Luisa Moraes Abreu Ferreira Dissertacao
Luisa Moraes Abreu Ferreira Dissertacao
Dissertação de Mestrado
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
São Paulo - 2014
BANCA EXAMINADORA
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Para Leonardo.
AGRADECIMENTOS
foi bom fazer faculdade e pelas discussões intermináveis sobre filosofia “barata” de direito
que tanto contribuíram para minha formação. Às minhas amigas da vida toda, por estarem
sempre por perto, mesmo quando estou longe. Agradeço muito especialmente a Gisela
Mation, pela atenta revisão e pelas sugestões que foram fundamentais para este trabalho.
Aos meus pais e minhas irmãs, meus maiores incentivadores, agradeço por
sempre me apoiarem em tudo que fiz e poderei fazer.
Ao Léo, pelos sonhos e delírios compartilhados.
RESUMO
ABSTRACT
From 1970 onwards, with the decline of the rehabilitative ideal, driven in part by
the failure of the social exclusion rehabilitation model, many jurisdictions turned to
retribution and proportionality to answer the question of “how much to punish”. The
intentions were noble: to reduce sentencing disparity, guarantying that offenses of similar
gravity receive similarly harsh sentences. Strategies aimed at improving sentencing
uniformity – e.g. minimum mandatory sentences, mandatory aggravating factors and
parole restrictions – necessarily obstruct sentencing discretion and may conceal even
greater inequality, consisting of similar treatment of unlike situated offenders. In my
empirical research, I study sentencing decisions for robbery offenses (robbery convictions
make up for more than half of Brazilian prison population) in which the same punishment
has been decided upon (prison term of 5 years and 4 months) and, in a qualitative
approach, analyze what they have in common and which differences the sentencing
decision does not distinguish. I found many cases with very different concrete
circumstances, with the same prison sentence and even with the same judicial reasoning,
which points towards an unfair case aggregation. The definition of adequate punishment by
the legislative body, based only on offense gravity, may make people convicted of similar
offenses receive the same sentences, but conceals many differences between each case. I
argue against the use of equality and proportionality – ideals that once served exclusively
for individual protection from the State – to prevent the judge from reducing a sentence or
from applying intermediate punishment in a given case. To allow greater individualization
is different from favoring indeterminate sentencing. It means assigning the sentencing task
to the person who has the case before them, always with guidelines that may control the
decision through motivation, so maybe it finally becomes possible to develop a true system
of alternatives to imprisonment.
SUMÁRIO
APÊNDICE A – Formulário para a coleta de dados dos acórdãos do TJSP ............. 186
10
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
Todo sistema de justiça criminal possui regras e princípios que servem como
diretrizes para o aplicador da pena. Penas máximas obrigatórias estabelecidas pelo
legislador, por exemplo, estão presentes em quase todos os ordenamentos jurídicos
ocidentais. Mas a maioria dos ordenamentos vai além e possui outras normas para guiar,
direcionar ou vincular a decisão judicial de aplicação da pena.
Não é difícil defender a existência dessas normas. É desejável que os cidadãos
saibam que elementos serão utilizados pelo juiz na aplicação da pena. Também não parece
estar em discussão que a decisão de aplicação da pena tem de poder ser controlada de
acordo com critérios preestabelecidos. E, principalmente, não se questiona que a aplicação
da pena deve respeitar a ideia de igualdade, isto é, casos semelhantes devem ser tratados de
forma semelhante. Os mesmos valores políticos e morais devem ser sopesados em
diferentes casos concretos.
Essas considerações, embora motivem demandas por diretrizes que regulem a
decisão sobre a pena, nada dizem sobre a forma que esses critérios devem assumir. Pode-se
estabelecer, por exemplo, princípios que guiem o juiz no caso concreto, penas mínimas
obrigatórias, regras que estabeleçam aumentos ou diminuições diante de determinadas
circunstâncias. Muitas jurisdições combinam essas estratégias. Essas considerações
também não definem os critérios que devem ser utilizados para que se defina que casos
são semelhantes entre si: gravidade do tipo penal? Sofrimento da vítima? Dano causado?
Impacto no acusado? Por fim, argumentar que a decisão judicial deve ser guiada por
critérios estabelecidos nada diz sobre quem deve estabelecê-los: o Legislativo, os próprios
tribunais ou uma agência independente.
Dentre os princípios filosófico-jurídicos que exercem papel fundamental na
aplicação da pena — e, portanto, que ajudam a determinar de que forma serão estruturadas
essas diretrizes — estão a igualdade, a proporcionalidade e a individualização da pena.
Este trabalho tem como objetivo mostrar o paradoxo formado por essas ideias:
somente a pena fixada por lei garantiria que crimes iguais recebessem a mesma pena
(princípio da igualdade e da uniformidade da forma como construído pelas teorias da
retribuição e da dissuasão), mas a individualização só é concretizada se a pena for definida
em função do caso concreto (individualização).
11
Aqui, vale explicar com mais detalhe os fundamentos dessa ideia de igualdade e
em que termos essa noção se opõe à individualização da pena.
Embora haja várias formulações possíveis da ideia de igualdade na aplicação da
pena, as teorias modernas da pena (retribuição e dissuasão) favoreceram a concepção de
que as penas devem ser determinadas de forma objetiva e proporcional à gravidade do tipo
penal violado. A ideia de que “iguais devem ser tratados de forma igual e desiguais, de
forma desigual” foi interpretada com sentido de uniformidade, de que “tipos penais iguais
devem ter como consequência penas iguais”.
Práticas de criação de tarifas abstratas pelo legislador — que tomam a forma, por
exemplo, de penas mínimas e máximas obrigatórias, de diminuições e aumentos
obrigatórios e de obrigação de aplicação de pena de prisão ou de sua substituição em
determinados casos1 — diminuem a margem de escolha da pena pelo juiz, que tem o caso
concreto diante de si.
É por isso que, nesse sentido de uniformidade (que exige a determinação da pena
em abstrato, com base em elementos formais do delito), a igualdade se opõe à
individualização da pena, isto é, se opõe à possibilidade de abarcar a maior complexidade
possível do caso concreto no momento de fixação da pena.
Essa tensão se manifesta numa forma particular de divisão de tarefas entre juiz e
legislador que parece centralizar a decisão sobre a pena no Legislativo. Ao juiz caberia
apenas aplicar o que foi decidido pelo legislador, com pouca margem de interpretação.
Trata-se de visão do papel de juiz relacionada a uma concepção de segurança jurídica e
separação dos poderes do século XIX, que coloca todo o peso de criação da norma no
Legislativo e entende todo ato de interpretação como distorção de sua função.
É por isso que o trabalho também tem como objetivo estudar as diferentes formas
de estruturar a discricionariedade judicial na aplicação da pena. Embora hoje não esteja em
disputa a visão de que juízes têm discricionariedade — vinculada a critérios jurídicos —
para aplicar a pena, a escolha dentre as diferentes formas de estruturar essa
discricionariedade passa pelo paradoxo entre individualização da pena e uniformidade.
Se de um lado há quem entenda que o legislador deva prever de forma detalhada
1
Para este trabalho, todas essas situações serão chamadas de “penas mínimas obrigatórias”. O termo não se
refere, portanto, somente à pena mínima cominada para cada tipo penal, mas a toda disposição que
determina o cumprimento de um mínimo de tempo e prisão caso presente alguma circunstância prevista
em lei. A obrigação de imposição de pelo menos 5 anos e 4 meses no caso de roubo com causa de
aumento (4 anos pelo roubo e 1/3 de aumento) é uma pena mínima, embora a pena mínima prevista para
o crime de roubo simples seja 4 anos.
12
todas as situações possíveis e determinar a pena adequada para cada um desses casos
(uniformidade), é possível pensar em outra estratégia: a criação de critérios que exijam do
juiz, mediante fundamentação, análise mais profunda na aplicação do direito ao caso
concreto, mas sem determinação prévia da quantidade e da qualidade de pena pelo
legislador. É sobre esse ponto que o trabalho se debruça.
As noções de igualdade e proporcionalidade foram escolhidas para serem
estudadas com mais profundidade neste trabalho porque, embora sejam postulados de
proteção individual (e que estabelecem limites a partir dos quais não se pode punir), criam
obstáculos cognitivos e práticos para não intervenção penal ou aplicação de sanções
alternativas à prisão. A imposição abstrata de um mínimo de sofrimento impede que o
juiz, que tem o caso concreto diante dos olhos, diminua a pena, aplique sanções
alternativas à prisão ou deixe de aplicar sanção.
São princípios revestidos de “auréola de moderação” (PIRES, 2008c, p. 113) que
dificultam seu questionamento. Afinal, quem pode argumentar contra um princípio de
justiça?
Um dos objetivos deste trabalho foi, portanto, produzir conhecimento sobre o que
“se tornou invisível por excesso de visibilidade” (PIRES, 2008e, p. 51).
Considerando o papel exercido pela noção de que “crimes iguais merecem penas
iguais”, o objetivo desta pesquisa é investigar qual a igualdade alcançada com a criação
de limites mínimos e de aumentos. Ou seja, se houver alguma igualdade entre crimes e
penas, qual o critério usado para definir crimes como iguais para que recebam penas
iguais?
No caso brasileiro, foco deste trabalho, importam três institutos de aplicação da
pena que buscam concretizar o princípio da igualdade: pena mínima atrelada ao tipo penal,
aumento obrigatório e impossibilidade de substituição de prisão.
Para isso, foram analisados, de forma qualitativa, 60 acórdãos do Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP) em que foi aplicada pena mínima para roubo com causa de
aumento (5 anos e 4 meses). Foram analisadas as diferenças e as semelhanças entre os
casos concretos que levaram à condenação pela mesma pena, as informações factuais
disponíveis nos acórdãos e questões que deixaram de ser analisadas ou deixaram de ter
impacto na pena final.
A pesquisa se insere num grande campo de trabalhos que têm como objetivo
questionar paradigmas do sistema de justiça criminal que impedem ou dificultam a
13
4
Sobre essa tensão na execução da pena, ver Ferreira (2011). No trabalho, Carolina Cutrupi Ferreira (2011,
p. 18) aborda a gestão da sanção na execução, isto é, “uma determinada forma de arranjo institucional que
delimita, por meio da lei, o procedimento gerido ou dirigido por legislador, juiz e administrador
penitenciário para ajustar a quantidade e a qualidade da sanção em cumprimento”.
15
instituições, embora tenham relevância enorme na definição da pena de alguém, não são
abordadas neste trabalho.
O trabalho também tem como objetivo mostrar o que temos naturalizado no nosso
sistema de aplicação da pena e que a compatibilização de igualdade e individualização por
meio da fixação de limites mínimos e máximos pelo legislador é apenas uma das opções.
Mas, para que se possa questionar a necessidade da pena e a existência de penas mínimas,
é importante que se estudem essas práticas como mais um instrumento de política criminal,
e não como imperativo de justiça. Se limitar a individualização da pena é questão de
justiça, qualquer tentativa de incluir circunstâncias que se entenda serem importantes para
a definição da sanção será rechaçada sem muita dificuldade.
Questões discutidas em termos de igualdade e justiça — como a estudada aqui —
têm apelo moral e político muito forte, o que dificulta seu questionamento. O argumento
da “justiça” é muito poderoso, por isso a importância de questionar: que justiça é essa que
estamos alcançando com a compatibilização inquestionada da igualdade com a
individualização baseada em penas mínimas e aumentos mínimos obrigatórios?
16
CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA
5
Art. 68 do Código Penal “Cálculo da pena. Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do
art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por
17
possibilidade de decidir aplicar outra pena que não a prisão6. A forma pela qual se dá essa
divisão de tarefas diminui o campo que o juiz teria para reduzir a pena ou escolher sanção
distinta da prisão.
Em esforço para delimitar o tema e criar um problema de pesquisa, foi escolhido o
princípio da igualdade, por ser um dos fundamentos7 que sustentam as práticas que se
pretendia entender — penas mínimas, aumentos obrigatórios e impossibilidade de
substituição da prisão8.
A escolha se deu por tratar-se de postulado de proteção individual mas que
fundamenta práticas que impedem maior proteção ao indivíduo objeto da decisão sobre a
pena.
O estudo do princípio da igualdade e da sua relação com a individualização da
pena poderia ser desenhado de várias formas. A mais óbvia, uma pesquisa teórica sobre o
tema. Mas, usando a distinção famosa entre law in books e law in action, optou-se pela
segunda: entender como a igualdade na aplicação da pena se dava na prática. O que é de
fato “igual” em casos concretos em que são aplicadas penas iguais?
Dentro das possibilidades de pesquisa empírica, foram a princípio escolhidos
crimes que, na maioria das vezes, tinham prisão como única pena prevista pelo legislador,
como tráfico, roubo e homicídio doloso9. Essa opção deixa de lado diversos crimes nos
quais é permitida, ao juiz, maior margem para escolher o que considera ser a pena mais
adequada, especialmente os casos em que há possibilidade de substituição por penas
“restritivas de direito” (art. 44 do Código Penal [CP])10. Mas a escolha se justifica porque
revela o que o sistema permite em determinados casos, de ampla aplicação.
Dentre os crimes com pouca possibilidade de substituição, o crime de roubo
qualificado foi escolhido por várias razões11: é o crime com maior incidência no sistema
prisional12; pela redação do artigo 44 do Código Penal, tem a prisão como única resposta
(cumulada com multa) e, por isso, oferece relevante obstáculo à individualização; e, por
fim, a aplicação da pena nos crimes de roubo gera debates doutrinários e jurisprudenciais,
sendo interessante para estudar o papel do Judiciário na ampliação ou na autolimitação de
sua discricionariedade.
A partir daí, foi feita pesquisa exploratória nos bancos de dados do TJSP, do STJ
e do STF disponíveis na internet, com combinações de palavras-chave como “pena”,
“roubo”, “pena mínima”, “individualização da pena”. O objetivo era verificar a viabilidade
9
No caso do tráfico de drogas, embora a pena mínima (5 anos) impeça a substituição, há previsão de causa
de diminuição de pena que permite a substituição por pena restritiva de direitos nos casos em que “o
agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre
organização criminosa” (art. 33, § 4o, da Lei 11.343/2006).
10
Nada indica, no entanto, que nos casos de substituição de penas privativas de liberdade por penas
restritivas de direito haja, na prática, mais reflexão sobre a adequação da pena no caso concreto. Embora
nesses casos exista um leque de sanções que podem ser escolhidas pelo juiz (prestação pecuniária, perda
de bens ou valores, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de
fim de semana), em pesquisa empírica realizada sobre condenações em crimes financeiros (Lei
7.492/1986) constatou-se que, apesar de ter ocorrido substituição em muitos casos (em primeira instância,
houve substituição em 60,3% dos casos nos quais a sanção aplicada permitia a substituição, e nos
tribunais regionais federais o índice foi de 71%), na grande maioria deles as penas escolhidas foram
prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, com pouca reflexão sobre a adequação dessas
penas nos casos concretos. Dois tipos de sanções que poderiam ser adequadas aos crimes financeiros,
como perda de bens e valores e interdição temporária de direitos, não foram sequer cogitadas nas decisões
(VIEIRA, 2010, p. 85-92).
11
Não se desconhece a pesquisa realizada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e publicada
em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) em que foram estudados
processos de roubo com sentença condenatória, em São Paulo. Embora o material empírico dessa
pesquisa e o deste trabalho sejam parecidos (acórdãos em apelações criminais de condenações por roubo),
o objetivo é distinto: enquanto a pesquisa citada teve como objetivo “apreender a realidade de
funcionamento do sistema de justiça com referência ao processamento dessa espécie delitiva patrimonial,
especialmente no que toca à quantificação da pena e natureza do regime” (INSTITUTO BRASILEIRO
DE CIÊNCIAS CRIMINAIS; INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA, 2005, p. 22), este
trabalho estuda a aplicação da pena com o objetivo de verificar uma questão específica: o automatismo
decisório e as diferenças e as semelhanças dos casos concretos. A utilização dos casos de roubos é
justificada, mas circunstancial.
12
A população carcerária com imputação de crimes de roubo (simples ou qualificado, tentado ou
consumado) corresponde a 58,6% do total de presos. Dados do Sistema Integrado de Informações
Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça. Referência 12/2011. Disponível em: portal.mj.gov.br.
19
Como todo pesquisador sabe, há muito mais numa pesquisa do que pode ser
sonhado pelas filosofias da ciência, e textos de metodologia respondem apenas
por uma fração dos problemas que aparecem. Os melhores planos de pesquisa
deparam-se contra contingências inesperadas na coleta e na análise de dados; os
dados coletados podem acabar tendo pouco a ver com as hipóteses que se
pretenderia testar; achados inesperados inspiram novas ideias.
Independentemente do cuidado com que se planeja antes de começar, a pesquisa
é desenhada enquanto é realizada. A monografia final é o resultado de centenas
de decisões, grandes ou pequenas, feitas enquanto a pesquisa está sendo
realizada, e nossos textos padrões não nos dão o processo ou a técnica para
tomar essas decisões. (BECKER, 1965, p. 602-603, tradução livre).
Outra decisão importante para o desenho da pesquisa foi o tratamento dos dados:
quantitativo ou qualitativo. Aqui, o importante era definir se os dados seriam ou não
tratados sob a forma de números13. Optou-se pela pesquisa qualitativa (tratamento não
numérico de dados), porque a análise detalhada de cada decisão e a comparação dos casos
concretos de cada processo era mais relevante do que a frequência ou a representatividade
dos casos. Um exemplo pode tornar essa ideia mais clara: para o trabalho, era mais
importante comparar com profundidade a diferença entre dois casos concretos (que arma
foi utilizada em cada caso, se houve tentativa de reparação...) do que saber em quantos
casos foi aplicada a agravante de reincidência.
13
Conforme Alvaro Pires (2008e, p. 90): “Enfim, sob um certo ângulo, a pesquisa qualitativa como tal só se
caracteriza tão simplesmente pelo fato de se construir fundamentalmente a partir de material empírico
qualitativo, isto é, não tratado sob a forma de números; enquanto a pesquisa quantitativa faz o inverso.
Todas as tentativas para definir essas práticas de pesquisa para além dessa forma elementar chegaram
necessariamente a associá-las às preferências pessoais do pesquisador, ou à corrente teórica que ele
privilegia”.
20
2.3 AMOSTRA
14
“Na tradição da pesquisa qualitativa, Zelditch (1969: 9) propõe dois grandes critérios para julgar a
validade dos instrumentos de trazer as informações desejadas. A maior parte do tempo, os pesquisadores
qualitativos escolhem os instrumentos que lhes fornecerão o máximo de informações sobre o tema de
pesquisa. O outro critério é a eficácia dos instrumentos; sua utilização é rentável, no que se refere ao
tempo requerido, ao custo e à acessibilidade permitida e possível?” (DESLAURIERS; KERISIT, 2008, p.
139).
21
população é analisada em sua totalidade e, dessa forma, passa-se direto do corpo empírico
para o nível teórico (PIRES, 2008a, p. 161).
Optou-se por compor o corpo empírico (amostra em sentido amplo) na estrutura
aberta, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque fechar a escolha de uma população
em função de um período de tempo (um ano, seis ou três meses) só faria sentido se isso
tivesse algum significado para a pesquisa. Neste trabalho, o interesse era estudar acórdãos
recentes, e não acórdãos de um período específico, já que nada indicou a existência de
alguma alteração significativa na jurisprudência nos últimos anos. Por fim, a pesquisa tinha
como objetivo verificar potencial diversidade de casos concretos, e não formar um banco
de dados representativo das decisões do TJSP.
Considerando esses objetivos e as limitações da base de dados, iniciaram-se, no
começo de 2012, a coleta e a análise de acórdãos julgados em 2011, da data mais recente
para a mais antiga. A decisão de interromper a coleta dos acórdãos se deu com a utilização
do princípio da saturação, explicado por Álvaro Pires como o fenômeno pelo qual o
pesquisador julga que os novos documentos não trazem informações novas que justifiquem
continuar com a coleta de dados:
15
Essas decisões deram origem à Súmula 443 do STJ (“O aumento na terceira fase de aplicação da pena no
crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua
exasperação a mera indicação do número de majorantes”), que será analisada no capítulo 6.
16
As revisões criminais, portanto, foram excluídas por terem fundamentação vinculada e, por isso,
permitirem menor revisão do fato concreto.
17
Há casos, raros, em que a pena de 5 anos e 4 meses é aplicada já na primeira fase e não há causas de
aumento. Nesse caso, a pena corresponde à pena-base, e não à pena-base + aumento. Um desses casos
compôs o banco de dados final da pesquisa e foi comentado adiante, no capítulo 6.
23
de 5 anos e 4 meses, sem nenhuma diferença significativa que justificasse a análise dos
dois grupos.
O acesso à íntegra dos acórdãos foi feito pelo banco de dados disponível no
TJSP18. As palavras-chave usadas no campo “pesquisa livre” foram “5 anos e 4 meses” +
“roubo”. Como o objetivo da pesquisa era estudar a aplicação da pena hoje, o marco
temporal escolhido foi o de acórdãos julgados imediatamente antes de coleta, ou seja,
julgados até 31 de dezembro de 2011.
Como a busca de seis meses de acórdãos, entre 1º de julho de 2011 e 31 de
dezembro de 2011, resultou em 494 acórdãos (número que certamente ultrapassa a
possibilidade de análise), coletaram-se esses acórdãos19, com a intenção de parar a análise
quando atingida a saturação.
Desses acórdãos, foram excluídos 236, pelos seguintes motivos: não eram
apelações criminais20; indivíduo foi condenado à pena de 5 anos e 4 meses em primeiro
grau e em fase de apelação foi extinta punibilidade pela prescrição21; houve condenação
por roubo no mínimo (5 anos e 4 meses) mas não houve nenhuma discussão acerca da
pena, pois a apelação dizia respeito a outro crime conexo22; o termo “5 anos e 4 meses”
estava presente em acórdão citado como jurisprudência, mas não era a pena que tinha sido
aplicada23; indivíduo foi condenado às penas usadas como palavras-chave, mas por outro
crime24, ou por roubo em primeiro grau, mas absolvido pelo TJSP25; além de acórdãos
repetidos26. Ainda, 13 acórdãos foram excluídos porque estavam ilegíveis27.
Por fim, foram excluídos todos os casos em que a pena do crime de roubo, pela
aplicação de causas de aumento (continuidade delitiva ou concurso formal) ou diminuição
(tentativa), ficou, ao final, diferente de 5 anos e 4 meses. Exceção foi feita apenas para os
casos em que a pena final pelo roubo foi aplicada em 5 anos e 4 meses mas que, em razão
18
Disponível em www.tjsp.jus.br. Ferramenta: “consulta de jurisprudência”.
19
Essas datas foram inseridas no campo “data do julgamento”.
20
Por exemplo, TJSP, Revisão Criminal 0299804-45.2009.8.26.0000.
21
Por exemplo, TJSP, Apelação Criminal 9087912-09.2005.8.26.0000.
22
Por exemplo, TJSP, Apelação Criminal 0000386- 57.2010.8.26.0106.
23
Por exemplo, TJSP, Apelação Criminal 0061501-53.2010.8.26.0050.
24
Por exemplo, TJSP, Apelação Criminal 001337614.2010.8.26.0322.
25
Por exemplo, TJSP, Apelação Criminal 0001250-82.2009.8.26.0445.
26
Pessoa foi condenada a 5 anos e 6 meses e a pena foi reduzida para 5 anos e 4 meses, ou vice-versa
(exemplo: TJSP, Apelação Criminal 0079523- 62.2010.8.26.0050).
27
TJSP, Apelações Criminais: 0050953-66.2010.8.26.0050; 072922-71.2009.8.26.0000; 9072922-
71.2009.8.26.0000; 3001278-73.2010.8.26.0506; 0003109-94.2010.8.26.0091;0011013-
51.2008.8.26.0281; 3000699-67.2006.8.26.0506; 0000039-60.2011.8.26.0309; 9000061-
63.2005.8.26.0506; 0015404-16.2010.8.26.0625; 0065313-66.2010.8.26.0224; 0054177-
17.2007.8.26.0050; 0004135-25.2003.8.26.0366.
24
de concurso material com outro crime, ficou superior. O critério determinante para
inclusão desses casos na população foi a pena final do crime de roubo, já que serão essas
as circunstâncias do caso concreto que serão analisadas.
Foram selecionados, assim, 258 acórdãos.
28
Apêndice A.
25
29
“Structuring sentencing discretion” é a expressão utilizada por von Hirsch, Ashworth e Roberts para
designar as diferentes formas de guiar a decisão judicial no momento de aplicação da pena. De acordo
com os autores, a maior parte dos países adota um modelo com alguma forma de orientação ou
regramento da discricionariedade do aplicador da pena: “Permitir a quem aplica a pena discricionariedade
sem entraves, guiada apenas por revisão judicial em apelação, provavelmente resultaria em ampla
disparidade. O outro extremo, consistente em constranger a discricionariedade judicial em grau elevado,
pelo uso de penas mínimas obrigatórias, gera injustiça igualmente grave, tratando casos diferentes da
mesma forma. A maioria das jurisdições de common law escolheram estruturar a discricionariedade de
forma intermediária. Mas mesmo o meio-termo contém grau significativo de variação” (VON HIRSCH;
ASHWORTH; ROBERTS, 2009, p. 229-236, tradução livre).
26
27
Claro, essa relativa universalidade de certas idéias não impede que algumas
delas, sejam boas ou más, estejam mais “localizadas” em algumas regiões ou
sejam mais “atualizadas” em algumas regiões do quem em outras. Mas, como
pano de fundo, estão disponíveis na nossa cultura jurídico-penal ocidental e
moderna. (PIRES, 2005, p. 193-194).
29
Isso não significa que esta pesquisa não tenha intenção de buscar um
“conhecimento sistemático do real válido empiricamente” (PIRES, 2008e, p. 45). Muito
pelo contrário: é orientada por um método que permite a produção de conhecimento
válido, e não completamente subjetivo ou relativista:
30
30
Não é o objetivo aqui discutir com profundidade o que é igualdade no direito. Basta dizer que a noção de
igualdade tratada neste trabalho engloba as visões de igualdade como princípio (RAWLS, 1971), ideia
(WILLIAMS, 1962) ou conceito (OPPENHEIM, 1970, p. 143).
31
Há autores que falam em “pessoas” iguais e autores que falam em “casos” iguais (Cf. HART, 1994, p.
159).
32
A noção de que “iguais devem ser tratados de forma igual” engloba todas as formulações de que a razão
pela qual uma pessoa deve ser tratada de determinada maneira é que ele ou ela é “parecido” ou “igual” ou
“semelhante a” ou “idêntico a” ou “o mesmo que” outra pessoa que recebe esse tratamento.
33
De acordo com Peter Westen, o argumento de que existem diversas noções substantivas distintas de
igualdade não se sustenta, pois, na realidade, as noções são somente variações substantivas da formulação
formal de que “iguais devem ser tratados de forma igual”: “dizer que bens devem ser distribuídos de
acordo com mérito ou necessidades ou produtos ou vontades é simplesmente dizer que o critério
substantivo que define sob que aspecto as pessoas são iguais é mérito ou necessidades ou produtos ou
vontades. Nesse sentido, é um erro acreditar que várias noções de igualdade podem ser enumeradas em
uma lista múltipla e finita. De um lado, há tantas versões substantivas de igualdade quanto noções
substantivas de direitos com base nas quais pessoas podem ser tidas como ‘iguais’ ou ‘desiguais’; de
outro, só há uma noção de igualdade — a de que ‘iguais devem ser tratados de forma igual’”. (WESTEN,
1982, p. 530, nota 8, tradução livre).
31
igualdade é essencial por ser fonte de outros direitos e liberdades (Cf. DWORKIN, 1977,
p. 273; RAWLS, 1958, p. 165-166).
As formulações sobre a relação entre igualdade e justiça também são as mais
diversas. Para Alf Ross (1959, p. 269-270) e Hart (1994, p. 159), a noção formal de
igualdade é elemento central — mas incompleto — da ideia de justiça, porque deve ser
acrescentada de critério material para a determinação da classe para a qual a norma de
igualdade se aplica. Nozick (1974), ao olhar para a forma pela qual os bens foram
distribuídos em determinada sociedade (e não para o resultado da distribuição), argumenta
que sua concepção de justiça não faz nenhum tipo de presunção a favor da noção de
igualdade.
Assim, embora seja um fato empírico que os indivíduos são desiguais em quase
todos os aspectos, a ideia de que humanos são essencialmente iguais ou de igual valor
parece ser um dos dogmas de quase todas as teorias morais ou políticas contemporâneas
(POJMAN; WESTMORELAND, 1997, p. 1) e exerce papel importante para fundamentar
práticas de aplicação de pena.
Neste trabalho, importa a forma como princípios de igualdade e proporcionalidade
foram esmiuçados pelo saber clássico-penal para responder à questão: como e quanto
punir? A noção de que “delitos iguais devem receber penas iguais”, da forma como
construída pelas teorias da dissuasão e da retribuição, tem importantes consequências
práticas para a definição de arranjos normativos em matéria de aplicação da pena.
Cada homem tem sua maneira própria de ver; e o mesmo homem, em diferentes
épocas, vê diversamente os mesmos objetos. O espírito de uma lei seria, pois, o
resultado da boa ou má lógica de um juiz, de uma digestão fácil ou penosa, da
fraqueza do acusado, da violência das paixões do magistrado, de suas relações
com o ofendido, enfim, de todas as pequenas causas que mudam as aparências e
desnaturam os objetos no espírito inconstante do homem. (BECCARIA, 1764, p.
46-47).
32
33
satisfazer a ideia de justiça. De acordo com Alvaro Pires, embora o critério de identidade
de natureza tenha perdido força com a proibição geral de penas desumanas, o princípio não
desapareceu e serve para justificar a aceitação prática de ideia utilitarista de excedente de
pena (PIRES, 2008b, p. 215).
Para Maira Machado, Alvaro Pires, Carolina Ferreira e Pedro Schaffa (2009, p.
50), “essa forma particular de responder como e quanto punir parece haver deixado como
legado uma concepção tarifária de penas, segundo a qual as penas devem ser determinadas
objetivamente e definidas (na qualidade e quantidade) em função da gravidade ao crime”.
Esse critério depende exclusivamente dos elementos da infração “no sentido formal” — ou
seja, do tipo penal —, e não “da situação concreta levada diante do juiz”.
Além das noções de escala e espelho, Pires (2008b, p. 170) explica como a noção
de proporcionalidade também exprime a ideia de “um limite além do qual não se deve
punir”. Nesse sentido, a proporcionalidade exerceria efetivamente seu papel crítico contra
os abusos do antigo sistema e no combate à ideia de penas indeterminadas do positivismo
italiano (PIRES, 2008c, p. 170). Ainda hoje, o princípio teria uma “função de denúncia”,
como na condenação de pequenos contraventores a longas penas de prisão.
A semelhança entre as construções (igualdade, proporcionalidade-espelho e
proporcionalidade-escala) está na consequência prática: essas teorias selecionaram
determinada definição de igualdade e proporcionalidade nas penas que estimulou a prática
da definição da pena pelo legislador, de forma abstrata.
Assim, embora as fórmulas abstratas decorram da ideia filosófica de livre-
arbítrio34 e tenham como justificativa a necessidade de redução da arbitrariedade, a noção
de igualdade como uniformidade e a exigência de proporcionalidade entre pena e
gravidade do crime fundamentam a obrigação de punir.
Um bom exemplo da utilização dessas noções de proporcionalidade e igualdade
como ideais de política criminal na aplicação da pena são as reformas que ocorreram nos
Estados Unidos a partir de 1970. Embora no Brasil esses princípios também sejam usados
como argumentos para a limitação da possibilidade de individualização da pena pelo juiz,
34
Segundo esse preceito, a pessoa que comete crimes não é diferente dos outros, da mesma forma que o
crime não advém de causas naturalísticas. O delito surge do livre-arbítrio de que cada indivíduo dispõe
nos limites do contrato social. A função da pena se associava às ideias de utilidade e de necessidade, tudo
em conformidade com o princípio da legalidade (BARATTA, 2002, p. 31). No mesmo sentido, Saleilles
(1898, p. 53, tradução livre), sobre a Escola Clássica: “Teria, pois, de supor que, diante de um ato
idêntico, um roubo, um homicídio, todos os que tivessem cometido eram igualmente livres, e, por
conseguinte, igualmente responsáveis. […] Todo homem, diante de um ato idêntico, está numa situação
igual; pode escolher entre duas opções: fazer ou não fazer. O que faz virar a responsabilidade não é o grau
de liberdade, mas a gravidade do ato que se executa”.
34
nos países que passaram recentemente por reformas as questões foram debatidas mais
intensamente35.
35
Embora em 1984 tenha havido relevante reforma na parte geral do Código Penal, em países como nos
Estados Unidos a mudança foi radical, tendo alterado o modelo de aplicação de pena como um todo. Em
comparação, as mudanças no Código penal brasileiro foram mais pontuais.
36
Ver também Duff (1993, p. xi-xvii).
35
políticos criticavam a leniência dos juízes (TONRY, 1996, p. 9). Filósofos passaram a
apoiar ideias retributivistas (Cf. MORRIS, 1968) e professores e pesquisadores passaram a
sustentar a necessidade de reforma do sistema (Cf. VON HIRSCH, 1976).
O livro do juiz Marvin E. Frankel, Criminal Sentences: Law Without Order
(1973), é considerado a principal influência do movimento de reforma que culminou nas
legislações de aplicação de pena das décadas de 1980 e 1990 nos Estados Unidos37.
Baseando-se em suas experiências como juiz federal, Frankel argumentou que os poderes
irrestritos dos juízes norte-americanos eram “terríveis e intoleráveis num estado
democrático de direito” (FRANKEL, 1973, p. 5). O livro é uma crítica feroz à ideia de que
a pena deve ser individualizada (FRANKEL, 1973, p. 10) e aponta a falta de
fundamentação de sentenças (FRANKEL, 1973, p. 39-49) e diversas formas de viés
(FRANKEL, 1973, p. 42-43).
Na mesma época, em 1976, Andrew von Hirsch publicou o livro Doing Justice,
resultado de pesquisa realizada pelo Comitê de Estudos de Encarceramento, que se reuniu
pela primeira vez em 1971 (AMERICAN FRIENDS SERVICE COMMITTEE, 1971) para
estudar o sistema penitenciário norte-americano e colocou a teoria retributivista de “justo
merecimento” na pauta da discussão sobre pena e, com isso, a ideia de que a pena deve ser
proporcional à severidade do crime (DUFF, 1993, p. xii).
Embora houvesse divergência em relação ao sistema que deveria ser adotado,
pode-se dizer que dentre os defensores da necessidade de reforma predominavam as
seguintes ideias: a pena deve ser proporcional à severidade da ofensa; a justiça na
aplicação da pena requer diretrizes para o aplicador; a pena não deve se basear em
considerações de reabilitação; e os indivíduos não devem ser coagidos a participar de
programas de tratamento (TONRY, 2011a, p. 21).
Em parte, a teoria retributivista ganhou força em razão de
37
De acordo com Reitz (1993, p. 645, tradução livre): “o livro Criminal Sentences, do juiz Frankel, pode
ser o trabalho mais influente do estudo da justiça criminal nos últimos 20 anos. É a melhor acusação
contra práticas indeterminadas de aplicação da pena na literatura. Suas propostas guiaram as linhas gerais
de reforma nos anos 1980 e 1990 […]”. O livro de Frankel tornou-se o principal foco de vários
workshops que foram realizados na Yale Law School e providenciaram os fundamentos para as propostas
do senador Kennedy (DEMLEITNER; BERMAN; MILLER; WRIGHT, 2007, p. 118). No mesmo
sentido, ver Stith e Cabranes (1998, p. 35).
36
Esse diagnóstico é confirmado por Andrew von Hirsch e Lisa Maher, em 2009,
para quem o ideal de reabilitação criminal “estava em declínio desde o início dos anos
1970 até meados dos anos 1980. Esforços para tratamento pareciam oferecer pouca
esperança de sucesso” (VON HIRSCH; MAHER, 2009, p. 34, tradução livre).
Garland (2001, p. 8, tradução livre) descreve a queda de apoio ao ideal de
reabilitação a partir de 1970 como “supreendentemente brusca” e explica que “a mudança
de sentimento ocorreu primeiramente — e de forma mais enfática — na academia, mas
depois, e com maior receio, também afetou os operadores do sistema criminal, o discurso
dos gestores e as expectativas do público em geral”:
37
38
Pub. L. No. 98473, 98 Stat 1987 (1984) (amended at 18 U.S.C. §§ 3551-3559, 3561- 3566, 3571-3574,
3581-3586 (1988), e 28 U.S.C. §§ 991-998 (1988).
39
A United States Sentencing Commission é uma agência independente do Poder Judiciário de governo.
Seus objetivos principais são: (i) estabelecer políticas e práticas de aplicação de pena para a Justiça
Federal, incluindo diretrizes (guias de aplicação) a serem consultadas pelos juízes sobre a forma e a
severidade adequada de pena para autores de crimes federais; (ii) assessorar e auxiliar o Congresso e o
Executivo a desenvolver política criminal eficaz e eficiente; e (iii) coletar, analisar, pesquisar e produzir
ampla gama de informações sobre aplicação de pena em crimes federais, servindo como fonte de
informação para o Congresso, o Poder Executivo, o Poder Judiciário, a comunidade acadêmica e o
público (Informação do site da United States Sentencing Commission. Disponível em:
www.ussc.gov/About_the_Commission/index.cfm).
40
28 U.S.C. §§ 994 (1988).
Tradução livre. Antes da promulgação, em 1984, o senador Kennedy havia
introduzido versões de projetos de lei sobre aplicação da pena durante todas as legislaturas (STITH;
CABRANES, 1998, p. 38, TONRY, 1996, p. 12). De acordo com Stith e Cabranes (1998, p. 41), as
propostas anteriores do senador Kennedy eram diferentes da versão promulgada em vários aspectos,
especialmente em razão da eleição de Ronald Reagan para presidente em 1980. O mais significante: os
primeiros projetos previam que as diretrizes seriam uma recomendação, e não obrigatórias. A explicação
de Stith e Cabranes é compartilhada por Michael Tonry (1996, p. 12): a legislação “foi formulada e
acordada em um momento político no qual os ideais do juiz Frankel eram compartilhados pela maioria,
mas implementados em outro momento político, em que tinham pouca influência”. A política de crime e
controle do Reagan em 1985, quando os sete primeiros membros da comissão foram apontados, “estava
mais orientada para severidade do que para justiça e igualdade” (TONRY, 1996, p. 13, tradução livre).
38
39
40
A reforma também aconteceu nos estados norte-americanos: até 2013, pelo menos
22 estados haviam adotado diretrizes para aplicação da pena, com a instituição de
comissão independente e permanente41.
Além da instituição das diretrizes de aplicação de pena, em 1950 o Congresso
ampliou o uso de penas mínimas obrigatórias — que já eram previstas para crimes graves
desde o século XVIII — e aumentou seus valores. Uma legislação antidrogas promulgada
em 1986 (The Anti-Drug Abuse Act of 1986) estabeleceu o quadro normativo aplicado
hoje aos crimes relacionados ao tráfico de drogas, com penas mínimas variando de 5 anos
à prisão perpétua, dependendo da qualidade e da quantidade de drogas (UNITED STATES
SENTENCING COMMISSION, 2011, p. 30).
Uma forma particular de pena mínima obrigatória muito utilizada pelos estados
norte-americanos foi a regra “três strikes e você está fora”, que impõe pena específica,
muitas vezes severa, nos casos de terceira condenação criminal. De acordo com Alice
Ristroph (2006, p. 1314), a maioria dos observadores dessas leis concordam em dois
aspectos: primeiro, existe grande apoio popular a leis que atingem reincidentes habituais; e
segundo, o mais relevante objetivo da pena nesses casos é a incapacitação42.
Os Estados Unidos foram tomados como exemplo de estruturação da
discricionariedade judicial na aplicação da pena após o diagnóstico de que o sistema
“indeterminado” precisava ser alterado. Mas, como será estudado adiante (capítulo 5), as
formas de criar um sistema mais determinado de aplicação da pena foram as mais diversas
em diferentes jurisdições ocidentais.
Antes de aprofundar o estudo dessas tendências, importante esclarecer o que se
quer dizer com sistemas “determinado” e “indeterminado” de aplicação da pena e,
principalmente, o que essa classificação deixa de ver. Para von Hirsch e Hanrahan (1981,
p. 294), sistemas “tradicionais” de aplicação da pena nos Estados Unidos (a partir do
começo do século XX) eram indeterminados porque havia poucos critérios (standards)
explícitos para controle das autoridades responsáveis pela determinação da pena (juízes e
oficiais da execução) e também porque esses sistemas retardavam a decisão da exata
41
Informação obtida no site da Associação Nacional de Comissões de Aplicação da Pena (National
Association of Sentencing Commissions) — www.thenasc.com. Para análise detalhada das semelhanças e
das diferenças entre as diretrizes estaduais de aplicação da pena nos Estados Unidos, ver Frase (2005b).
42
Para outros trabalhos específicos sobre essas leis, ver Clark, Austin e Henry (1997), Zimring, Hawkins e
Kamin (2001) e Vitiello (2004).
41
quantidade de pena de prisão para depois do cumprimento de boa parte da pena43. Sistemas
“determinados”, de outro lado, possuem critérios explícitos e detalhados sobre “quanto”
punir e procedimentos claros que permitem que o prisioneiro seja informado logo da data
em que se espera que poderá sair44.
Essa classificação deixa de considerar (ou é neutra em relação a) três aspectos: (i)
qual instituição define os critérios e implementa nos casos concretos, (ii) o formato desses
critérios e (iii) as teorias da pena favorecidas por esses critérios (VON HIRSCH;
HANRAHAN, 1981, p. 294-296). Ou seja: dizer que um sistema deve ser mais
determinado não significa que as penas devem ser determinadas em razão da gravidade do
delito, de forma proporcional. Muitas vezes, essas ideias se confundem porque, como
descrito anteriormente, a crítica ao sistema indeterminado nos Estados Unidos veio
acompanhada de mais destaque à teoria retributivista de “justo merecimento”. Mas temos
aqui planos distintos: o primeiro, relacionado ao grau de determinação, ou o grau de
discricionariedade, deixado a quem tem o caso diante dos olhos (mais ou menos critérios,
maior ou menor exigência de fundamentação); isso é diferente das formas de estruturar
essa discricionariedade (diretrizes numéricas, precedentes judiciais, princípios
estabelecidos em lei, etc.); o que também não se confunde com as teorias da pena as quais
cada uma dessas formas favorece.
O fato de muitos países, especialmente os Estados Unidos, terem passado por
reformas nas formas de estruturar a discricionariedade na aplicação da pena e colocado as
ideias de “igualdade”, “proporcionalidade”, “justiça” e “uniformidade” no centro das
discussões sobre aplicação da pena ajuda a compreender o que hoje se quer dizer com
“crimes iguais devem receber penas iguais” e a perceber as diferentes formas utilizadas
para buscar essa tão desejada igualdade. O estudo do que se projetou com a ideia de just
deserts mostra a implicação da construção teórica para as reformas que ocorreram
especialmente a partir da década de 1960.
43
É em função dessa segunda característica que Tonry define o que para ele são sistemas “indeterminados
de aplicação da pena”: O sistema indeterminado de aplicação da pena (indeterminate sentencing), que
vigorou nos Estados Unidos e em outros países, como Inglaterra, do fim do século XIX até por volta de
1970, significa um modelo no qual a duração da pena não é definida no momento da sentença. Essa
definição é feita por um juiz, ou administrador, durante a execução, com base em cada caso individual.
Em sistemas considerados “extremos”, como Califórnia e Washington, o juiz da sentença decidia apenas
que a pena seria de prisão, mas não tinha nenhuma influência sobre a definição do período de tempo em
que indivíduo ficaria lá, e as penas variavam sempre de um ano até o máximo cominado em lei para
aquele crime (TONRY, 2011a, p. 4).
44
Essas definições têm a prisão como centro de referência. No item 3.2.2.3 deste capítulo será estudada a
forma como diferentes autores entendem que deve ser estruturada a decisão para aplicação de penas
alternativas.
42
45
Outros pesquisadores britânicos e escandinavos, como A. E. Bottoms, Andrew Ashworth, Martin Wasik,
e Nils Jareborg, também colaboraram para impulsionar o movimento (VON HIRSCH, 2011, p. 207-208).
46
Antes da década de 1970, o papel da proporcionalidade na aplicação da pena era bem mais restrito: penas
manifestamente excessivas em relação à gravidade do tipo penal eram consideradas injustas (e, em muitos
sistemas, inconstitucionais). O princípio, portanto, fundamentava a proibição de penas draconianas mas
tinha pouco papel na escolha da pena adequada (VON HIRSCH, 2011, p. 210).
43
cardinal). De acordo com von Hirsch (2011, p. 212, tradução livre), “se x meses, y meses
ou algo no meio disso é a pena adequada para roubo depende de como a escala foi
ancorada e que penas foram cominadas aos demais crimes”. De qualquer forma, segundo
ele, uma escala com grau de severidade de penas muito alto é “inconsistente com a função
moral da censura penal”.
A proporção deve se dar entre severidade da pena e gravidade da conduta
criminosa do acusado:
44
dissuasão não deveria ter nenhuma influência na aplicação da pena, por imperativo de
justiça:
46
Talvez tenham sido erros necessários para nos proteger contra penas
aberrantemente severas e expor injustiças que resultam da transferência do foco
da pena do ofensor para o crime. Mas foram erros, e agora sabemos como
melhorar. (TONRY, 2009, p. 354, tradução livre).
47
solicitar prostituição com quatro condenações prévias por crimes patrimoniais de menor
potencial ofensivo receba a mesma pena que uma pessoa condenada por roubo com uma
condenação prévia por roubo”. Embora as escolhas individuais feitas pela comissão
possam parecer razoáveis e bem justificadas, o resultado final da combinação pode gerar
distorções: “muitos indivíduos considerados como semelhantes podem parecer, aos olhos
de muita gente, bem diferentes” (TONRY, 2011b, p. 227). Esse ponto será analisado com
mais profundidade ao final deste capítulo.
48
econômicas (a segunda, como trabalho não remunerado), mas que a prestação de serviço
também restringe a liberdade de movimento e, por isso, cada dia de multa deveria valer
menos que 8 horas de trabalho comunitário (VON HIRSCH; WASIK; GREENE, 1989, p.
609).
O modelo proposto pelos autores parte, em um eixo, do escalonamento dos tipos
penais em função da gravidade (1-10) e, no outro, da atribuição de um valor para os
antecedentes criminais (1-6), como na maioria das diretrizes. O ponto de encontro
(gravidade e antecedentes) determinaria um “standard de pena normalmente
recomendado” (como detenção, multa ou advertência judicial). Permite-se o que os autores
chamam de “possibilidade limitada de substituição”, isto é, dependendo do standard de
pena, haveria possibilidade de substituição (VON HIRSCH; WASIK; GREENE, 1989, p.
604, tradução livre). O quadro a seguir, adaptado do artigo de von Hirsch, Wasik e Greene
(1989), ajuda a entender o modelo:
Quadro 1 – Modelo de escalonamento de sanções alternativas à prisão proposto por von Hirsch, Wasik e
Greene (1989)
Detenção “parcial” —
dias ou semanas (se antecedentes sugerirem que o
cumprida em algumas horas da
indivíduo não seguiria as condições de detenção
Gravidade do crime
semana
parcial)
1 6
Antecedentes criminais
Fonte: adaptado de von Hirsch, Wasik e Greene (1989).
50
Por fim, Tonry (2011b, p. 219) também argumenta que qualquer modelo que se
baseie exclusivamente na gravidade de crimes e sanções restringe o uso de sanções
prisionais por limitar a qualidade de sanções disponíveis. O autor cita prisão domiciliar,
reparação do dano e tratamento domiciliar de reabilitação para dependentes como sanções
que poderiam ser utilizadas.
Ao que parece, o pressuposto da teoria de “justo merecimento” (aplicação da pena
devida) por si só restringe a utilização de sanções não prisionais por não buscar nenhuma
forma de reabilitação. O tratamento para dependência, por exemplo, jamais será
“merecido”.
Outro ponto de debate sobre o aumento da população prisional diz respeito às
penas mínimas. Não parece haver dúvidas de que a ampliação de penas mínimas
obrigatórias “aumenta tanto a porcentagem de pessoas punidas com prisão como a duração
das penas” (LOWENTHAL, 1993, p. 121, tradução livre). Von Hirsch (2011, p. 123)
argumenta, no entanto, que penas mínimas obrigatórias para determinada categoria de
51
Pela maior parte do século XX, sanções que pareciam explicitamente retributivas
ou deliberadamente duras eram taxadas de anacronismos que não tinham lugar
num sistema penal “moderno”. Nos últimos 20 anos, no entanto, vimos o
ressurgimento de retribuitivismo de “justo merecimento” como um objetivo
geral de política criminal nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, inicialmente
alavancado pela percepção de injustiça da individualização da pena. Esse
desenvolvimento certamente promoveu o interesse por proporcionalidade e
penas obrigatórias que seus proponentes liberais desejavam. Mas também
restabeleceu a legitimidade de um discurso explicitamente retributivo, o que, por
sua vez, permitiu que políticos e legislaturas expressassem abertamente
sentimentos punitivos e promulgassem leis draconianas. (GARLAND, 2001, p.
8-9, tradução livre).
49
Ver também Nagel e Schulhofer (1992) e Alschuler (1988).
52
53
De acordo com Frase (2011, p. 156, tradução livre), a igualdade para Morris é um
“princípio orientador da aplicação da pena”, um valor que deve ser respeitado desde que
outros valores suficientemente justifiquem sua rejeição em qualquer caso. Para Morris, o
objetivo de igualdade na pena é importante mas de forma nenhuma um imperativo
categórico. O princípio da igualdade — de que casos semelhantes devem ser tratados de
forma semelhante — é apenas um princípio orientador que determina a igualdade da pena
desde que não existam razões utilitaristas que determinem o contrário (MORRIS, 1982, p.
160). Embora a retribuição e “o que é devido” estabeleçam alguns limites amplos, dentro
do que ele considera ser penas “não indevidas”, a sanção pode ser desigual, não equitativa
e, ainda assim, justa (FRASE, 2011, p. 258).
O princípio orientador mais importante para Morris (1974, p. 59) é o da
parcimônia: deve ser imposta a sanção menos restritiva necessária para alcançar objetivos
sociais predeterminados. Para que seja observado, deve haver possibilidade de mitigação
da pena, desconsiderando-se restrições “do que é devido” e de “igualdade” (FRASE, 2011,
p. 258).
Esse uso da proporcionalidade é parecido com o que Tapio Lappi-Seppala (2001,
p. 241), ao comentar o sistema de aplicação da pena na Finlândia, chama de
“proporcionalidade assimétrica”. Para ele, a função primordial da proporcionalidade é
evitar sanções arbitrárias, severas demais. Não possui essa mesma força para impedir
penas mais leves do que seriam a princípio devidas:
O autor dá alguns exemplos dessa assimetria: juízes podem aplicar a pena abaixo
do mínimo cominado sempre que motivos excepcionais requererem esse desvio; as
circunstâncias que agravam a pena são sempre exaustivas e taxativas, enquanto as
atenuantes são abertas (open-ended); se qualquer particularidade do crime imputado exigir
uma avaliação menos gravosa, os juízes têm poder discricionário para considerá-la, ainda
que nenhuma das circunstâncias atenuantes especificadas na lei esteja presente; e, mesmo
54
nos casos de sanções diversas da prisão, permite-se a imposição de sanção menos severa
do que a que seria a princípio exigida.
Apesar de os fundamentos não serem os mesmos, a “retribuição limitada” de
Morris e o sistema finlandês de “proporcionalidade assimétrica” são semelhantes, porque,
apesar de darem força à proporcionalidade, utilizam o princípio como definidor de limites,
e não como forma de chegar à quantidade e à qualidade de pena mais adequadas ao caso
concreto.
55
Pena
mínima
legislativa
Princípios da Fundamento da
proporcionalidade e da atribuição, ao
igualdade, construídos Legislativo, do papel
pelas teorias retributivista de determinação da
e da dissuasão pena: teoria da
separação dos poderes
(Montesquieu,
Fundamento (geral) Beccaria)
da prática: teorias
modernas da
pena
A questão central é que a igualdade estabelecida entre pena e tipo penal não é a
única possível de ser buscada em matéria de aplicação da pena. Poderíamos pensar em
sistemas que privilegiam outras formas de igualdade, como igualdade de intromissão na
esfera de liberdade do acusado ou igualdade (ou equivalência) de objetivo a ser alcançado
com a sanção.
Retoma-se aqui a crítica feita por Morris e Tonry (1990). A ideia de uniformidade
tem apelo político muito forte e é usada como aparente solução para os problemas de
desigualdades sociais. Os autores citam o relatório da U.S. Sentencing Commission de
1987, em que a agência justificou sua abordagem restritiva de sanções não prisionais como
uma consequência da tentativa de garantir que criminosos “de colarinho branco”
recebessem punição “não apenas nominal” (MORRIS; TONRY, 1990, p. 83) e, portanto,
não fossem tratados de forma diferente.
Argumentar a favor ou contra determinado modelo de aplicação da pena em
termos de “igualdade” diz pouco. Uma política que alguns consideram como importante
para promoção de igualdade pode ser considerada, por outros, como favorecedora de
desigualdade51. O mesmo ocorre com a proporcionalidade.
Assim, parece ser necessário olhar com mais cuidado a igualdade alcançada com
as diferentes formas de estruturar a discricionariedade judicial na aplicação da pena.
51
Cf. Schulhofer (1992), argumentando que o maior fracasso do guia federal é uniformidade excessiva, e
não disparidade indesejada; e Sith e Cabranes (1998), argumentando que o novo sistema criou novas
disparidades indesejadas e sacrificou a compreensão e o bom senso no processo.
57
58
fórmulas puramente abstratas que, ao menos para o povo, parecem subtraí-lo ao contato
com a vida”.
A teoria da individualização da pena opunha-se às fórmulas abstratas, às penas
determinadas e à pouca discricionariedade judicial do saber clássico, preocupado em
superar as atrocidades da justiça do Antigo Regime:
59
Nesse aspecto, Saleilles concebe o direito penal não como fato institucional, e sim como
aplicação de conhecimentos criminológicos com o objetivo de prevenir ao máximo o
cometimento de crimes.
Com esse movimento por maior individualização das penas, em oposição às penas
fixas do século XVIII, uma questão que merece destaque é: como a individualização (pena
adaptada ao indivíduo) foi conformada, compatibilizada com a noção de que “crimes
iguais merecem penas iguais”?
Nessa concepção absoluta, a teoria foi rejeitada. Mas, a partir dessa formulação,
as propostas de “individualização” vieram acompanhadas, de uma ou outra forma, de
alguma medida que preservasse a igualdade perante a lei52.
A forma mais comum de compatibilização da uniformidade com a
individualização da pena foi a fixação de limites mínimos e máximos (que respeitariam a
igualdade) com a possibilidade de o juiz escolher a pena dentro desses limites, com base
do caso concreto. O prefácio de Tarde ao livro de Saleilles ilustra bem essa ideia:
já uma lei de 25 frimário, ano VIII, abria um crédito à livre apreciação do juiz,
admitindo um máximo e um mínimo, entre os quais podia variar a mensuração
da pena, o que foi consagrado no Código de 1810 e se comunicou às legislações
moderas em geral. (BRUNO, 1967, p. 103).54
53
O próprio Saleilles, nos comentários à segunda edição do livro, descreve essa conciliação por meio da
fixação de mínimos e máximos: “Pode-se dizer que a tendência geral consiste, hoje, em rejeitar a
indeterminação absoluta da sentença, diante dos perigos que oferece à liberdade individual, pela
onipotência da Administração. Contenta-se com uma indeterminação relativa, ou seja, pela fixação, por
meio de lei relativa, ou seja, pela fixação, por meio da lei e dos juízes, de um minimum e um maximum
infranqueáveis” (SALEILLES, 2006, p. 256).
54
No mesmo sentido, Mir Puig (2003, p. 130-131), ao descrever o Código Espanhol: “Si el Código francés
de 1810 permitía al juez recorrer con arreglo a su arbitrio la totalidad de la penalidad señalada en el tipo
legal, los españoles recortaron tal posibilidad dividendo la penalidad típica en tres grados - máximo,
medio y mínimo -. Caso de no concurrir circunstancias modificativas, podía el juez aplicar sólo el grado
medio - restricción que se suprimió en 1944: art. 61, 4°-, y, caso de concurrir circunstancias agravantes o
atenuantes, debía aplicar, respectivamente, el grado máximo o el mínimo (salvo el supuesto de varias
atenuantes calificadas). Ello encerraba el arbitrio judicial en el estrecho marco ofrecido por cada grado,
salvo algún supuesto excepcional”. E Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior (2002, p. 82): “na
antiguidade imperava o princípio da flexibilidade da pena, ou seja, o magistrado podia aplicar qualquer
sanção àquele que houvesse cometido um crime. O critério nada mais era que o livre-arbítrio do juiz
frente ao caso concreto. Porém, durante o movimento iluminista, em virtude das reformas radicais que se
operaram à época, criou-se um sistema rígido e inflexível segundo o qual a cada delito praticado deveria
corresponder uma pena certa, fixa e predeterminada em lei. Subtraia-se do magistrado a possibilidade de
adequação da pena em relação ao delinquente ou mesmo ao fato por ele praticado, O juiz passa a ser
considerado, então, mero reprodutor das palavras da lei, sob o argumento de possível invasão da
competência reservada ao legislador. Porém, com o passar do tempo, o princípio da separação dos
61
poderes foi mitigado em vários aspectos, com efeitos diretos no Direito Penal, possibilitando-se o
reconhecimento do princípio da individualização da pena, desde que em consonância com o princípio da
legalidade”.
62
63
ser aplicada em função do número de causas de aumento presentes: uma causa de aumento
= 1/3; duas = 3/8; três = 5/12; quatro = 11/24; cinco = 1/255.
Reiteradas decisões do TJSP aumentando a pena em 3/8 se presentes duas causas
de aumento (as mais comuns: arma e concurso de pessoas), com fundamentação apenas no
número de causas de aumento, deu origem à Súmula 443 do STJ: “O aumento na terceira
fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação
concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de
majorantes”56.
Em um dos acórdãos do TJSP que foram reformados pelo STJ, a justificativa para
o aumento em 3/8 foi a necessidade de tratamento igual para todos os indivíduos que
cometem crimes com arma e em concurso:
Esta Corte Superior de Justiça tem reiteradamente afirmado que o critério para a
elevação da pena em função das causas de aumento no crime de roubo não é
matemático, mas subjetivo, e dependente das circunstâncias do caso concreto.
Dessa forma, por um lado, ainda que exista apenas uma causa de aumento
(concurso de pessoas), o Magistrado pode aumentar a pena acima de 1/3,
levando em consideração a expressiva quantidade de agentes (mais de 3, por
exemplo). Por outro lado, a conjugação arma branca e concurso de pessoas pode
55
O cálculo é feito da seguinte forma: para obter a fração para três causas de aumento, somam-se as frações
limites (1/3 e 1/2), com mínimo múltiplo comum, dividindo-se por dois para obter a média: 5/12. Essa
fração passa a corresponder a três causas de aumento, já que é a média entre a fração correspondente a
uma causa de aumento e a fração correspondente a cinco causas de aumento. Em seguida, calcula-se
novamente a média entre 1/3 (uma causa de aumento) e 5/12 (três causas de aumento), chegando à fração
de 3/8 para duas causas de aumento. A mesma media é calculada entre 5/12 (três causas de aumento) e
1/2 (cinco causas de aumento), obtendo-se a fração de 11/24 para quatro causas de aumento.
56
DJe 13/05/2010; RSTJ vol. 218, p. 711. Precedentes: HC 34658/S, rel. ministro Felix Fischer, Quinta
Turma, julgado em 21/09/2004, DJe 03/11/2004, p. 214; HC 34992/RJ, rel. ministro Paulo Gallotti, Sexta
Turma, julgado em 12/04/2005, DJe 15/06/2009; HC 54683/RJ, rel. ministro Nilson Naves, Sexta Turma,
julgado em 17/08/2006, DJe 04/06/2007, p. 430; HC 97134/SP, rel. ministro Arnaldo Esteves Lima,
Quinta Turma, julgado em 27/11/2008, DJe 19/12/2008; HC 103701/SP, rel. ministro Jorge Mussi,
Quinta Turma, julgado em 28/10/2008, DJe 24/11/2008; HC 123216/SP, rel. ministra Laurita Vaz, Quinta
Turma, julgado em 16/04/2009, DJe 18/05/2009; HC 124581/SP, rel. ministro Napoleão Nunes Maia
Filho, Quinta Turma, julgado em 26/05/2009, DJe 29/06/2009.
57
Acórdão do HC 124581/SP, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em
26/05/2009, DJe 29/06/2009, p. 3.
64
58
Acórdão do HC 124581/SP, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em
26/05/2009, DJe 29/06/2009, p. 6.
65
63
A Lei 6.416/1977 inaugurou essa mudança com a instituição de diferentes regimes de prisão (fechado,
semiaberto e aberto). Em 1984, com a reforma do Código Penal pela Lei 7.209/1984, as penas restritivas
de direito foram consideradas autônomas e passaram a poder substituir as penas privativas de liberdade.
Outra mudança importante na legislação penal brasileira foi a Lei dos Juizados Especiais (Lei
9.099/1995), que instituiu a possibilidade de composição civil, transação penal, e a suspensão condicional
do processo nas infrações penais de menor potencial ofensivo. A Lei das Penas Alternativas (Lei
9.714/1998), de 1998, além de criar novas espécies de penas alternativas, ampliou a possibilidade de
substituição das penas privativas de liberdade.
64
Artigo 44 do Código Penal.
65
Essa é uma das características de uma “nova política de alternativas penais” proposta por Maira
Machado: “esta nova política estimula, no nível legislativo, o reconhecimento de outras formas de
resolução de conflitos para além das respostas tradicionais do sistema de justiça criminal, como a
mediação e a justiça restaurativa. Dessa forma, a política amplia sensivelmente o repertório não somente
de sanções à disposição de juiz, mas também o repertório de formas de equacionar e gerir os conflitos e
problemas sociais sujeitos à lei penal. Além disso, a política posiciona-se claramente a favor da inclusão
do indivíduo apenado – e também da vítima – nas estratégias de definição e gestão da pena. Em terceiro
lugar, a política apresenta, com elevado nível de detalhamento, atribuições para os atores que atuam no
processo de gestão da pena tanto no âmbito federal e estadual como também na esfera municipal que
dificilmente integra as reflexões político-criminais” (palestra proferida no VII Congresso Nacional de
Alternativas Penais – CONEPA. Brasília, outubro de 2011).
67
Essa visão do juiz como mero aplicador técnico foi, há muito, superada pela teoria
do direito. Os ordenamentos jurídicos do século XX possuem normas abertas, havendo
grande espaço para interpretação judicial. Continuar caracterizando o juiz ideal como o
mero aplicador técnico distorce a atividade jurisdicional atual (MACHADO;
RODRIGUEZ, 2005, p. 91).
Isso não significa, no entanto, que não se possa criticar interpretações arbitrárias
ou falta de fundamentação: “num raciocínio dogmático, todo argumento precisa ser
mediado por um dos elementos deste ordenamento. Este é o material que o aplicador da
norma tem à sua disposição para construir suas argumentações” (MACHADO;
RODRIGUEZ, 2005, p. 88).
68
Ao que parece, há mais conforto em atribuir aos juízes o papel de definir o que se
considera lavagem de dinheiro, evasão de divisas, deveres normativos na omissão, mas
parece haver mais desconfiança na atribuição de discricionariedade na aplicação da pena.
A concepção que temos do juiz e das tarefas que deve exercer, por diversos
motivos que não são objeto deste trabalho, é distinta na decisão de condenação/absolvição
e na determinação da pena, o que parece influenciar a escolha da forma de estruturar a
discricionariedade judicial na aplicação da pena.
69
O grau de individualização pode ser determinado por (i) normas que permitem ou
obrigam a aplicação de determinada sanção, (ii) interpretação dada pelos tribunais às
normas de sanção e (iii) possibilidade de discussão, em contraditório, sobre os elementos
que compõem as normas de sanção (por exemplo, existência de um processo específico
para a determinação da pena e do grau de participação das partes).
OU: Não há
escala (pena
única)
Fonte: Machado e Pires (2009, p. 11)
70
(cumulada ou não com outra pena)66. A possibilidade de substituição por penas restritivas
de direito é possível, se atendidas as condições do artigo 44 do Código Penal, relacionadas
à quantidade de pena aplicada, à natureza do crime, à modalidade de execução, à
reincidência e à “suficiência” da substituição. Dependendo do crime — como é o caso do
roubo —, a única qualidade de pena possível a ser aplicada é a prisão, cumulada com a
pena de multa. O artigo 28 da “Lei de Drogas” (Lei 11.343/2006) é um exemplo de norma
de sanção com diferentes qualidades de pena cominadas e que podem ser aplicadas
isoladas ou cumulativamente (advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de
serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo)67. A gama de qualidade de penas que podem ser adotadas é extremamente
ampla: no Brasil, a limitação constitucional é material (são vedadas as penas cruéis e de
morte, caráter perpétuo, trabalhos forçados e banimento — art. 5o, XLVII) e formal (não
há pena sem prévia cominação legal — art. 5o, XXXIX).
As possibilidades relacionadas à quantidade de pena cominada também têm
grande impacto no grau de individualização da pena. A previsão de pena única ou pena
mínima — como já mencionado neste trabalho — é obstáculo à individualização da pena68.
Há possibilidade de: inexistência de pena mínima 69 ; existência de penas mínimas
indicativas; existência de penas mínimas obrigatórias. A pena máxima pode, por alguns,
ser considerada como forma de impedir a individualização, mas há importante diferença
em relação à pena mínima: “a máxima é uma forma de garantir ao réu que o exercício do
direito de punir não poderá ir além de determinado limite”, “é o máximo de pena tolerável
pelo direito de punir em um Estado democrático e de direito” (MACHADO; PIRES;
FERREIRA; SCHAFFA, 2009, p. 17). A pena mínima, de outro lado, não tem a função de
limite do poder punitivo estatal.
66
O Sispenas constitui um sistema de consulta sobre a legislação criminal em vigor no Brasil. O programa e
o banco de dados foram desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da Escola de
Direito da Fundação Getulio Vargas. Para mais detalhes sobre esse programa, ver Machado, Machado e
Andrade (2009).
67
De acordo com Alvaro Pires e Jean-François Cauchie (2011, p. 301-302), a lei introduziu “modificação
extremamente improvável no que concerne às penas” considerada inovadora porque: não autoriza
aplicação de pena de prisão e as penas “não têm usualmente o status jurídico de penas nas leis criminais”
e “não são penas selecionadas e valorizadas pelas teorias modernas da pena (retribuição, dissuasão,
neutralização e o primeiro paradigma da teoria da reabilitação)”.
68
Para estudo abrangente sobre a questão das penas mínimas, ver Machado, Pires, Ferreira e Schaffa
(2009). Sobre o mesmo tema: Salo de Carvalho (2009).
69
Como na França, a partir de 1992, na Nova Zelândia e na Suécia.
71
As normas de sanção podem ser, ainda, cumulativas ou alternativas (se tiver mais
de uma sanção prevista), e a escala de penas pode ser homogênea (6 meses a 2 anos de
reclusão ou heterogênea (20 dias-multa a 1 ano de reclusão).
Além das normas de sanção atreladas ao tipo penal, o grau de individualização
depende, ainda, de normas de sanção que estabelecem elementos que devem ser
considerados na aplicação e na execução da pena (no Brasil, agravantes, atenuantes, causas
de aumento e diminuição e normas que indicam regime inicial de cumprimento de pena e
possibilidade de progressão ou livramento condicional). Aqui, a variedade de normas de
sanção é grande. É possível citar como exemplo: as normas que indicam que determinados
critérios devem ser levados em conta na aplicação da pena, mas sem informar como; as
normas que indicam elementos que devem ser considerados, pelo juiz, como um todo ou
em diferentes fases de aplicação; os critérios indicativos ou vinculantes. Uma modalidade
importante de norma de sanção é a que estabelece as finalidades da pena — como é o caso
do artigo 59, caput, do Código Penal e, de forma muito mais predominante para a
aplicação da pena, no Sentencing Act da Nova Zelândia.
grau (uma espécie de furto qualificado) porque, para furtar a bicicleta, ele rompeu
obstáculo e entrou em uma casa habitada. Como Sanders tinha cinco prévias condenações
(por furto e receptação, sem violência), foi condenado à prisão perpétua. Seu recurso foi
recebido pela Suprema Corte do Alabama, que entendeu ser necessária a análise do
argumento de Sanders de que prisão perpétua seria manifestamente desproporcional ao
crime cometido e, por isso, constituiria pena cruel e inusitada, violando a oitava emenda da
Constituição dos Estados Unidos. A pena aplicada a Sanders foi confirmada pela Suprema
Corte do Alabama:
O segundo caso (R. V. Smith, daqui em diante “Smith”), julgado pela Suprema
Corte do Canadá, também diz respeito à análise, pelo Judiciário, de determinada pena
fixada de forma abstrata pelo legislador e que talvez pudesse ser considerada “cruel e
inusitada” e, por isso, inconstitucional. Esse caso foi analisado por Maira Machado e
Alvaro Pires (2009, p. 44-47) e teve solução distinta. Smith foi condenado em primeiro
grau à pena de 8 anos de prisão por tráfico por voltar da Bolívia com quantidade de
cocaína equivalente a mais de 100 mil dólares. A Suprema Corte canadense utilizou o caso
de Smith para analisar, em abstrato, a pena mínima de 7 anos para tráfico. Para a análise, a
decisão considerou um caso hipotético de um jovem primário de 19 anos entrando no
Canadá com um cigarro de maconha e, assim, concluiu que a pena mínima de 7 anos é
“cruel e inusitada”:
Para que seja possível abarcar, na pena, a maior complexidade possível do caso
concreto, o processo penal tem de permitir a discussão sobre os elementos que serão
considerados para a decisão. Não parece suficiente, portanto, a existência de leis penais
que favoreçam individualização, é necessário um processo que se volte também para a
discussão da pena, e não apenas da imputação72.
Não se trata, apenas, de questão processual, mas também de questão político-
criminal: o crescente interesse — e a sofisticação — sobre a teoria do delito e seus
componentes tornou essa a discussão central no processo, em detrimento do debate acerca
da sanção criminal sobre o caso concreto. Não se desconhece que, na vigência do estado de
inocência, pode soar como precipitada a discussão sobre pena futura e hipotética, o que
pode ser mitigado com o diferimento do debate da individualização da pena para momento
imediatamente posterior à decisão sobre a imputação.
72
É nesse sentido a afirmação de Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Júnior (2002, p. 277) sobre a
produção de provas acerca das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal: “Na primeira fase o
juiz deverá examinar os parâmetros enfeixados no art. 59, caput, do CP. A consideração dos elementos
mencionados depende de uma boa colheita de provas na fase instrutória. Muitas das questões que,
posteriormente, servirão para fundar o quantum da pena fixada dependem de um eficiente interrogatório
(art. 188 do CPP), o que nem sempre é feito. Como saber, por exemplo, sobre a conduta social prévia do
agente do crime se o próprio agente e as testemunhas arroladas não o disseram?”.
74
juiz deve orientar-se pelos critérios fornecidos pelo legislador, pondo a claro suas
ponderações, a verdade é que lhe resta, de quando em vez, uma margem de livre
apreciação dentro da qual só sua convicção pessoal do que é correto vem a ser decisivo”
(RODRIGUES, 1995, p. 97).
Assim, discricionariedade, para fins deste trabalho, não se confunde com arbítrio
judicial, que seria a chamada “discricionariedade livre”, sem nenhuma vinculação.
O exemplo do Brasil ilustra essa ideia. Muitos autores avaliam que o sistema
criminal brasileiro conferiu, nas últimas reformas, maior discricionariedade ao juiz na
aplicação da pena:
conhecimento de que resultará em acusado sendo tratado de forma mais severa em razão
de raça, origem, cor, religião, gênero, idade ou deficiência física ou mental. Discriminação
direta mas intencional seria relacionada a estereótipos inconscientes, como “injustificável
maior suspeita em relação a negros”. Por fim, haveria a discriminação indireta, nos casos
em que a regra é geral mas sua aplicação é diferente para alguns grupos em particular —
por exemplo, redução da pena para quem se declara culpado (“guilty plea”), já que
acusados negros seriam menos propensos a essa declaração.
Disparidade, no sistema criminal, é termo associado à prática de aplicação de
penas distintas a casos semelhantes (ASHWORTH, 2009, p. 253), mas também pode ter
um sentido mais amplo: tratamento distinto para acusados e vítimas quando suas
circunstâncias são parecidas (GELSTHORPE; PADFIELD, 2003, p. 4). Mas, comumente,
fala-se em disparidade ou disparidade injustificável (unwarranted disparity) como a
variação da pena aplicada que pode ser identificada como o resultado exclusivo de raça ou
outro fator extrajurídico (como gênero), depois que todos os critérios jurídicos já foram
considerados (STOLZENBERG; D'ALESSIO, 1994; BUSHWAY; PIEHL, 2001, p. 734).
Outro termo que se costuma relacionar à ideia de discricionariedade é
lawlessness, que seria a aplicação da pena de forma desregrada, sem qualquer critério
jurídico. Em Criminal Sentences: Law Without Order76, de 1973, e em artigo publicado em
1972 na Cincinatti Law Review (“Lawlessness in Sentencing”), o juiz Frankel fala sobre a
aplicação da pena como decisão sem critério jurídico (lawlessness) e sem a exigência de
motivação, não existindo proteção contra decisões inconsistentes. De acordo com ele,
haveria, nos Estados Unidos, “excesso de discricionariedade” e “discricionariedade
irrestrita” na aplicação da pena (FRANKEL, 2009, p. 242, tradução livre).
Vâ-se que discricionariedade é uma ideia comumente associada a efeitos
indesejáveis na aplicação da pena, como arbítrio, discriminação, disparidade e o que foi
chamado de lawlessness.
Embora não esteja em disputa a ideia de que os juízes, hoje, têm
discricionariedade (sempre vinculada a critérios jurídicos) para aplicação da pena, há
grande discussão sobre como evitar que a margem de apreciação judicial se transforme em
arbítrio, permitindo discriminação ou disparidade injustificada.
Se de um lado há quem entenda que o legislador deve prever de forma detalhada
todas as situações possíveis e determinar a pena adequada para cada um desses casos, é
76
Já mencionado no capítulo 3.
77
possível pensar em outra estratégia: a criação de critérios que exijam do juiz análise mais
profunda na aplicação do direito ao caso concreto, mas sem determinação prévia da
quantidade e da qualidade de pena pelo legislador.
INDIVIDUALIZAÇÃO
Como não está em disputa a visão de que os juízes têm discricionariedade para
aplicar a pena, a escolha dentre as diferentes formas de estruturar essa discricionariedade
passa por um paradoxo entre individualização da pena e uniformidade. Se somente a pena
determinada por lei garantiria penas iguais para os mesmos tipos penais (princípio da
igualdade e da uniformidade), a individualização só seria concretizada se a pena for
definida em função do indivíduo e do caso concretos.
No Brasil, esses ideais estão compatibilizados pela doutrina brasileira com a
existência de limites mínimos e máximos para cada tipo penal — o que garantiria penas
parecidas para tipos penais parecidos — e com a possibilidade de o juiz escolher a pena
concreta dentro desses limites, de acordo com critérios legais e constitucionais — o que
permitiria a individualização.
Em outros países, no entanto, especialmente onde houve recente reforma na
aplicação da pena, a questão foi colocada em outros termos. Individualização e
uniformidade são vistos como ideais concorrentes entre si:
78
desses efeitos (cf. Tonry 1992). (ULMER, 1997, p. 184, tradução livre).
APLICAÇÃO DA PENA
79
77
Como a maioria dos países combina estratégias e também alterou o modelo ao longo dos anos, a
descrição será feita por país, e não por “tipo de técnica de estruturação da discricionariedade do juiz”.
Apenas no que diz respeito às penas mínimas obrigatórias, estratégia utilizada na maioria das jurisdições,
optou-se por explicá-las independentemente dos países que as adotam.
78
Para uma descrição do debate legislativo que deu origem à criação da Comissão de Aplicação da Pena de
Minnesota (Minnesota Sentencing Guideline Commission), ver Frase (1991).
80
critérios nos casos concretos. Um exemplo muito citado pela doutrina é o da reforma da
aplicação da pena da Suécia, de 1989 (ASHWORTH, 1992, 2009; JAREBORG, 1995;
VON HIRSCH, 1997, 2009; VON HIRSCH; JAREBORG, 2009). Também foi o modelo
adotado pela Finlândia, em 1976. A reforma de 2002 da Nova Zelândia também é um
ótimo exemplo da aplicação dessa técnica em razão, especialmente, do detalhamento das
diretrizes (ROBERTS, 2003, p. 267).
Penas mínimas obrigatórias 79 são usadas em diversas jurisdições de tradição
common law, como Estados Unidos, África do Sul, Austrália, Canadá, Inglaterra e País de
Gales (ASHWORTH, 2009, p. 252), e sua utilização foi ampliada com as reformas no
sistema de aplicação de pena, embora muitos dos defensores de maior estruturação da
discricionariedade judicial na aplicação da pena por meio de diretrizes sejam contra a
criação de penas mínimas obrigatórias por entender que geram as mesmas injustiças que as
reformas pretenderam evitar (cf. LOWENTHAL, 1993; ASHWORTH, 2009).
79
A definição de pena mínima utilizada neste trabalho é a proposta por Machado, Pires, Ferreira e Schaffa
(2009, p. 15-17) e engloba, além da cota prevista na norma de sanção atrelada ao tipo penal,
determinações na parte geral de aumentos obrigatórios caso presente determinada circunstância e, ainda, a
fixação de um período fixo de tempo durante o qual não se pode pedir benefícios durante a execução.
80
United States v. Booker (2005) 543 US 220. Para uma análise detalhada dos efeitos do julgamento, ver
Berry III (2008).
81
divisão em níveis de gravidade abarca um grande número de tipos penais. O valor dos
antecedentes em cada caso concreto é estabelecido por um sistema de pontos. Soma-se um
ponto a cada condenação por um crime grave a cada quatro condenações por crimes de
menor potencial ofensivo ou pelo fato de o crime ter sido cometido em alguma forma de
liberdade condicional, por exemplo. Como mencionado, a pena presumida é obtida pela
célula de encontro entre a linha contendo a categoria de gravidade do crime e a coluna com
o valor dos antecedentes. Os casos abaixo da linha preta (cinza) preveem pena de prisão.
Casos acima da linha (quadrados brancos), a princípio não. Nesse último caso, a
quantidade indicada representa a pena de prisão a ser aplicada caso o indivíduo deixe de
cumprir a pena distinta da prisão.
83
Tabela 1 – Pena presumida, em meses, de acordo com as diretrizes de aplicação de pena do estado de
Minnesota em 2002
Valor atribuído aos antecedentes
Grau de
Exemplo
gravidade
0 1 2 3 4 5 6 ou mais
Venda de substância
I 12 12 12 13 15 17 19 (18-20)
controlada
Conduta sexual
criminosa (com 98 (93- 110 (105- 122 (117- 134 (129- 146 (141- 158 (153-
IX 86 (81-91)
penetração e contra 103) 115) 127) 139) 151) 163)
vítima vulnerável)
150 (144- 165 (159- 180 (174- 195 (189- 210 (204- 225 (219- 240 (234-
X Homicídio culposo
156) 171) 186) 201) 216) 231) 246)
306 (299- 326 (319- 346 (339- 366 (359- 386 (379- 406 (399- 426 (419-
XI Homicídio doloso
313) 333) 353) 373) 393) 413) 433)
84
86
Para explicar como funcionaria, von Hirsch descreve como seriam “diretrizes narrativas”
que incorporassem políticas das diretrizes numéricas de Minnesota:
81
Duff (2005) fala em diretrizes “discursivas”, mas o conceito por ele desenvolvido é o mesmo das
diretrizes “narrativas”.
87
82
Outros países também analisaram a possibilidade de criar diretrizes com grades bidimensionais e, ao
final, rejeitaram a ideia. Em 1984, o governo do Canadá criou uma comissão de aplicação da pena
provisória que visitou vários estados norte-americanos (incluindo Minnesota e Pensilvânia) e concluiu
que as grades não serviriam para a aplicação da pena no Canadá. A Austrália ocidental também flertou
com a ideia em 1999, mas ao final a abandonou (ROBERTS, 2012, p. 269).
83
Disponível em http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2009/25/part/4.
88
84
Para uma descrição detalhada do debate legislativo e dos conflitos entre governo, Judiciário, painel e
conselho, ver Ashworth (2013).
89
todos os juízes, quando aplicarem pena por mais de um tipo penal, devem decidir
por uma pena total que reflita as condutas do acusado e que seja justa e
proporcional. […] em geral, é impossível chegar a uma pena justa e proporcional
por mais de um tipo penal simplesmente pela soma das penas individuais. É
necessário considerar o comportamento do acusado, bem como seus fatores
pessoais como um todo. (SENTENCING COUNCIL, 2012, p. 5, tradução livre).
Quando um acusado tem de ser multado por duas ou mais condutas que se
originaram do mesmo incidente ou há várias condutas repetitivas, especialmente
90
conferidas a órgãos independentes (mesmo que com maioria judicial) —, a forma das
diretrizes continua sendo classificada como “narrativa” (ASHWORTH, 2012, p. 244).
Embora elas apareçam na forma de tabela (uma para cada tipo penal), o modelo inglês
“depende de forma considerável dos elementos narrativos dos documentos das diretrizes”
(ASHWORTH, 2012, p. 248, tradução livre).
5.4 DETERMINAÇÃO, PELO LEGISLATIVO, DOS PRINCÍPIOS E DAS POLÍTICAS QUE DEVEM
SER CONCRETIZADOS PELO JUIZ NOS CASOS CONCRETOS: SUÉCIA E NOVA ZELÂNDIA
Suécia
92
93
94
Nova Zelândia
aplicar a pena86. Tanto Young e King (2010, p. 256) como Roberts (2003, p. 267) criticam
a falta de diretrizes sobre o peso relativo que deve ser dado a cada finalidade, o que, na
visão deles, permitia que os juízes continuassem a decidir o que querem privilegiar.
Em seguida, a lei prescrevia os princípios que deveriam ser considerados pelo juiz
ao aplicar a pena: o juiz deveria considerar: a gravidade da conduta no caso concreto e a
culpabilidade do acusado; a gravidade do tipo penal em comparação a outros tipos penais,
como indicado pela pena máxima prescrita para os tipos penais; e uma vontade geral de
que as sanções fossem consistentes, considerando-se as sanções aplicadas a acusados
semelhantes cometendo condutas semelhantes em circunstâncias semelhantes. Além disso,
a lei determinava que a pena fosse aplicada perto do máximo, ou no máximo, se a conduta
se encaixasse nos casos mais graves daquele tipo penal, desde que as circunstâncias
relacionadas ao acusado tornassem a pena inadequada. Essa previsão era consistente com a
“atmosfera dos anos que precederam a promulgação do ato” e pode ter sido responsável
por um aumento no número de penas longas (ROBERTS, 2003, p. 259, tradução livre).
O juiz deveria, ainda, aplicar a sanção menos restritiva possível que fosse
apropriada no caso concreto e deveria levar em conta quaisquer circunstâncias particulares
do acusado que significassem que a pena normalmente apropriada seria, no caso concreto,
desproporcionalmente severa87.
Por fim, a lei determinava que o juiz deveria considerar: quaisquer informações
disponíveis sobre o efeito da conduta na vítima; o histórico pessoal, comunitário, cultural,
familiar ou whanau 88, nos casos em que a sanção fosse aplicada com finalidade de
reabilitação; bem como quaisquer processos restaurativos que tivessem ocorrido ou que
provavelmente ocorreriam em razão do caso concreto. A ideia de incluir o histórico
cultural do acusado como fator para decisão sobre a pena respondeu a uma tentativa de
diminuição proporcional do número de maoris na prisão e teve como objetivo dar especial
consideração a fatores culturais que podiam causar sofrimento desproporcional ou que
fizessem o indivíduo passar por dificuldades adicionais (ROBERTS, 2003, p. 260).
Ao elencar as circunstâncias agravantes e atenuantes, o Sentencing Act 2002
determinava que deveriam “ser consideradas pelo juiz, na medida em que fossem
aplicáveis ao caso concreto”, mas explicitava que o juiz também poderia considerar outras
86
Seção 7 do Sentencing Act 2002 da Nova Zelândia, Disponível em
http://www.legislation.govt.nz/act/public/2002/0009/latest/DLM135342.html
87
Seção 8 do Sentencing Act 2002, da Nova Zelândia
88
“Whanau” é o termo maori para família estendida.
97
circunstâncias que não as elencadas naquela seção89. Por exemplo, o juiz deveria levar em
consideração, em sua decisão: qualquer oferta de reparação — financeira ou por meio de
prestação de serviço realizado pelo autor ou em nome dele — para a vítima; qualquer
acordo entre o autor e a vítima sobre o modo como o autor poderia reparar o injusto ou o
dano causado ou para garantir que a ofensa não se repetisse; a reação à ofensa pelo próprio
ofensor, sua família ou whanau; quaisquer medidas já tomadas ou que poderiam ser
tomadas para compensar ou se desculpar pelo ocorrido. Ao decidir se esses elementos
seriam levados em consideração e, se fossem, o grau de influência deles na determinação
da pena, o juiz deveria levar em conta se essas tentativas de reparação ou resposta foram
genuínas, se foram capazes de satisfação e se foram aceitas pela vítima como forma de
mitigação do injusto90. Se apesar de oferta, acordo ou medida para compensar o ocorrido
ainda fosse o caso de aplicar alguma sanção, o juiz deveria, pelo menos, considerar essas
atitudes na aplicação.
De acordo com a seção 10.4, o juiz poderia suspender o processo até que (i) fosse
feito o pagamento de compensação; (ii) algum trabalho ou serviço prestado pelo acusado
fosse completado; (iii) qualquer acordo entre acusado e vítima fosse cumprido; ou (iv)
qualquer outro remédio fosse finalizado. Essa previsão, de acordo com Roberts (2003, p.
264), gera importante incentivo para que advogados de defesa proponham o início de
procedimentos de justiça restaurativa.
A legislação também ampliou as sanções disponíveis ao juiz em caso de
condenação, bem como as organizou em hierarquia que reflete “o grau de monitoramento
ou supervisão do acusado e de restrições impostas a ele”91: livramento sem sanção ou
ordem de comparecimento perante o juízo para ouvir a sentença; multa ou reparação;
trabalho comunitário ou supervisão; supervisão intensa e detenção na comunidade;
detenção domiciliar; e prisão92.
A nova legislação também incrementou o procedimento contraditório prévio à
aplicação da pena (ROBERTS, 2003, p. 261), com a possibilidade de o acusado levar
diversas testemunhas para serem ouvidas — sendo que o juízo passou a ser obrigado a
recomendar ao acusado que fizesse um requerimento para que houvesse a audiência93.
89
Seção 9 do Sentencing Act 2002, Nova Zelândia, tradução livre.
90
Seção 10 do Sentencing Act 2002, Nova Zelândia.
91
Seção 10A do Sentencing Act 2002, Nova Zelândia, tradução livre.
92
Seção 10A do Sentencing Act 2002, Nova Zelândia, tradução livre.
93
Seção 27 do Sentencing Act 2002, Nova Zelândia.
98
94
Seção 16 do Sentencing Act 2002, Nova Zelândia.
99
demasiadamente severas e são adequadas para atingir seus objetivos (punição justa e
controle do crime), Paul Cassell critica as penas mínimas obrigatórias por levar a injustiças
em alguns casos concretos:
95
Ver também Schulhofer (1993).
101
102
a nova lei não elimina a disparidade 100 para 1 na aplicação da pena por crack e
cocaína, mas pode ser considerada um progresso no que é reconhecidamente
considerado tratamento desigual de acusados semelhantes, baseado somente na
forma de cocaína que eles possuíam (depoimento do senador Scott, 28 de julho
de 2010, 156 Cong. Rec. H6197 (UNITED STATES SENTENCING
COMMISSION, 2011, p. 30, tradução livre).
Eu não vou apoiar alterações que sabotem o sistema de aplicação da pena que
temos, mas eu acredito que o modelo atual não é justo e nós não somos capazes
de defender as penas que são cominadas pela legislação hoje (depoimento do
senador Sessions, 15 de outubro de 2010, 155 Cong. Rec. S10492). (UNITED
STATES SENTENCING COMMISSION, 2011, p. 30, tradução livre).
Em 2013, o escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) opinou
pela “remoção das penas mínimas obrigatórias”, sob o argumento de que os “juízes têm de
ter discricionariedade para individualizar a pena, podendo considerar o passado e as
vulnerabilidades do acusado e as circunstâncias da conduta, sem perder de vista as
necessidades de sua reabilitação”. De acordo com o documento, para que “indivíduos
sejam tratados de forma equitativa e proporcional”, é “necessário que os juízes tenham
discricionariedade não apenas para determinar a quantidade, mas também a qualidade da
sanção, para que possa aplicar sanções distintas da prisão nos casos em que isso for
apropriado” (UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME, 2013, p. 49,
tradução livre).
No entanto, apesar das severas críticas por parte de pesquisadores, juízes e
agências independentes, as penas mínimas continuam a atrair considerável atenção política
por parte de autoridades e legisladores (ASHWORTH, 2009, p. 253)97.
96
Pub. L. No. 111–220, 124 Stat. 2372.
97
Os fundamentos da pena mínima são analisados em profundidade por Machado e Pires (2010) e
Machado, Pires, Ferreira e Schaffa (2009). Sobre os efeitos da pena mínima, ver Lowenthal (1993) e
Tonry (1996, p. 134-164).
103
104
isso não significa que o juiz tenha muito mais possibilidade de adaptar a pena ao caso
concreto porque grande parte dos elementos utilizados para o juiz para aplicar a pena
(reincidência, menoridade, concurso de pessoas) já estão pré-categorizados. Cabe ao juiz
verificar se estão presentes no caso concreto e, então, aplicar a consequência prescrita em
lei (aumento de tanto a tanto, diminuição de tanto a tanto). Em relação às categorias mais
amplas (como as do artigo 59 do Código Penal), o juiz, embora “limitado” pelo mínimo e o
máximo prescrito em lei, é pouco guiado pelo legislativo sobre como deve considerar cada
circunstância. Além disso, no Brasil há poucas “válvulas de escape”: se a pena a que o juiz
chegar após considerar as circunstâncias previstas em lei for desproporcional, inadequada
ao caso concreto, injusta, não há saída. É o que será estudado a seguir.
105
98
Reconhece-se, aqui, a disputa sobre caracterização/tipificação dos fatos. O que interessa neste trabalho é
o grau de descrição dos fatos e a forma como são considerados para a decisão sobre a pena, e não se a
decisão de imputação foi correta.
99
Importante ressaltar que as questões de fato estão desvinculadas do reconhecimento pelo Tribunal de
Justiça. O que importa são os fatos, e não seu reconhecimento como circunstância relevante para
aplicação da pena. Um exemplo pode ajudar a ilustrar esse ponto. Na categoria confissão, os acórdãos
foram divididos em “não informado”, “não”, “confissão extrajudicial” e “judicial”; em seguida, com
exceção dos casos de “não informado”, foi transcrita a parte em que o acórdão discorre sobre essa
confissão. Se fosse mencionado que o acusado confessou, isso era computado, mesmo que o Tribunal de
Justiça não tivesse classificado a confissão como circunstância atenuante. Além disso, é importante
ressaltar que os “fatos” analisados foram buscados tanto no relatório do acórdão como na decisão de
condenação, de aplicação da pena ou na decisão sobre o regime.
106
Para que a análise possa ser bem compreendida, é importante fazer uma breve
contextualização da aplicação da pena no Brasil e, em seguida, descrever brevemente o
tipo penal de roubo, previsto no artigo 157 do Código Penal 100 , e o entendimento
jurisprudencial e doutrinário sobre sua configuração e sobre aplicação da pena.
100
“Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a
pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. Pena -
reclusão, de quatro a dez anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a
coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a
detenção da coisa para si ou para terceiro. § 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a
violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; III -
se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. IV - se a
subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V -
se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.”
101
O Código Criminal promulgado em 1830 teve inspiração no iluminismo penal do século XVIII, também
fonte da Constituição de 1824 e dos códigos criminais da primeira parte do século XIX, como os códigos
penais franceses de 1791 e 1810. O artigo 179, XVIII, da Carta Constitucional do Império (1824) já
continha algumas disposições de política criminal, acerca, por exemplo, da proibição de penas cruéis, da
pessoalidade das penas e das condições mínimas de segurança e limpeza das prisões (LOPES, 2002, p.
286-287).
102
Ordenações Filipinas, Livro V, título XII.
103
Art.173, do Código Criminal do Império
107
104
Art. 44, do Código Criminal do Império.
105
Artigos 38-42. A aplicação da pena de morte foi, no entanto, restrita. D. Pedro II comutou todas as penas
de morte depois do erro judiciário que levou à execução de Manuel da Mota Coqueiro (LOPES, 2002, p.
287), considerada a última praticada no Brasil.
106
Artigo 60.
107
Artigo 15 do Código Criminal do Império: “As circumstancias aggravantes, e attenuantes dos crimes
influirão na aggravação, ou attenuação das penas, com que hão de ser punidos dentro dos limites
prescriptos na Lei”.
108
Art. 63 do Código Criminal do Império: “Quando este Codigo não impõe pena determinada, fixando
sómente o maximo, e o minimo, considerar-se-hão tres gráos nos crimes, com attenção ás suas
circumstancias aggravantes, ou attenuantes, sendo maximo o de maior gravidade, á que se imporá o
maximo da pena; o minimo o da menor gravidade, á que se imporá a pena minima; o médio, o que fica
entre o maximo, e o minimo, á que se imporá a pena no termo medio entre os dous extremos dados”.
Exemplo: artigo 71 do Código Criminal do Império: “Auxiliar alguma nação inimiga a fazer a guerra, ou
a commetter hostilidades contra o Imperio, fornecendo-lhe gente, armas, dinheiro, munições, ou
embarcações. Penas - de prisão perpetua com trabalho no gráo maximo; por quinze annos no médio; e por
oito no minimo”.
109
Art. 33 do Código Criminal do Império: “Nenhum crime será punido com penas que não estejam
estabelecidas nas leis, nem com mais ou menos daquelas que estiverem decretadas para punir o crime no
grau máximo, médio ou mínimo, salvo o caso em que aos juízes se permitir arbítrio”.
108
110
Código Criminal do Império, artigos 16 a 18. Código Penal de 1890, artigos 39 a 42.
109
111
“[…] Antigamente, o juiz dispunha de grande arbítrio, que era empregado de modo nocivo, porque
propiciava a perseguição aos fracos e a proteção das classes privilegiadas. Depois do movimento
revolucionário que constituiu o iluminismo, na França, com as modificações por que passou o Direito
Penal, cogitou-se de impedir a mutabilidade e a incerteza da decisão judiciária, e legislou-se em sentido
diametralmente oposto: o juiz deveria aplicar a pena rigidamente determinada na lei, para cada caso.
Logo, porém, se notaram as consequências também más desse sistema, que conduzia a injustiças. Com a
Escola Positiva começou a desacreditar-se a chamada pena simétrica, pena medida e contada com
ridículos requintes de pretensa exatidão matemática, em correspondência quase exclusiva com a
gravidade objetiva do fato. Cuidou-se, então de atender às condições particulares do criminoso, à sua
individualidade física, antropológica, moral. Alastrou-se a convicção de que o juiz deveria ter poderes
para individualizar as sanções, considerando o delinquente como uma realidade viva. Tal orientação, em
que se inspirou o nosso estatuto repressivo, que outorga ao magistrado bastante arbítrio na fixação da
pena, depende de aperfeiçoamento dos meios dos quais, em verdade, não dispomos […] Substituímos,
pois, o sistema legislativo, mas continuamos com as mesmas deficiências […] (GARCIA, 2008, p. 97-
98).
112
De acordo com Alvaro Pires e Jean-François Cauchie (2011, p. 301-302), a lei introduziu “modificação
extremamente improvável no que concerne às penas” considerada inovadora porque não autoriza
aplicação de pena de prisão e porque as penas “não têm usualmente o status jurídico de penas nas leis
110
a indicação das penas mínimas está nas “disposições preliminares” da lei, e não atrelada ao
tipo penal.
Assim, embora seja possível identificar leis chamadas de “despenalizadoras”,
alguns (poucos) movimentos de restrição à pena privativa de liberdade e alguns
dispositivos que ampliam a margem do juiz para aplicar a pena mais adequada ao caso
concreto, nosso sistema continua centralizado na pena privativa de liberdade e na
existência de limites mínimos de pena estabelecidos pelo legislador. O princípio da
individualização da pena, consagrado pela Constituição Federal (art. 5o, XLVI), é
conformado por limites qualitativos e quantitativos estabelecidos em abstrato pelo
legislador e também por práticas judiciais que têm como resultado a autolimitação das
tarefas do juiz.
Em suma, a atual disciplina da dosimetria da pena foi construída a partir de
premissas iluministas, demandas pela humanização dos castigos e, mais recentemente, em
atenção à pressões externas por “ordem e estabilidade” (PRADO, 2012, p. 29), resultando
num sistema, em tese, favorável à segurança jurídica e à legalidade. Do Código Criminal
de 1830, até a Parte Geral de 1984, foram empreendidos sucessivos esforços para conferir
racionalidade à tarefa de aplicar-se penas e, especialmente, conter abusos na utilização do
poder punitivo. Essa última preocupação, essencial à consolidação do Estado Democrático
de Direito (transição democrática) e imprescindível diante de uma realidade política
institucional que permitia, senão fomentava, práticas autoritárias. David Teixeira de
Azevedo resume bem o raciocínio que conduziu teoria e práticas de aplicação da pena até
aqui: “toda autorização ao magistrado para a manipulação dos limites punitivos constitui-
se em verdadeira delegação legislativa, e, como tal, deve ser restrita e expressa, delimitada
legalmente”.
Porém, superada a primeira década do século XXI, é possível localizar
“permanências autoritárias em regimes democráticos” (PRADO, 2012, p. 12) no sistema
de justiça criminal, dentre as quais aquela identificada como linha de investigação dessa
dissertação: o papel privilegiado do poder legislativo sobre o poder judiciário no campo de
aplicação da pena.
criminais” e “não são penas selecionadas e valorizadas pelas teorias modernas da pena (retribuição,
dissuasão, neutralização e o primeiro paradigma da teoria da reabilitação)”.
111
não se conhece nenhum caso em que o juiz deixou de aplicar a pena com fundamento no
artigo 59 do Código Penal e, ao comentar a quantidade de pena a ser aplicada, a doutrina
parece ser unânime em afirmar que ao fixar a pena-base o juiz deve respeitar
rigorosamente os limites mínimo e máximo fixados em lei.
Se todas as circunstâncias judiciais forem favoráveis, entende-se que a pena-base
deve ser aplicada no mínimo legal (SHECAIRA; CORREA JUNIOR, 2002, p. 279). Nos
casos em que também há circunstâncias desfavoráveis não existe critério único para
definição da quantidade de pena aplicável. Entende-se que o juiz deve ponderar todos os
elementos de forma global e, de forma motivada, justificar o aumento114. Mas é também
possível encontrar nos tribunais casos em que há tentativa de padronização da decisão,
com atribuição de critério mais matemático para definição da quantidade de pena, como no
caso do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em que se considera que cada
circunstância desfavorável permite o aumento da pena na fração de 1/6115.
(ii) Segunda fase: agravantes e atenuantes
Na segunda fase de aplicação da pena, o juiz deverá aplicar os aumentos e as
diminuições correspondentes às circunstâncias agravantes e atenuantes previstas nos
artigos 61 a 66 do Código Penal. O rol de circunstâncias agravantes é taxativo
(SHECAIRA; CORREA JUNIOR, 2002, p. 265). São exemplos de circunstâncias
agravantes: reincidência, ter o agente praticado o crime por motivo fútil ou torpe ou ter
praticado o crime contra criança, pessoa maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida. As
circunstâncias atenuantes nominadas estão previstas no artigo 65 do Código Penal
(exemplo: autor menor de 21 anos, desconhecimento da lei e confissão espontânea), mas o
código também prevê que a pena “poderá ser atenuada em razão de circunstância
relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei” (art.
66). Permite ao juiz, justificadamente, diminuir a pena por qualquer circunstância que
114
Nessa fase, a jurisprudência costuma utilizar o princípio da proporcionalidade como argumento para
avaliar a quantidade de aumento. Cf. STJ, HC 52.974/SP, rel. ministra Laurita Vaz, julgado em
20/11/2007: “a despeito de haver certa discricionariedade do Juiz na aferição das circunstâncias do art. 59
do Código penal, deve fazê-lo objetivamente, respeitando o critério da proporcionalidade entre o aumento
implementado e as circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis. No caso dos autos, considerando
a efetiva existência de maus antecedentes por condenações anteriores transitadas em julgado e
personalidade ‘voltada para o crime’, está justificada a fixação da pena-base acima do mínimo legal,
contudo, o Magistrado o fez de forma exacerbada e desproporcional”.
115
“Embora não haja um tabelamento da quantidade de pena que o Juiz deve aditar para cada uma das
circunstâncias reputadas desvantajosas (o que não poderia ser diferente em razão do consagrado princípio
da individualização da pena) a praxe adotada por esse Areópago Estadual caminha na trilha de que cada
circunstância adversa do art. 59 do estatuto Repressivo é suficiente para elevar a reprimenda na proporção
de 1/6 (um sexto) em relação ao mínimo cominado à infração que se analisa” (TJSC, Apelação Criminal
n. 2010.068491-7, rel. desembargador Sérgio Paladino, julgado em 22/02.2011).
113
considerar relevante. Essa é a regra por meio da qual Zaffaroni e Pierangeli (2008, p. 525)
vislumbram a possibilidade de articulação de princípios como coculpabilidade e
vulnerabilidade em casos em que o indivíduo tem menos capacidade de autodeterminação
em razão de causas sociais ou está em situação de vulnerabilidade perante o sistema de
justiça.
A lei não prevê o quantum para o aumento ou para a diminuição: limita-se a
prever que as circunstâncias elencadas “sempre agravam” ou “sempre atenuam” a pena. É
o juiz, com base no caso concreto, que deve definir a quantidade de aumento e diminuição
mais adequada. Considerando que o Código Penal de 1984 adotou o sistema trifásico de
aplicação da pena e que a referência à aplicação da pena dentro dos limites mínimo e
máximo só está presente no artigo 59 (primeira fase de aplicação), a discussão sobre a
possibilidade de aplicação da pena em patamar aquém do mínimo legal foi levada aos
tribunais. Em 1999 o STJ editou a Súmula 231 vedando essa possibilidade, e a
interpretação de que não se pode fixar a pena aquém do mínimo legal — criticada por
muitos autores — é firme até hoje. Machado, Pires, Ferreira e Schaffa (2009, p. 40)
descrevem esse caso como de “auto-obstrução” do sistema jurídico à sua atuação, uma vez
que a “mensagem da lei penal (sistema politico) não impede a redução aquém do
mínimo”116.
De acordo com Cezar Bitencourt (2008, p. 602), a vedação à fixação da pena
abaixo do mínimo legal se presente circunstância atenuante “nega vigência ao art. 65 do
CP, que não condiciona a incidência [da atenuante] a esse limite”, havendo, pelo contrário,
determinação de atenuação da pena, e caracteriza “inconstitucionalidade manifesta”, por
violar o “direito público subjetivo do condenado à pena justa legal e individualizada”. É
sobre esse último ponto — aplicação da pena justa — que se concentra grande parte das
críticas à impossibilidade de atenuação. Luigi Ferrajoli (1998, p. 397) argumenta que “não
se justifica a estipulação de um mínimo legal” e que é possível “confiar ao poder equitativo
do juiz a escolha de uma pena abaixo do mínimo cominado”117.
116
É importante ressaltar que juízes e tribunais resistiram a esse movimento de obstrução à sua atuação. O
levantamento jurisprudencial feito por Machado, Pires, Ferreira e Schaffa (2009, p. 37-40) identificou
diversas decisões favoráveis à redução antes da edição da súmula. Em um dos acórdãos, do próprio STJ, a
turma julgadora vinculou a possibilidade de observar e adequar a pena ao caso concreto à ideia de
determinação de uma pena mais justa (STJ, Resp. 68.120-MG, rel. min. Luiz Vicente Cernicchiaro,
j.16.09.1996).
117
No mesmo sentido, Leonardo Sica (2002, p. 202-203) afirma que “não há um nível mínimo de sofrimento
que deve ser imposto infalivelmente ao autor de um crime” e Leonardo Massud (2009, p. 219) argumenta
que “a supressão ou, ao menos, a flexibilização dos limites mínimos, além de não encontrar objeções nos
princípios de direito penal, oferecem maiores e melhores mecanismos aos magistrados para que alcancem
114
Nos casos em que está presente mais de uma circunstância, o artigo 67 do Código
118
Penal define que devem preponderar aquelas relacionadas à motivação, à personalidade
do agente e à reincidência. A jurisprudência119 é firme em considerar que a menoridade
deve prevalecer sobre as demais, inclusive reincidência; concurso entre confissão
espontânea e reincidência, no entanto, gera mais controvérsia, já que há divergência sobre
o caráter pessoal da confissão espontânea120.
(iii) Terceira fase: causas de aumento e diminuição
Há causas de aumento e diminuição na parte geral do Código Penal — e que se
aplicam, portanto, a todos os crimes — e na parte especial ou legislação especial — nesse
caso, existindo apenas para determinados crimes.
Costuma-se entender como causas de aumento da parte geral as regras relativas ao
concurso de crimes, ou seja, aos casos em que o indivíduo pratica dois ou mais crimes,
mediante uma ou mais ação ou omissão. O concurso é chamado de “material” nos casos
em que o indivíduo pratica dois ou mais crimes mediante mais de uma conduta
(pluralidade de condutas e de crimes). Nesse caso, as penas são somadas. O concurso
formal aplica-se nos casos em que mais de um crime é praticado mediante uma só conduta
(pluralidade apenas de crimes). Nesse caso, aplica-se a pena mais grave, com aumento de
1/6 até a 1/2121 (arts. 69 e 70). Nos casos de crime continuado (prática de vários crimes
que, por serem da mesma espécie, levam à conclusão de serem mera continuação do
primeiro) aplica-se a pena do crime mais grave, com aumento de 1/6 a 2/3 (art. 71).
as finalidades da pena nas infinitas hipóteses concretas, as quais, como já dito, o legislador não terá
jamais condições de contemplar previamente”.
118
Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas
circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do
crime, da personalidade do agente e da reincidência.
119
“Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto esta Corte Federal Superior registraram entendimento de que
a circunstância atenuante da menoridade prepondera sobre as demais circunstâncias, legais e judiciais.”
(STJ, HC 30.797/SP, rel. ministro Hamilton Carvalhido, DJ 01/08/2005).
120
Até 2012, o Supremo Tribunal Federal entendia que a reincidência, por estar expressa no artigo 67, era
preponderante e que não haveria coação ilegal se o juiz aumentasse a pena na segunda fase em razão
dessa agravante, mesmo se reconhecida a confissão. No julgamento do HC 101.909, o ministro Ayres
Britto, relator do acórdão, afirmou a existência de precedentes contrários ao reconhecimento da confissão
como circunstância da personalidade (“Encontrei na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
decisões em sentido diametralmente oposto ao pedido defensivo”), mas, após pensar sobre o tema,
chegou a “diferente compreensão das coisas”. De acordo com a decisão, a confissão voluntária por pessoa
protegida pelo direito de não se autoincriminar “revela a consciência do descumprimento de uma norma
social (e de suas consequências), não podendo, portanto, ser dissociada da noção de personalidade” (STF,
HC 101909, rel. ministro Ayres Britto, julgado em 28/02/2012).
121
Artigo 70 do Código Penal.
115
122
O crime é tentado nos casos em que, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias a sua
vontade (art. 14).
123
Artigo 16 do Código Penal: “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o
dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a
pena será reduzida de um a dois terços”.
124
No mesmo sentido, Prado (2013, p. 291).
116
aumentando a pena em 3/8 se presentes duas causas de aumento (as mais comuns: arma e
concurso de pessoas), com fundamentação apenas no número de causas de aumento, deu
origem à Súmula 443 do STJ: “O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime
de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua
exasperação a mera indicação do número de majorantes”.
Em um dos acórdãos do TJSP que foram reformados pelo STJ, a justificativa para
o aumento em 3/8 foi a necessidade de tratamento igual para todos os indivíduos que
cometem crimes com arma e em concurso:
Esta Corte Superior de Justiça tem reiteradamente afirmado que o critério para a
elevação da pena em função das causas de aumento no crime de roubo não é
matemático, mas subjetivo, e dependente das circunstâncias do caso concreto.
Dessa forma, por um lado, ainda que exista apenas uma causa de aumento
(concurso de pessoas), o Magistrado pode aumentar a pena acima de 1/3,
levando em consideração a expressiva quantidade de agentes (mais de 3, por
exemplo). Por outro lado, a conjugação arma branca e concurso de pessoas pode
resultar na fixação do percentual mínimo, em virtude da menor lesividade do
instrumento utilizado […] Na hipótese, a pena foi aumentada em 3/8 sem que
fosse registrada qualquer excepcionalidade que ensejasse a majoração acima de
um terço, não sendo, para tanto, suficiente a gravidade em abstrato do crime ou a
mera constatação da existência de duas causas de aumento.126
125
Acórdão do HC 124581/SP, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em
26/05/2009, DJe 29/06/2009, p. 3.
126
Acórdão do HC 124581/SP, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em
26/05/2009, DJe 29/06/2009, p. 6
117
127
O preso em regime fechado cumpre pena na penitenciária; o cumprimento de pena em regime semiaberto
é feito em colônia agrícola, com número reduzido de agentes penitenciários e mais flexibilidade de
horários; por fim, a pena em regime aberto deve ser cumprida em casas do albergado, que devem se situar
em centros urbanos e permitir a saída do indivíduo durante o dia (DOTTI, 2010, p. 663). Essas
disposições são, em geral, descumpridas, não existindo vagas suficientes para cumprimento de pena em
regime semiaberto e aberto.
128
De acordo com o artigo 44 do Código Penal, “as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem
as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o
crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se
o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes,
a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que
essa substituição seja suficiente”.
129
Diz-se “regime inicial” porque nosso sistema de execução de pena é progressivo. O preso inicia o
cumprimento de pena no regime determinado pelo juiz da instrução e, progressivamente, é transferido
para regimes mais brandos.
130
Artigo 33 § 2º: “As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo
o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a
regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 anos deverá começar a cumpri-la em regime
fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda a 8, poderá, desde
o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou
inferior a 4 anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. § 3º - A determinação do regime
inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”.
118
131
Súmula 269 do STJ: “É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados
a pena igual ou inferior a 4 anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.
132
Súmula 719 do STF: “a imposição de regime de cumprimento mais severo que a pena aplicada permitir
exige motivação idônea”.
133
Súmula 718 do STF: “a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui
motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”.
119
poderiam ter pena menor, mas são “igualados” pelo mínimo. Da mesma forma que obrigar
os juízes a fundamentar a pena mínima — evitando sua aplicação para todos os casos —, a
exclusão das mínimas obrigatórias poderia ter o efeito de garantir fundamentação e
tratamento distinto para casos diferentes.
A análise dos casos concretos de roubo em que foi aplicada pena mínima tem
como objetivo verificar as diferenças nas situações de fato que deram origem à mesma
pena de prisão.
A leitura dos acórdãos revelou casos muito distintos sob a mesma pena mínima,
de 5 anos e 4 meses.
Em um dos casos estudados, os acusados pediram duas pizzas por telefone e,
quando o entregador chegou, subtraíram as pizzas e R$ 140,00 com ameaça de faca.
Confessaram o crime, afirmando que eram dependentes químicos e precisavam de dinheiro
para comprar mais droga:
Por volta das 23h30, quando, previamente ajustados e mediante grave ameaça
exercida com emprego de faca, subtraíram para eles duas pizzas grandes,
avaliadas em R$ 60,00 e a quantia de R$ 140,00 pertencentes a Ricardo Idalino
da Silva. Infere-se da denúncia que os agentes ligaram para o restaurante “O
Pensador” e solicitaram a entrega de duas pizzas, contudo, quando o entregador
chegou ao local indicado foi abordado e subjugado pelos réus, que subtraíram os
bens descritos e fugiram a pé. Todavia, a vítima os reconheceu por registro
fotográfico. Foram condenados respectivamente: José Carlos 5 anos e 4 meses de
reclusão e pagamento de 15 dias multa; Rilson a 7 anos de reclusão, além do
não são aplicadas circunstâncias agravantes ou atenuantes, essa distinção perde sentido, já que as causas
de aumento formam um novo tipo, cuja margem pode ser obtida com a aplicação do menor aumento
sobre a pena mínima (no caso do roubo, 4 anos + 1/3) e do maior aumento à pena máxima (10 anos +
1/2). Assim, no caso de roubo com causa de aumento e sem circunstâncias agravantes e atenuantes, o
intervalo é de 5 anos e 4 meses a 15 anos. Essa margem representa o intervalo entre a menor e a maior
pena possíveis, comportando todas as hipóteses que podem ser concretamente fixadas pelo juiz.
137
Há um caso de aplicação da pena de 5 anos e 4 meses como pena-base. Nesse caso, o tribunal manteve
condenação por roubo simples (art. 157, caput) em que a pena-base foi fixada acima do mínimo porque
“o Magistrado atentou para os maus antecedentes bem demonstrados nos autos, onde se vê que o acusado
ostenta outras condenações por crimes da mesma natureza” (0011598-78.2001.8.26.0270). O interessante
desse caso é que o acréscimo à pena-base (1/3) é a fração de aumento usualmente aplicada nos casos em
que há causas de aumento.
138
Em nenhum caso houve condenação pelo artigo 157, § 1o (violência ou grave ameaça para assegurar
impunidade ou para deter a coisa) ou 157, § 2o, III (transporte de valores), IV (subtração de veículo
automotor que venha a ser transportado para outro estado) ou V (restrição de liberdade da vítima).
121
Nos casos em que foram aplicados pena de 5 anos e 4 meses e regime semiaberto
as diferenças também são expressivas: em um caso, por exemplo, duas pessoas, fingindo
estarem armadas com a mão por baixo da camiseta, subtraíram um celular. O celular foi
recuperado no mesmo dia141. Em outro, duas pessoas foram acusadas de encostar facas no
pescoço de idosa, ameaçando-a de morte e subtrair joias avaliadas em R$ 85.135,00. Parte
dos bens foi recuperada142.
Independentemente da gravidade de cada crime imputado, conceito difícil de ser
avaliado, parece claro que as circunstâncias concretas são muito distintas.
Em outros casos distintos entre si, além de as penas serem as mesmas, a
fundamentação foi quase idêntica.
Um dos casos a seguir diz respeito a um indivíduo que, sozinho e com uma faca,
subtraiu um aparelho de celular de uma vítima na rua. Confessou o crime na polícia e em
juízo, sempre alegando que era dependente químico e estava “drogado” quando cometeu o
crime143. No outro caso, dois indivíduos “se acercaram da vítima no momento em que ela
139
0015819-74.2009.8.26.0482. O TJSP reduziu a pena de Rilson Néspolo para 5 anos e 4 meses.
140
0001852-27.2008.8.26.0213.
141
0018023-94.2010.8.26.0405.
142
0008713-47.2010.8.26.0637.
143
0002917-66.2010.8.26.0058.
122
147
0043637-02.2010.8.26.0050 e 0044920-60.2010.8.26.0050.
148
A análise será dividida por questão de fato, para facilitar a compreensão das distinções entre os casos.
Uma objeção a essa forma de análise poderia ser a de que a divisão por categorias permitiria enxergar
diferenças pontuais entre os casos, mas que, consideradas as circunstâncias de forma global, os casos
poderiam ter “gravidade” parecida. No entanto, conforme será explicado mais adiante, na maioria dos
acórdãos as diferenças de fato não foram sequer consideradas na argumentação da decisão sobre a pena, o
que mostra que, mesmo “isoladas”, foram tratadas de forma semelhante.
124
Para que se considere preenchido o tipo penal de roubo, é necessário que o autor
faça a subtração da coisa móvel mediante “grave ameaça ou violência à pessoa” ou que o
faça depois de reduzir a capacidade de resistência da pessoa (art. 157 do Código Penal).
Embora essas três ações sejam distintas entre si — e cada uma comporta ações
muito diferentes —, têm como consequência os mesmos parâmetros de pena, por estarem
juntas no mesmo tipo penal.
Além da falta de informações sobre o caso concreto (especialmente no caso da
grave ameaça), a leitura dos acórdãos revela fatos muito distintos sob a mesma quantidade
de pena. Sob a pena de 5 anos e 4 meses há casos considerados de violência física de
ameaça de morte com uso de arma, de acusado que colocou a mão embaixo da camisa,
fingindo estar armado149, e, por fim, caso em que a vítima foi ameaçada com “palavras”,
mas sem uso de arma ou violência física 150 . Em nenhum acórdão estudado essas
circunstâncias foram mencionadas na decisão sobre a quantidade de pena.
Nos acórdãos analisados em que foi descrita violência física contra a vítima, as
ações foram: vítima “agarrada pelas costas” 151 , imobilização pelo braço 152 , vítima
“segurada pelo pescoço”153. Em outro caso, havia apenas a informação de que a vítima
sofrera violência física, sem indicação do como isso ocorreu, tendo apenas sido informado
que “apresentou hematomas e ferimentos no rosto”154. Esses fatos, quando apareceram no
acórdão, foram usados apenas na motivação sobre a fixação do regime inicial. E, nesse
aspecto, foi possível encontrar casos em que fatos muito diferentes foram usados como
argumento para consequências distintas. Em dois casos de violência semelhante (vítima
agarrada pelas costas155 e vítima agarrada pelo pescoço156), essa circunstância foi utilizada
para motivar, em um caso, a fixação de regime inicial fechado e, em outro, de forma
implícita, como argumento favorável à fixação do regime semiaberto (já que não houve
uso de arma).
149
0018023-94.2010.8.26.0405.
150
0047005-30.2008.8.26.0554.
151
0086903-73.2009.8.26.0050.
152
0219614-95.2009.8.26.0000.
153
0274521-20.2009.8.26.0000.
154
0002917-66.2010.8.26.0058.
155
0086903-73.2009.8.26.0050.
156
0274521-20.2009.8.26.0000.
125
157
0015576-31.2009.8.26.0224.
158
0043637- 02.2010.8.26.0050.
159
0044920- 60.2010.8.26.0050.
160
0043637- 02.2010.8.26.0050 e 0044920- 60.2010.8.26.0050.
126
No caso em que a grave ameaça é descrita como exercida “com palavras” e sem
arma, a circunstância não foi mencionada em nenhuma parte da fundamentação, da pena
ou do regime173.
169
0008713-47.2010.8.26.0637.
170
0008713-47.2010.8.26.0637.
171
0040263-46.2008.8.26.0050; 0009860-79.2009.8.26.0270; 003908477.2008.8.26.0050; 0294994-
27.2009.8.26.0000; 0283533-58.2009.8.26.0000.
172
0090814-59.2010.8.26.0050.
173
0047005-30.2008.8.26.0554.
128
6.2.2.2 Confissão
A atenuante da confissão não têm reflexo na pena, pois já fixada esta no mínimo,
sendo inviável redução aquém deste patamar (RT 541/472 e 537/412). A
propósito, a Súmula 231, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “a incidência
da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do
mínimo legal”.175
174
STF, HC 91654, rel. ministro Carlos Britto, julgado em 08/04/2008, DJe 06/11/2008 e STJ, HC
204.280/SP, rel. ministra Laurita Vaz, julgado em 26/02/2013, DJe 06/03/2013.
175
0002917-66.2010.8.26.0058.
129
176
0009115-56.2010.8.26.0564.
130
interrogado em solo policial (fls. 34), preferiu, desta vez, quedar-se silente;
porém em seu inquisitório, a corroborar a anterior confissão, declarou-se
arrependido do crime que cometera (fls. 35). Em juízo (fls. 119/120) disse que
assinou a confissão por “pressão psicológica”, pois teria sido agredido pelos
policiais, e que indicou Maicon como seu comparsa a mando dos milicianos […]
Contudo, a versão exculpatória apresentada em juízo pelo recorrente Anderson
não convence, não se sustentando a retratação mesmo porque desacompanhada
de qualquer elemento de persuasão. Além disso, a confissão extrajudicial está de
acordo com a prova produzida pela Justiça Pública, acrescentando que ele foi
reconhecido pela vítima, em duas oportunidades distintas, na fase
extrajudicial.177
Em juízo, Wellington Acácio Dias Ferreira reconheceu que ele e seu comparsa
subtraíram os pertences da vítima, mas afirmou que não a ameaçaram.
Asseverou que ambos passaram correndo e, desta forma, praticaram a subtração.
Afirmou que foi preso do outro lado da avenida e que os policiais militares o
agrediram. Aduziu que seu comparsa não disse para darem tiros no pé da vítima
(fl. 69).179
Em Juízo, o réu relatou que, na ocasião dos fatos, juntamente com outro
indivíduo (cujo nome não soube declinar), após entrarem em desavença com as
vítimas, acabaram subtraindo algumas roupas que elas usavam. Pouco tempo
depois, foi capturado por guardas civis metropolitanos.181
177
Aplicação da pena nesse caso, sem menção à confissão: “Quanto à dosimetria da pena, comporta pequena
adequação. As penas base foram fixadas em seus patamares mínimo, ou seja, em 4 anos de reclusão e
pagamento de 10 dias-multa; porém, a majoração pela forma qualificada do crime deve ser de 1/3, a teor
da Súmula 443 do STJ; fixando as penas, portanto, em 5 anos e 4 meses de reclusão e pagamento de 13
diárias. Quanto ao regime prisional fixado para o cumprimento da pena privativa de liberdade, dados os
contornos de gravidade diferenciada do crime e pela fundamentação trazida na r. sentença, demonstra-se
mesmo adequado o inicial fechado. Ademais, a angústia difusa e o sentimento generalizado de
insegurança provocados pela criminalidade patrimonial violenta, cuja taxa real de há muito extrapassou
os limites da tolerabilidade social, urgem seja fechado o regime prisional […]”. (0006268-
40.2010.8.26.0028).
178
0042272-10.2010.8.26.0050; 0018023-94.2010.8.26.0405 e 0009860-79.2009.8.26.0270.
179
0042272-10.2010.8.26.0050.
180
0018023-94.2010.8.26.0405.
181
0009860-79.2009.8.26.0270.
131
6.2.2.3 Arma
183
9000001-46.2010.8.26.0270.
184
9114140-79.2009.8.26.0000.
185
0001852-27.2008.8.26.0213; 9188933-86.2009.8.26.0000; 0011350-35.2008.8.26.0606; 0006268-
40.2010.8.26.0028.
186
Em muitos casos, a arma não é apreendida e, por isso, o tipo de arma é muito pouco mencionado nas
decisões.
187
0061129-09.2010.8.26.0114; 003276-32.2008.8.26.0140.
188
0000491-79.2010.8.26.0673.
189
0002917-66.2010.8.26.0058.
190
0005136-13.2010.8.26.0071.
191
0015819-74.2009.8.26.0482. Conforme trecho do acórdão: “Essa confissão foi corroborada pelo
ofendido, que descreveu a subtração dos bens descritos na denúncia, sobretudo a grave ameaça, posto que
um deles retirou um objeto da cintura, aparentando ser uma faca. Ademais, reconheceu seguramente os
apelantes na delegacia e reafirmou esse fato em juízo (fls. 251-252)”.
133
uso de arma de fogo; há acórdãos em que o acusado estava “portando” arma de fogo192;
estava com arma “em punho”193; exibiu arma de fogo194; apontou arma de fogo195; apontou
arma de fogo e rendeu vítimas196; e caso em que o acusado portava “arma de fogo ou de
brinquedo”197. Todos esses casos tiveram o mesmo aumento de pena em razão do emprego
de arma de fogo e em nenhum deles foi mencionada quaisquer dessas circunstâncias na
aplicação da pena ou na definição do regime.
Além disso, nos acórdãos estudados, há casos em que, embora haja informação de
que apenas um dos acusados estava armado, a decisão sobre o aumento de pena em razão
do “emprego” de arma e a decisão sobre o regime são idênticas para todos os acusados,
como no exemplo a seguir198:
O tipo de arma, a lesividade e a forma como foi utilizada não foram considerados,
em nenhum dos casos analisados, na decisão sobre a quantidade de aumento (1/3 até 1/2) a
ser aplicada pelo “emprego de arma” (art. 157, § 2o, I, do CP). Essa decisão foi tomada, na
maioria dos casos, com base na quantidade de causas de aumento ou em entendimento
jurisprudencial, sem menção ao caso concreto. Os fatos sobre emprego de arma foram
mencionados apenas em decisões sobre o regime inicial.
O emprego de arma de fogo (em oposição a armas brancas) foi usado, sem
maiores especificações sobre tipo de arma de fogo, quantidade e forma de uso, para
argumentar pela fixação do regime inicial fechado, como nos casos a seguir:
192
0099048-98.2008.8.26.0050.
193
0082211- 50.2010.8.26.0000.
194
0051751-95.2008.8.26.0050; 0016563-78.2008.8.26.0361.
195
0008582-43.2004.8.26.0068.
196
0003040- 29.2000.8.26.0280.
197
0001398-50.2010.8.26.0642.Conforme trecho do acórdão: “Relatou que, tendo parado no Ponto Certo, o
apelante ingressou no coletivo e lhe apontou uma arma, que ela não soube se era ou não de verdade,
obrigando-a à entrega da importância de R$ 45,00. Meses depois, o agente foi preso, tratando-se do
apelante, que, ele, depoente, reconheceu na delegacia”.
198
Como no acórdão 0032016-08.2010.8.26.0050.
199
0032016-08.2010.8.26.0050.
134
Regime inicial fechado bem definido por se tratar de roubo praticado com
emprego de arma de fogo, crime de inegável gravidade, que merece rigorosa
punição.201
Para o início do cumprimento da pena corporal foi fixado o regime fechado, que
fica, aqui, mantido, por ser o único adequado à gravidade do crime praticado, em
que o acusado, utilizando-se de arma de fogo, abordou as vítimas em plena
madrugada, exigindo a entrega de dinheiro. O envolvimento do apelante em
outros delitos, ademais, demonstra a necessidade de tratamento mais rigoroso.202
Mas a utilização de faca, também de forma genérica, foi igualmente usada como
argumento para fixação do regime fechado205 .
Em outros casos, a decisão pela aplicação do regime fechado mencionou de forma mais
específica o “emprego de arma”, utilizando como argumento pela aplicação do regime fechado o
fato de o acusado ter “apontado arma de fogo contra a vítima” 206 ; o fato de um dos acusados ter
atirado com a arma207; a utilização de arma de fogo municiada208 e o fato de os acusados terem
200
0040485-96.2010.8.26.0000.
201
0015624-63.2004.8.26.0127.
202
0002511-78.2009.8.26.0511.
203
0012707-57.2009.8.26.0269.
204
0009115- 56.2010.8.26.0564.
205
0005136-13.2010.8.26.0071; em outro caso, foi aplicado regime semiaberto em razão da primariedade do
acusado, mas a utilização de faca foi usada como argumento pela maior gravidade dos fatos: “As penas
foram impostas nos mínimos legais, 4 anos de reclusão e 10 dias-multa, em seguida aumentadas de 1/3
pela qualificadora, resultando em 5 anos e 4 meses de reclusão e 13 dias-multa. Não há qualquer reparo a
ser feito. Não obstante a gravidade do delito, roubo praticado contra vítima de 12 anos de idade, e
mediante emprego de faca, mantém-se o regime inicial semiaberto imposto na sentença, considerando a
primariedade do réu, desacolhido o recurso ministerial” (0008855-40.2009.8.26.0361).
206
3000257-05.2009.8.26.0116.
207
0006418-82.2007.8.26.0268; 0005199-95.2010.8.26.0052.
208
0013202-98.2010.8.26.0000.
135
“subjugado” as vítimas com faca209. A utilização de faca também foi argumento para fixação do
regime fechado210 . Nesses casos, embora distintos entre si, há maior fundamentação da aplicação
de regime fechado.
Assim como nos casos de outras circunstâncias elementares do tipo, agravantes e
atenuantes e causas de aumento e diminuição, a leitura dos acórdãos, no que diz respeito ao
emprego de arma, revelou poucas informações sobre o caso concreto e, nos casos em que há
informações, fatos muito distintos sob a mesma quantidade de pena. Esses fatos, quando
apareceram na argumentação do acórdão, foram usados na motivação sobre a fixação do regime
inicial.
209
0008713-47.2010.8.26.0637.
210
0005136-13.2010.8.26.0071; 0008855-40.2009.8.26.0361.
211
0006418-82.2007.8.26.0268; 3000980-33.2010.8.26.0037; 0015819-74.2009.8.26.0482; 0015576-
31.2009.8.26.0224; 0040263-46.2008.8.26.0050; 0005136-13.2010.8.26.0071.
212
0003040-29.2000.8.26.0280; 0047005-30.2008.8.26.0554.
213
0219614-95.2009.8.26.0000.
214
9188933-86.2009.8.26.0000.
215
0011598-78.2001.8.26.0270.
216
0008713-47.2010.8.26.0637.
136
Em relação aos bens de valor mais alto, é possível citar casos em que foram
subtraídos: um automóvel Fiat Strada, um notebook, duas máquinas filmadoras, quatro
celulares, R$ 1.500,00 e várias roupas217; um automóvel Volkswagen Golf, R$ 174,00 e
dois celulares; uma automóvel Fiat Siena, uma carteira com documentos pessoais e R$
250,00218; e um notebook, relógios, joias, aparelhos de telefonia celular e R$ 2.229,00, em
dinheiro219.
Em todos esses casos foi aplicado regime inicial fechado, mas em apenas um
deles o valor dos bens foi mencionado na decisão. A decisão sobre o regime indicou,
nesses casos, fórmulas genéricas como “gravidade do crime”.
Há um caso de bens de alto valor (joias avaliadas em R$ 85.135,00), no entanto,
em que isso foi indicado expressamente como argumento para fixação do regime fechado,
mas, como se tratava de recurso exclusivo da defesa, o regime semiaberto foi mantido:
Anoto que o recorrente foi beneficiado pela fixação do regime intermediário para
o início do cumprimento da pena corporal, pois o crime praticado, por sua
gravidade, merecia tratamento mais rigoroso, com o estabelecimento do regime
fechado. Com efeito, o apelante, acompanhado de menor, ameaçou pessoas
idosas, subjugando-as com armas brancas, e subtraiu bens de elevado valor, o
que demonstra grande ousadia e periculosidade. Nada, porém, pode ser feito, por
220
se tratar de recurso exclusivo da defesa.
Com a mesma pena dos casos anteriores, há casos em que os bens subtraídos são
de valor significativamente menor, como R$ 18,00221; um celular222; R$ 150,00223; um
celular e uma caixa de chocolate Bis224; e R$ 45,00225.
No primeiro caso (R$ 18,00), o regime inicial aplicado foi fechado e não houve
menção ao valor do bem na decisão sobre a pena: “Finalmente, com base no mesmo
critério e tendo em vista que o crime foi praticado mediante grave ameaça, o que denota
periculosidade excessiva e recomenda enérgica interferência estatal, o regime fechado era
mesmo de rigor”226.
217
9000001-46.2010.8.26.0270.
218
0040485-96.2010.8.26.0000.
219
0043637-02.2010.8.26.0050.
220
0008713-47.2010.8.26.0637.
221
0011598-78.2001.8.26.0270.
222
0002917-66.2010.8.26.0058.
223
0006268-40.2010.8.26.0028.
224
0283533-58.2009.8.26.0000.
225
0001398-50.2010.8.26.0642.
226
0011598-78.2001.8.26.0270,
137
Em outros dois casos de menor valor (celular e caixa de Bis; R$ 45,00), foi
aplicado o regime semiaberto, sem menção aos bens (ou às consequências do crime) nas
decisões228.
Em nenhum desses casos de bens de menor valor229 reconheceu-se a atenuante
genérica prevista no artigo 66 do CP.
É grande, portanto, a diversidade dos bens subtraídos nos casos concretos
estudados, todos com a mesma quantidade de pena. Provavelmente em razão de essa
circunstância não estar prevista de forma expressa como circunstância agravante, atenuante
ou causa de aumento e diminuição, não é mencionada na decisão sobre a pena em muitos
casos.
Embora o direito penal tenha se construído com base na ideia de que a única
resposta possível nesse sistema é a pena como inflição de uma mal, a introdução de
elementos de reparação de danos no sistema criminal, especialmente em razão de tendência
de valorização da vítima nesse sistema, coloca em xeque essa rígida definição.
Flavia Püschel e Marta Machado (2008, p. 22-24) descrevem exemplos de
introdução da reparação do dano no direito penal brasileiro, já atentando para o fato de que
se trata de tendência menos marcante aqui do que em uma série de outros países: a
reparação do dano como circunstância indicativa de arrependimento posterior, capaz de
227
0002917-66.2010.8.26.0058; 0006268-40.2010.8.26.0028.
228
0283533-58.2009.8.26.0000; 0001398-50.2010.8.26.0642.
229
R$ 18,00 (0011598-78.2001.8.26.0270); um celular (0002917-66.2010.8.26.0058); R$ 150,00 (0006268-
40.2010.8.26.0028); um celular e uma caixa de Bis (0283533-58.2009.8.26.0000); e R$ 45,00 (0001398-
50.2010.8.26.0642).
138
reduzir a pena em 1/3 a 2/3 (art. 16 do CP) e como circunstância atenuante (art. 65, III, b,
do CP)230; a conciliação civil instituída pela Lei dos Juizados Especiais Criminais (arts. 72
a 74 da Lei 9.099/1995), que põe fim à persecução penal; a reparação como contrapartida
da suspensão condicional do processo e sua extinção após o período de prova (art. 89, § 1º,
I, da Lei 9.099/1995); a previsão da Lei 8.137/1990 (e depois das Leis 9.294/1995,
10.684/2003 e 12.382, de 25 de fevereiro de 2011) de que o parcelamento ou o pagamento
do tributo extinguem a punibilidade do crime tributário; a indenização do dano como efeito
da condenação (art. 91, I, do CP) 231. Esses exemplos (embora introduzidos no direito
criminal) são de natureza civil, mas há também exemplos ainda mais incisivos de
introdução da reparação do dano como modalidade de sanção penal, como no caso da pena
de prestação pecuniária à vítima e a seus dependentes introduzida do Código Penal pela
Lei 9.174/1998; o Código de Trânsito Brasileiro, que prevê multa reparatória em favor da
vítima (art. 297 da Lei 9.503/1997); e a Lei de Crimes Ambientais, que prevê como pena
restritiva de direito a prestação pecuniária à vítima ou à entidade com fim social (art. 8, IV,
e 12 da Lei 9.605/1998).
Em nenhum dos casos estudados foi reconhecida a circunstância atenuante de ter
o agente “procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime,
evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano”
(art. 65, III, b)232, mas há diversos casos em que há informação de que os bens foram
recuperados pelas vítimas (em geral como consequência de prisão em flagrante) e, ainda
assim, em nenhum desses casos a recuperação do bem foi mencionada expressamente em
outros momentos da aplicação da pena. Embora a legislação dê pouca margem para a
recuperação dos bens por circunstâncias alheias à vontade do acusado, esperava-se que
pudesse ser considerada como circunstância judicial favorável ou como atenuante genérica.
Há casos em que, embora o bem tenha sido recuperado, seu alto valor foi indicado
expressamente como argumento para fixação do regime fechado, sem nenhuma menção ao
fato de ter sido recuperado233.
Em um dos casos (subtração de roupas, recuperadas em seguida com a prisão em
flagrante), a defesa pediu expressamente o reconhecimento de arrependimento posterior
230
Essa disposição existe no Código Penal desde 1940, mas em outro artigo (art. 48, IV, b).
231
Essa disposição existe no Código Penal desde 1940, mas em outro artigo (art. 74, I).
232
Essa seria a única hipótese expressa de cabimento de redução de pena em razão da reparação do dano no
crime de roubo, já que a possibilidade de aplicação da redução pelo arrependimento posterior aplica-se
somente “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa” (art. 16 do CP).
233
Cf., por exemplo, 0017834-80.2011.8.26.0050.
139
(art. 16 do CP), mas o tribunal entendeu que não se aplicaria no caso porque a restituição
não foi voluntária e por se tratar de crime cometido com violência e grave ameaça à
pessoa. Essa circunstância não foi, tampouco, mencionada nas outras fases de aplicação da
pena, e o tribunal entendeu que se tratou de crime cuja gravidade exigiria regime inicial
fechado234.
Assim, a recuperação do bem (ainda que não voluntária) não foi usada como
argumento para decidir as penas nos casos estudados. Casos em que a vítima ficou sem o
bem subtraído e casos em que a vítima teve seu bem devolvido no mesmo dia foram
tratados da mesma forma. Aqui, a separação civil-penal parece muito clara, já que o que
parece é que essa circunstância só terá algum efeito depois da condenação, para decidir se
a vítima ainda precisa ser indenizada ou não. Para o sistema criminal, apenas a atitude do
réu (de ter subtraído) parece importar para aplicação da pena.
234
0009860-79.2009.8.26.0270.
235
Artigo 14, I, do Código Penal.
236
Artigo 14, II, do Código Penal.
237
Artigo 14, II, parágrafo único, do Código Penal.
140
Meses depois, o agente foi preso, tratando-se do apelante, que, ele, depoente,
reconheceu na delegacia.248
Dias após Tiago foi detido por outro roubo, praticado com semelhante “modus
operandi” e, levado à delegacia, foi reconhecido, por fotografia, pela vítima do
crime objeto destes autos.249
A consideração sobre o tempo de posse dos bens não foi utilizada na aplicação da
pena em nenhum dos casos. Embora a jurisprudência seja uniforme no sentido da
prescindibilidade da posse “mansa e pacífica” para consumação do roubo, era possível
supor que a detenção dos acusados logo em seguida do roubo poderia ser, de alguma
forma, considerada como atenuante na aplicação da pena.
245
0042272- 10.2010.8.26.0050.
246
0099048- 98.2008.8.26.0050.
247
0008713- 47.2010.8.26.0637.
248
0001398-50.2010.8.26.0642.
249
0008855-40.2009.8.26.0361.
250
0047005-30.2008.8.26.0554.
142
O fato punível pode ser praticado por uma ou mais pessoas. O Código Penal (art.
29) brasileiro dispõe que “quem, de qualquer modo concorre para o crime, incide nas
penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. A maior parte da doutrina
entende que o código adotou a teoria monista do concurso de pessoas, sem distinção entre
autor, coautor e partícipe: todos os que concorrem para o crime são autores dele. A
participação não é tida como acessória: o partícipe é sempre coautor e responde
inteiramente pelo evento. Trata-se de conceito formal de autor, fundamentado na teoria da
equivalência causal de todas as condições na produção do resultado (BITENCOURT,
2009, p. 97-98), embora a causalidade seja reconhecidamente limitada e insuficiente para
resolver todos os problemas do concurso de agentes (BATISTA, 2008, p. 40; REALE
JÚNIOR, 2002, p. 314). A expressão “na medida de sua culpabilidade” tira da causalidade
o “monopólio da definição do concurso de pessoas” (REALE JÚNIOR, 2002, p. 319) e
reforça o reconhecimento de que, embora todos sejam autores, a pena concreta deve ser
aplicada a cada um de acordo com a reprovabilidade de sua conduta, para mitigar as
“distorções do sistema unitário” (FRANCO; STOCO, 2007, p. 229).
O §1o do artigo 29 estabelece causa especial de diminuição da pena — capaz de
levar a pena para abaixo do mínimo — nos casos em que a participação “for de menor
importância”, para “evitar equiparação” de casos distintos (FRANCO; STOCO, 2007, p.
229-230). O Código Penal elenca, ainda, circunstâncias especiais no concurso de pessoas
que, se presentes agravam a pena (art. 62)251, sem estabelecer a quantidade de aumento.
Nos acórdãos objeto deste estudo, não há casos de reconhecimento da causa de
diminuição em razão de participação de menor importância. Em muitos casos em que foi
reconhecido o concurso, as ações dos acusados não foram diferenciadas na descrição dos
fatos. Diz-se apenas que os acusados “subtraíram mediante grave ameaça exercida com
arma de fogo […]”252. Mesmo em casos em que há descrição mais pormenorizada dos
251
“Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação
no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II - coage ou induz outrem à execução material do
crime; III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em
virtude de condição ou qualidade pessoal; IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou
promessa de recompensa.”
252
0043637-02.2010.8.26.0050; 0039084-77.2008.8.26.0050; 0031767-38.2008.8.26.0564.
143
fatos, há acórdãos que não estabelecem nenhuma distinção entre os acusados, como no
caso descrito a seguir253.
Anderson, a sua vez, declarou, por ocasião do flagrante, que ele e Alessandro
haviam combinado o roubo no Auto Posto Cardoso uma semana antes do fato.
Sabiam que à noite somente um funcionário permanecia no local. Lá chegando,
ele, Anderson, munido de uma faca, anunciou o assalto, tendo, Alessandro,
permanecido próximo, observando a movimentação de pessoas. Foram
subtraídos R$ 130,00. Alessandro ficou com R$ 80,00. Logo após, na residência
de Alessandro, acabaram presos pela polícia. A vítima, Paulo Aléssio, por seu
turno, descreveu minuciosamente a empreitada delitiva. Relatou que o delito foi
praticado por dois indivíduos, sendo que um deles o ameaçava com uma faca, ao
passo que o outro permaneceu atrás da bomba. Sob grave ameaça, ele entregou a
importância de R$ 146,00, oportunidade em que um dos agentes andava em volta
das bombas. Obtida a posse do numerário, ambos empreenderam fuga.256
Nos casos em que houve aplicação de penas distintas para dois ou mais acusados,
a diferença na pena deveu-se exclusivamente ao reconhecimento da agravante da
reincidência para algum dos acusados257.
253
Como no acórdão 0044920-60.2010.8.26.0050.
254
0044920-60.2010.8.26.0050.
255
0001852-27.2008.8.26.0213. Nesse caso, a pena final de Paulo é distinta da de Marcelo, mas em razão da
reincidência do primeiro, e não de participação diferente.
256
0000491-79.2010.8.26.0673.
257
0011350-35.2008.8.26.0606; 0294994-27.2009.8.26.0000; 0283533-58.2009.8.26.0000; 0000491-
79.2010.8.26.0673; 0018023-94.2010.8.26.0405.
144
6.2.3 Fundamentação
Também foram analisados casos em que apenas se reproduziu o que foi aplicado
pela sentença de primeiro grau, sem avaliação expressa do tribunal sobre a adequação das
escolhas em relação à quantidade de pena:
Em relação a Bruno, a pena-base foi fixada no mínimo legal, na segunda fase foi
reconhecida a menoridade, contudo sem efeito prático, nos termos da súmula
231 do STJ; por fim, na terceira fase exasperou-se a reprimenda em 1/3,
resultando em 5 anos e 4 meses de reclusão e 13 dias-multa. O regime
intermediário se mostrou adequado.259
Acertada a dosagem: a pena-base foi fixada no mínimo legal e, por fim, em razão
das causas de aumento, a pena foi majorada na fração de 1/3, resultando em 5
258
0039084-77.2008.8.26.0050.
259
0283533-58.2009.8.26.0000.
145
Pena base fixada no mínimo legal (art. 59, do Cód. Penal). Ausentes
circunstâncias agravantes e atenuantes. Após, aumento mínimo, de 1/3, pelas
qualificadoras do uso de arma e comparsaria, atingindo-se penas finais de 5 anos
e 4 meses de reclusão, mais 13 dias-multa. Quanto ao regime […]261
260
0082211-50.2010.8.26.0000.
261
0034055-17.2006.8.26.0050.
146
262
0043637-02.2010.8.26.0050.
147
Os fatos de cada caso são muito diferentes entre si: um teve violência física, o
outro uso de faca e o outro, arma de fogo. Os bens subtraídos são distintos. Em um dos
casos, o acusado confessou o crime desde o começo, alegando que estava drogado. Mas em
todos os casos o regime aplicado foi o fechado, em razão dos “contornos de gravidade
diferenciada do crime e pela fundamentação trazida na r. sentença”.
Em outros casos, a gravidade do crime foi extraída de elementos que compõem o
tipo penal ou a causa de aumento, como nos casos a seguir, em que o regime fechado é
justificado pelo uso da arma de fogo:
263
0061129-09.2010.8.26.0114; 0002917-66.2010.8.26.0058; 000626840.2010.8.26.0028.
264
0040485-96.2010.8.26.0000.
265
0015624-63.2004.8.26.0127.
148
6.2.3.3 Padronização “para baixo” e o argumento da pena mínima como garantia do réu
266
3000980-33.2010.8.26.0037.
149
As penas foram fixadas no piso legal, não podendo ser reduzidas abaixo disso,
consoante o disposto na Súmula n° 231 do Superior Tribunal de Justiça; mas, em
seguida, foram aumentadas não de 1/3, mas sim de 3/8 diante tão só do
reconhecimento de duas qualificadoras, a gerar o regime inicial fechado, o que
não pode persistir, data vénia, face à incidência de duas Súmulas do Superior
Tribunal de Justiça: as de n° 440 e 443.268
267
0061129-09.2010.8.26.0114; 0032016-08.2010.8.26.0050.
268
9114140-79.2009.8.26.0000.
269
0006048-41.2009.8.26.0072. No mesmo sentido: 0000491-79.2010.8.26.0673; 0008713-
47.2010.8.26.0637.
150
O que parece mais interessante nos casos em que o TJSP diminui a pena com
fundamento na Súmula 443 é que o entendimento, por enquanto, parece não ter favorecido
a fundamentação, mas somente a diminuição da pena para o mínimo, sem consideração das
circunstâncias concretas.
Em casos como esses — e em outros em que o tribunal reduz a pena para o
mínimo por falta de fundamentação — seria possível pensar na pena mínima como
benéfica para o acusado. Alguns argumentam, com base nisso, que se não houvesse penas
mínimas os juízes aplicariam penas ainda mais altas. Ou então que os juízes tenderiam a
condenar em casos que hoje absolvem por entender que a pena mínima é injustamente
grave para o fato. Este trabalho não tem como verificar empiricamente essas hipóteses,
mas não há nada de concreto que indique que o aumento da discricionariedade do juiz,
com a retirada do limite mínimo faria com que juízes passassem a aplicar penas mais
severas.
O fato de juízes aplicarem a pena no mínimo para se eximirem de justificação ou
porque simplesmente consideram que a decisão não é deles — e sim do legislador — não
indica que as penas seriam maiores, apenas mostra que existe um incentivo para juízes e
tribunais aplicarem a pena em patamar em que não se exige motivação. Se toda pena ou
aumento exigisse fundamentação, é possível inferir que os juízes tenderiam a não aplicar
pena nenhuma se não quisessem ou não pudessem fundamentá-la concretamente.
270
0011350-35.2008.8.26.0606; 0294994-27.2009.8.26.0000; 0283533-58.2009.8.26.0000; 0000491-
79.2010.8.26.0673; 0018023-94.2010.8.26.0405.
151
271
Cf. STJ, Recurso Especial 661.734, Rel. José Arnaldo da Fonseca, j. 07.04.2005; Recurso Especial
198.299. Rel. Gilson Dipp, j. 05.10.1999.
152
DE DEFESA, 2005, p. 30). Para os organizadores da pesquisa, essa solução não teria
embasamento legal, já que não se poderia impor regime fechado sem que houvesse
condições para elevar a pena-base acima do mínimo previsto em lei (INSTITUTO
BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS; INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO
DE DEFESA, 2005, p. 59).
A análise dos acórdãos mostrou que, nesses casos, a decisão sobre o regime
considera os fatos sobre o caso concreto, enquanto a decisão sobre a pena-base, aplicada
no mínimo, não é justificada:
As penas foram dosadas com critério, bem dosada, também, a fração referente à
causa de aumento de pena, não merecendo qualquer reparo. Por fim, o regime
prisional eleito é o adequado. Em casos de roubo qualificado, deve ser fixado
regime inicial mais severo, pela clara demonstração de periculosidade do agente.
No caso, não se perca de vista, o apelante agiu, fazendo uso de arma branca, não
se preocupando com as consequências do ato. Praticou delito grave, que traz
desassossego à sociedade, o que autoriza o encarceramento mais severo na fase
inicial do cumprimento da pena corporal.272
A pena não comporta reparo. A base foi fixada no mínimo e majorada em 1/3
(mínimo) pela qualificadora. O regime fechado é adequado. Esta C. Câmara tem
imposto, em casos de roubo qualificado, mesmo tentado, regime inicial mais
severo, pela clara demonstração de periculosidade do agente. No caso, não se
perca de vista que o agente se associou a um menor para roubar um cidadão de
bem com emprego de grave ameaça com arma de fogo, ainda que de brinquedo
(que não se sabia de brinquedo), levando terror à vítima. Praticou, pois, delito
grave, que traz desassossego à sociedade, o que autoriza o encarceramento mais
severo na fase inicial do cumprimento da pena corporal, pouco importando sua
primariedade, circunstância que não o torna menos perigoso.274
Isso não significa, no entanto, que as justificativas para o regime fechado sejam
“individualizadas”. Em muitos casos, baseiam-se em circunstâncias já consideradas na
imputação (uso de arma, grave ameaça), ou seja, que estão presentes em todos os casos de
272
0005136-13.2010.8.26.0071.
273
0005199-95.2010.8.26.0052.
274
0046060-32.2010.8.26.0050.
153
condenação por roubo com causa de aumento. A leitura dos acórdãos mostra que, mesmo
nos casos em que circunstâncias do caso concreto são mencionadas (troca de tiros,
velocidade alta), pouco é explicado sobre o porquê da adequação do regime ao caso
concreto. Ou seja, a mera menção às circunstâncias é diferente de efetivamente relacioná-
las ao regime, indicando por que determinado regime seria mais adequado. Nesses casos, a
“personalidade voltada para o crime” ou a “periculosidade” parecem ser o elo entre os
fatos concretos e a necessidade de regime fechado:
Em casos como esses, determinados fatos (como alta velocidade e troca de tiros)
indicariam “personalidade” que teria como regime mais adequado o fechado.
Em outros casos, mencionam-se os fatos concretos e, sem maiores explicações, a
adequação do regime fechado a esses fatos:
Código Penal, alíneas b e c, não usa o verbo “dever” e que a “opção pelo verbo poder tem
o significado de caber ao magistrado a análise de cada caso específico para estabelecer o
regime inicial de cumprimento da pena”278.
Nos casos estudados, no entanto, há um grupo de acórdãos (todos relatados pelo
desembargador Guilherme Souza Nucci) em que é possível perceber uma preocupação
com a “harmonia” entre a pena aplicada (no mínimo) e o regime. Nesses casos, entendeu-
se que, se a pena foi aplicada no mínimo em razão das circunstâncias judiciais favoráveis,
não se justifica a aplicação do regime fechado, que também deve se fundamentar nas
circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal:
278
0013202-98.2010.8.26.0000.
279
9188933-86.2009.8.26.0000.
280
0011350-35.2008.8.26.0606.
281
0031767-38.2008.8.26.0564.
282
0294994-27.2009.8.26.0000. Em um dos casos relatados pelo desembargador Guilherme Nucci em que
seu voto foi pela aplicação do regime inicial semiaberto para “assegurar um sistema coeso, consideradas
as circunstâncias judiciais favoráveis, na primeira fase da dosimetria”, o voto dissidente foi pela
manutenção do regime fechado porque “o meliante ameaçou a vítima com uma arma de fogo,
demonstrando, assim, certo grau de periculosidade em sua conduta”. Em seu voto, argumentou que “o
legislador, ao criar o parágrafo 3º, do artigo 33, do Código Penal, deixou ao Juiz espaço, para dentro da
realidade vigente, dosar a pena e fixar o regime de cumprimento de forma que possam ser suficientes para
a reprovação e prevenção do crime, pois caso contrário tal parágrafo não existiria” (0051751-
95.2008.8.26.0050).
155
6.2.3.6 Periculosidade
Em casos de roubo qualificado, deve ser fixado regime inicial mais severo, pela
clara demonstração de periculosidade do agente.283
283
0005136-13.2010.8.26.0071.
284
0046060-32.2010.8.26.0050.
285
0016563-78.2008.8.26.0361.
156
Nesses casos, não é possível saber se o argumento é que roubo com causa de
aumento, por si só, demonstraria periculosidade (e o tribunal apenas elencou os fatos que
ensejaram a aplicação das causas de aumento) ou que determinadas causas de aumento —
ou a combinação de causas de aumento (em um dos casos, emprego de arma, em concurso
de agentes, e privação da liberdade do ofendido) — exigiriam a aplicação de regime
fechado, em razão da periculosidade do agente.
De qualquer forma, diferentemente da forma como concebida no decorrer do
século XIX — como justificação para o tratamento e o ajustamento moral de indivíduos,
num momento em que o indivíduo era considerado “ao nível de suas virtualidades e não ao
nível de seus atos” (FOUCAULT, 2000, p. 85) —, a periculosidade aqui é apropriada pela
prática jurídica para justificar o isolamento de um grupo indiscriminado de indivíduos:
todos aqueles que cometem o crime de roubo. Não se diz, mais, que o regime fechado se
justificaria para “curar” o acusado que demonstrar a necessidade de tratamento; a
periculosidade aqui parece assumir função estratégica de segregação e incapacitação, para
justificar o regime fechado em todos os casos de roubo.
Não se trata, portanto, de periculosidade individualmente constatada, e sim de
uma espécie de “periculosidade presumida” daqueles que praticam o crime de roubo, usada
de forma instrumental para relacionar o caso concreto à necessidade de prisão.
Mas isso não é feito à margem da lei. Apesar do mérito da reforma penal de 1984,
que retirou da parte geral a referência à periculosidade, Miguel Reale Júnior (2004b, p. 2-
3) menciona pelo menos três ocasiões em que o conceito foi reintroduzido no sistema
criminal “pela porta de trás”: artigo 83, parágrafo único, do Código Penal (livramento
286
003276-32.2008.8.26.0140.
287
0040485-96.2010.8.26.0000.
288
0015576-31.2009.8.26.0224.
157
Para o início do cumprimento das penas corporais foi fixado o regime fechado,
que fica mantido por ser o único adequado à gravidade do crime praticado, em
que houve o emprego de violência real contra a vítima, como, aliás, bem anotado
na r. sentença recorrida. Ressalto que, diante dos artigos 33, § 3º, e 59, caput e
289
Consoante entendimento mais atual, bem resumido por Zaffaroni e Pierangeli (2008, p. 107), o direito
penal é “do fato”, não “do autor”, e “jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir,
já que o próprio direito é uma ordem reguladora de conduta humana”. A penalização do homem pelo que
é necessariamente viola “sua esfera de autodeterminação”.
158
inciso III, ambos do Código Penal, o Juiz pode estabelecer o regime inicial de
cumprimento das sanções conforme o necessário e suficiente para a reprovação e
prevenção do crime praticado.290
Não há, no entanto, nenhuma indicação da razão pela qual determinada pena ou o
regime fechado seriam necessários para prevenção ou retribuição. Ao que parece, o
tribunal entende roubo como grave e, portanto, “merecedor” de regime fechado por
retribuição e supõe que o fato de pessoas ficarem presas em regime fechado por roubo teria
efeito dissuasório sobre os demais.
Mas, embora não haja referência expressa às funções da pena, a leitura dos
acórdãos revela referências às ideias de retribuição, prevenção geral e especial
(incapacitação):
Regime inicial fechado bem definido por se tratar de roubo praticado com
emprego de arma de fogo, crime de inegável gravidade, que merece rigorosa
punição.293
290
0086903-73.2009.8.26.0050. Da mesma forma, 0028319-02.2005.8.26.0196.
291
0002917-66.2010.8.26.0058.
292
0005136-13.2010.8.26.0071.
293
0015624-63.2004.8.26.0127.
294
0034055-17.2006.8.26.0050.
159
295
0034055-17.2006.8.26.0050.
296
“Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”
297
0043637-02.2010.8.26.0050.
160
Uma vez decidida a condenação, a pena é somente uma decorrência burocrática daquela
primeira decisão.
No caso a seguir, justifica-se a consumação do crime (“pois os roubadores
tiveram, ainda que por pouco tempo, a posse mansa e pacífica dos objetos subtraídos,
sendo localizados e detidos somente após diligências bem sucedidas”) e o concurso de
agentes (“esta causa especial de aumento de pena restou muito bem caracterizada pela
prova produzida, que evidenciou a unidade de desígnios e a divisão de tarefas entre os
acusados, salientando-se que ambos estavam juntos quando da abordagem e, juntos,
puseram-se em fuga”), mas a decisão sobre quantidade de pena não teve nenhuma
motivação (“as penas-base foram fixadas nos patamares mínimos e corretamente
acrescidas de 1/3 pelo concurso de agentes”):
298
0086903-73.2009.8.26.0050.
161
A leitura dos acórdãos revelou casos muito distintos sob a mesma quantidade de
pena e sob o mesmo regime inicial. Dois acusados que pediram duas pizzas por telefone e,
quando o entregador chegou, subtraíram as pizzas e R$ 140,00 com ameaça de faca e
confessaram o crime, afirmando que eram dependentes químicos e precisavam de dinheiro
para comprar mais droga, receberam a pena de 5 anos e 4 meses, em regime inicial
fechado. Pena idêntica à de acusados que, com armas de fogo, invadiram residência e
299
0015819-74.2009.8.26.0482.
300
Por exemplo, 0006048-41.2009.8.26.0072.
162
exigiram que a vítima entrasse em seu veículo e dirigisse, com eles, até outro município.
Ao final, a vítima foi amarrada, amordaçada, encapuzada e abandonada num canavial.
Foram também estudados casos distintos que, além de terem como consequência a
mesma pena e o mesmo regime, tiveram fundamentação idêntica. Um dos casos diz
respeito a indivíduo que, sozinho e com uma faca, subtraiu um aparelho de celular de uma
vítima na rua. Confessou o crime na polícia e em juízo, sempre alegando que era
dependente químico e estava “drogado” quando cometeu o crime. No outro caso, que teve
fundamentação idêntica, dois indivíduos armados abordaram a vítima no momento em que
ela estava fechando seu bar e anunciaram o assalto. As apelações foram julgadas no
mesmo dia e tiveram o mesmo desembargador como relator do caso.
A análise isolada de algumas questões de fato que em geral são relevantes para
aplicação da pena (confissão, uso de arma, etc.) também revelou fatos muito distintos sob a
pena de 5 anos e 4 meses de prisão. Há casos de violência física, de ameaça de morte com
uso de arma, caso em que a vítima foi ameaçada com “palavras”, mas sem uso de arma ou
violência física. Casos em que o acusado confessou todos os aspectos do crime, na polícia
e em juízo, e a confissão foi a principal prova para a condenação. Casos em que os
acusados usaram várias armas de fogo, caso em que o acusado encostou faca no corpo de
vítima e outro em que apenas “retirou objeto da cintura, aparentando ser uma faca”. Há
caso em que foram subtraídos R$ 18,00 e caso em que foram levados um carro, um
notebook, duas filmadoras, quatro celulares e roupas, de uma vez. Casos em que os bens
foram recuperados imediatamente após o roubo. Casos em que os acusados foram
identificados meses após o roubo e outros em que foram perseguidos e logo depois
capturados.
Mesmo em casos em que foi possível “isolar” alguns fatores que poderiam servir
como distinção (sendo que as demais circunstâncias foram descritas como iguais), essas
diferenças não ensejaram penas distintas. Há caso em que um dos acusados não estava
presente no momento de abordagem da vítima com grave ameaça, mas mesmo assim teve
pena idêntica à dos demais acusados. Além disso, há caso em que duas pessoas
participaram do mesmo crime, sem nenhuma distinção no acórdão, com exceção do fato de
uma ter confessado e outra não. A confissão não teve efeito na pena em razão da Súmula
231 do STJ. A falta de diferenciação entre participação de maior ou menor importância
parece refletir-se na ausência de individualização das condutas.
163
crimes ou sobre as condições que poderiam auxiliar o juiz na aplicação da pena sequer
apareceram nos acórdãos: não tendo sido os acusados considerados inimputáveis, o fato de
estes serem, por exemplo, dependentes não foi considerado pelos julgadores nem para
imposição de outro regime, expressamente permitido pelo Código Penal.
Mesmo em casos em que se fala em “gravidade diferenciada”, a expressão parece
não passar de recurso retórico: foi apenas mencionada, sem dar lugar à individualização.
Em três acórdãos estudados, a fixação do regime fechado baseou-se nos “contornos de
gravidade diferenciada”, mas a fundamentação do regime foi idêntica para os três casos,
sem nenhuma especificação sobre o que tornaria cada caso “diferenciado” dos demais,
sendo que os fatos de cada caso são distintos entre si, embora classificados como roubo:
um teve violência física, o outro, uso de faca e o outro, de arma de fogo. Os bens
subtraídos eram distintos. Em um dos casos, o acusado confessou o crime desde o começo,
alegando que estava drogado.
A igualdade presente nos casos e refletida na pena é o fato de todos os casos
tratarem de roubo com causa de aumento (art. 157, § 2o, do Código Penal). Considerando
exclusivamente esse critério (tipo penal imputado), casos iguais foram tratados de forma
igual. Os fatos considerados para a decisão de condenação (houve ou não grave ameaça?
Foi constatado o uso de arma?) foram considerados na decisão sobre a pena de forma
muito superficial e apenas em alguns casos estudados.
O que parece é que o caso concreto tem relevância até o momento em que é
definida a condenação e a presença de causas de aumento ou diminuição. A partir disso, a
pena é consequência dessa definição. Considera-se — ainda que implicitamente —
respeitado o princípio da individualização da pena mesmo que dois casos muito distintos,
mas que tenham se encaixado na mesma categoria de imputação, recebam penas iguais.
Há acórdão do STF que ilustra essa situação. Trata-se de caso em que a defesa
alegou que o entendimento de que os crimes de roubo e furto se consumam com a simples
posse do bem viola o princípio de individualização da pena se aplicado de forma absoluta,
já que serão tratados da mesma forma que casos em que o acusado é identificado meses
após o crime. No caso concreto, o acusado havia sido imediatamente perseguido pela
polícia e a defesa argumentou que seria inconstitucional tratá-lo de forma igual aos demais
roubos, com posse pacífica do bem. No acórdão, o STF entendeu que “o princípio da
individualização da pena não tem qualquer relação com a definição do momento
165
302
“Acrescento que o princípio constitucional da individualização da pena deve ser observado em três
etapas: legislativa, judiciária e administrativa. Na etapa legislativa, o legislador deve cominar a pena em
abstrato para a conduta descrita no preceito primário da norma penal, observando, para isso, o princípio
da proporcionalidade. Na etapa judiciária, cabe ao magistrado, pautado pelo que disposto no ordenamento
positivo, aplicar a pena mais adequada para o caso concreto – privativa de liberdade, restritiva de direito
ou multa –, dentro da intensidade necessária, podendo, em certos casos, suspender sua aplicação – sursis
penal. Na etapa administrativa, o princípio da individualização da pena deve ser observado durante sua
execução, quando ‘os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para
orientar a individualização da execução penal’ (art. 5º da Lei 7.210/84 – Lei de Execuções Penais). Em
qualquer das etapas, o princípio da individualização da pena não tem qualquer relação com a definição do
momento consumativo do delito. Assim, no caso em análise, não há falar em violação do referido
princípio constitucional, por ter se reputado o crime como consumado. Ante o exposto, denego o pedido
de habeas corpus.” (STF, HC 108678, rel. ministra Rosa Weber, julgado em 17/04/2012).
166
303
As demais são a “instrumentalização do medo da violência pelos políticos e pela mídia e a função de
mecanismo de controle racial assumido pelo sistema penal americano” (WACQUANT, 1999).
304
Welfarismo penal (“penal welfarism”) é o termo utilizado por Garland para os arranjos institucionais que
marcaram o campo penal durante a maior parte do século XX nos países ocidentais que possuía estrutura
“híbrida”, combinando “segurança jurídica liberal, com devido processo legal e proporcionalidade” com um
comprometimento por “reabilitação, bem-estar social e conhecimento criminológico” (GARLAND, 2001, p.
27). O ideal de reabilitação era o fundamento estrutural “hegemônico” do campo penal (GARLAND, 2001,
p. 39).
167
168
169
170
305
Diante da ausência de “válvulas de escape”, Zaffaroni e Pierangeli buscam solução dogmática para a
evidente injustiça das penas astronômicas que decorrem das somas nos casos de concurso material (art. 69,
CP): “No caso de acumulação aritmética de penas privativas de liberdade, previsto no art. 69 do CP, e em
algumas outras hipóteses concursais, em que as penas desta natureza podem ser somadas, a adição aritmética
pode trazer consigo, com efeito, uma pena sumamente prolongada, ainda que não venha ultrapassar os trinta
anos (art. 75, caput, do CP). O Código Penal não proporciona remédio para esta situação, mas não podemos
esquecer que a regra do art. 59 exige um certo submetimento a um princípio geral e que da Constituição
Federal se depreende a necessidade de evitar as penas cruéis, isto é, as punições irracionais. As penas, de
acordo com o caput do art. 59 do CP, devem ser suficientes para proceder a prevenção, e a mera soma
matemática poderá exceder, muitas vezes, as necessidades preventivas. Entendemos que, nos casos em que a
soma matemática coopere para uma iniquidade manifesta quanto ao resultado, se deveria admitir uma
redução especial das penas pela via da remissão, prevista na parte final do inc. III do art. 621 do CPP, do
mesmo modo que se admite a revisão, quando se dão as condições do falso delito continuado ou do concurso
material atenuado” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p. 724-725). O problema, no entanto, não se
restringe ao cálculo decorrente do concurso material e a solução, na hipótese de reforma do modelo atual de
aplicação da pena, pode ser ainda mais
171
172
escolha da pena.
Assim, não são as limitações à analise do caso concreto que evitam abusos ou
arbítrio, mas sim a existência de critérios que guiem a decisão e obriguem o juiz a motivá-
la sem recorrer às fórmulas abstratas. O que esse trabalho pretendeu questionar é a
possibilidade de redesenhar o modelo de aplicação da pena sobre bases que privilegiem a
individualização da pena e também a reabilitação - não no já ultrapassado modelo
vinculado à prisão, mas sim com sanções que visem à inclusão social do indivíduo.
Como visto ao longo do trabalho, a idéia de uniformidade das penas é muito
atraente por dar aparência superficial de justiça e equidade. A relação de igualdade mais
evidente é a de penas e tipos penais. Muito mais fácil dizer que se está respeitando o
princípio da igualdade ao punir todos os acusados por roubo com a mesma pena do que
aplicar penas distintas e motivar cada uma das diferenças em circunstâncias do caso
concreto.
Mas a tendência de agregar casos para tratá-los como um grupo de casos e um
dano social, deixando de olhar para os acusados individuais e a pena adequada a cada um é
sinônimo de enorme injustiça. De acordo com Alschuler (1990, p. 15-16), as “diretrizes
[norte-americanas] de aplicação da pena são reflexo de um movimento maior em direção a
agregação no pensamento jurídico e das ciências sociais” que, no campo da aplicação da
pena tem consequência o envio de “exercito de pessoas para a prisão”, “com base em
agregação grosseira e médias estatísticas”.
O fenômeno é identificado em 1992 por Malcolm Feeley e Johnathan Simon
como “nova penologia”:
Essa mudança de olhar que deixa de ver os casos individuais, além de contrariar
qualquer senso de justiça e equidade – é, segundo os autores, causa e efeito do aumento da
população prisional (1992: 470).
No Brasil, a existência de penas mínimas de prisão para roubo e tráfico é em parte
173
responsável pelo nosso “exército” de pessoas (em geral, jovens, negros e pobres) que
enviamos diariamente para os já superlotados presídios, sem dedicar a elas uma linha, ou
um minuto, de reflexão sobre a adequação da prisão nos seus casos individuais.
174
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Problems and Different Solutions (april 2010, p. 254-261). University of California Press.
186
187
( ) Sim, judicial
( ) Sim, extrajudicial
( ) Sim, acusado não confessou
( ) Não há referência
Reproduzir trecho sobre confissão
( ) Sim. Especifique.
( ) Não
( ) Sim
( ) Veículo. Especificar quantidade e qualidade.
( ) Celular. Especificar quantidade e qualidade.
( ) Carteira. Especificar quantidade e qualidade.
( ) Mochila. Especificar quantidade e qualidade.
( ) Notebook. Especificar quantidade e qualidade.
( ) Dinheiro. Especificar quantia.
( ) Outros.
( ) Não
( ) Sim, total
( ) Sim, parcial
( ) Não
( ) Sim. Especificar.
( ) Não
188
( ) Sim
( ) Outro. Especificar.
( ) 157, caput
( ) 157, §1o
( ) 157, §2o: ______ (incisos)
( ) Sim. Especificar.
( ) Não
( ) Sim. Especificar.
( ) Não
( ) Sim. Especificar.
( ) Sim. Especificar
( ) Não
189
DADOS DA CONDENAÇÃO E APLICAÇÃO DA PENA (CONT.)
( ) 1/3
⇒ Justificativa:
( ) Súmula 443, STJ
( ) vedação à reformatio in pejus
( ) Sem fundamentação
( ) Outra. Especificar
( ) 3/8
⇒ Justificativa:
( ) Existência de duas causas de aumento
( ) Entendimento jurisprudencial
( ) Circunstâncias do caso concreto
( ) Outra. Especificar.
( ) Semi-aberto
⇒ Justificativa:
( ) Regime fixado na sentença
( ) Quantidade de pena aplicada
( ) Menoridade
( ) Primariedade
( ) Circunstâncias do art. 59, CP favoráveis
( ) Não utilização de arma
( ) Sem justificativa
( ) Outra justificativa. Especificar.
( ) Semi-aberto
⇒ Justificativa:
( ) Causas de aumento reconhecidas (concurso, uso de arma), etc.)
( ) Gravidade “concreta”
( ) Menoridade
( ) Primariedade
( ) Ciruncstâncias do art. 59, CP favoráveis
( ) Não utilização de arma
( ) Sem justificativa
( ) Outra justificativa. Especificar.
190
DADOS DA CONDENAÇÃO E APLICAÇÃO DA PENA (CONT.)
( ) Sim
( ) Não. Especificar
a) Dias-multa:
b) Valor dia-multa:
Há justificativa?
( ) Sim
( ) Igual à pena de prisão
( ) Outra. Especificar
( ) Não
a) Em relação à imputação:
( ) Absolvição – Condenação
( ) Condenação – Condenação
b) Em relação à pena: especificar.
c) Em relação ao regime:
( ) Fechado – Fechado
( ) Semi-aberto – Semi-aberto
( ) Fechado – Semi-aberto
( ) Semi-aberto – Fechado
( ) Absolvição – Semi-aberto
( ) Absolvição – Fechado
191
192
FUNDAMENTAÇÃO