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Pedagogias Das Infancias Criancas e Doce

Este documento discute as contribuições da pediatra húngara Emmi Pikler para a educação de bebês em contextos brasileiros. Apresenta a trajetória de Pikler e seu trabalho no Instituto Lóczy defendendo o valor da atividade autônoma, do movimento livre e do respeito às crianças. Argumenta que os saberes de Pikler podem contribuir significativamente para a formação de professores e a organização do cotidiano com bebês em creches.

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Pedagogias Das Infancias Criancas e Doce

Este documento discute as contribuições da pediatra húngara Emmi Pikler para a educação de bebês em contextos brasileiros. Apresenta a trajetória de Pikler e seu trabalho no Instituto Lóczy defendendo o valor da atividade autônoma, do movimento livre e do respeito às crianças. Argumenta que os saberes de Pikler podem contribuir significativamente para a formação de professores e a organização do cotidiano com bebês em creches.

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PEDAGOGIAS DAS INFÂNCIAS,

CRIANÇAS E DOCÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
DIRETORIA DE CURRICULOS E EDUCAÇÃO INTEGRAL
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

PEDAGOGIAS DAS INFÂNCIAS,


CRIANÇAS E DOCÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
PEDAGOGIAS DAS INFÂNCIAS, CRIANÇAS Conselho Editorial:
E DOCÊNCIASNA EDUCAÇÃO INFANTIL Coordenadores:
Prof. Dr. Valdo Hermes de Lima Barcelos
Prof. Msc. Carlos Giovani D. Pasini
Realização:
Membros:
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Prof. Dr. João B. A. Figueiredo
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA Prof. Dr. Elenor Kunz
DIRETORIA DE CURRICULOS E EDUCAÇÃO INTEGRAL Prof. Dr. Wenceslau Leães Filho
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Profa. Msc. Sandra Maders
Prof. Msc. Rafael Friedrich
Prof. Msc. Élvio de Carvalho
Organização do Livro: Prof. Msc. Alysson do Amaral
Viviane Ache Cancian
Simone Freitas da Silva Gallina
Noeli Weschenfelder

Foto da capa: Alvaro Pouey


Demais fotos ilustrativas entre os artigos: Arquivos da
Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo - UFSM
Capa e Diagramação: Joana Paula Alves
Editoração e Arte Final: Felipe Toniolo
Revisão Ortográfica: Fabiano Machado e Carlos Giovani
Delevati Pasini
Impressão e Acabamento: Editora e Gráfica Caxias
Tiragem: 7.500 exemplares
17
CONTRIBUIÇÕES DE EMMI PIKLER PARA A EDUCAÇÃO
DE BEBÊS NOS CONTEXTOS BRASILEIROS

Paulo Sergio Fochi


Carina Cavalheiro
Claudia F. Bergamo Drechsler

No Brasil, na última década, o acesso de um cotidiano que acolhe bebês em contextos


bebês em espaços coletivos de educação tem de vida coletiva. Tais noções são fortemente
crescido significativamente. Este fato, por um atravessadas pelas ideias da pediatra húngara
lado, significa a busca pela garantia dos direitos Emmi Pikler e pela suas companheiras de tra-
dos meninos e meninas a frequentarem a creche balho no Instituto Lóczy, pois acreditamos que
e, por outro, implica em um desafio para a forma- este referencial possa contribuir significativa-
ção de professores que atuarão nestes espaços. mente com as especificidades da ação peda-
Ao mesmo tempo, ainda não temos acu- gógica no berçário.
mulado saberes necessários para refletir o que Dentre os diversos aspectos que pode-
compõem esta “didática dos bem pequenos”, ríamos tratar a partir do referencial indicado,
ou, da “didática do fazer” como definem Bon- escolhemos três pontos que consideramos fun-
dioli e Mantovani (1998, p. 31). Sabemos, no en- damentais, a saber: (i) o valor da atividade autô-
tanto, que muitos daqueles saberes da tradição noma e do movimento livre, (ii) as atividades de
pedagógica não atendem as necessidades dos atenção pessoal e (iii) o brincar dos bebês. Antes
bebês e das crianças bem pequenas na creche, de entrarmos em cada um destes pontos, opta-
tampouco, dos professores. A docência na cre- mos por contextualizar brevemente a trajetória
che é uma profissão que está sendo inventada. de Emmi Pikler e oferecer ao leitor alguns ele-
Por isso, o intuito deste texto é destacar mentos referenciais para compreender melhor
alguns pressupostos que consideramos impor- a obra desta importante estudiosa.
tantes a serem observadas na organização de

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Paulo Sergio Fochi, Carina Cavalheiro e Claudia F. Bergamo Drechsler

Trajetória de uma pediatra que lutou importantes na construção dos protocolos de


pelo respeito as crianças trabalho da pediatra. Para ela, nestas situações,
não poderia ser mecanizado o processo ou
Emmi Pikler nasceu em Viena, na Áustria, deixado o bebê em segundo plano para o
em 1902, formou-se em medicina e licenciou- simples cumprimento da tarefa.
-se em pediatria no Hospital Universitário de Além disto, a pediatra húngara não
Viena. Depois de trabalhar muitos anos como via a necessidade de instruir ou exercitar o
pediatra e desenvolver sua pesquisa sobre mo- bebê, no sentido de estimulá-lo diretamente,
vimento livre, a pediatra foi convidada para as- pois a pediatra não considerava que o bebê
sumir a direção do Instituto Lóczy.
fosse passivo e pudesse se tornar uma pes-
Lóczy, mesmo nome da rua onde se locali-
soa ativa pelo impulso do adulto. Ao contrá-
za o instituto, funciona desde o início da década
rio, para a autora, o bebê é um sujeito ativo
de 40 como uma das instituições de acolhimen-
e é ele que deve atuar nos espaços, com os
to de crianças órfãs de Budapeste (Falk, 2011).
materiais, nas interações com os outros be-
Na ocasião em que Pikler assume a direção, o
momento histórico era muito particular, pois tra- bês e adultos a partir do seu desejo. Pikler
tava-se do fim da segunda guerra mundial. Ao não acreditava que o modelo de intervenção
chegar em Lóczy, a pediatra espantou-se com a direta pudesse acelerar o desenvolvimento
falta de infraestrutura e com a precariedade do do bebê e pensava que, “caso acelerasse, não
lugar, assim como com a postura dos adultos representaria nenhuma vantagem para sua
responsáveis por “acolher” e “cuidar” dos meni- vida nem para seu desenvolvimento” (Falk,
nos e meninas que ali estavam naquele instituto. 2011, p. 19).
Emmi Pikler já havia verificado em suas Aliás, a autora já havia confirmado de
pesquisas que intimidade e reciprocidade do que a criança que tem liberdade para brincar,
adulto com o bebê tem um valor profundo correr pelas ruas, jogar, subir em árvores, entre
no desenvolvimento integral da criança. Por outras atividades, sofre menos fraturas e me-
esta razão, acreditava que o adulto devesse nos traumas do que crianças superprotegidas.
construir o mais alto grau de consciência
Emmi Pikler estava convencida de que a criança
sobre suas intervenções. Os momentos de que pode mover-se com liberdade e sem restri-
aproximação mais íntima, como o da higiene, ções é mais prudente, já que aprendeu a me-
lhor maneira de cair; enquanto que a criança
do sono e da alimentação, sempre foram pautas

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CONTRIBUIÇÕES DE EMMI PIKLER PARA A EDUCAÇÃO DE BEBÊS NOS CONTEXTOS BRASILEIROS

superprotegida e que se move com limitações ou distante;


tem mais riscos de acidentes porque lhe faltam • O encorajamento e a manutenção da saúde fí-
experiências e desconhece suas próprias capa- sica da criança, fato que não só é base dos prin-
cidades e seus limites (Falk, 2011, p.18). cípios precedentes como também é um resul-
tado da aplicação adequada desses princípios.
Durante muitos anos, Pikler e uma de
suas principais colaboradoras, Drª Judit Falk, Visionária, Pikler já anunciava o paradoxo
constroem no Instituto Lóczy outra referên- da potência e da impotência dos bebês. Ou
cia de atenção à criança. Elas desenvolveram seja, por um lado ela afirmava que os meninos e
uma filosofia que buscava oferecer às crianças meninas, mesmo os bem pequenos, são ativos
que ali estavam, uma experiência de vida que e competentes para eleger as suas próprias
preservava o seu desenvolvimento e evitava atuações mas, ao mesmo tempo, dependem
as carências que podiam criar-se por causa da do outro, da presença presente, do adulto que
ausência dos pais. A experiência de Pikler de- cria bons contextos para que os bebês possam
monstra um profundo respeito pela criança atuar de forma autônoma (Fochi, 2015a).
pequena e as suas necessidades, revelando Neste sentido, os saberes construídos
pistas importantes sobre o papel do outro, em por Emmi Pikler em Lóczy, tanto em relação ao
especial, do adulto. papel do adulto quanto dos processos vividos
A partir do trabalho da pediatra no Insti- pelas crianças bem pequenas, constituem um
tuto Lóczy, construiu-se quatro princípios bá- reportório importante para pensar a educação
sicos sobre o cuidado com bebês em espaços das crianças na coletividade.
coletivos (Falk, 2011, p.28), a saber: Pikler faleceu em 1984 e, a partir de
1986, o instituto passou a carregar o nome de
• A valoração positiva da atividade autônoma da sua fundadora, chamando-se, então, Instituto
criança, baseada em suas próprias iniciativas;
• O valor das relações pessoais estáveis da Emmi Pikler. Atualmente, este instituto não
criança – e dentre estas, o valor de sua relação atua mais como orfanato e funciona como um
com uma pessoa em especial – e da forma e
do conteúdo especial dessa relação;
importante centro de formação direcionado a
• Uma aspiração constante ao fato de que professores, médicos, psicólogos e estudiosos
cada criança, tendo uma imagem positiva de do tema da primeiríssima infância e, também,
si mesma, e segundo seu grau de desenvolvi-
mento, aprenda a conhecer sua situação, seu como uma creche pública.
entorno social e material, os acontecimentos
que a afetam, o presente e o futuro próximo

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Paulo Sergio Fochi, Carina Cavalheiro e Claudia F. Bergamo Drechsler

Atividade autônoma e movimento livre Então, para que a criança tenha con-
fiança em si mesma, aqueles que a acompa-
Entende-se por atividade autônoma nham precisam também confiar em suas ca-
toda e qualquer atividade livre e espontânea pacidades. Confiar não é desejar que a criança
“escolhida e realizada pela criança – atividade chegue em algum lugar determinado pelo
originada de seu próprio desejo” (Tardos; Szan-
adulto ou que ela faça algo já previsto anteci-
to-Feder, 2011, p.52).
padamente. Mas, estar disponível para que os
Na experiência de Lóczy, Pikler nos dire-
ciona ao conceito de movimento livre. Através meninos e meninas possam ir descobrindo as
do movimento livre, a criança atinge o completo possibilidades do seu corpo e os mecanismos
conhecimento do seu corpo e de suas capacida- para alcançar seus desejos. Neste sentido, a
des, conhece seus limites e assim consegue con- construção da autonomia da criança indepen-
fiar em si mesma. Nesta perspectiva, as crianças de da estimulação do adulto.
movimentam-se livremente, brincam com tran- Sabemos que existe uma preocupação
quilidade, aproveitando os espaços e os mate- dos pais e educadores sobre a necessidade de
riais, descobrindo a si mesmas e aos demais.
“ajudar” ou “exercitar” as crianças para que se
Segundo Tardos e Szanto-Feder (2011, p.48),
desenvolvam integralmente. Porém, podemos
Para a criança, a liberdade de movimentos sig- afirmar a partir dos estudos da pediatra hún-
nifica a possibilidade, nas condições materiais gara que não existe essa necessidade. Emmi
adequadas, de descobrir, de experimentar, de
aperfeiçoar e de viver, a cada fase de seu de- Pikler acreditava que o espaço, o material e o
senvolvimento, suas posturas e movimentos. olhar da cuidadora, era o necessário para “esti-
mular” o desenvolvimento da criança, pois não
O adulto cria as condições externas ne-
se trata apenas desenvolvimento motor, mas
cessárias para a criança realizar suas aventuras
sim, em pensar a criança na sua inteireza.
e desventuras da vida. Dá presença, respeitan-
do a criança com afetividade e tranquilidade,
As atividades de atenção pessoal
permanecendo no campo de visão dela para
que ela se sinta segura, garantindo o apoio
Os pressupostos postulados por Emmi
para as suas experiências e conquistas, além
Pikler afirmam que a criança é um ser único,
de encorajá-la ao movimento livre, de forma
singular e que por isso precisa de cuidados e
autônoma, sem intervenção direta.

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CONTRIBUIÇÕES DE EMMI PIKLER PARA A EDUCAÇÃO DE BEBÊS NOS CONTEXTOS BRASILEIROS

atenção. É preciso encará-la como uma pessoa de a ideia de cooperar com a criança” (Hevesi,
com necessidades, expectativas, sentimentos. 2011, p. 86).
Um dos temas desenvolvidos pela autora é a Tomando como exemplo o momen-
respeito das atividades de atenção pessoal (Da- to da alimentação. Ao realizar este ato com
vid, Appel, 2010; Fochi, 2015a; Fochi 2015b). criança em um espaço de vida coletiva, o
Estas atividades são aquelas relaciona- adulto precisa estar consciente de que suas
das ao comer, ao descansar, à higiene. São, ações devem ir no sentido de contribuir para
como próprio nome diz, atividades pessoais que a criança tome consciência sobre o que
dos bebês. Portanto, momento importante e está acontecendo, estabeleçam relações com
de grande aprendizagem para estes que re- a materialidade envolvida, de modo que ela
cém estão chegando na cena humana. possa ir gradativamente conseguindo execu-
A partir disto, Pikler destaca sobre o cui- tar por si própria. Para que isso ocorra, é ne-
dado, desde a forma de segurar o bebê até a cessário observar três elementos importan-
maneira com que o alimento é dado a criança, tes: (i) enquanto for necessário que o adulto
chamando atenção para a necessidade dos auxilie a criança na alimentação, deverá anun-
gestos amorosos e carinhosos, da calma e da ciar as suas ações de modo a antecipar para
paciência com que se cuida e educa o bebê. a criança o que está por acontecer. Também
Tardos (1992, p. 19) nos convoca para o valor (ii) é importante que um adulto torne-se re-
educativo da forma como a educadora toca o ferência para um pequeno grupo de criança,
bebê, pois “a mão do adulto é para a criança de forma a criar códigos reconhecíveis pelos
uma fonte importante de experiência”. meninos e meninas dos momentos que estão
Além de um toque cuidadoso, outro por vir e, (iii) respeitar o ritmo de cada criança
elemento a ser considerado é a participação sem antecipar etapas.
das crianças no cuidado do seu corpo. O grau A partir destes elementos, constrói-se
de participação é diretamente influenciado então uma verdadeira relação pessoal, tor-
pelo tipo de relacionamento entre educador e nando o cuidar um momento único, íntimo e
o bebê, ou seja, os educadores devem “tratar pleno de comunicação.
a criança não como um objeto, mas como um
ser humano vivo e aceitam como possibilida-

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Paulo Sergio Fochi, Carina Cavalheiro e Claudia F. Bergamo Drechsler

O brincar dos bebês na creche noções básicas acerca de si mesmos, dos outros
e do mundo, aprendendo a dominar e conhecer
“O primeiro brinquedo do bebê é o cor- as partes do nosso corpo e suas funções, a nos
po do adulto que cuida dele” (Goldschmied; Ja- orientarmos no espaço e no tempo, a manipu-
ckson, 2006, p.113), seja ele seu pai, sua mãe ou larmos, construirmos e estabelecermos relações
o cuidador. Brooker, Woodhead (2013, p.17) nos com os outros.
explica que “os bebês aprendem a conhecer a si No entanto, os adultos precisam permitir
mesmos e o mundo em que vivem mediante as que os bebês e crianças bem pequenas possam
interações lúdicas com seus primeiros cuidado- ter momentos em que brinquem sozinhos, onde
res”. Ao mamar, por exemplo, o bebê através da possam aprender por sua própria iniciativa. Ao
sucção no seio de sua mãe experimenta o sugar adulto, compete criar as condições necessárias
mais forte, a pausa. Busca pegar adereços como para que a brincadeira se concretize e tenha uma
brincos, colares, óculos, entrelaça seus dedos nos observação atenta para com o bebê. As crianças
cabelos. Todas essas interações e experimenta- que não brincam sozinhas, muitas vezes, costu-
ções representam maneiras iniciais de brincar. mam apresentar essa dificuldade em decorrên-
Também a mão compõe uma das primei- cia da conduta intervencionista do adulto, onde
ras descobertas da criança. Ela dedica grande as tornam passivas e sem iniciativas.
parte do seu tempo a observá-la, acompanhá-la Cabe aqui, salientar que a atividade autô-
com sua cabeça e seus olhos. Chokler (2014, p. noma permite à criança seguir seu próprio ritmo,
3) descreve que “o descobrimento, primeiro, e a sua curiosidade, explorar e experimentar a auto-
utilização depois, de suas próprias mãos como nomia. Fabrés (2011, p.56) lembra que um dos
objeto de exploração e de brincar, constitui um principais objetivos da educação dos pequenos
rito fundamental no desenvolvimento infantil”. é “favorecer, facilitar a progressiva aquisição de
O brincar é uma necessidade humana. Ele sua autonomia, para que chegue a ser autônomo
ocupa o lugar central do aprendizado das crian- como pessoa, que possa ser, fazer e decidir por
ças desde o nascimento, isto é, quando estão si mesmo”. Considerando esta perspectiva que
brincando, as crianças estão construindo as “ba- reforça o dever da educação em tornar os peque-
ses” de toda a sua futura aprendizagem. O brin- nos seres autônomos, “é necessário que comece-
car é a maneira como as crianças se comunicam, mos por respeitar a sua atividade autônoma, sua
indispensável e fundamental para a nossa forma- liberdade de movimentos, seu processo evoluti-
ção em todas as etapas de nossa vida. Desde pe- vo, partindo claramente da ideia de uma criança
quenos, através do brincar, vamos incorporando competente desde o nascimento” (Fabrés, 2011,
p. 56).

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CONTRIBUIÇÕES DE EMMI PIKLER PARA A EDUCAÇÃO DE BEBÊS NOS CONTEXTOS BRASILEIROS

A autora nos mostra que temos de ter um pontaneamente. Será esse chão rígido que vai
profundo respeito pelo bebê, sendo ele um su- auxiliá-la a encontrar a posição mais confortável
jeito de ação, um sujeito capaz, para quem de- e segura, sem “camuflar” seus movimentos, onde
vemos proporcionar espaços e condições a fim os objetos agem de forma real, rolam quando
de que ele possa contemplar a sua atividade são lançados, fazem barulho quando jogados
autônoma e o seu brincar livre para ir progres- contra o solo, o que não seria possível em um
sivamente adquirindo autonomia, favorecendo solo revestido com espuma ou qualquer outra
suas aquisições e sua aprendizagem a partir de superfície fofa (Kálló, 2013).
seus próprios erros e acertos. Esse brincar vai ao Com este espaço estruturado para o brin-
encontro da abordagem Pikler, baseada no res- car livre, somando a conscientização do adulto
peito dos movimentos da criança e uma atitude de sua postura em relação à criança, devemos
não intervencionista do adulto, permitindo seu proporcionar e oferecer objetos para que o brin-
desenvolvimento autônomo. car aconteça. Objetos que permitam a realização
Além da conduta do adulto, é importante das experimentações por parte da criança, que
garantir um espaço adequado para que a crian- façam com que ela, através da sua curiosidade,
ça possa gradualmente construir sua liberdade vá buscar pelo que a cerca.
de movimentos e desenvolver o brincar livre, As autoras Éva Kálló e Györgyi Balog, com-
sendo necessário e essencial que haja uma “área panheiras de trabalho de Emmi Pikler em Lóczy,
do brincar”. Esta área deve ser um local protegi- trazem em seu livro intitulado como “Los Oríge-
do para as crianças que apenas ficam de barriga nes del Juego Libre” (2013) um estudo profundo
para cima, outro local para as crianças que já se do brincar livre, desde o descobrimento inicial
deslocam ou engatinham e outra área para as das mãos do bebê, a sua manipulação, a experi-
que já caminham (Kálló, 2013). É imprescindível mentação com objetos e a construção e combi-
que hajam esses espaços separados para garantir nação com os mesmos.
que todas as crianças tenham o seu momento do A partir das reflexões de Kálló e Balog
brincar livre sem interferir e nem desconcentrar o (2013), organizamos o quadro a seguir para iden-
brincar do outro, para centrarem-se inteiramente tificar algumas características de manipulação
na exploração de seus brinquedos/objetos. dos objetos e, por isso, determinadas opções de
O local ideal para que isso ocorra deve materiais. Em hipótese alguma tal resumo tenha
ter um solo rígido, sua consistência é vital para a intenção de apresentar estágios ou períodos
o desenvolvimento da mobilidade da criança, determinantes e universais, mas consideramos
onde ela possa fazer suas próprias escolhas e que são noções importantes para refletir os be-
descobertas, movimentando-se e brincando es- bês e suas experiências primeiras.

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Paulo Sergio Fochi, Carina Cavalheiro e Claudia F. Bergamo Drechsler

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CONTRIBUIÇÕES DE EMMI PIKLER PARA A EDUCAÇÃO DE BEBÊS NOS CONTEXTOS BRASILEIROS

A partir destas informações, acreditamos compreenderem equivocadamente a ideia de


que fica evidente o quanto o bebê realiza ativi- socialização e, a partir desse equívoco, os mo-
dades a partir de seu próprio desejo. Perceber mentos do cotidiano ser organizado para que
tais aspectos nos ajuda a refletir melhor sobre e os bebês façam todos juntos o tempo todo –
organização de espaço para o brincar das crian- hora da higiene, hora da água, hora do sono,
ças, dos materiais disponibilizados e do tempo hora da alimentação – ou, por não ser reconhe-
cido a complexa tarefa que é tornar-se eu ao
necessário para que os meninos e meninas bem
mesmo tempo em que se tornam grupo.
pequenos possam se descobrir, descobrir seu
O propósito deste texto foi destacar
corpo, suas mãos, o seu entorno, o mundo.
aquilo que consideramos fundamental a ser
refletido para não cairmos nesta e em tantas
Utopia do cotidiano: considerações fi-
outras armadilhas. Considerar as atividades de
nais
atenção pessoal um aspecto importante do
cotidiano, compreender o valor do movimento
A chegada de bebês nos ambientes co-
livre e das atividades autônomas e perceber a
letivos nos convoca a problematizar e refletir
intensidade e riqueza das brincadeiras dos be-
os modos como as instituições estão se organi-
bês estruturam não só alguns caminhos para
zando para acolher os universos daqueles que
a organização das instituições, mas, também,
recém chegaram. Sonhar com a utopia do co-
para a própria formação dos professores.
tidiano é o que nos ensina Emmi Pikler e suas
Assim como Pikler enfrentou o desafio
companheiras de trabalho em Lóczy.
de propor um espaço melhor, mais cuidadoso,
A atenção a cotidianeidade e as ativi-
sensível e atento aos bebês, também nós pos-
dades que daí decorrem são o ponto chave
samos caminhar rumo a creches que consigam
para estas autoras, que reforçam o valor das
acolher “a complexidade da chegada dos be-
primeiras experiências para a vida dos meni-
bês no mundo” (Fochi, 2015b, p. 53).
nos e meninas. O fato destas crianças estarem
tão precocemente na coletividade é um alerta
para perseguirmos modos de funcionamento
em que a ideia de “individuo” não se perca no
excesso do “todos juntos”.
Esta é uma armadilha perigosa e fácil de
ser armada dentro das instituições. Seja por

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Paulo Sergio Fochi, Carina Cavalheiro e Claudia F. Bergamo Drechsler

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CONTRIBUIÇÕES DE EMMI PIKLER PARA A EDUCAÇÃO DE BEBÊS NOS CONTEXTOS BRASILEIROS

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307

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