UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARIA CRISTINA BRAGA TAGLIAVINI
A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO:
A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE
PEDAGOGIA
SÃO CARLOS - SP
2019
MARIA CRISTINA BRAGA TAGLIAVINI
A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO:
A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE
PEDAGOGIA
Tese apresentada à banca examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFSCar, na linha Filosofia, História e
Sociologia da Educação, como requisito parcial
para a obtenção do título de Doutora em
Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Marisa Bittar.
SÃO CARLOS - SP
2019
Ficha Catalográfica
MARIA CRISTINA BRAGA TAGLIAVINI
Dedico aos meus pais, irmãos e sobrinhos, pelo
sangue que nos une e pela busca do
conhecimento que sempre nos enriquece.
Aos meus colegas de trabalho. São tantos os
trabalhos e muito mais os colegas. Que a
responsabilidade que assumimos fortaleça
nossas lutas por um país melhor.
AGRADECIMETOS
À professora Dra. Marisa Bittar, que acreditou no meu potencial.
Ao meu esposo, Prof. Dr. João Virgílio Tagliavini, por toda a paciência e dedicação
devotada a mim e aos meus sonhos.
O que se opõe de modo excludente à teoria
não é a prática, mas o ativismo.
E o que se opõe de modo excludente à prática
é o verbalismo e não a teoria.
Pois, o ativismo é a ‘prática’ sem teoria
e o verbalismo é ‘teoria’ sem a prática.
Isto é: o verbalismo é o falar por falar,
o blá-blá-blá, o culto da palavra oca;
e o ativismo é a ação pela ação,
a prática cega, o agir sem rumo claro,
a prática sem objetivo.
Portanto, o objeto da Pedagogia é a práxis educativa,
vale dizer, a unidade teoria-prática.
Dermeval Saviani
RESUMO
Esta tese, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
São Carlos, tem por objeto as Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, aprovadas em
2006, a Resolução 1, CNE/CP e a Resolução 2, CNE/CP/2015, que também tratam da formação
de pedagogos. O objetivo da tese é compreender a história da criação e o desenvolvimento dos
cursos de Pedagogia no Brasil, bem como os embates teórico-práticos acerca das diretrizes
curriculares, entre os educadores e especialistas em educação, especialmente na ANPEd,
ANFOPE, ANPAE, ANDES e FORUMDIR. Quanto à tipologia, esta é uma pesquisa histórica,
pois o seu objeto insere-se num tratamento histórico das concepções e das práticas da formação
do pedagogo na história da educação no Brasil. É uma pesquisa bibliográfica e documental, que
busca analisar aquilo que já está produzido em publicações diversas e documentos (Constituição,
Leis, Decretos, Pareceres, Resoluções etc.). Mas é também uma pesquisa empírica, na medida
em que parte da observação proporcionada por toda a minha experiência na área.
Fundamentando-se nos resultados da pesquisa, à luz do conceito marxista de “práxis social” e
educação omnilateral e dos conceitos de Gramsci, em especial, das relações entre o universal e
o particular, de sua concepção historicista da realidade, do trabalho como princípio pedagógico,
e de minha própria experiência de estudante de magistério de Ensino Médio e de Pedagogia e de
profissional da educação, a presente pesquisa aponta os limites das Diretrizes Curriculares, ao
mesmo tempo em que mostra uma alternativa para que esta relação torne-se fecundamente
dialética, formando educadores não apenas instruídos e tecnicamente competentes, mas também
cultos, capazes de formar alunos cidadãos que não sejam passivos, e sim aptos a assumirem
papéis importantes na sociedade, rumo à sua transformação.
Palavras-chave: História da Pedagogia no Brasil. Diretrizes Curriculares da Pedagogia. Teoria
e Prática
ABSTRACT
This thesis, presented to the Graduate Program in Education at the Federal University of São
Carlos, has as object of study the Curricular Guidelines for the major in Pedagogy, approved in
2006, the Resolution 1, CNE/CP and the Resolution 2, CNE/CP/2015, which also deal with
pedagogue education. The aim of this thesis is to understand the history of creation and the
development of Pedagogy majors in Brazil, as well as the theoretical-practical clashes
concerning the curricular guidelines among educators and education specialists, especially in
ANPEd, ANFOPE, ANPAE, ANDES and FORUMDIR. About the typology, this is a historical
research, because it's object of study is inserted into a historical treatment of the conceptions and
practices of the pedagogue education in Brazil's history of education. It is a bibliographical and
documental research, since it seems to analyze what is already produced in different publications
and documents (Constitution, Laws, Decrees, Legal Opinions, Resolutions etc). However, it is
also an empirical research to the extent that it comes from the observation provided by all my
experience in the area. Grounding itself on the results, in the light of the Marxist concept of
"social praxis" and omnilateral education, and the concepts by Gramsci, especially the relations
between the universal and the particular, his historicist conception of reality, of work as
pedagogic principle, and my own experience as a teacher training student in High School,
Pedagogy undergraduate student and education professional, the present research points out the
limits of the Curricular Guidelines while shows an alternative to make this relation become
fruitfully dialectic, forming educators not only instructed and technically competent, but also
cult, able to form citizen students who are not passive but apt to take important roles in the
society, towards it's transformation.
Keywords: History of Pedagogy in Brazil. Pedagogy Curricular Guidelines. Theory and Practice
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Prática Social…………………………………...................................... 78
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Currículo do Curso de Pedagogia (1939) .......................................... 37
Quadro 2 Currículo do Curso de Didática (1939) ............................................. 38
Quadro 3 Currículo do Curso de Pedagogia (1969) .......................................... 40
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Entrevista….…………………………………...................................... 29
LISTA DE ABREVIATURAS
ABE Associação Brasileira de Educação
ACCE Associação Cultural Cristã Espírita
AEC Associação dos Empregados no Comércio
ANDE Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ANDES-SN Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
ANPAE Associação Nacional de Política e Administração da Educação
ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
APEOESP Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBE Conferência Brasileira de Educação
CBPE e CRPEs Centro Brasileiro e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais
CEB Câmara de Educação Básica
CEDES Centro de Estudos Educação & Sociedade
CEFAM Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
CFE Conselho Federal de Educação
CGT Central Geral dos Trabalhadores
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE/CES Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Ensino Superior
CNE/CP Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno
CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
CNTEEC Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de
Educação e Cultura
CONAE Conferência Nacional de Educação
CONAM Confederação Nacional das Associações de Moradores
CONARCF Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação de
Educadores
CONARCFE Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação de
Educadores
CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico
CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação
CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CRUB Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
CUT Central Única dos Trabalhadores
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
EdUFSCar Editora da Universidade Federal de São Carlos
ENADE Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
FASUBRA Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas
Brasileiras
FBAPEF Federação Brasileira das Associações de Profissionais de Educação
Física
FENAJ Federação Nacional dos Jornalistas
FENASE Fundação Evangélica de Assistência Social
FENOE Fundação Nacional dos Orientadores Educacionais
FORUMDIR Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros de Educação ou
Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
IES Instituições de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
ISEs Institutos Superiores de Educação
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PNE Plano Nacional de Educação
PPPs Projetos Político-Pedagógicos
PUC Pontifícia Universidade Católica
SBF Sociedade Brasileira de Física
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEEC Secretaria de Estado da Educação e da Cultura
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESu/MEC Secretaria de Ensino Superior do Ministério de Educação
UBES União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UFSCar Universidade Federal de São Carlos
UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNE União Nacional dos Estudantes
UNICEP Centro Universitário Central Paulista
USP Universidade de São Paulo
14
Sumário
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 15
CAPÍTULO I ........................................................................................................... 19
A PEDAGOGIA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ..................... 19
1. A escola e a formação de professores no Brasil: experiência tardia ........................ 19
2. A escola e a formação de professores na Primeira República ................................. 25
3. O Período Vargas ................................................................................................... 30
3.1. Década de 1930: avanços no campo da educação .............................................. 30
3.2. A criação do Curso de Pedagogia ...................................................................... 33
4. Da Constituição de 1946 ao início da década 1980: a consolidação e as ameaças à
sobrevivência do Curso de Pedagogia ........................................................................ 34
4.1. Os primeiros currículos do Curso de Pedagogia ................................................ 37
4.2. Do Parecer 252/69 à crise do Curso de Pedagogia ............................................. 39
CAPÍTULO II .......................................................................................................... 46
DOS DEBATES DE 1980 ÀS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES DO
CURSO DE PEDAGOGIA ...................................................................................... 46
1. A luta dos educadores em defesa do Curso de Pedagogia ....................................... 46
2. Da Constituição Federal de 1988 à Lei 9.394 de 1996 ............................................ 50
3. Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia ....................................................... 56
CAPÍTULO III ........................................................................................................ 72
DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE PEDAGOGIA: A DIFÍCIL
SUTURA ENTRE TEORIA E PRÁTICA .............................................................. 72
CAPÍTULO IV ....................................................................................................... 103
GRAMSCI E A EDUCAÇÃO DO EDUCADOR ................................................. 103
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 128
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 134
ANEXOS ................................................................................................................ 142
Anexo A. Estudo comparativo entre a proposta de diretrizes do CNE e proposta da
ANFOPE ................................................................................................................. 142
ANEXO B. Resolução CNE-CP nº 1 - 2006 ............................................................. 148
ANEXO C. Reexaminado pelo parecer CNE/CP Nº 3/2006...................................... 156
ANEXO D. Roteiro básico das entrevistas e questionário ......................................... 185
15
INTRODUÇÃO
A pesquisa tem como objeto as Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, definidas
nos Pareceres CNE/CP Nº 5/2005 e Nº 3/2006, na Resolução CNE/CP Nº 1/2006 e Resolução
2, CNE/CP/2015, e fundamenta-se na análise da relação entre a teoria e a prática, à luz da leitura
de Gramsci.
No que se refere à tipologia, pode-se dizer que esta é uma pesquisa histórica, pois o seu
objeto insere-se num tratamento histórico das concepções e das práticas da formação do
pedagogo na história da educação no Brasil. É uma pesquisa bibliográfica e documental, que
busca analisar aquilo que já está produzido em publicações diversas e documentos (Constituição,
Leis, Decretos, Pareceres, Resoluções etc.). Mas é também uma pesquisa empírica, na medida
em que parto da observação proporcionada por toda a minha experiência na área.
O ponto central da pesquisa empírica foi o contato com alguns pedagogos no
questionamento da possível relação entre teoria e prática. Depois de uma leitura crítica das
diretrizes do curso de Pedagogia à luz dos textos de Gramsci, foram realizadas entrevistas com
esses profissionais da educação, fundamentais para o aprofundamento da análise do objeto
central da tese. O contato com os entrevistados possibilitou uma aproximação da realidade
concreta, pois permitiu trazer o inédito, o ainda não pronunciado, dando voz aos protagonistas
do objeto da pesquisa. Nesse sentido, não bastava apenas uma leitura acadêmica de textos
acessíveis a todos os leitores. Era preciso trazer algo novo, inédito: como os pedagogos, que
atuam na prática educativa1, estabelecem (ou não) a relação entre teoria e prática e que tipo de
relação se deu na sua formação e, posteriormente, na sua atividade profissional. Há uma
preocupação com a pesquisa qualitativa, mais centrada nos conceitos, nas definições, na
capacidade de análise e compreensão dos fenômenos apresentados, mas também quantitativa,
considerando a sua importância no desvelamento da realidade concreta.
1
Esses pedagogos serão descritos mais adiante.
16
Na definição do referencial teórico, a opção por Antônio Gramsci se deu, principalmente,
em razão das leituras iniciadas no mestrado, sob a orientação de Paolo Nosella, na Universidade
Federal de São Carlos, e nas análises feitas no Programa de Doutorado em Educação na
Universidade de Campinas. Os debates das análises gramscianas da educação mostraram-se
muito fecundas para a compreensão do tema desta tese. Foi, portanto, essa proximidade com os
textos de Gramsci, principalmente no período do mestrado, que me motivaram na escolha do
referencial teórico, especialmente as relações entre o universal e o particular, sua concepção
historicista da realidade, e o trabalho como princípio pedagógico, temas muito caros ao filósofo
italiano.
Depois de algumas tentativas diferentes, a tese ficou estruturada da seguinte forma: no
primeiro capítulo, foi trabalhado o referencial teórico que servirá de base para o estudo e a
sistematização do histórico do curso de Pedagogia no Brasil e dos debates, aprovação e
implantação das diretrizes curriculares do curso, analisados no segundo e no terceiro capítulos,
bem como ao estabelecimento da relação entre teoria e prática nos documentos e na formação
dos pedagogos, desenvolvida na quarto capítulo.
O segundo capítulo discute a criação, implantação e desenvolvimento dos cursos de
Pedagogia, revisitando a história da educação brasileira no que diz respeito à formação dos
pedagogos, com ênfase no século XX, principalmente a partir de 1939, quando foi criado o
primeiro curso na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. O período analisado vai até o final
da década de 1970, quando o curso passa por uma grande crise, tendo sido quase extinto pelas
indicações aprovadas no Conselho Federal de Educação.
O terceiro capítulo analisa debates e o movimento de educadores na década de 1980, em
defesa da Pedagogia, passando pela Constituição de 1988, a LDB de 1996 e as Reformas dos
anos 90, até chegar à aprovação das Diretrizes definitivamente em 2006. É um capítulo que
mostra a vitória dos educadores, por meio de suas entidades representativas, nos embates teórico-
práticos em que visões de mundo, de política e de formação disputavam hegemonia com o intuito
de impor a própria visão de formação de pedagogos. Prevaleceu a ideia de um curso de
Pedagogia, em nível superior, para formar tais profissionais. Tendo como foco a relação entre
teoria e prática nas diretrizes curriculares nacionais do curso de Pedagogia, o terceiro capítulo,
apresenta o problema central da tese e tenta responder à seguinte indagação: as diretrizes
curriculares dão conta de responder ao desafio de formar o pedagogo na perspectiva da práxis
17
ou não conseguem estabelecer uma relação fecunda e formadora entre a teoria e a prática? A
hipótese de trabalho, a partir das primeiras leituras e da experiência como aluna, professora e
coordenadora de curso de Pedagogia é a de que se estabeleceu uma relação dicotômica e externa
entre os termos e a realidade e não uma relação dialética.
No quarto capítulo, são apresentadas algumas considerações sobre as leituras de Gramsci
que contribuíram na abordagem do objeto de pesquisa. Parte-se da terceira tese de Marx sobre
Feurbach, de que o educador também precisa ser educado2. Essa análise está desenvolvida neste
capítulo, embora esteja presente também no primeiro e segundo capítulos. O estudo foi feito a
partir da leitura crítica dos textos de Gramsci, principalmente, dos Cadernos3 Especiais 11, 12 e
22, cuja escolha decorreu da importância que tais textos tiveram nos meus estudos de mestrado,
e à utilização que se faz deles em diversas pesquisas na área da educação. As principais
referências teóricas que fundamentaram a presente tese foram: O princípio educativo em
Gramsci, americanismo e conformismo (2008), de Mario Alighiero Manacorda; A escola de
Gramsci, Caderno Cedes especial 70 (2006), e Gramsci, Intelectuais e a Educação, de Paolo
Nosella; além de textos de Carlos Nelson Coutinho, autor da obra Gramsci4 e responsável por
importantes projetos editoriais sobre esse pensador italiano, como, por exemplo, as edições
críticas, comentadas, dos Cadernos do Cárcere,.
Após as referências bibliográficas, foram incluídos nos anexos os Pareceres CNE/CP
05/2005 e CNE/CP 03/2006, a Resolução CNE/CP 01/2006, aprovada em 15 de maio de 2006,
que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, modalidade
licenciatura; a Resolução 2/2015 CNE/CP, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para
graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
Diante das reflexões feitas, o trabalho mostra que os cursos de Pedagogia, que nasceram
apenas no final da primeira metade do século XX, passaram por crises que levaram à sua quase
extinção até se consolidarem, atualmente, como formadores de grande categoria de profissionais:
professores da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental; gestores da
educação em ambientes escolares e não-escolares; pesquisadores, orientadores, coordenadores e
2
Marx mesmo responde que o educador é educado na práxis revolucionária.
3
Refiro-me aos Cadernos do Cárcere.
4
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre: L&PM, 1981.
18
supervisores educacionais; críticos e criadores de materiais didáticos, dentre outros. Isso se deve
a uma vitória dos educadores nos embates sobre as características e as finalidades do curso de
Pedagogia. Apesar de todo o avanço nas conquistas da comunidade acadêmica, as Novas
Diretrizes Curriculares não foram capazes de dar conta de um dos elementos mais importantes
na formação dos educadores: uma adequada e produtiva relação entre teoria e prática, que se
tornou mais dicotômica do que dialética.
Além das reflexões teóricas e históricas, da análise dos documentos que regem a prática
docente e da pesquisa feita com os pedagogos, minha experiência docente, que será elencada ao
5
longo da tese, contribuiu para o desenvolvimento do presente trabalho pois a partir dela a
análise do objeto da pesquisa foi feita de forma mais reflexiva.
Esta tese é uma proposta para o debate acadêmico, feita com o intuito de possibilitar uma
nova relação entre a teoria e a prática na formação do pedagogo, uma relação não em sentido
empírico ou abstrato, mas no sentido do concreto, segundo a perspectiva do materialismo
histórico dialético, como se verá com mais detalhes no corpo da tese.
5
Minha experiência está mais detalhada no item 5 do Capítulo III.
19
CAPÍTULO I
A PEDAGOGIA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
1. A escola e a formação de professores no Brasil: experiência tardia
Os debates em torno das diretrizes curriculares do curso de Pedagogia são melhor
compreendidos quando colocados no contexto histórico que lhes deu origem. A criação dos
cursos de Pedagogia, assim como da universidade brasileira, são experiências tardias em relação
aos outros países da América Latina, de colonização espanhola, pois aconteceram apenas no
século XX. Há, portanto, uma tradição que se iniciou, mas que precisa ser consolidada.
Os estudos da Constituição Federal, das leis, decretos, portarias, pareceres, resoluções,
diretrizes etc. permitem conhecer a trajetória dos cursos de Pedagogia. Toda a resistência dos
educadores, organizados em suas associações, com suas propostas alternativas, possibilita
adentrar as críticas e questionamentos das determinações legais determinadas e/ou assumidas
pelo Ministério da Educação. Ambas só adquirem um sentido histórico na medida em que forem
compreendidas nas lutas travadas no interior de um determinado modo de produção.
A intenção é que o tema seja compreendido a partir do conceito de historicismo em
Gramsci, segundo entendimento que se tem de suas posturas teórico/práticas. Citando Florestan
Fernandes, na apresentação do livro Educação Negada, Buffa e Nosella (1997, p. 10) logo
declaram: “[...] somos todos uma imensa senzala das nações capitalistas centrais... coube aos
senhores e seus descendentes preservarem, como requisito de seus privilégios, a mentalidade da
submissão passiva ao colonizador – do qual se tornam reflexo e fantoche”. A educação e a
formação do pedagogo não vêm do céu à terra, anunciadas pelos anjos, como frutos de um saber
metafísico; tudo é construído no chão das relações materiais, na história do Brasil. Em país
moldado no patrimonialismo, onde a posição social e o privilégio tomam o lugar dos direitos, a
20
educação não é exceção. Para manter privilégios, pratica-se a exclusão, contra a qual Anísio
Teixeira (1967) lança o brado: Educação não é privilégio6. Nesse contexto, pergunta-se: qual o
papel da educação (escolar) na constituição do Brasil?
Um país que até o final do século XIX viveu sob a marca da escravidão, da monocultura,
com exploração intensiva do trabalho manual, com forças produtivas arcaicas, comandado por
retrógradas forças latifundiárias que davam suporte a um Estado centralizado no Império, só
muito tarde preocupou-se com a universalização do conhecimento, sonho iluminista do século
XVIII na Europa, embora também lá não tenha se tornado realidade para todos.
Com coloração política nacionalista, mas inserido numa economia dependente, só
periférica e subalternamente integrada ao mercado externo, a classe hegemônica não precisou se
preocupar com a escola dos filhos dos trabalhadores. As elites formavam-se para o mando, nas
poucas e boas escolas existentes, enquanto os filhos dos trabalhadores, desde cedo, ingressavam
no trabalho manual de caráter pouco produtivo.
Se não houve preocupação com a universalização da educação básica, tampouco houve
um investimento significativo na formação de educadores. Só no final da primeira metade do
século XX é que serão implantadas (ainda que timidamente) políticas voltadas para esse objetivo.
Mas, no final do século XX e início do XXI, a formação de professores e a reformulação
do curso de Pedagogia têm se constituído nos temas de grandes debates entre os educadores e de
direcionamento de regulamentações pelas políticas públicas. O pensamento ingênuo de que para
ser professor basta ter sido aluno, acrescido de bom nível de escolaridade universitária, um pouco
de desinibição e prática de oratória, tem cedido lugar à compreensão de que se trata de um
processo complexo e que requer consistência na condução de suas ações curriculares, bem como
políticas públicas que criem condições para sua efetivação. O curso de Pedagogia caracteriza-se
historicamente pela incessante busca de sua própria identidade e manutenção de sua existência.
É a constituição do locus próprio da Pedagogia no Brasil, como ciência da educação e formação
do pedagogo.
Os apontamentos de Dermeval Saviani (2008, p. XII-XIII) dão um bom suporte para a
reconstituição da trajetória da Pedagogia no Brasil, ao apresentar os resultados de sua pesquisa
6
A obra de Teixeira (1967), Educação não é privilégio, é fruto de um conjunto de conferências e textos do autor
publicados nas décadas de 1950 e 1960, em defesa da ampliação e universalização da escola primária. A citação
completa está nas referências bibliográficas.
21
sobre o tema em duas partes: um enfoque histórico que se centra na constituição do espaço
acadêmico da Pedagogia no Brasil e a Pedagogia como teoria da educação no âmbito das
principais concepções educativas. A Pedagogia é apresentada pelo autor em íntima relação com
a prática educativa, constituindo-se como teoria ou ciência dessa prática. Embora o termo
Pedagogia tenha origem na Grécia antiga, seu uso só será generalizado, no sentido atual de
problemática pedagógica, a partir do século XIX, “para designar a conexão entre a elaboração
consciente da ideia da educação e o fazer consciente do processo educativo”, conforme assinala
Saviani (2008, p. 6). Após demonstrar que, na história geral da educação, a Pedagogia esteve
vinculada à filosofia e, depois, já no século XIX, às ciências, como a psicologia e a sociologia,
afirma que foi no século XX que ela adquiriu autonomia.
Embora tenha havido iniciativas da Igreja Católica (o Ratio Studiorum, dos jesuítas –
1599; o Guia das Escolas Cristãs, de João Batista de La Salle – 17067 e, no Brasil, a do padre
Alexandre de Gusmão (séculos XVII-XVIII), com A arte de criar bem os filhos na idade da
puerícia8) ou iniciativas dos reformados, como Comênio, por exemplo, (com sua Didáctica
Magna - 1638 e várias outras obras), até mesmo a Europa ainda feudal, centrada na produção
agrária, não sentia necessidade de educar o povo. Os artesãos aprendiam fazendo. Foi só com o
desenvolvimento da ciência, da técnica, da revolução industrial e das revoluções burguesas que
se fez sentir a necessidade de instruir a população, embora ainda de maneira muito limitada,
tanto em relação ao conteúdo ensinado quanto ao universo de cidadãos atendidos pelo incipiente
sistema educacional. Desse modo, a educação para o povo torna-se uma realidade muito tardia,
inclusive nos países centrais da revolução industrial.
E, mesmo assim, a educação infantil surge, em primeiro lugar, na primeira metade do
século XIX, como um lugar para cuidar das crianças, um “jardim da infância”, o Kindergarten,
implantado pelo pedagogo alemão Friedrich Wilhelm August Fröbel, que entendia que as
crianças eram como sementinhas que necessitavam de cuidados. Com esse mesmo espírito e
propósito, nasceram também muitas escolas para os pobres, ligadas à Igreja Protestante ou
7
Esta é a data do manuscrito do Guia dirigido aos Irmãos das escolas cristãs, os Lassalistas. La Salle instituiu em
Reims, França, em 1684, a primeira escola de formação de professores com o nome de Seminário dos mestres. O
texto consultado é uma tradução feita pelos irmãos lassalistas Albano Constâncio e Henrique Justo [mimeo]. O
original pode ser consultado em:
http://www.delasalle.qc.ca/documents/107/conduite_des_ecoles.pdf.
8
Consultar Dissertação de Aline de Cássia Damasceno Pereira, intitulada Aspectos da Pedagogia no século XVII:
um estudo comparativo entre João Amós Comênio e Alexandre de Gusmão, defendida no Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFSCar, São Carlos, 2008. [Biblioteca Comunitária UFSCar]
22
Católica, como as “Escolas Cristãs”, criadas por João Batista de La Salle, na passagem do século
XVII para o XVIII.
No Brasil, a educação, que se insere de maneira subalterna e dependente no sistema
capitalista mundial, será também objeto de preocupação muito periférica. A primeira Pedagogia
foi a dos povos autóctones, cuja cultura e, consequentemente, as práticas educativas, só se podem
conhecer pelos estudos antropológicos, tardios entre nós. Os primeiros colonizadores que
tiveram contato com eles os viram como inferiores, objetos de um esforço de civilização e de
conversão ao cristianismo. Sua cultura, portanto, foi desconhecida, ou só foi levada em conta
para servir de suporte e veículo para a transmissão da cultura dos brancos europeus, como fez o
padre jesuíta José de Anchieta, ao aprender sua língua e escrever sua gramática. Embora tenham
vindo alguns padres franciscanos com Pedro Álvares Cabral, como frei Henrique Soares de
Coimbra, que celebrou a primeira missa no Brasil, todos eles logo seguiram viagem para as
Índias. Sangenis, depois de manifestar o seu espanto em relação ao desaparecimento dos
franciscanos da história da educação no Brasil, entre a primeira missa celebrada por frei
Henrique, um frade da ordem de São Francisco, e a chegada dos primeiros jesuítas, apenas em
1549, cita trecho de Tavares9 e conclui:
Antes da vinda do primeiro governo já atuavam religiosos nas capitanias, mas
individualmente, sem elo da organização e da disciplina hierárquica. Deixando
de considerá-los, portanto, como início da ação da Igreja Católica no Brasil,
ficamos com os autores que datam esse começo do desembarque dos primeiros
padres da Companhia de Jesus e da criação do bispado de Salvador pela Bula
do Papa Júlio III, Super Specula Militantis Ecclesias (25 de fevereiro de 1550).
(SANGENIS, 2006, p. 29s)
E quem são esses religiosos avulsos sem elo da organização e da disciplina hierárquica
senão os franciscanos que, no Brasil, se estabeleceram desde os primeiros anos da colonização?
Por isso, há grande surpresa quando temos a notícia de que a primeira escola do Brasil
foi fundada pelos franciscanos Frei Bernardo de Armenta e Frei Alonso Lebron, em Mbyaçá,
Laguna dos Patos, Santa Catarina, no ano de 1538, portanto onze anos antes da chegada de
Nóbrega e de Anchieta. Não se trata de acontecimento desconhecido dos cronistas e dos
historiadores. No entanto, por questões de nacionalidade (o que, hoje, torna-se injustificável) -,
9
Trata-se da obra O primeiro século do Brasil: da expansão da Europa Ocidental aos governos gerais das terras do
Brasil, de Luís Henrique Dias de Tavares, editado pela Edufba, Salvador, 1999.
23
tratava-se de frades castelhanos a serviço da Coroa espanhola –, seu trabalho não foi considerado
como ação missionária/educativa pertencente ao ciclo lusitano-brasílico.
Diz ainda Sangenis, em tese na qual permite superar o pensamento único que exalta
apenas a presença jesuítica no Brasil, que o próprio Nóbrega, em carta datada de 1549, fala do
trabalho dos franciscanos entre os índios Carijós.
Esse pensamento único está tão arraigado que Saviani, mesmo tendo feito comentários à
tese de Sangenis e reconhecido em outros trechos de sua obra a importância dos franciscanos
nos primeiros cinquenta anos de colonização, repete a tese de Fernando de Azevedo10, segundo
a qual a história da educação brasileira se inicia em 1549 com a chegada desse primeiro grupo
de jesuítas, e é assim que ele faz a sua periodização. Depois de falar da chegada dos primeiros
jesuítas na companhia do primeiro governador geral, Saviani assume que “Por essa razão
considera-se que a história da educação brasileira se inicia em 1549 com a chegada desse
primeiro grupo de jesuítas” (SAVIANI, 2007, p. 26).
Segundo Saviani (2008, p. 4s), embora a Pedagogia como campo científico tenha sido
uma realidade tardia no Brasil, como problemática ela existe desde os primeiros colonizadores,
acompanhados pelos padres franciscanos e depois pelos jesuítas.
Feitas as devidas ressalvas, foram os jesuítas que, até por uma questão também de
financiamento público11, tiveram a hegemonia da educação no Brasil, desde a chegada de seus
primeiros padres, em 1549, até sua expulsão, em 1759, pelo marquês de Pombal, que impôs
reformas no Estado e na educação.
Saviani (2008, p. 13) diz que havia uma Pedagogia no Ratio Studiorum, assim como
havia uma Pedagogia pombalina, mas em nenhuma dessas situações aparece o termo Pedagogia.
Este fará sua entrada apenas nas discussões do Parlamento do Brasil independente, em 1826,
quando um projeto de lei de ensino apresentado por Januário da Cunha Barbosa 12, ao se referir
aos conhecimentos do ensino elementar, utiliza o termo Pedagogias, como se pode ler em
10
Conferir Fernando de Azevedo, A cultura brasileira, p. 247. A vinda dos padres jesuítas, em 1549, não só marca
o início da história da educação no Brasil, mas inaugura a primeira fase, a mais longa dessa história, e, certamente,
a mais importante pelo vulto da obra realizada e sobretudo pelas consequências que dela resultaram para nossa
cultura e civilização.
11
Em 1564, a Coroa Portuguesa adotou o sistema da redízima, pelo qual 10% de todos os impostos arrecadados na
Colônia eram destinados à manutenção dos colégios jesuíticos.
12
No Art. 1º do TÍTULO II do Projeto, o termo Pedagogias (assim mesmo no plural) refere-se ao 1º grau de
escolaridade: “Nestas escolas se comprehenderão: a arte de lêr e escrever, os princípios e regras fundamentaes da
aritimética, e os conhecimentos moraes, phísicos e economicos, indispensáveis em todas as circunstâncias”
(CASAGRANDE, 2006, p. 143).
24
Casagrande (2006, p. 143). A lei13 promulgada em 15 de outubro de 1827 por D. Pedro I, que
poderia ser chamada de primeira lei da educação no Brasil, não utiliza ainda o termo Pedagogia
e sim instrução pública. É verdade que essa lei propõe um método, o tutorial mútuo, ou,
lancasteriano14, mas não uma reflexão pedagógica sobre a educação.
O projeto dessa lei de 1827 de criar escolas de primeiras letras15 em todas as cidades,
vilas e lugares populosos (art. 1º), pelo governo central do Império, foi logo estancado pelo Ato
Adicional de 1834, vitória dos liberais em favor de uma monarquia federativa16, que
descentralizou as obrigações em relação a este nível de educação, deixando-as sob a
responsabilidade das províncias. Foi a província do Rio de Janeiro que instituiu a primeira Escola
Normal do país, em Niterói, no ano de 1835, com o objetivo de formar seus professores. Em São
Paulo, a criação se deu em 1846, e até o final do século XIX praticamente todas as grandes
capitais de província tinham sua Escola Normal. Mas isso não significou muito em termos de
formação efetiva do quadro de professores. No dizer de Isabel Raposo (2000, p. 33):
Na década de 1860 eram seis escolas em todo o país, localizadas nos centros
mais populosos das regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Mas todas se
caracterizavam pela pouca organização e pela falta de recursos e de pessoal
qualificado. A maioria fracassou. Já a escola normal oficial da capital do
Império, que teoricamente deveria ter servido de modelo, só seria criada em
1881 no molde das províncias. O que é explicável, já que ali as energias se
concentravam no ensino superior. O principal motivo que levou ao fracasso
dessas escolas foi, além da falta de professores, a ausência de alunos. O hábito
de mandar os pequenos17 para a escola não se instalara, e a carreira do
magistério não tinha atrativos. Quanto ao conteúdo do ensino normal, de nível
secundário e com duração de dois ou três anos, não passava de um curso de
humanidades de “segunda categoria”. Não ensinava nada que contribuísse para
o exercício do magistério na escola elementar e nada dispunha sobre o conteúdo
desse tipo de instrução. Assim como no ensino secundário regular, seu
programa limitava-se a disciplinas abstratas e descritivas, destituído de
13
Essa lei determinava, em seu Artigo 1º, que “Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as
escolas de primeiras letras que forem necessárias” (sic). Conferir Cury (2005, p. 232).
14
Método difundido por Joseph Lancaster (1778-1838), que previa a ação de alunos tutores (agindo como
multiplicadores), na tarefa de manter a disciplina e de repetir as lições para os colegas.
15
Art. 6o da lei de 1827 define o objeto de ensino nessas escolas: “Os professores ensinarão a ler, escrever, as
quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria
prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica
romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a
História do Brasil” (CURY, 2005, p. 232).
16
Com a ausência do poder imperial (D. Pedro I abdicara em 1831 e D. Pedro II, ainda criança, só assumiria o trono
em 1840, com 15 anos incompletos, no chamado “golpe da maioridade)”.
17
Os “pequenos” eram, certamente, as crianças em idade escolar, entre 6 e 8 anos, idade em que se costumava
iniciar a educação formal.
25
qualquer formação instrumental ou prática do magistério. Mas, enfim, ainda
que de modo precário, o Império acabaria legando à República escolas para a
formação de professores em quase todos os Estados da Federação.
A formação de professores só ganha corpo na Reforma Leôncio de Carvalho, na qual
aparecem o substantivo Pedagogia e o adjetivo pedagógico18, pelo menos uma vez cada. O
Conselheiro Leôncio de Carvalho (1847-1912), ocupante da Pasta dos Negócios do Império,
realiza, pelo Decreto de 19 de abril de 187919, uma reforma da instrução pública primária e
secundária no Município da Corte e do Ensino Superior em todo o Império, que, embora
sinalizando para o método de Ensino Intuitivo, preserva a liberdade para expressar as próprias
ideias, para ensinar as doutrinas que julgar verdadeiras, pelos métodos que cada um achar
melhor. Mantém as matrículas avulsas e a liberdade de frequência às aulas no Colégio Pedro II.
Essa reforma ensejou os famosos Pareceres de Rui Barbosa, importantes para a história da
educação no Brasil, mas que não lograram êxito de implantação.
Sabe-se que até o final do Império a instrução primária e secundária20, além de acontecer
no Colégio Pedro II, se deu: em aulas régias, cujos professores eram nomeados e recebiam
alguma ajuda financeira do governo; em escolas em regime de internato e seminários mantidos
pelos religiosos; em escolas de fazendas dirigidas por professores ou preceptores contratados
pelos proprietários, como a experiência relatada pela educadora alemã Ina von Binzer (2004),
no livro intitulado Os meus romanos. O século XX que, para a educação, começa com as
primeiras reformas republicanas do final do século XIX, é o que mais nos interessa para a
compreensão da criação dos cursos de Pedagogia.
2. A escola e a formação de professores na Primeira República
18
Art. 8º, inciso 10: “Fundar ou auxiliar bibliotecas e museus pedagógicos nos lugares onde houver escolas
normais”; parágrafo 1º do Art. 9º: “[...] Pedagogia e prática de ensino primário em geral [...]”, são fixados como
parte do currículo da Escola Normal. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/a-instrucao-e-o-imperio-
2-vol/pagina/142/texto. Acesso em: 20 out. 2010.
19
Decreto de 19 de abril de 1879. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/ edicoes/34
/doc01a_34.pdf. Acesso em: 15 nov. 2011.
O Histedbr mantém uma página com acesso aos documentos sobre o Ensino Primário no Brasil.:
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/referencias_documentais/Solange%20Zotti%20-
%20ref_doc1.htm.
20
Expressões utilizadas no Decreto Nº 1.331 A, de 17 de fevereiro de 1854, conhecido como Reforma Couto Ferraz.
A reforma Leôncio de Carvalho, proposta no Decreto nº 7.247 de 1879, trata esse nível de educação como ensino
primário e ensino secundário. (idem)
26
A República é responsável por uma ampla reforma na educação. Se o método do Império
foi o tutorial mútuo, o da República, pelo menos nos seus primeiros anos, será o intuitivo ou das
lições de coisas21. Segundo Valdemarin (2006, p.105ss), o método intuitivo tem suas raízes no
empirismo clássico de Francis Bacon e John Locke, para quem o conhecimento se inicia na
observação do mundo e na experimentação, com o objetivo do estabelecimento de leis que
permitam dominar a natureza. O método intuitivo, ainda segundo a autora, segue a mesma lógica,
fornecendo aos alunos um contato com as coisas, com a natureza, levando-os ao conhecimento
por um processo de indução. Valdemarin (2006, p. 116) assim resume o método intuitivo:
Esses procedimentos, que têm por objetivo o desvendamento do mundo, são
evidenciados no âmbito pedagógico e, mais precisamente, no âmbito da
escolarização, sendo possível traçar uma linha histórica da modernização dos
métodos de ensino, assinalando sua origem epistemológica no empirismo e seu
desdobramento educacional nas obras de Comenius, Pestalozzi, Froebel e
Spencer, por exemplo, até chegar à sua depuração nos manuais de ensino em
questão [a autora se referiu anteriormente ao manual de Calkins, Primeiras
lições de coisas]. Para sua transformação em instrumento pedagógico, o
método de ensino é sintetizado num repertório de regras comuns, simplificadas,
que podem ser entendidas, memorizadas e repetidas por todos os leitores
(professores) para que participem, mesmo que discursivamente, das inovações
pretendidas. A complexa fundamentação sobre a teoria do conhecimento é
sintetizada nas seguintes regras: o conhecimento do mundo material advém dos
sentidos; o processo de ensinar “parte do simples para o complexo; do que se
sabe para o que se ignora; dos fatos para as causas; das coisas para os nomes;
das idéias [sic] para as palavras; dos princípios para as regras” (Calkins, 1950,
p. 31); à educação escolar compete o desenvolvimento adequado das
faculdades do entendimento; o conhecimento deve causar prazer às crianças.
Se o método de ensino da República foi o intuitivo, a grande âncora da reforma, em
termos de infraestrutura, serão os Grupos Escolares, cuja arquitetura e organização permitem o
ensino seriado, a utilização racional do tempo e o controle sistemático do trabalho dos
professores.
21
Primeiras lições de coisas: manual de ensino elementar para uso dos pais e professores, de Allison Norman
Calkins (*Gainsville, Estado de N. York, 1822). Trabalho inspirado em Pestalozzi, publicado pela primeira vez em
1861 para orientar a prática dos professores - em 20 anos teve mais de 40 edições. Foi traduzido por Ruy Barbosa,
em 1882, com base na 40ª edição, e publicado em 1886 pela Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. Pode ser
encontrado em Obras completas de Ruy Barbosa, Vol. XIII, Tomo I, publicado pelo Ministério da Educação e
Saúde, em 1950. Sobre o tema há um estudo da professora Vera Teresa Valdemarin intitulado Estudando as lições
de coisas: análise dos fundamentos filosóficos do Método de Ensino Intuitivo, publicado por Autores Associados,
Campinas, em 2006.
27
O modelo das reformas da educação em geral e, em especial, da formação de professores
partirá do Estado de São Paulo. Alguns líderes políticos paulistas sentem que já é tempo de
superar o Brasil arcaico oligárquico. Como diz Maria Luiza Marcílio (2005, p. 137):
Antes mesmo da Proclamação da República, liberais, positivistas, republicanos
históricos de São Paulo defendiam uma reforma do ensino paulista para acabar
com o atraso e a incompetência reinantes. “O Estado da instrução pública na
província de São Paulo é padrão de vergonha – afirmava Rangel Pestana -,
muitos reconhecem, mas bem poucos sentem-se dispostos a combater o mal
porque é preciso arcar com interesses de política pessoal. Mas a inércia e a
rotina impediram ações mais corajosas”. E prosseguia o redator do jornal A
Província de São Paulo, em 1885: “Os coronéis, os assessores dos coronéis, os
companheiros e os chefes dos coronéis, não querem quebrar a máquina que os
habilita a fazerem de um ignorante, mestre; de um devasso, educador; de um
analfabeto, professor ou inspetor literário”22.
A Reforma Republicana Paulista da Educação foi aprovada em 1892 e, já em 1895, foi
inaugurado o seu primeiro Grupo Escolar, no Brás, com projeto de Ramos de Azevedo.
Importante para o objeto deste capítulo, que é a constituição do campo da Pedagogia no Brasil,
é observar com Marcílio (2005, p.139-140) que:
O ensino primário deveria seguir o método do ensino intuitivo, com sala
apropriada para os trabalhos manuais e objetos e aparelhos necessários para
esse método. Haveria ainda, para uso e instrução do professor, em cada escola
primária, uma biblioteca escolar, com manuais modernos de ensino etc. (art.
7º). Anexo à Escola Normal da capital, seria criado um curso superior com
duração de dois anos e dividido em duas seções: científica e literária, que
prepararia professores para o ginásio e para as Escolas Normais primárias. Em
todas as escolas haveria uma seção especial denominada “Seção das Caixas
Escolares”, para recolher poupanças de alunos que, depositadas nas Caixas
Econômicas do Estado, seriam utilizadas para ajuda de alunos pobres na
compra de calçados, vestuário e de material escolar. Criava-se o recenseamento
escolar. [...] A Escola Normal da capital, como queria a lei 88, de 1892, seria a
Escola Normal Superior para formar professores para as escolas
complementares, para as Escolas Normais primárias do interior e para o
Ginásio. Essa Escola Normal nunca foi implantada23. As demais Escolas
Normais deveriam ter, para ambos os sexos, escolas-modelos para aplicação de
método do ensino intuitivo e para a prática de ensino do normalista.
22
Segundo nota de Marcílio, embora não cite a página, trata-se da edição de 5/11/1885 do Jornal A Província de
São Paulo, que depois se tornou O Estado de São Paulo.
23
A questão da formação do professor em nível superior só foi retomada no Estatuto das Universidades Brasileiras
(Decreto 19.851/1931) que previa, entre os cursos necessários para se constituir uma Universidade, o de Educação,
Ciências e Letras. O estatuto pode ser acessado em: http://www.scribd.com/doc/34646501/Decreto-19851-1931-
Estatuto-Da-Universidade.
28
Com essas inovações estabelece-se, de forma mais clara que em todos os períodos e
reformas anteriores, a preocupação com a formação didático-pedagógica dos professores, que
passa, então, a contar com espaços próprios, métodos, escola de aplicação etc. 24. Com isso, São
Paulo torna-se modelo, recebe missões de educadores de outros Estados e influencia as reformas
no Brasil.
As reformas não são feitas por leis ou decretos. Se assim fosse, daríamos conta apenas
das leituras oficiais da realidade. As coisas nem sempre acontecem como estão no papel.
Tomemos por base uma escola do Estado de São Paulo.
Em São Carlos, no interior do Estado, essa Reforma tomou corpo na criação da Escola
Normal de São Carlos, em 1911, que depois se tornou Instituto de Educação e mereceu pesquisa
cuidadosa feita por Paolo Nosella e Ester Buffa e que resultou no livro Schola Mater: a antiga
Escola Normal de São Carlos, publicado pela EdUFSCar25. Bastante críticas em relação aos
objetivos dessa escola, Nosella e Buffa (1996, p. 16) concluem que:
[...] o prestígio da velha Escola Normal não decorria da formação do professor
e de seu engajamento no magistério e sim do rigor dos estudos de cultura geral
necessária à formação e à distinção dos dirigentes da sociedade tradicional.
Outra conclusão é que a velha Escola Normal vivia e reproduzia um clima
cultural marcado por uma ruptura profunda com o trabalho. [...] Mas, talvez, a
conclusão mais relevante a que chegamos seja a de que a cultura humanística
clássica que informava o currículo dessa Escola tinha por função principal a
distinção social do grupo que a possuía consagrando seu afastamento do
trabalho mecânico e manual. Trata-se do mesmo grupo dominante do período
Imperial que, na República, ainda no centro do poder, apropriava-se da Escola
Normal secundarizando o objetivo de formação profissional e priorizando a
produção e a reprodução de uma cultura geral distintiva para suas filhas. É o
antigo golpe da elite de “privatizar” o público e, por isso mesmo, a República
brasileira acabou sendo uma república mutilada26.
24
Embora aquela Escola Normal Superior não tenha sido implantada, as de nível médio já existiam (Rio de Janeiro,
1835; Minas Gerais, 1840; Bahia, 1841; São Paulo, 1846).
25
Pesquisa da qual participei como monitora da professora Ester Buffa, na disciplina de História da Educação
Brasileira, no Curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos, ano de 1993.
26
Em algumas passagens, os autores falam em formação de meninas ou filhas dos fazendeiros; em outras, dizem
que a escola formava os dirigentes da sociedade. De fato, na escola Normal de São Carlos matriculavam-se homens
e mulheres, embora com grande predominância das últimas. Segundo os autores (NOSELLA; BUFFA, 1996, p.
59s), “ao primeiro exame de suficiência da Escola Normal Secundária (1911) apresentaram-se 144 candidatos,
sendo 110 mulheres e 34 homens. Desses, foram aprovados 42 mulheres e 20 homens. Quatro anos depois,
formaram-se 24 mulheres e 7 homens, ou seja, cerca de 20% dos que prestaram os exames. [...] As mulheres, em
sua maioria, eram filhas de fazendeiros [...] ou de ricos negociantes. Os rapazes pertenciam a grupos sociais menos
favorecidos, pois, os filhos-homens dos fazendeiros dirigiam-se às Faculdades de Direito, Medicina, Engenharia,
no Brasil ou no exterior.” Com o tempo, “O curso Normal e o magistério serão o “destino” escolar/profissional das
29
Aquela promessa de um ensino superior para a formação de professores, feita na reforma
paulista de 1892, e não cumprida, será retomada na década de 1930, momento muito importante
para a história da educação brasileira, por nele terem sido criados o Ministério da Educação e
Saúde Pública, o Conselho Nacional de Educação e a Universidade Brasileira.
Luis Antônio Cunha (1986, p. 198ss), ao falar do estabelecimento tardio da Universidade
no Brasil, faz alusão à criação de algumas universidades passageiras. Por exemplo, a
Universidade de Manaus, que aproveita a riqueza do ciclo da borracha e chega a funcionar, mas
com pouco sucesso, entre 1909 e 1926, quando se dissolveu, fragmentando-se em três
estabelecimentos isolados: Faculdades de Engenharia, Medicina e Direito. Não incluía entre seus
cursos o de formação de professores, mas apenas cursos técnicos profissionalizantes e um de
Ciências e Letras. Dentro do espírito positivista e aproveitando a liberdade concedida pela
Reforma Rivadávia de 191127, surgiu em São Paulo, sob a liderança de Eduardo Guimarães, a
Universidade de São Paulo, com o estatuto de Sociedade Civil28, que não deve ter ido além de
1917, arruinada pela atração dos estudantes para os cursos criados pelo governo do Estado de
São Paulo, que, por razões de ordem política29, queria ver desarticulada aquela iniciativa dos
particulares. Em 1912, foi criada a Universidade do Paraná30, que, embora tendo aprovados os
seus estatutos e iniciadas suas atividades, não foi além da Reforma Carlos Maximiliano que, em
moças mais pobres” (NOSELLA; BUFFA, 1996, p. 68). Talvez, pelo predomínio quase absoluto do número de
mulheres nos cursos normais e, posteriormente, no magistério, os autores acabam feminilizando a referência aos
alunos/as.
27
Trata-se da Reforma promovida pelo Governo Federal (Presidência de Hermes da Fonseca) entre 1911 e 1915,
pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores, o jurista Rivadávia Cunha Correa (1866-1920) que, seguindo
inspiração positivista, propunha o fim do status oficial do ensino, passando as escolas de ensino secundário e
superior à administração de entidades corporativas autônomas, sob a supervisão de um Conselho Superior de
Ensino. A Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental foi aprovada pelo Decreto Presidencial nº 8.659, de
05 de abril de 1911 e se encontra disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/ navegando/ fontes_escritas/
4_1a_Republica/decreto%208659%20-%201911%20lei%20org%E2nica%20rivad%E1via%20correia.htm.
Acesso em: 15 nov. 2011. Sobre essa Reforma, consultar artigo de Carlos Roberto Jamil Cury, publicado em Educ.
Soc., Campinas, v. 30, n. 108, p. 717-738, out. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/es/v30n108/a0530108.pdf.
28
Segundo Cunha (1986, p. 201), “a sociedade foi fundada por vinte profissionais de nível superior (11 médicos, 4
farmacêuticos, 3 dentistas e 2 advogados) que uniram-se a Luiz Antônio dos Santos, denominado “sócio capitalista”.
Eram oferecidos os cursos de Belas Artes, Comércio, Farmácia, Medicina e Cirurgia, Odontologia, Engenharia e
Direito”.
29
Os seus fundadores não eram partidários do governo do Estado de São Paulo, cujos integrantes defendiam o
Ensino Oficial. Com receio de não ter seus diplomas reconhecidos, muitos estudantes se transferiram para as escolas
oficiais.
30
Direito, Engenharia, Farmácia, Odontologia, Comércio e Medicina. O fato de serem oficiais não implica que
fossem gratuitas. A gratuidade era exceção (CUNHA, 1986).
30
1915, com efeito retroativo, impossibilitava a equiparação dos diplomas obtidos nesta
Universidade aos das instituições oficiais.
A história da implantação da universidade brasileira, em especial, dos cursos de formação
de professores, auxilia a compreensão do objeto da pesquisa.
Pelo Decreto Federal 13.343, de 7 de setembro de 1920, assinado pelo presidente da
República Epitácio Pessoa, foi criada a Universidade do Rio de Janeiro, reunindo as já existentes
Escola Politécnica, Escola de Medicina e Escola de Direito, numa primeira experiência bem
sucedida de criação de universidade no Brasil, no dizer de Cunha (1986, p. 211). É importante
observar que não existe nesta experiência uma faculdade de educação. Em 1924, um grupo de
intelectuais, preocupados com a educação no Brasil, criou a Associação Brasileira de Educação
(ABE). Segundo Buffa e Nosella (1997, p. 61),
[...] é sempre oportuno frisar o papel extremamente importante que a ABE teve
na história contemporânea da educação brasileira, por ter, através de reuniões,
conferências e documentos, contribuído para demarcar a autonomia da esfera
educacional. Entre os documentos, o mais famoso é, sem dúvida, o Manifesto
dos Pioneiros da Escola Nova de 1932.
Buffa e Nosella (1997, p. 59ss) denominam o período de 1920 a 1935 de O grande
debate na educação, o que é significativo para o tema da constituição da Pedagogia como ciência.
É importante observar que o primeiro curso de Pedagogia surge logo em seguida, em 1939, na
Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, como veremos adiante com detalhes.
3. O Período Vargas
3.1. Década de 1930: avanços no campo da educação
Na Era Vargas (1930-1945), inicia-se um período de centralização do poder que, apesar
da Constituinte de 1934, culminará no Golpe de Estado de 1937. Getúlio, que fica no poder até
31
1945, diante da nova conjuntura internacional, principalmente com o avanço da indústria,
assume a função de “modernizar” o Brasil. Essa modernização exigia mais educação.
O Decreto Federal 19.852/1931, elaborado pelo ministro Francisco Campos, inclui a
Faculdade de Educação, Ciências e Letras na reorganização da Universidade do Rio de Janeiro,
criada em 1920, definida como modelo para as universidades e institutos equiparados. Embora
o ministro tenha, num primeiro momento, dado a impressão de estar criando uma escola de
estudos desinteressados do ponto de vista profissional, acaba por constituir um instituto de
caráter utilitário e prático, para a formação de professores para o ensino normal e secundário. O
debate em relação à formação de docentes ou de pesquisadores ou outros profissionais da
educação será recorrente na definição dos cursos de Pedagogia até a elaboração das atuais
diretrizes curriculares. Por disputas com o Colégio Pedro II, que reivindicava o direito de formar
professores, o impasse em relação à competência para tal tarefa contribuiu para tornar mais
difícil a trajetória da implantação de uma política e de uma estrutura pertinentes.
Um grande salto em termos de formação do pedagogo é dado com o Decreto Estadual
4.888/1931, elaborado por Lourenço Filho (1897-1970), em São Paulo, que transforma a Escola
Normal de São Paulo (Escola Normal da Praça) em Instituto Pedagógico, inspirado nas ideias
da Escola Nova. As ideias educacionais fervilhavam e se transformavam em propostas concretas
(como o Manifesto dos Pioneiros de 1932), nem sempre realizadas, devido aos tumultuados anos
da Revolução Constitucionalista de 1932, à Constituição de 1934, ao golpe e ao Estado Novo de
1937, à Segunda Guerra Mundial, à queda de Getúlio e à Constituição de 1946 etc. que Lourenço
Filho31 instituiu a Diretoria Geral do Ensino, a Inspeção Médica nas escolas, a Biblioteca
Central, o Museu da Criança, o Serviço de Assistência Técnica e Inspeção Escolar. Passados
apenas dois anos, pelo Decreto Estadual 5.884/1933 de São Paulo, preparado por Fernando de
Azevedo, criou-se o Instituto de Educação, que se compunha de Jardim de Infância, Escola
Primária, Escola Secundária, Centro de Psicologia Aplicada à Educação e Centro de
Puericultura. No mesmo Instituto estava a Escola de Professores, destinada a formar professores
primários (Escola Normal), dar formação pedagógica para professores secundários e
especialização para diretores e inspetores (o que seria praticamente uma Escola Normal
31
Lourenço Filho foi chefe de Gabinete de Francisco Campos, então ministro do recém-criado Ministério da
Educação e da Saúde.
32
Superior). Em 25 de janeiro de 1934, com o Decreto Estadual 6.283, criou-se a Universidade de
São Paulo (USP), à qual é incorporado o Instituto de Educação, criado por Fernando de Azevedo.
Outro passo importante na formação de professores foi dado pelo Decreto 5.513, de 4 de
abril de 1935, da Prefeitura do Distrito Federal, preparado por Anísio Teixeira e assinado por
Pedro Ernesto do Rego Batista (1884-1942)32, que cria a Universidade do Distrito Federal33,
incorporando o Instituto de Educação do Distrito Federal como um dos seus órgãos, tendo por
finalidade prover a formação do magistério, em todos os seus graus (Art. 2º, alínea e). Nessa
Universidade, a proposta de formação de professores ocupava lugar de destaque. No discurso de
inauguração dos cursos, Anísio Teixeira diz que este seria um centro de resistência democrática.
Segundo Cunha (1986, p. 277),
A universidade teria uma importante função a cumprir, a um tempo técnica e
política: a de cúpula do sistema de ensino, onde se formariam e se
aperfeiçoariam os professores e administradores das escolas dos graus
inferiores. Assim concebida, a universidade era definida como tributária do
ensino primário e médio. Ao contrário de Fernando de Azevedo, supondo
possível a civilização com elites instruídas e massas ignorantes, Anísio Teixeira
se apoiou no exemplo de Thomas Jefferson, um dos fundadores dos Estados
Unidos da América, também criador da Universidade de Virgínia. Jefferson
teria declarado, certa vez, que se tivesse de escolher entre fechar escolas de
ensino primário ou escolas de ensino superior, não hesitaria em poupar as
primeiras, tal era a importância atribuída à educação popular na construção da
democracia.
No mesmo ano de 1935, Anísio Teixeira, acusado de ser comunista34, perseguido por
Vargas, deixa a Instrução Pública Carioca35, sua universidade de educação, que será incorporada
32
Pernambucano, por imposição dos tenentes, foi nomeado prefeito-interventor do então Distrito Federal, sendo
aclamado Prefeito em 1935, por ter sido eleito o Vereador mais votado do Partido Autonomista que conquistara 18
das 20 cadeiras da Câmara do DF. Com o auxílio de Anísio Teixeira promoveu a educação no Distrito Federal.
33
Sobre a Universidade do DF, consultar: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-
37/RadicalizacaoPolitica/UniversidadeDistritoFederal. Acesso em: 30 nov. 2011.
34
Ligou-se o nome de Anísio Teixeira ao levante comunista de novembro de 1935. O Prefeito do Distrito Federal,
Pedro Ernesto, viu-se obrigado a demiti-lo em dezembro de 1935. Depois o próprio Pedro Ernesto acabou sendo
preso.
35
Em carta a Pedro Ernesto, Anísio reafirma confiar que a educação e não o uso da violência é capaz de melhorar
a realidade. “Lavro contra tal suspeição o meu protesto mais veemente, parecendo-me que tem ela mais largo
alcance que a minha pessoa, porque importaria em não se reconhecer que progredir por educação é exatamente o
modo adequado de se evitarem as revoluções”. Reafirma seu espírito democrático, republicano e constitucional:
“[...] Conservo, em meio de toda a confusão momentânea, as minhas convicções democráticas, as mesmas que
dirigiram e orientaram todo o meu esforço, em quatro anos de trabalho e lutas incessantes, pelo progresso educativo
33
pelo governo central autoritário em 1939, resultando naquilo que educadores chamarão de utopia
vetada36.
Pela Lei 452, de 5 de julho de 1937, por iniciativa de Gustavo Capanema, ministro da
Educação, a Universidade do Rio de Janeiro foi novamente reorganizada, passando a se chamar
Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, constituída por 15 escolas
superiores e 14 institutos, de maior prestígio e chamados de nacionais, dentre elas a Faculdade
Nacional de Educação, instituída pelo governo autoritário de Getúlio como modelo padrão para
todo o país. Esta faculdade, embora prevista em lei, não chegou a ser implantada.
Em São Paulo, o Decreto Estadual 9.269, de 25 de junho de 1938, extingue o Instituto de
Educação, que é absorvido pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras37, como uma seção de
Educação.
3.2. A criação do Curso de Pedagogia
No Rio de Janeiro, o Decreto 1.063, de 20 de janeiro de 1939, incorpora os cursos da
Universidade do Distrito Federal à Universidade do Brasil, com prédios, professores e
estudantes. E, pelo Decreto-lei Federal 1.190, de 4 de abril de 1939, a Faculdade de Educação
da Universidade do Brasil é transformada em duas seções: uma denominada Pedagogia38 (curso
do Distrito Federal e reivindico, mais uma vez, para essa obra que é do magistério do Distrito Federal, e não somente
minha, o seu caráter absolutamente republicano e constitucional e a sua intransigente imparcialidade democrática e
doutrinária”. Íntegra da Carta a Pedro Ernesto: Disponível em:
http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/cartas/apeb.htm. Acesso em: 16 dez. 2011.
36
Universidade de educação é uma expressão usada por Saviani (2008, p. 35) para referir-se à universidade criada
por Anísio Teixeira com o objetivo primeiro de formar educadores. Utopia vetada é expressão utilizada por Maria
de Lourdes Fávero, citada na mesma página de Saviani, para referir-se ao decreto que vetou a proposta de Anísio,
fechando sua universidade.
37
A USP surgiu em 25 de janeiro de 1934, da união da recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras (FFCL) com as já existentes Escola Politécnica de São Paulo, Escola Superior de Agricultura "Luiz de
Queiroz", Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito e Faculdade de Farmácia e Odontologia.
38
Aqui se inicia a história dos cursos de Pedagogia no Brasil.
34
de bacharelado); e outra denominada Didática, para complementar a formação pedagógica de
bacharéis em outras áreas, com estudos de administração, psicologia, didática, sociologia e
biologia, licenciando-os para lecionar no ensino secundário. A cisão entre teoria e prática
perdurará até as atuais divisões da educação em “fundamentos” e “metodologias”, com grande
dificuldade para o diálogo entre as áreas, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Inicia-
se, assim, a história dos cursos de Pedagogia no Brasil.
Grande avanço foi dado em 1938, com a criação do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP), atual Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, por iniciativa de Gustavo Capanema, tendo como primeiro diretor Lourenço Filho.
Esse Instituto torna-se peça importante na constituição de uma tradição de pesquisas para a
criação de uma cultura de debates mais aprofundados nas questões pedagógicas. Em 1941, é
criada a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e, em 1946, a Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Dos intensos debates ocorridos na década de 1930 entre liberais e
católicos, debates que continuarão fortes até a promulgação da LDB de 1961, surgem, como
reação da Igreja, essas universidades católicas, juntamente com a produção de material didático
para orientar os estudos, principalmente na formação de professores. É a ocupação do espaço da
educação pela Igreja Católica.
Para a compreensão do desenvolvimento da legislação do ensino, torna-se importante
examinar as Leis Orgânicas do Ensino, preparadas por Capanema e baixadas por decretos-leis
da presidência, entre 1942 e 1946. Enquanto não existe uma codificação unificada da educação,
são esses decretos do governo autoritário39 que determinam os seus rumos num período
denominado por Buffa e Nosella (1997, p. 93) de “Debate reprimido”.
4. Da Constituição de 1946 ao início da década 1980: a consolidação e as ameaças à
sobrevivência do Curso de Pedagogia
39
Decreto-lei 4.048, 22 de janeiro de 1942 – cria o SENAI; Decreto-lei 4073, 30 de janeiro de 1942, Lei Orgânica
do Ensino Industrial; Decreto-lei 4244, 9 de abril de 1942, Lei Orgânica do Ensino Secundário; Decreto-lei 6141,
28 de dezembro de 1943, Lei Orgânica do Ensino Comercial; Decreto-lei 8529, 2 de janeiro de 1946, Lei Orgânica
do Ensino Primário; Decreto-lei 8530, 2 de janeiro de 1946, Lei Orgânica do Ensino Normal; Decreto-lei 8621
cria o SENAC; e Decreto-lei 9613, 20 de agosto de 1946, Lei Orgânica do Ensino Agrícola.
35
A Constituição Federal de 1946 determina a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB)40, que só será aprovada quinze anos depois, tornando-se a lei 4021,
de 20 de dezembro de 1961.
Entre a Constituição e a LDB são criadas duas instituições significativas para o tema da
formação de professores: em 1951, é fundada a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior), órgão indutor da formação dos professores e pesquisadores, para
desempenhar as tarefas na formação de novos licenciados, dentre os quais, os pedagogos; em
1955, são criados o Centro Brasileiro e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CBPE
e CRPEs).
Entre 1961 e 1975, há uma série de pareceres, resoluções, leis e reformas da educação de
importância significativa para a formação dos educadores:
1. Parecer CFE 251/1962, do Conselheiro Valnir Chagas: nova regulamentação do
Curso de Pedagogia, cujos detalhes também serão estudados adiante;
2. Lei 5.540/1968, que promove a Reforma Universitária, completada pelo Decreto
464, de 11 de fevereiro de 1969, que determina a duração dos cursos, a matrícula
por disciplinas e regime de créditos;
3. Parecer do CFE 252/1969 e Resolução 2, que, como consequência da Reforma
Universitária, dá nova organização ao Curso de Pedagogia;
4. Lei 5692/1971, que Reforma o Ensino de 1º e 2º graus;
5. Em 1971, Valnir Chagas elabora e faz o Conselho Federal de Educação aprovar
oito indicações para a formação do magistério que, na prática, extinguiriam o
curso de Pedagogia;
6. Em 1972, Parecer 867 do CFE, preparado por Valnir Chagas, novamente
regulamentando a formação de professores;
7. Entre 1973 e 1975, o conselheiro Valnir Chagas faz diversas indicações ao
Conselho Federal de Educação, com o intuito de adaptar a formação de
professores às Leis de Reforma do Ensino.
40
O Art. 5º da Constituição Brasileira de 1946 estabelece que: “Compete à União: (...) XV – legislar sobre... d)
diretrizes e bases da educação nacional”.
36
Para um país que, durante quatro séculos, deu pouquíssima atenção à educação do povo,
houve muitas iniciativas entre os últimos anos do século XIX e início do século XXI, dentre elas:
as reformas estaduais, com a criação dos grupos escolares; a criação e implantação das
universidades; a criação do curso de Pedagogia; os grandes debates sobre ensino religioso e
educação laica nas escolas públicas e sobre o público e o privado na educação; a promulgação
da Lei 4.024/1961, primeira LDB, no período democrático; as reformas educacionais tecnicistas
do período militar, nos tempos da ditadura cívico-militar; na Constituição de 1988 a educação é
contemplada com uma seção própria41; a promulgação da Lei 9.394 de 1996 (LDB) e reformas
educacionais daquela década; a promulgação da Lei 10.172, que institui o Plano Nacional de
Educação de 2001-2011; as novas diretrizes curriculares do curso de Pedagogia.
Resolução CNE/CP 1/200642; a promulgação da Lei 11.494, de 20 de junho de 2007, que
dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação (FUNDEB); a Conferência Nacional de Educação (2010)43. Para
um Brasil que, durante quatro séculos, foi escravocrata, agrário, arcaico, monocultor, ignorante44
(cerca de 90% de analfabetos no início do Século XX), na condição de subalterno ao capitalismo
mundial, o salto foi imenso; mas é pequeno ao se considerar o estado das escolas públicas de
educação básica, a desqualificação e desvalorização do magistério.
A contextualização feita acima nos permite analisar os movimentos e significados da
implantação do curso de Pedagogia no Brasil. Por se tratar de um capítulo mais descritivo,
embora com preocupação analítica, é necessário fazer o resgate mais fiel possível da história do
curso de Pedagogia, inclusive em relação ao seu currículo, objeto principal na análise das novas
diretrizes curriculares.
41
Seção I do Capítulo III do Título VIII da Constituição Federal (artigos 205 a 214).
42
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução 1: Institui as Diretrizes Curriculares do
Curso de Pedagogia. Brasília, 2006.
43
Como resultado dessa Conferência, o governo enviou ao Congresso Nacional, no mês de dezembro de 2010, um
Projeto de Lei para “Aprovar o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020”, em que, ao contrário
do PNE anterior, são estabelecidas metas e datas para erradicação do analfabetismo absoluto (até 2020); para a
universalização do atendimento pré-escolar e do Ensino Médio (até 2016); e, além de muitas outras metas
importantes, como a valorização do profissional do magistério, a ampliação progressiva do investimento público
em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto do país (essa novidade foi permitida
pela Emenda Constitucional nº 59, pois o governo Fernando Henrique Cardoso já havia vetado a vinculação ao PIB
baseado em texto anterior da Constituição).
44
O século XX inicia-se com cerca de 90% de analfabetos, no Brasil.
37
4.1. Os primeiros currículos do Curso de Pedagogia
Depois da valiosa, mas logo abortada experiência da Universidade da Educação, de
Anísio Teixeira, na Universidade do Distrito Federal, o curso de Pedagogia será criado, como se
viu acima, pelo Decreto-lei Federal 1.190, de 4 de abril de 1939, na vigência do Estado Novo.
Como as universidades e faculdades do Brasil tinham que seguir o modelo padrão da
Universidade do Brasil, em todos os lugares o diploma de licenciado seria obtido com o
acréscimo ao bacharelado de um ano de estudo de didática, dando origem ao famoso modelo
3+1.
A Faculdade de Educação da Universidade do Brasil, dividida em duas seções, Pedagogia
e Didática, tinha o seguinte currículo obrigatório:
Quadro 1 - Currículo do Curso de Pedagogia (1939)
1º ano Complementos de matemática
História da filosofia
Sociologia
Fundamentos biológicos da educação
Psicologia educacional
2º ano Psicologia educacional
Estatística educacional
História da educação
Fundamentos sociológicos da educação
Administração escolar
3º ano Psicologia educacional
História da educação
Administração escolar
Educação comparada
Filosofia da educação
Fonte: a autora 2019
Quadro 2 - Currículo do Curso de Didática (1939)
1 ano Didática geral
Didática especial
Psicologia educacional
Fundamentos biológicos da educação
Fundamentos sociológicos da educação
Administração escolar
Fonte: a autora 2019
38
Os bacharéis em Pedagogia, por já terem as outras disciplinas no seu currículo, deveriam
cursar apenas Didática Geral e Didática Especial para obterem o diploma de licenciatura. O
currículo pleno do curso de Pedagogia, antes que a profissão de pedagogo estivesse definida,
restringiu a sua função à de técnico em educação, num curso de bacharelado semelhante aos de
Filosofia, Ciências e Letras. Mas também não estava constituído o campo profissional da
educação para definir o papel profissional do pedagogo. Sobrava pouco espaço para seu trabalho
na Escola Normal, porque a Lei Orgânica de 1946 previa um curso que privilegiava os conteúdos
de cultura geral no lugar das disciplinas de caráter profissional. Assim como os outros bacharéis,
também o pedagogo se tornaria professor cursando a complementação didática. E, ao mesmo
tempo, os outros licenciados também podiam lecionar nas Escolas Normais. Como uma espécie
de prêmio de consolação, os licenciados em Pedagogia poderiam lecionar filosofia, história e
matemática nos cursos de nível médio. Isso mostra uma volta ao diletantismo, pois os professores
poderiam lecionar disciplinas para as quais não foram especificamente preparados.
Por outro lado, não se abre caminho, no curso de Pedagogia, para a constituição e
desenvolvimento do espaço acadêmico de pesquisas, debates, aprofundamentos sobre a própria
Pedagogia, o que, possivelmente, só seria feito se houvesse preocupação e investimentos
financeiros na investigação de problemas e temas da educação. O investimento nas pesquisas
sobre educação deu-se em outro nível com a criação da CAPES (inicialmente “Campanha
Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior”) pelo Decreto nº 29.741, de 11 de
julho de 1951 (início do 2º governo Getúlio Vargas). Só a partir de 1961, com a Lei 4.02445, é
que se prevê a importância da pesquisa na formação dos educadores em nível de Ensino Normal
(hoje nível médio). O Artigo 52 dessa lei determina que:
O ensino normal tem por fim a formação de professores, orientadores,
supervisores e administradores escolares destinados ao ensino primário, e o
desenvolvimento dos conhecimentos técnicos46 relativos à educação da
infância.
45
A Lei 4.024/1961 definia, no seu artigo 52, que o “ensino normal tem por fim a formação de professores,
orientadores, supervisores e administradores escolares destinados ao ensino primário, e o desenvolvimento dos
conhecimentos técnicos relativos à educação da infância”. No artigo 53 permitia que a formação de docentes para
o ensino primário poderia ser feita até em Escola Normal de grau ginasial, com, no mínimo, quatro séries anuais,
onde, além das disciplinas obrigatórias do curso secundário ginasial (séries finais do ensino fundamental), seria
ministrada também preparação pedagógica. Além, é claro, da Escola Normal de Grau Colegial, em prosseguimento
ao grau ginasial.
46
Entende-se que esse “desenvolvimento dos conhecimentos técnicos relativos à educação da infância” se faça pela
pesquisa.
39
A lei continua definindo que as funções de direção, orientação, supervisão e inspeção
escolar serão preenchidas por profissionais com cursos de especialização nos Institutos de
Educação (antiga Escola Normal) e que tenham demonstrado experiência no ensino. Dos artigos
116 ao 118, nota-se um enfraquecimento da profissão do educador, pois dizem que “enquanto
não houver número suficiente de professores primários [...], de professores licenciados em
faculdades de filosofia [...], número de profissionais formados pelos cursos especiais de
educação técnica [...]”, a habilitação poderá ser feita por outros profissionais liberais, ou leigos,
mediante exame de suficiência.
Valnir Chagas, relator do Parecer 252/69, ao comentar o Parecer anterior (251/62) do
qual ele também tinha sido o relator, dá conta desse quadro confuso em relação à formação de
professores e de especialistas:
A parte relativa ao magistério normal não ofereceu maiores dificuldades,
ensejando mesmo que se lançassem pressupostos para uma futura preparação
do mestre primário em grau superior. A formação dos especialistas, entretanto,
acabou revestindo uma fluidez que era a da própria lei. O Conselho fez então o
que estava ao seu alcance: determinou uma parte comum e outra que levasse
aos dois objetivos. Como não era possível determinar áreas obrigatórias de
habilitação, deixou-as apenas implícitas na exigência de matérias a serem
escolhidas, pelas universidades e escolas, de uma lista mais ou menos variável
de opções. Esperava-se que a evolução do mercado de trabalho conduzisse ao
passo imediato; mas só como exceção tal aconteceu, exatamente pela falta de
validade legal da especificação que se fizesse. Isto explica muito do que hoje
se pode considerar imprecisão do Parecer. A Orientação Educacional, por
exemplo, foi curiosamente excluída do curso; e a duração estabelecida não
apresentou alternativas ajustáveis às características do trabalho educacional,
encarado em si mesmo e em função de peculiaridades regionais47.
4.2. Do Parecer 252/69 à crise do Curso de Pedagogia
Em 1969, deu-se a aprovação de novo Parecer (252/69) conferindo ao Curso de
Pedagogia uma estrutura que, com pequenas modificações, por meio de decretos presidenciais e
47
MEC – COPEDES. Do ensino de 1º grau: legislação e pareceres. Departamento de Documentação e Divulgação:
Brasília, 1979, p. 386.
40
decisões do Conselho Federal (Nacional) de Educação, durou até a aprovação das novas
Diretrizes Curriculares Nacionais, definitivamente em 2006. O currículo tem uma parte comum
e outra diversificada.
Quadro 3 - Currículo do Curso de Pedagogia (1969)
Parte Comum Sociologia geral
Sociologia da educação
Psicologia da educação
História da educação
Filosofia de educação
Didática
Parte 1.1. Estrutura e funcionamento do ensino de 1º grau
1.2. Estrutura e funcionamento do ensino de 2º grau
diversificada
1.3. Estrutura e funcionamento do ensino euperior
2.0. Princípios e métodos de orientação educacional
3.1. Princípios e métodos de administração escolar
3.2. Administração de escola de 1º grau
4.1. Princípios e métodos de supervisão escolar
5.1. Princípios e métodos de inspeção escolar
5.2. Inspeção da escola de 1º grau
6.0. Estatística aplicada à educação
7.0. Legislação do ensino
8.0. Orientação educacional
9.0. Medidas educacionais
10.0. Currículos e programas
11.1. Metodologia do ensino de 1º grau
11.2. Prática de ensino na escola de 1º grau (estágio)
Fonte: a autora 2019
Em seguida, o Parecer distribui as matérias que serão necessárias a cada habilitação,
além, é claro, da parte comum obrigatória a todas elas. Além das cinco habilitações previstas
(Ensino das disciplinas e atividades práticas nos cursos normais; Orientação Educacional;
Administração Escolar; Supervisão Escolar; Inspeção Escolar), admite-se a criação de outras
habilitações, como:
1. Economia da educação;
2. Antropologia pedagógica;
3. Educação comparada;
41
4. Técnicas audiovisuais de educação;
5. Rádio e televisão educativa;
6. Ensino programado;
7. Educação de adultos;
8. Educação de excepcionais;
9. Clínica de leitura;
10. Clínica da voz e da fala;
11. Higiene escolar;
12. Métodos e técnicas de pesquisa pedagógica, etc.48.
O Artigo 7º do Anteprojeto anexo ao Parecer diz que:
O diploma do curso de Pedagogia compreenderá uma ou duas habilitações, da
mesma ordem de duração ou de ordens diferentes, sendo lícito ao diplomado
complementar estudos para obter novas habilitações. [...] A capacitação
profissional resultante do diploma de Pedagogia incluirá: a) o exercício das
atividades relativas às habilitações registradas em cada caso; b) o exercício de
magistério, no ensino normal, das disciplinas correspondentes às habilitações
específicas e à parte comum do curso...; c) o exercício de magistério na escola
de 1º grau [...].
O Parecer abre, ainda, a possibilidade de que outros licenciados ou pós-graduados
obtenham as habilitações pedagógicas, que seriam apostiladas em seus diplomas mediante
complementação dos estudos. Essa possibilidade enfraquece a necessidade do curso de
Pedagogia.
Logo depois, foi promulgada a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, Lei 5692/197149,
exigindo novas especializações dos professores, principalmente do 2º grau, de caráter
48
Importante observar que as habilitações previstas no Parecer remetem a um caráter biologizante da educação,
focando em questões psicocoginitivas. Com isso, muitas vezes, o fracasso escolar passaria a ser atribuído ao aluno,
dadas as suas limitações físico-psicológicas. Dessa forma, uma intervenção pedagógica adequada, por meio de
“clínicas” disso ou daquilo, poderia superar os problemas. Descuram-se as razões e condições estruturais
socioeconômicas. Na avaliação da educação e da escola, é necessário levar em conta sua infraestrutura e as
condições de trabalho do professor, como, por exemplo, o número de alunos por sala, incluindo os deficientes. Só
um diagnóstico médico-biológico não explica o fracasso ou o sucesso escolar.
49
A experiência não foi bem sucedida, em grande parte devido à falta de profissionais habilitados para o ensino das
diversas profissões, e pela falta de investimento e adequação das escolas ao ensino profissionalizante (as escolas
careciam de laboratórios), sendo esse modelo alterado pela Lei 7.044, de 18 de outubro de 1982, que torna opcional
a profissionalização, praticamente extinguindo-a.
42
obrigatoriamente profissionalizante, abrindo espaço para as habilitações profissionais para dar
conta do crescimento econômico dos anos do milagre capitaneado pelos militares50. O Art. 33
desta Lei diz que a formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores,
supervisores e demais especialistas de educação será feita em curso superior de graduação, com
duração plena ou curta, ou de pós-graduação, sem fazer menção à Pedagogia. Os Artigos 77 a
79 permitem que, em caráter suplementar e a título precário, quando não houver profissionais
devidamente habilitados, as funções poderão ser exercidas por outros profissionais51.
Observa-se que isso não ocorre com profissões como as de juiz de direito, advogado,
promotor de justiça, médico, engenheiro, entre outras. O diletantismo na educação continua
muito forte, até os dias atuais: qualquer bacharelando pode lecionar qualquer disciplina no
Ensino Fundamental ou Médio e a educação a distância começa pelas licenciaturas, embora o
parágrafo 3º do Artigo 62 da Lei 9.394/1996 determine que “A formação inicial de profissionais
de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e
tecnologias de educação à distância (Incluído pela Lei nº 12.056, de 2009)”. É interessante
observar que, enquanto há bastante resistência por parte de profissionais das áreas de
engenharias, tecnologias e da saúde, a educação a distância se implanta a passos largos nas
ciências humanas, com ênfase nas licenciaturas e, de modo especial, nos cursos de Pedagogia52,
oferecidos por universidades públicas e privadas53.
Um dos períodos menos favoráveis para o desenvolvimento da ciência da educação e do
curso de Pedagogia foi a década de 1970. Entre 1973 e 1975, foram apresentadas por Valnir
50
Atribui-se a expressão “Milagre Econômico” ao desenvolvimentismo promovido pelos militares a partir de 1968,
quando o Brasil cresce nos elevados índices de 10% ao ano.
51
Entre 1971 e 1996, há resoluções e pareceres que regulam o curso de Pedagogia, mas que não foram objeto de
nosso estudo, como, por exemplo: resolução CFE n º 70/76, do Conselheiro Valnir Chagas, considerando ser a
habilitação do pedagogo ao magistério das matérias pedagógicas anterior a qualquer outra habilitação; novas
exigências legais para o registro profissional (Portaria MEC 35/85); Portaria MEC nº 399, de 28 de junho de 1989,
determina que os diplomas de licenciatura plena devem apresentar o registro da(s) habilitação(ões) e/ou disciplina(s)
específica(s) da designação, sendo obrigatório o estágio supervisionado nas disciplinas objetos de registro, como
determinava o Parecer 187/88 do CFE. Mas esse foi também o período da Constituinte e da Promulgação da Nova
Constituição (05/10/1988), e, em seguida, um tempo de discussão para a elaboração e promulgação da nova LDB,
o que aconteceu em 1996.
52
Segundo página eletrônica do Sistema E-MEC, dos 1272 cursos de graduação autorizados, 170 são de Pedagogia,
mais de 13%; 118 são de Letras; 76 de Matemática; 51 licenciatura em Ciências Biológicas; 39 licenciaturas em
Física; 35 licenciatura em História; 31 licenciatura em Química. Apenas estas licenciaturas somam 520 cursos, o
que corresponde a 40,88% do total de cursos de graduação a distância autorizados. Por enquanto, há apenas um
curso de Direito a distância autorizado (UNISUL – Santa Catarina). Dados disponíveis em: http://emec.mec.gov.br/.
Acesso em: 22 dez. 2011.
53
Isto será trabalhado com mais detalhes no final do 2º capítulo.
43
Chagas oito Indicações que praticamente acabavam com o Curso de Pedagogia. A Indicação
mais importante foi a de número 67, aprovada em plenário do Conselho Federal de Educação
em 2 de setembro de 197554. Essa passagem da Indicação (CHAGAS, 1976, p. 70) demonstra a
intenção de um desmonte do curso de Pedagogia:
Cabe, por fim, definir a posição estrutural das quatro modalidades que passam
a constituir o setor propriamente educacional. A formação pedagógica das
licenciaturas de conteúdo será parte integrante de cada curso, a que se ajustará
para configurar um todo orgânico e coerente. “O fato de que se lhe preveja
Indicação comum”, salientávamos na Indicação 22/73, “é apenas uma solução
de economia, e não implica, de nenhuma forma, a cisão dos dois aspectos (o de
conteúdo e o de método) nos currículos plenos e na sua execução”. Por outro
lado, o curso de Pedagogia toma agora outros rumos, longamente esperados, e
não somente se desdobrará nas três áreas assinaladas – preparo do mestre para
início de escolarização, do professor de educação especial e do especialista –
mas terá os respectivos estudos feitos ora como cursos, ora como habilitações
acrescentadas a cursos, ora como ambas as características.
Em diversos documentos há tentativas de fragmentar essa formação, criando uma
situação confusa, ao retirar do curso de Pedagogia suas competências próprias e exclusivas,
atribuindo-as a outros cursos: na prática é quase um desmanche da Pedagogia.
A Pedagogia aparece de forma muito genérica na Indicação nº 67, englobada nos
chamados Estudos Superiores de Educação. A Indicação de número 70, aprovada pelo Plenário
do CFE em 29 de janeiro de 1976 e homologada pelo ministro da Educação e Cultura dois meses
depois, mesmo tendo sua entrada em vigor sustada pela pressão dos movimentos de educadores,
trazia uma novidade: formar o especialista no professor55. O Artigo 1º do Projeto de Resolução
anexo a essa Indicação, em Chagas (1976, p. 133), diz:
O preparo de especialistas em Educação e de professores para o ensino
pedagógico de 2º grau, assim como do pedagogo em geral, será feito como
habilitações acrescentadas a cursos de licenciatura ou, em solução transitória
ditada pelas condições locais, com o caráter de curso aberto a docentes que
tenham formação de 2º grau.
54
As principais indicações são encontradas no livro Formação do magistério: novo sistema, de Valnir Chagas, São
Paulo: ATLAS, 1976.
55
Quem tinha feito o magistério de ensino médio, antigo Normal, já poderia ter experiência em docência. Mas,
quem tinha ingressado na Pedagogia, sem ter cursado o Magistério, não poderia ter feito a experiência em docência.
44
Segundo o artigo 2º, caput, das Diretrizes Curriculares (Resolução nº 1, CNE/CP/2006)56,
os cursos de Pedagogia aplicam-se à:
[...] formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na
modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços
e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos.
É, portanto, a formação do pedagogo pleno, compreendendo a docência como:
[...] ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído
em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos,
princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre
conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a
processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento,
no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo (§ 1º do artigo 2º).
É preciso lembrar, no entanto, que, mesmo extintas as habilitações, elas ainda se fazem
presentes em pedidos de aproveitamento de formação anterior à Diretriz de 2006. Para isso,
torna-se necessário fundamentar, na história recente, a evolução das habilitações nos cursos de
Pedagogia. Uma síntese do curso de Pedagogia da UFSCar poderá servir de ilustração para a
compreensão desse tema.
Para compreender melhor a definição do papel do pedagogo, resgata-se aqui um pouco
do histórico das habilitações no curso de Pedagogia da UFSCar57, implantado em 1971, com
habilitação em Orientação Educacional (OE), seguido da autorização em Administração Escolar
(AE), em 1972, ambos reconhecidos pelo MEC, em 1974. Em 1983, criou-se a habilitação em
Magistério das Matérias Pedagógicas do Segundo Grau58, como complementação para os
egressos59. No ano de 1988, o curso passa por uma reformulação, em que a habilitação para o
Magistério das Matérias Pedagógicas do 2º Grau era obrigatória e a habilitação para Magistério
das Séries Iniciais poderia ser obtida em caráter complementar. Em 1996, nova reformulação,
56
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 22 jun. 2019.
57
Resgate feito a partir de histórico do curso, disponível em: http://www.pedagogia.ufscar.br/sobre-o-
curso/apresentacao.
58
O atual Ensino Médio (LDB de 1996) assim era denominado pela reforma promovida pela Lei 5.692/1971.
59
De acordo com o Parecer CFE/252/69, item IV e Resolução CFE/2/69, Art. 7º.
45
com ampliação dos Estágios, para 300 horas, com duas habilitações centrais: Magistério
Matérias Pedagógicas do Ensino Médio60. Na reforma de 2002, as duas habilitações acima
continuam centrais, e a partir do 4º semestre, os alunos poderiam optar por uma delas. As outras
habilitações continuariam em caráter complementar. A partir de 2006, com novas diretrizes 61
aprovadas para o curso de Pedagogia, são extintas as habilitações e o curso é reformulado para
a formação do pedagogo pleno, com direito a:
- Docência nas séries iniciais e na educação infantil;
- Gestão escolar (administração e gestão);
- Orientação Educacional;
- Coordenação Pedagógica Escolar.
Em 2008, a UFSCar adere ao REUNI62, criando duas turmas de pedagogia, uma no
período matutino e outra no período noturno, incluindo, nessa reformulação, Estágios e
Formação Específica para Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Essa trajetória do curso de pedagogia da UFSCar resultou nas três áreas de concentração
atuais: formar o pesquisador, o gestor e o docente (de Educação Infantil, Ensino Fundamental e
EJA). Mas a formação do docente está subdimensionada, implicando em apenas ¼ das matérias
e atividades do curso63. Difícil, portanto, afirmar que a Pedagogia tenha se constituído em
Licenciatura Plena.
O próximo capítulo tratará das lutas dos educadores, a partir da década de 1980, em
defesa desse curso e da elaboração de suas diretrizes curriculares.
60
Nova nomenclatura para o ensino de 2º Grau. Na LDB 9.394/1996, a Educação Básica passa a se constituir em
três níveis: Educação Infantil (creche e pré-escola), Ensino Fundamental e Ensino Médio.
61
A já citada Resolução CNE/CP 1/2006.
62
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, criado pelo Decreto
Presidencial nº 6.096/2007, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Ato2007-2010/2007/
Decreto/D6096.htm.
63
Informações fornecidas pela professora Andrea Moruzzi, na banca de qualificação.
46
CAPÍTULO II
DOS DEBATES DE 1980 ÀS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE
PEDAGOGIA
Este capítulo tem por objetivo descrever e analisar as lutas, debates e marcos regulatórios
do curso de Pedagogia a partir dos anos 1980, com ênfase em três momentos significativos: a
Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996) e as
Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia de 2006.
O curso de Pedagogia sofreu dois grandes ataques à sua identidade que representaram
ameaça à sua sobrevivência: o primeiro, como visto no final do capítulo anterior, aconteceu nos
anos 70, com as indicações elaboradas por Valnir Chagas e aprovadas pelo Conselho Federal de
Educação; o segundo aconteceu nos anos 90, com a criação, pela Lei 9394/1996, nos seus artigos
62 e 63, dos Institutos Superiores de Educação e, dentro destes, do Curso Normal Superior, aos
quais é atribuída a formação de docentes da Educação Infantil e primeiras séries do Ensino
Fundamental.
1. A luta dos educadores em defesa do Curso de Pedagogia
Como reação às investidas contra o curso de Pedagogia, os educadores, já organizados
em outras lutas, retomam, no final dos anos 70, com mais intensidade à mobilização que irá
desembocar na realização da I Conferência Brasileira de Educação, na PUC de São Paulo, entre
31 de março e 02 de abril de 1980, num clima de lutas contra o regime militar que findava. Com
o impulso inicial dado pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Federal de Educação, criou-
se, então, o Comitê Pró-Participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e
Licenciaturas, sediado em Goiânia, cuja finalidade era discutir as reformas propostas nos anos
70, sob a batuta de Valnir Chagas, como foi mencionado anteriormente. Organizado em
comissões regionais, o Comitê transformou-se na Comissão Nacional pela Reformulação dos
Cursos de Formação de Educadores (CONARCFE) em 1983, e na Associação Nacional pela
47
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE)64, em 1990, entidade ainda em atividade.
Esses órgãos se afastam da oficialidade, tornando-se mais independentes para a discussão e
formulação de novas propostas. Com apoio da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd), o movimento exerce vigilância, produz pesquisas e
conhecimentos, mobiliza-se, divulga documentos e manifestações, faz pressão em defesa das
especificidades da formação dos educadores, com qualidade socialmente referenciada, sem
perder o diálogo com outras áreas do conhecimento. Além de propor uma base comum nacional
no currículo para a formação de professores, o movimento pautou-se ainda por outras lutas.
Em primeiro lugar, destacou a importância de se inserir a formação do educador numa
política global, que levasse em consideração desde sua formação básica até a formação
continuada. Não seria mais possível, àquela altura, pensar numa formação aligeirada e de caráter
definitivo, terminal, apenas para a docência das séries iniciais, como o que será proposto, por
exemplo, na implantação do Curso Normal Superior nos Institutos Superiores de Educação,
conforme se verá adiante.
Em segundo lugar, chamou a atenção para a necessidade de se superar a dicotomia entre
teoria e prática, que poderia levar aos dois tipos de formação de educadores: os práticos para a
sala de aula e os teóricos para a pesquisa, sem integração entre si. Estaria reforçada a dicotomia
entre ensino e pesquisa. Esse tema será aprofundado na distinção entre práticas educativas e
práxis educacional, nos dois últimos capítulos.
O Movimento dos Educadores propõe a superação de outra dicotomia, que é a da
formação para os conteúdos específicos ou para os conteúdos pedagógicos. Foi o que aconteceu,
por exemplo, com o esquema 3+1, desde a criação do primeiro curso de Pedagogia, em 1939,
em que o bacharelado era obtido em três anos e a licenciatura, com mais um ano de estudos de
didática.
Segundo Saviani (2008, passim), desse movimento destacam-se duas ideias básicas: a
primeira é que a docência deve ser a base da formação do educador, incluindo aí todas as tarefas
que lhe cabem na gestão, orientação e supervisão etc. da educação. Isso será traduzido no slogan:
64
Desde o 1º Encontro Nacional da CONARCFE, tomou corpo o conceito de uma base comum nacional para a
formação dos profissionais da educação no país. Em 1990, no 5º Encontro Nacional da CONARCFE, os educadores
presentes decidiram pela criação da ANFOPE, que assumiu a responsabilidade de dar continuidade às discussões
em novos encontros nacionais, organizando-se também em setores regionais no país.
48
formar o educador no docente. Há divergências quanto a essa posição, por exemplo, por parte
de Pimenta (2002, p. 1s), que diz no FORUMDIR65:
Desde logo explicito que em minhas produções sobre o tema, defendo que a
Pedagogia é uma ciência da educação e que uma das modalidades de inserção
profissional do pedagogo é a docência, entendendo, pois, que a Pedagogia é a
base da formação e da atuação profissional do professor, e não o contrário
como configura a posição da ANFOPE. (grifo nosso)
José Carlos Libâneo (2006, p. 852)66, por sua vez, diz que:
A origem dessa crença coincide com o movimento político no meio dos
intelectuais da educação, mais precisamente o ano de 1980, em que foi
realizada a I CBE e criado o Comitê Pró-Formação do Educador. A tese central
desse movimento – "a docência constitui a base da identidade profissional de
todo educador" (Encontro Nacional, 1983) – consumou-se como bandeira da
ANFOPE, que perpetuou o mote e acabou por difundi-lo entre os educadores
de forma pouco crítica, uma vez que raramente os pressupostos teóricos da tese
foram justificados. Entretanto, as poucas tentativas de proceder a essa
justificativa fazem crer que sua origem está na crítica à divisão técnica do
trabalho na escola.
Libâneo que, no VI Encontro Nacional da ANFOPE (Belo Horizonte, 1992), defendeu a
ideia de uma Faculdade de Educação com dois cursos distintos, um para formar o pedagogo e
outro para os licenciados para a docência no Ensino Fundamental e no 2º grau, diz ainda:
[...] o curso de Pedagogia deve ser distinto do de Licenciatura, ainda que o
pedagogo possa também ser um licenciado, no sentido de que se pode formar
um docente no pedagogo. Meu ponto de vista é de que o curso de Pedagogia
é o que forma o pedagogo stricto sensu, isto é, um profissional não diretamente
docente, que lida com fatos, estruturas, processos, contextos, situações,
referentes à prática educativa em suas várias modalidades e manifestações
(LIBÂNEO, 2006, p. 108).
65
Transcrito das apresentações da autora no XVI ENCONTRO NACIONAL do FORUMDIR, realizado na Chapada
dos Guimarães – MT, agosto de 2002 e no FÓRUM NACIONAL DE PEDAGOGIA 2004, realizado em Belo
Horizonte, julho de 2004. Disponível em:
http://www.unisete.br/graduacao/fafisete/Pedagogia/banco%20de%20textos/Pedagogia_diretrizes_selma_garrido_
pimenta.pdf. Acesso em: 20 out.2009.
66
Diretrizes curriculares da Pedagogia: imprecisões teóricas e concepção estreita da formação profissional de
educadores. Educação e Sociedade. Campinas, v.27, n.96, 2006, p.843-876, out. 2006.
49
Ao buscar a especificidade do pedagogo, os autores acima entendem que deve haver uma
clara distinção de tarefas entre o curso de Pedagogia e o curso de formação de professores,
cabendo ao primeiro a formação do pesquisador da ciência da educação e ao segundo a
preparação para a lida direta nas salas de aula. Embora se esforcem para não cair na dicotomia,
essa ideia não é bem aceita pelo conjunto dos educadores, prevalecendo, posteriormente, nas
diretrizes curriculares do curso de Pedagogia, uma formação integral de docente e de
pesquisador. Segundo os resultados da presente pesquisa, conclui-se que essa segunda visão é
mais adequada, pois um bom docente nasce na pesquisa, no estudo aprofundado dos temas
teórico-práticos67.
Segundo Saviani (2008, p. 58),
[...] prevaleceu entre as instituições a tendência a organizar o curso de
Pedagogia em torno da formação de professores, seja para a habilitação
Magistério, em nível de 2º grau, seja principalmente para atuar nas séries
iniciais do ensino fundamental.
A segunda ideia desse movimento destacada por Saviani é a da defesa de uma base
comum nacional, que não seria exatamente um currículo comum, mas um conjunto de princípios
a inspirar e orientar a organização dos cursos de formação de professores no país inteiro.
Segundo Saviani (2008, p. 59),
Seu conteúdo, entretanto, não poderia ser fixado por um intelectual de
destaque; por um órgão de governo; e nem mesmo por decisão de uma eventual
assembleia de educadores; mas deveria fluir das análises, dos debates e das
experiências que fossem encetadas, possibilitando, num processo a médio
prazo, que se chegasse a um consenso em torno dos elementos fundamentais
que devem basear a formação de um educador consciente e crítico, capaz de
intervir eficazmente na educação visando à transformação da sociedade
brasileira.
67
A visão dicotômica ainda não está superada. Mas há uma dificuldade de consolidação do papel do pedagogo,
numa sociedade em mudança, cujos governos têm a prática de alterar constantemente as normas que regem a
educação no país.
50
2. Da Constituição Federal de 1988 à Lei 9.394 de 1996
Uma lei ou uma Constituição não surge do nada ou da simples boa vontade dos
legisladores, representantes da “vontade geral”. A legislação, numa sociedade de classes, é fruto
das lutas entre interesses contraditórios. Da IV Conferência Brasileira de Educação, que se
realizou em Goiânia, em agosto de 1986, em torno do tema “A educação e a constituinte”,
resultou a “Carta de Goiânia”, assinada por cerca de 5.000 educadores, cujas propostas, em
grande parte, foram inseridas na Constituição. Foram inseridas, sim, mas de forma atenuada, por
termos uma Constituição mais principiológica e programática do que autoaplicável 68.
A luta dos educadores fortaleceu-se na preparação da Constituição de 1988. Segundo
Maria Francisco Pinheiro, em obra organizada por Osmar Fávero (2001, p. 201),
Os princípios gerais que orientaram o documento do Fórum [da educação]
foram: a defesa do ensino público laico e gratuito em todos os níveis, sem
nenhum tipo de discriminação econômica, política ou religiosa; a
democratização do acesso, permanência e gestão da educação; a qualidade do
ensino; e o pluralismo de escolas públicas e particulares.
A aprovação das novas diretrizes curriculares do curso de Pedagogia obedece a uma
longa trajetória de normatizações, cuja base encontra-se na Constituição de 1988, de modo
especial nos artigos 205 a 214.
Um dos mais importantes é o artigo 212, no qual é previsto que:
A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
68
Canotilho (1999, p. 1177), a partir da lição de Dworkin, afirma que: "[...] princípios são normas que exigem a
realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não
proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõem a optimização de um direito ou de um
bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica... Regras, ao contrário, "são normas que,
verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer
excepção (direito definitivo)". A obrigatoriedade do Ensino Fundamental, por exemplo, é uma regra; há princípios
que precisam ir além de seu conteúdo programático para se transformarem em obrigações, sendo exigíveis pelo
cidadão.
51
Esses valores poderão ser ampliados, de acordo com a Emenda Constitucional nº 59, de
2009, que altera o Artigo 214, incluindo o inciso VI: “estabelecimento de meta de aplicação de
recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.".
É importante destacar que na nossa carta maior um dos princípios69 do ensino no Brasil
será “a valorização dos profissionais do ensino70, garantido, na forma da lei, planos de carreira
para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos”71.
Quanto aos planos de carreira para o magistério público, criou-se um cipoal, pois cada
ente federativo pode criar o seu. Considerando que o Brasil é uma República Federativa que
compreende, além da União, vinte e seis Estados e o Distrito Federal somados aos 5.565
municípios, cada um com a faculdade de ter o seu sistema de ensino, pode-se chegar ao absurdo
de 5.593 planos de carreira.
Em relação aos concursos públicos, a Constituição conseguiu impô-los como regra para
ingresso na carreira como professor efetivo; no entanto, em 2010, só no Estado de São Paulo,
segundo dados da própria Secretaria, 46% dos professores eram temporários (em números
absolutos são 101 mil não efetivos)72. Isso equivale a decretar a pouca utilidade da norma
constitucional do concurso público.
69
Normas programáticas não vinculam obrigatoriamente os seus destinatários; sua efetividade depende da cobrança
da sociedade organizada sobre o Estado. Em geral, elas manifestam “boas intenções” para atender aos setores de
pressão no momento de sua aprovação. Elas são abrangentes e generosas nos direitos que proclamam, mas não
oferecem os meios de sua efetividade. Veja-se, por exemplo, o inciso IV do Artigo 7º, da Constituição Federal de
1988 que diz: “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais
básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação
para qualquer fim”.
70
Este ponto está regulamentado na Lei do FUNDEB. A CONAE, no seu EIXO IV, trata da Formação e Valorização
dos Profissionais da Educação. Disponível em:
http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/documetos/documento_final_sl.pdf, pg. 77-99.
71
Constituição Federal, Art. 206, inciso V, alterado pela Emenda Constitucional nº 19. A título de informação, a lei
11.738, de 16 de julho de 2008, estabeleceu o piso salarial de R$ 950,00 para professores e pessoal de apoio
administrativo e pedagógico para dedicação de 40 horas semanais, sendo aí computadas aquelas necessárias às
atividades de interação com os educandos. Os salários que, na União, Estados e Municípios estejam aquém desse
valor deverão, segundo uma tabela de escalonamento, atingir aos poucos o piso, até que em 1º de janeiro de 2010
todos tenham alcançado o valor mínimo de remuneração.
72
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1409201001.htm.
52
O piso salarial para os professores da rede pública foi regulamentado pela Lei nº.
11.738/08, que estabeleceu como remuneração mínima por dedicação de 40 horas, o valor de R$
950,0073. A meta 17 do Projeto de Lei do Novo PNE propõe:
Valorizar o magistério público da educação básica a fim de aproximar o
rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de
escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade
equivalente74.
Como determina a Constituição de 1988, no inciso XXIV do Artigo 22, “Compete
privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional”. Em decorrência,
em parte, da promulgação da Constituição, na passagem dos anos 1980 para 1990, houve uma
efervescência nos debates educacionais, motivada pelas discussões em torno da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
As discussões giraram em torno de um substitutivo que começou a ser gestado em março
de 1989, por Jorge Hage, ao primeiro projeto de LDB assinado pelo deputado Octávio Elísio,
em dezembro de 1988, com base numa proposta elaborada por Dermeval Saviani (Contribuição
à elaboração da nova LDB: um início de conversa75). A iniciativa do substitutivo teve a mão e o
apoio do deputado Florestan Fernandes, que coordenava o grupo de trabalho da LDB. O relatório
desse grupo de trabalho surgiu depois de um amplo debate nacional, do qual participaram os
educadores, por meio de entidades como ANDES, ANDES-SN, ANPAE, ANPEd, ACCE,
CEDES, CGT, CNTE, CNTEEC, CONAM, CONARCFE, CONSED, CONTAG, CRUB, CUT,
FASUBRA, FBAPEF, FENAJ, FENASE, FENOE, OAB, SBF, SBPC, UBES, UNDIME, UNE,
CNBB, INEP e AEC76, e ficou conhecido como substitutivo Jorge Hage. Essa iniciativa foi
aprovada na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em 28 de junho de 1990. A
aprovação final na Câmara se deu em 13 de maio de 1993. Contudo, foi vitoriosa a proposta de
Darcy Ribeiro, que deu entrada na Comissão de Educação do Senado em 20 de maio de 1992;
73
Corrigido, o piso salarial de 2010 foi de R$ 1.024,67. Em 2011 aproximou-se de R$ 1.200,00.
74
Exposição de Motivos (do ministro para o presidente da República). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/MEC/2010/33.htm.
Anexo, com o Plano Nacional de Educação a ser apreciado e aprovado. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/831421.pdf.
75
Revista ANDE, n.13, p.5-14.
76
Há uma lista de siglas no início da tese. Em pesquisa na Internet, verificamos que, exceto ACCE, FENASE e
FENOE, todas as outras entidades continuam em funcionamento.
53
com apoio dos grupos mais conservadores e do próprio governo, conseguiu vencer obstáculos
regimentais e lograr aprovação em plenário. Tendo mudado a correlação de forças políticas na
Câmara, o governo conseguiu aprovar o Projeto vindo do Senado, em dezembro de 1996, sem
vetos da Presidência da República: a Lei 9.394.
Os embates entre a sociedade civil, acima referenciados, e as forças do governo, na
aprovação da LDB e nas reformas educacionais dos anos 90 já foram bastante estudados por
educadores, como Dermeval Saviani e Carlos Roberto Jamil Cury, dentre outros.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9394/96), no seu Artigo 3º, inciso
VII, em obediência à Constituição, assume como um dos princípios da educação “a valorização
do profissional da educação escolar”. Os temas que mais interessam a este trabalho estão
explicitados nos artigos 61 a 64 da LDB:
Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos
objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de
cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em
serviço;
II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de
ensino e outras atividades.
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em
nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades
e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão:
I - cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso
normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e
para as primeiras séries do ensino fundamental;
II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de
educação superior que queiram se dedicar à educação básica;
III - programas de educação continuada para os profissionais de educação dos
diversos níveis.
Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração,
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação
básica será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós-
graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base
comum nacional.
Esses artigos sofreram diversas alterações pela promulgação das Leis nº 12.014 e 12.056,
de 2009, não havendo nada de significativo em relação ao objeto desta tese.
54
Ao optar-se por atribuir aos Institutos Superiores de Educação a manutenção, além dos
cursos normais superiores, de cursos formadores de profissionais para a educação básica, e não
apenas cursos formadores de professores, essa nova figura institucional transformou-se em clara
alternativa e ameaça à continuidade do Curso de Pedagogia. Segundo Saviani (2009, p. 148)77,
Introduzindo como alternativa aos cursos de Pedagogia e licenciatura os
institutos superiores de educação e as Escolas Normais Superiores, a LDB
sinalizou para uma política educacional tendente a efetuar um nivelamento por
baixo: os institutos superiores de educação emergem como instituições de nível
superior de segunda categoria, provendo uma formação mais aligeirada, mais
barata, por meio de cursos de curta duração (Saviani, 2008c, p. 218-221)78. A
essas características não ficaram imunes as novas diretrizes curriculares do
curso de Pedagogia homologadas em abril de 2006.
Se se trata de um curso de formação rápida, mais barata, supõe-se que tenham
proliferado, causando grandes dificuldades para a sobrevivência dos cursos de Pedagogia. Se é
verdade que, de início, muitas instituições não viram outro caminho que não a implantação dos
Institutos Superiores de Educação e dos Cursos Normais Superiores, o movimento dos
educadores parece ter colocado um obstáculo a essa tendência.
Pimenta (2002, p.7s) pergunta:
E por que os ISEs não se proliferaram como se esperava? Porque os
movimentos dos educadores reagiram fortemente contra essa criação. Mas,
sobretudo, porque a população de imediato identificou o seu curso mais visível,
o Normal Superior, como um curso superior de segunda categoria, que se
identificava, no nome, ao que já conheciam, o Curso Normal médio, e menor
em relação ao curso de Pedagogia, quer no âmbito de suas representações sobre
esse curso, quer pela maior valorização do diploma de pedagogo nos estatutos
do magistério dos estados e municípios. Esse dado cultural os legisladores de
então não haviam previsto. Apesar de que em alguns lugares do país ocorreu
considerável proliferação de ISEs, em decorrência de uma fragilidade dos
cursos de Pedagogia na formação de pedagogos e de professores para as séries
iniciais. Nesses lugares, o forte empenho do setor de mercado interessado nesse
segmento, deu resultado.
77
Rev. Bras. Educ. Rio de Janeiro, v.14 n.40, jan./abr. 2009. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782009000100012&lng=pt&nrm=iso. Acesso
em: 25 nov. 2011.
78
Saviani está citando a 11ª ed. de seu livro A nova lei da educação (LDB): trajetória, limites e perspectivas.
Campinas: Autores Associados, 2008c.
55
Será que não proliferaram mesmo? Dados do INEP 2006 dão conta de que havia no Brasil
1.437 cursos de Pedagogia e 1.108 cursos normais superiores. Pesquisa feita no dia 09 de julho
de 2009 no Portal do INEP, na página de Cadastro da Educação Superior, conforme endereço
eletrônico abaixo, revelou a seguinte situação: 2.57979 cursos/habilitações de Pedagogia; e 459
cursos/habilitações de Normal Superior.
Observa-se, portanto, uma drástica diminuição do número de Cursos Normais Superiores
entre 2006 e 200980 em relação ao total de cursos de Pedagogia. Nota-se, ainda, numa pesquisa
mais minuciosa, que diversos Cursos Normais Superiores que ainda constam no cadastro estão
em processo de extinção, migrando para Cursos de Pedagogia81. Na Sinopse de 2010, referente
a 2009, o INEP apresenta 1.365 Cursos de Pedagogia (sem levar em consideração as
habilitações) e apenas 146 Cursos Normais Superiores82.
Por outro lado, parece haver uma contradição entre o que determina o artigo 62 da LDB,
ao permitir a formação em ensino médio, na modalidade Normal, para professores da Educação
Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, e o artigo 87, da mesma lei, que diz, no seu
parágrafo 4º: “Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores
habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”. Juristas interpretaram
que, estando o artigo 87 nas disposições transitórias, ele não supera o que está determinado no
corpo da lei, ao qual pertence o artigo 62. Nesse mesmo sentido, houve manifestação do
Conselho Nacional de Educação, pelo Parecer CEB 5/97, aprovado em 07 de maio de 1997.
79
Chega-se a esse número pela soma de habilitações específicas nos cursos de Pedagogia.
80
Dados da Secretaria de Educação a Distância do MEC registram que, em 2008, eram oferecidos 52 cursos de
Pedagogia contra apenas 10 cursos normais superiores a distância.
81
Conforme dados coletados em: http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/lista_cursos.asp, acessado
em 20 de julho de 2009. Consulta feita em Abril de 2010 no site do INEP mostra que, no Estado de São Paulo, por
exemplo, 291 instituições oferecem cursos de Pedagogia, enquanto apenas 41 têm a opção de Normal Superior. No
Estado de Minas Gerais, 44 oferecem Normal Superior e 134 Pedagogia. No Estado menos populoso, que é
Roraima, 4 instituições oferecem Normal Superior e 14 oferecem Pedagogia. Acessando os sites das instituições,
percebe-se que em muitas delas o Normal Superior está em processo de extinção.
82
http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/default.asp.
56
3. Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia
A Secretaria de Ensino Superior do Ministério de Educação – SESu/MEC-, por meio
do Edital n. 4, de 4 de dezembro de 1997, iniciou o processo de elaboração das diretrizes
curriculares solicitando às instituições de ensino superior – IES – que enviassem propostas com
as seguintes indicações:
As Diretrizes Curriculares têm por objetivo servir de referência para as IES na
organização de seus programas de formação, permitindo uma flexibilidade na
construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do
conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e
cargas horárias definidas. As Diretrizes Curriculares devem contemplar ainda
a denominação de diferentes formações e habilitações para cada área do
conhecimento, explicitando os objetivos e demandas existentes na sociedade83.
A reestruturação curricular iniciada para os cursos de graduação em geral, como se pode
ver acima e no restante do documento, seguiria os seguintes princípios norteadores: flexibilidade
curricular e dinamicidade do currículo, o que pode favorecer a criatividade, mas também pode
levar a currículo nenhum; adaptação às demandas do mercado do trabalho, ainda dentro da teoria
do capital humano; integração entre graduação e pós-graduação; ênfase na formação geral, o que
garante flexibilidade no mercado e, também, sendo superficial, pode não formar para nada;
definição de competências e habilidades gerais. Dentro do espírito da LDB de 1996, o toque
mais significativo é, pois, o de tornar a estrutura dos cursos de graduação mais flexível, o que
pode levar à polivalência na formação, tornando os diplomados mais intercambiáveis, conforme
as exigências do mercado84. Em 1997, foi aprovado o Parecer CNE/CES 776, que estabelece
parâmetros para a elaboração das Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação. Seu eixo
fundamental é a flexibilidade e a preocupação com o mercado de trabalho. Isso fica claro nos
princípios que, segundo o Parecer, devem nortear as diretrizes:
83
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/e04.pdf. Acesso em: 10 nov. 2011.
84
A luta dos educadores proporcionou avanços, mas também o mercado ditou suas regras.
57
1) Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição
da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim
como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas;
2) Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-
aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de
conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não
poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;
3) Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação;
4) Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado
possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional
e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e
habilitações diferenciadas em um mesmo programa;
5) Estimular práticas de estudo independente, visando a uma progressiva
autonomia profissional e intelectual do aluno;
6) Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competências
adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência
profissional julgada relevante para a área de formação considerada;
7) Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa
individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de
extensão;
8) Incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem
instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca
do desenvolvimento das atividades didáticas.
Com base nesses princípios, e com a finalidade de preparar as Diretrizes curriculares
do curso de Pedagogia, foi nomeada, pela Portaria SESu/MEC n.146 de 10 de março de 1998, a
Comissão de Especialistas composta pelos professores: Celestino Alves da Silva (Universidade
Estadual Paulista – Unesp/Marília); Leda Scheibe, presidente (Universidade Federal de Santa
Catarina – UFSC); Márcia Ângela Aguiar (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE);
Tizuko Morchida Kishimoto (Universidade de São Paulo – USP); e Zélia Mileo Pavão
(Pontifícia Universidade Católica – PUC/PR).
No entanto, como diz Leda Scheibe (2007, p. 47), apesar do
esforço da Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia para articular
uma proposta com vistas à organização curricular do curso, a definição foi
tomada pelo Conselho Nacional de Educação, responsável pela sua
58
regulamentação, somente uma década após a aprovação da LDB/96. Nesses
anos, estiveram em declarada disputa distintas concepções a respeito da
identidade e da organização do curso. À concepção de formação expressa nas
reformas instituídas a partir do Governo de Fernando Henrique Cardoso, na
esteira das mudanças educacionais neoliberais desenvolvidas na América
Latina durante a década de 1990, contrapôs-se o pensamento social-crítico dos
movimentos organizados pelos educadores em busca de uma formulação de
políticas públicas de caráter democrático.
Tendo feito encontros, debates, discussões com os educadores e suas organizações, a
Comissão de Especialistas apresentou, em 1999, uma proposta que, encaminhada à diretoria da
Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, nem chegou a ser analisada, uma vez
que haveria uma contradição entre o artigo 63 da LDB, que destinava aos Cursos Normais
Superiores, estabelecidos nos Institutos Superiores de Educação, a formação de docentes para a
Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, e o esboço das diretrizes que
propunham que essa formação se daria no curso de Pedagogia. E aguardava-se ainda a
regulamentação do Instituto Superior de Educação e o Normal Superior, o que aconteceu em
setembro daquele ano com a publicação da Resolução 1/99 do Conselho Pleno do CNE, que se
inicia assim:
Art. 1º Os institutos superiores de educação, de caráter profissional, visam à
formação inicial, continuada e complementar para o magistério da educação
básica [...].
A definição do Normal Superior, com carga horária mínima de 3.200 h/a, vem no Artigo
6º, que diz que ele é aberto a concluintes do Ensino Médio, devendo preparar profissionais
capazes de atuar na formação infantil, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, e, nesses
mesmos níveis de ensino, podendo atuar na Educação Especial, na Educação Indígena e
Educação de Jovens e Adultos.
O Curso Normal Superior, centrando-se na formação para a docência da Educação
Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, viria fragmentar e enfraquecer a formação do
educador da educação básica, centrando-se no ensino, abandonando a pesquisa, provocando nos
cursos de Pedagogia grande crise de identidade a partir de então. Novamente, há uma cisão entre
59
teoria e prática: uma teoria a ser desenvolvida nos cursos de Pedagogia, e uma prática aprendida
nos cursos normais superiores.
Depois de 1999, diversos documentos foram encaminhados ao CNE com o objetivo de
reforçar a proposta elaborada pela Comissão de Especialistas, como, por exemplo, o
Posicionamento conjunto das entidades85, entregue em novembro de 2001. Nesse documento,
além de reafirmar a proposta enviada, deu-se ênfase a duas teses: 1. a base do curso de Pedagogia
é a docência; 2. o Curso de Pedagogia, porque forma o profissional de educação para atuar no
ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produção e
difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, é, ao mesmo tempo, uma Licenciatura
e um Bacharelado. Foi uma denúncia em relação à dicotomia entre teoria e prática, pois haveria
a formação para uma prática docente na Educação Infantil e séries iniciais, e uma formação
teórica no bacharelado, formando para a pesquisa em educação.
Para Kishimoto (1999, p. 61),
O curso normal superior, recriado pela lei 9394/96, traz uma polêmica ao
separar a formação docente da universitária, propor um curso com menor
tempo de formação, fragmentar o cuidar do educar e desqualificar o quadro de
profissionais responsáveis pelo curso86.
Há, de acordo com Kishimoto (1999, 72), questões muito problemáticas nessa
modalidade de formação:
O tempo de duração do curso, somado à pouca exigência na contratação do
corpo docente, geram consequências de várias naturezas: preconceitos, baixos
salários, baixa identidade do profissional, poucas expectativas de
profissionalização, entre outras.
A autora ressalta ainda:
Outro aspecto que inquieta é a separação entre a formação profissional e a
universitária. O curso normal superior fora do contexto universitário deixa de
85
ANPEd, ANFOPE, ANPAE, FORUMDIR, CEDES e FÓRUM NACIONAL DE DEFESA DA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES.
86
KISHIMOTO, Tizuko Morchida: Política de formação profissional para a educação infantil: pedagogia e normal
superior. Educação & Sociedade, ano XX, n. 68, p.61-79, dez. 1999.
60
oferecer a diversidade, essencial para a formação docente, não se beneficia do
caldo cultural propiciado pelas reflexões sobre as ciências da educação aliadas
ao tratamento dos conteúdos, em um espaço que se torna pedagógico,
transformando-se em campo fértil de flexibilidade, ações criativas e estratégias
de aprendizagem. (KISHIMOTO, 1999, 74)
O Decreto Presidencial 3.276, de 6 de dezembro de 1999, no parágrafo 2º do seu artigo
3º, determina que “a formação em nível superior de professores para a atuação multidisciplinar,
destinada ao magistério na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, far-se-á
exclusivamente em cursos normais superiores” (grifo nosso); atendendo às pressões dos
educadores, em especial dos defensores do Curso de Pedagogia, ameaçado de extinção, o
Decreto 3.554, de 7 de agosto de 2000, trocou o termo exclusivamente por preferencialmente.
Os cursos de Pedagogia puderam respirar mais um pouco em relação à formação docente para
esses níveis de ensino.
Em maio de 2000, o Ministério da Educação publica uma Proposta de diretrizes para a
formação inicial de professores da educação básica, em cursos de nível superior87. Num
documento de 82 páginas, coordenado por Guiomar Namo de Mello, a palavra Pedagogia
aparece uma única vez no corpo do texto, que trata dos seguintes temas:
1. Reforma da educação básica;
2. Demandas da reforma da educação básica;
3. Suporte legal da formação de professores;
4. Questões a serem enfrentadas na formação inicial;
5. Princípios orientadores para uma reforma da formação de professores;
6. Diretrizes para a formação de professores.
Embora não fosse um documento para tratar apenas da educação de competência dos
pedagogos, mas de toda a educação básica, é muito estranho que o termo “pedagogia” tenha
aparecido apenas uma vez. O documento propõe que a educação básica seja vista como um todo
integrado, da Educação Infantil ao Ensino Médio, e defende a ideia de que a reforma curricular
deva ser um instrumento para transformar em realidade as propostas da educação básica.
Destaca, ainda, a necessidade de uma nova organização institucional, definição e estruturação
87
Texto encontrado em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/basica.pdf. Aceso em: 09 jul. 2019.
61
dos conteúdos que respondam às necessidades de atuação do professor [...], estabelecendo a
vinculação entre as escolas de formação inicial e os sistemas de ensino. Depois de fazer uma
análise dos suportes legais da formação de professores, com ênfase na LDB, no Parecer 01/99
CP/CNE e no Decreto 3276/99, o documento faz um levantamento das principais questões a
serem enfrentadas na formação inicial. Esse é o ponto alto da proposta, segundo o nosso ponto
de vista. O documento começa citando uma palavra de Milton da Silva Rodrigues, em 1959, na
USP:
Em poucas palavras, o sistema que admite a concomitância de duas finalidades
– a da formação de cientistas e a da preparação de professores secundários – na
realidade, persegue uma só, a primeira. Os que ficam para a segunda são os que
fracassam em relação à primeira. Fracassam noventa, triunfam dez. É
desumano para os alunos; é um desperdício para a sociedade88. (MEC, 2000, p.
21)
Ainda segundo esse documento, os problemas a serem enfrentados podem ser assim
sistematizados:
a) segmentação da formação e inadequada relação teoria-prática, e entre conteúdos
pedagógicos e conteúdos de ensino (que não merecem atenção necessária);
b) isolamento das escolas de formação em relação à educação básica e aos outros
espaços existentes na sociedade;
c) desprezo à pesquisa e ao acesso às tecnologias da informação e das
comunicações;
d) desconhecimento da cultura trazida pelos professores e falta de possibilidades
para aperfeiçoamento cultural.
É um quadro que preocupa e que pode ser um dos elementos para compreender o
insucesso da educação básica. Para fazer frente a isso, o mesmo documento indica os princípios
orientadores para uma reforma da formação de professores, centrada nas competências como
88
No início do século XXI, a carreira docente apresenta pouco atrativo, os salários estão defasados e, principalmente
nas escolas públicas, o medo causa stress nos professores, que se sentem ameaçados pelos alunos. Terminado o
curso de Pedagogia, de modo especial nas universidades públicas, os “melhores” vão para a pós-graduação; os
outros vão para as salas de aula da educação básica.
62
“modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para
estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos
conhecer”. Mas alerta para que não se descure dos conteúdos, pois “eles assumem papel central,
uma vez que é por meio da aprendizagem de conteúdos que se dá a construção e o
desenvolvimento de competências”. A avaliação é proposta como “parte integrante do processo
de formação, uma vez que possibilita diagnosticar questões relevantes, aferir os resultados
alcançados considerando os objetivos propostos e identificar mudanças de percurso
eventualmente necessárias”. E a pesquisa é proposta como “elemento essencial na formação
profissional de professor”89.
Para isso, as Diretrizes para a formação de professores, segundo o documento, terão
enfoque nas competências (MEC 2000, 48ss); além disso, o documento trata dos seguintes
temas: organização curricular; organização institucional das escolas de formação; avaliação dos
cursos de formação de professores a ser realizada pelas instituições formadoras; avaliação dos
cursos de formação de professores a ser realizada no nível do sistema de ensino (Idem, p.62ss).
Educadores que analisam esse documento percebem o nítido desafio entre o entregar-se
piamente nos braços do mercado, mesmo considerando os avanços das forças produtivas, e a
luta na direção da transformação social. Isso fica claro no comentário feito pela
ANFOPE/FORUMDIR90:
No cerne dessas lutas, encontra-se o reconhecimento da educação como uma
prática social capaz de reproduzir, mas também de inovar e restaurar forças de
intervenção e transformação social. No entanto, é preciso que explicitemos a
que e a quem encaminhamos os projetos que advêm desse processo. Isto é, se
restringimos a vinculação da educação à produtividade no seio dessa sociedade
que ora temos, ou, de outra maneira, sem negar a importância de vincularmos
os projetos educacionais à produção da existência, encontramos formas de
organização, sistematização e expressão de um projeto compromissado com a
revisão das relações sociais de produção e, portanto, com um novo homem a
assumir essas relações.
As entidades criticam ainda diversos pontos do documento: em primeiro lugar, há o
produtivismo que toma conta da educação, que passa a medir a qualidade e o rendimento por
resultados, segundo parâmetros já estabelecidos nas avaliações; há também uma ênfase em
89
Os textos entre aspas são citações literais do documento lido na internet, conforme indicação acima.
90
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/AnpeGoia.pdf. Acesso em: 10 jun. 2009.
63
competências e habilidades para formar professores para o status quo da educação básica, sem
espaço para a contestação, para a recusa e o novo; em terceiro lugar, a relação teoria-prática não
está bem definida, conduzindo mais numa direção técnico-praticista, mais próxima do
tecnicismo dos anos 70; há ainda uma preocupação com o divórcio entre licenciatura e
bacharelado, o que pode separar ensino de pesquisa, pois se enfatizam os conteúdos do saber
fazer, sem discutir criticamente a produção e escolha desses conteúdos; nesse mesmo sentido,
critica-se o fato de não haver ênfase em que essa formação se dê nas universidades,
principalmente, públicas, lócus da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão; há a
preocupação com a ausência de referências sobre o financiamento da educação, o que leva a
pressupor um caminho aberto para a ampla privatização da formação de professores. São
problemas sérios e significativos.
Com base nessas críticas dos educadores, a ANFOPE/FORUMDIR propõe um decálogo
a ser observado:
1. preocupação com a formação que considere a vida humana em todas as suas
dimensões, manifestando-se em uma proposição de educação omnilateral;
2. a docência deve ser a base da formação;
3. considerar o trabalho pedagógico como foco no processo de formação, porém sem
abrir mão de uma sólida formação teórica;
4. garantia de ampla formação cultural;
5. a articulação entre a proposta curricular e as vivências no campo escolar e em
outros campos de atuação docente ao longo do processo de formação, desde o
início do curso;
6. a assunção da pesquisa como princípio educativo de formação, sem desvincular
as diferentes formas de constituição e materialização da pesquisa;
7. a possibilidade de vivência e análise das formas de gestão democrática; o
desenvolvimento e a reafirmação do compromisso social e político da docência;
8. reafirmação constante sobre os diferentes projetos de formação do professor e
suas condições de trabalho e de existência;
9. avaliação permanente dos cursos de formação;
64
10. conhecimento das possibilidades de trabalho docente nos vários contextos e áreas
do campo educacional91.
Esta proposta discutida pela comunidade acadêmica resultou no Parecer CNE/CP 9/2001,
que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. É sintomático observar que
no documento que trata de formação de professores, em 56 páginas da Internet, embora apareça
57 vezes o termo pedagógico (a, os, as), não aparece o termo Pedagogia uma única vez! Mas
aparece 6 vezes a expressão Normal Superior.
Dando continuidade à pesquisa exploratória do histórico da elaboração das Diretrizes
Curriculares do Curso de Pedagogia, segue abaixo a indicação dos principais documentos que
auxiliam a compreensão do projeto de formação dos pedagogos. Em tempos de transição,
percebe-se uma fúria legiferante, parece que para fugir da Pedagogia.
Iniciamos pelo Parecer 133 de 30 de janeiro de 2001, do CNE/CES, que presta
esclarecimentos quanto à formação de professores para atuar na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, determinando que ela será dada em Curso Normal Superior
oferecido por Institutos Superiores de Educação. No mesmo ano, são publicados o Parecer
CNE/CP 27/2001, que altera item 3.6., alínea “c” do Parecer CNE/CP 9/2001, que trata dos
estágios, e o Parecer CNE/CP 28/2001, que dá nova redação do Parecer CNE/CP 21/2001,
estabelecendo a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, reforçando o mínimo de
2.800, não podendo ser integralizado em tempo inferior a três anos, inclusive para o Curso
Normal Superior.
Em 2001, foi sancionada a lei que estabelece o Plano Nacional de Educação (Lei
10.172/2001), cujo item IV trata do Magistério da Educação Básica. O diagnóstico (BRASIL,
2001, p. 137ss) feito com base nos dados do MEC/INEP/SEEC, de 1998, deixa clara a situação
calamitosa da deficiência da formação docente para a Educação Infantil e séries iniciais do
Ensino Fundamental. Para a Educação Infantil 29.458 professores e para o Ensino Fundamental
91
Síntese por mim elaborada a partir de texto postado em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ AnpeGoia.pdf.
Acesso em: 10 jun. 2009.
65
mais de 100 mil professores necessitam de formação, ao menos, na modalidade normal, de nível
médio.
Ao estabelecer as diretrizes, o Plano indica a valorização do magistério como ponto
central da tarefa a ser cumprida (BRASIL, 2001, p.141s), o que implica os seguintes requisitos:
uma formação profissional que assegure o desenvolvimento da pessoa do educador enquanto
cidadão e profissional; o domínio dos conhecimentos objeto de trabalho com os alunos e dos
métodos pedagógicos que promovam a aprendizagem; um sistema de educação continuada que
permita ao professor um crescimento constante de seu domínio sobre a cultura letrada, dentro de
uma visão crítica e da perspectiva de um novo humanismo92; jornada de trabalho organizada de
acordo com a jornada dos alunos, concentrada num único estabelecimento de ensino e que inclua
o tempo necessário para as atividades complementares ao trabalho em sala de aula; salário
condigno, competitivo, no mercado de trabalho, com outras ocupações que requerem nível
equivalente de formação; compromisso social e político do magistério.
A Lei que aprova o Plano Nacional de Educação assume alguns dos seus princípios
(BRASIL, 2001, p. 142s): Na formação inicial é preciso superar a histórica dicotomia entre
teoria e prática, e o divórcio entre a formação pedagógica e a formação no campo dos
conhecimentos específicos que serão trabalhados na sala de aula; a formação continuada assume
particular importância, em decorrência do avanço científico e tecnológico e da exigência de um
nível de conhecimentos sempre mais amplo e profundo na sociedade moderna. Este Plano,
portanto, deverá dar especial atenção à formação permanente (em serviço) dos profissionais da
educação; quanto à remuneração, é indispensável que níveis mais elevados correspondam a
exigências maiores de qualificação profissional e de desempenho.
Com base nisso, o Plano estabelece as seguintes diretrizes (BRASIL, 2001, p.143s) para
a formação dos profissionais da educação e sua valorização: formação cultural e teórica nos
conteúdos específicos e pedagógicos; foco formativo na atividade docente, tendo a pesquisa
como princípio formativo; trabalho coletivo interdisciplinar; contato com a realidade, com os
temas atuais da cultura e da economia, e com as novas tecnologias desde o início da formação;
92
“Novo humanismo”, expressão no item 10.2 da Lei 010172/2001, que aprova o Plano Nacional de Educação.
Depreende-se da leitura da Lei que esse novo humanismo implica uma educação que leve em consideração a
superação das desigualdades sociais.
66
formação para a inclusão; formação para a gestão democrática e para o desenvolvimento do
compromisso social e político.
A seguir, são estabelecidos objetivos e metas (BRASIL, 2001, p. 144ss), que podem
assim ser resumidos:
1. estabelecer planos de carreira com piso salarial e jornada integral num único
estabelecimento, tendo garantido o tempo para estudo, preparação de aulas e
reuniões;
2. garantir que, em 5 anos, todos os professores de Educação Infantil e séries iniciais
tenham pelo menos o Ensino Médio adequado;
3. que em 10 anos, 70% dos professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental
e 100% dos professores de Ensino Médio tenham formação específica em nível
superior;
4. estabelecer, dentro de um ano, as diretrizes para formação de professores93;
5. formação específica para a inclusão e para o respeito e difusão dos elementos
culturais e religiosos dos indígenas, afro-brasileiros e trabalhadores rurais;
6. formação docente em serviço, presencial ou a distância, generalizando as
licenciaturas em período noturno nas IES públicas;
7. interiorização da formação de professores;
8. expansão dos cursos de especialização, mestrado e doutorado com ênfase na
formação de pessoal especializado na educação;
9. formação de professores para a alfabetização, em convênio com estados e
municípios;
10. formação de pessoal técnico administrativo para a educação;
11. avaliação periódica do trabalho educacional.
Na Mensagem nº 9, enviada ao Congresso em 09 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001,
p.169-174), o presidente da República comunica nove vetos ao Projeto de Lei do PNE, todos
93
As diretrizes da Pedagogia, depois de muitas lutas da comunidade acadêmica, só serão aprovadas cinco anos
depois. O Anexo 1 traz um quadro comparativo entre a Proposta da ANFOPE e a Proposta do CNE para as Diretrizes
Curriculares.
67
relativos aos recursos para implantar o Plano. O mais significativo deles foi para não permitir,
como previa o Projeto do PNE, a vinculação dos investimentos em educação ao PIB, até atingir
os 7%.
Em 2002, o Conselho Pleno do CNE publica a importante Resolução 1/2002, que
institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica,
em nível superior, curso de licenciatura, graduação plena, com base no Parecer CNE/CP 9/2001,
analisado acima, na qual também não aparece o termo Pedagogia. Ainda em 2002, o Conselho
Pleno do CNE publica a Resolução 2/2002, tomando por base o Parecer 28/2001, que institui a
duração e a carga horária de, no mínimo, 2.800 horas para os cursos de licenciatura, de graduação
plena, de formação de professores da Educação Básica, em nível superior, especificando a
integralização em, no mínimo, três anos, com duzentos dias letivos/ano, sendo 400 horas de
prática, 400 de estágio curricular supervisionado, 1800 horas de aulas para os conteúdos
curriculares de natureza científico-cultural e 200 horas para outras formas de atividades
acadêmico-científico-culturais.
Em 2003, foi aprovado pela Câmara de Ensino Superior do CNE, o Parecer CNE/CES
67/2003, que estabelece o Referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos
cursos de graduação.
Entre 1999 e 2005, houve silêncio do MEC e do Conselho Nacional de Educação em
relação às novas diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia, uma vez que esse curso,
como previa a legislação, estaria sendo substituído pelo Curso Normal Superior, nos Institutos
Superiores de Educação que incorporariam todas as licenciaturas. Em 10 de setembro de 2004,
a ANFOPE, ANPEd e CEDES enviaram ao Conselho Nacional de Educação um documento
contendo sugestões para as Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia. Por essas e outras
iniciativas e pela pressão dos educadores e de suas entidades, o tema foi reaberto e o Conselho
apresentou, no dia 17 de março de 2005, uma Minuta de Resolução das Diretrizes para
apreciação dos educadores e da comunidade civil em geral. A comunidade acadêmica reagiu a
essa minuta que propunha o curso de Pedagogia como licenciatura, com duas habilitações
distintas: magistério da Educação Infantil e magistério dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Dispunha ainda que o projeto pedagógico de cada instituição poderia prever qualquer
uma das habilitações ou ambas, na forma de estudos concomitantes ou subsequentes, assim como
ficou estabelecido para o Curso Normal Superior. Fica patente a fragmentação da formação que
68
esse modelo geraria. ANFOPE, ANPEd e CEDES manifestaram-se e solicitaram uma audiência
ao Conselho Nacional de Educação, apontando, segundo Scheibe94, as seguintes críticas à
minuta: o documento contraria as aspirações históricas dos educadores em relação às diretrizes
curriculares nacionais para o Curso de Pedagogia, além de reduzi-lo ao que se pretendeu
estabelecer para os Cursos Normais Superiores, não levando em consideração estudos
sistemáticos e avançados em educação. Critica-se, ainda, a proposição de um bacharelado pós-
licenciatura, afirmando que isso representa clara desvalorização da formação para a docência,
pois não se leva em consideração que a Pedagogia tem uma rica tradição em formar o bacharel
e o licenciado ao mesmo tempo, sem dicotomias. Aponta-se a dissonância entre a concepção de
organização curricular expressa nesse projeto e na proposta elaborada pela Comissão de
Especialistas da Educação da SESu. Outro problema é que, como está previsto na minuta,
haveria um reforço da formação de especialistas em cursos de especialização, representando uma
forte privatização, por estarem esses, na sua maioria, em mãos de IES privadas.
A mobilização nacional em relação à minuta apresentada pelo CNE deu resultado. Depois
de ampla discussão, a Comissão do CNE elaborou um novo Parecer, CNE/CP 5/2005, que foi
aprovado em reunião do Conselho Pleno do CNE, no dia 13 de dezembro de 2005, na presença
dos representantes da ANFOPE, CEDES e FORUMDIR. Iria Brzezinski, representante do
CEDES, parafraseando Anísio Teixeira, afirmou: “Vitória? Porém meia vitória”.
A aprovação não foi unânime. O conselheiro César Callegari, em voto separado,
reconhece o mérito da elaboração do parecer e do respectivo projeto de resolução, mas chama a
atenção para “aquilo que contém de restritivo ao que dispõe o artigo 64 da Lei nº 9.394/96 (a
formação dos especialistas)”. E conclui afirmando que “aquilo que a Lei dispõe, só uma outra
Lei poderá dispor em contrário”.
O conselheiro Francisco Cordão vota favoravelmente ao Projeto de Resolução proposto,
anexo ao citado Parecer 5/2005, mas ressalta “a importância da manutenção dos Pareceres
CNE/CP nº 9/2001 e nº 27/2001 e da Resolução CNE/CP nº 1/2002, que instituem Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica, em nível
superior, curso de licenciatura, de graduação plena, já reafirmado no presente Parecer”.
94
Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 130, jan./abr. 2007.
69
O conselheiro Paulo Monteiro Vieira Braga Barone também vota favoravelmente, mas
deixa registrada a sua insatisfação ante a eliminação da modalidade bacharelado no curso de
Pedagogia, nos seguintes termos:
Por outro lado, não poderia deixar de apontar que a formulação apresentada
contém uma contradição intrínseca no que se refere à definição do Pedagogo,
que leva à especificação de apenas uma modalidade de formação, a
licenciatura. Essa definição, que afirma inicialmente ser o Pedagogo o
professor de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
reveste em seguida esse profissional de atributos adicionais que deformam
consideravelmente o seu perfil. Talvez a solução para essa contradição lógica
fosse a admissão de um espectro mais amplo de modalidades de formação,
como o bacharelado, não previsto no Parecer.
Outra questão que merece comentário é a fixação de carga horária mínima para
a graduação em Pedagogia, distinta daquela fixada para todas as demais
licenciaturas. Não apenas esse fato constitui uma impropriedade em si, como
os argumentos de maior complexidade do processo formativo, que sustentam a
diferenciação, não sobrevivem diante das comparações relativas às condições
similares verificadas nas demais licenciaturas.
Por fim, afirmo minha convicção de que seria possível progredir um pouco
mais neste trabalho de modo a abranger de forma mais ampla os componentes
acadêmicos e legais da formação de Pedagogos, como convém às Diretrizes
Curriculares Nacionais para este curso de graduação.
Diante de tais votos, o ministro da Educação solicita ao Conselho um reexame do Parecer
5/2005, o que resultou na aprovação do Parecer CP/CNE nº 3/2006, conforme texto completo,
Anexo 3. Esse parecer deu nova redação ao art. 14 da Resolução95 anexa ao Parecer CP/CNE n°
5/2005, que ficou assim:
Art. 14. A Licenciatura em Pedagogia nos termos do Parecer CNE/CP nº
5/2005 e desta Resolução assegura a formação de profissionais da educação
prevista no art. 64, em conformidade com o inciso VIII do art. 3º da Lei nº
9.394/96.
§ 1º. Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de pós-
graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a todos os
licenciados.
§ 2º. Os cursos de pós-graduação indicados no § 1º deste artigo poderão ser
complementarmente disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino, nos
termos do Parágrafo único do art. 67 da Lei nº 9.394/96.
95
A redação anterior do Artigo 14 era esta: “A formação dos demais profissionais de educação, nos termos do art.
64 da Lei nº 9.394/96, será realizada em cursos de pós-graduação, especialmente estruturados para este fim, abertos
a todos os licenciados. Parágrafo único. Os cursos de pós-graduação poderão ser disciplinados pelos respectivos
sistemas de ensino, nos termos do art. 67 da Lei nº 9.394/96”, disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf. Acesso em: 13 out. 2011.
70
O conselheiro Francisco Aparecido Cordão votou contrariamente à proposta de alteração
do art. 14 do Projeto de Resolução aprovado,
por entender que a mesma desconfigura o que tem de mais inovador no texto
aprovado em dezembro último por este Conselho Pleno e que representa uma
afronta às Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de Professores da
Educação Básica. (...) a emenda retificativa proposta pela Comissão Bicameral
de Formação de Professores transforma o curso de Pedagogia em um curso
genérico e desfigurado, sem condições de contribuir efetivamente tanto para a
valorização dos professores e da sua formação inicial quanto para o
aprimoramento da Educação Básica no Brasil.
O debate acima demonstra que há ainda muitas questões abertas em relação à formação
de pedagogos e que merecerão discussões e até novos rumos. De todo modo, as Diretrizes96 estão
postas; bem ou mal, elas foram negociadas com a comunidade acadêmica, apresentando as
seguintes características gerais que representam algumas conquistas e outras tantas
preocupações. Segundo ponto de vista adotado no presente trabalho, são conquistas:
1. superação da dicotomia – bacharelado x licenciatura: porque resolve o impasse
criado entre a opção de formar o pedagogo no docente ou formar o docente no
pedagogo;
2. organização dos estudos por núcleos: se, de um lado é boa, por permitir maior
flexibilidade, de outro, pode significar a incerteza e o empobrecimento dos
conteúdos necessários à formação do pedagogo;
3. a duração passa de 2800 para 3200 horas que, sendo horas/relógio, garante mais
tempo para uma formação tão ampla quanto a prevista nas diretrizes;
4. a possibilidade de aprofundamento em outras áreas constantes do currículo: é uma
conquista, desde que não deixe de lado os conteúdos, competências e habilidades
imprescindíveis à formação;
5. extinção das habilitações: porque auxilia a superaração da fragmentação na
formação do pedagogo.
96
Leda Scheibe informa, em reunião com educadores na UFSCar, no início de setembro de 2009, à qual estive
presente, que, diante das notas baixas obtidas pelos cursos de Pedagogia no ENADE, existe um movimento na
ANPEd para alteração das Diretrizes, reforçando, principalmente a dimensão prática do curso (a questão teoria-
prática é o eixo da discussão no último capítulo).
71
Entende-se que sejam preocupações:
1. a abrangência da formação de docentes das séries iniciais e da educação infantil;
de especialistas em gestão, supervisão, orientação, educação especial, indígena e
quilombola; coordenação pedagógica; formação para a pesquisa em ciência da
educação, etc. é uma preocupação porque sobrecarrega o curso com uma
formação generalista que, pretendendo formar para tudo, pode acabar não
formando para nada.
2. os princípios das diretrizes são princípios mais abrangentes, que permitem todo e
qualquer tipo de configuração curricular, dependendo dos interesses teórico-
práticos de cada instituição, o que pode levar também à incerteza quanto aos
conhecimentos que devem ser contemplados pelo curso;
3. o Parecer não se refere ao pedagogo, mas ao licenciado em Pedagogia: é uma
expressão genérica que não favorece a identidade da profissão.
Embora a relação teoria e prática, tema desta tese, esteja bem elaborada no Parecer, não
lhe foi dado tratamento aprofundado na Resolução, enfraquecendo sua fundamentação.
72
CAPÍTULO III
DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE PEDAGOGIA: A DIFÍCIL SUTURA
ENTRE TEORIA E PRÁTICA
1. Relação teoria e prática na formação de professores: tipologias
Com foco na história, dentro da perspectiva gramsciana, o objetivo é fazer a análise das
diretrizes curriculares do curso de Pedagogia e da Resolução 2, CNE/CP/201597, para uma
melhor compreensão da formação do pedagogo e da própria educação em geral no Brasil.
Há, aqui, uma preocupação em trabalhar especialmente a questão da relação teoria e
prática na formação do pedagogo, a partir das diretrizes curriculares do curso de Pedagogia, sem,
contudo, perder de vista a inserção dessa temática no universo mais amplo da educação
brasileira. Não se pretende ir apressadamente do detalhe para o todo, nem fragmentar o objeto
da pesquisa.
Em 1929, em seu primeiro caderno escrito no cárcere, no meio de material heterogêneo,
Gramsci (1975, p. 22) fez a observação: “O ossinho de Cuvier98. Observação ligada à nota
precedente. O caso Lombroso. A partir de um pequeno osso de rato, às vezes, se reconstruía um
monstro imaginário”. Isso chama a atenção para o limite do particular e para o cuidado com as
generalizações apressadas e definitivas. Coerente com essa percepção, Gramsci é pródigo nas
expressões: a ser averiguado, merecendo ser aprofundado, é preciso distinguir este fato, etc.
Mas, ao mesmo tempo, alguns meses depois de escrever a nota sobre o ossinho de Cuvier,
Gramsci (1978, p. 146) conclui uma carta à sua mulher, em 30 de dezembro de 1929, com esta
observação: “Pode ocorrer, e antes é muito provável, que algumas de minhas apreciações sejam
exageradas e até mesmo injustas. Cuvier costumava reconstruir um megatério ou um mastodonte
97
Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura,
cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
98
É uma referência à atitude “científica” do naturalista francês Georges Cuvier (1769-1832) que, a partir de um
ossinho, reconstrói um dinossauro.
73
partindo de um ossinho, mas pode ocorrer também que com um pedaço de rabo de rato chegue-
se, ao contrário, a uma serpente marinha”.
Empregar esse método proposto por Gramsci na leitura e na crítica das diretrizes
curriculares do curso de Pedagogia é um grande desafio para quem foi formada na escola da
metafísica. À luz de Gramsci, fiz a leitura das Diretrizes Curriculares com o intuito de identificar
nelas a relação entre teoria e prática na formação do pedagogo, uma análise que, por uma questão
de aprendizado no contexto, passa também pela minha experiência de aluna, professora,
coordenadora de curso de Pedagogia e diretora, como direi adiante.
Nas Diretrizes, que têm por objetivo regular a formação daquele que atua diretamente
nas salas de Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, que será
administrador, coordenador, supervisor, avaliador, que será responsável pelo planejamento e
pesquisador da ciência da educação, a relação teoria e prática apresenta-se muito frágil,
demonstrando ser incapaz de realizar uma sutura eficaz entre o mundo dos conceitos e o mundo
das ações concretas.
A partir das leituras, reflexões, práticas pedagógicas e de toda experiência profissional,
e com a finalidade de compreender melhor o objeto da tese, esta pesquisa procura estabelecer as
relações fundamentais entre teoria e prática, na formação do educador99:
a) Aplicação da teoria na prática: as escolas normais e faculdades de Pedagogia tinham,
e muitas ainda têm a chamada escola de aplicação100, onde os estudantes treinam e praticam o
exercício de conferir a eficácia de conceitos e métodos estudados nos bancos de suas escolas de
professores. Parece haver uma relação de mão única, numa visão dicotômica (e não dialética)
99
O estudo dessa tipologia será aprofundado no final deste capítulo, quando se fará a análise das entrevistas com
pedagogos. Esta “tipologia” é um pequeno ensaio de minha autoria, levando em consideração àquelas produzidas
por Gramsci, Saviani, etc.
100
Visitei, em dezembro de 2011, o conjunto de escolas projetadas por Ramos de Azevedo, e construídas na
passagem do século XIX para o século XX, no interior da reforma republicana da educação, em Itapetininga, onde
deveriam se instalar a Escola Normal, Escola Modelo Preliminar e Escola Modelo Complementar. Tombadas pelo
Patrimônio Histórico, lá estão os imponentes prédios a emprestar glamour a uma fase da história da Educação no
Brasil. Uma das salas instaladas hoje no antigo porão da escola é mais adequada, aconchegante, arejada e bonita do
que muitas das salas “nobres” das “escolas de Eternit” da segunda metade do século XX. Mais informações sobre
o conjunto de Escolas de Itapetininga em: http://peixotogomide.blogspot.com/2007/09/histrico-de-nossa-
escola.html; e no livro: CORRÊA, Maria Elizabeth Peirão; NEVES, Helia Maria Vendramini; MELLO, Mirella
Geiger de. Arquitetura escolar Paulista: 1820-1920. São Paulo: FDE. Diretoria de Obras e Serviços, 1991.
74
em que a res cogitans desce ao mundo material da res extensa101. Nessa relação, há um sentido
de onipotência da teoria em relação ao mundo da prática. Mostram-se aí bem fortalecidas, dentre
outras, as duas primeiras regras de Descartes (1999, p. 1; 5) na orientação do espírito:
Regra I. Os estudos devem ter por meta dar ao espírito uma direção que lhe
permita formular juízos sólidos e verdadeiros sobre tudo que se lhe apresenta.
Regra II. Os objetos com os quais devemos nos ocupar são aqueles que nossos
espíritos parecem ser suficientes para conhecer de uma maneira certa e
indubitável.
Há, portanto, uma teoria clara e completa que, bem assimilada, será capaz de dar conta
da multifacetada realidade educacional, sem questioná-la. Quando o estagiário, na escola de
aplicação, não se torna um mero auxiliar barato do trabalho docente, o máximo que existe é uma
tentativa de esclarecer mais os conceitos e aprender novos métodos para interferir naquela
realidade concreta e modificá-la segundo os objetivos da mesma teoria. É o que se chamava
antigamente de preparação para, entre outras coisas, a “regência” de sala de aula. Isto também é
importante, mas não é disto que se trata aqui. Pode-se dizer que esta é uma dimensão teoricista
da relação teoria e prática.
b) Da prática para a teoria: parte-se de um contato superficial e aligeirado com o
mundo da prática; de poucos casos e de uma observação sem muita direção, a não ser da
capacidade de coletar dados fragmentados, elaboram-se teorias com pretensões generalizantes.
Nesse caso, sem terem sido iluminados por uma teoria sólida e consistente, os estudantes de
Pedagogia, revestidos do senso comum e de um mosaico de supostos conhecimentos (de um
saber de epígrafes), constroem teorias que oscilam como birutas de aeroporto sob o comando
dos ventos. Ora acreditam que a solução esteja numa rígida disciplina; ora defendem a ideia de
uma escola mais democrática; por vezes, tornam-se adeptos de um trabalho mais conteudista;
em outras ocasiões passam a defender uma escola do “aprender a aprender”. E, em geral, não se
dão conta de suas próprias oscilações e muito menos dos fundamentos teóricos e políticos de
suas posições.
101
Para o racionalismo de Descartes, a res cogitans é a “coisa pensante”, o sujeito que pensa, e que se encontra
limitado por uma res extensa, o seu próprio corpo, que é material.
75
Isso acontece também nas pesquisas em educação quando pesquisadores partem da
observação do singular, da coleta de dados a respeito da prática de um professor, numa sala de
aula, ou das reações de um aluno, e daí deduzem teorias de grande alcance, dando um salto para
o universal (no sentido da generalização). Aqui faz bastante sentido a observação de Gramsci
sobre o Ossinho de Cuvier, visto anteriormente. E, nesse caso, os trabalhos tornam-se mais
descritivos do que explicativos; alguns trabalhos assemelham-se mais a relatos jornalísticos do
que a dissertações de mestrado ou teses de doutorado.
Pode-se dizer que se trata de um empirismo apressado, em que, de um rápido e superficial
processo indutivo chega-se à conclusão; em que, no lugar de novas teorias explicativas, criam-
se neologismos para dar conta da mesma realidade. A minha vivência como educadora e as
pesquisas realizadas ao longo deste trabalho levaram-me à conclusão de que, quando se pensa
que a ciência da educação avançou, foram as palavras que sofreram mudanças - às vezes, para
pior.
c) Um ensino teórico para uma prática profissionalizante: trata-se também de uma
direção de mão única, da escola para a empresa, a fábrica, o comércio, a agricultura, os serviços.
Nesse caso, a educação pode ser rebaixada à condição de treinamento. As escolas definidamente
profissionalizantes formam, adaptam, condicionam o futuro trabalhador. Seu currículo está
cheio de métodos e técnicas para tornar o trabalhador eficiente. Para a nova forma de acumulação
capitalista, forma-se um trabalhador flexível, para relações de trabalho e legislação também
flexíveis.
A educação tecnológica das classes proletárias interessa tanto aos trabalhadores quanto
a seus empregadores, o que gera uma condição contraditória. Se os capitalistas, para enfrentar a
concorrência, necessitam de trabalhadores mais qualificados, estes, por sua vez, tornam-se mais
exigentes e autônomos. Mas também os trabalhadores concorrem entre si, buscando os melhores
cursos que os coloquem em situação privilegiada no mercado, reproduzindo assim, entre uns e
outros, a perversidade do modo capitalista de produção: uma concorrência que desumaniza a
todos. Isso não significa que os pais que buscam uma melhor escola tecnológica para seus filhos
sejam burgueses e alienados. Significa que a luta pela educação, para ser completa, precisaria
incluir a busca da formação intelectual e física, na perspectiva omnilateral e não do homem
parcelado, fragmentado, de um executor robotizado.
76
Na formação do pedagogo, há uma preocupação com o aprendizado das novas
tecnologias de informação e de comunicação, para a utilização dos recursos tecnológicos e para
a nova linguagem da Educação a Distância. Nesse caso, o mundo da prática, com suas novas
tecnologias, determina os currículos da Pedagogia. Nos seus anúncios para a conquista de novos
alunos, as instituições propagam a existência de laboratórios de informática, salas equipadas para
aulas na forma de teleconferências, etc. O fetiche da tecnologia, nesse caso, pode ofuscar a busca
de fundamentos teóricos mais sólidos para a prática educativa. Os meios suplantam os
fundamentos e a finalidade da educação.
d) Práxis educativa: enfim, a concepção da relação entre teoria e prática na
perspectiva daquilo que se pode chamar de práxis educativa. Teoria e prática não se constituem
em momentos estanques e dicotômicos na realidade; são os dois lados de um mesmo bastão.
Para Dermeval Saviani (2008, p. 125ss), há dois grandes movimentos no universo do
conhecimento: o primeiro é o da lógica formal, que para no momento analítico e, portanto,
abstrato; o segundo se dá quando o pensamento se propõe a apropriar-se da realidade concreta que,
sendo síntese de múltiplas determinações e ricas relações, é unidade na diversidade, algo
complexo que articula elementos opostos. O método dialético não estaciona na formulação do
conceito (abstrato); ele percorre também o caminho inverso, recompondo os elementos
identificados, rearticulando-os no todo, de modo a perceber e explicitar suas relações. Passa-se,
portanto, de uma visão confusa, caótica, sincrética do fenômeno estudado, chegando, pela
mediação da análise a uma visão sintética, articulada e concreta, um conhecimento, porém,
sempre provisório, pois o movimento dialético continua. A lógica dialética é a lógica dos
conteúdos que só faz sentido se partir da prática social e a ela retornar, para recomeçar o ciclo
do conhecimento e da transformação da realidade. Saviani (2008, ao desenvolver o infográfico
abaixo, explica que, entre a Prática Social 1 (ponto de partida) e a Prática Social 2 (ponto de
chegada, para nova partida), há os momentos intermediários da problematização,
instrumentação e catarse: a problematização implica a tomada de consciência dos problemas
enfrentados na prática social; a instrumentação é a apropriação dos instrumentos teóricos e
práticos necessários para a compreensão, a solução e aprofundamento dos problemas levantados
ou detectados na prática social; a catarse é a incorporação dos elementos constitutivos da
aprendizagem na própria vida dos estudantes.
77
Figura 1 – Prática Social
Fonte: SAVIANI (2008, p.130)
Essa relação se dá naqueles cursos que têm um Projeto Político-Pedagógico
comprometido com a transformação social, com muita seriedade e profundidade no estudo das
teorias articuladas dialeticamente com a realidade concreta; implica a encarnação dessa mesma
realidade com o intuito de modificá-la, ao mesmo tempo em que a própria teoria é questionada.
É o que se dá, por exemplo, nos “Círculos de Cultura” de Paulo Freire e também no que ele
chama de “leitura do mundo”, no conjunto de seus artigos reunidos sob o título de “A
importância do ato de ler”102. Essa relação exige uma opção radical pela mudança da realidade
concreta.
Cuba, ao ter iniciado a revolução socialista, em 1959, centrou esforços para tentar
resolver os problemas da educação, num país de analfabetos. Segundo Trojan (2008, 56), citando
102
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1982.
78
Gutierrez, em 1961, Cuba lançou uma Campanha Nacional de Alfabetização que erradicou o
analfabetismo, contando, de início, com “Maestros Voluntarios, passou à organização de cursos
acelerados para preparação de professores emergentes e, gradativamente, para uma formação de
nível médio e depois superior (GÓMEZ GUTIÉRREZ, 2006, p. 5)”.
O texto continua:
No contexto atual, toda a política educacional cubana encontra-se vinculada ao
projeto de universalização da educação superior, no qual se destaca o modelo
de formação docente. Esse modelo de formação – para todos os níveis, da
educação infantil à educação superior – tem como elementos fundantes a
unidade entre educação e instrução e a articulação entre estudo e trabalho, o
que torna esse modelo uma referência para estudo. Cuba apresenta uma única
instituição formadora para os docentes da educação básica e um modelo único
de formação, que admite além da via presencial apenas a via apenas
semipresencial. Para que a educação cumpra sua função social, o modelo
cubano tem defendido a articulação entre formação docente e ensino, entre
educação e estudo e entre pesquisa e trabalho. (TROJAN, 2008, p. 55)
Interessa ao tema da pesquisa principalmente o final desta citação, em que se diz que,
para que a educação cumpra a sua função social, o modelo cubano tem defendido a articulação
entre:
- formação docente e ensino;
- educação e estudo;
- pesquisa e trabalho.
A dicotomia Teoria e Prática certamente poderá ser vencida pela articulação entre estudo
e trabalho, o que referenda o “trabalho como princípio pedagógico”. Uma articulação superficial,
como costuma acontecer nos cursos de formação de professores no Brasil, em que a Prática de
Ensino, muitas vezes, é teórica, e o Estágio Supervisionado está dissociado da teoria, será a
perpetuação dessa dicotomia.
Um dos princípios do Programa Geral de Estudos da Graduação em Cuba é a “vinculação
entre os conteúdos de aprendizagem com a prática social” (TROJAN, 2008, p. 58). Como lemos
em Trojan, a partir de 1991, houve mudanças no sistema de formação de professores,
destacando-se esses princípios:
79
- Lograr que la formación se realice en el trabajo y para el trabajo;
- El aumento de la preparación pedagógica, sociológica y psicológica de los
estudiantes y el fortalecimiento de los conocimientos y habilidades para
conocer con profundidad a los educandos con los cuales trabajarán;
- Lograr que los egresados de estas carreras sean, ante todo, pedagogos y que
ello los distinga como profesionales universitarios. (GÓMES GUTIÉRREZ,
2006, p.8 apud TROJAN, 2008, p. 58)
Novamente aparece a centralidade do trabalho e a distinção dos professores como
profissionais formados em universidades.
No texto dessa autora, ainda se diz que:
Os Institutos Superiores Pedagógicos, com um único Projeto, centralizado no
Ministério da Educação (MINED), sob a coordenação do Instituto Pedagógico
Latinoamericano y Caribeño, são responsáveis pela formação inicial e
permanente dos profissionais da educação, pela pós-graduação, pesquisa e
extensão universitária. [...] Em primeiro lugar, possibilita uma formação teórica
mais sólida e aprofundada e, em segundo lugar, a relação entre teoria e prática
se realiza, efetivamente, ao longo de todo o curso, combinando ensino e
trabalho. (TROJAN, 2008, p. 59)
O curso se completa em cinco anos, sendo o primeiro ano em tempo integral,
concentrando-se em fundamentos teóricos, com carga horária diária de seis horas.
Pelo que se depreende do artigo de Trojan (2008), ao longo de todo o texto, a identidade
do professor está na preocupação com a aprendizagem dos alunos, numa relação íntima com a
prática social.
Para completar, segundo Moacir Gadotti, na apresentação do livro Quem sabe, ensina;
quem não sabe, aprende: educação em Cuba103:
Cuba é um país que levou a sério a educação. Nisso ela tem muito a nos ensinar.
Seguindo a filosofia de José Martì, para quem “a melhor maneira de dizer é
fazer”, o trabalho [grifo do autor] tem sido, em Cuba, o maior educador da
juventude. Não apenas o trabalho produtivo, mas igualmente o trabalho
pedagógico de construção coletiva de uma sociedade justa e de bem-estar para
todos.
103
Contracapa do livro Quem sabe, ensina; quem não sabe aprende: a educação em Cuba, 2.ed. CAMPINAS:
Papipus, 1986, de Rubens Pantano Filho e outros.
80
Nesse sentido, aqui se define um pouco mais o tipo de trabalho de que se falou, na
integração teoria e prática, ou seja, na práxis pedagógica.
2. Relação teoria e prática nas Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia
A Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006104 (daqui por diante será citada apenas
como “Resolução”), que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação
em Pedagogia, na modalidade licenciatura, define amplas possibilidades de atuação do
profissional pedagogo, como se pode ler no artigo 2º:
As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação
inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e
em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem
como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Foi uma vitória para uma profissão ameaçada de extinção do início dos anos noventa aos
primeiros anos do século XXI, conforme fora visto na história do curso e das diretrizes
curriculares.
O parágrafo primeiro do artigo 2º define a docência como:
[...] ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído
em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos,
princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre
conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a
processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento,
no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo.
Tudo isso parece muito vago, de uma abrangência universal, mas que não desce ao chão
da concretude. E, com isso, é um “tudo” que pode ser igual a “nada”. Se se tomar a norma na
integridade de seu sentido, pode-se dizer que se trata de uma proposta também ousada, que exige
a formação de um profissional altamente qualificado e competente; define-se como um processo
104
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 15 abr. 2011.
81
que envolve o cognitivo, o afetivo, além das dimensões éticas, estéticas e sociais. Presume-se
daí uma práxis educativa capaz de dar conta de todas as tarefas.
Já no parágrafo segundo do mesmo artigo, a Resolução diz que:
§ 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação
e reflexão crítica, propiciará:
I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas;
II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de
conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-
ecológico, o psicológico, o lingüístico, o sociológico, o político, o econômico,
o cultural.
Parece ser muito frágil a relação proposta entre teoria e prática, mais adequada ao
primeiro sentido analisado acima: aplicação da teoria na prática. Isso fica muito claro no inciso
II, em que o termo aplicação é utilizado para expressar essa relação. Isso revela um sentido
muito difundido em diversos cursos em que os conteúdos das áreas de fundamentos (filosofia,
sociologia etc.) são considerados propedêuticos, e, portanto, preparatórios, e não propriamente
como partes integrantes dos saberes necessários à formação daquele profissional. Nesse caso há
uma separação entre a teoria (fundamentos) e a prática (didáticas, estágios, etc.), sem interação
entre os docentes, os programas e as atividades de formação dessas áreas. No lugar da integração,
há uma dicotomia na matriz curricular, com disciplinas estanques e, às vezes, visivelmente
separadas no currículo: no início do curso estão as disciplinas de fundamentos, seguidas do meio
para o final com as práticas.
No artigo terceiro, repete-se que o estudante de Pedagogia trabalhará com um conjunto
de informações e habilidades composto por uma pluralidade de conhecimentos teóricos e
práticos. Se no parágrafo acima o teórico-prático poderia dar o sentido das duas pontas do
mesmo bastão, aqui são realidades que se separam pela conjunção aditiva “e”, e, uma vez
separadas, podem nunca mais se encontrar.
Depois de falar de uma genérica educação para e na cidadania, o documento (artigo 3º)
diz que é central na formação do pedagogo a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados
de investigações de interesse da área educacional, além da participação na gestão de processos
educativos e na organização e funcionamento de sistemas e instituições de ensino.
82
Aparece novamente o termo aplicação, dando a impressão de que os educadores
responsáveis pelos debates e pela redação das diretrizes estão bastante contaminados pelas
famosas escolas de aplicação existentes ao lado de uma Escola Normal ou de um Curso de
Pedagogia. A aplicação parece vir depois do aprendizado obtido nas investigações. Restaria
saber se as tais investigações partiram da prática e a ela retornaram, no sentido da práxis,
conforme o modelo número quatro da relação entre teoria e prática apresentado acima.
O artigo quarto praticamente repete o segundo ao definir as funções a serem exercidas
pelo profissional pedagogo, o que se completa pelo perfil do egresso definido nos dezoito incisos
e mais dois parágrafos do artigo seguinte, conforme se pode ler no anexo B. A leitura cuidadosa
desse artigo sugere que o pedagogo deve ser formado para ser um super profissional, pronto para
todas as tarefas mais complicadas da educação. Ele deve estar preparado para ser professor da
Educação Infantil e das séries iniciais, com todos os conhecimentos e competências que essa
tarefa exige; trabalhar em espaços escolares e não escolares, em cursos regulares ou especiais,
com formação de comunidades indígenas ou quilombolas, na Educação de Jovens e Adultos e
na formação para o trabalho; dominar tecnologias da informação e da comunicação; ser gestor e
saber cuidar das relações com a família, a comunidade e a sociedade; ter consciência das
diversidades; ser pesquisador, conhecer e saber ensinar as metodologias etc. São super poderes,
tão abrangentes, que podem enfraquecer as especificidades da competência do pedagogo.
A estrutura do curso de Pedagogia, segundo a Resolução, é constituída de um núcleo de
estudos básicos, um núcleo de aprofundamento e diversificação dos estudos e um núcleo de
estudos integradores.
No primeiro núcleo, aparece quatro vezes o termo aplicação, dentro da concepção muito
restrita da relação teoria para a prática:
a) aplicação de princípios, concepções e critérios oriundos de diferentes áreas
do conhecimento, com pertinência ao campo da Pedagogia, que contribuam
para o desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade;
b) aplicação de princípios da gestão democrática em espaços escolares e não-
escolares;
c) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de
desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões
física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial;
d) estudo, aplicação e avaliação dos textos legais relativos à organização da
educação nacional. (RESOLUÇÃO, art. 6º, inciso I)
83
Esse núcleo inclui ainda o desenvolvimento da capacidade de fazer diagnósticos da
realidade e de planejar, executar e avaliar a própria atividade nos campos da educação que lhe
compete, em especial, na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Inclui
o estudo da didática e dos diferentes códigos de linguagens referentes aos conteúdos a serem
ensinados nesses níveis de ensino.
Há ainda duas alíneas, para as quais se exigiria uma super formação do pedagogo:
e) estudo das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural,
cidadania, sustentabilidade, entre outras problemáticas centrais da sociedade
contemporânea;
f) atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto
do exercício profissional, em âmbitos escolares e não-escolares, articulando o
saber acadêmico, a pesquisa, a extensão e a prática educativa. (RESOLUÇÃO,
art. 6º, inciso I)
O Núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos amplia a abrangência dos
objetivos do curso, dando atenção às investigações sobre processos educativos e gestoriais,
preparando ainda o futuro profissional para avaliação, criação e uso de textos, materiais
didáticos, procedimentos e processos de aprendizagem que contemplem a diversidade social e
cultural da sociedade brasileira. Esse é outro daqueles objetivos de difícil alcance, dadas as
condições de grande parte das instituições e ao preparo dos alunos, por faltar a muitas delas
infraestrutura, e a muitos deles o capital cultural inicial para sua compreensão.
Esse núcleo propõe metas ainda mais altas como o estudo, análise e avaliação de teorias
da educação, a fim de elaborar propostas educacionais consistentes e inovadoras.
A estrutura do Projeto Pedagógico, segundo a Resolução, se completa com o Núcleo de
Estudos Integradores, com o objetivo de enriquecimento curricular, incluídos aí os seminários,
iniciação científica, monitoria e extensão. Todas essas atividades devem ser, obviamente,
acompanhadas e orientadas pelo corpo docente da instituição.
Esse núcleo prevê ainda a realização de atividades práticas, de modo a propiciar
vivências, nas mais diferentes áreas do campo educacional, assegurando aprofundamento e
diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos pedagógicos. Nessa alínea,
parece que há uma tentativa de realização da práxis educativa, no sentido do modelo número
quatro apresentado anteriormente; mas, ao mesmo tempo, por não ir adiante e não ser mais
84
explícita a indicação nessa direção, fica-se com a impressão de que as atividades práticas
acabam se restringindo à aplicação de conhecimentos teóricos na prática, vivências fragmentadas
e mera aprendizagem técnica de utilização de recursos pedagógicos, quase num nível de
instrumentação. Esse núcleo se completa com atividades genéricas de comunicação e expressão
cultural.
No inciso I do Artigo sétimo, ao distribuir a carga horária, a Resolução menciona
novamente as atividades práticas de diferente natureza, sem que isso signifique uma relação
dialética teoria e prática, em que a prática é vista à luz da teoria e, ao mesmo tempo, modifica-a
de modo dinâmico.
Restariam as trezentas horas obrigatórias de Estágio Supervisionado e as cem horas de
atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos,
por meio de iniciação científica, da extensão e da monitoria, como prevê ainda o artigo sétimo.
Ao definir as formas de integralização dos estudos no curso de Pedagogia, a Resolução
determina que sejam feitas por meio de disciplinas, seminários e atividades de natureza
predominantemente teórica; práticas de docência e gestão educacional; atividades
complementares, incluindo aí o Trabalho de Curso105, a monitoria, a iniciação científica e a
extensão; tudo completado pelo estágio curricular.
Os artigos nono e décimo determinam que os cursos de licenciatura em Pedagogia sejam
estruturados com base nessa Resolução, extinguindo a partir do período letivo seguinte as
habilitações em cursos de Pedagogia. É um salto para um curso que se viu ameaçado pelo Curso
Normal Superior em Institutos Superiores de Educação. Certamente, uma vitória dos educadores,
como fora visto, no segundo capítulo.
Os artigos de onze a treze são operacionais na fase de transição e o artigo quatorze torna-
se importante, resolvendo a polêmica anteriormente citada:
A Licenciatura em Pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE/CP nos 5/2005
e 3/2006 e desta Resolução, assegura a formação de profissionais da educação
prevista no art. 64, em conformidade com o inciso VIII do art. 3º da Lei nº
9.394/96106.
105
O inciso III do artigo 8º fala em Trabalho de Curso e não em Trabalho de Conclusão de Curso. Esta nomenclatura
parece ser mais plausível, pois não é necessário aguardar o final do curso para se iniciar uma monografia.
106
Lei 9.394/96, Art. 64: “A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção,
supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em Pedagogia ou
85
A Resolução, abrindo possibilidades para os licenciados em outras áreas, determina no
parágrafo primeiro deste artigo que:
§ 1º Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de pós-
graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a todos os
licenciados.
E indica os caminhos para regulamentar essa possibilidade:
§ 2º Os cursos de pós-graduação indicados no § 1º deste artigo poderão ser
complementarmente disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino, nos termos do parágrafo único
do art. 67 da Lei nº 9.394/96.
3. A relação teoria e prática no Parecer CNE-CP 5/2005
Se a Resolução indica que a relação entre teoria e prática na formação do pedagogo está
mais no nível da aplicação das teorias na prática educacional e esta aparece de maneira
fragmentada, é necessário recorrer ao Parecer, que antecede a Resolução, com o intuito de lá
buscar os fundamentos de tal relação. Depois de fazer um breve histórico do curso de Pedagogia,
o Parecer 5-2005 CNE-CP de 13 de dezembro de 2005, faz uma crítica à dicotomia entre teoria
e prática. O parecer esclarece que
Durante muitos anos, a maior parte dos que pretendiam graduar-se em
Pedagogia eram professores primários, com alguma ou muita experiência em
sala de aula. Assim, os professores das escolas normais, bem como boa parte
dos primeiros supervisores, orientadores e administradores escolares haviam
aprendido, na vivência do dia-a-dia como docentes, sobre os processos nos
quais pretendiam vir a influir, orientar, acompanhar, transformar107.
em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional”.
A polêmica refere-se ao lócus da formação do pedagogo: curso Normal Superior ou curso de Pedagogia?
107
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf, p. 4. Acesso em: 15 abr. 2011.
86
Em seguida, tratando explicitamente da relação teoria e prática, continua:
À medida que o curso de Pedagogia foi se tornando lugar preferencial para a
formação de docentes das séries iniciais do Ensino de 1º Grau, bem como da
Pré-Escola, crescia o número de estudantes sem experiência docente e
formação prévia para o exercício do magistério. Essa situação levou os cursos
de Pedagogia a enfrentarem, nem sempre com sucesso, a problemática do
equilíbrio entre formação e exercício profissional, bem como a desafiante
crítica de que os estudos em Pedagogia dicotomizavam teoria e prática108.
Essa parece continuar sendo a grande diferença entre a metafísica e o materialismo
histórico-dialético, entre a escolástica e o marxismo. A dicotomia fecha os contrários, uns diante
dos outros, não permitindo o movimento. A lógica formal Aristotélico-Tomista considera os
fenômenos como estáticos, admitindo que uma coisa permaneça sempre igual a si mesma
(princípio da identidade); ao mesmo tempo proclama que uma coisa não pode ser igual a outra
coisa (princípio da não-contradição); e uma terceira lei muito importante: a coisa é isto ou aquilo
(princípio do terceiro excluído). Embora, pela teoria do ato e da potência, Aristóteles tente salvar
o movimento, a lógica formal tem mais utilidade para analisar a realidade estática. E, neste
momento, o que mais interessa é o princípio do terceiro excluído em que os termos são ligados
(ou desligados) pela disjuntiva “ou”: teoria ou prática. Assim, tem-se a dicotomia, ou no
máximo a justaposição, unindo dois termos pela conjunção aditiva “e”, teoria e prática.
Quando a teoria se torna um dogma, a prática se transforma num mero lugar de aplicação
do que foi pensado de modo organizado; quando a prática substitui a teoria, a ação fica vazia de
sentido. Na II Tese sobre Feurbach, Marx (1987, p. 12), ao criticar a visão escolástica, assim se
exprime:
A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não
é uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o homem deve demonstrar
a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento. A
disputa sobre a realidade ou não realidade do pensamento isolado da práxis é
uma questão puramente escolástica.
Segundo o Parecer109,
108
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf, p. 4. Acesso em: 15 abr. 2011.
109
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf, p. 4.
87
[...] o curso de Pedagogia passou a ser objeto de severas críticas, que
destacavam o tecnicismo na educação, fase em que os termos Pedagogia e
pedagógico passaram a ser utilizados apenas em referência a aspectos
metodológicos do ensino e organizativos da escola.
Isso teria feito alguns estudiosos do processo educacional envergarem a vara para o lado
oposto e a entender que a prática teria menor valor. Essa contradição entre posturas diversas fica
clara no texto a seguir:
Ponderavam que estudar processos educativos, entender e manejar métodos
de ensino, avaliar, elaborar e executar planos e projetos, selecionar conteúdos,
avaliar e elaborar materiais didáticos eram ações menores. Já outros críticos,
estudiosos de práticas e de processos educativos, desenvolveram análises,
reflexões e propostas consistentes, em diferentes perspectivas, elaborando
corpos teóricos e encaminhamentos práticos. Fundamentavam-se na concepção
de Pedagogia como práxis, em face do entendimento que tem a sua razão de
ser na articulação dialética da teoria e da prática. Sob esta perspectiva,
firmaram a compreensão de que a Pedagogia trata do campo teórico-
investigativo da educação, do ensino e do trabalho pedagógico que se realiza
na práxis social.
Como se depreende daí, o conceito de práxis retorna quando o Parecer discorre sobre o
perfil do licenciado em Pedagogia, ao afirmar que o curso de Pedagogia trata do campo teórico-
investigativo da educação, do ensino, da aprendizagem e do trabalho pedagógico que se realiza
na práxis social.
O Parecer ainda destaca que o trabalho pedagógico e a ação docente constituem-se na
centralidade do processo formativo do Licenciado em Pedagogia. Isso reforça a ideia de que o
objetivo é formar o Pedagogo no Docente (discussão já feita em capítulo anterior). Analisando
o contexto todo do Parecer e da Resolução percebe-se que o trabalho é entendido muito mais
como aplicação e treinamento prático do que como lugar a partir do qual o pedagogo se forma
em confronto com a teoria.
Pela análise realizada da Resolução, fica claro que nela está ausente este conceito de
Pedagogia como práxis, no quarto sentido dado aqui à relação entre teoria e prática.
Já na Resolução 2/2015 CNE/CP, há mais generosidade na utilização dos termos e
conceitos que relacionam a teoria e a prática, e, mesmo na dimensão dialética da práxis. O termo
88
“prática” aparece 29 vezes na resolução; a relação “teoria e prática”, 3 vezes; a expressão
“teórico-prática”, 2 vezes; e o termo “práxis”, na perspectiva dialética, 2 vezes. Embora a
“prática”, às vezes, pode ser confundida com a instrumentalização do professor para “praticar”
a docência110, houve grande avanço na direção da relação dialética da práxis pedagógica. Mas
não dá ainda para identificar os efeitos dessa mudança, na prática educativa, o que não nos
permite avançar na análise de nosso objeto.
4. Relação teoria e prática no cotidiano e no pensamento dos docentes
Se, até aqui, as análises partiram de teorias, de autores consagrados, de pareceres e
resoluções, o trabalho volta-se para o empírico, garimpando experiências para trazê-las ao debate
da comunidade dos educadores. Esta parte traz algo novo, pois apresenta o ponto de vista e a
fala dos protagonistas, formados nos “projetos pedagógicos” dos cursos de Pedagogia, ao longo
de mais de trinta anos.
Para um estudo empírico, pensou-se em primeiro lugar em analisar Projetos Político-
Pedagógicos de Cursos de Pedagogia, selecionados a partir de modalidades e estruturas diversas,
como públicos e privados, diurnos e noturnos, em tempo parcial e integral, nas décadas de 1980,
1990 e 2000, comparando-os antes e depois das novas diretrizes curriculares. Mas, após a análise
dos primeiros PPPs111, tanto de instituições públicas quanto privadas, percebeu-se o pouco valor
heurístico do trabalho, pois eles simplesmente reproduzem os termos da legislação, desde a
Constituição Federal até às Diretrizes Curriculares, passando pelas definições de educação da
110
No artigo 13, parágrafo 1º dessa resolução, o estágio supervisionado passa de 300 para 400 horas; mais 400 horas
de prática como componente curricular, distribuídas ao longo do processo formativo; passa de 100 para 200
(duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes,
por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria, entre outras, consoante o
projeto de curso da instituição. Houve, portanto, um grande acréscimo na dimensão prática do curso. Os seus efeitos
poderão ser analisados, se forem colocados em prática esses acréscimos.
111
Nesta primeira etapa, foram analisados cinco PPPs de Cursos de Pedagogia vigentes em épocas diferentes: (1)
IES Pública Federal – década de 1990, pós 9394/1996; (2) IES Privada – década de 2000, antes da Resolução
CNE/CP 1/2006; (3) IES Privada – década de 1980, antes da Constituição de 1988; (4) IES Pública Estadual – pós
Resolução CNE/CP 1/2006; (5) IES Comunitária – pós Resolução CNE/CP 1/2006. Uma rápida leitura de outros
projetos pedagógicos disponíveis na Internet serviu apenas para confirmar as primeiras conclusões. Com auxílio de
um técnico em informática, os projetos digitalizados foram inseridos num programa Farejador de Plágio, o que
mostrou coincidências entre os textos dos Projetos Político-Pedagógicos e dos textos normativos dos cursos de
Pedagogia que atingiram índices próximos a 70%!
89
LDB e de outros documentos do CNE. A análise não faria avançar no conhecimento do objeto
da pesquisa, a relação teoria e prática na formação do pedagogo.
Como o trabalho de entrevistas semiestruturadas já havia sido iniciado, com roteiro
prévio, conforme anexo 4, dando, porém, liberdade para o rumo da conversa, o que ajudaria a
captar até elementos que não faziam parte do escopo. Para não tolher a liberdade diante de um
gravador, as entrevistas foram anotadas e redigidas posteriormente (são os seis primeiros
profissionais em destaque na tabela abaixo).
Ao chegar à elaboração desta seção, houve a necessidade de ampliar o leque da pesquisa,
utilizando as facilidades das novas tecnologias de informação e comunicação, enviando
questionários por meio eletrônico para diversas categorias de pesquisados. No total, foram
enviados quarenta questionários, dos quais, depois de alguma insistência e contatos telefônicos
e até pessoais, obtive exatamente 50%, ou seja, vinte respostas que, somadas às seis entrevistas,
permitiram analisar as falas de vinte e seis pedagogos que exercem ou exerceram funções
diversas nas escolas, formados em épocas diferentes, em instituições públicas e privadas, nos
períodos noturno, diurno e integral. Para facilitar a identificação do tipo de profissional
entrevistado, mantendo a privacidade de cada participante, um número foi atribuído a cada um
deles e foi elaborada a tabela abaixo. Os entrevistados serão citados pelos números entre
parênteses.
90
Fonte: a autora (2019)
Legenda:
Nº do Período de IES IES NOTURNO DIURNO INTEGRAL FUNÇÃO ATUAL EXPERIÊNCIA
entrevistado formação PÚBLICA PRIVADA ACUMULADA
1 1993-1996 X X SuE Est. PEB I (t) Est./
DE Est.
2 1991-1994 X X DE Est. EI e Mun./
PEB I (e) Est.
3 1978-1980 X X Docente IES Federal PEB I Priv.
4 2007-2010 X X EI (t) Mun. PEB I (t) Est.
5 2008-2010 X X EI Priv. Monitor EI Priv.
6 2003-2005 X X PEB I (e) Mun. PEB I (t) Est.
7 2000-2002 X X PEB I (e) Est. EI (t) Mun.
8 2002-2005 X X PEB I (e) Est. PEB I (t) Est.
9 2000-2004 X x PEB I (e) Est./ CP Est./
PEB I Priv. EI (t) Est.
10 1978-1980 X X DE Est. PEB I (e) Est.
11 2001-2005 X X CP Est. PEB I (e) Est.
12 1999 -2003 X X OE Est. EI (e) Mun./
PEB I (e) Est.
13 1994 -1998 X X Psicopedagogo Est. PEB I (e) Est./
PEB I Priv.
14 1978-1980 X X PEB I (e) Est./ PEB I Priv./
EI (e) Est. CP Priv.
15 2003-2005 X X Coordenador de Creche Mun. EI (t) Mun./
PEB I (e) Est.
16 1978-1980 X X SecE Municipal PEB I (e) Est./
PEB II (t) Est.
Língua Inglesa
17 1993-1996 X X Docente IES Priv. PEB I Priv./
CP Priv.
18 1978-1980 X X PEB I (e) Est./ PEB I (e) Est./
CP Est. EI Priv.
19 2007-2010 X X PEB I (e) Est. PEB I Priv.
20 2003-2005 X X PEB I (e) Mun. EI (t) Mun.
21 1978-1980 X X PEB I (e) Est./ PEB I Priv.
91
PEB I Priv.
22 2003-2005 X X EI (e) Mun./ EI (t) Mun.
EI Priv.
23 1993-1996 X X SuE Est. PEB I (e) Est./
DE Est.
24 2003 -2007 X X CP Priv. PEB I Priv.
25 1993-1996 X X DE Est./ PEB I Priv./
Docente IES Priv. PEB I (e) Est.
26 2007-2010 X X EI Priv. PEB I Priv.
CP – Coordenador Pedagógico
DE – Diretor de Escola
(e) Efetivo (concursado)
EI – Educação Infantil
Est. – Estadual
IES – Instituição de Ensino Superior
Mun. – Municipal
OE – Orientador Educacional
PEB I – Professor Ensino Fundamental
PEB II – Professor Ensino Médio
Priv. - Instituição Privada
Pub. – Instituição Pública
SecE – Secretário de Educação
SuE – Supervisor de Ensino
(t) Temporário (contrato precário, sem concurso)
A barra (/) separa funções e cargos diferentes.
92
As entrevistas foram muito produtivas: muitas confirmaram as primeiras conclusões a
que havíamos chegado; algumas fizeram avançar na discussão e retornar aos textos teóricos para
reescrever trechos do trabalho. Foi justamente essa relação dialética, do empírico ao abstrato
(analítico) e deste ao concreto, que permitiu o aprofundamento do conhecimento do objeto da
pesquisa112.
Dos entrevistados, 14 se formaram em IES Públicas e 12 em IES Privadas, sendo que 12
cursaram Pedagogia no período noturno; 6, no período diurno; e 8, em período integral. Os
entrevistados cursaram Pedagogia entre 1978 e 2010, exercendo atualmente as mais diversas
funções na educação: supervisão, direção, coordenação, docência em Educação Infantil, Ensino
Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior, em Instituições da rede pública ou privada de
ensino, do sistema federal, estadual (e DF) e municipal.
Houve, portanto, uma preocupação com a diversidade dos entrevistados, considerando a
importância dos dados quantitativos, embora não tenha havido uma preocupação em abranger
um universo muito grande, mas a diversidade de atores; o objetivo foi o de compreender o objeto
da pesquisa de maneira mais aprofundada. Tendo isso em vista, alguns entrevistados foram
abordados mais de uma vez com a finalidade de esclarecer alguns pontos de sua fala.
Nas respostas, em geral, percebem-se as seguintes recorrências: na rede pública há mais
preocupação com a formação em fundamentos da educação, em cursos de duração mais longa,
enquanto na rede privada há um enfoque mais prático na formação dos pedagogos. Percebe-se,
também, que, em relação ao tempo de formação, aqueles que se formaram há mais tempo,
principalmente em instituições públicas, tiveram suas leituras mais centradas nos clássicos,
enquanto os mais novos leram mais textos dos “reformadores da educação da Espanha”113, além
de Perrenoud, Edgar Morin etc. As pesquisas também informaram que, nas instituições públicas,
mesmo que alguns docentes tenham passado pela experiência das escolas da rede pública ou
privada, a maioria está centrada nas atividades acadêmicas da pesquisa e do Ensino Superior,
com pouco ou nenhum contato com a prática em sala de aula ou gestão na educação básica, até
112
Isso está explicado na letra e) do capítulo III, sobre a “práxis educativa”.
113
O catalão Antoni Zabal, J. Gimeno Sacristán (Universidade de Valencia), A. I. Pérez Gómez (Universidade de
Málaga), Mariano Fernández Enguita (Universidade de Salamanca) impulsionaram a reforma espanhola da
educação no final do século XX, baseada na pedagogia de projetos, competências e habilidades, escola de
resultados, com enfoque cognitivista/construtivista, reforma importada pelo ministro da Educação Paulo Renato de
Souza, por ocasião da elaboração dos PCNs, na década de 1990.
93
porque o regime de dedicação exclusiva não lhes permite tal envolvimento; enquanto, nos cursos
de Pedagogia nas IES privadas, há mais docentes envolvidos com tal prática: são professores,
diretores de escolas, coordenadores, supervisores etc. tendo, inclusive, alguns docentes em
Ensino Superior em tempo integral. Enquanto aqueles estão mais ligados às atividades práticas
de estágio supervisionado, atividades complementares e extensão, estes colaboram e assumem
mais as atividades de auxílio à pesquisa, à elaboração do Trabalho de Curso e à iniciação
científica114.
As principais e mais significativas respostas dos entrevistados serão transcritas. O
número entre parênteses corresponde ao número do entrevistado conforme tabela acima, o que
permitirá caracterizá-lo melhor.
A formação, no meu tempo, na universidade pública, tinha um enfoque maior
na leitura dos clássicos da educação: começávamos por Hesíodo, Homero e os
filósofos da Grécia antiga. Não havia o presentismo da formação atual. Na
Paideia grega aprendíamos a formação para o dizer e para o fazer; da maiêutica
socrática à educação na República de Platão ou na Política e Ética a Nicômaco
de Aristóteles; da educação romana à educação cristã, da patrística de
Agostinho (De magistro) à escolástica tomista; da reforma de Lutero e sua carta
aos príncipes alemães sobre a educação do povo, à Didática Magna de
Comênio, na arte de ensinar tudo a todos; passando pela revolução científica,
com atenção especial por Galileu, ao racionalismo cartesiano e o empirismo e
iluminismo da modernidade; demos muita atenção ao método indutivo de
Francis Bacon, com seu Novum Organum, e o intrigante texto de La Boitié,
Discurso da Servidão Voluntária, que nos levou, depois, a compará-lo com A
resposta à pergunta ‘o que é esclarecimento’ de Kant; essa trajetória nos levou
aos princípios da educação burguesa desposados pela Revolução Francesa,
indo do Emílio de Rousseau ao Rapport de Condorcet. Houve uma preocupação
muito grande com a leitura dos críticos dessa educação burguesa, o
materialismo histórico dialético, principalmente pela leitura dos textos de Marx
e Engels que, posteriormente, foram comparados com o positivismo de
Augusto Comte e com a Sociologia de Durkheim e Weber; dentre os autores
do século XX, estudamos muito os textos de Gramsci e fizemos uma leitura da
História da Educação inspirada nos textos de Mario Alighiero Manacorda. Essa
formação clássica, eu penso, nos dava mais condições de desenvolvimento da
Razão Crítica enquanto, hoje, parece-me que os cursos estão mais voltados para
aquilo que chamaríamos de “razão técnica ou instrumental”; essa formação que
procuramos dar continuidade, especialmente com os alunos da pós-graduação,
nos permite fugir do imediatismo, do “didaticismo” e da ditadura dos meios.
Eu penso que hoje há um embate entre o tempo longo das leituras clássicas, da
discussão e da reflexão, e o tempo fugaz dos “torpedos” no celular (3).
114
Os pedagogos entrevistados estão se referindo aos professores de rede pública ou privada que foram seus mestres
no curso de Pedagogia.
94
A fala do entrevistado nº 3, formado no final da década de 1970 em Universidade Pública,
revela que a preocupação com a relação teoria e prática passava por uma sólida formação
teórica, permitindo fugir do imediatismo dos discursos da moda.
Eu trabalhei pouco tempo como professor da educação básica, mas isso não me
tornou um alienado em relação a ela. Eu trabalho com formação de professores
da educação básica, tanto a formação inicial, no curso de Pedagogia, quanto na
formação continuada, em serviço, nos projetos de extensão. E eu entendo que,
sem uma sólida formação teórica, nós teremos115 executores de planos e
sistemas de ensino pré-estabelecidos, mas não pedagogos educadores e
protagonistas. Enquanto nós líamos obras inteiras de autores clássicos antes de
produzir nossos papers, atualmente, o quantitativismo das avaliações da
CAPES está obrigando a uma produção em série que se reduz a um copiar e
colar da internet ou à publicação de textos “requentados” para “engordar” o
currículo Lattes (3).
Para estabelecer o confronto de ideias, será dado um salto para ouvir o formando de 2010
de uma IES privada, com curso de três anos de duração.
Nós tivemos bons professores por estarmos numa cidade onde há mestrado e
doutorado em educação há muito tempo. Pela nossa condição de vida tivemos
que enfrentar as salas de aula desde cedo, como estagiários em escolas privadas
de educação infantil, na “escola da família”116. Eu também participei do
Programa “Bolsa Alfabetização” que me colocou em contato direto com a
prática de sala de aula. Para mim foi muito interessante, porque, pelos
professores que tive, eu consegui aprofundar nos estudos teóricos para criticar
essa prática; isso me entusiasmou no estudo da Pedagogia e tem permitido que
eu me destaque no meu trabalho, nas séries iniciais e na educação infantil.
Continuei trabalhando direto, após o término do curso no final do ano passado.
É claro que, se eu tivesse tido mais tempo e condições, eu teria estudado mais,
lido mais. No entanto, eu me sinto bem preparada para enfrentar os desafios do
dia a dia. Além disso, há uma formação que se adquire com a reflexão a partir
da própria prática docente (26).
Esta fala representa e resume bem outras que foram na mesma direção, por terem tido
experiências semelhantes. Ao seu final, percebe-se uma influência das teorias educacionais mais
recentes do “professor reflexivo”, sobretudo de Perrenoud, que propõe a reflexão na ação.
“Teremos”, porque ainda serão formados.
115
116
Programa do Governo do Estado de São Paulo, pelo qual o estudante se dedica ao trabalho com a comunidade,
numa escola pública, no final de semana, em troca de uma bolsa integral no seu curso.
95
Mas, o que aconteceu com alguns pedagogos que fizeram um curso baseado na leitura
dos clássicos (ou de resumo dos clássicos), sem contato com a realidade da educação básica,
tendo experiência apenas de estágios aligeirados? A resposta transcrita abaixo é representativa
desse tipo de formação do pedagogo que estudou de 2007 a 2010, em Universidade Pública, em
tempo integral:
Eu cursei uma universidade pública. A maior parte dos professores,
principalmente os da área de fundamentos, “viajava” num mundo que não
existe na prática. As metodologias, por sua vez, foram muito fragmentadas em
teorias e práticas que não se colavam. A gente mantinha uma grande distância
da prática educacional. Parece que estávamos sendo formados apenas para
fazer projetos para ingressar na pós-graduação. Sabe quando parece que as
coisas não se “costuram”? É o que sentíamos; inclusive nossa turma chegou a
conversar com o coordenador. Mas, a gente também sabe que, pela autonomia
na Universidade Pública, o coordenador do curso tem pouca voz ativa: ele
exerce mais um papel administrativo, burocrático, do que de líder do Projeto
Pedagógico do curso. Quando eu tive que enfrentar pela primeira vez um
processo seletivo para valer, eu percebi que estava por fora. O professor de
Estrufunc117 só sabia fazer a crítica da escola, mas não nos ensinou, como a
gente sabe que outros professores fazem, nada de legislação e de estrutura da
educação, que é o que mais cai nos concursos, tanto municipais quanto
estaduais. Nossa cabeça saiu cheia de ideias e críticas, mas sem saber “amarrar
o sino no rabo do gato”. Quem conseguiu alguma coisa é porque estudou
apostilas ou fez cursinho para os concursos. Na prática, depois, a gente leva um
susto. É o chão de uma escola sem estrutura, alunos revoltados e, muitas vezes,
agressivos e diretor mandando a gente aprovar todo mundo. Chega a desanimar.
Não vou negar, estou preparando um projeto para mestrado. Eu fui formada
para isso (4).
É muito interessante ouvir também um pedagogo formado na década de 1990 em
Universidade Pública e que hoje ocupa cargo importante na rede estadual de São Paulo, na
função de supervisor de ensino:
Realmente, eu acho que o curso de Pedagogia tem dificuldade em promover o
equilíbrio entre uma formação teórica e uma formação para a prática. Quando
eu terminei o curso, eu tinha belas teorias na cabeça, mas a prática foi
desmontando tudo. Como minha formação teórica tinha sido mais sólida, eu
consegui preencher as lacunas estudando aquilo que era solicitado nos
concursos públicos. Tentei vários, até que chegou um dia acabei passando.
Muitos desistiram, eu continuei. Hoje, em nossa diretoria de ensino, eu sou
capaz de ter uma visão mais global dos problemas da rede e da formação dos
117
É assim que muitos alunos se referem à disciplina “Estrutura e Funcionamento da Educação Básica”.
96
pedagogos. Estamos num Estado em que há pouca valorização dos docentes da
educação básica. O salário é muito baixo. Quem tem mais condições, luta para
subir alguns degraus na carreira; outros ficam tentando a universidade, em
programas de pós-graduação; e há aqueles que se acomodam. Já não acreditam
que a educação seja redentora e sabem que não ganham o suficiente para isso.
Então eles cumprem o mínimo. A sociedade é que precisa dar um choque de
reflexão sobre a educação. O governo tem mandado material, a gente oferece
cursos para os coordenadores nas oficinas pedagógicas. Mas o problema é
estrutural. Entra governo, sai governo, e as mudanças são superficiais. Minha
sugestão é que a única esperança está numa revolução no campo da educação
(1).
Uma pedagoga formada em 2010 praticamente resumiu uma das questões mais sérias do
tema “relação teoria e prática” nos cursos de Pedagogia.
Sem experiência nenhuma e com pouca orientação no curso de Pedagogia, nós
tínhamos a pressa em extrair conclusões da observação imediata, de uma classe,
um aluno, um professor. Nesse caso, respondendo ao que você me perguntou,
hoje eu percebo que a relação teoria e prática era muito frágil e a gente ficava
mudando de teoria a todo instante, porque a prática mudava, as experiências se
sucediam. Não percebíamos uma relação sólida e fecunda entre as duas
realidades. No estágio tentávamos aplicar o que aprendíamos em aula (em
geral, sem muito sucesso) e, nas aulas, já elaborávamos teorias a partir do
cotidiano. E pensávamos que seriam teorias de longo alcance. Mas, logo seriam
substituídas por outras, supostamente também de longo alcance (19).
Essas foram algumas falas significativas e representativas do universo pesquisado, que
deixaram clara a dificuldade de se dar uma “definição” única do papel do pedagogo na educação,
uma vez que sua trajetória é cheia de percalços, vai e vem, com muitas mudanças em poucas
décadas. Nesse sentido, busca-se, ao final deste trabalho, dar uma resposta a essas inquietações.
97
5. A relação teoria e prática em minha formação e experiência profissional
Este capítulo será concluído com a descrição de minha experiência acerca da relação
entre teoria e prática no curso de magistério de Ensino Médio (antigo Curso Normal), no
exercício da profissão de professora no Ensino Fundamental, no meu curso de Pedagogia,
novamente no exercício da profissão no Ensino Fundamental, na direção de escola de educação
básica, na docência em curso de Pedagogia em instituição privada de ensino, na coordenação
deste curso e na diretoria de graduação. Entendo que esta seja uma forma de fazer uma reflexão,
a distância, sobre a própria experiência e a própria ação, em relação ao objeto desta tese. Ao
fazer as entrevistas reaviva-se o percurso feito por mim, no processo formativo e no exercício
da profissão. Este último texto é confessante, no sentido de expor a autora da tese, como
protagonista no processo de formação do pedagogo. Isso também fornece ao leitor o ponto exato
da fala da pesquisadora, o que poderá auxiliar na compreensão de suas afirmações. Além disso,
aquela que entrevistou outros profissionais expõe-se, de certa forma, à análise que poderá ser
feita pelos leitores.
Como aluna de Magistério de Ensino Médio, estudei os dois primeiros anos (1982 e 1º
semestre de 1983) na Escola Joaquim Ribeiro, em Rio Claro, e os dois últimos (2º semestre de
1983 a 1985) na Escola Estadual Joaquim Toledo de Camargo, em Itirapina, no Estado de São
Paulo.
Em Rio Claro, fazíamos estágio de observação: seguia-se um roteiro para analisar o tipo
de comportamento que o professor manifestava e as respostas que as crianças davam a este tipo
de comportamento, além do material utilizado, metodologia, relação com os alunos – produzia-
se um relatório que era entregue para o supervisor de estágio e muitas vezes discutido com os
colegas de curso. Procurava-se classificar que tipo de ensino ele ministrava, sua visão de mundo
e de educação. Ao mesmo tempo, os estagiários estavam à disposição para auxiliar o professor:
acompanhar os alunos com mais dificuldade de aprendizagem, auxiliar na correção dos cadernos,
na disciplina da sala; além disso, substituíamos o professor quando se ausentava, coordenávamos
brincadeiras na hora do intervalo.
As professoras (todas eram mulheres) aceitavam bem porque eram auxiliadas; em Rio
Claro, como primeiro contato com a prática, como tarefa da aula de didática, as alunas (também
98
eram todas mulheres) tinham que preparar uma história118 para ser contada em tempo marcado
para os alunos da escola de aplicação da Escola Estadual Professor Joaquim Ribeiro. As crianças
eram levadas para a nossa sala de aula (nós íamos buscá-las), e nós as colocávamos na disposição
que queríamos para o desenvolvimento da história, sob a observação dos colegas e do professor;
em seguida, a aluna de magistério responsável levava as crianças de volta para sua sala; na volta,
havia a seção de análise do trabalho realizado: tipo de linguagem, movimentação em sala,
tratamento dos alunos, resposta das crianças (atenção, dispersão), material didático utilizado para
aguçar a curiosidade, interação das crianças na história ou atitude passiva, aproveitamento do
tempo. Em seguida, a professora e as colegas faziam os comentários. Concomitante com esse
trabalho, estudava-se o livro Ensinando à criança (1976), de Marcozzi, como referencial teórico
da prática educacional. A ordem da apresentação da história era por sorteio; os primeiros ainda
não tinham tanta informação, mas os últimos já podiam apresentar um trabalho mais elaborado
por terem acompanhado a apresentação daqueles. Isso era bem aceito pelas alunas, porém com
muita dificuldade por aquelas que nunca tinham tido experiência; quando as alunas eram
tomadas pelo nervosismo, pelo pânico, as atividades precisavam ser suspensas e as crianças
dispensadas.
No Joaquim Ribeiro, os professores traçavam roteiro dentro das teorias que estávamos
estudando, para observar determinado aspecto: organização da aula, avaliação, o que o professor
considerava na hora que analisava um caderno de aluno, disciplina, e até as vestes da professora.
Disso eram feitos relatos, discutidos com colegas e o professor da disciplina – isso de certa forma
interferia na dinâmica da sala; havia professoras que não gostavam e outras que sim, porque nós
também auxiliávamos; por parte das alunas, não era dado nenhum retorno para as professoras da
escola de aplicação. Havia casos de professoras que recusavam estagiários ou escolhiam as
alunas com as quais tinham mais afinidade119.
118
Eram solicitadas histórias infantis, do tipo Clássicos de Literatura Infantil, como, por exemplo, “Contos dos
Irmãos Green”, contos e lendas do Folclore Brasileiro, adaptação das Fábulas de Esopo, de Fedro e de La Fontaine
etc. Contavam-se também histórias narradas pelos avós, à noite, à luz de lamparinas e lampiões e que passaram de
geração em geração.
119
Mesmo que essas experiências de estágio tivessem um enfoque mais psicologizante, de cunho cognitivista, sem
muita relação com a infraestrutura adequada para a educação, era, naquele momento, segundo o meu ponto de vista,
uma aprendizagem necessária. Obviamente, não se poderia descurar das condições em que se dava a educação, a
estrutura da própria escola, da família e da sociedade.
99
A Escola Joaquim Ribeiro tinha tradição, já havia muita experiência na formação de
professores120, pois o Curso Normal era da década de 1940. No entanto, não se percebia bem se
os livros serviam de modelo ao trabalho lá desenvolvido; não havia a crítica da teoria; eram
apresentadas as diversas teorias e os alunos não eram chamados a elaborar alguma crítica, pelo
menos não no início do curso. No primeiro ano tive que comprar todos os livros: Estrutura e
funcionamento do ensino de 1º e 2º Graus, organizado por Moysés Brejon,121; para a disciplina
de Didática, o livro Ensinando à criança – um guia para o professor, de Marcozzi et al.; História
da educação, de Paul Monroe; Iniciação à estatística, de Suzana Ezequiel da Cunha e Maria
Tereza da Cunha Coutinho. No aspecto teórico era um curso muito forte, com textos pesados
para o nível de Ensino Médio. Pode-se dizer que havia uma relação entre teoria e prática mais
no sentido operacional de aplicação, do que o estabelecimento de uma relação dialética no
sentido da práxis.
Em Itirapina, por ser a primeira turma de magistério (1983)122, trabalhávamos com
material mimeografado e havia pouca relação ainda entre teoria e prática, porque os professores
também estavam aprendendo a fazer um curso de magistério. A experiência durou poucos anos
naquela escola, formando apenas cinco turmas, por se tratar de cidade pequena (no início dos
anos 1980 Itirapina contava com pouco mais de dez mil habitantes), não houve mais demanda
suficiente para serem formadas novas turmas. Pouco tenho a dizer sobre essa relação a não ser
que, no final do curso, sempre era chamada para substituir os professores nos dias em que eles
faltavam. Cheguei a ficar dois meses substituindo numa sala de Educação Infantil, sem ter sido
ainda formada em nível médio (professora leiga). Um fato curioso é que, em faltas de última
hora, não havendo professores substitutos, o diretor ia me buscar em casa, de bicicleta. Outros
tempos...
Logo depois de formada no Magistério, em Itirapina, em 1986, fui lecionar nas séries
iniciais do ensino fundamental Instituto Educacional Imaculada de Campinas, na Rua Barão de
Itapura, mantido pela Congregação das Filhas de Jesus. Lecionei de primeira até terceira séries.
120
O curso Normal foi criado em 1947. Informação disponível em:
http://lidebrasil.com.br/site/index.php/2010/05/31/o-instituto-de-educacao-joaquim-ribeiro/. Acesso em: 30 mar.
2011.
121
Os textos aqui citados não estão nas referências bibliográficas, porque não foram utilizados ou consultados para
a redação da tese. São apenas informações sobre a bibliografia utilizada no curso de magistério.
122
O curso de Magistério de Itirapina iniciou-se em 1982 e, por transferência, vindo de Rio Claro, ingressei na 1ª
turma.
100
Recebíamos estagiárias em sala, que também nos ajudavam, mas que, segundo as professoras
mais antigas, eram responsáveis por informar às freiras sobre nosso trabalho. Essas professoras
mais experientes mudavam completamente a maneira de dar aula. Não nos pediam nenhum
relatório sobre as atividades das estagiárias, assim como não nos davam retorno algum. Não só
teoria e prática estavam dissociadas, como o próprio trabalho era isolado: de um lado os
profissionais e de outro os estagiários.
Tendo deixado o Instituto Imaculada, ingressei, em 1991, no Curso de Pedagogia da
Universidade Federal de São Carlos. Foi um tempo difícil, de longas greves, tanto na
Universidade, quanto nas Escolas Estaduais, o que dificultou muito a relação da teoria com a
prática da sala de aula, pelo menos no sentido convencional. Essa lacuna só era superada, em
parte, por aqueles que, assim como eu, traziam os relatos da prática para a sala de aula. Mesmo
assim, tratava-se da relação teoria e prática no sentido da aplicação. Foi um tempo diferente de
hoje em que professores já formados em magistério procuravam o curso superior de Pedagogia
para ter novas oportunidades na sua carreira.
Tínhamos a parte básica: Filosofia da Educação (I, II,), História da Educação (I, II, III),
Sociologia Geral; Sociologia da Educação (I, II); Psicologia da Educação (I, II), Didática
(I,II,III), Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º graus e Metodologia de Ensino de 1º e
2º graus. Um curso fortemente centrado na teoria, sobretudo em teorias clássicas. O curso
oferecia quatro habilitações: Magistério das matérias pedagógicas do 2º. Grau; Magistério das
séries iniciais do 1º. Grau; Orientação Educacional e Administração escolar. A Habilitação das
matérias pedagógicas do 2º Grau constitui-se na habilitação central do Curso de Licenciatura em
Pedagogia da UFSCar, sendo obrigatória a todos os alunos; o estágio era feito na Escola Estadual
de 2º Grau Álvaro Guião.
Na metodologia de ensino, a professora nos levava (num Fiat 147) até a Escola Antônio
Adolfo Lobbe – projeto de apoio às crianças que apresentavam dificuldade na aprendizagem. Os
alunos trabalhavam em salas de apoio selecionadas pela escola; desenvolvíamos atividades que
fossem bem lúdicas para eles aprenderem alfabetização e matemática.
Nas disciplinas de prática de ensino e estágio supervisionado também fazíamos a
regência; primeiro, observávamos a turma e, depois, em conjunto com o professor da sala,
tínhamos que aplicar as teorias aprendidas (só a professora de nossa disciplina e o professor da
classe é que observavam). A intenção era a de que fôssemos avaliados e questionados, para que
101
pudéssemos depois avaliar e questionar os alunos que íamos formar, alunos do magistério. Havia
simulação em sala de aula, a aplicação de diversas teorias na prática com diferentes estratégias
de ensino. Havia um questionamento das teorias no sentido de se elas funcionavam ou não na
prática – a teoria, na prática, é outra coisa.
Quando chegamos à regência em salas do Magistério, o ensino público entrou em três
meses de greve (já tínhamos passado alguns meses de greve na UFSCar); a regência acabou
sendo prejudicada. Além de fazermos práticas simuladas, organizamos um evento “Colóquios
da Pedagogia”, em que cada aluno do curso apresentava um tema, propunha avaliação e dava
um retorno para os alunos do Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião 123 – convidados para o
evento – o que serviu para o Magistério também recuperar um pouco do tempo perdido.
Antes de concluir o curso de Pedagogia, ingressei, em 1994, como professora das séries
iniciais da Escola Educativa de São Carlos, mantida pela Cooperativa Educacional de São
Carlos. Foram os primeiros anos da escola e, como professora, não recebi estagiários em minhas
salas.
Afastei-me para cursar o Mestrado em Educação na UFSCar (1995-1997) e, logo em
seguida, voltei à Escola Educativa como Coordenadora das Séries Iniciais. Aí sim, foram muitas
as situações em que recebíamos estudantes dos cursos de Licenciatura em Pedagogia de
instituições de Ensino Superior de São Carlos e região. Muitos alunos se apresentavam com uma
orientação específica para apenas observarem, mas em todos os casos solicitávamos deles uma
participação mais ativa. Eram convidados a participar do planejamento semanal das atividades,
dos estudos e discussões de nossos desafios cotidianos, como, por exemplo, as questões de
disciplina, metodologias, relação professor/aluno, relação família/escola, planejamento de
atividades, convivência dos professores, gestão democrática, avaliação do aprendizado etc. A
relação entre teoria e prática podia ser sentida com mais intensidade.
Depois, ao assumir a direção geral da escola (1997-2006), estabeleci que tínhamos
obrigação de abrir as portas da instituição para os estágios (da Pedagogia e das licenciaturas da
UFSCar, UNICEP, MAGISTÉRIO, CEFAM, USP etc.). A maioria era estágio de observação,
123
Escola inaugurada em 22 de março de 1911, com o nome original de Escola Complementar Conde do Pinhal.
Em 1939, pelo Decreto 10.811, passou a denominar-se Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião. O prédio situado
na Avenida São Carlos, 2190, foi tombado pelo CONDEPHAAT, em 1985. Informações disponíveis em:
http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.bb3205c597b9e36c3664eb10e2308ca0/?vgnextoid=91b6f
fbae7ac1210VgnVCM1000002e03c80aRCRD&Id=15a70a5455bac010VgnVCM2000000301a8c0. Acesso em: 21
mar. 2011.
102
análise de documentos (administração escolar) e regência. No entanto, provocávamos a
participação de todos nas atividades da escola. Mantínhamos contatos com supervisores de
estágio, principalmente da UFSCar (Pedagogia), Magistério de Ensino Médio e UNICEP
(Centro Universitário Central Paulista).
Os alunos relatavam que tinham muita dificuldade para encontrar lugares para estágio,
porque não se dava retorno dos relatórios, das monografias, trabalhos de conclusão de curso e
até dissertações e teses.
No caso da Educativa124, os trabalhos davam retorno à escola. Isso, inclusive, gerou
convites para prestar o processo seletivo para serem professoras e até para assumir coordenação
na escola. Muitos alunos estagiários eram convidados a fazer estágio remunerado, pelo tipo de
relacionamento que ali se estabelecia, vindo depois a serem professoras da escola.
No final de minha dedicação profissional à Escola Educativa, em 2000, eu já era
professora e, em 2005, coordenadora do curso de Pedagogia da UNICEP, onde trabalho até o
presente momento, acumulando essas funções com a de diretora de graduação, função assumida
em fevereiro de 2006, até o presente (setembro de 2018).
Os alunos do curso de Licenciatura em Pedagogia são encaminhados, pelo coordenador
de estágio, às escolas de educação infantil e às séries iniciais do ensino fundamental com
orientações específicas para todos os aspectos que deverão ser observados. O estágio se
desenvolve em três etapas: na primeira, as fases de observação, auxílio e regência nas salas de
aula são realizadas em escolas privadas ou públicas que aceitam a presença e a atuação de
estagiários; na segunda, o desenvolvimento de uma prática simulada entre os colegas e os
professores; e na terceira, a análise e o estudo dos documentos institucionais e a comparação
com a prática realizada. Em todas as etapas existe uma dificuldade para que os alunos consigam
estabelecer uma correlação entre a teoria estudada e as ações acompanhadas na prática.
Com base nessas experiências e nas leituras feitas para o desenvolvimento desta tese, há
condições de responder às questões colocadas no início deste trabalho. É o que a conclusão da
pesquisa busca fazer.
124
Trata-se da Escola de Educação Básica “Educativa: Instituto de Educação e Cultura”, mantida pela Cooperativa
Educacional de São Carlos, fundada por pais, em 1994, com aproximadamente 700 alunos. A escola situa-se em
São Carlos, SP, à Rua Aristides de Santi, nº 11, no bairro Portal do Sol. Mais informações sobre essa escola podem
ser encontradas em: www.educativa.com.br. A história de sua criação foi objeto de minha dissertação de mestrado,
intitulada Cooperativa educacional de São Carlos - Educativa: uma experiência entre o público e o privado em
educação, defendida em 1998 no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar.
103
CAPÍTULO IV
GRAMSCI E A EDUCAÇÃO DO EDUCADOR
... acredito que os horizontes socialistas podem
afastar da humanidade a ameaça de uma barbárie
trágica e definitiva. Um pouco por formação, mas
muito por convicção, não me entrego ao atual
esvaecer das teorias. O pensamento débil do pós-
modernismo não me seduz. Gramsci me educou ao
robusto debate entre pensamentos fortes, à
polêmica entre as teorias imanentistas e as
metafísicas. Ensinou que a metafísica é a porta do
fundamentalismo. Que a história, ao contrário, é o
palco onde o homem se vê protagonista e
responsável de seu destino (sic). (NOSELLA,
2004, p. 21).
A inspiração para a escolha da filosofia de Gramsci como referencial teórico da análise
da questão “teoria e prática” nas diretrizes curriculares do curso de Pedagogia veio de curso
ministrado na UFSCar por Paolo Nosella, numa discussão sobre o “pensamento forte” e o
“pensamento fraco” introduzida por Vattimo e Rovatti125 para análise das escolas filosóficas. É
fraco o pensamento que se modifica à direção dos ventos do imediatismo e presentismo, que
serve mais para acompanhar a moda; enquanto o pensamento forte é mais radical e duradouro,
porém não metafísico. Marx e Gramsci inserem-se na corrente do “pensiero forte”.
Na terceira Tese sobre Feuerbach, Marx (1987, p. 126) demonstra sua preocupação em
relação à educação dos educadores, concluindo que só a práxis revolucionária dará conta dessa
tarefa:
A doutrina materialista segundo a qual os homens são produtos das
circunstâncias e da educação e, portanto, segundo a qual os homens
transformados são produtos de outras circunstâncias e de uma educação
modificada, esquece que são precisamente os homens que transformam as
circunstâncias e que o próprio educador deve ser educado. Por isso, essa
125
Gianni Vattimo e Pier Aldo Rovatti (a cura di), Il pensiero debole, Feltrinelli, 2010.
104
doutrina chega, necessariamente, a dividir a sociedade em duas partes, uma das
quais é colocada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen). A
coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou
alteração de si próprio só por ser apreendida e compreendida racionalmente
como práxis revolucionária [grifos nossos].
Teóricos marxistas se debaterão sobre o sentido da práxis revolucionária e sobre o papel
da escola na transformação da sociedade. Para Marx, a centralidade da compreensão e da práxis
revolucionária finca raízes no trabalho:
O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de
nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono,
das refeições etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é
menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada
e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia (MARX, 1974, p.
98s).
A educação necessita do tempo livre, da experiência no reino da liberdade, pois o tempo
do trabalho sem descanso e sem espaço para a escola só é capaz de produzir autômatos e não
homens. Crítico da submissão ao mundo do trabalho no modo capitalista de produção, Marx não
despreza, em hipótese alguma, a centralidade do trabalho na forma mais avançada do
desenvolvimento das forças produtivas:
Do sistema fabril, como se pode ver detalhadamente em Robert Owen, brotou
o germe da educação do futuro, que há de conjugar, para todas as crianças
acima de certa idade, trabalho produtivo com ensino e ginástica, não só como
um método de elevar a produção social, mas como único método de produzir
seres humanos desenvolvidos em todas as dimensões. (MARX, 1984, v.I, tomo
2, p. 87)
Esse homem desenvolvido em todas as dimensões é o oposto do homem abstrato
criticado por Marx e Engels em A ideologia alemã. Por entender que educação e trabalho estão
intrinsecamente unidos, para Marx só o filho do trabalhador é que pode ter a educação em todas
as suas dimensões, a educação omnilateral (Educação intelectual, ginástica e tecnológica)126.
126
Porque, como o trabalho é o princípio pedagógico, quem está alienado do trabalho não consegue captar a
concretude da vida, e, portanto, não consegue se formar em todas as dimensões. Mas se a educação for alienante,
nem ele conseguiria a formação omnilateral. O trabalhador não é necessariamente o operário da fábrica, mas todos
105
Essa é, portanto, uma prerrogativa do proletariado, que é capaz de gerar o homem novo, após o
declínio da burguesia.
O trabalhador, submetido à divisão técnica do trabalho, fragmentada, não consegue dar
conta do processo produtivo inteiro e, dessa forma, é alienado do próprio trabalho. Alienado do
projeto, do processo e do próprio produto de seu trabalho.
Marx não se refere ao trabalho como entidade metafísica, concebido em si mesmo, mas
sempre às condições concretas nas quais ele se desenvolve. O centro da questão, assim, não se
encontra na Pedagogia da educação escolar, e sim nas lutas para a transformação das condições
materiais do trabalho e da própria existência. Nessa luta, o proletariado vai se transformando em
classe para si, constituindo-se em classe revolucionária e dirigente da atual e da futura
sociedade.
Na escola de caráter marxista, o tempo é o campo do desenvolvimento humano, onde,
sem a sobrecarga do trabalho noturno (escolar), o trabalhador se desenvolve intelectual e
fisicamente e aprende as diversas tecnologias, os seus princípios científicos, tanto na teoria
quanto na prática.
A escola para a educação do homem novo só se faz com educadores formados para isso.
Tendo transformado a afirmação de Marx sobre a educação do educador na pergunta “quem
educa o educador?”, Paolo Nosella profere palestra, em Águas de São Pedro, no “Ciclo de
Palestras da APEOESP”, em 1996, com o título “Formação do educador: princípio pedagógico
e formas didáticas”127, onde, depois de tratar da formação na Primeira República, conclui:
A Antiga Escola Normal, dentro da política educacional da República Velha,
representou a forma didática historicamente possível para preparar os
profissionais da educação elementar, obrigatória, gratuita e universal. Seus
métodos pedagógicos, seus planos de ensino, a estrutura arquitetônica, os ricos
conteúdos escolares, a severa avaliação, tudo isto nos diz que a intenção do
Estado não era populista. Acabava, porém, por excluir da escola amplas
camadas populares. O elitismo das Antigas Escolas Normais era evidente. A
clientela era representada maioritariamente pelas filhas dos fazendeiros, dos
grandes negociantes, dos altos funcionários públicos e dos profissionais liberais
bem sucedidos. A Antiga Escola Normal vivia e reproduzia um clima cultural
os trabalhadores. Só não estão incluídos nessa categoria aqueles que pertencem à classe burguesa, não é assalariado
e que vive de renda e da exploração do trabalho do outro.
127
O texto de que me sirvo faz parte de um arquivo em Word fornecido pelo autor e que serviu de base para
discussão com os alunos dos cursos de mestrado e doutorado em educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de São Carlos, SP (PPGE-UFSCar), em 1996.
106
marcado por uma profunda ruptura com o trabalho, não apenas com trabalho
produtivo braçal (que ignorava), mas até mesmo com o próprio trabalho do
educador profissional. A ruptura com o mundo do trabalho e a concepção da
cultura como distinção social foram reforçadas pela influência que as
congregações religiosas (sobretudo femininas e francesas) tiveram na formação
direta e indireta das professoras brasileiras. Tais congregações, espalhadas pelo
Brasil inteiro, negavam o genuíno espírito republicano. Basta pensar que
muitas delas saíram da França (e para cá vieram) porque os ideais da Revolução
Francesa as perseguiam por representarem os valores do Ancien Régime
(NOSELLA, 1996a).
Embora o autor tenha se referido à formação na Escola Normal, objeto de sua pesquisa,
suas conclusões podem ser aplicadas à formação do pedagogo, objeto de minha pesquisa.
Segundo Nosella, o período populista, por sua vez, obscureceu o conceito e a prática do trabalho
intelectual, contribuiu para o afrouxamento do rigor do trabalho escolar, disfarçou a dicotomia
entre o ensino profissionalizante e o ensino secundário, escolarizou fortemente a cultura popular,
tornou o Estado relapso na aplicação dos exames supletivos, reduziu o rico e amplo conceito de
“escola” ao pobre e mecânico conceito de “curso”, transferiu a responsabilidade do fracasso
escolar para o âmbito das teorias didático-pedagógicas, com o intuito de cicatrizar a ferida da
desigualdade social, eliminou a distinção precisa entre escolarização obrigatória e opcional, fez
com que a ideia de “especialista” deixasse em segundo plano a ideia de “mestre” e pulverizou
as formas didáticas que preparam o profissional da escola. Depois de propor a superação do
populismo, Nosella (1996a) conclui:
À pergunta de Marx “quem educa o educador?”, respondemos que, se durante
a 1ª República, o elitismo caracterizou o ensino no Brasil, nestes últimos 50
anos, nosso sistema escolar foi marcado pela política populista cujo objetivo
final foi cicatrizar superficialmente a ferida social causada pela convivência de
formas produtivas atrasadas e formas produtivas avançadas. Dissemos ainda
que a era do populismo educacional dá sinais de esgotamento, quando, por
exemplo, o Estado levanta a questão da qualidade e acena para uma avaliação
global da escola128.
128
Embora nesse texto, situado historicamente, Nosella pensasse na proposta de uma Moderna Escola Normal
Superior, depois de muita luta, venceu, nos dez anos seguintes a ideia de que o lócus para a formação dos professores
(de séries iniciais, supervisão, direção etc.) seria o Curso de Pedagogia, como já foi demonstrado nos capítulos
anteriores.
107
O populismo na educação, para Nosella, consiste na oferta de uma escola de baixa
qualidade para um maior número possível de alunos, despertando neles a “gratidão", sem lhes
dar instrumentos para se inserir com vantagem na sociedade, principalmente, na profissão. Há
uma ilusão de qualificação que exclui muitos cidadãos que, diplomados, já não suportam os
empregos mais humildes e não têm condições de concorrer com aqueles que possuem um alto
capital cultural, ficando, assim, à margem da sociedade.
A relação entre o trabalho e a formação do pedagogo, entre a prática e a teoria parece ser
muito frágil na experiência e nas Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, como
demonstramos nos capítulos anteriores.
No quadro da tradição marxista insere-se o conceito de trabalho como princípio
pedagógico ou educativo em Gramsci. Para isso, um pouco de minha trajetória intelectual é
retomada e algumas categorias gramscianas necessárias para a compreensão do eixo
fundamental da tese são resgatadas.
Para Gramsci (2006, p. 94):
Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado
grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um
mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo,
somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte:
qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos
parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e
desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-
massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela
se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais
moderna e progressista; preconceitos de todas as fases históricas passadas,
estreitamente localistas, e intuições de uma futura filosofia que será própria do
gênero humano mundialmente unificado.
Para Gramsci, é a capacidade de criticar a própria concepção de mundo e toda filosofia
até hoje existente que nos faz ter uma concepção unitária, coerente e mais avançada. O conhece-
te a ti mesmo para ele não é metafísico, nem meramente introspectivo, como na teoria platônica
da reminiscência, que situa, no próprio sujeito, a fonte do conhecimento por ele perseguido. O
que ele propõe é o conhecimento de si como produto do processo histórico desenvolvido até o
presente, com todos os traços do passado, cujas origens eram até então desconhecidas.
108
O exame da passagem de Gramsci supracitada nos faz ver que muitas vezes se faz uma
leitura equivocada da história por não se levar em conta que pertencemos sempre a um
determinado grupo e a uma determinada época que nos dão as lentes para olhar o passado. Sem
isso, a visão se torna preconceituosa, no dizer de Gramsci, no texto acima. E, no lugar de uma
concepção crítica e coerente, pode-se ter uma concepção desagregada e ocasional. A leitura de
Gramsci e das Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia é feita a partir do meu lugar de
professora formada no magistério, pedagoga, bacharel em direito, mestre em educação, ex-
diretora de escola de educação básica, professora e coordenadora de curso de Pedagogia e
diretora de graduação de um Centro Universitário. Reafirmando a autoapresentação, procuro
ficar na perspectiva gramsciana de ler a teoria numa perspectiva historicista, e não na de um
homem metafísico.
Olhar o passado com os olhos de hoje significa desconhecer muitas facetas escondidas
nas suas dobras. Hoje, é fácil dizer: se não tivesse sido assim, se ele tivesse tomado outra
decisão... Difícil é tomar as decisões no turbilhão dos acontecimentos, das pressões e
contrapressões. Uma atitude verdadeiramente historicista consiste em escovar a história a
contrapelo para descobrir o que está escondido sob as aparências dos acontecimentos, como diz
Benjamin (1996, p. 225):
A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso
diz tudo para o materialista histórico. Todos os que até hoje venceram
participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os
corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no
cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O
materialista histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens
culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem
horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que
os criaram, como à corvéia (sic) anônima dos seus contemporâneos. Nunca
houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da
barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não é, tampouco, o
processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o
materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a
contrapelo.
O grande desafio do historicismo está no trânsito entre o molecular e o universal, de
modo que a visão do todo não nos impeça de ver suas particularidades e que o fascínio do
molecular não desvie de uma compreensão mais abrangente da educação brasileira, e, em
109
especial, dos documentos relativos à formação de pedagogos, objeto desta tese. Afinal, o
universal não existe a não ser potencialmente no particular e só é apreendido por um olhar que
penetre a essência dos fatos singulares. Estudar o historicismo em sua concepção teórica, estudar
o historicismo na sua aplicação gramsciana e utilizar o método historicista na análise das
diretrizes curriculares do curso de Pedagogia e, também, na prática cotidiana desse curso, da
qual participei como aluna e tenho participado como professora e coordenadora, é o grande
desafio de quem quer pensar e transformar a educação desse tipo de educadores, a formação de
intelectuais dirigentes e dirigentes da cultura.
O historicismo pode ser idealista, positivista ou materialista dialético. Para Hegel, a
história mundial desenvolve-se segundo um plano racional, o que na religião receberia o nome
de providência; a história é o desdobrar-se da natureza de Deus em determinado elemento
particular. O sujeito da história é a razão ou o espírito absoluto, ou mesmo Deus. Nesse caso,
Deus seria uma espécie de intelecto que determina as leis que regem a história. É o historicismo
idealista, segundo o qual a realidade é uma realização do espírito.
O positivista, por sua vez, ao fazer a tentativa de aplicar à realidade humana as leis das
ciências naturais, defende a objetividade e a neutralidade axiológica, construindo, portanto, uma
história vista de fora, em que o próprio historiador se ausentasse e distanciasse de suas
determinações materiais. Ele pretende personificar uma das peripécias do Barão de
Munchausen129 que, ao cair num pântano e sem ter ninguém para socorrê-lo, agarra o próprio
cabelo, puxa-se para cima, levando consigo o cavalo. E, assim, salva os dois. É uma história
anedótica, de fatos externos ao indivíduo, na qual se podem encontrar os traços de uma evolução,
como nos estágios teológico, metafísico e positivo de Comte.
No terreno do materialismo há um historicismo determinista, segundo o qual, o
desenvolvimento histórico segue seu curso movido pelas inexoráveis forças econômicas que,
necessariamente, levam à superação de um modo de produção, mesmo sem a interferência dos
elementos superestruturais. Mas, há um historicismo materialista dialético que considera a
importância do pensamento e da ação do homem no curso da história. Em que pese alguns
discordarem da existência de um Gramsci historicista, faz-se uma leitura de Gramsci nessa
129
RASPE, Rudolph Erich. As loucas aventuras do Barão de Munchausen. Trad. Heloisa Prieto. São Paulo:
Salamandra, 2005.
110
perspectiva, na tentativa de procuraras razões que fundamentem o ponto de vista adotado. Ele
entende ser necessária a intervenção do proletariado na:
Elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens.
Isto significa, também, a passagem do objetivo ao subjetivo e da necessidade à
liberdade. (GRAMSCI, 1978, p.53)
Ao criticar o hegelianismo, Gramsci (2007, p. 38) afirma que:
Os continuadores de Hegel destruíram esta unidade, e se voltaram aos sistemas
materialistas, por um lado, e aos espiritualistas, por outro. A filosofia da práxis,
em seu fundador, reviveu toda esta experiência, de hegelianismo,
feurbachianismo, materialismo francês – para reconstruir a síntese da unidade
dialética: “o homem que caminha sobre as próprias pernas”.
O historicismo de Gramsci fica mais explícito nesta passagem:
A filosofia da práxis é a concepção historicista da realidade, que se libertou de
todo resíduo de transcendência e de teologia, mesmo em sua última encarnação
especulativa; o historicismo croceano permanece ainda na fase teológico-
especulativa. (GRAMSCI, 1978, p. 221)
Para ele,
A filosofia da práxis é o “historicismo” absoluto, a mundanização e a
terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da história.
Nesta linha é que deve ser buscado o filão da nova concepção do mundo.
(GRAMSCI, 1978, p. 189)
O historicismo gramsciano também pode ser confirmado pela tentativa de negação, no
texto de Althusser O marxismo não é um historicismo, em que o autor assume uma polêmica
direta com a posição de Gramsci, que incorpora o historicismo absoluto do marxismo
(ALTHUSSER, 1977, p. 245s).
Para Gramsci, o racionalismo abstrato impõe o projeto lógico como demiurgo do
processo histórico real. Ele critica o historicismo idealista de Croce para quem a história é tida
como desígnio (GRAMSCI, 1978, p. 252). Ao falar sobre a história da ciência, Gramsci (1978,
p. 70) diz que:
111
Também na ciência, buscar a realidade fora dos homens, entendido isto em um
sentido religioso ou metafísico, nada mais é do que um paradoxo. Sem o
homem, que significaria a realidade do universo? Toda a ciência é ligada às
necessidades, à vida, à atividade do homem. Sem a atividade do homem,
criadora de todos os valores, inclusive os científicos, que seria a
“objetividade”? Um caos, isto é, nada, o vazio, se é que é possível dizer assim,
já que realmente, se se imagina que o homem não existe, não se pode imaginar
a língua e o pensamento. Para a filosofia da práxis, o ser não pode ser separado
do pensar, o homem da natureza, a atividade da matéria, o sujeito do objeto; se
se faz esta separação, cai-se em uma das muitas formas de religião ou na
abstração sem sentido.
Gramsci elaborou teoricamente e foi coerente ao utilizar na prática o historicismo, pois
cada categoria gramsciana foi elaborada a partir de um cuidadoso estudo da realidade italiana
concreta. Intelectual orgânico e intelectual tradicional, por exemplo, são categorias criadas a
partir de um profundo estudo da formação dos intelectuais na Itália, levando em consideração
sua origem de classe, sua formação, sua posição no interior do Estado e da Sociedade Civil, além
da influência das várias filosofias na construção da concepção de cada um. A questão meridional
trata historicamente a divisão entre o sul agrário e o norte industrializado na Península Itálica,
traz ainda a complicada questão vaticana e a unificação do Estado Italiano que foi liderada por
um liberal moderado (Cavour). Embora muitas das categorias não sejam originais de Gramsci,
ele as faz originais pela concretude da realidade italiana de seu tempo, na qual as aplica.
Ao tratar do Materialismo histórico e a sociologia, Gramsci (1978, p.152) diz que:
A redução da filosofia da práxis a uma sociologia representou a cristalização
da tendência vulgar, já criticada por Engels (nas cartas a dois estudantes,
publicadas no Sozial Akademiker), e que consiste em reduzir uma concepção
do mundo a um formulário mecânico, que dá a impressão de poder colocar toda
a história no bolso.
Ao se dar conta da perspectiva historicista, percebe-se de imediato que a história que se
aprende na escola é, em geral, um arremedo de história, assemelhando-se mais ao que Gramsci
(2006, p. 94) denomina concepção ocasional e desagregada. É uma história vista numa
perspectiva etapista, mecânica e atrasada, o oposto de uma visão dialética e progressista. A
escola nos ensina a visitar a história como quem visita as salas de um museu: fecha-se uma porta,
112
abre-se outra. Ao contrário disso, aprende-se com Gramsci que a história é um processo em
permanente tensão, no qual os diversos elementos estão em luta pela hegemonia e quando um
conquista o status hegemônico, não significa que todos os outros estejam destruídos, mas podem
continuar latentes e retornar130. No Brasil de hoje, por exemplo, o industrialismo e o trabalho
assalariado são hegemônicos, mas persistem o trabalho escravo e a mentalidade escravocrata,
que podem impedir o desenvolvimento rumo à modernidade, que, por sua vez, apresenta outras
formas de trabalho mais avançadas.
Numa visão historicista, deve-se aprender a “filosofia até hoje existente, na medida em
que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular” (GRAMSCI, 2006, p. 94).
Assim, tem-se que olhar a educação até hoje existente no Brasil. Foi o que se buscou fazer no
primeiro e segundo capítulos, procurando entender a formação do pedagogo na história da
educação brasileira. Não se trata de olhar para trás e julgar o passado como se olha para uma
terra arrasada que nada tivesse produzido de bom, assim como não se trata de colocar no
pantheon do presente, conquistas de um passado cristalizado. À luz do pensamento
contemporâneo, deve-se olhar o passado para descobrir nele e, enquanto aconteceu, com todas
as implicações históricas de então, o objeto de nossas pesquisas. Diz Gramsci (2006, p. 95):
A própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados
pela realidade, que são bem determinados e “originais” em sua atualidade.
Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, com um
pensamento elaborado em face de problemas de um passado frequentemente
bastante remoto e superado? Se isto ocorre, significa que somos “anacrônicos”
em face da época em que vivemos, que somos fósseis e não seres que vivem de
modo moderno.
Numa perspectiva metafísica, a-histórica, portadora de valores universais, é possível
fazer um juízo de valor sobre Pombal, os jesuítas, os pioneiros, a criação do curso de Pedagogia
e as suas primeiras diretrizes e tantos outros aspectos da educação no Brasil, com os olhos de
hoje, no conforto de um gabinete do início do século XXI (é exatamente isso que procuramos
evitar); ou pode-se fazer um juízo dialético-histórico para compreender os fatos e as teorias no
130
O clima ou horizonte predominante na Idade Média era o da metafísica escolástica. À Igreja pertencia a
hegemonia, inclusive no domínio dos bens materiais na Europa (vastas extensões de terras, castelos, palácios,
exércitos etc.). Mas, nos subterrâneos, sempre esteve latente certo espírito científico, contra-hegemônico a esta
escolástica, aguardando para florescer.
113
seu tempo. E isso daria um método para compreender o nosso tempo e tomar decisões no chão
de hoje, aprendendo com os teóricos do pensamento forte como eles fizeram.
A história, assim, passa a ter uma nova perspectiva, pois não se trata apenas do feito de
um homem, mas de todos os homens; é exatamente isso que a faz importante, porque é sempre
a história do homem. Nessa perspectiva histórica, cai por terra a velha expressão: está vendo, a
história se repete! e entra uma mais elaborada e polêmica, a de que a história não se repete
simplesmente; a história acontece como tragédia, e se repete como farsa, no dizer de Marx131.
Durante minha vida escolar, a disciplina História foi sempre apresentada como algo para
conhecer o que se deu no passado, linearmente: datas, fatos com grandes heróis, uma história
geral para enriquecimento de uma cultura enciclopédica, embora nem isso se conseguisse;
decorava-se, faziam-se provas e pronto, tudo esquecido, a não ser alguns fatos mais repetidos.
No curso para o Magistério, no Segundo Grau, atual Ensino Médio, a História da Educação se
resumiu a um estudo de acontecimentos justapostos, pinçados aqui e ali, fragmentados,
desvinculados, numa visão de história etapista, dicotômica. O processo histórico é contraditório,
não dicotômico. É preciso perceber no particular qual o locus que ele ocupa na totalidade.
Na Universidade, comecei a perceber que História, assim como toda e qualquer ciência,
é realização do homem. Por isso é que precisamos ter claro que o historiador pertence à sua
época. Mesmo que não se fundamente em suas crenças ou preferências, ele se utiliza da sua
imaginação e compreensão para interpretar os fatos. É por isso que os fatos da história não
chegam puros até nós; eles são refratados pela mente do historiador.
O texto de Gramsci (2006, p. 135), que serviria como ponto de partida de um curso de
filosofia, dá a dimensão do historicismo que permite julgar o objeto do presente estudo:
Julgar todo o passado filosófico como um delírio e uma loucura não é apenas
um erro de anti-historicismo, já que contém a anacrônica pretensão de que no
passado se devesse pensar como hoje, mas é um verdadeiro resíduo de
metafísica, já que supõe um pensamento dogmático válido em todos os tempos
e em todos os países, através do qual se julga todo o passado. O anti-
historicismo metodológico não é senão a metafísica. O fato de que os sistemas
filosóficos passados tenham sido superados não exclui a possibilidade de terem
sido válidos historicamente e de terem desempenhado uma função necessária:
sua caducidade deve ser considerada do ponto de vista do desenvolvimento
histórico global e da dialética real; que eles fossem dignos de perecer não é um
131
Dito por Marx no 18 Brumário de Luís Bonaparte, ao comentar o golpe que o elevou a Napoleão III, disponível
em: http://pt.scribd.com/doc/52025273/TEXTO-MARX-18-brumario. Acesso em: 15 abr. 2011.
114
juízo moral ou de profilaxia do pensamento, emitido de um ponto de vista
“objetivo”, mas um juízo dialético-histórico.
O estudo historicista das diretrizes curriculares do curso de Pedagogia me levou ao clima
medieval, fonte da escolástica, que marcou em grande parte o caráter da escola que se tem até
os dias atuais. Entende-se aqui escolástica como a filosofia da escola que se desenvolveu num
horizonte metafísico de supremacia do conceitual abstrato universal, numa sociedade feudal,
cuja organização se fundamentava no princípio de autoridade. Na escola, discutiam-se ideias, os
universais, que não precisavam sair da escola, pois sua finalidade era manter afiados os
instrumentos da lógica para a vitória nas discussões e não para a transformação da natureza e do
mundo econômico e social. A escola da escolástica servia à continuidade da tradição, à formação
para a crença e obediência às verdades estabelecidas pela autoridade. A oratória era um de seus
objetivos máximos e que se alcançava pelo método das disputas. A palavra encontrava seu valor
na própria palavra e sua finalidade era clarear conceitos, buscando cada um o seu lugar no
terreno metafísico.
As revoluções que aconteceram principalmente a partir do século XV, com a invenção
da imprensa de tipos móveis, as grandes navegações e descobertas, as reformas protestante e
católica, o desenvolvimento das ciências e da técnica, o empírico que tomou o lugar do
metafísico, colocaram aquele clima medieval de cabeça para baixo. Aquela escola já não serve
mais para os novos horizontes do mundo ocidental. Contudo, há uma teimosia na continuidade
daquele estilo escolástico, como se pode depreender do grande documento educacional jesuítico,
Ratio Studiorum, que, aprovado definitivamente em 1599, teve quase duzentos anos de vigência,
principalmente no Brasil. É uma escola em que os mestres ordenavam que os livros de cabeceira
fossem a Bíblia e os escritos de Aristóteles (“o filósofo”) e Tomás de Aquino. O Trivium e o
Quadrivium continuam predominantes, numa educação muito mais para o falar, para o dizer, do
que para o fazer, o transformar. As disciplinas reinantes são abstratas e servem às discussões e
não ao domínio da natureza.
Para essa escola, de pouco adianta Galileu Galilei e Francis Bacon apontarem para o
empírico como novo lugar para o aprendizado, a ciência e a transformação da natureza. Na
tentativa de preservar o clima medieval, sem mudanças, sem alterações, a Igreja Católica, por
exemplo, quer calar todo avanço da ciência, condenando o que os olhos veem. Embora Galileu
115
insista em que o tempo, e não a autoridade, será o senhor da verdade, ele acaba condenado ao
silêncio. Contudo, os decretos da Igreja não conseguem fazer a terra parar de girar. Galileu só
será absolvido em 1992, mas a ciência fará progressos muito antes desse tempo.
O desenvolvimento da ciência e da técnica permite um grande domínio sobre as forças
da natureza; domínio que será dirigido por uma classe em ascensão, o que lhe permite ser
protagonista de um novo modo de produção, o capitalismo. A técnica que poderia representar o
domínio do homem sobre a natureza em benefício da liberdade e felicidade de todos os homens
tornou-se instrumento de uma exploração muito mais violenta do homem sobre o homem. Nesse
momento histórico, a Europa da metade do século XIX, na qual, ao lado da nova classe de
capitalistas, surge também o seu contrário, a classe dos trabalhadores, estabelece condições para
uma transformação radical, via revolução. Dois intelectuais colocam-se a serviço da classe
operária, fornecendo-lhe instrumentos intelectuais para a revolução: Marx e Engels,
principalmente em dois textos, o Manifesto Comunista e A Ideologia Alemã, que nos oferecem
elementos para a compreensão da totalidade a partir do estudo do molecular do seu tempo.
A escola de caráter comunista, evidentemente, seria outra, bem diferente da jesuítica
escolástica. Seria a escola do trabalho em que, ao dominar a natureza, o trabalhador conseguiria
a própria libertação; seria, enfim, a possibilidade da educação para a omnilateralidade.
Nos anos iniciais do século XX, o contexto é bem diferente. Em 1917, a União Soviética
implanta uma experiência socialista, em nome da ditadura do proletariado, e o mundo divide-se
em leste e oeste: se lá se desenvolve o socialismo, aqui, no oeste, avançam os partidos Nazista e
Fascista. Gramsci, desde sua infância inconformado com as desigualdades sociais, abraça as
ideias, sem, contudo, aderir cegamente às práticas soviéticas. Isso lhe custa a perseguição e a
prisão nos cárceres fascistas de Mussolini, sem contar a incompreensão por parte dos próprios
comunistas. Gramsci faz a leitura de um mundo que já não é o mesmo da metade do século XIX.
Como se verá adiante, ele entende que não é possível implantar a escola para formação do
trabalhador como propõem Marx e Engels, assim como não é possível manter a escola clássica
de caráter humanista, nem confinar os filhos dos trabalhadores às escolas profissionalizantes. É
preciso encontrar um tipo genuíno de intervenção na escola e na cultura para dar resposta aos
desafios de seu tempo. Esse tipo de escola e de formação dos novos intelectuais passa pela
compreensão do sentido de sociedade civil, o que não estava tão desenvolvido na teoria de Marx
e Engels, pelo menos não da forma como Gramsci o entende, como explicitarei adiante.
116
Se a escola da escolástica não serve; se proposta de formação do trabalhador formulada
por Marx e Engels na metade do século XIX não é suficiente; qual a resposta de Gramsci e qual
a sua originalidade em relação à escola?
Uma das categorias gramscianas utilizadas neste trabalho para fazer a análise das
diretrizes curriculares do curso de Pedagogia é a de trabalho como princípio pedagógico ou
princípio educativo, como traduzido em livro de Manacorda132.
Gramsci faz, para a Itália do seu tempo, uma releitura de Marx133, pergunta se o efeito
que o trabalhador sofre nesse processo deve ser visto como natural, ou a situação é efeito de um
determinado modo de produção, o capitalismo.
Marx faz uma distinção entre a Maquinaria em si e o uso que se faz dela num determinado
modo de produção: a máquina encurta o tempo e facilita o trabalho, denota a vitória do homem
sobre a força da natureza e aumenta a riqueza do produtor como Marx e Engels (1987, p. 65;95)
afirmam em A Ideologia Alemã. Para eles, não se pode superar a escravidão sem a máquina a
vapor, nem a servidão sem melhorar a agricultura; e fazem veemente condenação do uso
capitalista da maquinaria que aumenta a jornada e a intensidade do trabalho, submete o homem
e pauperiza o seu produtor direto, o trabalhador, pois a maquinaria custa muito para o capital e
logo se torna obsoleta, exigindo que se tire dela o máximo de produtos.
Para Gramsci, o trabalho, enquanto domínio do homem sobre a natureza, cria a
ordem social e, de certa forma, liberta o homem. A escola só tem sentido se tiver uma relação
orgânica com o seu meio e, enquanto o Ensino Fundamental, for uma escola unitária,
desinteressada, humanista, gratuita, em tempo integral, até os quinze ou dezesseis anos de idade,
formando o aluno culto e não apenas instruído, como diz o filósofo italiano no Caderno 12, em
que trata dos intelectuais e a organização da escola (GRAMSCI, 2000, p.13-53); na etapa
132
Este estudo baseia-se na leitura direta dos textos de Gramsci, principalmente os cadernos 1, 4, 10,11, 12 e 22.
Mas serão referências também as obras de Mario Alighiero Manacorda O princípio educativo em Gramsci:
americanismo e conformismo; e o livro de Paolo Nosella A escola de Gramsci. Utilizaremos ainda uma edição
especial dos Cadernos CEDES, de número 70: Gramsci, intelectuais e educação, com artigos de vários autores.
133
Em relação a essa problemática, certamente Gramsci tem em conta os textos de Marx, em que isso fica claro:
Além de distribuir os diversos trabalhos parciais entre diversos indivíduos, se secciona (rompe a unidade) o
indivíduo mesmo, ele é convertido em um aparato automático preso a um trabalho parcial. (MARX, 1973, p.293)
(...) sua articulação (a do trabalhador da manufatura) com o mecanismo total o obriga a trabalhar com a
regularidade de uma peça de maquinaria. (MARX, 1973, p.284). Tradução da autora. Percebe-se neste texto que
esse tipo de trabalho não é “natural”, mas o trabalhador é reduzido (historicamente) a essa condição pelo modo de
produção capitalista.
117
posterior da formação é que seria dado o ensino profissionalizante, mas também com uma
preocupação em relação à organicidade com o meio. Ao comparar o desenvolvimento das forças
produtivas na Itália e na América, em Americanismo e fordismo (Caderno 22), Gramsci (2007,
passim) expõe o arcaísmo da sociedade europeia, com sua anacrônica estrutura social
demográfica, cheia de parasitas improdutivos, de pensionistas da história econômica, que têm
aversão ao trabalho manual (Gramsci diz que se um padre da família torna-se cônego,
imediatamente o trabalho manual passa a ser uma vergonha para todos os parentes), e, mesmo
quando se trabalha muito, é de modo arcaico, sem produtividade; com isso, de certa forma, elogia
a capacidade produtiva, moderna, do americanismo, cuja hegemonia nasce da fábrica, baseada
numa composição demográfica mais racional (apesar de ver na América o início de uma
formação de castas: o homem-industrial continua a trabalhar, mesmo sendo bilionário, mas sua
mulher e suas filhas tornam-se cada vez mais mamíferos de luxo). Ao expor as contradições do
americanismo, mesmo levando em consideração o sucesso do desenvolvimento tecnológico,
Gramsci (2007, passim) não vê o seu trabalhador como um Prometeu desacorrentado, mas como
um condenado silencioso que sabe transportar pelos céus a sua férrea corrente. Para Gramsci, a
americanização da produção só aconteceria na Itália com o desaparecimento do tipo semifeudal
de acumulador de capitais, pois ela exige um determinado ambiente, uma determinada estrutura
social e um determinado tipo de Estado. Em síntese, a escola só será diferente na Itália, se o
trabalho for diferente. O filósofo italiano (Gramsci, 2007, passim) não se mostra, é óbvio, um
ingênuo a respeito das benesses do americanismo fordista-taylorista. Faz a seguinte pergunta: o
tipo de organização do trabalho e da produção próprio de Ford é racional, podendo e devendo,
portanto, generalizar-se, ou, ao contrário, é um fenômeno mórbido a ser combatido através da
força sindical e da legislação, por ser um método que depende da coerção pela disciplina e da
persuasão pelo consentimento? Gramsci conclui que é preciso encontrar um sistema de vida
original e não de marca americana, para transformar em liberdade o que hoje é necessidade.
Para estudar o historicismo de Gramsci de maneira historicista é preciso levar em conta
que ele próprio evoluiu bastante no seu pensamento, inclusive sobre a escola, como nos ensina
Manacorda (2008, 23ss)134. Num primeiro momento de sua formação intelectual, educação
confunde-se com autoeducação, em que os trabalhadores devem educar-se a si mesmos; no
134
No livro O princípio educativo em Gramsci (MANACORDA, 2008), o autor deixa clara a evolução de Gramsci
ao dividir a obra em três partes: 1. Os escritos da juventude; 2. As cartas do cárcere; 3. Os cadernos do cárcere.
118
segundo momento, trata-se de educar o próprio partido comunista, recém-fundado, de modo
especial a sua direção; o terceiro momento, e é o que nos interessa, trata da educação do educador
das massas.
Ao justificar a expressão escolhida por Gramsci para se referir ao marxismo como
“filosofia da práxis”, Vazquez (1977, p. 49) diz:
Com tal expressão, ele queria exatamente sublinhar a oposição do marxismo
tanto ao materialismo mecanicista como à filosofia especulativa em geral,
desligada da história real e da atividade prática humana, particularmente a
política. Em poucas palavras, Gramsci pretendia acentuar o papel do fator
subjetivo na história real, da consciência e da atividade revolucionária dos
proletários sob a direção de seu partido e, ao destacar esse papel da
subjetividade, reagia contra um marxismo “preguiçoso” que transformava o
papel dos fatores objetivos e, especialmente do desenvolvimento das forças
produtivas, na negação do papel da atividade prática revolucionária, o que se
traduzia no mais vulgar reformismo e oportunismo.
Segundo Vazquez, ao colocar o foco no aspecto subjetivo da educação do partido para a
educação das massas, para a superação do senso comum sobre a atividade prática humana –
consciência ingênua – em favor da práxis – consciência revolucionária –, Gramsci acaba sendo
criticado por dar menos importância justamente à dimensão objetiva da formação da ideologia.
Nós entendemos que Gramsci talvez tenha se utilizado da “teoria da curvatura da
vara”135, da qual já se servira Lênin para se defender da acusação de radicalismo. Nesse esforço,
Gramsci ofereceu argumentos para a defesa da importância da educação no processo
revolucionário de transformação da realidade.
Se o Estado, além da repressão, utiliza a ideologia136 de todas as formas para manter uma
determinada visão de mundo e conquistar ou impor um consenso, há também a possibilidade de
135
Saviani utiliza muito essa metáfora, citando Althusser. No texto Althusser (1978, 136), em que ele comenta
Lênin: “Ora, reencontrei o eco e a razão desse paradoxo provocante em Lênin. Sabemos que alguns anos após O
que fazer? E para responder à crítica das fórmulas, Lênin replicava pela teoria da curvatura do bastão [vara]. Quando
um bastão está curvado num mau sentido, dizia Lênin, para corrigi-lo, isto é, para que ele volte e se mantenha reto,
é preciso inicialmente curvá-lo no sentido oposto, impor-lhe com a força do punho uma contra curvatura durável”.
Disponível em: https://mega.nz/#F!vOpwmQiJ!nJFgpdsE-0mCF0yOOQYqCA!jeoHXLSL. Acesso em:22 jun.
2019.
136
De acordo com a concepção de Gramsci, por conseguinte, “a ideologia tem elementos unilaterais e fanáticos, e
tem igualmente elementos de conhecimento rigoroso e até mesmo de ciência. Nesse sentido, a ideologia pode chegar
a se identificar com "todo o conjunto das supra-estruturas"” (GRAMSCI, 1977, p. 1.320). Por um lado, pois, a
perspectiva do pensador italiano atribui uma importância imensa à ideologia (especialmente às ideologias
"historicamente orgânicas"); por outro lado, porém, o materialismo histórico não permite que se acredite
ingenuamente no poder das ideologias como tais para revolucionar a sociedade. Gramsci escreveu: "Para Marx
119
resistência no sentido da elaboração de uma visão alternativa, buscando criar uma nova
hegemonia a partir da conquista dos espaços na sociedade civil, numa “guerra de posições”137.
Para Gramsci, a sociedade civil não é uma mera expressão de superestrutura, mas um lugar a ser
ocupado por intelectuais formados organicamente, segundo os interesses dos trabalhadores. Em
termos de educação, Gramsci não reduz essa possibilidade à escola, mas a estende aos outros
organismos sociais produtores de vida e cultura. Para ele, há um fio condutor da educação do
educador: é o ponto de vista do operário, formado no trabalho de tipo mais progressista,
educando também o dirigente da política, aquele que ocupará as funções de Estado.
Por enquanto, podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que
pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos
chamados vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade política ou
Estado”, planos que correspondem, respectivamente, à função de “hegemonia”
que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio
direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”.
Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são
os “prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da
hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso “espontâneo”
dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo
fundamental dominante à vida social, consenso que nasce “historicamente” do
prestígio (e, portanto, da confiança) obtido pelo grupo dominante por causa de
sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção
estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não “consentem”,
nem ativa, nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na
previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece
o consenso espontâneo. (GRAMSCI, 2000, p. 20s).
Não se trata, portanto, de uma etérea educação para a cidadania, expressão em que cabe
tudo (e nada). Ele não perde de vista os interesses de classe em sua proposta educacional. Nisso
as ´ideologias` não são meras ilusões e aparências; são uma realidade objetiva e atuante. Só não são a mola da
história" (GRAMSCI, 1977, p. 436).. A ideologia é, portanto, uma realidade objetiva, utilizada eficazmente pela
classe dominante.
137
Leandro Konder assim explica a guerra de posições: “Nenhum marxista antes de Gramsci havia reconhecido
uma importância política tão grande na batalha das ideias, nos conflitos culturais. Para o teórico italiano, o avanço
e a consolidação do movimento dos trabalhadores, numa sociedade de tipo “ocidental”, depende de uma sempre
difícil “guerra de posições”, depende de um bom planejamento, de uma eficiente organização, quer dizer, depende
de conhecimentos, necessita de uma sólida preparação. Ao contrário da “guerra de movimentos”, que se faz muitas
vezes com manobras súbitas de pequenos grupos, com ações fulminantes de minorias (agindo em nome da maioria),
que se serve de golpes de mão, a “guerra de posições” exige a participação ampliada, a construção do consenso”.
Texto disponível em: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv163.htm. Acesso em: 12 set. 2011.
120
há uma grande diferença entre a proposta gramsciana e as diretrizes curriculares do curso de
Pedagogia, como era de se esperar, afinal, sua fundamentação não é marxista. Para Gramsci,
A tendência democrática, intrinsecamente, não pode consistir apenas em que
cada operário manual se torne qualificado, mas em que cada "cidadão' possa
se tornar "governante" e que a sociedade o coloque, ainda que "abstratamente"
nas condições gerais de poder fazê-lo; a democracia política tende a fazer
coincidir governantes e governados, assegurando a cada governado a
aprendizagem gratuita das capacidades e da preparação técnica necessárias ao
fim de governar. (GRAMSCI, 1989, p. 137)
Segundo Gramsci, portanto, a escola é fundamental na formação da consciência de
práxis, uma vez que pode educar para a contra-hegemonia. Segundo Jesus (1989, p. 105),
Instrumento importantíssimo, a escola não é hegemônica em si mesma, mas
está a serviço de qualquer hegemonia ou contra-hegemonia. Gramsci, porém,
ao afirmar que a escola representa uma das mais importantes e essenciais
atividades públicas, reconhece que este organismo é importante tanto dentro
dos esquemas de dominação burguesa, onde o que se ensina e a relação
professor-aluno formam intelectuais destinados a manter a dominação, quanto
para o estabelecimento da hegemonia proletária, quando sofrerá mudanças
substanciais. Nenhum movimento social, político ou filosófico duvida que a
escola continue sendo o cadinho que “funde” homens, contando, para tal fim,
com a ideologia sempre presente e que destrói a ilusão da neutralidade
educacional.
Um dos grandes problemas das reformas educacionais no Brasil, incluídas aí as
iniciativas de educação do educador, é que elas foram escolásticas e/ou dicotômicas.
Escolásticas, na medida em que pensaram a escola pela escola, a formação de intelectos
descolados da realidade, formando para a distinção social e não para a realidade socioeconômica
e cultural do Brasil (NOSELLA; BUFFA, 1996, p. 16s); Segundo Nosella (2002, p. 73), “o
escolástico é fundamentalmente um intelectual da instituição escolar. Seu princípio pedagógico
é a escola e não o trabalho como transformação material da natureza. Analisa as teorias fora do
seu habitat concreto, esquecendo a prática que as produziu”. São reformas dicotômicas por
colocarem em oposição à escola clássica, dos conteúdos, a escola profissionalizante, à escola
da classe dominante opõem a escola dos filhos dos trabalhadores. É a escola do dizer
contrapondo-se à escola do fazer. Novamente, teoria e prática tornam-se elementos dicotômicos.
121
Ao analisar a formação das “classes subalternas”, Gruppi (1978, p. 68) afirma:
Vemos assim a ideologia das classes ou da classe dominante chegar às classes
subalternas, operária e camponesa, por vários canais, através dos quais a classe
dominante constrói a própria influência ideal, a própria capacidade de plasmar
as consciências de toda a coletividade, a própria hegemonia. Um desses canais
é a escola. Gramsci dedica sua atenção a esse canal. Indica, na divisão entre
escola profissional e escola ginasial-colegial, a fratura típica, de classe, da
escola italiana: a escola profissional para os que irão trabalhar em posições
subalternas e o ginásio-colégio para os quadros dirigentes da sociedade. Disso
resulta a sua proposta de uma escola média unificada, de caráter formativo
geral.
Gramsci propõe a escola unitária para formar novos Leonardos (Da Vinci) coletivos138.
Leonardos que começam a se formar numa sólida tradição filosófica, que não é destinada apenas
a poucos privilegiados. Todos, inclusive os trabalhadores, na escola unitária, devem se beneficiar
do prato fino da filosofia. Não se pode privá-los desse conhecimento como se fosse algo
inacessível. Segundo Gramsci (2006, p. 93):
É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo
muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada
categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e
sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos os
homens são “filósofos”, definindo os limites e as características desta “filosofia
espontânea”, peculiar a “todo o mundo”, isto é, da filosofia que está contida: 1)
na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos
determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de
conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e,
consequentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões,
modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que geralmente se conhece
por “folclore”.
Em seguida, Gramsci faz um apelo à necessidade de o trabalhador superar a passividade
daquele que recebe uma concepção de mundo imposta, para participar da elaboração da própria
história e da história do mundo de maneira consciente. Nesse sentido, seria esse mais um papel
da filosofia e da escola unitária, em que a prática não está dissociada da teoria.
138
“Desse confronto surge a proposta da escola unitária que propõe a necessidade de elaborar uma nova concepção
de cultura geral e de humanismo, sendo o ideal humano não mais representado pelos homens do poder da sociedade
greco-romana (Alexandre Magno, Júlio César), mas sim pelos homens do conhecimento produtivo (Galileu,
Leonardo da Vinci)” (NOSELLA; BUFFA, 1996, 70).
122
[...] é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira
desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção do mundo
“imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, por um dos muitos grupos
sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no
mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se
originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho
patriarca, cuja “sabedoria” dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das
bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela
impotência para a ação), ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo
de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com este trabalho
do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente
na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar
do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?
(GRAMSCI, 2006, p. 93-94).
Para fazer frente às tentativas de alienação do trabalhador na construção de seu próprio
conhecimento e do aperfeiçoamento de sua consciência, Gramsci, num belíssimo texto que tive
a oportunidade de ler e debater no início de meu curso de Mestrado em Educação, num escrito
autobiográfico diz:
Lembro de um pobre menino que não pudera frequentar os doutos bancos da
escola de sua região por ser de saúde franzina e que, mesmo assim tinha se
preparado sozinho para o exame tão modesto de admissão. Mas, quando
amendrontado se apresentou ao mestre, ao representante da ciência oficial, para
entregar o requerimento, escrito com a mais bela caligrafia para bem
impressionar, este, olhando através de seus óculos científicos, perguntou
carrancudo: Sim, está bem, mas você acredita que o exame é assim tão fácil?
Conhece, por exemplo, os oitenta e quatro artigos do Regimento? E o pobre
rapaz, esmagado pela pergunta, pôs-se a tremer e, chorando
desconsoladamente, voltou à casa e daquela vez desistiu do exame. De
Sanctis139 não é desses: não pergunta a alguém de boa-vontade se conhece os
84 artigos do Regimento; ao contrário, quando vê um rosto amedrontado,
quando vê alguém muito humilde retrair-se quase assustado por muito ter
ousado, dele se aproxima, quase diria que o toma pelo braço com expansividade
toda napolitana, o guia e lhe diz: “Veja: o que achava difícil não é, e vale a pena
ser lido. Pula de uma vez essa cerca. Deixa que outros maxilares sangrem suas
gengivas roendo aqueles espinhos de cerca [...] Cessa nossa adoração pelas
obras complicadas, arquitetonicamente complexas e prestamos mais atenção às
ligações de sons que há entre palavra e palavra, período e período. A
exclamação de um carroceiro apresenta, muitas vezes, para nós tanta poesia
quanto um verso de Dante. Não caiamos no ridículo exagero de afirmar que
139
Gramsci está fazendo uma homenagem à Luz que se apagou, ao professor Renato Serra, que acabara de falecer,
e a Francesco De Sanctis (1817-1883), professor, crítico literário italiano, considerado por ele (Gramsci) o único
Ministro della Pubblica Istruzione (1861, no Gabinete Cavour) que a Itália teve. Informações sobre De Sanctis
encontram-se em: http://it.wikipedia.org/wiki/Francesco_de_Sanctis. Acesso em: 15 set. 2011.
123
este carroceiro é tão poeta quanto Dante, mas alegremo-nos em sentir em nós
a possibilidade de sentir a beleza onde quer que esteja, em sentirmo-nos libertos
dos proibitivos preconceitos escolásticos que nos faziam medir a poesia em
metros cúbicos e em quilogramas de material impressso [...]140.
O que Gramsci mais parecia querer compreender era o papel dos intelectuais
tradicionais141, isto é, professores, advogados, cientistas, jornalistas, escritores, artistas,
religiosos etc., que simpatizavam com o socialismo, mas que não se engajavam diretamente nos
seus quadros. Sem dizer que, mesmo aqueles que não simpatizavam deveriam merecer a atenção
dos intelectuais orgânicos que lidavam com a cultura, com o objetivo de promover a
transformação. Pois era essa espessa e molecular rede de pequenos e médios intelectuais que
erguia um verdadeiro muro entre os trabalhadores socialistas do norte (orgânicos ou não) e os
camponeses do sul atrasado. É o seu tema na questão meridional.
Gramsci tratou também de questões mais coladas ao cotidiano do processo educacional,
seja familiar, seja escolar, como a questão da necessidade da disciplina para a conquista da
liberdade. Seu objetivo é educar para uma liberdade historicamente definida, segundo ele, com
todas as limitações que a sociedade lhe impõe, não para uma liberdade de fantasias, sem freios
ou barreiras. Somos sempre conformistas de algum conformismo, diz Gramsci. Ser livre é ter
consciência de que conformismo se deseja ser conformista.
Gramsci não é favorável nem à escola repressora de caráter jesuíta, tão criticada por ele,
nem à educação negativa rousseauniana. É muito significativo o comentário que ele faz a uma
resposta dada por Antonio Labriola a uma pergunta de seus alunos:
“‘O que o senhor faria para educar moralmente um papuano?’ perguntou um
de nossos alunos, há muitos anos, ao Prof. Labriola, numa de suas lições de
Pedagogia, objetando contra a eficácia da Pedagogia. ‘Provisoriamente
(respondeu com aspereza à moda de Vico e de Hegel, o professor herbartiano),
140
Assinado: Alfa Gamma, Il Grido del Popolo, nº 591, de 20 de novembro de 1915, com o título de A luz que se
apagou, extraído de Cronache Torinesi, G. Einaudi Editore, 1980; 23-26, Tradução de Newton Ramos-de-Oliveira
e revisão de Paolo Nosella. Encontra-se o texto de Gramsci, no original, La luce che si è spenta, em:
http://gramsci.objectis.net/gramsci/writings/gramscis-writings-italian/pre-prison-writings-texts/1913-1918/la-luce-
che-si-e-spenta, e comentado por Massimo Lolini, em: https://scholarsbank.uoregon.edu/xmlui/
bitstream/handle/1794/11422/Gramsci_Serra.pdf?sequence=1, Textos acessados em: 30 out. 2011.
141
“Os intelectuais de tipo rural são, em grande parte, “tradicionais”, isto é, ligados à massa social do campo e
pequeno-burguesa, de cidades (notadamente dos centros menores), ainda não elaborada e posta em movimento pelo
sistema capitalista: este tipo de intelectual põe em contato a massa camponesa com a administração estatal ou local
(advogados, tabeliães, etc.) e, por esta mesma função, possui uma grande função político-social, já que a mediação
profissional dificilmente se separa da mediação política” (GRAMSCI, 2000, p. 22-23).
124
provisoriamente eu faria dele um escravo; e esta seria a pedadogia adequada à
circunstância, deixando para depois saber se, com seus netos e bisnetos, seria
possível começar a usar algo da Pedagogia moderna’”. (GRAMSCI, 2006, p.
85s)
Gramsci não acredita na necessidade de percorrer todas as etapas no processo da
educação.
Ao que me parece, o problema deve ser colocado historicamente de outro
modo: ou seja, se uma nação ou um grupo social que atingiu um grau superior
de civilização pode (e, portanto, deve) “acelerar” o processo de educação dos
povos e dos grupos sociais mais atrasados, universalizando e traduzindo de
modo adequado a sua nova experiência. Assim, quando os ingleses recrutam
soldados entre os povos primitivos, que jamais viram um fuzil moderno, não
instruem esses recrutas no emprego do arco, do boomerang e da zarabatana,
mas os instruem principalmente no manejo do fuzil. [...] Que um povo, ou um
grupo social atrasado, tenha necessidade de uma disciplina exterior coercitiva,
a fim de ser educado civilizadamente, não significa que deva ser escravizado...
(GRAMSCI, 2006, p. 86s)
Para Gramsci não é possível a inexistência da educação ou o respeito ao espontaneísmo
absoluto: se a escola, o partido, ou o Estado, em última instância, não forem educadores, os
indivíduos serão educados pelo ambiente. Por isso, uma dose de disciplina, de coerção, é
necessária, inclusive, para educar para a liberdade.
Em carta à Giulia, de 30 de dezembro de 1929, ao criticar a educação dispensada ao seu
filho Delio, Gramsci (1978, p.145-146) diz:
[...] tive a impressão de que sua concepção e a dos outros membros da sua
família é muito metafísica, isto é, pressupõe que todo um homem em potencial
existe na criança e que cabe ajudá-la sem coerções a desenvolver aquilo que já
contém de latente, deixando obrar as forças espontâneas da natureza ou sei lá o
quê. Eu, ao contrário, penso que o homem é toda uma formação histórica,
obtida com coerção (entendida não só no sentido brutal e de violência externa)
e é quanto basta; de outro modo, cairíamos numa forma de transcendência ou
de imanência. [...] Este modo de conceber a educação como o desenrolar de um
fio preexistente teve a sua importância quando se o contrapôs à escola jesuítica,
isto é, quando negava uma filosofia ainda pior, mas hoje está por sua vez
superado. Renunciar a formar a criança significa apenas permitir que sua
personalidade se desenvolva recebendo caoticamente do meio em geral todos
os motivos vitais.
125
Na Nota IV da Nota 12, do Caderno 11, Gramsci (2006, p. 95s) diz que:
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas
“originais”; significa também, e, sobretudo, difundir criticamente verdades já
descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em
base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e
moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar
coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico”
bem mais importante e “original” do que a descoberta, por parte de um “gênio
filosófico”, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos
grupos intelectuais.
É preciso, pois, difundir um saber crítico também e principalmente entre os trabalhadores
mais simples. Ao criticar a falta de sutura entre os intelectuais e os simples, Gramsci apresenta
o exemplo da Igreja católica e propõe que os intelectuais sejam formados para formar as massas.
Para ele,
A força das religiões, e notadamente da Igreja Católica, consistiu e consiste no
seguinte: elas sentem intensamente a necessidade de união doutrinária de toda
a massa “religiosa” e lutam para que os estratos intelectualmente superiores
não se destaquem dos inferiores. A Igreja romana foi sempre a mais tenaz na
luta para impedir que se formassem “oficialmente” duas religiões, a dos
“intelectuais” e a das “almas simples”. (GRAMSCI, 2006, p. 99)
Indispensável para a compreensão desta tese é a relação que Gramsci estabelece entre
teoria e prática na formação do trabalhador. Importante reforçar a ideia de que a sutura se dá no
trabalho, que ocupa a centralidade da vida do trabalhador, como princípio educativo por
excelência:
Nas escolas primárias, dois elementos se prestavam à educação e à formação
das crianças: as primeiras noções de ciências naturais e as noções dos direitos
e deveres do cidadão. As noções científicas deviam servir para introduzir a
criança na societas rerum; os direitos e deveres, na vida estatal e na sociedade
civil. As noções científicas entravam em luta com a concepção mágica do
mundo e da natureza, que a criança absorve do ambiente impregnado de
folclore, enquanto as noções de direitos e deveres entram em luta com as
tendências à barbárie individualista e localista, que é também um aspecto do
folclore. Com seu ensino, a escola luta contra o folclore, contra todas as
sedimentações tradicionais de concepções do mundo, a fim de difundir uma
concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais são dados
pela aprendizagem da existência de leis naturais como algo objetivo e rebelde,
126
às quais é preciso adaptar-se para dominá-las, e de leis civis e estatais, produto
de uma atividade humana, que são estabelecidas pelo homem e podem ser por
ele modificadas tendo em vista seu desenvolvimento coletivo; a lei civil e
estatal organiza os homens do modo historicamente mais adequado a dominar
as leis da natureza, isto é, a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a forma
própria através da qual o homem participa ativamente na vida da natureza,
visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais profunda e extensamente.
Pode-se dizer, por isso, que o princípio educativo no qual se baseavam as
escolas primárias era o conceito de trabalho, que não pode se realizar em todo
seu poder de expansão e de produtividade sem um conhecimento exato e
realista das leis naturais e sem uma ordem legal que regule organicamente a
vida dos homens entre si, ordem que deve ser respeitada por convicção
espontânea e não apenas por imposição externa, por necessidade reconhecida e
proposta a si mesmos como liberdade e não por simples coerção. (GRAMSCI,
2000, p. 42)
Continuando o mesmo texto, Gramsci enfatiza a relação teórico-prática no trabalho
concreto:
O conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática) é o princípio
educativo imanente à escola primária, já que a ordem social e estatal (direitos
e deveres) é introduzida e identificada na ordem natural pelo trabalho. O
conceito do equilíbrio entre ordem social e ordem natural com base no trabalho,
na atividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma
intuição do mundo liberta de toda magia ou bruxaria, e fornece o ponto de
partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórica, dialética,
do mundo, para a compreensão do movimento e do devir, para a avaliação da
soma de esforços e de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o
futuro custa ao presente, para a concepção da atualidade como síntese do
passado, de todas as gerações passadas, que se projeta no futuro. É este o
fundamento da escola primária; que ele tenha dado todos os seus frutos, que no
corpo de professores tenha existido a consciência de seu dever e do conteúdo
filosófico deste dever, é um outro problema, ligado à crítica do grau de
consciência civil de toda a nação, da qual o corpo docente era apenas uma
expressão, ainda que amesquinhada, e não certamente uma vanguarda.
(GRAMSCI, 2000, p. 42-43, grifo nosso)
Manacorda (2008, p. 186) comenta esse texto de Gramsci dizendo que:
De qualquer forma, já aqui ele unifica os dois elementos no conceito e no fato
do trabalho, a atividade “prática” do homem que “enxerta” a ordem social
(direitos e deveres) na ordem natural, e cria os primeiros elementos de uma
visão do mundo livre de toda bruxaria e magia, e “fornece um ponto de partida
para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórica, de movimento”
(mais tarde dirá “dialética”) do mundo.
127
Pois a mera relação externa entre dois termos pode levar ao que Scheibe (2007, p. 60),
chama de “epistemologia da prática”:
A prática da docência como base, segundo Kuenzer e Rodrigues (2006), corre
o risco de ser “uma expressão da epistemologia da prática”. Decorre daí o
grande desafio que precisa ser enfrentado para que esta prática venha a se
constituir, nos projetos pedagógicos de curso, no princípio educativo
gramsciano: o desafio é estabelecer uma formação teórica sólida, com base no
conhecimento científico e na pesquisa consolidada, e não ceder à incorporação
da racionalidade técnica ou do praticismo pedagógico predominante na
epistemologia da reforma educacional oficial, na qual se vincula o
conhecimento formativo a uma prática imediatista.
Nas entrevistas foi detectado mais o pedagogo empírico do que o pedagogo concreto,
pois a relação teoria e prática era externa.
O aluno empírico pode querer determinadas coisas, pode ter interesses que não
necessariamente correspondem aos seus interesses, enquanto aluno concreto. É
neste âmbito que se situa o problema do conhecimento sistematizado, que é
produzido historicamente e, de certa forma, integra o conjunto dos meios de
produção. Esse conhecimento sistematizado pode não ser do interesse
empírico, ou seja, o aluno, em termos imediatos, pode não ter interesse no
domínio desse conhecimento, mas, a meu ver, ele corresponde diretamente aos
interesses do aluno concreto, pois, enquanto síntese das relações sociais, ele
está situado numa sociedade que põe a exigência do domínio deste tipo de
conhecimento. E é, sem dúvida, tarefa precípua da educação viabilizar o acesso
a esse tipo de saber. (SAVIANI, 2003, p. 143s)
A relação teoria e prática na formação do educador e, especificamente, do pedagogo,
será buscada, nesta tese, com os instrumentos teóricos fornecidos por Gramsci que, conforme
fora visto, reconheceu a enorme importância da escola na formação da nova classe trabalhadora,
capaz de superar a cisão entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; entre a escola humanista
e a escola técnica da produção moderna; sintetizando a formação na escola unitária que supere
as dicotomias na perspectiva da práxis educativa.
128
CONCLUSÃO
Esta tese buscou reconstruir a história do curso de Pedagogia no Brasil e a análise das
Diretrizes Curriculares, baseando-se no Parecer CNE/CP 3/2006, na Resolução CNE/CP 1/2006
e na Resolução 2, CNE/CP/2015, buscando nelas o tipo de relação existente entre teoria e
prática, para verificar a possibilidade de superação da perspectiva dicotômica. O que se
encontrou foi uma relação externa, de justaposição, numa direção única em que a teoria é
confrontada com a prática só no sentido de aplicação. Por ser um curso que prepara para o
exercício de uma profissão, pode-se dizer também que houve uma relação entre ambas do tipo
das que existem nos cursos profissionalizantes; há técnicas, instrumentos, mecanismos que
precisam ser aprendidos e incorporados pelo egresso, sendo que alguns se aproximam do que se
pode chamar de treinamento. Há ainda hoje cursos de formação de docentes anunciados como
treinamento.
Por outro lado, o que vai da prática para a teoria também tem sido de mão única, de
maneira fragmentada, em que experiências e vivências pontuais são imediatamente teorizadas
pelos alunos nos relatórios de estágio e de prática docente, como se pôde constatar pela minha
experiência de docente e de coordenadora de curso de Pedagogia e das entrevistas com os
pedagogos.
Talvez, seja um reflexo também de leituras de trabalhos tão colados ao cotidiano, nos
quais, de um caso, um aluno, uma professora, uma sala de aula, pesquisadores elaboram teorias
pretensamente de grande alcance.
Em Antônio Gramsci, buscou-se as categorias para a análise da relação teoria e prática
nas diretrizes curriculares e no parecer que regulam o Curso de Pedagogia. Verificou-se que na
proposta gramsciana teoria e prática se relacionam no trabalho, no sentido de que são duas
realidades estreitamente unidas, pois este (trabalho) ocupa a centralidade da vida do trabalhador.
No lugar da busca de uma relação extrínseca de dois termos abstratos e dicotômicos, o filósofo
italiano propõe a relação dialética entre ambos, numa fecundação mútua, a partir do trabalho
concreto.
129
Não se pode esquecer que o pedagogo se forma para trabalhar, principalmente, naquele
espaço que Gramsci chama de escola unitária, entendida como o lugar onde há uma relação
orgânica entre o homem e o meio e que seja desinteressada, humanista, gratuita, em tempo
integral, até os quinze ou dezesseis anos de idade, formando o aluno culto e não apenas
instruído. Mas, como se viu, ele mesmo, pedagogo, não tem no trabalho, entendido aqui como
prática, o princípio pedagógico de sua formação.
Embora no Parecer esteja mencionada a práxis no sentido dialético, ela desaparece na
Resolução e se transforma em dicotomia em que, segundo as conclusões feitas nesta tese, a frágil
relação entre teoria e prática na formação do pedagogo não dá conta de preparar aquele que,
segundo Gramsci, será o intelectual orgânico da classe mais avançada, para fazer avançar o
processo de transformação social. Para ele, o professor medíocre pode conseguir que os alunos
se tornem mais instruídos, mas não conseguirá que sejam mais cultos.
Essa mediocridade não se supera se a formação continuar pautada na dicotomia entre
teoria e prática, como se viu na tese. Só o movimento dialético de um conhecimento que começa
pelo momento de síncrese e volta ao concreto, no movimento sintético, depois de ter passado
pelo analítico, é que pode levar à superação da mediocridade que não permite ao pedagogo ser
culto e muito menos formar alunos cultos. Isso exigiria que o pedagogo fosse formado numa
relação dialética, em que teoria e prática se fecundassem mutuamente e não se revestissem
simplesmente de uma conexão externa.
A história dos cursos de Pedagogia no Brasil e das Diretrizes Curriculares estudadas no
segundo e terceiro capítulos conferiu a visão dos embates entre escolas, teorias e práticas
utilizadas na formação dos pedagogos. Por ser um processo que não se esgota nos documentos,
para não cair nas armadilhas da dicotomia, é válido afirmar que o movimento dialético continua
nas muitas contradições: entre o dito e o feito, entre o Parecer e as Resoluções142, que compõem
as Diretrizes e entre esta e os Projetos Político-Pedagógicos dos cursos de Pedagogia; entre os
Projetos Pedagógicos – enquanto documentos elaborados para serem submetidos às avaliações
142
Quando se lê o Parecer e, em seguida, a Resolução, nota-se uma diferença muito grande, principalmente no que
diz respeito à relação entre a teoria e a prática. Ao questionar isso com a conselheira que participou da redação de
ambos, percebi que, como costuma acontecer, o Parecer é trabalho de acadêmicos, que têm mais liberdade e espaço
para fundamentar suas propostas, enquanto a Resolução é a peça jurídica que realmente importa e que deverá ser
observada pelos cursos. Para se conseguir a aprovação, no voto, há uma síntese e uma retirada de questões mais
polêmicas. Como visto anteriormente, o Parecer não se refere ao pedagogo, mas ao licenciado em pedagogia. É
uma expressão genérica que não favorece a identidade da profissão.
130
do MEC e, muitas vezes, arquivados; entre o que está consagrado dos Projetos e o que dele
entendem os coordenadores, professores e alunos; entre os Projetos e os Programas de Disciplina
dos professores; entre os Programas de Disciplina e a prática efetiva no trabalho com os alunos.
A conclusão é que há um longo caminho a percorrer, na formação dos pedagogos, para
estabelecer uma relação dialética entre teoria e prática, uma relação baseada, nem no sincrético
do senso comum; nem no abstrato de um humanismo metafísico; mas, no sintético que faz a
teoria imbricar no concreto.
Educadores conscientes disso podem fazer a educação avançar além do que está dito nas
Diretrizes Curriculares do curso de Pedagogia e até mesmo nos PPPs de suas instituições
escolares. E o lócus desse encontro fecundante só pode ser o concreto, síntese de múltiplas
determinações e ricas relações.
Portanto, não é pretensão concluir nesta tese que não seja possível ou que não exista uma
relação dialética entre teoria e prática, na perspectiva da práxis educativa, como propõe Antônio
Gramsci. Também não é pretensão defender que as Diretrizes deveriam ter partido de Gramsci.
O que não se encontrou foi essa ênfase na práxis educativa nos documentos analisados. Logo,
pode-se concluir que resta à prática, entendida como práxis, a transformação dos próprios
documentos, não num passe de mágica revolucionário de um dia para outro, mas num processo
em que a transformação da sociedade seja colocada como possibilidade e como meta da
educação.
Assim, pode-se superar a mera conexão entre teoria “e” prática ou a disjunção teoria
“ou” prática, admitindo a relação dialética teórico-prático-teórico-prático... uma prática que é
ponto de partida e ponto de chegada. Conclui-se, portanto, que não se conseguiu estabelecer essa
relação entre teoria e prática. É uma tarefa a ser realizada ainda, com muito trabalho.
Com o fim das habilitações, as atuais diretrizes ampliaram o campo de atuação do
pedagogo e propuseram uma formação única. Passados 13 anos da aprovação das diretrizes para
o curso de Pedagogia, tem-se discutido quais os impactos da aprovação deste ordenamento legal.
Atrelada à percepção de uma formação superficial para algumas áreas, está a questão do
tempo de duração do curso. As diretrizes curriculares determinam a carga horária em 3200 horas,
sem definir o tempo mínimo para a integralização; existe apenas uma recomendação, do
Departamento de Supervisão do Ensino Superior do Ministério da Educação, para que o curso
de Pedagogia fosse realizado em um período mínimo de quatro anos.
131
O que se pode dizer das possibilidades de mudanças a partir das DCNs de 2015 para
formação inicial e contínua de professores? As DCNs para o curso de Pedagogia de 2006
sofreram alterações em virtude da publicação da Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, que:
Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de Rev. Int. de Form. Professores, formação pedagógica para graduados e
cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Ao buscar mudanças e
permanências entre as duas legislações, pôde-se verificar que a carga horária do curso se manteve
– 3.200 (três mil e duzentas) horas de efetivo trabalho acadêmico – mas a duração mínima para
sua integralização, na legislação mais recente, foi estabelecida em 8 (oito) semestres ou 4
(quatro) anos, o que não estava regulado nas DCNs do curso de Pedagogia. Considera-se positiva
a determinação do tempo mínimo de duração do curso, amenizando o fato apontado a partir dos
dados da Tabela 5, no qual se verificou que a maioria dos cursos estudados na pesquisa o fazia
em menos de oito semestres, trazendo prejuízos à formação do futuro docente, dada a
necessidade de diminuição da carga horária e recursos a expedientes diversos para seu
cumprimento. Mas a questão do perfil diversificado do egresso permaneceu, conforme artigo 10
da Res. nº 2/2015, reafirmado no artigo 13, foi reproduzida parcialmente: “[...] a formação para
o exercício integrado e indissociável da docência na educação básica, incluindo o ensino e a
gestão educacional, e dos processos educativos escolares e não escolares, da produção e difusão
do conhecimento científico, tecnológico e educacional [...]” (BRASIL, 2015, p. 11). Ainda que
os conhecimentos sobre a gestão escolar sejam imprescindíveis à formação do professor para
sua participação democrática na gestão da escola, nos diversos níveis decisórios, parece que
cerca de duas disciplinas nos cursos não seriam suficientes para a formação do gestor. Gatti,
2010, ao analisar uma amostra dos cursos de Pedagogia do Brasil, na vigência nas DCNs de
2006, faz a seguinte consideração:
Pensando que o número mínimo de horas prescrito para Pedagogia é de 3,2 mil
e que 300 horas devem ser dedicadas ao estágio, pode-se inferir que o currículo
efetivamente desenvolvido nesses cursos de formação de professores tem uma
característica fragmentária, com um conjunto disciplinar bastante disperso. Isto
se confirma quando se examina o conjunto de disciplinas em cada curso, por
semestre e em tempo sequencial, em que, normalmente, não se observam
articulações curriculares entre as disciplinas (GATTI, 2010, p. 101).
132
A quantidade muito grande de disciplinas, representando uma fragmentação do currículo,
permanece e parece possível que se agrave com as diretrizes de 2015 com a especificação de
conteúdos a serem garantidos, que se expressa no parágrafo 2º do inciso IV do artigo 13 da
Resolução nº 2/2015:
§ 2º Os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos
específicos da respectiva área de conhecimento ou interdisciplinares, seus
fundamentos e metodologias, bem como conteúdos relacionados aos
fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e gestão da
educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades
étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua
Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e direitos educacionais de
adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. (BRASIL,
2015, p. 11)
A interpretação dada às especificações de conteúdos nas matrizes curriculares é o
aumento de disciplinas, sem que se consiga articular os temas, como exemplo disso, pode-se
citar as diversidades que se incluem no tema dos direitos humanos. Observa-se que no atual
momento político brasileiro, no qual se identificam propostas absurdas de “escolas sem partido”,
que buscam uma falsa ideia de educação sem seu caráter político, exige-se que sejam
explicitados temas tão caros e relevantes à educação na lei. Mas o que se pôde constatar são
currículos inchados e desarticulados. A última alteração que a ser destacada se refere ao aumento
de 100 horas nos estágios, o que poderá vir a contribuir para a melhoria da qualidade da formação
dos professores, visto que é no estágio que realmente se experiência a relação teoria e prática em
situações concretas.
A Resolução CNE/CP nº 2/2015 leva em conta treze “considerandos” e dezenas de leis,
decretos, resoluções e pareceres, prometendo alterações profundas na oferta das licenciaturas.
Para o bem e para o mal. Em 1997, o CNE aprovou o Parecer CNE/CES nº 776/1997,
estabelecendo princípios para as normas destinadas a fixarem as diretrizes curriculares nacionais
para os cursos de graduação, a fim de cumprir um de seus objetivos, delineados pela Lei n 9.131,
de 1995. Esse parecer, “visando assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida
aos estudantes”, pretendia, em síntese:
- assegurar, às instituições de ensino superior (IES), ampla liberdade na composição da
carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos;
133
- evitar ao máximo a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré-
determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos;
- evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação;
- permitir variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo
programa.
Praticamente, todas as resoluções que instituíram diretrizes curriculares nacionais
(DCNs) para os cursos de graduação seguiram na contramão dessas normas básicas. As DCNs
para as licenciaturas não fugiram à regra.
Finalmente, em 2015, o CNE avançou nessa transgressão, ao editar a Resolução CNE/CP
nº 2, que revogou a Resolução 2/2002, entre outras, e ampliou a carga horária mínima para
3.200h, obrigando as IES a ofertarem as licenciaturas em, no mínimo, quatro anos letivos. Essa
resolução, contudo, é um verdadeiro código e vai muito além dos currículos mínimos editados
pelo antigo Conselho Federal de Educação (CFE). Em suas sucessivas resoluções e
interpretações, ao longo desses últimos dezoito anos, o CNE sepultou solenemente a “ampla
liberdade” para as IES ministrarem as licenciaturas, fixou “conteúdos específicos com cargas
horárias pré-determinadas”, ampliou em vez de “evitar o prolongamento desnecessário da
duração dos cursos de graduação” e eliminou a possibilidade de “habilitações diferenciadas em
um mesmo programa”.
Tudo o que foi pesquisado pode ser bem compreendido na concepção de um curso sempre
em busca de sua identidade. Numa sociedade em vertiginosa mudança, o papel do pedagogo não
está cristalizado, está em construção, não numa perspectiva de pós-verdade, mas na direção e no
respeito, pelo menos, dos princípios de um humanismo mais avançado, como aquele estampado
nos direitos individuais e sociais, garantidos pela Constituição Federal Brasileira, nos seus
artigos 5º e 6º. Retroceder, jamais. Resistir, se necessário. Para construir, como educadores e
educadores de educadores, uma sociedade sem exploração de classes, sem exclusões, e, por
consequência, uma sociedade muito menos desigual e muito mais justa.
Se não deu certo até agora, “tentem outra vez!”.
134
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TAVARES, Luís Henrique Dias de. O primeiro século do Brasil: da expansão da Europa
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TROJAN, Rose Meri. Educação Básica e Formação Docente em Cuba: Prós e Contras. Jornal
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VATTIMO Gianni e ROVATTI Pier Aldo. Il pensiero debole, Feltrinelli, Itália, 2010
142
ANEXOS
Anexo A. Estudo comparativo entre a proposta de diretrizes do CNE e proposta da
ANFOPE
PROPOSTA DE DIRETRIZES DO CNE MINUTA DE DIRETRIZES DA
ANFOPE
Art. 1° Mantido
Art. 1º - A presente Resolução institui
Diretrizes Curriculares Nacionais para os Art. 2 ° O Curso de Pedagogia destina-se à
cursos de graduação em Pedagogia, formação de profissionais para atuação nas
definindo princípios, condições de ensino e seguintes áreas :
de aprendizagem, bem como procedimentos
a serem observados em seu planejamento e a. Docência na Educação Infantil, nas
avaliação, pelos órgãos dos sistemas de Séries Iniciais do Ensino Fundamental
ensino e pelas instituições de Educação (escolarização de crianças, jovens e adultos;
Superior do país. Educação Especial; Educação Indígena ) e
nas disciplinas pedagógicas para a formação
Art 2º - O Curso de Pedagogia destina-se de professores;
precipuamente à formação de docentes para b. Organização de sistemas, unidades,
a educação básica, habilitando para: projetos e experiências escolares e não-
escolares;
a- Licenciatura em Pedagogia - Magistério c. Produção e difusão do conhecimento
da Educação Infantil; científico e tecnológico do campo
educacional;
b- Licenciatura em Pedagogia - Magistério d. Áreas emergentes do campo
dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. educacional.
Parágrafo Único - O projeto pedagógico de § 1° As instituições poderão oferecer
cada instituição poderá prever qualquer uma integrada e orgânicamente o curso de
Pedagogia contemplando a docência nos
143
das habilitações ou ambas, na forma de anos iniciais do Ensino Fundamental, na
estudos concomitantes ou subseqüentes. Educação Infantil e o exercício das funções
de gestão, indicadas no Artigo 64 da LDB
Art 3º - O Curso de Pedagogia visa à 9394/96.
formação de licenciados que sejam capazes
de: § 2° As competências e habilidades próprias
do pedagogo, decorrentes do projeto
- planejar, promover, conduzir, acompanhar pedagógico da IES, devem credenciá-lo ao
e avaliar processos educativos de crianças, exercício profissional em áreas específicas
nos anos iniciais do Ensino Fundamental de atuação, tais como: educação especial,
e/ou na Educação Infantil, bem como em educação de jovens e adultos, educação
contextos educativos não-escolares; indígena, educação ambiental e outras áreas
emergentes do campo educacional.
- avaliar, criar e utilizar textos, materiais e
procedimentos de ensino que contemplem a Art. 3° - A estrutura do currículo do Curso de
diversidade de seus alunos, fazendo com que Pedagogia, respeitada a necessária
eles se sintam incluídos no ambiente escolar, diversidade no âmbito nacional, deverá
como individualidades e como pertencentes abranger
a diferentes grupos sociais;
I - um núcleo de conteúdos básicos,
- conhecer e avaliar teorias da educação articuladores da relação teoria e prática,
geradas no contexto brasileiro e da América considerados obrigatórios pelas IES;
Latina, estabelecendo diálogo com
pensamentos oriundos de outros contextos, a II- tópicos de estudo de aprofundamento e/ou
fim de elaborar propostas educacionais diversificação da formação;
consistentes e inovadoras;
III- estudos independentes.
- investigar processos educativos que
ocorrem em distintas situações institucionais Art. 4° O núcleo de conteúdos básicos refere-
- escolares, assistenciais, comunitárias, se:
empresariais ou outras
1. Ao contexto histórico e sócio-cultural,
- com a finalidade de planejar, executar, compreendendo os fundamentos filosóficos,
coordenar a execução e avaliar projetos de históricos, políticos, econômicos,
formação escolar ou de educação sociológicos, psicológicos e antropológicos
continuada; de participar de iniciativas de necessários para a reflexão crítica nos
apoio à vida digna de idosos, doentes, diversos setores da educação na sociedade
pessoas com necessidades educativas contemporânea.
especiais, ou de crianças, jovens e adultos
privados de ambiente de família e moradores 2. ao contexto da educação básica,
de rua. compreendendo :
Art. 4º - A duração do Curso de Pedagogia a. o estudo dos conteúdos específicos
será a seguinte: resultante da opção da Instituição no que
concerne à docência;
144
I - para uma habilitação, no mínimo 2.800 b. os conhecimentos didáticos, as
horas de efetivo trabalho acadêmico, sendo teorias pedagógicas em articulação com as
pelo menos 2500 horas de atividades metodologias; tecnologias de informação e
acadêmicas gerais e pelo menos 300 horas de comunicação e suas linguagens específicas
Estágio Supervisionado em Educação aplicadas ao ensino.
Infantil ou em Anos Iniciais do Ensino c. o estudo dos processos de
Fundamental; organização do trabalho pedagógico, gestão
em espaços escolares e não escolares;
II - no caso de segunda habilitação, deverão d. o estudo das relações entre educação
ser acrescidas pelo menos 800 horas de e trabalho, entre outras, demandadas pela
efetivo trabalho acadêmico, sendo pelo sociedade.
menos 500 horas de atividades acadêmicas e. questões atinentes à ética e a estética
gerais e pelo menos 300 horas de Estágio no mundo de hoje, historicamente
Supervisionado na etapa correspondente à referenciadas ao contexto do exercício
segunda habilitação. profissional em âmbitos escolares e não-
escolares, articulando saber acadêmico ,
Art. 5º - As atividades acadêmicas gerais pesquisa e prática educativa.
compreendem:
Art. 5° Os tópicos de estudos de
I - disciplinas, seminários e atividades de aprofundamento e diversificação da
natureza predominantemente teórica - que formação deverão organizar-se para :
farão a introdução e o aprofundamento de
estudos sobre teorias educacionais, situando 1. atender às diferentes demandas sociais e
os processos de aprender e ensinar para articular a formação aos aspectos
historicamente e em diferentes realidades inovadores que se apresentam no mundo
sócio-culturais e institucionais; e que contemporâneo.
proporcionem aos graduandos fundamentos
para a prática pedagógica, a orientação e 2. o aprofundamento de conteúdos da
apoio aos estudantes, bem como a gestão e formação básica e pelo oferecimento de
avaliação de projetos educacionais, de conteúdos voltados às áreas de atuação
instituições e de políticas públicas de profissional priorizadas pelo projeto
Educação. pedagógico da IES.
II - práticas de ensino - que ensejem aos Art. 6° As IES deverão criar mecanismos de
graduandos a observação e aproveitamento de conhecimentos,
acompanhamento, bem como a participação adquiridos pelo estudante, através de estudos
no planejamento, na execução e na avaliação e práticas independentes, desde que atendido
de aprendizagem, do ensino ou de projetos o prazo mínimo, estabelecido pela
pedagógicos, tanto em escolas como em instituição, para a conclusão do curso.
outros ambientes educativos.
§ 1° Podem ser reconhecidos monitorias e
III - atividades práticas - de iniciação estágios, programas de iniciação científica,
científica e de extensão, diretamente estudos complementares, cursos realizados
orientadas por membro do corpo docente da em áreas afins, integração com cursos
instituição de Educação Superior e seqüenciais correlatos à área, participação
decorrentes ou articuladas às disciplinas,
145
seminários e estudos curriculares, de modo a em eventos científicos no campo da
propiciar aos estudantes vivências com a educação, outros discriminados pelas IES.
educação de pessoas com necessidades
especiais, a educação no campo, a educação Art. 7° A carga horária do Curso de
de indígenas, a educação em remanescentes Pedagogia deve assegurar a realização das
de quilombos, em organizações não- atividades acima especificadas, nunca
governamentais ou em organizações não- inferior a 3.200 horas em um prazo de 4 anos
escolares públicas e privadas. .
Art. 6º. O estágio supervisionado será § único - O tempo máximo para a
realizado em uma instituição devidamente integralização do curso será de oito anos.
autorizada ou reconhecida pelo respectivo
sistema de ensino, de modo a assegurar aos Art. 8° - Uma organização curricular
graduandos experiência de exercício inovadora deve contemplar :
profissional que amplie e fortaleça atitudes
éticas, conhecimentos e competências, I - uma sólida formação profissional
predominantemente em contato direto com acompanhada de possibilidades de
crianças e complementarmente com a aprofundamentos e opções realizadas pelos
participação nas atividades de gestão alunos e propiciar, também, tempo para
institucional e de educação continuada dos pesquisas, leituras e participação em
profissionais com vínculo institucional eventos, entre outras atividades, além da
permanente. elaboração de um trabalho final de curso que
sintetize suas experiências.
Art. 7º - O Curso de Pedagogia poderá
conduzir ao grau de Bacharel em Pedagogia, II - A prática pedagógica não deve ser vista
visando ao adensamento em formação como tarefa individual de um professor, mas
científica. configurar-se como trabalho coletivo da IES,
fruto de seu projeto pedagógico. Estas
Par. 1º. - O Projeto Pedagógico da instituição práticas podem ser concomitantes,
deverá prever para o bacharelado pelo menos complexificando-se e verticalizando-se de
800 horas adicionais às da licenciatura. acordo com o desenvolvimento do curso.
Par. 2º - O grau de Bacharel em Pedagogia III - A relação teoria e prática será entendida
será registrado por apostilamento nos como eixo articulador da produção do
diplomas de Licenciatura em Pedagogia. conhecimento na dinâmica do currículo.
Art. 8º - A formação de especialistas nas IV - A prática de ensino, vista como
áreas previstas no art. 64 da Lei nº 9394, de
instrumento de integração do aluno com a
1996, e outras que sejam sugeridas pela realidade social, econômica e do trabalho de
realidade social e educacional, será feita sua área e curso, deverá possibilitar a
exclusivamente para licenciados, conforme interlocução com os referenciais teóricos do
exigências do art. 67 da mesma Lei, em currículo. Deve ser iniciada nos primeiros
cursos especialmente definidos para este fim.
anos do curso e acompanhada pela
coordenação docente da IES. Esse trabalho
Art. 9º - As habilitações em cursos de deve permitir a participação do aluno em
Pedagogia atualmente existentes, que sejam projetos integrados, favorecendo a
146
diversas das indicadas no art. 2º desta aproximação entre as ações propostas pelas
Resolução, entrarão em regime de extinção, disciplinas/áreas/atividades.
a partir do período letivo seguinte à
publicação desta Resolução. V - A prática pedagógica, como instrumento
de iniciação à pesquisa e ao ensino, na forma
Art. 10 - Os cursos autorizados ou de articulação teoria-prática, considera que a
reconhecidos, em funcionamento, passarão a formação profissional não deve se
observar: desvincular da pesquisa. A reflexão sobre a
realidade observada gera problematizações e
I - cursos e turmas novas: vigência destas projetos de pesquisa entendidos como
Diretrizes Curriculares Nacionais a partir do formas de iniciação à pesquisa educacional.
período letivo subseqüente à sua publicação;
VI - Em um mundo que exige cada vez mais
II - turmas em andamento: adaptação a formação pedagógica, o futuro educador
curricular a critério das IES. deve ter a oportunidade de desenvolver a
capacidade de atuar pedagogicamente na
Art. 11 - As instituições de Educação realidade que se lhe apresenta, a exemplo dos
Superior com Curso Normal Superior movimentos sociais.
autorizado ou reconhecido poderão
transformá-lo em Curso de Pedagogia. Art. 9° Tese 2 - O curso de Pedagogia
responsável pela formação do profissional de
§ 1º - No caso de transformação, a instituição educação para atuar no ensino, na
deverá prever em seu Projeto Pedagógico organização e gestão de sistemas, unidades e
condições de opção para os estudantes que projetos educacionais e na produção e
preferirem concluir o curso conforme projeto difusão do conhecimento, em diversas áreas
inicial ou adaptação de seus planos de estudo da educação, é, ao mesmo tempo, uma
para o Curso de Pedagogia. Licenciatura e um Bacharelado.
§ 2º - Esta é decisão privativa da instituição Art. 10° Os cursos autorizados ou
de Educação Superior, não cabendo novo reconhecidos, em funcionamento, passarão a
processo de autorização de curso para observar:
formação de licenciados para o magistério da
Educação Infantil e dos Anos Iniciais do I - cursos e turmas novas: vigência destas
Ensino Fundamental. Diretrizes Curriculares Nacionais a partir do
período letivo subseqüente à sua publicação;
§ 3º - A instituição de Educação Superior que
optar por transformar o Curso Normal II - turmas em andamento: adaptação
Superior para iniciar Curso de Pedagogia, curricular de modo a garantir o
deverá informar ao Ministério de Educação desenvolvimento curricular oferecido.
sua decisão e divulgá-la amplamente, no
prazo de 90 dias, a contar da data de Art. 11 - As Instituições de Ensino Superior
publicação desta Resolução. com Curso normal Superior autorizado ou
reconhecido deverão adaptar-se às novas
Art. 12 - Esta Resolução entra em vigor na Diretrizes Curriculares no prazo de 5 anos,
data de sua publicação, revogadas as buscando constituir-se institucionalmente de
disposições em contrário. modo a atender às exigências relativas ao
147
corpo docente, condições de pesquisa e
infra-estrutura necessárias para o pleno
desenvolvimento desta nova organização
curricular.
Art. 12 - Esta Resolução entra m vigor na
data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário
148
ANEXO B. Resolução CNE-CP nº 1 - 2006143
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CONSELHO PLENO
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura.
O Presidente do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais
e tendo em vista o disposto no art. 9º, § 2º, alínea “e” da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de
1961, com a redação dada pela Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, no art. 62 da Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, e com fundamento no Parecer CNE/CP nº 5/2005, incluindo
a emenda retificativa constante do Parecer CNE/CP nº 3/2006, homologados pelo Senhor
Ministro de Estado da Educação, respectivamente, conforme despachos publicados no DOU de
15 de maio de 2006 e no DOU de 11 de abril de 2006, resolve:
Art. 1º A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Graduação em Pedagogia, licenciatura, definindo princípios, condições de ensino e de
aprendizagem, procedimentos a serem observados em seu planejamento e avaliação, pelos
órgãos dos sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior do país, nos termos
explicitados nos Pareceres CNE/CP nos 5/2005 e 3/2006.
Art. 2º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial
para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na
área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos.
§ 1º Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico metódico e
intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam
conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre
conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de
143
Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11.
149
aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre
diferentes visões de mundo.
§ 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão
crítica, propiciará:
I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas;
II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o
filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o
sociológico, o político, o econômico, o cultural.
Art. 3º O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de informações e habilidades
composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será
proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de
interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e
sensibilidade afetiva e estética.
Parágrafo único. Para a formação do licenciado em Pedagogia é central:
I - o conhecimento da escola como organização complexa que tem a função de promover a
educação para e na cidadania;
II - a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área
educacional;
III - a participação na gestão de processos educativos e na organização e funcionamento de
sistemas e instituições de ensino.
Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para
exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de
serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e
gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do
setor da Educação;
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e
experiências educativas não-escolares;
150
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em
contextos escolares e não-escolares.
Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a:
I - atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime,
igualitária;
II - compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir, para o
seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social;
III - fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do Ensino Fundamental, assim
como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria;
IV - trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos
em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do
processo educativo;
V - reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas, emocionais,
afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas;
VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação
Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano;
VII - relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-
pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação adequadas
ao desenvolvimento de aprendizagens significativas;
VIII - promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e
a comunidade;
IX - identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa, integrativa
e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de
exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras;
X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-
ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades
especiais, escolhas sexuais, entre outras;
XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área educacional e as demais
áreas do conhecimento;
XII - participar da gestão das instituições contribuindo para elaboração,
implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico;
151
XIII - participar da gestão das instituições planejando, executando, acompanhando e avaliando
projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e não-escolares;
XIV - realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros: sobre alunos e alunas
e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não- escolares; sobre
processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos; sobre propostas
curriculares; e sobre organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas;
XV - utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção de conhecimentos
pedagógicos e científicos;
XVI - estudar, aplicar criticamente as diretrizes curriculares e outras determinações legais que
lhe caiba implantar, executar, avaliar e encaminhar o resultado de sua avaliação às instâncias
competentes.
§ 1º No caso dos professores indígenas e de professores que venham a atuar em escolas
indígenas, dada a particularidade das populações com que trabalham e das situações em que
atuam, sem excluir o acima explicitado, deverão:
I - promover diálogo entre conhecimentos, valores, modos de vida, orientações filosóficas,
políticas e religiosas próprias à cultura do povo indígena junto a quem atuam e os provenientes
da sociedade majoritária;
II - atuar como agentes interculturais, com vistas à valorização e o estudo de temas indígenas
relevantes.
§ 2º As mesmas determinações se aplicam à formação de professores para escolas de
remanescentes de quilombos ou que se caracterizem por receber populações de etnias e
culturas específicas.
Art. 6º A estrutura do curso de Pedagogia, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia
pedagógica das instituições, constituir-se-á de:
I - um núcleo de estudos básicos que, sem perder de vista a diversidade e a multiculturalidade
da sociedade brasileira, por meio do estudo acurado da literatura pertinente e de realidades
educacionais, assim como por meio de reflexão e ações críticas, articulará:
a) aplicação de princípios, concepções e critérios oriundos de diferentes áreas do
conhecimento, com pertinência ao campo da Pedagogia, que contribuam para o desenvolvimento
das pessoas, das organizações e da sociedade;
b) aplicação de princípios da gestão democrática em espaços escolares e não-escolares;
152
c) observação, análise, planejamento, implementação e avaliação de processos educativos e de
experiências educacionais, em ambientes escolares e não-escolares;
d) utilização de conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações de
aprendizagem;
e) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimento de
crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões física, cognitiva, afetiva, estética,
cultural, lúdica, artística, ética e biossocial;
f) realização de diagnóstico sobre necessidades e aspirações dos diferentes segmentos da
sociedade, relativamente à educação, sendo capaz de identificar diferentes forças e interesses,
de captar contradições e de considerá-lo nos planos pedagógico e de ensino-aprendizagem,
no planejamento e na realização de atividades educativas;
g) planejamento, execução e avaliação de experiências que considerem o contexto histórico
e sociocultural do sistema educacional brasileiro, particularmente, no que diz respeito à
Educação Infantil, aos anos iniciais do Ensino Fundamental e à formação de professores e de
profissionais na área de serviço e apoio escolar;
h) estudo da Didática, de teorias e metodologias pedagógicas, de processos de organização do
trabalho docente;
i) decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do
trabalho didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de escolarização, relativos à
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia,
Artes, Educação Física;
j) estudo das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural, cidadania,
sustentabilidade, entre outras problemáticas centrais da sociedade contemporânea;
k) atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto do exercício
profissional, em âmbitos escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmico, a pesquisa,
a extensão e a prática educativa;
l) estudo, aplicação e avaliação dos textos legais relativos à organização da educação nacional;
II - um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos voltado às áreas de atuação
profissional priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições e que, atendendo a diferentes
demandas sociais, oportunizará, entre outras possibilidades:
153
a) investigações sobre processos educativos e gestoriais, em diferentes situações institucionais:
escolares, comunitárias, assistenciais, empresariais e outras;
b) avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos, procedimentos e processos de
aprendizagem que contemplem a diversidade social e cultural da sociedade brasileira;
c) estudo, análise e avaliação de teorias da educação, a fim de elaborar propostas
educacionais consistentes e inovadoras;
III - um núcleo de estudos integradores que proporcionará enriquecimento curricular e
compreende participação em:
a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica, monitoria e extensão,
diretamente orientados pelo corpo docente da instituição de educação superior;
b) atividades práticas, de modo a propiciar vivências, nas mais diferentes áreas do campo
educacional, assegurando aprofundamentos e diversificação de estudos, experiências e
utilização de recursos pedagógicos;
c) atividades de comunicação e expressão cultural.
Art. 7º O curso de Licenciatura em Pedagogia terá a carga horária mínima de 3.200 horas de
efetivo trabalho acadêmico, assim distribuídas:
I - 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência a aulas, realização de
seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de
documentação, visitas a instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente
natureza, participação em grupos cooperativos de estudos;
II - 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas específicas, se for
o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição;
III - 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de
interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria.
Art. 8º Nos termos do projeto pedagógico da instituição, a integralização de estudos será
efetivada por meio de:
I - disciplinas, seminários e atividades de natureza predominantemente teórica que farão a
introdução e o aprofundamento de estudos, entre outros, sobre teorias educacionais, situando
processos de aprender e ensinar historicamente e em diferentes realidades socioculturais e
institucionais que proporcionem fundamentos para a prática pedagógica, a orientação e apoio
154
a estudantes, gestão e avaliação de projetos educacionais, de instituições e de políticas públicas
de Educação;
II - práticas de docência e gestão educacional que ensejem aos licenciandos a observação e
acompanhamento, a participação no planejamento, na execução e na avaliação de
aprendizagens, do ensino ou de projetos pedagógicos, tanto em escolas como em outros
ambientes educativos;
III - atividades complementares envolvendo o planejamento e o desenvolvimento progressivo
do Trabalho de Curso, atividades de monitoria, de iniciação científica e de extensão, diretamente
orientadas por membro do corpo docente da instituição de educação superior decorrentes ou
articuladas às disciplinas, áreas de conhecimentos, seminários, eventos científico-culturais,
estudos curriculares, de modo a propiciar vivências em algumas modalidades e experiências,
entre outras, e opcionalmente, a educação de pessoas com necessidades especiais, a educação do
campo, a educação indígena, a educação em remanescentes de quilombos, em organizações não-
governamentais, escolares e não-escolares públicas e privadas;
IV - estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar aos graduandos
experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não-escolares que ampliem e
fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências:
a) na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, prioritariamente; b) nas
disciplinas pedagógicas dos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal; c) na Educação
Profissional na área de serviços e de apoio escolar;
d) na Educação de Jovens e Adultos;
e) na participação em atividades da gestão de processos educativos, no planejamento,
implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação de atividades e projetos educativos;
f) em reuniões de formação pedagógica.
Art. 9º Os cursos a serem criados em instituições de educação superior, com ou sem autonomia
universitária e que visem à Licenciatura para a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação
Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos, deverão ser estruturados com base nesta Resolução.
Art. 10. As habilitações em cursos de Pedagogia atualmente existentes entrarão em regime de
extinção, a partir do período letivo seguinte à publicação desta Resolução.
155
Art. 11. As instituições de educação superior que mantêm cursos autorizados como Normal
Superior e que pretenderem a transformação em curso de Pedagogia e as instituições que já
oferecem cursos de Pedagogia deverão elaborar novo projeto pedagógico, obedecendo ao
contido nesta Resolução.
§ 1º O novo projeto pedagógico deverá ser protocolado no órgão competente do respectivo
sistema ensino, no prazo máximo de 1 (um) ano, a contar da data da publicação desta
Resolução.
§ 2º O novo projeto pedagógico alcançará todos os alunos que iniciarem seu curso a partir do
processo seletivo seguinte ao período letivo em que for implantado.
§ 3º As instituições poderão optar por introduzir alterações decorrentes do novo projeto
pedagógico para as turmas em andamento, respeitando-se o interesse e direitos dos alunos
matriculados.
§ 4º As instituições poderão optar por manter inalterado seu projeto pedagógico para as turmas
em andamento, mantendo-se todas as características correspondentes ao estabelecido.
Art. 12. Concluintes do curso de Pedagogia ou Normal Superior que, no regime das normas
anteriores a esta Resolução, tenham cursado uma das habilitações, a saber, Educação Infantil
ou anos iniciais do Ensino Fundamental, e que pretendam complementar seus estudos na área
não cursada poderão fazê-lo.
§ 1º Os licenciados deverão procurar preferencialmente a instituição na qual cursaram sua
primeira formação.
§ 2º As instituições que vierem a receber alunos na situação prevista neste artigo serão
responsáveis pela análise da vida escolar dos interessados e pelo estabelecimento dos planos
de estudos complementares, que abrangerão, no mínimo, 400 horas.
Art. 13. A implantação e a execução destas diretrizes curriculares deverão ser sistematicamente
acompanhadas e avaliadas pelos órgãos competentes.
Art. 14. A Licenciatura em Pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE/CP nos 5/2005 e 3/2006
e desta Resolução, assegura a formação de profissionais da educação prevista no art. 64, em
conformidade com o inciso VIII do art. 3º da Lei nº 9.394/96.
§ 1º Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos de pós- graduação,
especialmente estruturados para este fim e abertos a todos os licenciados.
156
§ 2º Os cursos de pós-graduação indicados no § 1º deste artigo poderão ser complementarmente
disciplinados pelos respectivos sistemas de ensino, nos termos do parágrafo único do art. 67 da
Lei nº 9.394/96.
Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas a Resolução
CFE nº 2, de 12 de maio de 1969, e demais disposições em contrário.
EDSON DE OLIVEIRA NUNES
Presidente do Conselho Nacional de Educação
ANEXO C. Reexaminado pelo parecer CNE/CP Nº 3/2006
PARECER HOMOLOGADO(*)
(*) Despacho do Ministro, publicado no Diário Oficial da União de 15/5/2006
157
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação UF: DF
ASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia
RELATORAS: Clélia Brandão Alvarenga Craveiro e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
PROCESSO Nº: 23001.000188/2005-02
PARECER CNE/CP Nº: COLEGIADO: APROVADO EM:
5/2005 CP 13/12/2005
I – RELATÓRIO
Introdução
O Conselho Nacional de Educação, em 2003, designou uma Comissão Bicameral,
formada por conselheiros da Câmara de Educação Superior e da Câmara de Educação Básica,
com a finalidade de definir Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia.
Primeiramente, tratou-se de rever as contribuições apresentadas ao CNE, ao longo dos últimos
anos, por associações acadêmico-científicas, comissões e grupos de estudos que têm como
objeto de investigações a Educação Básica e a formação de profissionais que nela atuam, por
sindicatos e entidades estudantis que congregam os que são partícipes diretos na implementação
da política nacional de formação desses profissionais e de valorização do magistério, assim
como individualmente por estudantes e professores do curso de Pedagogia.
A seguir foi promovida uma audiência pública, no mês de dezembro daquele ano,
na qual ficou evidente a diversidade de posições em termos de princípios, formas de organização
do curso e de titulação a ser oferecida.
Com a renovação periódica dos membros do CNE, em maio de 2004, a Comissão
Bicameral foi recomposta e recebeu a incumbência de tratar das matérias referentes à formação
de professores, dando prioridade às diretrizes curriculares para o curso de Pedagogia. Esta
comissão aprofundou os estudos sobre as normas gerais e as práticas curriculares vigentes nas
licenciaturas, bem como sobre a situação paradoxal da formação de professores para a educação
infantil e os anos iniciais do ensino fundamental. Submeteu, à apreciação da comunidade
158
educacional, uma primeira versão de Projeto de Resolução. Em resposta a essa consulta, de
março a outubro de 2005, chegaram ao CNE críticas, sugestões encaminhadas por correio
eletrônico e postal ou por telefone, assim como expressos nos debates para os quais foram
convidados conselheiros membros da Comissão.
Deste modo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, a
seguir explicitadas, levam em conta proposições formalizadas, nos últimos 25 anos, em
análises da realidade educacional brasileira, com a finalidade de diagnóstico e avaliação sobre a
formação e atuação de professores, em especial na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental, assim como em cursos de Educação Profissional para o Magistério e para o
exercício de atividades que exijam formação pedagógica e estudo de política e gestão
educacionais. Levam também em conta, como não poderia deixar de ser, a legislação pertinente:
- Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, art. 205;
- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), arts. 3º,
inciso VII, 9º, 13, 43, 61, 62, 64, 65 e 67;
- Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), especialmente em seu item
IV, Magistério na Educação Básica, que define as diretrizes, os objetivos e metas, relativas à
formação profissional inicial para docentes da Educação Básica;
- Parecer CNE/CP nº 9/2001, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura,
de graduação plena;
- Parecer CNE/CP nº 27/2001, que dá nova redação ao item 3.6, alínea “c”, do
Parecer CNE/CP n° 9/2001, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena;
- Parecer CNE/CP nº 28/2001 que dá nova redação ao Parecer CNE/CP nº
21/2001, estabelecendo a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena;
- Resolução CNE/CP nº 1/2002, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura,
de graduação plena;
159
- Resolução CNE/CP nº 2/2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos
de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica, em nível
superior.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia resultam, pois,
do determinado na legislação em vigor, assim como de um longo processo de consultas e de
discussões, em que experiências e propostas inovadoras foram tencionadas, avaliações
institucionais e de resultados acadêmicos da formação inicial e continuada de professores
foram confrontados com práticas docentes, possibilidades e carências verificadas nas instituições
escolares.
Breve Histórico do Curso de Pedagogia
No Brasil, o curso de Pedagogia, ao longo de sua história, teve definido como
seu objeto de estudo e finalidade precípuos os processos educativos em escolas e em outros
ambientes, sobremaneira a educação de crianças nos anos iniciais de escolarização, além da
gestão educacional. Merece ser salientado que, nas primeiras propostas para este curso, a ele
se atribuiu o “estudo da forma de ensinar”. Regulamentado pela primeira vez, nos termos do
Decreto-Lei nº 1.190/1939, foi definido como lugar de formação de “técnicos em educação”.
Estes eram, à época, professores primários que realizavam estudos superiores em Pedagogia
para, mediante concurso, assumirem funções de administração, planejamento de currículos,
orientação a professores, inspeção de escolas, avaliação do desempenho dos alunos e dos
docentes, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da educação, no Ministério da Educação,
nas secretarias dos estados e dos municípios.
A padronização do curso de Pedagogia, em 1939, é decorrente da concepção
normativa da época, que alinhava todas as licenciaturas ao denominado “esquema 3+1”, pelo
qual era feita a formação de bacharéis nas diversas áreas das Ciências Humanas, Sociais,
Naturais, Letras, Artes, Matemática, Física, Química. Seguindo este esquema, o curso de
Pedagogia oferecia o título de bacharel, a quem cursasse três anos de estudos em conteúdos
específicos da área, quais sejam fundamentos e teorias educacionais; e o título de licenciado
que permitia atuar como professor, aos que, tendo concluído o bacharelado, cursassem mais
um ano de estudos, dedicados à Didática e à Prática de Ensino. O então curso de Pedagogia
160
dissociava o campo da ciência Pedagogia, do conteúdo da Didática, abordando-os em cursos
distintos e tratando-os separadamente. Ressalta-se, ainda, que aos licenciados em Pedagogia
também era concedido o registro para lecionar Matemática, História, Geografia e Estudos
Sociais, no primeiro ciclo do ensino secundário.
A dicotomia entre bacharelado e licenciatura levava a entender que no bacharelado
se formava o pedagogo que poderia atuar como técnico em educação e, na licenciatura, formava-
se o professor que iria lecionar as matérias pedagógicas do Curso Normal de nível secundário,
quer no primeiro ciclo, o ginasial - normal rural, ou no segundo. Com o advento da Lei n°
4.024/1961 e a regulamentação contida no Parecer CFE nº 251/1962, manteve-se o esquema
3+1, para o curso de Pedagogia. Em 1961, fixara-se o currículo mínimo do curso de bacharelado
em Pedagogia, composto por sete disciplinas indicadas pelo CFE e mais duas escolhidas pela
instituição. Esse mecanismo centralizador da organização curricular pretendia definir a
especificidade do bacharel em Pedagogia e visava manter uma unidade de conteúdo, aplicável
como critério para transferências de alunos, em todo o território nacional.
Regulamentada pelo Parecer CFE nº 292/1962, a licenciatura previa o estudo de
três disciplinas: Psicologia da Educação, Elementos de Administração Escolar, Didática e
Prática de Ensino, esta última em forma de Estágio Supervisionado. Mantinha-se, assim, a
dualidade, bacharelado e licenciatura em Pedagogia, ainda que, nos termos daquele Parecer,
não devesse haver a ruptura entre conteúdos e métodos, manifesta na estrutura curricular do
esquema 3+1.
A Lei da Reforma Universitária nº 5.540, de 1968, facultava à graduação em
Pedagogia, a oferta de habilitações: Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção
Educacional, assim como outras especialidades necessárias ao desenvolvimento nacional e às
peculiaridades do mercado de trabalho.
Em 1969, o Parecer CFE n° 252 e a Resolução CFE nº 2, que dispunham sobre
a organização e o funcionamento do curso de Pedagogia, indicavam como finalidade do curso
preparar profissionais da educação assegurando possibilidade de obtenção do título de
especialista, mediante complementação de estudos. A Resolução CFE nº 2/1969 determinava
que a formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de
orientação, administração, supervisão e inspeção, fosse feita no curso de graduação em
Pedagogia, de que resultava o grau de licenciado. Como licenciatura, permitia o registro para
161
o exercício do magistério nos cursos normais, posteriormente denominados magistério de 2º
grau e, sob o argumento de que “quem pode o mais pode o menos” ou de que “quem prepara o
professor primário tem condições de ser também professor primário”, permitia o magistério
nos anos iniciais de escolarização.
No processo de desenvolvimento social e econômico do país, com a ampliação
do acesso à escola, cresceram as exigências de qualificação docente, para orientação da
aprendizagem de crianças e adolescentes das classes populares, que traziam, para dentro das
escolas, visões de mundo diversas e perspectivas de cidadania muito mais variadas. De outra
parte, a complexidade organizacional e pedagógica, proporcionada pela democratização da
vida civil e da gestão pública, também trouxe novas necessidades para a gestão escolar, com
funções especializadas e descentralizadas, maior autonomia e responsabilidade institucional.
Logo, a formação para a docência, para cargos de direção, assessoramento à escola e aos
órgãos de administração dos sistemas de ensino foi valorizada, inclusive nos planos de carreira.
Em todas estas atividades os licenciados em Pedagogia provaram qualificação.
Atentas às exigências do momento histórico, já no início da década de 1980, várias
universidades efetuaram reformas curriculares, de modo a formar, no curso de Pedagogia,
professores para atuarem na Educação Pré-escolar e nas séries iniciais do Ensino de 1º Grau.
Como sempre, no centro das preocupações e das decisões, estavam os processos
de ensinar, aprender, além do de gerir escolas.
O curso de Pedagogia, desde então, vai amalgamando experiências de formação
inicial e continuada de docentes, para trabalhar tanto com crianças quanto com jovens e
adultos.
Apresenta, hoje, notória diversificação curricular, com uma gama ampla de
habilitações para além da docência no Magistério das Matérias Pedagógicas do então 2º Grau, e
para as funções designadas como especialistas. Por conseguinte, ampliam-se disciplinas e
atividades curriculares dirigidas à docência para crianças de 0 a 5 e de 6 a 10 anos e oferecem-
se diversas ênfases nos percursos de formação dos graduandos em Pedagogia, para
contemplar, entre muitos outros temas: educação de jovens e adultos; a educação infantil; a
educação na cidade e no campo; a educação dos povos indígenas; a educação nos remanescentes
de quilombos; a educação das relações étnico-raciais; a inclusão escolar e social das pessoas
com necessidades especiais, dos meninos e meninas de rua; a educação a distância e as novas
162
tecnologias de informação e comunicação aplicadas à educação; atividades educativas em
instituições não- escolares, comunitárias e populares. É nesta realidade que se pretende
intervir com estas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia.
Para tal, importa considerar a evolução das trajetórias de profissionalização no
magistério das séries iniciais do Ensino de 1º Grau. Durante muitos anos, a maior parte dos
que pretendiam graduar-se em Pedagogia eram professores primários, com alguma ou muita
experiência em sala de aula. Assim, os professores das escolas normais, bem como boa parte
dos primeiros supervisores, orientadores e administradores escolares haviam aprendido, na
vivência do dia-a-dia como docentes, sobre os processos nos quais pretendiam vir a influir,
orientar, acompanhar, transformar. À medida que o curso de Pedagogia foi se tornando lugar
preferencial para a formação de docentes das séries iniciais do Ensino de 1º Grau, bem como
da Pré-Escola, crescia o número de estudantes sem experiência docente e formação prévia
para o exercício do magistério. Essa situação levou os cursos de Pedagogia a enfrentarem,
nem sempre com sucesso, a problemática do equilíbrio entre formação e exercício profissional,
bem como a desafiante crítica de que os estudos em Pedagogia dicotomizavam teoria e prática.
Em consequência, o curso de Pedagogia passou a ser objeto de severas críticas,
que destacavam o tecnicismo na educação, fase em que os termos Pedagogia e pedagógico
passaram a ser utilizados apenas em referência a aspectos metodológicos do ensino e
organizativos da escola. Alguns críticos do curso de Pedagogia e das licenciaturas em geral,
entre eles docentes sem ou com pouca experiência em trabalho nos anos iniciais de escolarização,
entretanto responsáveis por disciplinas “fundamentais” destes cursos, entendiam que a prática
teria menor valor. Ponderavam que estudar processos educativos, entender e manejar métodos
de ensino, avaliar, elaborar e executar planos e projetos, selecionar conteúdos, avaliar e elaborar
materiais didáticos eram ações menores. Já outros críticos, estudiosos de práticas e de
processos educativos, desenvolveram análises, reflexões e propostas consistentes, em diferentes
perspectivas, elaborando corpos teóricos e encaminhamentos práticos. Fundamentavam-se na
concepção de Pedagogia como práxis, em face do entendimento que tem a sua razão de ser na
articulação dialética da teoria e da prática. Sob esta perspectiva, firmaram a compreensão de
que a Pedagogia trata do campo teórico- investigativo da educação, do ensino e do trabalho
pedagógico que se realiza na práxis social.
163
O movimento de educadores, em busca de um estatuto epistemológico para a
Pedagogia, contou com adeptos de abordagens até contraditórias. Disso resultou uma ampla
concepção acerca do curso de Pedagogia incluída a de que a docência, nas séries iniciais do
Ensino de 1º Grau e também na Pré-Escola, passasse a ser a área de atuação do egresso do
curso de Pedagogia, por excelência. Desde 1985, é bastante expressivo o número de instituições
em todo o país que oferecem essas habilitações na graduação.
O reconhecimento dos sistemas e instituições de ensino sobre as competências e
o comprometimento dos Licenciados em Pedagogia, habilitados para o magistério na Educação
Infantil e no início do Ensino Fundamental é evidente, inclusive pelo quantitativo de formadas
(os) e formandas (os) em Pedagogia, em diferentes habilitações, que se dirigem ao Conselho
Nacional de Educação (CNE) para solicitar apostilamento em seus diplomas, com vistas ao
exercício da docência nestas etapas. A justificativa para essa solicitação é a de que os estudos
feitos para a atuação em funções de gestão tanto administrativa quanto pedagógica de instituições
de ensino, como para o planejamento, execução, acompanhamento e avaliação de processos
educativos escolares ou não, tiveram suporte importante de conhecimentos sobre a docência
nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil.
Coincidentemente, tem crescido o número de licenciados em outras áreas do
conhecimento, buscando formação aprofundada na área de gestão de instituições e de sistemas
de ensino, em especial, por meio de cursos de especialização. Sem desconhecer a contribuição
dos cursos de Pedagogia, para a formação destes profissionais e de pesquisadores na área, não
há como sustentar que esta seja exclusiva do Licenciado em Pedagogia. Por isso, há que se
ressaltar a importância de, a partir de agora, pensar a proposta de formação dos especialistas
em Educação, em nível de pós-graduação, na trilha conceptual do curso de Pedagogia como
aqui explicitada.
Com uma história construída no cotidiano das instituições de ensino superior, não
é demais enfatizar que o curso de graduação em Pedagogia, nos anos 1990, foi se constituindo
como o principal locus da formação docente dos educadores para atuar na Educação Básica:
na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A formação dos profissionais
da educação, no curso de Pedagogia, passou a constituir, reconhecidamente, um dos requisitos
para o desenvolvimento da Educação Básica no País.
164
Enfatiza-se ainda que grande parte dos cursos de Pedagogia, hoje, tem como
objetivo central a formação de profissionais capazes de exercer a docência na Educação
Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nas disciplinas pedagógicas para a formação
de professores, assim como para a participação no planejamento, gestão e avaliação de
estabelecimentos de ensino, de sistemas educativos escolares, bem como organização e
desenvolvimento de programas não-escolares. Os movimentos sociais também têm insistido
em demonstrar a existência de uma demanda ainda pouco atendida, no sentido de que os
estudantes de Pedagogia sejam também formados para garantir a educação, com vistas à
inclusão plena, dos segmentos historicamente excluídos dos direitos sociais, culturais,
econômicos, políticos.
Finalidade do Curso de Pedagogia
Estas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia ancoram-se
na história do conhecimento em Pedagogia, na historia da formação de profissionais e de
pesquisadores para a área de Educação, em que se incluem, entre outras empenhadas em
equidade, as experiências de formação de professores indígenas144. Ancoram-se também no
avanço do conhecimento e da tecnologia na área, assim como nas demandas de democratização
e de exigências de qualidade do ensino pelos diferentes segmentos da sociedade brasileira.
Constituem-se, conforme os Pareceres CNE/CES nos 776/1997, 583/2001 e
67/2003, que tratam da elaboração de diretrizes curriculares, isto é, de orientações normativas
destinadas a apresentar princípios e procedimentos a serem observados na organização
institucional e curricular. Visam a estabelecer bases comuns para que os sistemas e as
instituições de ensino possam planejar e avaliar a formação acadêmica e profissional oferecida,
assim como acompanhar a trajetória de seus egressos, em padrão de qualidade reconhecido
no País.
As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia aplicam-se à formação
inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio de modalidade Normal e em cursos de Educação
144
Entre outras 3° grau Indígena, na Universidade Estadual de Mato Grosso e Licenciatura Intercultural na
Universidade Federal de Roraima.
165
Profissional, na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos. A formação oferecida abrangerá integradamente à
docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral, a
elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades educativas.
Na organização do curso de Pedagogia, dever-se-á observar, com especial atenção:
os princípios constitucionais e legais; a diversidade sociocultural e regional do país; a
organização federativa do Estado brasileiro; a pluralidade de ideias e de concepções
pedagógicas, a competência dos estabelecimentos de ensino e dos docentes para a gestão
democrática.
Na aplicação destas Diretrizes Curriculares, há de se adotar, como referência, o
respeito a diferentes concepções teóricas e metodológicas próprias da Pedagogia e àquelas
oriundas de áreas de conhecimento afins, subsidiárias da formação dos educadores, que se
qualificam com base na docência da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Assim concebida, a formação em Pedagogia inicia-se no curso de graduação,
quando os estudantes são desafiados a articular conhecimentos do campo educacional com
práticas profissionais e de pesquisa, estas sempre planejadas e supervisionadas com a
colaboração dos estudantes. Tais práticas compreendem tanto o exercício da docência como o
de diferentes funções do trabalho pedagógico em escolas, o planejamento, a coordenação, a
avaliação de práticas educativas em espaços não-escolares, a realização de pesquisas que
apoiem essas práticas. Nesta perspectiva, a consolidação da formação iniciada terá lugar no
exercício da profissão que não pode prescindir da qualificação continuada.
A educação do licenciado em Pedagogia deve, pois, propiciar, por meio de
investigação, reflexão crítica e experiência no planejamento, execução, avaliação de atividades
educativas, a aplicação de contribuições de campos de conhecimentos, como o filosófico, o
histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico,
o político, o econômico, o cultural. O propósito dos estudos destes campos é nortear a
observação, análise, execução e avaliação do ato docente e de suas repercussões ou não em
aprendizagens, bem como orientar práticas de gestão de processos educativos escolares e não-
escolares, além da organização, funcionamento e avaliação de sistemas e de estabelecimentos
de ensino.
166
Princípios
O graduando em Pedagogia trabalha com um repertório de informações e
habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação
será proporcionada pelo exercício da profissão, fundamentando-se em interdisciplinaridade,
contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva
e estética. Este repertório deve se constituir por meio de múltiplos olhares, próprios das
ciências, das culturas, das artes, da vida cotidiana, que proporcionam leitura das relações
sociais e étnico-raciais, também dos processos educativos por estas desencadeados.
Para a formação do licenciado em Pedagogia é central o conhecimento da escola
como uma organização complexa que tem a função social e formativa de promover, com
equidade, educação para e na cidadania. É necessário que saiba, entre outros aspectos, que
entre os povos indígenas, a escola se constitui em forte mecanismo de desenvolvimento e
valorização das culturas étnicas e de sustentabilidade econômica, territorial das comunidades,
bem como de articulação entre as organizações tradicionais indígenas e o restante da sociedade
brasileira.
Também é central, para essa formação, a proposição, realização, análise de pesquisas
e a aplicação de resultados, em perspectiva histórica, cultural, política, ideológica e teórica, com
a finalidade, entre outras, de identificar e gerir, em práticas educativas, elementos mantenedores,
transformadores, geradores de relações sociais e étnico-raciais que fortalecem ou enfraquecem
identidades, reproduzem ou criam novas relações de poder.
Tais processos e os conhecimentos neles produzidos, de um lado espera-se que
contribuam para o periódico redimensionamento das condições em que educadores e educandos
participam dos atos pedagógicos em que são implicados. De outro lado, espera-se que forneçam
informações para políticas destinadas à Educação Infantil, aos anos iniciais do Ensino
Fundamental, bem como à formação de professores e de outros educadores para essas etapas
de escolarização. Políticas essas que busquem garantir, a todos, o direito à educação de
qualidade, em estabelecimentos devidamente instalados e equipados, gerida por profissionais
qualificados e valorizados.
167
Finalmente, é central a participação na gestão de processos educativos, na
organização e funcionamento de sistemas e de instituições de ensino, com a perspectiva de uma
organização democrática, em que a co-responsabilidade e a colaboração são os constituintes
maiores das relações de trabalho e do poder coletivo e institucional, com vistas a garantir
iguais direitos, reconhecimento e valorização das diferentes dimensões que compõem a
diversidade da sociedade, assegurando comunicação, discussão, crítica, propostas dos diferentes
segmentos das instituições educacionais escolares e não-escolares.
Com efeito, a pluralidade de conhecimentos e saberes introduzidos e manejados
durante o processo formativo do licenciado em Pedagogia sustenta a conexão entre sua
formação inicial, o exercício da profissão e as exigências de educação continuada. O mesmo
ocorre com a formação de outros licenciados, o que mostra a conveniência de uma base
comum de formação entre as licenciaturas, de modo a, no plano institucional, derivar em
atividades de extensão e de pós-graduação, das quais formandos ou formados das diferentes
áreas venham juntos participar.
Entende-se que a formação do licenciado em Pedagogia fundamenta-se no trabalho
pedagógico realizado em espaços escolares e não-escolares, que tem a docência como base.
Nesta perspectiva, a docência é compreendida como ação educativa e processo pedagógico
metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais
influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia.
Desta forma, a docência, tanto em processos educativos escolares como não-
escolares, não se confunde com a utilização de métodos e técnicas pretensamente pedagógicos,
descolados de realidades históricas específicas. Constitui-se na confluência de conhecimentos
oriundos de diferentes tradições culturais e das ciências, bem como de valores, posturas e
atitudes éticas, de manifestações estéticas, lúdicas, laborais.
Objetivo do Curso de Pedagogia
O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores
para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional
168
na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos.
As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão
de sistemas e instituições de ensino, englobando:
- planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas
próprias do setor da Educação;
- planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos
e experiências educativas não-escolares;
- produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, em contextos escolares e não-escolares.
Perfil do Licenciado em Pedagogia
Para traçar o perfil do egresso do curso Pedagogia, há de se considerar que:
- o curso de Pedagogia trata do campo teórico-investigativo da educação, do ensino,
de aprendizagens e do trabalho pedagógico que se realiza na práxis social;
- a docência compreende atividades pedagógicas inerentes a processos de ensino e
de aprendizagens, além daquelas próprias da gestão dos processos educativos em ambientes
escolares e não-escolares, como também na produção e disseminação de conhecimentos da
área da educação;
- os processos de ensinar e de aprender dão-se, em meios ambiental-ecológicos,
em duplo sentido, isto é, tanto professoras(es) como alunas(os) ensinam e aprendem, uns com
os outros;
- o professor é agente de (re)educação das relações sociais e étnico-raciais, de
redimensionamentos das funções pedagógicas e de gestão da escola.
Desse ponto de vista, o perfil do graduado em Pedagogia deverá contemplar
consistente formação teórica, diversidade de conhecimentos e de práticas, que se articulam ao
longo do curso. Assim sendo, o campo de atuação do licenciado em Pedagogia deve ser
composto pelas seguintes dimensões:
169
- docência na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nas
disciplinas pedagógicas do curso de Ensino Médio na modalidade Normal, assim como em
Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar, além de em outras áreas nas quais
conhecimentos pedagógicos sejam previstos;
- gestão educacional, entendida numa perspectiva democrática, que integre as
diversas atuações e funções do trabalho pedagógico e de processos educativos escolares e não-
escolares, especialmente no que se refere ao planejamento, à administração, à coordenação, ao
acompanhamento, à avaliação de planos e de projetos pedagógicos, bem como análise,
formulação, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas e institucionais
na área de educação;
- produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo
educacional.
Por conseguinte, o egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a:
- atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa,
equânime, igualitária;
- compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a
contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica,
intelectual, social;
- fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do Ensino
Fundamental, assim como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade
própria;
- trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem
de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades
do processo educativo;
- reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas,
emocionais e afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas;
170
- aplicar modos de ensinar diferentes linguagens, Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às
diferentes fases do desenvolvimento humano, particularmente de crianças;
- relacionar as linguagens dos meios de comunicação aplicadas à educação, nos
processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e
comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas;
- promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família
e a comunidade;
- identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa,
integrativa e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para
superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e
outras;
- demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza
ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões,
necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras;
- desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área educacional e
as demais áreas do conhecimento;
- participar da gestão das instituições em que atuem enquanto estudantes e
profissionais, contribuindo para elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e
avaliação do projeto pedagógico;
- participar da gestão das instituições em que atuem planejando, executando,
acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e não-
escolares;
- realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros: sobre seus
alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não-
escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental- ecológicos;
sobre propostas curriculares; e sobre a organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas;
- utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção de
conhecimentos pedagógicos e científicos;
171
- estudar, aplicar criticamente as diretrizes curriculares e outras determinações
legais que lhe caiba implantar, executar, avaliar e encaminhar o resultado de sua avaliação às
instâncias competentes;
No caso dos professores indígenas e de professores que venham a atuar em escolas
indígenas, dada a particularidade das populações com que trabalham, das situações em que
atuam, sem excluir o acima explicitado, deverão:
- promover diálogo entre conhecimentos, valores, modos de vida, orientações
filosóficas, políticas e religiosas próprias à cultura do povo indígena junto a quem atuam e os
provenientes da sociedade majoritária;
- atuar como agentes interculturais, com vistas a valorização e o estudo de temas
indígenas relevantes.
Essas mesmas orientações se aplicam à formação de professores para escolas de
remanescentes de quilombos ou que se caracterizem por receber populações de etnias e
culturas específicas.
Organização do Curso de Pedagogia
O curso de Pedagogia oferecerá formação para o exercício integrado e indissociável
da docência, da gestão dos processos educativos escolares e não-escolares, da produção e difusão
do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional.
Sendo a docência a base da formação oferecida, os seus egressos recebem o grau
de Licenciados (as) em Pedagogia, com o qual fazem jus a atuar como docentes na Educação
Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e em disciplinas pedagógicas dos cursos de
nível médio, na modalidade Normal e de Educação Profissional na área de serviços e apoio
escolar e em outras em que disciplinas pedagógicas estejam previstas, no planejamento,
execução e avaliação de programas e projetos pedagógicos em sistemas e unidades de ensino,
e em ambientes não-escolares.
172
O projeto pedagógico de cada instituição deverá circunscrever áreas ou
modalidades de ensino que proporcionem aprofundamento de estudos, sempre a partir da
formação comum da docência na Educação Básica e com objetivos próprios do curso de
Pedagogia. Consequentemente, dependendo das necessidades e interesses locais e regionais,
neste curso, poderão ser, especialmente, aprofundadas questões que devem estar presentes na
formação de todos os educadores, relativas, entre outras, a educação a distância; educação de
pessoas com necessidades educacionais especiais; educação de pessoas jovens e adultas,
educação étnico- racial; educação indígena; educação nos remanescentes de quilombos;
educação do campo; educação hospitalar; educação prisional; educação comunitária ou popular.
O aprofundamento em uma dessas áreas ou modalidade de ensino específico será comprovado,
para os devidos fins, pelo histórico escolar do egresso, não configurando de forma alguma uma
habilitação.
Na organização curricular do curso de Pedagogia, como já foi dito
anteriormente, deverão ser observados, com especial atenção, os princípios constitucionais e
legais; a diversidade social, étnico-racial e regional do País; a organização federativa do Estado
brasileiro; a pluralidade de ideias e concepções pedagógicas; o conjunto de competências dos
estabelecimentos de ensino e dos docentes, previstas nos arts. 12 e 13 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) e o princípio da gestão democrática e da
autonomia. Igual atenção deve ser conferida às orientações contidas no Plano Nacional de
Educação (Lei nº 10.172/2001), no sentido de que a formação de professores, nas suas fases
inicial e continuada, contemple a educação dos cidadãos (ãs), tendo em vista uma ação norteada
pela ética, justiça, dialogicidade, respeito mútuo, solidariedade, tolerância, reconhecimento da
diversidade, valorização das diferentes culturas, e suas repercussões na vida social, de modo
particular nas escolas, dando-se especial atenção à educação das relações de gênero, das relações
étnico-raciais, à educação sexual, à preservação do meio ambiente articuladamente à da saúde
e da vida, além de outras questões de relevância local, regional, nacional e até mesmo
internacional.
Por conseguinte, na aplicação destas diretrizes curriculares, há que se adotar como
princípio o respeito e a valorização de diferentes concepções teóricas e metodológicas, no
campo da Pedagogia e das áreas de conhecimento integrantes e subsidiárias à formação de
educadores. Este preceito é denotativo da formação acadêmico-científica de qualidade e ensejará
173
a contribuição do Licenciado em Pedagogia na definição do projeto pedagógico das
instituições, nos sistemas de ensino e atividades sociais em que atuar, consoante aos princípios
constitucionais e legais anteriormente enunciados.
A organização curricular do curso de Pedagogia oferecerá um núcleo de
estudos básicos, um de aprofundamentos e diversificação de estudos e outro de estudos
integradores que propiciem, ao mesmo tempo, amplitude e identidade institucional, relativas à
formação do licenciado. Compreenderá, além das aulas e dos estudos individuais e coletivos,
práticas de trabalho pedagógico, as de monitoria, as de estágio curricular, as de pesquisa, as de
extensão, as de participação em eventos e em outras atividades acadêmico-científicas, que
alarguem as experiências dos estudantes e consolidem a sua formação.
A estrutura do curso de Pedagogia, respeitadas a diversidade nacional e a
autonomia pedagógica das instituições, constituir-se-á de:
um núcleo de estudos básicos que, sem perder de vista a diversidade e a
multiculturalidade da sociedade brasileira, por meio do estudo acurado da literatura pertinente e
de realidades educacionais, de reflexão e ações críticas, articulará:
a) aplicação de princípios, concepções e critérios oriundos de diferentes áreas do
conhecimento, com pertinência ao campo da Pedagogia, que contribuam para o
desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade;
b) aplicação de princípios da gestão democrática em espaços educativos;
c) observação, análise, planejamento, implementação e avaliação de processos
educativos e de experiências educacionais, em ambientes escolares e não- escolares;
d) utilização de conhecimento multidimensional sobre o ser humano, em situações
de aprendizagem;
e) aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de
desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões: física, cognitiva,
afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial;
f) realização de diagnóstico sobre necessidades e aspirações dos diferentes
segmentos da sociedade, relativamente à educação, sendo capaz de identificar diferentes forças
e interesses, de captar contradições e de considerá-lo nos planos pedagógico e de ensino-
aprendizagem, no planejamento e na realização de atividades educativas;
174
g) planejamento, execução e avaliação de experiências que considerem o contexto
histórico e sociocultural do sistema educacional brasileiro, particularmente, no que diz respeito
à Educação Infantil, aos anos iniciais do Ensino Fundamental e à formação de professores e
de profissionais na área de serviços e apoio escolar;
h) estudo da Didática, de teorias e metodologias pedagógicas, de processos de
organização do trabalho docente, de teorias relativas à construção de aprendizagens, socialização
e elaboração de conhecimentos, de tecnologias da informação e comunicação e de diversas
linguagens;
i) decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens utilizadas por
crianças, além do trabalho didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de
escolarização, relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, Artes,
Educação Física;
j) estudo das relações entre educação e trabalho, diversidade cultural, cidadania,
sustentabilidade, entre outras problemáticas centrais da sociedade contemporânea;
k) atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto do
exercício profissional, em âmbitos escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmico, a
pesquisa, a extensão e a prática educativa;
l) estudo, aplicação e avaliação dos textos legais relativos à organização da
educação nacional.
um núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos voltado às áreas de
atuação profissional priorizadas pelos projetos pedagógicos das instituições e que, atendendo a
diferentes demandas sociais, oportunizará, entre outras possibilidades:
a) investigações sobre processos educativos e gestoriais, em diferentes situações
institucionais-escolares, comunitárias, assistenciais, empresariais, outras;
b) avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos, procedimentos e processos
de aprendizagem que contemplem a diversidade social e cultural da sociedade brasileira;
c) estudo, análise e avaliação de teorias da educação, a fim de elaborar propostas
educacionais consistentes e inovadoras.
175
um núcleo de estudos integradores que proporcionará enriquecimento curricular e
compreenderá:
a) participação em seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação
científica, monitoria e extensão, diretamente orientados pelo corpo docente da instituição de
Educação Superior;
b) participação em atividades práticas, de modo a propiciar aos estudantes
vivências, nas mais diferentes áreas do campo educacional, assegurando aprofundamentos e
diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos pedagógicos;
c) atividades de comunicação e expressão cultural.
Os núcleos de estudos deverão proporcionar aos estudantes, concomitantemente,
experiências cada vez mais complexas e abrangentes de construção de referências teórico-
metodológicas próprias da docência, além de oportunizar a inserção na realidade social e
laboral de sua área de formação. Por isso, as práticas docentes deverão ocorrer ao longo do
curso, desde seu início.
A dinamicidade do projeto pedagógico do curso de Pedagogia deverá ser garantida
por meio da organização de atividades acadêmicas, tais como: iniciação científica, extensão,
seminários, monitorias, estágios, participação em eventos científicos e outras alternativas de
caráter científico, político, cultural e artístico.
O estudo dos clássicos, das teorias educacionais e de questões correlatas, geradas
em diferentes contextos, nacionais, sociais, culturais devem proporcionar, aos estudantes,
conhecer a pluralidade de bases do pensamento educacional. Este estudo deverá possibilitar a
construção de referências para interpretar processos educativos, que ocorram dentro e fora das
instituições de ensino, para planejar, implementar e avaliar processos pedagógicos,
comprometidos com a aprendizagem significativa, e para participar da gestão de sistemas e de
instituições escolares e não-escolares.
Os estudos das metodologias do processo educativo não se descuidarão de
compreender, examinar, planejar, pôr em prática e avaliar processos de ensino e de
aprendizagem, sempre tendo presente que tanto quem ensina, como quem aprende, sempre
ensina e aprende conteúdos, valores, atitudes, posturas, procedimentos que se circunscrevem
176
em instâncias ideológicas, políticas, sociais, econômicas e culturais. Em outras palavras, não
há como estudar processos educativos, na sua relação ensinar-aprender, sem explicitar o que
se quer ensinar e o que se pretende aprender.
Esses estudos deverão, pois, se articular com os fundamentos da prática
pedagógica, buscando estabelecer uma relação dialógica entre quem ensina e quem aprende.
O projeto pedagógico do curso de Pedagogia deverá contemplar, fundamentalmente:
a compreensão dos processos de formação humana e das lutas históricas nas quais se incluem as
dos professores, por meio de movimentos sociais; a produção teórica, da organização do
trabalho pedagógico; a produção e divulgação de conhecimentos na área da educação que
instigue o Licenciado em Pedagogia a assumir compromisso social.
Nessa perspectiva, tem que se destacar a importância desses profissionais
conhecerem as políticas de educação inclusiva e compreenderem suas implicações
organizacionais e pedagógicas, para a democratização da Educação Básica no país. A
inclusão não é uma modalidade, mas um princípio do trabalho educativo.
Inclusão e atenção às necessidades educacionais especiais são exigências
constitutivas da educação escolar, como um todo. Por conseguinte, os professores deverão
sentir-se sempre desafiados a trabalhar com postura ética e profissional, acolhendo os alunos
que demonstrem qualquer tipo de limitação ou deficiência que:
- os impeçam de realizar determinadas atividades;
- os levem a apresentar dificuldades extremamente acentuadas para a realização de
determinadas atividades;
- requeiram meios não convencionais ou não utilizados por todos os demais alunos
para alcançar determinados objetivos curriculares, ou, ainda;
- realizar apenas parcialmente determinadas atividades. Por isso, sobremaneira, os
Licenciados em Pedagogia, uma vez que atuarão na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, níveis do sistema educacional que vêm abrigando maior número de
pessoas com necessidades especiais, deverão ser capazes de perceber e argumentar sobre e
pela qualidade da formação humana e social em escolas e organizações, incentivando para
que haja a convivência do conjunto da sociedade, na sua diversidade, em todos os ambientes
sociais.
177
Destaca-se da mesma forma a relevância das investigações sobre as especificidades
de como crianças aprendem nas diversas etapas de desenvolvimento, especialmente as de zero
a três anos em espaços que não os da família. A aprendizagem dessas crianças difere daquelas
entre 7 e 10 anos; elas se manifestam por meio de linguagens próprias à faixa etária, e em
decorrência há especificidades nos modos como aprendem. Estudos vêm demonstrando que o
desconhecimento dessas particularidades, entre outras, tem gerado procedimentos impróprios
e até de violência às linguagens e necessidades do educando. Daí decorre a exigência precípua
de o curso de Pedagogia examinar o modo de realizar trabalho pedagógico, para a educação da
infância a partir do entendimento de que as crianças são produtoras de cultura e produzidas
numa cultura, rompendo com uma visão da criança como um “vir a ser”.
É importante ainda considerar, que nos anos iniciais do Ensino Fundamental os
alunos devem ser introduzidos nos códigos instituídos da língua escrita e da linguagem
matemática com a finalidade de desenvolverem o seu manejo. Desta forma, o Licenciado em
Pedagogia precisa conhecer processos de letramento, modos de ensinar a decodificação e a
codificação da linguagem escrita, de consolidar o domínio da linguagem padrão e das
linguagens da matemática.
Merece, igualmente, destaque a exigência de uma sólida formação teórico-prática
e interdisciplinar do Licenciado em Pedagogia, a qual exigirá, conforme mencionado
anteriormente, desde o início do curso, a familiarização com o exercício da docência e da
organização e gestão pedagógica, a participação em pesquisas educacionais, as opções de
aprofundamento de estudos e a realização de trabalhos que permitam ao graduando articular,
em diferentes oportunidades, ideias e experiências, explicitando reflexões, analisando e
interpretando dados, fatos, situações, dialogando com os diferentes autores e teorias estudados.
Torna-se imprescindível que, no decorrer de todo o curso, os estudantes e seus
professores pesquisem, analisem e interpretem fundamentos históricos, políticos e sociais de
processos educativos; aprofundem e organizem didaticamente os conteúdos a ensinar;
compreendam, valorizem e levem em conta ao planejar situações de ensino, processos de
desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, em suas múltiplas dimensões:
física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial; planejem
estratégias visando à superação das dificuldades e problemas que envolvem a Educação Básica.
178
Sabendo-se da realidade das instituições de educação superior não-universitárias e
do papel que lhes cabe para que se concretizem os objetivos de universalização da formação
de professores para a Educação Básica, em nível superior de graduação, registra-se a orientação
de que também estas, quando oferecem o curso de Pedagogia, devem prever entre suas
atividades acadêmicas a realização de pesquisas, a fim de que os estudantes possam delas
participar e desenvolver postura de investigação científica. Cabe esclarecer, contudo, que a
inclusão de disciplinas como Introdução à Pesquisa ou Metodologia do Trabalho Científico
não configura por si só atividade de pesquisa. Pesquisas poderão se desenvolver no interior de
componentes curriculares, de seminários e de outras práticas educativas. Esta exigência se faz
a partir do entendimento manifestado pela significativa maioria de propostas enviadas ao
Conselho Nacional de Educação, durante o período de consultas, de que o Licenciado em
Pedagogia é um professor que maneja com familiaridade procedimentos de pesquisa, que
interpreta e faz uso de resultados de investigações. Desta exigência também decorre a
importância da clareza e consistência do currículo, sempre no sentido de garantir condições de
materialização dos objetivos do curso.
Os três núcleos de estudos, da forma como se apresentam, devem propiciar a
formação daquele profissional que: cuida, educa, administra a aprendizagem, alfabetiza em
múltiplas linguagens, estimula e prepara para a continuidade do estudo, participar da gestão
escolar, imprime sentido pedagógico a práticas escolares e não-escolares, compartilha os
conhecimentos adquiridos em sua prática.
Em suma, estas diretrizes não esgotam, mas justificam as especificidades, as
exigências e o lugar particular do curso de Pedagogia na educação superior brasileira. Ressalta-
se a concepção de trabalho pedagógico escolar e não-escolar que se fundamenta na docência
compreendida como ato educativo intencional e sistemático. O trabalho pedagógico, e a ação
docente constituem-se na centralidade do processo formativo do Licenciado em Pedagogia.
Por isso, conforme se vem insistindo ao longo deste parecer, formação do licenciado em
Pedagogia se faz na pesquisa, no estudo e na prática da ação docente e educativa em diferentes
realidades.
Duração dos Estudos
179
A definição da carga horária mínima do curso considerou, sobretudo, a evidente
complexidade de sua configuração, que se traduz na multi-referencialidade dos estudos que
engloba, bem como na formação para o exercício integrado e indissociável da docência, da
gestão dos processos educativos escolares e não-escolares, da produção e difusão do
conhecimento científico e tecnológico do campo educacional. Em face do objetivo atribuído
ao curso de graduação em Pedagogia e ao perfil do egresso, a sua carga horária será de no
mínimo 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico, com a seguinte distribuição:
- 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência a aulas,
realização de seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e
centros de documentação, visitas a instituições educacionais e culturais, atividades práticas de
diferente natureza, participação em grupos cooperativos de estudos;
- 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras
áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição;
- 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas
de interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria.
Os estudantes desenvolverão seus estudos mediante:
- disciplinas, seminários e atividades de natureza predominantemente teórica
que farão a introdução e o aprofundamento de estudos, entre outros, sobre teorias
educacionais, situando processos de aprender e ensinar historicamente e em diferentes realidades
socioculturais e institucionais que proporcionem fundamentos para a prática pedagógica, a
orientação e apoio a estudantes, gestão e avaliação de projetos educacionais, de instituições e
de políticas públicas de Educação;
- práticas de docência e gestão educacional que ensejem aos graduandos a
observação e acompanhamento, a participação no planejamento, na execução e na avaliação de
aprendizagem, do ensino, de projetos pedagógicos, tanto em escolas como em outros ambientes
educativos;
180
- atividades complementares envolvendo o planejamento e o desenvolvimento
progressivo do Trabalho de Curso, atividades de monitoria, de iniciação científica e de extensão,
diretamente orientadas por membro do corpo docente da instituição de educação superior
decorrentes ou articuladas às disciplinas, áreas de conhecimentos, seminários, eventos
científico-culturais, estudos curriculares, de modo a propiciar vivências em algumas
modalidades e experiências, entre outras, e opcionalmente, a educação de pessoas com
necessidades especiais, a educação do campo, a educação indígena, a educação em
remanescentes de quilombos, em organizações não-governamentais, escolares e não-escolares
públicas e privadas;
- estágio curricular que deverá ser realizado, ao longo do curso, em Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em disciplinas pedagógicas dos cursos de
nível médio, na modalidade Normal e/ou de Educação Profissional na área de serviços e de
apoio escolar, ou ainda em modalidades e atividades como educação de jovens e adultos, grupos
de reforço ou de fortalecimento escolar, gestão dos processos educativos, como: planejamento,
implementação e avaliação de atividades escolares e de projetos, reuniões de formação
pedagógica com profissionais mais experientes, de modo a assegurar aos graduandos experiência
de exercício profissional, em ambientes escolares e não-escolares, que amplie e fortaleça
atitudes éticas, conhecimentos e competências, conforme o previsto no projeto pedagógico do
curso.
O estágio curricular pressupõe atividades pedagógicas efetivadas em um ambiente
institucional de trabalho, reconhecido por um sistema de ensino, que se concretiza na relação
interinstitucional, estabelecida entre um docente experiente e o aluno estagiário, com a mediação
de um professor supervisor acadêmico. Deve proporcionar ao estagiário uma reflexão
contextualizada, conferindo-lhe condições para que se forme como autor de sua prática, por
meio da vivência institucional sistemática, intencional, norteada pelo projeto pedagógico da
instituição formadora e da unidade campo de estágio.
Durante o estágio, o licenciando deverá proceder ao estudo e interpretação da
realidade educacional do seu campo de estágio, desenvolver atividades relativas à docência e
à gestão educacional, em espaços escolares e não-escolares, produzindo uma avaliação desta
experiência e sua auto-avaliação.
181
A proposta pedagógica do curso de Pedagogia de cada instituição de educação
superior deve prever mecanismos, que assegurem a relação entre o estágio e os demais
componentes do currículo de graduação, visando à formação do Licenciado em Pedagogia.
Implantação das Diretrizes Curriculares
As instituições de educação superior que mantêm cursos autorizados como Normal
Superior e que pretenderem a transformação em curso de Pedagogia e as instituições que já
oferecem cursos de Pedagogia, deverão elaborar novo projeto pedagógico, obedecendo ao
contido nesta Resolução, que deverá ser protocolado junto ao órgão competente do respectivo
sistema ensino, no prazo máximo de 1 (um) ano, a contar da data da publicação desta
Resolução. O novo projeto pedagógico alcançará todos os alunos que iniciarem seu curso a
partir do processo seletivo seguinte ao período letivo em que for implantado.
As instituições poderão optar por introduzir alterações decorrentes do novo projeto
pedagógico para as turmas em andamento, respeitando-se o interesse e direitos dos alunos
matriculados. Poderão, também, optar por manter inalterado seu projeto pedagógico para as
turmas em andamento, mantendo-se todas as características correspondentes ao estabelecido.
Conclusão
Esta é a formulação para o curso de Pedagogia, fruto de longo e amplo processo
de estudos e discussões, relatados na introdução deste Parecer. Por certo, não esgota o campo
epistemológico da Pedagogia, mas procura responder às diferentes problematizações,
formulações e contribuições da comunidade acadêmica. O momento histórico exige alcançar
uma etapa de elaboração sobre a matéria e, cremos, há nestas Diretrizes Curriculares Nacionais
relevância e consistência, motivos para um vigoroso trabalho de aprofundamento e pertinência
nos projetos pedagógicos institucionais. Esta é a proposta, cuja implantação e respectiva
avaliação ensejarão estudos e futuras atualizações desta norma nacional.
Enfatiza-se a premência de que o curso de Pedagogia forme licenciados cada vez
mais sensíveis às solicitações da vida cotidiana e da sociedade, profissionais que, em um
processo de trabalho didático-pedagógico mais abrangente, possam conceber, com autonomia e
182
competência, alternativas de execução para atender, com rigor, às finalidades e organização da
Escola Básica, dos sistemas de ensino e de processos educativos não-escolares, produzindo e
construindo novos conhecimentos, que contribuam para a formação de cidadãos, crianças,
adolescentes, jovens e adultos brasileiros, participantes e comprometidos com uma sociedade
justa, equânime e igualitária. Daí decorre a importância de acompanhamento e avaliação
sistemáticos, pelos órgãos competentes, da implantação e execução destas diretrizes curriculares.
Um curso desta envergadura exige dos formadores disposição para efetivo trabalho
conjunto e articulado, incentivando, inclusive, a participação dos estudantes no planejamento
e avaliação da execução do projeto pedagógico. Das instituições de ensino exige compromisso
com a produção de conhecimentos para o contexto social nacional, com a construção de
projetos educativos comprometidos com o fortalecimento de identidades de estudantes de
todas as idades, da identidade de profissionais docentes, da educação brasileira.
II – VOTO DA COMISSÃO
Em face ao exposto, a Comissão propõe a aprovação das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura, na forma apresentada neste
Parecer, e do Projeto de Resolução em anexo, do qual é parte integrante.
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2005.
Conselheira Clélia Brandão Alvarenga Craveiro – Relatora Conselheira
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Relatora Conselheiro
Antônio Carlos Caruso Ronca – Presidente Conselheira
Anaci Bispo Paim – Membro
Conselheiro Arthur Fonseca Filho – Membro
Conselheira Maria Beatriz Luce – Membro
Conselheiro Paulo Monteiro Vieira Braga Barone – Membro
III – DECISÃO DO CONSELHO PLENO
183
O Conselho Pleno aprova, por unanimidade, o voto da Comissão, com declaração
de voto dos Conselheiros Cesar Callegari, Francisco Aparecido Cordão e Paulo Monteiro Vieira
Braga Barone.
Plenário, em 13 de dezembro de 2005. Conselheiro Roberto Cláudio Frota Bezerra
– Presidente
Declarações de Voto
Voto favoravelmente, com restrições.
Reconhecendo o mérito da elaboração do parecer e respectivo projeto de resolução,
a partir de um amplo e democrático debate com os diferentes segmentos envolvidos com o tema
“formação de professores”, no Brasil, preocupa-me, no entanto, aquilo que contém de restritivo
ao que dispõe o artigo 64 da Lei nº 9.394/96 (LDB):
Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração,
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita
em cursos de graduação em Pedagogia ou em nível de pós- graduação, a critério da instituição
de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional.
Entendo que aquilo que a Lei dispõe, só uma outra Lei poderá dispor em contrário.
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2005.
Conselheiro César Callegari
Voto favoravelmente ao Projeto de Resolução proposto, com as emendas
decorrentes dos debates ocorridos na reunião de 12/12/2005. O parecer aprovado, obviamente,
deverá incorporar as emendas aprovadas pelo Plenário no Projeto de Resolução.
Saliento, nesta oportunidade, a importância da manutenção dos Pareceres CNE/CP
nos 9/2001 e 27/2001 e da Resolução CNE/CP nº 1/2002, que instituem Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica, em nível
superior, curso de licenciatura, de graduação plena, já reafirmado no presente Parecer.
184
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2005.
Conselheiro Francisco Aparecido Cordão
Voto favoravelmente por considerar que o presente Parecer sintetiza em grande
medida os elementos constitutivos da formação e da atuação profissional de Pedagogos.
Por outro lado, não poderia deixar de apontar que a formulação apresentada
contém uma contradição intrínseca no que se refere à definição do Pedagogo, que leva à
especificação de apenas uma modalidade de formação, a licenciatura. Essa definição, que afirma
inicialmente ser o Pedagogo o professor de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, reveste em seguida esse profissional de atributos adicionais que deformam
consideravelmente o seu perfil. Talvez a solução para essa contradição lógica fosse a admissão
de um espectro mais amplo de modalidades de formação, como o bacharelado, não previsto no
Parecer.
Outra questão que merece comentário é a fixação de carga horária mínima para
a graduação em Pedagogia, distinta daquela fixada para todas as demais licenciaturas. Não
apenas esse fato constitui uma impropriedade em si, como os argumentos de maior complexidade
do processo formativo, que sustentam a diferenciação, não sobrevivem diante das comparações
relativas às condições similares verificadas nas demais licenciaturas.
Por fim, afirmo minha convicção de que seria possível progredir um pouco mais
neste trabalho de modo a abranger de forma mais ampla os componentes acadêmicos e legais
da formação de Pedagogos, como convém às Diretrizes Curriculares Nacionais para este curso
de graduação.
Brasília (DF), 13 de dezembro de 2005.
Conselheiro Paulo Monteiro Vieira Braga Barone
185
ANEXO D. Roteiro básico das entrevistas e questionário
1. Período da formação no curso de Pedagogia
2. Modalidade da instituição em que cursou a Pedagogia: pública ou privada
3. Período da oferta curso: noturno, diurno ou integral.
4. Função atual exercida na educação
5. Experiência acumulada na educação
6. Fazer uma breve avaliação do próprio curso de Pedagogia
7. Como o entrevistado percebeu a relação teoria e prática no curso de Pedagogia
8. Relato da própria experiência ao assumir a primeira função pedagógica numa
instituição, logo após a formatura
9. Qual a percepção em relação aos recém-formados que entram no mercado de trabalho
educacional
10. (Para aqueles que trabalham atualmente em cursos de Pedagogia): Como percebem a
relação teoria e prática no PPP do Curso em que atua.
11. (Para os recém-formados, já sob as determinações das novas diretrizes curriculares):
Percebem que o curso de Pedagogia os preparou para as práticas docentes e
pedagógicas em geral
12. Que sugestões daria para melhorar a relação teoria e prática nos cursos de Pedagogia.
186
OBS: Nas entrevistas, essas questões serviram de roteiro para a pesquisa, sendo enviadas
posteriormente as 12 perguntas por e-mail para quarenta pedagogos, dos quais obtive vinte
respostas. As cinco primeiras perguntas geraram a tabela inserida no quarto capítulo deste
trabalho.
187
ANEXO E. Resolução 2/2015 – CNE/CP
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CONSELHO
PLENO RESOLUÇÃO Nº 2, DE 1º DE JULHO DE 2015 (*) (**) (***) Define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos
de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação
continuada. O Presidente do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais
e tendo em vista o disposto na Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, Lei nº 11.502, de 11 de julho de 2007,
Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, Lei nº 13.005, de 25
de junho de 2014, observados os preceitos dos artigos 61 até 67 e do artigo 87 da Lei nº 9.394,
de 1996, que dispõem sobre a formação de profissionais do magistério, e considerando o Decreto
nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, as Resoluções CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002,
CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002, CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, CNE/CP nº 1,
de 11 de fevereiro de 2009, CNE/CP nº 3, de 15 de junho de 2012, e as Resoluções CNE/CEB
nº 2, de 19 de abril de 1999, e CNE/CEB nº 2, de 25 de fevereiro de 2009, as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica, bem como o Parecer CNE/CP nº 2, de 9 de junho
de 2015, homologado por Despacho do Ministro de Estado da Educação publicado no Diário
Oficial do União de 25 de junho de 2015, e CONSIDERANDO que a consolidação das normas
nacionais para a formação de profissionais do magistério para a educação básica é indispensável
para o projeto nacional da educação brasileira, em seus níveis e suas modalidades da educação,
tendo em vista a abrangência e a complexidade da educação de modo geral e, em especial, a
educação escolar inscrita na sociedade; CONSIDERANDO que a concepção sobre
conhecimento, educação e ensino é basilar para garantir o projeto da educação nacional, superar
a fragmentação das políticas públicas e a desarticulação institucional por meio da instituição do
Sistema Nacional de Educação, sob relações de cooperação e colaboração entre entes federados
e sistemas educacionais; CONSIDERANDO que a igualdade de condições para o acesso e a
permanência na escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; o respeito à
liberdade e o apreço à tolerância; a valorização do profissional da educação; a gestão
democrática do ensino público; a garantia de um padrão de qualidade; a valorização da
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experiência extraescolar; a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;
o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial, entre outros, constituem princípios vitais
para a melhoria e democratização da gestão e do ensino; CONSIDERANDO que as instituições
de educação básica, seus processos de organização e gestão e projetos pedagógicos cumprem,
sob a legislação vigente, um papel (*) Resolução CNE/CP 2/2015. Diário Oficial da União,
Brasília, 2 de julho de 2015 – Seção 1 – pp. 8-12. (**) Retificação publicada no DOU de
3/7/2015, Seção 1, p. 28: Na Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, publicada no
Diário Oficial da União de 2/7/2015, Seção 1, pp. 8-12, no Art. 17, § 1º, p. 11, onde se lê: "II -
atividades ou cursos de extensão, oferecida por atividades formativas diversas, em consonância
com o projeto de extensão aprovado pela instituição de educação superior formadora;", leia-se:
"III - atividades ou cursos de extensão, oferecida por atividades formativas diversas, em
consonância com o projeto de extensão aprovado pela instituição de educação superior
formadora;". (***) Alterada pela Resolução CNE/CP nº 1, de 9 de agosto de 2017. 2 estratégico
na formação requerida nas diferentes etapas (educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio) e modalidades da educação básica; CONSIDERANDO a necessidade de articular as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada, em Nível Superior, e as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica; CONSIDERANDO os princípios que
norteiam a base comum nacional para a formação inicial e continuada, tais como: a) sólida
formação teórica e interdisciplinar; b) unidade teoria-prática; c) trabalho coletivo e
interdisciplinar; d) compromisso social e valorização do profissional da educação; e) gestão
democrática; f) avaliação e regulação dos cursos de formação; CONSIDERANDO a articulação
entre graduação e pós-graduação e entre pesquisa e extensão como princípio pedagógico
essencial ao exercício e aprimoramento do profissional do magistério e da prática educativa;
CONSIDERANDO a docência como ação educativa e como processo pedagógico intencional e
metódico, envolvendo conhecimentos específicos, interdisciplinares e pedagógicos, conceitos,
princípios e objetivos da formação que se desenvolvem entre conhecimentos científicos e
culturais, nos valores éticos, políticos e estéticos inerentes ao ensinar e aprender, na socialização
e construção de conhecimentos, no diálogo constante entre diferentes visões de mundo;
CONSIDERANDO o currículo como o conjunto de valores propício à produção e à socialização
de significados no espaço social e que contribui para a construção da identidade sociocultural do
educando, dos direitos e deveres do cidadão, do respeito ao bem comum e à democracia, às
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práticas educativas formais e não formais e à orientação para o trabalho; CONSIDERANDO a
realidade concreta dos sujeitos que dão vida ao currículo e às instituições de educação básica,
sua organização e gestão, os projetos de formação, devem ser contextualizados no espaço e no
tempo e atentos às características das crianças, adolescentes, jovens e adultos que justificam e
instituem a vida da/e na escola, bem como possibilitar a reflexão sobre as relações entre a vida,
o conhecimento, a cultura, o profissional do magistério, o estudante e a instituição;
CONSIDERANDO que a educação em e para os direitos humanos é um direito fundamental
constituindo uma parte do direito à educação e, também, uma mediação para efetivar o conjunto
dos direitos humanos reconhecidos pelo Estado brasileiro em seu ordenamento jurídico e pelos
países que lutam pelo fortalecimento da democracia, e que a educação em direitos humanos é
uma necessidade estratégica na formação dos profissionais do magistério e na ação educativa
em consonância com as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos;
CONSIDERANDO a importância do profissional do magistério e de sua valorização
profissional, assegurada pela garantia de formação inicial e continuada, plano de carreira, salário
e condições dignas de trabalho; CONSIDERANDO o trabalho coletivo como dinâmica político-
pedagógica que requer planejamento sistemático e integrado, Resolve:
CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Ficam instituídas, por meio da presente Resolução, as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a
Educação Básica, definindo princípios, fundamentos, dinâmica formativa e procedimentos a
serem observados nas políticas, na gestão e nos programas e cursos de formação, bem como no
planejamento, nos processos de avaliação e de regulação das instituições de educação que as
ofertam.
§ 1º Nos termos do § 1º do artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
as instituições formadoras em articulação com os sistemas de ensino, em regime de colaboração,
deverão promover, de maneira articulada, a formação inicial e continuada dos profissionais do
magistério para viabilizar o atendimento às suas especificidades nas diferentes etapas e
modalidades de educação básica, observando as normas específicas definidas pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE).
190
§ 2º As instituições de ensino superior devem conceber a formação inicial e continuada dos
profissionais do magistério da educação básica na perspectiva do atendimento às políticas
públicas de educação, às Diretrizes Curriculares Nacionais, ao padrão de qualidade e ao Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), manifestando organicidade entre o seu
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e seu
Projeto Pedagógico de Curso (PPC) como expressão de uma política articulada à educação
básica, suas políticas e diretrizes.
§ 3º Os centros de formação de estados e municípios, bem como as instituições educativas de
educação básica que desenvolverem atividades de formação continuada dos profissionais do
magistério, devem concebê-la atendendo às políticas públicas de educação, às Diretrizes
Curriculares Nacionais, ao padrão de qualidade e ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Sinaes), expressando uma organicidade entre o seu Plano Institucional, o Projeto
Político Pedagógico (PPP) e o Projeto Pedagógico de Formação Continuada (PPFC) através de
uma política institucional articulada à educação básica, suas políticas e diretrizes.
Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível
Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica aplicam-se à formação de
professores para o exercício da docência na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino
médio e nas respectivas modalidades de educação (Educação de Jovens e Adultos, Educação
Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação do Campo, Educação Escolar
Indígena, Educação a Distância e Educação Escolar Quilombola), nas diferentes áreas do
conhecimento e com integração entre elas, podendo abranger um campo específico e/ou
interdisciplinar.
§ 1º Compreende-se a docência como ação educativa e como processo pedagógico intencional e
metódico, envolvendo conhecimentos específicos, interdisciplinares e pedagógicos, conceitos,
princípios e objetivos da formação que se desenvolvem na construção e apropriação dos valores
éticos, linguísticos, estéticos e políticos do conhecimento inerentes à sólida formação científica
e cultural do ensinar/aprender, à socialização e construção de conhecimentos e sua inovação, em
diálogo constante entre diferentes visões de mundo.
§ 2º No exercício da docência, a ação do profissional do magistério da educação básica é
permeada por dimensões técnicas, políticas, éticas e estéticas por meio de sólida formação,
191
envolvendo o domínio e manejo de conteúdos e metodologias, diversas linguagens, tecnologias
e inovações, contribuindo para ampliar a visão e a atuação desse profissional.
Art. 3º A formação inicial e a formação continuada destinam-se, respectivamente, à preparação
e ao desenvolvimento de profissionais para funções de magistério na educação básica em suas
etapas – educação infantil, ensino fundamental, ensino médio – e modalidades – educação de
jovens e adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação
escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e educação a distância – a
partir de compreensão ampla e contextualizada de educação e educação escolar, visando
assegurar a produção e difusão de conhecimentos de determinada área e a participação na
elaboração e implementação do projeto político-pedagógico da instituição, na perspectiva de
garantir, com qualidade, os direitos e objetivos de aprendizagem e o seu desenvolvimento, a
gestão democrática e a avaliação institucional.
§ 1º Por educação entendem-se os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,
na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino, pesquisa e extensão, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas relações criativas entre natureza e
cultura.
§ 2º Para fins desta Resolução, a educação contextualizada se efetiva, de modo sistemático e
sustentável, nas instituições educativas, por meio de processos pedagógicos entre os
profissionais e estudantes articulados nas áreas de conhecimento específico e/ou interdisciplinar
e pedagógico, nas políticas, na gestão, nos fundamentos e nas teorias sociais e pedagógicas para
a formação ampla e cidadã e para o aprendizado nos diferentes níveis, etapas e modalidades de
educação básica.
§ 3º A formação docente inicial e continuada para a educação básica constitui processo dinâmico
e complexo, direcionado à melhoria permanente da qualidade social da educação e à valorização
profissional, devendo ser assumida em regime de colaboração pelos entes federados nos
respectivos sistemas de ensino e desenvolvida pelas instituições de educação credenciadas.
§ 4º Os profissionais do magistério da educação básica compreendem aqueles que exercem
atividades de docência e demais atividades pedagógicas, incluindo a gestão educacional dos
sistemas de ensino e das unidades escolares de educação básica, nas diversas etapas e
modalidades de educação (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de
192
jovens e adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação
escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e educação a distância), e
possuem a formação mínima exigida pela legislação federal das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
§ 5º São princípios da Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica:
I - a formação docente para todas as etapas e modalidades da educação básica como
compromisso público de Estado, buscando assegurar o direito das crianças, jovens e adultos à
educação de qualidade, construída em bases científicas e técnicas sólidas em consonância com
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica;
II - a formação dos profissionais do magistério (formadores e estudantes) como compromisso
com projeto social, político e ético que contribua para a consolidação de uma nação soberana,
democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação dos indivíduos e grupos sociais,
atenta ao reconhecimento e à valorização da diversidade e, portanto, contrária a toda forma de
discriminação;
III - a colaboração constante entre os entes federados na consecução dos objetivos da Política
Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, articulada entre o
Ministério da Educação (MEC), as instituições formadoras e os sistemas e redes de ensino e suas
instituições;
IV - a garantia de padrão de qualidade dos cursos de formação de docentes ofertados pelas
instituições formadoras;
V - a articulação entre a teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio
dos conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão;
VI - o reconhecimento das instituições de educação básica como espaços necessários à formação
dos profissionais do magistério;
VII - um projeto formativo nas instituições de educação sob uma sólida base teórica e
interdisciplinar que reflita a especificidade da formação docente, assegurando organicidade ao
trabalho das diferentes unidades que concorrem para essa formação;
VIII - a equidade no acesso à formação inicial e continuada, contribuindo para a redução das
desigualdades sociais, regionais e locais;
193
IX - a articulação entre formação inicial e formação continuada, bem como entre os diferentes
níveis e modalidades de educação;
X - a compreensão da formação continuada como componente essencial da profissionalização
inspirado nos diferentes saberes e na experiência docente, integrando-a ao cotidiano da
instituição educativa, bem como ao projeto pedagógico da instituição de educação básica;
XI - a compreensão dos profissionais do magistério como agentes formativos de cultura e da
necessidade de seu acesso permanente às informações, vivência e atualização culturais.
§ 6º O projeto de formação deve ser elaborado e desenvolvido por meio da articulação entre a
instituição de educação superior e o sistema de educação básica, envolvendo a consolidação de
fóruns estaduais e distrital permanentes de apoio à formação docente, em regime de colaboração,
e deve contemplar:
I - sólida formação teórica e interdisciplinar dos profissionais;
II - a inserção dos estudantes de licenciatura nas instituições de educação básica da rede pública
de ensino, espaço privilegiado da práxis docente;
III - o contexto educacional da região onde será desenvolvido;
IV - as atividades de socialização e a avaliação de seus impactos nesses contextos;
V - a ampliação e o aperfeiçoamento do uso da Língua Portuguesa e da capacidade comunicativa,
oral e escrita, como elementos fundamentais da formação dos professores, e da aprendizagem
da Língua Brasileira de Sinais (Libras);
VI - as questões socioambientais, éticas, estéticas e relativas à diversidade étnico-racial, de
gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional e sociocultural como princípios de equidade.
§ 7º Os cursos de formação inicial e continuada de profissionais do magistério da educação
básica para a educação escolar indígena, a educação escolar do campo e a educação escolar
quilombola devem reconhecer que:
I - a formação inicial e continuada de profissionais do magistério para a educação básica da
educação escolar indígena, nos termos desta Resolução, deverá considerar as normas e o
ordenamento jurídico próprios, com ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena
das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica;
194
II - a formação inicial e continuada de profissionais do magistério para a educação básica da
educação escolar do campo e da educação escolar quilombola, nos termos desta Resolução,
deverá considerar a diversidade étnico-cultural de cada comunidade.
Art. 4º A instituição de educação superior que ministra programas e cursos de formação inicial
e continuada ao magistério, respeitada sua organização acadêmica, deverá contemplar, em sua
dinâmica e estrutura, a articulação entre ensino, pesquisa e extensão para garantir efetivo padrão
de qualidade acadêmica na formação oferecida, em consonância com o Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI), o Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e o Projeto
Pedagógico de Curso (PPC). Parágrafo único. Os centros de formação de estados e municípios,
bem como as instituições educativas de educação básica que desenvolverem atividades de
formação continuada dos profissionais do magistério, deverão contemplar, em sua dinâmica e
estrutura, a articulação entre ensino e pesquisa, para garantir efetivo padrão de qualidade
acadêmica na formação oferecida, em consonância com o plano institucional, o projeto político-
pedagógico e o projeto pedagógico de formação continuada.
CAPÍTULO II FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO PARA EDUCAÇÃO
BÁSICA: BASE COMUM NACIONAL
Art. 5º A formação de profissionais do magistério deve assegurar a base comum nacional,
pautada pela concepção de educação como processo emancipatório e permanente, bem como
pelo reconhecimento da especificidade do trabalho docente, que conduz à práxis como expressão
da articulação entre teoria e prática e à exigência de que se leve em conta a realidade dos
ambientes das instituições educativas da educação básica e da profissão, para que se possa
conduzir o(a) egresso(a):
I - à integração e interdisciplinaridade curricular, dando significado e relevância aos
conhecimentos e vivência da realidade social e cultural, consoantes às exigências da educação
básica e da educação superior para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho;
II - à construção do conhecimento, valorizando a pesquisa e a extensão como princípios
pedagógicos essenciais ao exercício e aprimoramento do profissional do magistério e ao
aperfeiçoamento da prática educativa;
195
III - ao acesso às fontes nacionais e internacionais de pesquisa, ao material de apoio pedagógico
de qualidade, ao tempo de estudo e produção acadêmica-profissional, viabilizando os programas
de fomento à pesquisa sobre a educação básica;
IV - às dinâmicas pedagógicas que contribuam para o exercício profissional e o desenvolvimento
do profissional do magistério por meio de visão ampla do processo formativo, seus diferentes
ritmos, tempos e espaços, em face das dimensões psicossociais, histórico-culturais, afetivas,
relacionais e interativas que permeiam a ação pedagógica, possibilitando as condições para o
exercício do pensamento crítico, a resolução de problemas, o trabalho coletivo e interdisciplinar,
a criatividade, a inovação, a liderança e a autonomia;
V - à elaboração de processos de formação do docente em consonância com as mudanças
educacionais e sociais, acompanhando as transformações gnosiológicas e epistemológicas do
conhecimento;
VI - ao uso competente das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para o
aprimoramento da prática pedagógica e a ampliação da formação cultural dos(das)
professores(as) e estudantes;
VII - à promoção de espaços para a reflexão crítica sobre as diferentes linguagens e seus
processos de construção, disseminação e uso, incorporando-os ao processo pedagógico, com a
intenção de possibilitar o desenvolvimento da criticidade e da criatividade;
VIII - à consolidação da educação inclusiva através do respeito às diferenças, reconhecendo e
valorizando a diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, entre
outras;
IX - à aprendizagem e ao desenvolvimento de todos(as) os(as) estudantes durante o percurso
educacional por meio de currículo e atualização da prática docente que favoreçam a formação e
estimulem o aprimoramento pedagógico das instituições.
Art. 6º A oferta, o desenvolvimento e a avaliação de atividades, cursos e programas de formação
inicial e continuada, bem como os conhecimentos específicos, interdisciplinares, os fundamentos
da educação e os conhecimentos pedagógicos, bem como didáticas e práticas de ensino e as
vivências pedagógicas de profissionais do magistério nas modalidades presencial e a distância,
devem observar o estabelecido na legislação e nas regulamentações em vigor para os respectivos
níveis, etapas e modalidades da educação nacional, assegurando a mesma carga horária e
196
instituindo efetivo processo de organização, de gestão e de relação estudante/professor, bem
como sistemática de acompanhamento e avaliação do curso, dos docentes e dos estudantes.
CAPÍTULO III DO(A) EGRESSO(A) DA FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA
Art. 7º O(A) egresso(a) da formação inicial e continuada deverá possuir um repertório de
informações e habilidades composto pela pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos,
resultado do projeto pedagógico e do percurso formativo vivenciado cuja consolidação virá do
seu exercício profissional, fundamentado em princípios de interdisciplinaridade,
contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e
estética, de modo a lhe permitir:
I - o conhecimento da instituição educativa como organização complexa na função de promover
a educação para e na cidadania;
II - a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área
educacional e específica;
III - a atuação profissional no ensino, na gestão de processos educativos e na organização e
gestão de instituições de educação básica. Parágrafo único. O PPC, em articulação com o PPI e
o PDI, deve abranger diferentes características e dimensões da iniciação à docência, entre as
quais:
I - estudo do contexto educacional, envolvendo ações nos diferentes espaços escolares, como
salas de aula, laboratórios, bibliotecas, espaços recreativos e desportivos, ateliês, secretarias;
II - desenvolvimento de ações que valorizem o trabalho coletivo, interdisciplinar e com
intencionalidade pedagógica clara para o ensino e o processo de ensinoaprendizagem;
III - planejamento e execução de atividades nos espaços formativos (instituições de educação
básica e de educação superior, agregando outros ambientes culturais, científicos e tecnológicos,
físicos e virtuais que ampliem as oportunidades de construção de conhecimento), desenvolvidas
em níveis crescentes de complexidade em direção à autonomia do estudante em formação;
IV - participação nas atividades de planejamento e no projeto pedagógico da escola, bem como
participação nas reuniões pedagógicas e órgãos colegiados;
197
V - análise do processo pedagógico e de ensino-aprendizagem dos conteúdos específicos e
pedagógicos, além das diretrizes e currículos educacionais da educação básica;
VI - leitura e discussão de referenciais teóricos contemporâneos educacionais e de formação para
a compreensão e a apresentação de propostas e dinâmicas didáticopedagógicas;
VII - cotejamento e análise de conteúdos que balizam e fundamentam as diretrizes curriculares
para a educação básica, bem como de conhecimentos específicos e pedagógicos, concepções e
dinâmicas didático-pedagógicas, articuladas à prática e à experiência dos professores das escolas
de educação básica, seus saberes sobre a escola e sobre a mediação didática dos conteúdos;
VIII - desenvolvimento, execução, acompanhamento e avaliação de projetos educacionais,
incluindo o uso de tecnologias educacionais e diferentes recursos e estratégias didático-
pedagógicas;
IX - sistematização e registro das atividades em portfólio ou recurso equivalente de
acompanhamento.
Art. 8º O(A) egresso(a) dos cursos de formação inicial em nível superior deverá, portanto, estar
apto a:
I - atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime,
igualitária;
II - compreender o seu papel na formação dos estudantes da educação básica a partir de
concepção ampla e contextualizada de ensino e processos de aprendizagem e desenvolvimento
destes, incluindo aqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria;
III - trabalhar na promoção da aprendizagem e do desenvolvimento de sujeitos em diferentes
fases do desenvolvimento humano nas etapas e modalidades de educação básica;
IV - dominar os conteúdos específicos e pedagógicos e as abordagens teóricometodológicas do
seu ensino, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano;
V - relacionar a linguagem dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-
pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação para o
desenvolvimento da aprendizagem;
VI - promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e a
comunidade;
198
VII - identificar questões e problemas socioculturais e educacionais, com postura investigativa,
integrativa e propositiva em face de realidades complexas, a fim de contribuir para a superação
de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas, de gênero,
sexuais e outras;
VIII - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-
ecológica, étnico-racial, de gêneros, de faixas geracionais, de classes sociais, religiosas, de
necessidades especiais, de diversidade sexual, entre outras;
IX - atuar na gestão e organização das instituições de educação básica, planejando, executando,
acompanhando e avaliando políticas, projetos e programas educacionais;
X - participar da gestão das instituições de educação básica, contribuindo para a elaboração,
implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico;
XI - realizar pesquisas que proporcionem conhecimento sobre os estudantes e sua realidade
sociocultural, sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-
ecológicos, sobre propostas curriculares e sobre organização do trabalho educativo e práticas
pedagógicas, entre outros;
XII - utilizar instrumentos de pesquisa adequados para a construção de conhecimentos
pedagógicos e científicos, objetivando a reflexão sobre a própria prática e a discussão e
disseminação desses conhecimentos;
XIII - estudar e compreender criticamente as Diretrizes Curriculares Nacionais, além de outras
determinações legais, como componentes de formação fundamentais para o exercício do
magistério. Parágrafo único. Os professores indígenas e aqueles que venham a atuar em escolas
indígenas, professores da educação escolar do campo e da educação escolar quilombola, dada a
particularidade das populações com que trabalham e da situação em que atuam, sem excluir o
acima explicitado, deverão:
I - promover diálogo entre a comunidade junto a quem atuam e os outros grupos sociais sobre
conhecimentos, valores, modos de vida, orientações filosóficas, políticas e religiosas próprios
da cultura local;
II - atuar como agentes interculturais para a valorização e o estudo de temas específicos
relevantes.
199
CAPÍTULO IV DA FORMAÇÃO INICIAL DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
EM NÍVEL SUPERIOR
Art. 9º Os cursos de formação inicial para os profissionais do magistério para a educação básica,
em nível superior, compreendem:
I - cursos de graduação de licenciatura;
II - cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados;
III - cursos de segunda licenciatura.
§ 1º A instituição formadora definirá no seu projeto institucional as formas de desenvolvimento
da formação inicial dos profissionais do magistério da educação básica articuladas às políticas
de valorização desses profissionais e à base comum nacional explicitada no capítulo II desta
Resolução.
§ 2º A formação inicial para o exercício da docência e da gestão na educação básica implica a
formação em nível superior adequada à área de conhecimento e às etapas de atuação.
§ 3º A formação inicial de profissionais do magistério será ofertada, preferencialmente, de forma
presencial, com elevado padrão acadêmico, científico e tecnológico e cultural.
Art. 10. A formação inicial destina-se àqueles que pretendem exercer o magistério da educação
básica em suas etapas e modalidades de educação e em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos, compreendendo a articulação entre estudos teórico-práticos,
investigação e reflexão crítica, aproveitamento da formação e experiências anteriores em
instituições de ensino. Parágrafo único. As atividades do magistério também compreendem a
atuação e participação na organização e gestão de sistemas de educação básica e suas instituições
de ensino, englobando:
I - planejamento, desenvolvimento, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos, do
ensino, das dinâmicas pedagógicas e experiências educativas;
II - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico das áreas específicas e do campo
educacional.
200
Art. 11. A formação inicial requer projeto com identidade própria de curso de licenciatura
articulado ao bacharelado ou tecnológico, a outra(s) licenciatura(s) ou a cursos de formação
pedagógica de docentes, garantindo:
I - articulação com o contexto educacional, em suas dimensões sociais, culturais, econômicas e
tecnológicas;
II - efetiva articulação entre faculdades e centros de educação, institutos, departamentos e cursos
de áreas específicas, além de fóruns de licenciatura;
III - coordenação e colegiado próprios que formulem projeto pedagógico e se articulem com as
unidades acadêmicas envolvidas e, no escopo do PDI e PPI, tomem decisões sobre a organização
institucional e sobre as questões administrativas no âmbito de suas competências;
IV - interação sistemática entre os sistemas, as instituições de educação superior e as instituições
de educação básica, desenvolvendo projetos compartilhados;
V - projeto formativo que assegure aos estudantes o domínio dos conteúdos específicos da área
de atuação, fundamentos e metodologias, bem como das tecnologias;
VI - organização institucional para a formação dos formadores, incluindo tempo e espaço na
jornada de trabalho para as atividades coletivas e para o estudo e a investigação sobre o
aprendizado dos professores em formação;
VII - recursos pedagógicos como biblioteca, laboratórios, videoteca, entre outros, além de
recursos de tecnologias da informação e da comunicação, com qualidade e quantidade, nas
instituições de formação;
VIII - atividades de criação e apropriação culturais junto aos formadores e futuros professores.
Art. 12. Os cursos de formação inicial, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia
pedagógica das instituições, constituir-se-ão dos seguintes núcleos:
I - núcleo de estudos de formação geral, das áreas específicas e interdisciplinares, e do campo
educacional, seus fundamentos e metodologias, e das diversas realidades educacionais,
articulando:
a) princípios, concepções, conteúdos e critérios oriundos de diferentes áreas do
conhecimento, incluindo os conhecimentos pedagógicos, específicos e
201
interdisciplinares, os fundamentos da educação, para o desenvolvimento das
pessoas, das organizações e da sociedade;
b) princípios de justiça social, respeito à diversidade, promoção da participação e
gestão democrática;
c) conhecimento, avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos,
procedimentos e processos de ensino e aprendizagem que contemplem a diversidade
social e cultural da sociedade brasileira;
d) observação, análise, planejamento, desenvolvimento e avaliação de processos
educativos e de experiências educacionais em instituições educativas;
e) conhecimento multidimensional e interdisciplinar sobre o ser humano e práticas
educativas, incluindo conhecimento de processos de desenvolvimento de crianças,
adolescentes, jovens e adultos, nas dimensões física, cognitiva, afetiva, estética,
cultural, lúdica, artística, ética e biopsicossocial;
f) diagnóstico sobre as necessidades e aspirações dos diferentes segmentos da
sociedade relativamente à educação, sendo capaz de identificar diferentes forças e
interesses, de captar contradições e de considerá-los nos planos pedagógicos, no
ensino e seus processos articulados à aprendizagem, no planejamento e na realização
de atividades educativas;
g) pesquisa e estudo dos conteúdos específicos e pedagógicos, seus fundamentos e
metodologias, legislação educacional, processos de organização e gestão, trabalho
docente, políticas de financiamento, avaliação e currículo;
h) decodificação e utilização de diferentes linguagens e códigos linguísticosociais
utilizadas pelos estudantes, além do trabalho didático sobre conteúdos pertinentes às
etapas e modalidades de educação básica;
i) pesquisa e estudo das relações entre educação e trabalho, educação e diversidade,
direitos humanos, cidadania, educação ambiental, entre outras problemáticas
centrais da sociedade contemporânea;
j) questões atinentes à ética, estética e ludicidade no contexto do exercício
profissional, articulando o saber acadêmico, a pesquisa, a extensão e a prática
educativa;
202
l) pesquisa, estudo, aplicação e avaliação da legislação e produção específica sobre
organização e gestão da educação nacional.
II - núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos das áreas de atuação profissional,
incluindo os conteúdos específicos e pedagógicos, priorizadas pelo projeto pedagógico das
instituições, em sintonia com os sistemas de ensino, que, atendendo às demandas sociais,
oportunizará, entre outras possibilidades:
a) investigações sobre processos educativos, organizacionais e de gestão na área
educacional;
b) avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos, procedimentos e processos
de aprendizagem que contemplem a diversidade social e cultural da sociedade
brasileira;
c) pesquisa e estudo dos conhecimentos pedagógicos e fundamentos da educação,
didáticas e práticas de ensino, teorias da educação, legislação educacional, políticas
de financiamento, avaliação e currículo.
d) Aplicação ao campo da educação de contribuições e conhecimentos, como o
pedagógico, o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o
psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural;
III - núcleo de estudos integradores para enriquecimento curricular, compreendendo a
participação em:
a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica, iniciação à
docência, residência docente, monitoria e extensão, entre outros, definidos no
projeto institucional da instituição de educação superior e diretamente orientados
pelo corpo docente da mesma instituição;
b) atividades práticas articuladas entre os sistemas de ensino e instituições educativas
de modo a propiciar vivências nas diferentes áreas do campo educacional,
assegurando aprofundamento e diversificação de estudos, experiências e utilização
de recursos pedagógicos;
203
c) mobilidade estudantil, intercâmbio e outras atividades previstas no PPC;
d) atividades de comunicação e expressão visando à aquisição e à apropriação de
recursos de linguagem capazes de comunicar, interpretar a realidade estudada e criar
conexões com a vida social.
CAPÍTULO V DA FORMAÇÃO INICIAL DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM
NÍVEL SUPERIOR: ESTRUTURA E CURRÍCULO
Art. 13. Os cursos de formação inicial de professores para a educação básica em nível superior,
em cursos de licenciatura, organizados em áreas especializadas, por componente curricular ou
por campo de conhecimento e/ou interdisciplinar, considerando-se a complexidade e
multirreferencialidade dos estudos que os englobam, bem como a formação para o exercício
integrado e indissociável da docência na educação básica, incluindo o ensino e a gestão
educacional, e dos processos educativos escolares e não escolares, da produção e difusão do
conhecimento científico, tecnológico e educacional, estruturam-se por meio da garantia de base
comum nacional das orientações curriculares.
§ 1º Os cursos de que trata o caput terão, no mínimo, 3.200 (três mil e duzentas) horas de efetivo
trabalho acadêmico, em cursos com duração de, no mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro)
anos, compreendendo:
I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, distribuídas ao longo do
processo formativo;
II - 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao estágio supervisionado, na área de formação e atuação
na educação básica, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o
projeto de curso da instituição;
III - pelo menos 2.200 (duas mil e duzentas) horas dedicadas às atividades formativas
estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o
projeto de curso da instituição;
IV - 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas
de interesse dos estudantes, conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12 desta Resolução,
por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria, entre outras,
consoante o projeto de curso da instituição.
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§ 2º Os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos específicos da respectiva
área de conhecimento ou interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como
conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e
gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-
racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras),
educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas
socioeducativas.
§ 3º Deverá ser garantida, ao longo do processo, efetiva e concomitante relação entre teoria e
prática, ambas fornecendo elementos básicos para o desenvolvimento dos conhecimentos e
habilidades necessários à docência.
§ 4º Os critérios de organização da matriz curricular, bem como a alocação de tempos e espaços
curriculares, se expressam em eixos em torno dos quais se articulam dimensões a serem
contempladas, como previsto no artigo 12 desta Resolução.
§ 5º Nas licenciaturas, curso de Pedagogia, em educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental a serem desenvolvidas em projetos de cursos articulados, deverão preponderar os
tempos dedicados à constituição de conhecimento sobre os objetos de ensino, e nas demais
licenciaturas o tempo dedicado às dimensões pedagógicas não será inferior à quinta parte da
carga horária total.
§ 6º O estágio curricular supervisionado é componente obrigatório da organização curricular das
licenciaturas, sendo uma atividade específica intrinsecamente articulada com a prática e com as
demais atividades de trabalho acadêmico.
Art. 14. Os cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados, de caráter
emergencial e provisório, ofertados a portadores de diplomas de curso superior formados em
cursos relacionados à habilitação pretendida com sólida base de conhecimentos na área estudada,
devem ter carga horária mínima variável de 1.000 (mil) a 1.400 (mil e quatrocentas) horas de
efetivo trabalho acadêmico, dependendo da equivalência entre o curso de origem e a formação
pedagógica pretendida.
§ 1º A definição da carga horária deve respeitar os seguintes princípios:
I - quando o curso de formação pedagógica pertencer à mesma área do curso de origem, a carga
horária deverá ter, no mínimo, 1.000 (mil) horas;
205
II - quando o curso de formação pedagógica pertencer a uma área diferente da do curso de
origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.400 (mil e quatrocentas) horas;
III - a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300 (trezentas) horas;
IV - deverá haver 500 (quinhentas) horas dedicadas às atividades formativas referentes ao inciso
I deste parágrafo, estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta
Resolução, conforme o projeto de curso da instituição;
V - deverá haver 900 (novecentas) horas dedicadas às atividades formativas referentes ao inciso
II deste parágrafo, estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta
Resolução, conforme o projeto de curso da instituição;
VI - deverá haver 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em
áreas específicas de interesse dos alunos, conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12,
consoante o projeto de curso da instituição;
§ 2º Os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos específicos da respectiva
área de conhecimento ou interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como
conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e
gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-
racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras),
educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas
socioeducativas.
§ 3º Cabe à instituição de educação superior ofertante do curso verificar a compatibilidade entre
a formação do candidato e a habilitação pretendida.
§ 4º O estágio curricular supervisionado é componente obrigatório da organização curricular das
licenciaturas, sendo uma atividade específica intrinsecamente articulada com a prática e com as
demais atividades de trabalho acadêmico.
§ 5º A oferta dos cursos de formação pedagógica para graduados poderá ser realizada por
instituições de educação superior, preferencialmente universidades, que ofertem curso de
licenciatura reconhecido e com avaliação satisfatória realizada pelo Ministério da Educação e
seus órgãos na habilitação pretendida, sendo dispensada a emissão de novos atos autorizativos.
§ 6º A oferta de cursos de formação pedagógica para graduados deverá ser considerada quando
dos processos de avaliação do curso de licenciatura mencionado no parágrafo anterior.
206
§ 7º No prazo máximo de 5 (cinco) anos, o Ministério da Educação, em articulação com os
sistemas de ensino e com os fóruns estaduais permanentes de apoio à formação docente,
procederá à avaliação do desenvolvimento dos cursos de formação pedagógica para graduados,
definindo prazo para sua extinção em cada estado da federação.
Art. 15. Os cursos de segunda licenciatura terão carga horária mínima variável de 800
(oitocentas) a 1.200 (mil e duzentas) horas, dependendo da equivalência entre a formação
original e a nova licenciatura.
§ 1º A definição da carga horária deve respeitar os seguintes princípios:
I - quando o curso de segunda licenciatura pertencer à mesma área do curso de origem, a carga
horária deverá ter, no mínimo, 800 (oitocentas) horas;
II - quando o curso de segunda licenciatura pertencer a uma área diferente da do curso de origem,
a carga horária deverá ter, no mínimo, 1.200 (mil e duzentas) horas;
III - a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300 (trezentas) horas;
§ 2º Durante o processo formativo, deverá ser garantida efetiva e concomitante relação entre
teoria e prática, ambas fornecendo elementos básicos para o desenvolvimento dos
conhecimentos e habilidades necessários à docência.
§ 3º Os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos específicos da respectiva
área de conhecimento e/ou interdisciplinar, seus fundamentos e metodologias, bem como
conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e
gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-
racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras),
educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas
socioeducativas.
§ 4º Os cursos descritos no caput poderão ser ofertados a portadores de diplomas de cursos de
graduação em licenciatura, independentemente da área de formação.
§ 5º Cabe à instituição de educação superior ofertante do curso verificar a compatibilidade entre
a formação do candidato e a habilitação pretendida.
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§ 6º O estágio curricular supervisionado é componente obrigatório da organização curricular das
licenciaturas, sendo uma atividade específica intrinsecamente articulada com a prática e com as
demais atividades de trabalho acadêmico.
§ 7º Os portadores de diploma de licenciatura com exercício comprovado no magistério e
exercendo atividade docente regular na educação básica poderão ter redução da carga horária do
estágio curricular supervisionado até o máximo de 100 (cem) horas.
§ 8º A oferta dos cursos de segunda licenciatura poderá ser realizada por instituição de educação
superior que oferte curso de licenciatura reconhecido e com avaliação satisfatória pelo MEC na
habilitação pretendida, sendo dispensada a emissão de novos atos autorizativos.
§ 9º A oferta de cursos de segunda licenciatura deverá ser considerada quando dos processos de
avaliação do curso de licenciatura mencionado no parágrafo anterior.
§ 10. Os cursos de segunda licenciatura para professores em exercício na educação básica
pública, coordenados pelo MEC em regime de colaboração com os sistemas de ensino e
realizados por instituições públicas e comunitárias de educação superior, obedecerão às
diretrizes operacionais estabelecidas na presente Resolução.
CAPÍTULO VI DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFISSIONAIS DO
MAGISTÉRIO
Art. 16. A formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e
profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e valores, e envolve
atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para
além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como
principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico,
pedagógico, ético e político do profissional docente.
Parágrafo único. A formação continuada decorre de uma concepção de desenvolvimento
profissional dos profissionais do magistério que leva em conta:
I - os sistemas e as redes de ensino, o projeto pedagógico das instituições de educação básica,
bem como os problemas e os desafios da escola e do contexto onde ela está inserida;
208
II - a necessidade de acompanhar a inovação e o desenvolvimento associados ao conhecimento,
à ciência e à tecnologia;
III - o respeito ao protagonismo do professor e a um espaço-tempo que lhe permita refletir
criticamente e aperfeiçoar sua prática;
IV - o diálogo e a parceria com atores e instituições competentes, capazes de contribuir para
alavancar novos patamares de qualidade ao complexo trabalho de gestão da sala de aula e da
instituição educativa.
Art. 17. A formação continuada, na forma do artigo 16, deve se dar pela oferta de atividades
formativas e cursos de atualização, extensão, aperfeiçoamento, especialização, mestrado e
doutorado que agreguem novos saberes e práticas, articulados às políticas e gestão da educação,
à área de atuação do profissional e às instituições de educação básica, em suas diferentes etapas
e modalidades da educação.
§ 1º Em consonância com a legislação, a formação continuada envolve:
I - atividades formativas organizadas pelos sistemas, redes e instituições de educação básica
incluindo desenvolvimento de projetos, inovações pedagógicas, entre outros;
II - atividades ou cursos de atualização, com carga horária mínima de 20 (vinte) horas e máxima
de 80 (oitenta) horas, por atividades formativas diversas, direcionadas à melhoria do exercício
do docente;
III - atividades ou cursos de extensão, oferecida por atividades formativas diversas, em
consonância com o projeto de extensão aprovado pela instituição de educação superior
formadora;
IV - cursos de aperfeiçoamento, com carga horária mínima de 180 (cento e oitenta) horas, por
atividades formativas diversas, em consonância com o projeto pedagógico da instituição de
educação superior;
V - cursos de especialização lato sensu por atividades formativas diversas, em consonância com
o projeto pedagógico da instituição de educação superior e de acordo com as normas e resoluções
do CNE;
VI - cursos de mestrado acadêmico ou profissional, por atividades formativas diversas, de acordo
com o projeto pedagógico do curso/programa da instituição de educação superior, respeitadas as
209
normas e resoluções do CNE e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Capes;
VII - curso de doutorado, por atividades formativas diversas, de acordo com o projeto
pedagógico do curso/programa da instituição de educação superior, respeitadas as normas e
resoluções do CNE e da Capes.
§ 2º A instituição formadora, em efetiva articulação com o planejamento estratégico do Fórum
Estadual Permanente de Apoio à Formação Docente e com os sistemas e redes de ensino e com
as instituições de educação básica, definirá no seu projeto institucional as formas de
desenvolvimento da formação continuada dos profissionais do magistério da educação básica,
articulando-as às políticas de valorização a serem efetivadas pelos sistemas de ensino.
CAPÍTULO VII DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO E SUA VALORIZAÇÃO
Art. 18. Compete aos sistemas de ensino, às redes e às instituições educativas a responsabilidade
pela garantia de políticas de valorização dos profissionais do magistério da educação básica, que
devem ter assegurada sua formação, além de plano de carreira, de acordo com a legislação
vigente, e preparação para atuar nas etapas e modalidades da educação básica e seus projetos de
gestão, conforme definido na base comum nacional e nas diretrizes de formação, segundo o PDI,
PPI e PPC da instituição de educação superior, em articulação com os sistemas e redes de ensino
de educação básica.
§ 1º Os profissionais do magistério da educação básica compreendem aqueles que exercem
atividades de docência e demais atividades pedagógicas, como definido no artigo 3º, § 4º, desta
Resolução;
§ 2º No quadro dos profissionais do magistério da instituição de educação básica deve constar
quem são esses profissionais, bem como a clara explicitação de sua titulação, atividades e regime
de trabalho.
§ 3º A valorização do magistério e dos demais profissionais da educação deve ser entendida
como uma dimensão constitutiva e constituinte de sua formação inicial e continuada, incluindo,
entre outros, a garantia de construção, definição coletiva e aprovação de planos de carreira e
210
salário, com condições que assegurem jornada de trabalho com dedicação exclusiva ou tempo
integral a ser cumprida em um único estabelecimento de ensino e destinação de 1/3 (um terço)
da carga horária de trabalho a outras atividades pedagógicas inerentes ao exercício do magistério,
tais como:
I - preparação de aula, estudos, pesquisa e demais atividades formativas;
II - participação na elaboração e efetivação do projeto político-pedagógico da instituição
educativa;
III - orientação e acompanhamento de estudantes;
IV - avaliação de estudantes, de trabalhos e atividades pedagógicas;
V - reuniões com pais, conselhos ou colegiados escolares;
VI - participação em reuniões e grupos de estudo e/ou de trabalho, de coordenação pedagógica
e gestão da escola;
VII - atividades de desenvolvimento profissional;
VIII - outras atividades de natureza semelhante e relacionadas à comunidade escolar na qual se
insere a atividade profissional.
Art. 19. Como meio de valorização dos profissionais do magistério público nos planos de carreira
e remuneração dos respectivos sistemas de ensino, deverá ser garantida a convergência entre
formas de acesso e provimento ao cargo, formação inicial, formação continuada, jornada de
trabalho, incluindo horas para as atividades que considerem a carga horária de trabalho,
progressão na carreira e avaliação de desempenho com a participação dos pares, asseverando-
se:
I - acesso à carreira por concurso de provas e títulos orientado para assegurar a qualidade da ação
educativa;
II - fixação do vencimento ou salário inicial para as carreiras profissionais da educação de acordo
com a jornada de trabalho definida nos respectivos planos de carreira no caso dos profissionais
do magistério, com valores nunca inferiores ao do Piso Salarial Profissional Nacional, vedada
qualquer diferenciação em virtude da etapa ou modalidade de educação e de ensino de atuação;
III - diferenciação por titulação dos profissionais da educação escolar básica entre os habilitados
em nível médio e os habilitados em nível superior e pós-graduação lato sensu, com percentual
compatível entre estes últimos e os detentores de cursos de mestrado e doutorado;
211
IV - revisão salarial anual dos vencimentos ou salários conforme a Lei do Piso;
V - manutenção de comissão paritária entre gestores e profissionais da educação e os demais
setores da comunidade escolar para estudar as condições de trabalho e propor políticas, práticas
e ações para o bom desempenho e a qualidade dos serviços prestados à sociedade;
VI - elaboração e implementação de processos avaliativos para o estágio probatório dos
profissionais do magistério, com a sua participação;
VII - oferta de programas permanentes e regulares de formação e aperfeiçoamento profissional
do magistério e a instituição de licenças remuneradas e formação em serviço, inclusive em nível
de pós-graduação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem
como os objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica.
Art. 20. Os critérios para a remuneração dos profissionais do magistério público devem se pautar
nos preceitos da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que estabelece o Piso Salarial Profissional
Nacional, e no artigo 22 da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, que dispõe sobre a parcela da
verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do
Magistério (Fundeb), destinada ao pagamento dos profissionais do magistério, bem como no
artigo 69 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que define os percentuais mínimos de
investimento dos entes federados na educação, em consonância com a Lei nº 13.005, de 25 de
junho de 2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE). Parágrafo único. As fontes
de recursos para o pagamento da remuneração dos profissionais do magistério público são
aquelas descritas no artigo 212 da Constituição Federal e no artigo 60 do seu Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, além de recursos provenientes de outras fontes vinculadas à
manutenção e ao desenvolvimento do ensino.
Art. 21. Sobre as formas de organização e gestão da educação básica, incluindo as orientações
curriculares, os entes federados e respectivos sistemas de ensino, redes e instituições educativas
deverão garantir adequada relação numérica professor/educando, levando em consideração as
características dos educandos, do espaço físico, das etapas e modalidades da educação e do
projeto pedagógico e curricular.
CAPÍTULO VIII DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
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Art. 22. Os cursos de formação de professores que se encontram em funcionamento deverão se
adaptar a esta Resolução no prazo de 2 (dois) anos, a contar da data de sua publicação. Parágrafo
único. Os pedidos de autorização para funcionamento de curso em andamento serão restituídos
aos proponentes para que sejam feitas as adequações necessárias.
Art. 23. Os processos de avaliação dos cursos de licenciatura serão realizados pelo órgão próprio
do sistema e acompanhados por comissões próprias de cada área.
Art. 24. Os cursos de formação inicial de professores para a educação básica em nível superior,
em cursos de licenciatura, organizados em áreas interdisciplinares, serão objeto de
regulamentação suplementar.
Art. 25. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário, em especial a Resolução CNE/CP nº 2, de 26 de junho de 1997, a Resolução CNE/CP
nº 1, de 30 de setembro de 1999, a Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002 e suas
alterações, a Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002 e suas alterações, a Resolução
nº 1, de 11 de fevereiro de 2009, e a Resolução nº 3, de 7 de dezembro de 2012.
GILBERTO GONÇALVES GARCIA