Unidade II
Unidade II
2 O ESTUDO DA GRAMÁTICA: ÂMBITO DA
FONOLOGIA, DA MORFOLOGIA, DA SINTAXE E
DA SEMÂNTICA
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
5 E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
10 Me dá um cigarro
Oswald de Andrade
2.1 Âmbitos de estudo da gramática
Gramática: compreendida aqui
Sabe-se que toda língua possui uma estrutura – a sua como o sistema de regras da língua em
gramática. Esta, por sua vez, ao registrar e descrever os aspectos funcionamento.
de uma língua em particular, costuma ser apresentada em
diferentes capítulos, usualmente organizados em diversos
15 níveis. Identificamos, assim, a fonologia, a morfologia e a
sintaxe (melhor denominada morfossintaxe), a semântica e
a estilística.
Vejamos a conceituação básica de cada um desses níveis:
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Parte da gramática que estuda os sons da língua quanto à
sua função no sistema de comunicação linguística, quanto a
Fonologia sua organização e classificação. Também cuida de aspectos
relacionados à divisão silábica, à ortografia e à acentuação de
palavras, de acordo com o padrão culto da língua. Estuda o
aspecto fônico e tem como unidade básica de estudo o fonema.
Nível de análise linguística que se ocupa do estudo das palavras,
de sua formação, de sua classificação e de suas flexões. Estuda
Morfologia palavras que pertencem a grupos bem diferentes: substantivo,
adjetivo, artigo, numeral, pronome, verbo, advérbio, preposição,
conjunção e interjeição.
Sintaxe A sintaxe é o estudo das combinações e relações entre as palavras
de um enunciado e entre as frases de um texto.
Semântica É definida, de maneira genérica, como o estudo do sentido das
palavras e dos enunciados.
Estilística Estuda os aspectos afetivos que envolvem e caracterizam a
linguagem emotiva que perpassa todos os fatos da língua.
A morfossintaxe é a parte central da gramática pura: é
estudada em dois domínios: a morfologia e a sintaxe.
Para ampliar seu conhecimento sobre o que constitui o
objeto de estudo dos vários componentes da gramática, leia
5 atentamente o texto que segue.
Numa tentativa de equacionar a imensa complexidade
da estrutura das línguas, os linguistas estabeleceram diversos
“níveis de análise”, definidos pelos vários pontos de vista
sob os quais se pode encarar os fenômenos gramaticais. Por
exemplo, ao estudar uma frase como
(1) Ana desprezou Ricardo.
pode-se assumir o ponto de vista do estudo da pronúncia.
Nesse caso, serão estudadas regras de pronúncia como a
que nos obriga a pronunciar o primeiro a de Ana como
uma vogal nasal, por ser tônico e estar logo antes de uma
consoante nasal (o n); ou a que nos obriga a pronunciar a
vogal final de Ricardo como um u e não como um o etc.
A esse estudo das regras de pronúncia se dá o nome de
fonologia.
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Unidade II
Mas a mesma frase pode ser estudada de outros pontos
de vista: por exemplo, descrevendo a constituição interna
das palavras. Desse ponto de vista, podemos observar que
a palavra desprezou é formada de mais de um elemento: a
sequência desprez- mais a sequência –ou. A primeira aparece
também em outras formas relacionadas, como desprezo
(tanto o substantivo quanto a forma verbal), desprezível,
desprezamos, desprezado e outras, e a sequência –ou
ocorre em outras formas verbais, como amou, desmanchou
e outras. Existem também regras que governam a associação
dessas partes de palavras (denominadas morfemas), e que
impedem a formação de palavras como *desprezi, *Ricardou
ou *Ricardível. O estudo dos morfemas e de suas associações
se denomina morfologia.
Voltando à frase (1), podemos ainda definir um outro
ponto de vista, que leva em conta as maneiras como se
associam as palavras para formar frases. Assim, podemos
observar que existe uma regra pela qual a terminação de
desprezou de certo modo depende do elemento que se
coloca no lugar de Ana; tanto é assim que, se em lugar
de Ana colocarmos nós, desprezou terá de se transformar
em desprezamos. Podemos, além disso, notar que na
frase (1) o elemento que governa a forma de desprezou
ocorre em primeiro lugar na frase, e que modificações no
último elemento da frase (Ricardo) não afetam a forma de
desprezou. Uma terceira observação é que existe um pequeno
número de palavras que só podem ocorrer no lugar de Ana,
e outras, em número igual, que só podem ocorrer no lugar
de Ricardo; eu, nós etc. só ocorrem no lugar de Ana, e me,
nos só no lugar de Ricardo. Todas essas observações têm a
ver com a estruturação interna da frase, e constituem um
estudo denominado sintaxe.
Finalmente, podemos levar em conta o significado
transmitido por (1). Por exemplo, podemos observar que Ana
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
provavelmente designa uma mulher, e Ricardo um homem;
que a pessoa desprezada é Ricardo, e não Ana; que o fato
de Ana desprezar Ricardo aconteceu no passado, e assim
por diante. Traços de significado como esses são, em parte,
o resultado da aplicação de certas regras, que integram a
semântica.
Chamamos a essas disciplinas que se ocupam dos
diferentes aspectos das expressões linguísticas os
componentes da gramática. Assim, a gramática de uma
língua inclui os seguintes componentes: a fonologia, a
morfologia, a sintaxe e a semântica dessa língua.
É importante notar que esses quatro componentes
não esgotam tudo o que se pode estudar a respeito de
uma língua. Não tratam, por exemplo, da história das
formas linguísticas, nem do uso das mesmas em diferentes
situações sociais, nem do uso feito pelos falantes de seu
conhecimento geral do mundo para ajudar a compreender
as frases, nem de muitos outros aspectos importantes.
A fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica (...)
constituem o estudo da estrutura interna de uma língua
– aquilo que a distingue das outras línguas do mundo, e
que não decorre diretamente de condições de vida social
ou de conhecimento de mundo (Mário Perini. A gramática
descritiva do português, 1998).
Vejamos, a seguir, como o sujeito trabalha com elementos
próprios de cada um desses níveis de organização linguística, a
fim de obter os efeitos de sentido que deseja.
2.2 Recursos expressivos fonológicos
Perceber a sonoridade de um texto ajuda a captar o sentido
5 que se quis traduzir com a disposição de palavras e frases. Nos
enunciados em geral, seja um poema, um texto em prosa, uma
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Unidade II
propaganda, histórias em quadrinhos, podemos encontrar sons
que se repetem com maior frequência, aproximando a imitação
fonética do enunciado àquilo que eles sugerem.
Acompanhe o poema de Oswald de Andrade:
Relógio
As coisas são
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão
5 No texto, o poeta “traduziu” o som e o movimento pendular
do relógio pela utilização de determinadas combinações sonoras
de palavras e, ainda, pela disposição delas no texto.
2.2.1 Aliteração e assonância
A repetição da mesma consoante ao longo do texto – a
aliteração – provoca efeitos sonoros variados, conforme o
10 caso.
Observe:
Canção do vento e da minha vida
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
[...]
O vento varria os sonhos
e varria as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
Manuel Bandeira. Poesia completa & prosa.
Nesse poema, Bandeira explora um recurso expressivo
fonológico para provocar o efeito desejado: a aliteração. Nesse
caso, a repetição dos fonemas /v/ e /f/ no início ou meio de um
significativo número de palavras permite que se associe o texto
5 lido em voz alta ao som produzido pelo vento.
Faraco e Moura (1994) alertam:
O fonema não deve ser confundido com a letra. Na língua
escrita, representamos os fonemas através de sinais chamados
letras. Portanto, a letra é a representação gráfica do fonema. Na
10 palavra sol, por exemplo, a letra S representa o fonema /s/ (lê-se
sê); já na palavra casa, a letra S representa o fonema /z/ (lê-se
zê).
Veja, também, como ocorre a aliteração em um outro texto,
agora provocada pela repetição do fonema /k/:
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Unidade II
Colar de Carolina
Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
da colina
O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.
E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral
nas colunas da colina.
MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo.
Editora Nova Fronteira, 1990 - Rio de Janeiro, Brasil
A assonância é a repetição da mesma vogal no texto. Note
a repetição do a neste trecho da letra de Clara, de Caetano
Veloso:
Quando a manhã madrugava
Calma
Alta
Clara
Clara morria de amor
(In: O melhor de Caetano Veloso. São Paulo,
Polygram, 1997)
Seja na forma nasal (na, ã), seja na forma oral (a), a
mesma vogal predomina na estrofe onde o tema é a mulher
chamada Clara. Dado o significado do nome e a hora
luminosa do dia (“manhã madrugava)”, o som que se repete
parece sugerir luz, claridade.
GOLDSTEIN, Norma. Verso, sons e ritmos.
São Paulo, Ática, 1982.
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
2.2.2 Onomatopeia
As onomatopeias, outro recurso fonológico, representam
certos sons e ruídos produzidos por animais ou coisas, ou mesmo
certos sons humanos. Têm como função “imitar” a realidade.
O uso de onomatopeias é bastante comum nos quadrinhos
5 e, muitas vezes, delas se extrai o pretendido efeito de humor.
Observe:
Disponível em: <http://tiras-hagar.blogspot.com/2007_01_01_tiras-hagar_
archive.html>.
Observe onomatopeias traduzindo vozes de animais e sons
das coisas.
O tique-taque do relógio, o marulho das ondas, o
zunzunar da abelha, o arrulhar dos pombos.
2.2.3 Ortoepia e prosódia
Vício na fala
10 Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
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Unidade II
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Oswald de Andrade
5 O texto da epígrafe mostra algumas transformações
fonéticas que as palavras podem sofrer na pronúncia de alguns
falantes da língua. Veja, por exemplo, os pares milho/mio, pior/
pió, telha/teia, telhado/teiado. Essas variações de pronúncia de
uma palavra dependem de fatores de ordem social, regional,
10 individual e estilística.
Existe uma parte da fonologia que trata da pronúncia
adequada das palavras, segundo o padrão culto da língua: a
ortofonia, que, para efeito de estudo, costuma se dividir em
ortoepia e prosódia.
15 Assim:
Ortoepia: trata da correta pronúncia dos fonemas das
palavras.
Prosódia: trata da acentuação (acento da fala) e da
entoação adequada dos fonemas.
Algumas palavras de nossa língua oferecem dúvidas quanto
à posição da sílaba tônica. Veja algumas das infrações mais
frequentes de pronúncia, tomando-se como referência o padrão
culto da língua:
20 • são oxítonas: Nobel, refém, sutil, ruim, ureter;
• são paroxítonas: âmbar, avaro, ciclope, clímax, filantropo,
fluido (ui ditongo), fortuito (ui ditongo), gratuito (ui
ditongo), ibero, libido, pudico, rubrica;
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
• são proparoxítonas: aeródromo, arquétipo, autóctone,
barbárie, boêmia, condômino, etíope, ínterim;
• admitem dupla prosódia: acrobata ou acrobata, ambrósia
ou ambrosia, crisântemo ou crisantemo, hieróglifo
5 ou hieroglifo, homília ou homilia, Madagáscar ou
Madagascar (mais comum), Oceânia ou Oceania, projétil
ou projetil.
Conceituando
Fonema: menor unidade sonora de uma palavra.
Letras: representação gráfica dos fonemas da língua.
Vogal: é o fonema produzido pelo ar que faz vibrar as
cordas vocais e que não encontra nenhum obstáculo na sua
passagem pelo aparelho fonador.
Semivogal: é fonema produzido como vogal, mas
pronunciado mais fraco, com baixa intensidade, como se
fosse uma consoante. Veja:
saudade/boi
| | | |
v sv v sv
Consoante: é o fonema cuja produção do ar encontra
obstáculo na passagem pelo aparelho fonador.
Palavra: unidade linguística de som e significado que
entra na composição dos enunciados da língua.
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Unidade II
2.3 Recursos expressivos morfológicos
com can
som tem
con ten tam
tem são bém
tom sem
bem som
Augusto de Campos
Fonte: <http://www2.uol.com.br/augustodecampos/poemas.htm>.
Como vimos, a morfologia é o nível de análise linguística
que se ocupa do estudo das palavras, de sua formação, de sua
classificação e de suas flexões.
As palavras, assim, não constituem unidades indivisíveis. Elas,
5 na maioria das vezes, decompõem-se em elementos menores: os
morfemas, unidades elementares de significação que entram
na constituição das palavras da língua.
Em nossa língua, há palavras formadas por um só morfema
(como sol, por exemplo) e palavras constituídas de mais de um
10 morfema (des + esperad + a + mente).
Observe:
Pedro, pedra, pedreira, pedrinha, pedregulho, Neologismo: atribuição de um novo sentido
assumido por uma palavra que já existia;
apedrejar, empedrar. emprego de palavras novas, derivadas ou
I formadas de outras já existentes, na mesma
Canto, cantar, canta, cantamos, cantáveis, cantam, lingua ou não.
cantaria, cantei.
Desfazer, desaparecer, desmontar, desenrolar,
desapropriar, desmentir.
II
Felizmente, docemente, delicadamente, atualmente,
calmamente.
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Em I, temos em destaque os radicais nos quais acrescentou-
se, em cada caso, um morfema diferente, responsável pelas
diferenças de significação entre as palavras.
Já em II, os mesmos morfemas, o prefixo des- e o sufixo -
5 mente, foram acrescentados a radicais diferentes, determinando,
em cada caso, um sentido específico para as palavras.
Assim como podemos explorar os recursos fonológicos da
língua, também é possível explorar seus recursos morfológicos
para obter efeitos de sentido particulares.
10 Observe o que fez Millôr Fernandes num texto em que cria
neologismos engraçados a partir da combinação de elementos
mórficos da língua.
Dicionovário (Palavras que precisam ser inventadas)
Abacatimento: redução no preço do abacate.
Abensuado: louvado cristãmente por ter feito um
grande esforço físico.
Abrilgar: dar morada em abril.
Altaração: modificação no oratório.
Anãofabeto: pequenininho que nem sabe assinar o nome.
Anthepático: sujeito desagradável porque sofre do fígado.
Assassinatura: a rubrica de um criminoso de morte.
Cálcoolar: dosar a batida.
Caligrafeia: letra ruim.
Calvício: mania de estar ficando careca.
Cãodência: um latido rítmico.
Capetão: oficial diabólico.
Cartomente: uma adivinha que nunca diz a verdade.
Comemoriação: festa em regozijo por ter boa memória.
Difaculdade: empecilho para entrar na Academia.
Dozistência: uma dúzia de pessoas que não querem mais.
Equilébrio: o balanço do bêbado.
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Unidade II
Fãtigado: admirador cansado.
Filhosofia: sabedoria do descendente.
Fronthospício: fachada do manicômio.
Instintor: aparelho para aplacar as nossas ânsias.
Larbuta: o trabalho doméstico.
Martrapilho: marinheiro muito mal vestido.
Miltidão: uma reunião de mais de 999 pessoas.
Nortícia: informação vinda do Norte.
Novocábulo: uma palavra deste dicionovário.
Pavãoroso: ave horrorosa da família dos galináceos.
Repulgnante: pulga nojenta.
Sacrotário: um auxiliar de igreja que é facilmente
enganável.
Soltão: dono de harém, mas inteiramente livre de
compromissos.
Velhocidade: pressa do ancião.
Xalafrário: governador persa safado.
Millôr Fernandes. Trinta anos de mim mesmo.
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/millor/dicionario/003.htm>.
Note, por exemplo, que em calvício, o autor trabalha
com duas palavras da nossa língua: calvo e vício, e explora
o fato de que uma delas – calvo – termina com a sílaba
marcada pela consoante v, assim como a primeira sílaba da
5 palavra vício. A partir dessa coincidência fonológica, junta
as duas palavras e forma uma “nova” palavra – calvício
-, com o sentido que se propõe: mania de estar ficando
careca. Apesar dessa palavra não existir em nossa língua,
somos obrigados a reconhecer o humor presente nessa
10 surpreendente criação!
Ao selecionar as palavras, o usuário da língua deve considerar
não apenas o sentido e a função que assumem na frase, mas
também a forma das palavras, isto é, sua respectiva classe
gramatical: substantivo, adjetivo, verbo, pronome, advérbio etc.
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
O agrupamento das palavras de acordo com sua forma deve ser
feito observando-se a função sintática que elas assumem nas
frases.
Observe:
Fonte: <http://tirinhasdogarfield.blogspot.com/>.
5 A palavra fraco, por exemplo, pode pertencer a mais de
uma classe gramatical. No contexto dos quadrinhos, fraco é um
adjetivo, caracterizando o substantivo estômago. Já num outro
contexto, como, por exemplo, “O fraco mostrou-se arrependido
ao final da batalha”, fraco é substantivo.
2.4 A sintaxe
10 A sintaxe é o estudo das combinações e relações entre as
palavras de um enunciado e entre as frases de um texto. Assim,
estudar a sintaxe de uma língua implica estudar as maneiras
como se associam as palavras para formar frases.
Os enunciados da língua constituem unidades linguísticas
15 que possuem uma estrutura, o que significa dizer que não
podemos formar enunciados apenas juntando palavras de
maneira aleatória. Entender a noção de estrutura, em sintaxe,
45
Unidade II
significa entender os modos pelos quais se podem combinar as
palavras para construir estruturas autorizadas pela língua. Para
ilustrar essas informações, considere o enunciado:
Na última semana, André, meu vizinho, foi o vencedor
do campeonato estadual de tênis, em Campinas.
Veja que é possível alterar a ordem dos termos constituintes
5 desse enunciado. Podemos dizer, por exemplo:
Em Campinas, André, meu vizinho, foi o vencedor do
campeonato estadual de tênis na última semana.
Em Campinas, na última semana, André, meu vizinho,
foi o vencedor do campeonato estadual de tênis.
André, meu vizinho, foi o vencedor do campeonato
estadual de tênis em Campinas na última semana.
Meu vizinho, André, na última semana, foi o vencedor
do campeonato estadual de tênis em Campinas.
Certamente, esses exemplos não esgotam as possibilidades de
alterações aceitáveis na ordem dos constituintes do enunciado.
No entanto, há modificações nessa ordem que são impossíveis
na língua portuguesa. Com esses mesmos elementos, não seria
10 aceitável dizer, por exemplo:
Foi campeonato semana vizinho de estadual o meu
Campinas André em última vencedor na tênis do.
Apesar de reconhecermos todas as palavras acima,
percebemos de imediato que tal combinação constitui um
enunciado que não se realiza na língua portuguesa. Isso nos leva
a entender, definitivamente, que as combinações são sempre
15 reguladas por uma sintaxe, que define as ordens possíveis dos
46
GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
elementos lexicais no interior de estruturas sintáticas. Daí a
importância desse estudo.
Fazer a análise sintática dos enunciados da língua passa,
necessariamente, pelo reconhecimento das estruturas sintáticas
5 e estudo das relações e funções dos termos que as constituem.
Sem a compreensão clara dessas noções básicas, de nada
adianta decorar termos, conceitos, regras e tentar aplicá-los aos
exercícios de análise.
Conceituando
Frase é a unidade de texto que numa situação de
comunicação é capaz de transmitir um pensamento
completo. A frase pode ser curta ou longa e pode ou não
conter verbo. Observe:
• Socorro!
• Atenção!
• Choveu todo o final de semana.
Oração é o enunciado que se organiza em torno de um
verbo. Na oração há sempre a relação sujeito/predicado.
• O ferimento provocou uma inflamação no organismo.
• A plateia não questionou o palestrante durante o
evento.
Período é a frase sintaticamente estruturada em torno
de um ou outro verbo.
• “Sonhei que estava sonhando e que no meu sonho havia
um outro sonho esculpido.”
(Carlos Drummond de Andrade
47
Unidade II
2.5 A semântica
Como já afirmamos, a semântica é definida, de maneira
genérica, como o estudo do sentido das palavras e dos
enunciados.
Só atingimos o sentido dos enunciados linguísticos, em
5 qualquer contexto, por meio de um exercício de interpretação
a partir do qual os possíveis significados das palavras e de suas
combinações são avaliados em situações específicas, na busca
daquele que melhor se ajuste ao contexto de enunciação. Para
exemplificar essas considerações, leia o enunciado abaixo, trecho
10 de uma propaganda brasileira.
Gol. Os argentinos merecem.
A leitura desse enunciado, num primeiro momento, nos
dá uma impressão, no mínimo, estranha, principalmente se
considerarmos que, tradicionalmente, a rivalidade entre Brasil
e Argentina no futebol não admitiria a ideia de julgarmos a
15 seleção rival merecedora de um gol. No entanto, dispondo do
contexto no qual o enunciado está inserido, é possível atribuir
sentido a ele. Observe:
No contexto do anúncio publicitário, rapidamente
recuperamos o sentido que nos parecia estranho quando
20 tomamos o texto isoladamente. O gol que os argentinos
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
merecem é, na verdade, a companhia aérea brasileira Gol, que
anuncia o início da operação de uma nova rota internacional:
Buenos Aires, na Argentina.
Como vemos, a compreensão é um processo ativo. Ela não
5 depende apenas do sinal; depende, igualmente, do portador desse
sinal. É com ele, e não com a palavra em si, que “negociamos”
os significados. Diante de um dado sinal, somamos as intenções
do outro – o interlocutor - as nossas intenções e, somente aí,
produzimos significado.
10 Veja:
- Olha aí, cuidado!
O valor unicamente linguístico é insuficiente para completar
a significação. É preciso, também, recorrer à situação da fala:
o “objeto” do olhar pode ser algo perigoso perto do ouvinte,
dependendo do lugar, uma pedra, um buraco, um abismo etc.
15 De modo geral, as palavras e os enunciados de uma língua
operam em dois eixos de significação: o conotativo - sentido
figurado, ampliado e modificado - e o denotativo – sentido
literal, primeira significação atribuída à palavra nos dicionários.
Na tira a seguir, é possível observar a diferença entre esses
20 dois eixos de significação.
Observe:
Fonte: <http://tiras-hagar.blogspot.com/2007_01_01_tiras-hagar_archive.html>.
49
Unidade II
Analisando a tira, entendemos que Hagar, ao final de mais
uma de suas viagens pelo mar, pede a seu amigo Sortudo que
“dê uma corda” ao responsável pelo cais, numa indicação de
que pedia que o colega lançasse a corda para que esta pudesse
5 ser amarrada ao cais e, com isso, prendesse a embarcação.
Hagar faz o uso literal – denotativo – da palavra corda. Já no
segundo quadrinho, verificamos que Sortudo deu uma outra
interpretação à mensagem: julgou que “dar uma corda” seria
distrair o responsável pelo cais com uma conversa qualquer,
10 sem maior importância. Utilizou, então, o sentido figurado
– conotativo – da palavra corda. É exatamente nesse jogo de
significação que se atinge o humor da tira.
O usuário da língua – bem diferente do personagem! -
estabelece, desde cedo, uma relação natural entre esses dois eixos
15 de significação devido, em grande parte, ao fato de participamos
das mais diversas situações de interação comunicativa, prática
que, gradativamente, nos leva a reconhecer que o sentido das
palavras e expressões não é fixo e imutável. Ao contrário, ele se
define e ganha significado preciso nos contextos específicos em
20 que se realiza.
Veja como isso também ocorre em alguns provérbios
populares, gênero de linguagem predominantemente
conotativa:
• Quem semeia vento colhe tempestade. (As pessoas
devem arcar com as consequências dos próprios atos.)
• Mais vale um pássaro na mão do que dois voando. (É
melhor contentar-se com o que já tem, sob risco de ficar
sem nada.)
• Pimenta nos olhos dos outros é refresco. (O sofrimento
dos outros, em geral, não nos afeta.)
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GRAMÁTICA APLICADA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Ressaltamos que, diferentemente dos estudos de fonologia,
morfologia ou sintaxe, os estudos semânticos constituem uma
área bastante complexa, pois trata da relação entre as estruturas
linguísticas e a sua significação. Tal fato, entre outros, nos leva
5 a considerar a importância desse estudo nas aulas de língua
materna, item que, infelizmente, é muitas vezes considerado
secundário. A linguagem - sistema de sinais convencionais que
nos permite realizar atos de comunicação – lida com a atribuição
de sentidos em todas as suas manifestações.
10 Propiciar o estudo semântico passa a ser, certamente, um
eixo fundamental na construção de uma prática pedagógica
que pretende favorecer a formação de leitores e escritores
competentes.
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