PARECER
Prezado Sr.
Em virtude da consulta feita ao Dr. André Barros de Moura, sobre o prazo prescricional
dos títulos de crédito, em especial a Nota Promissória e a Cédula de Crédito Rural, na
vigência do Código Civil de 2002 e também a respeito da possibilidade de ajuizamento
da ação monitória em face dos avalistas do título prescrito, passamos a explanar alguns
pontos:
INTRODUÇÃO
Primeiramente, cumpre ressaltar que tanto a nota promissória quanto a cédula de crédito
rural são tipos de títulos de crédito. A primeira é definida pelo art. 54 da Lei
2.044/1908, e a segunda pelo art. 9º do Decreto 167, de 1967.
Os títulos de crédito possuem força de título executivo extrajudicial, isto é, para sua
efetiva cobrança não é necessário o processo de conhecimento, mas tão somente o
processo de execução.
Entretanto, a lei fixa prazos de prescrição para o ajuizamento da ação cambial, sendo
que, caso tal prescrição ocorra, os títulos perdem a eficácia executiva, pelo que não é
possível ao portador executar o direito de crédito representado no título em face de
quaisquer dos co-obrigados.
Por outro lado, em razão da incorporação dos direitos e deveres na cártula, verifica-se a
pertinência dos títulos prescritos como prova escrita sem eficácia de título executivo
para o fim de propositura da ação monitória, em observância ao disposto no art. 1.102a
do CPC.
Portanto, em relação aos títulos de crédito prescritos, outra alternativa não resta senão o
ajuizamento da ação monitória.
DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS DA AÇÃO CAMBIAL NA VIGÊNCIA DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002
Inexistindo prazo previsto em leis especiais para o ajuizamento da ação monitória, como
é o presente caso, deve-se recorrer às disposições do Código Civil.
A jurisprudência não é unânime no sentido dos prazos prescricionais dos títulos de
crédito após a vigência do Código Civil de 2002:
A primeira corrente entende que se deve aplicar ao caso o dispositivo do art. 206, §3º,
IV, CC/02, in verbis:
Art. 206 – Prescreve:
§ 3º - Em três anos
IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem
causa.
Nesse sentido é a decisão abaixo transcrita do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
CIVIL - PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL –
AÇÃO MONITÓRIA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA
- PRAZO - NOVO CÓDIGO CIVIL - VIGÊNCIA -
TERMO INICIAL.
1 - À luz do novo Código Civil os prazos prescricionais
foram reduzidos, estabelecendo o art. 206, § 3º, IV, que
prescreve em três anos a pretensão de ressarcimento de
enriquecimento sem causa. Já o art. 2.028 assenta que
"serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por
este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já
houver transcorrido mais da metade do tempo
estabelecido na lei revogada". Infere-se, portanto, que
tão-somente os prazos em curso que ainda não tenham
atingido a metade do prazo da lei anterior (menos de dez
anos) estão submetidos ao regime do Código vigente, ou
seja, 3 (três) anos. [...].
2 - Conclui-se, assim, que, no caso em questão, a
pretensão da ora recorrida não se encontra prescrita,
pois o ajuizamento da ação ocorreu em 13/02/2003,
antes, portanto, do decurso do prazo prescricional de
três anos previsto na vigente legislação civil.
3 - Recurso não conhecido. (STJ, REsp 813293/RN, 4ª
Turma, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, data do
julgamento 09/05/2006)
Entretanto, há uma segunda corrente que entende ser tal prazo prescricional de 5 anos,
conforme o art. 206, §5º, I, CC/02, abaixo transcrito:
Art. 206. Prescreve:
§5º Em cinco anos:
I - a pretensão para cobrança de dívidas líquidas
constantes de instrumento público ou particular.
Este entendimento também é adotado por nossos tribunais, conforme as jurisprudências
abaixo colacionadas:
AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PRAZO
PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS. ARTIGO 206,
§5º, I, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REGRA DE
TRANSIÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 2028 DO NCC.
TERMO INICIAL.
- A pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes
em instrumento particular, desde que não atingida a
metade do tempo previsto no Código Civil de 1916,
prescreve em cinco anos, segundo a regra ordinária de
prescrição prevista no inciso I do §5º do artigo 206 do
Código Civil de 2002, por aplicação da regra de
transição do art. 2028 do mesmo diploma. - "Tratando-se
de lei que encurtou o prazo da prescrição, ela é aplicável
às prescrições em curso, mas contando-se o novo prazo
da data em que a mesma lei começou a vigorar."(TJMG,
AC 1.0699.04.038295-3/001, 9ª Câmara Cível, rel. Des.
Tarcísio Martins Costa, data do julgamento 22/08/2006)
EMENTA: AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUES E NOTAS
PROMISSÓRIAS PRESCRITAS - PROVA ESCRITA
SEM EFICÁCIA DE TÍTULO EXECUTIVO -
DOCUMENTOS VÁLIDOS PARA AJUIZAR A AÇÃO
MONITÓRIA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA -
NOTA PROMISSÓRIA AVALIZADA - PRESCRIÇAÕ
DO TÍTULO - IMPOSSIBILIDADE DE
AJUIZAMENTO DA AÇÃO EM FACE DO
AVALISTA - CHEQUES EMITIDOS PARA
GARANTIA DE DÍVIDA DE TERCEIROS -
RESPONSABILIDADE DO EMITENTE - CORREÇÃO
MONETÁRIA - TERMO INICIAL - VENCIMENTO
DA CAMBIAL PRESCRITA - JUROS MORATÓRIOS -
OBRIGAÇÃO QUESÍVEL - INCIDÊNCIA DOS JUROS
A PARTIR DA DATA DE APRESENTAÇÃO DOS
CHEQUES PARA PAGAMENTO OU, SENDO
IMPOSSÍVEL PRECISÁ-LA, A PARTIR DA
NEGATIVA DE PAGAMENTO PELO BANCO
SABADO. - Em razão da incorporação dos direitos e
deveres na cártula, verifica-se a pertinência dos cheques e
notas promissórias prescritas como prova escrita sem
eficácia de título executivo para o fim de ajuizamento de
ação monitória. - Tratando-se a ação monitória de tipo
especial de cobrança, o prazo para o ajuizamento da
demanda é de cinco anos, nos termos do art. 206, §5ª,
I, do CC/02. - O art. 2.028 do novo Código Civil
somente deve incidir para que os prazos prescricionais
reduzidos por esse diploma legal sejam contados a partir
da sua entrada em vigor, de modo a evitar a
possibilidade de uma prescrição consumada
retroativamente, isto é, antes mesmo da data em que
entrou em vigor o atual Código Civil.- Com a prescrição
da nota promissória, a cártula perde as características
cambiais, pelo que deixam de existir as relações
jurídicas cambiárias anteriormente estabelecidas.
Assim, o credor só poderá exercer o seu direito do
crédito em face do avalista do título quando
demonstrado o locupletamento deste, haja vista que o
aval, garantia cambiária, não mais terá efeitos. -
Inexistindo provas aptas a desconstituir a presunção de
existência de relação jurídica advinda dos cheques
prescritos, persiste a obrigação do devedor pelo
pagamento de tais títulos.- Em ação monitória, a data de
vencimento da cambial prescrita deve ser considerada o
termo inicial da correção monetária, de modo a
assegurar a ampla recomposição do valor da moeda,
evidenciando-se que, no caso de cheque, por se tratar de
ordem de pagamento à vista, a correção monetária deve
incidir a partir da data de emissão da cártula. - Em
virtude de o cheque representar obrigação quesível, o
devedor é constituído em mora pela apresentação do
título pelo credor ao banco sacado, data a partir da qual
deverão incidir os juros moratórios. (TJMG,
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0481.05.043034-9/001, 18º
Câmara Cível, rel. Des. Elpidio Donizetti, 24/04/2007).
DA INCLUSÃO DOS AVALISTAS DO TÍTULO PRESCRITO NO POLO
PASSIVO DA AÇÃO MONITÓRIA
No que tange à possibilidade de inclusão no pólo passivo da ação monitória os avalistas
do título prescrito, a jurisprudência não possui divergências, sendo unânime no
entendimento da monitória ser estendia tão somente ao devedor da obrigação originária
do título.
Com efeito, uma vez prescrito, o título de crédito perde suas características cambiais,
não existindo relações jurídicas anteriores que dele mantinham dependência.
Neste sentido é a decisão supracitada (Apelação Cível nº 1.0481.05.043034-9/001, 18º
Câmara Cível, rel. Des. Elpidio Donizetti, 24/04/2007).
Também o STJ adota tal entendimento, conforme a jurisprudência abaixo:
DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. NOTA
PROMISSÓRIA PRESCRITA. PROPOSITURA DE AÇÃO
CONTRA O AVALISTA. NECESSIDADE DE SE
DEMONSTRAR O LOCUPLETAMENTO.
PRECEDENTES.
- Prescrita a ação cambial, desaparece a abstração das
relações jurídicas cambiais firmadas, devendo o
beneficiário do título demonstrar, como causa de pedir
na ação própria, o locupletamento ilícito, seja do
emitente ou endossante, seja do avalista.
Agravo não provido. (STJ, AgRg no Ag 549924/MG, 3ª
Turma, rel. Min. NANCY ANDRIGHI data do Julgamento
16/03/2004)
AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO.
AVALISTA.
Prescrito o cheque, desaparece a relação cambial e, em
conseqüência, o aval. Permanece responsável pelo débito
apenas o devedor principal, salvo se demonstrado que o
avalista se locupletou. (STJ, REsp 200492/MG, 3ª Turma,
rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, data do julgamento
29/06/2000).
A presunção do locupletamento ilícito (ou enriquecimento ilícito) será sempre do
emitente ou endossante do título, uma vez que estes são, de fato, partes do negócio
jurídico que originou o título.
Todavia, não se deve perder de vista que a legítima
finalidade da ação monitória - abreviar a formação de
título executivo judicial - não permite que se atribua a um
título prescrito a mesma eficácia que se confere àquele
que ainda goza de executividade. É que a validade do
título prescrito, sem a menção à causa debendi - e, por
óbvio, sem a prova desta -, somente subsiste, no caso de
serem opostos embargos monitórios, se o embargante
não conseguir desconstituir a presunção da existência
de relação jurídica entre as partes, presunção essa que
decorre justamente da apresentação do cheque em juízo.
(TJMG, APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0481.05.043034-9/001,
18º Câmara Cível, rel. Des. Elpidio Donizetti,
24/04/2007).
"AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE PRESCRITO - PROVA
ESCRITA HÁBIL - INEXISTÊNCIA DA DÍVIDA - ÔNUS
DA PROVA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 333 DO
DIGESTO PROCESSUAL.
Possuindo o credor documento escrito merecedor de fé
quanto à sua autenticidade e eficácia probatória,
verificada está a condição específica de admissibilidade
da ação monitória, qual seja, a prova escrita que não
possua eficácia de título executivo, pelo que cumpre ao
devedor apresentar as provas para desconstituir o
crédito apresentado." (TAMG, 7ª Câmara Cível,
Apelação Cível nº 442.878-6, relator: juiz D. Viçoso
Rodrigues, data do julgamento: 10/3/2005)
Sendo assim, para o ajuizamento da Ação Monitória em face do emitente ou endossante,
a jurisprudência entende que não há necessidade de provar a existência do negócio
jurídico em face do devedor. Ao contrário, cumpre a este último o ônus da prova acerca
da inexistência da causa debendi e, consequentemente, a inexistência do locupletamento
ilícito.
Já em relação ao avalista, não há a mesma presunção, uma vez que este nada mais é que
um terceiro não ligado ao negócio jurídico que originou o título, sendo tão somente uma
garantia do cumprimento da obrigação cambial. Neste caso, o ônus da prova cabe ao
portador / autor da ação cambial, visando a comprovação da existência do
locupletamento ilícito do avalista, incluindo-o no pólo passivo da demanda.
Concluindo, a regra é a impossibilidade de inclusão do avalista no pólo passivo da ação
monitória, mas, em caso de comprovação de seu locupletamento ilícito, ele poderá
figurar como réu da presente demanda.