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Manual de Apoio a Vítimas Imigrantes

Este manual fornece orientações sobre como apoiar vítimas imigrantes de crimes. Apresenta o contexto da imigração em Portugal e crimes comuns contra imigrantes, como tráfico de pessoas e fraude no trabalho. Fornece diretrizes para o atendimento de vítimas, incluindo entrevistas, apoio jurídico e psicológico.

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Manual de Apoio a Vítimas Imigrantes

Este manual fornece orientações sobre como apoiar vítimas imigrantes de crimes. Apresenta o contexto da imigração em Portugal e crimes comuns contra imigrantes, como tráfico de pessoas e fraude no trabalho. Fornece diretrizes para o atendimento de vítimas, incluindo entrevistas, apoio jurídico e psicológico.

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1
Introdução 5

I - O FENÓMENO DA IMIGRAÇÃO 7
1. Enquadramento Histórico 7

1.1. Realidade Nacional e Regional 7

1.2. Crimes que afectam especificamente a comunidade imigrante 8

1.2.1 Burla relativa ao trabalho e emprego 8

1.2.2 Tráfico de seres humanos 8

1.2.3 Auxílio á imigração ilegal 9

II – FENÓMENO DO TRÁFICO DE SERES HUMANOS 11


2.1. Conceito do Tráfico de Seres Humanos 11

2.1.1. Métodos de Recrutamento e Coacção 12

2.1.2. Formas de exploração 12

2.1.2.1. Exploração sexual 13

2.1.2.2. Exploração laboral 13

2.1.2.3. Extracção de órgãos 14

2.2. Enquadramento Legal 14

2.2.1. Diplomas internacionais: 14

2.2.2. Legislação Nacional: 145

III – VÍTIMAS DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS 17


3.1. Mitos e Factos 17

3.2. Quem é a Vítima de Tráfico 18

3.2.1.Indicadores do crime de tráfico de seres humanos 18

3.2.2.Reacções das vítimas de tráfico 19

3.2.3. Avaliação de risco 20

2
IV - PROCEDIMENTOS DE ATENDIMENTO 21
4.1 O primeiro atendimento - Vítimas de Tráfico 21

4.1.2 Princípios orientadores da entrevista 22

4.1.3 Fases da entrevista 23

4.2 Autonomia da vítima 25

V -APOIO ESPECIALIZADO 27
5.1. Apoio Jurídico 27

5.1.1.Protecção legal das vítimas de Tráfico de Seres Humanos 28

5.2. Apoio Psicológico 31

5.3. Apoio Social 31

5.3.1. Problemática específica 31

VI - COOPERAÇÃO INTERINSTITUCIONAL 33
6.1. Vitimação secundária 33

VII – CASOS PRÁTICOS 37


Caso I 37

Caso II 38

Caso III 39

VIII - CONTACTOS ÚTEIS 41

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4
Introdução

Face à vulnerabilidade da população imigrante e à complexidade dos crimes que afectam especi¬ficamente
esta comunidade, designadamente, o crime de Tráfico de Seres Humanos, o Manual de Procedimentos de
Apoio à Vítima Imigrante inclui a indicação de elementos básicos para compreender o fenómeno e apre¬senta
um conjunto de boas práticas para capacitação dos técnicos na intervenção no domínio do apoio às vítimas
de crime.

O Manual é uma compilação de informação e orientação da acção dos técnicos das instituições que traba¬lham,
directa ou indirectamente com a população imigrante e resulta da experiência adquirida no atendimento a ví-
timas imigrantes acumulada ao longo de duas décadas.
Este instrumento tem como objectivo partilhar metodologias essenciais, tendo em vista a prestação de um
melhor apoio e protecção às vítimas, garantindo uma actuação eficaz e adequada.

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I - O FENÓMENO DA IMIGRAÇÃO

1. Enquadramento Histórico

Portugal sempre foi um país de índole predominantemente emigratória, sendo a imigração um fenómeno rela-
tivamente recente em sua história. Os primeiros fluxos migratórios relevantes ocorreram no início da década
de 80, quando se verificou um aumento exponencial do número de estrangeiros resi¬dentes em Portugal. Nos
anos 90, houve a consolidação e o crescimento da população oriunda dos países africanos de colonização
portuguesa e também do Brasil. A partir do ano 2000, passam a surgir novos fluxos, oriundos sobretudo do
leste europeu, havendo também o aumento da comunidade brasileira. Hoje em dia, Portugal é um país de
origem, trânsito e de destino para a população migrante com um número estimado de 452.725 imigrantes em
território português.

1.1. Realidade Nacional e Regional

De acordo com os dados estatísticos dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 2010 foram regis-
tados 445.262 estrangeiros residentes em Portugal. O distrito de Lisboa é o que apresentava o maior número
de estrangeiros com residência legal (189.220), seguido pelo distrito de Faro (71.818). Note-se, entretanto,
que estes registos referem-se ao número de estrangeiros com residência legal em Portugal, mas existe ainda
um notável número de imigrantes em situação irregular a viver no país, muitas vezes sujeitos à exploração.
Considerando que os imigrantes podem apresentar certas fragilidades, como o desconhecimento da língua,
das leis e da geografia do país, e que podem não ter uma concreta rede social de apoio nos primeiros anos
em que residem em Portugal, eles podem estar mais susceptíveis a serem vítimas de crime, e quando o são,
podem encontrar mais dificuldades para recorrer aos serviços de apoio disponíveis.

7
1.2. Crimes que afectam especificamente a comunidade imigrante

1.2.1 Burla relativa a trabalho ou emprego

Código Penal:
Artigo 22º: “Quem, com intenção lucrativa de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a
outra pessoa prejuízo patrimonial, através de aliciamento ou promessa de trabalho ou emprego no estrangei-
ro, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
Com a mesma pena é punido quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegíti-
mo, causar a pessoa residente no estrangeiro prejuízo patrimonial, através de aliciamento ou promessa de
traba¬lho ou emprego em Portugal”.

1.2.2 O tráfico de seres humanos

Moldura Penal:
O artigo 160º do Código Penal, cuja redacção actual entrou em vigor a 15 de Setembro de 2007, estipula
a punição de quem oferecer, entregar, aliciar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração
sexual, exploração laboral ou extracção de órgãos por meio de:

- Violência rapto ou ameaça grave

- Ardil ou manobra fraudulenta

- Abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de


trabalho ou familiar

- Aproveitamento da incapacidade psíquica ou da especial vulnerabilidade da vítima

- Obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima

No que respeita a situações de tráfico de crianças (abaixo dos 18 anos), é punido com pena de prisão de um
a cinco anos quem, mediante pagamento ou outra contrapartida, oferecer, entregar, solicitar ou aceitar menor,
ou obtiver ou prestar consentimento na sua adopção.

8
É punido quem tendo conhecimento destes crimes, utilizar os serviços ou órgãos das vítimas, bem como quem ocultar,
danificar ou destruir documentos de identificação ou de viagem de pessoa ofendida.
Este crime tem natureza pública, o que significa que qualquer pessoa, singular ou colectiva, poderá denunciar à autori-
dade policial (Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública, Policia Judiciária, Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras) ou aos Serviços do Ministério público uma situação que possa consubstanciar tráfico de seres humanos.

Devido ao facto de se tratar de um crime que muitas vezes envolve cidadãos estrangeiros (pois geralmente implica a
passagem de fronteiras), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) concorre na competência de investigação com a
Policia Judiciária – Direcção Central de Combate ao Banditismo.

1.2.3 Auxílio à imigração ilegal

Lei 23/2007 de 4 de Julho (regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional:

- Artigo 183º – Auxílio à imigração ilegal - Penaliza quem, com ou sem intenção lucrativa, favorecer ou facilitar a
entrada ou o trânsito ilegal de cidadão estrangeiro em território nacional. A tentativa é punível.

- Artigo 184º - Associação de auxílio à imigração ilegal - penaliza quem fundar grupo, organização ou
associação para a prática do crime acima mencionado. A tentativa é punível.

- Artigo 185º – Angariação de mão-de-obra ilegal - Penaliza quem, com ou sem intenção lucrativa, aliciar ou
angariar para si ou para terceiro, com o objectivo de introduzir no mercado de trabalho, cidadão estrangeiro
não habilitado. A tentativa é punível.

O tráfico de seres humanos pode muitas vezes ser confundido com o crime de auxílio à imigração ilegal, uma vez que
estes dois crimes podem apresentar características semelhantes (transposição de fronteiras, utilização de mão-de-obra
ilegal de um estrangeiro, vítima estrangeira, dentre outros).
Para melhor entendimento abaixo encontra-se um quadro explicativo da diferença entre estes dois tipos de crime.
  Auxílio à imigração ilegal Tráfico
Tipo de crime Crime contra o Estado Crime contra as pessoas

Razão da sua tipificação Protecção de soberania do Estado Protecção dos Direitos Humanos

Natureza do crime e relação entre Relação comercial que termina com a passagem da Relação de exploração com o objectivo de ma-
as partes fronteira e respectivo pagamento ximização económica
Movimento organizado de pessoas canalizado para Recrutamento organizado e exploração contí-
Forma de actuação
o lucro nua de vítimas com intuito lucrativo

Elemento identificativo é a pessoa ser ilegal no país


Passagem ilegal da fronteira Ser ilegal não é elemento identificativo
de destino
Imigrante não dá o seu consentimento, ou é
Consentimento Imigrante dá o seu consentimento tornado irrelevante em qualquer estado do pro-
cesso

A dificuldade muitas vezes existente em provar-se o crime de tráfico de seres humanos pode levar a que determinadas
situações sejam punidas como auxílio à imigração ilegal ou até como outros crimes previstos na legislação penal (como
nos casos de tráfico para exploração sexual, enquadrados como lenocínio), que são denominados “crimes conexos” ao
tráfico de pessoas.

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II – FENÓMENO DO TRÁFICO DE SERES HUMANOS

2.1. Conceito do Tráfico de Seres Humanos

A definição do tráfico de seres humanos não é uniforme entre todos os países, podendo apresentar variações
quanto as condutas de recrutamento, transporte, formas de coacção e de exploração. Em Portugal, o con-
ceito de tráfico de seres humanos encontra-se plasmado no artigo 160º, do Código Penal, que baseia-se na
legislação europeia sobre a matéria.

Assim, de acordo com a legislação, o Tráfico de Seres Humanos consiste na oferta, entrega, aliciamento,
aceitação, transporte, alojamento ou acolhimento de pessoas, através de certos meios, tendo como fim a
exploração sexual, exploração do traba¬lho ou extracção de órgãos. É um processo que se inicia com o re-
crutamento e tem como objectivo a explo¬ração da vítima.

Sendo considerado um negócio muito lucrativo, é o que está a crescer mais rapidamente na indústria do cri-
me em todo o mundo. Existem dados que apontam a ocorrência deste crime em muitos países, quer a nível
interno (verificando-se a exploração no país de resi¬dência da vítima), quer a nível transfronteiriço (em que
as vítimas deixam o seu país de residência e são exploradas no país de destino e nos países de trânsito), e
não unicamente nos países mais pobres, como muitas vezes se pensa.

O tráfico seres humanos está em constante evolução e afecta pa¬íses de origem, trânsito e destino (Portugal
por exemplo é um país de origem, de transito e de destino). O crescimento deste fenómeno é notório, mas
continua a estar muito associado a exploração para fins sexuais, apesar de ser recorrente a existência de
outras formas de exploração.

Apesar de ser um fenómeno pode afectar qualquer pessoa, existem grupos mais vulneráveis a esta forma de
vitimação, como por exemplo as mulheres e as crianças. A Convenção das Nações Unidas para os Direitos
das Crianças alerta para a extrema vulnerabilidade destas e afirma o direito inalienável de protecção face a
qualquer forma de maus-tratos, abuso, violência e negligência.

No que se refere ao tráfico de crianças, a nível mundial 1,8 milhões são exploradas sexualmente. Quanto às
mulheres, estas são muitas vezes discriminadas nos seus salários, no acesso ao mercado de trabalho e na
formação vocacional. Os estereótipos perpetuam sobre a representação no salário inferior, empregos menos
seguros e considerados como tradicionalmente femininos e determinam a distribuição pelo trabalho pago e
não pago.

11
O tráfico de pessoas é uma problemática que está em constante mutação, a forma mais usual hoje, pode
amanhã tornar-se obsoleta. Isto significa que os métodos de exploração e de coacção adaptam-se sempre a
novas realida¬des e novas formas de exercer pressão sobre os grupos mais vulneráveis.

2.1.1. Métodos de Recrutamento e de Coacção

No tráfico de seres humanos, é muito comum que o recrutamento seja feito através de promessas de trabalho
aliciantes, e por isso grande parte das vítimas são pessoas que procuram alternativas para melhorar a sua
situa¬ção económica. Estas vítimas são levadas a acreditar nas promessas de trabalho mesmo que conhe-
çam a sua natureza, e são muitas vezes enganadas e iludidas relativamente à remuneração, igualmente em
relação às condições que lhe esperam no país de destino.

Apesar de a promessa de trabalho ser a forma mais comum de recrutamento, existem também outros méto-
dos utilizados, como a simulação de uma relação amorosa, a promessa de casamento, a promessa de paga-
mento de estudos em outro país, dentre outras várias.

As formas de coacção no tráfico de seres humanos também podem ser variadas. A título de exemplo, as vi-
timas por vezes vêem-se privadas da sua liberdade através da força ou condicionada a sua vontade através
da retenção de documentos e/ou da iniciação no consumo de drogas. Estas pessoas viajam muitas vezes
em situação irregular, socorrendo-se de redes de crime organizado para conseguirem documentação falsa,
razão pela qual se transformam em vítimas perfeitas para os trafi¬cantes, uma vez que os alegados “custos”
da documentação, viagens, alojamento e alimentação serão pagos pela vítima após a chegada ao local de
destino com o seu próprio trabalho (o que denominado “debt bondage”).

2.1.2. Formas de exploração

Após o recrutamento, a vítima é deslocada do seu local de residência para outro local que geralmente não
conhece e que pode ser uma região diferente dentro do seu próprio país ou um país estrangeiro, de modo que
a sua des¬locação pode prolongar-se por vários dias.

Durante este período, a vítima poderá ser impedida de satisfazer as suas necessidades básicas (higiene e ali-
mentação) e pode sofrer maus tratos físicos e psicológicos, além de ser privada de liberdade de movimentos.
O processo de recrutamento e deslocação da vítima tem como objectivo final a sua exploração, que pode se
con¬cretizar de três formas:

12
2.1.2.1. Exploração sexual

Consiste no aproveitamento da prostituição e outras formas de exploração sexual:

- Exploração da prostituição: A vítima é induzida ou forçada a prostituir-se, entregando o lucro ao


traficante.

- Pornografia: A vítima é coagida a participar neste tipo de comércio sexual.

- Turismo sexual: Esta forma de exploração sexual relaciona o comércio do sexo com o turismo. Na
maior parte das situações, as crianças e os adolescentes são o alvo principal deste tipo de indústria.

2.1.2.2. Exploração laboral

Entre outras actividades, as vítimas são exploradas na agricultura, na indústria e no trabalho doméstico:

- Agricultura e indústria: os trabalhadores são atraídos mediante propostas aliciantes, com salários
relativa¬mente elevados e boas condições de trabalho para trabalhar em regiões agrícolas, fábricas
ou na cons¬trução civil. Na generalidade das situações, são obrigados a trabalhar em regime de
quase escravatura e residem em condições degradantes (privação das necessidades básicas e são
sujeitos a maus-tratos e ameaças de morte).

- Escravatura doméstica: é uma das formas mais frequentes de exploração laboral e igualmente a
mais difícil de combater. Uma vez que ocorre na esfera doméstica em condições de grande fragilida
de da vítima, é frequentemente confundida com o crime de violência doméstica.

- Mendicidade: é frequente no crime de Tráfico de Seres Humanos e ocorre quando as vítimas são
transportadas de zonas rurais para grandes centros urbanos e obrigadas a pedir dinheiro para tercei
ros, que os exploram através do uso de violência física e/ou de ameaças.
Hoje em dia já são registadas outras formas de exploração, como o tráfico de crianças e jovens
para a prática de pequenos ilícitos patrimoniais cujo lucro reverte em benefício do traficante. As for
mas de exploração previstas na legislação não são exaustivas e estão em constante mudança, de
vendo o conceito do tráfico de seres humanos adaptar-se a esta realidade sob pena de deixar cer
tas condutas sem enquadramento legal.

13
2.1.2.3. Extracção de órgãos

Consiste na remoção forçada de partes do corpo de crianças ou de adultos para transplante ou feitiçaria.

2.2. Enquadramento Legal

De acordo com o “Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2011”, publicado pelo Governo dos Estados Unidos
da América (EUA), existem 3 rankings nos quais se integram os vários países relativamente à forma como
funcionam com a problemática do Tráfico de Seres Humanos: no primeiro grupo estão integrados os países
mais eficazes no combate ao tráfico humano; no segundo grupo, estão inseridos países que apesar de não
cumprirem os requisitos mínimos recomendados para o combate ao tráfico de seres humanos, têm tomado
medidas para erradicá-lo; por fim, o terceiro grupo abarca os países que não cumprem nem tomam medidas
que satisfaçam os mínimos padrões recomendados.

De acordo com o mencionado relatório, Portugal encontra-se no primeiro grupo, dentro os países com políti-
cas mais eficazes no combate ao tráfico de seres humanos.
Neste sentido, é de salientar a criação de dois Planos Nacionais Contra o Tráfico de Seres Humanos (estando
actualmente em vigor o segundo plano), que prevê, dentre muitas medidas, a disseminação de informação
sobre o tráfico a fim de prevenir a sua ocorrência, e a concretização de serviços de apoio às vítimas deste
crime.

Este plano surge como concretização de diplomas internacionais e correspondentes alterações legislativas.

2.2.1. Diplomas internacionais

- Convenção n.º 29 sobre o trabalho forçado da OIT;

- Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional, especificamente o protocolo adicional


relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas em especial Mulheres e Crianças
das Nações Unidas; Decisão Quadro do Conselho da União Europeia de 19 de Julho de 2002;

- Plano de Acção da OSCE contra o Tráfico de Seres Humanos de 2003;

- Directiva 2004/81/EC do Conselho da União Europeia de 29 de Abril de 2004; Convenção contra o


Tráfico de Seres Humanos do Conselho da Europa de 16 de Maio de 2005;

14
- Plano de Acção da União Europeia sobre boas práticas, normas e procedimentos para combate e
prevenção do Tráfico de Seres Humanos adoptado em Dezembro de 2005.

2.2.2. Legislação Nacional:

- Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2007 de 22 de 22 de Junho, aprova o I Plano contra o


Tráfico de Seres Humanos (2007-2010);

- Lei n.º 23/2007 de 4 de Julho, veio alterar o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afasta
mento de estrangeiros. Este diploma legal, no seu artigo 109.º estabelece o estatuto da vítima de
tráfico, Lei n.º 51/2007 de 31 de Agosto, define os objectivos, prioridades e orientações de política
criminal para o biénio 2007/2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006 de 23 de Maio, que aprova a
Lei-quadro de Política Criminal;

- Lei 59/2007 de 4 de Setembro, veio precisar o conceito de tráfico, distinguindo bem as actividades
de explo¬ração sexual, laboral e extracção de órgãos. Introduzindo pela primeira vez a punição do
cliente, operou-se a criminalização da retenção, ocultação ou destruição de documentos de identifi
cação;

- Decreto-lei n.º 368/2007 de 5 de Novembro, define o regime especial de concessão de autorização


de resi¬dência a vítimas de tráfico de pessoas a que se referem os n.ºs 4 e 5 do artigo 109.º e o n.º
2 do artigo 111.º da Lei n.º 23/2007 de 4 de Julho;

- Resolução da Assembleia da República n.º 1/2008, aprova a Convenção do Conselho da Europa


relativa à luta contra o tráfico de Seres Humanos;

- Lei 49/2008 de 27 de Agosto, aprova a Lei da Organização da Investigação Criminal;

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III – VÍTIMAS DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS

3.1. Mitos e Factos

No senso comum, há uma imagem distorcida do que é o fenómeno do tráfico de seres humanos, existem
diversas ideias vagas acerca do fenómeno e conceitos distorcidos sobre esta realidade.
Estes conceitos designam-se por mitos, espelham ideias afastadas da realidade, devem ser desmistificados
para todos aqueles que trabalham directamente ou indirectamente com este fenómeno. É importante esclare-
cer alguns mitos comuns sobre o tráfico de seres humanos, eis alguns exemplos desses mitos:

- “Tráfico de seres humanos refere-se unicamente às vítimas de exploração sexual”. Na realida


de, existem outras formas de exploração no tráfico de seres humanos, como a laboral e a extracção
de órgãos. Sendo que em muitas situações há mais que um tipo de exploração.

- “O tráfico de seres humanos acontece com as pessoas pobres e sem educação”. Embora
a pobreza seja um dos factores de risco, qualquer pessoa se pode tornar uma vítima de tráfico
humano.

- “Só as mulheres são vítimas de tráfico”. Embora as estatísticas apontem que a maioria das víti
mas que solicitam apoio são do sexo feminino, contudo na realidade tanto homens como mulheres
de qualquer idade podem ser vítimas de tráfico.

- “Quando pagam para passar a fronteira irregularmente sabem bem para o que vêm.” O movi
mento ilegal de pessoas através de fronteiras chama-se imigração ilegal. O tráfico humano é uma
ofensa a uma pessoa com uso de uma variedade de meios, designadamente, a força e o engano
para fins de exploração. O tráfico de seres humanos pode acontecer a nível nacional e a vítima
poderá estar em situação regular ou irregular.

- “O tráfico de seres humanos envolve sempre força física, rapto ou escravidão física”. Não é
obrigatório o uso de força física, existem outros elementos como a pressão psicológica que fazem
com que a vítima se sinta controlada e sem liberdade de movimentos. De facto, as situações de
ameaças aos familiares no país de origem ou o receio de ser alvo de agressões físicas, revelam-se
muitas vezes como métodos mais eficazes e menos dispendiosos para controlar a vítima de tráfico
seres humanos.

- “As vítimas de tráfico são sempre recrutadas por grupos criminosos ou pessoas desconheci
das” Embora existam muitas situações relacionadas com grupos criminosos mais ou menos organi
zados, na re¬alidade a maioria das vítimas são recrutadas por familiares, amigos e conhecidos.

17
3.2. Quem é a Vítima de Tráfico

Não existe propriamente um perfil de vítima de tráfico, isto é, não se pode apontar um perfil específico que
nos permita enunciar que determinada pessoa homem ou mulher de determinada idade é, ou pode vir a ser
vítima deste crime. Qualquer pessoa pode ser vítima, independentemente do meio social, político, religioso,
moral e educacio¬nal.

Contudo, este fenómeno está frequentemente relacionado com pessoas que se encontram numa situação
de vulnerabilidade ou de pobreza. Assim, as crianças e mulheres são mais facilmente aliciadas devido aos
seguintes factores:

- Falta de recursos económicos. Em situações que as pessoas nos seus países de origem estão a
viver uma crise económica, ou de insegurança. Esta insegurança leva a procurar outros países
para uma melhor quali¬dade de vida.

- Fuga da opressão e da estigmatização. As pessoas que vivem em sociedades conservadoras,


para fugirem ao isolamento e à reprovação.

- Turbulência Política. As guerras civis, situação em que há opressão política, restrição de liberda
des ou mesmo práticas que atentem aos Direitos Humanos no país de origem surgem como um dos
estímulos à emigração.

3.2.1.Indicadores do crime de tráfico de seres humanos

Alguns indicadores podem nortear a compreensão sobre quem é a vítima de tráfico, ou as razões para a
manutenção da situação de tráfico:

- Não tem controlo sobre os seus documentos de identificação

- Indicações específicas sobre o que dizer perante as autoridades

- Recrutada para desempenhar determinado trabalho e é forçada a fazer outro

- Fica sem uma parte do ordenado para pagamento das despesas e/ou viagem

- Forçada a práticas sexuais

18
- Agredida ou privada de comida, água, sono, cuidados médicos

- Não pode livremente, contactar amigos e familiares

- Ameaçada que seria deportada ou sofreria outra sanção legal caso denunciasse a sua situa
ção caso tente escapar, a vítima ou a sua família podem sofrer vinganças

Estes indicadores poderão ser facilitadores para identificar uma situação de tráfico, frequentemente
depara¬mo-nos com outros crimes associados ao tráfico de seres humanos, tornando-se difícil identificar a
situação de tráfico.

3.2.2.Reacções das vítimas de tráfico

As vítimas de tráfico podem reagir de formas muito diversas, são diversos os meios e propósitos utilizados no
tráfico, diferentes são os traficantes, as relações com as vítimas e a duração da vitimação, etc. Cada vítima,
é uma pessoa singular, com uma personalidade, cada uma com reacções diferentes.
Existem algumas reacções gerais que podem ser apontadas:

- Medo. As vítimas de tráfico sentem determinados medos: medo da deportação medo das autorida
des, medo de não serem compreendidos, bem como o medo das represálias (em especial com a
família no país de ori¬gem).

- Sentimento de insegurança. As vítimas de tráfico sentem frequentemente as mesmas preocupa


ções quando foram traficadas, sentem-se observadas e sob vigilância.

- Sentimentos de vergonha/culpa. A vítima tem vergonha de relatar a sua situação e solicitar apoio
e igualmente dos fami¬liares que se encontram no país de origem.
E, especificamente podem registar-se nas vítimas determinados danos:

- Perturbações funcionais: ao nível do apetite, aparecimento de dores de cabeça e musculares, frac


turas, trau¬matismos faciais, fadiga e sexuais (infecções ginecológicas, dor ao urinar, dor pélvica,
doenças sexualmente transmissíveis etc.

- Perturbações afectivas: choro incontrolado, pessimismo, sentimento de humilhação, desvaloriza


ção pessoal, crenças negativas etc.

19
- Perturbações cognitivas: dificuldade de concentração, atenção e memória etc.

- Alterações psiquiátricas: tentativas de suicídio, desenvolvimento de stress pós traumático, depres


sões etc.

- Alterações sociais: danos ao nível das relações sociais, isolamento e desconfiança etc.

3.2.3. Avaliação de risco

As vítimas de tráfico são pessoas que se encontram numa situação de grande vulnerabilidade, apesar de
terem escapado à situação de tráfico (são pessoas que estão frequentemente longe da rede social primária).
Por outro lado, são pessoas que foram sujeitas a uma grande violência física ou psicológica. É fundamental
avaliar e realizar uma boa gestão dos indicadores de risco, para tal é essencial:

1) Identificar e compreender os indicadores de risco. É importante o técnico identificar e perceber


quais os indi¬cadores que estão relacionados com cada vítima de tráfico:

• Questões relacionais (relação com o traficante, estratégias utilizadas e meios na situação


de tráfico)

• Questões sociais (dependência económica, necessidades sociais da vítima)

• Questões psicológicas (avaliar as reacções das vítimas, o stress pós trauma, a capacidade
própria da pessoa para confrontar o problema) etc.

2) Compreender os indicadores de risco como dinâmicos. É essencial perceber que os indicado


res não são estáticos ao longo do tempo, isto é, são sempre mutáveis. Essas mudanças têm implica
ções no plano de acção de respostas de apoio às vítimas.

3) Monitorizar e planear respostas adequadas para a protecção à vítima.

4) Reavaliar sempre os indicadores de risco.

Para procedermos a um processo de apoio adequado, é necessário uma adequada identificação e


compre¬ensão dos indicadores de risco, através dessa identificação poderemos iniciar o apoio e encami-
nhamento das vítimas. Será ainda neste momento em que se poderão formalizar todos os procedimentos de
sinalização.

20
IV - PROCEDIMENTOS DE ATENDIMENTO

O apoio a vítimas de crime, enquanto finalidade estatutária da APAV, concretiza-se no quotidiano do SUL
através do contacto entre as vítimas e os TAV, seja presencialmente, por telefone e/ou missiva.
Este contacto pode limitar-se a um atendimento ou desenvolver-se em várias diligências, consoante as
pro¬blemáticas apresentadas pelo utente que solicita o apoio do SUL.

Todo o processo de apoio não pode fluir livremente sem ser regulado e planeado, nos casos específicos de
tráfico de seres humanos todas as diligências têm que ser articuladas e avaliadas (atendimentos, cooperação
interinstitucional, apoio nas questões sociais), em prol sempre da vítima. Isto é, não pode tratar-se de um
conjunto de procedimentos soltos no tempo, o técnico deve-se preocupar por fazer um processo realmente
seguro.

Um processo de apoio, pode desenvolver-se em quatro tipos de apoio, o primeiro (apoio emocional) de
natu¬reza não especializada, e os restantes de natureza especializada (jurídico, psicológico e social).

4.1. O primeiro atendimento vítimas de tráfico

O primeiro atendimento no âmbito do processo de apoio é uma entrevista – entre o técnico/profissional e a


vítima de trá¬fico. É de vital importância a forma como decorre o primeiro atendimento momento difícil, quer
para a vítima quer para o técnico.

A entrevista à vítima, é muito importante, para o contacto inicial, bem como para o apoio continuado, pois ao
ser compreendida por alguém, pode ser muito importante para a vítima na resolução dos seus sentimentos
de medo, insegurança, culpa, vergonha, etc.

Estes medos e expectativas são trazidos para o primeiro atendimento e podem exercer alguma influência
sobre o técnico, pelo que importa que sejam abordados de forma clara, para se poder iniciar o processo de
apoio.

Para além de responder a este tipo de percepções e de dúvidas da vítima, o técnico vai também experimentar
as suas próprias ansiedades: receio de ser visto como incompetente, o fracasso no controlo da conversa de
não saber o que dizer, de o utente se mostrar pouco cooperativo ou hostil e não conseguir responder adequa-
damente às necessidades do utente.

21
De modo a que esta ansiedade inicial não afecte significativamente o primeiro atendimento, é essencial o
técnico/profissional ter atenção a vários aspectos de modo a proporcionar um espaço de confiança para a
vitima e para si mesmo.

4.1.2.Princípios orientadores da entrevista

Na entrevista com as vítimas de tráfico o técnico/profissional deverá assegurar, entre outros, os seguintes
aspectos:

- Condições físicas do espaço. O técnico/profissional deverá conhecer quanto possível o espaço


físico da entrevista, proporcionar um espaço agradável (iluminação, estética e conforto). Será útil
quer para a vítima quer para o técnico.

- A privacidade. O técnico/profissional deverá assegurar-se que o espaço onde decorrerá a entrevis


ta as pessoas não são ouvidas e vistas por terceiros.

- A segurança e protecção da vítima. O técnico/profissional deve reconhecer que se trata de uma


vítima de tráfico, designadamente, identifi¬car e compreender todos os indicadores de risco.

- Apresentação. O técnico/profissional deve apresentar-se pelo seu nome e função.

- Autenticidade. O técnico/profissional deve procurar ser autêntico, fiel e dentro das fronteiras do pa
pel de técnico.

- Princípio anonimato e confidencialidade. O técnico/profissional deverá assegurar o sigilo profis


sional, só fornecer informa¬ções com o consentimento da vítima.

- Assegurar o atendimento na sua língua. O técnico/profissional deverá assegurar às vítimas o


atendimento na sua língua (caso não saiba falar a língua da vítima ou a vítima não tenha conheci
mento da língua portuguesa), deverá assegurar a tradução.

- Ser realista. O técnico/profissional não deve criar grandes expectativas nas vítimas. Isto é, não fa
zer grandes promessas, falar aber¬tamente sobre os indicadores de risco, de forma que a decisão
de colaborar no processo apoio seja de livre vontade.

- Escuta activa. O técnico/profissional deve escutar activamente permitir à vítima os tempos de pau
sa ou de silêncio, intervir sobre eles quando lhe parecer estritamente necessário.

22
- Consciencialização dos limites. O técnico/profissional tem os seus limites de conhecimento, deve
evitar expressar verbalmente ou corporalmente estranheza e confusão e encaminhar para outro pro
fissional ou outros serviços.

4.1.3 Fases da entrevista

No crime específico de tráfico de seres humanos, a vítima encontra-se com medos que frequentemente são
incutidos por os próprios traficantes (medo da deportação, medo das autoridades e medo das represálias),
sente-se totalmente desprotegida e insegura, como se estivesse ainda sob o controlo dos traficantes.

Na grande maioria, não têm conhecimento do crime que está ser alvo, encontram-se frequentemente em
situa¬ção irregular desconhecem os seus direitos como vítimas de tráfico (não têm conhecimento dos direitos
de acesso a cuidados médicos, à justiça e apoios sociais). E por outro lado, desconhecem o tipo de apoio
fornecido pelas ONG e por outros serviços. É um momento de avaliação mútua, é essencial que o técnico/
profissional se focalize que a entrevista poderá ter várias fases dentro do processo de apoio:

1) Prestação de apoio emocional. Na primeira entrevista é, porventura, o momento em que a vítima


se apresenta numa situação emocional mais precária - em virtude da proximidade temporal
da ocorrência traumática -, mo¬mento no qual necessita de comunicar com alguém que saiba de
monstrar compreensão e, mais do que isso, empatia perante a sua problemática; a qualidade deste
apoio decorre fundamentalmente das competências pessoais de cada técnico, da assimilação e apli
cação das regras de comunicação atrás vertidas bem como da experiência que for acumulando.

2) Fase da recolha dos indicadores. O técnico/profissional deve procurar recolher informação da víti
ma que visa sobretudo um conhecimento profundo sobre a história da vítima:

-identificação do crime específico dos indicadores de tráfico (aliciamento, meios, propósito) e o


guião de sinalização (tem como objectivo apoiar na identificação das situações), para posteriormen
te procedermos à sinalização (sem¬pre com o consentimento da vítima);

-recolha da história pré-vitimação e pessoal: técnico/profissional deve compreender se for o caso de


uma vítima de na¬cionalidade estrangeira ou portuguesa (os acontecimentos biográficos mais impor
tantes, designadamente, as vivências no país de origem, o contexto social etc.);

-narração da vitimação: procurar compreender após a identificação dos indicadores de tráfico, a evo
lução e as dinâmicas de vitimação (importa recolher e explorar alguns dados) que permita iniciar a
avaliação do grau de risco (detalhes acerca do tipo de meios utilizados, relação com o traficante (s),

23
padrões de severidade e de frequência (isolamento, tipo de privações e violência perpetrada), iden
tificação de sinais de alarme e a existência de factores de risco para si e para a sua família (represá
lias, tipo de ameaças, tipo de controlo, etc.)

3) Fase de avaliação e gestão do risco. Esta fase deverá ter início após a recolha de toda a informa
ção consistente para proceder a avaliação e elaborar uma gestão das estratégias de intervenção a
utilizar:

-definição de estratégias e objectivos de intervenção: um planeamento da inter¬venção, uma vez


que já foram identificados e avaliados os indicadores de risco, deverá se projectar o futuro desejável
para a vítima. É essencial nesta fase, informar detalhadamente a vítima dos seus direitos como víti
ma de tráfico (acima referido no manual), esclarecimento de dúvidas e respeitar sempre a decisão
da vítima. Isto é, todas as estratégias que serão realizadas com o consentimento da vítima

-estabelecer um plano de segurança para que a vítima fique a salvo ou que não se exponha a no
vas situa¬ções de vitimação

4) Fase de encaminhamento. A complexidade do fenómeno do tráfico de seres humanos leva a


que o processo apoio não se reduza simplesmente a uma visão. Isto é, cada serviço reconheça
as suas competências e limi¬tes quanto aos apoios que a vítima necessita. É essencial que
as estra tégias de inter¬venção delineadas sejam em contacto com outras instituições, não reduzin
do unicamente à própria unidade. É, fundamental ter uma lista de contactos das instituições que
trabalham directamente ou indirectamente com este fenómeno (IPSS, forças de autoridade, embai
xadas, associações de imigrantes, etc.), para tal é necessário promover protocolos de cooperação
estabelecendo parcerias informais e formais com as instituições.

Quanto mais pormenorizada e útil for a informação recolhida, mais correcta será a avaliação da (s)
problemá¬tica (s) e o levantamento das necessidades ao nível jurídico, psicológico e social e, conse
quentemente, mais eficientes serão as estratégias de intervenção delineadas. Contudo, caso o dis
curso da vítima revele contra¬dições, dúvidas ou omissão de informação importante, o técnico/ pro
fissional explorar outras fontes de informação (instituições), mediante prévia autorização da vítima.

O plano de intervenção deve ser estruturado conjuntamente, tendo sempre presente o pedido for
mulado. Este pedido no caso do crime de tráfico de seres humanos, não é, frequentemente, muito
explícito, podendo even¬tualmente ser solicitado apoio por parte da vítima não tendo conhecimento
que está ser vítima deste crime, ou encaminhado por outra instituição exemplificando: embaixada ca
nadiana que identificou o crime da cidadã como violência doméstica, isto é o pedido é concretizado
de forma camuflada. Cabe ao técnico/profissional, proceder à decomposição, compreendendo o que
está implícito.

24
4.2 Autonomia da vítima

O técnico/profissional tem de ir ao encontro das necessidades da pessoa com a qual está a trabalhar e nunca
o oposto, ou seja, tem de identificar as necessidades mais urgentes e prioritárias na óptica da vítima, que
podem ser divergentes das que colocaria em primeira linha.

Ao longo de todo o processo de apoio, as possíveis respostas às necessidades são sempre estudadas em
conjunto com a vítima: cabe ao técnico/profissional construir e analisar com a vítima as várias alternativas de
resolução dos problemas e informá-la, rigorosamente, dos seus direitos e por sua vez, cabe à vítima, enquan-
to sujeito activo, tomar as respectivas decisões.

Só assim, o técnico/profissional respeitará os seus direitos e a sua dignidade e individualidade. É nisto que
consiste, grosso modo, o princípio da autonomia da vítima. Porém, também deve fazer prevalecer em deter-
minados casos, o seu direito à autonomia técnica. Esta questão coloca-se na medida em que podem surgir
situações em que o técnico/profissional considere não dever seguir a vontade da vítima.

Para que o princípio da autonomia seja de facto garantido, há que promover aquilo que se designa por
con¬sentimento informado, e cujos pressupostos são os seguintes:

- A vítima deve estar na posse das capacidades necessárias para poder decidir. Existir liberdade de
decisão

- a vítima não pode ser coagida ou forçada, competindo ao técnico/profissional avaliar o grau de liberdade de
cada pessoa para determinada decisão.

- A vítima deve ser informada sobre os seus direitos, alternativas possíveis e procedimentos a adoptar perante
cada uma das alternativas, devendo esta informação ser fornecida de modo a que a vítima a compreenda na
íntegra, tendo como tal em conta a sua capacidade de assimilação.

25
26
V -APOIO ESPECIALIZADO

Reconhecendo as necessidades específicas da população imigrante, é prestado às vítimas de crime apoio


especializado em três áreas:

- Apoio Jurídico

- Apoio Psicológico

- Apoio Social

5.1. Apoio Jurídico

No apoio jurídico à vítima imigrante e especialmente de Tráfico de Seres Humanos, o trabalho do TAV na área
jurídica consiste em:

- informar a vítima acerca dos seus direitos

- elucidar acerca das várias etapas de determinados processos judiciais

- auxiliar a vítima a elaborar requerimentos e peças processuais que ela possa, por si, assinar
(isto é, quando não é necessário advogado), como sejam o pedido de apoio judiciário, a denúncia
de crime, a queixa, o pe¬dido de indemnização civil, o pedido de suspensão provisória do processo
criminal ou, no caso de vítimas de crimes violentos ou de violência conjugal, o pedido de indemniza
ção dirigido ao Ministro da Justiça.

a) Indemnização civil
Há a possibilidade de a vítima requerer ao arguido o pagamento de indemnização Civil, por danos
patrimoniais e morais sofridos, o que deve ser feito no âmbito do próprio processo-crime em curso
(nos termos do artigo 71º e seguintes do Código de Processo Penal). Nestas situações há um de
ver, por parte do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal, de informar os eventuais lesa
dos da possibilidade de pedirem aquela indemnização, das formalidades a observar, do prazo a
cumprir e das provas a apresentar.

27
Para efectuar o pedido, só é obrigatória a representação por advogado se o valor da indemnização pedida
exceder a alçada do tribu¬nal de 1ª instância, ou seja, 5.000,00 €. Quando a indemnização pretendida for
inferior a este valor, pode o pró¬prio lesado efectuar o pedido através de simples requerimento, que não está
sujeito a formalidades especiais, podendo consistir em declaração em auto, com as indicações do prejuízo
sofrido e das provas. Nestes casos poderá o TAV jurista auxiliar na sua elaboração.

Caso não tenha sido feito este pedido nos termos dos artigos 72º e 77º do Código do Processo Penal, em
caso de condenação o tribunal poderá arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos
quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham (82º-A).

b) Indemnização pelo Estado


Subsidiariamente à indemnização civil pedida ao autor do crime, quando não for possível ressarcimento da
vítima (porque não foi requerido em tempo útil, porque o arguido não tem forma de pagar o montante esti-
pulado na sentença), ou quando não houver outra forma de reparação eficiente e eficaz, uma compensação
poderá ser atribuída pelo Estado, nos termos da Lei n.º 140/2009 de 14 de Setembro (indemnização a vitimas
de violência doméstica e de crimes violentos.

Esta forma de compensação abrange os danos morais e patrimoniais resultantes de lesões corporais graves,
morte ou dano sofrido pelas vítimas.

Neste caso, o TAV jurista deverá auxiliar na elaboração do requerimento que endereçado ao Ministro da
Justi¬ça, devendo ser enviado à Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes Violentos, após assinatura do
utente, e poderá também enviar as informações posteriormente à Comissão.

5.1.1.Protecção legal das vítimas de Tráfico de Seres Humanos

Nos processos judiciais, as vítimas de tráfico tem também o papel de testemunhas. Atendendo à estrutura
das redes criminosas envolvidas e ao perigo a que estão expostas, estas vítimas necessitam de protecção, o
que a legislação visa garantir.

a) Lei de Protecção de Testemunhas (Lei 93/99, de 14 de Julho)

Esta Lei regula a aplicação de medidas para a protecção de testemunhas em processo penal quando a sua
vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado se-
jam postos em perigo no seguimento do seu contributo para a prova dos factos que constituem objecto do
processo.

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De entre as medidas passíveis de ser utilizadas, temos a possibilidade de ocultação de imagem, a distorção
de voz (ou ambas), no seguimento de depoimento em acto processual público (no contraditório), bem como
o recurso a teleconferência (igualmente nas modalidades anteriormente anunciadas). Para além destas,
exis¬tem ainda medidas que visam garantir a segurança pontual, como a indicação no processo de morada
dife¬rente da habitual, o transporte em viatura fornecida pelo Estado, a possibilidade de esperar em sala es-
pecial (eventualmente vigiada e com segurança) e de ter protecção policial.

Os familiares próximos das testemunhas também podem usufrui de protecção se a participação processual
da testemunha causar-lhes perigo grave para a vida, a integridade física ou psíquica ou para a sua liberdade.
Quando num determinado acto processual deva participar testemunha especialmente vulnerável
(vulnera¬bilidade essa resultante da sua diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do facto
de ter de depor contra pessoa da própria família ou de grupo social fechado em que esteja inserida numa
situação de subordinação ou dependência), a autoridade judiciária competente deverá providenciar para que,
indepen¬dentemente da aplicação de outras medidas, tal acto decorra nas melhores condições possíveis,
com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas:

- Durante o inquérito – o depoimento da testemunha especialmente vulnerável deve ter lugar o mais
brevemen¬te possível;

- Após o inquérito – o juiz que presida a acto processual público ou sujeito ao contraditório pode
dirigir os trabalhos de modo a que a testemunha especialmente vulnerável nunca se encontre com
certos intervenientes no mesmo acto; ouvir a testemunha com utilização de meios de ocultação ou
de teleconferência; proceder à inquirição da testemunha, podendo, depois disso, os outros juízes,
os jurados, o Ministério Públi¬co, o defensor e os advogados das partes civis pedir-lhe a formulação
de questões adicionais.

Logo que se aperceba da especial vulnerabilidade da testemunha, a autoridade deverá designar um técnico
do serviço social ou outra pessoa especialmente habilitada para o seu acompanhamento e, se for caso disso,
proporcionar à testemunha o apoio psicológico necessário por técnico especializado (por ex. técnico de apoio
à vítima - voluntário ou não - da APAV).

Em qualquer fase do processo, o juiz, a requerimento do Ministério Público, pode determinar o afastamento
da testemunha especialmente vulnerável da família ou do grupo social fechado em que se encontra inserida.
Para poder usufruir das formas de protecção que este diploma estipula, será necessário que haja uma
de¬monstração de factos que consubstanciem situações de intimidação ou elevado risco de intimidação da
tes¬temunha.

29
b) Estatuto da Vítima de Tráfico (Lei n.º 23/2007 de 4 de Julho)

Por se encontrarem longe das redes sociais de apoio, as vítimas de tráfico de seres humanos estão
em situação de grande vulnerabilidade, tendo presente esta realidade, bem como a gravidade e pe
rigosidade deste crime, o novo quadro legal relativo ao tráfico de seres humanos, veio definir o esta
tuto da vítima que prevê:

- Concessão à vítima de um prazo de reflexão: o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou, o respon


sável pelo Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos deve dar à vítima um prazo de refle
xão entre 30 e 60 dias, que lhe permita recuperar e escapar à influência dos autores das infracções
em causa. Este período tem início a partir do momento em que a vítima manifesta a sua von¬tade
de colaborar com as autoridades com competência para a investigação do crime ou a partir do mo
mento em que é sinalizada como vítima de tráfico.

- Atribuição de autorização de residência: Mesmo que a vítima tenha entrado ilegalmente em território
nacional, após o decurso do período de reflexão, pode ser concedida pelas autoridades uma autori
zação de residência, a cidadãos estrangeiros vítimas de tráfico de seres humanos, desde que seja
necessário prorrogar a permanência do interessado em território nacional, tendo em conta o interes
se da sua presença no decurso da investigação; e desde que a vítima demonstre querer colaborar
com as autoridades na investigação e desde que a vítima tenha rompido relações com os presumí
veis criminosos.

Os requisitos dos números 1 e 3 podem ser dispensados de acordo com condições estipuladas em legislação
especial.

É ainda garantido às vítimas que não disponham de recursos suficientes para a sua subsistência, o aces-
so a tratamento médico urgente e adequado e assistência psicológica. A segurança, protecção, tradução,
interpre¬tação e assistência jurídica são igualmente direitos que assistem a estes cidadãos.

No caso das vítimas menores, será sempre tido em consideração o superior interesse da criança, efectuando-
¬se todas as diligências necessárias para identificar a criança ou jovem, determinar a sua nacionalidade e
lo¬calizar o mais rapidamente possível a sua família. Nestas situações, o prazo de reflexão pode ser prolon-
gado e é garantido o acesso à educação.

30
5.2. Apoio Psicológico

O apoio psicológico a vítimas imigrantes, na sociedade contemporânea, onde a migração é um fenómeno


corrente, é necessário conhecer acerca das reacções da vítima face ao crime, assim como do processo
psi¬cológico de adaptação e integração do migrante ao novo contexto social.

A recuperação de vítimas de tráfico é um processo complexo, exige tempo e apoio do técnico da área da
psi¬cologia, é essencial uma intervenção contínua para apoiar em todo o processo de reintegração social.

5.3. Apoio Social

O Serviço Social promove a solução de problemas sociais, que atingem a sociedade em geral e os indivíduos
em particular, visando a mudança social. Para alcançar estes objectivos, baseia-se nos princípios dos direitos
humanos e da justiça social.

Quer isto dizer que o trabalho social4 tem como objectivo central a defesa e a promoção de direitos huma-
nos e de expressão social, pelo que rejeita, na sua prática, as lógicas assistencialistas e filantrópicas. A sua
fi¬nalidade é a promoção do bem-estar dos indivíduos, grupos e comunidades, identificando e dinamizando
os recursos que satisfaçam as necessidades individuais, colectivas e nacionais na prossecução da justiça
social.

O técnico deve concentrar-se no diagnóstico da situação relacional, social e institucional da pessoa, atenden¬do
às suas necessidades peculiares, de forma a tornar possível uma adequada articulação entre a vítima e as
redes primária e secundária de suporte chamadas a intervir no processo de apoio. Com a mediação visa-se a
obtenção de bens e serviços que permitam a autonomização da vítima, satisfazendo assim as necessidades
sociais desencadeadas pela vitimação.

5.3.1. Problemática específica

A situação torna-se mais complexa quando lidamos com populações que não têm rede social de apoio e
se encontram numa grande carência económica, não tem qualquer conhecimento dos seus direitos e do
funcio¬namento da protecção social e do acesso à saúde.

No caso específico do crime de tráfico de seres humanos, através do estatuto de vítima apesar de se
encon¬trarem em situação irregular, têm direito a protecção social (acolhimento), podem recorrer ao serviço

31
nacional de emergência social (existe em Portugal um centro de acolhimento para vítimas de tráfico), têm
direito no acesso à saúde não unicamente nos casos de urgência, como sucede com os restantes imigrantes
que se encontram em situação irregular e que não são vítimas deste crime.

Estas vítimas, na maioria das situações necessitem de uma total protecção, confidencialidade e abrigo
(ne¬cessitam de um espaço totalmente seguro), para tal existem um conjunto de procedimentos para colocar
esta vítima em segurança (sempre com a vontade e consentimento da vítima):

Caso a vítima queira denunciar a situação (período de reflexão de 30 dias). Procedemos ao Guião de
sina¬lização (guião criado em Portugal para a identificação de situações de tráfico), isto é sinalizamos a situa-
ção às autoridades ou ao centro de acolhimento (existente em Portugal para as vítimas de tráfico), após esta
sinalização inicia-se o processo de identificação pelas autoridades, se for identificada como vítima de tráfico,
será automaticamente acolhida.

Em casos que a vítima não queira ser acolhida mesmo em situação irregular (avaliamos todos os indicadores
risco), apoiamos igualmente.

32
VI - COOPERAÇÃO INTERINSTITUCIONAL

As parcerias que são construídas formalmente ou informalmente, com outras instituições e profissionais, são
facilitadoras e produtivas a nível dos processos de apoio, bem como são uma forma de sensibilizar e prevenir
o fenómeno do tráfico de seres humanos. A existência destes protocolos de parcerias poderá actuar positiva-
mente sobre determinados problemas que afectam diariamente, as instituições:

- Formalidade. O técnico deve esforçar-se para diminuir os efeitos negativos de uma excessiva
formalidade com outras ins¬tituições (excesso de burocracias) exemplificando: A possibilidade da
não exigência em muitas situações de relatório para começar a agir sentido prático. O técnico deve
esforçar-se para ter uma visão prática no contacto com as instituições (em especial neste crime).

- Visão global. O técnico deve esforçar-se para evitar a falta de visão global sobre um processo de
apoio, deve evitar uma visão redutora. Deve considerar importante a participação activa de outras
instituições exemplificando: A parceria informal que foi construída entre a APAV e os Serviços es
trangeiros e Fronteiras sempre que existe uma situação de tráfico identificada (SEF) encaminham
para ser atendida por um técnico de apoio à vítima.

Esta cooperação coordenada entre instituições vai reduzir bastante os riscos de vitimação secundária.

6.1. Vitimação secundária

As vítimas após a experiencia traumática (crime) sentem-se desorientadas, fragilizadas emocionalmente, com
vergonha, medo, sentimento de culpa, etc.

A este tipo de vitimação designamos por primária: causada pelo agressor enquanto consequência directa do
crime. Este tipo de vitimação poderá existir em várias fases: durante o crime, imediatamente após o crime e
nos dias seguintes ao crime.

A vítima imediatamente após o crime confronta-se com a necessidade de recorrer a serviços: sistema de
saúde, sistema judicial, sistema social, educativo, a sociedade civil, etc. Nesta situação, a forma como os
serviços atendem a vítima poderá ter consequências, chamando-se a um atendimento que não considere que
a pessoa é vítima de um crime, vitimação secundária.

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Poderá então haver uma dualidade vitimológica, para além de ser vítima do crime, é igualmente vítima por
parte da sociedade, instituições e profissionais, etc., (vitimação secundária). Este tipo de vitimação é causado
pelas instituições:

- Discrepância entre as necessidades das vítimas e os objectivos das instituições. Exemplifican


do: Uma vítima de tráfico que colabora com as autoridades, é essencial não a colocar sob pressão
devido às investigações.

- Quase inexistência colaboração interinstitucional. Os profissionais por vezes “fecham-se” nos


seus próprios conhecimentos e instituições, não zelando pelos interesses das vítimas. Exemplifican
do: O tráfico de seres humanos é um fenómeno muito complexo, é essencial a articulação de institui
ções de diferentes áreas para se fornecer à vítima um apoio qualificado. Falta ou inadequação de
espaços físicos para realizar um atendimento à vítima. É essencial existir um espaço (sala atendi
mento) por questões de confidencialidade e anonimato. Para prevenir este tipo de vitimação, causa
da por as instituições, é essencial apostar na área da prevenção visando os seguintes aspectos:

- Reconhecimento das potencialidades, dificuldades e necessidades de cada instituição

- Definir a política de intervenção

- Promover formação inicial e continua aos profissionais

- Promover uma verdadeira política de parceria

Outro tipo de vitimação secundária, poderão ser os causadores os profissionais:

- Juízos de valor por parte das instituições. Exemplificando: Uma mulher brasileira vítima de explo
ração sexual quando narra a sua história pessoal o profissional argumentar a sua ingenuidade por
ter aceitado a oferta, ou discriminar pela sua nacionalidade.

- Gentileza e acolhimento da vítima. Não demonstrar qualquer tipo de empatia com a vítima, e de
regras de educação.

- Gestão emocional. Os profissionais que se descontrolam emocionalmente, não conseguem adop


tar uma postura profissional.

- Insuficiência ou erros fornecidos acerca dos direitos da vítima. Os profissionais que não reco
nhecem os seus limites e área de intervenção, dificuldade de trabalho em equipa e de cooperação
com os colegas.

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- Confidencialidade. Os profissionais que não adoptam uma postura de anonimato e confidenciali
dade sobre as vítimas. Exemplificando: Um profissional que é contactado pela comunicação social
sem o consentimento da vítima fornece os dados de identificação, imagem e história pessoal.

Para prevenir este tipo de situações é essencial que os profissionais que trabalhem directamente ou
indirec¬tamente na área da vitimação: invistam na formação inicial e contínua constituição de equipas mul-
tidisciplinares, desenvolvimento de competências pessoais e apoio psicológico individual ou em grupo. Os
profissionais e as próprias instituições devem adoptar uma postura ponderada quando afinal se tratam de
pessoas que foram na sua grande maioria violados muitos dos direitos humanos, como são os casos das
vítimas de tráfico de seres humanos.

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36
VII – CASOS PRÁTICOS

Caso I

A N. no ano de 2009, conheceu no país de origem (Bulgária) uma pessoa que a convidou para vir trabalhar
em Portugal, como ajudante de cozinha de um restaurante. A N. veio para Portugal para melhorar a sua vida
a nível económico, acreditando tratar-se de uma oferta irrecusável, aceitou de imediato o convite por parte do
conhecido.

A N. veio para Portugal de autocarro (durante 2 dias), ficou a residir em casa do conhecido que ofereceu
apoio, iniciou o trabalho no restaurante como tinha sido combinado inicialmente nos primeiros dias. Pouco
depois da sua chegada, aproximadamente quinze dias o conhecido começou a marcar-lhe encontros com
vários homens, a N. quando começou aperceber-se da real intenção do conhecido, que a tinha aliciado para
vir para Portugal, entrou em desespero.

Um dia, em um dos encontros um possível cliente de nacionalidade portuguesa ao ver a sua situação,
dis¬pôs-se a apoiar, pois não conhecia ninguém, e nem sequer falava português. Através dele, a N. tomou
co¬nhecimento que o conhecido tinha contactos com outros indivíduos em Lisboa e em Espanha (para futuros
encontros).

A N. foi ainda ameaçada por parte do conhecido, retirou-lhe o dinheiro que tinha juntado para vir para Portu¬gal,
e tinha em sua posse os documentos da utente. Aproveitei uma oportunidade com o apoio do cliente, dirigiu-
-se à PSP para denunciar a situação e solicitar apoio para regressar ao país de origem.

A N. foi encaminhada para o SUL, que se encontrava em situação de crise, foi contactada no sentido de
pon¬derar as soluções mais adequadas face a esta situação. Assim, a utente como necessitava de uma res-
posta automática (estava em crise), procuramos acolher numa casa de acolhimento na região Algarve (para
aquela noite). Contactamos a linha SOS imigrante (uma vez que a utente não falava português), não tínhamos
nenhum técnico que falasse a mesma língua, para nos apoiar na tradução. Prestamos apoio emocional, infor-
mamos a utente acerca do crime que estava a ser vítima (tráfico de seres humanos), e do estatuto de vítima
para este tipo de situações (apesar de estar em situação irregular).

Com o consentimento da vítima (procedemos à sinalização da situação – Guião de sinalização para casa de
acolhimento e protecção de vítimas de tráfico), qual a utente foi identificada como vítima de tráfico. Enquanto
não foi realizado o transporte da vítima (permaneceu um dia e uma noite protegida num centro de acolhimento
na região Algarve), prestando-lhe apoio psicológico pontual, apoio social (alimentação).

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No dia seguinte, em articulação com a Cruz Vermelha (Linha de Emergência Social) foi transportada por
um dos técnicos e com acompanhamento de um policial e marcado com as forças de autoridade do Norte
e técni¬cos da casa de acolhimento e protecção de mulheres vítimas de tráfico ( a vítima ficou protegida e
acolhida).

Caso II

A L., de nacionalidade brasileira, foi encaminhada para o SUL pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras,
sen¬do alvo de tráfico humano para fins de exploração laboral “ escravatura doméstica”.

L. residia numa zona rural do Brasil tinha uma filha menor (entregue aos cuidados da sua madrinha), essa
madrinha aliciou-a vir trabalhar para Portugal, que seria bom para ela iria melhor a sua condição de vida.
Pro¬meteu-lhe um trabalho em casa da sua filha como ama, esta é casada com o cidadão de nacionalidade
alemã.

A filha entrou em contacto com a utente prometendo-lhe óptimas condições (oferecia a carta de condução,
um dia de folga, rendimento mensal razoável). A L. ficou fascinada com as condições e decidiu viajar para
Portugal, a filha da madrinha pagou-lhe a passagem para Portugal e afirmou que lhe trataria de todo o seu
processo de regularização.

Após uns dias, a patroa solicitou-lhe o passaporte (afirmando que era para tratar da sua situação), iniciaram-
¬se os primeiros maus-tratos psicológicos (ameaças, injúrias), nunca a deixavam sair de casa (controlavam
totalmente a sua vida), só saia na companhia da patroa para ir às compras ao mercado. Ainda, nunca lhe
pagaram como tinham prometido mensalmente, argumentando que era pagar a sua viagem, nunca a dei-
xaram contactar com a madrinha (mãe da patroa) para ter informações sobre o filho. Para além desta situ-
ação, o marido da patroa mais que uma vez abusou da utente (forçou-a ter relações sexuais) e ameaças
frequentes. Passado aproximadamente 8 meses de se encontrar em Portugal, a patroa expulsou-a de casa
(argumentan¬do que a utente insinuava-se para o marido), não lhe devolveu o passaporte e documentação.

A L. encontrava-se muito amedrontada (não tinha documentação), com receio das autoridades, sem qualquer
tipo de rede social em Portugal. Nesses dias, realizou vários contactos, um casal de nacionalidade brasilei-
ra acolheu – a em casa, e acompanhou até ao SEF para solicitar apoio. Face a esta situação, informamos
acerca dos seus direitos estatuto de vítima de tráfico, que o estatuto lhe concedia o período de reflexão para
decidir se queria colaborar com as autoridades. Caso colaborasse, seria lhe concedido uma autorização de
residência.

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Devido ao estado de fragilidade em que a utente se encontrava, o apoio psicológico foi proposto e aceite. Pro-
pusemos à utente apoio social a nível do acolhimento, qual não foi aceite uma vez que preferiu ficar aco¬lhida
em casa do casal brasileiro.

Caso III

X., cidadã marroquina veio para Portugal trabalhar para as estufas, residia em casa de pessoas conhecidas
do seu país de origem.

Contactou telefonicamente solicitando o apoio da APAV -SUL referindo que necessitava de apoio para a sua
situação de regularização. Agendamos com a utente um atendimento presencial, no âmbito do atendimento
através da entrevista, averiguamos que poderia existir exploração laboral. A utente não sabia localizar o local
de trabalho, era transportada por o patrão juntamente com colegas numa carrinha (não sabiam o percurso),
trabalhava cerca de 10h, o rendimento auferido era muito inferior ao ren¬dimento mínimo nacional. A utente
relatou que entidade patronal tinha em sua posse os documentos para celebrar o contrato de trabalho (até à
data não tinha contrato).

Falámos acerca da situação de exploração laboral, podendo denunciar às autoridades para efeito de
procedi¬mento criminal, e podendo igualmente denunciar às Autoridades para Condições de Trabalho (ACT).
A utente não pretendia no momento denunciar a situação.

Prestamos apoio jurídico, deixando em aberto a hipótese de auxiliar na elaboração da denúncia, e articulamos
com o Centro Nacional de Apoio ao Imigrante (CNAI) para informações acerca da situação de regularização.

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VIII - CONTACTOS ÚTEIS

Associação Portuguesa de Apoio à Vítima


Rua José Estêvão, 135-A, piso 1
1150-201 Lisboa
Número único: 707 20 00 77
www.apav.pt
[email protected]
Horário: 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 17h00

Alto comissariado para a imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI)


Centro Nacional de Apoio ao Imigrante Lisboa (CNAI)
Rua Álvaro Coutinho, 14
1150-025 Lisboa
Telefone: 21 810 61 00
Fax: 21 810 61 17
www.acidi.gov.pt
[email protected]
Horário: 2ª a 6ª das 08h30 às 18h30

Centro Nacional de Apoio ao Imigrante Porto (CNAI)


Rua do Pinheiro, 9
4050-484 Porto
Telefone: 22 207 38 10
Fax: 22 207 38 17
[email protected]
Horário: 2ª a 6ª das 08h30 às 16h30
Sábado das 09h00 às 13h00

Centro Nacional de Apoio ao Imigrante Faro (CNAI)


Loja do cidadão
Mercado Municipal, 1º piso
Largo Dr. Francisco Sá Carneiro
8000-151 Faro
[email protected]
Horário: 2ª a 6ª das 08h30 às 19h00
Sábado das 09h00 às 13h00

Linha SOS Imigrante


Telefone: 808 257 257 (a partir da rede fixa)
Telefone: 21 810 61 91 (a partir da rede móvel)
Horário: 2ª a 6ª das 08h30 às 20h30

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Centros Locais de Apoio à Integração de imigrantes (CLAII)
(procurar mais próximo da área de residência)
www.acidi.gov.pt

Serviços Estrangeiros e Fronteiras (SEF)


Av. do Casal de Cabanas
Urbanização de Cabanas Golf nº 1
2734 – 506 Barcarena
Oeiras
Telefone: 21 423 6200
Fax: 21 423 6640
www.sef.pt
[email protected] (O SEF tem delegações espalhadas por todo o país)

Instituto de Solidariedade e Segurança Social


Rua Rosa Araújo, 43
1250-194 Lisboa
Telefone: 21 310 2000
Fax: 21 313 11 02
www.seg-social.pt
[email protected]

Linha Nacional de Emergência Social (LNES)


Telefone: 144
Horário: Todos os dias 24h

Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho


Rua Barata Salgueiro, 37, 5.º
1250 - 42 LISBOA
Telefone: 21 316 3210
Fax: 21 316 3249
www.idict.gov.pt
[email protected]
(existem cerca de 30 Delegações e sub-delegações espalhadas por todo o pais)

Conselho Português para os Refugiados


Av. Vergílio Ferreira, Lote 764, Loja D
1950-309 Lisboa
Telefone: 21 831 43 72
Fax: 21 837 50 72
www.cpr.pt
[email protected]

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União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR)
Rua de S. Lázaro, nº 111,1º
1150-330 Lisboa
Telefone: 21 8873 005
Fax: 21 888 4086
Página internet: http://www.umarfeminismos.org
Correio electrónico: [email protected]

Associação de Mulheres contra a Violência


Telefone: 21 380 21 60
Fax: 21 380 21 68
[email protected]

APF – Associação para o Planeamento Familiar


Centro de Acolhimento temporário para vítimas de tráfico
Telefone: 96 460 82 88
www.apf.pt
[email protected]

projecto SUL
Rua José Pires Padinha nº44, esc. 7
8800 Tavira
Telf. 281 325 763
Fax: 281 325763

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