METODOLOGIA DA PESQUISA-ACAO
18° EDICAOMichel Thiollent
_ oe Metodologia da Pesquisa-Acdo
Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagao (CIP)
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Thiollent, Michel, 1947-
Metodologia da pesquisa-agdo / Michel Thiollent. — 18. ed.
— Sao Paulo : Cortez, 2011
Bibliografia.
ISBN 978-85-249-1716-5 i
1. Ciéncias sociais — Pesquisa 2. Metodologia 3. Pesquisa
4, Pesquisa-acao 5. Pesquisa — Metodologia I. Titulo. \
' 182 edicao
| 6? reimpressao
11-02848 CDD-001.42 4
indices para catdlogo sistematico: I
1. Metodologia da pesquisa-agio 001.42 i
2. Pesquisa-agdo : Metodologia 001.42 i
SesionMETODOLOGIA DA PESQUISA ACAO,
Michel Fhiotient
Capa: acroestudio
Preparaciie de nig Nar Kayo
Revises Maria de Lourdes de Almeida
Composigdo: Linea Editora Ltda.
Coordenagde editorial: Danilo A. Q. Morales
Texto revisto ¢ aumentado a partir da 14° edigdo em setembro/2005.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizaciio expressa do
autor € do editor.
© by Michel Thiollent
Direitos para esta edigdo
CORTEZ EDITORA
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E-mail:
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Impresso no Brasil —~ junho de 2019
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Apresentagao da 18* edigdo
Introdugao ...
CAPITULO I — Estratégia de conhecimento ....
I.
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CAPITULO I — Concepgao e organizagao da pesquisa ....
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SEERA
Sumario
Definigées & objetivos
Exigéncias cientificas
O papel da metodologia ..
Formas de raciocinio e argumentacio ..
Hipoteses e comprovagao
Inferéncias e generalizagio ..
Conhecimento e acio..
O alcance das transformagé
Fungao politica e valores.
A fase exploratoria..
O tema da pesquisa .
A colocagdo dos problemas...
O lugar da teoria .....
Hipotese:
Seminario
40
44
47
49
SlCampo de observagaio. amostragem © tepresentatiy idade
qualitative 70
& Coleta de dados 4
9. Aprendizagem
10. Saber formal/saber informal 76
TL. Plano de agao ... - i 79
12. Divulgagdo externa cc. : ae 81
CAPITULO Il — Areas de aplicacio ..... 83
POUCA AO Seecrecreces tesa eeeaetssanee teresa egress eeeee ae 84
2. Comunicaga 87
3. Servigo Social 90.
4. Organizacao e sistema 93
5. Desenvolvimento rural e difusio de tecnologia .... 98
6. Praticas politicas .... 102
7. Conclusao 105
Conclusio .. 107
Posfacio 4 14° edigao . 11S
Bibliografia 133
SiaiaRA
Apresentacao da 18? edicao
A cada reedicao deste livro, fico feliz e, a0 mesmo tempo, preo-
cupado: feliz, porque, mais uma vez, isso confirma a utilidade da pesquisa-
-agio e da discussdo de sua metodologia na formagado de milhares de
estudantes de Ciéncias Sociais aplicadas e de profissionais em diversas
dreas de atuagio; preocupado, porque o tempo esta passando e ha tantas
novas abordagens e novas técnicas de pesquisa qualitativa que o livro —
cuja primeira edigdo data de 1985 — evidentemente nao abrange e pode,
assim, parecer ultrapassado. De fato, seria bom escrever um livro intei-
ramente novo, mas os percalgos da vida académica nem sempre deixam
ao docente universitério 0 tempo e a liberdade suficientes para escrever
livros introdutérios, ou diddticos, pouco valorizados na corrida a publi-
cagdo. Para que este prefacio nao se limite a consideragGes de satisfagio
ou de lamento, darei algumas indicagdes na perspectiva de uma possivel
go, reforcando sugestdes apresentadas no
atualizagao da pesquis:
Posfacig & 14* edigao.
O método de pesquisa-agdo consiste essencialmente em elucidar pro-
blemas sociais e técnicos, cientificamente relevantes, por intermédio de
grupos em que encontram-se reunidos pesquisadores, membros da situagao-
-problema e outros atores e parceiros interessados na resolugao dos problemas
levantados ou, pelo menos, no avango a ser dado para que sejam formuladas
adequadas respostas sociais, educacionais, técnicas e/ou politicas. No pro-
cesso de pesquisa-agao estao entrelagados objetivos de acgao e objetivos de
conhecimento que remetem a quadros de referéncia te6ricos, com base nosqlais Sao estruturados os Concentos, ais inhas de interpretagao eas informe
des colhidas: durante ac investigagaio
De passagen. notiese que a pesquisa deae pode ser Concebida come:
metode, isto quer dizer win Caminho ow un Conjunte de procedimentos
para interligar conhecimento © agao. ou extant dat again novos conhect
Mentos. Do lado dos pesquisadores, trataese de formular concertos. busca
Informagdes sobre situagdes: do lado dos autores. a questio remete a
disposigdo a agir. a aprender, a transtormar. a melhorar etc. Além de uma
simples coleta de dados, a pesquisa
0 requer um longo trabalho de grupos
reunindo atores interessados ¢ pesquisadores, educadores e outros pro-
fissionais qualificados em diferentes areas. No titulo do livro, usei o termo
metodologia da pesquisa-agdo entendido, sobretudo, como discussao ou
reflexao sobre o método, descrevendo suas caracteristicas, avaliando méritos
¢ limitagdes, comentando os contextos de aplicagio. Frequentemente, existe
alguma confu
jo entre a nogdo de método e a de metodologia. Isto &
reconhecido, inclusive, em definigdes de diciondrios. Adotamos a seguinte
distingao: 0 método & 0 caminho pratico da investigacao, por sua vez, a
metodologia, relacionada com epistemologia, consiste na discussao dos
métodos.
Nas duas dltimas décadas, alguns fatos marcaram a evolugdo da
pesquisa-agdo. As dreas mais tradicionais em que se aplica esse método
continuam as de educagio, formagao de adultos, servigo social, extensdo
ou comunicagao rural. Todavia, houve diversificacdo e ampliacdo das érea
ciéncias ambientais, ciéncias da satide (enfe
rmagem, promogao da satide,
medicina coletiva), estudos organizacionais, ergonomia e engenharia de
producao, estudos urbanos, desenvolvimento local, economia soliddria,
direitos humanos, praticas culturais e artisticas.
Uma tendéncia que também se fortaleceu é 0 uso da pesquisa-agao
em projetos e programas de extensao universitaria, drea de atividade variada
que se estruturou em universidades puiblicas e particulars, nao reduzida a
simples prestagio de servigos. Encontrou apoio do governo no quadro de
politicas ptiblicas. Nesse contexto, a pesquisa-agao nao se limita mais a
fomentar pequenos projetos ou de pouca visibilidade, para se tornar um
quadro de referéncia metodoldgico em projetos e programas sociais de
grande porte, apoiado por reitorias ¢ érgdos do poder ptiblico. Isso re-
presenta um grande desafio para aqueles (como eu) que estavam acos-
jumados a trabalhar junto a grupos de menor dimensao. E preciso entren
Lu ovals questOes politicas ou estratégicas (Quem decide? Como a base ¢
representadit? Quais sao ay formas de participagio”) € operacionais (Come
sdio coletados os dados e gerados os resultados? Como usar sofrrares
especificos para pesquisa qualitativa? Como aplicar tecnologias de intor
macdo e comunicagdo para facilitar a interagdo de grupos © pessoas em
redes ed distancia”).
Em projetos sociais. especialmente os de grande porte, em assessorias
a politicas ptiblicas, algumas vezes. ha risco de confusao entre a exigéncia
0 de intere:
de conhecimento cientificamente embasado ¢ a expres
politicos que podem se revelar triviais, passageiros ou, até mesmo, enganosos.
Diante disso, é preciso reafirmar 0 compromisso social e cientifico da
pesquisa-agdo. Discordamos de colegas que consideram a pesquisa-agio
como simples atividade de intervengio social, calcada na visdo de atores,
que nao teria contas a prestar as instincias de pesquisa cientifica e nao
precisaria validagio ou reconhecimento académico.
Seja qual for seu grau de intensidade, a vontade de pesquisar e de
transformar situag6es nao significa “fazer agitagio” ou “propaganda” a favor
de solugdes preestabelecidas que, na maioria das vezes, revelam-se ilus6rias.
Nao existe neutralidade na pesquisa social em geral, e tampouco na pesquisa-
-acio, mas isso nao significa que tal proposta metodolégica deva se confundir
com as vontades (ou veleidades) de tal ou qual entidade politica ou religiosa.
Por meio de um maior grau de exigéncia metodolégica e cientifica, podemos
evitar certas manipulacdes ou vieses indesejdveis. Em particular, € preciso
evitar que a pesquisa-aco esteja posta a servigo de propostas populistas e,
por vezes, comunitaristas, deixando liderangas mais ou menos carismaticas
se apoiarem em resultados de pesquisa e de agdes para fazer prevalecer seus
fins particulares (acesso ao poder e concentracéio de recursos), sempre em
comunidades. O pretenso didlogo pode virar mondlogo
alharem falsas promessas contra a pobreza e pro-
nome do povo ou dz
para os seguidores
moverem novas formas de dominagao e de conformismo.
No plano do conhecimento, foi alguma vez objetado contra a nos-
sa proposta dos anos 1980 um excesso de objetivismo ou de realismo.
Talvez certas formulagées enfatizando 0 cardter objetivo da realidade,
independentemente de nossa consciéncia ou de nossa vontade, podem
induzir a esse tipo de apreciagdo. No entanto, cada vez mais, nao se0
deve esquecer que, mesmo sendo objetiva. « realidade da lugar a repre-
sentagoes construfdas com base nu conheeimento humano, Os conceitos
¢ resultados de Pesguise sao construgdes. No caso da pesquiya-agao. tra
laese de construgdes complexas. relacionadas com as visdes dos atores e
as conceituagdes dos pesquisadores. © todo mutivel no decorrer da agao.
Nesse contexto. a realidade nado pode ser considerada como independen-
te da consciéncia humana como se fosse um amontoado de pedras no
solo de outro planeta.
No entanto, esse tipo de argumento nao abre a porta ao subjetivismo
radical segundo © qual a realidade seria uma mera questdo de visio ou de
vontade do sujeito. A pesquisa-acdo se apresenta como método de pesquisa
rida em praticas ou agGes sociais, educacionais, técnicas, estéticas etc.
Ao longo dos anos, ela tem sido enriquecida nas encruzilhadas de varias
tendéncias filosdficas. Hoje, ela pode se distanciar tanto do objetivismo
quanto do subjetivismo, encontrando certa afinidade com o construtivismo
in
social.
A leitura deste livro pode ser considerada como convite ou intro-
dugio para uma capacitagéo em pesquisa-agio, que sé se efetivaré me-
diante experiéncias a serem adquiridas na pratica, colaborando ou par-
ticipando em projetos sobre problemas reais e vividos por atores sociais
bem identificados. E também aconselh4vel ampliar uma formagdo meto-
dolégica mais completa, em seus aspectos quantitativos e qualitativos,
incluindo a literatura existente sobre pesquisa participante, planejamento
participativo, método de estudo de caso, grupos de foco e outras técnicas
semelhantes.
Podemos recomendar livros traduzidos e publicados de autores como
André Morin (2004), Khalid El Andaloussi (2004), Hugues Dionne (2007).
Ainda temos que resgatar importantes subsidios para Pesquisa-acio e
educagao em Joao Bosco Pinto (1937-1995) a serem publicados.
Finalizando 0 prefacio desta nova edigio, volto a salientar que, no
atual contexto marcado por transformagGes répidas e uma grande diversidade
de iniciativas sociais, a pesquisa-agdo continua bastante solicitada como
meio de identificagdo e resolugdo de problemas coletivos e como forma de
aprendizagem dos atores e dos pesquisadores (profissionais ou estudantes).
Com as novidades cientificas e técnicas que surgem todo dia, a atualizagao
metodoldgica da pesquisa-agdo é necessdria e passa pela continua (re)dis-
ussdo de seus fundamentos tedricos. Hlosotices. eticos e de seu apri
moramento no plano das téenicas de coleta ¢ processamento de dados. Esse
sstorgo de atualizagaio & muito Vasto € 56 poderd ser coletivo. Que todos os
interessados participem!
ichel Thiollent
Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2011Sere eee
Sesioee :
Introdugao
O presente trabalho consiste em apresentar e discutir varios temas
relacionados com a metodologia da pesquisa social, dando particular desta-
que & pesquisa-agdo, enquanto linha de pesquisa associada a diversas for-
mas de ago coletiva que é orientada em fungdo da resolugao de problemas
ou de objetivos de transformagio.
Hoje em dia, no Bra:
il e noutros pafses, a linha da pesquisa-agao
tende a ser aplicada em diversos campos de atuagdo: educagao, comunica-
cdo, organizagao, servigo social, difusio de tecnologia rural, militancia
politica ou sindical etc. No entanto, a pesquisa-agao ainda esté em fase de
discussao e nao é objeto de unanimidade entre cientistas sociais e profissio-
nais das diversas dre:
Em muitos lugares, continuam prevalecendo as técnicas ditas con-
vencionais que sio usadas de acordo com um padrao de observacio positi-
vista no qual se manifesta uma grande preocupagdo em torno da quantifica-
cio de resultados empiricos, em detrimento da busca de compreensio e de
interago entre pesquisadores e membros das situagdes investigadas. Essa
busca € justamente valorizada na concepgio da pesquisa-agao. Todavia,
queremos deixar bem claro que esta linha de pesquisa nao é nica e nao
substitui as demais. O estudo de sua metodologia é apenas um tépico entre
os diferentes t6picos da metodologia das ciéncias sociais.
Um dos aspectos sobre os quais ndo hé unanimidade € 0 da propria
denominacio da proposta metodolégica. As expressdes “pesquisa partici-
pante” e “pesquisa-agdo” sao frequentemente dadas como sindnimas. A nosso
ver, no 0 so, porque a pesquisa-acao, além da participagao, supde umaforma de agao planejada de carater social. educacional. téenico ou outro
que_em sempre se encontra em propostis de pesquisa participante, Sea
como for, consideramos que pesquisa-agin © pesquisa paricipante proce
dem de uma mesmit busca de alternatives ao padedio de pesquisa convencio
nal. Nao estamos propensos a atribuir muita Mnportaner wos “rotulos
Mediante a aplicaydo dos principios metodoligicos aqui em discussiio, acha
Mos que outro modo de designagdo possa ser cogitado, mas ainda ndo o
encontramos
if A Pesquisa-agao © a pesquisa participante estéo ganhando grande au-
diéncia em varios meios sociais. Ainda € cedo para se ter uma avaliagdo da
amplitude e dos resultados realmente al ‘angados. Do lado oposto, alguns
Partidarios da metodologia convencional veem na pesquisa-agao e na pes-
quisa Participante um grande perigo, o do rebaixamento do nivel de exigén-
cia académica. Como veremos mais adiante, existem efetivos riscos ¢ exa-
geros na concepgio e na organizacio de pesquisas alternativas: abandono
do ideal cientifico, manipulag’o politica etc. Nosso desafio consiste em
mostrar que tais riscos, que também existem em outros tipos de pesquisa,
sao superdveis mediante um adequado embasamento metodoldgico.
Com o desenvolvimento de suas exigéncias metodolégicas, as pro-
Postas de pesquisa alternativa (participante e ago) poderao vir a desempe-
nhar um importante papel nos estudos e na aprendizagem dos pesquisado-
res e de todas as pessoas ou grupos implicados em situacdes problematicas.
Um dos principais objetivos dessas Propostas consiste em dar aos esi
dores e grupos de participantes os meios de se tornarem capazes de respon-
der com maior eficiéncia aos problemas da situagao em que vivem, em
Particular sob forma de diretrizes de acdo transformadora. Trata-se de faci-
litar a busca de solugdes aos problemas reais para os quais os procedimen-
tos convencionais tém pouco contribuido. Devido a urgéncia de tais proble-
mas (educagao, informacdo, praticas politicas etc.), os procedimentos a se-
rem escolhidos devem obedecer a prioridades estabelecidas a partir de um
diagnéstico da situagao no qual os participantes tenham voz e vez.
__ Para evitarmos alguns equivocos quanto ao real alcance da pesquisa-
-agdo, limitaremos a sua pertinéncia & faixa intermedidria entre o que €
geralmente designado com nivel microssocial (individuos, pequenos grupos)
© 0 que € considerado como nivel macrossocial (sociedade, movimentos ¢
entidades de Ambito nacional ou internacional). Essa faixa intermediaria de
observacdo corresponde a uma grande diversidade de atividades de grupos
Ea reece seeeeeecE
ce individuos no seio ou a margem de instituigdes ou coletividades. Entre as
principais atividades consideradas. encontramos tudo © que & comumente
designado como educagdo, trabalho. comunicagdo. lazer ete, Tal como a
entendemos. a pesquisa-agdo nao trata de psicologia individual e. também,
nao & adequada ao enfoque macrossocial. Nas condigdes atuais, como pro-
posta bastante limitada, nao se conhecem exemplos de pesquisa-agdo ao
nivel da sociedade como um todo. E apenas um instrumento de trabalho e
de investigagdo com grupos, instituigdes, coletividades de pequeno ou mé-
dio porte. Contrariamente a certas tendéncias da pesquisa psicossocial, os
aspectos sociopoliticos nos parecem ser mais pertinentes que os aspectos
psicolgicos das “relagdes interpessoais”. Na abordagem da interagao social,
aqui adotada, os aspectos sociopoliticos sio frequentemente privilegiados. O
que niio quer dizer que a realidade psicoldgica ¢ existencial seja desprezada.
Do ponto de vista sociolégico, a proposta de pesquisa-agéio dé énfase
A andlise das diferentes formas de aco. Os aspectos estruturais da realida-
de social ndo podem ficar desconhecidos, a agao sé se manifesta num con-
junto de relagdes sociais estruturalmente determinadas. Para analisar a es-
trutura social, outros enfoques, de cardter mais abrangente, sdo necessarios.
Os temas e problemas metodolégicos aqui apresentados sao limita-
dos ao contexto da pesquisa com base empirica, isto é, da pesquisa voltada
para a descric¢do de situages concretas e para a intervencao ou a agdo orien-
tada em fungao da resolucdo de problemas efetivamente detectados nas co-
letividades consideradas. Isto no quer dizer que estejamos desprezando a
pesquisa te6rica, sempre de fundamental importancia. Mas precisamos co-
mecar por um dos lados possiveis e escolhemos 0 lado empitico, com obser-
vagio e agdio em meios sociais delimitados, principalmente com referéncia
aos campos constitufdos e designados como educag’o, comunicagio e or
ganizagdo. Nao nos parece haver incompatibilidade no fato de progredir na
teorizago a partir da observagao e descrigdo de situagdes concretas e no
fato de encarar situagdes circunscritas a diversos campos de atuagao antes
de se ter elaborado um conhecimento te6rico relativo a sociedade como um
todo. Entre esses diversos niveis de andlise, ndo nos parece haver deducao
do geral ao particular nem indugao do particular ao geral. Trata-se de esta-
belecer um constante vaivém no qual privilegiamos aqui os niveis mais
acessiveis ao pesquisador principiante.
Embora privilegie 0 lado empirico, nossa abordagem nunca deixa de
colocar as questdes relativas aos quadros de referéncia tedrica sem os quaisa pesquisa empirica — de pesyumsaaeado ou nao nao fara sentido, Essas
questdes sito Vistas como sendo relacronadas ao papel da teoria na pesquisa
© como contribuigdo especitica dos pesquisadores nos diseursos que acom
panham © desenrolar da pesquisa. levando a uma deliberagde acerca dos
argumentos a serem levados em conta para estabeleeer as conclusdes.
Nos dias de hoje. embora haja muitas pesquisas em diversas areas de
conhecimento aplicado. sente-se a falta de uma maior seguranga em maté-
ria de metodologia quando se trata de investigar situagdes concretas. Além
disso. no plano te6rico, a ret6rica sem controle corre solta. Hé um crescente
descompasso entre 0 conhecimento usado na resolugdo de problemas reais
€ 0 conhecimento usado apenas de modo retérico ou simbélico na esfera
cultural. A linha seguida pelos partidarios da pesquisa-acio € diferente:
pretendem ficar atentos as exigénci
s tedricas e praticas para equacionarem
problemas relevantes dentro da situagdo social.
* *
De acordo com a concepgio didatica deste livro, 0 contetido € organi-
zado em temas, cada um sendo apresentado de modo conciso. A ni sele-
¢ao dos temas corresponde as respostas a diferentes perguntas que sempre
so formuladas nas discussdes sobre a pesquisa-agiio de que temos partici-
pado no Brasil desde 1975. Muitas dessas perguntas nos foram sugeridas
por alunos e professores de ciéncias sociais e de outras disciplinas na oca-
sido de cursos, conferéncias ou semindrios em varias universidades e por
pesquisadores encontrados na realizacdo de diversas consultorias. Em si pré-
prio 0 “roteiro” proposto nao pretende ser a solugo de todos os problemas.
Os temas escolhidos foram agrupados em trés capitulos:
1. Estratégia de conhecimento.
2. Concepgao e organizagio da pesquisa.
3. Areas de aplicagao.
No Capitulo I estéo reunidos alguns temas gerais da estratégia de
conhecimento, enfatizando o papel da metodologia no controle das exigén-
cias cientificas e a natureza argumentativa das formas de raciocinio que
operam na concepgiio da pesquisa-agdo. A formulacao das hipéteses (ou
diretrizes), sua comprovagio, as inferéncias e generalizagdes nao sio ape-
nas baseadas em dados e regras estatisticas. No conjunto do processo da
investigacdo e da agdo, a argumentagao (ou a deliberaciio) desempenha um
papel fundamental, Além disso. ay implicagdes politicas © valorativaas de
yeni fear sob o controle dos pesyuisadores
No Capitulo HL apresentiimos uma serie de temas relacionados com a
concepeado © at organizagdo pratica de uma pesquisa-agao. Sao destacadas
questoes vinculadas & fase exploratoria. o diagnéstico. a escotha do tema. a
colocagdo dos problemas. o lugar da teoria ¢ das hipoteses. a fungdo do
seminario no qual se retinem os pesquisadores e os demais participantes. a
delimitagdo do campo de observagdo empirica. os problemas de amostra-
gem e de representatividade qualitativa a coleta de dados, a aprendizagem,
© cotejo do saber formal e do saber informal, a elaboragdo de planos de
agao e, finalmente, a divulgagio dos resultados.
No Capitulo III apresentamos como temas as diversas dreas de aplica-
go da pesquisa-agdo, em particular educagdo, comunicagao, servico so-
cial, organizagao, tecnologia rural e praticas politicas. Em cada uma dessas
Areas so discutidas algumas das especificidades da abordagem proposta.
Indicamos problemas a serem resolvidos e potencialidades a serem apro-
veitadas em futuras pesquis
0 retomadas,
relacionadas com as condig6es intelectuais e praticas do desenvolvimento
Em conclusio, sinteticamente importantes questdes
da pesquisa
lugdo de problemas do mundo real.
40 enquanto estratégia de conhecimento voltada para a ri—_—
CORTEZ
Sesion w
Capitulo I
Estratégia de conhecimento
Neste capitulo sao apresentados temas gerais da estratégia de conhe-
cimento que € propria & orientacao metodolégica da pesquisa-agao tal como
a concebemos. Apés uma discussio acerca das definiges e dos objetivos,
ioe
sa-agdo no Ambito das ciéncias sociais. Em seguida € descrito 0 papel da
metodologia como sendo o de conduzir a pesquisa de acordo com as exi-
géncias cientificas. Procurando mostrar algumas das especificidades da pes-
entamos uma série de exigéncias necessdrias 4 manutengado da pesqui-
quisa-
argumentativa (ou deliberativa) dos procedimentos esta explicitamente re-
conhecida, contrariamente 4 concepgio tradicional da pesquisa, na qual sao
valorizados critétios ldgico-formais e estatisticos. Desenvolvendo este ponto
de vista, procuramos mostrar como é possivel estabelecer um vinculo entre,
(0 no plano das formas de raciocinio, indicamos que a natureza
de um lado, 0 raciocinio hipotético e as exigéncias de comprovaao, e, por
outro lado, as argumentagGes dos pesquisadores e participantes. Mostramos
que a concepgao das hipsteses nao deve ser confundida com a elaboragio
de testes de hipdtese, que é apenas uma técnica estatistica de aplicagdo
restritiva, 0 que nos permite repensar as questdes relacionadas com inferén-
cias e generalizagdes de um modo que nao se limita ao campo das técnicas
estatisticas. Essas quest6es siio também abordadas por intermédio dos re-
cursos da argumentagdo, de modo particularmente adequado no contexto
da pesquisa-agdo, onde as interpretagées da realidade observada e as agdes
transformadoras so objetos de deliberago. Em seguida sio apresentadas
algumas reflex6es introdutdrias acerca do tema do relacionamento entre- we
conhecimento © agin Procuramos especificar 0 aleance das agoes ow das
transtormagoes consideradas na pesquisa semi criar falsay expectativas, ao ni-
vel dat sociedade. Terminamos 0 nosso “roteiro” dat estratésia de conheet
Mento por uma curt discussao sobre ay suas implicagdes politicas e Valorattivas
1. Definicdes e objetivos
Entre as diversas definigdes possiveis, daremos a seguinte: a pesqui-
Sa-agdo € um tipo de pesquisa social com base empirica que & concebida e
realizada em estreita associagdo com uma ago ou com a resolugdo de um
problema coletivo e no qual os Pesquisadores e os participantes representa-
tivos da situagao ou do problema esto envolvidos de modo cooperativo ou
Participativo.
Este tipo de definigao deixa provisoriamente em aberto a questao va-
lorativa, pois nao se refere a uma predeterminada orientagao da acdo ou a
um predeterminado grupo social. Muitos partidarios restringem a concepgado
€ 0 uso da pesquisa-acao a uma orientagao de agdo emancipatéria e a gru-
Pos sociais que pertencem as classes populares ou dominadas. Nesse caso.
4 pesquisa-acdo € vista como forma de engajamento sociopolitico a servico
da causa das classes populares. Esse engajamento € constitutivo de uma boa
parte das propostas de Pesquisa-agdo e pesquisa participante, tais como sao
conhecidas na América Latina e em outros paises do Terceiro Mundo. No
entanto, a metodologia da pesquisa-acio é igualmente discutida em areas
- atua¢do técnico-organizativa com outros tipos de compromissos sociais
€ ideoldgicos, entre os quais destaca-se 0 compromisso de tipo “reforma-
dor” e “participativo”, tal como no caso das Pesquisas sociotécnicas efetua-
das segundo uma orientagdo de “democracia industrial”, principalmente
em paises do Norte da Europa.
Embora seja precaria a distingao entre os aspectos valorativos e os
aspectos propriamente metodolégicos ao nivel de um processo de investi-
gacao, consideramos que a estrutura metodoldgica da pesquisa-agao da lu-
gar a uma grande diversidade de propostas de pesquisa nos diversos campos
de atuagao social. Os valores vigentes em cada sociedade e em cada setor
de atuagao alteram sensivelmente o teor das Propostas de pesquisa-acao.
Assim, existe uma grande diversidade entre as propostas de cardter militan-
te, as propostas informativas e conscientizadoras das dreas educacional e de
comunicagao e. finalmente. as propostas “eficientizantes” das areas organi-
zacional ¢ tecnol6gica. Certos autores recusam a possibilidade de designar
essas propostas tio diversas por um mesmo vocabulo.
Abordaremos questdes metodologicas gerais tentando dar conta desta
diversidade de propostas.
Ao nivel das definigdes, uma questo frequentemente discutida & a de
saber se existe uma diferenga entre pesquisa-agdo e pesquisa participante
(Thiollent, 1984a, p. 82-103). Isto é uma questao de terminologia acerca da
qual no ha unanimidade. Nossa posigdo consiste em dizer que toda pesqui-
sa-acado é de tipo participativo: a participagdo das pessoas implicadas nos
problemas investigados € absolutamente necessdria. No entanto, tudo 0 que
& chamado pesquisa participante nao é pesquisa-agao. Isso porque pesquisa
participante é, em alguns casos, um tipo de pesquisa baseado numa meto-
dologia de observagao participante na qual os pesquisadores estabelecem
relagdes comunicativas com pessoas ou grupos da situagao investigada com
0 intuito de serem melhor aceitos. Nesse caso, a participagao é sobretudo
participacdo dos pesquisadores e consiste em aparente identificagdo com os
valores e os comportamentos que sdo necessdrios para a sua aceitacio pelo
grupo considerado.
Para que nao haja ambiguidade, uma pesquisa pode ser qualificada de
pesquisa-agdo quando houver realmente uma ago por parte das pessoas ou
grupos implicados no problema sob observagdo. Além disso, & preciso que
a agdo seja uma agao nao trivial, o que quer dizer uma acao problematica
merecendo investigacao para ser elaborada e conduzida.
Entre as ag6es encontradas, algumas sao de tipo reivindicatério, por
exemplo, no contexto associativo ou sindical. Em certos casos, trata-se de
agoes de cardter pritico dentro de uma atividade coletiva, por exemplo, 0
langamento de um jornal popular ou de outros meios de difusio no contexto
da animacao cultural. Num contexto organizacional, a agio considerada
visa frequentemente resolver problemas de ordem aparentemente mais téc-
nica, por exemplo, introduzir uma nova tecnologia ou desbloquear a circula-
¢4o da informagao dentro da organizacgao. De fato, por tras de problemas
desta natureza ha sempre uma série de condicionantes sociais a serem evi-
denciados pela investigagao.
Na pesquisa-acéio os pesquisadores desempenham um papel ativo no
equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na ava-
liagdo das agdes desencadeadas em fungao dos problemas. Sem dtivida, a2
pesquisa-agdo exige uma estrutura de relagdo entre pesquisadores © pessoas
da situacdo investigada que seja de tipo participative. Os problemas de acei-
lagu dos pesquisadores no meio pesquisado tem que ser resolyidos no de
curso da pesquisa. Mas a participagdo do pesquisador nao qualitica a espe
cificidade da pesquisa-agdo. que Consiste em organizar a mnvestigagao em
torno da concepgao, do desenrolar ¢ da avaliagdo de uma agio planejada
Nesse sentido, pesquisa-agdo e pesquisa participante nao deveriam ser con-
fundidas, embora autores tenham chamado pesquisa participante concep-
gGes de pesquisa-agdio que nao se limitam a aceitacdo dos pesquisadores no
meio pesquisado, como no caso de simples “observagio participante”. A
participacio dos pesquisadores é explicitada dentro da situagao de investi-
gagdo, com os cuidados necessdrios para que haja reciprocidade por parte
das pessoas e grupos implicados nesta situagao. Além disso, a participagao
dos pesquisadores no deve chegar a substituir a atividade propria dos gru-
Pos e suas iniciativas.
Em geral, a ideia de pesquisa-agdo encontra um contexto favordvel
quando os pesquisadores nao querem limitar suas investigagdes aos aspec-
tos académicos e burocraticos da maioria das pesquisas convencionais.
Querem pesquisas nas quais as pessoas implicadas tenham algo a “dizer” e
a “fazer”. Nao se trata de simples levantamento de dados ou de relatérios a
serem arquivados. Com a pesquisa-agiio os pesquisadores pretendem de-
sempenhar um papel ativo na propria realidade dos fatos observados.
Nesta perspectiva, é necessario definir com precisao, de um lado, qual
€ a agdo, quais so os seus agentes, seus objetivos e obstéculos e, por outro
lado, qual € a exigéncia de conhecimento a ser produzido em fungdo dos
problemas encontrados na agio ou entre os atores da situacio.
Resumindo alguns de seus principais aspectos, consideramos que a
pesquisa-agdo é uma estratégia metodolégica da pesquisa social na qual:
a) ha uma ampla e explicita interagao entre pesquisadores e pessoas
implicadas na situagao investigada;
b) desta interagao resulta a ordem de prioridade dos problemas a se-
rem pesquisados e das solugdes a serem encaminhadas sob forma
de agao concreta;
c) 0 objeto de investigagio nao é constituido pelas pessoas e sim pela
situagio social e pelos problemas de diferentes naturezas encon-
trados nesta situagdo;
dl) © objetivo da pesquisa-agdo consiste em resolver ou, pelo menos.
em esclarecer os problemas da situagdo observada:
¢) ha. durante o processo. um acompanhamento das decisdes. das agdes
e de toda a atividade intencional dos atores da situagao:
1) a pesquisa nao se limita a uma forma de agdo (risco de ativismo)
pretende-se aumentar o conhecimento dos pesquisadores e 0 co-
nhecimento ou 0 “nivel de consciéncia” das pessoas e grupos con-
siderados.
A configuragdo de uma pesquisa-ago depende dos seus objetivos e
do contexto no qual é aplicada. Varios casos devem ser distinguidos.
Num primeiro caso, a pesquisa-agao é organizada para realizar os obje-
tivos praticos de um ator social homogéneo dispondo de suficiente autono-
mia para encomendar e controlar a pesquisa. O ator é frequentemente uma
associagao ou um agrupamento ativo. Os pesquisadores assumem os objeti-
vos definidos e orientam a investigagio em fungdo dos meios dispontveis.
Num segundo caso, a pesquisa-agdo é realizada dentro de uma orga-
nizagdo (empresa ou escola, por exemplo) na qual existe hierarquia ou gru-
pos cujos relacionamentos sio problemiticos. A pesquisa pode vir a ser
utilizada por uma das partes em detrimento dos interesses das outras partes.
Nesse caso, 0 relacionamento dos pesquisadores com os grupos da situagao
observada é muito mais complicado do que no caso precedente, tanto no
plano ético quanto no plano da pratica da pesquisa. Considera-se, no plano
ético, que os pesquisadores da linha da pesquisa-agéo nao podem aceitar
trabalhar em pesquisas manipuladas por uma das partes nas organizagoes,
em particular por aquela que estd mais vinculada ao poder. Apés uma fase
de definigdo dos interessados na pesquisa e das exigéncias dos pesquisado-
res, se houver possibilidade de conduzir a pesquisa de um modo satisfato-
riamenté negociado, os problemas de relacionamento entre os grupos serao
tecnicamente analisados por meio de reuniGes no seio das quais todas as
partes deverao estar representadas.
Num terceiro caso, a pesquisa-agao é organizada em meio aberto, por
exemplo, bairro popular, comunidade rural etc. Nesse caso, ela pode ser
desencadeada com uma maior iniciativa por parte dos pesquisadores que,
as vezes, devem se precaver de possiveis inclinagées “missionarias”, sem-
pre propicias 4 perda do minimo de objetividade que é requerido na pesqui-
sa. Frequentemente a pesquisa é organizada em fungo de instituigdes exte-4
riores & comunidade. Os pesquisadores clucidam os diversos interesses im
plicados
Na priitica. os tres catsos que distinguimos algumias Vezes se upresen
tam sob forma mesclada, Seja como for, a attitude dos pesquisadores & sem
pre uma atitude de “escuta” & de elucidagao dos varios aspectos dat situa
gdo, sem imposigdo unilateral de suas concepgdes proprias.
Na fase de definigdo da pesquisa-agdo. uma outra condigio necessi-
ria consiste na elucidagdo dos objetives e. em particular, da relagdo existen-
te entre 0s objetivos de pesquisa e os objetivos de agdo. Uma das especifici-
dades da pesquisa-agéo consiste no relacionamento desses dois tipos de
objetivos:
a) Objetivo pratico: contribuir para o melhor equacionamento possivel
do problema considerado como central na pesquisa, com levanta-
mento de solugdes e proposta de agdes correspondentes as “solu-
Ges” para auxiliar o agente (ou ator) na sua atividade transforma-
dora da situacao. E claro que este tipo de objetivo deve ser visto
com “realismo”, isto é, sem exageros na definigdo das solugdes
alcangaveis. Nem todos os problemas tém solugGes a curto prazo.
b) Objetivo de conhecimento: obter informacdes que seriam de diff-
cil acesso por meio de outros procedimentos, aumentar nosso co-
nhecimento de determinadas situagGes (reivindicages, represen-
tagdes, capacidades de agdo ou de mobilizacio etc.).
A relacao existente entre esses dois tipos de objetivos é varidvel. De
modo geral considera-se que com maior conhecimento a agio é melhor
conduzida. No entanto, as exigéncias cotidianas da pratica frequentemente
limitam 0 tempo de dedicagdo ao conhecimento. Um equilibrio entre as
duas ordens de preocupagdo deve ser mantido.
Como complemento a discussio dos objetivos da pesquisa-acio, po-
demos indicar casos nos quais 0 objetivo é sobretudo “instrumental”; isto
acontece quando a pesquisa tem um propésito limitado & resolugdo de um
problema pratico de ordem técnica, embora a técnica no seja concebida
fora do seu contexto sociocultural de geracdo e uso. Encontramos outras
situagGes nas quais os objetivos sio voltados para a tomada de consciéncia
dos agentes implicados na atividade investigada. Nesse caso, no se trata
apenas de resolver um problema imediato e sim desenvolver a consciéncia
da coletividade nos planos politico ou cultural a respeito dos problemas
importantes que enfrenta. mesmo quando ndo se veem solugdes a curte
prave como, por exemplo, nos casos de seeas. efeitos da propriedade fun-
dharia ete, O objetivo & tornar mars evidente aos olhos dos interessadlos a
natures © @ compleridade dos problemas considerados
Finalmente, existe uma outra situagao, quando 0 objetivo da pesqui-
saya € principalmente voltado para a produgdo de conhecimento que nao
seja titil apenas para a coletividade considerada na investigacao local. Tra-
tase de um conhecimento a ser cotejado com outros estudos e suscetivel de
parciais generalizagdes no estudo de problemas sociolégicos, educacionais
ou outros, de maior alcance. A énfase pode ser dada a um dos trés aspectos:
resolucdo de problemas, tomada de consciéncia ou produgdo de conheci-
mento. Muitas vezes, a pesquisa-agdo s6 consegue alcangar um ou outro
desses trés aspectos. Podemos imaginar que, com maior amadurecimento
metodolégico, a pesquisa-aco, quando bem conduzida, poderd vir a alcan-
cad-los simultaneamente.
Uma tiltima questdo frequentemente abordada consiste na diferenga
que existe entre a pesquisa-agao e a pesquisa convencional. Numa pesquisa
convencional nao ha participagdo dos pesquisadores junto com os usudrios
ou pessoas da situagdo observada. Além disso, sempre hé uma grande dis-
UAncia entre os resultados de uma pesquisa convencional e
cisdes ou agdes decorrentes. Em geral tal tipo de pesquisa se insere no
funcionamento burocratico das instituigdes. Os usudrios nao sao considera-
dos como atores. Ao nivel da pesqui
nivel da agdo ele € mero executor. Esta concepgiio € incompativel com a da
pesquisa-acdio, sempre pressupondo participagao e agio efetiva dos interes-
sados. Podemos acrescentar que, na pesquisa social convencional, sao pri-
vilegiados os aspectos individuai
des, comportamentos etc. Esses aspectos
de questiondrios e entrevistas que nado permitem que se tenha uma vi
dinfimica da situagdo, Nao ha focalizagao da pesquisa na dindmica de trans-
formacdo desta situagdo numa outra situago desejada. Ao contrario, pela
pesquisa-aco € possivel estudar dinamicamente os problemas, decisdes,
agées, negociagdes, conflitos e tomadas de consciéncia que ocorrem entre
os agentes durante 0 processo de transformagio da situagéo. Por exemplo,
no campo industrial, é 0 caso quando se trata de transformar uma forma de
organizagao do trabalho individualmente segmentada e rotinizada numa
forma de organizagdo com grupos dispondo de autonomia e flexibil
s possiveis de-
, 0 usuario é mero informante, e ao
s, tais como opinides, atitudes, motiva-
sdo geralmente captados por meiona execugao do trabalho. De modo geral. a observagde do que ocorre no
processo de transtformagao abrange problemas de expectativis. reivindica-
goes. decisdes. agdes ¢ € realizada atraves de reunides & seminrios nos
quais participam pessoas de diversos grupos implicados na transtormagao
As reunides © seminiirios podem ser alimentados por mtormagdes obtidas
em grupos de pesquisa especializados por assuntos & também por informa-
gOes provenientes de outras fontes, inclusive — quando utilizaveis — aque-
las que foram obtidas por meios convencionais: entrevistas, documentagdo
etc. Este tipo de concepgio pode ser aplicado no caso do estudo de inova-
des ou de transformagées técnicas e sociais nas organizagdes e também
nos sistemas de ensino.
2. Exigéncias cientificas
Entre os partidarios da pesquisa-agao e da pesquisa participante é
frequente o clima de suspeita para com teorias, métodos e outros elementos
valorizados pelo espirito cientifico. As vezes chega-se a muita participagao
€ a pouco conhecimento. A nosso ver, na pesquisa-agdo se devem manter
algumas condigGes de pesquisa e algumas exigéncias de conhecimento asso-
ciadas ao ideal cientifico que, contrariamente a uma certa opiniao corrente,
nao se confunde com 0 positivismo ou qualquer outra circunstancial ideo-
logia da ciéncia.
No contexto da animagio e difuso cultural em meio operdrio, D.
Charasse mostra que a pesquisa-agao € insuficiente quando “desprovida do
questionamento préprio & pesquisa cientifica” (Charasse, 1983, p. 133-40).
Tal experiéncia nao passa de uma compilagao sem enriquecimento da in-
formagio. Além disso, quando nao ha interrogagao acerca do papel dos
pesquisadores intervenientes, ha risco de manipulacao. E preciso evitar, de
um lado, 0 tecnocratismo e 0 academicismo e, por outro, 0 populismo ingé-
nuo dos animadores.
A nosso ver, um grande desafio metodolégico consiste em fundamen-
tar a insergdo da pesquisa-agdo dentro de uma perspectiva de investigagio
cientific:
concebida de modo aberto e na qual “ciéncia” nao seja sinénimo
de “positivismo”, “funcionalismo” ou de outros “rétulos”.
Como visto no item precedente, na pesquisa-agao existem objetivos
praticos de natureza bastante imediata: propor solugdes quando for possi-
ree
Sel ¢ acompanhar ages correspondentes. ou, pelo menos, fazer progredir a
conscigneia dos participantes no que diz respeito a existéncia de solugses ¢
de obstaculos:
No contexto organizacional. onde ha nitida divisdo entre dirigentes &
dirigidos. € claro que a pesquisa-agdo pode ticar repleta de ambiguidades
e seu alcance pode ser limitado de modo utilitarista por parte dos dirigentes
ao colocarem problemas de seu exclusivo interesse como prioritdrios, inde-
pendentemente de sua relevancia cientifica, eventualmente muito fraca, tal
como no caso dos estudos de “lideranga”.
Quando se trata de pesquisa-agdo voltada para os problemas da cole-
tividade, como, por exemplo, a organizagio do trabalho em mutirao, 0 acesso
escola ou A moradia, os objetivos praticos consistem em fazer um levanta-
mento da situacéio, formular reivindicagdes e agdes. Sao objetivos praticos
voltados para se encontrar uma “safda” dentro do contexto. As solugdes
imediatas sdo selecionadas em fungao de diferentes critérios corresponden-
tes a uma definigdo dos interesses da coletividade.
Todos esses objetivos praticos nao devem nos fazer esquecer que a
pesquisa-acdo, como qualquer estratégia de pesquisa, possui também obje-
tivos de conhecimento que, a nosso ver, fazem parte da expectativa cientifi-
ca que € propria as ciéncias sociais.
Sao muito varidveis os pontos de vista de diferentes autores acerca do
grau de sintonia da pesquisa-ago com a ideia de ciéncia. Podemos até
encontrar autores e pesquisadores comprometidos com pesquisa-a¢ao e pes-
quisa participante que perderam de vista a ideia ou o “ideal” das ciéncias
sociais, ou da ciéncia em geral. A a¢do ou a participagaio, em si préprias,
seriam suficientes. Conhecimento e agdo, ciéncia e saber popular estariam
fundidos numa s6 atuagao. Nao haveria mais lugar aut6nomo para a ciéncia
que, no caso, seria apenas considerada como produto tipicamente “acadé-
mico”,“positivista”, “ocidental” e “decadente”. A pesquisa-agao nao pre-
cisaria prestar contas & ciéncia e as suas instituigdes.
A nosso ver, este ponto de vista é exagerado e perigoso. Alguns as-
pectos da critica ao sistema convencional da pesquisa cientifica (acade-
micismo, dependéncia institucional, unilateralidade da interpretagao etc.)
so muito pertinentes. Mas isto nao deve nos fazer abrir mao das ideias de
ciéncia e de racionalidade, sem as quais sempre ha riscos de “recafdas” no
irracionalismo que, tanto no passado como no presente, foi associado ao
obscurantismo € as manipulagdes de toda ordem.8
Hoje em dia ado existe um padrao de cientiticidade universalmente
aceito nas ciéncias sociais. O positivismo ¢ o empiricismo. que prevalecem
na literatura do mundo anglo-saxdo. so contestados inclusive nos seus cen
tros de origem. Podemos optar por instrumentos de pesquisa nao aceitos
pe
maioria dos pesquisadores de rigida formagao a moda antiga. sem por
isso abandonar a preocupagao cientifica.
Embora seja incompativel com a metodologia de experimentagao em
laborat6rio e com os pressupostos do experimentalismo (neutralidade e nao
iterferéncia do observador, isolamento de varidveis ete.), a pesquisa-agdo
ndo deixa de ser uma forma de experimentagdo em situagao real, na qual os
pesquisadores intervém conscientemente. Os. participantes nao sdo reduzi
dos a cobaias e desempenham um papel ativo. Além disso, na pesquisa em
situagao real, as varidveis nao sdo isolaveis. Todas elas interferem no que esta
sendo observado. Apesar disso, trata-se de uma forma de experimentagao na
qual os individuos ou grupos mudam alguns aspectos da situacdo pelas agdes
que decidiram aplicar. Da observagio e da avaliagdo dessas agdes, ¢ também
pela evidenciagao dos obstéculos encontrados no caminho, ha um ganho de
informacao a ser captado e restituido como elemento de conhecimento,
Consideramos que a pesquisa-agao nao € constituida apenas pela aco
ou pela participagao. Com ela € necessério produzir conhecimentos, adqui-
rir experiéncia, contribuir para a discussdo ou fazer avancar o debate acerca
das quest6es abordadas. Parte da informagdo gerada é divulgada, sob for-
mas e por meios apropriados, no seio da populagao. Outra parte da informa-
¢a0, cotejada com resultados de pesquisas anteriores, é estruturada em co-
nhecimentos. Estes sdo divulgados pelos canais proprios as ciéncias sociais
(revistas, congressos etc.) e também por meio de canais proprios a esta
linha de pesquisa.
a Achamos que a pesquisa-acdo deve ficar no Ambito das ciéncias
ciais, podendo inclusive ser enriquecida pelas contribuigdes de outras li-
nhas compativeis (em particular, linhas metodolégicas concentradas na and-
lise da linguagem em situagiio social) (Thiollent, 1981, p. 81-105). Os pes-
quisadores da linha “pesquisa-agao” que negam seu papel proprio estdio em
situagao paradoxal: pesquisar sem ser pesquisador. Além disso, 0 descon-
trole da atividade de pesquisa deixa margem a todas as formas de manipu-
lagdo e de aproveitamento para fins particulares.
A manutengao da pesquisa-ag’io dentro do conjunto das exigéncias
cientificas tem que ser melhor explicitada. As exigéncias consideradas sao
) comumente aceitas de acordo com padrio
diferentes daquelas que
Convencional de observagao. no qual hé total separagdo entre observador e
observados, total substituibilidade dos pesquisadores © quantitic
formagao colhida na observacdo. enquanto principios de objetividade. Tais
principios observacionais pertencem ao espirito cientifico: porém, nao sao
jo da in-
os Gnicos € nao se aplicam em todas as dreas com o mesmo grau de neces-
sidade. Sem abandonarmos 0 espirito cientifico, podemos conceber dispo-
sitivos de pesquisa social com base empirica nos quais. em vez de separa-
do, haja um tipo de coparticipagao dos pesquisadores € das pessoas impli-
cadas no problema investigado. A substituibilidade dos pesquisadores nao &
total, pois o que cada pesquisador observa e interpreta nunca € independen-
te da sua formagio, de suas experiéncias anteriores e do proprio “mergu-
Iho” na situagdo investigada. Em lugar de substituibilidade, a condigao de
objetividade pode ser parcialmente respeitada por meio de um controle
metodolégico do processo investigativo e com o consenso de varios pesqui-
sadores acerca do que esté sendo observado e interpretado. Por sua vez, a
quantificagdo € sempre titil quando se trata de estudar fendmenos cujas
dimensées e variagdes sao significativas e quando existem instrumentos de
eis sem demasiado artificialismo. Mas a quantificagdo, apa-
(0 subjetiva, € frequente-
medigao apli
rentemente mais precisa do que qualquer avalia
mente uma ilusio. Em muitos casos a descrigdo verbal minuciosa, a apre-
ciagdo em escalas “grosseiras” do tipo forte-fraco, grande-médio-pequeno,
aumento-diminuigao etc., sdo suficientes para satisfazer os objetivos da
pesquisa. Tais apreciagdes so factiveis no processo de pesquisa-agao e,
inclusive, com recursos de procedimentos argumentativos para se chegar a0
consenso dos participantes em torno das mesmas.
Por ser muito mais dialégico do que o dispositivo de observagdo con-
vencional, 0 dispositivo da pesquisa-agdo pode parecer menos preciso ¢
menos objetivo. Relativizando essas nogdes, podemos considerar que elas
nao s&@, por isso, necessariamente perdidas de vista pelos pesquisadores. A
discussio e a participagio dos pesquisadores e dos participantes em diver-
sas estruturas coletivas (semindrios, grupos etc.) nao sio, em si préprias.
nocivas a objetividade. A falta de objetividade também pode existir nos
modos de relacionamento burocratico dos pesquisadores convencionais. O
caréter burocratico do relacionamento pode ser observado entre os pesqui-
sadores principais confinados em gabinetes e os pesquisadores (ou entre-
vistadores) que atuam no campo empirico e, também, entre estes ultimos &
0s individuos escolhidos como informantes em fungdo da amostragem. Ospesquisadores prineipais ractocinam em gabinete na base de uma grande
quantidade de informagdes quantitativas obtidas pelos procedimentos roti
neiros. Nessas condigdes. a qualidade © a objetividade do raciocinio nao
sd0 Necessariamente superiores. Na pesquisa ativa ha um constante ques-
Honamento, sempre € preciso argumentar a favor ou contra determinadas
apreciagdes e interpretagdes. Seu aspecto coletivo pode ser fonte de ma-
hipulagdes. Sob controle metodologico. ha também condigdes de uma
constante autocorregio, sempre melhorando a qualidade e a relevancia
das observagoes.
Em si, a intercomunicacao entre observadores e pessoas e grupos im-
plicados na situagdo e também a restituigao do papel ativo a todos os parti-
cipantes que acompanham as diversas fases da pesquisa nao constituem
infragdes ao “cddigo” da ciéncia, quando este € entendido de modo plural,
em particular no plano metodolégico.
A compreensio da situacao, a selegdo dos problemas, a busca de solu-
ges internas, a aprendizagem dos participantes, todas as caracteristicas qua-
litativas da pesquisa-agao nao fogem ao espirito cientifico. O qualitativo e 0
didlogo nao so anticientificos. Reduzir a ciéncia a um procedimento de pro-
cessamento de dados quantificados corresponde a um ponto de vista criticado
€ ultrapassado, até mesmo em alguns setores das ciéncias da natureza.
Do ponto de vista cientifico, a pesquisa-agao € uma proposta metodo-
logica e técnica que oferece subsidios para organizar a pesquisa social aplica-
da sem os excessos da postura convencional ao nivel da observagio, proces-
samento de dados, experimentacao etc. Com ela se introduz uma maior flexi-
bilidade na concepgio e na aplicagao dos meios de investigagao concreta.
Além disso, podemos considerar que, internamente ao processo de
pesquisa-agdo, encontramos qualidades que nao estdo presentes nos pro-
cessos convencionais. Por exemplo, podemos captar informagGes geradas
pela mobilizagdo coletiva em torno de agdes concretas que nao seriam al-
cangaveis nas circunstancias da observagao passiva. Quando as pessoas es-
to fazendo alguma coisa relacionada com a solugao de um problema seu,
hd condigao de estudar este problema num nivel mais profundo e realista do
que no nivel opinativo ou representativo no qual se reproduzem apenas
imagens individuais ¢ estereotipadas.
Outra qualidade da pesquisa-agiio consiste no fato de que as popula-
goes ndo sAo consideradas como ignorantes e desinteressadas. Levando a
sério 0 saber espontaneo e cotejando-o com as “explicagdes” dos pesquisa-
dores. um conhecimento descritivo ¢ critico & gerado acerca da situagdo.
com todas as sutilezas © nuangas que em geral escapam aos procedimentos
padronizados. Com a divulgagao de informagao dentro da populagao. com
proceso de aprendizagem dos pesquisadores & dos participantes, com 0
eventual treinamento de pessoas “Teigas” para desempenharem a fungao de
pesquisadores & possivel esperar a geragdo de uma massa de informagao
significativa, aproveitando um amplo concurso de competéncias diversas
3. O papel da metodologia
A partir da concepgao anteriormente esbocada, podemos considerar
que, na organizagao e na conduta de uma pesquisa-agao, a metodologia das
ciéncias sociais tem um importante papel a desempenhar. Esta afirmagao €
contraria a uma opiniao difundida em certos meios académicos, segundo a
qual a pesquisa-agio € um tipo de atividade escolhida por pesquisadores
que no entendem de metodologia e nem querem se submeter as suas exi-
géncias. Todavia, tais pesquisadores existem e, a nosso ver, prejudicam a
imagem de sua propria atividade
Para evitarmos certas confusdes, precisamos redefinir 0 que € a meto-
dologia e especificar seu papel. Uma das perguntas frequentemente formu-
ladas € a seguinte: a pesquisa-agdo é um método? Uma técnica? Uma meto-
dologia? Esta pergunta parece estar ligada 4 imprecisio relativa ao uso des-
ses trés termos, nao somente no campo da pesquisa-agdo, mas também no
contexto geral das ciéncia
sociais.
Existe uma confusao terminolégica que podemos analisar como sen-
do uma confusao entre, de um lado, o nfvel da efetiva abordagem da situa-
gio investigada com métodos e técnicas particulares e por outro lado, o
“metanfyel”, constitufdo pela metodologia enquanto instancia de reflexéo
acerca do primeiro nivel. Esta distingao existe sob forma genérica como
distingao entre informagao e meta-informagdo ou conhecimento e€
metaconhecimento. Podemos distinguir 0 nivel do método efetivo (ou da
técnica) aplicado na captagaio da informagao social e a metodologia como
metanfvel, no qual é determinado como se deve explicar ou interpretar a
informagao colhida.
A metodologia é entendida como disciplina que se relaciona com a
epistemologia ou a filosofia da ciéncia. Seu objetivo consiste em analisar asearacteristious dos \cirlos metodos dispontveis. avatiar suas capacidades,
potenciatidades, limitagoes ou distorgoes © Criicar Os pressupostos ou as
Imphicagdes de sua unlizagdo. Ao nivel mats aplicade. a metodolosia lids
com at avaliagdo de teenigas de pesquisa © com at geragdo ou a experiment
io
6 de novos metodos que Femetem aos Modo cfetivos de captar € proces
sar informagdes e resolver diversay eategorias de problemas worivos & pra
ticas da inves!
cdo. Além de ser uma disciplina que estuda os metodos, a
metodologia & também considerada como modo de condurir a pesquisa
Neste sentido, a metodologia pode ser vista como conhecimento geral e
habilidade que so necessarios ao pesquisador para se orientar no proceso
de investigagdo, tomar decisdes oportunas, selecionar conceitos, hipoteses,
técnicas e dados adequados. O estudo da metodologia auxilia 0 pesquisador
na aquisigdo desta capacidade. Associado a pratica da pesquisa, 0 estudo da
metodologia exerce uma importante fungdo de ordem pedagégica, isto é, a
formagao do estado de espirito e dos habitos correspondentes ao ideal da
pesquisa cientifica.
A luz do que precede, a pesquisa-acdo nao € considerada como meto-
dologia. Trata-se de um método, ou de uma estratégia de pesquisa agregan-
do varios métodos ou téenicas de pesquisa social, com os quais se estabele-
ce uma estrutura coletiva, participativa e ativa ao nivel da captagao de in-
formagio. A metodologia das ciéncias sociais considera a pesquisa-agio
como qualquer outro método. Isto quer dizer que ela a toma como objeto
para analisar suas qualidades, potencialidades, limitagdes e distorgdes. A
metodologia oferece subsidios de conhecimento geral para orientar a con-
cepgio da pesquisa-agao e controlar o seu uso.
Como estratégia de pesquisa, a pesqui
-agdo pode ser vista como
modo de conceber e de organizar uma pesquisa social de finalidade pratica
© que esteja de acordo com as exigéncias préprias da agao e da participacdo
dos atores da situagao observada. Neste processo, a metodologia desempe-
nha um papel de “biissola” na atividade dos pesquisadores, esclarecendo
cada uma das suas decisdes por meio de alguns principios de cientificidade.
Uma pesquisa concebida sem esse tipo de exigéncia corre o risco de se
limitar a uma simples reprodugdo de lugares-comuns e de encobrir manipu-
lagdes por parte de quem “fala mais alto” nas situagdes observadas. O fato
de manter na pesquisa-agdo algum tipo de exigéncia metodolégica e cienti-
fica nao deve ser interpretado como “cientificismo”, “positivismo” ou
“academicismo”. E apenas um elemento de defesa contra as ideologias
sageiras e contra a mediocridade do senso comum.
pas-
-
© papel da metodologia consiste também no controle detalhado de
casks (Genie wunstiar utilizada na pesquisa. Como ja indicamos. a pesquise
aga. definida como metodo fou como estrategia de pesquisa contem di
versos metodos ou técnicas particulares em cada fase ow operagao do pro
cesso de mnvestigagdio. Assim, hat teenicas para coletar © interpretar dads
resolver problemas. organizar agdes ete. A diferenga entre metodo ¢ tecnica
reside no fiato de que a segunda possui em geral um objetivo muito mais
restrito do que 0 primeiro. Seja como for. podemos considerar que. no de-
senvolvimento da pesquisa-agdo. os pesquisadores recorrem a métodos e
téenicas de grupos para lidar com a dimensao coletiva e interativa da inves-
tigagdo e também técnicas de registro, de processamento e de exposigdo de
resultados. Em certos casos os convencionais questiondrios e as téenicas de
entrevista individual sdo utilizados como meio de informagdo complemen-
tar. Também a documentacao dispontvel € levantada. Em certos momentos
¢ igualmente a outros tipos de técnicas: diagndsti-
da investigacao recorre
cos de situagdo, resolugio de problemas, mapeamento de representagdes
etc. Na parte “informativa™ da investigag4o, técnicas didaticas e técnicas de
divulgagao ou de comunicagao, inclusive audiovisual, também fazem parte
dos recursos mobilizados para 0 desenvolvimento da pesquisa-agdo. Nesse
quadro geral, o papel da metodologia consiste em avaliar as condigdes de
uso de cada uma das sticas de cada método ou de cada
técnica podem interferir no tipo de interpretago dos dados que produzem.
E conhecido, em particular, o fato de que as técnicas de entrevistas ou ou-
tras técnicas de origem psicolégica podem contribuir, quando usadas inade-
quadamente, para “psicologizar” a realidade social ou cultural observada
(Thiollent, 1980a).
A preocupagdo metodoldgica dos pesquisadores permite apontar es-
s riscos e criar condig6es satisfat6rias para uma combinagdo de técnicas
técnicas. As caractet
apropriadas aos objetivos da pesquisa. Mesmo quando as distorges intro-
duzidas pelo uso das técnicas nao podem ser corrigidas, a simples eviden-
ciagao metodolégica da sua existénc
positivo, podendo inclusive ser aproveitado na avaliagdo qualitativa do grau
de objetividade alcangado.
ja constitui um aspecto altamente
Além do controle dos métodos e técnicas, 0 papel da metodologia
consiste em orientar 0 pesquisador na estrutura da pesquisa: com que tipo
de raciocinio trabalhar? Qual o papel das hipdteses? Como chegar a uma
certeza maior na elaboragao dos resultados e interpretagdes? Essas sao al-
gumas questdes controvertidas que abordaremos agora.u
4, Formas de raciocinio e argumentacao
Numa pesquisa sempre & preciso pensar sto &. busear ou comparar
informagoes. articular conceitos. avaliat ou discutir resultados. elaborar
generalizagdes ete. Todos esses aspectos constituem umit estrutura de ra
ciocinio subjacente & pesquisa. Na linha convencional os pesquisadores
valorizam, na estrutura de raciocinio, sobretudo regras logico-formais e cri-
térios estatisticos que nem sempre respeitam na pratica. Na linha alternati-
va as formas de raciocinio sio muito mais flexiveis, Ninguém pretende
enquadré-las em rigidas regras formais. No entanto, tais formas de racioci-
nio nao excluem recursos hipotéticos, inferenciais e comprobatérios e tam-
bém incorporam componentes de tipo discursivo ou argumentativo a serem
evidenciados. Esses aspectos sao raramente abordados na literatura sobre
pesquisa-agao ou pesquisa participante. A nosso ver, eles precisam ser ana-
lisados para se chegar a uma clara demarcagao, no plano cognitivo, entre
pesquisa convencional e pesquisa alternativa. Esta demarcagao nao deve
ser vista como oposicao entre dois mundos separados. Os problemas tradi-
cionais do raciocinio (hipdteses, inferéncias etc.) encontram apenas solu-
cGes diferentes. As solugées proprias & pesquisa alternativa merecem ser
melhor conhecidas e ampliadas, para que ela possa superar muitas das con-
fusGes que Ihe sao atribufdas.
Devido aos seus objetivos especificos e ao seu contetido social, a pro-
posta de pesquisa-a¢ao esté muito afastada das preocupagées metodoldgi-
cas relacionadas com a formalizagio ou com as questées de ldgica em ge-
ral. Porém algumas questdes subsistem. Parece-nos evidente que a légica
formal classica, com suas formulagGes bindrias (verdade/falsidade, terceiro
excluido etc.), € de pouca valia para dar conta de conhecimentos cujas ca-
racteristicas sao principalmente informais e obtidas em situagao comunica-
tiva (ou interativa). Além disso, entre os partiddrios das alternativas meto-
dolégicas hé uma ampla condenagio da antiga posigéo segundo a qual tudo
© que no se enquadra na l6gica tradicional estaria fora do conhecimento
cientifico rigoroso, coerente etc.
Hoje em dia, independentemente da “linha alternativa”, existe uma
pluralidade de légicas e de abordagens argumentativas que dao conta de
raciocinios informais e de suas expressdes em linguagem comum. Noutros
termos, 0 que antigamente era considerado como devendo estar exclufdo da
ciéncia por falta de “coeréncia” ou de “clareza” légica, hoje em dia € po-
tencrtlmente resgatavel. A pesquisa nado perde a sua legitimidade cientitica
pelo fato dela estar em condigdo de incorporar racioeinios imprecisos. dia
logicos OW argumentatvos acerca de problemas relevantes. Tal incorpora
cao supde muito mais do que recursos légicos: a metodologia deve incluis
ne seu fegisto o estudo cuidadoso da linguagem em situagdo ©. com isto, «
pesyuisador nao precisa temer a questdo da imprecisdo. Processar a infor
magdo eo conhecimento obtidos em situagdes interativas ndo constitui. em
si mesmo, uma infragdo contra a cigneia soc
Alguns detratores da pesquisa-agdo (¢ da pesquisa participante) —
em certos casos, alguns de seus partidrios — divulgam a ideia segundo a
qual tal orientagdo de pesquisa nao teria légica, nem estrutura de racioci-
nio. ndo haveria hipéteses, inferéncias, enfim, seria sobretudo uma questo
de sentimento ou de vivéncia. Como ja foi sugerido, achamos este ponto de
vista equivocado, sobretudo quando sao partidarios da “linha alternativa”
que o defendem. Nao ha pesquisa sem raciocinio. Quando nao queremos
pensar, raciocinar, conhecer algo sobre 0 mundo circundante, € melhor nao
pretendermos pesquisar. Além disso, quando queremos interferir no mundo
precisamos de conceitos, hipsteses, estratégias, comprovacées, avaliages
© outros aspectos de uma atividade intelectual.
E necessario descrever alguns aspectos da estrutura de raciocinio sub-
jacente @ pesquisa-agao. A dificuldade estd no fato de que nao se trata de
uma estrutura Igica simples, enquadravel em poucas f6rmulas conhecid:
Tal estrutura contém momentos de raciocsnio de tipo inferencial (nao lim
tados as inferéncias Idgicas e estatisticas) e € moldada por processos de
argumentagao ou de “didlogo” entre varios interlocutores. O objetivo da
andlise (ou descrigdo) desta estrutura cognitiva nao é mero jogo formalista.
Nao se trata de chegar a uma formalizagiio légica nem a um cdlculo de
proposigdes ou 2 manipulagdo de varidveis simbolicamente representadas.
O principal objetivo consiste em oferecer ao pesquisador melhores condi
ges de compreensao, decifragao, interpretagao, andlise e sintese do “mate-
rial” qualitativo gerado na situa investigativa. Este “material” € essen-
cialmente feito de linguagem, sob formas de simples verbalizagées, impre-
cages, discursos ou argumentagdes mais ou menos elaboradas. A signifi-
cagao do que ocorre na situagdo de comunicagao estabelecida pela investi-
gagio passa pela compreensao e a andlise da linguagem em situagdo. Um
minimo de conhecimento nesse setor é necessdrio para que o pesquisador
nao caia em ingenuidades. Por exemplo, se desconhecesse a natureza dis-ub
cursiva do que esti sendo produzido, © pesquisador poderia nao envergar as
Sjogadas” argumentativas dos varios parceitos e, finalmente. tomar o que &
dito como simples e fiel expressaio da “realidade” ou da “verdade”
No processo investigativo. t argumentagdo se manifesta de modo parti
cularmente significative no decorrer day deliberagdes relativas & interpreta-
do dos fatos. das informagdes ou das agdes dos diferentes atores da situa
A argumentagdo. no nosso contexto, designa varias formas de racio-
cinio que nao se deixam enquadrar nas regras da légica convencional e que
implicam um relacionamento entre pelo menos dois interlocutores, um de-
les procurando convencer 0 outro ou refutar seus argumentos. Esta discus-
sao adquire uma forma de didlogo, que pode ser de carater construtivo quando
os interlocutores buscam conjuntamente as solugdes. A forma pode tam-
bém ser “destrutiva” quando houver polémica, caso em que um dos inter-
locutores pretende destruir os argumentos do outro. De acordo com a teoria
de C. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca (1976), os processos argumentativos
levam em conta a presenca — real ou imaginéria — de um auditério sobre
© qual se exercem influéncias ¢ cujas reagdes so capazes de fortalecer ou
de enfraquecer as posigdes de um ou outro interlocutor a respeito de um
determinado assunto.
Como se sabe, na antiguidade grega 0 raciocinio préprio & argumen-
tacdio era designado pela nogao de “dialética”, Esta nogdo tem sido utiliza-
da em outros contextos com definig6es muito diferentes a partir do século
XIX, marcado pelo hegelianismo e pelo marxismo. No seu sentido antigo, a
nogdo de dialética permitia salientar 0 carater critico dos raciocfnios articula-
dos em situagdes de discussdo ou de debates, com varios graus de
polemicidade em torno de quest6es controvertidas.
Do ponto de vista cientifico tradicional, os processos argumentativos
da linguagem ordinaria so repletos de ambiguidades e, logo, inutilizaveis
como instrumentos de raciocinio rigoroso. Apés ter prevalecido durante
varios séculos, esse ponto de vista tende a ser substituido por um outro,
ionalidade da
utilezas”, “fun-
ainda em discussio ao n{vel filos6fico, segundo 0 qual a r
l6gica formal € rigorosa, porém nao permite dar conta das “s
Ges” e “flutuages” das interagdes argumentativas, discursivas ou dialdgicas.
Além do mais, alguns filésofos atuais consideram que a argumenta-
cao esta presente inclus
do V. Descombe, assistimos ao “reconhecimento da natureza argumentativa
e nas formas superiores de racionalidade. Segun-
do gue os filésofos chamam raziio ¢ cujo uso ndo & evidentemente limitado
as ciénerts exatis, nem as outras ciéneias. encontra-se tanto nas diversas
tansagOes humanas como na deliberagdo prattica” (Descombe. 1984)
No conteato especitice da pesquisa social. que consideramos aqui, a
nogado de argumentagdo pode chegar a substituir a tradicional nogado de “de-
wonstragdo”. Esta ltima exige um grau maior de formalizagio ou de
axiomatizagdo que & muito dificil, raramente alcangavel em ciéncia social
¢ praticamente impossivel em pesquisas de finalidade pratica. Embora objeto
de discussado, a nogdo de demonstragao ainda faz sentido em matemiatica.
nas quais 0 arcabougo matematico é muito desen-
volvido. A matematizag4o das ciéncias sociais ainda é muito precdria e
a de uma formulagao estatistica do processamento
de dados empiricos. Na prépria interpretagdo qualitativa dos resultados quan-
l6gica e ciéncias exata
frequentemente nao pa
titativos sempre ha aspectos argumentativos (ou deliberativos) para dar sen-
tido ao que se pretende em fungado de objetivos cientificos (descrigio obje-
tiva, comprovagao etc.) e. algumas vezes. extracientificos (justificar uma
situagao, enfraquecer um adversdrio, influenciar o “auditério”). No entan-
to, & preciso fazer algumas ressalvas. Se toda forma de razao é discus
isto nao quer dizer que todas as discussdes sejam expressdo da razdo. Muito
pelo contrario. Dentro da discussio que acompanha a pesquisa, a busca da
racionalidade deve ser um constante objetivo dos pesquisadores. O que exi-
ge, como jé foi sugerido, um determinado tipo de precaugdes metodoldgi-
cas € a minimizagdo dos aspectos extracientificos.
A teoria da argumentagao diz respeito aos procedimentos ou regras
de constituigio dos debates ptiblicos, das deliberag6es juridicas e das dis-
cus
Ges em diversos campos de atuagio, inclusive o das ciéncias sociais,
quando concebidas num quadro nao positivista. Segundo C. Perelman e L.
Olbrechts-Tyteca, a teoria da argumentagdo nado se enquadra na légica for-
mal e se’ limita ao conhecimento aproximativo. Escrevem eles: “O dominio
da argumentagao é o do veross
dida em que este tiltimo escapa as certezas do calculo” (Perelman e
Olbrechts-Tyteca, 1976, p. 1). Em vez da estrutura légico-formal, ha na
investigagao social o reconhecimento de um processo argumentativo. Tal
tipo de investigagio nao é do tipo das ciéncias exatas e abandonou qualquer
veleidade de sé-lo. Com isso se procura reconhecer 0 valor cognoscitivo do
processo argumentativo (ou deliberativo). Abandonou-se também a ideia
segundo a qual haveria um tinico tipo de comprovacio séria: a comprovacio
milhante, do plausivel, do provavel, na me-sb
observacional ¢ quantificada das creneras dat natureza, Nao se pretende fa-
yer previsoes a partir de caletloy numeticos. Trati-se apenas de previsoes
argumentadas. estabelecendo qualitativamente ay condigdes de eit dts
agdes © avaliando subjetivamente a probabilidade de tal ou qual aconteci
mento. 0 que. de Halo, nao estit ayuem da nossa atual capacidade de anteet
pagao em materia de ussuntos sociats:
A abordagem metodolégica que & especifica ao que designamos pela
nogdo de pesquisa-agdo apresenta muitas caracterfsticas que sao préprias
as processos argumentativos. Tais processos se encontram explicitamente
na expli
sempenham um claro papel no caso dos métodos alternativos em pesquisa
social.
0 e nas interpretagdes em ciéncias sociais e, a nosso ver, de-
Aplicando algumas nogées da perspectiva argumentativa ao caso par-
ticular da pesquisa-agdo, podemos notar que os aspectos argumentativos se
encontram:
a) na colocagao dos problemas a serem estudados conjuntamente por
pesquisadores e participantes;
b) nas “explicagdes” ou “solugdes” apresentadas pelos pesquisadores
e que so submetidas 4 discussao entre os participantes;
c) nas “deliberagdes” relativas A escolha dos meios de agdo a serem
implementados;
d) nas “avaliagdes” dos resultados da pesquisa e da correspondente
acao desencadeada.
Observamos que no decorrer do processo de investigag4o os aspectos
argumentativos, presentes nas formas de raciocinio, so articulados princi-
palmente em situagdes de discussdo (ou de “didlogo”) entre pesquisadores
e participantes. Discussdo é diferente de debate, pois esta tiltima nogao
remete a situagdes nas quais os interlocutores defendem posigdes geral-
mente incompativeis. No caso da discussao, os pesquisadores e participan-
tes efetivos estabelecem uma “comunidade de espfritos” ou um “vinculo
intelectual”. No entanto, isto nao exclui que de vez em quando haja tam-
bém elementos de polémica. Além disso, a “comunidade de espiritos” nao
precisa ser de natureza religiosa. Nao se trata de fazer os participantes ade-
rirem a dogmas preestabelecidos, como no caso da atividade de grupos re-
ligiosos ou de grupisculos politicos sectarios. E apenas uma questao de se
wk «
chegar ao consenso acerea da descrigao de uma sitiagdo ¢ a uma convicgio
a respeito do modo de agir
Todo process argumentative supde a existénera de um auditério, nos
sentidos real & figurado. No caso dos processos argumentatives operando
no contexto da pesquisa-acdo. podemos imaginar a presenca de um audito-
rio estruturado em varios niveis
a) o “auditério” efetivo constituido pelos grupos de participantes exer-
cendo um papel ativo nos diversos tipos de seminarios de pesquisa
ou assembleias de discussao de resultados;
b) 0 conjunto da populagdo no qual a pesquisa é organizada e para 0
qual é dirigida uma série de informagoes por intermédio de diver-
sos meios de comunicacao formal e informal;
c) os diferentes setores sociais (ligados ao poder ou nao) que nao
sdo diretamente incluidos no campo de pesquisa, mas sobre os
quais os resultados da pesquisa podem exercer alguma forma de
influéncia;
d) setores académicos interessados na pesquisa social e suscetiveis
de dar palpites favordveis ou desfavoraveis acerca dos pesquisado-
efeitos
que a pesquisa-agio pode exercer sobre 0 “auditério” académico
hd todo um leque de atitudes possiveis: reforgar o desprezo, abrir a
discussao, iniciar revisdes nos padrées metodoldgicos etc
res e dos resultados de suas atividades. Entre os possiveis
No processo argumentativo, ao levarem em consideragao a presenga
de um ou outro dos varios “auditérios”, os interlocutores nao estao neces:
riamente procurando efeitos visando a sua satisfagéo propria. Na argumen-
tagio podemos encontrar taticas de luta, manipulagdes de sentido, detur-
pagdes-etc. O pesquisador nao aceita qualquer argumento na elaboragio
das interpretagdes. Em particular, ele tem que criticar os argumentos con-
trarios ao ideal cientifico (parcialidade, engano etc.) e promover aqueles
que fortalecem a objetividade e a racionalidade dos raciocinios, embora
com flexibilidade.
Veremos nos préximos itens que existem aspectos argumentativos em
varios momentos importantes do raciocfnio subjacente 4 pesquisa, em par-
ticular quando se trata de langar uma hipétese, fazer uma inferéncia, com-
provar um resultado ou enunciar uma generalizagio.a
5. Hipteses e comprovacao
Muntos autores Considenity que. ha pesquisa atgiie. ae se aphicr «
tradicional esquema: formulagde de hipdtesesicoleta de dados/comiprovat
Yao COU relutagdoy de Mpoteses. Este esquema ao seria aphietvel nay situa
gdes sociais de curditer emergente. Com aspectos de conserentizagao, apren.
dizagem. afetividade. criatividade ete. (Liu. s/d.). A pesquisa-agdo seria un
procedimento diferente, capaz de explorar as situagdes ¢ problemas para os
quais € dificil, sendo impossivel. formular hipoteses prévias e relacionadas
com um pequeno ntimero de varidveis precisas. isoliveis ¢ quantificaveis.
E 0 caso da pesquisa implicando interagdo de grupos sociais no qual se
manifestam muitas varidveis imprecisas dentro de um contexto em perma-
nente movimento.
Seja como for, podemos considerar que a pesquisa-agao opera a partir
de determinadas instrugdes (ou diretrizes) relativas ao modo de encarar os
problemas identificados na situagao investigada e relativa aos modos de
agdo. Essas instrugdes possuem um cardter bem menos rigido do que as
hip6teses, porém desempenham uma fungdo semelhante. Com os resulta-
dos da pesquisa. essas instrugdes podem sair fortalecidas ou, caso contré-
rio, devem ser alteradas, abandonadas ou substituidas por outras. A nosso
ver a substituigdo das hipéteses por diretrizes nao implica que a forma de
raciocinio hipotética seja dispensdvel no decorrer da pesquisa. Trata-se de
definir problemas de conhecimento ou de agio cuj
possiveis solugdes,
num primeiro momento, so consideradas como suposigdes (quase-hipote-
ses) e, num segundo momento, objeto de verificagdo, discriminagdo e com-
provagao em funcao das situagdes constatadas.
O padrao convencional de pesquisa social empirica adota, em geral,
um esquema hipotético baseado em comprovagao estatistica frequentemen-
te associado ao experimentalismo. Esta concepgado tem seus méritos e seus
defeitos. Mas o que importa é salientarmos que este esquema nao é 0 tinico
possfvel, sobretudo no contexto impreciso da pesquisa social. Sem abando-
narmos 0 raciocinio hipotético parece-nos perfeitamente cabivel a formula-
cdo de quase-hipoteses dentro de um quadro de referéncia diferente e prin-
cipalmente qualitativo e argumentativo.
O experimentalismo, ao qual pertence 0 esquema hipotético sob for-
ma quantitativa, pode ser visto como uma filosofia da pesquisa de laboraté-
rio de acordo com a qual o pesquisador testa cada hipotese e altera certas
ee
Saraivels para conhecer os efeitos de algumas dels sobre ay outras. Nest
concepedo. © experimento € vailide quando sua repetigao reprodus sempre
os mesos resultados. independentemente do experimentador. 6 que seria
condigdo do estabelecimento de regularidades, leis ¢. finalmente, teorias
Compronatdas,
Ao nivel epistemologico. os criticos do experimentalismo em cién
cias humanas consideram que se trata de uma inadequada transposig’io das
exigéncias das ciéncias da natureza (ciéncias experimentais). Além disso, a
relacdo entre as varidveis & geralmente concebida de modo causal e meca-
nicista, © que & fortemente criticado, inclusive em amplos setores das cién-
cias da natureza. No caso particular da pesqui
cial), os fendmenos nao possuem o cardter de perfeita repetitividade, como
no caso de fatos mecanicos, e além do mais o papel do pesquisador nunca é
social (e também psicosso-
neutro dentro do campo observado. Uma outra critica frequentemente apre-
sentada consiste no argumento relativo 4 impossibilidade de isolar, no ex-
perimento ou no local de observagio social, os fatores intervenientes que
dependem do contexto social ou histérico. O conhecimento gerado nessas
condig6es teria entio o aspecto de artefato (representagao muito distorcida
pelas proprias condigdes da pesquisa)
Um outro aspecto negativo do esquema hipotético associado ao expe-
rimentalismo — particularmente sensivel em ciéncias humanas — esta no
a verificagdo das hipé-
teses, 0 pesquisador € frequentemente induzido a distorgdes quanto A obser-
vaciio dos fatos e a selecdo das informag6es pertinentes. Isto foi bastante
analisado no contexto da pesquisa em psicologia social por R. Rosenthal e
R. Rosnow (1981), que analisaram a interferéncia das expectativas dos p.
quisadores sobre os resultados da pesquisa e também a interferéncia dos
ria
fato de que, ao procurar as informagoes necess:
pesquisados em funcdo das expectativas que eles tém para com os pesquisa-
dores. Além do que precede, na critica ao experimentalismo ha igualmente
questionamentos relacionados com 0 carater a-ético de certos experimentos.
de laboratério (Rosnow, 1981, p. 55-72).
Na maioria das pesquisas sociais direcionadas em fungdo de uma con-
cepgao experimentalista, os pesquisadores nao recorrem a experimentos de
laborat6rio. A pesquisa convencional abrange populagées reais, sobretudo
por meio de um plano de amostragem a partir do qual sao escolhidas as
pessoas a serem interrogadas. O isolamento das varidveis e a simulagdo da
variacdo de algumas delas so efetuados por meio de andlise estatistica dasrespostas coletadas. Dentro da concepedo experimentalista, a hipdtese &
sobretudo considerada como suposigdo relacionando varkiveis quantitati
Vas a serens submetidas a testes estatisticos
Mas & exagero querer submeter a testes estatisticns todas as hipdte-
ses. Iso corresponde a uma visto restritiva. pots na area de ciéneias socials
(e humanas) nem todas as varidveis consideradas sdo quantificaveis. Fre
quentemente a quantiticagao artificial por meio de escalas de certos aspec-
tos (atitudes, por exemplo) nada acrescenta ao que se pode pretender em
termos de comprovagao.
O fato de que todas as hipéteses nao precisam ser testadas estatistica-
mente é amplamente reconhecido por diversos autores, até mesmo no con-
texto da pesquisa de padrio classico. Por exemplo, C. M. Castro considera
que: “O teste de hipétese é uma maneira formal e elegante de mostrar a
confianga que pode ser atribufda a certas proposigdes. Se essa confianga
pode ser medida e estabelecida, é injustificével a omissao do teste. Mas,
quando a natureza dos dados ou do problema nao nos permite avaliar for-
malmente a confianga, nao ha desdouro para a ciéncia ou para o investigador
em dizer apenas isso em seu relatério de pesquisa” (Castro, 1977, p. 104).
Podemos também considerar que a redugdo de todos os tipos de hipé-
'S ao tipo de hip6tese estatistica constitui um equfvoco relacionado com
© predominio dos métodos quantitativos. Mas em si nao se justifica. Os
proprios estatisticos profissionais reconhecem que se deve manter uma dis-
tingdo entre “hipétese cientifica” e “hiptese estatistica”:
tes
“Uma hipotese cientifica é uma sugesto de solugdo a um problema e cons-
titui um tateio inteligente, baseado em uma ampla informagao e em uma
educagio estruturada subjacente. (...) A formulagao de uma boa hipstese
cientifica € um ato realmente criativo. Por outro lado, a hipotese estatistica
ndo € sendo um enunciado a respeito de um parametro desconhecido. (...) E
de suma importancia distinguir a hipotese cientifica da estatistica, j4 que é
muito factivel provar ou contrapor hipdteses estatisticas muito reduzidas e
sem a menor relevancia cientifica” (Glass e Stanley, 1974, p. 273).
Apés essas consideragGes, parece-nos mais claro que 0 raciocinio hi-
potético nao deveria ser confundido com os excessos da visdo experimenta-
lista e quantitativista que é muito difundida entre pesquisadores de orienta-
cao tradicional. Pensamos que € perfeitamente vidvel a flexibilizagdo do
raciocinio hipotético, de avordo com a qual a hipétese & uma suposigdo
criativa que & capaz de nortear a pesquisa inclusive nos seus aspectos qua
Juativos, As hipoteses (ou diretrizes) qualitativas orientam, em particular. a
pusca de informagao pertinente ¢ as argumentagdes necessdrias para au
mentar (ou diminuir) © grau de certezt yue podemos atribuir a elas. Isto nado
rea de
quer dizer que devamos cair no excesso oposto: existem hipoteses a
varidveis quantitativas a serem submetidas a testes estatisticos quando for
julgado necessirio
A formulagio de hipsteses (ou de quase-hipsteses) permite ao pes-
quisador organizar 0 raciocinio estabelecendo “pontes” entre as ideias ge-
raise as comprovagdes por meio de observacao concreta. Sob forma “sua-
ve”, na concepgio alternativa da pesquisa social a hipotese é também um
elemento na pauta das discussdes entre pesquisadores e outros participan-
tes. Apesar das aproximagdes ou das imprecisdes, a hipdtese qualitativa
permite orientar o esforgo de quem estiver pesquisando na diregdo de even-
tuais elementos de prova que, mesmo quando nao for definitiva, pelo menos
permitira desenvolver a pesquisa. Com a hipétese e os meios colocados &
disposigao do pesquisador para refutd-la ou corrobord-la, a produgao do
discurso gerada pela pesquisa nao perde 0 contato com a realidade e faz
progredir 0 conhecimento.
Até mesmo quando se trata de dados pouco “transparentes”, a busca de
provas € necessdria. Uma prova nao precisa ser absolutamente rigorosa. No
nosso campo de estudo, muitas vezes basta uma boa refutagio verbal ou uma
boa argumentacao favordvel que leve em conta testemunhas e informagdes
empiricas e permita que os parti udit6rios” de maior abran-
géncia) compartilhem uma nogdo de suficiente objetividade, convicgio e jus-
teza. O espirito de prova exige que todas as informagoes colhidas sejam pas-
sadas pelo crivo da critica dos pesquisadores e outros participantes dos semi-
nérios de pesquisa. Em particular, é necessdrio ficarmos atentos as informa-
ces do tipo “rumores”, geradas a partir de fontes ocultas, ¢ a todos os tipos
de distorgées que se manifestam na percepgao da realidade exterior, nos
envolvimentos emocionais ou outros. E necessario que 0 contexto de capta-
cao de cada informagao seja perfeitamente identificado e que a constatagao
dos fatos controvertidos seja controlada por varios pesquisadores.
ipantes (ou os
O fato de recorrer a procedimentos argumentativos leva o pesquisa-
dor a privilegiar a apreensdo qualitativa. Mas devemos salientar que isto
nao significa que os métodos e dados quantitativos estejam descartados,4
pois em muitas arguMentagdes oO “peso” ou a frequéencia de um aconteci-
Mento ¢ levado em consideragio como meio de fortalecer ou de entraque
cer UM argumento. Alem disso. se os deliberantes ignorassent tudo dos as
pectos quantitativos implicados num determinade problem real. sua argu
Mentagdo seria provavelmente madequada ou “descontrolada’. bin conclu
so, a enfase dada aos procedimentos argumentatives nao exelui os proce
dimentos quantitativos. Estes 540 necessarios para o “balizamento” dos pro-
blemas ou das solugdes, O que & deseurtado & a pretensiio “quantitativista”
que alguns pesquisadores tém de “resolver” todas as questées metodolégi-
cas da pesquisa exclusivamente por meio de medigdes e ntimeros
6. Inferéncias e generalizacao
Na pesquisa social sempre & metodologicamente problematica a pas-
sagem entre 0 nivel local e o nivel global. No primeiro sao realizadas as
observagées de unidades particulares: individuos, grupos restritos, locais
de moradia, trabalho ou lazer etc. No segundo apreendidos fendmenos
abrangendo toda a sociedade ou um amplo setor de atividades, um movi-
mento de classe, o funcionamento das instituigdes etc. O problema da rela-
¢ao envolve aspectos quantitativos e qualitativos. No plano quantitativo, é
possivel tratd-lo com os classicos recursos estatisticos: técnicas de amostra-
gem e inferéncia controlada, com as quais as observagées obtidas nas
amostras sao generalizadas ao nivel do universo global, considerando mar-
gens de confiabilidade.
De modo geral, a inferéncia é considerada como passo de raciocfnio
possuindo qualidades I6gicas e meios de controle. No caso da generalizagao,
a inferéncia é sobretudo tratada como problema estatistico e pressupde uma
quantificagado das varidveis observadas. As inferéncias estatisticas sio con-
troladas pelos pesquisadores por meio de testes apropriados (Miller, 1977).
Tais inferéncias, por necessdrias que sejam, dao lugar ao mesmo tipo de dis-
cussdo evocada anteriormente no que dizia respeito aos testes de hipéteses.
Noutr
palavras, podemos considerar que a concepgao estatistica das
inferéncias nao esgota toda a complexidade qualitativa das inferéncias no
contexto particular da pesquisa social.
As inferéncias constituem passos do raciocinio na direcdo da genera-
lizagdo. Isto corresponde a indugdo. Existe também inferéncia em direcio
post’ passage de proposigdes gerais & proposigdes relativas a casos pat
ticulares. Antes de serem problema de estatistica. as inferencias sdo tema
de logica. O seu controle remete ao conhecimento de algumas regras de
Jogica elementar
Na pesquisa social ocorre que muitas expressdes analisadas no con-
), € que Muitos dos raciocinios que os pesquisadores
texto de sua gera
efetuam a partir delas, nao se prestam facilmente a formalizagdo e ao con-
trole légico. Como visto anteriormente, hd sempre um grande espago reser-
iocinios informais, aproximativos argumentativos etc. Os lei-
is. NOS seus raciocinios cotidianos, recorrem
yado aos ra
gos. como também os cientis
a inferéncias generalizantes ou particularizantes sem rigor légico: sao infe-
réncias formuladas em linguagem comum. Exemplo de forma generalizan-
te: “Cada vez que isto acontece a situacdo se deteriora”. Exemplo de forma
particularizante: “Jé que a situagdo econémica vai melhorar, a nossa condi-
ao vai também melhorar”. Essas inferéncias ndo estabelecem necessaria-
mente a verdade. Os passos de raciocinio operados por elas pressupdem um
determinado contexto social, uma ideologia ou uma tradigdo cultural. Muitas
inferéncias so baseadas no senso comum e, algumas delas, no chamado “bom
senso”, considerado por Anténio Gramsci como nticleo racional da sabedoria
popular (Gramsci, 1959, p. 47 ss.). As inferéncias em linguagem comum sao
controléveis ou compreendidas em fungdo do contexto sociocultural no qual
elas sao proferidas. Muitas vezes, para as entendermos, isto €, reconhecer-
mos seu fundo de racionalidade (ou de irracionalidade), precisamos explici-
tar seus pressupostos ou fazer que 0 interlocutor os explicite.
No contexto qualitativo da pesquisa social, 0 problema da generaliza-
tuado em dois niveis: 0 dos pesquisadores, quando estabelecem ge-
caracteristi-
go é
neralizacées mais ou menos abstratas (ou tericas) acerca de
cas das situagdes ou comportamentos observados; e o dos participantes que
generalizam, em geral com menos abstragées e a partir de nogdes que Ihes
sio familiares.
Mesmo em situagdo de pesquisa na qual participam conjuntamente os
pesquisadores € 0s membros de uma populagao observada, os pesquisado-
res devem ficar atentos em nao confundir as inferéncias efetuadas por eles e
as inferéncias efetuadas pelos outros participantes. Os pesquisadores de-
vem identificar as generalizagées populares e cotejé-las com as generaliza-
des tebricas. A comparacio dos dois tipos de raciocfnio constitui uma im-aw
portante fonte de informagdo para se saber até que ponto existe uma real
intercompreensdo. a possibilidade de diilogo ¢ de transtormagses nos mo
dos de pensar acerca de determinados problemas
Além disso. a partir dest orientagdo. & posstvel avaliar diversos gras
de aproximagao ou de adequacgdo dos conhecimentos em questao. As vezes
© bom senso popular est mais proximo do que se pode chamar de verdade
em termos realistas. Noutros casos, hd nas generalizagdes populares exage-
ros, unilateralidade, ou etros cometidos em fungdo do predominio de uma
ideologia ou de crengas particulares. Mas isto ndo quer dizer que as genera-
lizagdes dos pesquisadores sejam sempre de melhor qualidade. Algumas
vezes os pesquisadores “espontanefstas” s6 reproduzem ingenuamente as
generalizagdes populares. Outros, menos empiristas, as reproduzem com
um jargao mais sofisticado, sem estarem em condigao, no entanto, de con-
trolar os desvios. A nossa perspectiva exige um controle mtituo estabeleci-
do de forma dialégica a partir da discussdo entre pesquisadores e partici-
pantes. Nesse didlogo os pesquisadores trazem 0 que sabem, isto é, 0 co-
nhecimento de diversos elementos de teorias ou de experiéncias anterior-
mente adquiridas.
As inferéncias generalizantes e particularizantes que sao efetuadas
pelos pesquisadores so objeto de controle metodolégico. De acordo com o
que ja discutimos acerca do papel da metodologia, os pesquisadores nao
podem aceitar qualquer tipo de raciocinio ao nivel da explicagao ou da
interpretagao dos fatos. Independentemente das exigéncias estatisticas e 16-
gicas que podem ser aplicadas nos casos de uma quantificagdo ou de uma
formalizagao do conhecimento, os pesquisadores aplicam outros tipos de
exigéncias no que diz respeito aos aspectos qualitativos das inferéncias.
Uma primeira exigéncia dessa ordem consiste em identificar os defeitos da
generalizagao, em particular aqueles que consistem em, a partir de poucas
informagées locais, tirar conclusdes para 0 conjunto da populagado ou do
universo. Em muitas pesquisas feitas localmente, como no caso da pesqui-
sa-agiio, € possivel até renunciar a generalizagdes superiores a situacio efe-
tivamente investigada. No entanto, uma generalizagao pode ser progre:
vamente elaborada a partir da discussdo dos resultados de varias pesquisas
organizadas em locais ou situagées diferentes.
Uma segunda exigéncia consiste em identificar as formas ideolégicas
que interferem na generalizagao. Nao se trata de pretender pesquisar sem
nenhuma ideologia. Mas os pesquisadores deveriam estar em condigdes de
estabelecer suas generalizacdes com base em teorias explicitadas e utilize
das dentro de um processo de raciocinio no qual a informagdo concreta
fosse realmente tomada em consideragio. Quando a interferéncia ideoldgi
ca & excessiva. os dados obtidos na investigagdo sdo sem valor. Seja qual for
a sua vartabilidade. esses dados sao encaixados em categorias € generaliza-
Ges que. em si mesmas. podem ser discursivamente pronunciadas indepen-
dentemente de qualquer observagio
Defeitos semelhantes devem ser objeto de controle no que diz respei-
to a particularizag4o, em particular na passagem das ideias ou conceitos
gerais aos indicadores que sio levados em consideragdo na observagao do
campo empirico.
7. Conhecimento e acao
A relacao entre conhecimento e agio esta no centro da problematica
metodolégica da pesquisa social voltada para a agio coletiva. Em si pré-
pria, esta relagdo constitui um tema filosdfico que foi desenvolvido de di-
versas maneiras por varias tendéncias filos6ficas. Mas. ao nosso conhecer,
raramente foi tratado como tal ao nivel da metodologia de pesquisa social.
Apresentaremos aqui apenas algumas observagées introdutérias.
A relacdo entre conhecimento e agao existe tanto no campo do agir
(ago social, politica, juridica, moral etc.) quanto no campo do fazer (agao
técnica). Entre as formas de raciocfnio existem analogias (e também dife-
rengas) entre as estruturas do “conhecer para agir” e do “conhecer para
fazer”. O problema da relagio entre conhecimento e agdo pode ser aborda-
do no contexto das ciéncias sociais e também no da tecnologia (Thiollent,
1984b, p. 517-44). Aqui s6 0 abordaremos no primeiro.
A relacio entre pesquisa social e ago consiste em obter informagées
e conhecimentos selecionados em fungdo de uma determinada aga de ca-
rater social. A passagem do conhecer ao agir se reflete na estrutura do ra-
ciocinio, em particular em matéria de transformagao de proposigées
indicativas ou descritivas (por exemplo: “a situagdo esté assim...") em pro-
posigdes normativas ou imperativas (“temos que fazer isto ou aquilo para
alterar a situagdo”). Isto supde que seja estabelecido algum tipo de relacio-
namento entre a descrigdio de fatos e normas de agao dirigida em fungdo de
uma agio sobre esses fatos, ou de uma transformagaéo dos mesmos.ai .
F chiro que as normas geralmente nado sao geradats na propria situagdo
empirica da pesquisa. Pertencem a ideologias. perspectivas politicas ou
culturais. dos MoviMEntos sockus OW Go Huncromamento das tstituigdes. O-
raciocinio consiste ent aplicar essay normas do phno geral, ne qual se apre
sentaum. no plano conereto doy fatos sob observagao submetidos a transfor
magées. Todavia. a passagem da proposigao de fato para a proposigao nor-
mativa nao oferece garantia légico-formal (Blanche. 1973. p. 211). pois
nao & a descrigdo do fato que determina o tipo de tansformagdo que The
sera aplicado. Sempre intervém um sistema normativo, com aspectos ideo-
logicos, politicos, juridicos et
. que € subjacente ao trabalho que consiste
em reunir pesquisa e agdo. Nao se trata de lamentar 0 envolvimento da
metodologia de pesquisa social com um sistema normativo, s6 basta estarmos.
cientes das suas implicagdes. Deontologicamente os pesquisadores avaliam
as condigdes éticas do funcionamento da pesquisa e de suas finalidades
praticas. Em certos casos os pesquisadores podem ser obrigados a impedir a
realizacado de certas pesquisas ou de certos tipos de aproveitamentos de
seus resultados ao nivel da acao.
Na relagao entre obtengao de conhecimento e direcionamento da agao
ha espaco para um desdobramento do controle metodolégico em controle
ético. Os pesquisadores discutem, avaliam e retificam o envolvimento nor-
mativo da investigagdo e suas propostas de agdo decorrentes. Frequente-
mente, na relagao entre descrigdo e norma de ago, 0 ponto de partida ndo é
a descrigdo objetiva e sim as exigéncias associadas & norma. Isto € metodo-
logicamente condenavel. Em fungio de uma norma de ago preexistente,
instituida ou ndo, o pesquisador pode ser levado a descrever os fatos de um
modo favordvel as consequéncias praticas correspondentes as exigéncias
daquela norma. Trata-se de um efeito de “contaminacdo” das normas de
ago sobre a observagdo ou a descrigdo. Nao sabemos se é possivel neutra-
lizar esse efeito. Seja como for, esta fonte de distorgaio deve ficar sob con-
trole dos pesquisadores, dos pontos de vista metodolégico e ético.
(No que precede, entendemos por norma de ago institufda uma nor-
ma que jé faz parte do cédigo explicito de uma instituig’io. A norma de ago
€ nao instituida quando se refere a um movimento social ou a uma atividade
informal. A norma de uma agio informal pode estar relacionada com 0
objetivo de modificar as normas do padrao de agao institufda.)
E frequentemente discutida a real contribuigdo da pesquisa-agio em
termos de conhecimento. Na pratica, nem todas as pesquisas-agao chegam
"
a contribuir para a produgao de conhecimentos novos. Alias sejam quais
forem stats orientagdes. nem todas ay pesyuisas particulares podem ter ess.
pretensdo. Entre outras, muitas pesquisay de opinido se himitum a oferecer
uma “fotografia” numérica do que todo mundo ji sabia
Entre os objetivos de conhecimento potencialmente aleangaveis em
pesquisa-agdio temos
a) A coleta de informagao original acerca de situagdes ou de atores:
em movimento.
b) A concretizagado de conhecimentos teéricos. obtida de modo dialo-
gado na relagdo entre pesquisadores e membros representativos
das situagdes ou problemas investigados.
c) A comparat
res, com aspecto de cotejo entre s
da resolugao de diversas categorias de problemas
‘do das representagdes préprias aos varios interlocuto-
ber formal e saber informal acerca
d) A producao de guias ou de regras praticas para resolver os proble-
mas e planejar as correspondentes agdes.
e) Os ensinamentos positivos ou negatives quanto & conduta da acdo
e suas condigées de éxito.
f) Possiveis generalizacdes estabelecidas a partir de varias pesqui-
sas semelhantes e com o aprimoramento da experiéncia dos pes-
quisadores.
8. O alcance das transformacoes
Com a pesquisa-agao pretende-se alcangar realizagGes, agées efeti-
vas, transformagdes ou mudancas no campo social. Alguns autores tém
mostrado toda a imprecisdo e as ambiguidades dessas expressdes. Segundo
J. Ezpeleta (1984), a nogao de “transformagao da realidade” e indiscrimi-
nadamente utilizada por partidarios da pesquisa participante ou da pesqui-
sa-agdo para designarem fatos muitos diversos: modificagio de comporta-
mento grupal, modificagao de habitos alimentares, fendmenos cognos:
vos de sujeitos individuais etc. A nocao de “transformacao” & frequente-
mente assimilada 4 de “mudanga social”. Além disso, ha uma confusao
frequente entre “categorias estruturais” (sistemas sociais, classes etc.) e
categorias relativas a situagGes particulares.