Revista de Economia Política, vol. 29, nº 1 (113), pp.
150-157, janeiro-março/2009
Resenhas
Maus Samaritanos: o mito do livre-comércio e a história secreta do capitalismo
Ha-Joon Chang
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Maus Samaritanos é mais um livro do jo- provavelmente não irá conseguir sobreviver, por-
vem e proeminente economista heterodoxo do que, assim como seu filho, precisa de um tempo
desenvolvimento econômico Ha-Joon Chang. Ele para conseguir trabalhar com tecnologias avança-
nasceu na Coréia do Sul, mas está radicado na das e construir organizações eficientes. O autor
Inglaterra há bastante tempo. É professor da Uni- observa que é errado inserir o seu filho no merca-
versidade de Cambridge desde 1990. Tem vários do de trabalho com seis anos, expondo-o preco-
livros publicados e seu trabalho mais famoso, tra- cemente à concorrência, mas também é errado
duzido para vários idiomas, é Chutando a Esca- subsidiá-lo até os quarenta anos. Isso tem que ser
da: a estratégia do desenvolvimento em perspecti- feito somente até o momento em que ele consiga
va histórica, publicado originalmente em inglês ter a capacitação necessária para obter um em-
em 2002 e em português em 2004. Esse livro lhe prego satisfatório. O mesmo funciona em relação
rendeu o Prêmio Gunnar Myrdal em 2003 e o às empresas, que não podem ser subsidiadas e
Prêmio Leontief em 2005. protegidas eternamente.
O livro Maus Samaritanos é dividido em O que todos devem estar se perguntando é
nove capítulos e um epílogo e apresenta uma quem seriam os Maus Samaritanos e por que são
abordagem crítica à teoria econômica heterodo- assim chamados? Ha-Joon retirou a idéia do no-
xa. Ha-Joon desenvolve várias analogias ao longo me de seu livro de uma parábola da Bíblia, sobre
do texto, tentando esclarecer suas críticas. Algu- um homem que foi roubado na estrada e recebeu
mas delas são bastante interessantes, como a que ajuda de um “Bom Samaritano”. Os Samarita-
faz em relação ao desenvolvimento de seu filho nos eram vistos como pessoas que tentavam tirar
Jin-Gyu, que tinha seis anos quando da publica- vantagens dos indivíduos que tinham algum pro-
ção original do livro em inglês, em 2006, e a pro- blema. No prefácio da versão em inglês do livro,
teção necessária à indústria nascente nos países o autor esclarece que chama de Maus Samarita-
em desenvolvimento. Ele diz que se a legislação nos os países ricos que indicam, hoje, políticas
permitisse, poderia mandar seu filho para o mer- neoliberais como a defesa de livre mercado e li-
cado de trabalho, mas com isso, ele estaria fada- vre comércio, para os países pobres, tentando
do a ter eternamente subempregos. Seria muito evitar que eles sejam no futuro seus possíveis
difícil conseguir se tornar um médico ou um físi- concorrentes. Demonstra que esses países ricos
co nuclear, por exemplo. Para que isso fosse pos- não fizeram no passado o que hoje recomendam,
sível, ele teria que proteger e investir na educação quando sua indústria ainda estava se desenvol-
de seu filho por no mínimo mais doze anos. O vendo. Ele diz também que o que mais o intriga é
mesmo ocorre com a indústria nascente: se ela é saber que muitos desses Maus Samaritanos não
exposta rapidamente ao livre-comércio, posição percebem que estão fazendo recomendações
defendida pelos economistas neoliberais, muito ruins para as economias dos países pobres. Se-
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gundo ele, a história do sucesso do capitalismo Os capítulos 1 e 2 do livro apresentam uma
foi reescrita tantas vezes, de tal forma que muitos análise histórica sobre a evolução do capitalismo
economistas dos países ricos não conseguem e a globalização. Os capítulos 3 a 9 abordam uma
mais perceber o erro de se recomendar livre co- série de discussões em relação às recomendações
mércio e livre mercado para os países em desen- feitas pela teoria econômica chamada de ortodo-
volvimento. Como ele mesmo diz, alguns desses xa, tentando descobrir a “real verdade” sobre al-
Maus Samaritanos têm uma crença honesta, po- gumas afirmações tidas como “verdadeiras”.
rém equivocada, de que esta é a verdadeira recei- Nessa parte do livro, ele discute, dentre outros
ta de sucesso que seus países utilizaram no passa- assuntos, questões como a da regulamentação ou
do para se tornar ricos. Para sua surpresa, até não de investimentos estrangeiros, se as empresas
mesmo seu país, a Coréia do Sul, faz essas reco- privadas são mesmo melhores do que as empresas
mendações para outros países. públicas e a relação existente entre democracia,
As pessoas fazem várias afirmações em re- propriedade intelectual, corrupção e cultura e o
lação ao caminho percorrido para se chegar ao processo de desenvolvimento econômico.
desenvolvimento econômico pelos países ricos O objetivo principal do livro é achar argu-
atuais, mas quando fazemos uma análise mais mentos e exemplos sobre o fato de que nem sem-
apurada e verificamos dados históricos, percebe- pre as políticas atualmente recomendadas aos
mos que a história não ocorreu exatamente co- países em desenvolvimento, por parte dos países
mo é contada hoje. Um outro livro lançado re- ricos e de organismos internacionais como o FMI
centemente no Brasil, por Ernesto Lozardo, (Fundo Monetário Internacional) ou o Banco
professor da Fundação Getúlio Vargas de São Mundial, foram utilizadas da mesma forma por
Paulo (FGV-SP), intitulado Globalização: a cer- esses países, no passado, ou são viáveis para os
teza imprevisível das nações, assim como o livro países pobres nos dias de hoje. Discute também a
de Ha-Joon, faz também uma análise da verda- importância do papel do estado no processo de
deira trajetória percorrida por países como, por desenvolvimento, criando incentivos para alguns
exemplo, a Coréia, para alcançar o desenvolvi- setores considerados estratégicos na economia,
mento econômico. regulamentando outros e utilizando políticas an-
Chang demonstra claramente, não somente ti-cíclicas, contrárias às utilizadas pelos outros
neste livro, mas também em suas publicações an- agentes econômicos. Como o próprio autor diz,
teriores, que todos os países considerados desen- os países ricos seguem políticas keynesianas, mas
volvidos protegeram de uma forma ou de outra recomendam para os países pobres políticas mo-
sua indústria nascente, no início de seu processo netaristas.
de desenvolvimento econômico. Cabe observar que Chang publicou a ver-
Também no prefácio do livro, Ha-Joon faz são de seu livro em inglês em 2006, portanto, an-
um instigante relato de sua vida pessoal e fami- tes da última crise financeira global. Ainda assim,
liar, tentando demonstrar como era a vida das pode-se extrair de seu texto algumas observações
pessoas e a economia da Coréia do Sul na época e recomendações bastante interessantes, que po-
em que nasceu, em 1963, quando seu país era deriam ser levadas em conta pelos países no con-
tido como pobre, frisando as mudanças radicais texto atual. Dentre essas análises, podemos desta-
que aconteceram, fazendo com que hoje seja car a discussão que faz, comparando eficiência
considerado um dos países mais ricos do mundo. entre empresas públicas e privadas, onde afirma
Nesse relato, o autor também afirma que apesar que grandes empresas privadas, que não são geri-
de atualmente a Coréia ser tida como uma das das por seus donos majoritários, porque têm sua
nações que mais promove inovações tecnológi- propriedade acionária diluída entre vários acio-
cas, até a metade dos anos 1980 era considerada nistas, podem sofrer dos mesmos problemas que
uma das “capitais da pirataria” do mundo. Ha- as empresas públicas, relacionados à questão do
Joon conta que boa parte dos livros estrangeiros agente principal, existência de freeriders e proble-
que utilizou, estudando para entrar em Cam- mas envolvendo restrições orçamentárias bran-
bridge, eram pirateados, porque os livros legal- das, ou gestão relaxada do orçamento. No capí-
mente importados eram vendidos por preços tulo 5, afirma que empresas privadas grandes,
muito altos, mesmo para pessoas de família de consideradas politicamente importantes em fun-
classe alta e que dava prioridade para a educa- ção da área que atuam ou do número de traba-
ção, como a dele. lhadores que empregam, em casos de crise ou má
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gestão, acabam recebendo socorro do estado, balizado, após a derrocada da economia chinesa
mesmo em países geridos por governantes que de- em 2029, quando passou a fazer parte da OCDE
fendem o livre mercado. Argumenta também que (Organização para a Cooperação e o Desenvolvi-
os neoliberais recomendam para os países pobres mento Econômico) e liberalizou seu mercado de
bancos centrais independentes, mas lembra que capitais. Apesar das ressalvas, em função de ser
os funcionários desses bancos, tidos como tecno- uma ficção, o autor tenta fazer um alerta para os
cratas não-partidários, na maioria das vezes dão governantes, de que as políticas nacionais e inter-
muita atenção ao setor financeiro, implementan- nacionais atuais precisam sofrer mudanças, para
do políticas a seu favor e contra a indústria e os que possa ocorrer o desenvolvimento econômico
trabalhadores assalariados. Por isso, é importante dos países e a diminuição da pobreza e das dispa-
que os funcionários de um banco central possam ridades distributivas.
ser supervisionados pelos políticos, visando de- Ha-Joon utiliza, ao longo de todo o seu tex-
fender interesses da nação como um todo e não to, dados históricos e inúmeros exemplos de su-
de grupos específicos; a independência de um cesso ou fracasso de empresas e países, explican-
banco central impede isso. Além disso, lembra do, de forma extremamente didática, uma série
que os economistas ortodoxos recomendam a de conceitos da teoria econômica. Seu trabalho
desregulamentação dos mercados, mas que as cri- resultou num livro interessante e altamente reco-
ses financeiras dos anos 1990 e início dos anos mendável para todos os leitores que se interessam
2000 foram remediadas com regulamentações de pela área de desenvolvimento econômico e que
bancos e de outras empresas do setor financeiro. realmente se preocupam com a diminuição da po-
No epílogo do livro o autor ousa, criando breza que assola o mundo atual.
uma estória de ficção, chamada pelo autor de
“história do futuro”, sobre uma empresa de na- Carmen Augusta Varela
notecnologia situada na cidade de São Paulo, em Professora da Fundação Getúlio Vargas
2037, e sua luta para sobreviver num mundo glo- de São Paulo (FGV-SP)
Financial Liberalization and Economic Performance in Emerging Countries
Philip Arestis e Luiz Fernando de Paula (eds.)
Palgrave Macmillan, 2008, 221 p.
Nos últimos anos, vários trabalhos têm e poucas histórias de sucesso na promoção de
procurado avaliar os impactos da globalização crescimento da renda, com estabilidade macroe-
financeira sobre os países em desenvolvimento. conômica e inclusão social. Em geral, os casos
As recorrentes crises financeiras nos mercados mais bem-sucedidos de inserção na economia glo-
emergentes, em um primeiro momento, e, agora, balizada foram caracterizados por uma aborda-
a crise no mercado imobiliário estadunidense, gem mais cautelosa no tratamento da integração
mudaram a percepção convencional acerca dos financeira. Quando o FMI, o Banco Mundial e a
custos e benefícios do processo de constituição de nata do “mainstream economics” admitem que
um mercado financeiro globalizado e desregula- não há relações robustas entre a liberalização fi-
mentado. Se, no final dos anos 1980, início dos nanceira e o crescimento e, pior, que se alguma
anos 1990, o establishment acadêmico, oficial e regularidade empírica existe é aquela que liga li-
de mercado proclamava as virtudes da liberaliza- beralização e instabilidade, pouco parece restar
ção financeira, agora, as mesmas vozes não po- para ser avaliado. Neste sentido, caberia pergun-
dem deixar de reconhecer que há um mal-estar tar se vale a pena ler mais um trabalho que pro-
crescente na cidadela liberal. Como tem dito o cura identificar os efeitos da liberalização finan-
Professor Paul Krugman, “não há ateus no front, ceira sobre os mercados emergentes. Ou, ainda,
nem liberais em meio a crises financeiras”. seria legítimo questionar se um trabalho sobre es-
Com a vantagem do olhar retrospectivo é te tema, na conjuntura atual, não seria um sim-
possível afirmar que a aventura da liberalização ples exercício de oportunismo. No caso de Finan-
financeira deixou um rastro apreciável de vítimas cial Liberalization and Economic Performance in
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