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Psico Trópicos

Livro sobre a medicina dos yawanawás

Enviado por

Eduarda De Lemos
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Psico Trópicos

Livro sobre a medicina dos yawanawás

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RICARDO L. N.

MOEBUS

Psico Trópicos
Uso com(sagrado) de psicoativos na
Amazônia Yawanawa

Belo Horizonte - 2012


Copyright © Ricardo L. N. Moebus

Editora ROBERTHA BLASCO


Coordenação Editorial ÁLVARO GENTIL
Projeto Gráfico ALEXANDRE BICIATI
Revisão ELIANE BARBOSA
Ilustrações SOPHIA FELIPE
Kenes BIRACI JÚNIOR

Catalogação na Publicação (CIP)

Moebus, Ricardo L. N.
M693 Psico Trópicos : uso com(sagrado) de psicoativos na
Amazônia Yawanawa. / Ricardo L. N. Moebus ; ilustrado por
Sophia Felipe. - Belo Horizonte : Asa de Papel, 2012.
82 p. ilust. color.

Inclui referências bibliográficas


ISBN 978-85-64158-31-33

1. Psicotrópicos 2. Yawanawas – costumes I. Felipe,


Sophia II. Título

CDD: 615.788

Bibliotecária responsável: Cleide A. Fernandes CRB6/2334

Todos os direitos desta edição reservados a Ricardo L. N. Moebus.


É permitida a reprodução desta obra desde que citada a fonte.
Primeira edição 2012
Este livro está de acordo com a nova ortografia.
Para
Maria Tereza, Maria Clara e Maria Luíza.
Para Rita.
Quatro pontos cardeais
em minha carta de navegação.
As crianças nos ensinam a amar o futuro.
Posso ver com os Yawanawas.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos companheiros de jornada Vera Fróes, Perfeito Fortuna,


Izabel Stewart, Luiz Guilherme e Rodrigo Quintela, pela alegria
do convívio, pela aprendizagem e amizade mútua.
Agradeço ao belo povo Yawanawa, pela confiança, hospitalidade
e  generosidade de ensinar, em especial ao cacique Biraci Brasil e seu
filho Biraci Júnior, que nos ensinou os kenes.
Agradeço à Organização Não Governamental PRIMO – Primatas
da Montanha –, que incentivou, viabilizou e financiou esta pesquisa
e sua publicação.
Agradeço aos colegas da Linha de Pesquisa Micropolítica
do Trabalho e o Cuidado em Saúde, da UFRJ, que contribuíram com
a gestação de várias destas idéias, sobretudo o Prof. Coord. Emerson
Merhy, demonstração viva em ato de amor ao saber.
Agradeço à minha companheira Rita, pelo apoio, carinho e compre-
ensão na presença e na ausência necessária.
ÍNDICE

APRESENTAÇÃO 15

INTRODUÇÃO: MAHATMA BIRA E A ALDEIA SAGRADA 23

RUME (RAPÉ) 33

HUNI (AYAHUASCA) 49

RARÊ MUKA 73

REFERÊNCIAS 83
APRESENTAÇÃO

por Emerson Elias Merhy*

Produção de vidas não fascistas: por um devir-yawanawa


em nosso uso das drogas na contemporaneidade

Começo com a ressalva de que a aproximação que faço aqui entre


o uso das plantas sagradas pelos Yawanawas e o uso das drogas na con-
temporaneidade não é no sentido de desqualificar o uso de psicoativos
feito pelos índios. A intenção é ofertar outro olhar no debate atual sobre
o consumo massivo, entre nós, de substâncias prescritas ou não, compa-
rando com a positividade inequívoca daquela outra forma de uso entre
os Yawanawas.
Hoje, 2012, no Brasil ocidentalizado, europeizado e americanizado,
os usuários de drogas são tratados como vítimas de um sujeito poderoso:
a droga em si. Na propaganda do Ministério da Saúde, aponta-se para
o poder de sujeito da pedra do crack e a necessidade de se dizer não a ela,
colocando-a no centro dos processos desejantes e procurando revelar
o usuário como sua vítima e seu dependente.

A P R E S E N TA Ç Ã O 15
Nessa perspectiva, o usuário é tido como um fraco que cedeu, que foi
arrebatado para uma vida que não é vida, pior, uma vida que, por não
ser uma boa vida, ameaça as boas que vivem. O usuário de drogas, como
um anormal, deve ser buscado ativamente, quando não criminalizado,
internado para ser tratado do seu desejo doentio. A droga é vista como
um poder maligno, que destrói a humanidade.
Obviamente estou falando de certas drogas, não de todas. Porque
há drogas que, quando indicadas por aqueles que são reconhecidos seus
competentes manipuladores, como os médicos, são tidas como benéfi-
cas, produzindo, por isso, mais vida no outro que precisa dela. O ele-
mento que dá essa garantia é o médico, como um guia que dá a certas
drogas um lado positivo na manutenção da humanidade já instalada,
ou mesmo, na recuperação da sua perda.
Enfrentar os drogados anormais com drogas boas tem sido um dos
principais arsenais da psiquiatria contemporânea, como elemento cen-
tral para o tratamento, que, para isso, precisa do controle soberano sobre
o desejo do outro – o drogado – e, por isso, lança mão da internação, que
destitui do outro seu lugar de desejoso.
Tomar esse mecanismo como forma de relações de poder na contem-
poraneidade tem muito a ver com novas formas de exercícios de poder,
que não só lançam mão de relações de dominação, como o poder sobe-
rano, ou de relações disciplinares, que punem quem não se comportar
de certos modos socialmente constituídos, mas que lançam mão tam-
bém da noção de que “você pode ser o maior risco para você mesmo”,
ao viver certos modos de vida e não outros, ao viver de modo a ameaçar
a boa qualidade de sua própria vida, ao não promovê-la. Sua qualidade
de vida está prescrita pelos saberes ordenados por uma medicina que
lhe promete vida eterna, se o seu viver for saudável. Saudável conforme
certas modelagens de viver.

16 A P R E S E N TA Ç Ã O
Essa conformação do autorrisco implica a conformação de uma pro-
posta de construção de subjetividades assujeitadas que se autogestio-
nem, se autovigiem, se autopunam, castrando o mais libidinal e saboroso
em você mesmo.
A droga, como veículo da experimentação de novas formas de exercí-
cios de viver, é tomada como desviante. Esse processo, porém, não é tão
genérico entre os distintos grupos sociais, pois, para aqueles que são
considerados os “miseráveis”, os “pobres”, o uso da droga é considerado
uma forma de fraqueza, perante os desafios de busca de viveres mais
produtivos e socialmente recomendados.
E, casado com lógicas de biopoderes, que se baseiam na neces­
sidade da autogestão do que deve ser a boa vida, a saúde pública e a
polícia caçam os que não se enquadram. Caçam os anormais do desejo
e os psiquiatrizam.
A droga “ruim”, que não foi manejada pelo médico-guia, é crimi-
nalizada e a ela se dá o poder de ser elemento de destruição da nossa
humanidade.

***

Entretanto, lendo esse relato do Ricardo Moebus, parece que, na vida


dos Yawanawas, de fato, os psicoativos também são sujeitos especiais
e  humanamente bem fundamentais. Instituídos em outro mundo, no
seu perspectivismo, eles os endeusam, os posicionam como médiuns,
para que se possam desenvolver capacidades de experimentar caminha-
das por outras dimensões do seu mundo, que, invisíveis, só se materia-
lizam com a ajuda desses psicoativos-deuses. Trata-se de experiência
fundamental para explorarmos, em termos existenciais, a multiplici-
dade do viver. Ao usá-los, tornamo-nos mais sábios e preparados para

A P R E S E N TA Ç Ã O 17
disparar a  produção de vida, que, no caso dos Yawanawas, também é
disparar vida em si e nos outros.
Seja que formulação for, esses psicoativos agem e, como artefatos,
disparam redes existenciais em quem os usa. O mais fascinante é que
esses psicoativos, por um lado, produzem existências em acontecimento,
mas, por outro, são manejados para produzir, em certas circunstâncias,
alguns resultados desejados.
Os Yawanawas, em situações de perigo, usam certas substâncias e não
outras, como muitos competentes poetas, artistas, amigos, conhecidos
também fazem, aqui e agora, e, com esse modo de existir, são tomados
por muitos como seres especiais.
Ter seus guias como o Mahatma Bira, nominado assim pelo autor,
parece ser essencial para se fazer uso produtivo dos psicoativos-deu-
ses, inclusive pelo manejo na sua fabricação e veiculação, no preparo
do ritual e na proteção que o usuário necessita ter por estar mexendo
com forças não controláveis, plenamente.
O paradoxo com o nosso mundo, porém, é que esse movimento
de produzir e usar um psicoativo-divino é considerado, no mundo
Yawanawa, como mais produção de vidas, que só podem ser experimen-
tadas com a ajuda e intervenção dele. Mais ainda, só se podem experi-
mentar qualidades maiores de uma vida mais ampliada por meio do uso
desse tipo de sustância.
Seres especiais apresentam-se nessas experimentações – e não são
seres obrigatoriamente saudáveis à vista da nossa compreensão do que
seja o viver nos nossos processos de medicalização das existências. Não
cabe a noção de anormal e patológico nesse território, como as formula-
mos, e muito menos da autogestão do risco que somos para nós mesmos,
como modos de autocontrole, para termos mais tempo de vida, indepen-
dentemente de esse tempo ser usado para não se fazer nada de diferente.

18 A P R E S E N TA Ç Ã O
***

Seriam os Yawanawas bons guias para nos deslocarmos do modo


como nos relacionamos com as questões das drogas?
Usar drogas hoje, no mundo fascista em que vivemos, é resistência
de um devir-Yawanawa ou é produzir vidas fascistas, em si e nos outros?

***

Poder olhar de outro mundo as nossas péssimas negociações com


todas essas questões e a hipocrisia com que agimos, para mim, é um dos
efeitos desse interessante relato que o autor traz, para que possamos
viver de maneira mais próxima suas próprias vivências.
Podemos nos sentir lá, experimentando esse outro mundo dos
Yawanawas, e, com eles, deslocar nossos territórios de visibilidade.
Podemos operar com nossos olhos vibráteis e, com eles, desencarnar
as drogas da maldição diabólica, colocando-as como ferramentas para
explorarmos o “de fora” como virtual possível de nos engancharmos.
Talvez, desse modo, do vício criemos certos viveres novos, desconheci-
dos e produtivos.
Como os Yawanawas, talvez, possamos também ter nossos potentes
guias para o uso delicado de nossas drogas, que estão aí a toneladas e cri-
minalizadas. Poder ir para outro território de visibilidade modificará
nossas formas de combater a corrupção e a bandidagem que caminha
par e passo com o tráfico.
Desencarná-lo do terreno do mal, denunciá-lo como prática fas-
cista, que não tolera a vida, que cultua a eliminação, com um modo
de manipular as drogas anti-Yawanawas, é chave para não se cair dentro
da captura que as políticas atuais têm caído, que olham do mesmo lugar

A P R E S E N TA Ç Ã O 19
que os traficantes a droga como sujeito que amaldiçoa e vicia o outro,
tornando-o manipulável.
Poder criar outro terreno para o uso das drogas, que podem ser dese-
jadas como um médium que potencializa os mecanismos de produção
de humanos, que possa abrir horizontes para a construção de novos
desejos e sentidos para a vida. Pode, talvez, criar a nossa forma de ver
o outro não como usuário ou dependente, mas como desejante, como
os Yawanawas.
O relato que vem adiante é rico e charmoso, é um corpo sem órgãos
que o autor nos oferece. Pois, ele está aí, mas não está aí. Nós é que,
ao lermos e nos lambuzarmos com isso, estamos aí.
Do mesmo jeito que me encantei com a leitura, espero que todos
também possam testar essa possibilidade.

*Coordenador da Linha de Pesquisa Micropolítica do 


Trabalho e o Cuidado em Saúde/UFRJ

20 A P R E S E N TA Ç Ã O
1

INTRODUÇÃO: MAHATMA BIRA E A ALDEIA SAGRADA

Este texto começou a ser escrito ainda na aldeia Nova Esperança,


território dos Yawanawas, sob a hospitalidade do cacique Biraci Brasil
(Nixiwaka), por ocasião da visita a esse magnífico povo da Amazônia
de  uma inusitada trupe, formada pelo físico Luiz Guilherme, o ator
e produtor cultural Perfeito Fortuna, a bailarina Izabel Stewart, o uro-
logista Rodrigo Quintela, a botânica Vera Fróes e o psiquiatra Ricardo
Moebus.
Se, em princípio, esse grupo pode parecer uma equipe bem mul-
tiprofissional e inter ou transdisciplinar, é preciso esclarecer que não
era bem disso que se tratava, pois não havia a pretensão de se formar
uma equipe, muito menos técnica; também não havia o peso de estar ali
como profissionais e, sobretudo, ninguém do grupo tinha a pretensão
de estar representando algum campo de saber. A composição do grupo
mais lembrava uma trupe amadora indisciplinar, do que uma equipe
profissional multidisciplinar.

1 Título sugerido por Vera Fróes, enquanto descíamos, em um barquinho, o rio Gregório (Wakawã), no vale
do Juruá, retornando para Cruzeiro do Sul desde aldeia yawanawa.

I N T R O D U Ç Ã O : M A H AT M A B I R A E A A L D E I A S A G R A D A 23
E é assim que surge o compromisso deste texto, de não se ater
a nenhuma disciplina, científica ou não, mas de reconhecer e divulgar
a sabedoria daquele povo.
O nome Psico Trópicos surgiu na casa do cacique Biraci, mais conhe-
cido por Bira, simplesmente. Esse nome, obviamente, faz uma referência
direta aos psicotrópicos, ou seja, substâncias químicas que agem prefe-
rencialmente, ou principalmente, no cérebro, portanto, substâncias que
possuem tropismo, uma atração, uma tendência para agir no sistema
nervoso central.2 Esse trocadilho – melhor seria dizer “trocadilo”, para
escapar dos “espertos ao contrário”3 – faz também uma referência direta
aos trópicos, à área da Terra entre os trópicos de Câncer e Capricórnio,
à região tropical, em especial, a um país tropical, o Brasil.
Há aqui uma referência mais discreta, uma provocação, por assim
dizer, aos Tristes trópicos4, magistral livro do antropólogo e pensador
Claude Lévi-Strauss. Isso porque, por um lado, é preciso reconhecer
que, nesse livro, de efeito inaugural em sua obra, sobre sua história com
o Brasil, Lévi-Strauss desenha uma inovadora abordagem cartográfica
da formação de si próprio como pensador, além de caminhar em direção
à superação da noção de selvagem, de construir uma necessária crítica
aos apologéticos ou ufanistas relatos de viagens antropológicas de sua
época, e de reconhecer seu encontro, sobretudo com os Bororós, como
um encontro entre culturas, e não encontro civilizatório. Por outro lado,
o livro traz estampada no título a tristeza que testemunha as culturas
fadadas ao fracasso e ao desaparecimento, englobadas ou atropela-
das pela cultura ocidental dominante, predominante, irresistível. Não
se pode negar a presença, ao longo de todo o livro, do ar “altaneiro” desse
erudito, quer na presença da mediocridade da intelectualidade brasileira

2 Para uma discussão mais técnica sobre psicotrópicos, ver STAHL, 1998.
3 Conceitos inventados por Estamira; PRADO, 2004.
4 LÉVI-STRAUSS, 2011.

24 I N T R O D U Ç Ã O : M A H AT M A B I R A E A A L D E I A S A G R A D A
de sua época, quer diante das culturas que, em sua simplicidade, apre-
sentam os funcionamentos estruturais inevitáveis da construção humana
do viver.
Psico Trópicos, portanto, para afirmar que, talvez, os trópicos não
sejam tão tristes assim, como pareceram aos olhos do erudito pesquisa-
dor. Talvez haja mesmo uma tristeza crônica no olhar cansado, emba-
çado pelo peso dos séculos de erudição europeia, que, se reconhece
a alteridade como cultural e não apenas selvagem, continua colocando‑a
em uma escala inferior, de menor desenvolvimento, primitiva enfim.
O que se observa, no entanto, é que, se há uma cultura que possa ser
reconhecida como decadente, como tendendo à insustentabilidade, ela
é justamente a que se pode chamar, de forma imprecisa, de civilização
ocidental, que tem levado a humanidade a impasses tão graves, como
a manutenção da vida neste planeta.
Todas as produções e reproduções culturais estão em transformação,
em processamento de novas informações, novos encontros, o que não
significa que estão fadadas a desaparecer. Ao contrário, várias culturas
de povos da floresta amazônica demonstram incessantemente sua vita-
lidade, sua viabilidade, sua atualidade, sua sofisticação de encontros com
o mundo, mais de meio século depois da publicação do grande antropó-
logo estruturalista.
Este é, portanto, um livro ao avesso dos Tristes trópicos, sendo pelos
“alegres trópicos”. Alegria incontida, guardada nesses encontros aos
quais possivelmente não teve acesso o grande antropólogo, encontros
que preservam e conservam realidades, conhecimentos, entendimentos
e sentimentos, para além dos exclusivos encontros entre homens, mas
nos protegidos encontros rituais entre esses dois mundos, entre homens
e alguns vegetais, chamados psicoativos. Vegetais considerados pelos
Yawanawas como mestres. Será possível para um antropólogo estrutu-
ralista reconhecer uma planta como seu professor? Será possível para

I N T R O D U Ç Ã O : M A H AT M A B I R A E A A L D E I A S A G R A D A 25
o pensamento estruturalista reconhecer uma planta como biblioteca?
Como guardião de saberes e tradições, inclusive culturais? Reconhecer
uma planta como irmão mais velho? Como grande ancião, como um ser
que, estando aqui há muito mais tempo que a humanidade, que, sendo
mesmo anterior a ela própria, é muito mais sabedor, é portador de
grande sabedoria? Será preciso buscar entre os vegetais as estruturas
elementares do parentesco ou a interdição do incesto para reconhe-
cer a “humanidade” de que são capazes? Muito mais difícil ainda, para
um  pensamento racionalista, será reconhecer que, além de portadora
desses saberes, uma planta possa estabelecer diálogo, que possa haver
plantas que servem de intérpretes nessa comunicação entre mundos, que
estabelecem trocas simbólicas, que estabelecem linguagem com a mente
humana.
Quando Peter Tompkins e Christopher Bird, em A vida secreta das
plantas5, tiveram a ousadia de declarar as plantas como seres sencien-
tes, capazes de movimento, reações emocionais, de possuírem formas
extra-humanas de pensamento e memória e uma sensorialidade extra
campo sensorial humano, foram taxativamente execrados pelo “métier
biológico”, pelos bem-pensantes, pelos guardiões da razão e da estética
socrática.6
Ora, para os Yawanawas, isso é tão simples e evidente, que resta aos
seres humanos justamente buscar as tais plantas intérpretes, interlocu-
toras, capazes não só de pensamento, memória e extrassensorialidade,
mas também de transmitir seus conhecimentos para nós. Pois algumas
plantas são capazes de comunicação, não só entre elas mesmas, como
de  resto todas o são, mas também com os animais, e até com seus
parentes mais surdos, os seres humanos; são capazes de linguagem e

5 TOMPKINS & BIRD, 1979.


6 Para uma discussão sobre a estética racionalista socrática, ver NIETZSCHE, O nascimento da tragédia.

26 I N T R O D U Ç Ã O : M A H AT M A B I R A E A A L D E I A S A G R A D A
ensinamento intermundos, segundo as tradições yawanawas. É a elas
que se chamam psicotrópicos, por agirem na mente humana.
Encontra-se assim um radical perspectivismo ameríndio – precioso
conceito desenvolvido por Eduardo Viveiros de Castro – diante desses
fantásticos vegetais, com o reconhecimento de sua “humanidade” pos­
sível, porque, assim como os animais, também os vegetais são portadores
dessa humanização de todos os seres.
Em uma intensa transposição do ocidental “eu penso, logo existo”,
chega-se a “o outro existe, logo pensa”7, válido para todos os seres
viventes, considerados pelos índios como seres “antropológicos”, isto é,
“comunicam-se com(o) os humanos”8.
Esse reconhecimento das plantas como capazes de linguagem
e  comunicação cria a possibilidade de encontros com uma incrível
e radical alteridade, que, por isso mesmo, deve ser considerada com todo
o respeito e cautela, pois capaz de colocar em risco até a humanidade
de nós mesmos. Assim como o encontro com a onça na floresta, que,
ao falar comigo, coloca em questão quem de nós restará como humano,
porque, na perspectiva dela, a humanidade está com ela, e eu sou apenas
um caititu nesse encontro com essa radical diferOnça9. Assim também,
quando as plantas falam comigo, em sua “humanidade”, podem abrir tal
possibilidade de devir10 vegetal em mim, que ameaça até mesmo a con-
tinuidade de minha humanidade em mim.
Os Yawanawas – povos (nawas) – reconhecem seu devir animal nas
queixadas (yawas)11, são a “gente queixada” (yawanawa) e sabem que
7 CASTRO, 2008.
8 CASTRO, 2008, p.33.
9 CASTRO, 2008.
10 Para uma discussão sobre devir, conferir DELEUZE, Conversações, 1992: “O devir não é história; a história
designa somente o conjunto das condições, por mais recentes que sejam, das quais desvia-se a fim de ‘devir’,
isto é, para criar algo novo. É exatamente o que Nietzsche chama de o Intempestivo” (p.211). Conferir
também DELEUZE & GUATTARI, 2008.
11 A queixada é um dos tipos de porco do mato, com algumas características específicas. Considerados bem

I N T R O D U Ç Ã O : M A H AT M A B I R A E A A L D E I A S A G R A D A 27
a  humanidade em trânsito, em transe, por todas formas viventes, não
está garantida para nenhuma delas. Daí a presença de xamãs que possam
estar transitando nesses entremundos, cuidando para que as humanida-
des de navegadores nesta psiconáutica não se percam.
No entanto, essa presença faz-se discreta, muitas vezes silenciosa
e difusa, permitindo uma liberdade e autonomia surpreendentes, pare-
cendo operar no que Deleuze chama os “vacúolos da fala”, “o desvio
da fala”, porque “criar foi sempre coisa distinta de comunicar”12, de uma
forma completamente diferente e distante de uma condução sistemática
ou didática, como a relatada em Castaneda.13 O (re)encontro com cada
vegetal é considerado um precioso acontecimento:

Mais do que de processos de subjetivação, se poderia falar principal-


mente de novos tipos de acontecimentos: acontecimentos que não
se explicam pelos estados de coisa que os suscitam, ou nos quais eles
tornam a cair. Eles se elevam por um instante, e é este momento que
é importante, é a oportunidade que é preciso agarrar. Ou se poderia
falar simplesmente do cérebro: o cérebro é precisamente este limite
de um movimento contínuo reversível entre um Dentro e um Fora,
esta membrana entre os dois. Novas trilhas cerebrais, novas manei-
ras de pensar não se explicam pela microcirurgia; ao contrário, é
a ciência que deve se esforçar em descobrir o que pode ter havido
no cérebro para que ele chegue a pensar de tal ou qual maneira.
Subjetivação, acontecimento ou cérebro, parece-me que é um pouco
a mesma coisa.14

Ainda é preciso dizer que os encontros extraordinários que tivemos


não foram apenas com vegetais, mas também com homens, homens

mais perigosos que os caititus, andam em grandes bandos, defendem-se juntos, atacando de forma agressiva
seus inimigos, sendo capazes de matar até onças ou homens, considerados por isso, guerreiros da floresta.
12 DELEUZE, 1992, p.217.
13 CASTANEDA, 2011.
14 DELEUZE, 1992, p.218.

28 I N T R O D U Ç Ã O : M A H AT M A B I R A E A A L D E I A S A G R A D A
notáveis15, poderíamos dizer, no sentido da produção de diferença e sen-
tido que sua convivência é capaz de imprimir. Entre eles destaca‑se
o  cacique Biraci Brasil, um líder familiar, uma liderança espiritual e
política desse povo indígena, com um discernimento raro de se ver em
qualquer ambiente, indígena ou não. Fomos acolhidos em sua casa, em
sua aldeia, no seio de seu povo, com uma generosidade, um apreço e uma
hospitalidade tão surpreendentes, que o mínimo a ser feito é reconhecer
isso publicamente. A grandeza de sua pessoa como ser humano, como
pensador, administrador entre os seus, construtor, caçador, pescador,
anfitrião, comandante, liderança de seu povo, tornou-se tão transparente
entre nós, sua aura clara tornou-se tão visível, que passamos a chamá-lo,
apenas entre nós, de Mahatma Bira.
Mahatama, Maha átma, grande alma no sânscrito, mas com tradu-
ção muito imperfeita, porque Mahatma está longe de ser uma questão
quantitativa, não é apenas uma alma que se reconhece em sua grandeza,
em seu grande valor, é também uma alma que superou a própria pessoa,
fez-se maior, envolve e apresenta sua ancestralidade. Essa é, justamente,
a posição de Mahatma Bira e sua marcante presença, que prima por
manter viva não só a memória de seu povo, mas a presença de seus
ancestrais e sua ascendência na estirpe dos pajés yawanawas.
É preciso, ainda, falar de encontros com lugares também extraor-
dinários, sobretudo pela oportunidade que tivemos de estar na antiga
aldeia sagrada dos Yawanawas, hoje desabitada e reservada para a rea-
lização de trabalhos espirituais, em especial as vivências de formação
de novos pajés. Ali pudemos conhecer o sagrado e misterioso Muka.
Este Psico Trópicos almeja, em certa medida, prestar reconheci-
mento e, ao mesmo tempo, apresentar, como conhecimento psicotró-
pico, um trânsito semelhante ao que Félix Guattari propõe em seu livro

15 GURDFIEFF, 2008.

I N T R O D U Ç Ã O : M A H AT M A B I R A E A A L D E I A S A G R A D A 29
Caosmose, em relação às psicoterapias – deslocar-se do território da cien-
tificidade para o da estética, pensando a “inventividade das curas” e o
“caráter artificial criacionista da produção da subjetividade”16. Procura,
além disso, exercer esse trânsito na produção das práticas e dos saberes:

Na perspectiva que é a minha e que consiste em fazer transitar


as ciências humanas e as ciências sociais de paradigmas cientificistas
para paradigmas ético-estéticos, a questão não é mais a de saber se o
inconsciente freudiano ou o inconsciente lacaniano fornecem uma
resposta científica aos problemas da psique.17

De modo um pouco semelhante, o que se apresentará a seguir, nessa


tentativa de resgatar a perspectiva yawanawa, é um uso dos psicotrópi-
cos bastante distante do uso científico e muito próximo do uso estético,
da concepção de uma estética da existência18, da produção de si mesmo
como obra criativa, da inventividade e da abertura de si como obra ina-
cabada e aberta a múltiplas possibilidades.
O uso tradicional dos psicotrópicos pelos Yawanawas encaixa-se
perfeitamente na concepção de Guattari de que: “A única finalidade
aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que
enriqueça de modo contínuo sua relação com o mundo.”19

16 GUATTARI, 1992, p.18-19.


17 GUATTARI, 1992, p.21.
18 Para uma discussão sobre estética da existência, ver FOUCAULT, A hermenêutica do sujeito.
19 GUATTARI, 1992, p.33.

30 I N T R O D U Ç Ã O : M A H AT M A B I R A E A A L D E I A S A G R A D A
RUME (RAPÉ)

– Nesse caso, cheire isso, vovó! – disse ele, tirando dum canudo uma
pitada do pó mágico e chegando-a ao nariz da velha.
– Oh, Pedrinho! – exclamou dona Benta escandalizada. Bem sabe que
não tomo rapé.
Todos caíram na gargalhada.
– Não é rapé, vovó! É muito bom pó de pirlimpimpim, que Peninha
me deu. Sem cheirar este pó nunca chegaremos ao País das Fábulas.
(...)
Todos cheiraram o pó de pirlimpimpim, e imediatamente começa-
ram a sentir a vista turva, a cabeça tonta, com uma zoada de pião nos
ouvidos – fiunn...
Dona Benta, assustada, quis apear-se.
– Parece que vou morrer! – gritou.
Acudam-me!...
– Não tenha medo, vovó! É assim mesmo. Este fiun dura enquanto
estivermos voando. Depois pára – sinal de chegada.
De fato foi assim. O fiun zuniu no ouvido deles por algum tempo
e por fim cessou.

RUME (RAPÉ) 33
(...)
Não é fácil lidar com o pó de pirlimpimpim. A gente tem de cheirá‑lo
na quantidade certa, nem mais nem menos, senão vai parar para
lá ou para cá do ponto que pretende alcançar. Pedrinho, sem prática
ainda errou na dose, deu-lhes pó demais, de modo que foram parar
numa terra muito diferente do País das Fábulas. Em vez do lindo
campo de veludo verde, cortado pelo rio à beira do qual os fabulis-
tas tinham ficado a discutir a origem das fábulas, acharam-se num
verdadeiro deserto africano, com enormes rochas negras dum lado
e o mar de outro.
(LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. 48.ed. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1993. p.154-155)

Muito do que se dirá neste capítulo sobre o rapé está ensinado nessa
fábula brasileira de Monteiro Lobato. Acho que começou aí, quando
tinha doze anos e li Monteiro Lobato pela primeira vez, o interesse vívido
e incessante pelos psicotrópicos, que me habita e nunca mais me aban-
donou. O primeiro psicotrópico que passei a utilizar de modo regular,
para obter estados extra-ordinários de consciência, foi Monteiro Lobato.
É mesmo fascinante a forma delicada e amorosa como ele vai descorti-
nando para as crianças do Brasil um universo rico e prodigioso da cultura
nacional. E é assim que ele ensina como é difícil, sutil e merecedor de
cuidado aventurar-se na arte dos ameríndios da Amazônia de entrar em
contato com substâncias enteógenas20 pela via nasal, em geral, sendo apli-
cada por outro, como Pedrinho, nessa trupe do Sítio do Pica Pau Amarelo.
É bastante típica e habitante do imaginário mundial a cena de
um índio que sopra seu canudo, verdadeira zarabatana, no nariz de outro,
que recebe sua flechada nasal, pronto para enfrentar destemidamente
a batalha do encontro com os outros de si mesmo. Verdadeira produção
em ato de sua própria multiplicidade.

20 Ver adiante explicação a propósito dessa terminologia.

34 RUME (RAPÉ)
Se é certo que a filosofia da diferença, com Deleuze, apontou, insistiu
e descortinou o horizonte da multiplicidade como imanência de cada
um a substituir o mito do indivíduo, pode-se, acompanhando o uso
tradicional de alguns psicotrópicos, ter uma experiência bem concreta
e palpável disso.
Tivemos a oportunidade de acompanhar uma parte do trabalho
de  preparo do rapé yawanawa com Nani, primo de Biraci Brasil, e
uma das lideranças da aldeia Nova Esperança, que nos permitiu essa
graça. Experimentamos seu uso tanto na aldeia Nova Esperança quanto
na aldeia sagrada. Foi muito especial poder constatar como a experiência
na aldeia sagrada teve um diferencial enorme, com efeitos bem além
do que até então tínhamos vivido. Foi também surpreendente a seme-
lhança com o trecho de Monteiro Lobato: a zoada na cabeça, a tontura,
as náuseas (alguns vomitam muito) e a sensação de que vamos morrer,
como bem disse Dona Benta.
Fomos à aldeia sagrada participar de um trabalho com rapé
yawanawa com o cacique Bira. Andamos um bom trecho em trilha pelo
coração da floresta. No meio do percurso – vencido parte a pé, parte
de canoa – paramos para tomar uma primeira sessão de rapé aos pés
de uma sumaúma tão alta, que apenas as trabéculas de suas raízes super-
ficiais já eram bem maiores que um homem. Receber o rapé ali, aos
pés daquele verdadeiro dinossauro vegetal vivo, que, ao menos para nós,
parecia ter mais de mil anos e reinava sobre todas as outras grandes
árvores daquela região, sem dúvida potencializava e dinamizava o efeito.
Todos têm de redimensionar sua importância, sua própria relevância
como ser vivo, diante daquela majestade. Todos têm a oportunidade
de sentir-se uma pulga diante daquela grandiosidade. E certamente não
é por acaso que a sabedoria yawanawa vem prestar seu tributo, respeito
e reconhecimento diante de tal árvore e procura entrar em contato com
sua entidade, um ser vivo que pratica e conhece a arte de viver desde

RUME (RAPÉ) 35
antes do nascimento dos avós dos avós dos avós de nossos avós. Ela já
vivia e poderá continuar vivendo após os netos dos netos dos netos de
nossos netos.
Recebemos uma tomada de rapé ali, o que nos trouxe uma sensação
de vertigem e de um acordar mais que habitual, de estar muito desperto,
especialmente atento; é quase uma alegria, um tipo de elevação.
Seguimos em frente, nitidamente percebendo mais e melhor
o  ambiente que nos envolve, uma pluralidade de seres de minúscu-
los a  gigantescos, todos juntos. Chegamos à aldeia sagrada, pudemos
conhecer o terreiro e recebemos uma tomada decisiva de rapé junto ao
cemitério yawanawa.
Estava muito evidente que quem conduzia os trabalhos ali não era
mais o cacique Bira, mas seu avô, grande líder e pajé, que descansa enter-
rado ali. A densidade e a potência do trabalho estavam muito multi-
plicadas e a dose também. Ao receber a primeira dose, sinto um efeito
intenso e me custa receber a dose seguinte na outra narina; perco real-
mente o domínio sobre meu próprio corpo, tomado por ondas de for-
migamentos, esfriamentos, aquecimentos, desligamentos. Mesmo sen-
tado, sinto que fica muito difícil sustentar o corpo e manter o equilíbrio;
as  náuseas são intensas, chego a vomitar mais de dez vezes ao longo
do trabalho. A respiração tende a acelerar e o coração está saindo pela
boca, junto com as vísceras. Outros também estão passando muito mal.
É  preciso manter a calma; para isso, é fundamental ter confiança em
quem está realizando o trabalho e nos companheiros de viagem.
Estamos em casa, é preciso sentir-se em casa, confiar nesse lugar que
é absolutamente tão igual a qualquer outro, ou tão diferente, mas que,
para cada um, parecia mais seguro. Estamos em casa no mundo, estamos
em casa em nosso corpo, sentir o próprio corpo como a casa primeira
e principal. Poder também sair um pouco dela, sem medo, e poder vol-
tar, dar uma saidinha, como esses peixinhos ou ratinhos que dão uma

36 RUME (RAPÉ)
espiadinha e voltam correndo, como se estivessem assustados, mas não
estão assustados, e saem e voltam aos pouquinhos, em um ancestral
ritual de confiança e segurança.
É difícil sair de casa, principalmente desta casa primeira e funda-
mental que é o próprio corpo, e como é bom poder dar uma saidinha,
olhar desde fora, perceber-se nesse olhar retroativo, voltar-se para si
mesmo ou sobre si mesmo, em um movimento como o da serpente
de Valéry21, que pôde reconhecer o próprio sabor em um movimento
autofágico.
Voltemos ao rapé. Essa é uma designação muito geral. Em inu-
meráveis tribos ameríndias, toda substância ou fórmula ou composto
de substâncias que são aplicadas em pó, via nasal, recebem diferentes
nomes, traduzidos de uma forma genérica pela palavra rapé. Portanto,
quando se diz rapé, fala-se das mais variadas formulações e encon-
tram‑se os mais variados compostos.
E o rapé específico dos Yawanawas? Na primeira vez em que per-
guntamos ao Nani o que havia no rapé, o que era colocado naquele que
estava sendo feito na nossa presença, a resposta foi muito clara: “nada”.
Há uma restrição ou, pelo menos, uma precaução evidente na divul-
gação da composição final do rapé; essa cautela mostra-se ainda maior
em relação a outras composições ou plantas sagradas que veremos a
seguir, em especial o Muka. Ainda assim, vale dizer que, de forma
geral, o rapé dos Yawanawas é composto fundamentalmente de tabaco
e uma segunda planta, que chamam Tsunu e denominada por alguns
como pau pereira. Trata-se de um rapé original da tradição indígena,
mesmo depois de mais de cem anos de contato com a cultura branca.
Ele pode ser comparado, por exemplo, com o rapé da aldeia Barra
Velha, na Costa do Descobrimento, dos índios Pataxós.
21 Paul Valéry, poeta francês em cuja poética encontra-se a serpente que morde a própria cauda, como um
símbolo do pensar.

RUME (RAPÉ) 37
Essa aldeia está localizada no litoral da Bahia, estação primeira
do Brasil, bem próximo do Monte Pascoal, marco da chegada dos portu-
gueses ao Brasil, ou seja, área que sofre influência da cultura branca há mais
de quinhentos anos. Estivemos ali com o pajé Caruncho de Dendê, e ele
nos ensinou um pouco sobre o rapé dos Pataxós. Esse é um rapé que traz
em sua composição, além do Kurrutu, que é a folha de tabaco curtida, e do
cheiro de mulata, uma planta bem tradicional deles, também a imburana
e a noz moscada, em uma evidente influência externa à cultura pataxó. O
que não quer dizer que não seja um excelente rapé, cuja receita já remonta
seguramente a mais de cem anos, pois o velho Caruncho de Dendê traz
esse conhecimento desde, pelo menos, duas gerações. Essa composição,
porém, aponta a transição cultural, que gera a necessidade de se comprar
uma parte dos produtos do rapé que fazem, criando uma dependência do
comércio com a cidade.
Quanto aos Yawanawas, eles ainda mantêm uma formulação aparente-
mente mais simplificada e próxima da original, com um preparo absoluta-
mente artesanal e uma técnica tradicional, para a fabricação de um pó com
granulação bastante fina, que possa atuar profundamente na mucosa nasal.
A mucosa nasal apresenta uma propriedade particularmente recep-
tiva para trocas químicas com substâncias fitoterápicas e psicotrópicas. É
extremamente vascularizada, possui íntima conexão com as partes filoge-
neticamente mais antigas do cérebro. A via nasal apresenta-se, portanto,
como uma via muito privilegiada para a aplicação de psicotrópicos, mere-
cendo ser utilizada com todo o cuidado e cautela. A via nasal traz algu-
mas vantagens em relação à via inalatória – ou seja, fumar a planta –,
se tomarmos, como exemplo típico, a utilização do tabaco por meio do
rapé. É bem sabido que o principal constituinte psicotrópico do tabaco é
a nicotina, que tem sido tão amplamente utilizada por via inalatória, com
o consumo, disseminado por todo o planeta, do cigarro, que gera muitos
problemas de saúde.

38 RUME (RAPÉ)
Até princípios do século XVI, as evidências levam a crer que o uso
do tabaco restringia-se aos ameríndios, que o mascavam ou aspiravam
sob a forma do pó seco de suas folhas, o rapé. Isso faz uma enorme
diferença em termos de produção de saúde ou doença, pois a aspiração
ritual do rapé está muito longe de produzir os malefícios causados pela
queima e inalação do cigarro industrializado.
Teria sido em 1561 que Jean Nicot, donde deriva o nome nico-
tina, embaixador francês em Portugal – que havia aprendido a utili-
zar o  tabaco aspirando-o na forma de rapé para combater enxaque-
cas, obtendo grande alívio, ou, segundo outros relatos, teria curado
uma úlcera em sua perna –, teria enviado sementes e pó para Catarina
de Médicis, para que ela pudesse tentar o tratamento de suas cefa-
leias. Com o magnífico resultado obtido e divulgado pela prestigiosa
Catarina, o tabaco começava a ganhar grande notoriedade nas cortes
europeias.
Mais tarde, em 1585, o famoso corsário Francis Drake introduzi-
ria o consumo do tabaco na Inglaterra. Somente por volta de 1840,
o  consumo sob a forma de cigarros para fumar se difundiria, e as
propriedades e usos terapêuticos do tabaco cederiam lugar a um uso
nocivo. A partir de 1960, ele ficaria definitivamente associado a inú-
meros problemas de saúde, como o aumento da incidência de variados
tipos de câncer, infartos e outros problemas cardíacos e pulmonares
nos fumantes regulares. Ironicamente, essa constatação científica, com
incontestáveis dados numéricos e epidemiológicos dos efeitos nocivos
do cigarro, ocorreria em função de estudos de acompanhamento pros-
pectivo de longo prazo, realizados com médicos fumantes, na mesma
Inglaterra de Francis Drake.
É interessante lembrar, ainda, que inúmeros tratamentos para supe-
rar o vício de fumar incluem o uso de nicotina, ou a reposição tempo-
rária de sua abstinência, por outras vias, que não a fumaça do cigarro.

RUME (RAPÉ) 39
Há, por exemplo, formulações de nicotina na forma de gomas de mas-
car e até de  adesivos transdérmicos, desenvolvidos por laboratórios
multinacionais.
A tecnologia intuitiva ameríndia, no entanto, utiliza a via nasal, seja
por aspiração ou pela injeção nas narinas por outra pessoa, aplicadora,
sopradora do rapé. Nesse tipo de via de uso ou acesso psicotrópico,
quando se injeta o rapé nas narinas, a orientação é, na verdade, não aspi-
rar, não respirar pelo nariz, e não engolir o rapé, mantendo a respiração
apenas pela boca. Essa é, portanto, uma via alternativa eficiente para
a recepção de uma dose de nicotina, sem os malefícios da combustão
e inalação da fumaça de cigarro, sobretudo os industrializados, com suas
mais de mil substâncias tóxicas.
O que se pergunta é por que a nicotina é tão atraente e faz tanta falta
para seus usuários regulares? Que psicotrópico é esse?
Os efeitos da nicotina são inúmeros, centrais e periféricos. Sua faceta
mais evidente é ser um psicoestimulante, proporcionando uma elevação
temporária do ânimo e do humor; ao mesmo tempo, provoca um leve
relaxamento muscular, uma redução do tônus muscular, uma descontra-
ção, além de diminuir o apetite ou reduzir a sensação de fome, gerando
certa contração do estômago. É capaz ainda de aumentar os batimentos
cardíacos, a pressão arterial, a frequência respiratória e a atividade mus-
cular, de forma difusa.
Se, por um lado, tais efeitos explicam bem os riscos e malefícios tra-
zidos pelo consumo abusivo e indiscriminado do tabaco sob a forma
de cigarros, como a associação com a hipertensão arterial e a incidência
de infartos cardíacos, por outro, tais efeitos ajudam a entender os usos
tradicionais do rapé – por exemplo, seu uso bem estabelecido em inú-
meras etnias para criar um estado de prontidão, uma disposição para
enfrentar um desafio.

40 RUME (RAPÉ)
O pajé pataxó Caruncho de Dendê conta que, se os índios estão
caminhando e uma tempestade se forma, eles aplicam-se uma rodada
de  rapé, para estarem prontos para receber aquela chuva nas costas;
se vão sair para uma longa jornada, em uma caçada, também tomam
rapé, para não esmorecer. Há também o uso ao final das jornadas de
trabalho, para relaxar e assentar a musculatura. Particularmente entre
os Yawanawas, ocorre o uso voltado para a alteração dos estados mentais,
para a geração de estados extra-ordinários de consciência. Além disso,
ocorre de, estando já em estados extra-ordinários de consciência, sob
efeito do Huni – o ayahuasca –, utilizarem rapé, quando querem mudar
esse estado, por exemplo, alterar o rumo de um pensamento indesejado,
ou até mesmo de um sentimento de que se quer escapar.
Outro uso bastante estabelecido entre os Yawanawas é para obter
entendimento ou esclarecimento em situações de debate, de decisões,
bem como em círculos de decisão de rumos pessoais e/ou coletivos.
Esse uso do rapé ligado ao entendimento, à busca de esclarecimento,
faz lembrar a ligação privilegiada da nicotina com os neurorreceptores
colinérgicos, que, por terem mais afinidade pela própria nicotina que
pelo neurotransmissor endógeno – a acetilcolina, para o qual teriam
sido feitos –, acabaram por receber o nome de receptores nicotínicos.
É interessante pensar nesse uso como ampliador ou amplificador cog-
nitivo pelos Yawanawas, pois todos os tratamentos para demências
do tipo Alzheimer, que buscam neuroprotetores cognitivos, baseiam-se
fundamentalmente na ativação dessas vias colinérgicas, como na série
de medicamentos modernos produzidos por empresas multinacionais,
a partir da rivastigmina e seus sucessores.
Fica ainda mais surpreendentemente interessante tal uso pelos
Yawanawas, se pensarmos que o outro componente da fórmula sagrada
do rapé, até onde se permite sabê-lo, a princípio parecia ser o  pau
pereira, ou alguma espécie semelhante a essa planta, que também

RUME (RAPÉ) 41
contém um conhecido alcalóide, a pereirina, que, por sua vez, apresenta
um efeito potencializador da ampliação cognitiva pelas vias colinérgicas,
uma vez que inibe as enzimas acetilcolinesterase (AchE) e butirilcoli-
nesterase (BchE).22
Seria possível, portanto, estar diante de uma incrível confluência entre
a tradicional tecnologia intuitiva empirista yawanawa e as mais moder-
nas pesquisas neurocientíficas farmacológicas, que chegam ao  mesmo
ponto dos ampliadores cognitivos: incrementar as vias colinérgicas e o
uso dos chamados anticolinesterásicos.23
O nome pau pereira, que a princípio foi identificado como segundo
componente do rapé yawanawa, teria origem indígena em termos como
pereiriba ou pereiora, significando “casca preciosa”, indicando como nos
conhecimentos ancestrais indígenas pré-colombianos essa planta já era
intensamente valorizada. O pau pereira parece ter inúmeros efeitos
curativos, pois está envolvido nas formulações de várias poções mágicas
e curandeiras, sobretudo para o tratamento de febres, como na malá-
ria. Seu uso nos meios médicos está bem descrito no final do século
XVIII e no século XIX, com a particularidade de que a pereirina teria
sido o primeiro alcalóide isolado no Brasil, em 1838.24 Farmacêuticos e
boticários, como Gustavo Peckolt (1861-1923), consideravam a casca
do pau pereira uma das dez plantas medicinais mais importantes; seu
uso popular no século XIX era amplamente difundido.25
Outro aspecto do uso do rapé, além das circunstâncias que envol-
vem tal uso e dos seus componentes, é o tipo de sopro executado pelo
aplicador. Os Yawanawas utilizam vários tipos de sopro em quase todos

22 ALMEIDA, 2007.
23 Substâncias que dificultam a ação das enzimas acetilcolinesterase e butirilcolinesterase, que degradam a
acetilcolina, inibindo assim os destruidores desse neurotransmissor, aumenta-se a função, o funcionamento
das vias cerebrais chamadas colinérgicas.
24 ALMEIDA, 2007.
25 ALMEIDA, 2007.

42 RUME (RAPÉ)
os rituais, inclusive sobre as poções a serem ingeridas, como o Huni, que
é soprado pelo pajé. Há também os sopros sobre o corpo, em especial
sobre o peito e a cabeça dos que estão recebendo o trabalho. No caso
do rapé, soprado por via nasal, o tipo de sopro ganha uma relevância
ainda maior. Esse é também um assunto sobre o qual os Yawanawas
têm muita cautela na divulgação e que evitam comentar, mas parece
haver pelo menos três tipos de sopro, que, possivelmente, seguem uma
padronização, como nos apitos de guardas de trânsito. No caso do uso
do rapé, um sopro prolongado com final súbito – um silvo longo – fun-
cionaria para induzir estados mais meditativos; um sopro forte e curto
– um  silvo curto – funcionaria para privilegiar estados de prontidão;
o  sopro longo e forte estaria relacionado a intervenções mais diretas
sobre o pensamento.
O assunto é bastante hermético e de difícil averiguação; o certo
é  haver uma sistemática tecnológica simbólica da prática dos sopros
em vários rituais, em especial na aplicação do rapé. O sopro é um com-
ponente da ritualística, ao qual os Yawanawas dedicam todo o respeito
e importância.
Convém ressaltar que, apesar de ser incomparavelmente menos
danoso à saúde que o hábito de fumar cigarros de tabaco, o rapé é
a  única das substâncias apresentadas aqui, que, segundo pesquisas
científicas, pode causar vínculos de dependência e apresenta potencial
de  abuso, devido à presença da nicotina. Esse risco é bem conhecido
pelos ameríndios e aparece em inúmeras histórias das mais variadas
etnias, como na Ku˜i Dume Tenemi, ou Fumaça do tabaco, relatada pelos
índios Kaxinawas, que começa assim:

Tekã Kuru, um jovem como nós, fez um rapé de tabaco muito forte,
o mais forte que tinha. Então, ele tomou o rapé. Pegou o canudo
de taboca, botou o tabaco na mão e aspirou. Ficou bêbado e passou

RUME (RAPÉ) 43
um ano na rede, ali deitado. Por isso que hoje em dia o tabaco é forte.
Passou um ano curtindo.
Tekã Kuru tinha uma esposa. Enquanto ele ficou de porre de tabaco,
sua mulher sempre andava para lá e para cá. Até que começou
a  namorar com outro cara. Ela começou a ir muito ao roçado. Às
vezes, quando voltava, trazia um nambu. Botava na caçarola de barro
e caía depois na rede. Fazia que dormia e ficava rosnando como se
tivesse pesadelo.26

Histórias como essa, transmitidas desde tempos imemoriais pela tra-


dição oral, ensinam e avisam sobre os riscos de um uso excessivo, ou
um possível abuso na utilização do rapé, que pode fazer a pessoa descui-
dar de suas obrigações do dia a dia.
Os Pataxós chamam o vasilhame para guardar o rapé, que pode ser
um chifre ou outro utensílio, de “caixinha de bem-querer”, denotando,
de forma satírica, a relação afetiva que se estabelece com esse psicotró-
pico. Entre os Yawanawas, porém, o uso do rapé encontra-se totalmente
associado ao trabalho espiritual, ao esclarecimento e ao uso medici-
nal. O rapé é considerado um dos maiores e mais importantes recur-
sos medicinais, nas mais variadas situações em que a doença, o sofri-
mento, decorre da interferência de algum dos espíritos da cosmologia
yawanawa. Portanto, para agir, para atuar sobre o enfermo, para o exer-
cício da pajelança, o rapé é considerado uma ferramenta indispensável,
não estando, de forma alguma, associado ao uso recreativo ou mera-
mente repetitivo.
O rapé, entre os Yawanawas, é utilizado, juntamente com o Huni,
que se verá a seguir, como um recurso privilegiado, um auxílio, um apoio,
ao qual se deve recorrer para se obter o transe, na grande maioria das
situações difíceis, sejam individuais ou coletivas – divisão esta também
encarada de forma bastante peculiar e distinta da nossa.

26 ORGANIZAÇÃO DOS PROFESSORES INDÍGENAS DO ACRE, 2000, p.41.

44 RUME (RAPÉ)
HUNI (AYAHUASCA)

Huni é como é chamada pelos Yawanawas a tradicional bebida


sagrada amazônica, utilizada por dezenas de povos de variadas etnias
e conhecida amplamente pelo nome de ayahuasca.
Além de sua utilização tradicional por inúmeros povos indígenas
em toda a Amazônia e seu entorno – como os Kaxinawás, Yaminawas,
Sharanawas, Ashaninkas, Machiguenga, e os Airo-pai (Tukano)27 –,
em um território amplo que envolve países como Brasil, Peru, Equador,
Colômbia, Bolívia, o ayahuasca passou a ser utilizado sistematicamente
também por grupos urbanos ou rurais de não indígenas, em religiões
chamadas hoasqueiras, incluindo o Santo Daime, a Barquinha e a União
do Vegetal, surgidas e difundidas ao longo do século XX.28
Com o nome ayahuasca, podem ser encontradas algumas varia-
ções na  formulação desse chá sagrado. Em geral, considera-se como
ayahuasca todas as bebidas formuladas a partir do cipó que leva o
mesmo nome – e que também é conhecido como jagube, yagé ou mariri
– o Banisteriopsis caapi ou Banisteriopsis spp.

27 LUZ, 2002.
28 LABATE & ARAÚJO, 2002.

H U N I ( A YA H U A S C A ) 47
A maioria das formulações de ayahuasca utiliza uma das espécies
do cipó Banisteriopsis – tendo duas principais variações, o tucunacá
e o caupuri, com inúmeras sinonímias, como ourinho, pajezinho, que-
brador – associado às folhas do arbusto chamado rainha ou chacrona,
a Psychotria viridis.
A tradicional formulação yawanawa, transmitida oralmente por
incontáveis gerações, é essa: nada além do Banisteriopsis caapi, a Psychotria
viridis e uma determinada dose do elemento fogo e do elemento água.
Fazem questão de deixar claro que não utilizam formulações de outros
povos, mantendo-se fiéis ao preparo ancestral.
Os Yawanawas, mesmo sendo tradicionais coletores dessas espé-
cies na floresta, cultivam esses dois vegetais em um sistema tradicio-
nalmente agroflorestal, no qual plantam no meio da floresta, preser-
vando-a, de forma associativa, sem retirar as árvores, apenas abrindo
espaço no sub‑bosque para a presença da Psychotria e do Banisteriopsis.
Cultivam uma espécie de Psychotria que trazem consigo desde tempos
imemoriais e fazem questão de sempre replantá-la, mesmo que as outras
Psychotrias plantadas por inúmeros povos sejam da mesma espécie que
as plantadas por eles e possuam a mesma força ou, melhor dizendo, a
mesma luz, pois atribuem sobretudo às folhas as visões, mirações que se
apresentam durante os rituais com seu uso.
O cacique Bira conta que eles trouxeram mudas para a aldeia velha
desde muitas gerações atrás, quando fizeram a migração para o lugar
em que estão. Quanto a essa migração, ele conta que os Yawanawas
sempre foram muito guerreiros e preferiram morar em lugares altos; não
tinham, portanto, o costume de morar em beira de rio e não o utilizavam
como meio de transporte, deslocando-se sempre em grandes caminha-
das. Houve, porém, uma guerra, há muitas gerações, com uma gente sem
nome (cada gente, nawas, tem seu nome: os Kaxinawas, os Yawanawas,
Kuntanawas, Poyanawas etc.; essa gente, porém, não tinha nome).

48 H U N I ( A YA H U A S C A )
Foi uma guerra tão terrível, que, se os Yawanawas não fizessem a migra-
ção, todos iriam morrer, e o povo yawanawa iria acabar. Resolveram
então migrar e caminharam durante muito tempo, vindo de terras
bem altas, e instalaram-se na região onde até hoje existe a aldeia velha.
Vieram replantando as mudas da Psychotria ao longo de toda a jornada,
até se fixarem no lugar em que estão.
Essa migração teria ocorrido em tempos remotos, muito antes
do  contato com os brancos, que aconteceu há apenas duas gerações,
tendo como personagem fundamental o avô de Bira. Ele conta que
o primeiro homem a fazer contato com o branco foi seu avô, quando
ainda era muito novo, quase um menino. Os brancos chegaram pelo rio,
hoje chamado Gregório, mas, bem antes de chegarem perto da aldeia,
os índios já se haviam refugiado na floresta, com receio do que poderia
ser aquilo. Seu avô resolveu chegar perto e viu que os brancos estavam
indo embora. Eram pessoas muito estranhas, porque estavam com o
corpo coberto, enrolado em panos. Seu avô encontrou uma cuia com
farinha deixada pelo branco como um presente e a levou para os índios
mais velhos; eles disseram que a farinha poderia estar envenenada e a
jogaram fora; depois, lavaram muito bem a cuia, para tirar um possível
veneno, e então poderem usá-la novamente.
Os brancos voltaram outras vezes. O avô de Bira disse aos mais
velhos da tribo que queria aproximar-se dos brancos; daí os índios chei-
raram rapé bem forte para decidir e disseram que um contato iria mudar
a história deles para sempre e que haveria coisas boas e coisas ruins.
O avô de Bira entrou em contato então com os brancos. Eles con-
versaram e deram para ele um facão muito bom. Depois, o avô de Bira
foi até o barracão dos brancos para conhecê-los melhor, e eles lhe deram
o nome de Antônio, e o dono do barracão tirou uma caixa de ferro,
abriu-a e tirou de dentro uma espingarda, um Parabelo. Para Antônio
ver e  aprender, montou o Parabelo direitinho, colocou as balas e deu

H U N I ( A YA H U A S C A ) 49
um tiro. Ele tomou o maior susto de sua vida. Depois, o dono do bar-
racão desmontou o Parabelo, o guardou direitinho na caixa e o deu
para Antônio, dizendo: agora é seu. Antônio levou o Parabelo para a
aldeia, chegou lá com aquela caixa de ferro, abriu-a, montou o Parabelo
direitinho, igual ele tinha visto o branco fazer, prestando muita atenção,
depois colocou bala, apoiou com dificuldade aquele Parabelo, porque
era meio grande para ele, que era ainda quase uma criança, mirou em
uma árvore e deu um tiro para os índios verem. Os índios todos ficaram
muito admirados com aquilo, e os velhos disseram para Antônio, que a
partir daquele momento, ele é que conduziria o povo yawanawa; assim
ele se tornou cacique e depois pajé.
Começaram então esses tempos para os Yawanawas. Quando Antônio
estava para morrer, pediu para ser enterrado em um novo cemitério, que
não o cemitério de seus antepassados, e marcou esse novo lugar, mais pró-
ximo da aldeia velha, onde havia muito Muka, e disse para eles nunca
deixarem de usar o rapé, o Huni e o Muka. Ao redor desse local, há uma
grande plantação de centenas de pés de Psychotria e muitos pés de Muka
nativos.
O uso do Huni acontece em rituais específicos, durante os quais seu
consumo fica franqueado aos participantes. Serve-se uma dose inicial
típica para todos, no início dos trabalhos; a partir daí, o consumo é esta-
belecido individualmente, podendo-se repetir a dose muitas vezes ou ficar
apenas com a primeira.
Nos trabalhos com Huni, canta-se um conjunto de cânticos sagrados
yawanawas, numa sequência estabelecida, e que vai sendo repetida inúme-
ras vezes. Todos podem cantar. Em geral, há alguém entoando os cânticos,
dando andamento e ritmo ao trabalho, mas todos podem acompanhar
as músicas, podem dançar, ficar sentados ou até mesmo deitar. Os cânti-
cos eventualmente podem ser acompanhados por instrumentos musicais,
introduzidos pelo encontro com a cultura branca, principalmente o violão.

50 H U N I ( A YA H U A S C A )
O trabalho com o Huni consegue, ao mesmo tempo, ser estruturado,
dando aos participantes a segurança de que as coisas estão sendo bem
conduzidas, e, por outro lado, oferecer liberdade e autonomia absolu-
tamente distintas das oferecidas nos rituais religiosos, como o Santo
Daime.
Há uma infinidade de rituais relacionados ao uso do ayahuasca, e seu
estudo remonta a publicações do século XIX, como a referência à famí-
lia Malpighia, à Malpighiaceae, da qual o Banisteriopsis é representante,
em Geografia de la Republica Del Ecuador, de Manuel Villavicencio,
de 1858.29 Nesse texto, Villavicencio constata o uso do aya-huasca (pala-
vra originária do idioma quéchua, traduzida por corda dos mortos ou
dos espíritos) entre os Zaparos, Santa Marias, Mazanes e Angutéros.
Relata-se aí o uso para fins de contato com as divindades, para
encontrar respostas em situações difíceis, resolver questões de guerra,
descobrir planos dos inimigos e tomar providências de ataque e defesa,
além de descobrir o que está adoecendo alguém que caiu enfermo,
e finalmente, certificar-se do amor das esposas.
O relato da experimentação do “narcótico” fala da sensação de nadar
e depois viajar pelo ar, com visões de lugares distantes, cidades, torres,
lindos recantos e outras delícias, ao mesmo tempo em que, subitamente,
pode-se ser levado a crer que se é atacado por feras selvagens. Há ainda
relatos de sonolência, cefaleia, náuseas.
No clássico texto de Richard Spruce – um dos grandes explorado-
res da Inglaterra vitoriana, que passou cerca de quinze anos percor-
rendo rios da Amazônia, desde os Andes até a foz – Notes of a Botanist
on the Amazon & Andes...30, de 1908, encontra-se a descrição do uso
do  ayahuasca entre os índios Tucanos, em Uaupés. Spruce descreve o
preparo e o manejo do cipó aya-huasca, com sua cor marrom-esverdeada
29 SCHLEIFFER, 1973.
30 SCHLEIFFER, 1973.

H U N I ( A YA H U A S C A ) 51
e seu sabor desagradável. Relata uma cerimônia da qual participou com
umas 300 pessoas – todos homens, já que o uso é descrito como inter-
ditado às mulheres e crianças –, na qual, ao longo da noite, tomava-se
ayahuasca umas cinco ou seis vezes, no intervalo entre as danças. Spruce
também relata efeitos e sensações maravilhosas, com uma percepção
de tudo o que já se ouviu e leu, incluindo o caso de um amigo seu, bra-
sileiro, que, ao tomar uma grande dose, pôde ver passar diante de seus
olhos tudo o que estava escrito nas Mil e uma noites (Arabian nights), mas
sempre com mudanças repentinas para algo horrível.
Conrad Vernon Morton, em seu Notes on Yagé, a drug Plant
of  Southeastern Colômbia31, de 1931, também relata o uso de Yagé
em  Iquitos, Peru, com a presença de visões cinematográficas, esta-
dos de insensibilidade e anestesia, possibilidade de ver os sonhos com
extraordinária precisão e clareza, capacidade de ver objetos no escuro.
Morton diz que, talvez, essa planta possa desenvolver as faculdades psí-
quicas, e que em 1919, o Dr. Zerda Bayon, especialista em química de
plantas, nomeou o cipó como Telepatina.
Ara H. Der Mardarosian et. al., em seu The Use and Hallucinatory
Principles of a Psychoactive Beverage of tha Cashinahua Tribe (Amazon
Basin)32, de 1970, relatam o uso do ayahuasca, nixi pae entre
os Cashinahuas, divisa do Brasil com o Peru, com a finalidade de conhe-
cer o futuro ou o passado e aprender com coisas, pessoas ou eventos
distantes no tempo ou no espaço.
Fernando Cabieses, em Plantas mágicas del Peru primigenio33, ressalta
que a primeira comunicação sobre o uso de ayahuasca nas Américas
aconteceu numa carta ao Santo Ofício da Inquisição, remetida pelo
Padre Valverde, capelão das forças de Pizarro, conquistador espanhol

31 SCHLEIFFER, 1973.
32 SCHLEIFFER, 1973.
33 CABIESES, 1987.

52 H U N I ( A YA H U A S C A )
que dominou o Peru, subjugando o império inca em 1532‑1533.
Nessa carta, Valverde menciona os poderosos efeitos diabólicos
do  ayahuasca. Cabieses descreve os efeitos a partir do alcalóide har-
mina, do Banisteriopsis caapi, sendo tal alcalóide um inibidor da mono-
aminoxidase (IMAO) e, portanto, desativando essa enzima que degrada
as monoaminas, podendo, assim, aumentar, no sistema nervoso central,
importantes neurotransmissores, as monoaminas, como a serotonina,
a noradrenalina, a dopamina. Cabieses percebe, no entanto, que isso
não explicaria os efeitos de alterações da senso-percepção, chamados
alucinógenos, ou mesmo, enteógenos34, explicados por outro alcalóide,
a dimetiltriptamina – DMT, contida na Psychotria viridis, o outro com-
ponente do chá sagrado.
Esses dois componentes apresentam, assim, uma extraordinária inte-
ração química, sobretudo se pensarmos na escolha desses dois vegetais
para compor uma bebida, no contexto da infinidade de espécies presen-
tes na floresta amazônica. É que a Psychotria viridis contém o alcalóide
N,N-Dimetiltriptamina (DMT), um potente indutor dos chamados
estados extraordinários de consciência. Ele é uma monoamina rapida-
mente degradada no organismo humano pela enzima monoaminoxidase
(MAO), que não permite que os efeitos enteógenos dessa substância
se realizem. Encaixa-se então aí o papel fundamental do Banisteriopsis
caapi, que, possuindo derivados beta-carbolínicos, os alcalóides harmina,
tetrahidroharmina e harmalina, que são inibidores da monoaminoxidase
(IMAO), inativam essa enzima, permitindo que o DMT possa realizar
seus efeitos psicotrópicos. Isso com o requinte bioquímico de que a har-
malina/harmina é um inibidor reversível de monoaminoxidase; se fosse
irreversível, traria grandes riscos à saúde de seus usuários, dependendo
do consumo de tiramina deles, pois o acúmulo dessa outra monoamina,

34 Ver explicação dessa terminologia adiante.

H U N I ( A YA H U A S C A ) 53
tiramina, presente em diversos alimentos, pode causar sérios danos
a  saúde. Além de sua ação fundamental junto ao DMT, esse efeito
IMAO aumenta a presença e atuação de inúmeros neurotransmissores,
como a serotonina, noradrenalina e dopamina. É por isso que laborató-
rios multinacionais lançaram no mercado mundial de antidepressivos
medicamentos que possuem exatamente o mesmo efeito: serem inibi-
dores reversíveis da monoaminoxidase.
Enquanto isso, os Yawanawas seguem fazendo seu preparo e uso
milenar do Huni, essa tecnologia intuitiva, socialmente justa e adequada,
e ambientalmente sustentável, para produzir agregação social e cuidado
entre os membros de seu povo, mantendo independência e autonomia
tecnológica.
Os usuários de ayahuasca, entre outras substâncias psicoativas de uso
tradicional, fazem questão de esclarecer que os termos mais apropriados
para definirem com justiça suas vivências decorrentes do uso de tais
substâncias são “estados extraordinários de consciência”, em substituição
a estados alterados de consciência – que denota uma situação maléfica,
prejudicial ou doentia – e, “vivências enteógenas”, em substituição a alu-
cinógenas – termo fortemente associado à loucura e perda de contato
com a realidade. Em relação ao termo enteógeno, vale citar um trecho
de Goulart, Labate e Carneiro:

Aliás, um dos termos propostos para designar as substâncias psico-


ativas é enteógeno. A expressão vem do grego e foi cunhada por
Gordon Wasson (Ruck, Bigwood, Staples, Ott e Wasson, 1969) para se
referir às plantas que são usadas como meio de se atingir um contato
com o mundo espiritual e com os seres divinos. A designação ente-
ógeno é adotada por alguns estudiosos, aparecendo em alguns arti-
gos desta coletânea, na medida em que ela se opõe ao termo “aluci-
nógeno”, o qual, remetendo à idéia de “alucinação”, tenderia a reduzir
as experiências baseadas no uso de substâncias alteradoras da cons-
ciência a uma percepção falsa e ilusória da realidade – associando-as,

54 H U N I ( A YA H U A S C A )
muitas vezes, a casos patológicos –, além de enfatizar apenas as alte-
rações perceptivas, em detrimento daquelas afetivas e intelectivas,
que também caracterizam os efeitos dessas substâncias.35

Por razões similares é que proponho aqui falar em substâncias modu-


ladoras da consciência, em lugar de alteradoras da consciência, por estar
esta última expressão carregada de uma conotação pejorativa, de pertur-
bação mental. Proponho ainda falar em estados extra-ordinários de cons-
ciência, em lugar de estados alterados de consciência, expressão também
portadora de conotação negativa. A expressão “estados extra-ordinários
de consciência” traz a vantagem de evidenciar o fato de que, antes de
tudo, trata-se, nessas experiências ou vivências, de superar ou modular
a experiência que vivemos ordinária-mente, cotidiana-mente, viabili-
zando ou acessando a extra-ordinária-mente de cada um.
Os usuários dessas substâncias afirmam que permitiriam não uma perda,
mas um aumento da superfície de contato com a realidade, a ponto de abrir
a percepção para novas realidades embutidas, ignoradas ou escamoteadas
nos estados ordinários de consciência cotidiana. Outro efeito muito rela-
tado e buscado pelo uso de ayahuasca é o aumento da criatividade, pelo
qual seu uso está associado a uma enormidade de artistas, como os escrito-
res americanos William Burroughs e Allen Ginsberg. Burroughs, uma das
grandes referências literárias da contracultura, em seu livro Junkye, anuncia
sua busca pelo Yage, um dos nomes da ayahuasca:

Andei lendo sobre uma droga chamada yage, usada pelos índios da
nascente do Amazonas. Dizem que ela aumenta a sensibilidade tele-
pática. Portanto, resolvi me mandar pra Colômbia em busca do puro
barato que expande a mente, ao contrário da heroína, que a estreita.
Talvez eu descubra no yage o que andava procurando na heroína, na
maconha, na coca. Yage talvez me dê o barato definitivo.36

35 GOULART, LABATE & CARNEIRO, 2005, p.31.


36 BURROUGHS & GINSBERG, 2008, p.09.

H U N I ( A YA H U A S C A ) 55
Burroughs, de Putomayo – Colômbia, escreve a seu amigo Ginsberg
sobre suas primeiras experiências com ayahuasca, em abril de 1953:

Em dois minutos, uma onda de tontura me arrebatou e a cabana


começou a girar. Era como cheirar éter ou, quando você está muito
bêbado, deita e a cama gira. Brilhos azuis passavam em frente a meus
olhos. A cabana tinha um aspecto arcaico do Pacífico longínquo, com
cabeças da Ilha da Páscoa cravadas nos postes. O assistente estava
lá fora, escondido, com a óbvia intenção de me matar. Fui atingido
por uma náusea súbita e violenta e corri para a porta, batendo o
ombro no umbral. Senti o choque, mas não senti dor. Mal conse-
guia caminhar. Sem coordenação. Meus pés eram como blocos de
madeira. Vomitei violentamente, encostado numa árvore, e caí no
chão, miseravelmente desamparado. Tentei sair daquela tontura
entorpecedora.37

Sete anos mais tarde, em 1960, será a vez do poeta da geração beat,
Allen Ginsberg, escrever, de Pucallpa – Peru, ao amigo Burroughs, rela-
tando vivências com ayahuasca:

Tomei uma xícara: a mistura estava um pouco velha, tinha sido feita
há muitos dias e um pouco fermentada também; deitei-me e depois
de uma hora (numa choça de bambu, fora de sua cabana, onde
ele cozinha) comecei a ver ou sentir o que pensei ser o Grande Ser,
ou alguma de suas manifestações, aproximando-se da minha mente
como uma grande e úmida vagina, onde fiquei por um tempo, a única
imagem que posso recriar é de um grande buraco negro do Deus-
Nariz, através do qual vi um mistério – e o buraco negro cercado por
toda a criação, especialmente cobras coloridas – tudo real.
(...)
No início, comecei a me dar conta que a minha preocupação com
os mosquitos e o vômito era idiota, já que era uma questão de vida
ou Morte – Senti-me encarado pela Morte, minha caveira na minha

37 BURROUGHS & GINSBERG, 2008, p.43-44.

56 H U N I ( A YA H U A S C A )
barba num catre no pórtico, rolando para frente e para trás e final-
mente parando, como que reproduzindo o último movimento que
faço antes de estabelecer a morte real – senti náusea, corri para fora
e  comecei a vomitar, todo coberto de cobras, como um Serafim-
Cobra, serpentes coloridas numa auréola ao redor do meu corpo,
senti-me como uma cobra vomitando o universo, ou um jívaro de
cocar com dentes de cobra vomitando ao compreender o Assassinato
do Universo – minha morte por vir – a morte de todos por vir – nin-
guém está preparado – eu não estou preparado – ao meu redor, nas
árvores, o barulho desses animais espectrais, os outros bebedores
vomitando (parte normal das sessões de Cura) na noite de sua hor-
rível solidão no universo – vomitando sua vontade de viver, de ser
preservado neste corpo, quase – Voltei e me deitei – Ramon veio sua-
vemente como uma enfermeira (ele não tinha bebido, é uma espécie
de ajudante para auxiliar os sofredores) e perguntou-me se estava
bem e “bien mareado” (bem bêbado) – eu disse “bastante” e voltei
para ouvir o  espectro que se aproximava da minha mente. Toda a
cabana parecia rajada de presenças espectrais, todas sofrendo trans-
figurações pelo contato com uma coisa misteriosa que era nosso
destino e que, mais cedo ou mais tarde, nos mataria –
(...)
mas entrar no quê? – Morte? – e naquele momento – vomitando,
sentindo-me ainda como um Grande e perdido Anjo-Serpente
vomitando na consciência da Transfiguração por vir – com o senso
radiotelepático de um Ser cuja presença não senti completamente
– tão terrível para mim, ainda aceitar o fato da comunicação total
com, digamos, qualquer serafim eterno, macho e fêmea ao mesmo
tempo – e eu, uma pobre alma perdida buscando ajuda – bem,
vagarosamente a intensidade começou a diminuir, fiquei incapaz
de me mover em qualquer direção, espiritualmente – sem saber
quem procurar ou  o que procurar – sem confiança para perguntar
ao Maestro – apesar de que, na visão da cena, dentre todos era ele o
guia espiritual local lógico a quem recorrer – levantei e sentei a seu
lado (como Ramon sugeriu suavemente) para ser “assoprado” – isto é,
ele cantarola para curar a tua alma e assopra fumaça – uma presença

H U N I ( A YA H U A S C A ) 57
bastante confortadora, apesar de que agora o medo mais profundo
tenha passado –
(...)
Ó SINO DO TEMPO, SOAI VOSSA
MEIA-NOITE PELA BILIONÉSIMA
SOANTE VEZ, EU OUÇO NOVAMENTE!38

A essa carta, respondeu Burroughs:

Querido Allen:
Não há nada a temer. Vaya adelante. Olha. Escuta. Ouve. Tua consciên-
cia ayahuaski é mais válida que a “consciência normal”? “Consciência
Normal” de quem? Porque voltar a ela? Por que está surpreso em
me ver? Você está seguindo meus passos. Conheço vosso caminho.
Sim, conheço a área melhor do que você pensa. Tentei contar a você
mais de uma vez, comunicar o que sei. Você não ouviu, ou não conse-
guiu ouvir. “Não se pode mostrar a alguém algo que essa pessoa não
viu.” Hassam Sabbah citado por Bryon Gysin.39

Faço questão de reproduzir esses longos trechos de cartas, por reco-


nhecer neles uma síntese de muitos temas que reencontrei na experiên-
cia com Huni/ayahuasca com os Yawanawas.
As cerimônias das quais pudemos participar na companhia desse
povo aconteciam em um grande terreiro, separado do espaço de habita-
ção da aldeia. Ali, abrigados em um “chapéu de palha”, típica biocons-
trução yawanawa, com dois andares de madeira e palha de coqueiro,
um  fogo central, os trabalhos perduravam ao longo de toda a noite.
Todos podiam acomodar-se livremente, amarrando suas redes nos tron-
cos que sustentam a estrutura ou estendendo panos pelo chão de terra

38 BURROUGHS & GINSBERG, 2008, p.80-89.


39 BURROUGHS & GINSBERG, 2008, p.89.

58 H U N I ( A YA H U A S C A )
batida, para sentar ou deitar; sentavam-se também em bancos que fazem
a roda ao longo de toda essa espécie de grande quiosque ou maloca.
Participam dos rituais noturnos com Huni homens e mulheres,
desde bem jovens, mas não as crianças. Muitos estão ali com suas pin-
turas de grafismos corporais, símbolos cifrados em traços vermelhos
e negros, feitos de urucum e genipapo, verdadeiros ideogramas de uma
milenar escrita exclusivamente corporal yawanawa. Trazem também
belos colares, cocares de plumas e penas de inúmeras aves, pulseiras,
maracás e outros adereços, sobretudo para prender os longos cabelos
negros femininos. Os cocares, que impressionam por sua beleza, servem
de instrumento de auxílio no voo espiritual; por essa razão, as penas
mais buscadas e preciosas dependem também da altura do voo das aves,
como as penas dos gaviões. Alguns adereços com pele de cobra tam-
bém são importantes auxiliares no contato com essa outra dimensão,
pois eles acreditam que cobras, como a jibóia e a cobra grande sucuri,
são grandes professoras sobre as coisas do mundo espiritual. Pode-se
constatar, no entanto, que todos esses adereços e amuletos estão longe
de ter uma importância principal, quando observarmos a simplicidade
e espontaneidade de Yawaraní, ou simplesmente Yawá, pajé mais idoso
e respeitado da aldeia, que, do alto de seus mais de noventa anos, acom-
panha todo o ritual ao longo de noites e dias inteiros, em geral seminu e
sem qualquer adereço, além de suas pinturas corporais.
Estando todos acomodados, o cacique Bira abre os trabalhos com
orientações e recomendações, e começam a servir o Huni, em filas sepa-
radas para homens e mulheres. Pajés e lideranças da aldeia vão ofere-
cendo a cada um a dose para começar o trabalho, sempre realizando uma
encomenda para um trânsito seguro entre os mundos, por meio do sopro
de boas intenções no copo que vai ser bebido. Começam em seguida
danças e cantos na língua yawanawa, ao redor de um fogo central com
algumas ervas aromáticas. A partir desse momento, o uso do  Huni é

H U N I ( A YA H U A S C A ) 59
determinado por cada um para si próprio, bem como o lugar que se
assume na roda; a postura – mais ativa ou simplesmente deitada – é uma
descoberta pessoal.
O uso do Huni envolve os aspectos de aprendizagem, de purificação,
de tratamento, de oráculo.
Como oráculo, pode-se tomar a bebida e fazer uma consulta à enti-
dade. Diante das mais variadas decisões a serem tomadas, na “força”
do Huni, pode-se encontrar um entendimento tanto em assuntos pes-
soais como nos comunitários.
O aspecto da purificação está presente pela capacidade de o Huni
provocar vômitos e diarreia somente naqueles que estão precisando,
segundo a avaliação do próprio Huni. Por isso mesmo é que apenas
algumas pessoas do grupo sofrerão os efeitos de náuseas, vômitos e diar-
reia, assim como uma mesma pessoa sentirá esses efeitos em uns traba-
lhos e em outros não.
O aspecto de tratamento é bem mais amplo do que simplesmente
a purificação, sendo o Huni um dos grandes capítulos da medicina tra-
dicional yawanawa, que envolve a origem e a formação na cosmologia
desse povo das doenças, sejam físicas ou espirituais, divisão que certa-
mente está inteiramente distante da nossa maneira de definirmos o que
seja doença física. Por exemplo, uma noite, ao chegarmos à casa do caci-
que Bira, após um dia de trabalhos espirituais na aldeia sagrada, seu filho
mais novo, ainda bebê, passa a apresentar vômitos de repetição e febre
persistente. Preocupados com a criança, com uma possível desidratação,
fomos conversar com Bira, oferecendo-nos ajudar em algo, já que havia
dois médicos no grupo. Bira então nos explica, com muita serenidade,
que, nesse caso, um dos índios que estavam nos ajudando nos trabalhos
na aldeia sagrada ao longo do dia havia chegado e abraçado a criança
ao vê-la, sem ter antes tomado as medidas necessárias para limpar-se
do tipo de trabalho que fizemos. Como seu filho era sensível a essas

60 H U N I ( A YA H U A S C A )
energias espirituais, passou a estar adoecido logo em seguida; portanto,
não havia nada que pudéssemos fazer como médicos, pois não se tratava
de um problema físico. Ele mesmo iria tomar as medidas para cuidar
de seu filho, pois, sendo pajé, a responsabilidade era sua – nem mesmo
a mãe poderia ajudar muito. Em outro momento, um jovem francês
que estava visitando a aldeia, apresentando diarreia intensa, febre e fra-
queza com desidratação, é tratado como tendo um problema físico, com
o sumo das folhas maceradas de uma planta que interrompe a diarreia,
com reposição hidroeletrolítica com chás e dieta branda.
O Huni como tratamento é utilizado em incontáveis circunstâncias,
tanto por quem está adoecido quanto por quem está tratando do ado-
ecido, estando inequivocamente em uma função que podemos chamar
de produção de cuidado.40 Nesse sentido, o Huni faz parte do arsenal, dos
recursos tecnológicos da tradicional medicina yawanawa. É um recurso
que demonstra sua potência por participar, simultaneamente, dos três
registros tecnológicos para a produção de cuidado, como tecnologia
leve, leve-dura e dura.41 Isso porque, ao mesmo tempo, é representante
de uma tecnologia dura, como o chá fabricado pela receita tradicional,
mas também portador de uma tecnologia leve-dura, pois há todo um
conjunto de saberes estruturados quanto às indicações e às formas de se
usar o Huni, e ainda uma função de tecnologia leve, pois é utilizado
nitidamente para estabelecer e ampliar o campo relacional do adoecido
com o curandeiro, com o mundo e consigo mesmo.
Quanto ao aspecto de aprendizagem, o Huni é ainda mais amplo,
pois seu uso envolve a aprendizagem sobre si mesmo – nesse sentido,
misturam-se aqui os aspectos aprendizagem/tratamento, pois funciona
como um equivalente ao que poderíamos considerar psicoterapia como
40 Para uma discussão sobre a dimensão cuidadora, para além da clínica, ver MERHY, 2002.
41 Emerson Merhy traz, para discutir o trabalho vivo em ato na saúde, o tema das tecnologias leves, como
sendo as relacionais; leve-duras, como sendo os saberes estruturados; e duras, como sendo os instrumentos e
recursos materiais. Ver MERHY, 2002.

H U N I ( A YA H U A S C A ) 61
conhecimento de si –, a aprendizagem sobre os aspectos do mundo espi-
ritual – como as coisas funcionam ou poderiam funcionar, como relacio-
nar-se com as entidades para obter ajuda, proteção ou recuperação – e
a aprendizagem geral sobre as coisas da vida, no sentido de proporcionar
um ponto de vista privilegiado sobre o mundo e o viver, nesse aspecto
aproximando-se do cuidado de si, como produção de si no mundo.42
Ocasionalmente, em meio ao ritual de Huni, ocorre de realizar-se
algum rito “diplomático”, como a acolhida de visitantes, sejam lide-
ranças de outros povos indígenas, sejam representantes do governo ou
da FUNAI43, ou uma entrega de cocares a diretores da Google,44 que
vieram à aldeia buscando parcerias. Nessas ocasiões, o cacique faz um
ato de boas-vindas, e os visitantes também se manifestam.
No contato que tive com o Huni, mesmo tendo mais de quinze
anos de experiência de uso do Santo Daime, fui surpreendido pelas
vivências e mirações proporcionadas, seja pela especificidade da bebida
yawanawa, seja por todo o contexto em que estava. Comparativamente,
penso que, entre tantos aspectos muito preciosos e relevantes do Santo
Daime, um deles é a forma bastante estruturada em que o ritual se dá.
Isso parece estar feito como uma nítida medida de segurança para todos
os participantes, de maneira que todo aquele ambiente extremamente
familiar que encontramos no Santo Daime – com suas formalidades
no jeito de  vestir-se, de portar-se, de participar, com seu sincretismo
fortemente habitado pela simbologia cristã – permite que nós, partici-
pantes ocidentais, possamos reconhecer elementos de nossos territórios
existenciais e sentir-nos menos ameaçados. Isso diante de uma infini-
dade de acontecimentos que se sucedem nas sessões com ayahuasca,

42 Para uma discussão sobre o cuidado de si como produção de si no mundo, para muito além do conhecimento
de si, ver FOUCAULT, 2004.
43 Fundação Nacional do Índio, órgão federal responsável pela política indigenista brasileira.
44 Google Inc., empresa norte-americana multinacional de serviços on-line e software.

62 H U N I ( A YA H U A S C A )
envolvendo, como bem representou Allen Ginsberg em sua capacidade
poética, um enfrentamento até mesmo com a própria morte. Ora, o
termo aya-huasca pode ser traduzido como “corda dos mortos”, e não
só por uma possível e provável leitura de que se está referindo aí à pers-
pectiva de um  encontro com os antepassados, mas também porque o
ayahuasca permitiria um encontro com o próprio morrer. O que se pode
experimentar é o que Allen Ginsberg conta, quando percebeu que sua
preocupação com moscas e vômito já não fazia nenhum sentido, porque
era de uma questão de vida ou morte que se tratava.
Alguma ameaça de vida, que, ao se aproximar, pareça bem real, cria
um campo de “transvaloração de todos os valores”45, algo como naque-
las histórias que se conta de alguém que, ao passar por um grave pro-
blema de saúde, acabou repensando e mudando sua vida. Claro que não
há nenhuma garantia de que isso vá ocorrer, nem no caso do moribundo
que recuperou sua saúde, nem no uso do ayahuasca. No entanto, há uma
possibilidade colocada, quando se está passando por um momento trá-
gico e vem a lembrança de algumas preocupações cotidianas capazes
de provocar profundo aborrecimento, como uma filha que tomou recu-
peração em matemática; então, de repente, isso ter provocado sofri-
mento parece algo absolutamente estúpido.
São inúmeras as situações em que o ayahuasca proporciona um dis-
tanciamento de si próprio, um ponto de vista estrangeiro de si mesmo,
permitindo um movimento de pensamento bem próximo do que Deleuze
denomina “desterritorialização”46. Muitas dessas situações são relacio-
nadas ao medo, aos próprios medos. Suely Rolnik, em sua Cartografia
sentimental,47 faz uma categorização dos medos essenciais, destacando

45 Para uma discussão sobre o conceito de transvaloração, ver NIETZSCHE, Além do bem e do mal, 2008, e
Genealogia da moral, 2009.
46 Para uma discussão sobre desterritorialização, ver DELEUZE & GUATTARI, 2008.
47 ROLNIK, 2007.

H U N I ( A YA H U A S C A ) 63
o medo de enlouquecer, o de fracassar, o de morrer. Pode-se dizer que
o ayahuasca permite um exercício diante de todas essas categorias. Claro
que não se trata aqui de uma listagem e que se poderia estender uma
categorização de medos ao infinito, como o de ser torturado, mutilado,
abandonado, devorado etc. A trilogia de Rolnik, porém, apresenta a sín-
tese de um amplo leque de temores – diante do sofrer, do padecer –,
que parece bem útil para falarmos de nossos enfrentamentos propor-
cionados pelo ayahuasca. Primeiro, porque se pode viver uma evidente
angústia de enlouquecimento, quando vão surgindo outras possibilida-
des senso-perceptivas, ou seja, quando podemos ver as coisas de novas
maneiras, vivendo uma pletora perceptiva que rompe com o mecanismo
cotidiano, descrito por Deleuze como: “perceber é subtrair da imagem
o que não nos interessa, sempre há menos na nossa percepção.”48 É por
isso que se prefere falar em enteógeno, em contato com uma realidade
ampliada – e não alucinógeno ou narcótico. No limite, a experiência
com ayahuasca pode ser referida como um transplante de córnea em
alguém cego de nascença. De repente, um mundo descortina-se e parece
inacreditável que ele possa sempre ter estado ali, com todas aquelas cores
não vistas até então. Uma visão surpreendente sobre o mundo de sempre
ou, como bem disse Caetano Veloso, em sua música Um Índio:

E aquilo que neste momento se revelará aos povos / Surpreenderá


a  todos, não por ser exótico / Mas pelo fato de poder ter sempre
estado oculto / Quando terá sido o óbvio.49

Em segundo lugar, seguindo a trilogia de Rolnik, por surgirem


desafios físicos e mentais a serem enfrentados, em muitos rituais com
ayahuasca, como no Santo Daime, há uma constante metáfora de
se estar em uma guerra, em uma batalha a ser vencida, o que nos coloca,
48 DELEUZE, 1992, p.58.
49 VELOSO, Caetano. Circuladô Vivo, 1992.

64 H U N I ( A YA H U A S C A )
muitas vezes, diante do medo de não estar à altura, medo de não ser
capaz, medo de fracassar.
Em terceiro lugar, nessa trilogia, porque o ayahuasca permite algu-
mas vivências de se estar em situações limite, de vida ou morte, seja
diante de algo que se apresenta na mente oferecendo grande perigo,
seja sentindo fisicamente algum tipo de desintegração do próprio corpo.
Algumas vezes, essas sensações remontam a um desmaio iminente, ou a
um resfriamento periférico intenso – sente-se que se está gelando –,
ou a um rebaixamento da pressão arterial, ou a episódios de vômitos
repetidos, com ou sem diarreia, ou a sensações de perda do controle
do próprio corpo, e uma parte dele – um braço, por exemplo – pode
mover-se independentemente ou permanecer imóvel, apesar de algum
comando. Por isso, envolvendo todas essas vivências difíceis, é que
se pode falar no  risco de um efeito desencadeante de crises, em caso
de uso do ayahuasca por pessoas portadoras de grave sofrimento men-
tal, como as classificadas pela psiquiatria como psicóticas ou esquizo-
frênicas. Nesse sentido também, a ritualística fortemente estruturada,
como a encontrada no Daime, tenta evitar uma excessiva divagação do
pensamento, por meio de recursos como o uso coletivo coordenado, em
ambiente circunscrito, com pessoas mais experientes acompanhando
– ou, como dizem, “fiscalizando” – quem está passando mal e com a
música e a dança que imprimem um ritmo marcado – “hinários”, que,
além de conterem ensinamento religioso, a “doutrina”, tentam manter a
mente vinculada a ideias celestiais, construtivas e positivas, para evitar
os pensamentos “escuros”, indesejáveis. É por isso mesmo que o Santo
Daime tem permitido um contato com ayahuasca para centenas de pes-
soas, que, de outra forma, não se arriscariam a esse conhecimento, em
outros contextos ou circunstâncias menos familiares.
Nos rituais de Huni, por sua vez, o que pode surpreender é a liber-
dade, a ausência dos marcadores de familiaridade, como a simbologia

H U N I ( A YA H U A S C A ) 65
cristã, que coloca em balanço, ainda mais, as linhas de composição
de nossa territorialidade, fazendo vibrar essa interessante multiplicidade
de cada um, pois “O que há de interessante mesmo numa pessoa são
as linhas que a compõem, ou que ela compõe, que ela toma emprestado
ou que ela cria.”50
Pensamentos ou ideias que parecem alheias surgem, ou um ser
se senta ao lado. Ele não tem rosto; no lugar onde haveria um, enxerga-se
a noite. Ele está fumando, mesmo sem boca ou rosto, e soltando bafora-
das, e oferece para fumar, talvez se aceite, talvez não. Ele tenta assustar,
surgem caretas feias, o medo é possível, até mesmo o pânico, ou, pelo
contrário, achar graça, como quando uma criança de quatro anos rosna
para você, demonstrando que está com muita raiva. Claro que incontá-
veis leituras são possíveis, as mais distintas, desde uma mitologia ecumê-
nica, que envolve a todos, com seus santos, caboclos, fadas, assombrações
e outros seres, até uma mitologia científica,51 psicológica, psiquiátrica,
com alucinações visuais e auditivas, com dissociação da consciência,
com emergência dos conteúdos inconscientes, passando por mitologias
sociológicas, antropológicas, bioquímicas etc. No entanto, ainda que
considerando uma equivalência entre tantas mitologias, e mesmo porta-
dor de um ceticismo para quem “vidas passadas não movem moinhos”,
no encontro com o ayahuasca é impossível não se render ao fato de que
o extra-ordinário ganha uma evidência palpável e inegável, e a vida não
é apenas o que se pensava.

50 DELEUZE, 1992, p.47.


51 Para uma discussão sobre a mitologia das ciências, ver STENGERS, 2002.

66 H U N I ( A YA H U A S C A )
RARÊ MUKA

O Muka é a planta mais misteriosa, importante e sagrada para


os Yawanawas, de maneira que peço licença a todos os seres que habitam
o universo imaterial yawanawa para citar aqui o seu nome e, mais ainda,
para ousar falar a seu respeito.
É dada como não identificada em alguns trabalhos, e talvez seja
melhor considerar assim, como forma de proteção a esse precioso patri-
mônio cultural material e imaterial do povo yawanawa. Para eles, trata‑se
de uma planta tão poderosa, que, ao contrário das que foram antes abor-
dadas, tem seu uso extremamente restrito, mesmo entre os membros
da aldeia. Ele se restringe, praticamente, ao processo de aprendizagem,
formação ou maturação dos líderes espirituais e curandeiros, os pajés.
Muito antigamente, era utilizado também pelos guerreiros yawanawas
a caminho da batalha, do confronto, por seus efeitos fortemente anesté-
sicos, de modo que passassem pelo combate sem sofrer muito, ainda que
fossem gravemente feridos, o que lhes conferia grande vantagem na luta.
O Muka tem seu uso extremamente codificado e associado a inú-
meras regras, denominadas em seu conjunto de “dieta do Muka”, como
exemplifica o Txai Terri Valle de Aquino:

RARÊ MUKA 69
Desde então, venho cumprindo uma rigorosa dieta alimentar, que
me impede até agora de comer qualquer coisa doce e carnes ver-
melhas de caças grandes, de boi e muito menos de porco. Até
determinados tipos de peixes, especialmente aqueles que possuem
esporões e dentes, ou que chupam lama e barro, ainda me são veda-
dos. Também não posso tomar água pura. Só posso beber caiçuma
de  milho massa, vinho de açaí e sucos de limão e frutas silvestres
azedas.
Alem disso, ainda estou em perseverante abstinência sexual.
Se comer doce “enfraquece a dieta”, uma única relação sexual “lava
tudo” e o resguardo fica irremediavelmente comprometido e fina-
lizado, conforme me asseverou o pajé Yawá. (...) Feito um camelo,
preciso agora atravessar o grande deserto afetivo. Espero que Deus
me  ajude nessa jornada espiritual. Não penso em ser pajé, não. Só
quero mesmo ser um velho alegre, cheio de saúde e disposição para
trabalhar e viajar como o meu velho amigo e txai Yawá. No mais “é
preciso preparar terreno, para não ficar espírito vagabundo”, con-
forme ensina o velho Juramidã.
Emagreci um bocado, mas me sinto espiritualmente mais fortalecido
e até mais feliz e tranqüilo. Pelo menos estou aprendendo a conviver
em paz comigo mesmo, sem me preocupar muito com o que dizem
os outros, o que acham disso, ou deixam de achar. Aprendi nessa
“dieta do muká” que se não se pensa bem de barriga vazia, tampouco
se cresce espiritualmente de barriga cheia. De vez em quando é pre-
ciso segurar a matéria para vivificar o espírito.52

Um aspecto absolutamente relevante do uso do Muka é seu efeito


sobre os sonhos, sendo considerada a planta que leva ao conhecimento
e reconhecimento do mundo dos sonhos e seus sentidos. A esse respeito,
relata Txai Terri:

A batata do muka, que significa amargo em várias línguas Pano,


é uma das mais sagradas plantas de poder da floresta, apesar de sua
aparência frágil e delicada. Como todas as ervas medicinais, também

52 AQUINO & IGLESIAS, 2009, p.21.

70 RARÊ MUKA
vive em pequenas florestas que brotam debaixo das grandes árvo-
res. Minha pouca experiência me diz que a batata do muka é acima
de tudo a batata dos sonhos, onde “o sonhar é uma realidade igual-
mente a luz do dia”, como diria Juramidã. O grande valor do muka são
os sonhos espirituais que se revelam como verdadeiras mirações oní-
ricas. Através delas podemos ver, conversar e aprender com os espíri-
tos de poder da grande floresta.53

O principal efeito do Muka é observado não imediatamente, quando


de seu uso, mas ao longo do processo de aprendizagem com a planta, que
leva muitos meses, enquanto o aprendiz dorme e sonha. Seus sonhos
devem ser relatados ao pajé que está conduzindo a aprendizagem, e há
um processo de valorização e interpretação dos conteúdos oníricos,
como relatado em várias outras culturas ancestrais:

Desde o tempo de sua juventude, Cavalo Doido soubera que


o mundo onde viviam os homens era apenas uma sombra do mundo
real. Para chegar ao mundo real, tinha de sonhar e, quando estava
no mundo real, tudo parecia flutuar ou dançar. No seu mundo real,
seu cavalo dançava como se estivesse furioso ou doido e por isso
é que se chamou Cavalo Doido. Aprendera que se sonhasse consigo
no mundo real antes de ir para uma luta, poderia resistir a qualquer
coisa.
Nesse dia, 17 de junho de 1876, Cavalo Doido sonhou consigo
no mundo real e mostrou aos sioux como fazer coisas que eles nunca
haviam feito antes quando lutavam com os soldados brancos.54

Também o antropólogo Josep María Fericgla chama a atenção para


o papel crucial da interpretação dos sonhos em trabalhos com plantas
de poder, ou enteógenas, em diversas culturas:

53 AQUINO & IGLESIAS, 2009, p.20.


54 BROWN, 2006, p.277.

RARÊ MUKA 71
De fato, parte de minhas investigações antropológicas têm a ver com
isto. Estive estudando como analisam os sonhos os jíbaros, os bere-
berés, os kurdos... Isto permite ver como cada sociedade elabora
sistemas de análise muito parecidos para compreender o que está
se passando dentro das pessoas.55

Nesse sentido, o longo trabalho com o Muka, que se desenrola


ao longo de aproximadamente nove meses, ou mesmo mais de um ano,
envolve um processo de relato, interpretação e ressignificação de sonhos,
o que permite uma comparação entre esse e um típico processo psico-
terapêutico, uma vez que, pelo menos desde a publicação, em 1900, de
A interpretação dos sonhos, por Sigmund Freud, os processos psicoterá-
picos são fortemente interessados nas produções oníricas, consideradas
pelo pai da psicanálise como “a via real para o inconsciente”.56
Outros relatos apontam a experiência com o Muka como a apren-
dizagem do “pensamento além do pensamento”, ou do “olhar além
do olhar”, como uma reaprendizagem não só sensorial, mas de todo
o campo perceptivo e cognitivo, ressaltando, ainda, que, diferentemente
da experiência com outras plantas de poder, a experiência com o Muka
é indelével e permanece agindo naquele que se contatou com esse ser
enteógeno para toda a sua vida.57
Outro aspecto relevante é que a aprendizagem com o Muka, inti-
mamente relacionada com o processo de formação ou construção
da potência de pajelança entre os Yawanawas, revela uma relação que,
diferentemente de outras culturas, não vincula a passagem para ou
a transformação em pajé a um processo de adoecimento, ainda que esse
processo esteja certamente ligado a um grande esforço e empenho físico,
incluindo privações e superações físicas intensas.

55 FERICGLA, s/d. Entrevista. Tradução livre deste autor.


56 FREUD, 2001.
57 A esse respeito, ver uma preciosa descrição em terranauas.blogspot.com.br.

72 RARÊ MUKA
Essa relação, comum em vários povos, entre um adoecimento e
o  acionameno de um processo que leva um membro da comunidade
para a necessidade de sua transformação em pajé, é bem descrita por
Mircea Eliade:

O xamã Ganykka contou-lhe que um dia, enquanto tocava tambor,


os  espíritos desceram e cortaram-no em pedaços, separando-lhe
inclusive as mãos. Durante sete dias e sete noites ele permaneceu
estirado, inconsciente, no chão. Enquanto isso, sua alma estava
no  Céu, passeando com o Espírito do Trovão e visitando o deus
Mikkulai.
A. A. Popov conta o seguinte sobre um xamã dos avam-samiedos.
Atacado de varicela, ele ficara três dias inconsciente, quase morto, a
ponto de quase o enterrarem no terceiro dia. Sua iniciação ocorreu
durante esse tempo. Lembra-se de ter sido levado para o meio de
um mar. Lá ouviu a voz da Doença (ou seja, da varicela) a dizer‑lhe:
“Receberás dos Senhores da Água o dom de ser xamã. Teu nome
de xamã será huottarie (Mergulhão).” Em seguida a Doença agitou
a água do mar.58

A formação do pajé yawanawa acontece em um profundo encon-


tro consigo mesmo, ou, melhor seria dizer, consigo mesmos, com toda
a multiplicidade de variedades de si, pela via do Muka, em um processo
fundamentalmente intimista, de retiro e isolamento, de exercício e supe-
ração de si mesmo, de enfrentamento de privações, mas sem as grandes
alterações, como as relatadas por Villas Boas, sobre pajés do Xingu; veja-
mos o caso da iniciação do grande pajé Camaiurá Sapaim:

Sapaim – agora Nhanamacumá –, totalmente sob o efeito da fumaça


do fumo mágico dos espíritos, deixou sua rede e saiu correndo
para fora da maloca, entrando em outras e, visivelmente fora de si,
puxando os cabelos das crianças, mulheres e homens, ao mesmo

58 ELIADE, 1998.

RARÊ MUKA 73
tempo que quebrava panelas, vasos de barro, sacudia redes, che-
gando ao extremo de agarrar um homem e carregá-lo à cumeeira
da  maloca, de lá voltando – como numa queda acidental – até o
chão, sem se machucarem nem ele nem seu aprisionado. A aldeia
entrou em polvorosa. Ninguém sabia que Sapaim estava tomado
pelo espírito que lhe dava força e poder para transpor os limites
deste mundo.59

Esse processo ligado ao Muka apresenta verdadeiros estados extáti-


cos e, nesse sentido, preenche os critérios para ser considerado especifi-
camente como xamanismo:

Uma primeira definição desse fenômeno complexo, e possivelmente


a menos arriscada, será: xamanismo = técnica do êxtase.
(...)
Magia e magos há praticamente em todo o mundo, ao passo que
o xamanismo aponta para uma “especialidade” mágica específica,
na qual insistiremos muito: o “domínio do fogo”, o vôo mágico etc.60

Esse último aspecto sublinhado por Eliade, o voo mágico, apre-


senta‑se de forma marcante na experiência yawanawa, inclusive com
todo o simbolismo ornitomorfo da indumentária, sobretudo dos coca-
res, anunciando ou almejando alturas nesses voos.
Bira conta que muitos dos grandes pajés yawanawas seguiram a dieta
do Muka por nove meses, ou até um ano, e que ele, em seu processo
pessoal de autotransformação, chegou a seguir estritamente a dieta
do Muka por mais de um ano. Conta que, no período em que permane-
ceu isolado em seu retiro com o Muka na aldeia sagrada, chegava a ficar
semanas sem sair sequer daquele espaço reservado do terreiro de inicia-
ção, em uma profunda aprendizagem do saber esperar, do não se precipi-
tar, de mudar a própria relação que se tem com o tempo e com o espaço,
59 VILLAS BOAS, 2000, p.63.
60 ELIADE, 1998, p.16-17.

74 RARÊ MUKA
vislumbrando essa relação tão diferenciada que os vegetais estabelecem
com as dimensões tempo e espaço. Em alguns momentos, sob efeito
do Muka, mesmo ir até o córrego que passa a poucos metros tornava-se
um grande desafio. Nessa fase de retiro, o aprendiz é cuidado e acompa-
nhado por um pajé experiente. O pajé Yawá o acompanhou por muitos
meses, orientando-o, instruindo-o, alimentando-o e cuidando dele, pois,
nessa fase de aprendizagem com o Muka, qualquer contato ruim pode
ser desastroso e ficar marcado para sempre na pessoa. Bira conta ainda
que o trabalho com o Muka exige paciência e aceitação de si mesmo
e dos outros, que aqui não são apenas os seres humanos. Nesse sentido,
pôde-se observar como, durante o festival yawa, de 2011, a presença
de uma pessoa que, aos nossos olhos, comportava-se de forma abso-
lutamente inaceitável, por estar atravessando de forma desconcertante
boa parte dos rituais, era bem absorvida na dinâmica yawanawa. Essa
pessoa, que se armou de uma vassoura com inúmeros apetrechos e saiu
varrendo e beijando quase todos, de forma indistinta, trazia uma repre-
sentação insuspeitada. Na ocasião, Nani nos contou que, entre os seres
da cosmologia yawanawa, havia um que tinha justamente essa caracte-
rística de ser um espírito varredor, o “tio da vassoura”, poderíamos dizer,
e que, ao ver aquele visitante, naquela postura bizarra, fazendo de uma
vassoura seu cajado, empunhando-a o tempo todo, logo entenderam que
estava sendo, de alguma forma, atingido por essa entidade, e reconhe­
ceram sua importância.
Bira conta ainda que, ao final de seu processo de formação de pajé,
havia uma última prova, que consistia no antigo pacto do sacrifí-
cio humano requerido. Ele teria que ofertar uma vida humana. Nessa
fase, ele passa muito tempo procurando, vasculhando em sua própria
mente um motivo que fosse suficiente para matar alguém. Lembra-se
de uma pessoa que, tendo assassinado um padrinho seu, havia causado
nele intensa dor. Ele desiste e vai procurar seu orientador Yawá, que,

RARÊ MUKA 75
primeiramente, o desaprova e recrimina por tê-lo feito perder tanto
tempo e  energia para, agora, não completarem o processo. Ele insiste
para que Bira rastreie em sua mente uma possibilidade de vítima, para
o necessário sacrifício humano, mas Bira, por fim, confirma para seu
orientador e tutor que irá decepcioná-lo, porque, de fato, não é capaz de
encontrar em sua mente uma só pessoa que mereça morrer. Ele então
recebe a bênção do velho pajé Yawá, que confirma que, se ele não encon-
trou em seu coração motivo para desejar a morte de nem mesmo uma
pessoa, por mais que procurasse, é porque seu preparo está pronto, che-
gou ao fim, está feito um novo pajé yawanawa.

76 RARÊ MUKA
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Este livro foi impresso no formato 15 x 21 centímetros,
em papel Pólen Soft 90 gramas, na gráfica Formato.
Belo Horizonte, maio de 2012.

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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