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As Maçãs de Ontem

Este poema resume um livro de poesia que ganhou o Prêmio Paraná de Literatura de 2012 na categoria de Poesia. O livro é de autoria de Lila Maia, uma poeta maranhense radicada no Rio de Janeiro. Os poemas exploram temas como amor, saudade, desejo e questionamentos existenciais, demonstrando o conhecimento da autora da tradição poética clássica e contemporânea.
Direitos autorais
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Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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As Maçãs de Ontem

Este poema resume um livro de poesia que ganhou o Prêmio Paraná de Literatura de 2012 na categoria de Poesia. O livro é de autoria de Lila Maia, uma poeta maranhense radicada no Rio de Janeiro. Os poemas exploram temas como amor, saudade, desejo e questionamentos existenciais, demonstrando o conhecimento da autora da tradição poética clássica e contemporânea.
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final das frases,/ sai com carteira assi-

Lila Maia — maranhense radica- nada e setecentos reais por mês”.


da no Rio de Janeiro — domina os la- E, se literatura também se alimen-
birintos do fazer poético. Ao escre- ta de literatura, a metalinguagem não
ver, ela demonstra conhecimento da estaria de fora de um livro expressivo
tradição, dos autores e textos funda- e sintonizado com a contemporanei-
mentais da lírica clássica e contem- dade como é As maçãs de antes. “Acei-
porânea. A constatação está evidente tação”, o último poema, dialoga com
neste As maçãs de antes, que superou “Mãos dadas”, de Carlos Drummond
outros 412 livros inscritos no Prêmio de Andrade (“Não serei o poeta de um
Paraná de Literatura. mundo caduco”): “Não serei poeta da
O amor, tema recorrente na arte, angústia e do êxtase”.
norteia a coletânea desde o primeiro Lila Maia, como ela anuncia em
verso: “Não se escreve um poema de verso, quer mesmo é “sentir falta de
amor impunemente”. Convicta, Lila es- tudo”. E a poeta da incompletude sur-
creve poemas de amor — sobretudo a preende. No vazio, entre outras fon-
partir da ausência de um enigmático, e tes, busca as formas de uma lingua-
onipresente, ser amado. gem apurada e imprescindível.
“Serão sempre inacabados meus
poemas de amor.” A autora sabe da im-
possibilidade de ser e estar completo, Rogério Pereira
e também por isso, segue a escrever.
Mais que isso, deseja, e não esconde de
ninguém essa sensação, esse motor que
move tudo, mundos e moinhos: “Meu
desejo é um Dom Quixote”.
A luta para sobreviver no inóspi-

ARQUIVO PESSOAL
to cotidiano também ganha espessura
no imaginário da poeta. Em “Mercado
de trabalho”, um dos destaques do li-
vro, a voz poética é dilacerante, em es-
pecial por abrir espaço para questio-
namentos, evitando qualquer certeza:
“Quatro anos de Letras,/ mais dois de
Pós em Literatura Portuguesa,/ o curso
completo de inglês no IBEU,/ não per-
mitem que a mesa do café seja invadi-
da/ de iogurtes, queijo branco, uvas,
kiwi, pêssegos,/ mamão com mel”. O
mundo inimigo, que para a autora não
anseia rimas nem lirismo, está domi-
nado pela superficialidade e, em algu- LILA MAIA é maranhense e vive há
ma medida, pela falta de coerência: “E 32 anos no Rio de Janeiro. É gradua-
a menina ao meu lado,/ estudante de da em Pedagogia. Tem dois livros de
Propaganda e Marketing na Estácio,/ poesia publicados: A idade das águas
saia justa, corpo bronzeado de Ipane- e CéuDespido. Em 1998, teve três
ma,/ um quê de rouquidão forçado no poemas publicados na Revisa Poesia
Sempre, da Biblioteca Nacional.
beto richa
Governador do Estado do Paraná

paulino viapiana
Secretário de Estado da Cultura

valéria marques teixeira


Diretora-geral da Secretaria de Estado da Cultura

rogério pereira
Diretor da Biblioteca Pública do Paraná

ivens moretti pacheco


Diretor da Imprensa Oficial do Paraná

Coordenação do Prêmio Paraná de Literatura 2012


luiz rebinski jr.
marcio renato dos santos
omar godoy

comissão julgadora do
prêmio paraná de literatura 2012

Prêmio Helena Kolody | Poesia


antonio carlos secchin
heloisa buarque de hollanda
miguel sanches neto

Projeto gráfico | Capa | Revisão


Preparo de originais | Produção gráfica
retina 78

Dados internacionais de catalogação na publicação


Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira

Maia, Lila, 1955-


As maçãs de antes / Lila Maia. Curitiba, PR :
Secretaria de Estado da Cultura :
Biblioteca Pública do Paraná, 2012.
p. 84 ; 21 cm.

“Vencedor do Prêmio Paraná de Literatura 2012 -


Categoria Poesia.”
ISBN 978-85-66382-00-6

1. Poesia brasileira. I. Título.

CDD ( 22ª ed.) B869.1


Sumário

UM TOURO VAI SE DESENHANDO

O olhar maduro da onça 11


Esta música sob o olhar do anjo 12
Cenas do Aterro do Flamengo 13
Um homem 14
Escrita 15
Marcação 16
A pantera 17
Alguém para correr comigo 18
As maçãs de antes 19
Então eu me reparto 20
Sem endereço 21
O que não fica 22
Opostos 23
Um céu de estrelas fixas 24
O leão 25
A serpente 26
Música 27
Ama-me 28
A solidão do poema 29
Terceiro poema da falta 30
Uma vigília 31
Os sons do abandono 32
A propósito (o segundo poema da falta) 33
Nenhum espanto 34
Paralelas 35
Uma construção 36
Mural de Deus (no 1) 37
Mural de Deus (no 2) 38
Abandono 39
Trilhos 40
A coragem do poema 41
Fábula 42
Outra leitura 43
A MÚLTIPLA FACE DO DESEJO

Face a face 47
Poema à moda de Shakespeare 48
Terças e quartas (poema para os amantes) 49
Certas medidas 50
Melancolia 51
O que me move 52
Tudo voa 53
Parábola 54
Uma oração 55
Uma verdade 56
Sapato número 33 57
Cigana 58
O que ficou não basta 59
Resignação 60
Poema quase feliz 61
A idade das águas 62
Inacabados 63
Permanência 64
Íntima rua 65
Ainda é amor 66
Uma tarde 67
A folha branca 68
Estive ali 69
Um dia de Alice (leitura poética de
Alice no País das Maravilhas) 70
O amor atropela 71
Mercado de trabalho 72
A felicidade 73
Múltiplas faces do desejo 74
Os quase-amores 75
Varanda 76
Uma estante 77
Imaginário 79
Cartas poéticas para Maria dos Remédios 80
Aceitação 81
UM

TOURO

VAI SE

DESENHANDO
O OLHAR MADURO DA ONÇA

Não se escreve um poema de amor impunemente.

No desvão da noite uma onça perpetua a sombra de fogo


sobre teu caminhar espaçado.
Há uma súplica com os devidos ais prudentes,
a onça sabe onde derrama seus passos.
Crava os dentes nesta carne que tem cheiro de batismo,
o sangue suado de caça.
Que rara luz expressa teu corpo.
A onça é aos poucos domesticável.

Não se escreve um poema de amor inutilmente.

 11
ESTA MÚSICA SOB O OLHAR DO ANJO

Ele nunca deixou de tocar para mim

Suas mãos duas estrelas baixas


E quando entra no meu quarto
abre o piano com a mesma coragem cega
de um Borges
Jamais esteve surdo para o silêncio que vem das palavras

Beethoven só não dorme comigo todos os dias


porque não quer

 12
CENAS DO ATERRO DO FLAMENGO

João é mudo.
Tereza surda.
João está sempre gesticulando
como se tivesse aves repentinas nas mãos.
Tereza lembra paisagem: atenta, alheia.
Uma vez os vi abraçados,
mas logo se tornaram rosas vermelhas.
João batia no peito e muitas penas voavam.

Tereza tem a força do mar.

 13
UM HOMEM

Porque me escolheste
soletro teu nome banhada de chuva
Depois deito contigo querendo de volta
as minhas fontes primeiras
Esse homem quando me toma e ordena
ressuscita vertigens e todos os verbos do sofrimento

Porque me escolheste
tenho ao redor da casa um caudal de lírios e medo

 14
ESCRITA

Como não invocar o vício que certas palavras causam?


É mais fácil dispor da forma já encontrada que achar
a ponta do novelo perdida com o peso das mãos.
O poema às vezes é só um descuido doméstico:
a roupa deixada de molho por três dias,
o botão ligado do aquecedor.
E o poeta avança com seus braços sobre o papel.
Desconhece o deserto,
o gota a gota das palavras mais ávidas.
Depois cego, ou talvez iludido,
sonha com a embriaguez perfeita dos excessos.
Então escreve: pássaros, deuses, inferno.
Nada diz.

O poema é o exercício mais severo


de buscar formas no vazio.

 15
MARCAÇÃO

Pela milésima vez


a vida puxa o tapete sem cerimônia
O assoalho escuro,
convite para mais uma aula de sapateado

Um dois três o touro vai se desenhando


Um dois três os braços em movimento
inauguram o voo de borboleta

Um dois três quatro


a coragem evoluindo na marcação

Um dois um dois
não temas não temas

 16
A PANTERA

Invejo sua agilidade mansa


a vela acesa de seu olhar
Imagino que se a tivesse sobre o ventre
meu prazer não seria feito de raivas e punhais

 17
ALGUÉM PARA CORRER COMIGO

Bastariam cinco minutos

Ele trazendo o sol das ruas de Veneza


minhas pernas ágeis
distendendo luz

Nada romperia o pique

Nós dois aceitos


na dança própria do corpo

E o deus das grandes rotas


de repente
encurtaria caminhos
para que o céu vermelho nas manhãs de julho
ardesse em mim

Título do livro do escritor israelense David Grossman

 18
AS MAÇÃS DE ANTES

Onde estão a catedral que me vigiava atenta


a vontade de lamber sinos para que minha língua
pudesse falar de glórias?
Vagueia pelo quarto uma véspera,
uma demora sobre o corpo
sem o sol, a varanda, as maçãs de antes.

Quero a mesma brancura das areias do menino,


o castigo leve quando insistia em ser Pinóquio,
o medo das histórias de assombração
contadas por Maria Adélia.

Há um touro tombando só para o lado esquerdo,


uma arena de memórias.
Pudesse eu trazer de volta para a gaiola,
o canário do meu irmão Olímpio
e algumas cenas da infância
que tinham o dom de me perpetuar.

 19
ENTÃO EU ME REPARTO

Ainda caminho em busca do pão.


Mesmo que a vida
seja esses goles de vinho passeado.
Dia após dia tento recolher
racimo por racimo
com uma reserva embriagada de coragem.

O que é viver
senão esta secura que transborda dos cálices
este resumo tirado das horas
do que vai ficando maduro e não cai.
De tão íntimo o verbo morrer aquieta-se:
quisera fosse à sombra de tudo que cresce à esmo,
nesse vazio de pés pisando uvas.

 20
SEM ENDEREÇO

Os olhos dele ficaram aqui


escritos
num pedaço de papel
guardado no pequeno baú das joias
Às vezes penso que é uma abotoadura antiga
mais uma vez conto nossa história:
a tentativa de manter uma harmonia
as promessas se enraizando
— quase uma árvore
a essência e delicadeza do verbo
quando nos deitávamos

Estão aqui
ainda
meu corpo incrustado de velhos desejos
enormes plantações internas
duas palavras: amor amor

 21
O QUE NÃO FICA

É uma cidade grande


o homem que segura a porta do elevador

Do térreo ao décimo terceiro andar


não corremos risco de ouvir
o assovio da paixão

Desconhecido é o seu nome

Quanto a mim
volto a servir chá de camomila para a solidão

 22
OPOSTOS

A cada dia trabalho tua terra e não vês.


Ainda assim, meu corpo cristaliza o gesto de plantar,
enquanto és visto correndo no pasto.
Nasci para ter alimento e ser apaziguada.
Sempre dizes que os ventos te guardam.

É entre paredes, lamentos


que a água que resvala em mim não te toca.

Temos em comum mais naufrágios do que mar.

 23
UM CÉU DE ESTRELAS FIXAS

A cigana viu em minhas mãos:


tua sorte é não ter a força de Aquiles
está envolta em grande mar até a cintura
nada nada nada
Teu mal não se esgota,
mesmo que cantes uma canção sozinha no pátio.
Há um perfil que se curva
tentando riscar uma outra mandala.

Não tentes recolher, puxar os fios


que se enrolam na grande árvore — vida
Tua sorte é ficar estendida
bamba bamba

 24
O LEÃO

O leão sempre permite à presa


o início de seus beijos,
a dor de ter o corpo rasgado

Tira meu vestido pela cabeça


penetra sua fúria porque sabe
minha coragem é um novelo perdido,
na pequena sala da casa,
definhando, desfiando,
estas ancas estreitas,
o peito caído,
a seara de pernas, patas.
Depois silêncio,
não espermas

 25
A SERPENTE

O previsível bote entre minhas coxas


não possui a centelha rara de antes.
O desejo passa sem aroma,
sem as antigas gotas de suor.
Onde está o soberbo rastejar
no menor espaço da cama?
Que fizemos com aquele recriar constante
de corpos colados, luzes acesas
nossa santa insanidade?

O previsível bote entre minhas coxas


há muito deixou de ter o generoso veneno.

 26
MÚSICA

Faço a letra, quando devagar pisas o tapete


e percebo que estou à beira de um violoncelo.
A vida sai tocando próxima ao meu pescoço
acordes tão íntimos que soletro ais.
Somos iguais em cheiros, excessos.

Faço a letra,
porque a noite, a véspera, o dia seguinte
é saber que a música não se aprende de repente.
É necessário repetir sol quase à exaustão.

 27
AMA-ME

Mais uma vez a faca aberta na manhã.


A ironia e a colcha de linho branco se desfazendo na cama,
os cavalos negros saindo do teu ventre,
o rigor ao te ofertar meus seios.
Eis que deponho toda a minha sede:
então nadamos a sós na loucura serena e perversa
que nos invade.
Eis que desço minhas mãos
e te construo e te desfaço,
nos dezessete beijos molhados,
nesta fenda voraz, atenta
a teus líquidos e cheiros.

Te querer é sempre uma viagem que não cessa.

 28
A SOLIDÃO DO POEMA

Saudade
de um kama-sutra perfeito,
daquele círculo de afetos
onde a noite se alonga espontaneamente
e o pôr-do-sol tem cor de romã,
dos sapatos deixados na sala,
da falta de um prato na mesa,
da ausência que é mais um deserto.

Por que a grande paixão não pode permanecer


na moldura do quadro
ou ter cheiro de café recém-coado?

 29
TERCEIRO POEMA DA FALTA

Uma vez acreditei que aquele feijão


cozinhando em fogo baixo era uma trégua:
podia rir do sofrimento e reverenciar a primavera.
Não deixei que o concreto da cidade grande
acabasse com as rachaduras da infância:
impossível roubar tangerinas sem deixar a marca do cheiro.
Se acumulei noites e amadureci definitiva
foi por culpa das asas antecipadas,
da mania de recontar histórias.
Minha mãe dizia:
atravesse uma dor de cabeça erguida.
Eu atravessava.
Nunca corri da chuva.
Desconfio que as raízes da resistência materna
ainda me vigiam

 30
UMA VIGÍLIA

Quarenta anos depois


o silêncio da chaleira que ferve.
Na infância, sempre acendi uma vela na outra.
As surras que levei não se enraizaram.
Cada dia soletrei um tempo do verbo partir.
Vivi com a indiferença e a saudade presas ao calendário.

Quarenta anos depois


não sei me despedir da saudade:
continuo ouvindo o arrastar daquele chinelo
número trinta e três pela casa.

 31
OS SONS DO ABANDONO

Tum
tum

tumtum tum

São assim os sons de um abandono.


Eles vêm de longe,
se prolongam feito o mar,
mas não trazem sequer seus mistérios.
São velhas histórias, repetidas,
acontecidas numa China
ou na pequena ilha de São Luís.

Tum
tum
tumtum tum

Abandonos com seu séquito de demônios


sempre acham a porta de saída,
se perpetuam no olhar de um pierrô
pisam fora da sombra,
para que o desejo não tenha endereço.

Tum
tum
tumtum Tum

 32
A PROPÓSITO
(o segundo poema da falta)

Enfim me dou conta que tua ausência


é mais um nódulo amadurando
na paisagem de parreiras molhadas,
nas várias demãos de tinta para apagar da memória
a camada inaugural da falta.

Pudesse eu saber que teu corpo foi aceito


no primeiro plantio das ervas
e musgos não cresceram ao redor.
Pudesse eu sentir de novo o pastoreio de peles,
aquela sombra segura, materna
que vez por outra me permitiu roubar o fruto

 33
NENHUM ESPANTO

Poesia não fecha ciclos.


Não resume a vertigem dos remendos
desta nudez íntima de se manter vivo.
Nem confronta as folhas amarelando
sem reparos na maior secura.

Poesia é fadiga,
limites que crescem.
Mas,
eu a tenho na interação de beija-flores,
nesta armadura cerzida com as mãos
onde só a agulha se submete.
Para ter um outro corpo
ou continuar tecelã?

 34
PARALELAS

O vinho não envelheceu o suficiente


para que o percurso no teu corpo
tivesse os odores, a sombra das parreiras
tão comuns no grande amor.
Duzentas e dezessete vezes exagerei nos riscos,
ora singrando, ora madura.
Nunca deixei de ouvir o que cantava em mim.
Mas as uvas não tinham peso, a doçura que deveriam.

Vomita-se o vinho ou a fruta?

 35
UMA CONSTRUÇÃO

Não é o engenheiro,
mas o encarregado da construção que diz:
se você passar por dentro do canteiro da obra,
cimento vira flor.
Eu passo,
feliz por viver entre os homens.
Caminho sem idade,
a pele refletindo vermelho carmim,
os quadris, remexendo, carregam baldes de água.

A autoestima tem dezessete andares

 36
MURAL DE DEUS
(n°1)

Agora que compreendo o pão dividido,


aceito meu inferno.
E volto a sentir falta da utilidade dos brinquedos,
do quadro de Nossa Senhora da Conceição na parede.
Que bruxas, deuses cultuei ao longo dos anos
para suportar no corpo o peso destas colunas
sobre a curva dos meus rins?
Por ter amado os homens como podia
fui merecedora de espinhos, alumbramentos.

Até hoje minha dor se estende de janeiro a dezembro.

 37
MURAL DE DEUS
(n° 2)

Aparentemente separados:
esta é a proposta que faço ao tempo.
Quero ressuscitar em mim o alto voo de uma ave
ter de volta a maré desordenada
subindo a pequena sacada da janela
onde imagens transbordam
e o desejo da carne ainda me persegue.

Preciso resgatar aqueles fantásticos desalinhos


que me permitiam ser densa, sonora
ou simplesmente refém das perdas
que vão tomando forma
e te olham com olhos de vidente.

 38
ABANDONO

Despenco na vida
como um limpador de vidraças do alto de um edifício.
Toda uma história desperdiçada.
Deviam ter me ensinado ainda criança sobre abandonos.
Ninguém tem o direito de se hospedar inteiro no prazer do outro
depois deixar aquele vazio que só o amor recusado tem.

Quero de volta o arrependimento


aquela ponta neste emaranhado de fios
e a árvore de grande caule que fui.

 39
TRILHOS

Aqueles pés descalços que corriam livres


aos quatro cantos do luar,
hoje são mercadores e não vendem nada
nem mesmo os objetos pessoais que um dia
iluminaram a casa.
Tudo desemboca fora.
Se ainda ruminasse o velho desejo do tempo
que me fazia andar mais rápido,
eu correria.
Mas perco as estações no trem
e o apito que soa não traduz,
silencia:

a vida é crua.

 40
A CORAGEM DO POEMA

Cachorros não me fazem companhia nesta íntima solidão.

Tenho saudades da mulher que me abençoava de longe.


Durante quarenta e oito anos acreditou no meu amor.

Já não perturba saber


que o homem de trinta me ignore
Aceito a conjugação serena do verbo.

Minha solidão jamais teve cheiro de gato


nem tenho coragem de aprisionar aquele canário
que se faz cativo.

Meus amores sempre passam.

 41
FÁBULA

Hoje me lancei no mar


e desejei que um salva vidas forte, 1,92,
me tirasse dali bem devagar. Nada aconteceu.
Continuo nadando,
entre árduas e anônimas braçadas
deste solitário labirinto de águas, sal,
nunca do entendimento.

Sou este peixe que se contorce


solitário, exausto, mas não assa.

 42
OUTRA LEITURA

Aceitei o silêncio humilhado de certas falas,


A mania de varrer o lixo para debaixo do tapete,
as lágrimas fortes como as do chuveiro.
Às vezes ama-se mal.
E o poema não consegue ter
a elegância, a altivez de uma garça.
É só um rato.

 43
A

MÚLTIPLA

FACE

DO DESEJO
FACE A FACE

E se o filho de Deus fosse meu amado?

Os punhais afiados
ante a sedução transparente
seriam os mesmos?

E se o filho de Deus desse os passos


que eu filha de Rorlando e Maria não aprendi a dar,
a gaivota ou o simples beija-flor
chegariam à janela do apartamento 609?

E se o filho de Deus me tirasse


os lobos, a serpente, as maçãs
sem frescuras, dor, espantos
o amor teria cara de anjo?

 47
POEMA À MODA DE SHAKESPEARE

O meu feio Romeu não me reconhece mais.

O tempo envelheceu aquele corredor de lua,


no amplo apartamento do Jardim Botânico
quando inundada de estrelas o esperava.
Adorava meus pés,
mas naquele 27 de janeiro de 2011
sequer olhou para os sapatos que eu usava.

Tinha mania de me fotografar deitada.


Nunca levou nenhum negativo.
Se revelava inteiro dizendo de cor
os poemas de amor de Castro Alves.

Tive todos os motivos de ser feliz


naqueles braços magros,
em cima daquele homem liso, sem pelos.

 48
TERÇAS E QUARTAS
(poema para os amantes)

Meu desejo é um Dom Quixote.


Triste figura de cavaleiro em aceitar
tudo o que vivemos tem a duração de 48 horas.
Não há culpados.

Meu prazer cede ao que precisa nascer.


Depois tua coragem de mulher
define os sentimentos do corpo.

 49
CERTAS MEDIDAS

Voraz e cordeiro a vida segue.


Espremer espremer estas laranjas.
Coloco um pouco a mais de água,
as peças de minha história
continuam a medir 1,61.
Lembro daquele guarda-roupa de 2,10
na infância.
Ocupava o quarto de tal forma,
que logo descobri não ser eu o filho pródigo.
Adianta mudar de endereço?

Espremer espremer a certeza


de que não nascerei de novo,
e minha parte feliz não tem açúcar.

 50
MELANCOLIA

Levantar,
preparar o café,
abrir a página qualquer de um livro de poesia.

Sentar diante da folha em branco,


como se a dor tivesse uma certa magia:
é que desespero tem forma, casa, comida.

Não me asfixio.
Deixo ressoar a água de mais um dia
dentro dessa coragem habitual.

 51
O QUE ME MOVE

Quando disse olho por olho,


não percebi que os olhos dele eram tão azuis.
Deixei meu corpo tombar como quem cria raízes
medindo régua a régua tudo que foi céu,
inferno, submissão, vertigem e queda.

Quando disse dente por dente,


um monólogo lírico se apossou de minha fala.
As palavras tinham fogo, sorte, gesto.
E o permanente espelho replicou as tentativas
do verbo conjugado no pretérito perfeito.

 52
TUDO VOA

Neste 1º de janeiro de 2012


acordo em profundo estado de borboleta.
Tudo voa.
A noite anterior esperando por ti
o cheiro da rosa branca pulando a janela
a toalha, presente da mãe,
se rasgando com o tempo
a cortina já seduzida pelo vento
se abrindo onde não podia
e nas minhas costas
algo de interminável crescendo.

Quando tinha 30 anos uma cigana disse


que não chegaria aos 50.
Neste 1º de janeiro de 2012
me dou o direito de escolher gestos
achar que tudo me é devolvido
às vezes por uma Medeia,
outras pelo teu olhar
de extraordinário azul

 53
PARÁBOLA

Afinal, que pedra é essa que pesa sobre meu corpo?


(Do livro Lavoura Arcaica)

Durante anos afundei o rosto


onde a poesia tem a profundidade do azul.
Havia versos engasgados.
Estive próxima de me tornar inocente.
É como se o vasto olho de Deus
tivesse todo um tempo.
Esperei que a multidão me ofertasse lírios,
abençoei a melhor parte de mim,
mas o poema não nasceu
sob a pele de cordeiro.

Devia ter sonhado aquele sonho duas vezes.

 54
UMA ORAÇÃO

Deus nunca vai me perdoar: não vou mais sofrer.


Um tigre salta por trás,
nenhum palavrão me vem à cabeça no primeiro ataque.
A salvação? Não rezar mais.

Aos poucos a beleza do corpo vai se encolhendo


o fraco respirar convertido em todos os pecados,
e as folhas preenchidas com poemas são filmes.

Meu melhor papel?


Ter dormido com cordeiros e anjos disfarçados.

 55
UMA VERDADE

Se eu tivesse nascido virada pra lua,


seus olhos não teriam deixado de mandar notícias,
por certo escreveria um poema lírico.
Colocaria no mesmo altar o brilho das alianças
e as facas alongadas.
Aquele anjo faria ronda em meus abandonos.

Qualquer castigo duraria um de repente.

 56
SAPATOS NÚMERO 33

A vida me deu duas marcas de nascença:


a presença forte da mulher de 1,55
com seus sapatos número 33,
e dois braços largos, compridos,
que menina imaginava pudessem proteger,
mas insistiam em dobrar cintos.

Muito cedo, ao redor de mim, o circo.


Os trapézios de lá pra cá acenavam saídas.
A primeira tentativa,
desastrada feito o primeiro beijo.
A segunda, como se a cidade
só tivesse uma única rua: a dos Afogados.
Naquele domingo de 1980, a mala carregava
um século de liberdade.

Nada de saudade trouxe dos braços largos, compridos.


Dos sapatos sim.

 57
CIGANA

Estou fora de mim como um bêbado


perambulando a noite.
Quando o caminho reto virá em definitivo?
Ter me apropriado de algumas palavras,
não me permitem criar poemas para o mundo.
Nem minha religiosidade de beber o vinho
traz de volta o mapa onde eu sabia o endereço certo
de compartilhar bancos de praças e a conversa com João,
garçom conhecido do Baixo Gávea.

Há muito meu ponto de partida deixou de ter anzol.


E por muito menos nadei longe das ilhas.

Hoje o mar é substantivo abstrato.

 58
O QUE FICOU NÃO BASTA

Um navio de silêncios ancora


no apartamento da Rua do Russel.
A glória de tê-lo aqui é que cada vez menos,
utilizo as muralhas do espanto para perceber
que nunca são lentos os ponteiros do tempo.
Ele tem o queixume, a espada em uma das mãos.
Todos os dias deita-se sobre nosso corpo,
coloca fogo, gritos, mar.
Depois nega trégua,
funda trevas que se espalham.

A perda é esta acidez de um vinho ruim.

Agora que tenho gaiolas na alma te pergunto morte:


que degraus ainda preciso descer?
Se de navios e lugares-comuns perpetuei
o que melhor sabia a paixão,
esta seta tão rente aos olhos que abre a cal
e rasga a seda de tudo que foi pagão, divino.

 59
RESIGNAÇÃO

Serão sempre inacabados meus poemas de amor.

Difícil cortar o lirismo que vem deste roteiro de silêncio


e dos rigores que a vida te impõe:
infernos, escolhas, auroras imprevisíveis.

A cada dia tento quinze passos para a claridade,


mas a resistência é uma árvore sobrecarregada.
Se penso nos frutos
sou fértil, abençoada.
Se me apego às raízes volto a sentir
a linguagem muda que começava pelo olhar.
Apanhei pouco, respeitava olhares.

Sigo neste exercício completamente náufraga.

Tenho vocação para o sal das marés cheias.

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POEMA QUASE FELIZ

Era um elefante o amor por aquele homem.


E havia desejos de possuir um céu azul sem fim.
Tantas horas puras tivemos
que quase acreditamos naquela perfeição
plena de Deus, do diabo.
Agora que uma África nos separa,
compreendo porque minha vida
é só exalação de terra e estas mortes súbitas.

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A IDADE DAS ÁGUAS

Agora a serenidade é dos peixes.


Um rio a cada dia.
A vida se organizando pelo avesso,
com sua varanda e reboco claro.
Não existe o voo cego.
Pescamos o peixe sozinha,
não à margem, mas dentro.
Onde o dom de se derramar
nos faz mais femininas.

Qualquer mulher é intensa, idêntica:


o úmido, o seco têm a mesma importância.

Mulheres são leves,


trazem no peito aquela maciez sofrida.

Nenhuma receita para ser feliz.

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INACABADOS

Mais uma tarde equivocada.

Esperava flores, bombons, o beijo suave.


Acabo me vestindo de frio.

Não tive um homem


para repartir comigo a maçã.

Só me envolvo com pássaros.


Alguns dizem que sou uma boa mulher.

Por que falam de bondade


se as paisagens do corpo pedem amor?

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PERMANÊNCIA

No ouvido esquerdo,
teu hálito forte, sereno, permanece.
Não falo amor – palavra gasta,
me aposso da metáfora:
sou esta árvore estendida.
Há sede de sombra

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ÍNTIMA RUA

Minha rua tem fases como a lua


De sexta a sábado se prostitui
como se fosse cúmplice da Lapa
e a vida pudesse ser sempre nua

Minha rua cada vez mais crescente


vai deixando de ter olhos de gente
Até os gatos e o papagaio Ruan
também passeiam indiferentes

Minha rua não tem cheiro de nova


nem a Glória de ter o mar bem perto
Simplesmente apenas escurece

Minha rua de repente é quarto


minguante, minguando, abandonado
Saudade da rua que abria os braços

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AINDA É AMOR

O cheiro inteiro da noite nas paredes do quarto


Depois caminho pela casa
como se estivesse em todas as ruas

Este homem pesa sobre minhas pálpebras

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UMA TARDE

Desejei que meus pés fossem barcos


nesta tarde equivocada de primavera.

Depois me assassinei
sem água nos olhos, nenhum cheiro de flor.

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A FOLHA BRANCA

Um tigre me espreita.
Fareja cada compartimento da casa
com ar inocente. Nada escapa.
Nem as altas prateleiras da estante.

Eu e a fera nos igualando, nos resumindo.

Quando suas patas me atingem


meu grito é de criança:
oh tigre
oh criação

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ESTIVE ALI

No terreno baldio da Rua dos Prazeres,


meninos insistiam em se tornar homens mais cedo.

Nem a mãe estendendo lençóis


enxaguados na água de anil,
compreendia que o terceiro filho
carregava sentimento de mundo.

O menino corria pela Rua do Sol


que acabava na Rua da Inveja,
onde passarinhos batiam asas.

Longe o lugar que passou a fazer de seu.

Por causa de Longe sentiu o peso da gaiola,


e umas cem vezes a fivela do cinto.
Aprendeu a escrever cem vezes dor.

No terreno baldio da Rua dos Prazeres


um menino não foi feliz.
Reza a lenda, na pequena Ilha de São Luís,
é possível vê-lo de perto, a partir da meia noite,
catando conchas.

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UM DIA DE ALICE
(leitura poética de Alice no País das Maravilhas)

Acordo com desejos


que o simples coelho de pelúcia tenha corpo, voz.
O colo da irmã mais velha,
cativo nessa travessia de ser.

É possível cair sem o peso do fracasso.


Esquecer a lagoa de lágrimas
no pote aberto da geleia de laranja.

Tudo que a noite entorta,


na manhã seguinte vê-se:
a inevitável chave.

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O AMOR ATROPELA

Nem mesmo um fusca 74


passou suas rodas sobre meus pés.

Não fiquei cega quando a textura do teu ventre


tinha sabor de carne doce.

Reparti meu corpo tão senhora de si.


E a claridade do quarto,
o descuido de não ter puxado a cortina até o fim.

Mesmo quando mandaste as treze rosas vermelhas,


o azul continuou insuportável.

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MERCADO DE TRABALHO

Quando o insuportável começa a virar maré cheia,


me pergunto:
por que não me tornei alpinista de empresa
escalando os prédios mais altos da Avenida Rio Branco?
Quatro anos de Letras,
mais dois de Pós em Literatura Portuguesa,
o curso completo de inglês no IBEU,
não permitem que a mesa do café seja invadida
de iogurtes, queijo branco, uvas, kiwi, pêssegos,
mamão com mel.

Por que não me especializei em alturas?


Uma estrofe de cor dos Lusíadas,
não é suficiente para o trabalho de Call Center
na empresa Silva Lins.
Era preciso ter um diferencial na voz.
Mas eu disse um verso de Camões.

E a menina ao meu lado,


estudante de Propaganda e Marketing na Estácio,
saia justa, corpo bronzeado de Ipanema,
um quê de rouquidão forçado no final das frases,
sai com carteira assinada e setecentos reais por mês.

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A FELICIDADE

Não estou desistindo da felicidade que tem cheiro,


sapatos bem lustrados,
camisa azul impecavelmente passada
e o nó da gravata sempre errado.
Nem da folha branca,
às vezes tão sem palavras.

A felicidade que necessito tem teto,


porta, um fogão de quatro bocas,
três tonalidades de batom vermelho,
uma lata de Leite Ninho a mais,
a conta corrente no banco,
depois a taça de vinho:

felicidade é palpável.

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MÚLTIPLAS FACES DO DESEJO

Meu desejo tem as cores de Frida Khalo e um Taj Mahal


de cheiros, nomes, se enroscando no corpo
quando penso em um Deus sedutor
batendo à minha porta, pedindo para ficar.

Não reza ave-marias, se eterniza entre lençóis, beijos, suor.

E a vida segue com seus olhos de touro.

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OS QUASE-AMORES

Apolo foi só um nome. Nada tinha de deus.

João era cristão e dava uma de apóstolo


nos momentos mais íntimos.

Francisco, metido a passarinho


pousava vez por outra no meu quarto,
depois havia um céu de distância sobre nós.

Rodolfo tinha a mania de levantar peso.


Ficou leve demais para o meu gosto.
Na academia, acabei encontrando Joaquim,
um tímido professor de química do Colégio Pedro II.

Antônio, o santo da minha devoção,


tinha um defeito:

nunca me amou.

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VARANDA

Eu trazia a herança de um sol vermelho


e havia o pequeno jarro sem planta.

Foi garoto que passei a imaginar a flor.

Na varanda tinha um lugar-comum:


as samambaias que se enroscavam
sem pedir licença.

Um dia uma cigarra desastrada


caiu justamente ali.
Logo aprendi a distinguir cantos.

A vida cresceu numa enorme linha reta.

O irmão do meio foi para o mundo.


Levou a febre intermitente de saudade
— os galhos da samambaia enroscados nas pernas —

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UMA ESTANTE

Eram quatro prateleiras brancas enfileiradas.

Na primeira ficavam os livros de ódio-amor.


O sétimo livro, um clássico da literatura universal,
como dizia o avô Joaquim,
me perseguiu durante duas semanas.
Aquela mulher, a Medeia, tecida de carmim,
de vínculos desfeitos me acordava,
nem sabia mais que manhã era real.

A segunda,
repleta de Machados, Rosa, Alencar,
Amado.
Chorei escondido um rio de lágrimas
pelo chefe dos Capitães de Areia.

Na terceira havia os livros misturados.


Quantas vezes me perdi na página aberta
do Sítio do Pica-pau Amarelo.
De repente, mais um choro escancarado
pela morte de Meu Amigo Pintor.

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A quarta era poética: dava para sentir o cheiro
de Cecília, Bandeira, Drummond, Quintana,
do meu primeiro amor mal resolvido: Castro Alves.
Nunca me conformei que tivesse partido
aos vinte e quatro anos.

Durante um bom tempo,


aquelas quatro prateleiras brancas,
na casa do meu avô representaram
a chave, o desejo, uma sede — qualquer coisa
forte, serena que vai desenhando a vida.

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IMAGINÁRIO

Os livros da infância não se perdem.

Rapunzel ainda me visita,


agora com cabelos encaracolados
e um par de havaianas.
Nossas conversas não têm os símbolos,
a sombra, os odores de um labirinto.
Hoje quando digo que minha solidão é uma China,
é tão real feito o dicionário aberto na página 607.

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CARTAS POÉTICAS PARA MARIA DOS REMÉDIOS

Não escrevi os dias que passamos juntas.


Nem perpetuei a lição número um de me manter de pé.
A vida nos dobra.
Nos descaminhos, o cheiro da torta de camarão,
o alho frito do arroz, o creme de bacuri — saudade inconformada
de tudo que representaste.

Mãe,
não se pode amar o tempo todo.

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ACEITAÇÃO

Não serei poeta da angústia e do êxtase.


Quero sentir falta de tudo.

Por não ter o que falar com Deus


que venha a trégua derradeira.

Se ainda sinto felicidade ao ouvir passos que chegam


é porque saudade não se mata, se aumenta.

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As maçãs de antes
foi composto na tipologia Garamond Premier Pro.
Miolo em papel pólen 80 gramas. Capa em cartão 250 gramas.
Impresso no parque gráfico da Imprensa Oficial do Paraná,
em Curitiba, no mês de novembro de 2012.
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Vencedor na
Categoria Poesia

O Prêmio Paraná de Literatura — criado em 2012 pela


Secretaria de Estado da Cultura, por meio da Biblioteca
Pública do Paraná — surgiu com o objetivo de valorizar e
fortalecer a produção literária brasileira contemporânea.
Em sua primeira edição, o concurso selecionou obras
inéditas, de autores de todo o Brasil, em três categorias que
homenageiam figuras importantes da literatura paranaense:
Romance (prêmio Manoel Carlos Karam), Contos (prêmio
Newton Sampaio) e Poesia (prêmio Helena Kolody). Cerca de
900 trabalhos foram inscritos e analisados por uma comissão
julgadora que definiu um vencedor em cada categoria. Os
três livros foram editados pela Biblioteca Pública do Paraná
e distribuídos para as principais bibliotecas do País.

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