser suspensa. A estatina também
deverá ser suspensa, na ocasião do surgimento de nova doença hepática, quando não for
possível excluí-la como agente causal.
Síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA)
Antes do surgimento dos inibidores de protease (IP), relatos e séries de casos
descreveram aumento da incidência de eventos vásculo-trombóticos agudos nos indivíduos
portadores do vírus ou da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Esses achados
estavam circunscritos pela gravidade da doença imunológica e foram atribuídos à trombofilia e à
acentuação do risco aterogênico pela redução de HDL-C e elevação de TG e Lp(a) naqueles
indivíduos. A utilização da terapia antiretroviral altamente ativa (HAART - Highly Active Anti-
Retroviral Therapy) para o tratamento da SIDA permitiu atenuação acentuada da deficiência
imunológica e, conseqüentemente, da morbidade e mortalidade associadas à doença. Além
disso, surgiram efeitos colaterais metabólicos decorrentes desta terapêutica, em especial do
uso dos IP, caracterizada por lipodistrofia, resistência à insulina e dislipidemia mista. Os
indivíduos sob tratamento com IP apresentam, freqüentemente, elevações acentuadas de
172
triglicérides e de Não-HDL-C, além da redução de HDL-C. Combinados, o aumento da sobrevida
pelo benefício do HAART e o aumento do perfil aterogênico pela SIDA e pelo tratamento com os
IP acentuaram a incidência de eventos cardiovasculares agudos e apontaram para a
necessidade de terapia preventiva nos indivíduos soropositivos ou portadores da SIDA. Com
base nessas evidências, a Diretriz de 2007 recomenda que a avaliação do risco aterosclerótico
através do ERF e do perfil lipídico nos indivíduos soropositivos deva ser feita na avaliação inicial,
antes da instituição do HAART.
Para indivíduos estratificados como de baixo risco cardiovascular, com valores lipídicos
dentro dos limites desejáveis e sem terapia antiretroviral, a avaliação deve ser repetida a cada
dois anos. Neste grupo e, em particular, quando o perfil de risco for considerado elevado, deve
ser estimulada a adoção de estilo de vida saudável, com ênfase para interrupção do tabagismo.
Para pacientes com indicação de terapia antiretroviral, recomenda-se reavaliação um mês após
o início da medicação e no seguimento, a cada três meses. Dentre estes, cerca de dois terços
manifestaram dislipidemia mista com indicação terapêutica. Tendo como ação preferencial a
adoção de estilo de vida saudável, as opções terapêuticas incluem ainda o uso de
hipolipemiantes.
Medicamentos antiretrovirais são preferencialmente metabolizados pelo CYP P450 3A4
e interações com estatinas modificam os níveis séricos e a eficácia dos IP, por compartilharem
os mesmos sítios de metabolização hepática. Portanto, deve ser dada preferência para estatinas
que atuem em sítios de metabolização distintos, como a pravastatina e fluvastatina, e evitar
aquelas com metabolização exclusiva pelo CYP P450 3A4, como a sinvastatina. A atorvastatina
pode ser usada com cautela e existem dados favoráveis, porém limitados, com a rosuvastatina
até o presente. Fibratos e os ácidos graxos ômega-3 podem ser administrados em
concomitância aos IP.
Terapia combinada usando estatinas e fibratos é recomendada para dislipidemias
mistas graves, entretanto, como para as demais condições clínicas, a associação com genfibrozil
deve ser evitada. Nestes casos, recomenda-se rigoroso monitoramento de toxicidade muscular
por avaliação de sintomas de miopatia e dosagens de CK.
173
Síndromes isquêmicas agudas (SIA)
As alterações lipídicas mais freqüentemente observadas nos pacientes com SIA são:
aumento dos TG e diminuição do LDL-C e do HDL-C. Nas primeiras 24 horas após o início dos
sintomas, entretanto, o perfil lipídico corresponde aos valores usuais dos pacientes. Além de
aumentar a aderência ao tratamento, evidências científicas indicam benefício no uso precoce
das estatinas nesta população. Portanto, o uso de estatinas está indicado para os indivíduos
com síndromes coronárias agudas, tendo como meta terapêutica LDL-C < 70 mg/dL.
Idosos (> 65 anos)
Nessa faixa etária, deve ser dada especial atenção a causas secundárias de
dislipidemias, principalmente hipotireoidismo, diabete melito e insuficiência renal crônica. Nos
idosos em prevenção secundária, mantêm-se as mesmas recomendações feitas aos demais
pacientes. Naqueles em prevenção primária, embora as evidências sejam preliminares, o
tratamento com estatinas pode ser benéfico na prevenção de eventos coronários , acidentes
vasculares cerebrais e preservação da função cognitiva.
Mulheres em idade fértil
A terapia com estatinas deve ser evitada em mulheres em idade fértil e sem
contracepção adequada ou que desejem engravidar. Os fibratos podem ser considerados em
casos de hipertrigliceridemia muito grave (TG > 1000 mg/dL), como parte de análise de
risco/benefício para gestantes (pela alta mortalidade da mãe e do feto pela pancreatite aguda
durante a gravidez); entretanto, o tratamento mais seguro e recomendado nestas situações é a
plasmaferese.
174
Mulheres no período climatérico pós-menopausa
Embora a terapia de reposição hormonal (TRH) em mulheres após a menopausa
possa reduzir o LDL-C em até 20-25% e aumentar o HDL-C em até 20%, as evidências
disponíveis demonstram aumento discreto de risco cardiovascular em associação à TRH. Nas
mulheres em prevenção primária com indicações ginecológicas para TRH (controle de sintomas
vasomotores, osteoporose), sugere-se a terapia por período limitado, especialmente na presença
de fatores de risco cardiovasculares. A TRH deve ser evitada em mulheres com alto risco
cardiovascular ou em prevenção secundária. Naquelas em utilização de TRH que apresentam
evento cardiovascular, a TRH deve ser interrompida.
As estatinas diminuem a morbi-mortalidade em mulheres portadoras de aterosclerose e
após a menopausa, sendo os medicamentos de escolha para a prevenção de eventos clínicos.
Perioperatório
Para todos os pacientes com indicação do uso de estatinas, a medicação deve ser
mantida ou então iniciada, independentemente da natureza do procedimento cirúrgico proposto.
Nos pacientes coronariopatas ou com alto risco cardiovascular, o tratamento com estatinas pode
reduzir complicações atero-trombóticas no perioperatório de intervenções vasculares.
Transplante cardíaco (TC)
A presença de dislipidemia após TC está associada à maior incidência de doença
vascular do enxerto. Portanto, apesar da falta de evidências, o tratamento com estatinas deve
ser indicado nos indivíduos com TC e dislipidemia. Nestes casos, deve-se monitorar o risco de
175
toxicidade muscular devido à interação das estatinas com a ciclosporina.
Doenças reumáticas auto-imunes
Doenças reumáticas auto-imunes estão associadas a maiores índices de mortalidade e
morbidade cardiovascular. Esta associação se deve ao aumento da prevalência de fatores de
risco convencionais para aterosclerose, ao uso de fármacos com potencial efeito aterogênico
como corticóides e à participação da anormalidade inflamatória e auto-imune no processo
aterogênico e na trombogênese. Várias doenças reumáticas auto-imunes associam-se à
manifestação precoce da aterosclerose. As mais estudadas são o Lupus Eritematoso Sistêmico,
Artrite Reumatóide, Síndrome Antifosfolípide, Esclerose Sistêmica Progressiva, Síndrome de
Sjögren e Vasculite Sistêmica Primária. Potencialmente, a presença dessas doenças pode
equivaler a alto risco cardiovascular, a exemplo do diabete melito. No entanto, o volume de
evidências é restrito para que sejam criadas normatizações dessa natureza. À luz dos
conhecimentos disponíveis, a Diretriz de 2007 recomenda atenção especial ao estilo de vida e
ao controle dos fatores de risco nos indivíduos com doença reumática auto-imune. Caso seja
necessário o uso de fármacos hipolipemiantes, sua utilização deve ser regida pelas mesmas
normas recomendadas nesta diretriz, para as populações não portadoras de doenças auto-
imunes.
20 SÍNDROME METABÓLICA
A Síndrome Metabólica (SM) é um transtorno complexo representado por um conjunto 176
de fatores de risco cardiovascular, geralmente relacionados à deposição central de gordura
(obesidade andróide) e à resistência à insulina, devendo ser destacada a sua importância do
ponto de vista epidemiológico, responsável pelo aumento da mortalidade cardiovascular
estimada em 2,5 vezes.
Por conta disso, os Presidentes da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH), da
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia (SBEM), da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e da Associação Brasileira
para o Estudo sobre a Obesidade (ABESO), juntaram esforços para elaborar a I Diretriz
Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica, em 2004.
O estudo da SM tem sido dificultado pela ausência de consenso na sua definição e nos
pontos de corte dos seus componentes, com repercussões na prática clínica e nas políticas de
saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o National Cholesterol Education Programs
Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III) formularam definições para a SM, como se segue:
a) A definição da OMS preconiza como ponto de partida a avaliação da resistência à insulina
ou do distúrbio do metabolismo da glicose, o que dificulta sua utilização;
b) A definição do NCEP-ATP III, foi desenvolvida para uso clínico e não exige a comprovação
da resistência à insulina, facilitando sua utilização. Nesta definição, a SM representa a
combinação de pelo menos 3 componentes do quadro abaixo, sendo a definição de escolha
da I Diretriz.
177
Fonte: Brandão, 2004.
20.1 Diagnóstico Clínico e Avaliação Laboratorial
Deve levar em consideração os critérios do NCEP-ATP III e englobar:
a) História clínica – idade, tabagismo, prática de atividade física, história
pregressa de HAS, diabetes gestacional, DAC, AVE, síndrome de ovários policísticos (SOP),
esteatose hepática não alcoólica, hiperuricemia, história familiar de hipertensão, diabetes e
doença cardiovascular, uso de medicamentos hiperglicemiantes;
b) Exame físico – medida da circunferência abdominal, avaliação dos níveis de
pressão arterial, avaliação de peso e estatura, para cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC),
exame da pele, para pesquisa de acantose nigricans e exame cardiovascular.
c) Exames laboratoriais – dosagem do HDL, colesterol e triglicerídios. Outros
exames poderão ser solicitados, como complementação: colesterol total, LDL, creatinina, ácido
úrico, microalbuminúria, proteína creativa, TOTG (teste de tolerância oral à glicose) e
eletrocardiograma.
20.2 Prevenção Primária
A predisposição genética, a alimentação inadequada e a inatividade física estão entre
os principais fatores que contribuem para o surgimento da SM, sendo a prevenção primária um 178
desafio contemporâneo, com importante repercussão para a saúde. Assim, a adoção precoce de
um estilo de vida saudável, como dieta adequada (para manutenção do peso adequado, diminuir
consumo de gorduras saturadas e gordura trans; aumentar ingestão de frutas, hortaliças,
leguminosas e cereais integrais; diminuir a ingestão de açúcar e adição e de sal) e prática
regular de atividade física, preferencialmente desde a infância, é um componente básico da
prevenção da SM.
A mudança no estilo de vida exige mudança de hábitos no intuito de diminuir as horas
destinadas a lazer passivo, como assistir televisão, jogos eletrônicos, atividades em
computadores, etc.
20.3 Tratamento da SM
As terapias de primeira escolha são: realização de um plano alimentar para perda de
peso, associado ao exercício físico constante. Esta associação é capaz de diminuir a
circunferência abdominal e a quantidade de gordura visceral, melhorando de forma significativa a
sensibilidade à insulina, diminuindo os níveis plasmáticos de glicose, sendo capaz de prevenir ou
pelo menos retardar o surgimento de diabetes tipo II, além de promover a diminuição dos
triglicerídios e da pressão arterial e aumento dos níveis de HDL colesterol.
O planejamento alimentar deve favorecer a perda de 5 a 10% do peso inicial. Para
obesos, recomenda-se uma dieta hipocalórica, com uma redução de 500 a 1000 Kcal do gasto
energético total (GET) diário previsto ou da anamnese alimentar, com o objetivo de promover a
perda de 0,5 a 1,0Kg/semana.
Um método prático para calcular as necessidades nutricionais destes pacientes é
utilizar 20 a 25 Kcal/Kg peso atual/dia, entretanto, deve-se ter o cuidado de não indicar dietas
com menos de 800 Kcal/dia. As recomendações quanto à ingestão de energia e macronutrientes
podem ser observadas na tabela abaixo: 179
Fonte: Brandão, 2004.
A ingestão de sal de cozinha deve ser limitada a 6g/dia, devendo ser evitados
alimentos como: embutidos, conservas, enlatados, defumados e biscoitos salgadinhos tipo
snacks. Devem-se utilizar condimentos naturais como salsa, cebolinha e ervas aromáticas.
Recomenda-se o consumo diário de 2 a 4 porções de frutas, sendo pelo menos uma
rica em vitamina C (frutas cítricas) e de 3 a 5 porções de hortaliças cruas e cozidas.
Abordagens dietéticas como a dieta DASH e a Dieta Mediterrânea podem ser uma
opção terapêutica na SM, quando associada a uma intervenção no estilo de vida. Porém,
independente da abordagem nutricional escolhida, o plano alimentar deve ser fracionado em 5
refeições diárias, sendo três principais (por exemplo: desjejum, almoço e jantar) e dois lanches. 180
Os alimentos devem ser preparados cozidos, grelhados ou assados, preparados no
vapor, ou mesmo crus (hortaliças). Alimentos diet e light podem fazer parte do planejamento
alimentar, porém não podem ser utilizados como única opção alimentar. Outro ponto importante
é o respeito pelas preferências alimentares e poder aquisitivo do paciente e da família.
Com relação à prática de atividade física, as principais recomendações estão listadas
no quadro abaixo:
181
Fonte: Brandão, 2004.
Além dos pontos discutidos anteriormente, a I Diretriz recomenda controle das
situações de estresse emocional, cessação do fumo e controle na ingestão de bebida alcoólica,
cujo limite máximo deve ser de 30g de etanol/dia para os homens e metade desta quantidade
para as mulheres.
Esforços devem ser conjugados de forma a otimizar recursos e estratégias, com a
participação ativa do paciente e manutenção da sua qualidade de vida, visando minimizar ou
evitar a baixa adesão ao tratamento.
Além disso, ressalta-se a importância da atuação integrada dos membros da equipe
de saúde (médico, nutricionista, professor de educação física, enfermeiro, psicólogo, assistente
social e farmacêutico), visando assistência ao paciente.
O tratamento medicamentoso deve incluir, de acordo com a avaliação médica prévia,
fármacos para controle da pressão arterial (diuréticos, IECA, antagonistas do receptor AT, da
angiotensina II, antagonistas dos canais de cálcio, betabloqueadores, inibidores adrenérgicos), 182
para tratamento do diabetes mellitus (antidiabéticos orais – sulfoniluréias, metiglinidas,
biguanidas, inibidores da alfa-glicosidase e glitazonas; e/ou insulina), para tratamento da
dislipidemia (estatinas, fibratos, ácido nicotínico, ezetimiba, ácidos graxos ômega-3) e da
obesidade (anfepramona, femproporex, mazindol, sibutramina e orlistat). A associação de 2 ou
mais medicamentos deve sempre levar em consideração as possíveis interações
medicamentosas e efeitos colaterais. Com relação aos fármacos para o tratamento da obesidade
os dois mais recomendados são a sibutramina e o orlistat, não sendo recomendada a utilização
de fórmulas magistrais (manipuladas) contendo anorexígenos.
Alguns casos de obesidade e SM, refratários ao tratamento medicamentoso e
mudanças no estilo de vida podem ser encaminhados ao tratamento cirúrgico (cirurgia
bariátrica).
Os principais critérios para a realização deste tipo de cirurgia, foram definidos em
março de 1991 pelo US National Institute os Health Consensus Development Conference Panel
e são os seguintes:
a) Obesidade mórbida (IMC>40kg/m2), ou paciente obeso (IMC > 35mg/m2)
apresentando comorbidades clínicas importantes e somente após ter sido submetido a
tratamento clínico adequado, porém sem resultados;
b) O paciente somente poderá ser submetido à cirurgia se estiver bem informado
sobre o tratamento, motivado e se apresentar risco operatório aceitável;
c) O paciente só deve ser selecionado para a cirurgia, após cuidadosa avaliação
por equipe multidisciplinar especializada e composta por: endocrinologistas ou clínicos,
intensivistas, cirurgiões, psiquiatras ou psicólogos e nutricionistas;
d) A cirurgia deverá ser realizada por cirurgião experiente no procedimento e que
trabalhe com equipe e em local com suporte adequado para todos os tipos de problemas e
necessidades que possam ocorrer;
e) Após a cirurgia, deverá haver acompanhamento médico a longo prazo;
f) As mulheres em idade fértil deverão ser alertadas de que só poderão engravidar
após a cirurgia, quando estiverem com o peso estabilizado e com seu estado metabólico e
nutricional normalizado. 183
g) Em condições especiais, a cirurgia poderá ser considerada em adolescentes,
crianças, idosos e pacientes com complicações graves da SM e IMC > 35kg/m2.
Os tipos de cirurgia atualmente recomendados são as cirurgias restritivas (banda
gástrica ajustável e gastroplastia vertical com banda), cirurgias disabsortivas (derivação
bileopancreática, Switch duodenal ou Scopinaro) ou cirurgias mistas (desvio gástrico em Y de
Roux, com ou sem anel de estreitamento – Fobi, Capella ou bypass gástrico).
As cirurgias bariátricas implicam em perda de peso que pode variar de 20 a 70% do
excesso de peso, sendo o método mais eficaz e duradouro para a perda de peso, com melhora
nítida dos componentes da SM, entretanto, como todo procedimento cirúrgico, pode apresentar
riscos e complicações, como mortalidade (0,5% a 1,5% no desvio gástrico em Y de Roux) e
complicações do pós-operatório, em torno de 10%. Também podem ocorrer complicações
abdominais como dumping e colelitíase, por exemplo.
Todas as técnicas cirúrgicas mencionadas podem levar à má nutrição, havendo
necessidade de reposição com suplementos vitamínicos e minerais.
Metas para o Tratamento da SM
Estão descritas no quadro abaixo:
184
Fonte: Brandão, 2004.
-
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