Morfologia e Análise de Solos
Morfologia e Análise de Solos
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PARTE II
MORFOLOGIA DO SOLO
1. INTRODUÇÃO (Adaptado de Spiers, 1984) potencial de uso. Contudo, permitem-nos sempre separar no
campo diferentes unidades homogéneas, que poderão
Os diversos solos possuem propriedades mensuráveis ou posteriormente ser caracterizadas e classificadas mais
descritíveis, que nos possibilitam classificá-los, descrevê-los detalhadamente, tomando em conta também as análises de
avaliá-los para vários fins e cartografá-los. Diferenças entre solos laboratório efectuadas em amostras provenientes de perfis
podem ser locais ou regionais e são evidentes tanto no aspecto representativos de cada uma das unidades cartográficas.
que apresentam à superfície, como também em profundidade.
É óbvio que para uma descrição morfológica poder ser de
Solos diferentes são resultados de diferentes combinações alguma utilidade como transmissor de informação e como base
dos factores responsáveis pela sua formação e exibirão perfis para a avaliação do potencial de uso do solo, deve ser usada uma
próprios, caracterizados pelas propriedades dos seus horizontes terminologia clara e objectiva. Infelizmente há vários sistemas de
(Vide Parte V). Dessas propriedades, aquelas que são mais "normas de descrição", que usam terminologia similar, mas muitas
facilmente acessíveis e prontamente perceptíveis são as vezes com significado ligeiramente diferente, dando origem a
morfológicas, obtidas nas descrições morfológicas, efectuadas no bastante confusão. Por isto é importante que o pedólogo ao
campo, em um perfil de solo. descrever um perfil sempre anote o método usado, com o ano da
edição do manual; e siga rigorosamente o vocabulário
A descrição morfológica de um solo é a expressão da recomendado. Comentários devem ser anotados separadamente.
aparência deste solo, segundo as características macroscópicas O resultado pode ser um texto que para a maioria dos leigos seja
prontamente perceptíveis. A morfologia corresponde então à um tanto chato e de leitura difícil. Para o verdadeiro pedólogo seria
"anatomia do solo". Em seu conjunto, as características um prazer de reconstruir na sua imaginação o solo descrito e
morfológicas constituem a base para definir este corpo natural que poder apontar muitos aspectos de importância prática.
é o solo, e a definição se completará com as demais
determinações do laboratório. A terminologia no texto a seguir é baseada no método de
descrição internacionalmente mais aceite: Os "Guidelines for soil
A morfologia compreende somente propriedades profile description" da FAO (1977), que foi adaptado pelo INIA para
observadas directamente, que devem ser distinguidas de uso em Moçambique. Em 1990 os "guidelines" foram reeditados
propriedades inferidas ou deduzidas dos solos. Assim, uma sob o nome "Guidelines for soil description". Parte das
descrição morfológica constará apenas do relatório do aspecto ou modificações está sendo implementada pelo INIA.
forma do solo, como, por exemplo, a sua cor, estrutura,
consistência.
2. O PERFIL DO SOLO E SEUS HORIZONTES
A morfologia, além de sua importância para a caracterização
do solo, fornece muitos elementos para interpretações de 2.1 Nomenclatura e definições
importância agrícola, tais como: drenagem, permeabilidade,
compactação, susceptibilidade à erosão, possibilidade de uso de Solo é a colecção de corpos naturais que ocupam parte da
máquinas, etc. Para quem executa levantamentos de solos, a superfície terrestre e constituem o meio natural para
morfologia é de capital importância, pois permite rapidamente desenvolvimento das plantas terrestres. São dotados de atributos
identificar e cartografar solos de determinada região pela resultantes da diversidade de efeitos de aço integrada do clima e
aparência do seu perfil, com reduzida necessidade de dados de dos organismos, agindo sobre o material de origem, em
laboratório. determinadas condições de relevo durante certo período de tempo
(Soil Conservation Service, 1951).
Na história da ciência do solo, podemos distinguir um período
em que a descrição morfológica do solo era considerada a Da aço combinada dos factores de formação do solo,
maneira mais importante da sua caracterização. Com o determinando os processos pedogenéticos - adições, perdas,
melhoramento de acesso às análises fisico-químicas, e sobretudo transformações, transportes selectivos (Simonson, 1959) - que se
o avanço da informática nas ciências agrárias, a morfologia perdeu operam no material de origem, resultam secções mais ou menos
grande parte do seu brilho, devido à dificuldade de exprimi-la paralelas à superfície do terreno e que se sucedem verticalmente
numericamente. Actualmente este brilho está a renovar-se com a compondo os solos. São secções interrelacionadas, guardando
introdução de programas de computador mais "inteligentes", e com entre si vínculos concernentes a sua natureza, em consequência
a percepção de que o melhor lugar para analisar o solo é no do processamento da formação dos solos. Essas secções,
campo, como corpo tridimensional, e não através de frascos denominadas horizontes, diferenciam-se umas das outras pela
separados com terra moída. organização, pelos constituintes ou pelo comportamento. Quando
No entanto, as propriedades morfológicas por si só geralmente são os atributos possuídos são bem manifestos através da morfologia,
insuficientes para que se possa classificar os solos e avaliar o seu torna-se relativamente fácil a identificação e delimitação dos
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horizontes de um solo. Porém, quando o solo é pouco diversificado seus horizontes e/ou camadas. É discriminado dos demais
verticalmente, a expressão dos horizontes é pouco distinta, sendo segundo a sequência e a natureza de seus horizontes: sua
por vezes bastante difícil detectar-lhes os limites. constituição qualitativa e quantitativa, conformação própria,
Uma secção paralela à superfície, que é pouco ou nada organização dos constituintes e manifestação de atributos
diferenciado pelos processos pedogenéticos é denominada decorrentes.
camada (p.e. a rocha mãe; uma camada de material orgânico
acumulado na superfície; sedimentos estratificados). Em exame de campo, os horizontes são identificados pela
constatação de atributos morfológicos (prontamente perceptíveis),
À secção vertical, através do solo, englobando a sucessão de tais como: estrutura, textura, cor, consistência e cerosidade. Nem
horizontes ou camadas, acrescidas do material mineral sempre a verificação desses atributos é suficiente para identificar
subjacente, pouco ou nada transformado pelos processos os horizontes: tornam-se necessárias, então, informações
pedogenéticos e o manto superficial de resíduos orgânicos, dá-se adicionais quanto a atributos físicos e/ou químicos e/ou
o nome de perfil do solo (Ing: soil profile). mineralógicos, mediante análises de laboratório em amostras
adequadamente colectadas.
2.2 O perfil do solo A denominação dos horizontes e camadas é feita por símbolos
representados por letras e números. Esses símbolos
Não obstante o perfil seja concebido como um plano ortogonal convencionalmente informam a relação genética existente entre
à superfície do terreno, na prática, ao examiná-lo e descrevê-lo, horizontes no conjunto do perfil. São o resultado das
são consideradas características que só podem ser detectadas e interpretações feitas pelo operador durante a descrição do perfil,
identificadas se o material constitutivo do solo for inspeccionado tendo por base as constatações morfológicas e inferências delas
em três dimensões, ou seja, se em vez de se examinar decorrentes, acrescidas, quando necessário, de dados de
simplesmente a face exposta naquele plano, o exame interiorizar- laboratório.
se, atingindo pelo menos alguns decímetros a dentro. O objecto de
atenção usualmente consiste numa secção com aquela espessura A notação aplicada aos horizontes, na sua identificação
por um a dois metros de largura e que se aprofunda desde a durante o exame e descrição do perfil do solo, é o registro da
superfície do terreno até, quando possível e necessário, a zona de interpretação feita pelo operador. Tais denominações constituem
material saprolítico ou o próprio substrato rochoso consolidado. expressão do julgamento concernente ao todo das transformações
ocorridas, causadas por processos pedogenéticos, gerando os
A rigor, o exame, a descrição e a tomada de amostras para horizontes como presentemente são, em distinção comparativa
análises dizem respeito a um volume de solo, compreendendo o com a natureza presumível do que existiu anteriormente - material
que se manifeste de atributos na face exposta e o contido na de origem - às custas do qual veio a se formar cada horizonte.
matéria intraface. Nesse contexto foi formulado o conceito de
pedon, referente à parcela tridimensional abrangendo a inteireza As designações dos horizontes e camadas do solo passaram
dos horizontes, perfazendo volume mínimo que possibilite por modificações em tempos recentes, visando sanar deficiências
expressar a variabilidade de atributos no sentido lateral de cada que vieram se comprovando através dos muitos anos de uso das
horizonte em si, bem como a variabilidade sequencial dos normas preconizadas no "Soil Survey Manual" (Soil Conservation
horizontes que compõem o perfil considerado. Service, 1951).
Neste texto, a orientação seguida é a das normas publicadas pelo
O exame de perfis é realizado em exposições de barrancos ou Instituto de Investigação Agrária (INIA, 1985) que se coadunam
em trincheiras, suficientemente profundos para permitir uma visão com os critérios das designações preconizadas pela FAO (1977) e
abrangente. Para aproveitamento das exposições em cortes de com as normas atuais do serviço de conservação do solo dos
estradas torna-se necessário avivar a face dos taludes, removendo Estados Unidos da América (Soil Conservation Service, 1981).
alguns decímetros da superfície exposta. Em vista de estar sujeita
à contaminação com poeira, lavagem pela chuva, escorrimento de Os horizontes e camadas principais (Ing: master horizons) do
material, secagem e humedecimento e à acção de animais e solo são simbolizados pelas seguintes letras maiúsculas: O, H, A,
plantas, a face do talude pode apresentar modificações sensíveis E, B, C e R. Três são sempre denotativas de horizontes: A, E e B;
em muitos atributos e, assim, interferir na verificação dos atributos R é sempre indicativa de camada; enquanto O e H podem ser de
que individualizam os horizontes e, consequentemente, na denotação variável. Na descrição de perfis, normalmente
identificação do solo. adicionam-se, a essas letra, outras, minúsculas, e números
arábicos que completam a designação dada pelas letras
Em trabalhos de levantamento de solos, quando não haja maiúsculas aos horizontes principais. A seguir vem uma descrição
exposição de barrancos e torna-se impraticável a abertura de dos conceitos de cada horizonte principal. Para as definições
trincheira, é comum o uso de sondagens. Naturalmente, o recurso oficiais refere-se para INIA (1985). Alguns exemplos de
das sondagens não permite um exame circunstanciado, só representações gráficas de perfis com seus horizontes estão na
realizável mediante a inspecção dos horizontes in situ. Figura II-1.
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Sólum: designação referente ao conjunto dos horizontes A e B de um perfil de solo.
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Figura II-2. (A) Esquema demonstrativo das componentes das cores; (B) os matizes que compõem o espectro e
que aparecem nos cartões Munsell. Fonte: Kiehl (1979).
4.1 Nomenclatura
A textura do solo, ou distribuição das partículas por tamanhos,
refere-se a ocorrência relativa das várias classes de tamanho dos
graus minerais individuais do solo. A textura refere
especificamente para as proporções de argila (Ing: clay), limo (Br:
silte; Ing: silt) e areia (Ing: sand) na fracção de terra fina (Ing: fine
earth fraction), i.e. a fracção de partículas com diâmetro menor que
2 mm.
Figura II-4 Triângulos texturais: (a) classes de textura; (b) subclasses de areia;
(c) classes gerais de textura, conforme FAO 1994; INIA/UEM, 1995
Figura II-5 Tipos de estrutura de solo. (A) granular ou grumoso; (B) anisoforme subangular e anisoforme angular; (C)
prismático; (D) colunar; (E) laminar.
6.2 Descrição dos poros geogénicos; fendilhas, formadas sob molhamento e dessecagem,
congelamento e degelamento são fisicogénicas, bem como os
Não somente a porosidade total, mas também a geometria poros vesiculares formados por bolinhas de gás. Canais tubulares
dos poros são características importantes, que merecem ser e poros intersticiais compostos, são biogénicos. Canais biogénicos
incluídas numa descrição morfológica. Infelizmente não existe são comumente chamados de bioporos.
nenhum método prático para descrever adequadamente a rede
complexa de poros interligados ou fechados. A descrição no Os bioporos são formados pela actividade de raízes e/ou
campo deve ser focalizada nos poros formados pela acção das animais no solo. Os raízes não podem penetrar um solo de textura
raízes, animais e bolhas de ar, bem como qualquer arranjo arenosa, com arranjo de partículas adensado. Primeiramente o
incomum que podem ser vistos ao olho nu (macroporos) ou com solo deve ser perfurado ou solto pela acção animal ou artificial-
ajuda de um lente de aumento de bolso. mente (p.e. lavoura). Em seguida o material do solo se arranja em
volta das raízes; e quando as raízes morrem e são decompostas,
O sistema da FAO (1990) descreve os poros conforme o tipo, resulta um bioporo.
o tamanho e a abundância. Uma lista de tipos de poros está no
Quadro II-1. O Manual para a descrição do solo (INIA/UEM, 1995), Muitos bioporos são fósseis. Por exemplo, em solos bem
só trata dos poros cilíndricos (canais). drenados formados em loess (sedimento plistocênico de origem
eólico) pode-se encontrar bioporos até vários metros de
profundidade. Uma boa parte destes poros resultam da
6.3 Formação dos poros sedimentação eólica na vegetação existente. Um processo similar
é importante em solos aluvionares. Por exemplo, o suprimento de
Da mesma forma que a estrutura, os poros podem ser oxigénio em espécies como Avicennia (mangrove), que ocorrem
divididos geneticamente entre geogénicos, fisicogénicos e ao longo do litoral Moçambicano, crescendo numa lama
biogénicos. Poros intersticiais em sedimentos arenosos são fisicamente "imatura" é garantido pelos pneumatóforos, em volta
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
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Poros intersticiais: (Ing: interstitial- or textural voids): Poros controlados pelo arranjo das partículas do solo. Podem ser subdivididos
em poros intersticiais simples, p.e. entre os grãos de areia, e poros intersticiais compostos, entre agregados que não se
amoldam. Estes poros são predominantemente irregulares e interligados, e não podem ser quantificados no campo.
Vesículos (Ing: vesicles): Poros descontínuos de foram esférica ou elíptica (câmaras) de origem sedimentar ou formados por ar
comprimido, por exemplo, bolinhas de ar em crostas superficiais, formadas depois de chuva torrencial. Estes poros são
relativamente pouco importantes em conexão com o crescimento de plantas.
Ing: vughs (sem termo equivalente em Português): Poros predominantemente irregulares equidimensionais de origem faunal, ou
resultando de aração ou perturbação de outros poros. Podem ser descontínuos ou interligados; e podem ser quantificados em
casos específicos.
Canais (Ing: channels): Poros elongados de origem faunal ou vegetal. Na maioria dos casos têm forma tubular e são contínuos, com
diâmetro variando fortemente. Quando maior que alguns centímetros (p.e. escavações de camundongos) podem ser descritos
mais adequadamente sob o capítulo "actividade biológica".
Planos (Ing: planes): A maioria dos planos são vazios entre os agregados, relacionados com superfícies de agregados que se
amoldam ou fendilhas. Os planos são muitas vezes não persistentes e podem variar em tamanho, forma e quantidade em
dependência das condições de humidade do solo. Os planos podem ser registados pela descrição da sua largura e abundância.
aumento pronunciado da velocidade de decomposição matéria nutrientes absorvidos pela cultura. É um fenómeno muito comum
orgânica por microorganismos e processos químicos. A matéria em regiões de transição de agricultura familiar para agricultura
orgânica tem um papel importante como agente aglutinante de privada, e quando o aumento da densidade populacional força os
partículas (vide Capítulo 5 desta Parte); e a diminuição do teor de agricultores a manter pousios cada vez menores ou cultivar áreas
matéria orgânica no solo torna a sua estrutura menos estável. Os menos aptas para a agricultura. Uma outra situação é em regiões
agregados menos estáveis são facilmente destruídos pelo impacto socialmente desestabilisadas (p.e. devido à guerra) com imigração
directo das gotas de chuva (splash). Isto torna o solo mais de agricultores sem experiência nos solos da região (por exemplo,
vulnerável à erosão hídrica ou eólica. Subsequentemente haverá parte das zonas verdes de Maputo).
uma diminuição da actividade biológica, devido às variações
extremas de temperatura e humidade e a teores mais baixos de A intensidade excessiva de pecuária causa problemas
matéria orgânica. semelhantes à combinação da intensidade excessiva de cultivo (se
os produtos da pecuária forem tirados da área) e a mecanização.
A aração na lavoura causa um aumento da superfície do solo Neste caso é o pisoteio do gado que pode causar a degradação
exposto à atmosfera pela destruição mecânica de agregados e a física. Em pastagens demasiadamente grandes o gado costuma
formação de uma superfície "rugosa". Isto favorece a oxidação da andar sempre nos mesmos caminhos, iniciando sulcos de erosão.
matéria orgânica e por consequência, a diminuição da estabilidade Este problema é especialmente grave em regiões semi-áridas, em
estrutural, o que pode dar origem ao esboroamento (Ing: slaking) que normalmente pode haver forragem suficiente, porém nos anos
dos agregados, i.e. a destruição ou desintegração de agregados mais secos o gado consome praticamente toda vegetação,
do solo nos seus constituintes originais, comumente observado em deixando o solo descoberto e susceptível à erosão das primeiras
solos recentemente arados e sujeitos ao impacto das chuvas. chuvas torrenciais.
Durante este processo as partículas de limo, argila, areia e matéria
orgânica ficam sorteadas pela água e formam uma crosta 6.5.2 Morfologia de estruturas deterioradas
adensada na superfície do solo. A combinação dos processos acima mencionados resulta na
formação duma crosta de grãos simples, maciça ou estratificada
O uso de máquinas pesadas favorece a compactação na superfície do solo; e/ou dum imperme de lavoura com estrutura
mecânica. Por exemplo, um tractor num solo cultivado exerce laminar ou anisoforme angular no limite inferior do horizonte Ap.
pressão mecânica sob as rodas, devido ao peso da máquina,
vibração do motor e deslizamentos pelo movimento das rodas. A A formação duma crosta externa (como resultado de slaking),
compactação é pior quando as actividades são exercidas sob é geralmente mais pronunciada em solos com elevado teor de limo
condições desfavoráveis (excesso de humidade no solo). A ou areia fina e relativamente pouca argila (p.e. franco siltoso, areia
regeneração da estrutura pela actividade biológica é limitada, entre franca fina) bem como em solos com elevado teor de sódio
outras razões devido à falta de alimentos adequados para os trocável. As crostas superficiais são caracterizadas pela presença
animais em condições de lavoura. de vesículas, relacionados com confinamento de gases, numa
estrutura adensada. As crostas podem ocorrer nas áreas baixas
A intensidade excessiva de cultivo causa geralmente em entre os torrões de terra, ou cobrir toda a superfície.
primeira instância a degradação química (empobrecimento
nutricional), seguido pela degradação física, devido à exposição Em solos com teor de argila mais elevada, os agregados são
excessiva do solo, sob uma cultura que já não pode formar uma melhor desenvolvidos. No entanto, desagregação em profundidade
cobertura vegetal fechada, por falta de nutrientes. A intensidade ou "micro-erosão" (transporte por fendilhas de material da
excessiva de cultivo não é exclusividade da agricultura moderna; superfície do solo para camada inferior) podem resultar na
ao contrário. Na agricultura moderna geralmente repõem-se os formação duma camada adensada sob a profundidade de lavoura:
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
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imperme induzido ou imperme de lavoura (Br: pã induzido ou pã crostas superficiais podem ser facilmente deslocados por impacto
de arado; Ing: plough pan). Em solos de textura média estas de gotas de chuva, como explicado acima e (2) as camadas
camadas consistem de agregados laminares adensados, com adensadas na superfície têm baixa capacidade de infiltração, e
poucos poros visíveis. Nos solos argilosos costumam ter estrutura consequentemente haverá maior escoamento superficial de água.
anisoforme angular, devido ao fendilhamento como consequência Com a perda do solo e água também perde-se nutrientes e
do encolhimento ao secar. Em solos de textura arenosa este matéria orgânica do horizonte A. O horizonte E ou B ficará à
imperme se manifesta como uma camada muito adensada sem superfície do solo. Estes horizontes geralmente têm propriedades
estrutura. Impermes induzidos têm 5 a 10 cm de espessura, mas a físicas e químicas menos favoráveis (especialmente o E) para o
compactação causada pela vibração e pressão pode continuar até crescimento das plantas do que o horizonte A.
mais baixo. Isto reflecte-se pelo aumento de microporos e a
diminuição de poros grosseiros. Em solos com características físicas e/ou químicas
degradadas, fica mais difícil obter uma cobertura vegetal completa
6.5.3 Características do solo que promovem a deterioração do que em solos com suas características originais preservadas.
estrutural Por isto, uma maior parte do solo fica exposta à atmosfera durante
Deve-se ressaltar que as características do solo que mais tempo, tornando-lhe mais vulnerável aos processos de
promovem a deterioração estrutural não estão exclusivamente deterioração estrutural.
relacionadas com a textura do solo, como pode ter sido sugerido
nos exemplos acima. Entre as características do solo que agravam O acima exposto deixa claro que, os processos de
a deterioração estrutural destacam-se: deterioração estrutural formam um espiral vicioso, o que os torna
ainda mais perigosos.
• Elevado teor de limo ou areia fina
• Teor de matéria orgânica muito baixo ou muito elevado 6.5.5 Melhoramento de estruturas deterioradas
• Ausência de carbonato de cálcio Para melhorar a estrutura de camadas deterioradas ou
• Baixo teor de alumínio e ferro adensadas naturalmente, deve-se promover a formação dum
• Sodicidade/alcalinidade "sistema permanente de poros heterogéneos e contínuos". Alguns
• Excesso de humidade exemplos para fazer isto são:
O limo e a areia fina são as fracções do solo que são (1) • Arar para soltar uma superfície adensada e compactada
fracamente coesivas, devido à sua baixa superfície específica e • Fazer uma aração profunda para misturar camadas com
baixa densidade de cargas (em comparação com a argila) e (2) características favoráveis e desfavoráveis (p.e. areia pobre
facilmente transportáveis por serem de tamanho reduzido (em em matéria orgânica com areia húmida, para aumentar a
comparação com a areia média e grossa). profundidade potencial de enraizamento).
• Fazer uma aração profunda para soltar o subsolo de textura
A matéria orgânica, o carbonato de cálcio e óxidos de ferro e arenosa com arranjo adensado de partículas.
alumínio têm a capacidade de estabelecer ligações fortes entre as • Quebrar/Misturar camadas que actuam como barreiras
partículas do solo, formando desta maneira agregados estáveis. mecânicas para o desenvolvimento radicular e transporte de
No entanto, solos com matéria orgânica muito elevada são muito água e ar.
untuosos (Ing: smearing) e esponjosos, o que pode facilitar a
vedação dos poros, e compactação por máquinas ou gado. Se estas operações forem executadas sob condições
desfavoráveis (demasiadamente molhado) ou se forem
A razão porque solos alcalinos (pH>8.5) ou sódicos (Na+ executadas em solos que não são aptos para tal, o resultado (no
trocável maior que 15% são inestáveis será explicada na Parte III médio ou longo prazo) será deterioração estrutural em vez de
(Química do Solo). melhoramento.
Solos com excesso de humidade, especialmente com elevado 6.5.6 Prevenção da deterioração estrutural
teor de argila e/ou matéria orgânica, são facilmente deformáveis. A Para prevenir a deterioração estrutural deve-se:
plasticidade e pegajosidade de solos molhados (Vide Capítulo 7: • Estimular a actividade biológica pelo suprimento de matéria
Consistência do Solo) causam untadura (smearing) quando orgânica ao solo (p.e. "mulching", adubação com estrume,
trabalhados, ou pisoteados. rotação com pousio, evitar retirar todos os órgãos da planta
sem deixar nada para ser incorporada na terra (p.e. batata
6.5.4 Efeitos práticos da degradação do solo doce);
Crostas superficiais e impermes induzidos são prejudiciais, • aplicar gesso aos solos com elevado Na+ trocável (Vide
pois impedem o transporte vertical de água e ar pelo solo, Parte III, Capítulo 5.2.2);
implicando aumento do risco de ocorrência de excesso de água no • minimizar o período que os solos estão descobertos;
solo superficial, além de impor uma restrição ao desenvolvimento • minimizar as práticas de maneio do solo;
radicular. Isto não só afecta o crescimento das plantas, como • promover a remoção de excessos de água por sistemas de
também dificulta as operações de maneio, e torna o solo mais drenagem;
sensível à compactação. • adoptar práticas para evitar erosão como plantar em
contornos, culturas consociadas, terraceamento.
A deterioração estrutural torna o solo mais sensível à erosão,
por duas razões: (1) partículas dos agregados inestáveis ou das
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
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7. A CONSISTÊNCIA DO SOLO problema prático para a determinação da consistência no campo,
é que é bastante difícil de secar uma amostra no campo. Também
7.1 Conceitos e definições é difícil obter no campo uma amostra húmida a partir duma
amostra seca.
A consistência do solo refere à resistência do material do solo
para deformações ou ruptura. A consistência depende do grau e O grau da cimentação não depende do teor de humidade no
tipo de coesão (entre materiais similares) e adesão (entre solo.
materiais diferentes), do solo e das condições de humidade.
Descreve-se a consistência do solo seco e húmido, bem como
A consistência do solo é uma função da superfície específica e o grau de cimentação, em termos duma característica que pode-se
da quantidade e da força dos contactos por unidade de área de chamar resistência à ruptura (Ing: soil strength), ou seja, a força
superfície. Portanto, varia com o tamanho, a forma, a natureza e o ou pressão mínima necessária para quebrar o material. A
arranjo das partículas do solo e da natureza dos "filmes" de resistência à ruptura é descrita em termos de solto, friável, firme
humidade em volta destas partículas. para material húmido; solto, brando, duro para material seco; e não
cimentado, cimentado para material cimentado. No caso de
A água exibe coesão, como indicado por sua tensão material cimentado também descreve-se a continuidade e a
superficial. As moléculas de água, sendo dipolares, também são estrutura do material, bem como a natureza do agente que causa
absorvidas e se orientam em partículas de solo com cargas a cimentação.
eletroestatícas negativas ou positivas. Sob secagem, partículas
vizinhas se atraem, e o solo desenvolve maior coesão e força A consistência de material molhado é descrita em termos da
mecânica, o que resulta em encolhimento. pegajosidade (Ing: stickiness): a qualidade de adesão do material
do solo a outros objectos; e a plasticidade (Ing: plasticity): a
A adição de água tem um efeito oposto à secagem, por habilidade do material de solo de mudar continuamente de forma
aumentar a largura de filmes de água em volta das partículas do sob a influência de uma pressão aplicada e de conservar a forma
solo. Quantidades adicionais de água tornam o solo plástico, e impressa após a cessão desta pressão. A pegajosidade e a
mesmo perder a sua coesão, aproximando um fluido. Portanto, plasticidade do solo dependem do grau de destruição da estrutura,
sob teores diferentes de água, o solo apresenta consistências bem como da humidade. A determinação destas características
diferentes. deve ser feita sob condições padronizadas, numa amostra de solo
Em solos cimentados, também outras forças que a adesão cuja estrutura é completamente destruída, e que contém água
entre as partículas do solo estão envolvidas. suficiente para expressar o máximo de pegajosidade e
Segundo o "Soil Survey Manual (Manual de Levantamento de plasticidade. Desta maneira possibilita-se a comparação entre
Solos, Soil Conservation Service, 1981) "Material de solo é graus de pegajosidade e plasticidade de solos diferentes.
considerado cimentado se um agregado não se desintegra depois
de uma hora de imersão em água". Se o agregado se desintegra, As classes e definições dos vários tipos de consistência estão
o material não é considerado de cimentado. Agentes cimentantes nas páginas 47-49 do Manual de Descrição do Solo (INIA/UEM,
podem ser: calcário, gesso, ferro e sílica. 1995). Os termos para a descrição da cimentação e compacidade
estão nas páginas 52 e 53 do mesmo manual.
O termo compacto refere para material com uma consistência
húmida que é firme a extremamente firme, e um arranjo cerrado
das partículas. Material compacto não se desintegra depois de 7.3 A importância da consistência e cimentação do material do
uma hora de imersão em água. Compacidade é um termo solo
genérico que pode referir a material compactado, resultante da
acção externa (p.e. máquinas pesadas) ou material adensado, que 7.3.1 Importância pedológica
resulta de processos naturais, pedogenéticos (p.e. iluviação de A consistência do solo não depende apenas da textura e da
argila de horizonte A ou E para horizontes Bt, Vide Parte V) ou humidade do solo, mas também da mineralogia da argila, dos
geogenéticos (p.e. sedimentação cerrado). cations trocáveis e do teor de matéria orgânica. Portanto, é uma
característica do solo bastante complexa. Isto é ilustrado na
Tabela II-1, que compara a consistência dum Ferralsolo argiloso
7.2 Descrição da consistência e cimentação do solo com a dum Vertissolo argiloso. A mineralogia do Ferralsolo é
dominada pela caulinita e por oxi-hidróxidos de ferro e alumínio. Os
A terminologia para a descrição da consistência do solo no campo Vertissolos são ricos em smectitas (Vide Parte VI, Classificação do
(INIA/UEM, 1995) inclui termos diferentes para os três estágios de Solo).
humidade: molhado, húmido e seco.
7.3.2 Importância para o maneio do solo
Geralmente não é necessário descrever a consistência do solo A consistência do solo também é de grande importância
sob todas estas três condições padronizadas. A consistência prática, em relação ao uso do solo, tanto para fins agrícolas, como
húmida é geralmente mais importante, pois é o estado mais para obras de engenharia. As consistências no estado seco e
comum de muitos solos. A consistência do solo seco é geralmente húmido determinam, juntos com outros factores, as possibilidades
útil, mas não é relevante em solos que nunca estão secos. A de trabalhar o solo, p.e. a facilidade de preparação do solo para a
mesma coisa se aplica para a consistência do solo molhado. Um sementeira, uma actividade que deve-se evitar em solo molhado.
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
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A presença de material de solo cimentado, a uma profundidade observado daquilo que é interferido. Pode-se referir para a
rasa, é uma limitação séria neste respeito. As consistências natureza de películas em termos como "provavelmente de argila",
húmida e molhada também são importantes para determinar a ou "possivelmente de matéria orgânica e óxidos de ferro".
transitabilidade do solo e o risco de compactação do solo pelas
máquinas agrícolas e pelo gado, actividades que muitas vezes 8.1.1 Películas de argila
não podem ser evitadas quando o solo estiver molhado. A As películas de argila são revestimentos que podem ser
consistência do solo também está correlacionada com o facilmente distinguidos quando são mais escuros ou avermelhados
enraizamento dos horizontes. do que os interiores dos elementos estruturais. Critérios para sua
identificação no campo são (1) espessura real; (2) uma transição
abrupta entre a película e o interior do agregado, como pode ser
8. PELÍCULAS visto numa secção transversal numa superfície quebrada. Uma
lente de bolsa de 10x de aumento pode ajudar na identificação.
Muitas vezes, as faces dos agregados, os poros ou os grãos Sob o microscópio as películas de argila podem ser facilmente
de areia apresentam revestimentos de materiais como p.e. argila, reconhecidas como lâminas de placas de argila orientada
matéria orgânica, ou óxidos de ferro. Uma descrição detalhada paralelamente à superfície da face do agregado ou como lâminas
destas chamadas películas (Ing: cutans) não é possível sem vê- concêntricas em volta dos poros cilíndricos.
los sob o microscópio, e faz parte da micromorfologia do solo. No
entanto, as películas podem frequentemente ser reconhecidas no Películas de argila são principalmente compostas por
campo, pelo olho nu, ou por uma lente de aumento de 10x. partículas de argila que foram lavadas (eluviação) pela água
Geralmente a observação no campo por si só é suficiente para descendente, do solo superficial e depositadas (iluviação) nas
identificar a natureza exacta duma película. faces dos poros e agregados no subsolo (Vide Parte V, Capítulo
3.1). Na classificação dos solos, a presença de películas de argila
A presença de películas pode providenciar uma indicação é um critério importante para diagnosticar a presença dum
importante dos processos que estão, ou estiveram actuando no horizonte B árgico (Vide Parte VI).
solo. Alguns critérios importantes para a designação de horizontes 8.1.2 Películas de compressão
e para a classificação do solo também referem para a presença de Películas de compressão (Ing: stress cutans), ou faces de
certos tipos de películas. compressão (Ing: pressure faces) são facilmente confundidas com
películas de argila na examinação no campo. Se a superfície do
A classificação e descrição de películas segundo as normas agregado for lisa e a película não tiver espessura, quando
do Manual para a Descrição do Solo (INIA/UEM, 1995; página 50 e observada numa secção transversal (o que indicaria película de
51) foram adoptadas da FAO (1990). argila), então,
Tabela II-1 Comparação de consistência de um Ferralsolo argiloso e um Vertissolo argiloso duma região subtropical
(fonte: Brasil, 1973)
8.1 Tipos de películas e sua origem tratar-se-á provavelmente duma película de compressão. Um tipo
especial de película de compressão chama-se "superfície de
Existem vários tipos de películas de natureza diferente: de fricção" (Ing: slickenside). Uma superfície fricção é uma superfície
argila, de compressão, de sesquióxidos, de matéria orgânica. lisa, com estrias paralelas. Este tipo de películas é formado
Alguns solos, classificados como Nitissolos (vide Parte VI: quando agregados exercem tanta pressão sobre seus vizinhos
classificação) apresentam uma lustrosidade cuja formação ainda durante molhamento, que um sobe pelo outro. Películas de
não está bem esclarecida. No Brasil, onde estes solos são muito compressão, e especialmente as superfícies de fricção ocorrem
comuns, indica-se este tipo de lustrosidade por cerosidade. tipicamente em solos com teores apreciáveis de argilas
expansíveis (p.e. montmorilonita), e que estão sujeitos a
No campo é importante discriminar aquilo que é realmente mudanças distintas em humidade (clima com alternação de
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
29
estações secas e húmidas). A ocorrência de superfícies de fricção A maioria das películas identificadas como "películas de
é característica diagnóstica para os Vertissolos (Vide Parte VI). argila", são de facto películas de argila e óxidos de ferro (Ing: ferri-
argillans).
8.1.3 Películas de óxidos
As películas de óxidos formam uma camada fina de óxidos de
metal, usualmente de ferro ou de manganês. A cor destas 8.2 Importância de películas
películas é avermelhada se houver ocorrência proeminente de
ferro, e preta quando o manganês é um constituinte importante. As cutículas têm sido assunto de investigações profundas
Estas películas podem formar-se nas faces dos agregados ou em como produtos de processos pedogênicos; porém a sua
canais como consequência de processos de redução e oxidação importância para propriedades relacionadas com o maneio de solo
em solos hidromórficos. O interior dos agregados pode ficar foi geralmente neglicenciada. Uma razão para isto é que é difícil
saturado por períodos mais prolongados do que o exterior e os analisar as películas separadamente, para depois interpretar os
poros largos. Portanto, o ferro e manganês no interior do agregado resultados das análises para um sistema de uso de terra.
podem ser reduzidos para a forma divalente, solúvel. Em seguida
podem difundir para a superfície ou poros largos, onde as Reconhece-se no entanto, que as películas podem ter um
condições oxidativas causam sua precipitação na forma de papel importante neste respeito, pois as raízes muitas vezes
películas (Vide também Parte V). seguem as faces dos agregados e os poros largos. Então estão
muito mais em contacto com as películas do que com o interior
Um outro tipo de película de óxidos de ferro e manganês é dos agregados. Um aspecto físico, directamente relacionado com
formado quando durante a meteorização de minerais primários, a presença de películas é que as películas podem fechar os poros
sob condições húmidos e bem drenadas, estes elementos são nas superfícies dos agregados, e diminuir o diâmetro dos poros
liberados e prontamente oxidados e precipitados na forma de largos, o que reduz a permeabilidade do solo, e pode causar
películas delgadas que revestem os grãos de areia e limo. Outros estagnação de água.
elementos liberados pela meteorização, como Al, Si e cations
básicos, são lixiviados ou usados para a formação de argilas Questões
silicatadas secundárias. Estas películas geralmente não são
descritas, pois são muito comuns nos solos bem drenados. A sua 1. Explica porque a velocidade de ascensão capilar é maior em
ausência pode ser devida a condições hidromórficas ou à solos de textura arenosa, enquanto a altura de equilíbrio da
presença dum horizonte E. ascensão capilar é maior em solos argilosos.