MORDIDAS: AGRESSIVIDADE OU APRENDIZAGEM?
Ana Maria Mello e Telma Vitoria
in: Os Fazeres na Educação Infantil. SP. Cortez, 1998
O primeiro contato da criança com o mundo é pela boca e morder faz parte disso.
Mas o que significa a mordida?
O primeiro contato da criança com o mundo é pela boca. Você já reparou em um bebê de
quatro meses?
Ele leva coisas para a boca. Mãos, pés, todos os objetos ao alcance vão, mais cedo ou mais
tarde, para a boca do bebê.
Ao colocar um objeto na boca, o bebê está experimentando este objeto. Está aumentando seu
conhecimento sobre as coisas que o rodeiam. Começa a experimentar diferenças de peso,
textura, tamanho, forma. Enfim, a cada "bocada" ele conhece um pouco mais o mundo ao
redor!
A boca é um dos meios mais importantes para o bebê entrar em contato com o mundo. Além
de usá-la para conhecer as coisas, o bebê também a utiliza para outras formas de contato.
Aceitar ou rejeitar alimentos é uma das formas. Chorar também.
O choro, por exemplo, é a principal via de comunicação do bebê. Os adultos mais próximos
da criança vão aprendendo a identificar cada tipo de choro, a dar-lhe um sentido. Isso
também é válido para o sorriso, o balbucio e outras expressões da criança. Cada tipo de
choro, cada tipo de sorriso, acontece porque o bebê aprende a usar a boca para fazer cada
um deles. Todos passam pela boca.
Quando surgem os dentes, começam as mordidas. Vindo da boca, não podia ser diferente: a
mordida também é uma maneira de conhecer o mundo. E é também uma forma de
comunicação com ele.
Mordendo um objeto, a criança pode perceber muitas coisas. A diferença entre duro e mole,
por exemplo. Também pode perceber a novidade que é o susto, o choro ou o espanto da
criança mordida. Descobrir que a outra reage à mordida é uma grande aventura! Morder
pode ser fascinante. Tão fascinante que a criança pode querer repetir.
QUEM SERÁ UM MORDEDOR?
Em nossa cultura, frequentemente expressamos carinho brincando com os dentes e,
sobretudo com bebês, fingindo morder.
Essas ações geram "modelos de imitação" para os pequenos. Eles utilizam esses
modelos nas brincadeiras com outras crianças. Porém, ainda não sabem quanta força podem
colocar na boca e também não sabem avaliar as consequências desse comportamento.
Isso não quer dizer que seja desaconselhável brincar com a criança usando a boca.
Pelo contrário. Desde que respeitadas as particularidades e as sensações da criança, esses
momentos podem ser muito afetuosos e de grande intimidade. É preciso apenas ir mostrando
que ela pode acabar provocando dor e machucando outras crianças. Sobretudo aquelas que
não estão com vontade de entrar na sua brincadeira.
A diferença individual também é importante nesse hora. A partir das experiência com
os adultos e os objetos, cada criança vai construindo uma maneira particular de reagir.
Um beliscão, dado com a mesma força, pode provocar reações diferentes em diferentes
crianças. Um som alto pode não chamar a atenção de algumas, enquanto outras ficam
extremamente irritadas. Isso também é válido para o toque, a tolerância à frustração, os
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sentimentos de ciúme, a busca de atenção ou a procura de exclusividade. Cada criança tem
sua maneira de reagir frente aos acontecimentos.
Em situações em que se sente contrariada ou nas disputas de objetos, algumas crianças
reagem de forma explosiva, mordendo, enquanto outras choram, na expectativa de que o
adulto ajude.
Muito comum é acontecer uma mordida quando uma nova criança entra num grupo de
crianças. Pode ser que uma das crianças fique insegura ou com ciúmes da novata. Sem poder
compreender direito, sem ter como organizar suas emoções, ela pode descarregar sua
ansiedade na forma de mordida. Você já deve imaginar: em geral, o alvo é esta nova criança.
COMO ACABAR COM AS MORDIDAS?
Há "receitas" para obter mordidas, mas para acabar com elas, não.
Importante é saber disso: seja qual for o fator que leve à mordida, é preciso muito
cuidado para não rotular a criança como "mordedor". Quando se rotula uma criança, todos
passam a esperar que ela volte a ter aquela reação, Mesmo que seja uma expectativa sutil, a
criança percebe. Para ela, essa expectativa é marcante, e pode aumentar a ansiedade da
criança. Esse aumento da ansiedade pode levá-la a dar novas mordidas.
Se a mordida acontecer, reforça-se a ideia de que ela é mordedora. A expectativa aumenta,
aumenta a ansiedade e ela morde mais uma vez. Um ciclo sem fim.
Mesmo que a criança não fale direito, alguma coisa da conversa dos adultos ela
entende. Ela percebe o clima. Isso também pode acentuar seu comportamento de morder, com
motivo ou sem motivo aparente. Por isso, se for preciso conversar sobre o fato, é melhor que
não seja na presença da criança.
Na ocorrência de uma mordida, talvez o melhor seja tratar o fato com tranquilidade. É
importante esclarecer, para a criança, a dor que se sente. Importante também é ajudá-la a
encontrar outras formas de se comunicar. Mostrar possibilidade de expressar, através da fala
e dos gestos, suas emoções.
É preciso compreender que esta é uma fase do desenvolvimento da criança.
Praticamente todas as crianças, entre um e três anos, em algum momento, usaram ou usarão
tal conduta. Esse recurso praticamente desaparece quando a linguagem estiver mais
desenvolvida.
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