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Arquitetura, Urbanismo e Conforto Ambiental Reflexões em Tempos de Pandemia

[1] O documento discute como a pandemia atual destaca a necessidade de se levar em conta princípios de higiene, conforto ambiental e sustentabilidade na arquitetura e urbanismo. [2] Embora esses tópicos já fossem discutidos antes, a pandemia requer uma ênfase maior em aspectos relacionados à vulnerabilidade dos edifícios e cidades a possíveis contaminações. [3] O documento também defende que os fóruns sobre conforto ambiental devem incorporar uma compreensão

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Arquitetura, Urbanismo e Conforto Ambiental Reflexões em Tempos de Pandemia

[1] O documento discute como a pandemia atual destaca a necessidade de se levar em conta princípios de higiene, conforto ambiental e sustentabilidade na arquitetura e urbanismo. [2] Embora esses tópicos já fossem discutidos antes, a pandemia requer uma ênfase maior em aspectos relacionados à vulnerabilidade dos edifícios e cidades a possíveis contaminações. [3] O documento também defende que os fóruns sobre conforto ambiental devem incorporar uma compreensão

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INTRODUÇÃO

Em recente entrevista à platafor-


ARQUITETURA, URBANISMO E ma Universia, a historiadora Lilia
Schwarcz, citando o historiador britâ-
CONFORTO AMBIENTAL: nico Eric Hobsbawn, enfatizou que:
REFLEXÕES EM TEMPOS
DE PANDEMIA “(...) a experiência humana é que
constrói o tempo. Ele tem razão,
o longo século 19 terminou com a
GIANNA MELO BARBIRATO Primeira Guerra, com mortes, com
Professora Titular (aposentada), a experiência do luto, mas também
Universidade Federal de Alagoas. o que significou sobre a capacida-
E-mail: [email protected] de destrutiva. Acho que essa nossa
pandemia marca o final do século
20, que foi o século da tecnologia.
A partir do profético tema da Revista Ímpeto Nós tivemos um grandedesenvol-
sobre catástrofes, o presente artigo tem por ob-
jetivo trazer reflexões iniciais, sob forte impac- vimento tecnológico, mas agora a
to de uma pandemia viral1, sobre as consequên- pandemia mostra esses limites”
cias no campo da Arquitetura e Urbanismo da (BRANDALISE; ROVANI, 2020).
ocorrência de doenças infecciosas em tempos
de confinamento e isolamento social. Assim,
impregnado pela situação atual, esse artigo, A partir da citação da historiadora
de abordagem metodológica discursiva, infere sobre os limites do desenvolvimento
que nesse momento toda e qualquer proposi-
ção possível relativa aos desafios no âmbito do
tecnológico, pode-se dizer em princí-
edifício e/ou da cidade deve ser confrontada e, pio que as reflexões sobre a necessária
principalmente, revista frente ao choque pan- sintonia da Arquitetura e Urbanismo
dêmico que o mundo enfrenta. Mais especifi-
camente, mostra a importância do resgate de
com o atual momento pandêmico, na
princípios básicos de higiene das construções verdade correspondem ao que sempre
dentro do conforto ambiental e da revisão de permeou a teoria e a prática do conhe-
princípios bioclimáticos em estudos urbanos.
Como conclusão, indica a pertinência e neces-
cimento na área do conforto ambien-
sária atualização da área nesse contexto emer- tal do espaço habitado: o alerta sobre
gencial de indagações. a exploração desequilibrada do meio
Palavras-chave: Arquitetura e Urbanismo. Con-
ambiente, a ênfase na importância
forto ambiental. Pandemia viral. de se buscar maior sustentabilidade
ambiental e princípios bioclimáticos
na escala arquitetônica e urbana e,
mais recentemente, a necessidade de
Recebido em: 25/04/2020 predições sistemáticas, por meio de
Aceito em: 11/08/2020
simulações, de possíveis cenários de
desequilíbrio ambiental frente a deci-
sões construtivas sobre a cidade.

Por outro lado, é importante ressaltar


que os tópicos acima citados, mesmo

1
Em março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou como pandemia a situação mundial
frente à doença infecciosa viral Covid 19 causada por um coronavírus denominado de Sars-cov-2, descoberto
em dezembro de 2019 na China. Dados da Universidade John Hopkins (EUA) até 22/04/2020, durante a ela-
boração do presente artigo, mostravam totais no mundo de quase 2,6 milhões de casos da doença e 177.000
mortes.
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que em um primeiro momento pos- contro Latino-americano de Conforto


sam corresponder a um possível ca- no Ambiente Construído e ENTAC -
minho a ser seguido frente à situação Encontro nacional de Tecnologia no
atual de que trata esse artigo, devem Ambiente Construído. Só na última
ser abordados daqui por diante com edição do ENCAC em 2019 (KRUGER;
maior ênfase em aspectos mais dire- LEDER; LIMA, 2019) aproximadamen-
tamente relacionados à vulnerabili- te 340 artigos e comunicações técni-
dade dos edifícios e da cidade frente a cas foram abordados dentro de sete
possíveis contaminações, com o auxí- eixos temáticos: acústica arquitetô-
lio tecnológico que hoje se dispõe. nica e urbana; clima e planejamento
urbano; conforto térmico no ambiente
BOSI (1996), em seu livro sobre memó- construído; desempenho térmico no
ria social ancorada na velhice, mos- ambiente construído; eficiência ener-
trou depoimentos interessantes nos gética; iluminação natural e artificial
quais já havia a indicação da impor- e avaliação pós-ocupação aplicada ao
tância do conforto ambiental, particu- conforto ambiental e à ergonomia.
larmente do uso da ventilação natural
e arejamento dos ambientes, como Contudo, nesses importantes fó-
forma de tratamento da pandemia da runs da área de conforto ambiental,
gripe espanhola² de 1918: a abordagem que envolve o conceito
de salubridade dos espaços refere-se
“(...) Lembro muito da gripe espa- predominantemente a aspectos rela-
nhola porque fiquei bem ruim. (...) cionados a adequações bioclimáticas
Foi uma gripe tão agressiva que já entre o usuário, o edifício, a cidade e
não davam conta de fazer remédios. os espaços externos de convívio.
Só limão. Numa certa hora aca-
baram também os limões em São
Diante disso, enfatiza-se aqui a neces-
Paulo. Eu comia muito pouco, só to-
mava água com limão. (...) O médico sidade de ampliar as futuras reflexões
disse que a gripe tinha três tempos: e discussões nesses congressos, de
fraco, forte, mata. Eu tinha pegado modo a incorporar a compreensão da
a forte. ‘Precisa tomar um pouco de saúde para além da abordagem rela-
ar’ e me puseram numa cama perto cionada ao edifício e à cidade ecologi-
da janela, onde eu ficava o dia todo, camente equilibrados e adaptados ao
olhando a rua e tomando ar.” (BOSI, meio ambiente em que se inserem.
2016, p.130)
Caiaffa et al (2008) já mostravam, em
A área de conforto ambiental, face à estudo sobre a relação entre a confor-
sua importância para a Arquitetura e mação das cidades contemporâneas
Urbanismo, constitui hoje conteúdo e os impactos sobre a saúde huma-
obrigatório nos cursos, possui normas na, que os desafios a serem enfrenta-
técnicas específicas de suporte para dos e a necessidade de avaliações de
o profissional arquiteto e urbanista e impacto à saúde urbana devem ser
seus estudos são amplamente divul- transdisciplinares:
gados nos eventos bianuais: ENCAC
/ ELACAC - Encontro Nacional e En- “(...) O estudo da saúde das popula-

2
A Gripe Espanhola foi uma pandemia viral que infectou entre 1918 e 1920 cerca de 500 milhões de pessoas,
aproximadamente um quarto da população mundial desse período (SOUZA, 2009).
REVISTA ÍMPETO | 13

ções no ambiente urbano resulta arquitetura moderna” (SEGAWA, 2003,


em uma nova perspectiva de abor- p.37).
dagem da própria saúde pública re-
querendo transdisciplinaridade, em Corroborando com a reflexão de Se-
que pesquisadores combinem co-
gawa, nota-se que, até por volta dos
nhecimentos das suas várias áreas
anos 1990, frequentemente as disci-
para desenvolver teorias, conceitos
e métodos apropriados e direciona- plinas na área de conforto ambiental
dos para o objeto de estudo, a saú- para os cursos de Engenharia Civil
de urbana.” (CAIAFFA et al, 2008, p. e Arquitetura e Urbanismo chama-
1794). vam-se “Higiene das Habitações” ou
“Higiene das Construções”, principal-
Quanto às novas perspectivas de mente porque tratavam predominan-
abordagem de que falam os supracita- temente do conceito do conforto am-
dos autores, constata-se que a área de biental sob o enfoque de higienização
conforto ambiental não tem ampliado dos ambientes a partir da ventilação
suficientemente o enfoque da salubri- e insolação das envoltórias das edi-
dade dos espaços, sob a perspectiva ficações, que refletiam as discussões
de promover a segurança e a saúde acadêmicas na época. Era um en-
dos usuários frente a contaminações. foque ligado à prevenção de bolor e
condensação, à importância da venti-
A incorporação de aspectos mais di- lação natural para provimento de O2
retamente relacionados à salubridade e diminuição dos níveis de CO2 nos
dos espaços dentro da área de confor- ambientes, além da higienização a
to ambiental tem sido negligenciada partir da captação da radiação solar
nos últimos tempos, o que em parte convenientemente em ambientes mo-
pode ser explicado pelo fato de que a lhados. Ou seja, era uma compreensão
última pandemia enfrentada pela hu- da importância, dentro da formação
manidade - a já citada gripe espanho- acadêmica, de questões ligadas à sa-
la - ocorreu no início do século XX, lubridade ambiental, talvez porque na
como também face ao surgimento de época havia maior conformidade en-
novas demandas relativas ao conforto tre as matrizes curriculares de forma-
ambiental na Arquitetura e Urbanis- ção dos dois cursos envolvidos.
mo, que serão discutidas a seguir.
Entretanto, aos poucos as discussões
A MUDANÇA DE ENFOQUE? e conteúdos ligados à área de conforto
ambiental foram dando lugar a novas
Segawa (2003) historiou sobre a demandas próprias da Arquitetura e
compreensão da importância da Urbanismo, e gradativamente deixa-
salubridade dos ambientes através ram em um segundo plano os objeti-
da ventilação e insolação ao longo vos do conforto ambiental sob o foco
da história do conforto ambiental higienista.
que, com as novas demandas da
área, aos poucos passou a ser “(...) Desse modo, os enfoques e discussões
menos impregnada de valores físico- na área do conforto ambiental pas-
deterministas e médico-higiênicas, saram gradativamente a incorporar:
embora não totalmente isentas a) a dimensão do entorno imediato e
desse repertório, mas visivelmente a inserção urbana; b) a ênfase na efi-
condicionada pelos ditames da ciência energética das edificações e
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instrumentos de etiquetagem (tem- urbano, as discussões sobre configu-


-se sérias críticas sobre esses instru- ração de cidades tem apontado, de
mentos, que muito se distanciaram uma maneira geral, que uma cidade
do objetivo de obtenção da qualidade bioclimática e permeada pelos princí-
projetual); c) a inserção do termo “sus- pios da sustentabilidade urbana deve
tentabilidade do espaço habitado”, ser baseada, entre outros aspectos,
frente às novas demandas e à utiliza- na promoção do uso misto e diversi-
ção cada vez maior desse conceito; d) dade de atividades concentradas em
a importância da análise preditiva, a áreas urbanas centrais. É sabido que
partir de simulações computacionais, tais medidas reduzem o número de
para previsão do desempenho do edi- viagens e o consumo de energia para
fício e do meio urbano; e e) a qualida- o transporte urbano bem como incen-
de da habitação de interesse social e tivam a criação de espaços externos
o papel do conforto ambiental nesse para o relacionamento e uso social.
contexto.
Assiste-se hoje ao estímulo de
Entende-se que hoje tais incorpora- densidades (construtivas) moderadas
ções devem ser revistas e ampliadas ou altas em comparação com a baixa
à luz de novas reflexões e frente à densidade de núcleos dispersos
ameaça de possíveis novas epidemias nos quais o custo da energia, da
e pandemias. É importante que se infraestrutura e o impacto sobre o
promova, ou ainda, que seja resgatado meio ambiente podem se mostrar
com maior ênfase o aspecto “médico- muito elevados (BARBIRATO; TORRES;
-higienista” dentro do conforto am- BARBOSA, 2015) . Vlahov et al. (2005)
biental, com os aportes tecnológicos já alertavam que a expansão urbana
que se dispõe. A importância da higie- como consequência da difusão das
nização dos ambientes deve, enfim, populações para fora das áreas
ganhar uma maior visibilidade hoje, centrais pode trazer efeitos adversos
dentro das discussões que permeiam à saúde do crescimento urbano em
a área. áreas periféricas.

A CIDADE COMPACTA? As discussões na literatura técnica


parecem mostrar, enfim, o modelo de
No contexto dos estudos de clima cidade compacta como “ideal” pela

Figura 1: Nú-
cleos urbanos
dispersos e nú-
cleos urbanos
compactos.
Fonte: Almeida
(2019), adapta-
do de Rogers;
Gumuchdjian
(2001)
REVISTA ÍMPETO | 15

otimização que proporciona à infra- ambiente construído. Como enfrentar


estrutura urbana, além de promover essa discussão, sem esquecer os be-
maior sustentabilidade ambiental nefícios que uma cidade mais conec-
com a diminuição de tempo de deslo- tada traz, é um próximo desafio.
camentos e diversidade de usos, ob-
servados os princípios de urbanismo O MUNDO PÓS-PANDEMIA?
bioclimático (Figura 1). Áreas com-
pactas, além do mais, podem levar a Melo (2020) enumera dez tendências
melhores condições térmicas urba- de um mundo pós-pandemia. Dentre
nas e conforto ao ar livre, ao contrário essas, aqui são recortadas as que pa-
de áreas abertas mais expostas a altas recem ter ligação mais direta nas de-
temperaturas em climas quentes. cisões da Arquitetura e Urbanismo e o
conforto ambiental nos espaços, mos-
Por outro lado, essas afirmações, a tradas no Quadro 1 a seguir.
partir desse momento pandêmico,
devem ser observadas com mais cui- Curiosamente, embora o advento da
dado. As cidades mais conectadas, se internet, o home office, as videocon-
por um lado mostram-se benéficas ferências e as experiências virtuais já
sob o aspecto bioclimático e mais sus- estejam, de uma certa forma, presen-
tentáveis, parecem promover mais ra- tes no cotidiano das pessoas, o impac-
pidamente epidemias ou pandemias. to da atual pandemia e o isolamento
social mostrou uma necessidade de
A discussão sobre a própria configu- encontro social e a valorização do re-
ração urbana das cidades precisa ser torno às experiências “não virtuais”,
retomada, com o aporte de informa- justamente pela falta deles.
ções de natureza sanitária, como ve-
locidade de transmissão, facilidade de Ainda sobre a discussão de um mun-
contágio e disseminação de doenças, do pós-pandemia, infere-se que uma
além de aspectos relacionados a fato- menor necessidade de mobilidade ur-
res epidemiológicos e a relação des- bana frente às possibilidades tecnoló-
tes com as características físicas do gicas dos serviços; uma maior prote-

TENDÊNCIAS DE UM MUNDO PÓS- CONSEQUÊNCIAS PROVÁVEIS EM ARQUITETURA E URBANISMO


PANDEMIA (MELO, 2020)
Revisão dos hábitos de consumo Produção de microclimas urbanos mais confortáveis e salubres com a diminui-
ção do impacto ambiental das ações antropogênicas.
Reconfiguração dos espaços de Revisão de leiautes desses espaços (bares, academias, restaurantes, farmá-
comércio cias) de modo a incorporar divisórias e outros equipamentos que tragam
segurança aos usuários e evitem aglomerações.

Valorização do condicionamento natural dos espaços, especialmente com o


uso da ventilação natural.
Novos modelos de negócios para Adaptação de restaurantes com a incorporação de espaços adequados para a
restaurantes realização da atividade de delivery.
Incremento de experiências cultu- Criação de novos espaços coletivos que abriguem essas atividades (shows,
rais imersivas virtuais espetáculos, espaços de museus, zoos e parques) com segurança para os
usuários; Quadro 1:
Substituição do tradicional espaço Adaptação dos espaços existentes e criação de leiautes adequados e adaptá- Mundo pós-
de trabalho pelo trabalho remoto ou veis a essas especificidades. -pandemia e a
Arquitetura e
home office Urbanismo
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ção contra novas ondas de contágio devem ser incorporados, de maneira


no uso do transporte coletivo e a cres- mais enfática, aspectos relacionados
cente cobrança por responsabilidade à qualidade do ar; acesso ao sol; pos-
social são discussões para as quais síveis consequências higiênicas e fa-
a área de conforto ambiental deve se tores associados ao contágio nas deci-
debruçar, já que impacta diretamente sões arquitetônicas e urbanas.
na busca de uma “cidade saudável”.
Sabe-se que há muitos desafios a
No âmbito acadêmico, cabem ainda vencer, em parte pela complexida-
algumas reflexões. Para a maior parte de do mundo real e as simplificações
das disciplinas relacionadas a confor- da realidade dos modelos numéricos
to ambiental nos cursos de Arquitetu- computacionais vigentes. Certamente
ra e Urbanismo, torna-se imperativo conta-se hoje com avanços tecnoló-
incorporar, aos objetivos de mostrar o gicos e pesquisas urbanas com o uso
potencial de utilização de conceitos e de computadores com melhores para-
instrumentais que podem ser úteis na metrizações (Figura 2) de auxílio nas
concepção de projetos arquitetônicos decisões sobre alternativas de orga-
e urbanos climaticamente adequados, nização dos espaços urbanos, que po-
um aspecto até então negligenciado: o dem incorporar, além de critérios am-
enfrentamento de epidemias e pande- bientais e de conforto dos ambientes,
mias, dentro dos métodos e técnicas parâmetros relacionados a prevenção
utilizados para obtenção de conforto, a fatores de risco à saúde e propaga-
levando em consideração a racionali- ção de doenças.
zação no uso dos recursos naturais e
a sustentabilidade do espaço constru- Seria instigante e desafiador que as
ído. atividades presenciais do ensino su-
perior no país, que em 2020 nem ti-
Do mesmo modo, em pesquisas que veram a chance de começar, trouxes-
incluem nos procedimentos meto- sem, no retorno do funcionamento
dológicos a realização de simulações das instituições (quer seja ainda em
computacionais preditivas de pos- 2020 ou não) o “espírito revolucioná-
síveis cenários do espaço habitado, rio” de participação, de maneira mais

Figura 2:
Exemplo
de mapas
térmicos em
uma estrutura
urbana.
Fonte: Postigo;
Souza (2007)
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enfática, de se “sair em campo”. Fazer com qualidade de vida.


acontecer o semestre (ou ano) letivo
que não se concretizou dentro de um Uma cidade mais justa pressupõe po-
planejamento institucional amplo, líticas públicas adequadas e pesqui-
com vistas a elencar possíveis ações sas voltadas para as comunidades
que cada curso poderia desenvolver, pobres. Nesse contexto, o arquiteto e
frente ao panorama pós-pandemia. urbanista deve ter papel importan-
Cada disciplina, cada conteúdo, cada te na garantia da saúde, bem-estar e
curso ou conjunto de cursos pode- qualidade de vida dos habitantes, en-
riam promover sua organização em tendendo especialmente que a cidade
terreno prático. Dar respostas locais, vai além das construções, ruas e espa-
de acordo com cada realidade. Ajudar ços públicos.
comunidades. Lançar amplos progra-
mas de atuação. Promover propostas CONCLUSÕES
pedagógicas que levem à reflexão dos
discentes sobre a sua responsabili- Cabe aos arquitetos e urbanistas a
dade como futuros profissionais para criação de estratégias que “salvem”
que, desse modo, possam dedicar-se a cidade sem restringir a circulação
mais a atividades extracurriculares e necessária, o lugar de encontros e a
transdisciplinares, seja em um curso salubridade de seus espaços externos
livre, palestras, oficinas e até mesmo e de convívio, dentro desse novo e ins-
em um trabalho voluntário. tável panorama urbano de possíveis
pandemias, com base em princípios
Essas ações são emergenciais e bioclimáticos de configuração dos es-
necessárias porque a fragilidade do paços.
país frente à situação de catástrofe
pandêmica está à mostra. O desafio Nesse sentido, é importante que sejam
torna-se maior quando se sabe que incentivadas proposições e respostas
as cidades brasileiras possuem ao presente desafio arquitetônico e
condições conforto e salubridade urbano que o século XXI impõe, e que
precárias na maior parte de suas elas possam dar suporte a decisões
habitações, dos seus espaços públicos, arquitetônicas e urbanas de modo a
equipamentos e infraestrutura, transformar o ambiente construído
especialmente nas periferias. em edificações e cidades mais saudá-
veis e confortáveis, além de inclusi-
A pandemia viral vigente evidenciou vas.
a ausência de políticas públicas, a de-
sigualdade e a vulnerabilidade social REFERÊNCIAS
em um país onde 48% da população
não tem coleta de esgoto e 35 milhões AGÊNCIA SENADO. Brasil tem 48% da
de pessoas não têm acesso à água tra- população sem coleta de esgoto, diz
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