0 notas0% acharam este documento útil (0 voto) 322 visualizações12 páginasPós-Colonialismo e Literatura - Thomas Bonnici
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Preto de Pus eR Grado: oD Ae to Maar
Dieor de Pesquisa Por Gradag of Maa Anos
\Coordenado Editors rf Dr. And Pte Anca taper
CONSELHO EDITORIAL
THOMAS BONNICI
O POS-COLONIALISMO E A LITERATURA:
estratégias de leitura
=)
Maringé
2000CAPITULO I
ASPECTOS DE TEORIA POS-COLONIAL
ratura} necessita conhecer-se como produto de um processo
rico que nela] depositou uma infinidade de tragos sem deixar
inventério.
Gramsci, 1985,
© ESTUDO DAS LITERATURAS POS-COLONIAIS
Quando se repara que 185 nagdes independentes, de 193
existentes no mundo integram a ONU, questiona-se a vs
termos 'colonialismo, pés-cok
colonialismo se tornara algo do passado e que os
independentes haviam encontrado. 0 cami
‘campo literdrio poderia ser aceita. Admitirse-ia, entdo, que as
literaturas dos povos independentes estariam livres _ das
ulagBes coloniais que as degradaram e que daqui por diante
teriam posigdo estética propria. Sabese, todavia,
10 io. muito mais. profundas € ext
golpe duro na cultura indigena, considerada sem valor ou desuposta superioridade da cultura
greco-romana, Portanto, 0 desenvolvimento de
iteraturas dos povos colonizacos deu-se como uma imitacao servil
de padres europeus, atrelada a uma teoria literéria univoca,
‘A ruptura op feratura p6s-colonial e a apropriacao
jioma europeu para desenvolver a expressio imaginativa na
ficcio. aconteceram apés investigagdes e reflexdes sobre 0
© maniquefsmo por ele
adotado, a manipulagao constante do poder e a aplicacio do
fator desacreditador na cu
sido o mais extenso € 0 m:
nico proporcionou ao critico uma singular ocasiao para ele
poder anal iteratura escrita em inglés por povos tio
iversos, em circunstancias geogréficas e hist6ricas a0
diferentes. Nestas
Publicados sob a rubrica do pés-colonialismo, especi
editora britanica Routledge. Editaram-se
académicas especializadas em pés-colonialismo para a divulgacao
€ a discussio das idéias inerentes ao tema. A editora Heinemann
da Affica (0 conceituado African Literature in
the Twentieth Century, de O . R. Dathorne, abrangendo inclusive a
teratura afticana em portugués e em francés), mas também
publicou, no Reino Unido, a maioria das obras literérias. Por
de Fanon, Ngugi, Achebe, Memmi
Said e de outros tedricos continuam tendo varias edigdes, tal € 0
pos-coloniais.
Referente a literatura de lingua inglesa, esse fendmeno pode
ser apreciado de outro angulo, Os prémios literdrios britanicos
mais cobicados agraciaram um indiano (Salman Rushdi
africano (j.M. Coetzee}, um nigeriano (Ben Ok
(Kazuro Ishiguro) e um cingalés (Michael Ondaat
Prémio Nobel de Literatura de 1993 foi dado a Derek Walcott, de
Santa Licia, no Caribe. Quando algum prémio literdrio € recebido
Copitulo 1 Aspectos de teoria poscolonial
por um autor inglés nascido na Inglaterra, a excegdo prova a
regra (lyer, 1993).
Salvo raras excegdes (entre as quais os trabalhos de Silviano
Santiago e Lynn Mario T. Menezes de Souza), essa nova estética
ainda nao informou a literatura brasileira, que, de acordo com os
ios ¢ definigdes arrolados mais adiante, neste trabalho,
poderia ser considerada pés-colonial. Por outro lado, a Editora
Atica publicou uma série de autores africanos ¢ os livros de
Jameson, enquanto Heloisa Buarque de Hollanda organizou a
‘traducio de ensaios de autores como Bhabha e Said. Poucos sio
0s trabalhos sobre a literatura brasileira do perfodo colonial que
tentam analisar as estratégias coloniais existentes na
‘0s mecanismos de subversao pelos quais a imaginacao poética
experimentou a subjetificagao. Rarissimas vezes (por exemplo, os
do cnone brasileiro em seus privilegiados e exclufdos.
Tampouco parametros pés-coloniais foram adotados para
abordar as questdes do idioma portugués e de sua apropriagao
na formacio da literatura apés a independéncia p
espe no modernismo € nos anos que o seguem. Os
grandes siléncios e hiatos do indigena ¢ do negro escravo ou
foragido, como também a dupla colonizagdo da mulher, sio
dignos de serem apreciados no contexto pés-coloni
A teoria pés-coloni
recente” para assinalar o perfodo apés a
ica. Embora ndo haja um consenso sobre 0
contetido do termo *pés-colonialismo", Ashcroft etal. (1991) 0 usam
descrever a cultura influenciada pelo processo imperial desde
0s primérdios da colonizacdo até os dias de hoje. Muitas vezes esse
termo ¢ ignorado ou nao entendido como é descrito
certos grupos que safram do colonialismo tém como preocupacio© péscoloniatismo e a literatura
ria 0 nacionalismo cultural e econdmico e nao querem
sactificar a especificidade de suas preocupacdes a0 termo get
ntendida como toda a produgao literaria
dos povos colonizados pelas poténcias européias entre os
‘0, as literaturas em lingua espanhola
hos paises latino-americanos e caribenhos; em portugués no
ndia, Malta, Gibraltar, i has do Pacifico e
do Caribe, Nigéria, Quénia, Aftica do Sul; em francés na Argélia,
Tunisia e varios paises da Africa, so literaturas pés-coloniai
Apesar de todas as suas diferencas, essas literaturas originaram-
se da “experiéncia de colonizagio, afirmando a tensio com o
mperial e enfatizando suas diferengas dos pressupostos
do centro imperiat” (Ashcroft et a, 1991).
Actitica pés- ista € enfocada, no contexto atual, como
uma abordagem alternativa para compreender o imperialismo ¢
stias influéncias, como um fendmeno mundial e, em menor grau,
como um fendmeno localizado. Essa abordagem envolve: um
nento sobre as relagdes entre a cultura e 0
ara a compreensio da politica e da cultura na era
Jo; 0 autoquestionamento do critic, porque
solapa as préprias estruturas do saber, ou seja, a teoria literaria,
a antropologia, a geografia eurocéntricas; engajamento do
critico, porque sua preocupacao deve girar em torno da criacao,
de um contexto favorével
para a recuperacao da sua
das discusses académicas para todos; uma desconfianca sobre a
possivel institucionalizacao da disciplina e sua apropriagao pela
critica ocidental, neutralizando a sua mensagem de resistencia
(Parry, 1987)
voz, € para a abertura
Em primeiro lugar, até hoje, hé dois livros importantes que
tracam a histéria dos pressupostos filoséficos da critica pés-
api
(0 Aspectas de teria pos-coloniat
colonial, ou seja, The Empire Writes Back: Theory and Practice in
Post-Colonial Literatures (1989), de Bill Ashcroft, Gareth Griffiths e
Helen Tiffin e White Mythologies: Writing History and the West
(1990), de Robert Young. O primeiro analisa os pressupostos
loséficos, a teoria literdria européia, a hegemonia da lingua
inglesa e as estratégias politicas do império briténico. Os autores
chegam a varios principios e questées que fundamentam o
conceito de literatura pés-colonial. Partindo de certas linhas
loséficas de Hegel e de Sartre, o segundo livro aprecia a
contribuigdo de criticos de renome mundial como Spivak ¢
Bhabha (Benson & Conolly, 1994), embora sempre os considere
criticamente, de modo especial, na detecgio de seus resquicios
europeus (Slemon, 1995). Em segundo lugar, Orientalismo (1978) ¢
Cultura e imperiatismo (1993), de Edward Said, In Other Worlds
(1987) e The Post-Colonial Critic (1990), de Gayatri Spivak, como
também Nation and Narration (1990), de Homi Bhabha, mud;
0 eixo da questao referente a critica ex
formularam teorias para a a
imperialismo/cultura_e mostraram os caminhos para _uma
teratura e estudos literdrios pés-coloniais autOnomos. Nao se
pode negar, todavia, que a metodologia desses autores tem
a ver com o pés-estruturalismo e 0 desconstrucionismo
muito em voga recentemente na critica literéria europé
lise do relacionamento
nda. no foram resolvidas,
trazida pelos colonizadores e
ucdes; a influéncia
ltura € fora dela; a
Sem diivida, muitas questdes
como a relacdo da lingua europs
as linguas indigenas; a conveniéncia das t
cultural hibrida dentro de uma mesma
paridade da oratura (narrativas orais) com a literatura; os padres
de valores estéticos; a importancia das
iversidades) para a producio literdria e critica; a revisio do
canone literério,
Desde a sua sistematizacao nos anos 70, a critica pés-colonial
se preocupou com a preservacio e documentacio da literatura
pelos povos degradados como “selvagens”,
\cultos” pelo imperialismo; com a recuperagao0 pés-olonialismo ea literatura
das fontes alternativas da forga cultural de povos colonizados;
com 0 reconhecimento das distorgdes produzidas pelo
imperialismo e mantidas pelo sistema capitalista atual.
Varios autores percebem que, pelo menos no caso do inglés,
© estudo dos idiomas europeus como disciplinas académicas € 0
desenvolvimento dos impérios no século 19 partiram de uma
tinica fonte ica. Ambos funcionaram como fatores
caso, 08 valores, 0 estilo € os parimetros
académicos confirmaram a superioridade da ci
com a conseqiiente degradagao € total rejeicdo de qualquer
manifestacao cultural nativa, considerada inferior, pri
selvagem, digna de ser extirpada. A tempestade e Robinson Crusoé
testemunham tais fatos, como seré discutido adiante, A
européia, estudada em seu padrio culto, nao admitia
concorréncias e, portanto, rejeitava as “distorgdes niio-candnicas
oriundas da periferia e da margem. A sedugao era tanta, que
muitos nativos comecaram a mergulhar nessa cultura importada
e, negando as suas origens, passaram a escrever na
far os clissicos de sua literatura, “Os
britanicos, instigados pelos
missionatios e pelo medo das insubordinagdes nativas,
descobriram um aliado na literatura inglesa para os apoiar em
seu controle dos nativos sob um pretexto de educacio liberal”
(Viswanathan, 1987). A neutralizagao dese arcabougo
conspiratério entre lingua, literatura e cultura nao ¢ facil de ser
realizada. No que diz respeito a Africa, Ngugi (1972) analisa esse
estado de coisas em “On the Abolition of the English
Department", enquanto Docker (1978), em “The Neocolonial
Assumption in the University Teaching of English”, discursa sobre
‘© Commonwealth em geral. Ngugi organizou um programa em
que 0 Departamento de Lingua Inglesa fosse abolido e
substituldo por um Departamento de Literatura e Lingua
Afticanas, relativizando as fontes literati
na tradigao oral ou oratura como
2
Capitulo I Aspectos de teora péscotoniat
admite que pouca descolonizacao acontece: nas nades pés-
coloniais, ou seja, 0 status candnico das literaturas européias
ainda esté firme. “O perigo enfrentado pelo estudo literdrio pos-
colonial é que ele pode ser descartado apenas como uma opsao
interessante. O desafio da literatura pés-colonial esta de fato em
que, desmascarando e atacando pressupostos anglocéntricos
diretamente, pode substituir a literatura inglesa pela literatura
mundial em lingua inglesa” (Docker, 1978). Embora haja muita
resisténcia, os questionamentos sobre os presstipostos em que 0
estudo da lingua e da literatura européias _estavam
fundamentados ja surtiram efeitos consideréveis
V Desenvolvimento das literaturas pés-coloniais
A emergéncia e 0 desenvolvimento de literaturas pés-
coloniais dependem de dois fatores importantes: (1) as etapas de
conscientizacao nacional e (2) a assercio de serem diferentes da
literatura do centro imperial
A primeira etapa envolve textos literdrios produzidos por
representantes do poder colonizador (viajantes, administradores,
soldados ¢ esposas de administradores coloniais). Tais textos €
reportagens, com detalhes sobre costumes, fauina, flora e lingua,
dio énfase & metrdpole em detrimento da colénia;
centro em detrimento da periferia. A pretensao de objet
a atomizagio dos objetos descritos escondem o discurs
(Mello e Souza, 1993).
A segunda etapa envolve textos literdrios escritos sob
supervisio imperial por nativos que receberam sua educagao na
metrépole e que se sentiam gratificados em poder escrever na
lingua do europeu (ndo ha consciéncia de ela ser também do
colonizador). A classe alta da india, os missionérios africanos e,
as vezes, prisioneiros degredados na Austrdlia sentiram-se
privilegiados em pertencer & classe dominante, ou serem por ela
protegidos, e produziram volumes de poemas e romances,
80 pascol c aliceratura
nbora muitos dos temas (cultura iga do que a
européia, a brutalidade do sistema colonial, a riqueza de seus
costumes, leis, cantos e provérbios) abordados por esses autores
is
estivessem carregados de subverséo, sem diivida nao podiam e
no queriam perceber essa potencialidade. Além disso, a
manutengaio da ordem e as restrigdes poténcia
imperial nao permitiam qualquer manifestagéo que pudesse
indicar algo diferente dos critérios candnicos ou politicos.
A terceira etapa envolve uma gama de textos, a partir de
certo grau de diferenciagao, até uma total ruptura com os
padres emanados da metrépole. Evidentemente, essas
literaturas dependiam da ab-rogagio do poder restritivo e da
apropriagao da linguagenvescrita para fins diferentes daqueles
para 0s quais outrora foram usadas. Quando o nigeriano Amos
Wine Drinkard (1952), Dylan Thomas e
nguagem e o estilo desse
Tutuola escreveu The Pal
outros criticos ingleses estranharam a
ovo romance africano (Benson & Conoll
Phelps, 1984)
nascimento do rom:
no qual Ch iza 0 administrador colonial que
deseja escrever um livro sobre os costumes primitivos dos
selvagens do alto rio Niger quando 0 autor ja havia exposto a
complexidade de costumes, rel
provérbios da tribo dos Igbos em Umuof
Deslocamento e linguagem
Uma das caracteristicas da sociedade colonizada & 0
deslocamento. —_Relacionando
roft et al. (1995) d
inguem trés categorias de sociedades
Colénias de povoadores: na América espanhi
Estados Unidos da Am«
no Brasil, nos
inguagem e deslocamento, *
Capitulo 1 Aspectos de teria pés-colonial
destocaram as populagdes indigenas. Certa modalidade de
civilizaggio européia foi transplantada e os descendentes de
europeus, mesmo apés a independéncia politica, mantiveram 0
oma nao-indigena. Se no inicio. os —_colonos
navelmente consideravam que o seu idioma era
apropriado para expressar a complexa realidade do lugar
ocupado, os escritores mais recentes iniciaram uma série de
questionamentos a esse respeito.
Sociedades invadidas: na india e na Africa, com suas
lizagbes dispares em varios estgios de desenvolvimento, as
populagdes foram colonizadas em sua terra. Portanto, os
escritores nativos j4 possuiam suas respostas milenares ¢ seu
izados pelos
modo de ver, embora fossem —margi
colonizadores. As vezes, o idioma europeu substi
do escritor; as vezes, oferecia-the uma oportunidade para que
m ambos os casos,
© idioma europeu causava certa ambigitidade no texto escrito.
exterminadas nos primeiros cem anos apés 0 descobrimento. A
populacao atual das indias Ocidentais veio da Africa, india, Asia,
Oriente Médio e da Europa através do deslocamento, do exilio ou
da escravidio. De todas as sociedades colonizadas, talvez a
sociedade caribenha tenha sido a que mais sofreu os efeitos
devastadores do processo colonizador, em que 0 idioma e a
cultura dominantes foram impostos e as culturas de povos t3o
diversos aniquiladas.
nismo
Ha estreita relacdo entre os estudos pés-coloniais e 0
feminismo, Em primeiro lugar, hé uma analogia entre
patriarcalismo / feminismo e metrépole / coldnia ou colonizador /
colonizado. “Uma mulher da colénia € uma metéfora da mulher
150 péscotoniatismo e:
como colénia” (Du Plessis, 1985). Em segundo lugar, se 0 homem
foi colonizado, a mulher, nas sociedades pés-coloniais, foi
duplamente colonizada. Os romances de Jean Rhys, Doris
Morrison e Margaret Atwood testemunham essa
dialética. Portanto, 0 objetivo dos discursos pés-coloniais e do
feminismo € a integragao dam
De modo semelhante ao que aconteceu nas reflexdes do discurso
pés-colonial, no primeito periodo do discurso fe
Preocupagao consistia na substituicdo das estruturas de
“dominagdo. Essa posicosimplistaevoluiu para um
questionamento sobre as formas e modos literdrios e 0
desmascaramento dos fundamentos masculinos do canone.
Nesses debates, o feminismo trouxe & luz muitas questdes que 0
pés-colonialismo havia deixado obscuras; por outro lado, 0 pés-
colonialismo ajudou também o feminismo a precaver-se de
pressupostos ocidentais do discurso feminista.
Petersen (1995) observa que em muitos paises do Terceiro
Mundo ha o dilema sobre 0 que é necessério empreender
primeiro: a igualdade feminina ou a luta contra o imperialismo
presente na cultura ocidental. Em Things Fall Apart, o personagem
Okonkwo € castigado nao porque bateu em sua mulher, mas por
ter batido nela numa semana considerada sagrada. Petersen
(1995:254) resolve a questo com uma citagio de Ngugi:
“Nenhuma libertagao cultural sem a libertagio feminina”. A
opiniao de Buchi Emecheta é oposta a de Achebe. A forca literdr
da autora nigeriana consiste em sua “auiténtica perspectiva
feminista, sua focalizagao na exploragio da mulher e a sua luta
pela libertagao” (Benson & Conolly, 1994). Efetivamente/a dupla
colonizacio causou a objetificagao da mulher pela problematica
da classe e da raga, da repeticao de contos de fada europeus e da
legislaco falocéntrica apoiada por poténcias ocidentais. Entre
outras, a mais eficaz estratégia de descolonizacao feminina
concentra-se no uso da linguagem (experiéncia de Sistren) e da )
experimentagao lingiiistica. (Ashcroft et al, 1995; Bonnici, 1998c)..
16
]
/
Capitulo 1 ~ Aspectos de teoria péscolonial
A dicotomia sujeito-objeto
A opressio, 0 siléncio e a repressiio das sociedades pés-
coloniais decorrem de uma ideologia do sujeito. Sartre discursa
sobre a construgdo do ser como sujeito em relagao ao outro e,
portanto, enfatiza a caracteristica da reciprocidade. Através da
percepcio do préprio ser-objeto para o Outro deve-se
compreender a presenga do ser-sujeito dele, afirma Sartre (1997).
Essa reciprocidade permite as relagdes miituas entre o ser e 0
outro. Ambos podem voluntariamente ter a fungao de objeto
para 0 Outro. Nas sociedades pés-coloniais, porém, 0 sujeito e 0
objeto pertencem inexoravelmente a uma hierarquia em que 0
ido € fixado pela superioridade moral do dominador. E a
ialética do sujeito e do outro, do dominador e do'subalterno. A
lingua cortada do personagem Friday no romance Foe (1986), de
J. M. Coetzee, € 0 simbolo do colonizado mudo por ato
voluntério do colonizador.
Os criticos tentam expor os processos que transformam 0
colonizado numa pessoa muda e stias estratégias para sair dessa
posicdo. Spivak discursa sobre a mudez do sujeito colonial e,
conseqilentemente, da mulher subalterna. “O sujeito subalterno
nao tem nenhum espaco a partir do qual ele possa falar”,
sentencia Spivak (1985). Bhabha (1984) afirma que subalterno
pode falar, e a voz do native pode ser recuperada através da
parddia, da mimica e da tética chamada sly civility (cortesia
lada), que ameacam a autoridade colonial. Por outro lado,
a validade da posigao dessas teorias foi questionada por Benita
Parry (1987), alegando que poderiam ser uma miscara para a
dominacao neocolonial, uma das “formals metamorfoseadals] do
(1986), que provaram como “o colonizado pode ser
ist6ria’. Se a descolonizagio sempre & um
fenémeno violento (Fanon, 1990), o colonizado fala quando se
transforma num ser politicamente consciente que enfrenta o
‘pressor com antagonismo sem cessar.
70 péscolonialismo ea literatura
HA trés teorias sobre a reversio do colonizado-objeto em
sujeito dono de sua histéria e da sua capacidade de reescrever
sa historia, JanMohammed (1988) afirma que o autor da
iteratura pés-colonial deve dedicarse a prov de
esterestipos negativos do colonizador e de imagens auténticas
do colonizado. Desse modo, criaré um mecanismo que f
produzido inversa mas eficazmente na era colonial. Bhabha
(1983) recusa a polaridade colonizador-colonizado e reconhece
‘que a alteridade é “a sombra amarrada” do sujeito, porque
ambos se construfram. Esse hiato entre 0 sujeito ¢ 0 objeto, o
territério da incerteza, € aproveitado pelo autor pés-colonial para
reconstruir seus personag -coloniais, O hibridismo pos-
colonial, com sua subverséo da autoridade e a implosio do
centro |, constréi_ 0 novo sujeito pés-colonial. 0
guianense Wilson Harris (1973) fala do sujeito colonizado como
alguém que tem muitas facetas, 0 eu ¢ 0 outro. A procura desse
eu composto é a nova identidade pés-colonial. A violéncia (0
desmembr
imaginacéo, 0 tinico e antigo refiigio de pessoas oprimidas pela
ica de dominacao € de subserviéncia (Souza, 1994).
Com excegio da teoria simplista de JanMohammed, as outras
duas tentam mostrar a possibilidade de ser do sujeito pés-
colonial. Este subverte radical e internamente a nocao de
eurocentrismo e constréi a alteridade como sujeito,
Ab-rogacao e apropriagao
Na era colonial, a literatura na coldnia estava sob 0 controle
direto da classe dominante, que emitia parecer sobre a form:
iteréria e controlava a publicagio e distribuicdo do texto.
Portanto, tais textos surgiram dentro do contexto do poder
restritivo e — limitador, —testemunhando esse __fato.
Conseqtientemente, a existéncia de literaturas fora do eixo
Capita I Aspectos de teria péscotoniat
eurocéntrico dependia da ab-rogacio desse poder restritivo,
como também da apropriagio da escrita i
10 € a recusa das categorias da cultura imperial
de sua estética, de seu padrao normativo ¢ de uso correto, bem
como de sua exigéncia de fixar o significado das palavras. £ um
momento da descolonizagio do idioma europett. A apropriagao €
uum “processo pelo qual 0 idioma é apropriado ¢ obrigado
carregar 0 peso da experiéncia da cultura marginalizada’
(Ashcroft et al, 1991). Como o idioma é um
ideologicamente carregado, 0 autor pés-colonial sempre se
do idioma castigo recebido da metrdpole e da apropriagao que
submete 0 idioma a uma versao popular, atrelado ao lugar e as
Seja em sociedades monoglotas
), seja em diglotas (india, Africa, populagdes indigenas
) ou poliglotas ilhas do Caribe), 0 autor pés-colonial
emprega as duas estratégias. Ele “arrebata o idioma, 0 recoloca
numa situacao cultural especifica e ainda mantém a integridade
daquela alteridade (a escrita) que historicamente foi empregad
nas periferias do poder, da
(Ashcroft et al, 1991)
autenticidade e mesmo da realidade’
O canone colonial
A desinistificagaio da formagao e da constituigao do cénone
ocidental é algo recente e, em parte, deve-se ao desenvolvimento
. 0 julgamento da exceléncia do
lexidade da obra literdria produzida e
consagrada pelo centro comeca a ceder as investigagdes sociais €
icas que privilegiaram certas obras e certos autores
quanto descart (obras e autores), Nao somente a
igaco entre o cAnone literério e o poder é um fato indiscutivel
mas também stta_utilizagdo para fixar a superioridade do
colonizador, degradar o do colonizado e relegar 8
periferia qualquer manifestaco cultural e literéria oriunda dasido decretar que esses livros, e outros similares, nao passam de
exemplos de uma literatura nativa escrita por ‘informantes
nativos', em vez de contribuigdes contemporaneas ao saber. A
[sua] autoridade tem ada porque, para os
literatura e produzir obras de arte ig
ropéiafixa-se como essencial
iando e impondo estilos ¢ padrdes literdrios.
Por outro lado, a literatura pés-colonial é fixada como tributéria,
dependente, imitativa.
diz que o relacionamento entre sociedades
antes ¢ dominadas produz a configuragao do canone literario
ud Hutcheon, 1995). Na Austrdlia, a literatura dos aborigenes
considerada_ pet australiana em inglés,
que, por sua parte, jé foi considerada periférica no contexto da
A pouca repercussao da literatura bra
contexto mundial deve-se & sua suposta derivacio da
Portuguesa, que, por sua parte, sempre foi considerada tribut
francesa, Embora 0 Canada atual nao possa ser considerado um pais,
em desenvolvimento, houve um tempo em que a canonicidade de
sua literatura foi mula devido a alegada dependéncia do modelo
britanico e, depois, estaduniidense. Apesar disso, € no que conceme
‘aessas duas literaturas, pode-se afirmar com Margaret Laurence que
‘05 autores pés-coloniais. tiveram o grande trabalho “de descobrir
sla voz € escrever 0 que realmente pertence a eles, mesmo
enfientando 0 imperialismo cultural esmagador” (apud Hutcheon,
nte mencionar a situacao da literatura dos Estados
Unidos da América © modelo dominante-
ratura estadunidense foi
lerada tributéria até o século XIX. A transformagao do pafs
20
Capit
1 Aspectos de teoria pos colonial
\s séculos XIX e XX, de uma posicio politica periférica para a de
inte, contribuiu para a assimilagio de _parametros
europeus. Conseqiiéncias disso foram a producio de obras
candnicas ¢ 0 exercicio de grande influéncia nas outras
feraturas. O crescente poderio politico e econémico dos
Estados Unidos e sta capacidade de dominacio influenciaram a
ego das suas obras candnicas e as equipararam ao cinone
literdrio europeu.
dot
Descolonizagao
Em Les damnés de fa terre (1
em Portrait du colonisé préce
Albert Memmi (n. 1920), analisase 0 relacionamento
le qualquer texto oriundo dessa
a € produto do controle politico exercido em todo 0 perfodo
pés-colonial. Segue-se que a existéncia de um conjunto de textos
iteratura metropolitana e caracterizados pela
diferenciados da
igo significa a recuperacao dos idiomas e culturas
is. Ngugi (1986) e Huggan (1995) consideram 0
smo como uma fase histérica e que o renascimento da
ligena outrora florescente anularé todos os maleficios que _
informaram a cultura no perfodo pés-col Por outro lado,
Williams (1969) afirma que os tragos da histéria jamais podem ser
apagados ou ignorados. A cultura hibrida e sincrética dos povos pés-
coloniais & fator positivo e uma vantagem da qual recebe a sua
identidade e forga.
Realmente, a india e a Africa tém possibilidades de
desenvolver uma cultura e uma literatura com moldes pré-
Apés 1970, 0 queniano sscreve exclusivamente
no idioma Gikuyu e os romances dos nigerianos Achebe e Tutuola
sio exemplos tipicos de Oratita (a tradigdo oral africana), embora
escritos em inglés. Movimentos semelhantes surgiram na
21aooome
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0 pés-colonialismo e a literatura
Austrilia e na Nova Zelandia. Parece, porém, que hé um equivoco
quando se identifica a descolonizagao com a reconstituicdo da
cultura pré-colonial. A cultura eurocéntrica é téo profunda que a
produgao de um romance em lingua indgena ainda constitui um
texto culturalmente sincrético. Nos anos 70, houve um debate
entre essas duas correntes, especialmente referente a Aftica e a0
Caribe. Chinweizu, em Towards the Decolonization of African
Literature (1983), € Brathwaite condenavam a subservigncia a
técnicas literdtias ocidentais e defendiam a volta a rafzes
afficanas como o fator mais importante da identidade; por outro
lado, o nigeriano Soyinka e os caribenhos Harris e Walcott foram
favoraveis ao sincretismo e & pluralidade cultural (Benson &
Conolly, 1994). Os trabalhos de Todorov (1991) e Said (1995),
analisando os encontros coloniais literdrios referentes a0
europeu € a0 outro, € os estudos de Jameson, Bhabha e Spivak
(Benson & Conolly, 1994) sobre o impacto da ideologia na
formagao do sujeito colonial, debatem formas pelas qu:
subjetificacéo do colonizado podera se tomar realidade. Jamais
se pode esquecer que 2 descolonizagio & 0 processo
oposicionista contra a dominagao, “uma verdadeira criagao de
homens novos ... ndo se originando de algum poder sobrenatural,
porque 0 objeto que foi colonizado torna-se pessoa durante 0
mesmo proceso em que se liberta” (Fanon, 1990).
Areinterpretacao
Até certo ponto, todas as literaturas nacionais desenvolveram
© seguinte esquema para chegar a ser consideradas como ta: (1)
*\ a imitagio de um padrdo dominante e sua assimilagao ou
internalizagao; (2) a rebeliao, quando tudo o que foi excluido
pelo padrao dominante comeca a ser valorizado/Embora haja
critica a esse modelo (Tiffin, 1988), pode-se dizer que a formacio
€ a consolidacio das literaturas pés-coloniais se dao na
subversio, ou seja, a resposta ao centro, formulada na famosa
frase de Rushdie “The Empire writes back to the centre”. A
ee
Capitulo 1 ~ Aspectas de toria péscofonial
estratégia das literaturas dominadas € dupla: (1) uma tomada de
posicdo nacionalista, quando a literatura pés-colonial assegura a
si mesma uma posicdo determinante e central, € (2) quando
questiona a visdo européia e eurocéntrica do mundo, desafiando
a sistematizagao de pélos antagdnicos (dominador-dominado}
para regulamentar a realidade.
‘A primeira estratégia consiste na reinterpretagao de obras do
canone europeu. O exemplo de A tempestade (1611) € muito
significativo. Embora desde meados do século XIX houvesse
indicios de uma interpretacao pés-colonial dessa peca de
Shakespeare (Ashcroft, 1991), a apropriagio deu-se
principalmente com os caribenhos George Lamming (em seus
romances Natives of My Person e Water with Berries, ambos de 1971
ea colecao de ensaios The Pleasures of Exile (1960), Aimé Césaire
(Une tempéte: d'aprés La tempéte de Shakespeare ~ adaptation pour un
théatre négre) € outros (Brydon, 1984). A relacdo entre Préspero €
Caliba é considerada 0 paradigma das relagdes centro-margem ou
a realidade pés-colonial. Enquanto a dominagéo da realidade, a
linguagem, a arrogancia e a posse de territério alheio executadas
por Prdspero sio metéforas do dominio colonizador, a
submissio forgada, 0 castigo, a rebeldia e 0 uso da linguagem
para amaldigoar pertencem ao colonizado Caliba (Bom
1993b),
Na mesma linha, encontra-se 0 romance aparentemente
inécuo Mansfield Park (1814), de Jane Austen, que, através de uma
estratégia de leitura pés-colonial, podera revelar certos fatores
outrora ocultos. As bases econdmicas das familias abastadas e da
sociedade afluente inglesa, mudas ¢ envoltas em siléncio, so
fatores denunciantes do tréfico de escravos e do lucro auferido
do trabalho escravo em Antigua, engendrados por Sir Thomas
Bertram, 0 tio da protagonista Fanny. A afirmacao de Yasmine
Gooneratne em seu discurso “Historical ‘truths’ and Literary
“fictions” (apud Ashcroft et al, 1991), de que a leitura e
reinterpretacdo pés-coloniais do romance poderao privilegi
esses siléncios ¢ torné:0 péscolonialismo ea
texto, realmente abre caminhos novos. Além de mencionar 0
siléncio de Austen, Said (1995) faz semelhante critica no caso de
Camus. No caso da literatura brasileira, Anchieta, na pega Na festa
de Séo Lourengo (1587), transfere o Weltanschauung europeu sobre
demonologia, alteridade e marginalizacdo ao indigena brasileiro,
polariza a dicotomia colonizador-colonizado e justifica a
objetificagzo do nativo (Bonnici, 1996c).
A segunda estratégia refere-se & reescrita, ou seja,
retomada de obras literétias do canone ... para a reestruturagio
das ‘realidades’ européias em termos pés-coloniais. A finalidade
jo € a revers3o da ordem hierdrquica, mas interrogar os
pressupostos filos6ficos sobre os quais tal ordem estava baseada
(Ashcroft, 1991). Exemplos classicos da reescrita sao os romances
Wide Sargasso Sea (1966), da escritora dominicana Jean Rhys
(1890-1979) a partir de Jane Eyre (1847), de Charlotte Bronté
(1816-1855), e Foe (1986), do escritor sul-afticano J.M. Coetzee
(1940- }, a partir de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe (1719). Wide
Sargasso Sea desenvolve os eventos do romance de Bronté sobre
a esposa “crioula” de Mr. Rochester trancada no sétio.
Antoinette narra sua histéria de espoliacio praticada pelo seu
marido inglés na fazenda dela no Caribe. A degradacao e
submissdo forcadas de Antoinette por seu marido, até sua
deportacéo para Thornfield Hall, tornam-se o fator emblemético
de encontros coloniais. O incéndio da mansio mostra a resposta
da mulher “colonizada” diante da arrogancia e dominio do
europeu (Bonnici, 1994). Em Foe, 0 narrador nao &
inventivo e prético Robinson Crusoé, mas uma mulher inglesa
chamada Susan Barton. Desterrada numa ilha, ela encontra um
pacato e desanimado Crusoe seu escravo, 0 afticano Friday.
Crusomorre durante a viagem de volta a Inglaterra. Na
‘metrépole, Susan tem dois problemas tir a sua narracdo
da estada na ilha a um elusivo escritor Mr. Foe e arrancar do
mudo Friday a sua histéria. Ambas as tarefas tornam-se quase
eira por causa da pretendida manipulagao da
Por Mr. Foe e a segunda pela incompreensao do europeu
4
Capitulo I~ Aspectos de teoria péscolonia!
diante de singulares manifestagdes “literétias” empreendidas por
Friday. 0 romance avanca na problemética posta pelo romance
original e discute 0 siléncio do colonizado, a possibilidade de fala
apés uma historia de brutalidades cometidas pelos europeus, 0
relacionamento entre 0 colonizador e 0 colonizado, as
modalidades nao-candnicas de fala e escrita, a manipulagao da
historia pelo europe e a subversdo gentil (o conceito de sly
civility, discutido por Bhabha) do subalterno (Bonnici, 1995)
A andlise da obra literdria sob 0 enfoque da teoria pés-
colonialista pode ser uma tarefa dificil, porque implica uma
metandia no leitor € no critico. Pode inclusive subverter nodes
importantes da teoria literaria e criar um mal-estar quando se faz
a comparacao tipicamente ocidental (porque hierarquica) entre a
literatura de uma ex-col6ni reraturas européias.
Vivendo num pi |, cuja literatura tem muito pouca
projecdo na literatura mundial, porque sempre foi considerada
tributaria (Kothe, 1997), e, no caso especffico do autor deste
trabalho, ensinando as literaturas de nacdes colonizadoras no
lista pode privilegiar
a estratégica, Ela favorece a escolha de textos de
origem pés-colonial, escritos por autores que experimentaram a
degradacao e, as vezes, 0 aniquilamento de sua cultura pelo
um diante da
ainda existente, Oferece também a
oportunidade de resgatar textos que 0 poder colonial suprimia e
fazia sumir (porque subvertiam a ordem colonial por ele
estabelecida), de analisar textos sob uma nova perspectiva e
Fecuperar aspectos satiricos e irdnicos pelos quais os autores,
superando conveniéncias laudatérias, mostram a infamia da
colonizacao ¢ da alteridade.
pés-colonialista abre novas
perspectivas para literaturas que, embora nitidamente pés-
coloniais, t@m dificuldade em aceitar essa situagao. Sé0
literaturas jé maduras, como a brasileira, mas relegadas & posicao
tributéria ¢ cujos autores nao aparecem na lista "canénica” de The
23© pés-coloniai
Western Canon, de Harold Bloom. Como o africano Friday no
romance Foe, de Coetzee, elas tém métodos préprios para falar e
contar a sua historia, © mergulho & nau naufragada reproduz a
| Volta as profndezas da histéria para que 0 sujeito pés-colonial
epresentado na literatura recupere a voz € assim possa narrar €
anunciar as suas experiéncias como 0 outro.
CULTURA E DESCOLONIZAGAO DA MENTE
A situagdo da cultura num pafs que teve a experiéncia da
colonizagao sempre foi um tema com merecido destaque em
‘qualquer discusso. O assunto se torna mais polémico quando se
discute a descolonizacio da cultura. A partir de nogdes dialéticas
do bindrio imperialismo-colonialismo, muitos autores colocam a
cultura nacional no.contexto da libertacéo dos povos colonizados
para tentar analisar a sta verdadeira face e as conseqiiéncias por
ela engendradas na luta anticolonial. Discute-se também nao
somente a funcao da literatura ocidental dentro da perspectiva
imperialista, mas também o papel da literatura nacional para 0
¢ de romances pés-coloniais de autores africanos
dentro da perspectiva acima faz que o leitor comece a
perceber a novidade. Ja foi mencionada a polémica em torno
da publicagdo de The Palm Wine Drinkard. Alguns
britanicos (como Dylan Thomas) nao compreenderam o alcance
ideoldgico e 0 espirito critico sob a nova linguagem (api
Phelps, 1984:329). Os romances sucessivos, especialmente de
Chinua Achebe e Wole Soyinka, reforcam essa nova tendéncia,
Os provérbios das tribos nigetianas que povoam os romances,
os rituais religiosos € a estrutura civil da sociedade, que
formam 0 arcabougo da narrativa e 0 substrato histérico,
revelando aspectos do inicio da colonizacao, indicam uma
tentativa de resgate da civilizagdo que os europeus diziam nao
ter existido. Para essa dade, comparam-se as teorias
Capitulo 1 Aspectos de teora pascotonial
propostas por Frantz. Fanon (1925-1961) e Ngugi wa Thiong'o
{n. 1938) sobre o tema da cultura no contexto da
descolonizacao, da luta para a libertagio nacional e do
surgimento da literatura nacional,
Em seu livro Les damnés de la terre (1961, em tradugio
inglesa, The Wretched of the Earth, 1965,1990), Frantz Fanon
discute as implicagdes culturais oriundas do colonialismo e,
conseqiientemente, as implicagSes da luta anticolonialista
sobre a cultura do povo colonizado, Fanon propde um
esquema em trés fases experimentadas durante @ ocupacio
colonial. A “fase de assimilagao" acontece quando “o
intelectual nativo realmente demonstra haver assimilado a
cultura do poder colonizador. Seus escritos correspondem
exatamente, ponto por ponto, aos temas e as formas literérias,
do pais colonizador. Sua inspiragio € européia e facilmente
pode-se ligar essa obra as tendéncias definidas na literatura do
pais colonizador” (Fanon, 1990: 178-9).
Na segunda fase, chamada "fase cultural nacionalista’, 0
intelectual nativo lembra sua e reage contra
as tentativas dos colonizadores de obrigé-lo a assimilar a cultura
européia, Todavia, sua rejeigao nao é bem-sucedida e suas
tentativas de recuperar e reintroduzir as antigas tradicdes
indigenas se reduzem a uma romantizagio de épocas passadas,
cortigidas pelas tradicées filosdficas e convengdes estéticas
elaborados do ponto de vista do colonizador. “Acontecimentos
passados das épocas distantes de sua infincia surgirio das
profundezas de sua antigaslendas _serao
reinterpretadas a luz de uma estética emprestada € ah
ponto de vista de um mundo descoberto sob outro céu
1990: 179),
Ha também a fase nacional, a fase de luta, ou a “fase
revolucionéria e nacionalista’. Nesse estagio, “o intelectual
nativo, apés ter-se entranhado com o povo e no povo, comega a
inflamar 0 povo ... Tornase 0 despertador do povo” (Fanon,
a