UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA – CCT
DEPARTAMENTO DE QUÍMICA
DISCIPLINA: QUÍMICA INDUSTRIAL
PROFESSORA: PABLÍCIA OLIVEIRA GALDINO
PRODUÇÃO DE CACHAÇA
CARACTERIZAÇÃO DA AGUARDENTE DE CANA E CACHAÇA (PADRÕES
DE IDENTIDADE E QUALIDADE)
O Decreto Federal 6.871 de 4 de junho de 2009 regulamenta a Lei 8.918, de 14
de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a
inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas. A Instrução Normativa Nº 13, de 29 de
junho de 2005, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
estabelece os Padrões de Identidade e Qualidade (PIQ) para aguardente de cana-de-
açúcar e para cachaça.
A Instrução Normativa Nº 13 foi parcialmente alterada pela Instrução Normativa
Nº 58 de 19 de dezembro de 2007 e pela Instrução Normativa Nº 27 de 15 de maio de
2008. As definições presentes nestas instruções normativas estão descritas a seguir:
Destilado Alcoólico Simples de Cana-de-Açúcar
Destinado à produção da aguardente de cana, é o produto obtido pelo processo de
destilação simples ou por destilo-retificação parcial seletiva do mosto fermentado do
caldo de cana-de-açúcar, com graduação alcoólica superior a 54% e inferior a 70% vol.
a 20 °C.
Aguardente de cana
É a bebida com graduação alcoólica de 38% vol. a 54% vol. a 20 °C, obtida do
destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto fermentado
do caldo de cana-de-açúcar, podendo ser adicionada de açúcares até 6,0 g/L, expressos
em sacarose. A aguardente de cana poderá ter as seguintes denominações:
• Aguardente de Cana Adoçada pode conter açúcares em quantidade superior a 6,0 g/L e
inferior a 30 g/L, expressos em sacarose. A sacarose (açúcar refinado ou cristal) pode
ser substituída total ou parcialmente por açúcar invertido, glicose ou seus derivados
reduzidos ou oxidados.
• Aguardente de Cana Envelhecida deve conter, no mínimo, 50% da aguardente de cana
ou do destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar envelhecidos em recipiente de
madeira apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período de um ano.
• Aguardente de Cana Premium deve conter 100% (cem por cento) de aguardente de
cana ou destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar envelhecidos em recipiente de
madeira apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período de um ano.
•Aguardente de Cana Extra Premium deve conter 100% de aguardente de cana ou
destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar envelhecidos em recipiente de madeira
apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período não inferior a três
anos.
Cachaça
A denominação típica e exclusiva da Aguardente de Cana produzida no Brasil, com
graduação alcoólica de 38% vol. a 48% vol. a 20 °C, obtida pela destilação do mosto
fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características sensoriais peculiares,
podendo ser adicionada de açúcares até 6,0 g/L, expressos em sacarose. A cachaça
poderá ter as seguintes denominações:
• Cachaça Adoçada pode conter açúcares em quantidade superior a 6,0 g/L e inferior a
30 g/L, expressos em sacarose. A sacarose (açúcar refinado ou cristal) pode ser
substituída total ou parcialmente por açúcar invertido, glicose ou seus derivados
reduzidos ou oxidados.
• Cachaça Envelhecida deve conter, no mínimo, 50% de cachaça ou aguardente de cana
envelhecida em recipiente de madeira apropriado, com capacidade máxima de 700
litros, por um período de um ano.
• Cachaça Premium deve conter 100% (cem por cento) de cachaça ou aguardente de
cana envelhecida em recipiente de madeira apropriado, com capacidade máxima de 700
litros, por um período de a um ano.
• Cachaça Extra Premium deve conter 100% de cachaça ou aguardente de cana
envelhecida em recipiente de madeira apropriado, com capacidade máxima de 700
litros, por um período não inferior a três anos.
*Bebidas denominadas Premium e Extra Premium
- Só poderão constar no rótulo, se o processo de envelhecimento forem
acompanhados e certificado pelo MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e
Abastecimento);
- Uso das expressões “Prata”, “Clássica” ou ‘’Tradicional’’: produtos de madeira
ou não. Expressão ‘’Ouro’’: armazenados em recipiente de madeira e com
alteração na coloração;
- Fica vedado o uso de corantes de qualquer tipo, extrato, lascas de madeira ou
substâncias para correção ou modificação da coloração original do produto
armazenado ou envelhecido. Como também, as características sensoriais naturais
do produto final, com exceção do uso do caramelo para correção ou
padronização da cor conforme previsto nos seguintes itens: AGUARDENTE DE
CANA ENVELHECIMENTO, PREMIUM E EXTRA PREMIUM, CACHAÇA
ENVELHECIDA, PREMIUM E EXTRA PREMIUM;
-Recipientes utilizados pode reaproveitamento: somente para produção de outras
bebidas, exceto para outros fins;
-Uso da água potável para conservação do recipiente (armazenamento ou
envelhecimento de cachaça ou aguardente de cana);
Teor máximo de ferro: 0,3 mg/L
Teor máximo de manganês: 0,1 mg/L
Dureza total (teor máximo de carbonato de cálcio): 100,0 mg/L
Oxigênio necessário para oxidar a matéria orgânica: 2,0 mg/L
Obrigatório declarar no rótulo a expressão: Armazenada em ....(seguida do nome do
recipiente) de..... (seguida do nome da madeira em que o produto foi armazenado),
para cachaça ou aguardente de cana, armazenados em recipiente de madeira e que não
se enquadrarem nos critérios definidos para a denominação de Envelhecida, Premium
ou Extra Premium. Exemplo, “armazenada em tonéis de carvalho”; “armazenada em
tonéis de umburana”; “armazenada em tonéis de balsamo”; etc.
ETAPAS DO PROCESSO DE PRODUÇÃO
Figura 1: Fluxograma do processo de produção da cachaça
PLANTIO
Antes de implantar um canavial destinado à produção de matéria-prima usada na
agroindústria de cachaça, o produtor deve estar atento a diversos fatores inter-
relacionados, dos quais se podem destacar:
1) o potencial genético da planta (variedade) e sua adaptabilidade ao ambiente;
2) as condições físicas, químicas e biológicas do solo;
3) as condições climáticas do local;
4) os tratos culturais empregados (preparo do solo, aquisição de mudas, forma de
plantio, controle de ervas daninhas, pragas e doenças); e
5) a qualidade da matéria-prima.
COLHEITA
A colheita da cana-de-açúcar reflete todo o trabalho desenvolvido e conduzido
no campo ao longo do ciclo da cultura, culminando na entrega da matéria-prima para
que a mesma seja processada e contribua na obtenção de um produto final de qualidade.
A cana-de-açúcar destinada à produção de cachaça deve ser cortada bem rente ao solo
para evitar infestações de pragas e doenças nas soqueiras remanescentes e emissões de
brotações aéreas.
Tanto no corte manual como no mecânico, a limpeza deve ser uma preocupação
constante, visando à obtenção de um caldo rico em açúcar e livre de impurezas.
A prática de queimar os canaviais é um fator prejudicial à qualidade da cachaça, embora
facilite a colheita da cana-de-açúcar. Tal conduta acelera a deterioração da cana, ainda
no campo, pela inversão da sacarose. Além disso, acarreta o acúmulo de cinzas nas
dornas de fermentação, interferindo negativamente no processo fermentativo.
No que se refere ao paladar da cachaça, identifica-se com certa facilidade o
gosto de queimado (associado ao aumento do teor de furfural, hidroximetilfurfural e
compostos correlatos), o que deprecia a qualidade do produto.
Também é importante saber o momento da colheita de cana de açúcar. Existem
técnicas que auxiliam no estabelecimento da época certa da colheita. O procedimento a
ser realizado é o seguinte:
a) deve-se percorrer a área a ser colhida, cortando as canas ao acaso em vários pontos da
área;
b) extrair com ferramentas próprias algumas gotas de caldo (gomo da cana) contando a
partir da base da cana (chão) e do último internódio do qual a bainha se desgarra
facilmente. Medir no refratômetro de campo e anotar o °Brix;
c) calcular o Índice de Maturação (IM), dividindo os valores encontrados na ponta pelos
encontrados na base, tirando-se a média das amostras (IM = Brix ponta/Brix base).
Tabela1: Interpretação dos resultados dos índices de maturação
RESULTADO DE IM INTERPRETAÇÃO
< 0,6 Imatura (verde)
0,6 - 0,7 Maturação baixa
0,7 – 0,84 Maturação média
0,85 – 1,0 Maturação ótima
> 1,0 Maturação ultrapassada
Fonte: Mutton e Mutton, 2010
De preferência, a cana-de-açúcar deve ser moída no mesmo dia do corte. O
limite máximo é de 24 horas, para se evitar perda da qualidade da cana devido à
deterioração do açúcar via contaminação microbiológica. Para evitar que a cana fique
estocada por muito tempo, faz necessário calcular a quantidade de cana a ser colhida.
Para o entendimento dos cálculos, vamos exemplificar uma quantidade de cana a ser
cortada para preparar 1000 litros de caldo com 18 °Brix, considerando a relação de 600
litros de caldo por tonelada de cana.
Após ser cortada, a cana deve ser disposta paralelamente em pequenos montes
sobre o terreno, sendo transportada para uma área coberta, próxima a seção de moagem.
O transporte deve ser feito com cuidado e o mais rápido possível, procurando evitar
tanto danos mecânicos quanto a ação direta da luz solar. A luz e o calor favorecem a
proliferação de bactérias, que aumentam a viscosidade do caldo, prejudicando a
decantação do fermento, o rendimento da fermentação e, consequentemente, a qualidade
do vinho a ser destilado, produzindo compostos indesejáveis, que serão destilados e
possivelmente incorporados à cachaça.
PREPARAÇÃO DA CANA PARA MOAGEM
A cana deve ser sempre mantida mais limpa possível. Se os colmos estiverem
empoeirados, com terra ou em quantidade apreciável de cera, é recomendável que sejam
lavados com jato de água potável pouco antes de serem moídos. Só devem ser moídos
os colmos saudáveis.
MOAGEM
A moagem propicia a extração do caldo existente nos colmos da cana-de-açúcar.
Na cana madura, o caldo possui aproximadamente, entre 75% a 82% de água e de 18%
a 25% de açúcares. O principal objetivo desta etapa é recuperar o açúcar que está
dissolvido no caldo, que se encontra armazenado nos colmos de cana-de-açúcar. A
moenda é o equipamento responsável pela extração do caldo da cana. Seus componentes
essenciais são: base, castelos, rolos, bagaceira e motor.
A eficiência da extração de uma moenda pode ser medida dividindo a
quantidade de caldo extraído pela quantidade total de caldo presente nos colmos. Essa
eficiência depende da regularidade e uniformidade na alimentação dos colmos na
moenda; da regulagem da moenda; velocidade dos cilindros; tipos de ranhuras; uso de
soldas nos cilindros; porcentagem de fibra da cana, preparo da cana e uso da técnica da
embebição.
A cana pode ser moída inteira ou após preparo. O preparo da cana consiste em
picar e/ou desfibrar a cana, com a finalidade de destruir a resistência das partes duras
dos colmos, aumentando a capacidade de trabalho da moenda e a extração. No entanto é
indispensável que os colmos sejam preparados imediatamente antes da moagem, para
evitar a proliferação de bactérias.
Geralmente, as fábricas de cachaça utilizam um único terno de rolos,
alimentados manualmente, para extrair o caldo. Neste caso a extração rende entre 600
litros (moendas desprovidas de reguladores de pressão) e 700 litros (moendas dotadas
de reguladores de pressão) de caldo por tonelada de cana. Após essa primeira passagem
da cana, resta o bagaço contendo em torno de 35% a 40% de caldo. A parcela restante é
de difícil extração, ficando fortemente retida nas fibras do bagaço. Neste caso, se torna
inviável fazer um segundo esmagamento desse bagaço, sem adição de água. Esse
segundo esmagamento torna-se mais eficiente, se for utilizada a técnica da embebição,
que através da adição de água no bagaço, promove a diluição do açúcar retido em suas
fibras, aumentando a eficiência de extração do processo.
A embebição, associada ao emprego de picadores e desfibradores, permite
aumentar a eficiência de extração até cerca de 90%. Contudo, esses recursos devem ser
utilizados com cautela pelos pequenos produtores, para evitar que se tornem fontes de
contaminação por bactérias, prejudicando a qualidade do caldo para a fermentação. Tais
efeitos podem advir, por exemplo, do emprego de água contaminada ou da exposição
excessiva de pedaços da cana às condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento
de microrganismos contaminantes.
LIMPEZA DO CALDO
O caldo que sai da moenda ainda não está adequado para a produção de cachaça.
Esse caldo deve ser filtrado e decantado para separação de impurezas, antes de entrar
nas dornas de fermentação. A filtração consiste em passar o caldo extraído em uma
peneira de malha fina. Essa peneira é destinada a reter impurezas maiores, como
resíduos de bagaço e folhas, provenientes da matéria-prima. Recomenda-se o uso de tela
de aço inoxidável com malha de 1,0 mm de abertura. Após essa filtração, o caldo
atravessa o decantador, onde as partículas sólidas remanescentes no caldo filtrado e
mais densas que ele (resíduos de terra), se deslocam para o fundo do recipiente e o
bagacilho, menos denso que o caldo, fica retido nas aletas suspensas do decantador.
O sistema de filtração deve permitir que o caldo chegue o mais puro e limpo
possível às dornas de fermentação. Bagacilhos, bagaço e folhas, quando secos nas
bordas das dornas, podem provocar contaminação bacteriana (mucilagem), produzindo
fermentações secundárias (lática, butílica, málica), cujos produtos irão aparecer no seu
destilado. Além disso, quando os bagacilhos são arrastados para o alambique podem
provocar a formação indesejável de furfural e metanol.
DILUIÇÃO DO CALDO
Quando a cana é colhida no ponto ideal de maturação, o caldo possui um
percentual de sólidos solúveis (°Brix) entre 20 e 24, o qual deve ser diluído para 16 a 18
°Brix para a fermentação.
A água utilizada para a diluição do caldo deve ser limpa, inodora, incolor, sem
microrganismos patogênicos e estar dentro dos critérios de potabilidade. A água não
deve ser adicionada ao caldo diretamente na dorna de fermentação. Essa prática implica
em riscos de choque osmótico sobre as células (leveduras que compõem o fermento),
com prejuízos para a produtividade e o rendimento da fermentação. Os tanques
utilizados no ajuste do °Brix do caldo devem ser instalados entre o decantador e as
dornas de fermentação. Há vários inconvenientes quando se usa caldos muitos diluídos
ou muito concentrados. Um caldo com elevada concentração de açúcares pode levar a
um elevado teor alcoólico, o qual é prejudicial à atividade fermentativa das leveduras,
além de acarretar fermentações lentas e incompletas, ocasionando redução do
rendimento industrial. Por outro lado, um teor muito abaixo de 15 ou 16 °Brix
proporciona uma fermentação muito rápida, podendo o vinho ficar muito tempo parado
na dorna, o que provocará uma produção muito maior de alcoóis superiores e facilitará
as infecções por bactérias. Com caldos muito diluídos, tem-se também uma maior
quantidade de vinhoto, um menor rendimento da destilação e um maior consumo de
energia e de água.
O cálculo da quantidade de água a ser adicionada no caldo de cana para ajuste do
°Brix pode ser feito utilizando o diagrama conhecido como Cruz de Cobenze (ou regra
das Misturas), conforme mostrado a seguir:
Exemplo: cálculo para redução do caldo de 20 para 18°Brix
M-a/Pc, onde M-brix do caldo preparado
a-brix da água (zero)
Pc-densidade do caldo
18-0/1,092 = 16,5 litros (volume de caldo)
C-M/1,00, onde C-brix do caldo original
20-18/1,00=2,0 litros (volume de água)
Acrescenta 2L água a 16,5L de caldo de cana a 20 °Brix, obtêm-se 18,5L de
caldo com 18 °Brix. Para outros volumes faz-se uma regra de três.
FERMENTAÇÃO
É o ponto crítico do processo de fabricação da cachaça e depende da maturidade
certa da cana, da padronização do °Brix do caldo antes de entrar na dorna, da sanidade
da cana e da composição química do caldo. A cana deficiente em alguns nutrientes pode
afetar as leveduras Saccharomyces cerevisiae, diminuindo sua atividade.
O álcool etílico ou etanol é o principal produto da fermentação. Também, ocorre
grande formação de gás carbônico, que é liberado para o ambiente. É comum a
formação de espuma, principalmente nos estágios iniciais da fermentação, dada a
interação do gás formado com lipídeos (principalmente fosfolipídeos) e macromoléculas
(especialmente proteínas) do mosto. Nas fermentações saudáveis, observam-se também
o desenvolvimento progressivo de um aroma extremamente agradável, decorrente dos
componentes secundários da fermentação, especialmente ésteres.
Além dos ésteres, ocorre à formação de aldeídos, ácidos orgânicos, glicerol,
materiais para a constituição da biomassa e produtos para sobrevivência e adaptação da
levedura no meio. São mais de 250 compostos já identificados, e dentre estes, estão os
chamados congêneres, que em proporções equilibradas, são responsáveis pelo aroma
que caracteriza a cachaça e a diferencia de uma mistura hidroalcoólica qualquer.
Para produção de cachaça, o ideal é que essa transferência seja feita lentamente,
entre 6 a 8 horas. Trata- se do sistema de fermentação em “batelada-alimentada”
(sistema semicontínuo), muito mais eficiente que a “batelada-simples” (sistema
descontínuo), no qual todo o caldo é transferido rapidamente para a dorna, prejudicando
o fermento. Existe ainda o sistema de alimentação contínuo, utilizado geralmente em
usinas para produção de álcool combustível ou grandes indústrias produtoras de
cachaça. A dorna não deve ser completamente cheia, para evitar transbordamento.
Recomenda-se encher no máximo 75% a 80% do volume total da dorna, a fim de
evitar o transbordamento do mosto durante o processo de fermentação, que acarreta na
perda de leveduras e de açúcares. O ideal é que o processo de fermentação se encerre no
intervalo de 14 a 18 horas. Durante o processo fermentativo ocorrem diversas mudanças
no caldo como, liberação de gás carbônico, formação de espuma e liberação de aroma.
O aroma deve ser agradável, lembrando ao de frutas maduras. Aroma ácido, rançoso,
sulfídrico ou outro diferente é indicativo de contaminação.
Por exemplo, cheiro de vinagre indica que provavelmente esteja ocorrendo
fermentação acética, e o de ovo podre está relacionado à ocorrência de fermentação
butírica. Estas fermentações são consideradas indesejáveis por produzirem compostos
que prejudicam o rendimento da fermentação e a qualidade físico-química da bebida.
O ponto final deve ser verificado usando o refratômetro, que deverá estar
marcando zero (°Brix) ou valores inferiores devido à presença de etanol, e pela ausência
de bolhas na superfície do líquido (espelhamento).
A destilação do vinho deve ser realizada tão logo termine a fermentação e a
levedura sedimente. Longas esperas do vinho após a fermentação só trazem perdas, por
evaporação do álcool do vinho e pelas fermentações secundárias (contaminações) que
podem ocorrer, além da formação de alcoóis superiores.
Os cuidados para assegurar uma fermentação saudável incluem:
(1) só usar caldo fresco e com o °Brix efetivamente ajustado;
(2) alimentar o caldo lentamente à dorna;
(3) controlar a temperatura (a faixa ótima varia entre as diferentes regiões produtoras);
A mais comum é entre 28 a 32 °C. Cada produtor deve observar o comportamento de
seu fermento em diferentes temperaturas para identificar o intervalo ótimo a ser
mantido;
(4) manter a sala de fermentação bem ventilada para exaustão do gás carbônico, mas
eliminar correntes de ar que possam incidir sobre as dornas;
(5) minimizar a presença e o acesso de pessoas estranhas e;
(6) assegurar se que praticamente todo o fermento decantou efetivamente antes de
retirar o vinho para ser encaminhado para destilação.
Tabela 2: Interferências de contaminações bacterianas durante os processos
fermentativos
BACTÉRIA EFEITO DIAGNOSE COMO EVITAR
Leuconostoc Aumenta viscosidade, Baixo rendimento Não queimar a cana. Não
mesenteroides diminui produção de fermentativo deixar a cana ao sol depois de
etanol, e dificuldade de decantação cortada
prejudica decantação
Bactérias Aumenta acidez volátil do Odor de vinagre e presença Não deixar a cana ao sol
acéticas vinho (ácido acético) de mosca depois
de cortada. Separar o vinho
do fermento logo após
decantação. Manter o vinho
tampado até a destilação
Bactérias Aumenta acidez volátil do Aumento de acidez do Manter/controlar assepsia
láticas vinho (ácido lático), mosto e reduz a produção do processo
compromete o sabor de gás
Batérias Produz butanol e acetona Odor penetrante de ovo Não deixar a cana próxima
acetobutílicas a partir do açúcar podre ou ranço e aumento a estábulos ou locais de
de acidez do mosto ordenha
Bactérias Produz gás sulfídrico a Odor penetrante de gás
sulfídricas partir de aminoácidos sulfídrico e aumento de
sulfurados acidez do mosto
Tabela 3: Parâmetros de uma boa fermentação
PARÂMETROS RESULTADOS ESPERADOS
Evolução do Brix Perfil característico: na batelada alimentada,
nunca deve ultrapassar a 6 oBrix.
Duração da fermentação 14-18 horas: sendo o tempo ideal de fermentação
mais decantação do fermento 24 horas. Isso
facilita a rotina operacional do produtor.
Odor Penetrante, agradável, lembrando frutas
maduras: Quaisquer traços desagradáveis no
aroma, tais como notas ácidas, lembrando vinagre
ou leite azedo, ou pútridas, lembrando ovo podre,
são sinais de prevalência de contaminantes
nocivos
Evolução da acidez Máxima de 200 mg ácido acético por 100 mL de
caldo: Ao final da fermentação, a acidez do mosto
nunca deve ultrapassar o dobro da acidez inicial.
Drosófilas Ausência: O aparecimento de pequenas moscas
(típicas de vinagre) é sinal de formação excessiva
de ácido acético, com enfraquecimento das
leveduras.
DESTILAÇÃO
A destilação, processo físico para separações químicas, consiste em aquecer um
líquido até sua passagem para o estado gasoso, que em seguida retorna ao estado líquido
por meio de resfriamento, objetivando especialmente a purificação ou formação de
novos produtos por decomposições de frações. É a etapa responsável por separar todas
as substâncias de interesse formadas pela fermentação. Por este motivo é considerada de
extrema importância para obtenção de uma cachaça de qualidade.
Concluída a fermentação do mosto, obtém-se o vinho que apresenta na sua
composição uma mistura de componentes sólidos, líquidos e gasosos, em virtude das
transformações que se desenvolveram durante a fermentação. O vinho adequadamente
decantado, contendo 89% a 94% de água, 7% a 12% de etanol e 2% a 4% outras
substâncias voláteis (principalmente aldeídos, ésteres, ácidos orgânicos e alcoóis
superiores) é submetido ao processo de separação dos constituintes, através das
diferenças dos pontos de ebulição, denominado destilação. Ao destilar o vinho da cana,
obtém-se um novo líquido, com teor alcoólico cinco a seis vezes maiores que o teor do
líquido gerador. Os grandes produtores realizam a destilação em colunas contínuas.
O tempo de destilação está em torno de 150-160 min. Existem três tipos de
destilados:
-cabeça (recolhida nos primeiros minutos da destilação, primeiros vapores condensados
e contém altas concentrações de álcool (>60%v/v);
-coração (tempo de 2 horas, teor alcóolico 38-40% v/v);
-cauda (ponto final de destilação, teor alcóolico 14% v/v).
ENVELHECIMENTO
Após o término do processo da destilação da cachaça, não é aconselhável seu
consumo direto, pois sua qualidade pode ser melhorada. Para agregar qualidade à bebida
deve-se proceder o “descanso” ou o envelhecimento. O “descanso” refere-se à estadia
da cachaça em qualquer recipiente, de qualquer volume (de preferência tonel de aço
inox, recipiente de vidro ou tonel de madeira maior que 700 litros) por no mínimo, 1
ano. Sua finalidade é promover o “amaciamento” da bebida, ou seja, eliminar
compostos químicos responsáveis por sabores e aromas desagradáveis na “cachaça
branca”. O processo de envelhecimento visa à estabilização dos compostos químicos da
cachaça, principalmente os congêneres voláteis, formados pela ação das leveduras
durante a fermentação, e concentrados pela destilação.
Outro mecanismo que ocorre é a extração de compostos da madeira,
denominados congêneres de maturação. Os congêneres de maturação são responsáveis
por caracterizar bebidas envelhecidas e estão presentes em quantidades diferentes de
acordo com o tipo de madeira utilizada e o tempo de permanência nos barris. O
principal benefício do envelhecimento da cachaça é o aprimoramento da qualidade
química e sensorial da bebida, além de agregar maior valor comercial ao produto.
A escolha do tipo da madeira utilizada na elaboração dos tonéis é fundamental
para melhor aprimoramento da cachaça. A principal madeira utilizada na confecção de
barris é o carvalho europeu (Quercus sp.), devido ao seu uso tradicional em bebidas
destiladas, tais como o conhaque e o uísque. O carvalho demanda alto custo inicial e
necessidade de importação, o que favorece o uso de madeiras brasileiras como
alternativas para os produtores de cachaça. A madeira nacional é de fácil obtenção e
possibilita a transferência de compostos característicos de cada espécie, além de
permitir a distinção do produto final de acordo com a cor, aromas e sabores adquiridos
pela bebida. Algumas das espécies nacionais utilizadas são: Amburana (Amburana
Cearensis), Amendoim (Pterogyne nitens), Bálsamo (Myroxylon balsamum L. Hauris),
Jatobá (Hymenaea courbaril L), Jequitibá rosa (Cariniana legalis), Araruva ou Araribá
(Centrolobium tomentosum Guillem), Cabreúva (Myrocarpus frondosus), Grápia
(Apuleia leiocarpa), Ipê roxo (Tabebuia heptaphylla) entre outras.
A manutenção da bebida em barris de madeira promove uma contribuição
progressiva de substâncias cedidas pela madeira e favorece a estabilização da cachaça.
Além da obtenção da cor característica, o envelhecimento é influenciado pelo tempo e
as condições de armazenamento, tais como, temperatura, local, umidade e
luminosidade. O controle desses parâmetros durante o envelhecimento é importante
para reduzir as perdas por evaporação, recomenda-se que a temperatura de
armazenamento seja em torno de 20 °C e com umidade entre 70% a 90%. É importante
assegurar uma boa ventilação do local e evitar o empilhamento dos tonéis.
PADRONIZAÇÃO
Normalmente a cachaça é colocada no barril com teor alcoólico por volta de
48% a 50% v/v. Após o envelhecimento, a cachaça deve ser padronizada para o teor
alcoólico desejado, de acordo com a legislação. Deve-se, portanto adicionar um volume
de água potável para atingir a graduação ideal.
ENGARRAFAMENTO
O engarrafamento consiste no acondicionamento do produto em embalagem
adequada, geralmente utilizando recipientes de vidro, em volumes de 50 mL até 1000
mL. A transferência da cachaça para a embalagem deve ser feita de maneira
automatizada, com envasadoras e recravadoras.
ROTULAGEM
O vasilhame deve ser devidamente identificado com rótulo atrativo e que
contenha informações esclarecedoras para o consumidor. Os requisitos previstos na
legislação devem ser respeitados, tais como: volume de bebida, graduação alcoólica,
ingredientes, produtor, número do registro, etc.