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-1-

Comitê Científico Alexa Cultural


Presidente
Yvone Dias Avelino (PUC/SP)
Vice-presidente
Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP)
Membros
Adailton da Silva (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Alfredo González-Ruibal (Universidade Complutense de Madrid - Espanha)
Ana Cristina Alves Balbino (UNIP – São Paulo/SP)
Ana Paula Nunes Chaves (UDESC – Florianópolis/SC)
Arlete Assumpção Monteiro (PUC/SP - São Paulo/SP)
Barbara M. Arisi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP)
Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP – São Paulo/SP)
Claudio Carlan (UNIFAL – Alfenas/MG)
Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica - Costa Rica)
Débora Cristina Goulart (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Diana Sandra Tamburini (UNR – Rosário/Santa Fé – Argentina)
Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP – São Paulo/SP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR – Porto Velho/RO)
Evandro Luiz Guedin (UFAM – Itaquatiara/AM)
Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA)
Fabiano de Souza Gontijo (UFPA – Belém/PA)
Gilson Rambelli (UFS – São Cristóvão/SE)
Graziele Acçolini (UFGD – Dourados/MS)
Iraíldes Caldas Torres (UFAM – Manaus/AM)
José Geraldo Costa Grillo (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Juan Álvaro Echeverri Restrepo (UNAL – Letícia/Amazonas – Colômbia)
Júlio Cesar Machado de Paula (UFF – Niterói/RJ)
Karel Henricus Langermans (Anhanguera – Campo Limpo - São Paulo/SP)
Kelly Ludkiewicz Alves (UFBA – Salvador/BA)
Leandro Colling (UFBA – Salvador/BA)
Lilian Marta Grisólio (UFG – Catalão/GO)
Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP – São Paulo/SP)
Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ)
Mabel M. Fernández (UNLPam – Santa Rosa/La Pampa – Argentina)
Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM)
María Teresa Boschín (UNLu – Luján/Buenos Aires – Argentina)
Marlon Borges Pestana (FURG – Universidade Federal do Rio Grande/RS)
Michel Justamand (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Miguel Angelo Silva de Melo - (UPE - Recife/PE)
Odenei de Souza Ribeiro (UFAM – Manaus/AM)
Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Paulo Alves Junior (FMU – São Paulo/SP)
Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP)
Renata Senna Garrafoni (UFPR – Curitiba/PR)
Renilda Aparecida Costa (UFAM – Manaus/AM)
Rita de Cassia Andrade Martins (UFG – Jataí/GO)
Sebastião Rocha de Sousa (UEA – Tabatinga/AM)
Thereza Cristina Cardoso Menezes (UFRRJ – Rio de Janeiro/RJ)
Vanderlei Elias Neri (UNICSUL – São Paulo/SP)
Vera Lúcia Vieira (PUC – São Paulo/SP)
Wanderson Fabio Melo (UFF – Rio das Ostras/RJ)

-2-
Roberta Ferreira Coelho de Andrade
Hamida Assunção Pinheiro
Kátia de Araújo Lima Vallina
(Organizadoras)

CAMPO MINADO:
as investidas do capital contra a
Seguridade Social Brasileira

-3-
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Henrique dos Santos Pereira

Membros
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel

COMITÊ EDITORIAL DA EDUA


Louis Marmoz Université de Versailles
Antônio Cattani UFRGS
Alfredo Bosi USP
Arminda Mourão Botelho Ufam
Spartacus Astolfi Ufam
Boaventura Sousa Santos Universidade de Coimbra
Bernard Emery Université Stendhal-Grenoble 3
Cesar Barreira UFC
Conceição Almeira UFRN
Edgard de Assis Carvalho PUC/SP
Gabriel Conh USP
Gerusa Ferreira PUC/SP
José Vicente Tavares UFRGS
José Paulo Netto UFRJ
Paulo Emílio FGV/RJ
Élide Rugai Bastos Unicamp
Renan Freitas Pinto Ufam
Renato Ortiz Unicamp
Rosa Ester Rossini USP
Renato Tribuzy Ufam

Reitor
Sylvio Mário Puga Ferreira

Vice-Reitor
Jacob Moysés Cohen

Editor
Sérgio Augusto Freire de Souza

-4-
Roberta Ferreira Coelho de Andrade
Hamida Assunção Pinheiro
Kátia de Araújo Lima Vallina
(Organizadoras)

CAMPO MINADO:
as investidas do capital contra a
Seguridade Social Brasileira

Embu das Artes - SP


2020

-5-
© by Alexa Cultural

Direção
Gladys Corcione Amaro Langermans e Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Capa
K Langer
Revisão Técnica
Michel Justamand
Revisão de Língua
Vânia Cristina Cantuário de Andrade
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A553 - ANDRADE, Roberta Ferreira Coelho de


P654 - PINHEIRO, Hamida Assunção
C871t - VALLINA, Kátia de Araújo Lima

Campo minado: as investidas do capital contra a Seguridade Social Brasilei-


ra. Roberta Ferreira Coelho de Andrade, Hamida Assunção Pinheiro, e Ká-
tia de Araújo Lima Vallina. Alexa Cultural: São Paulo, EDUA: Manaus, 2020

14x21cm -212 páginas


ISBN - 978-65-87643-21-2

1. Serviço Social - 2. Direitos Sociais - 3. Seguridade Social - 3. Políti-


cas Públicas, I. Índice - II- Prefácio - III Bibliografia

CDD - 300

Índices para catálogo sistemático:


Serviço Social
Seguridade Social
Políticas Públicas

Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610


Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem expressa autorização.
Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles
emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da editora e dos organizadores.

Alexa Cultural Ltda Editora da Universidade Federal do Amazonas


Rua Henrique Franchini, 256 Avenida Gal. Rodrigo Otávio Jordão Ramos,
Embú das Artes/SP - CEP: 06844-140 n. 6200 - Coroado I, Manaus/AM
[email protected] Campus Universitário Senador Arthur Virgilio
[email protected] Filho, Centro de Convivência – Setor Norte
www.alexacultural.com.br Fone: (92) 3305-4291 e 3305-4290
www.alexaloja.com E-mail: [email protected]

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Amazonas, pelo investimento na


pós-graduação e na produção de conhecimento;
Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e
Sustentabilidade na Amazônia, por não medir esforços para produzir
conhecimento e formar profissionais que trabalhem no fortalecimento
das políticas públicas;
À equipe de organização (docentes e discentes de graduação e
pós-graduação), palestrantes, conferencistas, debatedores,
ministrantes dos minicursos, autores de trabalhos e participantes do
I ENTIS, por favorecerem espaços ricos de debate e partilha, necessá-
rios à leitura da realidade e construção da luta coletiva em favor da
seguridade social pública.

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-8-
Prefácio

Crise do capital, pandemia e (des) proteção social

O capitalismo historicamente tem produzido crises siste-


máticas. Marx, na obra O capital (1983) conclui que a principal fonte
das reiteradas crises do capitalismo advém de seu próprio funciona-
mento. Na verdade, as crises explicitam as refrações sistemáticas e
inevitáveis do aprofundamento das contradições entre o desenvol-
vimento das forças produtivas, as relações de produção e o processo
de distribuição capitalistas, que acabam por evidenciar os limites de
sua produção, descortinando desocultando seu caráter transitório,
porque histórico.
Conforme Rutkoski (2004), ao atingir determinado grau
de desenvolvimento, o modo de produção capitalista produz crises
provocadas pela queda da taxa média de lucro, que se materializam
na redução de crédito, na baixa do consumo e na desproporção entre
os setores produtores e bens de consumo. Contudo, diz o autor, são
crises de superprodução de mercadorias, superacumulação de capi-
tal, como resultado da ruptura dos limites impostos pelas relações
sociais de produção à expansão da capacidade de produção, para
além das necessidades de valorização do capital.
Bensaid (2009), na mesma direção, destaca que, Marx, na
obra o Capital (1989) ao explicar a natureza da lei geral de acumu-
lação capitalista, reitera os três elementos principais da produção
capitalista, quais sejam: a concentração dos meios de produção em
poucas mãos, a organização do trabalho social e sua divisão como
trabalho cooperativo e a constituição do mercado mundial. No que
concerne aos trabalhadores, diz Marx (1989, p. 747):
A magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce, por-
tanto, com as potências da riqueza, mas quanto maior esse exérci-
to de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior a massa de
superpopulação consolidada, cuja miséria esta na razão inversa do
suplício de seu trabalho e ainda quanto maior essa camada de láza-
ros da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto
maior o pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação
capitalista.” (grifos nossos).

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Logo, a primeira determinação da crise reside na dicoto-
mização entre a esfera da produção e a da circulação. A segunda,
na separação entre o ritmo de rotação do capital fixo e o do capital
circulante.
Nessa direção, Nakatani (2017, s/p) ressalta que:
Uma das consequências do processo de desenvolvimento dessa lei
econômica aparece como um agudo processo de desqualificação e
desemprego da força de trabalho, pois a concorrência entre os capi-
talistas promove continuamente a substituição da força de trabalho
por capital fixo. Outra consequência aparece como um agudo pro-
cesso de concentração da propriedade e da renda, no qual capitalis-
tas em número cada vez menor e mais ricos se opõem a trabalhado-
res em número cada vez maior e mais pobres.

Nos momentos de crise e de aumento da dívida pública,


a austeridade tem sido apresentada como a alternativa necessária
para o equilíbrio da economia, o que exige reformas estruturais no
Estado. Contudo, esses processos de arrocho fiscal têm uma longa
história de fracassos. A imposição de políticas de austeridade econô-
mica tem promovido o desmonte de políticas públicas e ampliado a
influência privada nas agendas de governo e nas decisões do estado,
trazendo como consequência a redução do poder de barganha da
classe trabalhadora, o aumento do desemprego, das desigualdades
sociais e da pobreza, além de pôr em risco a preservação das condi-
ções de vida das gerações futuras.
Os ajustes respondem aos endividamentos externos e cap-
turam o fundo público para esse fim, reduzindo a capacidade do Es-
tado de investir em políticas públicas de âmbito social. Soma-se a
isso o fato das elites sempre utilizarem o Estado para patrocinar seus
interesses particularistas, geralmente subalternos ao capital estran-
geiro.
Marx, na obra A guerra civil na França (2011) diz que o
capitalismo durante as crises mostra sua face mais cruel, sua selva-
geria pura.
O que assistimos, desde o golpe de 2016, no Brasil, é exa-
tamente a expressão dessa selvageria pura, sem precedentes, contra
os trabalhadores e o trinômio Emenda Constitucional 95/2016, re-
forma trabalhista e reforma da previdência é, sem dúvida, a maior
delas. A primeira, congelou as despesas primárias, reduzindo-as em

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relação ao PIB, ou em termos per capita, por 20 anos, impactando
sobremaneira na manutenção das políticas de seguridade social e da
educação. A seguridade social no Brasil articula, desde a Constitui-
ção Federal de 1988, o tripé Política de Previdência Social, Política de
Saúde e Política de Assistência Social. Só na área da saúde, em 2019,
a perda de recursos, como consequência da EC 95, foi da ordem de
9,5 bilhões para a manutenção do Sistema Único de Saúde – SUS.
Como bem ressaltam Marques e Nakatani (2019, p. 227),
A introdução de teto para o gasto público não é novidade no capita-
lismo. Contudo, em estudo publicado pelo FMI, que trata das regras
fiscais aplicadas em 89 países, verifica-se que a EC 95, aprovada no
Brasil, não tem paralelo no resto do mundo.

Entre as diferenças do caso brasileiro em relação aos de-


mais países, os autores destacam: o longo prazo de duração (uma
geração); a exclusão de despesas com os juros da dívida pública, logo
não se trata de conter o gasto público, principal argumento utilizado
para sua implementação; a alteração da Constituição, explicitando
seu caráter definitivo, na medida em que muda o regime fiscal e o
não resguardo dos gastos sociais e a proteção de programas de trans-
ferência de renda e do seguro desemprego. Isso, sem considerar os
gastos com saúde e educação.
A segunda, a reforma trabalhista, retira direitos historica-
mente conquistados pelos trabalhadores e desmonta a organização
sindical, impondo absurdos como o “negociado sobre o legislado”,
com a justificativa de ampliar os postos de trabalho, mas o que se
observa é o aumento do desemprego estrutural, a precarização e a
deterioração da qualidade do trabalho, dos salários e das condições
e relações de trabalho.
Segundo Raichelis (2018), essas condições se agravam ain-
da mais se considerarmos recortes de gênero, geração, raça e etnia.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-
ca – IBGE, em 2018, mostram que o rendimento médio recebido
pelas mulheres que realizavam atividades similares a dos homens era
de 79,5%. Em relação à população negra, a PNAD 2017 demonstra
que, enquanto o rendimento médio de brancos era de R$ 2.814,00,
a de pardos era de R$ 1.606,00 e a de pretos R$ 1.570,00. A taxa de
analfabetismo, em 2016, de brancos era de 4,2% enquanto a de pretos

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e pardos era de 9,9%. Em 2016, 1.835 crianças, de 5 a 7 anos, traba-
lhavam no Brasil, das quais 35% brancas e 63,8% pretas ou pardas. A
taxa de desocupação, em 2017, era de 9,5% para brancos, 14,5% para
pardos e 13,6% para pretos. (IBGE, 2019).
A terceira, a Reforma da Previdência, embora esteja em
tramitação no Senado, já foi aprovada pela Câmara Federal. A pro-
posta contida na PEC da Previdência nega a solidariedade coletiva,
que caracteriza a seguridade social brasileira, fundada na partici-
pação e no controle popular, conforme previsto na CF de 1988, na
medida em que se pauta na transferência de poupanças individuais
para a esfera financeira, ou seja, na privatização e financeirização da
previdência.
Marques e Nakatani (2019, p. 229) bem sintetizam esse
processo de desmonte da proteção social ao concluírem:
Não é por acaso que, ao mesmo tempo em que o congelamento dos
gastos públicos foi proposto, foram encaminhadas propostas que
aprofundam a mercantilização da saúde, da educação e da previ-
dência. Ao longo dos vinte anos de vigência da EC 95, pouco restará
da presença do Estado nessas áreas, se é que restará algo. Se a essa
possibilidade somarmos a tendência de incorporar no serviço pú-
blico a lógica da administração das empresas privadas, nada restará
daquilo que chamamos de coisa pública.

Durante as crises, a proteção social deveria ser ampliada


pelos estados nacionais e, não reduzida, uma vez que pode ser defi-
nida como
[...] um conjunto de ações, institucionalizadas ou não, que visam
proteger a sociedade ou parte desta, dos impactos de riscos naturais
e/ou sociais que incidem sobre o indivíduo e a coletividade, os quais
decorrem fundamentalmente das desigualdades sociais que acom-
panham os diferentes estágios da sociedade capitalista. (MENDES,
WUNCH e COUTO, 2006, p. 276).

Mediada entre Estado e Sociedade, “a proteção social se


constitui como estratégia para atender às necessidades da classe tra-
balhadora, reconhecida como ator político fundamental para a pro-
dução e reprodução da sociedade capitalista”. (Idem, p. 277).
Como bem destaca Sposati (2013, p. 663), embora a prote-
ção social no Brasil esteja inserida na concepção de seguridade so-
cial, isto é

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[...] no conjunto de seguranças sociais que uma sociedade, de forma
solidária, garante a seus membros. [...] A lógica da sociedade do
capital é antagônica à proteção social por considerála expressão de
dependência, e atribui às suas ações o contorno de manifestação de
tutela e assistencialismo, em contraponto a liberdade e autonomia
que, pelos valores da sociedade do capital, devem ser exercidas pelo
“indivíduo” estimulando sua competição e desafio empreendedor.
Nesse ambiente, a proteção social é estigmatizada no conjunto da
ação estatal e, por consequência, esse estigma se espraia àqueles que
usam de suas atenções e, até mesmo, a quem nela trabalha.

Os princípios neoliberais associados à proteção social


e defendidos pelo Fundo Monetário Internacional – FMI e Banco
Mundial se concretizam em propostas pautadas na flexibilização do
mercado de trabalho, na redução do custo com a força de trabalho e
na substituição de regimes públicos e de repartição por regimes pri-
vados e de capitalização. Essa concepção contrapõe-se a uma política
pública de seguridade social que universalize direitos, que instigue a
politização do processo de participação da sociedade, considerando
a gestão como arena de interesses que devem ser reconhecidos e ne-
gociados. (IAMAMOTO, 2018).
A crise econômica de 2008 – assolou a economia mundial,
seus impactos, mesmo antes do período da pandemia imposta pelo
Covid-19, em 2020, ainda eram sentidos pela economia mundial, es-
pecialmente nos países dependentes – provocou importantes perdas
para os trabalhadores, mesmo em países com sistemas de seguridade
social mais substantivos, como os que compõem a comunidade eu-
ropeia.
As medidas que resultaram nessas perdas para a classe tra-
balhadora visavam, segundo os governos europeus, o Banco Central
europeu e o FMI, recuperar a capacidade dos estados endividados.
Mas, é importante lembrar que o aumento desse endividamento se
deu em razão do auxílio concedido por esses estados aos setores pri-
vados e a inscrição dessas dívidas em seus passivos, durante a crise
de 2008, o que foi acentuado pela desaceleração econômica interna-
cional. (MARQUES e MENDES, 2013).
A partir de então, segundo Marques e Mendes (2013), a
cobertura da proteção social passou a ser questionada, sendo objeto
de reformas ou cortes significativos. Como contraponto, alguns paí-
ses europeus, diante do aumento das desigualdades, aumentaram o
valor de alguns benefícios, como foi o caso de Portugal, que ampliou

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o valor de repasse para famílias numerosas, mas, por outro lado, re-
duziu o valor de aposentadorias, do mesmo modo que Letônia, Li-
tuânia, Grécia e România.
No campo da família, destacam os autores, a Irlanda redu-
ziu os valores de auxílios; a Inglaterra congelou por 3 anos os valores
dos auxílios, suprimiu o auxílio gravidez, abandonou a universali-
dade para os auxílios familiares, o que também foi realizado pela
Alemanha. A Espanha suprimiu o auxílio para o primeiro filho. Na
contramão dos demais países, a Suécia e a Dinamarca elevaram os
auxílios às famílias. (MARQUES e MENDES, 2013).
Observamos, portanto, com base nos dados aportados
pelo estudo de Marques e Mendes (2013), que diante da crise, agra-
vada pelo socorro dos estados aos setores privados, o conjunto da
população sofreu perdas significativas em termos de proteção social,
entretanto, as políticas que conformam esses sistemas deveriam ser
ampliadas, exatamente, para o seu enfrentamento e para a garantia
das seguranças sociais.
No atual contexto brasileiro, o governo Bolsonaro tem se
caracterizado pelas narrativas contraditórias e instáveis, com muita
frequência afirmações e decisões tomadas pelo presidente ou por li-
deranças governamentais são negadas e revistas, explicitando a falta
de articulação interna do próprio governo, a falta de uma direção
clara e de planejamento, bem como a falta de uma base aliada sólida
(PRATES, 2019).
O que se verifica é a disputa de hegemonia interna entre a
base fundamentalista, a base militar e os neoliberais radicais. Fruto
da articulação entre o fundamentalismo, o conservadorismo e o neo-
liberalismo radical, o governo Bolsonaro tem como meta a minimi-
zação total do estado social, a privatização em larga escala e a entrega
do patrimônio nacional ao capital estrangeiro, em que se pese seu
discurso nacionalista.
É parte de seu projeto a flexibilização máxima do traba-
lho, o desmonte de instâncias organizativas, de direitos sociais, bem
como a transformação das políticas públicas em novos nichos de
mercado, em especial a educação e a saúde, que já vêm sofrendo pro-
cessos de privatização. A receita utilizada para atrair o capital estran-
geiro é o trabalho barato e os sindicatos fracos. Do mesmo modo,
ficaram evidenciadas a desvalorização da ciência, da pesquisa e do

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conhecimento, das instituições públicas, em especial da Universida-
de, a criminalização dos servidores públicos, responsabilizados pelo
ônus da dívida, de movimentos sociais, da liberdade de pensamento.
(PRATES, 2019).
O ano de 2020 é marcado pela pandemia imposta pela
COVID-19, que além de produzir a primeira grande crise sanitária
mundial, após a globalização do capitalismo, agrava a crise econô-
mica significativamente, com impactos mais severos nos países de-
pendentes, onde os níveis de desigualdade social são historicamente
mais extensos. No Brasil, os cortes nos recursos destinados ao SUS
vão ser sentidos de modo mais drástico, no momento em que o sis-
tema é mobilizado para atender a um contingente que, no momen-
to atual, é de 1.674.655 pessoas contaminadas e 624.841 casos em
acompanhamento. O país já amargou a perda de 66.741 vidas, sendo
que o número de óbitos nas últimas 24 horas foi de 1.312. (dados de
07/07/2020).
A média de óbitos nas últimas semanas de junho de 2020 é
de mais de mil mortos/dia, mas graças à capilaridade do Sistema, um
avanço fundamental conquistado na CF de 1988, os agravos à saúde
não são ainda mais severos. Resta destacar que, apesar das 976.977
pessoas consideradas recuperadas, muitas apresentam sequelas, fru-
to de agravos à saúde em função da infecção pelo vírus, exigindo
tratamentos e acompanhamentos posteriores, atenção que também
precisa ser garantida pelo SUS.
Durante os quase 5 meses de pandemia no Brasil, dois
ministros da saúde saíram do governo, o último ficou no cargo por
menos de um mês e o atual ministro interino da Saúde é um militar,
sem qualquer formação ou experiência na área da saúde. A postu-
ra do presidente, desde o início da pandemia, tem sido de negar a
sua gravidade, desconsiderar o número de mortos e o sofrimento
das famílias enlutadas, descumprir as regras de isolamento social e
os cuidados para evitar contágios, como o uso de máscara, além de
pressionar os ministros para reduzir os níveis de isolamento, apesar
do crescimento progressivo de vítimas fatais e contaminados no país.
Como o governo resolveu restringir as informações sobre
o comportamento da pandemia, os veículos de comunicação Uol,
Estado de SP, Folha de SP, o Globo, G1 e Extra constituíram um con-
sórcio e passaram a buscar informações diretamente das secretarias
estaduais nas 27 unidades da federação brasileira.

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Enfim, somam-se às frequentes posturas irresponsáveis do
presidente, a falta de transparência com a informação, a falta de uma
direção nacional para o enfrentamento à pandemia e a desrespon-
sabilização em relação às consequências de uma crise sanitária de
tamanha proporção.
Durante a pandemia, o Brasil tem contabilizado diaria-
mente mais mortes que a soma de óbitos da China, Índia, Europa
e África, onde vivem 60% da população mundial, mesmo que re-
presente apenas 2,7 % desse contingente populacional. (COIMBRA,
2020).
Os impactos da pandemia são significativos também na
área do trabalho. Segundo a PNAD continua (2020), IBGE, no pri-
meiro trimestre desse ano, a taxa de desemprego era da ordem de
11,6%, no segundo semestre, já em meio à pandemia, essa taxa subiu
para 12,9%. Significa dizer que mais de 5,4 milhões de brasileiros
deixaram de procurar emprego e 3,6 milhões passaram a compor a
massa de subutilizados. Ou seja, 7,8 milhões saíram da população
ocupada, na sua maioria trabalhadores do mercado informal (5,8
milhões).
Conforme a ONU (2020), a crise da COVID-19 abalou
os mercados financeiros globais com pesadas perdas e intensa vo-
latilidade, o que levou os investidores a retirar 90 bilhões de dólares
dos mercados emergentes, a maior retirada já registrada. Essa crise
sanitária de proporção mundial, diz a Organização, deve levar 420
milhões de pessoas no mundo de volta à extrema pobreza e estima
que os afetados pela fome crônica subirão de 135 milhões para 265
milhões.
Para mitigar esse risco, o relatório da ONU – Impacto so-
cioeconômico da COVID-19 aponta, entre outras coisas, a necessi-
dade de suspensão do pagamento da dívida dos países menos desen-
volvidos e de outros países de baixa renda. (ONU, 2020)
A insegurança quanto ao comportamento do novo Co-
vid-19 não permite previsões com relação ao processo de avanço e
recuo da pandemia. Mundialmente, os governos têm gastado muito
para atender às pessoas infectadas, muitas das quais com sérios agra-
vos à saúde, que exigem acompanhamentos posteriores, mesmo após
a recuperação da infecção, como já destacado anteriormente.
Há investimentos vultuosos na construção de hospitais de
campanha, compra de respiradores, de medicamentos, equipamen-

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tos de proteção e material de higiene, além de testes, contratação de
pessoal especializado e de apoio (para cada leito de UTI são neces-
sários, em média, 42 profissionais de saúde), em razão do aumento
significativo da demanda pelos serviços de saúde e do afastamento
sistemático de profissionais contaminados que precisam ser substi-
tuídos.
Somam-se a isto os recursos relativos a benefícios emer-
genciais para populações que não podem trabalhar, em razão do con-
finamento, que perderam empregos, que tiveram salários suspensos
ou reduzidos e de um contingente cada vez maior de desempregados
que sequer podem procurar emprego e os gastos para auxiliar peque-
nas e grandes empresas.
Os endividamentos, portanto, cresceram e não está afasta-
da a possibilidade de uma segunda onda de contágios, o que encon-
traria governos, empresas e famílias endividados, sem recursos para
novos investimentos.
Segundo alguns analistas e organismos internacionais, a
crise econômica global será a pior desde a Grande Recessão da dé-
cada de 1930. Até agora, o montante global total de gastos fiscais é
de US$ 7,2 trilhões (mais de R$ 40 trilhões), o equivalente a cerca de
US$ 1.152 (R$ 6,6 mil) per capita. Conforme estudos da Universida-
de de Columbia, o gasto fiscal com a COVID-19 em relação ao PIB
nos países ricos é de 6,7%, nos países da América Latina é de 2,4% e
a média em todo o mundo é de 3,7% (BBC News, 2020).
Por outro lado, estudiosos indicam que a destruição cada
vez mais aguda da natureza, sem dúvida, ocasiona novas pandemias.
No caso brasileiro, o desmatamento desenfreado das reservas natu-
rais, em especial na floresta Amazônica, pode fazer com que o Brasil
corra o risco de ser o epicentro de novas pandemias.
Somente nos primeiros 4 meses de 2020 foram desmatados
1.202 km2 de floresta, conforme dados do satélite do Instituto Na-
cional de Pesquisas Espaciais – INPE, o que significa um aumento de
55% do desmatamento em relação ao mesmo período em 2019. No
ano de 2019, a taxa consolidada de desmatamento nos nove estados
da Amazônia Legal (AC, AM, AP, MA, MT, PA, RO, RR e TO) foi de 10.129
km2. (INPE, 2020).
O cientista David Lapola, em entrevista à Revista Exame
(2020), alerta que a Amazônia pode ser o maior repositório de Co-
ronavírus do mundo, logo, com o desmatamento desenfreado colo-

- 17 -
camos à prova a nossa própria sorte. Afirma o cientista que a inter-
venção humana nas florestas pode gerar desequilíbrio ecológico e
exportar as doenças que estão dentro das matas. Apesar de tudo, o
governo Bolsonaro defende a abertura da Amazônia à exploração de
minério e a agropecuária.
Por fim, é necessário reconhecer que o esgotamento des-
se modo de produção predatório e concentrador de riquezas parece
explicitar-se de forma cada vez mais evidente. É preciso que a hu-
manidade faça urgentemente sua escolha pela vida e por uma nova
sociabilidade, só possível a partir da superação do capitalismo.

Dra. Jane Cruz Prates


Coordenadora do Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

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- 20 -
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
- 23 -

SEÇÃO I
A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA NA MIRA DO CAPITAL

FUNDO PÚBLICO E FINANCIAMENTO DA POLÍTICA DE SAÚDE


EM TEMPOS DE AUSTERIDADE FISCAL
Evilasio Salvador
- 29 -

A SEGURIDADE SOCIAL EM COLAPSO:


rajadas destrutivas da extrema direita brasileira
Kátia de Araújo Lima Vallina, Roberta Ferreira Coelho de Andrade,
Hamida Assunção Pinheiro
- 51 -

BRASIL EM LIQUIDAÇÃO:
privatização e direitos sociais para a acumulação dos capitais
Sara Granemann
- 67 -

SAÚDE DO TRABALHADOR E A DERRUIÇÃO DOS DIREITOS


SOCIAIS NO BRASIL:
notas para reflexão
Vera Lúcia Batista Gomes
- 91 -

A GESTÃO DO SUS COMO MERCADORIA


Tânia Regina Krüger
- 111 -

O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) NO


AMAZONAS: As condições e relações de trabalho inerentes ao contexto
de uma realidade amazônica
Marinez Gil Nogueira Cunha, Milane Lima Reis, Danielle da Silva Barbosa,
Noura Vieira Pinheiro, Thiago Martins Pereira e Michelli Borba de Paula
- 131 -

- 21 -
SEÇÃO II
DEBATES NECESSÁRIOS EM SAÚDE

DIVERSIDADE SEXUAL HUMANA:


debate necessário para as políticas públicas de saúde
Milena Fernandes Barroso,
Valmiene Florindo Farias Sousa
- 157 -

METODOLOGIAS DE PESQUISA EM SAÚDE:


do estado da arte às análises
Maria Jacirema Ferreira Gonçalves, Sheila Vitor da Silva,
Esron Soares Carvalho Rocha, Camila Carlos Bezerra e
Nair Chase da Silva
- 173 -

POLÍTICAS PÚBLICAS, CONTROLE E PARTICIPAÇÃO


SOCIAL NA SAÚDE:
algumas reflexões a partir do lugar amazônico
Júlio Cesar Schweickardt, Thalita Renata Oliveira das Neves Guedes,
e Sônia Maria Lemos
- 187 -

SOBRE OS AUTORES
- 203 -

- 22 -
APRESENTAÇÃO
A seguridade social brasileira foi firmada no segundo lus-
tro da década de 1980, na Constituição Federal de 1988, como um
“conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social” (BRASIL, 1988). Os anos que se se-
guiram à promulgação da carta constitucional foram marcados por
avanços e retrocessos no processo de ampliação e consolidação desta
política pública.
Nas décadas seguintes, tivemos a regulamentação do Sis-
tema Único de Saúde (SUS) em 1990, a Lei Orgânica da Assistência
Social em 1993, a Política Nacional do Idoso em 1994, a instituição
do Sistema Único de Assistência Social em 2005, dentre outros tantos
marcos legais que contribuíram para o fortalecimento da seguridade
social. Nos anos 1990 e primeiras duas décadas dos anos 2000, sob
os auspícios do ideário neoliberal, vimos a defesa e a implementação
de uma política de “Estado mínimo”, com privatização de estatais,
seletividade e focalização das políticas sociais e restrição dos gastos
na área social, com reformas trabalhistas e previdenciárias deletérias
aos trabalhadores.
No governo golpista de Michel Temer, foi aprovada a
Emenda Constitucional 95/2016 (“teto dos gastos”), que limitou por
20 anos os gastos sociais destinados às políticas públicas, dentre elas
a saúde e a assistência social, em nome da política de austeridade
fiscal. Ainda em seu governo, tivemos a desregulamentação de di-
reitos trabalhistas, historicamente conquistados. No governo de Jair
Bolsonaro, iniciado em 01 de janeiro de 2019, a tônica adotada é
novamente a de privilégios da economia em detrimento das políticas
públicas. Sob seu comando, foi conduzida uma reforma da previdên-
cia extremamente danosa aos trabalhadores.
Por isso, em um cenário de cortes nos gastos públicos e
de graves consequências às condições de vida e trabalho da classe
trabalhadora, o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e
Sustentabilidade na Amazônia (PPGSS), da Universidade Federal
do Amazonas (UFAM), decidiu promover um evento para favore-
cer um espaço de discussão sobre a seguridade social brasileira, com
ênfase na política de saúde. Assim, nasceu o I Encontro Nacional de
Trabalho Interdisciplinar e Saúde – ENTIS, realizado em Manaus –

- 23 -
Amazonas, no período de 26 a 28 de novembro de 2019, com a pre-
sença de mais 300 participantes de diversas áreas do conhecimento
(Serviço Social, Psicologia, Nutrição, Ciências Sociais, Enfermagem,
Medicina, Fisioterapia, Educadores Físicos etc.), em parceria com os
Programas de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e da Universidade
Federal do Pará (UFPA), parceria esta firmada por meio do Progra-
ma de Cooperação Acadêmica na Amazônia – PROCAD Amazônia.
Por ocasião deste evento, importantes análises foram con-
duzidas nas conferências, palestras e minicursos realizados, com re-
nomados professores da área de Serviço Social e de outras áreas da
saúde, procedentes de várias universidades brasileiras. Os acalora-
dos debates suscitaram o interesse do PPGSS em reunir e socializar
em forma de um produto bibliográfico parte destas avaliações crí-
ticas. Os conferencistas, palestrantes e ministrantes dos minicursos
foram convidados a participar desta empreitada. Os textos daqueles
que acolheram o convite estão reunidos nesta produção que se inti-
tula “Campo Minado: as investidas do Capital contra a Seguridade
Social brasileira”. Esse título faz alusão aos ataques que a Segurida-
de Social brasileira tem sofrido mais recentemente, pois o campo
minado é um terreno preparado intencionalmente para prejudicar
o inimigo. Nesse caso, a classe trabalhadora é a maior prejudicada
pelas medidas protecionistas do Governo de amplo apoio ao capital.
A Seguridade Social tem se configurado como um campo minado
com tantas estratégias perversas que resultam em diversas regressões
de direitos.
Esta obra, que ora apresentamos, põe em discussão o des-
monte da seguridade social, com especial atenção à política de saúde,
que foi a pauta central do evento que originou esta produção. O livro
está organizado em duas seções. A primeira, intitulada “A segurida-
de social brasileira na mira do capital”, conta com 6 capítulos, que
põem em foco o fundo público, o desmonte da seguridade social, o
ataque à previdência social, a relação público e privado no SUS, as
condições e relações de trabalho no SUAS, a saúde do trabalhador.
O capítulo Fundo público e financiamento da política de
saúde em tempos de austeridade fiscal, de Evilasio Salvador, nos evi-
dencia a disputa pelo fundo público e os duros impactos ao finan-
ciamento do Sistema Único de Saúde em decorrência da Emenda

- 24 -
Constitucional 95/2016, que restringiu os gastos públicos, inclusive
com a política de saúde.
A seguridade social em colapso: rajadas destrutivas da extre-
ma direita brasileira, de Kátia de Araújo Lima Vallina, Roberta Fer-
reira Coelho de Andrade e Hamida Assunção Pinheiro, examina o
desmonte da seguridade social brasileira, sob as diretrizes do ideário
neoliberal, explicitando o aprofundamento dos ataques aos direitos
sociais sob a regência da extrema direita.
Sara Granemann, em Brasil em liquidação: privatização
e direitos sociais para a acumulação dos capitais, exibe de maneira
clara os avantajados investimentos públicos em prol do capital em
detrimento da proteção ao trabalho e desnuda a farsa da previdência
privada como proteção aos trabalhadores.
O capítulo Saúde do trabalhador e a derruição dos direitos
sociais no Brasil: notas para reflexão, de Vera Lúcia Batista Gomes,
revela as particularidades da política de saúde pública brasileira a
partir de uma perspectiva histórica, tendo o propósito de destacar
a atenção dispensada à saúde do trabalhador como política pública.
Nesse sentido, a autora discute a importância da saúde do trabalha-
dor ser entendida como direito da classe trabalhadora e parte funda-
mental de um conjunto complexo que constitui a proteção social no
Brasil contemporâneo.
Tânia Regina Krüger problematiza A gestão do SUS como
mercadoria e mostra como o direito social à saúde vem sendo captu-
rado pelo capital e cada vez mais convertido num produto disputado
pelo mercado. A autora nos leva à reflexão sobre o desfinanciamen-
to e o sucateamento dos serviços públicos de saúde e explica como
ocorre a participação de organizações sociais no Sistema Único de
Saúde.
O capítulo O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no
Amazonas: as condições e relações de trabalho inerentes ao contexto de
uma realidade amazônica, de Marinez Gil Nogueira Cunha, Milane
Lima Reis, Danielle da Silva Barbosa, Noura Vieira Pinheiro, Thiago
Martins Pereira e Michelli Borba de Paula, nos apresenta o perfil dos
trabalhadores do SUAS no estado do Amazonas e revela a prevalên-
cia de trabalhadores em cargos comissionados, com alta rotatividade
e baixos salários, e precárias condições de trabalho, o que compro-
mete a oferta de uma política de assistência social de qualidade.

- 25 -
Na segunda seção, denominada “Debates necessários em
saúde”, constituída por 3 capítulos, é possível encontrar reflexões so-
bre a pesquisa em saúde, a diversidade sexual, o controle e a partici-
pação social em saúde.
Milena Fernandes Barroso e Valmiene Florindo Farias Sou-
sa, em Diversidade sexual humana: debate necessário para as políticas
públicas de saúde, põem no centro do debate a diversidade sexual e
as respostas das políticas públicas de saúde no Brasil, oportunidade
em que expõem os reflexos na atenção à saúde da população LGBTT.
O capítulo Metodologias de pesquisa em saúde: do estado da
arte às análises, de Maria Jacirema Ferreira Gonçalves, Sheila Vitor
da Silva, Esron Soares Carvalho Rocha, Camila Carlos Bezerra e Nair
Chase da Silva, discute o processo de construção do conhecimento
científico, as várias metodologias de pesquisa e como estas podem
ser adotadas para contribuir na resposta à pergunta do investigador.
Em Políticas públicas, controle e participação social na saú-
de: algumas reflexões a partir do lugar amazônico, Júlio Cesar Sch-
weickardt, Thalita Renata Oliveira das Neves Guedes e Sônia Maria
Lemos partem de uma imagem confeccionada pelas parteiras indí-
genas da região de Iuauretê, Distrito Sanitário Especial Indígena do
Alto Rio Negro (DSEI ARN), município de São Gabriel da Cachoei-
ra, Amazonas, para discutir o fortalecimento do Sistema Único de
Saúde na região amazônica. Os autores ilustram o texto com várias
obras de arte, Candido Portinari e Tarsila do Amaral marcam pre-
sença, com o objetivo de indicar que ter o SUS forte na Amazônia
significa mais atenção às questões étnicas e culturais, bem como às
ferramentas do controle social, na perspectiva de superação da hie-
rarquia dos saberes e também de valorização do conhecimento tra-
dicional.
Nesse sentido, convidamos o/a leitor/a a apreciar estas ur-
gentes e necessárias reflexões em tempos tão duros, de negação dos
direitos sociais, de maximização do capital e aprofundamento da es-
poliação da classe trabalhadora.

Roberta Ferreira Coelho de Andrade


Hamida Assunção Pinheiro
Kátia de Araújo Lima Vallina

- 26 -
SEÇÃO I
A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA NA MIRA
DO CAPITAL

- 27 -
- 28 -
FUNDO PÚBLICO E FINANCIAMENTO DA
POLÍTICA DE SAÚDE
EM TEMPOS DE AUSTERIDADE FISCAL
Evilasio Salvador

1. Introdução
O debate acerca do “Fundo Público e financiamento das
políticas sociais” é um tema relevante para aqueles que defendem os
direitos sociais, em uma sociedade capitalista tão injusta e desigual
como a brasileira. O financiamento das políticas sociais no Brasil,
em particular, da política de saúde encontra-se em xeque diante das
tratativas do desmonte da configuração do Estado Social desenhado
na Constituição Federal (CF) de 1988.
Em tempos de políticas de austeridade, busca-se colocar
um fim na destinação de parcela importante dos recursos do fundo
público para as políticas sociais, conforme o engendrado no proces-
so constituinte há trinta anos. Pode-se dizer que um dos aspectos
mais relevantes da chamada Constituição Cidadã foi a separação da
ordem social da ordem econômica, com estabelecimento do artigo
6º dos direitos sociais e de todo um desenho para financiamento das
políticas sociais que combina gastos mínimos obrigatórios e recur-
sos vinculados às políticas sociais.
O golpe parlamentar-midiático-judicial operado no Con-
gresso Nacional, em 2016, que levou ao impeachment da presidenta
Dilma Rousseff, abriu espaço para nova fase de conservadorismo,
antipopular e antitrabalhista. O resultado mais imediato é a deses-
truturação das políticas sociais, notadamente por meio do desmonte
do seu financiamento, no conflito distributivo de disputa do fundo
público, sob a batuta de políticas de ajuste fiscal permanente sob a
égide da financeirização do capital.
Mesmo como recursos vinculados e gastos mínimos obri-
gatórios são conhecidas as dificuldades e os percalços que passam as
políticas sociais, em tempos de neoliberalismo, de contrarreforma
do Estado e de financeirização. Este texto tem por objetivo discutir
o fundo público e o financiamento da política de saúde, sobretudo, a
partir das implicações da Emenda Constitucional (EC) 95, que criou

- 29 -
o chamado Novo Regime Fiscal (NRF) no Brasil, como parte da po-
lítica fiscal de austeridade de gastos públicos.
O texto além desta introdução e das considerações finais,
está organizado em mais duas seções. A segunda seção, intitulada
economia política da disputa do fundo público, busca uma fun-
damentação teórica e metodológica do fundo público, a partir do
debate sobre neoliberalismo, financeirização do capital e política
austeridade fiscal. A terceira seção é dedicada a compreender o fi-
nanciamento da política de saúde no âmbito da disputa de recursos
do fundo público, apontando os primeiros resultados da EC 95 no
custeio do Sistema Único de Saúde (SUS).

2. Economia política da disputa do Fundo Público


Há três elementos importantes que contribuem para a fun-
damentação teórica e metodológica do fundo público e corroboram
a compreensão da disputa dos recursos públicos na sociedade ca-
pitalistas: neoliberalismo, financeirização do capital e a política de
ajuste fiscal, agora sob “nova roupagem” da austeridade, como um
dogma da macroeconomia contemporânea.
As políticas de austeridade são aprofundamento do neo-
liberalismo no capitalismo contemporâneo. Para além de medidas
econômicas, o neoliberalismo é “projeto político de classe, não so-
mente um programa de políticas”, conforme destaca Puello-Socarrás
(2015, p. 24). Nessa perspectiva, Dardot e Laval (2016, p. 7) obser-
vam que “o neoliberalismo transformou profundamente o capitalis-
mo, transformando profundamente as sociedades”. Para os autores,
trata-se de um sistema normativo que ampliou sua influência no
mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações so-
ciais e a todas esferas da vida.
A crise de 2008 não foi suficiente para fazer o neoliberalis-
mo desaparecer, ao contrário, a crise apareceu às classes dominan-
tes como oportunidade inesperada, como um modo de governo. O
neoliberalismo é como um camaleão, reconfigurando-se conforme
as mutações do capital.
No caso brasileiro, Misoczky, Abdala e Damboriarena
(2017) trazem importante contribuição, que desmonta argumentos
falaciosos sobre a possível existência de uma sociedade pós-neolibe-
ral, a partir de 2003. Para os autores, o neoliberalismo no Brasil não

- 30 -
ressurgiu após o golpe de 2016, pois “ele organizou, de maneira inin-
terrupta, práticas de governo, práticas no mercado e práticas sociais
no sentido mais amplo” (MISOCZKY; ABDALA; DAMBORIARE-
NA, 2017, p. 184). Desde 1990, estão em marcha no país políticas de
cunho neoliberal, incluindo os treze anos de governo da coalização
liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), ou seja, o sentido es-
trutural da política econômica neoliberal, que tem, no ajuste fiscal
permanente, uma bússola, permanece ativo desde 1993, ainda que
no período algumas reconfigurações tenham sido realizadas.
Outro argumento falacioso apontado pelos autores está di-
retamente relacionado à gestão das políticas sociais na crítica que
apresentam a postura de Bresser-Pereira, ministro do governo Fer-
nando Henrique Cardoso, que conduziu o Plano Diretor da Reforma
do Aparelho do Estado (PDRAE), em meados da década de 1990.
Bresser-Pereira ressalta suposta neutralidade da “reforma gerencial”,
que poderia ser usada por governos progressistas ou conservado-
res. Para Misoczky, Abdala e Damboriarena (2017), não procede o
discurso de Bresser-Pereira da neutralidade na suposta “reforma”,
pois o chamando Gerencialismo ou a nova administração pública
não passa de um braço operacional e de ideologia complementar do
neoliberalismo. Ideologia essa que ataca e privatiza as políticas so-
ciais, notadamente, a saúde, a educação e assistência social, por meio
das pseudoparcerias público-privadas, via Organizações Sociais, que
são, na prática a privatização da oferta dos serviços sociais, em parti-
cular da saúde, relegando e enfraquecendo o Sistema Único de Saúde
(SUS).
Como dito por Behring (2003), o PDRAE, elaborado por
Bresser-Pereira e sua equipe, não está limitado a uma reforma admi-
nistrativa, na prática, é uma verdadeira contrarreforma do Estado,
que ataca o Estado Social desenhado na CF de 1988. Para Behring
(2019), o PDRAE é documento orientador de período para a condu-
ção das contrarreformas do Estado, sendo a primeira fase consistente
do neoliberalismo no Brasil. Isso pode ser verificado na reafirmação
do ajuste fiscal permanente, que é o marco da política macroeco-
nômica, desde 1993 e na adoção da chamada publicização1 (setor
público não estatal) na gestão dos serviços sociais com a transferên-
cia da execução dos serviços sociais para Organizações Sociais (OS),
1 Note-se que o termo publicização tem uso reconfigurado no documento elaborado por
Bresser (BRASIL, 1995), no sentido contrário ao discutido na tese de Raichellis (1998).

- 31 -
notadamente, na Saúde, Assistência Social e Educação. Essa “nova
gestão social”, sob a égide neoliberal, sobrevive a todos os governos
que ocuparam o palácio do Planalto e se espalha da mesma forma
nos governos estaduais2 e municipais. Cabe lembrar a implantação
da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) no gover-
no Dilma e a adoção do modelo de OS pelos governos do Rio de
Janeiro e do Distrito Federal, mercantilizando e submetendo o SUS
totalmente ao mercado, como destaca Bravo et al (2019). Mais re-
centemente, no governo Bolsonaro, foi apresentada a proposta do
programa “Future-se” para área da educação propondo a gestão das
Universidade Federais via organizações sociais.
Bravo et al. (2019) destacam que o projeto neoliberal do
governo Temer na política de saúde, foi marcado pela diminuição
do tamanho do SUS; pelo agravamento do subfinanciamento; pela
expansão de planos populares e precários de saúde; além da revisão
da revisão do PNAB3 e da Política Nacional de Saúde Mental”.
Um dos elementos chaves do neoliberalismo é o ajuste fis-
cal permanente. Nesse contexto é que está inserido o desmonte do
financiamento das políticas sociais e, em particular, o da seguridade
social. O governo de Michel Temer, resultante do Golpe de 2016,
retomou com ênfase uma das faces mais expressivas da política eco-
nômica neoliberal, as chamadas políticas de austeridade.
Convém ressaltar que essa política de ajuste fiscal tem sua
viabilização e fortalecimento a partir de 1993, quando da elabora-
ção do Plano Real, por meio do seu tripé macroeconômico: política
monetária, baseada em elevadas taxas de juros; política de câmbio
livre, sem controle de entrada e saída de divisas; e, política fiscal,
fundamentada no elevado superávit primário. Uma das principais
vigas da sustentação macroeconômica tem sido a política fiscal, que
ao lado das receitas governamentais promoveu uma forte isenção
dos impostos dos mais ricos e aumentou a regressividade do sistema
tributário; e, ao lado das despesas, viabilizou a realização de sucessi-
vos superávits primários, como sinalizador de economia de recursos
orçamentários para pagamento de juros da dívida pública.
No ajuste fiscal em curso desde 1993, instrumentos de des-
vinculações têm sido importantes para retirar recursos das fontes
tributárias exclusivas da seguridade social, destacando-se, no século
2 Vide análise de Correia e Santos (2015) sobre as OS na área de saúde no Rio de Janeiro.
3 Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).

- 32 -
21, a Desvinculação dos Recursos da União (DRU)4, que passou a
vigorar a partir do ano 2000, com sucessivas prorrogações. A mais
recente ocorreu por meio da EC 93, que prorroga a DRU até 31 de
dezembro de 2023 e amplia de 20% para 30% o percentual das recei-
tas de tributos federais que podem ser usadas livremente.
Os mecanismos de desvinculação são alguns dos instru-
mentos que compõem o combo da política fiscal de ajuste perma-
nente. Esta política tem como elementos centrais a redução dos
impostos dos mais ricos na sociedade, a desoneração da carga tri-
butária das empresas para viabilização da acumulação de capital e
da retomada dos lucros, a busca da realização do superávit primário
como indicador importante para os rentistas e a maior captura do
fundo público para o pagamentos e juros e encargos da dívida públi-
ca. Isso tudo aliado ao congelamento e à redução de gastos sociais e
com servidores públicos no âmbito do orçamento.
Rossi, Dweck e Oliveira (2018, p. 7) definem a “austeridade
como uma política de ajuste da economia fundada na redução dos
gastos públicos e do papel do Estado em suas funções de indutor do
crescimento econômico e promotor do bem-estar social”. Conforme
os autores, essa prática política, retomada em 2015, ainda no Go-
verno Dilma Rousseff, como um plano de ajuste de curto prazo na
economia brasileira, passou a definir o tamanho do setor público de
forma estrutural a partir da EC 95. Com isso, o Brasil entra na era
da austeridade.
Com a ascensão ao poder do Presidente Temer, ocorreu
um recrudescimento da ofensiva do capital, voltando com carga a
ortodoxia neoliberal, com brutal corte de direitos sociais, sobretudo,
no campo do financiamento das políticas públicas, como denota o
Novo Regime Fiscal (NRF), aprovado pela Emenda Constitucional
95. O NRF inviabiliza a vinculação dos recursos para as políticas so-
ciais nos moldes desenhado na CF de 1988, ao congelar as chamadas
despesas primárias do governo (exceto as despesas financeiras com
4 A DRU tem sua origem em 1993, quando os economistas formuladores do Plano Real
criam o “Fundo Social de Emergência (FSE)”, permitindo a desvinculação de 20% dos
recursos destina- dos às políticas da seguridade social. Nos exercícios financeiros seguin-
tes, o propósito permanece, mas o nome muda para Fundo de Estabilização Fiscal (FEF)
e partir do ano 2000 passa a vigorar a chamada DRU. Convém lembrar, que a Proposta
de Emenda Constitucional 87/2015, que deu origem a EC 93 de prorrogação da DRU,
foi encaminhada ainda no governo da presidenta Dilma Rousseff e com ampliação da
desvinculação de recursos de 20% para 30%.

- 33 -
o pagamento de juros da dívida) por vinte anos, limitando-se a cor-
reção pela inflação.5
Conforme a regra proposta no NRF (EC 95), “os gastos
públicos não vão acompanhar o crescimento da renda e nem da
população, em um país cujo gasto per capita ainda é muito baixo”
(DWECK; GAIGER; ROSSI, 2018, p. 48).
Essa estratégia está em sintonia com a financeirização do
capitalismo. Esta financeirização da riqueza implicou em maior pres-
são sobre a política social, especialmente nas instituições da seguri-
dade social, pois, aí está o nicho dos produtos financeiros. Com isso,
as propostas neoliberais incluem a transferência da proteção social
do âmbito do Estado para o mercado, a liberalização financeira passa
pela privatização dos benefícios da seguridade social, notadamente,
os da previdência social, como aposentadoria e pensões.
São no mercado que devem ser comprados os planos de
aposentadoria e o seguro de saúde, que são setores dominados pelos
investidores institucionais, destacadamente os fundos de pensão e os
fundos de investimentos coordenados pelo capitalismo financeiro.
Ou seja, benefícios da seguridade social são transformados em mais
um “produto” financeiro, alimentando a especulação financeira, tor-
nando as aposentadorias e os direitos de milhares de trabalhadores/
as refém da crise do Capital. (SALVADOR, 2010a).
Com a financeirização da riqueza, os mercados financeiros
passam a disputar cada vez mais recursos do fundo público, pressio-
nando, por meio do aumento das despesas financeiras do orçamento
estatal, o que passa pela remuneração dos títulos públicos emitidos
pelas autoridades monetárias e negociados no mercado financeiro,
os quais se constituem importante fonte de rendimentos para os in-
vestidores institucionais.
Mendes (2012), com base no livro III de O Capital do
Marx, sintetiza três grandes formas de capital fictício6: dívida públi-
ca, o capital acionário e o capital bancário. Mendes (2012) acrescen-
5 A EC 95 estabeleceu para o exercício de 2017 que a despesa primária paga no exercício
de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado
primário será corrigida no limite de 7,2% e para os exercícios posteriores, ao valor do
limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), publicado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
6 Um aprofundamento sobre capital fictício e uma crítica a posição de Chesnais por ser
visto em Carcanholo (2018).

- 34 -
ta, ainda, o atual mercado de derivativos, extemporâneo ao tempo
de Marx. Os títulos públicos da dívida são “formas assumidas pelo
capital fictício, pois, em termos da totalidade, esses títulos não têm
valor em si” (LUPATINI, 2012, p. 67).
O Capital Portador de Juros (CPJ) está localizado no cen-
tro das relações econômicas e sociais da atualidade e da atual crise
em curso no capitalismo contemporâneo. (CHESNAIS, 2005). Os ju-
ros da dívida pública pagos pelo orçamento público ou a conhecida
despesa “serviço da dívida” do orçamento estatal (juros e amortiza-
ção) são alimentadores do capital portador de juros por meio dos
chamados “investidores institucionais” que englobam os fundos de
pensão, fundos coletivos de aplicação, sociedades de seguros, bancos
que administram sociedades de investimentos, portanto, operam no
sentido da captura do fundo público para uma fração da burguesia
financeira.
Acirra-se, portanto, a disputa do fundo público. O fundo
público envolve toda a capacidade de mobilização de recursos que o
Estado tem para intervir na economia, seja por meio das empresas
públicas, pelo uso das suas políticas monetária e fiscal, assim como,
pelo orçamento público. (SALVADOR; TEIXEIRA, 2014).
O fundo público ocupa um papel relevante na articulação
das políticas sociais e na sua relação com reprodução do capital, sen-
do uma questão estrutural do capitalismo (OLIVEIRA, 1998).7
O orçamento público, como a parte mais visível do fundo
público (SALVADOR; TEIXEIRA, 2014) não se limita a uma peça
técnica e formal ou a um instrumento de planejamento. O orçamen-
to é uma peça de cunho político que orienta as negociações sobre
quotas de sacrifício sobre os membros da sociedade no tocante ao
financiamento do Estado e é utilizado como instrumento de controle
e direcionamento dos gastos, conforme Oliveira (2009), refletindo a
correlação de forças sociais e políticas atuantes e que têm hegemonia
na sociedade.
O fundo público exerce pelos menos quatro funções na
economia capitalista: a) o financiamento do investimento capitalista,
por meio de subsídios, de desonerações tributárias, por incentivos
fiscais, por redução da base tributária das empresas e de seus sócios;
7 Concorda-se com a perspectiva de Behring (2016) que o fundo público não pode ser
considerado o antivalor, como proposto por Oliveira (1998). Um debate crítico a pers-
pectiva de Oliveira (1998) pode ser visto em Salvador (2010b).

- 35 -
b) a garantia de um conjunto de políticas sociais que asseguram di-
reitos e permitem também a inserção das pessoas no mercado de
consumo, independentemente da inserção no mercado de trabalho;
c) assegura vultosos recursos do orçamento para investimentos em
meios de transporte e infraestrutura, e nos gastos com investigação
e pesquisa, além dos subsídios e renúncias fiscais para as empresas;
e, d) assegura no âmbito do orçamento público a transferência na
forma juros e amortização da dívida pública para os detentores do
Capital Portador de Juros (CPJ) e ao capital fictício. (SALVADOR,
2010b).
O fundo público, conforme Behring (2010, p. 31), pode
ser compreendido “como, uma punção compulsória – na forma de
impostos, contribuições e taxas – da mais-valia socialmente produ-
zida, ou seja, é parte do trabalho excedente que se metamorfoseou
em lucro, juro ou renda da terra e que é apropriada pelo Estado para
o desempenho de múltiplas funções de reprodução do capital e da
força de trabalho”. Além do trabalho necessário, via tributação do
consumo da classe trabalhadora.
A origem da arrecadação tributária no capitalismo, como
demonstrado por Marx, só é possível a partir da extração da mais-
-valia (SALVADOR, 2018). Portanto, a origem do financiamento das
atividades estatais está na exploração da força de trabalho pelos pro-
prietários dos meios de produção, sendo a renda dos trabalhadores
tributadas diretamente via imposto de renda, o que reduz a renda
disponível desses e, indiretamente, via os tributos que incidem sobre
os produtos consumidos pela classe trabalhadora.
Em que pesem os vários arranjos institucionais e econômi-
cos para classificar os tributos (SALVADOR, 2018), a composição do
fundo público tem sua origem na exploração da força de trabalho,
pois sem a força de trabalho, os meios de produção seriam inúteis.
Ela possui uma qualidade única, que a distingue de todas a outras
mercadorias: a criação do valor, pois a força de trabalho produz mais
valor que o necessário para reproduzi-la, e assim gera um valor su-
perior ao que custa. (NETTO; BRAZ, 2006; MARX, 1987a, 1987b.).
Marx tinha consciência da exploração tributária sobre os
trabalhadores e como os impostos pesavam sobre os meios de sub-
sistência. No livro I de O Capital, volume II, Marx (1987b, p. 874)
destaca que “o regime fiscal moderno encontra seu eixo nos impos-

- 36 -
tos que recaem sobre os meios de subsistência mais necessários, en-
carecendo-os, portanto, e traz em si mesmo o germe da progressão
automática. A tributação excessiva não é um incidente; é um prin-
cípio”.
Marx (1983) compreendia que os impostos indiretos ocul-
tavam do indivíduo que ele está financiando o Estado, enquanto nos
tributos diretos a relação com o custeio do Estado está explícita. A
consequência é que a tributação direta serve de incitação para con-
trolar os que governam, já os impostos indiretos destroem qualquer
tendência de autogoverno.
E como sabemos, no caso brasileiro, basicamente financia-
do pelos mais pobres, na tributação e pelos trabalhadores/as assala-
riados e servidores públicos com tributação sobre a renda.
No tocante à questão tributária, os dados da Carga Tribu-
tária brasileira, conforme dados da Receita Federal (BRASIL, 2018),
revelam que a tributação sobre consumo, incluindo o que restou da
contribuição da previdência patronal representa mais 2/3 (68,7%)
do financiamento tributário do Estado Brasileiro. A tributação sobre
patrimônio, em 2017, representou o irrisório percentual 4,4% dos
tributos arrecadados no país. A tributação sobre a renda (incluindo a
contribuição dos trabalhadores para a previdência social), limita-se,
na pessoa física, à tributação da renda de trabalhadores assalariados
e de servidores públicos, correspondendo a 26,86% dos tributos ar-
recadados em 2017.
Com base nas informações da Receita Federal, divulgadas
na base de dados “Grandes Números das Declarações do Imposto
de Renda das Pessoas Físicas”, é possível analisar a concentração do
patrimônio, a partir das informações de bens e direitos dos decla-
rantes. Do montante de R$ 5,8 trilhões de bens e direitos declarados
a Receita Federal, em 2013, 41,56% eram de propriedade de apenas
726.725 pessoas. Esses indivíduos têm rendimentos acima de qua-
renta salários-mínimos e são, praticamente, isentos de imposto de
renda e impostos sobre patrimônio. Os dados revelam uma brutal
concentração de riqueza em apenas 0,36% da população brasileira,
correspondendo a 45,54% do PIB do Brasil, em 2014. (SALVADOR,
2016).
Não há isonomia nem mesmo sobre a tributação da renda
no Brasil. Aqueles que recebem renda na forma de lucros ou divi-

- 37 -
dendos, portanto, da renda do capital estão isentos do pagamento
de imposto. Os dados divulgados pela Receita Federal, chamados
“Grandes Números do IRPF”, revelam que, em 2013, 71.440 decla-
rantes estavam no topo da pirâmide de renda no país, com rendi-
mento igual ou maior que 160 salários mínimos, o que correspondia
a R$ 108.480 mensais.
Esses declarantes representavam 0,3% do total de pessoas
que prestaram informações ao Fisco, ou aproximadamente 0,05% da
população economicamente ativa do país. Essas pessoas detinham,
em 2013, um “patrimônio líquido de R$ 1,2 trilhão (23% do total)
e obtiveram uma renda total de R$ 298 bilhões (14% do total), dos
quais R$ 196 bilhões em rendimentos isentos. Esses indivíduos são
praticamente isentos de Imposto de Renda (IR), somente 34,2% pa-
garam algum IR e 2/3 são isentos. Sendo que a média da alíquota
paga é 2,6% sobre a renda total. Isso é uma consequência direta da
isenção de IR sobre lucros e dividendos, pois destes 71.440 decla-
rantes, 51.419 receberam dividendos e lucros que são isentos de IR.
(GOBETTI; ORAIR, 2015).
As fontes que financiam a seguridade social são basicamen-
te regressivas, assim como na assistência social. Em 2017, conforme
dados do SIGA Brasil, o Orçamento da Seguridade Social (OSS) teve
uma despesa paga no valor de R$ 915 bilhões, sendo que apenas 5%
do seu financiamento veio de tributação sobre a renda do Capital, o
restante tem origem em tributos regressivos e impostos incidentes
sobre a renda dos trabalhadores. A título de exemplo, na política de
assistência social, do orçamento pago, em 2017, no valor de R$ 83,1
bilhões, 94% vieram de tributos regressivos, sendo somente 4% de
alguma tributação sobre a renda do capital. Portanto, são os usuários
da própria política de assistência social que financiam indiretamente
seus benefícios via tributos indiretos incidentes sobre o consumo.

3. Fundo público e o (des) financiamento da política de saúde


Esta seção dedica-se a compreender o financiamento da
política de saúde, a partir da disputa dos recursos do fundo público,
no contexto de ajuste fiscal permanente. A política de saúde desde a
Constituição de 1988 encontra dificuldades de viabilizar o seu finan-
ciamento que garanta a universalização desta política. Na realidade

- 38 -
o Brasil vive um paradoxo, possivelmente o único país com siste-
ma universal de saúde onde o gasto privado é maior que o público
(PIOLA; VIANNA, 2008). Além da universalidade, a Constituição
definiu os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS)
além da integralidade da atenção e a descentralização das ações.
A política de saúde integra a Seguridade Social, juntamen-
te com a Previdência e a Assistência Social, sendo que o Art. 196 da
CF de 1988 estabelece que a saúde é um direito de todos e dever do
Estado, constituindo-se uma política universal e não contributiva.
As competências dos entes federativos estão dispostas nos artigos 16,
17, 18 e 19 da Lei 8.080 com as ações e obrigações dos municípios,
estados, Distrito Federal e União.
Na tentativa de assegurar recursos suficientes para o finan-
ciamento da política de saúde foi estabelecido, no artigo 55, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias a destinação de, no mí-
nimo, 30% do Orçamento da Seguridade Social até que fosse aprova-
da a primeira Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Na realidade,
a política de saúde jamais conseguiu alcançar 30% do Orçamento da
Seguridade Social (OSS), conforme demonstra a tabela 1.

Tabela 1 - Orçamento da Seguridade Social, por funções


Valores em R$ bilhões, deflacionados pelo IGP-DI, a preços médios de
2018

Assistên- Previdên- Traba- Outras Total Participa-


Ano Saúde
cia Social cia Social lho Funções OSS ção Saúde

2008 55,02 465,49 85,97 40,27 21,65 668,4 12,86%

2009 57,30 481,31 86,16 47,32 26,84 698,92 12,33%

2010 66,09 534,22 94,74 50,45 30,59 776,07 12,21%

2011 72,55 559,76 103,24 55,86 30,77 822,17 12,56%

2012 80,30 573,40 106,4 59,39 30,88 850,37 12,51%

2013 85,43 604,50 107,68 63,46 31,60 892,68 12,06%

2014 88,63 625,33 114,46 67,64 34,01 930,07 12,31%

2015 84,12 647,44 118,12 58,86 39,44 947,99 12,46%

2016 91,30 682,61 117,94 64,27 39,39 995,51 11,85%

- 39 -
2017 88,77 680,96 109,73 57,21 41,77 978,42 11,21%

2018 90,89 680,24 114,47 56,04 45,49 987,12 11,60%

Var. % 65,20% 46,13% 33,15% 39,14% 110,06% 47,68% -

Fonte: Siga Brasil. Elaboração própria

Os dados da tabela 1 revelam que OSS, no período de 2008


a 2018, não executou apenas as funções típicas vinculadas à seguri-
dade social (assistência social, previdência, saúde e trabalho), mas
em todos anos foram pagos com recursos exclusivos da segurida-
de social outras despesas estranhas a este orçamento. Aliás, foram
exatamente as despesas pagas em “outras funções” no orçamento
aquelas que apresentaram o maior crescimento no período em tela,
evoluindo 110,06% acima da inflação (medida pelo IGP-DI), bem
superior à evolução de 47,68% do OSS. Uma clara demonstração de
apropriação indevida do OSS com despesas típicas do orçamento
fiscal, sem o devido aporte de recursos ordinários, provenientes de
impostos. E OSS vem reduzindo o ritmo de crescimento após 2016,
já indicando os efeitos da EC 95.
A tabela 1 mostra o subfinanciamento crônico da saúde,
muito aquém dos recursos públicos necessários para universalização
desta política. No período de 2008 a 2018, a função saúde perdeu
espaço no conjunto das despesas que integram o OSS decresceu de
12,86%, em 2008, do montante das despesas da seguridade social
para 11,60% do OSS, em 2018.
A pesquisa de Mendes e Marques (2009, p. 845) indica que
o orçamento da saúde, após a Constituição de 1988, tem sido marca-
do por duas situações: “a preocupação dada à Previdência no interior
do orçamento da seguridade social e a política fiscal restritiva imple-
mentada pelo governo”.
Conforme Piola et al. (2013), no tocante ao financiamento
da política de saúde, o maior desafio era redirecionar parcela sig-
nificativa de recursos do fundo público para ampliar a cobertura
de ações e serviços de saúde para toda a população. Sendo assim,
para viabilizar a descentralização era necessário, conforme Piola et
al (2013, p. 8), “ampliar a participação de estados e municípios no
financiamento do SUS e transferir para a gestão de estados e mu-
nicípios recursos até, então majoritariamente, administrados pelo
governo federal”.

- 40 -
Após inúmeros caminhos e descaminhos, o financiamento
da saúde foi definido pela Emenda Constitucional (EC) no 29, que
entrou em vigor em 2000. Mas, regulamentada, após 12 anos, pela
Lei Complementar no 141, de 13 de janeiro de 2012, a EC no 29 esta-
beleceu a vinculação de recursos orçamentários da União, estados e
municípios para as despesas de saúde, tendo como ponto de partida
o valor executado em 1999, acrescido de 5%.
Para os anos 2001 a 2004, deveria ser utilizado o valor apu-
rado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do PIB. Os
estados devem destinar 12% dos impostos e outras receitas para o fi-
nanciamento das ações e serviços de saúde. Os Municípios e também
o Distrito Federal, deveriam destinar 15% do produto da arrecada-
ção dos impostos e outros recursos especificados nos Artigos 156,
158 e 159 da Constituição. Mas, a falta de regulamentação da EC no
29 gerou uma série de controvérsias, entre elas, as discussões acerca
da base sobre a qual incidiria a correção correspondente à variação
nominal do PIB, para determinação do montante dos recursos fe-
derais. Além do não cumprimento dos mínimos constitucionais de
gastos com saúde por parte dos estados e dos municípios. (PIOLA et
al., 2013). Mas, enfim, por consequência da EC 29, a partir do ano
2000, o financiamento do SUS passou a ser de fato compartilhados
pelas unidades da federação. (PIOLA, BENEVIDES, VIERA, 2018).
A regulamentação da Emenda poderia abrir assim uma
“janela de oportunidades” para ampliar recursos para o SUS e es-
tabelecer medidas claras para evitar o descumprimento da Consti-
tuição. Piola et al. (2012) também destacam que apesar dos avanços
de recursos para a saúde nos últimos anos, observa-se que a União,
mesmo tendo aumentado sua participação na Carga Tributária, re-
duziu sua presença no custeio desta política. Além disso o esforço
dos municípios já estava no limite e muitos estados enfrentavam
problemas reais para cumprir aplicação dos recursos mínimos deter-
minados na CF de 1988. Situação que se agravou, a partir da EC 95.
De acordo com estudo realizado por Piola, Benevides e
Viera (2018) e publicado como Texto para Discussão (no 2439) do
IPEA, em dezembro de 2018, ainda que a saúde perdesse recursos
orçamentários em virtude das artimanhas usadas pelos governos de
todas as esferas da federação, ainda a EC 29 e sua regulamentação
pela LC 141, possibilitou a ampliação de verbas públicas para o fi-

- 41 -
nanciamento do SUS. Contudo, a participação das três esferas de go-
verno ocorreu de forma diferenciada, conforme os autores.
A pesquisa de Piola, Benevides e Viera (2018) revela que
entre 2003 e 2014, houve crescimento real, em valores deflacionados
pela variação média anual IPCA, nas três esferas de governo com
Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). A interrupção nesse
crescimento ocorre a partir de 2015. No período de 2003 a 2017,
conforme Piola, Benevides e Viera (2018, p. 13), “isoladamente,
o gasto federal apresentou um crescimento de 89%; o estadual de
130%; e o municipal de 169%”, em valores acima do IPCA.
O corolário da regulamentação do financiamento foi uma
alteração na responsabilidade dos gastos públicos com saúde no
Brasil; em 2000, os estados e municípios respondiam por 40,14% do
total gastos públicos com saúde (SALVADOR, 2010b). Esses entes
subnacionais aumentaram a participação no custeio da saúde, como
revelam Piola, Benevides e Viera (2018, p. 14), “a participação da
União diminuiu de 50,1% em 2003 para 43,2% em 2017; a de estados
aumentou de 24,5% para 25,7%; e a dos municípios de 25,4% para
31,1%”.
Os dados analisados por Piola, Benevides e Viera (2018)
também revelam desigualdades regionais na alocação orçamentária
dos recursos em saúde pública. Enquanto, nas regiões Sudeste e Cen-
tro-Oeste, na maior parte do período de 2003 a 2017, tem valores per
capita gastos em saúde, acima da média nacional, a região Nordeste,
no período em tela, apresenta o menor gasto per capita em ASPS no
valor agregado das três esferas de governo. Já “no período de 2014
a 2016, em que houve queda no valor per capita, a média do Brasil
caiu 6,2% e, entre as regiões, a que sofreu maior queda foi a Norte
(-9,9%)”, conforme Piola, Benevides e Viera (2018, p. 17).
Em 2015, de forma a assegurar os recursos vinculados à
Saúde no âmbito orçamento federal foi aprovada a EC no.86, que vin-
culou ao financiamento do SUS, um percentual das Receitas Cor-
rentes Líquida (RCL) da União. O percentual começaria em 13,2%
em 2016 até alcançar 15% em 2020. Os movimentos organizados da
sociedade civil em torno da defesa SUS (Movimento Saúde +10) de-
fendiam que a vinculação fosse maior e alcançasse 10% da Receita
Corrente Bruta (RCB) da União, como piso da esfera federal no fi-
nanciamento do SUS.

- 42 -
A EC nº 86, de Março de 2015, vinculou ao financiamento
do SUS porcentagens crescentes da RCL da União, a partir de 13,2%
em 2016, até chegar em 15% em 2020 (13,7% em 2017, 14,1% em
2018 e 14,5% em 2019). Na época, o desejo do Movimento Saúde +
10 era a vinculação de 10% da receita corrente bruta (RCB) como
piso da participação federal no financiamento do SUS. Piola, Bene-
vides e Viera (2018, p. 8) destacam que o novo desenho do financia-
mento da saúde vigorou apenas no ano de 2016, pois o Novo Regime
Fiscal, adotado a partir da EC 95/2016, “congelou as despesas primá-
rias da União até 2036, por vinte anos, e definiu o piso da participa-
ção federal do SUS de acordo com novos parâmetro”.
Vieira e Benevides (2016) revelam que o governo federal
vem mantendo estável o gasto com despesas com Ações e Serviços
Públicos de Saúde (ASPS) desde início da vigência da EC 29, entre
1,66% do PIB (2002) a 1,69% do PIB, em 2015. As autoras chamam
a atenção que desde 2002 não há aumento da participação das des-
pesas com ASPS nas despesas primárias da União, pelo contrário,
ocorreu uma queda da participação. Destacam também que a despe-
sa pública com saúde em relação ao número de habitantes do Brasil
é uma das menores “entre países que possuem sistema universal de
saúde e mesmo quando comparado ao de países vizinhos nos quais
o direito à saúde não é um dever do Estado”. (VIEIRA; BENEVIDES,
2016, p. 17).
Vieira e Benevides (2016) calcularam o impacto da EC
95/2016, a partir de simulações realizadas sobre a aplicação de re-
cursos em ASPS pelo governo federal, ao considerar que em 2016 a
aplicação mínima deveria ser de 13,2% da Receita Corrente Líquida
(RCL), chegando até 15,0% da RCL em 2020. De acordo com a simu-
lação feita, caso o NRF estivesse em vigor no período de 2003 a 2015,
a participação da despesa com ASPS da União no PIB teria caído de
1,75% em 2003 para 1,01% em 2015. Portanto, conforme Vieira e Be-
nevides (2016), a perda entre 2003 e 2015 de recursos federais para o
financiamento da saúde teria sido de R$ 257 bilhões em comparação
com a aplicação realizada no período, cuja regra era dada pela EC 29.
A tabela 2 apresenta dados selecionados do orçamento
pago na função saúde no âmbito do Orçamento Fiscal e da Segu-
ridade Social, no período de 2016 a 2019, em valores deflacionados
pelo IPCA, isto é, o mesmo índice indicado na EC 95. Com isso, é

- 43 -
possível já visualizar os primeiros impactos orçamentários no finan-
ciamento da saúde e qual a real prioridade assegurada pelo Novo
Regime Fiscal (NRF).
Tabela 2 – Evolução do orçamento da União (Fiscal mais Seguridade
Social) de 2016 a 2019
Valores pagos (1) em R$ bilhões, deflacionados pelo IPCA, a preços de
dezembro de 2019
Total Orça-
Juros e encar- Amortização mento Fiscal
Anos Função Saúde
gos da Dívida (2) e Seguridade
Social
2016 118,63 242,61 321,31 2.271,39
2017 114,43 226,27 352,05 2.246,68
2018 117,06 302,32 363,76 2.348,94
2019 119,10 297,37 287,57 2.330,34
Variação
16-19 0,40% 22,57% -10,50% 2,60%
Participação sobre o Orçamento Fiscal e Seguridade Social
2016 5,22% 10,68% 14,15%
2017 5,09% 10,07% 15,67%
2018 4,98% 12,87% 15,49%
2019 5,11% 12,76% 12,34%  
Fonte: SIAFI/SIGA Brasil
Elaboração própria
Notas:

(1) Em valores pagos até 31 de janeiro de 2020.


(2) Exclui a rolagem da dívida pública.

Os dados da tabela 2 mostram que os gastos com saúde,


após a EC 95, estão praticamente congelados, em termos reais, no
período de 2016 a 2019. O orçamento pago na função orçamentá-
ria saúde apresentou uma pífia evolução de 0,39%, em termos reais,
saindo de R$ 118,63 bilhões, em 2016, para R$ 119,10 bilhões, em
valores pagos em 2019, conforme a tabela 2. Portanto, os gastos com
saúde sequer acompanharam o crescimento do orçamento federal,

- 44 -
que no mesmo período, evoluiu 2,6% acima do IPCA. Com isso, a
política de saúde perde espaço no orçamento federal reduzindo sua
participação de 5,22% (2016) para 5,11% (2019).
Para Vieira e Benevides (2016), o congelamento do gasto
federal com saúde, em EC 95, implicaria em um agravamento das
dificuldades para o financiamento do SUS, pois estados e municípios
não conseguiriam repor a perda de recursos que deixariam de ser
aportados pela União.
Os dados da tabela 2 permitem evidenciar quais são efeti-
vamente as prioridades no orçamento público brasileiro e que a EC
95 conseguiu viabilizar com o congelamento das despesas primárias,
ou seja, a priorização do pagamento das despesas financeiras com
juros, encargos e amortização da dívida pública. Enquanto, o orça-
mento fiscal e da seguridade social apresentou um crescimento real
de somente 2,6% acima do IPCA, no período de 2016 a 2019, as des-
pesas com juros e encargos da dívida pública cresceram 8,5 vezes
mais. A tabela 2 mostra que no orçamento de 2016, o pagamento
de juros e encargos da dívida foi de R$ 242,61 bilhões, aumentando
para R$ 287,57 bilhões, em 2019, um crescimento real de 22,57%. O
pagamento efetivo das despesas com juros e amortização da dívida
pública consomem ¼ do orçamento público, conforme demostra a
tabela 2.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), em nota divulgada
em 28 de fevereiro de 2020, alerta para as perdas de recursos orça-
mentários do SUS8. O CNS simulou as perdas comparando o orça-
mento pago com o percentual de 15% da RCL, conforme EC. De
acordo com o CNS, o orçamento da saúde vem encolhendo e “em
2019, a perda de investimentos na área representou R$ 20 bilhões, o
que significa, na prática, a desvinculação do gasto mínimo de 15% da
receita da União com a Saúde”. Os dados CNS destacam que ASPS,
em 2017, representavam 15,77% da arrecadação da União, reduzin-
do-se para 13,54%, em 2019.
Para agravar a situação, o governo federal aprovou, em
outubro de 2019, na Comissão de Intergestores Tripartite, o novo
financiamento da atenção básica de saúde para 2020. Pelos novos
critérios, o repasse do governo federal vai levar em conta o núme-
ro de pacientes cadastrados nas unidades de saúde e o desempenho
8 Disponível em https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1044-saude-per-
deu-r-20-bilhoes-em-2019-por-causa-da-ec-95-2016

- 45 -
delas a partir de certos indicadores. É mais uma etapa do desmonte
da concepção de acesso universal do Sistema Único de Saúde (SUS).
Uma das iniciativas mais recente do atual governo federal
para o atendimento dos interesses do mercado financeiro foi o envio
para o Congresso Nacional, em novembro de 2019, de um pacote
de três propostas de emenda à Constituição (PEC) que compõem o
Plano Mais Brasil, elaborado pela equipe econômica do governo. As
propostas têm objetivo de reduzir gastos obrigatórios, revisar fundos
públicos e alterar as regras do Pacto Federativo. O que vem sendo
chamado por setores da oposição do AI 5-Econômico.
Uma das PECs que integra o Plano Mais Brasil estabelece
que os fundos públicos da União, dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios serão extintos se não forem ratificados pelos respec-
tivos poderes legislativos por meio de lei complementar específica
até o final do segundo exercício financeiro subsequente à data da
promulgação da emenda constitucional.
Caso a PEC seja aprovada, deverão ser extintos cerca de
248 fundos, sendo a maioria (165) instituída antes da Constituição
de 1988. Segundo o governo, a proposta permitirá a desvinculação
imediata de cerca de R$ 219 bilhões, que poderão ser utilizados na
amortização da dívida pública da União.

4. Considerações finais
Este texto apresentou, na primeira parte, a problematiza-
ção do fundo público no capitalismo atual, a partir do neoliberalis-
mo e da financeirização da riqueza. Destacando-se que um dos ele-
mentos chaves das políticas neoliberais é o ajuste fiscal permanente,
sendo que, na sua fase mais recente, apresenta-se como políticas de
austeridade. A política de austeridade fiscal é retomada, ainda, no
segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff e é acentuada no
governo de Michel Temer, a partir de 2016.
Para além da ampliação da DRU para 30% e sua prorroga-
ção até 2023, em 2016, foi aprovada a EC 95, que limita os gastos so-
ciais à variação do IPCA, o que na prática significará o congelamento
das despesas correntes do governo federal por vinte anos.
O grande objetivo é o desmonte do desenho constitucional
de financiamento das políticas sociais. A garantia de recursos vincu-
lados para as políticas sociais foi uma importante conquista da CF de

- 46 -
1988, sendo uma das alternativas para enfrentar a perversa tradição
do orçamento fiscal brasileiro, que historicamente serviu para a acu-
mulação de capital, em detrimento dos gastos sociais.
Como se demonstrou ao longo do texto, a política de saúde
enfrenta um subfinanciamento crônico, com dotações orçamentá-
rias no âmbito do fundo público muito aquém dos recursos públicos
necessários para universalização desta política. A partição da saúde
no orçamento federal da seguridade social vem decrescendo desde
2009.
Um dos últimos arranjos para garantir aporte de recursos
para saúde veio com a EC 29/2000, que levou doze anos para ser
regulamentada. Sendo que essa emenda foi mais efetiva na amplia-
ção dos recursos dos estados e dos municípios para o financiamento
compartilhado do SUS. A garantia mais efetiva de recursos da União
para o financiamento do SUS veio, em 2015, por meio da EC 86,
que assegurou para a saúde pública um percentual mínimo das RCL.
Contudo, esse novo arranjo para o financiamento da saúde teve vida
curta devido à entrada em vigor do Novo Regime Fiscal (NRF).
Os primeiros resultados da EC 95 (NRF) já apontam para
um congelamento dos gastos com saúde após 2016, e com uma perda
superior a R$ 20 bilhões, somente em 2019, conforme constatação
do Conselho Nacional de Saúde.
Os maiores beneficiários da política de austeridade fiscal
em curso no país são os rentistas do mercado financeiro. O ajus-
te fiscal permanente vem garantindo a primazia do pagamento das
despesas financeiras, com juros, encargos e amortização da dívida
pública, em detrimento dos gastos sociais.
Para além das transferências de recursos para o Capital
Portador de Juros, há um tensionamento permanente para que os di-
reitos sociais assegurados constitucionalmente e operacionalizados
pelo Estado sejam transformados em bens e serviços a serem com-
prados no mercado, em particular, para que benefícios da seguri-
dade social sejam transformados em mais um “produto” financeiro,
alimentando a especulação financeira e desmontando a garantia de
direitos por parte do Estado brasileiro.

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- 51 -
- 52 -
A SEGURIDADE SOCIAL EM COLAPSO:
rajadas destrutivas da extrema direita brasileira
Kátia de Araújo Lima Vallina
Roberta Ferreira Coelho de Andrade
Hamida Assunção Pinheiro

1. Introdução
Este capítulo põe em discussão o desmonte da seguridade
social brasileira, construída a duras penas e, atualmente, ainda mais
ameaçada pela postura subserviente dos governos brasileiros aos di-
tames da agenda neoliberal, que tem, no Governo de Jair Bolsonaro,
um defensor impenitente, capaz de atrocidades em nome da pauta
econômica.
A seguridade social brasileira deu um salto histórico com
a Constituição Federal de 1988, ao reconhecer saúde, assistência e
previdência social como direitos importantes e necessários à vida
social, embora tenha se mantido como sistema híbrido, que congre-
ga direitos universais (saúde), seletivos (assistência) e contributivos
(previdência).
Os anos que se seguem à promulgação da Constituição Ci-
dadã são marcados pelas vigorosas investidas do ideário neoliberal
no Brasil, que encontra guarida e aliança com os governos brasileiros
dos anos 1990 e das primeiras décadas do século XXI, com a adoção
de várias medidas de seu receituário.
O segundo lustro da década de 2010 trouxe uma sequên-
cia de ataques à democracia e aos direitos sociais no país. Em 2016,
aconteceu o golpe que levou à derrocada de Dilma Rousseff e elevou
Michel Temer à presidência da república. Sob a gestão de Temer, a
proteção social brasileira foi brutalmente agredida com a Emenda
Constitucional 95/2016, que sentenciou as políticas públicas à pri-
vação, à estagnação, ao sucateamento. Na sequência histórica, a vi-
tória de Jair Bolsonaro em 2018 coroa o avanço da extrema direita,
da minimização do papel do Estado e maximização dos poderes do
mercado. Após um ano de seu governo, os resultados são deletérios.
As reflexões trazidas nesse texto apresentam um quadro de
desmonte dos direitos, que só poderá ser enfrentado com a organiza-

- 53 -
ção e a unidade da classe trabalhadora. É somente na e pela luta que
poderemos defender os direitos historicamente conquistados pelos
trabalhadores.

2. Os desafios da conjuntura atual para as políticas sociais


Parte-se da premissa de que a compreensão da vitória de
Jair Bolsonaro, em 2018, referencia-se, no âmbito externo, à crise
econômica internacional, à radicalização do neoliberalismo (a elei-
ção de Macri na Argentina em 2014 é bastante emblemática); e, no
âmbito interno, ao apaziguamento da classe trabalhadora, a captura
da burguesia brasileira pela lógica financeira e rentista, o descrédito
nos poderes constituídos, a farsa do combate à corrupção política,
como vem sendo denunciado pela “Vaza Jato” da Intercept Brasil, o
ataque às liberdades democráticas e às esquerdas com o anticomu-
nismo, a suposta defesa da família e dos valores cristãos, que incon-
testavelmente trouxeram um fenômeno novo para o país: o bolsona-
rismo. Esse fenômeno é assim explicado:
A ascensão de Bolsonaro e a emergência do bolsonarismo é, por-
tanto, aquilo que foi tornado possível em função da catarse pro-
vocada pelas Jornadas de Junho, a experiência golpista de 2016, e
a profunda desorganização institucional que tomou o país nesses
anos tumultuados. Tendo sobrevivido porque foi capaz de se desco-
lar dos operadores políticos tradicionais, encampando uma agenda
anti-petista radical que não deixava de abrigar contornos antissis-
têmicos e com substanciais ramificações com as massas pequeno-
-burguesas, Bolsonaro e os segmentos bolsonaristas surgiram como
novidade, num cenário devastado pelo cansaço, a violência, a deses-
perança e o medo (SENA JÚNIOR, 2019, p.5).

Para Sena Júnior (2019), o bolsonarismo pode ser carac-


terizado como um comportamento político que “mobiliza as ideias
de antipetismo e o anticomunismo, o vitimismo e o pânico moral,
a mobilização política e o culto da violência”, e no contexto do neo-
liberalismo empreende um ataque às políticas públicas e de inclu-
são forjadas com a Constituição de 1988. Reis (2019), por sua vez,
identifica que esse fenômeno é integrado por duas grandes forças: as
corporações militares, com ênfase no exército, nas políticas militares
e nas milícias emergentes; e a grande maioria dos segmentos funda-
mentalistas das igrejas evangélicas.
Os ataques aos direitos do trabalho, intensificados no go-
verno Temer, com a flexibilização da legislação trabalhista – reforma

- 54 -
trabalhista que extinguiu direitos assegurados na Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), terceirização das atividades fins, que redu-
ziu custos e aumentou a exploração dos trabalhadores –, e a aprova-
ção da Emenda Constitucional 95/2016 que impôs o teto dos gastos
sociais por 20 anos, trazendo sérios impactos para as políticas sociais
que tiveram redução, atraso e contingenciamento de seus recursos
orçamentários, foram somadas às proposta do governo Bolsonaro da
“Carteira Verde e Amarela”, cuja alternativa é escolher entre “direitos
ou trabalho” e que contará com recursos para a sua implementação
da tributação em 7,5% do seguro-desemprego; privatização de em-
presas estatais; o “Plano Mais Brasil”1, integrado pelas PEC Emer-
gencial (n. 186/2019) e PEC da Reforma Administrativa que ataca
os serviços e os (as) servidores (as) públicos (as). Tais iniciativas são
tomadas de forma concomitante às investidas contra as liberdades
democráticas, demonstrações de aversão aos direitos humanos e
afrontas à democracia.
Desde o seu primeiro ano de governo, Bolsonaro tem de-
monstrado que está decidido a executar profundas reformas econô-
micas e políticas que atendem aos interesses da burguesia nacional.
No tocante às reformas econômicas, conseguiu importantes vitórias
no Congresso Nacional, a exemplo da aprovação da reforma da pre-
vidência e o avanço das privatizações; na política avançou na repres-
são aos movimentos sociais e a todos que considera opositores do
seu governo, com agressões à imprensa e a jornalistas (a agressão
reacionária e sexista recente à jornalista Patrícia Campos Mello da
Folha de São Paulo é só um exemplo). Apesar de uma queda na sua
popularidade, tem apoio de importantes segmentos dos militares,
grupos paramilitares e a aquiescência e/ou comportamento silente
do judiciário. Nos primeiros dias de março de 2020, setores bolso-
naristas divulgaram vídeo (que foi compartilhado pelo presidente)
conclamando a população para um ato no dia 15 de março contra
o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Do Judiciário se
ouviu uma voz isolada do ministro do STF, Celso de Mello, declaran-
do que “a aparente conclamação” do presidente Jair Bolsonaro para
ato contra o Judiciário e o Congresso é passível de enquadramento
1 Nome dado ao pacote econômico enviado pelo governo ao Congresso Nacional. É in-
tegrado por três Propostas de Emendas Constitucionais (PEC) que visam aprofundar a
austeridade fiscal, com o reordenamento da administração pública e o ajuste constante
da despesa pública.

- 55 -
em crime de responsabilidade e que “se confirmada, a mensagem de
Bolsonaro demonstra a face sombria de um presidente da Repúbli-
ca que desconhece o valor da ordem constitucional” (SCHUQUEL,
2020).
A resistência da classe trabalhadora ao governo Bolsonaro
deve ser mais expressiva neste ano que se inicia e essa oposição tem
que ser nas ruas. Entendemos que a esquerda tem um papel impres-
cindível na busca da unidade e na reorganização da classe trabalha-
dora para que a insatisfação, a reação, o antagonismo e o rechaço
a esse governo tomem as ruas. Cabe à esquerda e a todos (as) que
são comprometidos (as) com a defesa das liberdades democráticas e
dos direitos da classe trabalhadora fazer a grande política, no sentido
gramsciano, para barrar o neoliberalismo exacerbado a que estamos
sendo submetidos. O que falta ocorrer para que a esquerda se una?
Arcary (2020, p.4) concebe,
existe crise na esquerda porque há uma acomodação política que
se alimenta da ilusão de que as instituições do regime, Congresso
Nacional e Supremo Tribunal Federal serão capazes de frear a fúria
bonapartista. Subestima-se o grau de apoio que Paulo Guedes con-
quistou na burguesia brasileira. A tarefa de encabeçar a resposta a
Bolsonaro cabe à esquerda e é intransferível. A esquerda deve exigir
de todos os partidos que se posicionem, inequivocamente, contra a
ameaça neofascista.

Urge pensar nas estratégias para frear a destruição do Es-


tado brasileiro, o definhamento das políticas sociais e os avanços au-
toritários da extrema-direita para lutar contra a degradação dos ser-
viços públicos, a precarização das condições de trabalho e vida dos
trabalhadores (as), proteger o meio ambiente e a soberania nacional.
Que os ventos do Equador e do Chile contagiem as forças progressis-
tas a impulsionar a classe trabalhadora para agir de forma imediata.

3. Desproteção social e a política de saúde


A ideia de construção de uma política de saúde pública
universal emergiu ainda sob os ditames da Ditadura Militar (1964-
1985) vivenciada no Brasil. Em meio às lutas pela retomada dos
processos democráticos, a sociedade também reivindicava direitos
sociais, com destaque para o direito à saúde pública de caráter uni-
versal. O Movimento de Reforma Sanitária ganhou força na década

- 56 -
de 1980 e, ao passo que o Regime Militar foi sendo derruído, a defesa
da saúde pública como item prioritário para a melhoria das condi-
ções de vida no país evidenciou-se como luta expressiva da classe
trabalhadora brasileira.
Nesse compasso, a garantia constitucional, em 1988, do di-
reito à saúde de forma universal, integral e igualitária possibilitou a
construção do maior Sistema Único de Saúde – SUS do mundo. O
SUS, ainda que apresente fragilidades e não tenha sido implantado
completamente, é reconhecido pela Organização das Nações Uni-
das – ONU pela sua grandiosidade e inovação. É uma das políticas
públicas que mais cresceu e resistiu no contexto brasileiro, ainda que
em meio a muitas adversidades decorrentes de um país que, desde a
década de 1990, tem sido obediente às recomendações neoliberais.
Assim, como bem destaca Behring (2019), desde os anos
de 1990 temos vivido tempos de duradouro ajuste fiscal sobre os gas-
tos sociais, agudizados ainda mais a partir do golpe de Estado ocor-
rido em 2016, o qual favoreceu imensamente a ascensão da extrema
direita nas eleições de 2018 e, com isso, possibilitou a radicalização
das medidas de proteção ao grande capital, por um lado, e, por outro,
a dilapidação severa das políticas sociais, dentre elas a saúde.
No que tange aos recursos financeiros para as políticas
sociais, merece destaque a Emenda Constitucional no. 95/2016, que
trata do congelamento dos gastos sociais por 20 anos, admitindo-se
somente a correção anual pela variação do Índice Nacional de Preços
ao Consumidor Amplo – IPCA, cujos impactos para a saúde e edu-
cação são enormes. Promulgada durante o governo do Presidente
Michel Temer, esta medida veio fortalecida pelo argumento de que
o país se encontra endividado e que não consegue mais sustentar os
direitos sociais aos moldes do que foi estabelecido na Constituição
Federal de 1988, como, por exemplo, o acesso universal à saúde. En-
tretanto, Fattorelli e Ávila (2017) realçam que,
a explosão do endividamento nada tem a ver com um suposto ex-
cesso de gastos sociais, mas sim com os gastos excessivos com os
juros da própria dívida e com os mecanismos de política monetária
que geram dívida continuamente, sem contrapartida alguma ao país
ou à sociedade (p. 15).

O discurso governamental opera como nuvem de fumaça,


na tentativa de escamotear os reais motivos que têm levado o país

- 57 -
ao aumento constante de uma dívida pública. Nesse cenário cru-
delíssimo, o SUS em 2020 completa 30 anos de existência, todavia
sua viabilidade tem sido duramente atacada tanto do ponto de vista
político-ideológico, bem como dos recursos financeiros. É preciso
lembrar que tais ataques não são exclusividades da extrema direita
que chegou ao poder após 13 anos de gestão petista no Brasil (2003
a 2016).
Na realidade, como enfatizam Bravo e Menezes (2010) so-
bre os anos do Governo Lula da Silva (2003 a 2010), o povo que o
elegeu ansiava por políticas sociais mais ousadas e, além disso, pela
interrupção do processo de contrarreforma, de cunho neoliberal, do
Estado. Todavia, ainda que tenham ocorrido vários avanços, sobre-
tudo na área da assistência social, as políticas sociais também foram
marcadas pela focalização e seletividade, pela restrição do público e
ampliação do privado. Na área da saúde, principalmente no segundo
mandato, houve clara disputa entre os projetos de Reforma Sanitária
e o de Reforma Privatista.
Mas, é a partir de 2016, no governo Temer, que o caráter
universal da política de saúde é posto em xeque e em correspondên-
cia acelera-se a privatização na área da saúde. Fica cada vez mais evi-
dente que o desmonte do SUS é de grande interesse para o mercado,
uma vez que a área da saúde permite a comercialização de muitas
mercadorias e serviços de primeira necessidade.
Concordamos com Bravo et.al (2019) na defesa de que a
contrarreforma do Estado na área da saúde não pretende de fato aca-
bar com o SUS, mas sim torná-lo tão frágil e incipiente, que seja
complementar à saúde privada. O que tem acontecido é um verda-
deiro esvaziamento de conteúdo dos pilares defendidos pelo Movi-
mento de Reforma Sanitária.
Destarte, é importante lembrar, nesse momento de mui-
tos ataques aos direitos sociais, em especial da saúde, que os ideais
defendidos pelo Movimento de Reforma Sanitária vão muito além
da garantia da atenção à saúde de forma pública e universal, estes
primam, a partir de uma visão ampliada da saúde, interferir nos
determinantes sociais do adoecimento e, com isso, abranger outras
áreas da vida. Obviamente, os princípios político-ideológicos que
norteiam a Reforma Sanitária são outros, e bem diferentes destes que
insurgiram pelas mãos da extrema direita no cenário atual. O hori-

- 58 -
zonte daquele movimento é a construção de outro modelo de socie-
dade e, por isso, tanto se choca com estes que estão em ascensão.
Diante disso, afirmam Bravo et. al. (2019), temos um SUS
completamente submetido ao mercado. Os autores expõem que, se
no governo Temer houve uma nítida defesa do projeto privatista de
saúde, agora no governo Bolsonaro, apenas em 1 ano de gestão, a
ampliação dessa articulação com setor privado será muito maior.

4. A reforma da previdência e os impactos aos trabalhadores


Com a justificativa da necessidade do ajuste fiscal e da sus-
tentabilidade do sistema previdenciário brasileiro, que segundo o
discurso governamental é deficitário, o governo de ultradireita de
Bolsonaro encaminhou em fevereiro de 2019 ao Congresso Nacio-
nal a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 06/2019), visando a
reestruturação do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e os
Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). No nosso entendi-
mento tratou-se de uma contrarreforma da previdência social com
o intuito de privatizá-la, além de promover uma redefinição da pró-
pria concepção de seguridade social instituída na CF de 1988, como
veremos na sequência, após sumariar as mudanças perversas dessa
proposta intitulada “Nova Previdência”, que tramitou por somente
oito meses no Congresso Nacional, passando a valer a partir da sua
promulgação em 8/11/19.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara
dos Deputados aprovou a reforma da previdência em 4/06/19, man-
tendo pontos danosos da PEC Original e propondo outros, a saber:
a) desconstitucionalização de regras previdenciárias, ou seja, retira-
da de temas previdenciários da CF de 88, deixando-os para serem
regulamentados por Leis Complementares, que são mais fáceis de
aprovação2; b) mudanças nas regras de elegibilidade dos benefícios,
com o aumento da idade mínima e/ou tempo de contribuição; c)
menor valor dos benefícios, isto é, rebaixamento para o valor da apo-
sentadoria de 60% da média dos salários de contribuição mais 2%
para cada ano de contribuição que exceder a 20 anos; d) mudanças
nas alíquotas contributivas dos segurados: a alíquota de desconto
passará dos atuais 11% para percentuais que vão de 14,5% a 22%; e)
2 Uma Emenda Constitucional exige a aprovação de 308 deputados e 49 senadores, em
duas votações em cada casa; uma legislação complementar exige 257 votos de deputados,
em duas votações e 41 senadores, em uma votação.

- 59 -
cobrança de contribuições extraordinárias dos servidores públicos,
aposentados e pensionistas, no caso de déficits atuários no respec-
tivo regime, alegado pelo governo; f) implementação de alterações
em alguns dispositivos da PEC Original que tratam das regras de
transição para os atuais segurados, dentre outras.
Na votação em plenário da Câmara dos Deputados, ocor-
rida em 1º turno, no dia 13/07/19, foi mantida a desconstitucionali-
zação da previdência; mudanças no orçamento da seguridade social,
com a separação contábil no âmbito da seguridade social para as três
políticas que a compõem; manutenção da Desvinculação das Recei-
tas da União (DRU), que permite que 30% das receitas de contribui-
ções sociais para a seguridade social tenham uma outra destinação;
retirada da proposta de regime de capitalização individual (que já
havia sido proposto pela comissão especial), contudo foi mantida a
tendência privatizante, que possibilita ao setor privado a venda de
benefícios não programados, ou seja aqueles cuja concessão não
estão previsíveis (morte, invalidez, doença, acidente e reclusão);
mudanças paramétricas que reduzem despesas previdenciárias e au-
mentam receitas: idade mínima aumentada, aumento da exigência
do tempo de contribuição para os homens, menor valor das apo-
sentadorias, menor valor das pensões, limitação na acumulação de
benefícios e mudança nas alíquotas contributivas dos segurados. No
segundo turno da votação, encerrado em 07/08/19, por 370 a 124
votos, foi aprovada a reforma da previdência na Câmara Federal, que
significou uma grande derrota para os trabalhadores(as).
No Senado Federal, com apenas nove horas de discussão, os
integrantes da CCJ aprovaram o relatório do relator da PEC 06/2019,
por 17 votos favoráveis e 7 contrários. Aprovaram, ainda, por unani-
midade, a PEC 133 – PEC Paralela, que foi uma estratégia dos parla-
mentares de reinserir propostas que não haviam sido aprovadas na
Câmara, visto que se o texto fosse alterado teria que retornar àquela
casa legislativa. Destaca-se que a proposta central da PEC Paralela é
a permissão para que estados, Distrito Federal e municípios adotem
integralmente as regras do RPRS, bastando unicamente a aprovação
de uma lei ordinária de iniciativa do Poder Executivo. Em plenário,
o Senado Federal aprovou definitivamente (2º turno) a reforma da
previdência em 23/10/19, pondo fim à previdência pública.
Com a aprovação da reforma da previdência, a seguridade

- 60 -
social será desmontada e a aposentadoria deixará de ser um direi-
to. Ocorrerá o fim da solidariedade do sistema social e a migração
para o assistencialismo e para o sistema de seguro social (FAGNANI,
2019). Os dados do DIEESE (2019) sobre o mercado de trabalho evi-
denciam essa assertiva, pois antes da reforma trabalhista, em função
da rotatividade do trabalho, em média, o trabalhador, num período
de 12 meses só consegue contribuir 9 meses. Além disso, quase 50%
dos trabalhadores estão na informalidade ou no trabalho precário e
consequentemente não terão condições de contribuir para um segu-
ro individual (um plano de capitalização), portanto não terão mais
aposentadoria.

5. Assistência social sob ameaça


A política de assistência social viveu um período de ascen-
são com seu reconhecimento como política pública pela Constitui-
ção Federal de 1988. Como fruto das lutas da classe trabalhadora, vi-
tórias substanciais foram alcançadas, como: sanção da Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS (Lei Federal no 8.742 de 7 de dezembro
de 1993), estabelecimento do Benefício de Prestação Continuada –
BPC pela própria Constituição Federal (com sua regulamentação em
1993 por meio da LOAS), aprovação da Política Nacional de Assis-
tência Social (2004), instituição do Sistema Único de Assistência So-
cial – SUAS (2005), dentre outras.
Nos governos de Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rous-
seff (2011-2016) ocorreu o processo de expansão dos equipamentos
sociais ligados à política de assistência social, com a operacionali-
zação dos níveis de gestão, definição das fontes de financiamento
e a maior estruturação do SUAS. Um dos programas iniciado no
Governo de Lula da Silva e, em certo sentido, adotado como carro-
-chefe das ações sociais foi o Programa Bolsa Família – gerado pela
Medida Provisória no 132 de 20 de outubro de 2003, convertida na
Lei no 10.836 de 9 de janeiro de 2004 e regulamentada pelo Decreto
no 5.209, de 17 de setembro de 2004. Tal programa se configurou a
partir de então como o maior e principal programa de transferência
de renda no país (SILVA, 2008).
O Bolsa Família se manteve nos governos de Dilma Rous-
seff (derrubada do poder em 2016 por meio de um processo escuso)
e de Michel Temer (2016-2018). Ao longo de sua existência, embora

- 61 -
se tenha ampliado o alcance da transferência de renda a segmentos
pauperizados da sociedade, o programa mostrou-se como uma me-
dida importante para as famílias assistidas que puderam ter acesso
a bens de primeira necessidade (SILVA, 2010), porém uma ação fo-
calizada e paliativa, porque se mostrou frágil na articulação com as
demais políticas sociais (saúde, educação, geração de emprego e ren-
da etc.) e incapaz de, por si só, enfrentar ou resolver o problema da
desigualdade social, o qual resulta da própria lógica de distribuição e
apropriação da riqueza. Uma atuação mais incisiva, na ótica de Silva
(2008, p. 55), pressupõe:
a necessidade de articulação dos Programas de Transferência de
Renda com uma política macroeconômica de crescimento susten-
tável e de redistribuição de renda, para que possam significar mais
que melhorias imediatas das condições de vida de famílias que vi-
vem em extrema pobreza, o que já é importante. Ou seja, para que
possam ultrapassar a denominada linha de pobreza.

Um capítulo nefasto da história da república no Brasil pas-
sa a ser escrito a partir da eleição de Jair Messias Bolsonaro, susten-
tando-se num discurso beligerante, conservador, de economia libe-
ral, de “combate à corrupção” e protofascista. Embora tenha contado
com amplo apoio da classe trabalhadora, suas medidas presidenciais
já revelam sua especial afeição pelas classes dominantes.
Falando especificamente da política de assistência social,
durante a corrida presidencial em 2018, poucas ações foram prome-
tidas pelo então candidato para este segmento. Basicamente, havia a
promessa de manutenção do Bolsa Família e de criação de um 13º
salário para os beneficiários deste programa (O CAMINHO DA
PROSPERIDADE, 2018).
No desenrolar de 2019, sob a direção do novo presidente,
a república teve um de seus pilares importantes atacado: a partici-
pação popular, por meio do Decreto presidencial no 9759, de 11 de
abril de 2019 (BRASIL, 2019), que extinguiu colegiados da admi-
nistração pública federal, como Conselho Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência (CONADE), Conselho Nacional de Com-
bate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/
LGBT), Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD),
dentre outros. A extinção de conselhos de direitos é uma ameaça à
democracia, porque estes se constituem como espaços de discussão

- 62 -
e de tomada de decisão, com vistas a subsidiar a construção de polí-
ticas públicas. Neles, trabalhadores, usuários das políticas e gestores
têm a possibilidade de opinar e fazer gestão direta sobre as políticas
públicas.
Concernente ao Programa Bolsa Família (PBF), como pre-
visto na plataforma de governo, houve sua manutenção, sob a gerên-
cia do Ministério da Cidadania. Todavia, durante 2019, conforme
Resende (2019), registrou-se uma gradativa redução do ingresso de
novos beneficiários, com um passivo de mais de 700 mil famílias na
fila de espera.
Segundo o autor, para o ano de 2020, o Governo Bolsonaro
não projetou a inclusão de novos beneficiários do PBF, pois previu
para 2020 um orçamento de 29,5 bilhões, valor inferior ao orça-
mento para o programa em 2019, que foi de 32 bilhões. Conforme
Cardoso e Brêtas (2019), devem ser mantidas em 2020 os mesmos
13,2 milhões de famílias beneficiárias contempladas em 2019, dado
o contingenciamento dos recursos. Além disso, o 13º do PBF, prome-
tido durante a campanha presidencial, foi viabilizado em 2019, mas
não está garantido para 2020, visto que houve uma redução de 7,8%
do orçamento do programa.
Num esforço deliberado de aprovar a qualquer custo a re-
forma da previdência, sob o argumento de desonerar os cofres pú-
blicos, o Governo Bolsonaro incluiu em seu pacote de maldades a
proposta de redução do Benefício de Prestação Continuada – BPC,
benefício assistencial de um salário mínimo (R$ 998,00 em 2019)
pago a idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência que não
tenham como prover sua subsistência ou tê-la assegurada por seus
familiares. A proposição era que idosos com idade inferior a 70 anos
recebessem um valor mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais). Esse
ponto foi extremamente polêmico e contou com ampla resistência
da sociedade, inclusive de setores pró-governo. Ao fim, a reforma da
previdência aprovada não gerou alterações no BPC, mas acaba por
indicar ser este um benefício que pode estar futuramente na lista de
cortes de um governo que cada vez mais desprestigia a área social.
Por fim, pode-se inferir que a assistência social não é uma
área prioritária do Governo Bolsonaro. É verdade que essa não é
uma constatação que seja motivo de surpresa, já que, durante toda a
campanha presidencial e nos vários pronunciamentos do já empos-

- 63 -
sado presidente e de seu ministro da economia, foi asseverado que
seu governo se orienta pelos ditames liberais, os quais primam pela
liberdade de mercado e redução da atuação do estado na área social.

6. Considerações finais
É indubitável que estejamos vivendo tempos perversos,
marcados pela restrição de direitos e, consequentemente, recuo da
proteção social em âmbito mundial. Behring (2019) diz que se trata
de uma barbárie ultraliberal que, no caso brasileiro, vem deprecian-
do rapidamente as políticas sociais que compõem a seguridade so-
cial do país.
Podemos afirmar que temos vivido grandes retrocessos
no que concerne às áreas da Saúde, da Previdência e da Assistên-
cia Social. Nesse texto, buscamos discutir, ainda que de forma bre-
ve, alguns dos principais ataques à seguridade social brasileira na
atualidade. São reflexões necessárias e urgentes diante de tamanha
destruição da proteção social vista nos últimos anos, sobretudo no
período pós o Golpe de 2016.
As contrarreformas não param, cada uma delas faz novos
ataques, e assim, a cada momento tomamos conhecimento de per-
das significativas, as quais se reconfiguram a proteção social. Desse
modo, é preciso conhecer, refletir e debater, pois acreditamos que o
conhecimento é o solo que constrói a resistência, ou seja, a luta por
dias melhores.

7. Referências
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- 66 -
BRASIL EM LIQUIDAÇÃO:
privatização e direitos sociais para a acumulação
dos capitais
Sara Granemann

É possível andar sem olhar para o chão.


É possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros.
Se te apetece dizer não, grita comigo: não!
(Letra para um Hino de Manuel Alegre in
“Manuel Alegre – 30 anos de poesia”.)

A 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Carta Magna bra-


sileira que, formalmente, é a mesma em vigência nos dias que cor-
rem. Nascia ali uma nova Constituição da República Federativa do
Brasil, elaborada após 21 (vinte e um) anos de prolongada ditadura
do grande capital (IANNI, 1981).
As lutas operárias, populares e de tantos segmentos sociais
e frações da classe trabalhadora pelo fim da ditadura do grande ca-
pital, determinaram condições muito particulares para que as pau-
tas políticas — das múltiplas e diferenciadas organizações da classe
trabalhadora — tivessem possibilidades de construção de padrões
jurídicos mínimos que assegurassem direitos sociais e do trabalho
até então não existentes no país. A classe trabalhadora em sua porção
mais organizada, no campo e na cidade, pressionava por melhores
condições de vida e pela superação da violência instituída pela dita-
dura militar que se prolongou entre os anos de 1964 e 1985.
O último governo do período ditatorial-militar foi o do
General João Batista de Figueiredo. Ainda sob a ditadura do gran-
de capital, o deputado Dante de Oliveira (PMDB/MT) apresentou
a Proposta de Emenda à Constituição Nº 5 do ano de 1983, para a
instituição de eleições por voto direto para a presidência e a vice-
-presidência da República que ocorressem em novembro de 1984. As
ruas no ano de 1983 e, sobretudo, no de 1984, foram marcadas por
grandes mobilizações em todo o país, num movimento denominado
Diretas já! Movimento constituído por estudantes, docentes, intelec-

- 67 -
tuais, artistas, sindicalistas, movimentos sociais urbanos e do campo,
muitos influenciados pela posição progressista da Igreja Católica e
de outras religiões, movimentos contra a carestia, de mulheres de
favelas e periferias das grandes cidades e por numerosos sujeitos so-
ciais coletivos que resistiram à ditadura e retomavam a cena socio-
política do país.
As lutas, contudo, não foram fortes o suficiente para apro-
var a PEC 5/83 e promover as eleições diretas. O Congresso Nacio-
nal, de costas ao clamor das reivindicações populares por democra-
cia efetivou, novamente, os anseios do grande capital; entre os dias
18 e 25 de abril de 1984, rejeitou a Proposta da Emenda nº 5/1983,
com a seguinte votação: 298 (duzentos e noventa e oito) votos a favor
da emenda, 65 (sessenta e cinco) contrários, 3 (três) abstenções e 113
(cento e treze) ausências. A aprovação da lei exigia 320 (trezentos e
vinte) votos.
Sucedeu-se mais uma vez um acordo pelo alto por meio do
qual a grande burguesia e os militares avalistas e condutores da dita-
dura impediram que o (seu) Estado sofresse sobressaltos e a domi-
nação social, instabilidades. O Congresso Nacional, palco desta tran-
sição de governos militares ditatoriais para governos civis, escolheu
entre duas chapas concorrentes à Presidência da República, para a
qual se candidataram representantes de dois partidos da ordem, a
vencedora tinha por candidato à ‘cabeça da chapa’ o deputado — de
longa data na política — Tancredo Neves pelo PMDB/MG (partido
de oposição dentro da ordem), cujo candidato a vice foi José Sarney
do PFL/MA. Sarney na chapa, represetava o partido surgido de dis-
sidência ao Partido Democrático Social (PDS), descontente com a
indicação de Paulo Maluf para as eleições de 19851. No Colégio Elei-
1 MDB e ARENA foram partidos organizados após o Ato Institucional nº 2, de 27 de ou-
tubro de 1965 que extinguiu 13 partidos e implantou o sistema bipartidário tomado por
referência ao existente nos Estados Unidos. O MDB (Movimento Democrático Brasilei-
ro), fundado a 24 de março de 1966, já na vigência da ditadura do grande capital, sempre
atuou como um partido da ordem, como uma oposição suave e branda e, por isto, tole-
rada nos marcos da ditadura. Em 1982 altera-se o nome do partido para PMDB (Partido
do Movimento Democrático Brasileiro) https://web.archive.org/web/20160926110928/
http://pmdb.org.br/institucional/estatuto
O PDS (Partido Democrático Social), fundado em janeiro de 1980, sucedeu ao partido
da ordem existente na ditadura, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), criada a 4
de abril de 1966. Mais tarde, o PDS, ele mesmo se dividiu em dois quando uma parte de
seus caciques fundou o PFL (Partido da Frente Liberal) em 24 de janeiro de 1985. O PFL
apoiou o PMDB na chapa contra o PDS de Paulo Maluf, outro homem da ditadura do
grande capital.

- 68 -
toral, a chapa de Tancredo Neves e de José Sarney foi a vencedora.
Entretanto, o presidente adoeceu gravemente e, hospitalizado sem
ter assumido o cargo, seu vice se tornaria o presidente do país. Vice
que, por sua vez, foi um dos homens da ditadura do grande capital;
tão esdrúxula situação poderia causar espécie se as “soluções” pelo
alto nunca tivessem sido utilizadas pela burguesia, no país. Todavia,
este tem sido o seu modus operandi, confirmado quando o vice, um
participante do regime ditatorial, assumiu o cargo máximo do país
no primeiro mandato que marcou o fim da ditadura como o con-
dutor à democracia, a 15 de março de 1985. Em 21 de abril de 1985
anunciou-se o óbito de Tancredo Neves em meio a uma grande co-
moção política em todo o Brasil.
Sob o mandato de José Sarney, a lei máxima do país foi
alterada como uma das saídas operadas pela concertação burguesa
para conter o momento de expansão da organização das trabalhado-
ras e trabalhadores. A mediação que o grande capital pactuou foi a
de tolerar algumas conquistas impostas por lutas da classe trabalha-
dora na Carta Magna. Sua articulação incluiu uma reação orques-
trada pelo que foi denominado Centrão, junção informal (não par-
tidária) de parlamentares conservadores, representantes de partidos
de direita e defensores dos interesses dos diferentes capitais. Longe
de perderem os dedos, os representantes da burguesia, no Estado,
entregaram seus menos valiosos anéis; não obstante, dada a histórica
ausência de direitos laborais no Brasil, as parcas vitórias possibilita-
ram melhorias em significativas dimensões da vida das trabalhado-
ra(e)s brasileira(o)s. São exemplos de conquistas impressas na Carta:
o reconhecimento dos direitos fundamentais, a instituição de direi-
tos sociais como os da Seguridade Social, a qualificação da tortura
como crime inafiançável e o estabelecimento de eleições diretas para
todos os níveis dos poderes Executivo e Legislativo, a partir de 1989.
Ao analisarmos, após mais de trinta anos da elaboração da
Constituição de 1988, pode-se dizer com segurança: a Seguridade
Social construída no Brasil com a Constituição Federal de 1988 não
é comparável ao experimento que instituiu o welfare state em solo
europeu; tampouco, no Brasil da segunda metade da década de 1980,
existiam as determinações que permitiram o estabelecimento do Es-
Para a constituição e desenvolvimento dos partidos, ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acer-
vo/dicionarios/verbete-tematico/partido
Consultas em 10 de fevereiro de 2020.

- 69 -
tado de bem-estar naquela restrita porção do mundo. Welfare State,
ele mesmo um programa do Estado bastante diferenciado de país
para país e, mais ainda, entre as diversas frações e nacionalidades da
classe trabalhadora na Europa de então.
Não é demais anotar, há muitas razões para tão grande dis-
tância entre umas e outras iniciativas que tornaram possíveis no Bra-
sil e na Europa, respectivamente, uma Seguridade Social limitada e
o Estado de Bem-estar Social. Os solos temporal e histórico – é disto
que se trata – da constituição de uma relação social foram distintos
no evolver do modo de produção capitalista nas diferentes forma-
ções sociais exatamente por serem relações sociais,
(…) não tem sua origem na natureza, nem é mesmo uma relação
social que fosse comum a todos os períodos históricos. Ela é evi-
dentemente o resultado de um desenvolvimento histórico anterior,
o produto de muitas revoluções econômicas, do desaparecimento
de toda uma série de antigas formações da produção social (MARX;
1988, p. 189).

O Estado Social desenvolveu-se com marcadas diferenças


no próprio continente europeu, porque resultou de uma experiência
limitada àquela porção do mundo, particular e sui generis. No Brasil,
as determinações: a) a II Grande Guerra Mundial, b) a existência da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e de sua vitória
sobre a máquina de guerra nazifascista, c) a destruição de países in-
teiros pelo conflito bélico de larga duração e a necessidade de os re-
construir abriram apetitosas possibilidades de inversão dos capitais e
de superação da crise econômica que os levou à guerra e, finalmente,
d) ao extermínio massivo de operários e de seus dirigentes de parti-
dos e sindicatos em todos os países envolvidos na guerra (NETTO,
1992), não podem ser comparadas ao impacto que a guerra ocasio-
nou ao Brasil e ao continente americano. O Estado Social não foi
estruturado no Brasil nem no ocaso da II Grande Guerra Mundial,
nem em momento algum do seu evolver histórico de nosssa forma-
ção social até os dias de hoje.
Ademais da situação de desorganização geral das vidas e
economias, ao final da guerra no continente europeu, a soldadesca
retornou extenuada para suas casas, mas portava, pendurada ao om-
bro, as armas com as quais saira vencedora das batalhas2 e tal situa-
2 Esta determinação nos é, regra geral, na bibliografia do surgimento do Estado de
Bem-Estar europeu, bem pouco presente no Brasil. Em 2014, quando realizei estágio

- 70 -
ção também determinou a emergência de direitos antes inexistentes
também no centro do capitalismo.
A particularidade da Seguridade Social no Brasil não é
comparável às iniciativas ocorridas em significativa fatia da Europa
porque, em nossa latitude, tais iniciativas não combinaram políticas
sociais às políticas de emprego. Mas aqui, urge anotar: é uma mis-
tificação pensar-se possível o pleno emprego no modo capitalista
de produção. No período entre 1945 a 1972, o emprego em alguma
medida foi ampliado em zonas geográficas específicas do planeta,
inclusive pela inadiável prioridade do lucro proveniente da recons-
trução do que, com a guerra, havia sido posto ao chão. Igualmen-
te, a necessidade da ampliação de espaços de acumulação deveria
ser refeita, dadas as lutas de libertação e independência dos países
que viviam no adiantado evoluir do calendário do século XX, como
colônias de nações europeias, mormente nos continentes africano e
asiático. Tais relações objetivavam garantir, agora com “diplomacia”,
o que antes fora por violenta dominação aberta, que as ex-colônias
continuassem a ser espaços de transferência de lucros das economias
periféricas para as nações centrais do capitalismo.
A Seguridade Social, no Brasil, foi acomodada na Carta
Constitucional de 1988. Seu artigo 195 estabeleceu que seu alcance
e seu financiamento seriam atribuições e responsabilidades de toda
a sociedade brasileira, eufemismo para justificar uma inexistente
igualdade econômica entre as diferentes classes sociais do país. De-
sigualdade ocultada para fazer parecer que ambas as classes sociais
são de natureza similar no controle e na posse da propriedade. O
financiamento da Seguridade está ali dividido, na aparência das re-
lações sociais, como responsabilidade identicamente compartilhada
por toda a sociedade pela via do pagamento de impostos e contri-
buições sociais aos capitais e à classe trabalhadora. Na essência, toda
a produção da riqueza – neste caso, mesmo ao assumir a forma de
pós-doutoral em Portugal tive contato mais sistemático com o debate e a bibliografia
da formação do Estado Social no continente. Compreendi pela pesquisa, a ausência de
tal determinação: ela deveu-se ao recolhimento das armas que estavam em poder de
importantes frações da classe trabalhadora no seu retorno da guerra. Organizada e em
armas a classe trabalhadora seria potencialmente perigosa para o capitalismo, que não
estava disposto a enfrentar revoluções superadoras do seu modo de produção e também
ameaçava ao estalinismo, já que por seu potencial questionador ao socialismo burocrá-
tico desenvolvido na URSS podia pela força das armas construir alternativas socialistas
às desenvolvidas no Leste-europeu e fazerem brotar um socialismo livre e democrático.
Assim, governantes capitalistas e Stalin agiram, cada qual ao seu modo, no sentido de
desarmar os trabalhadores e as trabalhadoras.

- 71 -
impostos e contribuições sociais oriundos de os capitais – jorra de
uma única fonte: a do trabalho expropriado de seu produtor, vale
dizer, das trabalhadoras e dos trabalhadores que produzem toda a
riqueza, inclusive o fundo público.
Na letra da lei, a seguridade social como dever do Estado
(da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios), “em
sua forma aparente”, é mediada por recursos diretos e indiretos re-
colhidos por impostos de toda sociedade. Ao dizê-la aparência não
se está a dizer que as contribuições e impostos não existam na vida
real; ao contrário, sua existência material consolida a ideia de que
a riqueza é formada por impostos. Toma-se a forma pelo conteúdo
oculto na forma e justifica-se o uso do fundo público gerido pelo
Estado em favor dos capitais.
Na carta constitucional foram estabelecidas as seguintes
contribuições sociais: a) do empregador e da empresa incidentes so-
bre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, da receita
ou faturamento e do lucro; b) do trabalhador e dos demais segurados
da Previdência Social; c) sobre a receita de concursos de prognósti-
cos (jogos e apostas); d) do importador de bens ou serviços do exte-
rior ou de quem a lei a ele equiparar. Não obstante, a retórica de que
a formação dos recursos estatais é de responsabilidade de toda a so-
ciedade, pesquisas de Salvador (2012) demonstram a regressividade
do financiamento do Estado brasileiro que recai, substancialmente,
sobre os ombros da classe trabalhadora. Conforme o autor,
A correlação da luta de classes no país, no contexto do neoliberalis-
mo, foi desfavorável aos trabalhadores e decisiva para o predomínio
dos impostos indiretos e regressivos na estrutura tributária. O sis-
tema tributário foi edificado para privilegiar a acumulação capita-
lista e onerar os mais pobres e os trabalhadores assalariados, que
efetivamente pagam a “conta”. Eles são os maiores responsáveis pelo
financiamento do Estado brasileiro, arcando com o ônus de mais
de 2/3 das receitas arrecadadas pela União, estados, Distrito Federal
e municípios. As aplicações financeiras são menos tributadas que a
renda dos trabalhadores assalariados. O capital foi o maior ganha-
dor do sistema tributário construído nos governos FHC e Lula. O
sistema financeiro paga menos imposto que o restante da sociedade.
(SALVADOR, 2012, grifos nossos)

O financiamento do estado brasileiro é escandalosamente


regressivo porque as contribuições para a formação da totalidade do

- 72 -
fundo público originam-se do trabalho, majoritariamente, da classe
trabalhadora. Na outra ponta da equação, temos uma inversão quase
completa: os recursos recolhidos pelo Estado no momento de sua
destinação são quase que inteiramente voltados aos capitais. Aos
trabalhadores e trabalhadoras restam apenas as sempre insuficientes
migalhas para a realização de políticas sociais que não conseguem
efetivar direitos.
No âmbito dos Deveres do Estado e dos Direitos Sociais de
cidadania foram instituídas as seguintes políticas sociais, de natureza
universal, pública e executadas pelo Estado: a de Seguridade Social
composta por Previdência Social, Saúde e Assistência Social; as de
educação, cultura, esporte, ciência e tecnologia, comunicação social,
meio-ambiente e a de proteção aos povos originários.
No Brasil, país de amazônicas dimensões e com população
de proporções continentais, a construção de um único sistema de
previdência pública foi proposta da classe trabalhadora no âmbito
da Constituição de 1988. Essa proposta, lamentavelmente derrotada
pelos capitais e seus representantes no Estado, deveu-se, suponha-
mos, ao interesse dos governantes dos distintos momentos do Estado
(Federação, Estados e Distrito Federal e Municípios) na “repartição”
e no controle da enorme riqueza mobilizada pelo sistema previden-
ciário público em várias mãos e sob o controle de diferentes poderes.
A disputa intracapitais pelo controle das cifras mobilizadas
pela previdência social pode ser dimensionada pelos grandes núme-
ros da economia do país que operam como indicadores das dimen-
sões e complexidade do Brasil. O Produto Interno Bruto (PIB) em
2018 alcançou os R$ 6.827.586 (seis trilhões, oitocentos e vinte e sete
bilhões e quinhentos e oitenta e seis milhões) ou US$ 1.896.551 (um
trilhão, oitocentos e noventa e seis bilhões e quinhentos e cinquenta
e um milhões) na conversão média reais/dólares R$3,6 = US$ 1,0,
para o ano de 2018. Em julho 2019 (IBGE-PNAD-C), a população
ocupada — aqui, sem distinção do contrato formal ou informal de
trabalho — somou 93,6 (noventa e três e seis) milhões de pessoas de
uma força de trabalho (pessoas ocupadas e desocupadas) estimada
em 106,2 (cento e seis e dois) milhões de trabalhadores/as de um
contingente total que beira os 210 milhões de habitantes.
Em uma economia que está entre as dez maiores do plane-
ta, é curioso notar: a proposta de unificação dos sistemas públicos
em um só regime de autoria da classe trabalhadora – e insisto derro-

- 73 -
tada, em 1988 – a cada nova contrarreforma da previdência, retorna,
agora defendida pelos proprietários dos capitais, como ameaça redu-
tora de direitos. Trata-se da defesa dos capitais por uma “isonomia
às avessas” para construir uma só previdência, homogeneizada não
pela integração dos institutos previdenciários, os RPPS, com a pre-
servação e extensão dos mais significativos direitos para toda a clas-
se trabalhadora. Ao contrário, a proposta dos capitais tem sido a de
fundir os deveres e os direitos tomados como referências de sua uni-
versalização, a sua expressão mais rebaixada, mais debilitada como o
modelo a ser estendido para todas as trabalhadoras e trabalhadores
do país. Advogam por isonomia a equiparação do mais precarizado
direito para todos.
A diferença entre as propostas reside no seguinte:
- A primeira, da classe trabalhadora, consolidaria direitos
mais ampliados, pela solidariedade de uma enorme participação, na
casa de milhões de trabalhadores, em um mesmo regime; situação
que possibilitaria, pelo grande volume de recursos arrecadados, pro-
piciar melhores aposentadorias, sobretudo para aquelas de valores
mais rebaixados, quase sempre de trabalhadores/as mais pauperiza-
dos na cadeia de trabalho do país.
- A segunda, do patronato, manteria a fragmentação dos
regimes e institutos, mas quer tomar o direito mais aviltado como
modelo para a sua extensão para toda a classe trabalhadora brasi-
leira, sob o discurso de que existem privilégios de uns trabalhado-
res sobre os outros. Aqui permitimo-nos um sarcasmo: a burguesia
brasileira quer induzir que sempre esteve preocupada em operar a
igualdade entre todos/as! Como a ela, como classe proprietária, a
igualdade, a fraternidade e a liberdade não serão viáveis, seu dis-
curso não é senão uma mistificação que localiza a injustiça como
algo presente no âmbito da previdência social, em particular, e nos
direitos sociais em geral.
A opacidade do discurso burguês e de seus estados opor-
tuniza instrumentos de difusão do modelo defendido pelos grandes
capitais e que remonta aos mínimos sociais recomendados pelo Ban-
co Mundial (1994), como o pilar público, “universal”, básico e, dize-
mos nós, muito reduzido em valores monetários.
O grande capital recomendava em todo o mundo como ca-
minho de superação à sua grande crise de finais da década de 1960 e
do início do decênio de 1970, a redução dos direitos dos trabalhado-

- 74 -
res/as, especialmente os previdenciários. Na direção oposta, no Bra-
sil dos anos finais da década de 1980, a força da classe trabalhadora
estruturava uma sólida política pública de previdência social que se
materializou na lei máxima de 1988, como uma política social de
previdência composta por dois sistemas públicos, estatais, de previ-
dência social:
1) O Regime Geral de Previdência Social (RGPS); sob
este regime abrigam-se os trabalhadores e trabalhadoras emprega-
dos pelos capitais bancários, agrários, industriais e comerciais. Os
empregadores contribuíam com cerca de 20% (vinte) sobre o total
das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, du-
rante o mês. Para trabalhadoras/es, os percentuais de contribuição
estabelecidos giravam em torno de 8% (oito) e 11% (onze) a depen-
der do valor do salário recebido, base para a contribuição e sobre o
qual incidem os diferentes percentuais, as alíquotas de contribuição
recolhidas ao Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, instituição
estatal que viabiliza o acesso aos direitos previdenciários e assisten-
ciais e os gerencia no interior do Sistema de Seguridade Social. Sob
Bolsonaro e Guedes, por diferentes medidas legislativas, os patrões
têm reduzido sistematicamente os índices contributivos para a ma-
nutenção da previdência pública.
No RGPS estão incluídos também as trabalhadoras/es que
exercem o trabalho nas residências de outrem (dito doméstico, como
mais uma reminiscência do escravagismo), na agricultura familiar,
na pescaria artesanal, no extrativismo, por conta própria e a maior
parte da força de trabalho empregada pelo Estado no âmbito dos
Municípios.
A magnitude deste regime público de previdência social
pode ser aferida nos números recentemente divulgados pelo Minis-
tério da Economia: em julho de 2019 foram pagos 35.226.976 (trinta
e cinco milhões, duzentos e vinte e seis mil e novecentos e setenta
e seis) direitos previdenciários e assistenciais, dos quais 30.461.814
(trinta milhões, quatrocentos e sessenta e um mil, oitocentos e qua-
torze) são direitos de aposentadoria; os demais direitos são de as-
sistência social dirigidos, sobretudo, àquelas/es que foram trabalha-
dores informais ao longo da vida e que não alcançam a exigência
mínima de contribuição; trabalhadores e trabalhadoras que não ti-
veram contratos de trabalho formalizados por estrita conveniência

- 75 -
dos patrões e que, igualmente, geraram riquezas para os capitais e ao
país que lhes devem, como inscrito na Constituição, proteger-lhes
por meio das políticas sociais previdenciárias, públicas, do Estado.
2) O Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) com-
pleta o sistema público de previdência social brasileiro. Destina-se
à força de trabalho empregada pelo Estado nos seus três momentos
constitutivos. Sob os RPPS abrigam-se trabalhadores civis e forças
policiais que conformam uma população de cerca de 10 (dez) mi-
lhões de trabalhadores e trabalhadoras, das quais cerca de 3 (três)
milhões em usufruto do direito às aposentadorias. Os RPPS distri-
buem-se por 2.130 (dois mil, cento e trinta) institutos de previdên-
cia, assim conformados: 01 (um) na Unidade Federativa, 26 (vinte e
seis) nos Entes Estaduais, 01 (um) no Distrito Federal e 2.102 (dois
mil cento e dois) em Entes Municipais.
Os RPPS, assim como o RGPS, são políticas sociais bem
estruturadas e que operam por repartição, por solidariedade. Ade-
mais, movimentam mensalmente grandes magnitudes de riqueza e,
por isto, ao longo destes 32 (trinta e dois) anos da existência da polí-
tica de Seguridade Social estabelecida na Constituição do país, os re-
gimes previdenciários sofreram modificações recordes na sua origi-
nal estrutura jurídico-legal. No período, os sistemas previdenciários
foram alterados por sete Emendas Constitucionais (EC) e uma ten-
tativa (sob o governo golpista de Michel Temer) que a classe traba-
lhadora alcançou sucesso e impediu-lhe de se realizar. Tais emendas
à Constituição, desfiguraram a política de Seguridade Social, razão
pela qual os sistemas de previdência social, públicos, desde sua for-
mação, têm sido a política social que mais ataques e desestruturações
sofreu ao longo deste período de contrarreformas.
No imaginário popular, as “reformas” são tomadas por
momentos alvissareiros, de vitórias no cotidiano quando, por exem-
plo, residências humildes de trabalhadores empobrecidos, sofrem
modificações há muito tempo cultivadas e sonhadas para a melhoria
da qualidade de vida e de habitação para seus próprios habitantes.
Assim, também chamamos de reformas aquelas leis que acrescen-
tam direitos; e, por contrarreformas as modificações que suprimem
direitos sociais e trabalhistas. Sua execução aumenta o sofrimento da
classe trabalhadora ao prejudicar-lhes as condições de vida e de tra-
balho, por seu rebaixamento. Ao realizarem-se, as contrarreformas
elevam a exploração da classe trabalhadora.

- 76 -
No mundo político, reformas sociais, estruturais já foram
edificadas e reconhecidas como vitórias da “economia política do tra-
balho contra a economia política do capital”. Como já o afirmamos,
no curso de três décadas foram efetivadas várias contrarreformas à
Constituição brasileira e aos artigos específicos de Seguridade Social
em geral e da previdência social, pública, em particular; todas elas
prestaram-se a reduzir direitos, seja pela elevação da contribuição,
da exigência de aumento da idade e da combinação de novos parâ-
metros aos já existentes para o alcance da aposentadoria para torná-
-la mais empobrecida e mais difícil de ser alcançada.
As Emendas Constitucionais, cujas contrarreformas foram,
até então, as mais profundas são as seguintes: a EC nº 20/1998 pro-
posta e aprovada por iniciativa do governo de Fernando Henrique
Cardoso e a 41/2003 encaminhada ao Legislativo no momento de
maior popularidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. As duas
EC, cada uma, em média, acrescentou 07 (sete) anos de tempos de
trabalho e de contribuição ao já exigido e reduziu, também em mé-
dia, 30% (trinta) dos valores das aposentadorias e pensões das tra-
balhadoras e trabalhadores do país. Mas, a EC 103/2019, do governo
de Jair Bolsonaro/Paulo Guedes, conseguiu superar a trajetória de
supressão de direitos, anteriormente, realizada; todavia, é quase uma
obviedade demarcar, para que esta última pudesse ser tão profunda
ela “beneficiou-se” (contém ironia) das anteriores e alcançou o posto
de a mais perversa para a vida da classe trabalhadora brasileira, nas
últimas três décadas.

Argumentos para contrarreformar os sistemas solidários de


previdência social: a produção dos mitos
Os falsos argumentos para legitimar a destruição dos siste-
mas de repartição foram e o são largamente utilizados no Brasil e po-
dem, grosso modo, ser agrupados em oito (poderão ser mais) eixos
da contrarreforma. Ao serem difundidas as falsas premissas geram
insegurança e, ao mesmo tempo, a “oportunidade” de transformar o
suposto risco de desamparo em um negócio pela via da “previdência
privada” apresentada como saída factível e segura para substituir a
proteção previdenciária pública e solidária. São os argumentos:
• Financiamento da Previdência Social. Os argumentos:
estados e capitais divulgam valores insuportáveis e crescentes nos

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gastos das aposentadorias dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Propagam a iminência da quebra do Estado e o “Custo Brasil” como
um dos mais elevados investimentos em direitos previdenciários
do mundo; responsabilizam os impostos e as contribuições sociais
previdenciárias e da Seguridade Social realizados pelos capitais pelo
desemprego e pela evasão de riquezas de estrangeiros que, por sua
vez, são sempre os denominados “heróis” geradores de riqueza a ser
distribuída à população trabalhadora. Anunciam mês após mês, por
meio dos grandes aparatos midiáticos, o desmantelamento e a falên-
cia dos mercados que não podem suportar o alto nível de vida e de
direitos previdenciários da classe trabalhadora brasileira. Os fatos:
não informam a existência de quatro práticas utilizadas por gran-
des bancos, capitais industriais e pelo agronegócio que equivalem ao
ano a um orçamento da Seguridade Social. Os quatro instrumentos
driblam a obrigação de os capitais aportarem impostos e obrigações
à Seguridade Social e à previdência pública. No Brasil, a sonegação
de impostos (burlar a lei e não recolher ao Estado os impostos devi-
dos), a Dívida Ativa Previdenciária (empregadores que deixam de
recolher os impostos devidos sobre a folha de pagamento dos traba-
lhadores), as isenções que o estado concede aos capitais, oferecidas
aos capitais como estímulos à geração de postos de trabalho; e, por
fim, a Desvinculação das Receitas da União (DRU), mecanismo
que permite ao Executivo retirar do orçamento anual da Seguridade
Social, desde 1994, um percentual atualmente de 30% (trinta), sem
que seja necessário estabelecer a priori com o que se gastará. O em-
prego desta soma estratosférica somente se dá a conhecer no ano se-
guinte. Estes quatro instrumentos potencializam o desfinanciamento
do sistema de seguridade social pela burguesia.
• Demografia e idade mínima das aposentadorias. Os
argumentos: A proposta de elevação da idade mínima para a apo-
sentação é sempre acompanhada de estatísticas para demonstrar
que, nos séculos XX e XXI, a idade e a expectativa médias de vida
chegaram aos níveis mais elevados da história humana (argumen-
to desprovido de senso histórico, já que as próprias políticas sociais
passaram a existir na idade dos monopólios, quando o Estado dos
capitais encontrou sua idade madura sob o modo de produção capi-
talista) e que isto torna inadministrável o provimento de aposenta-
dorias “generosas” como as praticadas no pós-segunda grande guerra

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mundial em boa parte dos países do mundo que construíram siste-
mas previdenciários, diga-se de passagem, muito diferentes entre si.
A tática política consiste em acenar aos jovens uma solidariedade
típica dos capitais – a chamada “previdência privada”, sempre em-
balada no argumento do empreendedorismo, para compensar os
hipotéticos sacrifícios depositados sobre os jovens ombros para que
idosos tenham uma vida “privilegiada” em direitos sociais. Os fa-
tos: no Brasil, a exigência de idade mínima de 65 anos é superior
ao tempo médio de vida de homens e mulheres em vários estados
da federação e, principalmente, ao de Estados do Norte e Nordeste
do Brasil. Em muitos outros, a idade média de vida é ligeiramente
superior à exigência de idade mínima para aposentadoria em apenas
3 a 5 anos acima dos estabelecidos pela política social de previdên-
cia. O argumento de privilégios em aposentadorias generosas — que
trabalhadores/as foram os construtores — e acumuladas por déca-
das não possui amparo na realidade que, ao contrário, estrutura-se
sobre a perversa exigência de que se trabalhe até a hora da morte.
Governos e capitais questionam o alargamento demográfico como se
a maior conquista da humanidade alcançada, sobretudo, nos últimos
70 anos, fosse um óbice à realização dos direitos sociais. Do aumen-
to da produtividade do trabalho, em muito superior ao aumento da
expectativa de vida, não há sequer uma “lembrança” da parte dos
técnicos, dos capitais e dos governos. A produtividade do trabalho
tem sido a variável olvidada da equação relativa à contribuição do
trabalho para o direito à aposentadoria. A atuária, a estatística e o
conhecimento em geral não são ciências neutras e podem ser pos-
tas a serviço de encontrar a melhor condição etária para devolver
aos trabalhadores e trabalhadoras seus anos de produção de riqueza
social na forma de aposentadorias ou aproximar-lhes o alcance do
direito, o máximo possível, do momento da morte como punição
por seu lugar de trabalhador/a na vida social.
• Extinguir diferenças nas regras para homens e mulhe-
res. Os argumentos: as lutas das mulheres levaram-nas a alcançar,
em todo o mundo, condições de trabalho, de salário, de jornada de
trabalho e de vida muito equilibradas em relação aos homens, dizem
os tecnocratas nos ministérios de economia, de planejamento, no Es-
tado. Afirma-se mesmo, sem respeitar a enorme diferença encontra-
da na vida das mulheres nos diferentes países, que nós as mulheres

- 79 -
alcançamos uma certa vantagem em termos de longevidade humana
quando comparada a dos homens. Transformam a desigualdade de
condições de vida e trabalho em uma guerra machista, misógina de
homens contra as mulheres de uma mesma classe social para assim
justificar a abolição das condições diferenciadas de aposentação en-
tre homens e mulheres. Os fatos: Sabe-se que mesmo nos países de
economias centrais as mulheres permanecem com jornadas maiores
do que as dos homens, mormente pelas suas diferenciadas responsa-
bilidades na reprodução social da vida sob o modo de produção ca-
pitalista. Mesmo em países em que as políticas sociais de educação e
de saúde ainda não tenham sido inteiramente desmontadas, crescem
as privações no acesso à proteção social. Nas economias centrais, e
de modo mais contundente nas periféricas, quando faltam mecanis-
mos de proteção sociais públicos a reprodução da vida – crianças e
idosos – novamente recai sobre a responsabilidade das mulheres. Em
um país como o Brasil, no qual o machismo é estrutural à reprodu-
ção do modo capitalista de produção, casamentos com significativas
diferenças de idade entre os cônjuges quase sempre implicam que
as mulheres tenham menos idade ao se casarem. Aos homens, ao
contrário, um matrimônio com grande diferença de idade confere-
-lhes atributos viris. Disciplinar a aposentadoria a partir da idade de
um dos cônjuges é carregar para a normatização jurídica traços da
dominação patriarcal mais moralistas e abjetos da sociedade capita-
lista. Investigações no interior do Ministério da Previdência Social
identificaram no sistema de Seguridade Social diferenças de idade
significativas entre cônjuges nas regiões mais pobres do país; o passo
seguinte foi construir a lei para que tais diferenças fossem, seletiva e
arbitrariamente, impedidas de ocorrer. As mulheres mais pobres per-
deram anos de direitos à pensão, porque a análise dos dados atribui
como elemento motivador das uniões com significativas diferenças
de idade e por interesses nas pensões. Neste processo, ainda uma vez,
aos trabalhadores e trabalhadoras pobres o Estado arvora-se deter-
minar com quem se pode contrair relações afetivas e matrimoniais;
aos ricos e homens, supostamente, as uniões com grande diferença
de idade atestam e conferem-lhes, mais poder e vigor sexual. Ade-
mais, o que o título deste ponto três enuncia é o propósito de supri-
mir os êxitos da luta feminista em fazer reconhecer na lei as nossas
múltiplas jornadas de trabalho (cuidar da casa, dos filhos, estudar e

- 80 -
trabalhar) e, por isto, alcançar a aposentadoria com exigências me-
nores, na idade e no tempo de contribuição. A (ir)razão deste ataque
aos direitos das mulheres ampara-se nos dados demográficos que,
também no Brasil, apontam ligeira superioridade na expectativa de
vida das mulheres em relação aos homens. Trata-se de pôr em cur-
so, no âmbito da política social de previdência social, uma investida
seletiva e enérgica aos direitos das mulheres. Silenciosamente, sob
a contrarreforma da previdência, desvaloriza-se o trabalho privado
realizado no ambiente da vida pessoal e legitima-se, na lei, as múl-
tiplas formas de violência que vitimam mulheres por subtrair-nos o
reconhecimento por tarefas tão pesadas da reprodução da vida que,
com enorme frequência, compõem o adoecimento feminino e as de-
savenças machistas entre casais.
• Regras das pensões por morte. Os argumentos: pessoas
viúvas com empregos e aposentadorias pesam sobremaneira na po-
lítica de previdência social porque são duplamente beneficiadas com
aposentadorias e pensões (por morte do cônjuge) e com filhos que
acima de 14 anos já são considerados, no Brasil, aptos para o traba-
lho; receber pensões até a idade de 21 anos quando da maioridade
civil seria um privilégio e um incentivo ao não trabalho. Os fatos:
como no item anterior são as mulheres que, embora pratiquem múl-
tiplas jornadas de trabalho, vivem mais e que por isto são, nume-
ricamente, as detentoras dos benefícios de pensões porque cuidam
de sua prole. Impressiona também como aos filhos e às filhas das
camadas médias urbanas e à burguesia não se questione o direito à
educação e à ‘pensão’ (heranças) em caso de morte dos genitores. Já
aos descendentes dos trabalhadores a lei quer destinar percentuais
de pensão (cerca de 10% por filho); percentuais, para o exclusivo
sustento biológico, em geral, muito pobre em termos nutricionais.
O trato dispensado aos filhos dos trabalhadores quando órfãos de
seus genitores não parece razoável à burguesia e ao Estado porque
o recurso à pensão pode estimular a preguiça e hábitos marginais.
• Previdência rural. Os argumentos: Apocalípticas pre-
visões de formuladores das contrarreformas no Brasil consideram
trabalhadores e trabalhadoras do campo portadores de favoráveis
condições de aposentação, porque o fazem com menos tempo de
contribuição e sobre um percentual relacionado à venda da produ-
ção doméstica anual da agricultura familiar. A agricultura familiar é

- 81 -
responsabilizada de modo significativo pela geração dos difundidos
falsos déficits previdenciários porque, avaliam os economistas mis-
tificadores, são poucas e insuficientes as suas contribuições para o
financiamento de suas aposentadorias pela previdência social. Os fa-
tos: No país do agronegócio, depredador ambiental para a produção
de itens como a carne e a soja para exportação, a produção de alimen-
tos para a maioria dos habitantes do país é realizada exatamente pela
desacatada agricultura familiar, responsável por 70% (setenta) do
alimento produzido, para abastecer campo e cidades; tais pequenas
unidades rurais, como o próprio nome o indica, são mantidas com
o trabalho camponês, em sistema familiar e doméstico. No RGPS,
trabalhadoras e trabalhadores rurais, empregados pelo agronegócio,
estão dentre aqueles com menor nível de proteção previdenciária e
que, ao mesmo tempo, sofrem profunda degradação de sua força de
trabalho. Trabalhadores rurais e mais recentemente as/os trabalha-
doras domésticas constituem o conjunto da força de trabalho que,
no interior da classe trabalhadora, mais precoce e prematuramen-
te, principia a trabalhar e infrequente, sem registros trabalhistas e
sem qualquer garantia e proteção da parte dos grandes proprietários.
Ademais, os capitais agrários praticantes do agronegócio defendem a
continuidade de isenção de impostos para a exportação de grãos. Ao
mesmo tempo em que a contribuição do agronegócio tem sido tra-
tada com leniência por diferentes governos, aos trabalhadores rurais
reserva-se o aumento da alíquota e a desmoralização ao responsabi-
lizá-los por inexistentes déficits previdenciários.
• Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS). Os
argumentos: a Constituição da República Federativa do Brasil (ar-
tigo 40) e a Lei nº 9.717/1998 disciplinam a existência de RPPS que,
conforme os governos, são constituídos de uma massa de trabalha-
doras e trabalhadores privilegiada, com salários altos e condições de
trabalho muito acima de seus equivalentes do mundo privado. Os
fatos: No Brasil dos anos de 1990, quando da implantação das polí-
ticas econômicas e culturais típicas do neoliberalismo, foi a força de
trabalho empregada pelo Estado e nas estatais quem mais resistência
ofereceu ao desmonte do Estado. A defesa do trabalho e das políticas
sociais para a classe trabalhadora em geral faz da força de trabalho
empregada pelo Estado nos seus diferentes momentos um importan-
te dique contra a supressão dos direitos da classe trabalhadora como

- 82 -
um todo. A condição de trabalho estável tem sido também valioso
instrumento para a luta contra os privilégios dos capitais por meio
de denúncias de desvios e de combate às práticas de corrupção no
manejo do orçamento público; trabalhadoras/es empregadas/os pelo
Estado, pelo instrumento da estabilidade no cargo após realização de
concurso e periódicas avaliações tem elaborado tecnicamente e por
pesquisas acadêmicas relativas ao estado e às políticas sociais argu-
mentos para obstaculizar o mau uso do fundo público.
• Convergência dos sistemas previdenciários. Os argu-
mentos: a existência de tão diferenciados e fragmentados sistemas
(RGPS e RPPS) produz condições muito variadas de direitos e tor-
na inadministrável o sistema previdenciário brasileiro, marcado por
distinções aos mais “ricos” sobre os mais “pobres”, às mulheres sobre
os homens, os mais velhos sobre os jovens e o campo sobre a ci-
dade. Os fatos: conforme já sinalizado nesse texto, a edificação de
um único sistema previdenciário sempre foi uma bandeira cara à
classe trabalhadora. Durante a elaboração da Carta Constitucional
de 1988, trabalhadoras/es amargaram derrotas e o texto constitucio-
nal estabeleceu diferentes regimes previdenciários, consoante a que
contratante se vendesse a força de trabalho. Atualmente, como enfa-
tizamos em item anterior, interessa à União concentrar esta multimi-
lionária fatia do fundo público – outro modo de se referir à riqueza
socialmente produzida por trabalhadores – sob um único controle;
provavelmente acumulada no momento, naquele que é mais eficaz
para transferir aos capitais portadores de juros a riqueza socialmente
produzida pela classe trabalhadora e que escorre como remuneração
de títulos da dívida pública para os grandes capitais sob a forma de
capital fictício.
• Desvincular os benefícios pagos no RGPS do Salário
Mínimo. Os argumentos: o salário mínimo é o responsável pelos
renitentes déficits do sistema previdenciário no Brasil. O estabeleci-
mento de um sistema universal público que provesse um valor mí-
nimo e universal seria mais justo e oportunizaria aos interessados
buscar formas alternativas de previdência para o complemento de
suas rendas, asseguram os grandes capitais e seus representantes nas
agências multilaterais. O Salário Mínimo alcança o insuficiente valor
de R$ 1.045,00 (Um mil e quarenta e cinco) ou US$ 195,5 (cento
e noventa e cinco e cinquenta) ao mês embora, segundo, o Fundo

- 83 -
Monetário Internacional, a economia brasileira continue a ocupar o
posto de a 9ª (nona) maior economia do planeta. Os fatos: as lutas
da classe trabalhadora, desde 1988, têm impedido que o desejado re-
baixamento dos valores dos direitos sociais para metade ou um terço
do salário mínimo, como remuneração a ser paga como direitos de
aposentadoria, pensões e assistência no sistema de seguridade social,
ocorra. As aposentadorias com valores maiores do que um salário
mínimo são, progressivamente, residuais no RGPS. Entretanto, to-
das as vezes em que há reajustes e correções nos valores do salário
mínimo são corrigidos os valores pagos aos benefícios da Seguri-
dade Social. Para os capitais, e este é um projeto antigo, os valores
dos benefícios deveriam ser, tal como recomenda o Banco Mundial
(1994), “suficientes apenas para combater a indigência na velhice”. O
que é suficiente dependerá sempre da luta de classe em cada país e
em cada conjuntura. Comumente, aos capitais e governos, no Brasil,
tal valor não seria nada além do que, no máximo, um terço do sa-
lário mínimo. Como, em Karl Marx, o valor da força de trabalho é
determinado na relação social da produção capitalista nas lutas das
classes sociais. Veja-se:
A soma dos meios de subsistência deve ser, portanto suficiente para
mantê-lo no nível de vida normal do trabalhador. As próprias ne-
cessidades naturais de alimentação, roupa, aquecimento, habitação
etc. variam de acordo com as condições climáticas e de outra natu-
reza de cada país. Demais, a extensão das chamadas necessidades
imprescindíveis e o modo de satisfazê-las são produtos históricos
e dependem, por isso, de diversos fatores, em grande parte do grau
de civilização de um país e, particularmente, das condições em
que se formou a classe dos trabalhadores livres, com seus hábitos
e exigências peculiares. Um elemento histórico e moral entra na
determinação do valor da força de trabalho, o que a distingue das
outras mercadorias. Mas, para um país determinado, num período
determinado, é dada a quantidade média dos meios de subsistência
necessários. (MARX, 1988, p. 191).

Razão para contrarreformar a previdência pública: a aber-


tura de espaços à “previdência privada”
No debate geral sobre a previdência social de outros no
Brasil, especialmente ao se a comparar aos sistemas existentes em
outros países, costuma-se dizer do sistema previdenciário brasileiro
que ele é um regime misto. De nosso ponto de vista, tal afirmação
não é somente equivocada: é perigosa porque assume a mistifica-

- 84 -
ção ideológica dos capitais em tudo contrária à previdência pública
e toma a “previdência privada” por uma forma outra, variada e por
uma alternativa previdenciária ao lado da previdência pública. Para
nós, nada mais arriscado do que a naturalização das relações sociais.
Ao que tecnicamente denomina-se no Brasil previdência comple-
mentar nomeamos, sem rodeios, “previdência privada”, sempre entre
aspas para chamar a atenção de que isso não é uma outra forma de
previdência. Ao que se nomina previdência privada é, na forma e no
conteúdo, um investimento do mercado de capitais.
No Brasil da ditadura do grande capital, no ano de 1977,
instituiu-se a “previdência privada” e se lhe alcunhou também por
previdência complementar. A ideia que precisava crescer de que a
previdência social como política social deveria ser complementada
no mercado, como uma outra qualquer mercadoria que se compra e
se vende. Na época, instituído o mercado de capitais e impulsionada
uma nova fase do desenvolvimento do capitalismo no país – a idade
dos monopólios – havia que se arranjar riqueza para movimentar o
sistema de crédito, de capital a juros e de capital fictício. Urgia ele-
varem-se as finanças – movimento necessário do desenvolvimento
dos monopólios – a outro patamar, qualitativamente novo e supe-
rior em termos de organização dos negócios financeiros. O dinheiro
necessário para a alavancagem do negócio buscou-se aos trabalha-
dores pela realização de um rebaixamento do nível histórico moral,
civilizatório, do que se deve proteger e permitir como direito para
a classe trabalhadora no Brasil; mas, não seria fácil convencer aos
trabalhadores e trabalhadoras, sob a violência de uma ditadura já em
seu período de crise, que aderissem a algo que lhes oferecia a dita-
dura do grande capital; então, o Estado e as grandes corporações de
capital internacional proporcionaram-lhes vantagens para os atrair à
“previdência privada”. Os trabalhadores/as não o sabiam, mas essas
escolhas foram as protoformas de um largo processo de derruição da
previdência pública no Brasil.
Na montagem dos sistemas de investimentos de capitais
nominar por previdência aos investimentos privados, de risco e de
integração especulativa aos mercados nacionais e internacionais, foi
a estratégia ideo-política utilizada para seduzir frações da classe tra-
balhadora que, naquele momento, estavam com salários comprimi-
dos pela ditadura que lhes proibia, com muita violência, qualquer
manifestação por melhores condições salariais e de vida.

- 85 -
O sistema de “previdência privada” foi construído sob dois
pilares: a) a “previdência privada” Fechada também denominada
pension funds. Esta forma diz respeito ao universo de uma categoria
de trabalhadores, por exemplo, os metalúrgicos, os bancários. Tra-
balhadores de outras categorias ou de outras empresas não podem
fazer parte desta “previdência” ou o que é o mesmo, deste fundo de
pensão; para dela participar, deve-se trabalhar na empresa, deve-se
constituir aquela categoria profissional. b) A “previdência privada”
Aberta é a negociada, mercadejada, por bancos, corretoras e segura-
doras, etc. Nesta, não há qualquer vinculação com a categoria profis-
sional do aderente, do consumidor. Basta o contrato individual com
uma instituição bancário-financeira para a aquisição, no largo prazo,
de uma espécie de seguro ou poupança com regras draconianas, para
o comprador, em geral muito mais duras do que as aplicadas em um
seguro comum.
Sobre os riscos há para se dizer: as duas formas de “pre-
vidência privada” – a fechada e a aberta – baseiam suas projeções
de rendimentos, as cobranças e a contribuição dos “associados” em
expectativas de lucro futuro e na manutenção de altas taxas de ju-
ros pagas pelo Estado na remuneração de títulos da dívida pública,
papéis do Estado, compradas por estas não previdências, por inves-
tidores nacionais e estrangeiros (fundos de pensão, AFP, bancos, em-
presas privadas, estatais de outros países, etc.). Os valores recolhidos
dos trabalhadores a cada mês constituem um fundo de recursos que
é disponibilizado ao mercado de capitais que, por sua vez, põe em
curso o satânico moinho da especulação. As transações realizadas
com as renúncias mensais dos salários de trabalhadoras e trabalha-
dores com o propósito de uma previdência são disponibilizadas sob
a forma de capital e operam, simultaneamente, no aumento da ex-
ploração dos trabalhadores e na imposição de ajustes fiscais nos re-
cursos públicos antes destinados às políticas sociais (especialmente
saúde, previdência e educação) com o fito de alcançar os superávits
exigidos pelos investidores, proprietários dos títulos públicos tam-
bém denominados “previdência privada”.
No caso da “previdência privada”, não há solidariedade en-
tre trabalhadoras e trabalhadores como existe na previdência públi-
ca. Nesta forma financeira dita “previdência privada”, o modus ope-
randi é a capitalização.

- 86 -
A formação do capital fictício chama-se capitalização. Cada recei-
ta que se repete regularmente é capitalizada em se a calculando na
base da taxa média de juros, como importância que um capital, em-
prestado a essa taxa de juros, proporcionaria; (…). Toda a conexão
com o processo real de valorização do capital se perde assim até
o último vestígio, e a concepção do capital como autômato que se
valoriza por si mesmo se consolida. (…). Do que não se exclui, de
modo algum, a possibilidade de que representem mera fraude. Mas
este capital não existe duplamente, uma vez como valor-capital dos
títulos de propriedade, das ações, e outra vez como capital realmen-
te investido ou a investir naquelas empresas. Ele existe apenas nesta
última forma, e a ação nada mais é que um título de propriedade,
pro-rata, sobre a mais-valia a realizar por aquele capital. (MARX,
1983, p. 11 - grifos nossos).

Sob a ditadura da capitalização, as aposentadorias depen-


dem de que a realidade se encaixe nas projeções futuras de atuários,
economistas e de um conjunto de profissionais que vivem a ser des-
mentidos pela própria vida real já que, raramente, conseguem ante-
cipar as crises futuras, típicas do modo capitalista de produção.
Dizer regime de capitalização é dizer-se investimento em
capitais portadores de juros e em capitais fictícios; é dizer, de modo
mais simples, especulação com o futuro de trabalhadores que quan-
do chegar os encontrará velhos e com grandes possibilidades de vi-
verem no desamparo porque sem aposentadorias ou com aposenta-
dorias miseráveis que não lhes permitirão viver.
A “previdência privada” aumenta, sofistica a exploração
dos trabalhadores porque um fundo de pensão e uma previdência
aberta investem as cotas de renúncias de vida de trabalhadores a ela
associadas, todos os meses, em uma promessa que para existir com-
prará ações de empresas as mais lucrativas; ao investir em ações fará
o mesmo movimento – quer seja um fundo de pensão ou um banco
ou uma seguradora – que todo e qualquer capital ou investidor faz:
exigir que a exploração dos trabalhadores e trabalhadoras daquela
empresa na qual investiram, aumente. É do modo de ser dos capitais
alcançar mais lucros, potencializar a acumulação; para melhor remu-
nerar as ações, mais extração de trabalho não pago deve ser arranca-
do dos trabalhadores, mais demissões, mais contratos terceirizados,
mais informalização para que tal empresa seja a mais lucrativa pos-
sível. Não há outra fórmula para elevar os lucros senão pela explora-
ção da força de trabalho. Assim, teremos por resultado, o seguinte:

- 87 -
trabalhadores reunidos em uma “previdência privada” para terem a
expectativa e, não mais do que isto, de uma aposentadoria que lhe
devolva o que cada um poupou ao longo da vida deverão desejar que
os trabalhadores/as da empresa na qual a sua “previdência privada”
foi investida, comprou ações, sejam crescentemente explorados.
Se a outra alternativa de investimento dos recursos da
“previdência privada” – e elas não são excludentes, senão que combi-
nadas – for a de comprar, de ‘investir’ em títulos públicos há que se
torcer pela manutenção de altas taxas de juros pagas pelos Estados;
mas, sabe-se que tanto maior a dívida de um Estado com o paga-
mento dos juros e do principal aos capitais, menor será o orçamento
destinado aos salários da força de trabalho empregada pelo Esta-
do, menor será o orçamento para a construção e manutenção dos
hospitais públicos, das escolas e das universidades, menos recursos
existirá para o pagamento da previdência pública. Taxas de juros e
política de endividamento público para remunerar capitais exigirão
mais impostos pagos pelos trabalhadores ao estado e menos políti-
cas sociais, públicas, estatais de proteção à vida para a realização de
direitos sociais da classe trabalhadora.
Tais “evidências” não estão estampadas nos jornais e, tam-
pouco, integram os discursos e projetos de lei de Presidentes, Minis-
tros de Estado, Deputados. Já se sublinhou acima que a “previdência
privada” necessita ser nominada previdência porque, do contrário,
e com outro nome, a adesão a estes capitais fictícios e portador de
juros, seria baixa ou nula. A “previdência privada” é uma luminosa
fonte de recursos por se renovar e crescer pelo acúmulo resultante
das contribuições de muitas décadas, de mulheres e homens traba-
lhadoras/es. Todavia, a “previdência privada” como projeto não se
pode impor senão com as forças das ditaduras do grande capital, não
raro combinadas aos processos culturais centrados no individualis-
mo e nas vãs ideias de empreeendedorismo elevados à ciência pela
pós-modernidade. A substituição do sujeito coletivo (organizado em
sindicatos, partidos, movimentos sociais) pelo indivíduo embalado
na disputa e na concorrência, traços articuladores do modo capita-
lista de produção, tem na “previdência privada” a sua mais completa
tradução: a substituição da solidariedade e da repartição por merca-
dos e por investimentos individuais. Nada disto pode se consolidar
senão pela imposição como ato de força de uma ditadura, que pode

- 88 -
assumir variadas formas: “de uma ditadura (Incluir) como Brasil e
no Chile; por uma derrota de categorias e da classe trabalhadora em
luta; pelo triunfo ideológico na atomização da vida social que tem
na máxima o indivíduo contra o indivíduo como uma muito acertada
fórmula de sucesso tão somente para os capitais.
Aos governos e capitais, tornou-se imperativo, neste mo-
mento de crise ecônomico-política mundial liberar os recursos es-
tatais destinados às políticas sociais – mais do que em qualquer mo-
mento do evolver do capitalismo – para as necessidades dos próprios
capitais. A avaliação de que a classe trabalhadora vive um momento
de derrota nas suas lutas, não é equivocada; equívoco da parte da
burguesia e de seus governos e de frações dirigentes da própria classe
trabalhadora é acreditar que esta derrota momentânea seja um traço
perene na história da humanidade.

Referências
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ral do Brasil./Fun- dação ANFIP de Estudos Tributários e da Seguri-
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- 89 -
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SAÚDE DO TRABALHADOR E A
DERRUIÇÃO DOS DIREITOS
SOCIAIS NO BRASIL:
notas para reflexão
Vera Lúcia Batista Gomes

1. Introdução
O presente artigo tem como propósito contribuir para as
reflexões sobre a saúde do trabalhador enquanto um direito social,
no Brasil, daqueles/as que vivem da venda da força do seu traba-
lho. Teve por base o debate efetuado por ocasião da realização do
minicurso intitulado “Saúde do Trabalhador e Direitos Sociais” que
antecedeu a programação do I Encontro Nacional “Trabalho In-
terdisciplinar e Saúde” (ENTIS) promovido pelo Programa de Pós-
-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade da Universidade
Federal do Amazonas – PPGSS/UFAM, em novembro de 2019, na
cidade de Manaus –AM. Se valeu, também, dos estudos, pesquisas e
debates sobre a saúde do trabalhador efetuados no Grupo de Estudos
e Pesquisas “Trabalho, Estado e Sociedade na Amazônia – Gep-Te-
sa”, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social –
PPGSS/UFPA.
Entende-se que a pertinência deste artigo se dá pela rele-
vância do tema para a atual sociedade brasileira, ao considerar que
a assistência médica para a classe trabalhadora, no Brasil, desde a
década de 1920, vincula-se ao princípio da lógica do seguro social,
da privatização desses serviços pelo credenciamento médico e, con-
tinua de forma muito mais acentuada, na conjuntura atual com o
avanço da programática neoliberal por meio de contrarreformas
do Estado, conduzindo à derruição dos direitos sociais, trabalhis-
tas e previdenciários. Apesar das aceleradas mudanças sociais e de
urbanização da população desencadeadas pelo processo de moder-
nização via políticas de industrialização induzidas pelo Estado, na-
quele período, quando o País passou a adotar um novo modelo de
acumulação denominado substituição de importação, instituindo-se
um padrão da relação capital x trabalho que associava política traba-
lhista, política sindical e política previdenciária, os serviços de saúde

- 91 -
direcionados aos/às trabalhadores/as têm sido, cada vez mais, vincu-
lados ao mercado.
Assim, entre o período de 1930 a meados 1960, tinha-se no
Brasil, “a associação entre um processo de desenvolvimento econô-
mico e um conjunto de políticas sociais cujo eixo central reside na
previdência social” (Cohn, 1995, p. 229), que previa a extensão dos
direitos de proteção social marcada pela cidadania de investimen-
tos do Estado em setores básicos da economia que sustentassem o
processo de industrialização em curso. Trata-se, então, da “cidadania
regulada”, à medida em que se preconizava a extensão do direito de
aposentadoria, de pensão e de assistência médica, decorrente de um
contrato compulsório estabelecido entre os trabalhadores do setor
privado e o seguro social estatal de caráter contributivo, o qual de-
pendia da inserção formal no mercado de trabalho, por setores da
economia.
A lógica da atuação de seguro social era comandada pela
lógica da acumulação do capital, isto é, de um sistema de capitali-
zação que atuava muito mais como uma poupança para os traba-
lhadores assalariados “destinada a investimentos estatais no setor de
infraestrutura econômica, do que como uma política voltada às ne-
cessidades sociais dos trabalhadores” (COHN, 1995, p.229). Sendo
assim, os recursos da previdência social só poderiam ser investidos
em empresas estatais, ou naquelas em que o Estado era sócio majori-
tário, como por exemplo: as hidroelétricas e as siderurgias. Em con-
sequência, o sistema de proteção social de caráter meritocrático era
orientado pela lógica econômica que se “sobrepõe à sua dimensão
de política social, seja como conquista dos trabalhadores a esses di-
reitos sociais seja como política compensatória pelas desigualdades
sociais” (COHN, 1995, p.30).
Nessa esteira, se estabeleceu uma separação entre a saúde
pública e a assistência médica individual. Segundo Cohn (1995), o
Ministério da Saúde se responsabilizava pelas ações de saúde públi-
ca, de caráter coletivo, as quais dependiam da parcela do orçamento
fiscal destinada ao mesmo, enquanto que, a assistência médica indi-
vidual era prestada pelo sistema de proteção social que cobria, so-
mente, a parcela da população que a ele tinha acesso, cujos serviços
ofertados eram realizados, fundamentalmente, pelo setor privado de
saúde, o qual teve o seu mercado garantido pelo Estado por meio da
política de seguro social.

- 92 -
Dessa forma, o Estado passou a regular a extensão dos di-
reitos sociais às classes assalariadas, principalmente, a urbana, sem
onerar os recursos fiscais, visto que, a principal fonte de recursos
destinada ao seguro social era proveniente de percentual sobre a
massa salarial. Essa lógica privatista de saúde foi mantida durante
o período da ditadura militar (1964 a 1985), embora tenha ocorrido
mudanças significativas no sistema de proteção social brasileiro, a
exemplo da extensão de benefícios sociais aos trabalhadores rurais.
Todavia, nesse período de regime militar autoritário acelerou-se a
privatização de setores de bens coletivos, a exemplo da educação e
da saúde, o que provocou, nos 1970, o início de um importante mo-
vimento de setores da sociedade brasileira em defesa da saúde como
um direito universal garantido pelo Estado, sob controle público.
No período de 1974 a 1975, o País experimentou o mo-
delo econômico de acumulação excludente, desenvolvimentista sem
democracia baseado em investimentos no setor de bens de capital,
com grande presença do capital financeiro e crescentes empréstimos
internacionais. A base de uma pauta de exportações de produtos
agrícolas e intermediários, minérios e produtos manufaturados, fa-
voreceu a inserção da economia brasileira no mercado internacional
e o “milagre brasileiro” do regime militar caracterizado pela concen-
tração de renda associada à concentração de capital (COHN, 1995).
(Grifo da autora).
Paralelamente a isso, acentua-se a centralização das polí-
ticas sociais no âmbito federal, embora houvesse expansão de tra-
balhadores sem vínculos empregatícios formais, ou ao sistema de
proteção social, a exemplo, os trabalhadores rurais, os idosos com
mais de 70 anos e os profissionais liberais que tivessem interesse em
se vincular a esse sistema etc.. Mas, a expansão desses benefícios não
implicou no aumento do financiamento do sistema que continuou
contributivo, consolidando, assim, a privatização da assistência mé-
dica via o sistema de proteção social, altamente complexo, com alta
densidade tecnológica, nesse período, favorecendo, assim, a concen-
tração de capital (IDEM, 1995).
Com efeito, no final da década de 1970, o sistema estatal
de proteção social passou a ser o segundo maior orçamento do País,
contraditoriamente, nessa mesma década o referido sistema entrou
em crise devido “o fim do milagre econômico, a pressão da dívida

- 93 -
externa e pública, as exigências do Fundo Monetário Internacional,
a recessão econômica e a pressão inflacionária, associados aos altos
custos da assistência médica previdenciária” (COHN, 1995, p.232).
Face à esta situação, foi desencadeado, no País, um intenso movi-
mento da sociedade civil, conduzindo a um processo de transição
democrática, contestando as medidas do Estado que ameaçava o
acesso aos direitos sociais e políticos dos cidadãos brasileiros. Em
consequência, se organiza um movimento pela conquista da saúde
como um direito universal dos cidadãos e um dever do Estado, o
qual era formado por professores universitários, profissionais de
saúde, sindicalistas, movimentos populares, assim como, por outros
setores organizados da sociedade brasileira.
Esse movimento teve por base a experiência italiana, que
congregou os setores de esquerda e os progressistas da área de saú-
de, tendo em vista a formulação de propostas para a reorganização
institucional da saúde, no País. Com efeito, teve início o ideário da
reforma sanitária que consistia na proposta de “um sistema de saúde
único, fundamentalmente, estatal, sendo o setor privado suplemen-
tar àquele, sob o controle público, e descentralizado” (COHN, 1995,
p.232). A proposta de descentralização do referido sistema preconi-
zava, não só a maior racionalidade do sistema de saúde, mas tam-
bém, fundamentalmente, a criação de novos espaços institucionais
de participação e deliberação dos segmentos organizados da socie-
dade, como uma estratégia de ampliar as oportunidades de gestão da
saúde, o controle público e o fortalecimento dos serviços públicos
de saúde.
Constata-se, então, uma mudança na correlação de forças
no Estado brasileiro provocada pela luta dos movimentos sociais,
pela redemocratização e pela justiça social no País, na qual se insere
o movimento sanitário que preconizava a ruptura com o padrão de
saúde hospitalocêntrico e privatista de saúde, cedendo lugar a um
novo projeto para a saúde enquanto direito universal e dever do Es-
tado; a reestruturação do setor através do Sistema Único de Saúde e
um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva, o financiamen-
to efetivo, a descentralização para as esferas estaduais e municipais,
bem como, a democratização do poder local por meio de novos
mecanismos institucionais de gestão, ou seja, Conselhos de Saúde
(BRAVO, 2008).

- 94 -
Sendo assim, na década de 1980, a saúde passou a contar
com a participação de novos sujeitos sociais, os quais provocaram
importantes debates no seio da sociedade civil sobre as condições de
vida da população brasileira, bem como, das propostas governamen-
tais de saúde: A “Saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos
para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vincu-
lada à democracia” (BRAVO, 2008, p.95). Esses debates foram fun-
damentais para subsidiar a preparação da 8ª Conferência Nacional
de Saúde realizada em março de 1986, em Brasília – DF, quando a
“Saúde ultrapassou a análise setorial, referindo-se à sociedade como
todo, propondo-se não somente o Sistema Único, mais a Reforma
Sanitária” (BRAVO, 2008, p.96).
A promulgação da Constituição Federal do Brasil (CFB)
de 1988 possibilitou, no plano jurídico, a legitimação e a extensão
dos direitos sociais frente às enormes desigualdades sociais. Segun-
do Barata (2009):
A discussão em torno das desigualdades sociais, em saúde, colocou
a questão do direito à saúde na pauta política em todo o mundo.
Diferentes populações atribuem maior ou menor importância ao
direito à saúde como um direito humano fundamental (p. 12).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) o con-


ceito de saúde é entendido como “um estado de completo bem estar
físico, mental e social e não apenas como a ausência de infecções ou
enfermidades”. A saúde consta na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, no artigo XXV, que define que todo ser humano
tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe e a sua famí-
lia, saúde e bem-estar, inclusive, alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis.  Ou seja, o di-
reito à saúde é indissociável do direito à vida que tem por inspiração
o valor de igualdade entre as pessoas.
Sob esta ótica, o comportamento político da maioria dos
dirigentes de países europeus, atribuem importância cada vez maior
à redução das desigualdades sociais em saúde, ao considerarem que
“os sistemas nacionais de saúde e outras políticas sociais devem ter
como principal objetivo o alcance da equidade” (BARATA, 2009,
p.12). Neste sentido, a mencionada CFB introduziu avanços signifi-
cativos para corrigir “as históricas injustiças sociais acumuladas se-

- 95 -
cularmente, incapaz de universalizar direitos, tendo em vista a lon-
ga tradição de privatizar a coisa pública pelas classes dominantes”
(BRAVO, 2008, p. 96).
Contudo, desde a Assembleia Constituinte instalada, no
Brasil, para a elaboração da CFB de 1988, em relação à saúde já se fa-
zia presente uma arena política em que os interesses se organizaram
em dois blocos de poderes: - os grupos empresariais liderados pela
Federação Brasileira de Hospitais (privados), Associação de Indús-
trias Farmacêuticas (empresas multinacionais) e os movimentos so-
ciais representados pela Plenária Nacional pela Saúde em defesa da
Reforma Sanitária, na referida Assembleia. Segundo Bravo (2008), o
texto constitucional da saúde, após vários acordos políticos e pressão
popular atendeu grande parte das reivindicações do movimento sa-
nitário, dentre os quais podem ser destacados: O direito universal à
saúde e o dever do Estado, constituição do Sistema Único de Saúde
(SUS) integrando todos os serviços públicos em uma rede hierar-
quizada, regionalizada, descentralizada e de atendimento integral,
com a participação da sociedade; participação do setor privado ser
complementar etc.
Sob este entendimento, a CFB de 1988 em seu artigo 196
preconiza que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garan-
tido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”. Desta
forma, o direito à saúde não se restringe apenas a poder ser atendido
no hospital ou em unidades básicas. Embora o acesso a serviços te-
nha relevância, como direito fundamental, o direito à saúde implica,
também, na garantia ampla de qualidade de vida, em associação a
outros direitos básicos, como educação, saneamento básico, ativida-
des culturais e segurança (FIOCRUZ, s/d).
No Brasil, a Política Nacional de Saúde tem a Constituição
Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde (1990) como marco legal,
o que assegura a saúde enquanto um direito social conquistado pelo
movimento da Reforma Sanitária, refletindo na criação do SUS por
esta Constituição Federal. Assim, a criação do SUS está, diretamente,
relacionada à tomada de responsabilidade por parte do Estado. Em
síntese: A ideia do SUS é maior do que, simplesmente, disponibili-
zar postos de saúde e hospitais para que as pessoas possam acessar

- 96 -
quando precisem - a proposta é que seja possível atuar, antes disso,
“através dos agentes de saúde que visitam frequentemente as famílias
para se antecipar aos problemas e conhecer a realidade de cada fa-
mília, encaminhando as pessoas para os equipamentos públicos de
saúde quando necessário” (FIOCRUZ, s/d).
Apesar dessas conquistas, a saúde do trabalhador não con-
templou propostas, como o direito do trabalhador/a recusar traba-
lhar em locais insalubres, bem como, obter informações sobre toxi-
dade dos produtos manipulados, embora a politização à saúde tenha
se constituído uma das primeiras metas a ser alcançada com a cons-
ciência sanitária. Ademais, nos anos 1990, iniciou-se um processo de
redirecionamento do papel do Estado em decorrência das medidas
de Ajuste Neoliberal que provocou fortes ataques aos avanços cons-
titucionais relacionados aos direitos sociais, trabalhistas e previden-
ciários dos cidadãos brasileiros, por parte do grande capital, aliado
aos grupos dirigentes.
Nessa esteira, os governos neoliberais passaram a adotar
medidas de contrarreforma do Estado desviando “de suas funções
básicas ao ampliar sua presença no setor produtivo, colocando em
xeque o modelo econômico vigente” (BRAVO, 2008, p. 100). A insti-
tuição do seu Plano Diretor expressa o esgotamento das suas funções
estatizantes, o que conduziu
a necessidade de superação de um estilo de administração pública
burocrática, a favor de um modelo gerencial que tem como princi-
pais características a descentralização, a eficiência, o controle dos
resultados, a redução dos custos e a produtividade (BRAVO, 2008,
p.100). (Grifos da autora).

Assim, esse novo modelo de gestão incorporou as Orga-


nizações de Interesse Público (OCIP’s), Organizações Sociais (OS’s)
e as Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs), o que conduz
ao desmonte do SUS e “operam na privatização do que é público, na
medida que se tem o repasse de recursos públicos para o setor priva-
do” (HOFF e BOLZAR, 2017, p. 74). Desta forma, o Estado brasileiro
passou a se desresponsabilizar pelo desenvolvimento econômico e
social do País, transferindo para o setor privado as ações que, antes,
eram de sua responsabilidade, tornando-se, promotor e regulador
segundo as leis do mercado. Tem-se, então, a afirmação da hegemo-
nia neoliberal, no Brasil, que conduziu ao desmonte dos direitos tra-

- 97 -
balhistas, sociais, ao desemprego estrutural, à precarização do traba-
lho, ao desmonte da seguridade social conforme prescrita na CFB de
1988 – a saúde passou, novamente, a ser vinculada ao mercado, com
ênfase nas parcerias com a sociedade civil, a qual deveria assumir os
custos da crise do capital na contemporaneidade.
Desta forma, a partir da segunda metade da década de
1990, tornou-se explícito a existência de dois projetos de saúde, no
Brasil, a saber: O projeto da reforma sanitária construído na década
de 1980, expresso na CFB de 1988 e o projeto de saúde privatista, ar-
ticulado ao mercado. Este se apresenta como tendência nas últimas
décadas, caracterizado pela contenção de gastos com a diminuição
da oferta dos serviços, na perspectiva de garantir o mínimo aos seg-
mentos sociais destituídos de condições econômicas para custear os
serviços privados (BRAVO, 2008). O gasto total em Saúde, no Bra-
sil, é de cerca de 8% do PIB; 4,4% do PIB é de gastos privados (55%
do total) e 3,8%  PIB  de gastos públicos (45% do total), conforme
dados do Relatório “Aspectos Fiscais da Saúde no Brasil”, publicado
pelo Banco Mundial, no final de 2018.
Em consequência, a política de saúde, assim como, as de-
mais políticas sociais públicas que compõem a seguridade social, no
Brasil, passaram a ser focalizadas, e contrariaram o princípio cons-
titucional da universalidade, enquanto um direito social, ampliando
as possibilidades de privatização dos serviços de saúde e de seguro
social, os direitos previdenciários. Em consequência, os planos de
saúde passaram a ser cada vez mais introduzidos nos gastos da classe
trabalhadora.
Essas considerações conduziram a questionamentos so-
bre a saúde do trabalhador enquanto um direito do trabalhador/a
e, como tal, é parte do SUS. Além disso, o fato da assistência médica
para a classe trabalhadora, no Brasil, desde a década de 1920 vin-
cular-se ao princípio a lógica do seguro social, ou seja, baseada na
lógica da privatização desses serviços pelo credenciamento médico,
de hospitais e de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, per-
gunta-se: os trabalhadores, em geral, têm tido acesso esse direito?
Essas questões conduziram à compreensão sobre os direitos sociais,
em particular, a saúde do/a trabalhador/a, conforme será tratado a
seguir.

- 98 -
2. Saúde do trabalhador/a e direitos sociais no Brasil: à guisa
de compreensão
Conforme foi mencionado na parte introdutória deste ar-
tigo, a saúde do trabalhador passou a ser incorporada nas ações do
SUS, em 1990; por meio da Lei Orgânica da Saúde (LOS, nº 8080);
em seu artigo 6º é conferida à direção nacional do SUS, a respon-
sabilidade de coordenar a política de saúde do trabalhador. A LOS
orienta a execução das ações voltadas para a saúde do trabalhador e
o parágrafo 3º do artigo 6º a define como:
Um conjunto de atividades que se destina, por meio das ações de
vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e a pro-
teção da saúde do trabalhador, assim como visa a recuperação e a
reabilitação dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos ad-
vindos das condições de trabalho.

A Portaria 3908/GM de 30 de outubro de 1998 ficou conhe-


cida como a Norma Operacional de Saúde do Trabalhador-NOST/
SUS, pois definiu as atribuições e as responsabilidades para orientar
e instrumentalizar as ações de saúde do trabalhador rural e urbano,
levando-se em conta as diferenças entre homens e mulheres, a serem
desenvolvidas pelas secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Fe-
deral e dos Municípios.
A partir da institucionalização do SUS, os serviços de saú-
de pública primaram suas ações por meio do desenvolvimento de
sistemas de informações como é o caso de patologias como diabetes,
hipertensão arterial sistêmica, HIV etc. Na área de saúde do traba-
lhador, as informações são escassas com estimativas a partir de da-
dos da Previdência Social, por meio da comunicação de acidente de
trabalho (CAT) sendo pouco abrangente, não conseguindo apreen-
der dados precisos sobre esta questão, pois tem o caráter de segu-
ridade, especialmente, para trabalhadores, formalmente, vinculados
ao mercado de trabalho.
Contudo, mesmo nestes casos há subnotificação, prin-
cipalmente, em doenças relacionadas ao trabalho que acabam não
sendo diagnosticadas como tal. Outro agravante de subnotificação
é o trabalho informal que oculta os acidentes, morte e invalidez. A
publicação de uma lista de doenças relacionadas ao trabalho, por
meio da Portaria/MS nº 1339/1999, se deu em cumprimento da de-

- 99 -
terminação do artigo 6º inciso VII, da LOS. A publicação desta lista
só foi possível pelo empenho histórico de trabalhadores e técnicos
em conseguir reconhecimento de determinadas doenças como re-
sultantes das condições de organização do trabalho. A mesma lista
regulamenta o conceito de doença profissional e doença adquirida
pelas condições em que o trabalho é realizado, normatizando e clas-
sificando tais infortúnios, sendo que esta, também, foi adotada pelo
Ministério da Previdência e Assistência social, no estabelecimento
de nexos e de pagamentos de benefícios sociais.
Lourenço (2017), ao citar Marx (2006), refere que o proces-
so de trabalho no modo de produção capitalista, em geral, é danoso à
saúde e à vida dos trabalhadores, haja vista que para os capitalistas se
apropriarem do trabalho alheio visando a extração da mais-valia, o
fazem em condições de profunda opressão, exploração e expropria-
ção dos/as trabalhadores/as. Assim, contraditoriamente, o trabalho
enquanto fundante “do ser social e do seu desenvolvimento, pelo
modo como está organizado passa a ser o colapso da vida humana e
das suas condições de desenvolvimento” (LOURENÇO, 2017, p. 29).
A propósito, Antunes e Praun (2015) afirmam que
os acidentes de trabalho e as manifestações de adoecimento com
nexo laboral não são fenômenos novos, mas processos tão antigos
quanto a submissão do trabalho às diferentes formas de exploração.
Sob o capitalismo, Engels (2010), baseado na observação direta e
em outros estudos sobre as condições de trabalho no século XIX,
descrevia, em 1845, como as condições de vida e trabalho do ope-
rariado de algumas cidades industriais inglesas encontravam-se na
raiz de um conjunto de enfermidades que, não raramente, desdo-
bravam-se na morte desses trabalhadores. Ao longo do século XX,
com a produção em massa e a ampliação do controle e intensifica-
ção do trabalho, proporcionado pela expansão do taylorismo-for-
dismo, novas formas de acidentes e adoecimentos com nexo laboral
passaram a fazer parte do cotidiano do trabalho (p.410-411).

Ao considerar a ocorrência de acidentes e adoecimentos


com nexo laboral, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e
da Trabalhadora, em seu Art. 2º define os princípios, as diretrizes
e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do
Sistema Único de Saúde (SUS), para o desenvolvimento da atenção
integral à saúde do trabalhador, com ênfase na vigilância, visando a
promoção e a proteção da saúde dos trabalhadores e a redução da
morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e
- 100 -
dos processos produtivos. Em seu artigo Art. 5º, a referida política
define os seguintes princípios e diretrizes: I – universalidade; II –
integralidade; III – participação da comunidade, dos trabalhadores
e do controle social; IV – descentralização; V – hierarquização; VI
– equidade; e VII – precaução.
Para fins de implementação da Política Nacional de Saúde
do Trabalhador e da Trabalhadora, conforme o seu Art. 6º dever-se-á
considerar a articulação entre: I – as ações individuais, de assistên-
cia e de recuperação dos agravos, com ações coletivas, de promoção,
de prevenção, de vigilância dos ambientes, processos e atividades de
trabalho, e de intervenção sobre os fatores determinantes da saúde
dos trabalhadores; II – as ações de planejamento e avaliação com as
práticas de saúde; e III – o conhecimento técnico e os saberes, expe-
riências e subjetividade dos trabalhadores e destes com as respecti-
vas práticas institucionais.
A realização da articulação tratada no artigo acima, re-
quer mudanças substanciais nos processos de trabalho em saúde,
na organização da rede de atenção e na atuação multiprofissional e
interdisciplinar que contemplem a complexidade das relações traba-
lho-saúde. Desta forma, deverá contemplar todos os trabalhadores
priorizando, entretanto, pessoas e grupos em situação de maior vul-
nerabilidade, como aqueles inseridos em atividades ou em relações
informais e precárias de trabalho, em atividades de maior risco para
a saúde, submetidos a formas nocivas de discriminação, ou ao tra-
balho infantil, na perspectiva de superar desigualdades sociais e de
saúde e de buscar a equidade na atenção, o que requer uma análise da
situação de saúde local e regional e da discussão com a comunidade,
trabalhadores e outros atores sociais de interesse à saúde dos tra-
balhadores, considerando-se suas especificidades e singularidades
culturais e sociais.
Constata-se, então, que a política de saúde do trabalhador,
no Brasil, tem avanços políticos-legais que estão associados à con-
cepção ampliada de saúde e sua regulação como direito universal e,
ainda, à incorporação da saúde do trabalhador, no campo da saúde
coletiva, distanciando-se significativamente de um modelo hegemô-
nico que atravessou décadas, e por que não dizer num arcabouço le-
gal e conservador que reconhecia um risco socialmente. Contudo, há
que se considerar que a saúde do trabalhador carrega em si as con-

- 101 -
tradições engendradas na relação capital x trabalho e no reconheci-
mento do trabalhador como sujeito político (MENDES e WUNSCH,
2011, p. 464).
Segundo Lourenço (2016, p. 39),
A partir de 2004, o MS organiza e sistematiza os serviços da ST no
interior do Sistema Único de Saúde (SUS), cria a Rede Nacional de
Atenção à Saúde dos Trabalhadores (RENAST), estrutura os vários
serviços nos estados e cidades brasileiras (...).

Assim, a saúde do trabalhador enquanto um direito dos/as


trabalhadores/as, sem dúvidas, expressa o resultado de lutas políticas
travadas ao longo da história. Como se sabe, os direitos sociais sur-
giram em razão do tratamento desumano vivido pela classe operária
durante a Revolução Industrial na Europa, nos séculos XVIII e XIX.
A principal característica dessa revolução foi a substituição
do trabalho artesanal pela produção, em grande escala e com uso das
máquinas. Nesta época, proprietários de fábricas europeus ambicio-
navam lucrar mais e o operário acabou sendo explorado, trabalhan-
do horas que, hoje, sabemos serem exaustivas em troca de salário
baixíssimos. A revolução industrial produziu mercadoria por meio
da exploração do trabalho humano como resultado da transforma-
ção da natureza por meio das relações de trabalho antagônicas. As
adversas condições de trabalho provocaram o descontentamento da
classe operária, propiciando a conscientização sobre a necessidade
de “direitos sociais” que  através do Estado iriam proteger os cida-
dãos.
Com efeito, os direitos sociais têm natureza histórica, pois
emergem das lutas sociais dos trabalhadores na busca de transformar
as suas necessidades socais, ou seja, os direitos sociais são históricos
e expressam novas exigências sociais, provocadas pelas transforma-
ções das condições econômica, sociais e políticas que se manifestam
no processo de mudanças das relações sociais e da organização da
vida dos homens criando novas necessidades (MENDONÇA, 2009).
Os direitos sociais resultam das lutas sociais dos trabalhadores con-
tra a ortodoxia do liberalismo, impondo limites à ordem privada – os
direitos sociais nascem como resultado de lutas sociais, afirmando-
-se como um direito de natureza pública. Impõem-se, então, atra-
vés de um movimento de pressão organizado pelas forças sociais à

- 102 -
intervenção do Estado sobre as condições de vida e de trabalho da
classe operária: a conquista dos direitos sociais constituiu as bases
fundamentais do Estado Social no capitalismo.
No Brasil, as mudanças que se iniciaram com a República,
sobretudo, a partir dos anos de 1920, com a modernização e indus-
trialização, fizeram com que o capitalismo industrial se tornasse o
modo de produção predominante, no País. Mas, apesar da repres-
são às manifestações das novas classes que contentavam o poder
oligárquico da Primeira República, as classes trabalhadoras se or-
ganizavam inicialmente, em torno das necessidades imediatas e, as
camadas urbanas emergentes exigiam mais participação política:
Novas forças sociais se estruturam, sobretudo, nos setores urbanos,
os operários remanescentes de uma sociedade escravista e da migra-
ção estrangeira se organizam através do anarcosindicalismo, ou seja,
os trabalhadores descobrem, no âmbito da produção, a necessidade
de ir além da fábrica, passar para o Estado o papel da regulação das
novas relações sociais.
Se nesse momento histórico, a classe trabalhadora nas in-
dústrias brasileiras se organizou exigindo do Estado a regulação de
novas relações sociais, ou seja, a instituição de serviços de proteção
social, nas últimas décadas, as transformações do capitalismo impli-
caram em profundas mudanças no processo produtivo e na gestão
da força de trabalho. Em consequência, a classe trabalhadora tem
sido afetada
por um conjunto de metamorfoses, configurando uma nova morfo-
logia que se caracteriza pela redução do proletariado fabril, tradicio-
nal, manual, estável e especializado; aumento do novo proletariado
fabril e de serviços em escala mundial nas diversas modalidades do
trabalho precarizado; aumento significativo do trabalho feminino;
expansão dos assalariados médios; crescente exclusão dos jovens;
exclusão dos trabalhadores considerados idosos pelo capital; inclu-
são precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho; no
terceiro setor; expansão do trabalho a domicilio (ANTUNES apud
OLIVEIRA, 2019, p.190). (Grifo do autor).

Além dessas mudanças nas formas de trabalho, considera-


-se fundamental destacar o aumento do número de desempregados
e das formas de precarização do trabalho que provocaram o agrava-
mento de doenças e acidentes relacionados ao trabalho. No Brasil,
particularmente, na década de 1990,

- 103 -
as transformações geradas pela nova divisão internacional do traba-
lho foram de grande intensidade, já que partiram de uma dinâmica
interna, característica dos países de industrialização dependente,
fundada na superexploração da força de trabalho. A imposição de
baixos salários, associados a ritmos de produção intensificados e
jornadas de trabalho prolongadas, foi ainda acentuada pela desor-
ganização do movimento operário e sindical, imposta pela vigência,
entre 1964 e 1985, da ditadura militar (ANTUNES, 2010). (ANTU-
NES e PRAUN, 2015, p.3).

Nos anos 1990, a adoção das medidas neoliberais, no Bra-


sil, enquanto estratégias para a recuperação das taxas do grande ca-
pital, sob a hegemonia das finanças, desenvolveu o processo de rees-
truturação produtiva e novas formas de gestão da força de trabalho
baseadas na acumulação flexível (HARVEY, 2013). A implantação
de programas de qualidade total, dos sistemas just-in-time, de robôs
e sistemas informacionais e comunicacionais sofisticados, etc. con-
duziu,
por um lado, os trabalhadores pertencentes ao núcleo que atua com
maquinário mais avançado, dotado de maior tecnologia, encon-
tram-se cada vez mais expostos à flexibilização e à intensificação
do ritmo de suas atividades, expressas não somente pela cadência
imposta pela robotização do processo produtivo, mas, sobretudo,
pela instituição de práticas pautadas pela multifuncionalidade, po-
livalência, times de trabalho interdependentes, além da submissão a
uma série de mecanismos de gestão pautados na pressão psicológica
voltada para o aumento da produtividade. Por outro, outra parcela
da classe trabalhadora, numericamente superior, passa a experien-
ciar, cada vez mais, diferentes modalidades de vínculos e condições
de trabalho que se viabilizam a partir de ambientes de trabalho que
articulam menor desenvolvimento tecnológico a jornadas mais ex-
tensas, maior insegurança e vulnerabilidade (ANTUNES apud OLI-
VEIRA, 2019, p.411).

Em consequência disso, surgem no mundo do trabalho,


novas enfermidades decorrentes das novas formas de organização
do trabalho e da produção, tais como: transtornos mentais, Lesão
por Esforço Repetitivo (LER) e Distúrbios Osteomusculares Rela-
cionados ao Trabalho (DORT) etc. Embora esse novo mapa de aci-
dentes e doenças profissionais sejam mais perceptíveis no interior de
corporações de grande porte, devido à adoção de novas formas de
gestão dos processos de trabalho, mas as condições presentes no in-
terior dessas corporações acabam atingindo de diferentes maneiras
ao longo da cadeia produtiva (OLIVEIRA, 2019).

- 104 -
Essas novas formas de gestão conduziram a precárias con-
dições de trabalho, o que contribuiu para a deterioração das con-
dições de saúde e segurança no trabalho no Brasil. Antunes e Paun
(2015) citando Druck (2014) referem-se que estudos de casos re-
velam o quanto os terceirizados são os mais vulneráveis e onde os
riscos de acidentes têm sido maiores, principalmente, nos setores es-
tratégicos (energia elétrica, extração e refino de petróleo e siderurgia
etc.). Em decorrência da intensificação do processo de terceirização,
nas últimas duas décadas, o Relatório de Sustentabilidade da Petro-
bras, referente a 2012, aponta que a empresa estatal tinha 85.065 em-
pregados contratados e 360.372 terceirizados (PETROBRAS apud
ANTUNES e DRUCK, 2014).
Ora, se antes da aprovação da Lei n. 13.467/2017 que libe-
ralizava a terceirização e ampliava as formas de contratos temporá-
rios para todos os ramos de atividades e Lei da contrarreforma tra-
balhista nº 13.429/2017, o número de trabalhadores/as terceirizados
se apresentava alarmante, com esses instrumentos que legitimam a
derruição dos direitos dos trabalhadores, esses números tendem a
aumentar. Este quadro expressa os retrocessos sociais e civilizatórios
aprovados no governo do presidente interino do Brasil, Michael Te-
mer, no ano de 2017.
Segundo Fleury (2018), a chamada Reforma Trabalhista
aprovada de forma açodada imprime
instantâneo retrocesso social, inédito na lenta história de afirmação
de direitos sociais em solo pátrico (...) com déficit de debate de-
mocrático que compromete a legitimidade da nova legislação, em
muitos pontos claramente prejudicial aos trabalhadores (p. 11).

Para este autor, a Reforma foi associada à ideia falsa, mas,


sedutora que a mesma favoreceria o crescimento econômico, dimi-
nuiria o desemprego sob o argumento de que o excesso de proteção
social e trabalhista encarecia o custo do trabalho no Brasil e impelia
as empresas a demitir ou até mesmo não contratar pessoas. Assim, a
contrarreforma trabalhista se situa no conjunto de medidas estrutu-
rais que objetivam favorecer o capital produtivo e o capital rentista,
por meio da redução dos custos do trabalho via a mencionada refor-
ma, a ampliação da terceirização, a redução dos gastos públicos (PEC
55) e a reforma da previdência.

- 105 -
Entende-se que a reforma trabalhista se situa no conjunto
de medidas estruturais que objetivam favorecer o capital produtivo
e o capital rentista, por meio da redução dos custos do trabalho via
a mencionada reforma, a ampliação da terceirização, a redução dos
gastos públicos (PEC 55) e a reforma da previdência. Os contratos
de trabalho passam a ser instáveis, desresponsabilizando os empre-
gadores com os trabalhadores/as, sobretudo, com a aprovação da Lei
13.429/2017 que permite a terceirização irrestrita do trabalho, tor-
nando-se perversa para a organização política dos trabalhadores/as.
A terceirização, a flexibilização das formas de contrato
de trabalho, a duração da jornada de trabalho que a partir da Lei
13.467/2017 passam a contar, também, com a jornada de 12 por 36
horas de descanso, o que predispõe o trabalhador ao
estresse e a fadiga funcional após oito horas diárias de trabalho,
certamente, 12 horas diárias de trabalho aumentará os índices de
agravos à saúde e recairá também em piora da convivialidade afetiva
e familiar (FLEURY, 2018, p. 12).

Constata-se, então, que a Lei 13.467/2017 conduz ao agra-


vamento das condições gerais de vida, saúde e trabalho e, nenhum
momento, derruindo os direitos trabalhistas, que, minimamente,
promovia certa proteção dos trabalhadores em suas atividades labo-
rais, colocando-os em situação de violência legitimada com menos
direitos que se apresentavam restritos, mesmos com a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), aprofundando, assim, a desigualdade
social e a novas formas de precarização e subsunção do trabalho ao
capital.

3. Considerações finais
As reflexões aqui efetuadas permitiram a constatação de
que os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, no Brasil, fo-
ram resultados de lutas políticas dos trabalhadores/as brasileiros/as,
o que possibilitava certa proteção dos/as trabalhadores/as em suas
atividades laborais. Assim, o direito social à saúde do trabalhador é
resultado das lutas obtidas pelo movimento em prol da Reforma Sa-
nitária, como parte da luta pela redemocratização do País. Contudo,
apesar dos significativos avanços obtidos com a criação da Políti-
ca Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador, constata-se que os

- 106 -
ajustes estruturais impostos pelos banqueiros internacionais têm im-
plicado em contrarreformas do Estado brasileiro e, consequentes, na
redução drástica dos gastos públicos que conforme afirma Behring
(2019) “atingem de forma deletéria as política social em seu financia-
mento e concepção” (p.44).
Aliado a isso, existem outros agravantes que dificultam a
operacionalização da Política Nacional de Saúde do Trabalhador: de
um lado se tem as novas formas de gestão do processo produtivo e da
força de trabalho que conduzem a intensivos processos de controle e
disciplinamento no interior dos espaços laboral (gestão pela qualida-
de total, just-in-time, kaisen, metas de produtividade inalcançáveis,
etc.) o que implica na fragilização da organização política dos tra-
balhadores; de outro lado, as novas formas de contrato de trabalho
atípicos, no sentido do termo usado por Vasapollo, isto é, instáveis,
sem proteção social, baixos salários, extensiva jornada de trabalho
etc. Este quadro conduz ao desmonte do controle social na saúde do
trabalhador, à medida em que os/as trabalhadores/as se veem coa-
gidos à tornarem-se os “déspotas de si mesmo” (ANTUNES, 2000),
se assujeitando às novas formas de dominação e exploração da sua
força de trabalho, por meio de condições precárias de trabalho, da
degradação de vínculos empregatícios e de solidariedade entre os
trabalhadores/as devido à acirrada competição entre eles para se
manterem nos postos de trabalho.
As condições de trabalho dos trabalhadores/as brasileiros/
as tendem a se agravar num futuro próximo devido à aprovação da
lei 13.429/2017 (terceirização irrestrita), da 13.467/2017 (contrarre-
forma trabalhista) e, mais recentemente, a aprovação da contrarre-
forma da previdência social (EC 103 DE 12/11/2019) que legitima as
mais perversas formas de violência àqueles que precisam vender a
sua força de trabalho para assegurar, minimamente, a sua reprodu-
ção social enquanto trabalhador/a e, consequentemente, o aumento
dos acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho são iminen-
tes.
Trata-se, então, de expressão da luta de classes na medi-
da em que o grande capital, sob a hegemonia do capital financeiro,
desde os anos 1990 impôs a legitimação da derruição dos direitos da
classe trabalhadora, em tempos tão difíceis para os desempregados,
para os subsumidos às precárias condições de trabalho e de vida, em

- 107 -
geral, à terceirização, do trabalho intermitente, ao negociado sobre
o legislado, aos ajustes individuais de condições de trabalho, ao au-
mento das formas de compensação de jornada; institucionalização
da Personalidade Jurídica (PJ) etc.
Essas medidas revelam, claramente, o compromisso dos
governos brasileiro das últimas décadas com o capital financeiro, in-
dustrial, do agronegócio e dos serviços em detrimento dos direitos
da classe trabalhadora, o que urge, a luta de classes contra as novas e
velhas formas de exploração do trabalho “que se manifesta nos des-
gastes, no sofrimento, nos adoecimentos e nas mortes” (OLIVEIRA,
2019, p. 202) e em todas as formas de violências via a derruição dos
direitos dos/as trabalhadores brasileiros/as. “Assim, a defesa da saú-
de do trabalhador é a defesa da vida, no seu sentido mais pleno, é
defesa dos direitos humanos” (OLIVEIRA, 2019, p.203).
Assim, diante da trajetória histórica que a proteção social
brasileira percorre, ou seja, da lógica do seguro social, torna-se im-
periosa a luta dos trabalhadores/as contra a exploração do trabalho
expressa pelo sofrimento, pelo adoecimento, pelos desgastes físicos
e mentais que os incapacita não só para o trabalho, mais, também,
para a vida. Urge, então, a retomada do sentido de pertencimento
de classe trabalhadora para a rearticulação das organizações políti-
cas dos trabalhadores e os demais movimentos sociais, organizações
profissionais de saúde e academia que possam somar forças políticas
para a luta da saúde e a da saúde do trabalhador na perspectiva de
superar a lógica privatista que segue em curso, reconquistando, as-
sim, os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários!

4. Referências
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ção e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2010.
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- 108 -
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- 109 -
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<http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/governanca/relato-
rio‑de‑sustentabilidade/relatorio‑de‑sustentabilidade-2012.htm>.
Acesso em: 01 dez/2019.

- 110 -
A GESTÃO DO SUS COMO MERCADORIA
Tânia Regina Krüger

1. Introdução
O Sistema Único de Saúde – SUS, resultado do movimento
da Reforma Sanitária no Brasil, institucionalizou-se como política
pública estatal, universal, descentralizada, gratuita e com a partici-
pação deliberativa da comunidade. Os seus fundamentos expressam
as contradições da sociedade e o caráter liberal-democrático-univer-
salista desta, ao combinar políticas estatais universais com as liber-
dades de funcionamento do setor filantrópico e privado, inclusive
permitindo convênio do setor público com o privado.
Mas com 32 anos, em 2020, o SUS encontra-se em franco
processo de dilapidação e desconstitucionalização. Esse brutal des-
monte do SUS iniciado em 2016 o colocou numa encruzilhada que
parece ultrapassar as contrarreformas que vivencia desde 1990. O
desmonte dos princípios doutrinários (o sentido de público, cole-
tivo, universal, integral e participativo) e dos princípios organizati-
vos (base orçamentária, contratação de trabalhadores por concurso
público, resolutividade dos serviços, gestão estatal, convênio com o
setor privado com base no direito público, etc.) acontece de forma
agressiva, ainda que esses princípios permaneçam na forma da lei
(BRASIL, 1990).
Assim, nessa conjuntura, o presente texto tem como ob-
jetivo problematizar a tensa trajetória de institucionalização e im-
plementação do SUS, considerando especialmente como sua gestão
se tornou uma mercadoria. A desconstitucionalização do SUS, aqui
também chamada de contrarreforma, avança num contexto de des-
monte e privatização de empresas e dos serviços públicos estatais. E
aí se colocam os desafios para identificar e refletir sobre as implica-
ções e imbricações da relação entre público e privado no SUS, pois
os interesses privados entranhados no sistema formam uma pressão
que está desmontando o sentido de direito público e coletivo pela
necessidade de acesso desse setor ao fundo público. Assim, a partir
da necessidade do setor privado acessar o fundo público para sua
reprodução que caracterizamos então que a gestão do SUS passa a

- 111 -
ser mais uma mercadoria, entre tantas que compõem o complexo
econômico da saúde (SIQUEIRA e BORGES, 2018)
A transformação dos serviços e da gestão do SUS em mais
uma mercadoria é resultado do esfacelamento da garantia dos direi-
tos de cidadania como medida do extremo ajuste liberal no campo
econômico, fiscal e social da crise, mas que espetacularmente é di-
vulgado como Uma Ponte para o Futuro (PMDB, 2015), como um
manifesto Brasil 200 Anos (ROCHA, 2018), como sendo Um Ajuste
Justo (BANCO MUNDIAL, 2017) e ainda como O Caminho da Pros-
peridade - Proposta de Plano de Governo: Constitucional, Eficiente e
Fraterno (BOLSONARO, 2018). Ou seja, é uma conjuntura de des-
constitucionalização que envolve diretamente Emendas Constitucio-
nais, legislação infraconstitucional nas esferas nacional e subnacio-
nais, emendas parlamentares, desfinanciamento e sucateamento dos
serviços públicos. Todo este processo está permeado por uma crise
“ideopolítica” que está destruindo, com o apoio dos meios de comu-
nicação, as bases relativamente progressistas do Estado democrático,
timidamente construídas.
De natureza exploratória, o texto foi desenvolvido com
base numa revisão bibliográfica e documental e no marco normativo
do SUS, bem como na sistematização de experiências oriundas de
diferentes vivências políticas e acadêmico-profissionais do trabalho
na saúde.
O texto se estrutura em duas partes: a primeira, sobre a
trajetória de implementação do SUS e suas contrarreformas; a se-
gunda sobre como as Organizações Sociais na gestão do SUS estão
reduzindo suas funções públicas e coletivas. Toda esta análise crítica
não desconsidera que o SUS é uma das políticas sociais mais caras
às lutas democrático-populares brasileiras, podendo, portanto, ser
considerado um patrimônio nacional.

2. SUS: a radicalidade das disputas entre os fundamentos de-


mocráticos e as contrarreformas
De acordo com os fundamentos do SUS, a saúde não é o
resultado de um procedimento biológico-curativo a ser tratado pelos
serviços médicos e medicamentos (PAIM, 2011), mas, sim resultado
de determinações socioeconômicas que devem ter uma resposta no
espaço público, mediada pela participação dos sujeitos sociais num

- 112 -
contexto de Estado democrático. E são as determinações socioeco-
nômicas, na sua correlação de forças, que igualmente determinam
a forma de gestão dos serviços de saúde, se pública ou se é privada.
Entre 1990 e 2016, longe de qualquer linearidade, o Estado
brasileiro foi adequando a sua gestão às políticas neoliberais e se or-
ganizando como um Estado Liberal-Social. O governo de Fernando
Henrique Cardoso caracterizou-se pela implementação de políticas
estatais e privatistas. Este governo questionou as aspirações demo-
cráticas da década de 1980 e da Constituição de 1988 e colocou-as
como empecilho à governabilidade e à modernização.
Nessa década, o Movimento da Reforma Sanitária, por ter
centrado as suas forças na conquista do arcabouço legal, ficou em
posição defensiva, por vezes, resistindo aos ataques ao SUS e, por
vezes assumindo, através de seus membros, cargos em governos de
caráter progressista nas instâncias subnacionais. Evidenciou-se na
época a fragilidade político-organizacional dos espaços instituciona-
lizados de participação – Conselho e Conferências –, apesar de resis-
tências locais para enfrentar o desfinanciamento, a desconcentração
de serviços e a recentralização das decisões e recursos. A reafirmação
do SUS como política pública universal de caráter coletivo e obri-
gação do Estado, na maioria das vezes nos espaços dos Conselhos
e Conferências, assim como nos movimentos sociais, na academia
e na organização dos gestores, cedeu lugar às reivindicações mais
imediatistas para que se cumprisse a lei, organizasse a rede de ser-
viços, se realizassem concursos públicos e se prestassem os serviços
(BRAVO e MENEZES, 2010).
Em 2002, a vitória de Lula, do Partido dos Trabalhadores
(PT), nas eleições presidenciais, teve um significado real e simbólico
para um país dotado de enorme conservadorismo e desigualdades.
Foi uma vitória tardia, pois para poder vencer e governar, o PT fez
concessões, abandonou bandeiras que o caracterizaram desde 1979
e aliou-se a grupos políticos de centro-direita vinculados ao capital
industrial, buscou os riscos do apoio de uma base pluriclassista, mas
sempre disposto à mediação entre as ações que buscavam a elevação
dos padrões de vida dos mais pobres e as que propiciaram ganhos à
elite (ANTUNES, 2004; BELLUZZO, 2013).
Na saúde, como nas demais políticas sociais, os governos
do Partido dos Trabalhadores propiciaram certa reanimação das for-
ças progressistas, destacando-se o retorno à concepção de Reforma

- 113 -
Sanitária; a escolha de profissionais comprometidos com a Reforma
Sanitária para ocuparem cargos de responsabilidade no Ministério
da Saúde; a convocação das Conferências Nacionais de Saúde com
regularidade; a aprovação da Política de Atenção Básica e do Pacto
Pela Saúde em 2006 para retomar alguns princípios do SUS; a ênfase
na Estratégia de Saúde da Família como política estruturante e porta
de entrada preferencial no SUS; o incentivo à formação de profis-
sionais de saúde com perfil para trabalhar no SUS; a aprovação da
Política Nacional de Medicamentos e da Saúde Bucal entre outros
(BRAVO e MENEZES, 2010).
Ao mesmo tempo evidenciaram-se fragilidades na imple-
mentação do SUS como, por exemplo, uma concepção de Seguri-
dade Social desarticulada da Previdência e Assistência Social; a não
aprovação do Plano Único de Cargos, Carreira e Salários (PCCS); o
silêncio do Ministério da Saúde perante a multiplicação de serviços
entregues às Organizações Sociais, nas esferas subnacionais do SUS,
e perante as inúmeras denúncias quanto à qualidade desses serviços;
e, também, a omissão do Ministério perante a desvinculação formal
dos hospitais das universidades, quando em 2011 foi criada a Empre-
sa Brasileira de Serviço Hospitalares – EBSERH, uma empresa públi-
ca de direito privado destinada a gerir os 37 hospitais Universitários
públicos-federais.
Com a assunção ilegítima à Presidência da República, por
Michel Temer em 2016, o Estado brasileiro adotou políticas radicais
de austeridade fiscal, num processo contínuo de redução dos direitos
sociais e de mercantilização da gestão e prestação dos serviços so-
ciais, bem como de redução do financiamento da seguridade social.
Com a sua agenda conservadora, o governo Temer não só acirrou o
fortalecimento do setor privado em detrimento do SUS como opor-
tunizou as maiores manifestações do populismo de direita. Nesse
governo, a aplicação da política de austeridade adquiriu contornos
dramáticos, deixando o SUS com uma “atuação subordinada e subal-
terna, como recurso complementar ao mercado” (MIRANDA, 2017,
p. 399).
Destacamos aqui algumas medidas que expressam este
desmonte do SUS:
a) a aprovação da Emenda Constitucional (EC 95) que limita

- 114 -
o crescimento das despesas primárias à taxa de inflação, du-
rante um período de vinte anos (BRASIL, 2016);
b) a revisão das diretrizes da Atenção Básica (BRASIL, 2017a),
num sentido oposto à perspectiva integradora da Atenção Pri-
mária à Saúde (APS);
c) a significativa redução do Programa Farmácia Popular;
d) a alteração das diretrizes da Política Nacional de Saúde
Mental (PNSM), o que significa um retrocesso da Reforma
Psiquiátrica Brasileira e que pode ter como consequência a
desassistência e retorno da institucionalização;
e) a limitação do credenciamento das Instituições de Educa-
ção Superior exclusivamente à oferta de cursos de graduação
na modalidade à distância, sem prever um tratamento dife-
renciado para a área da saúde (BRASIL 2017b);
f) a redução dos blocos ou áreas de financiamento do SUS de
seis1 para dois: um de custeio, que concentra a quase totalida-
de dos recursos federais, e outro de investimento. Em nome
da flexibilização, esta política fragmenta e desfigura o siste-
ma de financiamento definido pelo Pacto Pela Saúde em 2006
comprometendo nas esferas infranacionais a manutenção e a
ampliação dos serviços e dando mais liberdade à gestão para
atender as conveniências políticas locais (BRASIL, 2017c);
g) articulação efetiva com o setor empresarial de saúde por
meio do Instituto Coalizão Brasil que divulgou uma agenda
para transformar o sistema de saúde no Brasil, (COALIZÃO
SAÚDE, 2018).
Em fins de 2018 a eleição de Jair Bolsonaro para Presidente
representou no país uma escancarada viragem à direita e uma divi-
são profunda da sociedade. Vive-se uma onda reacionária diferente
das outras, que tenta acabar com a distinção entre ditadura e de-
mocracia e destruir o sentido de direito de cidadania e de serviço
público. A opinião pública está sendo destruída com notícias falsas
1 Brasil. Atenção Básica, Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospi-
talar, Vigilância em Saúde, Assistência Farmacêutica, Gestão do SUS e Investimentos na
Rede de Serviços de Saúde.

- 115 -
que transformam o adversário em inimigo (SANTOS, 2018a). Este
governo, segundo Martins (2018), iniciou-se com uma aliança entre
a burguesia emergente, centrada no empresariado neopentecostal, o
agronegócio, o rentismo, a oficialidade militar, o grande capital es-
trangeiro e o imperialismo estadunidense antiliberal.
Mesmo antes de iniciar o governo, o SUS obteve uma das
suas maiores perdas, pois o Governo cubano decidiu retirar do país
os profissionais que pertenciam ao Programa Mais Médicos2 em
função das ‘declarações ameaçadoras e depreciativas’ do Presidente
eleito para com aquele Governo. A saída de aproximadamente 8.500
médicos do país afetou 28 milhões de pessoas em 1.575 municípios
brasileiros (MATOSO, 2018).
O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tomou
posse com a retórica de ser a saúde direito de todos e dever do Esta-
do (BRASIL, 2019a), tem atuação discreta, mas em contradição com
seu discurso radicaliza a destruição do SUS, sobretudo em seu sen-
tido de direito universal a saúde e obrigação do Estado. Tal gestão
fortalece o projeto privatista e, principalmente, segundo Bravo, Pe-
laez e Menezes (2020), um projeto do SUS submetido totalmente ao
mercado. O extremo liberalismo econômico da gestão implementa
as políticas aprovadas no governo Temer e estabelece ações como a
Carteira de Serviços para a APS, a criação da Agência de Desenvol-
vimento da APS (ADAPS) e acreditação, de fato conduz a organiza-
ção de serviços de saúde médico-centrados que negam a abordagem
coletiva, comunitária e multiprofissional e aprofundam as relações
privatistas dentro do SUS. Não há que se ter dúvida de que o compo-
nente público e estatal do SUS vincula-se aos limites da focalização e
da seletividade (REDE DE PESQUISA EM APS, 2019).
Entre outras políticas desse governo que afetam as deter-
minações sociais da saúde há que se destacar a liberação do uso de
agrotóxicos, pois são proibidos em muitos países em função da ele-
vada neurotoxicidade, suspeita de causar malformações e provocar
uma série de doenças. O Brasil nunca resistiu às pressões do agrone-
gócio, mas a adesão as suas demandas tem sido abertamente facili-
2 O Programa Mais Médicos (PMM) foi criado em 2013 pelo Governo Federal, para
a melhoria do SUS, levando mais médicos para regiões onde há escassez ou ausência
desses profissionais. O programa previu mais investimentos para construção, reforma
e ampliação de Unidades Básicas de Saúde (UBS), além de novas vagas de graduação
e residência médica para qualificar a formação dos seus profissionais (BRASIL, 2019).

- 116 -
tada. Entre 2010 a 2015 foi liberado o uso de 814 agrotóxicos e entre
2016 a 2019 liberados 1543 (PREITE SOBRINHO, 2019).
A 16ª Conferência Nacional de Saúde se realizou com
grande mobilização nacional, desde as esferas subnacionais e com
propostas efetivas para a defesa do SUS constitucional de 1988, mas
não parece que terá impacto na dinâmica de gestão desse governo,
que segue trabalhando à revelia das proposições da Conferência e
deliberações do Conselho Nacional de Saúde (SUSCONECTA, 2019,
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2020). Uma das característi-
cas desse governo é temor das mobilizações e o desprezo pela par-
ticipação democrática. Suas ações vêm no sentido de apagamento
e ataques às instâncias de participação e controle social. O Decreto
Nº 9.759/2019 que extingue inúmeros colegiados da administração
pública federal e elimina a participação da sociedade nas instâncias
de formulação e gestão de importantes políticas sociais (BRASIL,
2019c), mesmo não atingindo inicialmente as instâncias de partici-
pação institucionalizadas do SUS, o processo de democratização e
o princípio constitucional de participação da comunidade e demais
espaços relativos aos direitos de cidadania se encontram em fase de
aniquilamento.
Ao longo dos seus 32 anos, o SUS foi marcado por momen-
tos de valorização e por momentos de desvalorização dos seus fun-
damentos, ou seja, o Estado democrático, a igualdade, a democracia
e a saúde como direito coletivo e obrigação do Estado. No sentido da
valorização, o SUS ganhou sustentabilidade institucional, por meio
de uma rede de instituições de ensino e pesquisa nas universidades,
nos institutos e nas escolas de saúde pública, nos colegiados de par-
ticipação e controle social e por meio de uma rede de entidades e
movimentos sociais que o defendem. Igualmente, ganhou materia-
lidade que se expressa em estabelecimentos, trabalhadores, equipa-
mentos, tecnologias, sistemas de informação, serviços amplamente
reconhecidos, indicadores de atendimento e recursos efetivamente
gastos que se contam em milhões3 (PAIM, 2018). O impacto dos ser-
viços do SUS nas condições de vida foi positivo, o que ficou a dever a
diversas medidas e políticas, dentre as quais se destacam: o combate
à pobreza, o Programa Farmácia Popular, o serviço de urgência (Ser-
viço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU), o programa de
3 A informação sobre os números e as realizações do SUS pode ser colhida nos Planos
Nacionais de Saúde quadrienais (2004-2007; 2008-2011; 2012-2015; 2016-2019)

- 117 -
saúde bucal, a inclusão social (políticas de saúde para as populações
indígenas, quilombolas, ribeirinhas, em situação de rua e Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT), o Programa Mais
Médicos, a criação e ampliação de unidades e equipes da Estraté-
gia Saúde da Família e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs)
(BRASIL, 2011; BRASIL, 2016).
No sentido inverso, estas três décadas foram também mar-
cadas por ações políticas regressivas, sendo imperioso reconhecer a
existência de obrigações legais que não foram cumpridas, designa-
damente as relacionadas com o princípio da universalidade e com o
financiamento público.
Apesar de terem assumido sua defesa, nas campanhas elei-
torais, nenhum governo adotou seriamente a implantação do SUS
como projeto prioritário devido à pressão da agenda neoliberal. Se-
gundo Paim (2018, p. 1725):
esse aspecto negativo é agravado pelas limitadas bases sociais e po-
líticas do SUS que não conta com a força de partidos, nem com o
apoio de trabalhadores organizados em sindicatos e centrais para a
defesa do direito à saúde inerente à condição de cidadania [...]. O
SUS sofre resistências de profissionais de saúde, cujos interesses não
foram contemplados pelas políticas de gestão do trabalho e educa-
ção em saúde. Além da crítica sistemática e oposição da mídia, o
SUS enfrenta grandes interesses econômicos e financeiros ligados a
operadoras de planos de saúde, a empresas de publicidade e a indús-
trias farmacêuticas e de equipamentos médico-hospitalares.

A permanente indefinição quanto ao seu financiamento


conduziu o SUS a uma enorme instabilidade e a uma situação de
subfinanciamento crônico. A insuficiência dos recursos do SUS re-
flete-se negativamente na rede de infraestruturas públicas, na remu-
neração dos seus trabalhadores, e nas respostas à população, obri-
gando-o a comprar serviços ao setor privado. Para Paim (2018, p.
1725), essa indefinição leva a um duplo boicote ao SUS: “um boicote
passivo através do subfinanciamento público e ganha força um boi-
cote ativo”, quando o Estado reconhece e privilegia o setor privado
com subsídios, empréstimos, desonerações e contratualizações. Este
favorecimento do SUS ao setor privado torna o sistema de saúde
brasileiro, segundo Ocké-Reis (2018), uma estrutura duplicada e pa-
ralela, forjando falsa equidade do sistema. Parecendo aceitável que
o Estado atenue o conflito distributivo, decorrente da aplicação de

- 118 -
subsídios aos estratos superiores de renda, ele acaba assim por pro-
mover o mercado de planos de saúde privados.
Também o modelo tecnoassistencial e gerencial4 não so-
freu descontinuidade. Persiste a perspectiva de uma administração
pública gerencial que se pauta na proposta de esvaziamento do pa-
pel do Estado de regulador das relações e de prestador de serviços
públicos, ficando as suas atividades vinculadas às demandas do
mercado. Para Nogueira (1998, p. 124), este clima ideológico soli-
dificou-se quando as forças neoliberais vieram “a público proclamar
que o Estado simbolizava o atraso indesejável e a constituição da
modernidade, por todos almejada, dependia da negação do Estado”.
Deste modo, o entendimento sobre administração pública gerencial
dominante, que coloca o Estado como gestor ineficiente e apresenta
a gestão gerencial como sinônimo de eficiência, está de acordo com
segmento político e econômico que o defende e com o seu projeto
político-econômico. Segundo Souza Filho (2006), a hegemonia ideo-
lógica do projeto gerencialista ataca a finalidade de universalização
de direitos, a dimensão racional e impessoal da ordem administrati-
va burocrática e promove a privatização de empresas e dos serviços
públicos estatais, dessa forma torna a gestão dos serviços públicos
uma mercadoria.
São inúmeras as situações que descaracterizam e descons-
titucionalizam o SUS, que já não cabem nos limites desse texto. Mas
é certo que no SUS, como em grande parte do território nacional, há
um imenso descuido com a ambiência, com a eficiência da gestão
pública e, o mais grave, com as pessoas que usam e trabalham no
sistema, criando inúmeras barreiras para o SUS ter base de sustenta-
ção social e reconhecimento nacional. O SUS vem se transformando,
gradualmente, em mais um espaço dominado pela velha e tradicio-
nal promiscuidade da política brasileira, confirmando um padrão de
descaso e de desrespeito à dignidade humana e com o uso da riqueza
4 O projeto gerencialista no âmbito de um projeto político-econômico conservador
avança de maneira considerável no desmonte e privatização de empresas e dos serviços
públicos estatais, pois reivindica para si o atendimento dos que têm acesso ao mercado
e o acesso ao fundo público para fazer a gestão dos serviços SUS. Com essa política, os
usuários dos serviços passam progressivamente a ser vistos como consumidores e clien-
tes ao invés de cidadãos, ficando o Estado a atender os comprovadamente mais pobres.
(SOUZA FILHO, 2006). Sob o pretexto de maior eficiência, exemplificamos, o Estado
Brasileiro repassa recursos aos empresários através de inúmeras figuras jurídicas, como
as OS, as PPP, as Fundações Estatais de Direito Privado e Empresas Públicas (como a
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH).

- 119 -
socialmente produzida5.

3. Organizações Sociais na gestão do SUS reduzindo as fun-


ções públicas e coletivas
A condição anunciada no texto constitucional de “a assis-
tência à saúde ser livre à iniciativa privada” (BRASIL, 1988) e a prá-
tica do Ministério da Saúde de se subordinar aos Ministérios da área
econômica para as decisões sobre o financiamento do SUS, nesses
anos facilitou a sujeição das necessidades de saúde aos interesses do
privado. Nessas décadas, o mercado invadiu o DNA do arcabouço
legal do SUS, por meio de uma série de figuras e entes jurídicos da
contrarreforma do Estado e as Organizações Sociais representam
uma das suas grandes expressões (BEHRING, 2016; PAIM, 2018).
Essa invasão privada no DNA do SUS, no caso da Organizações So-
ciais, está permeada de uma retórica de apelo, de bom serviço, de
parceria, qualidade, controle e eficiência que realmente esconde o
caráter privado da entidade, critica a gestão do Estado enquanto exi-
ge dele ser bom repassador de recurso. Algumas frases que exempli-
ficam esta retórica: “Terceiro setor parceiro imprescindível do setor
público”; “Hora de aprender com os erros e ampliar os acertos”; “Em
busca de soluções estruturais para a saúde”; “Transparência é o nome
do jogo”; “Um longo e bom caminho para avançar”; “Um antídoto
contra a desconfiança”; “O interesse público como objetivo comum”
(TCU, CONASS e IBROSS, 2018).
Foi neste contexto que emergiram as Organizações Sociais
(Lei 9.637/1998), enquanto empresas privadas que se habilitam para
fazer a gestão dos serviços do SUS. Este modelo de gestão privada
do SUS vem se afirmando desde os anos de 1990 com divulgação
das ideias de que o Estado não é competente, é lento, seus trâmites
burocráticos são morosos, ineficientes, sofre ingerências políticas e
que todas estas qualidades e virtudes se encontram na gestão dos
serviços privados (NOGUEIRA, 1998).

5 Mais um exemplo do descaso com proteção social da população brasileira pode ser
exemplificado no Decreto presidencial nº 9.699, de 8 de fevereiro de 2019. Transfere
dotações orçamentárias constantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da
União para diversos órgãos do Poder Executivo Federal, para encargos financeiros da
União e para transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, no valor de R$
606.056.926.691,00.

- 120 -
Segundo o IBGE (2018), as Organizações Sociais repre-
sentam tipo de administrador que mais avança na gestão dos esta-
belecimentos públicos de saúde. Nas 27 Unidades da Federação, 15
declararam ter estabelecimentos sob gestão de Organizações Sociais
e apenas 7 declararam não ter estabelecimentos de saúde administra-
dos por terceiros, são elas: Rondônia, Roraima, Tocantins, Rio Gran-
de do Norte, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais.
Nos municípios brasileiros, a pesquisa do IBGE (2018) re-
velou que 13,2% dos estabelecimentos de saúde eram administrados
por terceiros em 2018 e, em 2014, esse percentual era 10,6%. Dos
estabelecimentos sob responsabilidade municipal administrados por
terceiros, 58,3% eram administrados por organizações sociais; 15,0%
por empresas privadas; 11,0% por consórcios públicos e 9,4% por
Fundações.
Este crescimento das Organizações Sociais na saúde pú-
blica tem sido um dos assuntos mais noticiados nos últimos anos,
em todas as mídias, fazendo parte das manchetes nacionais e sen-
do objeto de investigações da Polícia Civil e Federal, do Ministério
Público e Tribunais de Contas. Suas irregularidades são amplamen-
te noticiadas. (POLÍTICA & SAÚDE, 2017; FRENTE NACIONAL
CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE, 2012). Por outro lado,
há um fortalecimento dessa modalidade de gestão com a crescente
qualificação de entidades como OS que celebram contratos de gestão
em várias unidades da federação, permitindo a solidificação do Ins-
tituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS). Este
Instituto tem feito parcerias com o Conselho Nacional de Secretários
de Saúde (Conass) e o Tribunal de Contas da União (TCU) como
explícito no Seminário de Boas Práticas na Gestão de Parceria com o
Terceiro Setor na Saúde (TCU, CONASS e IBROSS, 2018).
Nesse contexto, o mix público-privado, o mercado e a so-
ciedade civil são os novos sujeitos institucionais que passam a formar
as Organizações Sociais, sob o controle do Estado. São caracterizadas
como associações civis sem fins lucrativos que não são de proprieda-
de de nenhum individuo ou grupo, que estão orientadas diretamente
para o atendimento do interesse público (BRASIL, 1998), e portanto,
parece que se vinculam diretamente à transparência, à coletividade,
à gestão eficiente, ao controle de custos e resultados. A titulação sem

- 121 -
fins lucrativos quase chega a assegurar sua idoneidade, parece que
lhe dá maior legitimidade social e oculta vinculação mercantil. Se-
gundo Siqueira e Borges (2018, p. 38):
o ‘não lugar’, nem público e nem privado, lhe dá a aparência de não
possuir o ônus ou o bônus de não ser estatal e não ser uma organi-
zação privada. Ou seja, esse ‘não lugar’, acaba por estabelecer um
espaço que pode beneficiar-se de ambos os estatutos jurídicos.

Esse ‘não lugar’, nem público e nem privado, segundo Fon-


tes (2018) tem por detrás enorme variedade de entidades, desde as-
sociações efetivamente populares, grandes universidades e hospitais
até semiempresas como as Organizações Sociais da saúde. Incluem
entidades voltadas para a própria organização das burguesias, assim
como agem para transformar a gestão pública em privada. Tradu-
zem o ‘ativismo’ empresarial para domesticar populações em perío-
dos formalmente democráticos ou para justificar ações de resolução
de crises econômicas e sociais. E, adverte a autora, a atuação de tais
entidades contribuiu, nos últimos anos, para deslegitimar as opções
eleitorais populares, ao encaminhar soluções empresariais pré-pre-
paradas para a atuação política dos gestores em municípios, estados
e no próprio governo federal.
As Organizações Sociais seguramente fazem parte do am-
plo e complexo econômico industrial da saúde. Seus técnicos pos-
suem conhecimento especializado sobre tecnologias diversas, medi-
camentos, patentes e laboratórios mundializados, distribuição dos
serviços nos equipamentos e na rede de serviços. Desde os anos de
1990, as Organizações Sociais ganharam a especificidade de OS da
saúde, ao focar suas ações nessa área, ampliaram a expertise na ges-
tão dos serviços da saúde pública por meio dos contratos de gestão
com os gestores estaduais e municipais. Desse modo, as Organiza-
ções Sociais formam um amplo grupo de influenciadores e que são
competitivos no mercado da área. Os grupos empresariais médicos,
de equipamentos e as entidades filantrópicos atendem aos editais de
qualificação de Organizações Sociais da saúde chamado pelos esta-
dos e munícipios (ou de certa forma por eles impulsionados) para
futura operacionalização da gestão e execução das ações e serviços
de saúde (SIQUEIRA e BORGES, 2018).
A administração predominante no complexo econômico
da saúde é a gerencialista e as Organizações Sociais neste âmbito,

- 122 -
fazendo a gestão dos serviços, vieram a ser uma estratégia para que
se distanciasse da execução estatal, fragilizasse o vínculo empregatí-
cio dos seus trabalhadores e fraturasse sua identidade e organização
coletiva (por ex. os servidores estaduais de saúde perdem sua iden-
tidade, pois cada unidade de saúde com gestão de uma Organização
social (OS) constrói seu tipo de vínculo, seu plano de cargos e sa-
lários). Elas podem contratar trabalhadores sem concurso público,
serviços de empresas médicas, de laboratórios, consultorias, pessoas
jurídicas individuais, sem passar pela obrigatória lei de licitações do
serviço público. Esse grande leque de ações autônomas das Organi-
zações Sociais passa um falso ideário de que são externas ao aparelho
estatal, mas por meio de dispositivos jurídicos sua sobrevivência se
deve essencialmente ao recebimento do recurso público. No merca-
do da saúde, a Organizações Sociais se constituíram e ampliam ape-
nas por meio do recurso público e dessa forma cria-se uma relação
de dependência e quase de subordinação do setor público ao privado
e a tendência é o expansionismo concentrador (por meios de fusões,
novas aquisições) desses grupos para captação de recursos públicos.
A defesa dos fundamentos da Reforma Sanitária e do SUS
sempre foi tensionada pela corrente antissanitarista que defende o
Estado mínimo e o paradigma privatista. Este setor sobrevive e mo-
derniza-se com o financiamento do Estado e com a venda de seus
serviços e produtos ao SUS e defende que o sistema público é para
atender os pobres, as regiões distantes do país, os serviços de vigilân-
cia à saúde, atender as calamidades e garantir os serviços de alto cus-
to, pois nesses serviços ele mesmo é usuário. Este segmento, segundo
Ronaldo dos Santos (2018b), estrutura-se a partir de uma raciona-
lidade privada mercantil e opera inversão de valores, convertendo
a universalidade e a gratuidade dos serviços em resíduos históricos
regressivos e em privilégios, e defende as parcerias privadas como
arranjos superiores à administração direta estatal.
Esta funcionalidade do SUS ao setor privado é evidenciada
em manifestações do setor privado da saúde, como, por exemplo, o
Fórum Saúde do Brasil, realizado em 2018, promovido pela Folha
de São Paulo e patrocinado pela Amil e Associação Nacional de Ad-
ministradoras de Benefícios – ANAB. Na avaliação dos especialistas
que participaram desse Fórum, o SUS, que fez 30 anos, é referência
em saúde pública, porém tem o desafio de melhorar o atendimento
no tratamento de média complexidade, justamente no serviço que é
mais lucrativo para o setor privado (LOTT, 2018).

- 123 -
A luta pela privatização está saindo do armário e chegando
ao arcabouço legal do SUS, a Constituição de 1988, se caracterizan-
do como um ataque ao pacto que foi construído depois da ditadura
(PAIM, 2018). Neste contexto e a partir de 2016 apareceram no cená-
rio nacional várias entidades que propõem uma segunda alma para
o SUS ou a sua refundação numa base de complementaridade entre
público e privado. É o caso da Associação Nacional dos Hospitais
Privados (Anahp), a Coalizão Saúde, a Federação Brasileira de Pla-
nos de Saúde (FEBRAPLAN) e o Colégio Brasileiro de Executivos da
Saúde (CBEXs) que convergem na defesa da integração total entre o
SUS e o setor privado (MATHIAS, 2016).
Para os representantes do projeto privatista, a narrativa
técnica-gerencial da eficiência é referência para descrição dos pro-
blemas e das prioridades no SUS. A retórica neoliberal da eficiência
vem se impondo na gestão dos serviços do SUS que parece ter legi-
timidade e coerência em si mesmo e faz parecer insensato ou irres-
ponsável qualquer interlocutor que questiona suas ideias e institui-
ções como as OS que só se multiplicam porque captam e extraem o
fundo público.
O estudo de Krüger e Reis (2019), ao tratar da gestão do
SUS, indica que os Planos Estaduais de Saúde não diferenciam a re-
lação público e privado, adotam um raciocínio da eficiência que não
preza pelas necessidades de saúde e nem pelos fundamentos do SUS,
da saúde como direito social e coletivo, a ser realizado pelo Estado.
Por serem as OS conteúdo quase inexistente nos instrumentos de
gestão dos estados, entendemos que, de fato, sedimentam o terreno
para que elas tenham este “não lugar” enquanto natureza institucio-
nal e fraturam as determinações e articulações políticas e econômi-
cas que envolvem uma política social do tamanho do SUS.
Por esta via, a esfera pública está sendo colocada a serviço
do mercado e alijada da sua estrutura institucional e dos seus fun-
damentos como serviço público de cidadania. Assim, a defesa do di-
reito à saúde e do SUS torna-se numa agenda permanente para os
movimentos sociais e entidades que, historicamente, lutaram para a
construção e a defesa do SUS constitucional, como o Centro Brasi-
leiro de Estudos de Saúde (CEBES), a Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (ABRASCO), o Instituto de Direito Sanitário (IDISA) e a

- 124 -
Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, entre outros seg-
mentos sociais progressistas.

4. Considerações Finais
Nos anos de vida do SUS prevaleceu uma acepção positiva
sobre a natureza democrática do projeto, mas a democratização dos
cuidados de saúde permaneceu pendente de realização. Nessa imple-
mentação, o bloco político institucional e organizativo que formulou
o SUS perdeu a sua capacidade de resistência e defesa dos princípios
do sistema público de saúde. Assim, as agendas políticas dos gover-
nos dessas três décadas foram conformando novas tendências em
relação à direção ideopolítica do SUS. A perspectiva privatista alar-
gou a relação com setor privado e renovou as formas de contratos,
subsídios e empréstimos suportados pelo fundo público. As Asso-
ciações e Grupos de representantes do setor privado, que raramente
se manifestavam publicamente, estão aumentando a sua presença e
debate na agenda pública do SUS, em nome de uma retórica de defe-
sa da saúde, que não diferencia o setor público e privado. A defesa do
SUS constitucional reside no segmento que defende as bandeiras do
Movimento da Reforma Sanitária, mas que é hoje claramente contra
hegemônico.
Sabemos das contradições e divergências que cercam o de-
bate da defesa do SUS no conjunto de entidades e movimentos so-
ciais, mas torna-se necessária a articulação em torno da construção
de uma política unitária e da revitalização das bandeiras de lutas em
defesa dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, de modo a
alterar a presente correlação de forças que pende para o mais som-
brio da humanidade.
O Projeto da Reforma Sanitária brasileira necessita dos ri-
tuais democráticos para seguir o processo de implementação do SUS
de acordo com seus fundamentos. Os opositores de sistema público
de saúde sobreviveram à redemocratização, ao Movimento da Re-
forma Sanitária e ampliaram a sua ação nos 30 anos do SUS. Assim,
a bandeira de gestão pública estatal, dos serviços públicos e do in-
vestimento no setor público não podem ser reivindicação menor do
segmento que defende o SUS.

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de Janeiro, Escola de Serviço Social/Programa de Pós-graduação em
Serviço Social.
SUSCONECTA. Poder nas mãos do povo: CNS lança relatório pre-
liminar da 16ª Conferência Nacional de Saúde. 7 de novembro de
2019. Disponível em: http://www.susconecta.org.br/poder-nas-
-maos-do-povo-cns-lanca-relatorio-preliminar-da-16a-conferen-
cia-nacional-de-saude/ Acesso 03 fev. 2020.
TCU, CONASS e IBROSS. Boas práticas, gestão de parceria com o
terceiro na setor na saúde. 2018. Disponível em: https://www.ibross.
org.br/livro-seminario-2018-boas-praticas-na-gestao-de-parceria-
-com-o-terceiro-setor-na-saude/ Acesso em: 14 nov. 2019.

- 131 -
- 132 -
O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL (SUAS) NO AMAZONAS:
As condições e relações de trabalho inerentes ao
contexto de uma realidade amazônica
Marinez Gil Nogueira Cunha
Milane Lima Reis
Danielle da Silva Barbosa
Noura Vieira Pinheiro
Thiago Martins Pereira
Michelli Borba de Paula

1. Introdução
A Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS), por
meio Departamento de Gestão do Trabalho (DGSUAS/SEAS), reali-
zou no período de 2017 a 2018 a pesquisa6 intitulada: “Diagnóstico
do Perfil dos Trabalhadores do SUAS7 no Amazonas”. Essa pesquisa
teve como objetivo averiguar a realidade dos trabalhadores do Sis-
tema Único de Assistência Social do Estado do Amazonas, visando
conhecer o perfil dos trabalhadores que atuam nos equipamentos
socioassistenciais dos 62 municípios, mediante o levantamento dos
seguintes indicadores: sexo, faixa etária, grau de instrução, tempo
de serviço, local de trabalho, contratação, horas trabalhadas e faixa
salarial.
Cabe destacar que dos 62 municípios obteve-se êxito de
respostas aos questionários em 43 municípios, totalizando 1.684 (mil
seiscentos e oitenta e quatro) trabalhadores. É importante também
ressaltar que a pesquisa contou com o assessoramento da Universi-
dade Federal do Amazonas na formulação das diretrizes da pesquisa,
sistematização e análise dos dados, pois docentes desta universidade
atuavam como membros do Núcleo Estadual de Educação Perma-
nente do Sistema Único de Assistência Social no Amazonas (NUEP/
AM). Os resultados desta pesquisa serviram para subsidiar a ela-
boração do Plano Estadual de Educação Permanente no Estado do
Amazonas.
6 A implementação da pesquisa de campo foi realizada em 2017. Mas a sistematização e
a análise dos resultados somente foram concluídas em 2018.
7 Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

- 133 -
A pesquisa de campo enfrentou dificuldades para aproxi-
mação à realidade, em decorrência da complexidade e amplitude do
território amazônico. Assim, frente às condições adversas, singulares
e dinâmicas de cada município do estado, foi utilizada uma meto-
dologia em que os municípios foram subdivididos por calhas dos
principais rios que banham o Estado, respeitando a geografia dife-
renciada de outros Estados do território brasileiro, conforme o fator
amazônico.
Assinalar tal classificação torna-se relevante no sentido de
observar o princípio apresentado pela PNAS/2004, que trata da des-
centralização das ações da política de assistência social a partir do
reconhecimento da territorialidade e do diagnóstico socioterritorial,
devendo cada Estado buscar apreender as especificidades territoriais.
Por essa razão, a coleta dos dados nesta pesquisa ocorreu
de modo sistemático e organizado, com a preocupação de manter a
objetividade, tendo em vista a complexidade e dinâmica da realidade
trabalhada. Por isso, como aporte teórico foram utilizados dados e
informações de fontes oficiais tais como: Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE); Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Tam-
bém foram consultados documentos internos da Secretaria de Esta-
do da Assistência Social (SEAS) e referenciais teóricos que propicia-
ram a análise do material disponibilizado. Outra fonte importante de
informações se refere à experiência in loco dos profissionais da SEAS
que realizam a visita técnica aos municípios, além dos relatórios que
retratam os resultados desse acompanhamento, tornando possível a
identificação das particularidades de cada território.
O diálogo e a troca de conhecimento e saberes se consti-
tuem em marco referencial para este trabalho, pautado nas referên-
cias acenadas nas legislações da assistência social em vigor: Lei Orgâ-
nica da Assistência Social – LOAS, Lei nº 8.742/93, alterada pela Lei
12.435/2011; Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004;
Norma Operacional Básica do Sistema Único da Assistência Social
– NOB-SUAS/2012; Norma Operacional Básica de Recursos Huma-
nos do Sistema Único da Assistência Social – NOB-RH/SUAS/2006.
O questionário utilizado nesta pesquisa passou por análise
técnica do Núcleo de Educação Permanente do SUAS no Amazonas
(NUEP/SUAS/AM), a fim de garantir um resultado quantiqualitati-

- 134 -
vo sobre a leitura do perfil dos trabalhadores do SUAS do Estado do
Amazonas. Para melhor análise dos resultados da pesquisa, os dados
foram sistematizados a partir de quadros e gráficos, facilitando a vi-
sualização da realidade ora apresentada. Nessa leitura, incluiu-se o
cruzamento de variáveis obtidas na extração de dados da pesquisa de
campo, servindo para explicar o mosaico social do Amazonas.

2. Caracterização e Divisão Administrativa do Estado do


Amazonas
O Estado do Amazonas é a mais extensa das unidades da
federação, com uma área territorial de 1.559.148,890 km² (IBGE,
2010), pertencente à região Norte do Brasil, sendo o segundo mais
populoso dos estados que compõem essa região. O Amazonas, iso-
lado geograficamente do restante do País, tem uma única rodovia
federal que faz a ligação de sua capital às demais regiões do país, a BR
319, que liga Manaus à cidade de Porto Velho. Esta é de difícil acesso
e fica inoperante para o tráfego de veículos e de pessoas, o que con-
tribui para a manutenção do isolamento do Estado por via terrestre.
Com exceção de nove municípios, do total de 62, todos os
demais não têm ligação com a capital Manaus via terrestre. Devido a
isso, para romper as longas distâncias que separam os seus municí-
pios, o acesso se dá por via aérea ou fluvial. Nota-se que a única for-
ma de deslocamento de alguns municípios para a capital e vice-ver-
sa, se dá por meio de lancha com duração de até 27h horas e de barco
até dez dias, dificultando a logística de transporte até o município.
Essa peculiaridade local, somada a outros aspectos endó-
genos como, a distância entre os seus municípios, o clima (tropi-
cal chuvoso e úmido), a baixa densidade demográfica e a dispersão
territorial compõem, de modo geral, a diversidade ambiental e ter-
ritorial do Estado. Pontua-se ainda que as peculiaridades culturais,
econômicas, sociais e políticas também contribuem para que a maio-
ria dos municípios apresente significativo percentual de pessoas com
rendimentos abaixo da linha de pobreza.
Segundo Schor e Oliveira (2011), o estado do Amazonas
deveria classificar as cidades a partir de suas semelhanças e diferen-
ças, originando uma tipologia própria para a compreensão da di-
nâmica espacial. Assim, pode-se inferir que estas características se
inscrevem como desafios no âmbito das políticas públicas, visto que

- 135 -
se torna necessária a criação de estratégias que garantam o acesso e a
qualidade de bens e serviços públicos à população local.
Ressalta-se que o Amazonas abriga em seu território rica
biodiversidade, com vasta extensão de cobertura florestal e de ma-
nanciais de água doce, respondendo aproximadamente por 20% da
água doce do Planeta. Esse grande potencial hídrico se credencia
como via navegável, sendo utilizado para o deslocamento de pessoas
e de cargas.
Para Schor e Oliveira (2011), a rede urbana do Rio Soli-
mões possui uma dinâmica local e infraestrutura urbana precária,
permanece distante da inserção na dinâmica de desenvolvimento
regional e nacional. É possível considerar a mesma como uma rede
urbana fechada, no sentido que o fluxo de mercadoria e pessoas se dá
majoritariamente via fluvial e interna ao Estado Amazonas.
Por ser um Estado banhado por rios, lagos e igarapés, o
planejamento administrativo e político favoreceu a divisão dos seus
62 municípios por calhas de rios, com a intenção de aproximar terri-
tórios com características semelhantes para fomentar o desenvolvi-
mento local, como pode ser observado no quadro 1.
No Amazonas existem nove calhas dos principais rios que
banham o Estado, tais como: Alto Solimões; Triângulo (Jutaí, Juruá,
Solimões); Purus; Alto Juruá; Madeira; Alto Rio Negro; Rio Negro e
Solimões; Médio Amazonas e Baixo Amazonas. Os municípios que
compõem cada calha de rio podem ser identificados a seguir:

Quadro 1: Divisão do Amazonas por calhas dos rios.


CALHAS MUNICÍPIOS Nº
Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Ta-
Alto Soli-
Calha 1 batinga, São Paulo de Olivença, Amaturá, 7
mões
Santo Antônio do Iça e Tonantins.
Triângulo
Japurá, Maraã, Fonte Boa, Jutaí, Uarini,
Calha 2 (Jutaí, Juruá 8
Alvarães, Juruá e Tefé.
e Solimões)
Boca do Acre, Lábrea, Canutama, Pauini
Calha 3 Purus 5
e Tapauá.
Carauari, Itamarati, Eirunepé, Ipixuna,
Calha 4 Alto Juruá 6
Envira e Guajará

- 136 -
Humaitá, Manicoré, Borba, Novo Ari-
Calha 5 Madeira 5
puanã e Apuí.
Alto Rio São Gabriel da Cachoeira, Barcelos e Santa
Calha 6 3
Negro Izabel do Rio Negro.
Coari, Codajás, Caapiranga, Novo Airão,
Manaus, Beruri, Anori, Anamã, Mana-
Rio Negro e
Calha 7 capuru, Manaquiri, Iranduba, Rio Preto 15
Solimões
da Eva, Careiro da Várzea, Careiro Casta-
nho e Autazes.
Maués, Itacoatiara, Silves, Urucurituba,
Médio Ama-
Calha 8 Itapiranga, Presidente Figueiredo e Nova 7
zonas
Olinda do Norte.
Boa Vista do Ramos, Barreirinha, Parin-
Baixo Ama-
Calha 9 tins, Nhamundá, Urucará, São Sebastião 6
zonas
do Uatumã.
Total 9 CALHAS = 62 MUNICÍPIOS
Fonte: Departamento de Gestão do Trabalho (DGSUAS) da Secretaria de Estado de
Assistência Social do Amazonas (SEAS/AM), 2017.

O Estado do Amazonas, conforme o censo do IBGE (2010)


apresentou a população de 3.483.985 habitantes, distribuída entre a
zona urbana (2.755.490 – 79%) e a zona rural (728.495 – 21%), com
grande concentração, ou seja, 1.802.014 pessoas vivendo na capital
Manaus e 1.678.412 distribuídos nos outros 61 municípios. O Ama-
zonas faz fronteira com outros estados como: Roraima (ao norte),
Mato Grosso (ao sul), Pará (ao leste), Acre (a sudoeste), e também
com outros países como: Venezuela, Colômbia e Peru.
A rica sociodiversidade presente no Amazonas, constituí-
da por um mosaico de segmentos sociais, compreende populações
urbanas, rurais e tradicionais indígenas e não indígenas (caboclas
e ribeirinhas). Essas populações, a partir das características de seus
territórios, estabelecem com o seu meio uma relação de troca, de
ressignificações, de construção de identidade e subjetividades.
Diante disso, o entendimento de como se processa a dinâ-
mica do território onde as pessoas vivem, com as particularidades de
sua geografia, história, cultura, costumes, vulnerabilidades e riscos,
é uma dimensão central a ser analisada no âmbito da garantia da
oferta de benefícios, serviços, projetos e programas de qualidade no

- 137 -
âmbito da Política de Assistência Social, que atendam a real deman-
da de indivíduos e famílias neste contexto amazônico. A partir do
território é possível conhecer como as famílias vivem, se relacionam,
constroem as suas formas de resistência, e estruturam as suas poten-
cialidades e o seu protagonismo social.
Mesmo diante de tamanha riqueza biodiversa e sociodi-
versa, representada por seus povos e culturas com aspectos social
e cultural que lhes são próprios, é evidente o cenário contraditório
vivido pela população local, em face dos interesses e movimento
do capital na região. Em meio a um contexto em que se privilegia a
acumulação capitalista, o grande potencial local se perde diante de
frágeis intervenções, provocando o empobrecimento da população e
a insustentabilidade ambiental, traduzidos nas diferentes facetas da
Questão Social na Amazônia.
Neste contexto, a Política de Assistência Social expressa
tamanha importância por reconhecer as múltiplas dimensões da
pobreza, considerando o território como lócus de manifestações da
dinâmica geográfica e social das populações. As desigualdades não
são apenas sociais, mas territoriais, expressas nas condições de ur-
banização, principalmente nos municípios de médio e grande porte
e nas metrópoles, os quais passaram a serem produtores e reprodu-
tores de um intenso processo de precarização das condições de vida
e dos modos de viver. Além da presença crescente do desemprego
e da informalidade, assim como das diferentes formas de violência,
dentre outras características que expõem muitas famílias a situações
de risco e vulnerabilidade social.

3. O Perfil dos Trabalhadores da Assistência Social no Estado


do Amazonas
É importante salientar que os percursos de levantamento
do perfil dos trabalhadores da Assistência Social do Amazonas ne-
cessitam ser compreendidos conforme o fator amazônico, que está
direcionado para a divisão administrativa, compreendendo que o
Estado se subdivide em calhas de rios, por isso, faz-se necessário co-
nhecer a geografia do Amazonas, conforme o quadro a seguir:

- 138 -
Quadro 2: Alcance da pesquisa por calhas dos rios.
Nº de
CALHAS MUNICÍPIOS Traba-
lhadores
Amaturá (10); Atalaia do Norte
Alto Soli- (28); Benjamin Constant (73); São
Calha 1 186
mões Paulo de Olivença (40); Tonantins
(35)
Fonte Boa (55); Maraã (10); Tefé
Calha 2 Triângulo 214
(99); Uarini (50)
Boca do Acre (36); Canutama (34);
Calha 3 Purus 99
Pauini (5); Tapauá (24)
Carauari (36); Eirunepé (10); Gua-
Calha 4 Alto Juruá 130
jará (27); Ipixuna (51); Itamarati (6)
Borba (28); Humaitá (42); Manico-
Calha 5 Madeira 135
ré (31); Novo Aripuanã (34)
Barcelos (55); São Gabriel da Ca-
Alto Rio
Calha 6 choeira (17); Santa Isabel do Rio 100
Negro
Negro (28)
Anamã (11); Anori (33); Beruri
(55); Careiro (45); Careiro da Vár-
Rio Negro
Calha 7 zea (16); Iranduba (25); Manaquiri 378
e Solimões
(29); Manaus (150); Rio Preto da
Eva (14)
Itacoatiara (94); Itapiranga (8);
Médio
Calha 8 Maués (95); Nova Olinda do Norte 274
Amazonas
(65); Presidente Figueiredo (12)
Boa Vista do Ramos (35); Barreiri-
Baixo nha (5); Parintins (69); Nhamundá
Calha 9 168
Amazonas (33); Urucará (9); São Sebastião do
Uatumã (17)
Total de Trabalhadores que responderam ao questionário: 1.684
trabalhadores
Fonte: Pesquisa de diagnóstico do perfil dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas,
DGSUAS/SEAS (2017-2018).

A partir dessa contextualização se destaca que os questio-


nários aplicados na pesquisa foram divididos conforme as calhas,

- 139 -
para garantir que os municípios tivessem sua devida representati-
vidade.
Essa particularidade se constitui em obstáculo quando se
quer transpor as grandes distâncias que separam as cidades e dificul-
tam a viabilização do acesso a bens e serviços públicos à população
local, intensificado também pelo clima quente e úmido, o qual com-
põe o cenário de enchente, vazante, seca e cheia. Contudo, a divisão
em calhas propicia o planejamento estratégico, o qual deve conside-
rar o que é comum e o que é diverso entre esses territórios, levando
em conta os fatores naturais, a vocação produtiva, energética e as de-
mandas dos diferentes segmentos sociais que compõem esse cenário.
Inicialmente ressalta-se como resultado do perfil dos tra-
balhadores da Assistência Social do Amazonas o indicador de sexo,
o qual teve uma prevalência do sexo feminino com 68,82%, de acor-
do com a tabela a seguir:
Tabela 1: Sexo dos trabalhadores do SUAS no Amazonas.
Indicador Calhas Respostas
CALHA 1

CALHA 2

CALHA 3

CALHA 4

CALHA 5

CALHA 6

CALHA 7

CALHA 8

CALHA 9
Gênero Nº %

Feminino 105 161 64 98 95 71 278 168 119 1159 68,82%


Masculino 75 44 29 31 38 27 90 91 47 472 28,03%
Sem infor-
mação
6 9 6 1 2 2 10 15 2 53 3,15%

Total 186 214 99 130 135 100 378 274 168 1684 100,00%

Fonte: Pesquisa de Diagnóstico do Perfil dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas,


DGSUAS/SEAS, 2017-2018.
Assim, verifica-se que esse resultado da pesquisa corrobo-
ra com as literaturas na área da assistência social, pois indica que
a maioria os trabalhadores são mulheres, principalmente por cau-
sa do perfil de feminização de profissões na assistência social, con-
substanciada ainda no imaginário de valores da “caridade e ajuda”, o
que instituiu socialmente as profissões que atuam nesta área, como o
Serviço Social e a Psicologia. Conforme Scott (1989, p. 7), “o gênero
se torna, aliás, uma maneira de indicar as ‘construções sociais’ – a
criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos
homens e às mulheres”. Assim, gênero indica “a maneira de se referir
às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos ho-
mens e das mulheres” (Ibidem).

- 140 -
No que se refere à prevalência de mulheres no ambiente de
trabalho da área da Assistência Social, destaca-se que na década de
1970 o Serviço Social era a segunda profissão com maior concentra-
ção de mulheres no país. É possível observar que nos censos de 1980,
1991 e 2000, o Serviço Social tornou-se a profissão de nível superior
mais feminina do Brasil (SIMÕES, 2012).
Em relação à faixa etária dos sujeitos da pesquisa, o levan-
tamento nos mostra que os trabalhadores do SUAS possuem a faixa
etária de 26 a 33 anos de idade (27,43%), seguida da faixa etária de 34
a 41 anos de idade (25,06%). Tal fato sinaliza que 52% dos trabalha-
dores incluídos no mercado de trabalho na área da Assistência Social
no Amazonas são pessoas com idade entre os 25 a 45 anos, ainda
jovens e que se encontram em pleno uso de suas habilidades físicas e
aptidões técnicas profissionais. Vejamos a tabela abaixo:
Tabela 2: Faixa etária dos Sujeitos da Pesquisa
Indicador Calhas Respostas
CALHA 1

CALHA 2

CALHA 3

CALHA 4

CALHA 5

CALHA 6

CALHA 7

CALHA 8

CALHA 9
Faixa
Nº %
etária

18-25 anos
27 35 15 34 14 25 43 55 14 262 15,56%
de idade
26-33
anos de 41 63 33 31 40 33 101 75 45 462 27,43%
idade
34-41 anos
63 46 24 31 29 20 98 64 47 422 25,06%
de idade
42-50 anos
19 49 16 16 29 12 72 46 27 286 16,98%
de idade
51-59 anos
9 12 5 4 16 4 42 26 9 127 7,54%
de idade
60-69 anos
2 0 1 3 3 0 6 1 3 19 1,13%
de idade
Sem infor-
25 9 5 11 4 6 16 7 23 106 6,29%
mação
Total 186 214 99 130 135 100 378 274 168 1684 100,00%

Fonte: Pesquisa de diagnóstico do perfil dos Trabalhadores do SUAS no


Amazonas, DGSUAS/SEAS, 2017-2018.

- 141 -
Quanto ao grau de escolaridade dos trabalhadores da As-
sistência Social no Amazonas, o maior percentual é de 49,47% (Ensi-
no Médio), que representa trabalhadores que executam os seguintes
cargos: administrativo, monitor, cadastrador social e orientador so-
cial (ver tabela 3).

Tabela 3: Escolaridade dos Sujeitos da Pesquisa


Indica-
Calhas Respostas
dor
CALHA 1

CALHA 2

CALHA 3

CALHA 4

CALHA 5

CALHA 6

CALHA 7

CALHA 8

CALHA 9
Escolari-
Nº %
dade

Ens. Fun-
22 60 3 22 13 8 39 35 6 208 12,35%
damental
Ens.
97 113 46 66 72 57 160 155 67 833 49,47%
Médio
Ens.
60 38 37 38 46 34 179 80 83 595 35,33%
Superior
Sem
informa- 7 3 13 4 4 1 0 4 12 48 2,85%
ção
Total 186 214 99 130 135 100 378 274 168 1684 100,00%

Fonte: Pesquisa de Diagnóstico do Perfil dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas,


DGSUAS/SEAS, 2017-2018.

Os trabalhadores do SUAS de nível médio estão inclusos
e habilitados para trabalharem na assistência social por meio da
Resolução Nº 9, de 15 de abril de 2014, a qual ratifica e reconhece
as ocupações e as áreas de ocupações profissionais de ensino médio
e fundamental do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, em
consonância com a Norma Operacional Básica de Recursos Huma-
nos do SUAS – NOB-RH/SUAS, conforme quadro a seguir:

- 142 -
Quadro 03: Equipe de Referência/ NOB-RH/SUAS.

Fonte: Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS, 2006.

Destaca-se que os trabalhadores com o Ensino Superior na


pesquisa têm o percentual de 35,33% e, efetivamente, corresponde à
equipe técnica, a qual é composta de assistentes sociais e psicólogos
dos equipamentos socioassistenciais, os quais possuem capacidade
técnica e operacional para executar atribuições conforme a LOAS,
PNAS, NOB/SUAS, NOB/RH, Tipificação dos Serviços Socioassis-
tenciais, resoluções, decretos e portarias do SUAS.
Acerca da área e curso de formação dos trabalhadores do
SUAS no Amazonas, na pesquisa o maior percentual indicado foi o
item “outras áreas de formação”, o que nos remete a concluir que
estes trabalhadores são de nível médio (escolaridade), conforme o
item anterior da pesquisa. Portanto, a formação declarada referen-
te ao nível médio representa majoritariamente os trabalhadores do
SUAS do Amazonas. O resultado da pesquisa indica também que
dentre os profissionais com formação de nível superior, o Curso de
Serviço Social desponta com 30,25% do total, seguido da Psicologia
com 13,61%.

- 143 -
Tabela 4: Área/curso de formação dos Trabalhadores do SUAS no
Amazonas.
Indicador Calhas Respostas

CALHA 1

CALHA 2

CALHA 3

CALHA 4

CALHA 5

CALHA 6

CALHA 7

CALHA 8

CALHA 9
Área/Curso de
Nº %
Formação

Serviço Social 10 22 6 6 5 3 65 31 32 180 30,25%


Pedagogia 7 0 4 8 4 0 0 7 0 30 5,04%
Psicologia 4 7 1 7 0 4 40 6 12 81 13,61%
Outras áreas de
34 9 24 16 10 27 74 28 39 261 43,87%
formação
Sem informação 5 0 2 1 27 0 0 8 0 43 7,23%
Total 60 38 37 38 46 34 179 80 83 595 100,00%

Fonte: Pesquisa de Diagnóstico do Perfil dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas,


DGSUAS/SEAS, 2017-2018.

Sobre o local de atuação dos trabalhadores do Suas, a


pesquisa destacou o Centro de Referência de Assistência Social –
CRAS com 33,08%, resultado que se justifica pelo quantitativo do
número de CRAS no Amazonas com 90 (noventa) equipamentos e
apenas 50 Centro de Referência Especializado de Assistência Social –
CREAS (MDS, 2018). Vale ressaltar que, os trabalhadores que atuam
nas secretarias municipais de Assistência Social (Semas) do Amazo-
nas, correspondem ao número de 24,41%, os quais exercem a função
de nível médio, executando atribuições de caráter técnico e adminis-
trativo. Conforme dados a seguir:

- 144 -
Tabela 5: Local de atuação dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas
Indica-
Calhas Respostas
dor

CALHA 1

CALHA 2

CALHA 3

CALHA 4

CALHA 5

CALHA 6

CALHA 7

CALHA 8

CALHA 9
Local de
Serviço Nº %
Suas

CRAS 70 74 18 46 19 27 143 93 67 557 33,08%


CREAS 13 18 12 9 53 10 48 53 31 247 14,67%
SEMAS 53 73 43 31 32 17 82 61 19 411 24,41%
Sem
informa- 50 49 26 44 31 46 105 67 51 469 27,85%
ção
Total 186 214 99 130 135 100 378 274 168 1684 100,00%

Fonte: Pesquisa de Diagnóstico do Perfil dos Trabalhadores do SUAS no


Amazonas, DGSUAS/SEAS, 2017-2018.

Cumpre destacar, que a última expansão de financiamento


federal para CREAS ocorreu em 2013. E a quantidade de CREAS no
Amazonas no ano de 2018 era 37 (trinta e sete), sendo esses equipa-
mentos financiados com recursos federais, assim como contava neste
mesmo ano com 13 (treze) CREAS financiados com recursos muni-
cipais. Tal fato justifica a existência de menor quantitativo de traba-
lhadores nos CREAS, se comparado aos equipamentos dos CRAS.
A forma de contratação dos trabalhadores do Suas no
Amazonas de maior relevância em percentual é o contrato comis-
sionado com 33,19%, isto demonstra a precarização das relações de
trabalho quanto ao processo de contratação, o que pode ser depreen-
dido da tabela a seguir.

- 145 -
Tabela 6: Formas de contratação dos Trabalhadores do SUAS no
Amazonas.
Indicador Calhas Respostas

CALHA 1

CALHA 2

CALHA 3

CALHA 4

CALHA 5

CALHA 6

CALHA 7

CALHA 8

CALHA 9
Vínculos
Nº %
empregatícios

Contrato (co-
67 33 40 46 78 15 148 72 60 559 33,19%
missionado)
Empregado
público 37 48 21 15 18 28 16 54 42 279 16,57%
celetista
Servidor
40 31 19 6 14 11 93 41 19 274 16,27%
estatutário
CLT
1 51 6 8 4 2 6 67 7 152 9,03%
determinado
CLT indeter-
0 12 0 4 0 0 8 3 1 28 1,66%
minado
Terceirizado
2 15 0 10 4 1 12 2 4 50 2,97%
(pessoa física)
Sem
39 24 13 41 17 43 95 35 35 342 20,31%
informação
Total 186 214 99 130 135 100 378 274 168 1684 100,00%

Fonte: Pesquisa de Diagnóstico do Perfil dos Trabalhadores do SUAS no


Amazonas, DGSUAS/SEAS, 2017-2018.

Os resultados indicam que a forma de contratação (pre-


cária) implica a descontinuidade das ações socioassistenciais, o que
fragiliza os vínculos destes profissionais com os usuários, os quais
estão em situação grave de risco ou vulnerabilidade social. Essa des-
continuidade das ações socioassistenciais traz consequências nega-
tivas para a materialização do chamado referenciamento do profis-
sional em relação ao território, ou seja, a precarização do vínculo de
trabalho (sem garantia de permanência e continuidade via concurso
público) incide também na falta de conhecimento dos profissionais
em relação ao território, o que implica diretamente na capacidade e/
ou dificuldade para a promoção da proteção de famílias e indivíduos
residentes neste território.
Quanto ao tipo de contratação, a NOB/SUAS (2012) indi-
ca que as secretarias municipais de assistência social devem realizar

- 146 -
concurso público como prioridade no âmbito do SUAS, sobretudo de
acordo com o Pacto de Aprimoramento (2014-2017), no qual consta
como uma das prioridades a desprecarização dos vínculos trabalhis-
tas das equipes que atuam nos serviços socioassistenciais e na ges-
tão do SUAS, tendo como meta atingir percentual mínimo de 60%
de trabalhadores de nível superior e médio com vínculo de servidor
estatuário ou empregado público. Neste intuito, os municípios de-
vem realizar concurso público e/ou processo seletivo (CLT), a fim de
cumprir as legislações quanto às contratações no âmbito do SUAS.
Estes dados contrastam com os percentuais de emprega-
do público celetista (16,57%) e servidor estatutário (16,27%), o que
indica que ainda não há na realidade do Amazonas a priorização de
concurso público pelas secretarias municipais, dando foco aos ce-
letistas ou comissionados, os quais permanecem por tempo deter-
minado, conforme a entrada e saída das gestões municipais, o que
dificulta a continuidade e qualidade dos serviços socioassistenciais
para usuários, e assim computam-se perdas. Ademais, a realização
de concurso público ainda é um dos desafios para os gestores mu-
nicipais.
Cabe destacar, que a falta de trabalhadores efetivos con-
cursados na Assistência Social desrespeita o marco legal da política
no tocante aos recursos da NOB/RH/SUAS. Esta norma visa romper
com a precarização dos vínculos trabalhistas em seus quadros, pres-
supondo que, no contexto dos celetistas e outros tipos de contrata-
ção, a precarização é um fato por corroer o trabalho via ampliação da
extração de mais-valia (ANTUNES; DRUCK, 2013).
Sob esta perspectiva, os problemas aparecem já no ingres-
so do trabalhador no SUAS. O concurso público, segundo Muniz
(2011, p. 23), “[...] é, por natureza, um processo seletivo que permite
o acesso a emprego ou cargo público de modo amplo e democrático”.
Trata-se, pois, de escolher entre os elegíveis os mais capacitados para
exercer as funções; ademais, rompe-se com a lógica patrimonialista
que referenda o paternalismo, o primeiro-damismo, o clientelismo
que corroem as possibilidades de atuação com o mínimo de auto-
nomia do laborador. O que permite romper com as diferenciações,
dentre elas de remuneração e condições de trabalho, entre os que
exercem trabalho igual (PEREIRA, 2018).
Quanto à carga horária dos trabalhadores do SUAS no
Amazonas, verificou-se que eles trabalham 40 horas semanais, que

- 147 -
representa o percentual de 62,41%. Este dado confirma a existência
da prevalência de profissionais de nível médio com contratos em sua
maioria comissionados. Ainda sobre a carga horária, esta é determi-
nada pela NOB-RH, com os equipamentos socioassistenciais fun-
cionando 8h00 por dia, totalizando 40h semanais, o qual impacta
positivamente no Índice de Gestão Descentralizada do SUAS, pois
se torna um dos critérios para o financiamento e apoio à gestão da
Secretarias Municipais mediante o recurso federal.

Tabela 7: Carga horária dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas.


Indicador Calhas Respostas
CALHA 1

CALHA 2

CALHA 3

CALHA 4

CALHA 5

CALHA 6

CALHA 7

CALHA 8

CALHA 9
Carga
Horária Nº %
Semanal

20 horas 20 6 24 8 1 0 25 4 0 88 5,23%

30 horas 13 23 40 13 11 8 65 71 53 297 17,64%


40 horas 121 149 23 97 107 71 225 165 93 1051 62,41%
60 horas 4 0 0 0 0 0 0 3 6 13 0,77%
Sem
28 36 12 12 16 21 63 31 16 235 13,95%
informação
Total 186 214 99 130 135 100 378 274 168 1684 100,00%

Fonte: Pesquisa de Diagnóstico do Perfil dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas,


DGSUAS/SEAS, 2017-2018.

Sobre a carga horária de 30 horas, é direcionada aos profis-


sionais Assistentes Sociais, os quais cumprem a carga horária confor-
me a Lei 12.317, de 26 de agosto de 2010, que altera o artigo 5° da Lei
de Regulamentação Profissional (Lei 8.662/1993) e define a jornada
máxima de trabalho de assistentes sociais em 30 horas semanais, sem
redução salarial, a qual a pesquisa indica o percentual de 17,64%. Os
demais profissionais trabalham em carga horária menor ou maior.
Em relação à faixa salarial dos trabalhadores, a pesquisa
indicou com maior prevalência o percentual de 48,87%, equivalente
a 1 (um) salário mínimo, confirmando que há uma prevalência de
profissionais de nível médio. Esse percentual majoritário é seguido
de 23,40% de trabalhadores que recebem entre R$ 1.000 a R$ 2.000.
Conforme MDS, o Plano de Cargos, Carreira e Salários (PCCS) é

- 148 -
uma das ações relativas à valorização do trabalhador do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), na perspectiva da desprecariza-
ção da relação de trabalho. É necessário destacar que a precarização
se manifesta por meio dos profissionais sem vínculo empregatício,
contratados sem concursos públicos, sem estrutura e materiais para
realização das atividades, o que se constituiu também como um fator
de precarização das condições de trabalho. A seguir apresenta-se o
quadro sobre a faixa salarial dos Trabalhadores do SUAS no Ama-
zonas.

Tabela 8: Faixa salarial dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas.


Indicador Calhas Respostas
CALHA 1

CALHA 2

CALHA 3

CALHA 4

CALHA 5

CALHA 6

CALHA 7

CALHA 8

CALHA 9
Faixa Salarial Nº %

Até 1 salário
91 139 54 71 55 66 105 178 64 823 48,87%
mínimo
Entre R$ 1.000
53 32 20 27 55 12 87 59 49 394 23,40%
a R$ 2.000
Entre 2.001 a
16 21 17 16 5 13 88 15 45 236 14,01%
3.000
Entre R$ 3.001
20 16 5 4 11 9 40 13 7 125 7,42%
e R$ 5.000
Outro valor 0 2 0 8 0 0 20 0 1 31 1,84%
Não respondeu 6 4 3 4 9 0 38 9 2 75 4,45%
Total 186 214 99 130 135 100 378 274 168 1684 100,00%

Fonte: Pesquisa de Diagnóstico do Perfil dos Trabalhadores do SUAS no Amazonas,


DGSUAS/SEAS, 2017-2018.

No atual mercado de trabalho, todas as pessoas que exer-


cem uma função procuram receber uma contraprestação em troca,
é desta forma que o trabalhador vende seu trabalho, seja ele manual
ou intelectual, para o empregador, que paga em dinheiro ou em be-
nefícios, pela prestação do serviço (FAVARIM, 2011).
A partir dos resultados da pesquisa no Amazonas, é im-
prescindível destacar que a categoria profissional do Serviço Social
(e demais categorias) deve priorizar e lutar pela questão de concur-
sos públicos voltados para área da Assistência Social no Amazonas,
para materializar de modo ampliado a equipe multiprofissional pre-

- 149 -
vista pela Resolução Nº17/CNAS de 20111, para compor as equipes
de referência e fortalecer a gestão do SUAS. O quadro técnico pre-
visto pela resolução ainda está defasado no estado e não abrange por
completo a equipe multiprofissional.

4. Considerações Finais
A partir da pesquisa realizada foi possível conhecer o perfil
dos trabalhadores do SUAS no Estado do Amazonas, que em sua
maioria são profissionais de nível médio, seguidos por profissionais
de nível superior, fato decorrente de implicações nas situações so-
cioeconômicas e educacionais, posto que algumas pessoas ainda
encontram dificuldades no acesso à educação quanto à graduação e
pós-graduação, que geralmente são ofertadas de forma não-presen-
cial e/ou educação à distância.
É importante salientar a predominância do sexo feminino
em todos os equipamentos da Assistência Social das calhas de rios
dos municípios do Amazonas.
Observou-se que há uma maior concentração de trabalha-
dores nos Equipamentos CRAS das Secretarias Municipais de Assis-
tência Social (SEMAS) e CREAS, respectivamente, com cargos entre
Monitor, Cadastrador Social e Orientador Social para nível médio;
Psicólogo, Assistente Social, Pedagogo e profissionais com outras
formações de nível superior.
Com relação às formas de contratações e faixa salarial, per-
cebeu-se que a maioria dos profissionais ocupa cargos comissiona-
dos, com faixa salarial abaixo da média de mercado, fato que causa
impacto negativo na oferta dos serviços de forma qualitativa e nas
condições de vida socioprofissional dos trabalhadores.
Entre as dificuldades nas condições de trabalho, cumpre
destacar como entrave a questão das capacitações dos trabalhadores
do SUAS, posto que a geografia e a baixa qualidade da internet nos
municípios impossibilitam que busquem capacitações on-line e de
forma presencial.
1 A Resolução reconheceu como profissionais que poderão integrar as equipes de refe-
rência, para atender especificidades na prestação dos serviços socioassistenciais, as se-
guintes categorias: Antropólogo; Economista Doméstico; Pedagogo; Sociólogo; Terapeu-
ta ocupacional; e, Musicoterapeuta. E estabeleceu que preferencialmente podem compor
a gestão do SUAS: Assistente Social; Psicólogo; Advogado; Administrador; Antropólogo;
Contador; Economista; Economista Doméstico; Pedagogo; Sociólogo e Terapeuta Ocu-
pacional.

- 150 -
A rotatividade dos trabalhadores do SUAS no Amazonas é
outro desafio a ser superado, pois isso repercute na descontinuidade
das ações e serviços socioassistenciais. A cada troca de gestão polí-
tica, ocorre uma mudança drástica no quadro de trabalhadores do
SUAS no Estado. Uma vez que, a continuidade no exercício profis-
sional é necessária para a oferta de serviços com qualidade e impacto
positivo nas condições de atuação dos trabalhadores do SUAS, os
quais ficam prejudicados com esse “sistema rotativo”.
É indubitável que devem ser tomadas medidas de gestão
efetivas para garantir a realização de concursos públicos, visando
desprecarizar os vínculos profissionais, no sentido de também ga-
rantir a continuidade e qualidade das ações e serviços socioassisten-
ciais ofertados. Contudo, o SUAS no Amazonas ainda é um sistema
recente e complexo, que apesar das dificuldades se esforça para a
qualificação e o aprimoramento da gestão, do exercício profissional
no desempenho das ações e serviços socioassistenciais, visa garantir
direitos e a efetivação das políticas públicas, principalmente, diante
da atual conjuntura de redução orçamentária, em tempos de inviabi-
lização e desmonte do SUAS.

5. Referências
ANTUNES, Ricardo; DRUCK, Graça. A terceirização como regra?.
Rev. TST, Brasília, vol. 79, n. 4, out/dez 2013.
BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Lei nº 8.742, de
7 de dezembro de 1993. Brasília, publica no DOU de 8 de dezembro
de 1993.
______. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS
– NOB-RH/SUAS. Resolução nº 269, de 13 de dezembro de 2006,
publicada no DOU de 26 de dezembro de 2006. Ministério do De-
senvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria nacional de As-
sistência Social. Brasília, 2006.
_______. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Aprovada pelo
Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Resolu-
ção nº 33 de 12 de dezembro de 2012.
_______. Política Nacional de Assistência Social. Aprovada pelo
Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Reso-

- 151 -
lução n° 145 de 15 de outubro de 2004, publicada no DOU de 28 de
outubro de 2004.
_______. Resolução n° 17 de 17 de junho de 2011, aprovada pelo
Conselho Nacional de Assistência Social. Ratifica a equipe de refe-
rência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Huma-
nos do Sistema Único de Assistência Social e Reconhece as catego-
rias profissionais de nível superior para atender as especificidades
dos serviços.
________. Panorama Amazonas. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, 2010. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.
br/brasil/am/panorama> Acessado em: 30/06/2018.
FAVARIM, Flávia Negri. Remuneração e salário. Revista de Ciências
Gerenciais. Vol. 15, N° 21, 2011.
MUNIZ, Egli. Equipes de Referência no SUAS e as Responsabilida-
des dos trabalhadores. In: Gestão do Trabalho no Âmbito do SUAS:
Uma Contribuição Necessária para Ressignificar as Ofertas e Conso-
lidar o Direito Socioassistencial. p. 87-122, Brasil, 2011.
PEREIRA, Larissa Dahmer. Expansão dos cursos públicos de Ser-
viço Social entre os anos de 2003 e 2016: desafios para a formação
profissional. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 189-199,
jan./abr. 2018.
SCHOR, Tatiana; OLIVEIRA, José Aldemir. Reflexões Metodológi-
cas sobre o Estudo da Rede Urbana no Amazonas e Perspectivas para
a Análise das Cidades na Amazônia Brasileira. Acta Geográfica, Ed.
Esp. Cidades na Amazônia Brasileira, 2011. pp.15-30, actageo.ufrr.
br.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradu-
ção de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Texto original:
SCOTT, J. Gender: a useful category of historical analyses. In: Gen-
der and the politics of history. New York: Columbia University Press,
1989.
SIMÕES, Nanci Lagioto Hespanhol. Autonomia profissional x tra-
balho assalariado: exercício profissional do assistente social. 2012.

- 152 -
157f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Ser-
viço Social, Universidade Federal De Juiz De Fora (UFJF). Juiz de
Fora, 2012. Disponível em: <http://www.ufjf.br/ppgservicosocial/
files/2012/05/nanci.pdf> Acesso em: 15 julho de 2018.

- 153 -
- 154 -
SEÇÃO II
DEBATES NECESSÁRIOS EM SAÚDE

- 155 -
- 156 -
DIVERSIDADE SEXUAL HUMANA:
debate necessário para as políticas públicas
de saúde
Milena Fernandes Barroso
Valmiene Florindo Farias Sousa

1. Introdução
A onda conservadora (DEMIER; HOEVELER, 2016) que
avança no país repõe discussões de interesse público, como a da di-
versidade sexual no campo da moralidade e da individualidade, tra-
zendo repercussões nas políticas públicas transversais que buscam
particularizar as demandas das chamadas “minorias” – como é o
caso da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, e Tran-
sexuais (LGBTT) –, implicando retrocessos no campo da cidadania
dessas populações. Nesse contexto, a heterossexualidade compulsória
encontra solo fértil e se apresenta em práticas sociais, comportamen-
tos e discursos legitimados em diversos espaços e das mais diversas
formas, culminando no aumento da lgbttfobia e, consequentemente,
da violência contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.
Em outubro de 2018, período das últimas eleições pre-
sidenciais, o Disque 1002 recebeu 330 denúncias, um aumento de
272% sobre as 131 feitas no mesmo período do ano anterior, im-
pactando no aumento das denúncias no referido ano. A análise é de
que o “clima” político-partidário que favorecia o discurso de ódio
e intolerância contribuiu para esse crescimento. Segundo levanta-
mento feito por Júlio Pinheiro Cardia, ex-coordenador da Diretoria
de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Huma-
nos, entre 2011 e 2018 foram registradas no Brasil 4.422 mortes. Isso
equivale a 552 mortes por ano, ou uma vítima de homofobia a cada
16 horas no país (SOBRINHO, 2019), e exprime a relevância de a
lgbttfobia ser considerada uma questão de saúde pública no país.
Por outro lado, os avanços políticos e no campo dos di-
reitos alcançados nas últimas três décadas no Brasil e todo o saldo
desse período contribuem para fortalecer resistências individuais e
2 Canal do Governo Federal criado para receber denúncias de violação de direitos hu-
manos.

- 157 -
coletivas que, a despeito de todo o ódio e intolerância, insistem não
apenas em sobreviver, mas em viver dignamente!
Inspiradas pelos desafios desse contexto e mobilizadas à
escrita pela realização de uma oficina sobre o tema, ocorrida em no-
vembro de 2019, por ocasião do I Encontro Nacional de Trabalho In-
terdisciplinar e Saúde (Entis), propomos neste ensaio refletir sobre a
diversidade sexual enquanto uma expressão da diversidade humana
e apontar uma breve análise da apreensão da questão da diversidade
sexual pelas políticas públicas de saúde no Brasil. O estudo, a partir
de um levantamento teórico e documental, busca uma problemati-
zação sobre as abordagens mais tradicionais sobre diversidade e seus
rebatimentos na atenção à saúde da população LGBTT.
Para tal, partimos do pressuposto de que são diversas as
abordagens sobre o tema, que envolvem mitos e polêmicas – em
grande medida, reflexo da propriedade privada, da defesa da família
tradicional, fundada no casamento monogâmico, de valores morais
conservadores – e expressam as contradições próprias dessa socia-
bilidade. Isso posto, neste estudo, lançamos mão de referenciais da
teoria social crítica e refutamos os essencialismos e binarismos de
qualquer natureza, com vistas a uma aproximação ao fenômeno.

2. Diversidade sexual: uma expressão da diversidade humana


A diversidade sexual como premissa nos debates contem-
porâneos e sua multiplicidade de abordagens só foi possível, além
das lutas por visibilidade e reconhecimento em tempos mais recen-
tes, em função dos deslocamentos epistemológicos, bem como de
mudanças sociopolíticas e tecnológicas ocorridas a partir do século
XVIII (TONELI, 2008). Para Duarte (2004), a manifestação do in-
teresse específico pelo tema pode ser condicionada a três processos
que marcam a inflexão moderna da cultura ocidental: 1) a separação
da sexualidade como ente de razão moderno com relação à família, à
reprodução, à religião, à moralidade; 2) a emergência das ideologias
portadoras do “fisicalismo” (biomédicas universalizantes) e do “sim-
bolismo” (psicossociológicas singularizantes); 3) a hegemonia dos
valores da interioridade (psicologização) e do prazer (hedonismo).
É também no século XVIII que a sexualidade passa a ser
considerada como um instituto próprio da condição humana (a des-
peito da moral e da religião e capaz de determinar a carreira dos

- 158 -
sujeitos sociais)1. Em todo o século XIX, o desenvolvimento dos es-
tudos na área da biologia é fortemente marcado pela fisiologia da
reprodução. Por outro lado, a retomada da diferença apresenta-se,
sobretudo, na tematização da condição normal da sexualidade e de
sua degeneração (TONELI, 2008).
No século XX, constatamos a disputa entre os saberes
“psicológicos”, os saberes “sociais” e os saberes “médicos” (TONELI,
2008). A obra de Michel Foucault ([1976] 1997, [1977] 1994) torna-
-se uma referência por demonstrar a construção social da sexualida-
de e sua emergência como parte da condição do sujeito. Conforme
aponta Foucault ([1976] 1997), o sexo foi colocado em discurso a
partir do moralismo burguês do século XIX, alçando o estatuto de
poder explicitar a verdade do sujeito – de seu interior – e de sua
ruína, quando fosse o caso (TONELI, 2008). Assim, inaugura-se um
processo de sexualização generalizada, que tem nas crianças um de
seus principais focos e nas famílias um lócus de observação, reflexão
e controle sexual (DUARTE, 2004; TONELI, 2008).
No século XX, especialmente a partir da década de 1970,
tem-se um crescente interesse intelectual sobre a sexualidade em
seus vários aspectos e dimensões, marcado por tendências teóricas
distintas, ora associada intrinsecamente à família e/ou às redes de
parentesco, ora pensada como constitutiva da subjetividade e/ou da
identidade individual e social. Por outras ainda, concebida como re-
presentação, desejo ou, simplesmente, atividade ou comportamento
(PISCITELLI; GREGORI; CARRARA, 2004). Destacamos também
nesse cenário a emergência dos movimentos sociais organizados –
especialmente os de “minorias”, como o feminista e o LGBTT –, a
entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho assalariado –
acompanhada de sua crescente escolarização – e, na década de 1960,
o advento da pílula anticoncepcional, que favoreceu sobremaneira a
separação entre sexualidade e reprodução (TONELI, 2008). Assim,
podemos aferir que a delimitação da sexualidade, que incide direta-
mente nas concepções sobre diversidade sexual, varia de acordo com
esquemas conceituais e em função dos ângulos a partir dos quais a
questão é abordada (LOYOLA, 1998).
Nessa direção, a tendência das abordagens é a de autonomi-
zar a discussão da diversidade sexual, tratando-a como uma externa-
1 Foi na obra do Marquês de Sade que pela primeira vez essa concepção de sexualidade
foi publicizada (TONELI, 2008).

- 159 -
lidade (o outro, o diferente) ou uma condição em si mesma (estilo de
vida), sem considerar as devidas mediações com as relações sociais
que conformam os seres humanos. Aqui nos referimos à ausência
ou cisão com o debate da diversidade humana, que, ao nosso ver,
costuma ser secundarizado em detrimento da diversidade sexual. Ao
fazermos tal afirmação, não pretendemos criar ou fortalecer hierar-
quias abstratas, tampouco negar a importância político-estratégica
da diversidade sexual, mas enfatizar a preeminência de considerar-
mos a diversidade como elemento constitutivo da singularidade dos
sujeitos e da universalidade do gênero humano (SILVA, 2011).
Consideramos, pois, a diversidade como uma caracterís-
tica dos indivíduos, que deve ser entendida como ser histórico em
suas relações concretas de existência, sendo esse o caráter social da
individualidade e a razão dessa diversidade ser apreendida na re-
lação singular/humano-genérico (SANTOS, 2019). Nesse sentido,
inclui as expressões das relações sociais de sexo/gênero, étnico-ra-
ciais, de identidade de gênero e de classe. Em outros termos, significa
entender que todos os indivíduos são sociais, históricos e diversos,
logo, podemos afirmar a existência da diversidade humana como ca-
racterística que se apresenta no processo de individuação, frente às
exigências postas na divisão social do trabalho e no desenvolvimento
do gênero humano (SANTOS, 2008).
Temos acordo com Santos (2019) e Silva (2011) ao consi-
derar que a diversidade como dimensão constitutiva da individua-
lidade se aprofunda e se complexifica mediante o desenvolvimento
histórico. Desse modo, as lutas contemporâneas destacadas acima,
que se atualizam nos dias atuais, ainda assim não traduzem toda a
expressão da diversidade humana, “são expressões significativas,
com caráter político-estrutural, constituintes da individualidade ao
lado de outras dimensões que conformam a singularidade” (SAN-
TOS, 2019, p. 77). Portanto, pensar o indivíduo social como ser di-
verso pressupõe admitir que há modos singulares de apropriação do
mundo, logo, o tempo histórico, a inserção objetiva e posicionamen-
to subjetivo de classe, as escolhas pessoais, entre outras, incidem na
formação da individualidade.
Posto isso, afirmamos que as relações sociais de sexo/gêne-
ro, étnico-raciais e de classe são dimensões estruturantes da diversi-
dade humana. Na sociedade patriarcal-racista-capitalista, portanto,
mulheres e homens vivenciam a exploração da sua força de trabalho

- 160 -
e a opressão (negação e/ou empobrecimento) da sua diversidade,
que se expressa, também, em violações, sendo a heterossexualidade
compulsória uma mediação fundamental da exploração-opressão2.
Ademais, existem outras expressões que fazem homens e mulheres
diversos no processo de apropriação da sua existência em um deter-
minado tempo histórico. Nesse contexto, destacamos as lutas femi-
nistas, antirracistas e em defesa da diversidade sexual para pautar
politicamente a diversidade humana, já que, por intermédio dessas,
os indivíduos politizam a diversidade (SANTOS, 2017).
Cabe enfatizar ainda que, ao abordarmos a diversidade hu-
mana, suas dimensões e expressões, cuidamos para que estas não se-
jam limitadas ou caracterizadas como recortes, marcadores sociais,
estilos de vida e atributos no modo de se vestir, falar e se expressar.
São perspectivas que contribuem para aquilo que Bogo (2010) deno-
minou de “identidade alienada”, ao se referir à diversidade de gênero
e sexual tratada de forma apartada em relação à totalidade da vida
social e distanciada do horizonte da emancipação humana.
A perspectiva que assumimos toma um caráter mais com-
plexo, “integra o processo de individuação, guarda relação de de-
terminação recíproca com a sociabilidade e explicita o carecimento
radical de cada indivíduo que, para assegurar o atendimento de suas
necessidades necessita da produção do outro” (SANTOS, 2019). Isso
vale para as determinações objetivas e subjetivas. Assim, “pela di-
mensão da diversidade, os indivíduos revelam singularidades, apre-
sentam diferenças em seu modo de ser, de se apropriar, de se adaptar
ou de buscar transformar as relações vigentes” (SANTOS, 2008, p.
76).
Porém, mesmo no campo progressista, pautar a diversi-
dade é um desafio. A leitura predominante é ainda determinista e
economicista e faz a defesa de que a agenda da diversidade significa
um entrave à formação da consciência de classe e que representa um
certo atraso, decorrente de possíveis sujeições de militantes e organi-
zações políticas ao culturalismo e/ou ao “mundo pequeno-burguês”.
Nessa visão, prevalece a ideia de que “as formas de opressão, além de
2 Podemos destacar como expressões da exploração-opressão patriarcal o controle da se-
xualidade, que assume uma dimensão material, histórica e estruturante da reprodução
das relações sociais; a construção de família heteropatriarcal-monogâmica; o controle
sobre as mulheres e a população LGBTT; os limites aos direitos sexuais e aos direitos
reprodutivos.

- 161 -
completamente apartadas dos processos de exploração da força de
trabalho, tenderiam a se resolver de forma ‘mágica’ com a superação
do sistema do capital” (SANTOS, 2019).
Consideramos como desafio teórico e político apreender
a diversidade sexual como uma expressão da diversidade humana e,
assim, considerar que a diversidade, em sua complexidade, abran-
gência e possibilidades, é determinação do ser humano genérico.
Desse modo, compreender a diversidade sexual humana em seu
aspecto teórico-histórico envolve e, ao mesmo tempo, vai além das
expressões que particularizam as dimensões da diversidade sexual.
Consequentemente, qualquer tentativa (institucional ou não) de
classificar, limitar ou impedir manifestações da diversidade pode
contribuir para produzir e reproduzir desigualdades, ao passo que
reforça a importância dessa reflexão sob um ponto de vista crítico
para as políticas públicas.

3. Políticas Públicas de Saúde no Brasil relacionadas à diver-


sidade sexual
Para a população LGBTT, sua existência se constitui como
desafio: o desafio de conviver com a opressão. A simples expressão
de sua afetividade em meios públicos resulta em inúmeros julgamen-
tos fomentados pelos padrões heteronormativos, conforme destaca-
do no item anterior. No que se refere ao acesso, atendimento e trata-
mento de suas especificidades em saúde de forma equânime e com
qualidade, os desafios são mais complexos.
A diversidade de orientações sexuais e de identidades de
gênero trazem implicações à saúde que envolve desde os agravos
ocasionados pela violência lgbttfóbica que resultam em adoecimen-
tos e mortes até a ausência de políticas e ações de saúde específicas.
Assim, partimos da compreensão de que a apreensão da diversidade
sexual pelas políticas públicas encontra limites não apenas de ope-
racionalização, mas na concepção que traduz as visões hegemônicas
sobre o tema ao considerar a questão como particular a grupos espe-
cíficos (diferentes) ou de risco.
Reconhecer tal situação requer perceber que, além de prá-
ticas sociais e sexuais específicas que põem em questão “a individua-
ção humana como forma de ser da produção de indivíduos ativos”
(SANTOS, 2005, p. 43), a população LGBTT é exposta a um conjun-

- 162 -
to de agravos decorrentes do estigma, dos processos de discrimina-
ção e exclusão social que violam seus direitos humanos, dentre esses
os direitos relativos à saúde, à sua dignidade, à não discriminação e
à sua autonomia de ser.
Em termos de políticas de saúde, a interferência dos pre-
conceitos e discriminações e a reduzida implementação da universa-
lidade e equidade preconizadas como princípios pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) no Brasil para o acesso, atendimento e tratamento da
população em sua ampla diversidade humana ainda é um caminho a
ser construído e conquistado.
No Brasil, temos um marco normativo que define a saúde
como direito de todos e dever do Estado, conforme explicita o artigo
196 da Constituição Federal. Porém, a saúde como um direito não se
efetiva sem enfrentamentos, posto ser constantemente alvejado para
sua redução e precarização em nome de um projeto de saúde voltado
ao mercado (BRAVO, 2009). Segundo o artigo 7º da Lei Orgânica
da Saúde, Lei 8.080/90, que preconiza o Sistema Único de Saúde, os
princípios e diretrizes da saúde podem ser compreendidos como
sendo a universalidade, a integralidade, a preservação da autonomia
das pessoas, a igualdade, o direito à informação e a divulgação de
informações, além da participação da comunidade. São princípios
e diretrizes da saúde que foram ampliados a partir do Movimento
de Reforma Sanitária Brasileira que possibilitou uma ampliação do
conceito de qualidade de vida a qual considera a capacidade de viver
a partir de padrões de dignidade humana caracterizados pelas con-
dições de alimentação, habitação, educação, renda, trabalho, trans-
porte, lazer e acesso à saúde.
O país acumula, desde o início da década de 1990, ações de
atenção à saúde da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis
e transexuais, que tiveram origem ainda no contexto da epidemia da
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) (meados da década
de 1980), a qual demandou um ordenamento para o enfrentamento
da doença até a criação de uma Política Nacional de Saúde Integral
LGBT. Esse legado se deve ao fato de intensas mobilizações e movi-
mentos sociais (contracultura, feminista e homossexual), destacado
no item anterior, que interferem com suas pautas e lutas desde 1960,
questionando padrões e valores morais conservadores os quais são
medidores tanto de recuos quanto de avanços para o reconhecimen-
to de tais direitos (FROEMMING et al., 2009).

- 163 -
Vale contextualizar que, no início da epidemia da Aids,
houve a prevalência inicial do público LGBTT que o transformou
em público estigmatizado, sujeito a um julgamento prévio acerca de
suas práticas sexuais. Silva e Nardi (2011) destacam que a Aids for-
çou o deslocamento dessa população da ocultação para a revelação,
mesmo marcando profundamente de forma negativa a população
LGBTT. Assim, as diversidades sexuais são impulsionadas a sair da
clandestinidade e lutar por cidadania através de avanços nos debates
da “despatologização” da homossexualidade e das legislações anti-
discriminatória, a exemplo da legalização do “casamento gay”, pela
inclusão da educação sexual nos currículos escolares e pelo prota-
gonismo dos sujeitos em relação ao HIV/Aids (FACHINNI, 2005).
Ademais, ganha força a discussão sobre a criminalização da homofo-
bia no âmbito da política pública de segurança pública.
A partir dos anos 2000, em condições de espraiamento da
lógica neoliberal no país iniciada na gestão presidencial de Collor,
continuadas na gestão de FHC e consolidadas nas gestões de Lula,
as demandas LGBTT, apesar de maior visibilidade no cenário in-
ternacional e nacional, apresentam a configuração da focalização e
transferências de responsabilidades à sociedade civil, delegando a
condução de ações específicas a Organizações Não Governamentais
(ONGs) ativistas (FROEMMING et al., 2009).
É no bojo da desresponsabilização estatal com os direitos
sociais e a maximização dos recursos públicos para os ajustes eco-
nômicos objetivando a acumulação capitalista que o Brasil passa a
incorporar na discussão estatal, principalmente no âmbito federal,
as demandas LGBTT. Em 2003, é lançado o Plano Nacional de Di-
reitos Humanos II (PNDH), primeiro documento oficial a constar
ações específicas de proteção à população LGBTT no Brasil. No ano
seguinte, se iniciou o Programa Brasil sem Homofobia, cujo objetivo
era a formulação de políticas e programas específicos na intenção da
melhoria da situação de vida dos grupos LGBTT, e dentre os eixos do
programa estava o Direito à Saúde.
No âmbito da saúde, como resposta ao Programa Brasil
sem Homofobia, foi criado o Comitê Técnico de Saúde da População
GLBT (Portaria nº 2.227, do Gabinete do Ministro, de 14 de outu-
bro de 2004) no Ministério da Saúde. Coordenado pela Secretaria de
Gestão Estratégica e Participativa (SGEP), esse Comitê se constituiu

- 164 -
em espaço de articulação, debate e ausculta de demandas de repre-
sentações do movimento social, envolvendo todas as áreas atinentes
do Ministério da Saúde, no sentido de promover a inserção das es-
pecificidades de saúde desse contingente populacional nas políticas
e ações do SUS (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).
Ainda no âmbito institucional de 2007, o Ministério da
Saúde trabalhou na construção do Plano Integrado de Enfrenta-
mento da Feminização da Epidemia de Aids e outras infecções se-
xualmente transmissíveis (IST), com ações para mulheres lésbicas,
bissexuais e transexuais (revisado em 2009 e com metas até o ano de
2015); e do Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids
e das IST entre gays, homens que fazem sexo com homens (HSH)
e travestis. De acordo com Sampaio e Germano (2014), essas duas
políticas de enfrentamento da Aids e outras DSTs têm como marca
o binarismo de sexo e gênero (masculino e feminino) e revelam uma
disputa identitária interna do segmento LGBTT no Brasil.
Froemming et al. (2009) destacam, porém, que, até 2008,
as atividades propostas pelo Programa Brasil sem Homofobia só
eram realizadas pelo engajamento das ONGs ativistas com pouco
envolvimento do Estado. Também nesse ano, foi decretada a reali-
zação da I Conferência Nacional de Políticas Públicas para Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, intitulada “Direitos Hu-
manos e Políticas Públicas: O caminho para garantir a cidadania de
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais”. A conferência mostrou-se
uma arena de disputas internas entre os diferentes grupos, porém
teve como resultado mais expressivo a aprovação de várias propos-
tas que resultaram na elaboração do Plano Nacional de Promoção
da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (2009), um importante
documento orientador de políticas públicas inclusivas e de combate
às desigualdades.
No que tange ao SUS, prevalece, desde a discussão do Pro-
grama BSH e do Plano, a noção de que há necessidade do combate
à homofobia nos serviços de saúde, tendo como base o conceito de
saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), a qual entende que
a proteção do direito à livre orientação sexual e identidade de gênero
não é apenas uma questão de segurança pública, mas envolve tam-
bém, de maneira significativa, questões pertinentes à saúde mental e
a atenção às particularidades atinentes a esses segmentos.

- 165 -
Entendemos que o combate à lgbttfobia é uma estratégia
fundamental e estruturante para a garantia do acesso aos serviços e
da qualidade da atenção. Por outro lado, uma política de enfrenta-
mento das iniquidades da população LGBT requer iniciativas estraté-
gicas vigorosas ampliadas e transversais, entre as quais a capacitação
dos profissionais de saúde, não somente limitadas ao debate sobre as
práticas sexuais e sociais da população LGBTT, mas, sobretudo, so-
bre a diversidade humana, do desenvolvimento da individualidade e
da discussão de que a sexualidade humana diz respeito às condições
históricas e sociais específicas (SANTOS, 2005).
Essa é questão fundamental para que o cuidado em saúde
seja condizente com as reais necessidades dos sujeitos, superando a
estrita associação da saúde dessas populações à epidemia de HIV/
Aids ou Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), até mesmo so-
bre o combate à homofobia3, lesbofobia e transfobia. Como destaca
Santos (2005, p. 284) em sua crítica, “uma questão que possui forte
enraizamento sociocultural exige iniciativas permanentes para coi-
bir ações opressivas e estimular práticas e pensamentos que promo-
vam a busca incessante pela realização da liberdade e da igualdade”.
No tocante à Política Nacional de Saúde Integral de Lés-
bicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, promulgada pela
Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011, sua marca principal
é o reconhecimento de que as experiências de discriminação e de-
sigualdade que marcam as vidas da população LGBTT afetam seu
processo de saúde-doença. Para tanto, o que se pretende é realizar
mudanças na determinação social da saúde, diminuindo principal-
mente as desigualdades que a circundam (BRASIL, 2013).
O objetivo da política é promover a saúde integral de lés-
bicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, eliminando a discri-
minação e o preconceito institucional. Se concretiza no seu Plano
Operativo (2012-2015), cujos quatro eixos prioritários são: Eixo 1:
“Acesso da população LGBT à Atenção Integral à Saúde”; Eixo 2:
“Ações de Promoção e Vigilância em Saúde para a população LGBT”;
3 A homofobia costuma ser associada aos homens, mas é um termo designado para no-
mear o medo e/ou aversão irracional à pessoa homossexual. A lesbofobia, por sua vez,
relaciona a homofobia e o sexismo contra as mulheres e a transfobia se refere à discrimi-
nação contra transexuais. As terminologias são utilizadas de forma a visibilizar os sujei-
tos que vivenciam as discriminações e violências em razão de suas orientações sexuais e
identidades não hegemônicas de gênero.

- 166 -
Eixo 3: “Educação permanente e educação popular em saúde com
foco na população LGBT”; Eixo 4: “Monitoramento e avaliação das
ações de saúde para a população LGBT” (BRASIL, 2013).
A política LGBT reafirma o compromisso com o SUS e
seus princípios, mas é importante destacar que enfrentar as desi-
gualdades e discriminação implica promover a democracia social
para além de uma democracia burguesa, a laicidade do Estado e, ao
mesmo tempo, exige ampliar a consciência da defesa dos direitos so-
ciais considerando a diversidade humana como componente funda-
mental. Em notícia divulgada pelo Estadão em 29 de junho de 2019,
apesar das políticas, a população LGBTT ainda enfrenta dificuldades
no acesso à saúde. A reportagem traz relatos de lideranças do movi-
mento LGBTT que consideram que, embora positivos, os materiais
do governo são inespecíficos quanto a colocar as ações em prática.
Conforme destaca o presidente do MovBi, “[p]or mais que a gente
dialogue com as secretarias de saúde, com o ministério e o conselho
de saúde, eles não param e pensam na gente”.
É fato que houve um ganho político alcançado com a Po-
lítica Nacional de Saúde LGBTT, no entanto, o cenário de avanço
do conservadorismo que se desenhou no país a partir de 2015, com
o agravamento da crise política e do desmonte das políticas para a
igualdade, impactou diretamente na implementação dessa agenda e
da execução dos princípios e diretrizes propostos no plano de ação.
Quando se avolumavam as discussões teóricas sobre pro-
jetos societários que atendiam aos interesses de uma fração da classe
subalterna, abre-se um cataclismo de proporções maiores que sufo-
caram a construção dessa pauta, reacendendo a necessidade da reor-
ganização da classe para a proteção contra o aumento da violência
(crimes de ódio e intolerância) e também para a luta pelo reconheci-
mento dos direitos da pessoa humana e de sua emancipação enquan-
to sujeito individual e coletivo.

4. Considerações Finais
Refletir sobre a diversidade sexual humana é tarefa que não
pretendemos esgotar neste ensaio, porém, seja apontando os limi-
tes das visões hegemônicas ou dos mitos e preconceitos que perpas-
sam o debate, buscamos elucidar a importância de complexificar a
apreensão da diversidade (não limitada à diferença), analisando-a

- 167 -
como uma dimensão intrínseca ao conjunto das relações sociais que
exige considerar as situações concretas da vida singular dos indi-
víduos, bem como dos sujeitos políticos coletivos e, neste sentido,
apreender que homens e mulheres são produto das relações sociais
objetivadas em determinado tempo e sociabilidade.
Na atual sociabilidade patriarcal-racista-capitalista, por
sua vez, a diversidade humana, que é produto das relações de sexo/
gênero, étnico-raciais e de classe, é negada ou reduzida, implicando
violações de várias ordens (da violência direta à negação de direitos)
para os sujeitos que não se “enquadram” nos ditos padrões hegemô-
nicos (branco, masculino e heteronormativo). Logo, a diversidade
sexual passa a ser considerada uma ameaça ao modelo homogenei-
zador de normalização das relações sociais, uma externalidade que
vai da “exceção à regra” à “anormalidade”. Tais concepções influen-
ciam ações, práticas sociais e comportamentos, inclusive a concep-
ção e operacionalização das políticas públicas.
A despeito disso, resistências (individuais e coletivas) são
forjadas pela apreensão que homens e mulheres diversos acumulam
de suas existências, provocando deslocamentos e ampliações nas
experiências da diversidade humana – citam-se as conquistas que
resultam das lutas feministas, antirracistas e em defesa da diversida-
de sexual no último século. Entre essas conquistas, destacam-se as
políticas de saúde destinadas à diversidade sexual, resultado das de-
mandas dos grupos LGBTT, possibilitaram a publicização do tema e
a necessidade de se considerar que as particularidades das demandas
dos sujeitos são diversas.
Porém, apesar de as políticas voltadas à diversidade terem
sido reconhecidas em âmbito estatal no campo da saúde em determi-
nado período no Brasil, elas apresentam limites quanto ao conteúdo
e ausência de especificidades práticas. Nessa direção, o texto aponta
que os princípios que compõem o SUS (integralidade, universidade
e equidade) necessitam avançar no entendimento da multiplicida-
de de individualidades e da diversidade humana e apontar para a
superação das classificações de gênero e de orientação sexual, bem
como da atenção à saúde que considere, quase que exclusivamente,
o atendimento às ISTs, ampliando seu escopo para os diversos agra-
vos (como a saúde mental), condicionantes e determinações, entre as
quais a própria desigualdade socioeconômica.
Por fim, essa breve análise da apreensão da questão da

- 168 -
diversidade pelas políticas públicas de saúde no Brasil nos permi-
te afirmar que as políticas de saúde organizadas no bojo de uma
sociedade de classes, neoliberal, em que os interesses econômicos
possuem limites inerentes à sua própria natureza (sociabilidade do
capital), mesmo que assimilem parte das reivindicações dos sujeitos
coletivos, tendem, no geral, a responder à burocratização, à fragmen-
tação e à mercantilização. Assim, ao passo que ocorre a assimilação
das demandas particularizadas nas esferas de gênero e diversidade
sexual, também se efetiva o processo de coisificação das relações e,
assim, em grande medida, a ampliação da exploração-opressão (SIL-
VA, 2011).
Nessa direção, concordamos com Santos (2008, p. 78) ao
afirmar que “a efetivação da diversidade humana implica na vigência
de um projeto societário fundado na igualdade substantiva e não na
lógica da diferença e na igualdade de oportunidades que tendem à
fragmentação e da formação de grupos específicos”. Portanto, con-
siderar a diversidade sexual como uma expressão da diversidade
humana implica pensar em políticas públicas de saúde como uma
mediação necessária ao atendimento às demandas particulares à
maturação da condição humano-genérica dos sujeitos inseridos nes-
se processo, enquanto estratégia de enfrentamento das situações de
opressão-exploração, ainda que nos limites dessa forma social, sem
perder de vista o horizonte da emancipação humana.

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- 171 -
- 172 -
METODOLOGIAS DE PESQUISA EM SAÚDE:
do estado da arte às análises
Maria Jacirema Ferreira Gonçalves
Sheila Vitor da Silva
Esron Soares Carvalho Rocha
Camila Carlos Bezerra
Nair Chase da Silva

1. Introdução
Ainda que não se possa aquilatar, a pergunta de pesquisa
é peça chave em qualquer estudo científico que se pretenda desen-
volver. Por ser essencial em qualquer metodologia de pesquisa em
saúde, que seja adotada, a pergunta é uma espécie de bússola para
nos conduzir onde queremos chegar, uma resposta a uma inquirição,
também eixo estruturante para sustentação de uma pesquisa. Mas,
não basta ter uma pergunta de pesquisa, é preciso tê-la bem formu-
lada de maneira que nos possibilite construir um todo articulado e
coerente rumo à produção de conhecimento novo. Além disso, para
responder à pergunta, é necessário lançar mão de ferramentas ade-
quadas, cujas metodologias vêm de modo a auxiliar.
Sem uma pergunta de pesquisa bem formulada ficamos à
deriva, como descrito no clássico de Lewis Caroll, Alice no país das
maravilhas:
– Alice perguntou: Gato Cheshire... pode me dizer qual o caminho que
eu devo tomar?
Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
Eu não sei para onde ir! – disse Alice.
- Se você não sabe para onde, ir qualquer caminho serve.

Em se tratando de produção científica, começamos a in-
vestigar algo e concluímos bem diferente ao que nos propusemos no
início. Nos perdemos no meio do caminho, nas etapas subsequentes,
que possibilitariam nossa chegada com coerência, refutando os prin-
cípios do conhecimento científico, de ser real (factual), contingente,
sistemático, verificável, falível e exato.
Quando se realiza um estudo faz-se uma pesquisa pré-
via, que reúne dados pertinentes ao assunto para, posteriormente,

- 173 -
tabular e organizar as informações para ao final se fazer as análi-
ses necessárias. Percebe-se que ainda existem muitas dúvidas sobre
as metodologias de pesquisa em saúde: onde e quando podem ser
utilizadas? Como escolher a metodologia adequada? Neste capítulo
abordamos sobre as metodologias de pesquisa em saúde, destacando
as características, aplicações, vantagens e as diferenças entre elas. As
metodologias mais utilizadas para embasar um estudo são: pesquisa
quantitativa, pesquisa qualitativa e mista.
Refletir sobre a pergunta de pesquisa e sua importância é
o primeiro passo de uma pesquisa. A pergunta é tida como um ele-
mento organizador das ideias e dos passos subsequentes, tanto para
os iniciantes como para os iniciados no universo da pesquisa.
Pensar sobre o nascimento da pergunta de pesquisa pode
parecer no mínimo estranho para alguns, mas isto não impede que
exista um processo de nascimento da pergunta, isto é, conhecimen-
tos que antecedem as interrogações que acumulamos. Para que haja
o nascimento da pergunta de pesquisa são necessárias algumas cir-
cunstâncias: é preciso que o pesquisador tenha algum conhecimento
sobre o assunto/fenômeno que vai perguntar. Pode lhe parecer que já
tenha muitas respostas sobre o fato, mas algo naquele fenômeno lhe
incomoda, e, é em função desse incômodo, na busca dessa resposta
que nasce a pergunta da pesquisa. É a capacidade do pesquisador
se “espantar” com algo que lhe faz pensar e perguntar. Desconfiar
das verdades cristalizadas também pode gerar uma boa pergunta de
pesquisa. Na vida temos mais explicações do senso comum e do bom
senso que nem imaginamos, é preciso colocar em suspensão essas
“verdades” e submetê-las ao conhecimento científico.
É preciso também considerar algumas de nossas vulnera-
bilidades a exemplo do tempo disponível que temos para dar a res-
posta, do nosso conhecimento sobre o assunto, das possibilidades
concretas que temos para dar as respostas; e das questões relaciona-
das às próprias perguntas: considerar se a pergunta é motivadora,
afinal muita energia vai ser desprendida na pesquisa, para quem faz
a pesquisa como atividade acadêmica, o próprio nome já anuncia:
“trabalho de pesquisa”. Outra questão é ter em conta seu potencial de
inovação, e por fim, mas não menos importante, o componente ético
da pergunta em atenção aos princípios da não maledicência, respeito
à autonomia, princípio da beneficência e princípio da justiça.

- 174 -
Destacada a importância da pergunta de pesquisa nos in-
dagamos sobre as publicações que tivemos acesso e que não tinham
ali a pergunta de pesquisa. O que observamos é que existem duas
situações: na primeira a pergunta de pesquisa não aparece de forma
expressa, entretanto ela figura/contorna os objetivos. No segundo
caso, sua total ausência leva ao acaso os resultados da pesquisa che-
gando muitas vezes seus autores a não lograr êxito na publicação.
Defendemos o pensamento de que a pergunta de pesquisa esteja
presente, expressa nos nossos artigos a fim de nos guiar para onde
queremos de fato chegar.
A pergunta de pesquisa na pesquisa científica deve ser
uma pergunta científica, e como tal, para a formulação da pergunta
é necessário: a) identificação de lacunas no conhecimento científi-
co, pontuando o que está motivando a pesquisa; b) levantamento de
teorias existentes, incluindo a investigação se a pergunta científica
foi respondida; c) previsões resultantes das teorias existentes, e com
isso já emerge a estratégia de investigação. Em consonância com a
pergunta emerge o objetivo do estudo, e daí seguem-se as demais
etapas para a pesquisa científica, cujo método é o cerne de seu de-
senvolvimento.
A análise quantitativa visa identificar numericamente a
frequência e a intensidade do comportamento do objeto do estu-
do. Para a coleta de dados, utilizam-se perguntas claras e objetivas.
Como exemplo, temos os questionários e entrevistas individuais.
Com perguntas direcionadas e respostas focadas em números, os
resultados são precisos e se tornam muito úteis para um processo
de tomada de decisão mais acertado. Entretanto, é importante utili-
zar ferramentas estatísticas adequadas, para que a confiabilidade das
amostras não seja prejudicada e comprometa os resultados.
A pesquisa qualitativa é voltada à interpretação de com-
portamentos, motivações, expectativas e opiniões de um determina-
do grupo. É considerada uma metodologia de pesquisa exploratória,
pois não há a intenção de se obter resultados numéricos, e sim opi-
niões, ideias, modo de vida e visão de mundo, que auxiliem a com-
preender em profundidade determinada questão.
Nas duas metodologias, quantitativa e qualitativa, podem
ser utilizadas entrevistas, porém, a pesquisa quantitativa traduz os
resultados em números, e a qualitativa contempla perguntas mais

- 175 -
abrangentes, com o objetivo de qualificar algum tema específico. A
metodologia considerada mista utiliza-se de análise quantitativa e
qualitativa simultânea ou complementarmente, de modo a apresen-
tar um problema que precise ser compreendido em termos de núme-
ros e em profundidade.
Desse modo, este capítulo aborda as metodologias de pes-
quisa, desde aspectos gerais sobre o conhecimento científico e sua
construção, a crítica e a construção de metodologias adequadas à
pergunta do investigador.

2. Desenvolvimento

Conhecimento científico: definição e fontes de informação


Há quase 2500 anos, Platão definiu conhecimento como
uma crença justificada e verdadeira, e desde então essa questão ainda
é debatida. Para Gettier (1963), nem toda crença justificada e verda-
deira poderia ser chamada de conhecimento (HETHERINGTON,
s.d.). Wittgenstein, em seu trabalho póstumo publicado em 1969,
sugere que conhecimento é uma série de crenças interligadas que se
aproximam da verdade (WITTGENSTEIN, 2005).
O conhecimento advém da experiência e da razão (UZ-
GALIS, 2019). No primeiro caso, é conhecido como empirismo, em
que toda a sabedoria (origem das ideias) seria adquirida pelas per-
cepções das coisas, independentemente de seus objetivos e significa-
dos, pela relação de causa-efeito, por onde fixamos na mente o que é
percebido, atribuindo a esta percepção causas e efeitos. No segundo
caso, temos o racionalismo, construído pela tradição, tentativa e erro
e pelo raciocínio lógico.
Com foco no racionalismo, discutimos os seus aspectos:
a) a tradição: tomamos como verdades algumas coisas por-
que elas sempre foram consideradas verdadeiras. Essa forma
de aquisição de conhecimento é útil, pois oferece um campo
comum para comunicação e interação dentro da sociedade ou
profissão. Assim, cada geração não necessita reformular uma
compreensão do mundo por meio do desenvolvimento de no-
vos conceitos. Na prática clínica isso pode resultar em sérios
problemas, pois alguns conhecimentos tradicionais nunca fo-

- 176 -
ram testados frente a alternativas possivelmente mais eficien-
tes (VANNUCCHI, s.d.);
b) a tentativa e o erro: frente ao problema, o indivíduo ex-
perimenta uma solução e avalia seu efeito. Esse método de
aquisição de conhecimento emprega a intuição e a criativida-
de na seleção de alternativas. Por não ser estruturado, ou seja,
não seguir uma metodologia pre-definida nem ser sistemático
(nem sempre foi utilizada a mesma metodologia ao longo do
tempo). Muitas vezes essa forma de obtenção de conhecimen-
to se baseia no resultado de uma única tentativa, o que tende a
tornar esse método muito dispendioso, pois muitas tentativas
inúteis são utilizadas. Isso pode ocasionar demora e interpre-
tações equivocadas, pois o modo de adquirir conhecimento
pode carregar, ao longo do tempo, conclusões erradas que se
basearam em uma única tentativa (AGUIAR, 2011);
c) o raciocínio lógico: é um método que combina a expe-
riência pessoal, capacidade intelectual e sistemas formais de
conhecimento. Ao longo da história, esse método vem sendo
utilizado para responder a várias questões e proporcionar no-
vos conhecimentos. Dois tipos principais são aceitos: o dedu-
tivo e o indutivo (PORTNAY e WATKINS, 2009).

Raciocínio lógico
O raciocínio lógico dedutivo é caracterizado por uma ou
mais proposições gerais (ou premissas) e utiliza a razão e a lógica
para chegar a uma conclusão que se baseia nessas proposições. Se
as premissas (regra e caso) são verdadeiras, a conclusão (resultado)
sempre será verdadeira.  Cientistas podem utilizar esse raciocínio
para inferir questões específicas a partir de leis ou princípios cientí-
ficos bem conhecidos. Entretanto, para alguns, nunca é possível ter
certeza da veracidade absoluta de uma lei ou princípio científico. O
exemplo clássico é a regra: todos os homens são mortais; temos o
caso: Sócrates (o filósofo) é homem; o resultado: Sócrates é mortal
(PEIRCE, 2008).
Cabe destacar que Hume (1711-1776), que identificou o
problema da indução, afirmou: não há como garantir que o obser-

- 177 -
vado até o momento possa ser generalizado para todas as situações
futuras. Outro exemplo é: regra: este lago tem cisnes; caso: todos os
cisnes deste lago são brancos; resultado: todos os cisnes são brancos
(LAUX, 2012).
O raciocínio lógico dedutivo parte dos resultados de uma
experiência para a generalização. A qualidade da informação gerada
depende da qualidade da informação inicial e, ao contrário da de-
dução, nem sempre a generalização é verdadeira. Pode-se argumen-
tar que a dedução é racionalmente justificada porque conseguimos
demonstrar a validade de uma forma argumentativa em particular
ao mostrar que tal forma é derivável através de regras primitivas de
inferência. Essa circularidade é discutida em Merlussi (2012), o qual
problematiza que a dedução padece do mesmo problema da indução.

Construção do método científico


A partir de uma observação sistemática e por vezes contro-
lada, captam-se os fatos verificáveis por meio de métodos adequados
a cada problema de pesquisa. Diante dos fatos, são elaboradas as hi-
póteses, e quando estas são cabíveis, devem ser testáveis e falseáveis.
Cabe salientar que há estudos, especialmente aqueles descritivos e
os exploratórios, os quais não possuem hipóteses a testar, embora
tais estudos tenham o potencial de gerar hipóteses a partir de seus
resultados.
As hipóteses devem ser pautadas em teoria científica, que
se constitui em um conjunto indissociável de todos os fatos e hipóte-
ses harmônicos entre si.
As hipóteses também carregam consigo implicações, con-
clusões ou previsões, resultantes dos testes aplicados em experimen-
tos ou observações da realidade, que a partir de novas ou repetidas
observações, são submetidos a uma análise lógica, encontrando-se
novos fatos, o que se constitui no conhecimento gerado. Resta avaliar
se os resultados corroboram ou não a teoria. Nesse contexto é im-
portante salientar que o resultado positivo ou negativo é válido. Há
que se avaliar se no caso de não corroborar a teoria, seria necessário
reciclar as hipóteses, ou se o investigador está diante de nova teoria.

Modelo teórico
O modelo teórico é uma estratégia ou pode ser concebido
como uma ferramenta que possibilita ao investigador expressar as

- 178 -
premissas, proposições e possíveis resultados de seus argumentos, de
modo a retratar o quadro teórico diante da realidade, que permita a
devida interpretação.
A formulação do modelo teórico parte do campo teórico e
empírico conectados por relações terminais entre teoria e realidade.
A teoria pode ser tacitamente estabelecida ou partir do ideário do
investigador, o qual levanta, a partir do raciocínio lógico, as cone-
xões com a realidade, apontando as direções das relações. Essas rela-
ções podem ser de influência uni ou bidirecional, assim como sofrer
interferências ou mediações de outros elementos intervenientes no
processo.
Ao estabelecer o modelo teórico, os seguintes aspectos de-
vem ser considerados: há teoria, filosofia ou tese subjacente? A teo-
ria é existente ou foi formulada pelo pesquisador? É uma teoria ou
junção de teorias?
São etapas da elaboração do modelo teórico: quadro teó-
rico postulado a priori a partir de conjecturas, formulação de hipó-
teses dentro do modelo conceitual, confrontação empírica por meio
da implementação do modelo, reorganização do quadro teórico
a partir dos resultados da modelagem, e, consolidação do quadro
teórico com avaliação contínua do modelo conceitual. É importan-
te salientar que o modelo teórico é sempre provisório, descartável e
substituível.
Destacam-se como exemplos de modelo conceitual: a)
a estrutura conceitual que a comunidade de nutrição vem usando
para programação, a qual identifica três níveis de causas de desnu-
trição (UNICEF); b) a pesquisa que teve por objetivo determinar
como o estresse e o comportamento aditivo influenciam no baixo
peso ao nascer, e se os seus efeitos são diretos, indiretos ou remo-
tos (SHEEHAN, 1998); c) análise das relações de poder em equipe
multiprofissional, a partir do pensamento da filósofa Hannah Arendt
(OLIVEIRA, MORETTI-PIRES & PARENTE, 2011).

Método em pesquisa qualitativa e quantitativa


Uma pergunta que permeia a todos que realizam pesqui-
sa científica é: qual método ou métodos deve-se utilizar? Como um
panorama geral, apresenta-se a seguir um quadro com as caracterís-
ticas das pesquisas qualitativas, quantitativas e mistas.

- 179 -
Quadro 1 - Características das pesquisas qualitativas, quantitativas
e mistas.
Quantitativa Mista Qualitativa
Predominan- Dedutivo e
Método científico Indutivo
temente dedutivo Indutivo
Descrição, Descrição,
Objetivo de pesquisa
explanação, Múltiplos objetivos exploração
mais utilizado
predição descoberta
Observação
Observação estreita
ampla sobre um
de um tema. Testa
Foco Múltiplos focos tema. Foco mais
hipóteses bem
conceitual e
específicas
menos específico
Senso comum.
Natureza da realidade Objetivo Realístico e Subjetivo
pragmático
Coleta de dados
qualitativos
Coleta quantitativa
(entrevistas,
de dados baseada
observação dos
Formato dos dados em medidas
Múltiplas formas participantes).
coletados precisas usando
O pesquisador é
dados validados e
normalmente o
estruturados
instrumento de
coleta de dados
Mistura de
Palavras, imagens,
Natureza dos dados Variáveis variáveis, palavras,
categorias
imagens
Identificação de Identificação de
Análise dos dados -
relações estatísticas padrões e temas
Achados
Achados particularizantes.
Achados corroborados Apresentação
Resultados
generalizáveis podem ser de múltiplas
generalizados perspectivas,
pontos de vista
Descrição estatística
Relato narrativo,
Formato do relatório com níveis de Eclético e
com descrição
final significância e pragmático
contextual
poder

Fonte: Adaptado de JOHNSON & CHRISTENSEN (2014).

As técnicas e instrumentos a serem aplicados na pesquisa


científica comporão os métodos, de modo a alcançar os objetivos.

- 180 -
Dentre as técnicas citam-se: entrevista, experimento, observação,
análise de conteúdo, história de vida, pesquisa de mercado; já os ins-
trumentos podem ser: questionário, formulário, roteiro, checklist,
documentos, testes, escalas.
Dentre os passos metodológicos da pesquisa científica, de-
ve-se considerar: a solução de problemas, os processos científicos, a
consulta bibliográfica e o relatório dos resultados.
Diante do exposto, é essencial que, para conduzir uma pes-
quisa científica, seja elaborado o projeto de pesquisa, que a depender
da demanda institucional, possui os seguintes elementos: folha de
Rosto do Comitê de Ética em Pesquisa - CEP e Comissão Nacio-
nal de Ética em Pesquisa – CONEP, capa, folha de rosto, resumo,
introdução, justificativa (importância, razão para realizar o estudo,
hipóteses, lacuna no conhecimento), objetivos – geral e específicos,
embasamento teórico (revisão de literatura, referencial teórico, mar-
co teórico), métodos ou metodologia, resultados esperados, equipe
de pesquisa, cronograma de atividade, cronograma de orçamento,
referências bibliográficas, apêndices (ex: Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido – TCLE), anexos (ex: questionário, preferencial-
mente, validado).
Conforme já mencionado, o método é a estratégia de al-
cançar o objetivo, responder a pergunta de pesquisa e refutar ou
não a hipótese do estudo. Portanto, não é demais reforçar que um
trabalho com problemas metodológicos compromete a validade do
estudo, e se houver esse comprometimento, o alcance do objetivo
será questionado.
O objetivo deve ser “mensurável”, ou seja, ao final do es-
tudo, é possível encontrar uma resposta. Deve-se abandonar verbos
inespecíficos no objetivo, já que não permitem identificar o seu al-
cance ao final do estudo, e do mesmo modo, os verbos que indicam
procedimentos metodológicos, tais como analisar, estudar, mensu-
rar, estimar, avaliar, já que ao final comprometem a pergunta que se
faz se o objetivo foi alcançado.
Algumas estratégias de pesquisa são listadas abaixo, a fim
de compor metodologias de estudos:
- pesquisa bibliográfica: elaborada a partir de material já
publicado;
- pesquisa documental: elaborada a partir de material que
não recebeu tratamento analítico;

- 181 -
- pesquisa experimental: se determina o objeto de estudo,
selecionam-se variáveis, define forma de controle e de observação;
- levantamento: envolve interrogação direta das pessoas;
- estudo de caso: estudo profundo e exaustivo de um ou
poucos objetos;
- pesquisa ex-post-facto: o “experimento” se realiza depois
dos fatos;
- pesquisa-ação: realizada com uma ação ou resolução de
um problema coletivo;
- pesquisa participante: interação pesquisador/pesquisado.
Segundo os dados, o estudo pode ser quantitativo, qualita-
tivo ou quantitativo/qualitativo. No estudo quantitativo os dados são
“criados”, como é o caso de um estudo experimental, em que se pro-
voca uma intervenção (causa) para observar as mudanças (efeitos).
Nesse tipo de estudo há grupo controle / grupo experimental, pré e
pós-teste. No estudo qualitativo busca-se interpretar os fenômenos,
podendo ocorrer com estudo de caso, com triangulação de dados,
estudo do cotidiano, história de vida: vivências, trajetórias e me-
mórias. No estudo quantitativo/qualitativo os dados são existentes,
onde busca-se verificar relações entre aspectos (intercausalidade),
podendo haver pesquisas de opinião (unidirecionais) instantâneas
ou de tendências com enquete (multidirecional).

Sobre as análises
A escolha do método analítico dos resultados de uma pes-
quisa está na dependência das características dos dados.
Ao lidar com dados numéricos, a primeira etapa se refere
a identificar as frequências absolutas e relativas, pois estas permitem
uma primeira aproximação com os dados e iluminam as análises e
interpretações. Além disso, lança-se mão das medidas de tendência
central e variabilidade, distribuição e intervalos. São exemplos des-
sas medidas: média, mediana, moda, desvio padrão, intervalo inter-
quartil, valores mínimos e máximos. Na etapa seguinte à exploração
dos dados, são aplicados testes estatísticos apropriados às caracterís-
ticas dos dados e à pergunta de pesquisa utilizada na investigação.
Os dados qualitativos carecem de um olhar acurado em
todo o material coletado, pois os pormenores não podem ser descar-
tados. A primeira etapa chama-se pré-análise, na qual o investigador

- 182 -
se apropria de forma global dos dados. Em seguida, procede-se à
leitura exaustiva daquilo que foi coletado ou uma espécie de “con-
templação reflexiva”, em caso de outro material que não seja texto,
como é o caso de figuras, fotografias, material concreto produzido
pelos sujeitos da pesquisa, etc. A partir de então, pode-se pontuar
categorias de análise, de forma manual ou informatizada, utilizan-
do programas de computador apropriado aos dados e à pergunta de
pesquisa. Faz-se um recorte das unidades de registro e procede-se à
interpretação do material coletado. É necessário um suporte teórico
subjacente à pergunta de pesquisa, coleta de dados, análise e inter-
pretação, pois é a matriz teórica que norteará os achados da pesquisa.

3. Conclusão
Não existe uma “receita” ou “passo a passo” que sirva de
guia para o desenvolvimento de pesquisas científicas, o que existem
são métodos, dos quais alguns foram aqui apresentados, que pode-
rão sustentar a pesquisa de acordo com o problema e a pergunta de
pesquisa a ser respondida. Para que o trabalho tenha relevância para
a comunidade científica é fundamental que sua estrutura esteja ali-
nhada e coerente, seguindo o método científico devidamente deli-
neado.
O ponto de partida da investigação deve ser sempre a per-
gunta de pesquisa seguida da elaboração do projeto. Este é condição
essencial e fundamental para todas as estratégias de pesquisa sem
exceção, que deve conter a apresentação da relevância do tema, per-
gunta de pesquisa, definição do desenho do estudo, definição da po-
pulação, definição das variáveis do estudo e o plano de análise dos
dados.
Se pudéssemos falar em um ponto de chegada da pesquisa,
seria a resposta à pergunta de pesquisa e ao objetivo proposto no
projeto. No entanto, como a ciência está sempre em construção, a
resposta, quando identificada, é sempre provisória, como tudo na
ciência.

4. Referências
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conhecimento científico? Cognitio [periódico na internet] [acesso

- 183 -
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questão da indução. Controvérsia [periódico na internet]. [acesso 16
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MERLUSSI, O. Os problemas da indução e da dedução. Prometeus -
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prometeus/article/view/799/697
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segundo um modelo teórico arendtiano. Interface - Comunicação,
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S1414-32832011000200017
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(Spring 2019 Edition), Edward N. Zalta (ed.) [acesso 26 nov 2019].
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www.acervofilosofico.com/tipos-de-conhecimento
WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Tradução de Marcos
G. Montagnoli. Petrópolis: Vozes; 2005.

- 185 -
- 186 -
POLÍTICAS PÚBLICAS, CONTROLE E
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA SAÚDE: algumas
reflexões a partir do lugar amazônico
Júlio Cesar Schweickardt
Thalita Renata Oliveira das Neves Guedes
Sônia Maria Lemos

1. Iniciando a conversa
Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo.
Todos nós sabemos alguma coisa.
Todos nós ignoramos alguma coisa.
Por isso aprendemos sempre.
Paulo Freire (1981)

O tema das políticas públicas se encontra em uma situação


delicada devido ao momento social e político que vivemos no país,
portanto, estamos falando de algo que deveria constar nas nossas
conversas diárias, nas salas de aula, nos espaços públicos e coletivos.
Nunca foi tão necessário falar das temáticas que envolvem as ações
de governo e as nossas práticas em sociedade, pois há um discurso
de negação do que seria político, ou seja, precisamos colocar esse
debate em nossas rodas, principalmente quando se refere à questão
pública. Aqui, optamos por falar de política pública de saúde com o
componente da participação social que está garantida na Constitui-
ção Federal.
Precisamos entender que a política se apresenta tanto em
texto como em discurso (BALL apud MEINARDES, 2006). Como
texto as políticas são codificadas em formas complexas através de
acordos, interpretações e reinterpretações por aqueles que estão
na gestão, que posteriormente são decodificadas também de modo
complexo, colocando as experiências e as relações que estão no jogo
político. Enquanto discursos, a política está sempre associada ao
contexto social e às disputas, sendo um produto em construção nos
diferentes jogos coletivos e complexos não homogêneos e únicos.
A política é uma prática social com embates e interesses de
diferentes grupos que colocam as suas percepções e historicidades

- 187 -
(BATISTA E MATTOS, 2011). Assim, a política é uma disputa de
poder que concorre por recursos e discursos para se tornar hegemô-
nico diante de outros discursos possíveis. No entanto, os discursos
que se impõe diante dos outros, como por exemplo, considerados
perdedores num processo eleitoral, não desaparecem, permanecem
nas pessoas e instituições.
A política pública é o campo do conhecimento que mobi-
liza ação do governo e/ou análise dessa ação e propõe mudanças no
curso dessas ações quando necessárias. Segundo Souza (2007, p. 80),
“a política pública permite distinguir entre o que o governo pretende
fazer e o que, de fato, faz”. Envolve diferentes atores em diferentes
níveis de decisão, podendo fazer parte do governo ou não, formal ou
informalmente. “A política pública é uma ação intencional, com ob-
jetivos a serem alcançados. A política pública, embora tenha impac-
tos em curto prazo, é uma política de longo prazo” (SOUZA, 2007,
p. 80).
Em Schweickardt et al. (2017) encontramos a análise de
políticas públicas no campo da saúde na Amazônia, mostrando
como algumas das políticas se constituíram na relação com o con-
texto social e político de cada período. A obra apresenta alguns
caminhos para a pesquisa na área de políticas públicas. Outras co-
letâneas que apresentam as políticas de Educação Permanente em
Saúde (MOREIRA et al., 2019) e a Atenção Básica em Saúde (SCH-
WEICKARDT et al., 2019; FERLA et al., 2019) são referências para
discutir as práticas e os modos de fazer política no território ama-
zônico ou mais especificamente no que denominamos de “territó-
rio líquido”. Esse conceito tem sido desenvolvido nas pesquisas no
Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia –
LAHPSA/Fiocruz Amazônia. A ideia de adjetivar o território é para
chamar a atenção que a realidade amazônica é permeada e influen-
ciada pelo líquido, isto é, pelos ciclos das águas que influenciam nos
modos de vida da população, exigindo que as políticas públicas dia-
loguem com essas características.
Optamos por fazer uma apresentação da oficina desenvol-
vida no I Encontro Nacional de Trabalho Interdisciplinar e Saúde
– ENTIS, pois entendemos que resultou num bom espaço de refle-
xão, diálogo e participação. Realizaremos a apresentação em dois
momentos: um panorama das políticas públicas no Brasil, utilizando

- 188 -
o recurso de imagens e das artes para fazermos um diálogo com a
nossa memória histórica e artística. Acreditamos que nossos discur-
sos devem ser permeados pelo lúdico e pela cultura (que por sinal
está em pleno ataque por ideias obscurantistas e preconceituosas); a
segunda parte trará uma descrição da abordagem participativa “rios
da vida” aplicada aos participantes da oficina e que nos deu a noção
de que todos somos Sistema Único de Saúde – SUS e participamos de
diferentes modos, nos distintos lugares de fala e das diversas formas.
Por fim, entendemos que é mais do que necessário termos
uma postura ético-política diante do mundo. É nos encontros que
criamos as possibilidades para exercitar e compartilhar esta postura.
As palavras de Paulo Freire (1981) nos ensinam que todos sabem al-
guma coisa e ignoram outras, as pessoas, opções ideológicas, sexuais
e culturais nos fazem pensar na defesa da democracia, como espaço
do exercício da diversidade e da convivência com o diferente.

2. A diversidade como princípio da democracia


Iniciamos a nossa conversa com uma obra (imagem 1) rea-
lizada pelas parteiras indígenas da região de Iuauretê, Distrito Sani-
tário Especial Indígena do Alto Rio Negro (DSEI ARN), município
de São Gabriel, Amazonas. Essa obra apresenta o modo das parteiras
entenderem o parto na cultura indígena, que convivem em diferen-
tes etnias, mas compartilham de alguns valores. A arte delas traz os
elementos necessários para realizar o parto, incorporados de alguns
objetos da cultura ocidental, mas também traz outros como o cigarro
do rezador. Difícil pensar que um cigarro faça parte da cena do parto
porque a imaginamos como um ambiente higienizado e limpo das
impurezas do cotidiano, como num hospital.

- 189 -
Imagem 1: Cena do parto Indígena no ARN

Fonte: Júlio Cesar Schweickardt, 2019.

No entanto lá, em Iuauretê, as parteiras conseguiram ne-


gociar com a direção do hospital para que o rezador possa fazer o
seu ritual dentro do hospital porque esse é fundamental para a sus-
tentação da vida da criança e da mãe. Aí está um belo exercício de
uma micropolítica da gestão do cuidado, uma política negociada e
realizada no cotidiano das pessoas e da cultura. Veja que fazer uma
defesa do parto normal é uma posição política diante da lógica de
parto do saber biomédico.
A cena acima se conecta com Direito à saúde e à proteção
da vida, como está firmado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948):
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de asse-
gurar-lhe e a sua família, saúde e bem estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indis-
pensáveis.

- 190 -
A saúde é entendida como direito humano, sendo univer-
sal, indivisível e interdependente. A Declaração traz a noção de pes-
soa, enquanto parte da diversidade humana, que deve ser respeitada
nas suas condições e modos de vida.
Isso nos lembra a história da formação do SUS, que nasce
com os movimentos sociais, os trabalhadores, gestores, docentes e
estudantes para a criação de um sistema de saúde mais inclusivo. Em
1986, ano da 8ª Conferência Nacional da Saúde, estávamos saindo de
um regime de ditadura que sufocou todas as formas de participação
democrática na construção das políticas de saúde. Por isso, a 8ª foi
um marco na nossa história política enquanto país, significou uma
mudança radical nos modos de pensar a política de saúde, com uma
proposta audaciosa de participação, integralidade, universalidade,
descentralização e equidade.
O discurso de Sérgio Arouca na abertura da Conferência
deixou explícito de que “A Reforma Sanitária (...) é um projeto civi-
lizatório, que, para se organizar, precisa ter dentro dele valores que
nunca devemos perder, pois o que queremos para a Saúde, queremos
para a sociedade brasileira” (RELATÓRIO CNS, 1986, p. 34)

Imagem 2: Plenária da 8ª Conferência Nacional de Saúde,


Brasília, 1986.

Fonte: Site do Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: https://www.conselho.saude.gov.


br. Acesso em: 12/02/2020.

- 191 -
A constituição de 1988 referenda os direitos da saúde da
população:
a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante po-
líticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, 1988, Art.
196).

são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao


poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente
ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de
direito privado (CF, 1988, Art. 197).

Achamos bem importante fazer uma diferença entre co-
bertura universal e sistema universal de saúde, pois é nessa diferença
que se pauta a disputa de narrativas sobre o SUS.

Quadro 1: Diferenças entre Cobertura Universal e Sistema


Universal de Saúde
Características UHC/ Cobertura Universal Sistema Universal
Mínimo;

Restrito à regulação do sistema Bem-estar social;


de saúde; Responsável pelo fi-
Papel do Estado nanciamento, gestão e
Separação explícita de funções
de prestação dos serviços de
financiamento/compra e presta- saúde.
ção de serviços.
Fundo público com
Combinação de fundos públicos
receitas de tributos
e privados (prêmios de seguros,
Financiamento (impostos gerais e con-
contribuições sociais, filantropia,
tribuição para seguros
impostos).
sociais).

Subsídio à demanda para aquisi-


Subsídio à oferta para
Ênfase das ção de seguros;
garantia de acesso equi-
reformas Seletividade da cesta e focaliza-
tativo.
ção nos mais pobres.

- 192 -
Serviços organizados em
Desenho do siste- Serviços fragmentados, sem rede, territorializados,
ma de serviços territorialização. orientados pela Atenção
Primária à Saúde (APS).

Abrangente (atenção
Restrita (pacotes básicos/míni-
Cesta de serviços integral)
mos) Explícita
Implícita

Integração entre cuida-


Centrada na assistência indivi-
dos individuais e ações
dual e serviços biomédicos;
Integralidade de saúde pública;
Dicotomia entre cuidados indi-
Integra promoção, pre-
viduais e coletivos
venção e cuidado

Fonte: Adaptado de GIOVANELLA, L. et al. (2018)

No quadro 1 mostramos que o Sistema de Saúde brasileiro


é universal e que tem como princípio a integralidade, a territoriali-
zação, serviços em redes de atenção, atenção básica, financiamento
público e a equidade. Por sua vez, a cobertura pode ser universal,
mas não necessariamente pública e se caracteriza como uma oferta
de serviços mínimos e de modo fragmentado, o que pode dificultar
acessos aos cuidados em saúde.

De onde viemos, quem somos e para onde vamos?


O professor Jessé de Souza faz essas perguntas para nos po-
sicionarmos na situação política e nos acontecimentos no país, com
o impeachment e golpe da Presidenta Dilma, com a Lava Jato, com
a guinada à direita nas políticas públicas com consequente retroces-
so nos direitos. Assim, viemos de uma história social marcada pela
desigualdade, pelo sistema de escravidão que ainda não foi devida-
mente analisado e discutido em nossas relações sociais e que ainda é
marca das posições racistas em nossa sociedade. As opções de vida e
de trabalho não estão definidas pela meritocracia, pois as igualdades
de condições não estão dadas, nascemos desiguais porque o país é
desigual.
O nosso sistema econômico neoliberal e capitalista cria e
amplia as desigualdades, por isso é dever do Estado diminuí-las por

- 193 -
meio de políticas públicas equitativas e justas. A imagem da “Criança
Morta, de Portinari nos mostra do que é capaz um sistema injusto,
pois a migração, provocada por ele, fere os direitos de ter uma terra,
moradia, trabalho, saúde, dignidade. Além do mais, nos desafia a
nunca esquecer que é um sistema que produz a morte.

Imagem 3: “Criança Morta”, Cândido Portinari, 1844.

Fonte: Site do Museu de Arte de Saúde Paulo, fotografia de João Musa. Disponível em:
https://masp.org.br/acervo/obra/crianca-morta. Acesso em: 12/02/2020.

Bom (re)lembrar que a história da Amazônia também traz


as marcas da desigualdade, como é bem representada pela ilustração
de Portinari da obra de Ferreira de Castro, A Selva, que descreve a
situação dos seringueiros nos seringais e na relação com os patrões.
A imagem mostra o sistema de escravidão e de endividamento que
os seringueiros viviam, pois não tinham a liberdade de sair dos se-
ringais enquanto não saldassem a dívida. Sistema que possuía uma
estrutura perversa, que aprisionava e fazia refém a vida de quem dele
necessita para sua sobrevivência.

- 194 -
Imagem 4: A selva, Candido Portinari, 1955.

Fonte: CASTRO, 1955.

A ilustração mostra dois seringueiros sendo preparados


para o enterro, haviam tentado fugir das condições de trabalho, mas
foram caçados pelos capangas do patrão. Os rios e a floresta repre-
sentavam uma prisão para os seringueiros, tanto é que Euclides da
Cunha (2003) chama de “inferno florido”, pois estavam no paraíso
da floresta amazônica, mas as condições de trabalho e vida eram um
inferno.
Uma outra questão que se nos apresenta é a da igualdade
de gênero que está colocada no discurso político, mas também se
refere a uma determinada postura epistemológica diante das produ-
ções do conhecimento. Como afirma Boaventura de Sousa Santos
(2010), o nosso conhecimento está construído por uma epistemolo-
gia do Norte que tem como fundamento o capitalismo, o patriarca-
do, e o machismo. Assim, a obra de Tarsila de Amaral, Abaporu, traz
a imagem da mulher brasileira com um corpo imenso e uma cabeça
pequena, representando uma valorização extrema do corpo em de-
trimento da capacidade de pensar e produzir conhecimento.

- 195 -
Imagem 5: Abaporu, Tarsila de Amaral, 1928.

Fonte: Site da Cultura Genial. Disponível em https://www.culturagenial.com/abaporu/.


Acesso em: 12/02/2020.

Essa dicotomia cabeça-corpo faz parte da cultura ocidental


de tradição branca, europeia e masculina. Por isso, nos alerta Djami-
la Ribeiro (2017), feminista negra, de que é fundamental nos darmos
conta que os lugares de fala precisam estar explicitados nos discur-
sos para que possam construir a autonomia do pensamento sem a
necessidade de que o outro o faça. Segundo Ribeiro (2017), é neces-
sário termos um projeto de descolonização do pensamento para a
construção de uma identidade epistêmica. As experiências locais são
importantes para que possamos situar os lugares de fala de todas as
pessoas em qualquer das situações.
A diversidade racial é a nossa marca enquanto formação
da sociedade brasileira. Por isso, a artista plástica Adriana Varejão,
apresenta o seu próprio retrato com diferentes cores de pele para
manifestar o seu protesto diante das intolerâncias e posturas racistas
que atravessam o nosso cotidiano. Dizer que vivemos uma democra-
cia racial é uma falácia porque o acesso às universidades públicas,

- 196 -
ao emprego digno, à cultura, à segurança contradiz a ideia de que
vivemos num país da igualdade das condições para todas as pessoas.

Imagem 6: Cores, Adriana Varejão, 2014.

Fonte: Site Cultura. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/blogs/divirta-se/adria-


na-varejao-expoe-pinturas-ineditas-que-tratam-da-miscigenacao-brasileira/. Acesso em:
12/02/2020.

3. Participação social na saúde: uma conquista


As Conferências de Saúde, regulamentadas pela Lei Fede-
ral nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990 (Brasil, 1990), representam
um dos mecanismos de participação da sociedade na condução do
Sistema Único de Saúde (SUS), previstas na legislação a partir do
que está disposto na Constituição Federal de 1988, ou seja, de que a
participação da comunidade constitui diretriz do sistema sanitário
nacional (BRASIL, 1988). É a participação social que legitima o exer-
cício da cidadania. Com ela e por meio dela se constrói o controle
social, fundamental para a garantia do direito à saúde.
Assim, os Conselhos de Saúde, de acordo com Moreira e
Escorel (2009), aumentaram a transparência do Estado, instituíram
espaços de controle da sociedade nas políticas públicas e constituí-
ram a mais ampla iniciativa de descentralização político-administra-
tiva no Brasil. Também as conferências que envolveram as chamadas
“minorias” também se fazem representar em outras conferências,
com destaque nas Conferências Nacionais de Direitos Humanos.
Portanto, a democracia é marcada pela convivência com
a diversidade e, mais do que isso, pela inclusão ativa de grupos e

- 197 -
questões específicas, em diálogo intensivo com a ideia da equidade
e da igualdade de direitos. As lutas por igualdade e liberdade gera-
ram conquistas pelos direitos sociais e das “minorias”. Estimularam
a participação social e o exercício da cidadania. “A Democracia é a
sociedade histórica porque é aberta ao tempo, ao possível, às trans-
formações e ao novo”. “As lutas populares ampliaram os direitos ci-
vis” (CHAUÍ, 1999, p. 431), constituíram um modo de estar e fazer
juntos, em coletivos organizados, para pensar o bem comum e o
compromisso social.
Desta forma, na segunda parte do minicurso optamos por
utilizar um instrumento de abordagem participativa, o “Rio da Vida”.
As abordagens participativas têm como objetivo auxiliar a popula-
ção envolvida a identificar por si mesma os seus problemas, a realizar
a análise crítica destes e a buscar as soluções e/ou reflexões coletivas
acerca de uma temática (LE BOTERF, 1984). Estas abordagens tra-
zem como pressuposto a emancipação das pessoas como um caráter
educativo, enquanto troca e compartilhamento de saberes.
Chizzotti (2006) nos revela que nessa abordagem, os su-
jeitos participam de forma a contribuir na elaboração do conheci-
mento, por meio da reflexão de sua prática compartilhada com a co-
letividade, de maneira que se possa fazer uma reflexão crítica desse
conhecimento, pois todo o sujeito traz consigo o conhecimento.
Entendemos que esta abordagem nos permite “um reper-
tório múltiplo e diferenciado de experiências de criação coletiva
de conhecimentos destinados a superar a oposição sujeito/objeto”
(BRANDÃO E STRECK, p. 2006, p.12).
O “Rio da Vida” é uma ferramenta que auxilia na descrição
da jornada de vida ou linha do tempo de situações vivenciadas pelos
participantes, a partir de perguntas guiadas (TOLEDO et al., 2018).
Ao utilizarmos esta ferramenta, ousamos proporcionar aos partici-
pantes, um espaço de discussão sobre a política pública de saúde no
Brasil, na contemporaneidade, e o papel de cada um na defesa do Sis-
tema Único de Saúde - SUS, a partir do olhar da participação social
com vistas ao fortalecimento do Controle Social. Para tanto, utiliza-
mos a metáfora do “Rio do SUS”, explicando que um rio é um sím-
bolo importante em muitas culturas, simboliza vida e mudança para
muitas pessoas. É estimulante pensar sobre um rio, sobre a natureza,
sobre o que isso representa para cada um dos participantes. Cada rio

- 198 -
tem cabeceiras ou nascentes, que pode representar os encontros com
pessoas que auxiliaram, ao logo da caminhada de cada um, seja para
recuperação ou para promoção da saúde.
Estimulamos que os participantes se organizassem em gru-
pos e discutissem:
1. “Quando inicia seu rio da vida que desemboca no Rio do SUS?
2. “Qual o primeiro contato de cada um com o SUS?”
3. “Que papel estava sendo desempenhando neste primeiro con-
tato?”
4. “Quais foram os eventos importantes na sua trajetória como
usuário ou profissional do SUS?”
5. “Que pessoas da comunidade, da família, da igreja foram im-
portantes para a recuperação ou promoção da sua saúde?”
Ao questioná-los, buscamos propor a reflexão sobre perío-
dos ou lugares onde o rio fluiu bem, simbolizando os momentos
do acesso aos serviços de saúde, acolhimento das demandas e ne-
cessidades dos usuários e profissionais de saúde, participação social
no planejamento e/ou operacionalização dos programas, projetos e
ações de saúde, ou ainda, no encontro com pessoas que os auxilia-
ram na recuperação ou promoção da saúde.
Neste processo, compartilhamos reflexões, às vezes as par-
cerias têm um período de tranquilidade, quando o rio suaviza seu
curso e forma uma ampla piscina. Outras vezes, o rio está agitando,
com muito banzeiro nas situações de doenças ou outros fatores que
interfiram na saúde. Em certos momentos, corpos de água se juntam,
através de afluentes (novos recursos, mentores ou novos membros)
ou o fluxo se ramifica e o rio principal se divide (membros saem ou
novas parcerias são formadas) (TOLEDO et al., 2018).
Após este momento, disponibilizamos uma folha de papel
grande, materiais para artesanato (marcadores, giz de cera, cartolina,
papel pardo, cola) para que o grupo construísse o RIO DA VIDA DO
SUS.
Durante a atividade, solicitamos que eles descrevessem as
influências, os obstáculos e os momentos de paz, aspectos funda-
mentais para trajetória de cada um e ainda, destacassem “Onde você
está indo?”, a fim de pensarmos os desejos futuros para saúde de cada

- 199 -
um e o comprometimento com a comunidade, bem como para o
estabelecimento de parcerias e coligações.
No terceiro momento, pedimos que cada grupo apresen-
tasse sua produção e, em uma grande roda, admiramos os Rios da
Vida produzimos, buscamos respostas coletivas às seguintes pergun-
tas: 1. O que ficou em destaque para você, nesse processo coletivo? 2.
Quais suas impressões gerais sobre o que aprendeu ou sentiu duran-
te o exercício? 3. Quais foram os facilitadores que você identificou
como importantes na sua trajetória? 4. Quais foram/são exemplos de
desafios ou obstáculos que você enfrentou para avançar na produção
de saúde? 4. Houve eventos importantes (festas, cultura, comemora-
ções e outros) que fizeram diferença?
Nesta dinâmica, enfatizamos a necessidade do compro-
misso ético-político de cada um em transformar a realidade posta,
compreender as dinâmicas existentes e fomentar mudanças do status
quo da política de saúde na atualidade, uma vez que todos os atores
do SUS são importantes, produzem ação política e ativa, e ainda, “fa-
bricam mundos” (ABRAHÃO el. al, 2016) importantes e necessários
para manutenção da democracia em tempos de desmonte de direitos
sociais.

4. Considerações finais
As políticas de saúde se guiam pelo princípio da equidade:
“Equidade: apelo à justiça, é a retificação da lei que se revela insufi-
ciente por seu caráter universal.” (ABBAGNAMO, 1988, p. 340). O
Estado tem o dever de corrigir as injustiças sociais e proporcionar a
igualdade de condições. Temos muito que avançar em políticas de
saúde que sejam efetivas, que promovam o cuidado intercultural, su-
perando a hierarquia dos saberes e a instrumentalização das práticas
tradicionais.
Precisamos avançar na organização e no controle social,
ampliar a participação popular na construção das demandas e das
ações que efetivamente possibilitem a sua resolubilidade. É na escuta
atenta que seremos capazes de escutar o outro, do seu lugar e da sua
necessidade. Enfrentar e diminuir as desigualdades que assolam e
se ampliam nestes tempos de governo para poucos, é tarefa perma-
nente e persistente que deve compor a lista das prioridades daque-
les que defendem o pacto social e de vida digna para todas e todos.

- 200 -
Os retrocessos são evidentes e custam muitas vidas. As políticas de
saúde mais do que conquistas devem se configurar na garantia da
universalidade, integralidade e equidade, princípios constituintes do
SUS. Devem promover bem estar social. A participação e controle
social são os alicerces na promoção da igualdade, pois é exercício
da cidadania e promotora da garanti de direitos. Direito à vida, à
educação, à saúde.

5. Referências
ABBAGNAMO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fon-
tes, 1988.
ABRAHAO ET AL. O pesquisador IN-MUNDO e o processo de
produção de outras formas de investigação em saúde (a título de
fechamento, depois de tudo que escrevemos). IN: Pesquisadores
In-Mundo: um estudo da produção do acesso e barreira em saúde
mental.1ª Edição. Editora Rede UNIDA. Porto Alegre, 2014.
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mos pertinente refletir para analisar políticas). In: MATTOS, R. A.;
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MEINARDES, J. Abordagens do Ciclo de Políticas: uma contribui-
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MOREIRA, A.; FIGUEIRÓ, R.; FERLA, A.A.; SCHWEICKARDT,
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HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUES, E. (Orgs.). Políticas
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TOLEDO, R. F. [et al.] Pesquisa participativa em saúde: vertentes e
veredas. Organizadores - São Paulo: Instituto de Saúde, 2018.

- 202 -
SOBRE OS AUTORES

CAMILA CARLOS BEZERRA


Enfermeira. Doutoranda em Ciências pela Escola de Enfermagem da
USP. Mestre em Enfermagem. Especialista em Gestão de Políticas de
Saúde Informadas por Evidências. Docente da Escola de Enferma-
gem de Manaus da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve
atividades no campo da gerontologia, saúde coletiva e gestão em saú-
de. E-mail: [email protected]

DANIELLE DA SILVA BARBOSA


Assistente Social com titulação de Mestre, sendo egressa do Progra-
ma de Pós-graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Ama-
zônia (PPGSS/UFAM). Atualmente ocupa o cargo de assessora da
Diretora no Departamento de Gestão do SUAS na SEAS/AM. Par-
ticipou da equipe de sistematização e análise dos resultados da pes-
quisa de campo deste trabalho. E-mail: [email protected]

ESRON SOARES CARVALHO ROCHA


Enfermeiro, Doutor em Ciência. Docente dos Cursos de Graduação
e Mestrado Profissional em enfermagem da Escola de Enfermagem
de Manaus da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve ati-
vidades no Campo da saúde coletiva, saúde indígena e avaliação em
saúde. E-mail: [email protected]

EVILASIO SALVADOR
Economista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina
(1995), mestre em Política Social pela Universidade de Brasília -
UnB (2003), doutor em Política Social pela UnB (2008) e pós-doutor
em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor na Universidade de Brasília (UnB), na gradua-
ção em Serviço Social e no Programa de Pós-graduação em Polí-

- 203 -
tica Social (Mestrado/Doutorado). Coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Política Social (mestrado e doutorado) de UnB.
Líder do FOHPS núcleo de estudos e pesquisas sobre Fundo Públi-
co, Orçamento, Hegemonia e Política Social. Tem dezenas de artigos
publicados sobre orçamento público, tributação, seguridade social e
financiamento das políticas sociais. Desenvolve pesquisa na área de
Fundo Público, Política Social, Financeirização e Orçamento público
e financiamentos de políticas e programas sociais. E-mail: evilasio-
[email protected]

HAMIDA ASSUNÇÃO PINHEIRO


Doutora em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia,
mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia, professora do Depar-
tamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Ser-
viço Social e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal
do Amazonas, líder do Grupo de Pesquisa Estudos de Sustentabili-
dade, Trabalho e Direitos na Amazônia – ESTRADAS. E-mail: hami-
[email protected]

JÚLIO CESAR SCHWEICKARDT


Pesquisador do Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde
na Amazônia – LAHPSA/Fiocruz Amazônia. Graduado em Ciências
Sociais pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM, Mestre em
Sociedade e Cultura pela UFAM e doutor em História das Ciências
e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. E-mail: julio.ilmd@
gmail.com

KÁTIA DE ARAÚJO LIMA VALLINA


Doutora e Mestra em Serviço Social pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, professora aposentada do Departamento de
Serviço Social e professora colaboradora do Programa de Pós-Gra-
duação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia da Uni-
versidade Federal do Amazonas, integrante do Grupo de Pesquisa

- 204 -
Estudos de Sustentabilidade, Trabalho e Direitos na Amazônia – ES-
TRADAS. E-mail: [email protected]

MARIA JACIREMA FERREIRA GONÇALVES


Enfermeira. Doutora em Saúde Coletiva. Docente dos Cursos de
Graduação e Mestrado em Enfermagem da Escola de Enfermagem
de Manaus da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve ativi-
dades no campo da saúde coletiva, epidemiologia e análise de dados
em saúde, especialmente sobre doenças infecciosas, atenção primá-
ria e avaliação em saúde. E-mail: [email protected]

MARINEZ GIL NOGUEIRA CUNHA


Professora Doutora do Departamento de Serviço Social da Univer-
sidade Federal do Amazonas (UFAM), vinculada ao Programa de
Pós-graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia
(PPGSS/UFAM). Líder do Grupo de Pesquisa em Gestão Social, Di-
reitos Humanos e Sustentabilidade na Amazônia (CNPQ). Atuou
como membro titular do Núcleo Estadual de Educação Permanente
do Sistema Único de Assistência Social no Amazonas (NUEP/AM)
na condição de representante da UFAM, no âmbito da Secretaria de
Estado de Assistência Social (SEAS), no período de agosto de 2014 a
julho de 2018. Participou da equipe de sistematização e análise dos
resultados da pesquisa de campo deste trabalho. E-mail: marinez-
[email protected]

MICHELLI BORBA DE PAULA


Bacharel em Ciências Sociais. Atuou como membro titular do Con-
selho Estadual de Assistência Social (CEAS) no âmbito da Secretaria
de Estado de Assistência Social (SEAS) em Manaus/AM (sendo re-
presentante do Sindicato dos sociólogos do Amazonas), no período
2015 a 2018. Participou da equipe de sistematização e análise dos
resultados da pesquisa de campo deste trabalho. E-mail: michellide-
[email protected]

- 205 -
MILANE LIMA REIS
Assistente Social com titulação de Mestre, sendo egressa do Progra-
ma de Pós-graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Ama-
zônia (PPGSS/UFAM). Ocupou o cargo de Gerente da Gestão do
Trabalho no DGSUAS (Departamento de Gestão do Trabalho) no
âmbito da Secretaria de Estado de Assistência Social (SEAS) em Ma-
naus/AM, no período de abril de 2017 a julho de 2018. Participou
da equipe de sistematização e análise dos resultados da pesquisa de
campo deste trabalho. E-mail: [email protected]

MILENA FERNANDES BARROSO


Doutora em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (2018), com estágio doutoral na Universidade do Québec,
Canadá (2015) e estágio PROCAD no PPGPS/UnB (2017). Professo-
ra do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas,
no Instituto de Ciências Sociais e Zootecnia – ICSEZ e do Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazô-
nia (PPGSS). Atualmente desenvolve o projeto de pesquisa “Violên-
cia contra as mulheres na universidade: uma análise nas instituições
de ensino superior no Amazonas” (2019-2021), financiado pela Fun-
dação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (FAPEAM). E-mail: mi-
[email protected]

NAIR CHASE DA SILVA


Enfermeira. Doutora em Saúde Coletiva. Docente dos Cursos de
Graduação e Mestrado em Enfermagem da Escola de Enfermagem
de Manaus da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve ati-
vidades no campo da saúde coletiva, educação em saúde e enferma-
gem e atenção primária em saúde. E-mail: [email protected]

NOURA VIEIRA PINHEIRO


Assistente Social com titulação de especialista em Serviço Social e
Assistência à Família. Atualmente ocupa o cargo de Assistente So-

- 206 -
cial na Gerência da Gestão do trabalho na SEAS/AM. Participou
da equipe de sistematização e análise dos resultados da pesquisa de
campo deste trabalho. E-mail: [email protected]

ROBERTA FERREIRA COELHO DE ANDRADE


Doutora e mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia, professo-
ra associada do Departamento de Serviço Social e do Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia
da Universidade Federal do Amazonas, líder do Grupo de Pesquisa
Estudos de Sustentabilidade, Trabalho e Direitos na Amazônia – ES-
TRADAS. E-mail: [email protected]

SARA GRANEMANN
Docente na Escola de Serviço Social (Graduação e Pós-Graduação:
Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal do Rio de Janeiro/
UFRJ desde 1994. Mestra e Doutora em Serviço Social pela UFRJ.
Pós-doutorado em História Social Contemporânea pela Universida-
de Nova de Lisboa. Investigadora do NEPEM (Núcleo de Estudos e
Pesquisas Marxistas) e Líder do GEMPS (Grupo de Estudos e Pes-
quisas Marxistas em Política Social). Áreas de interesse: Capitalismo
e Estado, Financeirização das Políticas Sociais e em especial a Pre-
vidência Social e a “Previdência Privada”. Publicou textos em revis-
tas e capítulos de livros e realizou incontáveis intervenções sobre a
previdência por todo o país e no exterior. Pesquisadora PQ 2/CNPq.
E-mail: [email protected]

SHEILA VITOR DA SILVA


Enfermeira. Doutora em Doenças Tropicais e Infecciosas. Docente
dos Cursos de Graduação e Mestrado em Enfermagem da Escola
de Enfermagem de Manaus da Universidade Federal do Amazonas.
Desenvolve atividades no campo da saúde coletiva e doenças tropi-
cais e infecciosas, especialmente sobre malária. E-mail: sheilavitorr@
gmail.com

- 207 -
SÔNIA MARIA LEMOS
Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Promoção e Educação
em Saúde - LAPPES – UEA. Graduada em Psicologia pela Universi-
dade de Passo Fundo-UPF, Mestre em Ciências do Ambiente e Sus-
tentabilidade na Amazônia pela Universidade Federal do Amazo-
nas-UFAM e Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina
Social – IMS/UERJ. E-mail: [email protected]

TÂNIA REGINA KRÜGER


Docente Associada do Departamento de Serviço Social da Univer-
sidade Federal de Santa Catarina. Graduada em Serviço Social pela
UFSC (1990). Mestrado em Educação e Cultura pela Universidade
do Estado de Santa Catarina (1998). Doutorado em Serviço Social
pela Universidade Federal de Pernambuco (2005). Pós-Doutorado
no Centro de Estudos Socais na Universidade de Coimbra (2018).
Pesquisadora dos seguintes temas: política social, SUS, serviço so-
cial, exercício profissional, política de saúde, participação, contro-
le social, planejamento e gestão de políticas sociais. Integrante do
Núcleo de Estudos em Serviço Social e Organização Popular (NES-
SOP). A autora é pesquisadora PQ2 do CNPq.

THALITA RENATA OLIVEIRA DAS NEVES GUEDES


Assistente Social da Escola de Saúde Pública de Manaus – ESAP/
SEMSA Manaus. Graduada em Serviço Social pela Universidade Fe-
deral do Amazonas – UFAM, Mestra em Serviço Social e Sustentabi-
lidade na Amazônia pela UFAM e discente do programa de Douto-
rado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia pela
UFAM. E-mail: [email protected]

THIAGO MARTINS PEREIRA


Bacharel em Relações Internacionais. Ocupou o cargo de Subgerente
de Vigilância no DGSUAS no âmbito da Secretaria de Estado de As-

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sistência Social (SEAS) em Manaus/AM, no período de 2017 a 2018.
Participou da equipe de sistematização e análise dos resultados da
pesquisa de campo deste trabalho. E-mail: martinsthiagop@gmail.
com

VALMIENE FLORINDO FARIAS SOUSA


Graduada em Serviço Social pela UFAM (2005), Mestre em Serviço
Social e Sustentabilidade pela UFAM (2011) e Doutora em Políticas
Públicas pela UFMA (2017). Leciona a disciplina Ética Profissional
em Serviço Social e Gestão e Planejamento em Serviço Social desde
2008 e desenvolve atividades de extensão e pesquisa com enfoque em
Serviço Social, geração e classes sociais. Atualmente coordena o Co-
mitê Local de Extensão e participa da equipe da pesquisa “Violência
contra mulheres na universidade:  uma análise nas instituições de
Ensino Superior no Amazonas”, financiada pela Fundação de Am-
paro à Pesquisa do Amazonas (FAPEAM). E-mail: valmienefarias@
gmail.com

VERA LÚCIA BATISTA GOMES


Assistente social, mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-
-Graduação em Serviço Social – PPGSS/Universidade Federal do
Pará-UFPA; doutora em Sociologia do trabalho pela Université de
Picardie “Julle Vernes”- Amiens/France; Pós-doutorado no Progra-
ma de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal
de Pernambuco – PPGSS/UFPE e no Instituto de Sociologia da Uni-
versidade de Letras-Porto/Portugal. Professora do Curso de Gradua-
ção e Pós-graduação em Serviço Social-UFPA; Líder do Grupo de
Estudos e Pesquisas “Trabalho, Estado e Sociedade na Amazônia –
Gep TESA” vinculado ao PPGSS-UFPA. E-mail: veragomesbelem@
hotmail.com

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