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Sole-Cava-Evolução Vol 1 Livro

Solé-Cava - Evolução - v1

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Wolney Melo
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Antonio Solé Cava Volume 1

Edson Pereira da Silva


Gisele Lôbo-Hajdu

Evolução
Evolução
Volume 1 Antonio Solé Cava
Edson Pereira da Silva
Gisele Lôbo-Hajdu

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
Rua Visconde de Niterói, 1364 – Mangueira – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20943-001
Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725

Presidente
Masako Oya Masuda

Vice-presidente
Mirian Crapez

Coordenação do Curso de Biologia


UENF - Milton Kanashiro
UFRJ - Ricardo Iglesias Rios
UERJ - Cibele Schwanke

Material Didático
ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO Departamento de Produção
Antonio Solé Cava
Edson Pereira da Silva EDITORA PROGRAMAÇÃO VISUAL
Gisele Lôbo-Hajdu Tereza Queiroz Fábio Guimarães
COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO COORDENAÇÃO EDITORIAL COORDENAÇÃO DE
INSTRUCIONAL Jane Castellani ILUSTRAÇÃO
Cristine Costa Barreto Eduardo Bordoni
COPIDESQUE
DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E Nilce Rangel Del Rio ILUSTRAÇÃO
REVISÃO Fabiana Rocha
REVISÃO TIPOGRÁFICA
José Meyohas Kátia Ferreira dos Santos CAPA
Maria Helena Hatschbach Patrícia Paula Fabiana Rocha
Marta Abdala
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO GRÁFICA
REVISÃO TÉCNICA PRODUÇÃO Patricia Seabra
Marta Abdala Jorge Moura

Copyright © 2004, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj


Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio
eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.

S685e
Solé-Cava, Antonio.
Evolução v.1 / Antonio Solé-Cava. – Rio de Janeiro: Fundação
CECIERJ, 2010.
172p.; 19 x 26,5 cm.

ISBN: 85-7648-065-4

1. Evolução. 2. Equilíbrio de Hardy-Weinberg. 3. Síntese


evolutiva. 4. Mutação. 5. Métodos em evolução. I. Silva, Edson
Pereira da. II. Lôbo-Hadju, Gisele. III. Título.

CDD: 576.8
2010/1
Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.
Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
Sérgio Cabral Filho

Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia


Alexandre Cardoso

Universidades Consorciadas
UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO
NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO RIO DE JANEIRO
Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho Reitor: Aloísio Teixeira

UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL


RIO DE JANEIRO DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Ricardo Vieiralves Reitor: Ricardo Motta Miranda

UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO


Reitor: Roberto de Souza Salles DO RIO DE JANEIRO
Reitora: Malvina Tania Tuttman
Evolução Volume 1

SUMÁRIO Aula 1 – Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas ______ 7


Antonio Solé Cava

Aula 2 – Evidências da Evolução______________________________ 21


Antonio Solé Cava

Aula 3 – Histórico do estudo da Evolução _______________________ 41


Edson Pereira da Silva

Aula 4 – A nova síntese evolutiva _____________________________ 55


Edson Pereira da Silva

Aula 5 – Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade,


populações, modelos e introdução ao Equilíbrio de
Hardy-Weinberg __________________________________ 69
Gisele Lôbo-Hajdu

Aula 6 – Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações _____ 85


Gisele Lôbo-Hajdu

Aula 7 – Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos


– alelos múltiplos , genes ligados ao sexo e mais de um loco __ 99
Gisele Lôbo-Hajdu

Aula 8 – Marcadores moleculares no estudo da Evolução __________ 111


Edson Pereira da Silva

Aula 9 – Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos ______________ 131


Gisele Lôbo-Hajdu

Aula 10 – Modelos deterministas e estocásticos em Evolução _______ 149


Antonio Solé Cava

Referências _______________________________________169
1

AULA
Introdução. A dialética da
Evolução. Algumas perguntas
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Associar o pensamento evolutivo com o
equilíbrio entre a mudança e a estabilidade.
• Apresentar hipóteses para a explicação de
fenômenos da Natureza ligados à evolução.
Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

Coisas são semelhantes. Por isso a ciência é possível. Coisas


são diferentes. Por isso a ciência é necessária.
Richard Lewontin, 1983

A base da teoria evolutiva é a dialética entre o que muda e o que


permanece. Se a taxa de mutação nos genes fosse muito maior
do que é (por exemplo, se 1% dos genes, ao serem duplicados,
sofresse mutações), a vida no planeta não seria possível do
jeito que a conhecemos. Por outro lado, se a mutação não
existisse, ou seja, se os sistemas de replicação fossem perfeitos,
a evolução não seria possível.

INTRODUÇÃO Evolução é o processo unificador da Natureza. É ela que nos liga, por laços
de ancestralidade, a todos os seres vivos do planeta. Ela é a nossa história,
a origem das relações ecológicas, da diversidade do planeta. É na evolução
que encontramos a explicação para a taxonomia. Foi a evolução que gerou a
complexidade celular, as relações fisiológicas e os processos bioquímicos. Todas
essas frases refletem o papel da evolução na formação histórica do mundo atual.
Foi por isso que a frase sobre a importância fundamental da evolução (“...nada
faz sentido senão à luz da evolução.”) foi citada, tanto na Aula 8, de Grandes
Temas em Biologia, como na primeira aula do curso de Genética.

De fato, o estudo da evolução envolve tantos outros estudos, que essa matéria é
dada somente após os alunos de Biologia terem sido devidamente apresentados
à Genética, à Dinâmica da Terra, à Ecologia e à Taxonomia dos Seres Vivos.
A evolução é a explicação integradora da biodiversidade em todos os seus
níveis. Seu estudo envolve a observação dos seus resultados e a formulação de
hipóteses sobre como foram produzidos esses resultados. Ele envolve também
a previsão, baseada nessas hipóteses, sobre resultados ainda não observados.
Mas... o que é a evolução? Pense e responda: como você definiria evolução?

Apesar de a palavra “evolução” ter muitos sentidos, em Biologia,


evolução quer dizer mudança nos genes ou em suas proporções
nas populações. Repare que evolução não quer dizer progresso!
Evolução é apenas mudança, sem que seja necessariamente
para melhor ou para pior. Em Biologia, o que é melhor para um
organismo em um momento pode ser pior em outro.

8 CEDERJ
Organic life beneath the shoreless waves

1
Was born and nursed in ocean’s pearly caves;

AULA
First forms minute, unseen by spheric glass,
Move on the mud, or pierce the watery mass;
These, as successive generations bloom,
New powers acquire and larger limbs assume;
Whence countless groups of vegetation spring,
And breathing realms of fin and feet and wing.

A vida orgânica nos mares sem fim


nasceu e cresceu nas cavernas brilhantes das ondas;
primeiro formas minúsculas, invisíveis às lentes,
moviam-se na lama, ou atravessavam os oceanos;
Essas, na explosão de novas gerações.
Novos poderes adquirem e novos membros desenvolvem;
onde inúmeros grupos de vegetação aparecem
E os reinos de organismos de nadadeiras, e pés e asas.
Erasmus Darwin. The temple of nature, 1802.

Erasmus Darwin acreditava na evolução, apesar de não


propor um mecanismo plausível para ela. Essa tarefa
teve de esperar duas gerações, até que seu neto, Charles
Darwin, propusesse a teoria da seleção natural.

Os processos evolutivos são convencionalmente divididos em


microevolução e macroevolução. A microevolução é entendida como a
parte dos processos envolvidos nas mudanças de freqüências dos genes
nas populações. Esses processos estão associados às forças evolutivas
da mutação, seleção natural e variações aleatórias (deriva gênica) e ao
efeito da migração entre populações diferentes. A macroevolução está
relacionada com as mudanças geológicas e seus resultados; ela lida com
as grandes mudanças evolutivas, com a formação dos vários grupos de
organismos e com os processos envolvidos. A microevolução envolve a
genética das populações e a especiação lenta e gradual dessas populações.
A macroevolução envolve a evolução acima do nível de espécie e as
mudanças bruscas que podem provocar especiações aceleradas. Esses
dois termos foram criados pelo entomólogo russo Iuri Filipchenko, em
1927, no primeiro estudo em que tentava integrar a genética mendeliana
com a evolução. Como ele publicou em alemão, os termos não foram
incorporados ao vocabulário dos evolucionistas até que, dez anos mais
tarde, um aluno dele, chamado Theodosius Dobzhansky (você já leu

CEDERJ 9
Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

sobre esse importante pesquisador na Aula 8, de Grandes Temas em


Biologia), usou os dois termos em inglês, no seu famoso livro Genética
e a origem das espécies.
Para alguns evolucionistas, sobretudo da escola anglofônica
(basicamente Inglaterra e EUA), a macroevolução nada mais é que o
acúmulo de passos microevolutivos; nesse caso, seria o resultado direto
da microevolução. Essa visão de continuidade entre micro e macroevolução
constitui a escola gradualista. Para outros evolucionistas, sobretudo na
STEPHEN JAY Europa continental (mas incluindo também um dos fundadores da teoria
GOULD
evolutiva moderna, o inglês Ernst Mayr, e evolucionistas norte-americanos
Foi um grande
paleontologista, importantes, como STEPHEN JAY GOULD e Niles Eldredge), apesar de os
humanista e processos microevolutivos contribuírem de maneira fundamental para a
maravilhoso
divulgador da macroevolução, existem também processos macroevolutivos especiais, que
Ciência. Ele escreveu
não podem ser vistos como simples resultado de acúmulo microevolutivo.
vários livros que
foram traduzidos Um exemplo é a teoria do equilíbrio pontuado, pela qual as espécies, uma
para o Português; são
deliciosos de serem vez originadas, evoluem muito lentamente, por estarem bem adaptadas
lidos e tratam de ao seu meio, embora, em momentos de crises ambientais específicas, elas
questões científicas
de maneira simples evoluam muito rapidamente, em explosões de especiação.
e fascinante. Alguns
Entendeu por que é MICRO e MACRO? É que a micro é realizada
exemplos são:
Darwin e os grandes “devagar, devagarzinho”, constitui a soma de pequenos passos de mutação
enigmas da vida, O
polegar do panda, e modificação gradual das freqüências dos genes, enquanto a macro realiza-
Quando as galinhas se em grande escala, com “passos de sete léguas”.
tiveram dentes, O
sorriso do flamingo e
Vida maravilhosa.

Na primeira parte de nosso curso (primeiro módulo), veremos os


MICROEVOLUÇÃO
processos evolutivos envolvidos na microevolução. Já no segundo módulo,
Evolução que
resulta apenas
verificaremos a interação entre microevolução e macroevolução, os
do acúmulo de processos evolutivos exclusivamente macroevolutivos e as conseqüências
pequenas mudanças
nas freqüências dos ecológicas da evolução. Ao longo deste curso, você poderá ver como o
genes. estudo da evolução permite que sejam feitas hipóteses sobre as relações
MACROEVOLUÇÃO filogenéticas entre as espécies e como fenômenos ecológicos (como
Evolução que a evolução de predadores e presas, as defesas químicas e as relações
resulta de grandes
complexas entre espécies diferentes) podem ter-se originado. Você verá
mudanças, tanto
no aceleramento como as espécies se originam, e como podemos detectar geneticamente a
ocasional dos
processos de presença de espécies diferentes, mesmo quando elas são tão parecidas a
especiação como nas ponto de confundirem os taxonomistas. Verá também como o estudo da
divergências entre os
grandes grupos de evolução pode ser útil para aqueles que, como você, se preocupam com
organismos.
a preservação das espécies.

10 CEDERJ
EVOLUÇÃO COMO PROCESSO DIALÉTICO

1
AULA
A base da teoria evolutiva é a dialética entre o que muda e o que
permanece. A teoria evolutiva também deve levar em conta o resultado
da mudança que a coisa alterada provoca em seu redor. Assim, em vez
de vermos apenas o ambiente como guia das mudanças adaptativas dos
organismos, vemos também os organismos mudando o ambiente. Um
exemplo bem claro desse processo é a evolução da aerobiose no planeta.
Como nos outros planetas do nosso sistema solar, onde freqüentemente
o oxigênio está ausente, a concentração de oxigênio livre na atmosfera
primitiva da Terra era muito baixa (0,01%). Isso permitiu o aparecimento
e a concentração de compostos orgânicos nos oceanos, sem que eles
sofressem ataques oxidativos dos gases da atmosfera neles dissolvidos.
Após o surgimento da vida e sua primeira diversificação, todos os
organismos viviam em condições anaeróbicas (ou seja, sem oxigênio),
conforme ainda encontramos em alguns grupos de bactérias no oceano
(em fontes hidrotermais no mar profundo) ou em terra (como a bactéria
do tétano, que morre em contato com o oxigênio, e por isso a água
oxigenada é eficaz para ajudar a limpar feridas). A maneira anaeróbica
de viver permaneceu no planeta por muitos milhões de anos usando,
como fonte de energia para vida, os compostos orgânicos e inorgânicos
acumulados nos oceanos nos milhões de anos anteriores.
No entanto, eventualmente surgiram bactérias capazes de usar
uma nova forma de energia: a luz do Sol. A vantagem de usar a luz
solar como fonte de energia para a vida era enorme, por ela ser abundante.
como era feito anteriormente pelas bactérias anaeróbicas, essa energia
era usada para reduzir compostos orgânicos, dessa vez, porém, era usada
com o hidrogênio nascente da hidrólise da água (H2O  2 H+ + O-). Se
o hidrogênio produzido era útil para a bioquímica dessas células, o mesmo
não se pode dizer do oxigênio, que era tóxico; desse modo, a evolução da
fotossíntese só foi possível com os efeitos da diluição do oxigênio na água
(lembre-se de que tudo isso estava acontecendo na água, onde se originou
e permaneceu, por milhões de anos, a vida). Você observou o título desta
seção, “A evolução como processo dialético”? No dicionário, vemos que
“dialética” é, segundo a Filosofia, o “desenvolvimento de processos gerados
por oposições que provisoriamente se resolvem em unidades”. Então me diga:
Onde está a dialética dessa história do oxigênio que estamos vendo? Quais
são as oposições? E qual foi a resolução dessas oposições?

CEDERJ 11
Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

Hoje em dia, como você sabe, o oxigênio é indispensável à vida


da maior parte dos seres vivos. Mas ele, como vimos ainda há pouco,
não era necessário antigamente. Muito ao contrário, ele era tóxico. Era
tóxico para a vida que existia, embora tenha sido gerado por ela mesma.
Aí está a contradição, ou a oposição, como diz o dicionário.
O que as primeiras bactérias fotossintetizantes queriam era o
hidrogênio, mas como o tiraram da água, sobrava o oxigênio que, por sua
vez, era um produto tóxico de excreção. No início, a resposta evolutiva
a esse desafio foi o aparecimento de mecanismos de defesa contra os
radicais livres do oxigênio (como as enzimas peroxidases, catalases e
superóxido-dismutases). Mas a resolução dessas oposições foi a volta
por cima que a Natureza deu, transformando o oxigênio de coisa tóxica
a coisa necessária à vida... Vamos continuar então nossa história.
A vantagem evolutiva de usar a luz do Sol como fonte de energia
foi tão grande que as bactérias fotossintetizantes proliferaram e acabaram
dominando todos os ambientes iluminados do mar. Ao mesmo tempo,
esse crescimento produziu um efeito poluidor devastador sobre as outras
espécies. Por causa da fotossíntese, o oxigênio aumentou, mais de 2.000
vezes sua concentração na atmosfera, chegando aos 22% atuais (lembre
que, na atmosfera primitiva, o oxigênio fazia só 0,01% do ar e dos
gases dissolvidos na água). Na história da Terra, essa transformação no
meio ambiente, causada pela evolução da fotossíntese, provavelmente
provocou uma das maiores extinções de espécies (em proporção às
espécies totais). Ao mesmo tempo, o aumento da concentração do
oxigênio permitiu a evolução da respiração aeróbica, energeticamente
muito mais eficiente do que a respiração anaeróbica (como você viu no
curso de Bioquímica). O aparecimento da novidade evolutiva do uso
de oxigênio na respiração transformou-o de elemento extremamente
tóxico em elemento fundamental na evolução da vida no planeta, e a
respiração aeróbica foi tão bem-sucedida que quase todas as espécies
atuais necessitam do oxigênio para viver. Desse modo, no início da vida
no planeta a maioria das espécies, não conseguiria viver na atmosfera
atual, assim como a maioria das espécies atuais não conseguiria viver na
atmosfera primitiva do nosso planeta. Essa é a dialética da evolução: o

12 CEDERJ
meio ambiente seleciona as espécies e as espécies modificam o ambiente,

1
em processo contínuo. Você pode pensar em outros exemplos em que as

AULA
espécies mudam o ambiente, permitindo a evolução de outras espécies?

O número de exemplos é enorme. Na verdade, a Evolução e a


Ecologia estão cheias de casos em que uma espécie modifica o ambiente
afetando diretamente ela mesma e outras espécies. Exemplos clássicos são as
sucessões ecológicas, em que cada espécie aparece em um certo momento, que
é determinado pelas espécies que apareceram antes e pelas transformações que
elas provocaram no ambiente. Quando um navio afunda, por exemplo, no
início ele não é colonizado; pouco a pouco, no entanto, bactérias e microalgas
vão crescendo sobre ele. Essas bactérias vão acabar preparando a superfície
do navio para ser colonizado por outros organismos que, por sua vez, vão
servir de substrato para outros, e assim por diante... No final, o que vemos é
um esqueleto de navio, que mais parece um pedaço de recife, tantos são os
organismos que acabam vivendo sobre ele. Outro exemplo de modificação
é aquela que os vegetais fazem no solo, transformando rochas e detritos
de plantas e animais em terra, que servirá para o crescimento de outras
plantas. Outros tipos são as várias espécies de parasitas, que evoluíram
somente depois de seus hospedeiros terem aparecido (afinal, uma parte
do meio ambiente do parasita é o hospedeiro).

PENSANDO A NATUREZA

Formulamos, a seguir, algumas perguntas para você. Procure respondê-


las de todas as maneiras possíveis. Medite sobre cada uma, com cuidado.
Imagine cenários alternativos ao da evolução para respondê-las. Por exemplo,
será que o fato de serem encontrados fósseis diferentes nas camadas mais
profundas é resultado apenas dos pesos diferentes dos organismos? Será que
o fato de não serem encontrados fósseis de mamíferos nas rochas mais antigas
pode ser devido a alguma coisa, como uma dificuldade maior de se preservar os
fósseis de mamíferos em relação aos fósseis de moluscos? Solte sua imaginação!
Mas considere também as respostas que envolvem a evolução, e veja como
ela poderia ser usada para responder a cada pergunta.

CEDERJ 13
Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

Procure usar o que você já aprendeu em Genética, Dinâmica da


Terra, Citologia, Bioquímica, Zoologia e Botânica para abordar cada
pergunta. Não se esqueça de que “porque sim” ou “porque não” não
são respostas! Escreva as respostas que você consegue encontrar para
cada pergunta. Se puder, discuta-as com algum colega ou com os tutores.
Atenção: a busca das respostas a cada pergunta em cursos anteriores e a
discussão com amigos, familiares etc. é muito importante. Ao contrário
das outras aulas do nosso curso, você não terá as respostas ao final
desta aula. Essas perguntas são colocadas aqui para sua reflexão e
como material para todo nosso curso de Evolução. Você deve guardar
as respostas escritas e compará-las com o que for aprendendo ao longo
das próximas aulas.

1. Por que os fósseis, em camadas diferentes de rocha


e, independentemente, em vários locais do mundo, tendem a
se agrupar, e se encontram por exemplo, fósseis de mamíferos
somente nas camadas mais superficiais, ao passo que fósseis de
esponjas aparecem em todas as camadas?

2. Por que encontramos fósseis de samambaias tropicais


na Antártida?

3. Por que todos os seres vivos usam ácidos nucléicos (DNA


e RNA) como molécula responsável pela hereditariedade, se várias
proteínas poderiam exercer essa função igualmente bem?

4. Por que todos os animais usam o ciclo de Krebs para


sua respiração aeróbica e o ATP como molécula transportadora
de energia, se existem tantas maneiras diferentes de produzir e
transmitir energia a partir do piruvato?

5. Por que não existem vertebrados com quatro patas e


com asas ao mesmo tempo? (Imagine como seria útil a um tigre
se ele pudesse voar, ou mesmo planar, ao tentar capturar sua
presa, ou como seria útil para uma águia se ela tivesse mãos
para ajudá-la a fazer seu ninho.)
Figura 1.1

14 CEDERJ
6. Por que as baleias e golfinhos não têm brânquias?

1
AULA
7. Por que gêneros de répteis que vivem a vida inteira
em locais sem nenhuma luz têm olhos (ainda que ocultos) por
baixo da pele?

8. Por que, pergunta-se, nos cromossomos, os nossos


pseudogenes, íntrons e transposons (você aprendeu a respeito
dessas seqüências de DNA no curso de Genética) encontram-se
em geral nas mesmas posições, que aqueles outros segmentos
dos demais primatas, mesmo sabendo que a maior parte dessas
seqüências de DNA nessas espécies não são úteis para nada?

9. Por que as seqüências de DNA são mais semelhantes


entre um golfinho e um camundongo do que entre um golfinho
e um atum?

10. Por que os insetos morriam rapidamente quando expostos


ao DDT, nos anos 1950, e atualmente são muito mais resistentes?
(o mesmo vale para a resistência das bactérias a antibióticos).

11. Abaixo, temos o desenho de um embrião de golfinho


(Stenella attenuata). Por que, apesar de os golfinhos não terem
membros inferiores (nem sequer transformados em nadadeiras),
seus embriões apresentam os primórdios de braços (“bb” na
figura) e pernas (“bp” na figura)? Note que esses pequenos braços
e pernas já têm ossos, veias e nervos de membros verdadeiros,
que são reabsorvidos ao longo da gravidez.

bb

bb = Broto do Braço
bp = Broto da Perna

bp

Figura 1.2: Embrião do golfinho.

CEDERJ 15
Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

12. Como foi possível, a partir de cruza-


mentos que começaram com a domesticação de
lobos selvagens (Canis rufus) na Ásia, há cerca de
14.000 anos (esse número se baseia em evidências
arqueológicas e moleculares), criar um número
tão grande de tipos de cachorro, do chiuaua ao
pastor alemão?

Figura 1.3

EPÍLOGO, OU O FIM DO COMEÇO

Agora, que você tem as respostas a essas perguntas (você as tem,


não é?), temos de levar em conta uma coisa importante: para qualquer
fenômeno da Natureza, você pode encontrar, se procurar bem e tiver uma
grande imaginação e muito tempo, um número infinito de explicações.
Por exemplo, considere o gráfico a seguir (Gráfico 1.1):

PESO X COMPRIMENTO EM GATOS


g

cm

Gráfico 1.1: A relação entre comprimento e peso, em gatos, baseada


em apenas dois pontos.

Quantas linhas você poderia traçar indicando a relação entre


o comprimento e o peso de um gato? Como nós temos dois pontos,
poderíamos colocar uma linha reta entre eles. Mas poderíamos também
colocar um número infinito de curvas, todas passando pelos dois pontos.

16 CEDERJ
É possível, inclusive, estabelecer modelos matemáticos complexos para

1
cada uma dessas curvas e escrever relações sofisticadas, do tipo: “quando

AULA
os gatos têm 10cm, eles apresentam 130g; depois, eles devem diminuir
de peso, por causa da energia despendida no desenvolvimento gonadal.
Depois, aos 20cm, eles sofrem uma grande engorda, passando de 1kg.
A partir daí, seu envelhecimento começa, de modo que, aos 50cm, eles
voltam a pesar 900 gramas”.
Para que a Ciência seja possível, devemos ser capazes de escolher entre
as explicações alternativas para os fenômenos. Essa decisão é melhor tomada
através da verificação experimental (por exemplo, aumentando o número de
medidas ao longo da curva), como também pelo princípio da parcimônia.
Nesse caso, usamos o que ficou conhecido como A Navalha de Occam, que
recebeu esse nome por ter sido usada freqüentemente pelo filósofo e teólogo
franciscano, do século XIII, William de Occam (nome de uma cidadezinha
inglesa). Pelo princípio da Navalha de Occam, se temos duas ou mais
explicações para um determinado fenômeno e não temos nenhuma razão
para crer que uma seja melhor que a outra, devemos escolher aquela que
dependa do menor número de pressupostos. Em outras palavras, devemos
usar a navalha para cortar as explicações desnecessariamente complicadas
e escolher a que for mais simples. A Navalha de Occam é instrumento
fundamental para os cientistas.
Tente, então, rever as respostas que você deu a cada uma das 12
perguntas anteriores e aplicar a Navalha de Occam para escolher aquelas
que são mais simples.

RESUMO

A Evolução é o processo gerador de toda a diversidade da vida no planeta. O estudo


da Evolução inclui aspectos de todas as outras disciplinas da Biologia. O processo
evolutivo não é unidirecional, ou seja, as espécies não seguem o caminho simples do
“adaptar-se ou morrer”, em relação ao meio ambiente, pois elas mesmas modificam
esse meio. A Evolução, então, é um caminho complexo de interações entre as espécies
entre si e entre elas e o meio ambiente.

CEDERJ 17
Evolução | Introdução. A dialética da Evolução. Algumas perguntas

ATIVIDADES FINAIS

1. “No princípio era a sopa”. Essa sopa era sem vida, mas rica em nutrientes produzidos
quimicamente, a partir da atmosfera redutora primitiva e acumulados durante
milhões de anos. Ela permitiu o início da vida, pois representava uma quantidade
razoável de energia química acumulada. Assim, a primeira vida na Terra deve ter
sido heterotrófica, usando essa energia. Porém, durante o crescimento dessa vida,
tal sopa foi sendo consumida rapidamente, e a vida na Terra, nesse momento, corria
o risco de se extinguir ou permanecer em níveis muito baixos, porque o processo
de geração de alimentos quimicamente era muito lento. A vida, então, gerava sua
primeira contradição: consumir sem produzir. O que permitiu que essa contradição
fosse superada? E que nova contradição surgiu a partir dessa superação?

RESPOSTA
A superação dessa contradição se deu através do aparecimento de bactérias que
conseguiam obter energia de uma fonte nova – o Sol. Essas bactérias usavam
a luz para quebrar a molécula da água, produzindo hidrogênio, que era útil
para reduzir compostos orgânicos e aumentar sua complexidade. A superação
da contradição da heterotrofia, então, foi a fotossíntese. A nova contradição
foi o acúmulo do produto tóxico desse processo, o oxigênio, que foi resolvida
posteriormente com o aparecimento da respiração aeróbica, onde o oxigênio
passou de tóxico a fundamental.

2. Newton vê uma maçã cair da árvore. Ela pode ter caído porque voou até o
chão, através de seu desejo interno de se encontrar com o solo, onde lançará suas
sementes; ela pode ter caído porque o espírito da floresta passava pela árvore
naquele momento e a empurrou em direção ao chão; ela pode ter caído porque
existe uma força de atração entre os corpos, que depende da massa e da distância
entre eles. Como a Terra tem uma enorme massa, ela atraiu a maçã; ela pode ter caído
porque Newton tinha poderes para normais e, sem saber, desejou que ela caísse.
Entre essas possibilidades, Newton escolheu uma. Qual foi? Por que ele escolheu
essa, dentre tantas outras explicações, como hipótese mais plausível? E o que foi
necessário fazer para verificar se sua hipótese era, de fato, a mais provável?

18 CEDERJ
1
RESPOSTA

AULA
A explicação que Newton encontrou foi a Lei da Gravidade. O critério de escolha foi a
simplicidade (=parcimônia); ou seja, Newton usou a Navalha de Occam. A maneira
de verificar sua hipótese foi observar a sua abrangência (Será que pedras também
caem? Será que as coisas caem também fora das florestas? Será que as coisas
caem mesmo quando Newton não está olhando para elas?) e procurar modelar,
através da Matemática e de observações controladas, o seu comportamento.

AUTO-AVALIAÇÃO

Esta é uma aula introdutória. Se você está curioso para entender um pouco
mais esse processo incrível que é a Evolução, então ela cumpriu seu papel. As
dificuldades que você pode ter tido talvez estejam relacionadas às definições de
micro e macroevolução ou à idéia da Navalha de Occam. Não se preocupe muito
com os conceitos por enquanto: você vai vê-los de novo ao longo do curso. Já a
idéia da Navalha de Occam é fundamental, não só para o nosso curso, mas para
sua futura formação, como profissional. Mesmo que nem sempre fique explícito
para quem a usa, essa Navalha está presente o tempo todo nas análises científicas.
Mas seu conceito é fácil de aprender: quando temos várias explicações para um
determinado fenômeno, procuramos escolher a mais simples em primeiro lugar.
Ela pode até não ser a correta, mas é um bom ponto de partida.

Você pode ter tido dificuldade, também, em responder às perguntas que fizemos
ao longo da aula, e para as quais não demos resposta. Se deixou alguma em branco,
faça um esforço para respondê-la. O importante não é acertar ou errar, é pensar
nas alternativas. Neste momento, você pode até brincar de ignorar a Navalha de
Occam, e procurar explicações rebuscadas. Mas não deixe de responder a nenhuma
das questões – elas serão revistas ao longo do curso e servirão, como medida de
seu progresso no aprendizado de Evolução.

CEDERJ 19
2

AULA
Evidências da Evolução
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Interpretar fenômenos da Natureza como
evidências da evolução.
• Relacionar a sucessão estratigráfica de fósseis
com sucessão temporal.
• Diferenciar os efeitos da descendência e
da convergência evolutiva na produção ou
manutenção de semelhanças entre organismos.
• Enumerar as principais evidências morfológicas
e moleculares da evolução.
Evolução | Evidências da Evolução

INTRODUÇÃO Na aula passada, fizemos uma série de 12 perguntas relacionadas à observação de


fatos da Natureza. Pedimos que você pensasse bem sobre o maior número possível
de explicações – dentro e fora da evolução – para aqueles fatos. Como você verá
na próxima aula (Um histórico da Evolução), o reconhecimento da evolução como
processo gerador da biodiversidade aconteceu muito recentemente na história
da civilização ocidental. Somente nos últimos 200 anos, os filósofos e cientistas
começaram a se dar conta de que os fósseis resultavam de seres que viveram
no passado (e não apenas de pedras parecidas com animais ou plantas); de
que muitos deles eram de espécies que não existem hoje em dia (e não apenas
animais que sempre existiram e que foram petrificados recentemente); e de que
a Terra tinha uma história geológica antiga (e não apenas os cinco ou seis mil
anos de história humana).
Vamos apresentar aqui, brevemente, as evidências que permitiram aos
cientistas concluir que a evolução ocorreu e ainda ocorre. Serão apresentadas
as constatações factuais, cuja explicação mais evidente é a evolução. Os processos
responsáveis pela evolução, ou seja, os modos como a evolução ocorre, serão
apresentados ao longo do curso.Após cada evidência da existência da evolução,
também apresentaremos evidências alternativas que serviriam para demonstrar
o contrário, ou seja, para provar que a evolução não existiu. Em ciência,
freqüentemente devemos nos perguntar: que resultados fariam com que se
tornasse falsa minha hipótese? Esse tipo de abordagem chama-se teste da
falseação, e foi introduzido por Karl Popper (você leu sobre ele no início do curso
de Genética). De maneira geral, dizemos que uma teoria se fortalece quando
estão claras, na sua formulação, as maneiras de falseá-la. Nesse contexto, teorias
científicas permanecem válidas enquanto não são refutadas/falseadas.

22 CEDERJ
EVIDÊNCIA 1 – O REGISTRO FÓSSIL

2
AULA
Duas informações do registro fóssil constituem importantes evidências
da evolução da vida. A primeira é a ordem cronológica em que os fósseis se
encontram, nas várias camadas geológicas. A segunda é a existência de formas
intermediárias entre grupos considerados aparentados evolutivamente.
Para entender a importância da primeira evidência, vamos considerar
que você, por acaso, não goste muito de arrumar
sua mesa de trabalho (o mesmo raciocínio pode
ser usado para o chão do seu quarto!). Dessa
forma, ao longo dos dias, você vai colocando
toda a correspondência que chega em uma pilha
em cima da mesa (ou as roupas usadas em várias
camadas em algum canto do chão do quarto).
Depois de duas semanas (Figura 2.1), você se
lembra de que precisa pagar uma conta de telefone
que chegou há dez dias e está para vencer. Onde
você vai procurá-la? No topo da pilha?

Figura 2.1: Pode existir ordem cronológica no meio da


bagunça em uma mesa de trabalho.

É provável que ela não esteja no topo, mas se encontre mais


próxima, ao fundo da pilha. Quando começa a procurar, você se lembra
de que, na mesma época em que chegou a conta do telefone, você também
havia recebido um convite para um casamento que iria acontecer na semana
seguinte. Você continua procurando, sabendo que, quando encontrar a
conta, o convite também vai estar por perto (na mesma localização na
pilha de papéis). De maneira geral, podemos dizer que os documentos mais
antigos estarão mais para o fundo da pilha e os mais recentes, mais para o
topo; existirá uma relação entre estratigrafia (isto é, a posição nos vários
estratos ou camadas da sua pilha) e tempo. Se a evolução não existisse,
fósseis de todos os tipos deveriam encontrar-se em todas as camadas. No
entanto, o que se observa é que, nas camadas mais profundas encontram-se
os organismos estruturalmente mais simples, e a complexidade estrutural
aumenta conforme se investigam as menos profundas. Assim, em rochas de
três bilhões de anos, que normalmente se encontram nas regiões fossilíferas
mais profundas, nós só observamos fósseis de bactérias. Já em rochas de
dois bilhões de anos, aparecem os primeiros eucariotos, embora estes

CEDERJ 23
Evolução | Evidências da Evolução

não sejam os que conhecemos hoje em dia, pois são organismos muito
simples, unicelulares. Organismos multicelulares levam outro bilhão de
anos para aparecer (e mais vários metros de rocha para cima da pilha).
Os primeiros animais só vão aparecer em rochas de cerca de meio bilhão
de anos (580 milhões) e são exatamente o que esperaríamos encontrar
nas partes mais profundas: esponjas e anêmonas do mar. A partir daí,
o processo se acelera: em rochas com apenas 20 milhões de anos a mais
do que aquelas em que estão as esponjas e anêmonas, já encontramos
os primeiros moluscos e equinodermas. Até hoje não foi encontrada
nenhuma rocha com mais de 500 milhões de anos que apresentasse
animais terrestres. Tais animais (principalmente insetos) só vão aparecer
em rochas de 400 milhões de anos, e os primeiros répteis e aves só
apareceram nas camadas mais superficiais, de 300 milhões de anos. Os
mamíferos, então, só vão aparecer em rochas de 100 milhões de anos.
A mesma estratigrafia é observada com as plantas. Nenhuma rocha
estudada até hoje, de mais de 200 milhões de anos, tem fósseis de plantas
de flores, apesar de essas rochas apresentarem fósseis de samambaias,
cuja resistência à fossilização é a mesma que a das fanerógamas. Apesar
de as plantas que se reproduzem por flores serem predominantes hoje em
dia, no registro fóssil elas só vão aparecer nas camadas mais superficiais,
com menos de 70 milhões de anos. Quer dizer, então, que a maioria dos
dinossauros nunca viu uma flor?

De fato, se considerarmos que os dinossauros apareceram na


Terra cerca de 300 milhões de anos atrás, e se extinguiram há cerca de 50
milhões de anos, então somente os das épocas mais tardias conviveram
com fanerógamas. Assim, florestas, como as que conhecemos atualmente,
formadas por árvores lenhosas, não possuem representantes fósseis em
camadas com mais de 100 milhões de anos. A relação entre posição
estratigráfica e complexidade estrutural é uma evidência muito forte de
que a evolução aconteceu. Se encontrássemos fósseis de todas as formas
de vida juntos, nos mesmos estratos, nós falsearíamos a teoria evolutiva
atual. Se encontrássemos, por exemplo, fósseis de dinossauros misturados
com fósseis de macacos, ou se encontrássemos fósseis de mamíferos
nas rochas de mais de dois milhões de anos, ou de plantas lenhosas em
estratos mais antigos do que os fósseis de pteridófitas, nós teríamos uma
evidência de que a teoria evolutiva, como a conhecemos, seria falsa.

24 CEDERJ
Agora responda: Por que as camadas de rochas mais antigas

2
apresentam fósseis geralmente diferentes dos encontrados nas

AULA
camadas mais recentes?

Porque os organismos da Terra foram mudando ao


longo do tempo, e os encontrados nas rochas mais profundas
representam vestígios da fauna mais antiga.
A segunda evidência fóssil importante é a existência de
formas intermediárias na evolução dos organismos. Se a
evolução não tivesse ocorrido, e todas as espécies tivessem
surgido há alguns bilhões de anos, extinguindo-se com o
tempo, não esperaríamos encontrar formas intermediárias
entre fósseis mais antigos e fósseis mais recentes. No
entanto, apesar de o processo de fossilização ser
muito raro, de maneira que a maioria das espécies
acaba não deixando nenhum registro, temos vários
exemplos dessas formas intermediárias, como Figura 2.2: Sucessão estratigráfica de fósseis.
aquelas entre dinossauros e aves (o Archaeopteris, Os fósseis mais antigos se encontram nas cama-
das mais profundas.
veja Figura 2.3), entre mamíferos terrestres e baleias
e entre macacos e homens. Você já viu vários desses
exemplos em outros cursos (Diversidade dos Seres
Vivos e Grandes Temas em Biologia) e verá ainda
melhor na aula sobre fósseis e evolução humana.

EVIDÊNCIA 2 – A UNIDADE DA VIDA

Se todas as espécies tivessem aparecido


simultânea e independentemente, elas poderiam ter
encontrado soluções semelhantes para problemas
semelhantes, mas não deveriam apresentar uma
homogeneidade estrutural, bioquímica e fisiológica;
alguns animais poderiam não ter a célula como sua Figura 2.3: Fóssil de Archaeopteris, uma
unidade básica, por exemplo. Da mesma forma, a não forma intermediária entre os dinossauros e
as aves atuais.
ser a descendência de um ancestral comum, não existe
razão para explicar por que organismos tão diferentes, como bactérias,
fungos, bananeiras, ostras, macacos e peixes tivessem, todos, o DNA como
molécula carregadora da informação genética. Nem seriam os códigos
genéticos responsáveis pela tradução dos genes em proteínas praticamente
idênticos em todos esses organismos.

CEDERJ 25
Evolução | Evidências da Evolução

Então, pense bem e responda: por que é o ATP a principal molécula


transmissora de energia em todos os seres vivos, se outros nucleotídeos,
como o GTP, o CTP e o TTP têm propriedades que os tornam igualmente
eficazes para esse processo? Por que a meiose de todos os animais é
praticamente idêntica? Por que, dos mais de 200 aminoácidos conhecidos,
apenas os mesmos 10% são usados para fazer as proteínas de todos os
seres vivos? Por que, das centenas de alternativas termodinamicamente
equivalentes para a degradação da glicose produzindo energia (a glicólise,
como você já estudou em Bioquímica), apenas uma está presente em
praticamente todos os seres vivos?

A resposta é simples: essas semelhanças moleculares entre todos


os seres vivos ocorrem porque eles são descendentes dos mesmos
ancestrais que encontraram soluções originais eficazes desde o início
da evolução. Essas soluções foram selecionadas e mantidas em todos os
seus descendentes, ao longo da evolução.
A cada ano são descobertas cerca de 4.000 novas espécies de
animais e plantas. Se, em uma delas, os ácidos nucléicos não forem a base
da hereditariedade, ou ainda se o seu código genético for completamente
diferente daquele dos outros seres vivos, ou ainda se o seu ciclo de Krebs
for completamente substituído por outra via de produção aeróbica de
energia, teremos uma boa evidência para falsear a teoria evolutiva.

EVIDÊNCIA 3 – ÁRVORES FILOGENÉTICAS

Uma das características de nossa espécie é a capacidade de organizar


as coisas. Assim, dado um grupo de objetos, podemos facilmente construir
uma classificação para eles. Podemos, por exemplo, classificar uma coleção
de figurinhas, livros ou camisas, em grupos, de acordo com o tipo, cor etc.
Uma biblioteca é uma coleção organizada de livros. O biblioteconomista
pode decidir classificá-los por tipo, por assunto, por nome de autor, por
antigüidade ou até por tamanho. Dentro de cada grupo, os livros podem
ser rearranjados em subgrupos, e assim por diante. No final, para facilitar o
trabalho de localização dos livros, podemos, inclusive, produzir uma árvore
de classificação (veja a Figura 2.4). Era assim que a taxonomia era vista no
princípio, e todos os nomes dos grandes grupos taxonômicos que usamos até
hoje (Cnidaria, Insecta, Mammalia, Primatas...) foram criados muito antes
de se pensar em evolução.

26 CEDERJ
2
Biblioteca

AULA
História Biologia Culinária

Antiga Citologia Cozinha


brasileira

Recente Ecologia Cozinha


internacional

Européia
Taxonomia

Africana
Evolução

Asiática

Figura 2.4: Uma árvore possível de classificação de livros em uma biblioteca.

A palavra primitivo tem várias conotações no uso diário das pessoas. Alguns
associam primitividade a coisa atrasada, de pouco valor. Como na frase “Ventilador
é muito primitivo; bom mesmo é ar-condicionado”. Outras pessoas idolatram a idéia
de primitivo, acham que o primitivo é o melhor, entendendo aí o primitivo como a
Natureza, em oposição ao progresso e suas mazelas. Como na frase “o que eu queria
mesmo era ter uma vida primitiva, sem as complicações do escritório”. Quando um
evolucionista fala de primitivo, ele usa a palavra no seu significado mais puro. Primus,
em latim, quer dizer “o primeiro”. Então, primitivas são as espécies mais ancestrais,
e os caracteres (morfológicos, moleculares etc.) que elas possuem. O oposto de
primitivo, para um evolucionista, é derivado. Observe que usar a palavra “primitivo”
para uma espécie atual, mesmo que ela seja pertencente a um dos primeiros grupos
a aparecerem na evolução (como as esponjas, por exemplo) é incorreto. Afinal, se
os animais primitivos eram esponjas, isso não significa que uma esponja que existe
hoje em dia seja também primitiva. Afinal, ela teve mais de 500 milhões de anos para
evoluir até o que ela é agora. E, como todos descendemos de um ancestral comum,
isso significa que elas tiveram exatamente o mesmo tempo que nós para evoluir! Só
que nós seguimos outros caminhos evolutivos, que provocaram grandes divergências
morfológicas em relação aos nossos ancestrais, enquanto que as esponjas atuais
permanecem mais parecidas com as esponjas primitivas.

CEDERJ 27
Evolução | Evidências da Evolução

Se a teoria da evolução está correta, e a diversidade do planeta


foi produzida por especiações e mudanças, desde as espécies primitivas
(veja o boxe sobre o uso da palavra primitivo) até as atuais, deve ser
possível fazer uma árvore de classificação que não represente apenas
as semelhanças e diferenças entre grupos, mas também reflita o padrão
filogenético do grupo (phyllum = grupo; genesis = origem).
Suponhamos, então, que você fosse classificar um grupo
de animais que contivesse um morcego, uma onça, um pardal e um
gambá. Você poderia decidir que a presença de asas é uma característica
importante, agrupando, assim, o morcego com o pardal. Pelo que você
já conhece de Biologia, esse agrupamento está errado. Por quê?

Apesar de parecer muito simples, essa questão é básica em toda


a taxonomia. A chave para responder a essa pergunta é a corroboração dos
caracteres. Se os caracteres dos seres vivos estão evoluindo continuamente, então
esperamos que classificações construídas com vários caracteres independentes
(morfologia, química, genética) sejam, de maneira geral, concordantes, e que
as discordâncias eventuais possam ser explicadas dentro do próprio processo
evolutivo. Assim, essa classificação de animais em alados e não alados – juntando
morcegos e aves em um grupo – conflitaria com classificações baseadas em outros
caracteres morfológicos, fisiológicos e moleculares, e poderia ser explicada pelo
processo de convergência morfológica causada pela seleção natural.
A corroboração das árvores filogenéticas (árvores de classificação que
refletem relações de parentesco entre as espécies) através de vários caracteres
independentes é, talvez, a demonstração mais forte da realidade da evolução.
Uma das coisas que tornam uma árvore filogenética diferente
de outras árvores de classificação é que as linhas que ligam os grupos
representam verdadeiros elos de ancestralidade. Os nós, nos quais
as linhas se encontram, representam ancestrais, e a profundidade
da árvore pode ser vista como representação do tempo.
Vamos fazer um pequeno exercício. Considere a seguinte
lista de animais: esponjas, águas-vivas, insetos, lacraias, camarões,
mexilhões, serpentes, lagartos, crocodilos, pardais, baleias, vacas,
humanos, chimpanzés, cangurus, sapos, atuns, estrelas-do-mar.
Mostre esses animais a algumas pessoas que não saibam Biologia;
procure incluir, no mínimo, uma criança de menos de 10 anos. Se ela não
conhecer algum dos animais, procure mostrar, pelo menos, uma figura de um
dos livros do curso de Zoologia ou, melhor ainda, mostre o bicho, se possível.

28 CEDERJ
Agora, peça-lhes que tentem juntar esses animais em grupos de dois ou três.

2
Anote os grupos formados. Depois, peça que os reagrupe em grupos maiores.

AULA
Anote os novos supergrupos. Continue o processo até que todos os animais
e grupos formem um único grupo, que seria chamado “animais” (ou, mais
corretamente, Metazoa).
Use as informações dos grupos sugeridos por cada pessoa,
para construir uma árvore filogenética. Compare as árvores. Elas são
parecidas ou diferentes?

Compare as árvores feitas com o apresentado na Figura 2.5, que


inclui, agora, também outros organismos.

Metazoários (animais)

Plantas Fungos Artrópodes Répteis Mamíferos

estrela-do-mar
algas verdes

samambaias

cogumelos

chimpanzé
marsupiais
crustáceos

crocodilos
leveduras
coqueiros
pinheiros

moluscos

humanos
esponjas

medusas
bananas

lagartos
bactéria

anfíbios
iguanas
musgos

lacraias
insetos

baleias
feijões

cobras
grama

peixes
vacas
aves

A plumas
placenta
apenas um pêlos,
cotilédone na
duas
exoesqueleto fenestras B sangue
semente
no crânio quente
sementes âmnio
encobertas dedos
sementes mandíbulas

Xilema e floema
vértebras

protostômios deuterostômios

Sistema nervoso e
Cloroplastos circulatório
órgãos

Mitocôndria, núcleo
Um ancestral comum hipotético

C
uma mudança de caracter herdada
por todos os decendentes

Figura 2.5: Árvore filogenética com representantes dos principais grupos vivos na Terra.

CEDERJ 29
Evolução | Evidências da Evolução

Essa árvore inclui membros de alguns dos grupos de seres vivos da


Terra. Existem 1041 (1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.
000.000.000) maneiras de se construir uma árvore com essas mesmas 30
espécies. No entanto, os agrupamentos apresentados na árvore são tão
naturais que, se déssemos a várias crianças a tarefa de classificar esses
organismos por semelhança, elas chegariam a árvores bastante parecidas
(compare com as árvores que seus colegas e crianças fizeram). É claro que
haveria surpresas, como talvez o grupamento das baleias com os peixes.
E a maior parte das pessoas certamente não juntaria aves com crocodilos,
apesar de sabermos hoje em dia que eles são aparentados. Mesmo assim,
as árvores construídas pelas crianças seriam, estatisticamente, altamente
correlacionadas e semelhantes à árvore filogenética da Figura 2.5. Essa
árvore é corroborada por caracteres morfológicos, fisiológicos e por
um número enorme de caracteres moleculares independentes (genes de
várias regiões dos genomas dos organismos). Mais importante ainda:
a árvore produzida com seqüências de DNA é também corroborada
com o registro fóssil, de modo que muitos dos ancestrais hipotéticos
(os nós) da árvore são encontrados, e sua posição nas várias camadas
de rocha corresponde bem com o esperado, com base na topologia da
árvore. Essa corroboração, por métodos independentes, é uma evidência
clara da evolução dessas espécies a partir de ancestrais comuns. Se nós
tivéssemos, por exemplo, um número grande de genes apoiando a ligação
entre aves e morcegos, em vez de apoiar a união desses organismos a seus
grupos respectivos, que foram construídos claramente fundamentados
na evidência fóssil, estaríamos falseando a teoria evolutiva.
O uso da Genética Molecular tem revolucionado o estudo da
evolução. Hoje em dia, seqüências de DNA são usadas intensamente
para esclarecer as relações filogenéticas dos seres vivos. Elas foram úteis,
inclusive, para “ver” a evolução em ação! Algumas pessoas dizem que, como
a evolução acontece tão devagar, nós não podemos vê-la, e que, por não
podermos testá-la objetivamente (fazendo uma evolução no laboratório, por
exemplo), ela não pode ser considerada uma Ciência de verdade. No entanto,
além de o argumento estar errado em princípio (senão também não seriam
ciências, por exemplo, a Física Atômica ou a História), ele também está
errado na prática, pois a evolução já foi demonstrada em laboratório.
Vejamos um exemplo: os vírus evoluem muito rapidamente, podendo
haver centenas de gerações em um ano. Assim, em 1992, foi feito um

30 CEDERJ
experimento (HILLIS et al., 1992), em que uma filogenia verdadeira foi

2
construída usando-se vírus bacteriófagos, que são fáceis de cultivar e se

AULA
multiplicam rapidamente (Figura 2.6).

Figura 2.6: Evolução de vírus


produzida artificialmente
em laboratório. Linhagens
de vírus eram separadas e
reproduzidas por várias gera-
ções. Depois, cada grupo era
separado em dois; esses dois
novos grupos eram deixados
reproduzir novamente por
várias gerações. Por exemplo,
o cultivo do ancestral “W” foi
dividido em dois, que foram
deixados evoluindo inde-
pendentemente. Um grupo
foi reproduzido por 17 gera-
ções, gerando o ancestral
“E”. O outro foi reproduzido
por 18 gerações, gerando o
ancestral “F”. Esse processo
simula a evolução de uma
espécie com vários eventos
de separação geográfica.

Essa filogenia foi feita em laboratório, a partir de uma linhagem


original que era subdividida propositadamente após um número variável
de gerações, de modo a simular eventos de especiação (na árvore é
mostrado, ao longo das linhas, o número de gerações de cada uma;
foram usados números variáveis para melhor simular a evolução de uma
população natural). Como os cientistas tinham controle total sobre essa
filogenia, eles puderam também analisar cada um dos ancestrais (as letras
A-F e W), além das “espécies atuais” (J-R). O número possível de árvores
diferentes com essas nove espécies é maior que 135.000. No entanto,
pesquisadores independentes e que não sabiam do padrão evolutivo real
(por ter sido feito um exame às cegas) reconstruíram a árvore correta
em todos os casos, usando apenas as seqüências gênicas das linhagens
terminais (de J a R, na Figura 2.6).
Um outro exemplo foi a reconstrução do ancestral hipotético de
todos os vírus da AIDS do tipo HIV-I, feito em 1998, a partir de 111
seqüências de vírus de pessoas contaminadas. A seqüência de DNA

CEDERJ 31
Evolução | Evidências da Evolução

desse ancestral hipotético foi comparada com outra, encontrada em


uma amostra de plasma de uma pessoa que morreu em 1959, no Congo
Belga, na África (na época, ainda não se conhecia a doença AIDS e a
morte havia sido atribuída a algum mal desconhecido). A seqüência
hipotética foi extremamente semelhante (com alta significância estatística)
à seqüência de 1959 (ZHU et al., 1998).

EVIDÊNCIA 4 – AS RESTRIÇÕES EVOLUTIVAS

Uma das conseqüências da evolução é que as espécies, ao se


adaptarem a novas condições, necessariamente usam modificações
de estruturas preexistentes. Se todas as espécies houvessem aparecido
simultaneamente, suas estruturas estariam adaptadas aos seus ambientes
de maneira perfeita e independente. Por exemplo, não seria muito mais
vantajoso ter asas além das quatro patas (como aparece na figura mitológica
de Pégaso) a ter de escolher entre ter os membros superiores funcionando
como braços ou como asas? E não seria muito mais conveniente para as
baleias e golfinhos se eles tivessem brânquias, em vez de necessitarem de
todas as adaptações complexas para otimizar o uso do oxigênio do ar,
mesmo vivendo no mar? No entanto, o que observamos na Natureza é
o uso surpreendente de adaptações de estruturas preexistentes, para novas
funções. Essas estruturas (como as asas dos pingüins adaptadas à natação,
ou as membranas entre os dedos das mãos dos morcegos adaptados ao
vôo) são sempre restritas pelas contingências evolutivas dos seus ancestrais
e demonstram a freqüente conservatividade morfológica na Natureza (ou,
como Linnaeus dizia, Natura non facit saltum: “Natureza não faz saltos”).
Se a evolução não existisse e as criaturas da Natureza tivessem aparecido
simultaneamente, desenhadas perfeitamente para suas funções, poderíamos
ver mamíferos com asas verdadeiras ou com penas (que são melhores
isolantes térmicos do que pêlos), aves aquáticas com nadadeiras, golfinhos
com brânquias e aves corredoras (como o avestruz) com quatro patas, em
vez de asas vestigiais. Aliás, as estruturas vestigiais são também uma boa
evidência da evolução.

32 CEDERJ
EVIDÊNCIA 5 – FORMAS VESTIGIAIS

2
AULA
Se as espécies evoluem a partir de outras, elas herdam dessas outras
os genes que determinam seus caracteres morfológicos e bioquímicos,
mesmo que nem sempre esses genes sejam úteis às novas condições de
vida. Os caracteres que já não são úteis nas novas condições de vida das
espécies deixam de ser mantidos pela seleção natural (como você verá
na Aula 5), de modo que as mutações aleatórias que surgem nos genes
que os codificam não são mais eliminadas. As formas determinadas por
esses genes tornam-se, então, vestigiais.
Lamarck estava plenamente consciente de tais formas vestigiais,
mas via nelas uma evolução necessária e conseqüente do desuso. Para
Darwin, no entanto, as formas vestigiais seriam apenas uma evidência
do que acontece com as características que deixam de ser mantidas
pela seleção natural. Existem vários exemplos de formas vestigiais na
Natureza. Temos, assim, os olhos de várias espécies fossoriais (que vivem
em cavernas onde não existe luz), como algumas variedades do peixe
Astianax mexicanus e da salamandra Proteus anguinus que, apesar de
viverem em total escuridão e serem cegas, têm, ainda assim, olhos (no caso
de Proteus, os olhos, apesar de invisíveis externamente, estão escondidos
sob a pele). As jibóias, que são répteis descendentes de animais de quatro
patas, apresentam vestígios de quadris, apesar de já não terem nenhum
vestígio de pernas. Estruturas vestigiais encontram-se também em plantas.
Por exemplo, os dentes-de-leão (Taraxacum sp.) possuem sementes, mas
elas são produzidas assexuadamente; no entanto, produzem pólen como
se fossem plantas sexuadas. No caso do dente-de-leão, o pólen produzido
é perdido, e representa, assim, uma estrutura vestigial dos seus ancestrais
sexuados.
Existem também formas vestigiais diretas nos genes. No nosso
genoma, por exemplo, cerca de 20% das seqüências reconhecíveis
como codificantes (as “cadeias de leitura aberta”, que você aprendeu
em Genética) são de pseudogenes, que podem ser vistos como vestígios de
genes. Os pseudogenes são, em geral, produzidos pela duplicação de genes
funcionais. Essa duplicação permite o relaxamento da seleção natural em
uma das cópias, que passa a acumular mutações até não produzir mais
uma proteína funcional. Os pseudogenes, assim, não exercem sua função
original, mas servem como indicadores dos genes que já existiram. Dessa

CEDERJ 33
Evolução | Evidências da Evolução

forma, apesar de não funcionarem, os pseudogenes de espécies próximas


são muito semelhantes. Se os nossos pseudogenes fossem mais semelhantes
aos das vacas do que aos dos macacos, por exemplo, nós teríamos
uma evidência falseadora da hipótese da origem evolutiva comum
entre nós e os outros primatas. No entanto, nos cromossomos, nós
temos praticamente os mesmos pseudogenes e nas mesmas posições,
que os macacos.

EVIDÊNCIA 6 – A HERANÇA COMUM DO INÚTIL

Como vimos anteriormente, na evidência 4, as espécies possuem


restrições às possibilidades de adaptação ao ambiente, que são
conseqüência de sua história evolutiva. Essas restrições fazem com que
as soluções encontradas pelas espécies, na sua adaptação ao meio, sejam,
freqüentemente, imperfeitas. O projeto Genoma Humano (e vários outros
projetos genoma, como o de moscas, vermes, fungos e plantas) mostrou
uma enorme redundância e a presença de uma quantidade formidável de
DNA não codificante. No caso de nossa espécie, por exemplo, apenas
2% de todo nosso DNA serve para produzir proteínas, enquanto 45%
do DNA total é composto de transposons que, quase sempre, não têm
nenhuma função para o organismo (você leu sobre transposons no curso
de Genética). No entanto, apesar de praticamente não terem função, a
posição de vários transposons nos cromossomos humanos é praticamente
idêntica àquela encontrada nos outros primatas. O mesmo se observa
nos íntrons (você viu íntrons no curso de Genética) que, em geral, não
têm função específica e apresentam altas taxas de mutação. A posição
dos íntrons é bastante conservada evolutivamente, e quase todos os
íntrons dos mamíferos encontram-se nas mesmas posições dos genes. Ter
coisas em comum com outros organismos, quando elas servem para algo,
poderia ser visto como uma evidência não da evolução, mas do encontro
de soluções comuns na criação desses organismos. Assim, o fato de nós
termos, em comum com os macacos, sangue quente e pêlos, poderia ser
visto não como evidência de que somos parentes, mas sim como evidência
de que essas características são as melhores para o tipo de vida que nós
e os macacos levamos. No entanto, ter em comum coisas que não têm
função, que sequer são expressas durante nosso desenvolvimento, é uma
evidência clara de nosso parentesco.

34 CEDERJ
EVIDÊNCIA 7 – A HERANÇA COMUM DO ÚTIL

2
AULA
Quando espécies semelhantes têm estruturas ou moléculas
semelhantes, uma explicação alternativa à ancestralidade em comum é a
convergência evolutiva. Assim, pode ser que o fato de termos cinco dedos nas
mãos, como os macacos, não esteja ligado ao fato de sermos descendentes da
mesma espécie, mas a alguma vantagem de ter cinco, em vez de quatro ou
seis dedos na mão. No entanto, se fosse demonstrado que o número de dedos
não era importante para sua função (digamos que, por exemplo, qualquer
número entre quatro e dez fosse igualmente útil), então, ter o mesmo número
de dedos poderia ser interpretado mais facilmente como evidência de origem
comum. No caso dos dedos, não temos essa evidência; no entanto, em alguns
caracteres moleculares amplamente estudados, como o gene do citocromo c
(que faz parte da cadeia de transporte de elétrons), isso já foi demonstrado.
Essa proteína existe em todos os seres vivos que usam oxigênio como aceptor
final de elétrons na respiração. Curiosamente, apesar de fundamental, essa
proteína aceita ampla variação em sua seqüência, desde que respeitada sua
estrutura tridimensional. Assim, foi demonstrado que leveduras nas quais
o gene do citocromo c foi retirado conseguem sobreviver usando citocromo
c humano, apesar de as duas proteínas terem mais de 40% de diferenças
(TANAKA et al., 1989).
Estudos de modelagem em computador e confirmações
experimentais mostraram que o número de seqüências de aminoácidos,
que são igualmente eficazes em manter a função do citocromo c, é
superior ao número de átomos no universo. Assim, não existiria nenhuma
vantagem adaptativa que pudesse explicar uma semelhança entre o
citocromo c de espécies próximas, de modo que seqüências semelhantes
seriam mais bem explicadas pela existência de um ancestral comum.
Portanto, se encontrássemos espécies consideradas muito próximas, mas
que tivessem seqüências de aminoácidos do citocromo c muito diferentes,
teríamos um falseamento da hipótese evolutiva. Quando comparamos
as seqüências de aminoácidos do citocromo c de humanos e as dos
chimpanzés, no entanto, verificamos que elas são idênticas.

CEDERJ 35
Evolução | Evidências da Evolução

EVIDÊNCIAS 8, 9, 10

Ao longo do curso, novas evidências lhe serão apresentadas.


Você também pode encontrar as suas, a partir da observação da Natureza
e da releitura do que já aprendeu, por exemplo, em Zoologia ou em
Bioquímica. Algumas das evidências que foram apresentadas aqui
só puderam ser percebidas a partir do desenvolvimento de técnicas
moleculares sofisticadas, como o seqüenciamento de DNA. Outras
evidências, como o registro fóssil e o estudo de estruturas vestigiais,
já eram conhecidas no século XIX. Na próxima aula, você aprenderá
como essas evidências foram interpretadas historicamente por vários
pensadores e biólogos, e como Darwin as usou, meticulosamente, para
apresentar sua Teoria da Evolução.

RESUMO

A partir de ancestrais comuns, vários fatos da Natureza podem ser explicados,


de maneira simples, pela evolução. Existem evidências de vários tipos, como: a) a
estratigrafia dos fósseis; b) a existência de fósseis de formas intermediárias entre
organismos; c) a presença dos mesmos tipos de estruturas moleculares em todos os
seres vivos; d) a corroboração das árvores filogenéticas com evidências moleculares
e paleontológicas; e) os experimentos de evolução acelerada em laboratório com
vírus; f) as maneiras com que as espécies se adaptam ao meio, levando em conta,
cada vez, as estruturas preexistentes (e sendo contingenciadas por elas); g) as
formas vestigiais morfológicas e moleculares; h) as heranças comuns do que é
útil e do que é inútil. Essas evidências são indicações fortes, mesmo consideradas
individualmente, do padrão de ancestralidade comum dos seres vivos. Tomadas
em conjunto, elas constituem prova clara do fato da evolução biológica.

36 CEDERJ
ATIVIDADES FINAIS

2
AULA
1. Qual seria o impacto, para a teoria evolutiva, se fossem encontrados, em todos
os estratos geológicos, fósseis idênticos de todos os tipos de animais e plantas?

RESPOSTA
Seria muito difícil sustentar a teoria evolutiva se não existisse diferenciação
estratigráfica entre os vários fósseis. Se encontrássemos fósseis de seres humanos
junto a fósseis de dinossauros, por exemplo, teríamos de rediscutir o conhecimento
atual da evolução dos vertebrados.

2. A glicólise é uma via metabólica importante para a geração de energia. Existem


várias maneiras de se gerar energia a partir da degradação da glicose. No entanto, a
maior parte dos animais usam as mesmas enzimas, na mesma ordem, para produzir
piruvato a partir da glicose. Por quê?

RESPOSTA
Porque essas vias metabólicas foram estabelecidas no início da evolução da
vida e foram mantidas com poucas alterações pela seleção natural nos vários
organismos.

3. Por que o compartilhamento de características inúteis pode ser uma evidência


mais forte do que o de características úteis para inferir relações evolutivas entre
os organismos?

RESPOSTA
Porque o compartilhamento de características úteis pode ser o resultado de
convergência evolutiva. Assim, o fato de morcegos e pardais terem asas ocorreu
porque, em suas evoluções, houve a convergência para uma estrutura (a asa)
que era extremamente útil na sua biologia (uma maneira mais correta de
descrever essa convergência é dizer que, dentro das linhagens das aves e dos
morcegos, organismos que tinham capacidade de vôo foram selecionados).

CEDERJ 37
Evolução | Evidências da Evolução

4. Cite uma evidência morfológica, uma evidência bioquímica e uma evidência


genética da Evolução.

RESPOSTA
Evidências morfológicas: estruturas vestigiais, evolução de características
como modificação de outras preexistentes (asas do morcego); evidências
bioquímicas: vias metabólicas comuns, uso do ATP como fonte de energia;
evidências genéticas: padrões filogenéticos concordantes com o uso de genes
diferentes, posição igual de íntrons e pseudogenes.

5. Em 1999, um professor dinamarquês, de Educação Física, foi acusado de ter


abusado sexualmente de alguns de seus alunos. Além dessa acusação, também
foi incriminado por tentativa de homicídio, pois sabia que era portador do vírus
da AIDS e nada fez para proteger suas vítimas da contaminação. Ele negou as
acusações, argumentando que uma de suas possíveis vítimas, um garoto de 15
anos, que também apresentava o vírus, havia sido contaminado por alguma outra
pessoa. Como a contaminação do garoto teria ocorrido três anos antes de o caso
ter vindo ao conhecimento da Justiça (quando o garoto tinha 12 anos), e como
o vírus HIV tem uma taxa de mutação muito elevada, de modo que a população
viral de cada pessoa é diferente, o tradicional argumento forense de encontrar
uma identidade total entre criminoso e vítima não podia ser usado. No entanto,
a acusação pôde, ainda assim, usar evidências moleculares nas seqüências de
dois genes do vírus, e isso foi decisivo na condenação do acusado (MACHUCA et
al., 2001). Eles determinaram as seqüências desses genes nos vírus do acusado,
da criança e de 16 outras pessoas infectadas residentes na mesma cidade, e as
compararam, também, com seqüências de bancos de dados. Que tipo de resultado
eles devem ter tido que tenha servido para convencer o júri de que o acusado
era, de fato, culpado?

RESPOSTA
Se o acusado fosse inocente, seria esperado que, ao se fazer uma árvore
filogenética com as seqüências dos vírus, as seqüências do rapaz de 15 anos
se juntariam com as das outras 16 pessoas, em alguma posição aleatória na
árvore. No entanto, as seqüências do vírus do rapaz e do acusado ficaram
mais próximas umas das outras do que daquelas dos vírus de 16 pessoas da
população local. Isso demonstrou que o vírus do rapaz e o vírus do acusado
tinham origem comum.

38 CEDERJ
AUTO-AVALIAÇÃO

2
AULA
Existe uma quantidade enorme de evidências na Natureza para o fato da Evolução.
No entanto, freqüentemente essas evidências são negadas ou confundidas, como você
verá na aula sobre creacionismo (Aula 29 de nosso curso). Esperamos que você, nesta
aula, tenha concluído que a quantidade enorme de evidências pode ser explicada,
de maneira simples e lógica, pela evolução da vida na Terra. Se você entendeu bem
essas evidências, e é capaz de usá-las até em um bate-papo informal sobre evolução,
parabéns! Algumas das evidências apresentadas são mais simples de entender, como
o registro fóssil ou as restrições evolutivas à evolução da forma. Outras são um
pouco mais difíceis, pois exigem conhecimentos prévios sobre filogenia ou biologia
molecular, como as evidências na evolução dos pseudogenes e dos íntrons. Talvez seja
interessante você dar uma revisada nessas partes, se tiver dificuldade em entender
essas evidências. O exercício 5 é importante, pois mostra como o conhecimento
de Evolução pode ter aplicações nas áreas mais improváveis, como numa Corte de
Justiça. Mas ele também é difícil de responder. Se você não conseguiu respondê-lo
na primeira tentativa, leia-o agora que você já viu a resposta e procure seguir a
explicação dada.

CEDERJ 39
3

AULA
Histórico do estudo da Evolução
objetivos

Ao final desta aula, o aluno deverá ser capaz de:


• Descrever algumas das idéias evolutivas pré e
pós-darwinistas.
• Explicar a novidade da Teoria Evolutiva
darwiniana.
Evolução | Histórico do estudo da Evolução

INTRODUÇÃO Como você estudou na aula anterior, a diversidade de seres vivos que
observamos hoje à nossa volta, em todo o mundo, não esteve sempre aqui
e, mais do que isto, as espécies estão mudando ao longo do tempo. Contudo,
como essa mudança é muito lenta e o tempo de que falamos está numa escala
muito maior do que a que somos capazes de perceber na nossa vida diária (ver
Aula 14 do curso Diversidade dos Seres Vivos: Tempo geológico e fósseis), às
vezes é difícil imaginar como esse processo de mudança das espécies se dá
(algumas exceções são os vírus, como você estudou na aula passada).
Essa dificuldade não é só sua e, durante muito tempo, antes que pudéssemos
entender de maneira adequada esse processo de mudança, era comum
pensarmos que as espécies que vemos hoje sempre estiveram aqui, com
a mesma forma e quantidade. Esse era o tempo da “pré-história” das idéias
evolutivas, período em que a idéia de que as espécies não mudavam (conhecido
como fixismo) era dominante. Antes de começarmos a entender como é possível
as espécies mudarem ao longo do tempo e, mais que isto, como esse processo
de mudança, ao longo do tempo, foi capaz de produzir todos os seres vivos
que conhecemos hoje, mesmo aqueles já extintos, vamos estudar um pouco
a “pré-história” das idéias evolucionistas.

PRÉ-HISTÓRIA: DO FIXISMO AO LAMARCKISMO

Antes que as idéias evolutivas estivessem presentes nas explicações


a respeito da origem das espécies, a idéia hegemônica era o fixismo.
Segundo essa concepção, que dominou quase toda a história do
pensamento ocidental, os seres vivos pertenceriam a grupos fixos, os
quais teriam sido criados por um ou mais deuses e por ele(s) ordenados
em uma escala hierárquica imóvel, na qual a espécie humana representaria
seu ponto mais elevado.
Segundo PLATÃO (428/7-348/7 a.C.), por exemplo, a categoria
espécie estava ligada à essência das coisas, à idéia, à criação. Isto
PLATÃO significava dizer que toda espécie viva no mundo seria uma cópia da
Nasceu em Atenas,
em 428 ou 427 a.C.,
espécie perfeita, que existiria no mundo das idéias. Para ele, o homem
de pais aristocráticos era a expressão máxima da idéia, ou seja, aquele ser, no mundo, que mais
e abastados.
Foi discípulo de se aproximava da perfeição. Contudo, o homem, sob o efeito de estar
Sócratese é uma
das referências no mundo (o que Platão chamava de “ação do devir”), teria sofrido um
fundamentais processo de corrupção, de degeneração. Esse processo de degeneração
do pensamento
ocidental. do homem no mundo, no tempo da Criação, teria sido responsável pela

42 C E D E R J
produção de todos os outros seres menos perfeitos, como as mulheres, as

3
aves, os escravos, os animais terrestres etc. assim, tomando o homem como

AULA
a expressão mais perfeita da idéia, todos os outros seres seriam estágios
degenerativos dessa idéia perfeita. Por isto mesmo, o homem seria o senhor
de todos os outros seres vivos. Essa concepção platônica de Criação foi
reformulada por ARISTÓTELES (384-322 a.C.), que foi seu aluno.
Tendo escrito há quatro séculos da Era Cristã, Aristóteles via ARISTÓTELES
a Natureza organizada gradualmente, da matéria inanimada até os Filho de Nicômaco,
seres vivos. Contudo, ao contrário do seu mestre Platão, Aristóteles um médico, nasceu em
Estagira, Macedônia,
não aceitava idéias transformistas nem mesmo na Criação; para ele, toda em 384 a.C. Foi
discípulo de Platão,
variação era estática desde o começo. Os indivíduos eram a diferente juntamente com
quem representa
expressão do mesmo tipo e as variações observadas entre eles eram
uma das referências
consideradas imperfeições na expressão da Idéia. As espécies vivas, mais importantes do
pensamento ocidental.
portanto, eram fixas desde sempre e a biodiversidade representava
apenas a expressão de uma ordem maior que existe por trás de todo o
Universo. A Natureza, e nela todos os seres vivos, era apenas uma parte
dessa grande ordem universal que Aristóteles buscava entender.
De maneira muito semelhante às idéias de Platão e Aristóteles,
o Livro do Gênesis ocupa-se com a explicação das origens. A Bíblia
estabelece a existência do Universo e de sua ordem por obra da Criação
Divina. O Jardim do Éden é o centro de criação de todas as espécies
animais e vegetais, e a espécie humana tem a prerrogativa de dominar
a Terra e todos os seus animais e plantas.
Esse conjunto de idéias, que engloba o pensamento de Platão,
Aristóteles e a Bíblia, é o que temos chamado aqui genericamente de
fixismo, e que pode ser denominado, no campo filosófico, fixismo
platônico-aristotélico e, no da religião, criacionismo judaico-cristão.
Tal conjunto é parte fundamental da nossa cultura, a cultura ocidental,
e é fortemente marcado pela noção de perfeição. Vem daí a crença de
que a Natureza é uma total harmonia, de que todos os seres vivos foram
desenhados, de que todos os órgãos e sistemas funcionam da melhor
maneira possível, etc. ERASMUS DARWIN
As idéias do criacionismo e da imutabilidade das espécies Naturalista
inglês e avô de
perduraram até o Renascimento, no século XVI, quando começaram Charles Darwin.
a ser postas em questão. No século XVIII, por exemplo, ERASMUS DARWIN Contribuiu para o
desenvolvimento
(1731-1802), avô de Charles Darwin, publica um livro intitulado do pensamento
evolucionista.
Zoonomia, no qual defende a idéia de que as espécies poderiam sofrer

CEDERJ 43
Evolução | Histórico do estudo da Evolução

evolução. Contudo, é somente no século XIX que as idéias evolutivas


passaram a integrar definitivamente as concepções a respeito das espécies,
fundamentalmente, com as idéias de Lamarck.
JEAN BAPTISTE LAMARCK (1744-1829) foi o primeiro a apresentar
JEAN BAPTISTE uma teoria elaborada a respeito da evolução das espécies. No seu livro
LAMARCK intitulado Philosophie Zoologique, publicado em 1809, Lamarck
Nasceu na França,
defendeu que mudanças no ambiente provocariam nos seres vivos a
foi militar, médico
e naturalista. Foi o necessidade de modificação, o que induziria um processo de evolução
primeiro pesquisador
a oferecer um das espécies no sentido de se adequarem ao meio ambiente. Segundo essa
mecanismo para
explicar como a
teoria, partes do corpo que fossem muito usadas se desenvolveriam. Por
evolução ocorre. outro lado, partes que não fossem usadas sofreriam atrofia, que poderia
inclusive levar ao desaparecimento, nas gerações seguintes (Lei do uso e
desuso). O desaparecimento das partes atrofiadas e/ou o desenvolvimento
de partes muito usadas, nas gerações seguintes, é o que se chama de Lei
da herança dos caracteres adquiridos.
Em síntese, esta concepção de que os seres vivos, por força da
necessidade gerada neles pelas mudanças ocorridas no ambiente, iriam
progressivamente adequando-se ao ambiente, é o que chamamos teoria
da melhoria interna intrínseca lamarckista. Essa teoria, como você pode
notar, é fortemente marcada pela noção de progresso, ou seja, sai de cena
a idéia de perfeição, muito presente em todas as concepções fixistas,
e entra em cena a idéia de progresso, que estará muito presente nas
primeiras idéias evolutivas.

HISTÓRIA: A TEORIA EVOLUTIVA DE DARWIN

Você, certamente, já ouviu falar de CHARLES ROBERT DARWIN (1809-


1882), naturalista inglês que deu a volta ao mundo (1832-1837) em
um navio, o HMS Beagle, e que, por conta das suas muitas observações
CHARLES ROBERT nessa viagem, produziu a mais importante teoria da evolução de que
DARWIN temos notícia. Mais do que essa imagem popular da mídia, com artigos
Nasceu na Inglaterra de revistas, jornais, filmes de cinema, documentários e especiais de TV,
em 1809, tendo sido
o mais importante você já estudou um pouco da história e das idéias de Darwin nas suas
naturalista de todos
os tempos, devido aulas dos Grandes Temas em Biologia, Diversidade dos Seres Vivos e
à sua teoria de
também nas aulas de Genética.
evolução, publicada
em 1859, no seu
livro On the origin of
species.

44 C E D E R J
A teoria evolutiva darwiniana está entre as idéias mais importantes

3
de toda a Biologia, fundamentalmente por dois motivos: primeiro, porque

AULA
ela tem um caráter unificador, ou seja, ela, assim como a teoria celular,
o conceito de gene e a própria definição da vida e sua origem, integra
todos os seres vivos como objeto de estudo único que a Biologia se propõe
a entender; segundo, porque a teoria evolutiva darwiniana ainda está na
base de todas as teorias evolutivas modernas. É por isto que dizemos que
a história da teoria evolutiva começa com Darwin. Antes dele, como já
vimos, tivemos aquilo que chamamos, numa metáfora, de pré-história
da evolução. Mas o que, de tão importante, Darwin escreveu no seu
livro A origem das espécies; o que nele ainda se mantém atual; qual
a novidade da teoria evolucionista darwiniana em relação a outras que
foram produzidas antes, como a de Lamarck?

QUAL A NOVIDADE?

Geralmente afirma-se que Darwin criou a idéia de evolução, mas,


certamente, isto não foi criação de Darwin. Como já foi visto, essas idéias
existiam desde o século XVII, sendo a teoria lamarckista um belo exemplo.
Outra afirmação comum, a respeito da teoria darwinista, é a de
que a proposição do Mecanismo de Seleção Natural seria sua grande
novidade. Contudo, a tese da Seleção Natural, como mecanismo para
evolução, já tinha encontrado outros defensores, como o próprio avô
de Charles Darwin, Erasmus Darwin. Embora seja verdade que, nos
trabalhos de Darwin, o mecanismo de Seleção Natural apareça com maior
importância e numa estrutura lógica nova, ainda assim o argumento
não era novo.
A viagem no Beagle e o conseqüente acúmulo de dados, para
corroborar suas afirmações, é outra novidade que aponta para os
trabalhos de Darwin, mas isto também não era novidade. O escocês
ROBERT CHAMBERS
ROBERT CHAMBERS (1802-1871), contemporâneo de Darwin, já havia
Nasceu na pequena
publicado o livro Vestígios da história natural da criação, em 1844, cidade de Peebles,
na Escócia, em
que também reunia uma compilação imensa de dados para corroborar
1802, tendo sido,
suas idéias evolutivas. Embora os dados de Chambers fossem de origem na sua época,
jornalista famoso
secundária, ou seja, compilados da literatura científica da época, a leitura em Edimburgo,
editor, autor de livros
do seu livro não deve nada, em termos de exemplos, àqueles presentes populares e filósofo
n’A origem das espécies. Qual seria a novidade, então? natural.

CEDERJ 45
Evolução | Histórico do estudo da Evolução

Uma grande revolução da teoria darwiniana foi a mudança na


forma de encarar a variação presente entre indivíduos da mesma espécie.
Até Darwin, as variações individuais eram encaradas como desvios,
como erros do tipo de cada espécie. Como já foi dito aqui, a espécie era
concebida como expressão da idéia, continha uma essência, entendida
como a chave da criação. Esta perspectiva tipológica era marcada
pela noção de perfeição. Darwin, por outro lado, encarava a variação
individual sob a perspectiva populacional. Para ele, a espécie não era mais
a expressão de um tipo perfeito, mas um grupo (ou grupos) de indivíduos
que partilhavam caracteres e tinham continuidade histórica através da
reprodução. Essa revolução é baseada numa perspectiva materialista
da variação individual, que deixou de ser tida como estática, resultado da
expressão imperfeita da idéia, ou um ruído a ser evitado na atividade de
ordenação (classificação) do mundo vivo, e passou a ser entendida como a
realidade do mundo biológico e o material da evolução.
A partir dessa perspectiva materialista, Darwin pôde entender o processo
de especiação como processo de conversão da variação entre indivíduos, dentro
de determinada população, em variação entre populações diferentes, no tempo e
no espaço. Esta é a segunda novidade da teoria darwinista: entender o processo
de especiação como processo de transformação de variação intrapopulacional
em variação interpopulacional.
Essas duas novidades presentes no livro A origem das espécies
têm conseqüências importantes, que foram percebidas imediatamente
e causaram muita controvérsia. Primeiro, ficava estabelecido que a
natureza das diferenças entre as espécies era a mesma das diferenças
entre os indivíduos da mesma espécie. Essa interpretação era radicalmente
contrária ao ponto de vista tipológico que encarava as diferenças entre
as espécies como produto de variações em torno de uma essência de
origem na Criação. Segundo, se o processo de formação de novas espécies
dava-se pelo fracionamento da variação intrapopulacional em variação
interpopulacional, a regressão desse processo nos levaria a conceber uma
origem comum a todos os seres vivos que conhecemos, o que também se
contrapunha violentamente à idéia de uma criação especial.
Mais que isto, uma terceira conclusão: a evolução aconteceria
sem um propósito, seria um processo de leis simples, para o qual não
existia espaço para uma idéia de progresso. Essas conclusões eram tão
revolucionárias e ameaçadoras que, segundo relatos da época, ao ver

46 C E D E R J
uma exposição de Darwin sobre sua teoria, uma dama da aristocracia

3
inglesa teria dito a seu marido: “Espero que a teoria do Sr. Darwin não

AULA
seja verdadeira, e se for, que não se torne muito conhecida.”
Ainda era necessário, porém, explicar que forças determinariam o
processo de divisão da variação; ou seja, qual o mecanismo da evolução.

QUAL O MECANISMO?

No Capítulo 3 de A origem das espécies, denominado Luta pela


existência, Darwin apresentou três observações e duas deduções, que
constituem uma nova roupagem para a velha idéia de Seleção Natural.
Segundo ele, na Natureza, encontramos um número de parentais muito
menor que o de descendentes (primeira observação). Senão, vejamos:

Considera-se o elefante como animal de multiplicação mais lenta.


Dei-me ao trabalho de calcular sua provável velocidade mínima
de crescimento natural. Calculando, por baixo, sua capacidade de
procriação e sua fase de fecundidade, parti do princípio de que cada
fêmea poderia dar à luz três casais de filhotes, iniciando sua vida
fértil aos 30 anos e encerrando-a aos 90. Assim sendo, ao final de
cinco séculos, haveria, vivos, 15 milhões de elefantes, descendentes
de um único casal primitivo.

No entanto, continua Darwin, é fácil constatar que essa situação


não ocorre de fato; na realidade, o tamanho da população de elefantes
e de outras populações naturais têm-se mantido mais ou menos constante
ao longo do tempo (segunda observação). A dedução óbvia extraída
dessas duas observações é a de que existe mortalidade de descendentes
(primeira dedução).
Nesse ponto, Darwin nos fornece sua terceira observação, que
é, de fato, a grande novidade da sua teoria: existem diferenças entre os
indivíduos de uma população, diferenças estas que podem aumentar
ou diminuir as chances de o indivíduo ser bem sucedido no ambiente
(terceira observação). Diante dessas três observações e de posse da
primeira dedução, é possível entender que a mortalidade não ocorre
ao acaso, mas em função das diferenças individuais (segunda dedução);
ou seja, a mortalidade dos descendentes ocorre segundo um processo de
seleção que a Natureza opera, uma Seleção Natural.

CEDERJ 47
Evolução | Histórico do estudo da Evolução

3 Observações

1) D>P 2 Conclusões

2) N=k A) Mortalidade

3) Variação individual 2) Seleção Natural

Onde:
D= Descendentes N= Tamanho da população
P= Parentais K= Número constante

Figura 3.1: Resumo esquemático das três observações e duas deduções de Darwin,
expostas no Capítulo 3 de A origem das espécies.

Assim, a perspectiva materialista da variação se impunha,


possibilitando uma interpretação extremamente elegante do mecanismo
de Seleção Natural. A conseqüência de assumir um mecanismo como
este, guiando a evolução, era estrondosa: um processo acéfalo, uma
evolução sem desenho. Desse modo, tinha-se, naquele momento,
uma definição do processo evolutivo que poderia ser resumida da seguinte
forma: descendência com modificação guiada por força de seleção natural.
Na seta do tempo, se seguíssemos para frente, encontraríamos o processo
de especiação e se, ao contrário, seguíssemos em direção ao passado,
encontraríamos a descendência comum de todos os seres vivos.
Esperamos que você tenha entendido o quanto a teoria darwinista da
evolução é revolucionária. Ela traz uma interpretação completamente nova do
mundo (a perspectiva materialista da variação) e possibilita o entendimento
do processo de especiação e da natureza das espécies vivas (processo de
transformação de variação intrapopulacional em interpopulacional),
conferindo ao mecanismo de Seleção Natural uma nova roupagem lógica.
Mas nem tudo são flores e a teoria de Darwin tinha um problema.

48 C E D E R J
QUAL O PROBLEMA?

3
AULA
PANGÊNESE
Para que o processo evolutivo ocorra, a primeira condição é que
Era uma hipótese
haja variação presente nas populações e que esta seja herdável. De outro criada por Darwin
para tentar explicar
modo, não é possível que haja mudança ao longo das gerações. Darwin
fenômenos como: o
propunha que todos os organismos descenderiam de ancestrais comuns, atavismo (retorno
nas proles atuais
através de um processo lento e contínuo de modificações, dirigido pela de características
presentes nos
ação da seleção natural sobre os indivíduos. Porém, a teoria darwinista antepassados mas
há muito tempo
explicava a herança das modificações pelo processo da PANGÊNESE, no
desaparecidas);
qual gêmulas, formadas em todas as partes do corpo, contribuiriam as características
intermediárias
para as características adquiridas. De certa forma, tal teoria era uma apresentadas pelos
híbridos (herança
atualização das idéias já formuladas por Lamarck, de herança dos por mistura); e as
caracteres adquiridos. Deste modo, a teoria darwinista não foi capaz, leis de uso e desuso
e herança dos
na sua época, de explicar nem a origem nem a natureza da variação, que caracteres adquiridos
de Lamarck; em
era o material da evolução. suma, os mecanismos
de herança. Esta
Foi a redescoberta dos trabalhos de Mendel, no início do século hipótese aparece
XX, que trouxe explicações novas sobre a herança que, daquele momento pela primeira vez em
1868, no trabalho
em diante, passou a ser definitivamente transferida dos pais para os The variation of
animals and plants
filhos, através dos “fatores” hereditários. O trabalho de Mendel é under domestication.
Segundo essa
um dos primeiros a apresentar um modelo matemático preciso sobre hipótese, todas as
um fenômeno biológico, seguindo as normas do método científico utilizado células enviariam
gêmulas para os
pela Física. Uma das novidades dos trabalhos de Mendel estava no fato de órgãos reprodutivos
antes da fertilização.
estudar-se a herança a partir de características discretas e pouco influenciadas Desta forma, cada
célula teria uma
pelo ambiente. Mas tudo isto, você já viu nas suas aulas de Genética.
participação na
A genética mendeliana foi, inicialmente, encarada como um formação da prole.
O atavismo teria sua
golpe fatal no darwinismo, pois, se o darwinismo tinha a preocupação origem no retorno de
gêmulas que teriam
de explicar a mudança evolutiva, o mendelismo se preocupava com ficado dormentes
a estabilidade dos processos de herança, desprezava a variação contínua, durante muito
tempo. Os híbridos
base do darwinismo, e enfatizava a variação discreta. teriam gêmulas das
duas espécies que
lhes deram origem. A
herança de caracteres
O PERÍODO NEO-DARWINISTA adquiridos e o uso
e desuso seriam
A contradição entre mendelismo e darwinismo se estendeu de explicados devido
ao fato de que todas
1900, com a redescoberta dos trabalhos de Mendel, até a década as características
adquiridas enviariam
de 1930, quando foi estabelecida a Teoria Sintética. gêmulas para os
órgãos reprodutivos.
O grupo dos mendelistas, geralmente, era caracterizado por Esta hipótese estava
pesquisadores de tradição experimental, para os quais, o trabalho completamente
errada.
com mutações visíveis e herança de caracteres discretos favorecia a

CEDERJ 49
Evolução | Histórico do estudo da Evolução

permanência de um pensamento tipológico. Os darwinistas, por sua vez,


eram geralmente pesquisadores de História Natural, acostumados com a
observação da variação contínua na Natureza e, por isto mesmo, abertos
ao pensamento populacional, que era uma das grandes novidades da teoria
darwiniana. Contudo, embora a distinção entre as idéias que caracterizavam
o pensamento darwinista e mendelista pudesse ser traçada retrospectivamente
de maneira muito clara, os grupos não apresentavam, naquele momento da
AUGUST WEISMANN História, uma distinção absoluta nas idéias por eles defendidas. Por exemplo,
Biólogo alemão, o problema da natureza da herança também era uma questão importante
nasceu em 1834.
É lembrado como na contradição entre darwinistas e mendelistas. AUGUST WEISMANN (1834-
o pesquisador
que, entre outros 1914), um darwinista, rejeitava vigorosamente a herança das características
trabalhos, cortou as
adquiridas. Através da sua Teoria do Plasma Germinal, explicava que
caudas de ratinhos
brancos por dezenove o material hereditário era composto de “determinantes” e “bióforos”, os
gerações sucessivas
e, ainda assim, a quais controlavam o desenvolvimento das células sexuais dos pais para as dos
cada nova geração,
os ratinhos nasciam
filhos, através de uma “via germinal”. Esta teoria é fundamental na história
com caudas inteiras. dos conceitos de herança, bem como na história da teoria evolutiva.
Este experimento
de Weismann Em oposição às idéias evolutivas darwinistas, para as quais as
demonstrou o
equívoco da mudanças hereditárias são lentas e graduais, HUGO DE VRIES (1848-1935)
Lei de Herança propôs o Mutacionismo. Nesta teoria, o surgimento das modificações
dos Caracteres
Adquiridos, de que permitiam a evolução biológica se fazia de maneira abrupta
Lamarck.
e aleatória e se transmitia às gerações futuras, conferindo características
favoráveis ou desfavoráveis submetidas à seleção natural.
Além do darwinismo, mendelismo e mutacionismo, era possível
encontrar, neste momento da História, outras teorias evolutivas em
competição. Por exemplo, o geoffroyismo, com a indução de mudança
genética pelo ambiente; a ortogênese, para a qual as mudanças eram
controladas por forças intrínsecas e de maneira finalista, e novas formas
de lamarckismo, que além das respostas internas dos organismos induzidas
pelo ambiente, incluíam as limitações mutacionais e a seleção natural.
Este momento, na história da teoria evolutiva, em que tantas
HUGO DE VRIES teorias competem para explicar o fenômeno evolutivo, é chamado
Botânico alemão, Neodarwinismo. Muitos livros atuais usam Neodarwinismo como
nasceu em 1848.
É reconhecido sinônimo de Teoria Sintética da Evolução, mas isto não é muito exato.
como um dos
O período Neodarwinista se caracteriza por um eclipse do darwinismo,
redescobridores
das leis de herança causado pela sua dificuldade em resolver, a contento, problemas como
de Mendel e pelos
seus estudos sobre o da origem e natureza da herança discutidos anteriormente.
mutações.

50 C E D E R J
3
Perfeição Progresso

AULA
Pré-história Fixismo X Lamarckismo
(Fixismo platônico-aristotélico) (Evolucionismo)
(Criacionismo judaico-cristão)

Estabilidade Mudança

Mendelismo X Darwinismo
História
(Experimentalismo) (História Natural)
(Variação discreta) (Variação contínua)
(Pensamento tipológico) (Pensamento populacional)

Ortogênesis
Neo-Lamarckismo
Geoffroyismo

Neo-Darwinismo

Figura 3.2: Resumo esquemático das idéias evolutivas da sua “pré-história” até o
período neo-darwinista.

Somente com os trabalhos teóricos de R. Fisher, J. B. S. Haldane


e S. Wright, na década de 1930 foi possível a construção da chamada
Síntese. Mas este é o assunto da nossa próxima aula.

CEDERJ 51
Evolução | Histórico do estudo da Evolução

RESUMO

Nesta aula, estudamos que, antes das teorias evolutivas, a idéia dominante era
a de que os seres vivos não sofriam um processo de mudança. Estas idéias, que
perduram até hoje, compõem o fixismo. O fixismo platônico-aristotélico e o
criacionismo judaico-cristão são as versões mais importantes destas idéias para
a cultura ocidental. Vimos também que, antes da teoria darwinista, existiam
outras idéias evolutivas, mas que foi a perspectiva materialista da variação e a
interpretação do processo de especiação, como um processo de transformação
de variação intrapopulacional em variação interpopulacional, as duas grandes
novidades da teoria de Darwin. Estas novidades têm muitas conseqüências
importantes, entre elas a percepção de que a evolução ocorre pela ação de processos
naturais, como a seleção natural e que, portanto, não tem desenho. Do mesmo
modo, se olharmos para trás, por este processo, veremos que todos os seres vivos têm
um ancestral comum. A despeito de toda sua importância, a teoria darwinista tinha
um problema: explicar a origem e a natureza da variação. Por conta deste
problema, entre 1900 e 1930, outras idéias competiram com a teoria darwinista
para explicar a evolução. Entre estas explicações alternativas encontravam-se o
mutacionismo, a ortogênese e geoffroyismo.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

A partir do trabalho de pesquisadores das mais diversas áreas das Ciências


Biológicas, uma síntese coerente do mendelismo, do darwinismo, bem como
dos progressos alcançados após os trabalhos de Darwin, foi realizada. Esta
síntese passou a ser conhecida como a Teoria Sintética da Evolução. A estrutura
básica desta teoria é a de que a evolução é um fenômeno de duas faces: a
produção de variação e a escolha de variantes. Desta forma, a síntese das idéias
darwinistas com o mendelismo se deu, principalmente, na vertente da genética
de populações.

52 C E D E R J
EXERCÍCIOS

3
AULA
1. Por que a perspectiva materialista da variação, trazida pela teoria darwiniana,
se contrapõe a uma visão tipológica (ou platônica) da Natureza?

RESPOSTA
Porque traz uma perspectiva populacional para interpretação da variação
observada entre os indivíduos dentro das populações. Por conta disso, as
diferenças deixam de ser defeitos dos indivíduos em relação a um tipo
perfeito.

2. Quais as novidades da teoria darwinista?

RESPOSTA
A perspectiva materialista da variação e a interpretação do processo de
especiação, como um processo de transformação de variação intrapopulacional
em variação interpopulacional.

3. Darwin, no seu Capítulo 3 (Luta pela existência) d' A origem das espécies, dá
à Seleção Natural uma roupagem lógica nova. Quais são as observações e deduções
que ele realiza para que isto seja possível?

RESPOSTA
Darwin observa que o número de parentais é, geralmente, menor que o número
de descendentes produzidos. Contudo, o tamanho das populações varia pouco,
ao longo das gerações. Diante destas duas observações, Darwin chega à sua
primeira conclusão: existe uma mortalidade. Como os indivíduos não são todos
iguais, mas variam em relação a características que podem ser importantes
para sua sobrevivência, Darwin conclui que esta mortalidade não deve se dar
ao acaso, mas por um processo de seleção natural.

4. Cite outras teorias que explicam a evolução de maneira diferente da teoria


darwinista.

RESPOSTA
Mutacionismo, geoffroyismo, ortogênese, neo-lamarckismo.

CEDERJ 53
Evolução | Histórico do estudo da Evolução

5. Geralmente, Darwin é apresentado como alguém que se contrapunha


violentamente às idéias lamarckistas de uso e desuso e herança do caracteres
adquiridos. Você concorda com esta descrição? Por quê?

RESPOSTA
Não. Darwin respeitava as idéias lamarckistas. Porque ele não tinha uma boa
explicação para a origem e a natureza da variação, usava a herança dos
caracteres adquiridos para resolver este problema da sua teoria. Inclusive, a
teoria da pangênese tem muito das idéias lamarckistas de uso e desuso.

54 C E D E R J
4

AULA
A nova síntese evolutiva
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Analisar as causas da contradição entre
mendelismo e darwinismo.
• Explicar a natureza da síntese evolutiva.
• Descrever a teoria sintética da evolução.
Evolução | A nova síntese evolutiva

GREGOR MENDEL INTRODUÇÃO


Nasceu na Morávia,
Áustria, em 1822, filho A teoria evolutiva, tal como é entendida hoje, tem por base tanto nos trabalhos
de pais fazendeiros.
de Darwin quanto de Mendel. Contudo, como foi visto na aula anterior, estes
Aos 21 anos, entrou
para o Monastério trabalhos estiveram, muitas vezes, em contradição. Isto porque, enquanto o trabalho
Augostiniano de St.
Thomas, em Brünn de Darwin buscava entender o processo de mudança das espécies, o trabalho de
(hoje, Brno, na
República Tcheca).
Mendel estava preocupado com uma explicação para herança, ou seja, era um
modelo para a estabilidade.
Já nos detivemos um pouco, na aula anterior, na história da “teoria da mudança”,
o darwinismo. Vamos falar um pouco, agora, sobre a história do “modelo da
estabilidade”, o mendelismo. No seu curso de Genética, você já estudou detalhes
da história desta ciência como um todo. Aqui estaremos nos fixando na história
da Genética dos primeiros 30 anos do século XX, ressaltando aqueles aspectos

KARL CORRENS que são importantes para entender os problemas enfrentados para a constituição

Geneticista e botânico da Teoria Sintética da Evolução.


alemão, nasceu em
Munique, em 1864.
Juntamente com De MODELO MENDELIANO, MENDELISMO E GENÉTICA
Vries e Tschermak
redescobre os princípios
CLÁSSICA
da hereditariedade de
Mendel. A fundação da Genética Clássica tem três momentos importantes.
Primeiro, a constituição do modelo interpretativo da herança biológica, em
1860, com os trabalhos de GREGOR MENDEL (1822-1884). Estes trabalhos
ficaram no esquecimento por 40 anos até que, no segundo momento,
em 1900, Hugo De Vries (1848-1935), KARL ERICH CORRENS (1864-1933)
e ERICH TSCHERMAK VON SEYSENEGG (1872-1962), de forma independente,
redescobrissem os trabalhos do monge
agostiniano. O terceiro momento importante é a
constituição dos princípios básicos da Genética
ERICH TSCHERMAK Clássica, estabelecidos em 10 anos de trabalho, a
Agrônomo austríaco. partir de 1910, pelo Grupo das drosófilas, como
Embora indicado
como um dos três era conhecido o grupo liderado pelo geneticista
redescobridores das
leis de hereditariedade
THOMAS HUNT MORGAN (1866-1945), nos EUA.
de Mendel, sua Dentre os muitos aspectos revolucionários
contribuição é, nos
dias de hoje, posta presentes no modelo mendeliano de herança, THOMAS MORGAN
em dúvida por alguns um aspecto interessante é que ele rompeu, Geneticista americano,
pesquisadores da líder do grupos
história das ciências. na sua época, com todos os questionamentos das drosófilas na
PÁRA - CIENTÍFICOS a respeito da herança. Universidade de
PÁRA-CIENTÍFICOS Columbia, Prêmio
Por exemplo, na discussão a respeito da Nobel de Fisiologia e
À margem, do lado Medicina, em 1933.
de fora da Ciência.
herança dos traços de nobreza se postulava,

56 C E D E R J
freqüentemente, que o sangue, de alguma forma, poderia ser o responsável

4
pela transmissão dos traços hereditários (a associação do sangue às questões

AULA
de hereditariedade persiste até hoje em expressões do tipo “sangue azul” e
“cavalo puro-sangue”). Não deixa de ser irônico, portanto, que o trabalho
experimental que deu origem à nossa compreensão sobre a hereditariedade
tenha sido realizado com uma planta, a ervilha-de-cheiro Pisum sativum,
que, claramente, estava fora destas questões sanguíneas.
Outro dado interessante, a respeito do modelo mendeliano
de herança, é que ele, para funcionar, precisava assumir a existência
de entidades desconhecidas, objetos dos quais não era possível demonstrar a
existência naquele momento; os fatores hereditários, os famosos ‘A’ (azões)
e ‘a’ (azinhos). Mendel teve a coragem de imaginar, na razão, a existência
do seu objeto de estudo, um objeto novo, os fatores hereditários, mais
tarde denominados genes. Estava assim inaugurada uma ciência nova, de
um objeto novo, a Genética. Desta forma, uma das grandes novidades dos
trabalhos de Mendel foi a aventura de construir estes objetos racionais
para explicar as suas observações de como as características discretas das
ervilhas-de-cheiro estavam sendo herdadas ao longo da gerações. Mendel
não tinha como demonstrar a existência material dos fatores hereditários,
que sustentavam a realidade apenas no interior do seu modelo. A Genética
começava ali, na própria construção teórica dos fatores hereditários, que
tinham a interessante característica de estarem aos pares (mesmo sem se
conhecer, na época, o que significava ser haplóide ou diplóide), e o intrigante
comportamento de se segregarem de forma independente na formação
das células reprodutivas (mesmo sem serem conhecidos, na época, os
mecanismos de mitose e meiose). O esquecimento, durante 40 anos, do
modelo mendeliano de herança pode ser devido, entre outras coisas, ao
caráter marginal e revolucionário destes trabalhos.
Logo depois da redescoberta dos trabalhos de Mendel, em 1900,
alguns cientistas tomaram, como desafio, produzir trabalhos experimentais
de acordo com a interpretação dos fatos dada pelo modelo mendeliano
de herança. Estes trabalhos deram origem ao que chamamos grupo dos
mendelistas. Entre os mendelistas, De Vries e WILLIAM BATESON (1861-1926)
opuseram-se violentamente ao darwinismo. Influenciados pelos exemplos WILLIAM BATESON
de herança de características discretas, oferecidos pelo modelo mendeliano, Biólogo inglês, um dos
primeiros a aceitar as
estes dois pesquisadores entendiam a evolução como um processo com base
leis mendelianas de
na herança de grandes diferenças entre os organismos e com pouca influência herança; denominou
de Genética a nova
da seleção natural. Como já vimos na aula anterior, uma das versões desta ciência da herança
idéia daria origem ao mutacionismo. biológica.

CEDERJ 57
Evolução | A nova síntese evolutiva

É importante lembrar que, neste período, o modelo mendeliano


de herança, do mesmo modo que a teoria darwinista, não era
universalmente aceito. Tanto o modelo mendeliano, quanto a teoria
darwinista, estavam ainda sendo experimentados em relação a uma
gama de dados e observações já acumulados pelos pesquisadores.
Do mesmo modo, novas observações estavam sendo realizadas com o fim
de testar as assertivas dessas duas teorias. Dessa forma, as denominações
mendelismo e darwinismo identificavam grupos de pesquisadores nem
sempre homogêneos em relação às suas interpretações a respeito do que
era o modelo mendeliano e a teoria darwinista. Contudo, esses grupos
partilhavam algumas características importantes em relação às suas idéias
e ao modo como realizavam o seu trabalho, o que foi descrito na aula
anterior, quando tratava do período neo-darwinista.
A aceitação geral do modelo mendeliano de herança só viria
com os trabalhos do Grupo das drosófilas, grande responsável pela
construção do que, hoje, conhecemos como Genética Clássica. Mesmo
aqui, a contradição entre mendelismo e darwinismo estava presente. Por
exemplo, Morgan não confiava nas idéias darwinistas e sua procura de
mutantes visíveis em Drosophila era mais baseado num fascínio pelo
mutacionismo de De Vries. Do mesmo modo, interpretações lamarckistas
eram oferecidas para resultados experimentais que desviavam das
proporções mendelianas esperadas, como é o caso da expressão variável
do fenótipo de algumas mutações dominantes, como Beaded (moscas
com asas longas e estreitadas em alguns pontos). Por outro lado, HERMANN
JOSEPH MULLER (1890-1967), outro integrante do Grupo das drosófilas, era
quem tentava compatibilizar os resultados da nova ciência com as idéias
HERMANN MULLER do darwinismo. No caso da mutação dominante Beaded, por exemplo,
Geneticista americano, Muller buscava explicações no efeito de interação entre os genes.
nascido em Nova
York, em 1890. Prêmio A partir deste ponto, a década de 1920, o modelo mendeliano já
Nobel de Fisiologia e
Medicina, em 1946, tinha alcançado aceitação geral e a Genética Clássica já existia como
pela descoberta de que uma ciência bem estabelecida. E o darwinismo?
as mutações podem
ser induzidas por
radiação.

58 C E D E R J
NO CAMINHO DA SÍNTESE

4
AULA
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

(ANDRADE, 1928)

Como já vimos, o modelo mendeliano de herança lidava com a


herança de caracteres discretos, como, no caso da ervilha-de-cheiro: a cor
da flor, a forma da ervilha, a cor da vagem etc. Esse modelo atribuía a KARL PEARSON
Nasceu em Londres,
herança destas características à herança de fatores hereditários (elementos em 1857, membro
que passavam de pais para filhos através das células reprodutivas). de uma família de
classe média alta.
A Genética Clássica, inclusive, descrevia a organização destes fatores Estudou Matemática
na Universidade
(agora chamados genes) nos cromossomos como um conjunto de “contas de Cambridge.
em um colar”. Conhecido
estatístico,
Em contraposição à interpretação mendeliana, existia uma outra desenvolveu os testes
de qui-quadrado.
perspectiva que estudava a herança de características contínuas (altura,
peso etc.), que apresentam pequenas diferenças entre os indivíduos de
uma população. Os pesquisadores que estudavam a herança deste tipo
de variação eram chamados de biometristas; KARL PEARSON (1857-1936) e
WALTER FRANK RAPHAEL WELDON (1860-1906) eram dois nomes importantes
da Biometria. Estes pesquisadores eram muito bons em Matemática e
desenvolveram inúmeros métodos estatísticos para descrever e estudar a
herança da variação contínua. Neste caso, os pesquisadores eram muito
mais simpáticos ao darwinismo, uma vez que a percepção da variação
que eles tinham era diferente daquela dos mendelistas, ou seja, eles viam
WALTER WELDON
muita variação constituída de pequenas diferenças entre os indivíduos
Pesquisador inglês,
dentro das populações. Contudo, os biometristas não foram capazes colaborador de
Pearson e um dos
de explicar a hereditariedade com a mesma eficiência, simplicidade e fundadores da revista
Biométrica.
elegância do modelo mendeliano.

CEDERJ 59
Evolução | A nova síntese evolutiva

Para a teoria evolutiva, portanto, um dos principais problemas


era compatibilizar uma genética atomística, que encarava o organismo
como um conjunto de características discretas sendo herdadas de
maneira invariante com a variação contínua presente nas populações
naturais, que era descrita pelos pesquisadores de História Natural e
estudada pelos biometristas. Em 1918, RONALD AYLMER FISHER (1890-1962)
publicou um artigo onde demonstrava que todos os resultados obtidos,
pelos biometristas, para herança de características de variação contínua
poderiam ser derivados do modelo mendeliano, sendo necessário, para
RONALD FISHER tanto, assumir a contribuição de vários locos e vários alelos com interação
Matemático inglês,
aditiva, nos casos mais simples. Um problema estava resolvido, menos
nascido em Londres,
em 1890, e um dos uma pedra havia no meio do caminho.
pais da Teoria Sintética
da Evolução. O outro problema dos darwinistas era demonstrar que a seleção
natural poderia operar sobre populações mendelianas, de modo a
produzir os efeitos esperados pela teoria evolutiva darwiniana. Este
problema foi resolvido na década de 1930, com os trabalhos teóricos
de R. A. Fisher, SEWALL WRIGHT (1889-1988) e JOHN BURDON SANDERSON
HALDANE (1892-1964). O trabalho destes três teóricos demonstrou que era
possível entender o processo evolutivo como um processo de mudança das
freqüências gênicas dentro das populações. As idéias de Fisher, Haldane
e Wright, que possibilitaram a síntese, foram sumarizadas e publicadas
SEWALL WRIGHT por volta de 1930. Fisher publicou o livro The genetical theory of natural
Geneticista americano selection, em 1930. Haldane também publicou um livro, The causes of
e um dos pais da
evolution, em 1932. O livro de Haldane contém uma série de palestras
Teoria Sintética da
Evolução, na sua de divulgação da teoria evolutiva realizadas por ele e, ao final, um
vertente da genética de
populações. apêndice, no qual ele resume sua teoria matemática da seleção natural.
Wright, de modo diverso, publicou em 1931 um longo artigo, Evolution
in mendelian populations, na revista Genetics.
Não havia mais pedra no meio do caminho; a contradição
entre mendelistas e darwinistas estava superada. A teoria darwinista
tinha, então, aquilo que estava faltando: um bom modelo de herança,
uma explicação sólida para origem e natureza da variação. A síntese
entre darwinismo e mendelismo estava realizada e, desde então, nunca
esqueceremos este acontecimento.

JOHN HALDANE TRÊS GIGANTES


Geneticista inglês, um
dos pais da Teoria O caminho percorrido desde a contradição entre os trabalhos de
Sintética da Evolução.
Mendel e Darwin até a teoria sintética da evolução ainda é controverso.

60 C E D E R J
Ernest Mayr (1904-), por exemplo, acredita que a teoria sintética não teve

4
origem no trabalho dos bean bag geneticists (geneticistas dos saquinhos

AULA
de feijão, como ele chama os pesquisadores de genética de populações,
em contraposição aos pesquisadores de História Natural). Segundo ele,
a teoria sintética seria o resultado de uma síntese do campo dos estudos ERNEST MAYR
de História Natural (sistemática, paleontologia, genética experimental) e Alemão, nasceu em
1904 e continua
o evolucionismo de tradição darwinista. Neste sentido, os trabalhos de produtivo. Reside
atualmente nos EUA.
THEODOSIUS DOBZHANSKY (1900-1975), GEORGE GAYLORD SIMPSON (1902-1984)
e dele mesmo teriam tido um papel crucial na definição da nova síntese.
Embora o trabalho destes cientistas tenha tido, incontestavelmente,
grande impacto ao estender a síntese como um teoria unificadora em
Biologia, acreditamos que o coração da teoria sintética da evolução
tenha sido, de fato, a capacidade de entender o modelo mendeliano não
como uma teoria da estabilidade, mas como um modelo que poderia
ser visto também como uma ciência do movimento e da mutabilidade.
Neste aspecto, não existe dúvida de que a genética de populações foi
a disciplina que melhor estabeleceu esta nova visada, abrindo caminho
para um entendimento mais profundo do processo evolutivo, por meio da THEODOSIUS
teoria sintética. O trabalho destes três gigantes da genética de populações, DOBZHANSKY
Nasceu na Ucrânia,
Haldane, Fisher e Wright, foi o que definiu a síntese evolutiva. em 1900, e estudou na
Universidade de Kiev
O trabalho dos três gigantes foi, ao mesmo tempo, unificado e
(Rússia). Em 1927, foi
diferente. Fisher, em 1930, e Wright, em 1931, construíram sistemas para a Universidade
de Columbia, nos
teóricos distintos para explicar o processo evolutivo. Fisher se concentrou EUA, naturalizando-se
americano, em 1937.
em uma teoria geral da seleção natural, que demonstrava o efeito da
seleção natural sobre pequenas mutações em populações muito grandes.
A idéia de Wright, por outro lado, interpretava o processo evolutivo
como ocorrendo em populações estruturadas (pequenas populações da
mesma espécie, separadas no espaço, mas não isoladas), de modo que
as oscilações ao acaso das freqüências gênicas tivessem um efeito na
diferenciação destas pequenas populações. Segundo ele, isto possibilitaria
às espécies explorar diferentes situações adaptativas (este tema será
melhor discutido no Módulo 2 do curso de Evolução, na Aula 19, sobre
Adaptação e Adaptacionismo). O sistema construído por Fisher era
G. G. SIMPSON
matematicamente simples e facilmente testável; entretanto, era também Nasceu em Chicago,
extremamente reducionista, ignorando as complexas interações entre os em 1902, e é
conhecido pela sua
genes no genótipo e destes com o ambiente. O sistema de Wright, por contribuição para a
síntese evolutiva.
outro lado, levava em consideração as complexas interações gênicas,

CEDERJ 61
Evolução | A nova síntese evolutiva

especialmente a epistasia, e dava atenção ao poder da deriva genética


de criar alterações rápidas nas freqüências gênicas (você vai estudar
os efeitos da deriva nas Aulas 10 e 11 deste módulo), sendo, por isto
mesmo, uma fonte interessante de novidades evolutivas. O modelo de
Wright, contudo, apesar de extremamente interessante, tinha que lidar
com um número de variáveis imenso, o que o tornou, até hoje, um modelo
impossível de ser transcrito matematicamente, tendo ficado como um
modelo muito mais verbal do que matemático.
Haldane, de maneira diferente dos seus dois contemporâneos,
não construiu um sistema totalizante para entender a evolução, mas
se debruçou sobre questões que eram cruciais para a superação da
contradição entre mendelismo e darwinismo. Estas questões eram:
1) As diferenças entre as espécies são, de fato, da mesma natureza
das diferenças entre as populações?
2) Como opera a seleção natural?
3) Como é possível que evolução não adaptativa possa existir?
4) Como o conflito de interesses entre gametas, indivíduos e
populações podem ser solucionados no processo evolutivo?
De certa forma, neste curso de Evolução, ao longo das nossas
aulas, estaremos ainda nos debruçando sobre estas questões e estudando
as respostas para elas.

BRAÇOS FORTES

Inspirados na síntese entre mendelismo e darwinismo, muitos


pesquisadores iniciaram programas de pesquisa com o intuito de entender o
processo evolutivo. Duas colaborações são muito interessantes neste período.
Theodosius Dobzhansky, nos Estados Unidos, iniciou pesquisas
com moscas-da-fruta, do gênero Drosophila, nos laboratórios de Thomas
Morgan. O seu programa de pesquisa envolvia tanto o trabalho no
campo, com populações naturais, quanto o trabalho experimental,
com cruzamentos controlados e a utilização de marcadores genéticos
de mutantes visíveis. Este trabalho deu origem à memorável série de 43
artigos científicos intitulados “Genética das Populações Naturais”, que
se estendeu de 1937 até 1975. Este programa de pesquisa teve a íntima
colaboração de Sewall Wright, com quem Dobzhansky publicou vários
artigos e trocou volumosa correspondência. Contudo, talvez a obra

62 C E D E R J
mais importante de Dobzhansky, para divulgação da teoria sintética da

4
evolução, tenha sido o seu livro Genetics and origin of species, publicado

AULA
primeiramente em 1937, mas que teve uma série de edições. Ao final
destas edições, este livro se transformou no seu outro livro Genetics of
the evolutionary process, que pode ser encontrado em português (como
Genética do processo evolutivo) e é uma leitura muito interessante.
Edmund Brisco Ford (1901-1988), no Reino Unido, iniciou
programa de pesquisas semelhante àquele desenvolvido por Dobzhansky.
Seus trabalhos envolviam o estudo da ação da seleção natural em
populações naturais, especialmente de mariposas. Ford chamou o seu
campo de pesquisas de Genética Ecológica e publicou, em 1964, um livro
homônimo, no qual sumarizava os resultados dos seus muitos anos de
pesquisa. Os trabalhos de HENRY BERNARD DAVIS KETTLEWELL (1901-1979), HENRY KETTLEWELL
Formou-se em
com a mariposa Biston betularia, é um dos mais famosos estudos da área Medicina; só mais
de genética ecológica (rever o sumário destes estudos nas suas aulas do tarde, a Entomologia
seria sua atividade
curso de Grandes Temas em Biologia). O programa de pesquisas de Ford principal quando,
então, realizou os
tinha a colaboração de Ronald Fisher. Um dos estudos em colaboração seus famosos estudos
destes dois pesquisadores buscava demonstrar que o efeito da deriva sobre o melanismo
industrial.
genética não era importante nas mudanças evolutivas observadas na
mariposa Panaxia dominula. Obviamente, uma das motivações que
animava esta pesquisa era a discordância, entre Fisher e Wright, na
maneira de interpretar o processo evolutivo.
Além dos trabalhos na área da genética experimental, realizados
por Dobzhansky e Ford, outros pesquisadores foram muito importantes
na extensão da síntese a todos os campos da Biologia. Ernest Mayr, por
exemplo, publicou, em 1942, seu livro Systematics and the origin of
species, no qual combate o conceito tipológico de espécie. Segundo o
conceito tipológico, as espécies seriam grupos de organismos homogêneos
morfologicamente. Esta semelhança entre os indivíduos era medida
em função de um indivíduo-tipo. Desta forma, todas as espécies
teriam alguns indivíduos semelhantes ao tipo, e outros, desviantes.
Os indivíduos desviantes seriam produto de alguma forma de erro. Mayr,
no seu livro, defende uma visão populacional de espécie, fundamentada
na perspectiva darwinista da variação e nos fundamentos dos estudos
da genética de populações. O processo evolutivo, como já vimos, se
dá pelas alterações de freqüências gênicas em populações mendelianas.
A espécie, então, passa a ser o conjunto de populações que trocam genes

CEDERJ 63
Evolução | A nova síntese evolutiva

quando se reproduzem. Como existem muitos genótipos diferentes nestas


populações, a noção de tipo não tem nenhum sentido biológico
nessa perspectiva populacional do que vem a ser uma espécie.
A mesma perspectiva populacional foi aplicada por G. G. Simpson
à Paleontologia, no seu livro Tempo and mode in evolution, publicado
em 1944. Na década de 1930, era comum que os paleontologistas
explicassem a evolução dos fósseis por processos ortogenéticos. Por esta
hipótese, as espécies evoluiriam seguindo determinados padrões definidos
por tendências internas e hereditárias. Esta hipótese está relacionada
diretamente ao lamarckismo, mas radicaliza suas idéias, no sentido de que
as “tendências” internas eram definidas independentemente do ambiente.
Simpson, no seu livro, defende que nenhuma observação do registro
fóssil depende de tais forças ortogenéticas para sua explicação; pelo
contrário, todas estas observações podem ser facilmente interpretadas
com os mecanismos da genética de populações defendidos por Fisher,
Haldane e Wright.

A TEORIA SINTÉTICA DA EVOLUÇÃO

Como você percebeu, a teoria sintética da evolução foi produto do


trabalho de pesquisadores das mais diversas áreas das Ciências Biológicas,
que compatibilizaram os progressos alcançados na Genética e na História
Natural. Esta síntese passou a ser conhecida como a Teoria Sintética
da Evolução. A estrutura básica desta teoria é a de que a evolução é
um fenômeno de duas faces: a produção de variação e a escolha de
variantes. Assim, podemos classificar os fatores evolutivos em dois
grupos. Primeiro, as fontes de variação, aquelas que criam variação
nova (mutação), concorrem para o aumento da variedade de combinações
(recombinação) ou disseminam a variação presente (migração ou fluxo
gênico). A segunda diz respeito às fontes de alteração da variação, que
podem ser sistemáticas (como a seleção natural, migração e mutação)
ou estocásticas (ou aleatórias, como a deriva genética e desvios ao acaso das
pressões sistemáticas). Desta forma, a síntese das idéias darwinistas com o
mendelismo se deu, principalmente, na vertente da genética de populações.
Como você já estudou, a constituição genética dos indivíduos
(genótipo) e o problema das leis governando a sua herança constituem
o objeto de estudo da Genética. A genética de populações, por sua vez,

64 C E D E R J
está preocupada com o estudo dos genótipos de grupos de indivíduos,

4
as populações, e como esta constituição genética pode mudar ao longo

AULA
das gerações. A mudança da composição genética das populações, ao
longo das gerações, constitui o processo evolutivo e, por isto mesmo,
estudar genética de populações é também estudar o processo evolutivo.
Assim, o trabalho de medir e caracterizar a variação gênica presente em
populações naturais, bem como o entendimento dos mecanismos que
determinam o seu padrão de distribuição nas populações, é condição
fundamental para se estudar e entender o processo evolutivo.
O processo evolutivo tem como resultado a ramificação das
diferenças, seja entre indivíduos dentro da mesma população, populações
dentro da mesma espécie, espécies dentro do mesmo gênero e assim por
diante. O processo de diferenciação das populações dentro de uma mesma
espécie pode levar àquilo que chamamos de especiação. A especiação,
como você já deve ter notado, é um dos temas mais importantes dentro
do estudo da evolução; não é por acaso que o livro de Darwin se chamava
A origem das espécies. Você verá especiação, em detalhe, na Aula 24
de nosso curso.
Para terminar esta aula, gostaríamos de tirar duas conclusões
importantes a respeito do processo evolutivo, como o temos visto até
aqui. Primeira, que a evolução é um fato natural, inapelável, tanto quanto
a gravidade. Isto, porque, como a evolução, em última análise, resulta
de mudanças nas freqüências gênicas, e, como a deriva genética, que é a
ação do acaso, modifica as freqüências gênicas de populações naturais de
seres vivos; então, é impossível pensar em uma população que não esteja
evoluindo. Não é necessário nem mesmo a seleção natural para que isto
ocorra, embora a sua existência facilite e otimize o processo.

CEDERJ 65
Evolução | A nova síntese evolutiva

Segunda conclusão: como a evolução pode ser feita


fundamentalmente com base apenas em forças como a ação do acaso
(mutação, recombinação) e da seleção natural, ou seja, atendendo a
pressões imediatas do ambiente, o processo evolutivo não possui um
planejamento. De fato, para gerar toda a biodiversidade observada hoje,
o processo evolutivo dependeu de um período de tempo muito longo e
de muitas extinções. Logo, idéias como aquelas geralmente associadas
ao processo evolutivo, como perfeição e progresso, não são adequadas.
Sabemos que estas conclusões perturbam um pouco (talvez muito), mas
era importante que a gente falasse delas, mesmo que você, neste momento,
ainda não tenha muito clara a extensão que elas possuem. Esperamos
que, ao final do curso de evolução, estas conclusões se imponham com
mais segurança a você. Para resumir tudo o que a gente falou aqui neste
item sobre a Teoria Sintética, dê uma olhada na Figura 4.1, pois ela
mostra os aspectos mais importantes da teoria sintética da evolução e
representa o processo de especiação alopátrica.

TEORIA SINTÉTICA

Produção dos variantes Escolha dos variantes


Recombinação Pouco determinista Seleção Natural
Mutação Adaptação por seleção natural Deriva Genética
Especiação sem tônica adaptativa
Migração

Especiação Alopátrica

Espécie Populações Populações co- Populações co- Espécies


ancestral co-específicas específicas com específicas com descendentes
variação isoladas diferença significativa diferentes genes
gênica na freqüência dos fixados
genes
Migração
Seleção
Isolamento Natural (SN)
SN SN
geográfico Deriva DG DG
Genética (DG)
Recombinação
Mutação

Figura 4.1: Resumo esquemático dos aspectos mais importantes da Teoria Sintética
da Evolução, representando, ao final, o processo de especiação por isolamento
geográfico.

66 C E D E R J
4
RESUMO

AULA
Nesta aula, vimos que a Teoria Sintética da Evolução é um fenômeno de duas
faces: a produção de variação (mutação, recombinação, migração) e a escolha de
variantes (seleção natural e deriva genética). Contudo, estudamos também que,
“no meio do caminho” da síntese havia alguns problemas como, por exemplo,
explicar a herança de caracteres de variação contínua pelo modelo mendeliano
de herança e demonstrar que a seleção natural poderia produzir as mudanças
evolutivas defendida pelos darwinistas.
Estes problemas foram resolvidos pelo trabalho teórico de Fisher, Haldane
e Wright. Logo após isto, a teoria sintética da evolução foi estendida para
todas as áreas da Biologia por pesquisadores como Dobzhansky, Mayr, Simpson,
Stebbins, Ford e outros. Desde então, a Teoria Sintética da Evolução é a teoria
mais abrangente da Biologia, unificando as observações realizadas nas suas mais
diversas áreas.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Como já vimos, nestas quatro primeiras aulas, a variação é o material da evolução,


logo, é também aquilo que é preciso estudar para se entender a evolução. Na
próxima aula, estaremos começando a usar as ferramentas teóricas da genética
de populações para descrever a variação.

EXERCÍCIOS

1. Quais as duas pedras no caminho da constituição da síntese evolutiva?

RESPOSTA
A primeira “pedra” era compatibilizar a genética mendeliana de herança
de caracteres discretos e invariantes com a variação contínua presente nas
populações naturais. A segunda “pedra” era demonstrar que a seleção natural
poderia operar sobre populações mendelianas, de modo a produzir os efeitos
esperados pela teoria evolutiva darwiniana.

CEDERJ 67
Evolução | A nova síntese evolutiva

2. Qual a diferença de perspectiva entre mendelistas e biometristas, com


relação à variação nas populações naturais?

RESPOSTA
A primeira “pedra” era compatibilizar a genética mendeliana de herança
de caracteres discretos e invariantes com a variação contínua presente nas
populações naturais. A segunda “pedra” era demonstrar que a seleção natural
poderia operar sobre populações mendelianas, de modo a produzir os efeitos
esperados pela teoria evolutiva darwiniana.

3. A teoria darwiniana tinha um problema: sem variação de natureza herdável,


não há evolução! Como o modelo mendeliano, na teoria sintética, resolve esta
questão?

RESPOSTA
A variação de origem recombinacional é imensa e suficiente para fornecer
material para evolução.

4. A Teoria Sintética propõe que a evolução seja um processo que se dá pela ação
de mecanismos que produzem variação e mecanismos que diminuem variação
nas populações naturais. Enumere os mecanismos para cada um destes casos.

RESPOSTA
Os mecanismos que produzem a variação são: recombinação, mutação, seleção
natural e migração. Os mecanismos que diminuem a variação são: deriva
genética e seleção natural.

68 C E D E R J
Freqüências gênicas e genotípicas,
heterozigosidade, populações,

AULA
modelos e introdução ao Equilíbrio
de Hardy-Weinberg
Meta da aula
Apresentar a disciplina Genética
de Populações e os conceitos de
freqüências gênicas e genotípicas.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Descrever os conceitos e os mecanismos da Genética de
Populações.
• Demonstrar a idéia de que a Evolução é o estudo da origem
e destino da variação genética sobre o espaço e o tempo, em
uma população com habilidade de se reproduzir.
• Definir as noções e a importância do cálculo das freqüências
gênicas e genotípicas.
• Aplicar as condições de equilíbrio das freqüências gênicas e
utilizar cálculos simples (Teorema de Hardy-Weinberg) para
predizer freqüências em populações naturais.

Pré-requisito
Para acompanhar mais facilmente esta aula, é importante
que você reveja alguns conceitos das aulas sobre padrões
de herança (Aula 9 da disciplina Genética Básica),
estrutura de DNA e cromossomos (Aulas 4, 6 e 8 da
disciplina Biologia Molecular), espécie e diversidade
biológica (disciplina Diversidade dos Seres Vivos).
Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução
ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos falar um pouco mais sobre a diversidade genética dos organismos
e sobre como podemos estudar essa diversidade, não de forma isolada, mas, sim,
em um grupo de organismos. A disciplina que estuda a variabilidade genética
em um grupo de indivíduos é a Genética de Populações. Para entendermos os
conceitos e mecanismos da Genética de Populações, vamos começar revisando
alguns termos que já são nossos conhecidos.

DIVERSIDADE GENÉTICA

A Genética de Populações estuda as diferenças genéticas que


ocorrem naturalmente entre os organismos (Figura 5.1). As diferenças
genéticas comuns entre organismos da mesma espécie são chamadas
polimorfismos genéticos. O termo divergência genética é utilizado para
definir essas diferenças que se acumulam entre espécies distintas. A
Genética de Populações também pode ser definida como o estudo de
polimorfismos e divergências.

Figura 5.1: Exemplo de polimorfismos que ocorrem naturalmente entre os


organismos.

GENÓTIPO E FENÓTIPO

Lembrando as aulas do curso de Genética Básica, já sabemos que


o termo gene refere-se a uma entidade física transmitida dos pais para os
filhos durante o processo reprodutivo, e que influencia os traços (caracteres)
hereditários. O conjunto de genes presentes em um indivíduo constitui o seu
genótipo. O fenótipo é a expressão física ou bioquímica do genótipo.

70 CEDERJ
!

5
Relembre os experimentos de Gregor Mendel, o

AULA
“pai” da Genética, aquele que formulou as leis
fundamentais da herança. Releia as Aulas 4 e 5 da
disciplina Genética Básica.

LOCO E ALELO

Nós aprendemos, também, que os genes podem existir em diferentes


estados ou formas alternativas chamadas alelos. Assim, alelos
diferentes codificam cadeias polipeptídicas ligeiramente diferentes.
A posição de um gene ao longo de um cromossomo é chamada loco
do gene (Figura 5.2). Na maior parte das plantas e animais (eucariotos
superiores), como os humanos, por exemplo, cada célula contém duas
cópias de cada tipo de cromossomo, uma cópia herdada da mãe, através
do óvulo, e outra herdada do pai, através do espermatozóide. Esses
organismos, nos quais os cromossomos estão presentes em pares, são
chamados diplóides. Assim, em qualquer loco, cada indivíduo contém
dois alelos – um em cada posição correspondente (homóloga) no
cromossomo de origem materna e paterna.
Como você viu na disciplina Genética Básica, caso os dois alelos de
um loco sejam quimicamente idênticos (expressem um mesmo fenótipo),
o organismo é dito homozigoto para este loco. Caso os dois alelos de
um loco sejam quimicamente distintos (expressem fenótipos distintos),
o organismo é dito heterozigoto para este loco.

CROMOSSOMO
DNA

LOCOS
GÊNICOS

Figura 5.2: Imagem de um cromossomo indicando um determinado loco gênico.

CEDERJ 71
Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução
ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

POPULAÇÕES

O foco do estudo da Genética de Populações é a população natural,


definida como a população em que os indivíduos estão em cruzamento
POOL sexual e compartilhando um POOL de genes (Figura 5.3).
É uma palavra Entendemos como pool de genes a soma total dos genes existentes nos
inglesa, que traduzida
literalmente significa gametas reprodutivos de todos os indivíduos da população. Nas populações,
"poça" ou "charco".
herdam-se as freqüências dos genes, ou gênicas, em vez de genes.
No texto, a palavra
pool é utilizada Em Genética de Populações, a palavra 'população' normalmente
no sentido de um
conjunto de genes. não se refere a uma espécie, mas a um grupo de indivíduos da mesma
espécie, vivendo em uma área geográfica restrita, de maneira que qualquer
membro possa acasalar com outro membro (desde que sejam de sexos
opostos...).

Figura 5.3: Modelo de população de coelhos, com vários indivíduos vivendo em


uma área geográfica restrita.

GENES NA POPULAÇÃO

As populações são as unidades básicas da alteração evolutiva e, para


entender e explicar as forças que produzem alterações nelas, será necessário
adequar nosso conhecimento da genética mendeliana às populações.

! Lembre-se dos conceitos de seleção natural, de acordo


com a teoria de Charles Darwin, que aprendemos na
disciplina Diversidade dos Seres Vivos.

72 CEDERJ
As populações ditas mendelianas ou 'demes' têm continuidade

5
genética tanto no tempo como no espaço; no espaço, por causa

AULA
do intercruzamento de seus membros e, no tempo, por causa das
interconexões reprodutivas entre as gerações.
Podemos imaginar uma espécie sendo composta de várias
populações mendelianas, cada uma tendo algumas conexões genéticas
com a subseqüente, formando uma série de unidades de transição inter-
relacionadas.
Estas populações genéticas têm dois atributos importantes: as
freqüências gênicas e o conjunto gênico.
No estudo das populações mendelianas, muitas descobertas básicas
ocorreram a partir do momento em que as populações de genes passaram
a ser focalizadas, no lugar de populações de indivíduos.
Os genes mantidos pelos indivíduos em uma deme são considerados,
coletivamente, um conjunto de genes (em inglês: seu pool gênico). Este
conjunto de genes torna-se temporariamente disperso pelos indivíduos da
população, na forma de um conjunto de determinados genótipos.
A composição genética da população pode ser descrita, para qualquer
loco gênico, em termos das freqüências de seus alelos ou genótipos.

FREQÜÊNCIAS GENOTÍPICAS

Para descrever a constituição genética de um grupo de indivíduos,


teremos de especificar seus genótipos e dizer quantos eles são de cada tipo.
Examinaremos apenas um loco gênico que pode existir em dois
estados, ou alelos, chamados de A e a. Em uma população diplóide, três
genótipos seriam possíveis:

Genótipos AA Aa aa

A constituição genética desse grupo seria completamente descrita


pela proporção, ou percentagem, de indivíduos pertencentes a cada tipo
de genótipo; em outras palavras, pelas freqüências dos três genótipos
entre os indivíduos (freqüências genotípicas).
Se, por exemplo, encontrarmos um quarto dos indivíduos no
grupo sendo AA, a freqüência desse genótipo será 0,25, ¼ ou 25%.
Naturalmente, as freqüências somadas de todos os genótipos devem se
igualar à unidade (1) ou 100%.

CEDERJ 73
Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução
ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

Uma população, no senso genético, não é somente um grupo de


indivíduos, mas um grupo de parceiros ou casais. A Genética de Populações
envolve não somente a constituição genética dos indivíduos, como, também, a
transmissão dos genes de uma geração para a seguinte. Nessa transmissão, os
genótipos dos pais são 'quebrados' (já que cada genitor passa, através de seu
gameta, somente um dos seus alelos para o filho) e um novo jogo de genótipos
é constituído na prole (Figura 5.4).
Assim, os genes carregados por uma população têm continuidade de uma
geração para outra, mas os genótipos onde os genes aparecem não têm.

Aa Aa
1 2
Ambos os pais
produzem gametas
dos tipos A e a.

3 Aa 4 aa 5 AA

Figura 5.4: Esquema de um cruzamento mostrando os dois indivíduos parentais (mãe


1 e pai 2) e a prole (filho 3, filho 4 e filha 5), com os genótipos identificados.

FREQÜÊNCIAS GÊNICAS

A freqüência gênica ou alélica de um determinado alelo, dentre


um grupo de indivíduos, é definida como a proporção (%) de todos os
alelos de um loco de determinado tipo. A soma das freqüências gênicas
em uma população deve ser igual a um (1), devido ao fato de cada
freqüência gênica ser uma proporção do total.
A freqüência gênica em um determinado loco, dentre um grupo
de indivíduos, pode ser determinada a partir do conhecimento das
freqüências genotípicas. Por exemplo, suponha que existam dois alelos,
A e B, onde A codifica para manchas marrons e B codifica para manchas
pretas, nas asas de uma espécie de borboleta, e que nós classificamos 100
borboletas, contando os números de cada genótipo, como segue:

Genótipo AA AB BB TOTAL
Número de
borboletas 30 60 10 100 borboletas
Nº de alelos A 60 60 0 120 alelos
Nº de alelos B 0 60 20 80 alelos

74 CEDERJ
Cada indivíduo contém dois genes; assim, nós contamos 200 genes

5
representativos nesses locos. Cada indivíduo AA contém dois alelos A

AULA
(homozigoto) e cada indivíduo AB contém um alelo A (heterozigoto). Logo,
existem 120 alelos A e 80 alelos B na amostra. A freqüência do alelo A é 60%
ou 0,6 (ou seja, 120 alelos divididos pelo número total de alelos, que é 200)
e a freqüência do alelo B é 40% ou 0,4 (80 divididos por 200 alelos).
Para expressar essas relações de uma forma mais geral, vamos
considerar:

Genótipo AA AB BB TOTAL
Número de genótipos n1 n2 n3 = N

Se n1, n2 e n3 são os números dos três genótipos na população,


então, as freqüências gênicas serão:

Freqüência do alelo A = p = 2n1 + n2 = n1 + ½ n2


2N N

Freqüência do alelo B = q = 2n3 + n2 = n3 + ½ n2


2N N

Ou seja, a freqüência de um determinado alelo em uma amostra


é igual a duas vezes o número de genótipos homozigotos para o alelo
(porque cada homozigoto carrega duas cópias do alelo) mais o número
de genótipos heterozigotos para o alelo (porque cada heterozigoto carrega
uma cópia), dividido por duas vezes o número total de indivíduos na
amostra (porque cada indivíduo carrega dois alelos em cada loco).

Se representarmos a freqüência do alelo A por p e a freqüência


do alelo B por q, teremos, então, p + q = 1.

As freqüências gênicas podem variar com o tempo e o espaço ou


podem manter-se estáveis. A situação na qual as freqüências permanecem
constantes é chamada equilíbrio genético. O equilíbrio genético pode
ser definido como a manutenção da freqüência dos alelos, em um
mesmo valor, em gerações sucessivas. Essa é uma condição na qual as
freqüências dos alelos não aumentam nem diminuem, ocorrendo, então,
a manutenção da variedade genética de uma população. Em seguida,
estudaremos em detalhes as condições de equilíbrio genético.

CEDERJ 75
Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução
ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

ATIVIDADES

Exercício 5.1
A mariposa Panaxia dominula apresenta uma geração por ano. Na
Inglaterra, existem três formas que as diferem entre si: pela quantidade
de pintas brancas nas asas superiores, de cor preta, e na quantidade de
preto nas asas inferiores vermelhas. Sabe-se, a partir de experimentos
de cruzamentos, que as diferenças de pigmentação são causadas por
diferenças alélicas em um único loco (essa única diferença gênica com
dois efeitos fenotípicos é um exemplo de pleiotropia). O sistema é co-
dominante, ou seja, o heterozigoto é um intermediário entre ambos
os homozigotos. O genótipo A1A1 é o que apresenta muitas pintas
brancas, A1A2 é o heterozigoto e A2A2 é o genótipo com a asa superior
mais escura (menos pintas brancas). Entre os anos 1939 e 1970, foi
coletado um determinado número de mariposas de cada genótipo:

A1A1 = 17.062 A1A2= 1.295 A2A2 = 28

Calcule as freqüências genotípicas e gênicas na população de


mariposas.
______________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
________________________________________________________

RESPOSTA
Freqüências genotípicas:
Número total de mariposas = 18.385
A1A1 = 17.062/18.385 = 0.928
A1A2 = 1.295/18.385 = 0.070
A2A2 = 28/18.385 = 0.002
Note que a soma de todas as freqüências genotípicas sempre corresponde à
unidade ou 100% (0.928+0.070+0.002 = 1).

Freqüências gênicas:
Número total de cópias dos genes 18.385 x 2 = 36.770 alelos
A1 = (17.062 x 2) + (1.295 x 1) = 35.419; f A1 = 35.419/36.770 = 0.963
A2 = (28 x 2) + (1.295 x 1) = 1.351; f A2 = 1.351/36.770 = 0.037
Note que a soma das freqüências gênicas sempre corresponde à unidade ou
100% (0.963+0.037 = 1).

76 CEDERJ
5
AULA
Exercício 5.2
Considere o gene humano CCR5, que codifica para um co-receptor
de macrófagos para o HIV-1, agente causador da AIDS. Os genótipos
homozigotos para uma deleção de 32 aminoácidos (CCDR5-∆32) são
extremamente resistentes à infecção pelo HIV-1. Em uma amostra de
294 parisienses estudados para os alelos + (normal) e ∆32 (deleção), os
números de indivíduos com cada genótipo foram os seguintes:

+/+ = 224 pessoas +/∆32 = 64 pessoas ∆32 / ∆32 = 6 pessoas

Calcule as freqüências genotípicas e gênicas.

______________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________

RESPOSTA
Freqüências genotípicas:
Número total de indivíduos: 294
+/+ = 224/294 = 0.762
+/∆32 = 64/294 = 0.218
∆32/∆32 = 6/294 = 0.020

HETEROZIGOSIDADE

O termo heterozigosidade refere-se a uma medida da variação


genética em uma população, com relação a um loco. Essa medida reflete
a freqüência de heterozigotos para esse loco. Tal estimativa é muito útil
para avaliarmos a diversidade genética de uma população natural (Figura
5.5). No caso do exemplo da espécie de borboleta, vemos que, das 100
borboletas, 60 foram heterozigotos (AB), ou seja, sua heterozigosidade
observada (Ho) foi de 60%.
Quando se estima a heterozigosidade em mais de um loco, pode-
se calcular também a heterozigosidade média, que é a média aritmética
simples de todas as heterozigosidades.

CEDERJ 77
Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução
ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

Além da heterozigosidade observada diretamente na amostra,


podemos também estimar qual heterozigosidade a população terá na
próxima geração, se os efeitos de outras forças evolutivas (basicamente, a
mutação ou a seleção natural) forem muito pequenos. Essa heterozigosidade,
chamada “heterozigosidade esperada” (He), é uma medida útil da
variabilidade populacional, pois depende menos do tamanho amostral,
refletindo melhor a variabilidade real da população.
Enquanto a Ho é calculada a partir das freqüências genotípicas,
a He é calculada a partir das freqüências gênicas, da seguinte forma:
considere um loco com dois alelos A e B, com respectivas freqüências p e
q (p + q = 1). Suponha que a freqüência real de genótipos heterozigotos na
população, no presente momento, é representada por H. Se a população
estivesse em equilíbrio genético (ainda nesta aula, veremos a situação
de Equilíbrio de Hardy-Weinberg ou, abreviadamente, EHW) para este
gene, a freqüência de genótipos heterozigotos seria igual a 2pq.
Assim, He = 2pq. No caso do nosso exemplo das borboletas, a
heterozigosidade esperada seria He = 2 x 0,6 x 0,4 ou He = 0,48 ou 48%.
Observe que esse valor é inferior ao valor observado (Ho= 0,60). Existem
maneiras de se verificar se a diferença entre os valores observados e
esperados da heterozigosidade é estatisticamente significativa ou não. Uma
diferença significativa entre os dois valores pode indicar que a população
está sob efeito da seleção natural ou de outros fatores evolutivos.
Dessa forma, podemos avaliar, por exemplo, se uma população de
uma área sob impacto ambiental teve sua He diminuída ou não e tomar
as devidas precauções quanto à conservação da variabilidade genética
dos organismos desta região.
De acordo com a definição
POPULAÇÃO 01 de heterozigosidade, essa estimativa
é feita para um determinado loco.
A variabilidade genética não é
uniforme para todos os locos;
portanto, um loco pode ser
altamente polimórfico, ou seja,
muito variável, enquanto outros,

POPULAÇÃO 02
do mesmo indivíduo, apresentem
baixa variabilidade.
Figura 5.5: Esquema apresentando duas populações: com baixa (popu-
lação 01) e alta heterozigosidade (população 02), em relação a um loco
que determina número de manchas na pelagem de coelhos.

78 CEDERJ
MODELOS

5
AULA
Nesta aula, definiremos 'modelo' como simplificação intencional
de uma situação complexa, designada para eliminar detalhes exagerados,
de modo a focar o essencial.
Em Genética de Populações, lidamos com fatores como tamanho
de população, padrões de acasalamento, distribuição geográfica de
indivíduos, mutação, migração e seleção natural (sobrevivência diferencial
ou sucesso reprodutivo). Embora desejemos, em última instância, entender
os efeitos combinados de todos esses fatores, eles são tão numerosos e
interagem de modos tão complexos que, normalmente, não podem ser
compreendidos de uma vez. Situações mais simples então são usadas, de
forma que poucos fatores identificáveis possam ser analisados e, outros,
negligenciados. Isso se chama "redução" das variáveis, e essa abordagem
chama-se reducionismo.
Um modelo freqüentemente usado em Genética de Populações
é o modelo matemático, que constitui um conjunto de hipóteses
que especificam relações matemáticas entre medidas ou quantidades
mensuráveis (parâmetros) que caracterizam uma população.
Os modelos matemáticos podem ser extremamente úteis. Eles
expressam precisamente a quantidade hipotética de relação entre
parâmetros, revelam quais parâmetros são os mais importantes em um
sistema e sugerem experimentos críticos ou observações. Servem como
guias para a coleção, organização e interpretação dos dados observados,
além de fazerem predições quantitativas sobre o comportamento do sistema
que podem, dentro de limites, ser confirmadas ou refutadas como falsas.
Modelos matemáticos são sempre mais simples do que as situações
reais para as quais eles foram designados como elucidativos. Várias
características do sistema real são intencionalmente deixadas fora do
modelo, já que incluir todos os aspectos do sistema pode fazer o modelo
tornar-se muito complexo e inexeqüível. A construção de um modelo
sempre envolve compromisso entre realismo e gerenciamento. Um
modelo completamente real será provavelmente complexo demais para
ser manuseado matematicamente, enquanto um modelo matematicamente
simples pode ser tão fora da realidade que se torna inútil. Idealmente, um
modelo deve incluir todos os caracteres essenciais do sistema e excluir os
não-essenciais. O quanto um modelo é bom ou útil depende do quanto
ele está próximo da situação ideal.

CEDERJ 79
Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução
ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

Um dos mais importantes modelos matemáticos em Genética de


ISOZIMAS
Populações lida com organismos que têm uma história de vida muito
Formas funcionalmente
similares de enzimas, simples, chamada gerações não sobrepostas. Neste modelo, os indivíduos
codificadas por
diferentes locos gênicos de cada geração morrem antes de os membros da geração seguinte se
ou por diferentes
reproduzirem. Esse modelo se aplica, literalmente, apenas a plantas
alelos no mesmo loco.
A eletroforese de anuais e alguns invertebrados de vida curta. Nesses organismos, todos
proteínas, migração
de proteínas sob os membros de uma geração nascem ao mesmo tempo, amadurecem e
influência de um
campo elétrico, é um
alcançam a maturidade sexual em sincronia, cruzam simultaneamente e
dos métodos mais morrem imediatamente após produzirem a nova geração.
baratos e efetivos de
revelação de distintos A chave da simplificação está no fato de que, em qualquer tempo,
fenótipos de isozimas.
Você verá este assunto todos os membros da população terão a mesma idade, e nenhum
com mais detalhes na indivíduo sobrevive de uma geração para a seguinte. Esse modelo é
Aula 8 desta disciplina.
freqüentemente utilizado em Genética de Populações como uma primeira
aproximação para populações que possuem histórias de vida mais
complexas. Embora, à primeira vista, o modelo pareça grosseiramente
simplista, os cálculos de freqüências genotípicas esperadas com base neste
modelo são adequados para vários propósitos, e muitas vezes constituem
aproximações satisfatórias para populações com história de vida longa
e complexa, como em humanos.
O cálculo das freqüências genotípicas, a partir do conhecimento
das freqüências alélicas ou gênicas, torna-se direto quando consideramos
GODFREY HAROLD
H A R D Y ( 1 87 7 um modelo de gerações não sobrepostas.
- 1947) As freqüências genotípicas são determinadas, em parte, pela
Famoso matemático maneira como os parceiros sexuais são formados. A chance de um
britânico que publicou
mais de 300 artigos indivíduo apresentar um dado alelo é a freqüência desse alelo na
científicos. Hardy
foi chamado “o população (assim como a chance de um indivíduo, escolhido ao
maior matemático acaso, ser flamenguista é a freqüência de flamenguistas na população).
britânico do século
XX”. Suas principais Assim, na condição de acasalamento ao acaso, a probabilidade de dois
contribuições foram nas
áreas da Matemática genótipos formarem um par sexual é igual ao produto das suas respectivas
Pura e Teoria dos
freqüências genotípicas.
Números. Seu artigo
de 1908, que ficou É importante guardar na memória que o cruzamento pode ser
conhecido como Lei
de Hardy-Weinberg, ao acaso (randômico) em relação a alguns traços (caracteres), mas não
foi o único na área de
Genética. Hardy nunca
randômico com respeito a outros, na mesma população. Em populações
encontrou Weinberg e humanas, por exemplo, os cruzamentos são ao acaso em relação à
não tinha conhecimento
do trabalho do alemão, maior parte dos polimorfismos de DNA, fenótipos de ISOZIMAS, grupos
quando escreveu seu
artigo publicado no sangüíneos e muitas outras características, mas o cruzamento é não-
mesmo ano. randômico com respeito a outros traços, como cor de pele e altura.

80 CEDERJ
As freqüências genotípicas são influenciadas também por várias

5
forças evolutivas, inclusive mutação, migração e seleção natural. Neste

AULA
ponto do nosso curso, essas forças evolutivas serão consideradas ausentes
ou de pequena magnitude, pois estamos começando com os modelos
mais simples. As freqüências genotípicas são afetadas por flutuações
estatísticas ao acaso, que ocorrem em todas as populações pequenas,
mas, por enquanto, partiremos da suposição de que cada população
local seja suficientemente grande para que os efeitos das populações
pequenas sejam irrisórios.
WILHELM
W E I N B E R G (18 62
– 193 7)
O PRINCÍPIO DE HARDY-WEINBERG
Médico alemão. Na
verdade, Weinberg não
O modelo populacional com o qual se começou, em grande era um acadêmico,
parte, a pensar em Genética de Populações é conhecido como Lei de mas um prático e
obstetra com grande
Hardy-Weinberg. Este nome se refere a duas pessoas, GODFREY HARDY, experiência, atuando
na cidade de Stuttgart,
matemático, e WILHELM WEINBERG, físico. Em 1908, eles publicaram artigos Alemanha. Enquanto
Hardy só deixou
independentes sobre o assunto.
uma contribuição na
Genética, Weinberg
trabalhou com esta
disciplina durante toda
O mais importante modelo populacional é conhecido como Equilíbrio sua vida. Mesmo com a
de Hardy-Weinberg (EHW). Nesta disciplina, utilizamos os termos Lei, vida agitada da prática
Modelo, Postulado, Princípio, Teorema e Teoria de Hardy-Weinberg médica, Weinberg
como sinônimos de EHW.
publicou um número
de artigos fundamentais
em diversos tópicos da
Genética: estudo de
Para entendermos essa Lei, imagine uma população de organismos
gêmeos, mutações em
diplóides que possuem dois alelos A e B em um determinado loco, e que humanos, estatística
médica e aplicação
a freqüência de A = p e a de B = q, onde p + q = 1,0. Nessa população das leis de herança
para populações. Seu
hipotética, vamos admitir que: trabalho mais famoso
1) Os genitores se cruzam ao acaso, em relação a esses alelos (isto nesta última área, que
ficou conhecido como
é, em panmixia). Lei de Hardy-Weinberg,
foi publicado em 1908,
2) A população é infinitamente grande e, portanto, erros de alguns meses antes
amostragem ou deriva genética são desprezíveis. do artigo de Hardy.
Weinberg desconhecia o
3) Não ocorrem mutação, migração ou seleção. trabalho de Hardy.

Na população de organismos diplóides, existirão três tipos de


genótipos: AA, AB e BB. Esses indivíduos produzirão dois tipos de células
sexuais, ou gametas: aqueles com A e aqueles com B. As freqüências
desses tipos de gametas serão as mesmas que as freqüências gênicas p e
q, na geração que os produz. As freqüências dos genótipos resultantes

CEDERJ 81
Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução
ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

podem ser calculadas pela combinação, ao acaso (multiplicação), de


pares de gametas:

Gametas femininos
A B
p q
A AA AB
Gametas masculinos p p2 pq
B AB BB
q qp q2

A partir dos dados apresentados, vemos que as freqüências


genotípicas da geração seguinte serão:

Genótipo: AA AB BB
Freqüência: p2 2pq q2

Tais freqüências genotípicas dependem somente das freqüências gênicas


nos genitores, e não de suas freqüências genotípicas. Diz-se que tal população
está em Equilíbrio de Hardy-Weinberg, ou equilíbrio sob panmixia.
Usando a equação que diz que a freqüência gênica do alelo A (p)
mais a freqüência gênica do alelo B (q) é igual a um (p + q = 1), vemos
que a freqüência de A, nessa população, é:

Freqüência A = p2 + (2pq)/2 = p2 + p(1-p) = p

Do mesmo modo, pode-se demonstrar que a freqüência de B é


igual a q. Portanto, na geração seguinte, as freqüências genotípicas serão
ainda p2:2pq:q2. Sob esse equilíbrio, portanto, as freqüências gênicas e
genotípicas permanecem constantes de geração para geração.
Em 1908, o EHW foi uma demonstração muito importante, por
haver provado matematicamente que, na ausência de forças evolutivas,
a variação gênica não decresce. Note, também, que as proporções de
Hardy-Weinberg serão atingidas em apenas uma geração de cruzamentos
ao acaso (observando-se os três conjuntos de condições já assinalados),
independentemente das freqüências genotípicas originais.
A relação entre freqüências genotípicas e freqüências gênicas para
dois alelos, em uma população em Equilíbrio de Hardy-Weinberg, pode
ser representada graficamente (Figura 5.6).

82 CEDERJ
5
AULA
Freqüência genotípica

Figura 5.6: Relação entre


freqüências genotípicas
e freqüências gênicas
para dois alelos em uma
população em Equilíbrio
de Hardy-Weinberg.
Freqüência gênica de A2

RESUMO

A Genética de Populações estuda as diferenças genéticas que ocorrem naturalmente


entre os organismos de populações naturais, definidas como aquelas em que ocorre
cruzamento sexual e compartilhamento de um pool de genes. Tais populações têm
continuidade genética tanto no tempo como no espaço, por causa do intercruzamento
de seus membros e das interconexões reprodutivas entre as gerações.
Essas populações têm dois atributos importantes: freqüências gênicas e conjunto
gênico. A constituição genética é descrita pela proporção (%) de indivíduos
pertencentes a cada genótipo (freqüências genotípicas). A freqüência gênica ou
alélica de um determinado alelo em um grupo de indivíduos é definida como a
proporção (%) de todos os alelos de um loco que são de determinado tipo. As
freqüências gênicas podem variar com o tempo e com o espaço.
O equilíbrio genético pode ser definido como a estabilidade na freqüência dos
alelos, ao longo de sucessivas gerações, garantindo a manutenção da variabilidade
genética de uma população. O termo heterozigosidade refere-se a uma medida
da variação genética em uma população, com relação a um loco, refletindo a
freqüência de heterozigotos para esse loco. Essa estimativa é útil na avaliação da
diversidade genética de uma população natural. A genética não é uniforme para
todos os locos. Assim, um loco pode ser altamente polimórfico, enquanto outros,
do mesmo indivíduo, apresentam baixa variabilidade.

CEDERJ 83
Evolução| Freqüências gênicas e genotípicas, heterozigosidade, populações, modelos e introdução
ao Equilíbrio de Hardy-Weinberg

Os modelos matemáticos são simplificações intencionais de uma situação complexa


e podem ser extremamente úteis em Genética de Populações. O principal modelo
populacional na Genética de Populações é a Lei de Hardy-Weinberg, determinando que
as freqüências gênicas e genotípicas permanecem constantes, de geração para geração,
desde que o conjunto de três condições seja respeitado: 1) cruzamento ao acaso; 2)
população infinitamente grande; 3) ausência de mutação, migração ou seleção.

AUTO-AVALIAÇÃO

Você conseguiu fazer os exercícios sem olhar o gabarito? Sim? Ótimo! Você está
preparado para a próxima aula. Não? Volte ao exemplo das borboletas e releia,
com calma, o processo de resolução. Aplique o mesmo procedimento para os
exercícios: é só substituir as borboletas por mariposas ou genes humanos. Caso
ainda persistam dúvidas, recorra ao seu monitor e não passe à aula seguinte sem
se sentir seguro no cálculo de freqüências gênicas e genotípicas.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, estudaremos com profundidade o Princípio de Hardy-Weinberg,


suas aplicações e implicações.

84 CEDERJ
6

AULA
Equilíbrio de Hardy-Weinberg:
aplicações e implicações
Meta da aula
Apresentar as aplicações e conseqüências
do Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW) em
uma população.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Descrever a Lei de Hardy-Weinberg, suas
aplicações e implicações.
• Executar o cálculo das freqüências gênicas
e genotípicas, e também do teste do qui-
quadrado.

Pré-requisito
Para acompanhar esta aula, é essencial
que você domine o cálculo das
freqüências gênicas e genotípicas que
aprendemos na Aula 5 da disciplina
Evolução.
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos falar sobre a aplicação do conceito do equilíbrio das
freqüências, as implicações desse princípio e como testar se determinada
população está em equilíbrio.

O Princípio de Hardy-Weinberg proveu os fundamentos para diversas teorias e


investigações experimentais em Genética de Populações. Contudo, esse teorema
não é infalível e sua aplicabilidade não é universal.

!
Lembre-se dos conceitos e das vantagens da utilização
de modelos matemáticos que vimos na aula passada!!

Apesar da virtude da simplicidade do Modelo de EHW, por que alguém


consideraria um modelo fundamentado nessas condições restritivas (tamanho
infinito da população, cruzamento ao acaso e sem o efeito de ação das forças
evolutivas) e aparentemente incorretas?
Por que o EHW, um modelo tão simples, pode ser considerado fundamental?
Entre diversas razões, duas são as principais:
1) o Modelo de Hardy-Weinberg é um referencial, no qual não existem
forças evolutivas atuando, a não ser aquelas impostas pelo processo de
reprodução.
Esse modelo fornece uma linha básica de comparação com modelos mais reais,
em que as forças evolutivas atuam alterando as freqüências dos alelos.
2) o Modelo de Hardy-Weinberg separa o ciclo de vida de um organismo
em dois intervalos: 2.1) a junção dos gametas formando um zigoto, gametas
→ zigotos, e 2.2) o desenvolvimento do zigoto em adulto, expressando
determinado fenótipo, zigotos → adultos (Figura 6.1).
Na construção de modelos mais complexos e reais, podemos freqüentemente
introduzir complicações na segunda etapa do ciclo de vida (zigotos → adultos),
considerando os efeitos de migração na população ou de sobrevivência
diferenciada entre os genótipos.
Com todas as fontes de mudança nas freqüências de alelos, causadas pela
componente de transição zigotos → adultos, a componente gametas → zigotos,
partindo do princípio da união ao acaso dos gametas, acompanha e resulta na
proporção de Hardy-Weinberg entre os zigotos.
Em outras palavras, o modelo de Hardy-Weinberg é fundamental para que
abordagens de acompanhamento das freqüências de alelos e genótipos, através
do tempo, possam ser generalizadas para situações mais reais.

86 CEDERJ
6
AULA
Gametas

O zigoto se desenvolve
Zigoto e origina um adulto com
A junção de dois
determinado fenótipo
gametas (n) origina
o zigoto (2n)

2n

Adulto fenótipo

Cada adulto ao atingir a


Gametas
maturidade sexual produz
milhares de gametas
n

Figura 6.1: Representação esquemática do ciclo de vida de um organismo, em que os gametas formarão os
zigotos, que se desenvolvem nos adultos. Esses, por sua vez, apresentam determinado fenótipo e produzem
os gametas da geração seguinte, fechando, assim, o ciclo.

CEDERJ 87
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

IMPLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DE HARDY-WEINBERG

Uma das implicações mais importantes do princípio de Hardy-


Weinberg surge quando calculamos a freqüência de alelos p' e q' de A
e a na geração seguinte.

Freqüência de genótipos
Freqüência da prole
Cruzamento de cruzamentos AA Aa aa

AA x AA D2 1 0 0
AA x Aa 2DH ½ ½ 0
AA x aa 2DR 0 1 0
Aa x Aa H2 ¼ ½ ¼
Aa x aa 2HR 0 ½ ½
aa x aa R2 0 0 1

Totais (geração seguinte) D´ H´ R´

Onde:
D´ = D2 + 2DH/2 + H2/4 = (D + H/2)2 = p2
H´ = 2DH/2 + 2DR + H2/2 + 2HR/2 = 2(D + H/2)(R + H/2) = 2pq
R´= H2/4 + 2HR/2 + R2 = (R + H/2)2 = q2

p´ = (2D´ + H´)/2 = (2p2 + 2pq)/2 = p(p + q) = p


q´ = (2R´ + H´)/2 = (2q2 + 2pq)/2 = q(q + p) = q

Em outras palavras, a freqüência de alelos na geração seguinte é


exatamente a mesma da geração anterior: a freqüência de alelos permanece
a mesma, geração após geração, quando ocorre acasalamento ao acaso.
Da mesma forma, as freqüências genotípicas serão p2, 2pq, q2 para
os genótipos AA, Aa e aa, respectivamente, em qualquer geração.
A constância da freqüência de alelos e conseqüentemente da
composição genotípica da população significa que, na ausência de
forças evolutivas específicas para modificar as freqüências dos alelos, o
mecanismo da herança mendeliana, por si só, mantém as freqüências dos
alelos constantes e, assim, preserva a variabilidade genética.

!
O conceito mais importante do Equilíbrio de
Hardy-Weinberg é a constância das freqüências
gênicas e genotípicas, ao longo das gerações.

88 CEDERJ
APLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DE HARDY-WEINBERG

6
AULA
Existem três situações em que a aplicação da Lei de Hardy-Weinberg
é muito útil.
1) Para calcular a freqüência gênica de um alelo recessivo.
2) Para calcular a freqüência de ´portadores`.
3) Para testar o Equilíbrio de Hardy-Weinberg.

A primeira situação seria para calcular a freqüência gênica de


um alelo recessivo. Essa freqüência pode ser determinada a partir da
freqüência genotípica, desde que se conheça a natureza da herança e a
seqüência dos três tipos de genótipos. No caso de herança dominante
com dominância completa, o heterozigoto não pode ser distinguido do
homozigoto dominante; portanto, não podemos calcular as freqüências
gênicas. No entanto, se os genótipos estiverem nas proporções da Lei
de Hardy-Weinberg, não há necessidade de conhecer as freqüências dos
três tipos de genótipos. Se a, por exemplo, for um alelo recessivo com
freqüência igual a q, então, a freqüência de homozigotos aa é igual
a q2, e a freqüência gênica é igual à raiz quadrada da freqüência do
homozigoto recessivo.

Exemplo 6.1
O albinismo é a expressão fenotípica de um genótipo recessivo
homozigoto. Uma fonte avalia que a freqüência de albinos na população
norte-americana é de 1 em 20.000. Que percentagem da população é de
heterozigotos para este gene?

RESOLUÇÃO
A freqüência de homozigotos recessivos é igual a q2 = 1/20.000 =
0,00005; assim, a raiz quadrada deste valor é igual a q = 0,007. Sabemos
que p + q = 1,0, de modo que, se q = 0,007, p = 1 - 0,007 = 0,993.
Tendo os valores das freqüências gênicas p e q, é fácil calcular a
freqüência de heterozigotos para o alelo do albinismo. Pela Teoria de
Hardy-Weinberg, sabemos que a freqüência de heterozigotos é igual a
2pq, então, 2pq = 2 x 0,993 x 0,007 = 0,013902 ou aproximadamente
1,4% (1 em 71 pessoas).

CEDERJ 89
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

Exemplo 6.2
ALCAPTONÚRIA
A ALCAPTONÚRIA, que resulta da expressão do homozigoto de um
É um distúrbio
hereditário, gene autossômico recessivo, ocorre em cerca de 1 em 1 milhão de pessoas.
resultante de um erro
inato do metabolismo Qual a proporção de 'portadores' heterozigotos na população?
(uma enzima– cujo
gene sofreu mutação
– que não executa
mais sua função), e
que se caracteriza RESOLUÇÃO
pelo escurecimento
da urina causado
Da mesma forma que no exemplo anterior, a freqüência de
por acúmulo de homozigotos recessivos é igual a q2 = 1/1.000.000 = 0,000001. Então,
ácido homogentísico
(similar à melanina). q = √0,000001 = 0,001 e p = 1 - 0,001 = 0,999. A freqüência de
heterozigotos é igual a 2pq = 2 x 0,999 x 0,001 = 0,001998 (2%) ou
cerca de 1 em 500 pessoas.

A segunda situação seria calcular a freqüência de 'portadores'.


É muito comum o interesse em conhecer a freqüência dos
heterozigotos ou 'portadores' de anormalidades recessivas. Esse cálculo
pode ser efetuado se a freqüência do gene é conhecida e se assumirmos
o Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW), em que a freqüência de
heterozigotos entre todos os indivíduos, incluindo homozigotos, será
dada pela equação: 2q(1-q). Entretanto, algumas vezes é mais relevante
conhecer a freqüência entre indivíduos normais, embora não seja muito
diferente se os homozigotos recessivos forem raros. A freqüência de
heterozigotos entre indivíduos normais (H') é a razão das freqüências
genotípicas Aa/(AA + Aa), em que a é o alelo recessivo. Assim, quando
q é a freqüência de a,

H´ = 2q(1-q) = 2q
(1-q)2 + 2q(1-q) 1+q

90 CEDERJ
Exemplo 6.3

6
Vamos aplicar a fórmula apresentada nos casos de albinismo e

AULA
alcaptonúria:
1) Para o albinismo, onde q = 0,007, temos que H’ = 2q/1 + q
= 2 x 0,007 / 1 + 0,007 = 0,013902 ou aproximadamente 1,4% (1 em
71 pessoas).
2) Para a alcaptonúria, onde q = 0.001, temos que H’ = 2q/1 + q =
2 x 0,001 / 1 + 0,001 = 0,001998 (2%) ou cerca de 1 em 500 pessoas.

A terceira situação seria testar o Equilíbrio de Hardy-Weinberg.


Se existem dados para um loco onde todos os genótipos são reconhecíveis,
a freqüência dos genótipos observada na população real pode ser testada
para a concordância ou não com uma população em EHW. De acordo com
a Lei de Hardy-Weinberg, a freqüência genotípica da prole é determinada
pela freqüência gênica em seus pais. Se a população estiver em equilíbrio,
a freqüência gênica é a mesma nos pais e na prole; assim, a freqüência
gênica observada na prole pode ser usada como se fosse a freqüência gênica
parental para calcular as freqüências genotípicas esperadas pela Lei de Hardy-
Weinberg.

TESTE DO QUI-QUADRADO

O mero fato de as freqüências genotípicas observadas poderem


adequar-se ao EHW não pode ser considerado evidência de que todas
as suposições do modelo sejam válidas.
O princípio não é muito sensível a certos desvios das suposições,
particularmente àqueles envolvendo um grande tamanho de população
com ausência de migração, mutação ou seleção. Por outro lado, a
relativa insensibilidade a desvios de suas suposições fornece ao princípio
alguma segurança, porque significa que o EHW pode ser válido para
uma primeira aproximação, mesmo quando uma ou mais suposições
são violadas.
O teste mais utilizado para checar a adequação (validade) de
dados observados no EHW é o teste do qui-quadrado. Esse teste é
normalmente simbolizado por X2 e, sob a hipótese do EHW, o X2 possui
uma distribuição aproximada de qui-quadrados.

CEDERJ 91
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

Aplicações do teste do X2 podem ser ilustradas pelo exemplo dos


parisienses analisados para o polimorfismo da deleção (∆32) no gene
CCDR5. Foram listados 224 homozigotos +/+, 64 heterozigotos +/∆32
e 6 homozigotos ∆32 / ∆32. As freqüências dos alelos p para + e q para
∆32 foram estimadas, anteriormente, como sendo <p> = 0,871 e <q>
= 0,129. Com o EHW para essas freqüências de alelos, as freqüências
genotípicas esperadas são p2 = (0,871)2 = 0,758; 2pq = 2(0,871)(0,129)
= 0,225 e q2 = (0,129)2 = 0,017. Multiplicando cada valor pelo tamanho
da amostra, 294 pessoas (224 + 64 + 6), os resultados esperados são
22,9, 66,2 e 4,9. Essa conversão é necessária porque o teste do qui-
quadrado deve ser fundamentado em números observados e não em
razões ou proporções. A comparação é entre números observados (obs)
e esperados (esp):

obs 224 64 6 Total = 294


esp 222,9 66,2 4,9 Total = 294

O valor do X2 é calculado como:

X 2
=
∑ (obs − esp)2
,
esp

onde o símbolo Σ significa a soma de todas as classes de dados, neste


caso, dos três genótipos. No nosso exemplo:
(224 − 222, 9)2 (64 − 66, 2)2 (6 − 4 , 9)2
X2 = + + = 0, 32
222, 9 66, 2 4, 9

Associado a qualquer valor de X2 está outro número chamado ´graus


de liberdade` para este X2. Em geral, o número de graus de liberdade (gl)
associado a um X2 é igual ao número de classes dos dados (nesse exemplo,
3) menos o número de parâmetros estimados (porque calculamos o p como
1 – q) menos 1 (porque a decisão final entre duas variáveis não permite
liberdades). Por exemplo, em uma loja de sapatos você pode calçar vários
pares, na ordem e combinação que desejar. No entanto, ao calçar o último
par não há mais liberdade de escolha, já que, se você calçou o pé esquerdo
primeiro, será obrigado a calçar o pé direito depois. Não há escolha para o
último pé de sapato, ou seja, não há liberdade. Assim, o número de graus
de liberdade para o nosso valor de X2 é 3 – 1 – 1= 1.
A real avaliação da adequação é dada pela figura de interpretação
de teste de qui-quadrado (Figura 6.2).

92 CEDERJ
N = graus de liberdade

6
0,0001

AULA
0,0003
0,0005
0,001

N=
0,002

N= 3
N == 4

1
N 5
N == 6

2
0,005

N 7
N == 8
N
N = 12
0,01

N = 14
Probabilidade

N == 16
N 18

10
N == 20
0,02

N
0,03
N=
N=

0,05
25
30

0,08
0,10
0,15
0,20

0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
0,80
0,90
1,00
50 40 30 25 20 16 12 9 7 5 3 10 0,1
18 14 10 8 6 4 2 0,6 0,2
0,4
Valor de X2

Figura 6.2: Relação entre os valores de probabilidade (P) com qui-


quadrado (X2), segundo o número de graus de liberdade (gl).

Para utilizar a figura do qui-quadrado, ache, primeiro, o valor


do X2 ao longo do eixo horizontal; então, siga verticalmente, a partir
deste valor, até achar a interseção com a linha dos graus de liberdade;
siga horizontalmente à esquerda até o eixo vertical e leia o valor
correspondente de probabilidade (P).
No nosso exemplo:

X2 = 0,32 e gl = 1 = P = 0,63

Essa probabilidade tem a seguinte interpretação: é a probabilidade de


o acaso sozinho produzir um desvio entre os valores observados e esperados,
pelo menos tão grande quanto o desvio real obtido.
Dessa forma, se a probabilidade for grande, significa que o acaso pode
ser o responsável pelo desvio, aumentando nossa confiança na validade do
modelo utilizado para obter as expectativas – nesse caso, o EHW.
Ao contrário, se a probabilidade associada com o qui-quadrado
for pequena, significa que o acaso sozinho dificilmente levou a um
desvio tão grande quanto o obtido, diminuindo nossa confiança na
validade do modelo.

CEDERJ 93
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

Onde, exatamente, fica o limite entre a probabilidade 'grande' e


a probabilidade 'pequena'?
Se a probabilidade for menor do que 0,05 (P<0,05), então o
resultado é dito estatisticamente significante, e a adequação é considerada
suficientemente pobre para o modelo ser julgado inválido para os dados.
Alternativamente, se a probabilidade for maior do que 0,05 (P>0,05), a
adequação é considerada suficientemente próxima e o modelo é aceito.
No nosso exemplo, P = 0,63, consideravelmente maior do que
0.05; portanto, não temos razões para rejeitar a hipótese de que essas
freqüências genotípicas estejam em EHW para esse gene.

ATIVIDADES

a) as freqüências genotípicas;
b) as freqüências gênicas.
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
______________________________________________________________
____________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Vimos, nesta aula, que uma das aplicações do EHW seria calcular a freqüência
gênica de um alelo recessivo. Na PKU, os heterozigotos não podem ser
distinguidos dos homozigotos para o alelo dominante; mas, se os genótipos
estiverem nas proporções da Lei de Hardy-Weinberg, não há necessidade de
conhecer as freqüências dos três tipos de genótipos. Se f, por exemplo, for o
alelo recessivo que, em homozigose, origina a fenilcetonúria, e se esse alelo tem
freqüência igual a q, então a freqüência de homozigotos ff é igual a q2. Assim,
a freqüência gênica será igual à raiz quadrada da freqüência do homozigoto
recessivo. Vamos tentar com os números do exercício:
a) a freqüência genotípica ff será: q2 = 5/55,715 = 0,000089; e
b) a freqüência gênica de f (q) será a raiz quadrada de 0,000089; q = 0,00947,

94 CEDERJ
logo a freqüência de F(p) = 1 – 0,00947 = 0,99053.

6
Tendo as freqüências gênicas de f(q) e F (p), podemos calcular as freqüências

AULA
genotípicas dos homozigotos FF e dos heterozigotos Ff. Assim, FF = p2 = 0,99053
x 0,99053 = 0,9811 e Ff = 2pq = 2 x 0,99053 x 0,00947 = 0,0188.

2. A capacidade de sentir o gosto do composto PTC (do inglês: phenyl-


thio-carbamate) é controlada por um alelo dominante T, enquanto que
indivíduos homozigotos para o alelo recessivo t são incapazes de sentir
o gosto desse composto. Em uma turma de 125 estudantes de Genética,
88 são capazes de sentir o gosto do PTC e 37 são incapazes. Calcule
as freqüências dos alelos T e t nessa população e as freqüências dos
genótipos.
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
__________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Da mesma forma que no exercício 6.1, não é possível distinguir os homozigotos
TT dos heterozigotos Tt, já que ambos são capazes de sentir o gosto do PTC. No
entanto, podemos calcular a freqüência do genótipo tt que será: q2 = 37/125
= 0,29. A freqüência gênica de t (q) será a raiz quadrada de 0,29; q = 0,54;
logo, a freqüência de T (p) = 1 – 0,54 = 0,46. Tendo as freqüências gênicas
de t (q) e T (p), podemos calcular as freqüências genotípicas dos homozigotos
TT e dos heterozigotos Tt. Assim, TT = p2 = 0,46 x 0,46 = 0,21 e Tt = 2pq =
2 x 0,46 x 0,54 = 0,50.

3. Proceda ao teste de qui-quadrado de adequação entre as freqüências


genotípicas observadas e as esperadas no EHW para o resultado
resumido na tabela abaixo. Existe alguma razão para rejeitar a hipótese
de proporção de HW para esse gene?
Caso da mariposa Panaxia dominula:

Genótipo Observado Esperado


A1A1 17,062 17,061
A1A2 1,295 1,287
A2A2 28 37

CEDERJ 95
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

RESPOSTA COMENTADA
O valor do X2 é calculado como: x 2 = ∑ (obs − esp)2 / esp. ,
ASSIM:
(17, 062 − 17, 061)2 (1, 295 − 1, 287)2 ( 28 − 37 )2
X2 = + + =
17, 061 1, 28737 37

x2 = 0, 0000586 + 0, 049728 + 2,1892 = 2, 239 . O número de graus de liberdade


para o nosso valor de X2 é: 3 classes de genótipos – 1 – 1 = 1, que corresponde
a uma probabilidade de 0,35. Como P = 0,35 é maior do que 0.05, não temos
razões para rejeitar a hipótese de que essas freqüências genotípicas estejam
em EHW para esse gene; em outras palavras: a população encontra-se em
condições de equilíbrio.

4. No grupo sangüíneo Ss, relacionado com o sistema MN, três fenótipos


correspondentes aos genótipos SS, Ss e ss podem ser identificados com
reagentes apropriados. Entre 1.000 pessoas testadas, o número observado
de cada genótipo para o grupo Ss foi de: 99 SS, 418 Ss e 483 ss. Estime
a freqüência de S (p) e s (q) e proceda ao teste de qui-quadrado de
adequação entre as freqüências genotípicas observadas e as esperadas
no EHW. Existe alguma razão para rejeitar a hipótese de proporção de
HW para este gene?
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
__________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Freqüências genotípicas:
Número total de pessoas testadas = 1.000
SS = 99 /1.000 = 0,099
Ss = 418 /1.000 = 0,418
ss = 483 /1.000 = 0,483
Note que a soma de todas as freqüências genotípicas sempre corresponde à
unidade ou 100% (0,099 + 0,418 + 0,483 = 1).

Freqüências gênicas:
Número total de cópias dos genes 1.000 x 2 = 2.000 alelos
S = (99 x 2) + (418 x 1) = 616; fS = p = 616/2.000 = 0,308
s = (483 x 2) + (418 x 1) = 1.384; fs = q = 1.384/2.000 = 0,692
Note que a soma das freqüências gênicas sempre corresponde à unidade ou
100% (0,308 + 0,692 = 1).

96 CEDERJ
6
Também podemos calcular a freqüência gênica de s (q) como a raiz

AULA
quadrada de 0,483; q = 0,69; logo, a freqüência de S (p) = 1 – 0,69 = 0,31.

Número esperado de pessoas:


SS = p = 0,308 x 0,308 = 0,095 x 1000 = 95
2

Ss = 2pq = 2 x 0,308 x 0,692 = 0,426 x 1000 = 426


ss = q2 = 0,692 x 0,692 = 0,479 x 1000 = 479

Resumindo:

Genótipo Observado Esperado


SS 99 95
Ss 418 426
Ss 483 479

O valor do X2 é calculado como: x 2 = ∑ (obs − esp)2 / esp .

(99 − 95)2 ( 418 − 426)2 ( 483 − 479)2


X2 = + + =
95 426 479
X 2 = 0,168 + 1150
, + 0, 033 = 0, 351

O número de graus de liberdade para o nosso valor de X2 é: 3 classes de


genótipos – 1 – 1 = 1, que corresponde a uma probabilidade de 0.85 (85%).
Como P = 0.85 é muito maior do que 0.05, concluímos que esta população
encontra-se em EHW para este gene.

RESUMO
Existem três situações em que a aplicação da Lei de Hardy-Weinberg é muito útil:
para calcular a freqüência gênica de um alelo recessivo; para calcular a freqüência
dos heterozigotos ou “portadores” de anormalidades recessivas e para testar se
as freqüências em determinada população estão ou não em equilíbrio de Hardy-
Weinberg. Esse teorema não possui aplicabilidade universal; apenas fornece uma
linha básica de comparação com modelos mais reais. Uma das implicações importantes
do Princípio de Hardy-Weinberg é a de que as freqüências dos alelos permanecem
constantes, geração após geração, quando ocorre cruzamento ao acaso.

O teste mais utilizado para checar a validade de dados observados no EHW é o


teste do qui-quadrado, simbolizado por X2. O teste do qui-quadrado trabalha com
números, e não com razões ou proporções, e é calculado pela fórmula:

x 2 = ∑ (obs − esp)2 / esp

CEDERJ 97
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações e implicações

AUTO-AVALIAÇÃO

Você entendeu como se aplica o teste do qui-quadrado? Releia a seção desta aula,
em que descrevemos como utilizamos números para calcular a probabilidade de
determinados genes de uma população estarem ou não em EHW. Faça os exercícios,
e sempre retorne aos exemplos, quando houver as dúvidas. Passe à aula seguinte
somente quando se sentir seguro no cálculo do teste do qui-quadrado.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA


Na próxima aula, falaremos sobre o que acontece com as freqüências gênicas e
genotípicas quando são rompidas as condições básicas do Equilíbrio de Hardy-
Weinberg (EHW).

98 CEDERJ
Equilíbrio de Hardy-Weinberg:
violações dos pressupostos – alelos

AULA
múltiplos, genes ligados ao sexo e
mais de um loco
Meta da aula
Apresentar as conseqüências das violações
do Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW) em
uma população.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Descrever as violações da Lei de Hardy-Weinberg
e suas conseqüências.
• Executar o cálculo das freqüências gênicas e
genotípicas nas situações especiais de alelos
múltiplos, genes ligados ao sexo e mais de um loco.

Pré-requisito
Para acompanhar esta aula, é essencial que
você domine o cálculo das freqüências gênicas
e genotípicas no Equilíbrio, e a aplicação do
teste do qui-quadrado, que aprendemos na
Aula 6 desta disciplina.
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes
ligados ao sexo e mais de um loco

INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos falar sobre o que acontece com as freqüências gênicas e genotípicas
quando são rompidas as condições básicas do Equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW).

CAUSAS DAS MUDANÇAS –VIOLAÇÕES DOS


PRESSUPOSTOS DE HARDY-WEINBERG

Para que uma população seja considerada em Equilíbrio de


Hardy-Weinberg, um conjunto de condições (pressupostos) deve ser
respeitado:
– os organismos devem ser diplóides;
– a reprodução, sexuada;
– as gerações, não sobrepostas;
– o cruzamento, ao acaso;
– o tamanho de população, grande;
– a freqüência de alelos nos sexos deve ser igual;
– a ausência de migração;
– a ausência de mutação;
– a ausência de seleção.
Até aqui, examinamos a dinâmica da alteração da freqüência gênica
em um loco gênico com dois alelos (A e a). Agora veremos o que ocorre
quando são considerados mais de dois alelos em um único loco.

ALELOS MÚLTIPLOS

Sob cruzamento ao acaso as freqüências genotípicas, sob


cruzamento ao acaso, de um gene com três alelos A1, A2 e A3, e
correspondentes freqüências gênicas p1, p2 e p3, onde p1 + p2 + p3 = 1,
serão:

Gametas masculinos
Alelos A1 A2 A3
Freqüência p1 p2 p3
Alelos Freqüência
A1 p1 A1A1 A1A2 A1A3
Gametas p1 2
p1p2 p1p3
femininos A2 p2 A2A1 A2A2 A2A3
p2p1 p 22 p2p3
A3 p3 A3A1 A3A2 A3A3
p3p1 p3p2 p32

100 C E D E R J
Com três alelos existem seis genótipos diplóides e, sob cruzamento

7
ao acaso, as freqüências esperadas são a expansão da fórmula:

AULA
(p1A1 + p2A2 + p3A3)2

Em geral, se existem n alelos:


A1, A2, ... , An

Com as respectivas freqüências:


p1, p2, ... , pn

Onde:
p1 + p2 + ... + pn = 1

Então, as freqüências esperadas sob cruzamento ao acaso são:

pi2 para homozigotos AiAi


2pipj para heterozigotos AiAj

Exemplo 7.1
Em 108 moscas adultas de uma população foram analisados
polimorfismos de isoenzimas. O gene Xdh, que codifica para a enzima
xantina desidrogenase, possui quatro alelos: Xdh-1, Xdh-2, Xdh-3 e Xdh-4,
com freqüências estimadas de p1 = 0,08, p2 = 0,21, p3 = 0,62 e p4 = 0,09.
(a) Quantos genótipos são possíveis e (b) quais as freqüências
esperadas desses genótipos?

RESOLUÇÃO
(a) O número de genótipos possíveis é obtido com a combinação
dos alelos de dois em dois, assim:
Xdh-1/Xdh-1, Xdh-1/Xdh-2, Xdh-1/Xdh-3, Xdh-1/Xdh-4;
Xdh-2/Xdh-2, Xdh-2/Xdh-3, Xdh-2/Xdh-4;
Xdh-3/Xdh-3, Xdh-3/Xdh-4;
Xdh-4/Xdh-4.

Total = 10 genótipos diferentes, sendo quatro homozigotos e seis


heterozigotos.

C E D E R J 101
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes
ligados ao sexo e mais de um loco

(b) As freqüências dos homozigotos são calculadas como pi2:


Xdh-1/Xdh-1 p1 = 0,08 p12 = 0,0064;
Xdh-2/Xdh-2 p2 = 0,21 p22 = 0,0441;
Xdh-3/Xdh-3 p3 = 0,62 p32 = 0,3844;
Xdh-4/Xdh-4 p4 = 0,09 p42 = 0,0081.

As freqüências dos heterozigotos são calculadas como 2pipj:


Xdh-1/Xdh-2 2p1p2 = 2 (0,08)(0,21) 2p1p2 = 0,0336;
Xdh-1/Xdh-3 2p1p3 = 2 (0,08)(0,62) 2p1p3 = 0,0992;
Xdh-1/Xdh-4 2p1p4 = 2 (0,08)(0,09) 2p1p4 = 0,0144;
Xdh-2/Xdh-3 2p2p3 = 2 (0,21)(0,62) 2p2p3 = 0,2604;
Xdh-2/Xdh-4 2p2p4 = 2 (0,21)(0,09) 2p2p4 = 0,0378;
Xdh-3/Xdh-4 2p3p4 = 2 (0,62)(0,09) 2p3p4 = 0,1116.

Exemplo 7.2
Considere as seguintes freqüências para os alelos do sistema
sangüíneo ABO: IA = p = 0,38; IB = q = 0,11 e i = r = 0,51. Complete o
quadro abaixo:

Genótipo Freq. genotípica Fenótipo Freq. fenotípica


IAIA A
IAi A
IBIB B
I Bi B
IAIB AB
ii O

RESOLUÇÃO:

Genótipo Freq. genotípica Fenótipo Freq. fenotípica


IAIA p = 0,38 x 0,38 = 0,144
2
A 0,532 ou 53,2%
IAi 2pr = 2 x 0,38 x 0,51 = 0,388 A
IBIB q2 = 0,11 x 0,11 = 0,012 B 0,124 ou 12,4%
I Bi 2qr = 2 x 0,11 x 0,51 = 0,112 B
IAIB 2pq = 2 x 0,38 x 0,11 = 0,084 AB 0,084 ou 8,4%
ii r2 = 0,51 x 0,51 = 0,260 O 0,260 ou 26%

Perceba que o cálculo das freqüências genotípicas é realizado


da mesma forma do Exemplo 7.1. Já as freqüências fenotípicas foram
calculadas pela soma das freqüências genotípicas para cada tipo
sangüíneo. Por exemplo, os genótipos IAIA e IAi correspondem a um só

102 C E D E R J
fenótipo, tipo sangüíneo A, e a freqüência é a soma de 0,144 (14,4%) e

7
0,388 (38,8%) que corresponde a 0,532 ou 53,2%.

AULA
ATIVIDADE

A
, IB e i. Genótipos IAIA e IAi originam fenótipo de grupo
I e IBi originam fenótipo de grupo sangüíneo
B B

B
origina fenótipo de grupo sangüíneo AB. Em um teste em 6313

para a freqüência dos alelos é: p1 = 0,2593 (para IA), p2 = 0,0625 (para


IB) e p3 = 0,6755 (para i).
a) calcule o número esperado de cada um dos quatro fenótipos;
b) realize o teste de qui-quadrado de adequação entre as
freqüências genotípicas observadas e as esperadas no EHW.
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
______________________________________________________________
____________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
a) Com três alelos existem seis genótipos que determinam os quatro
fenótipos, que são:
grupo sangüíneo O = ii = p32 = 0,6755 x 0,6755 = 0,4563;
grupo sangüíneo A = I AI A + IAi = p 12 + 2p 1p3 = 0,2593 x 0,2593 + 2 x
0,2593 x 0,6755 = 0,0672 + 0,3503 = 0,4175;
grupo sangüíneo B = I BI B + I Bi = p22 + 2p2p3 = 0,0625 x 0,0625 + 2 x
0,0625 x 0,6755 = 0,0039+ 0,0844= 0,0883;
grupo sangüíneo AB = IAI B = 2p1p2 = 2 x 0,2593 x 0,0625 = 0,0324.
Note que os valores são apresentados em percentagem (freqüências de
fenótipos) e o exercício pede o número esperado de pessoas com cada
tipo sangüíneo. Para obtermos o número de pessoas, basta multiplicar
a freqüência pelo número total de indivíduos analisados, que foi 6313.
Assim:
grupo sangüíneo O = 0,4563 x 6313 = 2880,6;
grupo sangüíneo A = 0,4175 x 6313 = 2635,7;

C E D E R J 103
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes
ligados ao sexo e mais de um loco

grupo sangüíneo B = 0,0883 x 6313 = 557,4;


grupo sangüíneo AB = 0,0324 x 6313 = 204,5.
b) O teste do qui-quadrado trabalha com números, não razões ou proporções,
e é calculado pela fórmula: X2 =Σ (obs – esp)2/esp.
X2 = (obs – esp)2/esp = (2892 – 2880,6)2/2880,6 + (2625 – 2635,7)2/
2635,7 + (570 – 557,4)2/557,4 +(226 – 204,5)2/204,5 = 0,045 + 0,434
+ 0,285 + 2,260 = 3,0241. Com 3 classes – 1 – 1 = 1 grau de liberdade
corresponde a uma P = 0,25 (P>0.05), a população está em EHW para o
loco analisado.

ALELOS RECESSIVOS

A freqüência gênica pode ser determinada aplicando-se o Princípio


de HW, a partir da freqüência genotípica. No caso de um alelo recessivo,
os heterozigotos não podem ser distinguidos dos homozigotos para o
alelo dominante; portanto, não podemos calcular as freqüências gênicas.
No entanto, se os genótipos estiverem nas proporções da Lei de Hardy-
Weinberg, não há necessidade de se conhecer as freqüências dos três tipos
de genótipos. Se a, por exemplo, for um alelo recessivo com freqüência
igual a q, a freqüência de homozigotos aa é igual a q2, e a freqüência gênica
é igual à raiz quadrada da freqüência do homozigoto recessivo.

freqüência de aa = q x q = q2
freqüência de a = √q2= q

GENES LIGADOS AO SEXO

Tudo o que foi dito até agora sobre Equilíbrio de Hardy-Weinberg


SEXO só se aplica a genes autossômicos. Os genes que estão situados nos
HOMOGAMÉTICO
cromossomos sexuais atingem uma situação de equilíbrio ligeiramente
É o que apresenta
dois cromossomos diferente. No sexo que possui dois cromossomos sexuais X, isto é, SEXO
sexuais do mesmo
tipo. Por exemplo: HOMOGAMÉTICO, as freqüências de Hardy-Weinberg são as mesmas que
XX em mulheres,
fêmeas de drosófilas,
as dos genes autossômicos. Contudo, no sexo que contém apenas um
machos de borboletas cromossomo X, SEXO HETEROGAMÉTICO, as duas freqüências genotípicas
e mariposas. Do
mesmo modo, SEXO (p e q) são idênticas às freqüências gênicas em equilíbrio. Se, portanto,
HETEROGAMÉTICO é
o que apresenta dois tivermos uma população imaginária em que ocorram dois alelos A e a
cromossomos sexuais em um loco ligado ao sexo, com freqüências gênicas p e q, as freqüências
distintos, como XY
em homens. do Equilíbrio de Hardy-Weinberg serão:

104 C E D E R J
Sexo homogamético

7
Genótipo: AA Aa aa

AULA
Freqüência: p2 2pq q2

Sexo heterogamético
Genótipo: A a
Freqüência: p q

Isto significa que, se a for um alelo raro (a*), então ele se


manifestará, na maior parte das vezes, no sexo heterogamético. Por
exemplo, se a freqüência de a* = q = 0,01, então, em equilíbrio, teríamos
as seguintes freqüências genotípicas:

Sexo homogamético
Genótipo: AA Aa* a*a*
Freqüência: 0,9801 0,0198 0,0001

Sexo heterogamético
Genótipo: A a*
Freqüência: 0,99 0,01

O fenótipo determinado pelo alelo a* será 100 vezes mais


freqüente no sexo heterogamético.
Usando a notação que distingue os cromossomos sexuais, as
conseqüências de cruzamento ao acaso de indivíduos portadores de um
gene com dois tipos de alelos ligados ao X será:

Gametas masculinos
Alelos no X Alelos no Y
Alelos XA Xa
Freqüência p q
Alelos Freqüência
XA p XAXA XAXa XAY
Gametas p2 pq p
femininos Xa q XaXA XaXa XaY
qp q2 q

C E D E R J 105
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes
ligados ao sexo e mais de um loco

As freqüências gênicas nos zigotos serão:

Sexo homogamético
Genótipo: XAXA XAXa XaXa
Freqüência: p2 2pq q2

Sexo heterogamético
Genótipo: XAY X aY
Freqüência: p q

ATIVIDADE

Em uma população humana, 7% dos homens são cegos para cores,

RESPOSTA COMENTADA
Em genes ligados ao sexo, as freqüências genotípicas serão p 2, 2pq e q2 para os genótipos
XAXA, XAXa e XaXa do sexo homogamético, e serão iguais a p e q (ou seja, iguais às
freqüências gênicas) nos genótipos XAY e XaY do sexo heterogamético. Então:
Freqüência de homens cegos para cores = q = 7% = 0,07. p = 1 – q = 0,93.
a) mulheres portadoras = XAXa = 2pq = 2 x 0,93 x 0,07 = 0,13 ou 13%.
b) mulheres cegas para cores = XaXa = q2 = 0,07 x 0,07 = 0,0049 ou 4,9%.

Mais de um loco

Até aqui examinamos a dinâmica da alteração da freqüência gênica


apenas em um único loco gênico. Quando se considera mais de um loco,
aparecem dois parâmetros adicionais: a interação gênica e a ligação.

Grupos de ligação, equilíbrio de ligação e desequilíbrio


de ligação

Sob cruzamento aleatório, os alelos de qualquer gene serão associados


ao acaso no genótipo, de acordo com as freqüências da Lei de Hardy-
Weinberg. Pode parecer paradoxal que cada um de dois genes, A e B,
presentes na mesma população, possa obedecer ao EHW, individualmente,

106 C E D E R J
enquanto os alelos de A e de B mantêm-se associados de forma não

7
aleatória nos gametas que formam cada geração. A Figura 7.1 mostra

AULA
que isto é possível.

fA = p1 fB = p
1 1 1

fA2 = p2 fB2 = p2

p 1 + p2 = 1 q1 + q2 = 1

P11 = p1 + q1

P12 = p1 + q2
P11 + P12 + P21 + P22 = 1

P21 = p2 + q1

P22 = p2 + q2

Figura 7.1: Gametas apresentando, em destaque, dois locos


em cromossomos distintos e suas freqüências.

Considere dois genes, cada qual com dois alelos, A1 e A2 com


freqüências p1 e p2, e B1 e B2, com freqüências q1 e q2, respectivamente. Em
ambos os casos aplica-se p1 + p2 = 1 e q1 + q2 = 1. Os genótipos A1A1, A1A2
e A2A2 são esperados nas proporções p12, 2p1p2 e p22, enquanto os genótipos
B1B1, B1B2 e B2B2 são esperados nas proporções q12, 2q1q2 e q22.
O alelo A1 está em associação ao acaso com o alelo A2, e o alelo
B1 está em associação ao acaso com o alelo B2. No entanto, apesar de
parecer estranho, os alelos do gene A estão em associação ao acaso com
os alelos do gene B. Quando os alelos dos genes estão em associação

C E D E R J 107
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes
ligados ao sexo e mais de um loco

ao acaso, a freqüência de um gameta carregando qualquer combinação


particular de alelos é igual ao produto das freqüências destes alelos.

Alelos do gene A
Alelos A1 A2

Freqüência p1 p2

Alelos Freqüência

B1 q1 A1B1 A2B1
Alelos do p1q1 p2q1
gene B B2 q2 A1 B 2 A2B2
p1q2 p2q2

Genes que se encontram em associação ao acaso são ditos em


estado de equilíbrio de ligação; os que não estão em associação ao acaso
são ditos em estado de desequilíbrio de ligação.

Em equilíbrio de ligação, as freqüências dos gametas serão:


A1B1: p1 x q1
A1B2: p1 x q2
A2B1: p2 x q1
A2B2: p2 x q2

Exemplo 7.3
Um exemplo de desequilíbrio de ligação é encontrado nos genes
que controlam os grupos sangüíneos MN e Ss em populações humanas.
Em um grupo de 1000 ingleses, as freqüências de M, N, S e s são,
respectivamente, iguais a p1 = 0,5425, p2 = 0,4575, q1 = 0,3080 e q2 =
0,6920. A seguir é apresentado o cálculo das freqüências esperadas no
EHW e o da aplicação do teste do qui-quadrado.

RESOLUÇÃO
Se os locos estiverem em equilíbrio de ligação, as freqüências
gaméticas serão p1q1 para MS, p1q2 para Ms, p2q1 para NS e p2q2 para
Ns. Assim, entre os 1000 genótipos os números esperados de cada
genótipo serão:

108 C E D E R J
MS = 2 x 0,5425 x 0,3080 x 1000 = 334,2

7
Ms = 2 x 0,5425 x 0,6920 x 1000 = 750,8

AULA
NS = 2 x 0,4575 x 0,3080 x 1000 = 281,8
Ns = 2 x 0,4575 x 0,6920 x 1000 = 633,2

Considerando que o número observado para os genótipos foi de:

MS = 474
Ms = 611
NS = 142
Ns = 773

O valor de X2 calculado para esses números foi de:

X2 = Σ (obs –esp)2
esp

X2 = (474 – 334,2)2 + (611 – 750,8)2 + (142 – 281,8)2 + (773 – 633,2)2


334,2 750,8 281,8 633,2

X2 = 58,48 + 26,03 + 69,35 + 30,87 = 184,73

No gráfico que associa X2 com P (veja a Figura 6.2, Aula 6,


disciplina Evolução), obtemos uma probabilidade, considerando um grau
de liberdade (4 classes – 2 – 1 = 1), muito inferior a 0,0001. Esse resultado
significa que o acaso sozinho pode produzir uma concordância tão pobre
quanto um evento em 10.000, e que, portanto, a hipótese de que tais locos
estejam em equilíbrio de ligação pode ser rejeitada com confiança.

C E D E R J 109
Evolução | Equilíbrio de Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos – alelos múltiplos, genes
ligados ao sexo e mais de um loco

RESUMO
As freqüências genotípicas, sob cruzamento ao acaso, de um gene com múltiplos alelos
A1, A2, ... An e correspondentes freqüências gênicas p1, p2, ... pn, onde p1 + p2 + .... + pn
= 1, serão iguais a pi2 para homozigotos AiAi e 2pipj para heterozigotos AiAj.
Os genes que estão situados nos cromossomos sexuais atingem uma situação de
Equilíbrio de Hardy-Weinberg ligeiramente diferente. No sexo homogamético, as
freqüências de EHW são as mesmas que as dos genes autossômicos, enquanto no
sexo heterogamético, as freqüências genotípicas são idênticas às freqüências gênicas
em equilíbrio.
Quando se considera mais de um loco, aparecem dois parâmetros adicionais: a
interação gênica e a ligação. Sob cruzamento aleatório, os alelos de qualquer gene
serão associados ao acaso no genótipo, de acordo com as freqüências da proporção
do Equilíbrio de Hardy-Weinberg. Cada gene presente na mesma população obedece
ao EHW, individualmente, enquanto seus alelos mantêm-se associados de forma
não aleatória nos gametas que formam cada geração. Genes que se encontram em
associação ao acaso são ditos em estado de equilíbrio de ligação; os que não estão
em associação ao acaso são ditos em estado de desequilíbrio de ligação.

AUTO-AVALIAÇÃO

Parabéns por ter chegado ao final desta aula; o conteúdo foi puxado e exigiu
bastante esforço de sua parte! No caso de algumas dúvidas persistirem, recomendo
procurar seu tutor no Pólo. O conceito do Equilíbrio de Hardy-Weinberg é essencial
para entendermos o destino da variabilidade genética ao longo do processo
evolutivo.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, veremos como o surgimento de técnicas de Biologia Molecular


revolucionou o estudo de polimorfismos genéticos, tornando desnecessários
os cruzamentos controlados, a análise de genes mutantes ou qualquer outro
conhecimento antecipado sobre ecologia e genética de determinado organismo.

110 C E D E R J
8

AULA
Marcadores moleculares no
estudo da Evolução
Meta da aula
Definir marcadores moleculares, descrever
os principais métodos moleculares e avaliar,
pelas características de cada marcador, o
mais adequado para o estudo de diferentes
problemas em evolução.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Enumerar os principais tipos de marcadores
moleculares.
• Dar exemplos de problemas em evolução
que podem ser estudados com marcadores
moleculares.

Pré-requisito
Para acompanhar bem esta aula, é importante que você
domine as informações básicas de Biologia Molecular,
especialmente os Módulos 1 e 2. Seria bom também
que você revisse a aula sobre Filogenia na disciplina
Diversidade dos Seres Vivos. Para entender por que os
marcadores moleculares constituem boa ferramenta para
o estudo da evolução é importante, ainda, que aulas
anteriores, sobre freqüências gênicas e genotípicas e
Equilíbrio de Hardy-Weinberg, estejam claras para você.
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

INTRODUÇÃO O estudo da Genética de Populações depende de técnicas efetivas para


observação e mensuração da variação gênica presente nas populações
naturais. Nas Aulas 5 (Freqüências gênicas e genotípicas e heterozigosidade),
6 (Equilíbrio de Hardy-Weinberg: aplicações, implicações) e 7 (Equilíbrio de
Hardy-Weinberg: violações dos pressupostos), você estudou como essa variação
pode ser descrita.

Nos primeiros 30 anos, após a proposição da teoria sintética da Evolução


(1930-1932), a variação estudada pelos pesquisadores era, principalmente,
fenotípica com herança mendeliana clássica (como, por exemplo, diferenças
de cor ou formato dos olhos da mosca-da-fruta; diferenças de tipo de crista
RICHARD C. em galinhas; cor da pelagem em preás; grupos sangüíneos em humanos
LEWONTIN
etc.) e cromossômica (padrão de bandas, inversões etc.). Foi na década de
Nasceu nos Estados
Unidos da América, 1960, que RICHARD C. LEWONTIN e J. L. Hubby, para estudar a variação gênica
em 1929; trabalha
atualmente na presente em populações naturais, introduziram uma técnica de separação
Universidade de de proteínas muito utilizada em Bioquímica: a eletroforese de aloenzimas.
Harvard e é um dos
mais importantes Começou, naquele momento, o uso de nova ferramenta para o estudo da
evolucionistas vivos.
Juntamente com J. Evolução: os marcadores moleculares.
L. Hubby, foi um
dos pioneiros na
utilização de métodos
moleculares para
AS FERRAMENTAS
estudo da Genética
de Populações. No estudo da Evolução, são chamados marcadores moleculares
aquelas moléculas que representam locos gênicos e apresentam alguma
ALOENZIMAS variabilidade, de modo que possam ser usadas para inferências a respeito
As proteínas podem dos padrões de diversidade dos organismos. As moléculas biológicas mais
ser classificadas como
estruturais (aquelas utilizadas para estudo da variação gênica são as proteínas e o DNA.
que participam como As tecnologias mais utilizadas são eletroforese de aloenzimas e, mais
blocos constitutivos
das células) ou recentemente, várias técnicas de amostragem de DNA. Vamos entender
enzimas (aquelas
que participam das o que são essas técnicas e como funcionam.
reações bioquímicas).
Dentre as enzimas,
encontramos as
isoenzimas, que são Eletroforese de aloenzimas
aquelas que atuam
sobre o mesmo
substrato. Se as A eletroforese pode ser definida, de maneira geral, como migração
isoenzimas resentam
padrão mendeliano
de partículas sob ação de corrente elétrica. No caso da eletroforese de
de herança, dizemos ALOENZIMAS, a técnica se baseia, primeiramente, nas características físico-
que são aloenzimas,
ou seja, comportam-se químicas das proteínas; ou seja, é sabido que dos vinte aminoácidos,
como diferentes alelos
de um loco. cinco possuem carga elétrica, três dos quais (lisina, arginina e histidina)
positiva, e os demais (ácido glutâmico e ácido aspártico), negativa.

112 C E D E R J
Tal fato faz com que proteínas diferentes possam apresentar cargas

8
diferentes, movimentando-se com diferentes velocidades, sob a ação de

AULA
campo elétrico; em outras palavras: diferentes proteínas podem manifestar
diferentes mobilidades eletroforéticas.
Outro fato importante é que, pelos princípios da Biologia Molecular,
espera-se certa correspondência entre a seqüência de nucleotídeos no DNA
e a seqüência de aminoácidos na proteína por ele codificada, isto é, entre
o gene e seu produto (ver Aula 6 do curso Diversidade dos Seres Vivos:
Introdução às macromoléculas). Finalmente, é sabido que a atividade e,
portanto, a presença de algumas enzimas, pode ser visualizada em extratos
simples de organismos, através de coloração histoquímica.
Para se realizar uma eletroforese, algumas condições básicas são
necessárias:
1 – fonte de eletricidade que produzirá campo elétrico, em função
do qual as partículas, no caso as enzimas, estarão deslocando-se;
2 – suporte (geralmente gel de amido, agarose ou poliacrilamida)
onde serão aplicadas amostras dos organismos que se quer estudar, no
qual o campo elétrico estará agindo;
3 – extração das enzimas, que é feita a partir da homogeneização
de indivíduos inteiros (caso de pequenos insetos, por exemplo), órgãos
ou tecidos (caso de organismos maiores, como peixes, camundongos ou
o próprio homem);
4 – coloração histoquímica, que é a precipitação, oxidação ou
fluorescência de um corante em função das reações catalisadas pelas
enzimas;
5 – interpretação dos padrões observados.
A eletroforese de aloenzimas está representada na Figura 8.1.
Observe, nesta figura, as condições que foram descritas acima.

C E D E R J 113
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

População
natural

Amostra de
tecido dos
indivíduos

Homogeneização

Suporte

Fonte
Eletrólise

Coloração
histoquímica

Interpretação
mendeliana
Padrão
Interpretação
de
bandas
Figura 8.1: Resumo da
aplicação da técnica de
eletroforese de aloenzi-
mas para amostragem
da variação gênica em
populações naturais.

114 C E D E R J
Como você pôde verificar na Figura 8.1, existe entre os indivíduos

8
amostrados uma variação no padrão de bandas observadas. Essa variação

AULA
pode ser interpretada diretamente como variação gênica. A interpretação
é simples: indivíduos que apresentem apenas uma banda no gel são
interpretados como homozigotos (AA ou BB); indivíduos que apresentem
as duas formas da enzima, com mobilidades eletroforéticas diferentes, são
interpretados como heterozigotos (AB). Como você já deve ter deduzido,
o padrão de bandas na eletroforese de aloenzimas é co-dominante (ver
Aula 8 do curso de Genética básica: do gene ao fenótipo).

ATIVIDADE

Figura
e responda:
a) Quantos alelos estão presentes nessa população?
b) Quais as freqüências genotípicas?
c) Quais as freqüências gênicas?

Respostas:
a) 2 alelos, A e B
b) f(AA) = 25%; f(AB) = 50%; f(BB) = 25% ou 1:2:1
c) f(A) = f(B) = 0,5

RESPOSTA COMENTADA
Você acabou de realizar uma descrição sucinta da variação gênica nesta
população. Para tanto, você utilizou não só as facilidades do método de
eletroforese, mas, também, os seus conhecimentos sobre freqüências gênicas
e genotípicas.

C E D E R J 115
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

O uso de eletroforese como método de estudo da variação gênica


em populações incorre, no entanto, na aceitação de algumas limitações;
entre elas, aquelas que dizem respeito à quantidade de variação capaz
de ser detectada. Por eletroforese de aloenzimas, não é possível detectar
substituições de aminoácidos que não mudam a carga da proteína,
alterações silenciosas no DNA e variação em íntrons (ver Aula 22 do curso
de Biologia molecular: processamento do RNA). Como conseqüência, em
eletroforese estaremos sempre falando de quantidade de variação menor
que aquela existente de fato. Talvez, a maior limitação desse método resida
no fato de que a variação amostrada por eletroforese seja, na realidade,
variação fenotípica, e não genotípica. Duas conseqüências advêm daí:
primeiro, que conceitos como heterozigosidade e homozigosidade ficam
relativizados, já que se trabalha com produtos dos genes; segundo, que
os chamados alelos (melhor seria a designação técnica de alelomorfos)
são afetados não só por possíveis alterações pós-transcricionais, como
também pela ação do ambiente e, ainda, por condições de estocagem do
material a ser analisado (tempo, refrigeração etc.).
Para além das suas limitações, a utilização da técnica eletroforética
oferece muitas vantagens, como, por exemplo, fácil preparação de
extratos a ser utilizados. Acima de tudo, a interpretação mendeliana
das freqüências obtidas em seus padrões de bandas (observe, de novo, a
Figura 8.1) é uma das maiores vantagens da eletroforese e também o que
faz dela não só uma técnica, mas um método de estudo dos problemas
em Genética de populações. Desse modo, a eletroforese é, até os dias
de hoje, reconhecidamente, um dos métodos mais eficazes na detecção
e amostragem de variação genética em populações.

Técnicas de DNA: PCR

Com o desenvolvimento, na década de 1970, da TECNOLOGIA DO DNA


RECOMBINANTE, a Genética de populações pôde ter acesso à variação gênica

presente nas seqüências de DNA. Com a possibilidade de extrair, cortar


e unir DNA exógeno em vetores como fagos e plasmídeos, tornaram-se
possíveis a amplificação e o seqüenciamento do DNA.

116 C E D E R J
8
TE C N O L O G I A DO DNA RECOMBINANTE

AULA
Tecnologia do DNA é o nome que se dá ao conjunto de técnicas de Engenharia genética, como a clonagem e a reação
em cadeia da polimerase (PCR em inglês). Essas técnicas consistem, basicamente, na possibilidade de cortar, unir e
inserir seqüências do DNA de uma espécie em outra. Isso se tornou possível com o entendimento do fenômeno da
restrição, que é a impossibilidade de reprodução de certas linhagens de vírus dentro de certas linhagens de bactérias.
Esse fenômeno se deve à ação das endonucleases de restrição, que são enzimas capazes de reconhecer uma seqüência
específica de bases do ácido esoxirribonucléico (DNA) e de romper, por clivagem da molécula, a continuidade da
dupla-hélice. O mecanismo de restrição cumpre o importante papel de proteger a bactéria do ataque do vírus. Uma
característica importante desse fenômeno é que a clivagem é assimétrica e característica para cada tipo de enzima de
restrição; por isso, os fragmentos formados pela ação das enzimas são de tamanhos variáveis, mas, fundamentalmente,
com extremidades que apresentam seqüências de bases semelhantes. Assim, mesmo que se utilizem DNAs de origens
diferentes (espécies diferentes, por exemplo), os fragmentos têm em comum a assimetria e a complementaridade das
suas extremidades. Isso possibilita o pareamento indiscriminado dos fragmentos. A soldagem posterior é efetuada
por outra enzima, a ligase; dessa forma, são obtidas moléculas híbridas de DNA. Esse é o fundamento da Tecnologia
do DNA recombinante.

Para ser trabalhado, o DNA necessita primeiramente ser extraído das


células. Bem diferente do que acontece com a eletroforese de aloenzimas,
a extração do DNA não se dá simplesmente pela homogeneização de
tecidos. Esse processo de extração ocorre, geralmente, com uma primeira
etapa de tratamento dos tecidos com enzimas que degradam proteínas
e detergentes os quais destroem as membranas celulares. Numa etapa
posterior, o DNA é extraído, limpo e precipitado pela ação de algumas
substâncias, tais quais fenol, clorofórmio e álcool. Extraído o DNA, o
processo subseqüente é, geralmente, aplicação da técnica de PCR (reação
em cadeia da polimerase, do inglês Polimerase Chain Reaction), em que
dois pequenos oligonucleotídeos iniciadores são usados para amplificar
a região de DNA por eles flanqueadas.
A reação de PCR ocorre em uma máquina chamada termociclador,
que repete vários ciclos de três temperaturas: a primeira, para desnaturar o
DNA e parar todas as reações enzimáticas; a segunda, para que os iniciadores
possam se unir à fita molde de DNA; e a última, para que o processo
enzimático de replicação do DNA seja levado a cabo. O ambiente químico
dessa reação contém, além dos iniciadores e da fita molde de DNA, a enzima
que polimeriza a reação (uma DNA polimerase que tolera temperaturas
elevadas, a Taq DNA polimerase), o material para construir as novas fitas de
DNA (dNTPs) e um co-fator que auxilia a reação (geralmente MgCl2), tudo
isso dissolvido em água destilada, filtrada e estéril. A cada ciclo completo
de reação, o processo se repete com a replicação exponencial do DNA e,
ao final do processo, obtém-se um grande número de cópias do segmento
de DNA flanqueado pelos iniciadores.

C E D E R J 117
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

Parece complicado, mas não é! As etapas do PCR estão ilustradas


na Figura 8.2. Observe, nesta figura, os detalhes sobre as temperaturas
geralmente utilizadas no processo de PCR e como ele forma um ciclo que
leva à multiplicação exponencial de uma molécula molde de DNA.

Denaturação (separa a fita dupla de


DNA em dita simples)
(94º C, 5 mim)

Anelamento (ligação dos indicado-


res às fitas de DNA)
(39 - 65ºC, 30 seg)

Indicadores

Anelamento (ligação dos


indicadores às fitas de DNA)
(39 - 65ºC, 30 seg.)
Síntase da nova fita
( 65 - 75ºC, 2-5 mim.)

Denaturação
(separar a fita
dupla de DNA Duas novas
em fita simples) fitas de DNA
(94ºC, 30 seg)

Figura 8.2: Esquema resum-


indo os eventos que ocor-
rem com o DNA durante a
Reação em Cadeia da Polim-
erase (PCR).

Obtidos os segmentos de DNA produzidos pelo PCR, precisamos


fazer agora uma eletroforese para separar esses fragmentos em função
do seu tamanho e estrutura. O suporte das eletroforeses de DNA são,
geralmente, géis de agarose ou poliacrilamida. A visualização desses

118 C E D E R J
segmentos se dá pela coloração desses géis por substâncias como

8
brometo de etídio ou prata, que revelam a variação como bandas em

AULA
diferentes posições no gel. Cada banda corresponde a um grupo de
moléculas de mesmo tamanho. Um padrão diferente de bandas entre
indivíduos significa diferença genética entre eles. O conjunto dessa
variação interindividual representa a variação gênica da população,
que pode ser a mesma ou variar entre as populações, em função da
ação das forças evolutivas.

Técnicas de DNA 2: Sopa de letrinhas

A variação gênica, presente no segmento de DNA obtido pelo


PCR, pode ser estudada de várias formas. Se o segmento amplificado
contém seqüências repetitivas que variam em número, o tamanho do
segmento irá variar entre os indivíduos da população. Esse é o tipo de
variação gênica presente em microssatélites (repetições constituídas de
dois a cinco pares de bases) e minissatélites (até 10, 20 pares de base
de repetição) de locos único. Nesses casos, a interpretação dos padrões
de bandas é equivalente àquele obtido por aloenzimas. Nos casos de
minissatélites que apresentam mais de um loco no genoma, ou seja,
locos múltiplos, o padrão de bandas é mais complexo, sendo chamado,
então, de fingerprints (palavra em inglês que significa impressão digital).
Minissatélites de locos múltiplos são assim chamados porque apresentam
um conjunto tão grande de bandas (equivalentes aos diferentes alelos de
cada loco), que é muito difícil encontrar dois indivíduos que partilhem
do mesmo padrão. É por isso que se diz que o padrão de bandas equivale
a uma “impressão digital molecular”. Para que fique mais claro o que
estamos descrevendo, veja o esquema da Figura 8.3, que ilustra os padrões
de minissatélites de loco único e locos múltiplos.

C E D E R J 119
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

Locos de Minissatélite

Loco 1 Loco 2 Loco 3 Loco 4


Interpretação
mendeliana

Padrão de bandas
de minissatélites
de loco único para
3 indivíduos

Padrão de bandas
de minissatélites de
multiplos locos (locos
1 a 4 acima) para os
mesmos 3 indivíduos

Figura 8.3: Esquema representando os padrões de bandas obtidos para quatro locos de minissatélite de loco
único e o padrão de fingerprint (minissatélite de múltiplos locos) que seria obtido pela composição deles.

A variação gênica em micro e minissatélites tem origem em


inserções e deleções dessas repetições (pequenos blocos de nucleotídeos
que são ganhos ou perdidos). Outra forma de variação gênica que
pode ser amostrada pelas técnicas de DNA é aquela que tem origem
em mutações pontuais (mutações gênicas de substituição de bases; ver
Aula 13 de Biologia molecular: mutação e reparo do DNA). Nesse caso, o
estudo pode ser feito pelo seqüenciamento total do segmento (ver Aula 6,
do curso Grandes temas em biologia: como se obtém a seqüência de uma
molécula de DNA ou de RNA) ou, ainda, pela utilização de enzimas de
restrição (polimorfismo de tamanho dos fragmentos de restrição, RFLP,
do inglês Restriction Fragment Lenght Polymorphism).
As enzimas de restrição (ou endonucleases de restrição) são capazes
de “digerir” uma seqüência específica de DNA dupla-fita, de quatro, cinco
ou seis pares de base (bp) de comprimento. Essas enzimas foram isoladas
e purificadas de bactérias, nas quais agiam protegendo a célula contra
a invasão de DNA exógeno (uma infecção por vírus, por exemplo). O
DNA da bactéria é protegido da ação dessas endonucleases de restrição
por um sistema específico de marcação do seu DNA por moléculas de
metila (processo denominado metilação).

120 C E D E R J
A técnica de RFLP envolve a utilização de enzimas de restrição que

8
irão cortar o DNA, amplificado pelo PCR, em função do reconhecimento

AULA
de seqüências específicas. Por exemplo, a enzima de restrição Eco RI,
— assim chamada por ter sido extraída da bactéria Escherichia coli
— reconhece e digere a seqüência específica 5’-GAATTC-3’. Assim,
diferentes indivíduos, numa dada população, poderão apresentar, para
a mesma seqüência de DNA, diferentes mutações. Essas mutações podem
determinar que a enzima de restrição Eco RI não reconheça mais um sítio
de restrição (se mudar a seqüência de 5’-GAATTC-3’ para 5’-GTATTC-
3’, por exemplo) ou, alternativamente, que passe a reconhecer um novo
sítio (a operação inversa, por exemplo, mudando uma seqüência
5’-GTATTC-3’ para 5’-GAATTC-3’). Muito complicado? Então, observe
a Figura 8.4, pois ela pode auxiliar você a entender esse processo.

SEPARAÇÃO DOS FRAGMENTOS POR ELETRÓLISE


E VISUALIZAÇÃO EM UM SUPORTE DE AGAROSE
REVELADO COM PRATA

Seqüência sem sítio de restrição

Ganho de sítio

Ganho de novo sítio

Região na seqüência em que a enzima


de restrição cliva O DNA

Figura 8.4: Mapa de restrição indicando o padrão de corte de uma determinada enzima
e um esquema representando a separação dos fragmentos em um suporte (gel de KILOBASE (KB)
agarose ou poliacrilamida) e seus respectivos tamanhos em Kb. MM é um marcador
É uma unidade de
molecular que apresenta um conjunto de bandas com tamanhos conhecidos.
medida de peso
molecular do DNA.
1kb significa um
Ficou mais claro para você, agora? É interessante notar que o conjunto de 1.000
nucleotídeos.
padrão mostrado na Figura 8.4 é haplóide, ou seja, é para uma seqüência
única de DNA que se origina de um cromossomo apenas. Para organismos
diplóides, a seqüência tem origem de um par de cromossomos. Desse
modo, o indivíduo apresentará um padrão semelhante àqueles mostrados
na Figura 8.4 (A, B ou C) apenas se for homozigoto. No caso de
indivíduos heterozigotos, o padrão de bandas será uma composição

C E D E R J 121
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

dos três padrões representados: AB, AC ou BC. Assim, para o exemplo


dado, poderemos ter seis padrões distintos de bandas, que equivalem
aos seis genótipos possíveis, se considerarmos os três padrões haplóides
como alelos: AA, BB, CC, AB, AC e BC. Entendeu? Então, tente realizar
a atividade a seguir.

ATIVIDADE

Qual é o genótipo dos três indivíduos representados na Figura 8.5?

Indivíduos

Figura 8.5: Esquema representando a separação dos frag-


mentos de restrição em um suporte (gel de agarose ou
poliacrilamida) e seus respectivos tamanhos em kb. MM
é um marcador molecular que apresenta um conjunto de
bandas com tamanhos conhecidos.

RESPOSTA COMENTADA
Você identificou que os três indivíduos são heterozigotos. O primeiro indivíduo
(AB) e o segundo (AC) apresentam número de bandas que é igual à soma do
número de bandas de cada um dos alelos. O terceiro indivíduo (BC) apresenta
uma banda a menos do que a soma do número de bandas de cada um dos
alelos. Isso se dá porque os alelos B e C apresentam banda de mesmo tamanho;
logo, essas bandas apresentam a mesma mobilidade eletroforética.

122 C E D E R J
As facilidades da técnica de PCR podem ser utilizadas para

8
amplificar segmentos aleatórios de DNA ao longo de todo o genoma

AULA
dos organismos. Esse é o caso da técnica de RAPDs (DNA polimórfico
amplificado aleatoriamente, do inglês Randomly Amplified Polimorphic
DNAs). Nessa estratégia, iniciadores pequenos (por volta dos 10 pares
de base) e de seqüência aleatória são utilizados para o PCR com
temperaturas que permitam seu pareamento em diversas regiões do
genoma, amplificando, desta forma, grande número de segmentos
de DNA dos mais diversos tamanhos e origens. O padrão de bandas
observado é muito semelhante àquele obtido para minissatélites de locos
múltiplos; contudo, a diferença fundamental entre esses dois fingerprints
é que, no primeiro caso, sabemos que as bandas equivalem a alelos de
locos definidos e, no caso dos RAPDs, as bandas observadas equivalem
a regiões do genoma amplificadas ao acaso.
As técnicas de DNA que descrevemos são mais próximas da
variação real do genoma que a eletroforese de aloenzimas; contudo,
à exceção do seqüenciamento total, marcadores moleculares de DNA
também são uma estimativa indireta da variação gênica. Como em toda
técnica, estudos fundamentados em polimorfismo de DNA obtidos por
PCR também possuem alguns pressupostos. Primeiramente, é preciso
assumir como verdade que o produto obtido pelo PCR é o desejado. A
reação em cadeia da polimerase é tanto mais específica quanto maiores
forem as temperaturas usadas, embora nada impeça que alguma outra
região do genoma, semelhante àquela com a qual acreditamos estar
trabalhando, possa ser amplificada juntamente com a desejada ou no
lugar da que se deseja amplificar.
Outro pressuposto importante que assumimos é que todos os alelos
estão sendo certamente e igualmente amplificados. Isso significa dizer
que, quando observamos um homozigoto, ele, certamente, possui apenas
aquela banda no gel, e nenhuma outra deixou de ser amplificada pela
reação ou foi amplificada de maneira que não pudéssemos observar. Em
alguns casos, seqüências diferentes podem ser mais difíceis de amplificar
que outras, o que invalidaria nosso pressuposto.
Finalmente, assumimos que os segmentos de DNA amplificados
são comuns por descendência, e não por convergência (ver Aula 3
da disciplina Diversidade dos seres vivos: filogenia); ou seja, quando
observamos os padrões de bandas de dois indivíduos diferentes e

C E D E R J 123
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

percebemos que eles são iguais, admitimos que aqueles indivíduos partilham
de um ancestral comum. Porém, outra possibilidade seria a de que elas, por
acaso, apresentassem a mesma mobilidade eletroforética; estaríamos, então,
inferindo que um parentesco, de fato, não existe entre esses dois indivíduos.

QUAL O MELHOR MARCADOR MOLECULAR?

Os marcadores moleculares disponíveis atualmente podem ser


classificados de acordo com a existência de dominância. Técnicas
como aloenzimas, microssatélites, minissatélites de loco único e
RFLPs apresentam co-dominância, sendo homozigotos e heterozigotos
facilmente identificáveis no padrão de bandas visualizado após a
eletroforese (veja, de novo, na Figura 8.1, a interpretação dos padrões
de bandas no gel). Por outro lado, técnicas como RAPDs e minissatélites
de locos múltiplos apresentam dominância. Neste caso, basta a presença
de um único genoma que possibilite a amplificação do fragmento, para
que a banda seja visualizada. No caso de indivíduos heterozigotos, a
banda também será observada, impossibilitando a distinção de um dos
homozigotos do heterozigoto.
Marcadores moleculares com situação de dominância tornam-se
menos úteis para análises populacionais. Nesses casos, para se estimar as
freqüências gênicas a partir da interpretação do padrão de bandas, é preciso
que se assuma um pressuposto muito importante e não necessariamente
atendido: o Equilíbrio de Hardy-Weinberg (ver Aula 7).
A escolha da técnica molecular a ser empregada depende da
avaliação, também, de alguns critérios. Primeiramente, é importante
definir o problema a ser investigado, uma vez que diferentes marcadores
moleculares apresentam diferentes taxas de substituição, ou seja, evoluem
em velocidades diferentes.
Marcadores que evoluem muito rápido são úteis para o estudo
de indivíduos, famílias e populações; isso se dá porque altas taxas de
substituição determinam que a taxa de mudança, para uma dada região
da molécula, seja tão rápida que indivíduos, mesmo muito aparentados,
serão diferentes, quando estudados por esse marcador. Por exemplo,
técnicas como RAPDs produzem quantidade muito grande de variação
observável, o que é útil para estudos de paternidade, modos de reprodução
ou organismos clonais.

124 C E D E R J
Aloenzimas, por sua vez, são adequadas para pesquisa em nível

8
populacional, uma vez que apresentam padrões de co-dominância e

AULA
níveis moderados de variação. Os microssatélites, que são abundantes
no genoma e exibem grande variação alélica, são especialmente indicados
para estudos de populações altamente endocruzadas (inbred), típicas em
sistemas de cultivo em massa (agricultura, aquacultura etc.).
Marcadores que evoluem mais lentamente são mais adequados
para os estudos que envolvem diferentes espécies ou táxons supra-
específicos. Nesse caso, como a taxa de mudança é mais lenta, indivíduos
proximamente aparentados, como aqueles que pertencem à mesma família
ou população, não apresentarão diferenças, sendo todos iguais, quando
estudados por esse marcador. Técnicas como RFLPs e seqüenciamento são
bons exemplos desse tipo de marcador; daí serem indicadas para estudos
de Filogenia, por exemplo.
Outro critério importante a ser observado é o tipo de material
disponível para estudo. Trabalhos com aloenzimas demandam
quantidade razoável de material biológico (10 a 50mg por loco gênico
analisado), que deve estar obrigatoriamente fresco ou congelado. Dessa
forma, dependendo do organismo, a amostragem para os trabalhos com
aloenzimas pode ser destrutiva, impondo limitações para sua utilização
em estudos com organismos muito pequenos (ou larvas), bem como com
espécies raras. Trabalhos que utilizam as facilidades da técnica de PCR
não oferecem esse tipo de problema. Em tais casos, porém, as limitações
estão relacionadas ao custo da técnica (reagentes, equipamentos), ao
tempo e à experiência necessários para obtenção dos dados (conhecimento
especializado, equipamento sofisticado), o que restringe, por exemplo, os
tamanhos de amostra que podem ser utilizados nestes estudos.
A escolha do marcador molecular adequado depende de análise de custo
e benefício, bem como de precisa definição do problema a ser investigado.

C E D E R J 125
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

CONCLUSÃO

Não é demais repetir, nesta disciplina de Evolução, que a perspectiva


populacional da variação interindividual foi um dos grandes méritos de
Darwin, do mesmo modo que o modelo mendeliano e sua concepção de
herança particulada foi decisivo para construção de uma explicação para as
mudanças evolutivas. Essa explicação é a teoria sintética da Evolução.
Para a teoria sintética, a primeira condição para que o processo
evolutivo ocorra é a existência de variação gênica nas populações. De
outro modo, não é possível que haja mudança na composição genética
das populações ao longo das gerações. Dessa forma, o trabalho de medir
e caracterizar a variação gênica presente em populações é condição
fundamental para se estudar Evolução.
Nas três aulas anteriores, você estudou como medir e caracterizar a
variação gênica. Nesta aula, você estudou várias técnicas de amostragem da
variação gênica em nível molecular. Os marcadores moleculares representam
locos gênicos que apresentam alguma variabilidade e, portanto, são ótima
ferramenta para estudar Evolução.

RESUMO
Moléculas, tais como as aloenzimas e o DNA, podem ser usadas para amostrar
a variação gênica presente nas populações; para tanto, utilizam-se técnicas,
como a eletroforese de aloenzimas, PCR, microssatélites, minissatélites, RFLPs e
RAPDs. Quando usamos aloenzimas, precisamos assumir o pressuposto de que a
seqüência de aminoácidos na proteína equivale à seqüência de nucleotídeos no
DNA, e ter claro, também, que a quantidade de variação amostrada é sempre
uma subestimativa da variação total. Marcadores moleculares de DNA, por outro
lado, são mais próximos da variação real do genoma, mas também é necessário
assumir pressupostos para se trabalhar com eles: o produto obtido é o desejado;
todos os alelos estão sendo amplificados igual e certamente; os segmentos de DNA
amplificados são comuns por descendência e continuam sendo uma estimativa
indireta da variação gênica. Diferentes marcadores moleculares apresentam
diferentes taxas evolutivas, sendo úteis para o estudo de diferentes problemas
da Evolução.

126 C E D E R J
ATIVIDADES FINAIS

8
AULA
1. Por que a variação amostrada pelo método de eletroforese de aloenzimas é
uma subestimativa da variação total?

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________

COMENTÁRIO
Como você já viu nesta aula, são características como a subestimativa da variação
que fazem da eletroforese um método conservador, ou seja, se tem muita segurança
em relação À variação revelada pelo método.

2. Se duas seqüências de DNA diferentes não são amplificadas uniformemente


numa reação de PCR, qual a conseqüência que isto pode acarretar para uma
interpretação mendeliana do padrão de bandas obtido?

____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
COMENTÁRIO
Você deve ter percebido que os métodos moleculares apresentam limitações
técnicas, e este é um exemplo desse tipo de limitação..

3. Imagine se você quisesse estudar um organismo muito pequeno ou uma espécie


ameaçada de extinção. Você optaria por utilizar marcadores de aloenzimas?
Justifique sua resposta.

____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________

COMENTÁRIO
Esperamos que nesta questão tenha ficado evidente para você que nenhum método
molecular é universal. Para escolher o melhor método molecular é preciso conhecer
todas as características de todos os métodos.

C E D E R J 127
Evolução | Marcadores moleculares no estudo da Evolução

4. O que significa dizer que um marcador molecular tem evolução rápida?

____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________

COMENTÁRIO
Se você respondeu bem esta questão, significa que já está tomando decisões a
respeito do melhor marcador molecular para cada problema em Evolução. Parabéns!
Você alcançou o objetivo desta aula.

5. Se você quisesse estudar as relações de parentesco entre táxons separados


evolutivamente há muito tempo, como diferentes ordens ou classes, escolheria
marcadores de evolução lenta ou rápida? Justifique sua resposta.

___________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________

COMENTÁRIO
Além de ter de conhecer muito bem as características de todos os métodos para
você utilizar os marcadores moleculares em Evolução, deve também, ter boa
definição do problema biológico a ser estudado.

AUTO-AVALIAÇÃO

Esta aula envolveu grande quantidade de informações e, provavelmente, exigiu de


você, também, um esforço de revisão dos conteúdos estudados em outras disciplinas.
Mas não se assuste; caso você tenha sentido muita dificuldade, leia de novo o
conteúdo da aula que, agora, já não será tão novo. Do mesmo modo, dedique um
pouco mais de tempo à observação e análise das figuras; elas podem facilitar muito
o entendimento de todas essas técnicas.

Esperamos que você tenha conseguido realizar a atividade proposta sem problemas;
caso isso não tenha ocorrido, retorne à explicação, que as coisas devem ficar mais
claras. Quanto aos exercícios, eles seguem uma ordem crescente de dificuldade; logo,
comece pelo primeiro e siga sem medo até o fim. A última questão é um desafio,
aceite-a como tal e divirta-se! Confira suas respostas e aprenda com seus erros!

128 C E D E R J
INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

8
AULA
Nas primeiras quatro aulas desta Disciplina, você estudou Evolução sob uma
perspectiva histórica. Nas Aulas de 5 a 8, foi apresentado o material da
Evolução: estudou-se como medir, descrever e amostrar a variação gênica.
Nas próximas aulas, vamos estudar as forças evolutivas. A primeira delas será
a Mutação, que é a força evolutiva que deu origem a toda variação gênica.

C E D E R J 129
9

AULA
Mutação. Suas origens e efeitos
evolutivos
Meta da aula
Apresentar o conceito de mutação como força evolutiva
em populações naturais.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Definir o conceito de mutação como força
evolutiva em populações naturais.
• Executar o cálculo das freqüências gênicas e
genotípicas de uma população sob efeito de
eventos mutacionais recorrentes.

Pré-requisito
Para acompanhar mais facilmente esta aula, é importante
que você reveja os conceitos de estrutura de DNA (Aulas 3 e
4, disciplina Biologia molecular) e, principalmente, a aula de
Mutação e reparo de DNA (Aula 13, da mesma disciplina).
Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

INTRODUÇÃO Nesta aula, de forma distinta das disciplinas Genética Básica e Biologia Molecular,
vamos falar sobre mutação como fonte de nova variabilidade genética e como
força evolutiva que altera as freqüências dos genes em uma população.

MUDANÇAS NAS FREQÜÊNCIAS GÊNICAS – MUTAÇÃO

Até agora, vimos que uma grande população com cruzamento


ao acaso é estável com respeito às freqüências gênicas e genotípicas, na
ausência de processos que levem à mudança nas propriedades genéticas.
Agora, podemos prosseguir no estudo desses processos, através dos quais
ocorrem as mudanças nas freqüências gênicas e, conseqüentemente, nas
PROCESSOS freqüências genotípicas.
SISTEMÁTICOS
Existem dois tipos de processos: PROCESSOS SISTEMÁTICOS, que tendem
Incluem mutação,
migração ou a mudar as freqüências gênicas de maneira previsível, tanto na quantidade
fluxo gênico e
como na direção; e PROCESSOS DISPERSIVOS, que surgem dos efeitos de
seleção. Esses
processos alteram amostragem em populações pequenas, sendo previsível na quantidade,
as freqüências
gênicas de forma e não na direção. Vamos estudá-los separadamente primeiro, assumindo
mensurável na
que cada um deles está atuando em um determinado momento para,
quantidade e direção,
o que significa que então, colocá-los em conjunto e ver como eles interagem. Começaremos
podemos estimar
as alterações de por um processo sistemático, o de mutação, considerando uma população
forma precisa. Já os
grande com cruzamento ao acaso, de forma a excluir o processo de
PROCESSOS DISPERSIVOS
são imprevisíveis dispersão do cenário.
quanto à direção.
Podemos fazer uma
analogia entre um
processo dispersivo MUTAÇÃO
e uma garrafa
boiando no oceano.
É impossível prever o
Constitui a origem de todas as variações genéticas em uma
trajeto que a garrafa população, sejam elas grandes (mutações cromossômicas, supergenes),
percorrerá, já que sua
mobilidade depende ou pequenas (um único nucleotídeo de um gene). Mutação, portanto, é
de eventos aleatórios
(ondas causadas
um conceito que se aplica desde a rearranjos cromossômicos até a troca,
pelo deslocamento perda ou adição de nucleotídeos de um gene, produzindo novos alelos.
de grandes animais,
correntes causadas Usada no seu sentido amplo, a mutação refere-se a qualquer mudança
por navios etc.).
imprevista e herdável no genótipo de um organismo.
Você estudou, na disciplina Diversidade dos Seres Vivos, que
mutação constitui a fonte de variabilidade genética necessária para a
evolução, um processo normalmente ao acaso e não adaptativo.
O termo mutação refere-se tanto à (1) mudança no material
genético quanto (2) ao processo pelo qual ocorre a mudança. Um
organismo que exibe um fenótipo novo, resultante de mutação, é
chamado mutante (Figura 9.1).

132 C E D E R J
9
AULA
Transcrição Transcrição

CROMOSSOMO
Códon 1 Códon 2 Códon n

Tradução Tradução
Alelo Selvagem Alelo Mutante

Polipeptídeo aa1 . aa2...............glu............aan aa1 . aa2...............lis............aan

Proteína Normal Proteína Alterada

MUTAÇÃO

Figura 9.1: Visão geral do processo de mutação e expressão de alelos selvagem e mutante.

CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA MUTAÇÃO GÊNICA

Revendo nossos conceitos genéticos do processo de mutação,


lembre-se de que uma mutação pode ocorrer de forma espontânea (erros
da enzima DNA polimerase durante a replicação) ou pode ser induzida
por agentes mutagênicos ou mutágenos.
Uma mutação pode suceder em qualquer célula e em qualquer
estágio do desenvolvimento de um organismo multicelular. Ocorre tanto
em células somáticas como em células germinativas (gametas); contudo,
somente as mutações que ocorrem nos gametas são passadas adiante de
geração em geração (são herdáveis). Assim, se uma pessoa sofre uma
mutação na pele e desenvolve um câncer, em conseqüência de exposição
excessiva aos raios ultravioleta do Sol (por isso é importante usar filtro
solar!!), ela não transmite essa doença a seus filhos (Figura 9.2). Por
outro lado, um radiologista imprudente, que recebe uma dose alta de
raios X na região pubiana, pode gerar uma criança malformada, pois
suas células germinativas foram atingidas.

C E D E R J 133
Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

Figura 9.2: Veja o Cláudio


na praia; que imprudên-
cia! Ele não sabe que sem
proteção do filtro solar,
sua pele está exposta à
ação dos raios ultravio-
leta do Sol, que podem
causar um pareamento
errado das bases do DNA
e levar a um câncer de
pele. Felizmente, o der-
matologista do Cláudio
conseguiu evitar que a
lesão da pele evoluísse
para câncer e ensinou-o
a cuidar da sua saúde e
da de seu filho. Agentes mutagênicos ou mutágenos

As mutações induzidas são as que resultam da exposição dos


organismos a agentes físicos e químicos, ou ainda da ação de elementos
genéticos de transposição endógenos, que causam mudanças no DNA.
Eles incluem a radiação ionizante (raios X, raios gama e raios cósmicos),
a luz ultravioleta e uma ampla variedade de substâncias químicas como,
por exemplo, análogos de bases, agentes alquilantes (nitrosaminas, gás
mostarda), desaminantes (ácido nitroso), hidroxilamina e corantes
aromáticos (acridinas).
TRANSPOSONS Os organismos vivos contêm elementos marcantes no DNA que
Também chamados podem pular de um sítio para outro, no genoma. Esses TRANSPOSONS,
Elementos de
Transposição ou ou elementos genéticos de transposição, podem tornar um gene não-
Seqüências de
Inserção (SI), são
funcional (gerando um fenótipo mutante devido à modificação do
seqüências de DNA produto gênico, codificado pelo gene original) através da sua inserção
que podem se
transferir de uma no genoma do hospedeiro.
região para outra do
genoma, deixando
ou não uma cópia Estimativas de velocidade de mutação
no local antigo
onde estavam. A Operacionalmente, é impossível provar que uma mutação particular
transposição pode
ser para o mesmo ocorreu espontaneamente ou foi induzida por agente mutagênico.
cromossomo, para
outro cromossomo, As mutações espontâneas ocorrem raramente, embora as freqüências
para um plasmídio
observadas variam de gene a gene e de organismo a organismo.
ou para um fago.
Os transposons Para vários genes de fagos e bactérias, as medidas das freqüências de
foram descobertos,
inicialmente, no mutações espontâneas variam de aproximadamente 10-8 a 10-10 mutações
milho, por Barbara
McClintock, em
detectáveis por par de nucleotídeos, por geração. Para os eucariontes, as
torno de 1950; e, estimativas de velocidades de mutação variam de aproximadamente 10-7 a
atualmente, sabe-se
que estão presentes 10-9 mutações detectáveis por par de nucleotídeos, por geração (considerando
em todos os
organismos. apenas os genes para os quais amplos dados estão disponíveis).

134 C E D E R J
Comparando as velocidades de mutação por nucleotídeo com

9
as velocidades por gene, temos que a velocidade de mutação média

AULA
corresponde a 10-4 a 10-7, por geração, para um gene constituído de
cerca de 1.200 pares de bases (codificando para um polipeptídeo com
400 aminoácidos).
O tratamento com agentes mutagênicos pode aumentar a
freqüência de mutações em várias ordens de magnitude. A freqüência
de mutação por gene, nas bactérias e vírus, pode ser aumentada para
mais de 1% pelo tratamento com potentes mutágenos químicos.
Por definição, as mutações ocorrem ao acaso, ao longo do genoma
de um organismo. No entanto, existem seqüências de nucleotídeos mais
propensas a ocorrência de um evento mutacional. Tais sítios de mutação
são chamados pontos quentes (em inglês: hotspots) e apresentam número
de mutações maior do que o esperado para uma distribuição aleatória
(10 a 100 vezes a mesma mutação no mesmo sítio). Um exemplo seria
uma doença hereditária humana, a fibrose cística, em que 70% dos
alelos mutantes contêm a mesma deleção das três bases que originam a
proteína mutante.

A base molecular da mutação

O processo de mutação em nível molecular envolve diversos


mecanismos. Um exemplo de mutação espontânea em nível molecular é
a modificação tautomérica sofrida pelas bases nitrogenadas que compõem
os nucleotídeos durante o processo de replicação.
Watson e Crick, quando descreveram a estrutura da dupla-hélice
do DNA (veja sobre o trabalho desses cientistas na Aula 3, Grandes
Temas em Biologia, e na Aula 4, Biologia Molecular), propuseram um
mecanismo para explicar a mutação espontânea. Eles destacaram que as
estruturas químicas das bases não são estáticas. Os átomos de hidrogênio
podem mover-se de uma posição em uma purina ou pirimidina para outra
posição; por exemplo, de um grupo amino para um nitrogênio em um
anel. Tais flutuações químicas são chamadas mudanças tautoméricas.
Embora as modificações tautoméricas sejam raras, elas podem ser de
considerável importância no metabolismo do DNA, porque alteram o
potencial de pareamento das bases.

C E D E R J 135
Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

As estruturas dos nucleotídeos que conhecemos são as formas


comuns, mais estáveis, nas quais a adenina sempre se pareia com timina
e a guanina sempre se pareia com citosina. As formas cetônicas mais
estáveis de timina e guanina e as formas amínicas de adenina e citosina
podem raramente sofrer mudanças tautoméricas para formas menos
estáveis, como enol e imino, respectivamente (Figura 9.3).
Seria de se esperar que as bases existissem em suas formas tautoméricas
menos estáveis por apenas um curto período de tempo. Entretanto, se existisse
uma base na forma rara no momento em que ela estivesse sendo replicada
ou sendo incorporada em uma cadeia nascente de DNA, aconteceria uma
mutação. Quando as bases estão presentes em seus estados raros, imino
ou enol, podem formar pares anômalos de adenina-citosina ou guanina-
timina. O efeito final de tal evento é uma substituição A:T por G:C ou
G:C por A:T (Figura 9.3).

Figura 9.3: Formas tautoméri-


cas das quatro bases comuns
no DNA.

136 C E D E R J
As mutações que envolvem mudanças em sítios específicos de um gene

9
são chamadas mutações de ponto ou pontuais. Elas incluem a substituição

AULA
de um par de bases por outro, ou a inserção ou deleção de um ou alguns
pares de nucleotídeos em um sítio específico de um gene.
As mutações de ponto são de três tipos: (1) transições, substituições
de purina por purina e de pirimidina por pirimidina; (2) transversões,
substituições de purina por pirimidina e de pirimidina por purina; e (3)
mudanças de matriz de leitura (frameshift), adições ou deleções de um
ou dois pares de nucleotídeos, que alteram a matriz de leitura do gene
distal ao sítio da mutação (Figura 9.4).

PURINAS

PIRIMIDINAS

TRANSCRIÇÃO Figura 9.4: Tipos de


mutação de ponto que
TRANSVERSÃO
ocorrem no DNA.

Embora ainda tenhamos muito de aprender sobre as causas, os


mecanismos moleculares e a freqüência das mutações que ocorrem
espontaneamente, três fatores são importantes: (1) a precisão da maquinaria
de replicação do DNA; (2) a eficiência dos mecanismos que evoluíram para o
reparo do DNA danificado; e (3) o grau de exposição a agentes mutagênicos
presentes no ambiente.

A mutação como força evolutiva

Os efeitos da mutação nas propriedades genéticas de uma


população vão diferir, caso estejamos examinando um evento mutacional
tão raro que possa ser considerado virtualmente único, ou, um passo
mutacional que ocorra repetidamente. O primeiro tipo não produz
mudança permanente em populações grandes (embora, em conjunto
com deriva genética, possa ter efeito importante no destino da variação,
como veremos mais adiante), enquanto o segundo produz. Lembre-se
também de que existem mutações gaméticas e somáticas, e seus efeitos nas

C E D E R J 137
Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

propriedades genéticas de uma população diferem. Na discussão a seguir,


estaremos voltados principalmente para aquelas mutações ocorrentes na
linha germinativa que dá origem aos gametas.

Mutação não-recorrente

Considere primeiro um evento mutacional que forneça apenas


um representante do gene ou cromossomo mutado na população inteira.
Esse tipo de mutação tem pouca importância como causa da mudança na
freqüência gênica, porque o produto de uma mutação única tem somente
uma chance muito pequena de sobreviver em uma população grande. O
gene mutante original está presente em heterozigose, e sua chance de ser
perdido na próxima geração reduz-se à metade (50%). Se este sobrevive,
pode estar representado por uma ou mais cópias, mas cada cópia tem 50%
de chance de sobrevivência na terceira geração. A perda é permanente.
A chance de sobrevivência indefinida é muito pequena, de fato, sendo
zero em uma população infinitamente grande. Pelo motivo de populações
reais não serem infinitas, espera-se que, ocasionalmente, mutações únicas
sobrevivam indefinidamente e levem a uma mudança na freqüência gênica
(voltaremos a isso mais adiante, nas aulas sobre deriva gênica).

Mutação recorrente

É nesse segundo tipo de mutação que estamos principalmente


interessados aqui, como um agente (processo) causando mudanças nas
freqüências gênicas. Em uma população grande, a freqüência do gene
mutante nunca é tão pequena que a perda possa ocorrer por efeitos de
amostragem. Temos, então, de descobrir qual é o efeito dessa ´pressão`
da mutação sobre as freqüências gênicas na população.

Mutação recorrente unidirecional

Suponha que o gene A1 seja alterado (mute) para A2 com uma


freqüência u por geração (u é a proporção de todos os genes A1 que
mutam para A2 entre uma geração e a próxima).

A1 u A2

138 C E D E R J
Se a freqüência de A1 em uma geração é po, a freqüência dos alelos

9
mutantes novos A2, na próxima geração, será upo. Assim, a nova freqüência

AULA
gênica de A1 é po - upo, e a mudança na freqüência gênica é -upo.

Freqüência de A1 na geração inicial (0) = po


Freqüência de A2 na geração seguinte (1) = upo
Freqüência de A1 na geração seguinte (1) = po - upo

Na primeira geração com mutação teríamos a freqüência de A1 (p1)


igual a po - upo, ou po(1 - u). Na segunda geração teríamos p2 = p1(1 - u), mas
já que p1 = po(1 - u), substituindo, temos p2 = po(1 - u) (1 - u) ou po(1 - u)2.

Freqüência de A1 na primeira geração (p1) = po - upo = po (1 - u)


Freqüência de A1 na segunda geração (p2) = p1 (1 - u) = po(1 - u)2

Estendendo este raciocínio para diversas gerações, verificamos


que a freqüência gênica após t gerações será:

pt = po(1 - u)t

A Figura 9.5 ilustra as mudanças que ocorrem na freqüência de


um alelo A1 sob pressão de mutação.

Figura 9.5: Mudanças na


freqüência sob pressão de
Freqüência do Alelo A2 (qt)
Freqüência do Alelo A1 (p)

mutação. Neste exemplo,


um alelo A1 muta para
A2 com uma velocidade
de u = 1 x 10–4 por gera-
ção; pt é a freqüência do
alelo A1 na geração t.
Nós assumimos que a
freqüência inicial p0 = 1.
Com o dado valor de u,
a freqüência do alelo A1
decresce à metade a cada
Gerações (t) 6.931 gerações.

Note que, no início, todos os alelos existiam na forma A1. Ao longo


das gerações, a força das mutações vai, gradativamente, transformando
os alelos A1 em alelos A2. A freqüência do alelo A1 (pt) será de 0,5
após 6.931 gerações e chegará a zero após, aproximadamente, 40.000
gerações. Nesse momento, todos os alelos da população serão A2. Em

C E D E R J 139
Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

resumo, mutação agindo isoladamente das outras forças evolutivas é uma


força fraca e causa alterações lentas nas freqüências gênicas.

MUTAÇÃO RECORRENTE BIDIRECIONAL

Agora considere o que acontece quando os genes mutam em ambas


as direções. Suponha, para simplificar, que existam somente 2 alelos, A1
e A2, com freqüências iniciais po e qo. A1 muta para A2 a uma velocidade
u por geração, e A2 muta para A1 a uma velocidade v. Então, após uma
geração, existe um ganho de A2 genes igual a upo, devido à mutação em
uma direção, e uma perda igual a vqo devido à mutação na outra direção.
Colocando em símbolos, temos a seguinte situação:

Velocidade de mutação A1 u A2
v
Freqüência gênica inicial po qo

Então, a mudança na freqüência gênica em uma geração é


∆q = upo - vqo

Essa situação leva a um equilíbrio nas freqüências gênicas; assim,


nesse equilíbrio, nenhuma outra mudança ocorre. O ponto de equilíbrio
pode ser encontrado ao igualar-se à mudança nas freqüências (∆q) a zero.
Assim, no equilíbrio:

up = vq
ou
p/q = v/u

substituindo p por 1-q, temos

u- uq = vq
que leva a
q=u/v+u

Da mesma forma
p=v/u+v

140 C E D E R J
Exemplo 9.1

9
1) No modelo de mutação recorrente bidirecional, qual a

AULA
freqüência de equilíbrio p de A1 se:
a) u = 10-5 e v = 10-6 ?
b) u é aumentado 10x?
c) v é aumentado 10x?
d) ambas as velocidades de mutação são aumentadas 10x?

Resolução
Vimos que p = v / u + v. Assim, se substituirmos os valores de 10-5 e
10-6 por 0,00001 e 0,000001, respectivamente, teremos:
a) p = 0,000001/0,00001 + 0,000001 = 0,000001/0,000011 = 1/11
= 0.91;
b) p = 0,000001/0,0001 + 0,000001 = 0,000001/0,000101 = 1/101
= 0.0099;
c) p = 0,00001/0,00001 + 0,00001 = 0,00001/0,00002 = 1/2 = 0.50;
d) p = 0,00001/0,0001 + 0,00001 = 0,00001/0,00011 = 1/11 = 0.91.
Note que quando as velocidades são aumentadas proporcionalmente
(item d, aumento de 10 vezes), o resultado final não sofre alteração!
Podemos buscar, do mesmo modo que para o caso das mutações
unidirecionais, uma equação que nos descreva a relação entre as velocidades
de mutação, as freqüências alélicas iniciais e a freqüência esperada em uma
geração t qualquer a partir da geração 0 (zero) inicial.
Usemos a mesma simbologia acima, u e v como velocidades de
mutação de A1 para A2 e vice-versa, e tomemos pt e qt como as freqüências
de A1 e A2, respectivamente, na geração t, tanto que pt + qt = 1. Um alelo
A1 na geração t pode se originar em qualquer um de dois caminhos
possíveis. Ele pode ter sido um alelo A1 na geração t -1 que escapou
de mutar para A2 (o que ocorre com probabilidade 1 – u), ou pode ter
sido um alelo A2 na geração t –1 que mutou para A1 (o que ocorre com
probabilidade v). Colocando isto em símbolos, temos:

pt = pt – 1(1 - u) + (1 - pt – 1) v

colocando-se pt – 1 em evidência, teremos:

pt = pt – 1 (1 - u - v) + v

C E D E R J 141
Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

Esta expressão descreve a mudança na freqüência de A1 entre uma


geração e outra. Para generalizá-la a diversas gerações, a fim de encontrar
a freqüência de A1 na geração t em função das velocidades de mutação
e de po, um truque útil é colocar a expressão acima na forma:

pt - A = (pt – 1 - A)B

Em que A e B são constantes dependentes somente de u e v.


Simplificando, temos:

pt = pt – 1B +A(1 - B)

Equacionando termos iguais, nas equações apresentadas anteriormente,


podemos deduzir que B = (1 - u - v) e que A(1 - B) = v. Conseqüentemente, A = v/
u + v. Reescrevendo algumas equações, temos:

pt - v/ u + v = [pt – 1 – (v/ u + v)](1 - u - v)

Já que a relação entre pt – 1 e pt – 2 é a mesma que entre pt e pt – 1, a


solução geral para várias gerações medidas pela equação acima é:

pt - v/ u + v = [po – (v/ u + v)](1 - u - v)t

A Figura 9.6 mostra duas situações para as mudanças das


freqüências alélicas (de A1, neste caso) sobre mutação recorrente
bidirecional.

Figura 9.6: Mudanças na freqüência sob pressão de mutação recorrente bidirecional.


Na curva 1, po é igual a 1 e na curva 2, po é igual a 0; em ambas as curvas u é igual a
10-5 e v é igual a 10-6. O ponto de equilíbrio em ambos os casos é igual a 0,091, sendo
atingido somente em t = 50.000.

142 C E D E R J
Duas conclusões podem ser tiradas para o efeito da mutação nas

9
freqüências gênicas. Com velocidades de mutação ´normais`, geralmente

AULA
muito baixas (10-5 ou 10-6, por geração, para a maioria dos locos e
organismos), mutação sozinha pode produzir somente mudanças muito
vagarosas nas freqüências gênicas. Apenas 1 em 100.000 ou 1 em 1.000.000
dos gametas carregariam o alelo mutante em um loco particular.
Estudos de mutação reversa (do mutante para o ´tipo selvagem`)
mostram que, usualmente, esta é muito menos freqüente que as ´para
frente` (do selvagem para o tipo mutante). Se as mutações reversas são um
décimo das ´para frente`, a freqüência gênica de equilíbrio resultante da
mutação deveria ser 10% do tipo selvagem e 90% do tipo mutante. Em
outras palavras, o tipo mutante deveria ser a forma mais comum, e o tipo
selvagem, a forma rara. Como esse não é o caso nas populações naturais, é
claro que as freqüências desses genes não constituem o produto da mutação
sozinha. Veremos, nas aulas seguintes desta disciplina, que a raridade do
tipo mutante deve-se, muito provavelmente, à atuação da seleção.

C E D E R J 143
Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

ATIVIDADE

-5
e de A2 para A1 é de 10-6, sendo

_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
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_____________________________________________________________
_____________________________________________________________

COMENTÁRIO
Para resolver este exercício você deve aplicar a fórmula: pt - v/ u + v = [po – (v/
u + v)](1 - u - v)t, já que queremos calcular a p100, ou seja, a freqüência do alelo
A1 na centésima geração, E são fornecidos todos os parâmetros necessários
à aplicação da fórmula. Consideraremos que: a freqüência alélica p de A1 na
geração 100 é igual a p100; u = 10-5 = 0,00001; v = 10-6 = 0,000001; po = 0,5
e t = 100. Substituindo na fórmula, temos:
p100 - 0,000001/0,00001 + 0,000001 = [0,5 – (0,000001/0,00001
+ 0,000001)](1 - 0,00001 - 0,000001)100,
p100 - 0,1 + 0,000001 = [0,5 – (0,1 + 0,000001)](1 - 0,00001
- 0,000001)100,
p100 - 0,1 + 0,000001 = [0,5 – (0,100001)](0,0999989)100,
p100 - 0,1 + 0,000001 = [0,399999](0,0999989)100,
p100 - 0,100001 = [0,399999](0,0999989)100,
p100 = [0,399999](0,0999989)100 + 0,100001,
p100 = [0,399999](0,9989) + 0,100001,
p100 = 0,3996 + 0,100001,
p100 = 0,4996.
A freqüência alélica p de A1 na geração 100 será de 0,4996 ou,
aproximadamente, 0,5 (a mesma freqüência inicial!). Note que mutação é
uma força evolutiva fraca quando age sozinha, sem os efeitos da seleção,
migração ou deriva gênica.
Observe que o uso desta fórmula permite que você faça uma previsão do efeito
da mutação como força evolutiva ao longo de gerações futuras.

144 C E D E R J
ATIVIDADE

9
AULA
assumindo

_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________
_____________________________________________________________

COMENTÁRIO
Assim como no exemplo 9.1, calculamos a freqüência de equilíbrio p de A
através da fórmula p = v / u + v. Se u = 1 em 10.000 = 0,0001 e v = 1 em
100.000 = 0,00001, temos:
p = 0,00001/0,0001 + 0,00001= 0,00001/0,00011 = 1/11 = 0,91;
q = 1 – p = 1 – 0,91 = 0,09.
Tendo p e q, podemos calcular as freqüências genotípicas no equilíbrio:
AA = p2 = 0,91 x 0,91 = 0,8281;
Aa = 2pq = 2 x 0,91 x 0,09 = 0,1638;
aa = q2 = 0,09 x 0,09 = 0,0081.
Quando dobramos a velocidade de mutação em ambas as direções, temos: u
= 0,0002 e v = 0,00002; assim, aplicando esses valores na fórmula p = v / u
+ v, resulta em: p = 0,00002/0,0002 + 0,00002= 0,00002/0,00022 = 1/11
= 0,91. Mais uma vez, como vimos no exemplo 9,1, nota-se que quando as
velocidades são aumentadas de maneira proporcional, o resultado final não
é alterado.

C E D E R J 145
Evolução | Mutação. Suas origens e efeitos evolutivos

RESUMO
O termo mutação refere-se tanto à (1) mudança no material genético quanto
(2) ao processo pelo qual ocorre a mudança. A mutação é a principal fonte de
variabilidade genética necessária para a evolução; é um processo normalmente ao
acaso e não adaptativo, que pode ocorrer de forma espontânea ou ser induzido
por agentes mutagênicos. O processo de mutação em nível molecular envolve
diversos mecanismos.
Um exemplo de mutação espontânea em nível molecular é a modificação
tautomérica sofrida pelas bases nitrogenadas que compõem os nucleotídeos
durante o processo de replicação. As mutações que envolvem mudanças em sítios
específicos de um gene são chamadas mutações pontuais e incluem a substituição
de um par de bases por outro, ou a inserção ou deleção de um ou alguns pares
de nucleotídeos em um sítio específico de um gene.
Os efeitos da mutação nas propriedades genéticas de uma população diferem
caso estejamos examinando um evento mutacional raro ou um evento que ocorre
repetidamente.
Duas conclusões podem ser tiradas para o efeito da mutação nas freqüências
gênicas: (1) com velocidades de mutação ´normais` geralmente muito baixas
(10-5 ou 10-6 por geração, para a maioria dos locos e organismos), mutação sozinha
pode produzir somente mudanças muito vagarosas nas freqüências gênicas, e (2)
as freqüências dos genes mutantes não são o produto da mutação sozinha.

AUTO-AVALIAÇÃO

Acredito que, ao final desta aula, você tenha notado a diferença do processo de
mutação como gerador de diversidade e como força evolutiva. Caso permaneçam
dúvidas quanto aos mecanismos de mutação em nível de nucleotídeos do DNA,
vale a pena reler a Aula 13 da disciplina Biologia Molecular com bastante
atenção. Para executar os cálculos, você precisa recordar conceitos do Equilíbrio
de Hardy-Weinberg. Apesar da quantidade de variáveis nas fórmulas, as deduções
e interpretações não são complicadas. Evolua no entendimento desta disciplina!
Não se deixe abater pelos cálculos; o importante é compreender o papel da
mutação no processo evolutivo.

146 C E D E R J
INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

9
AULA
Na próxima aula, analisaremos modelos estatísticos, que são maneiras eficientes de
representar os fenômenos naturais. Definiremos modelos deterministas e estocásticos e,
também, veremos os efeitos da amostragem em populações pequenas.

C E D E R J 147
10
AULA
Modelos deterministas e
estocásticos em Evolução
Meta da aula
Diferenciar determinismo e acaso na Evolução;
relacionar o acaso com o destino evolutivo dos alelos em
populações pequenas.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Discriminar modelos deterministas e
estocásticos em Ciência.
• Correlacionar tamanho amostral com variância.
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

INTRODUÇÃO Nas próximas aulas, você aprenderá como a seleção natural pode determinar
o destino evolutivo de um alelo. Você verá que se um alelo tiver vantagem
adaptativa sobre outro (ou um menor coeficiente seletivo), sua freqüência na
população aumentará até que atinja a freqüência na qual o nível adaptativo
médio da população será maior. A evolução das freqüências gênicas, nesses
casos, será determinada pelas forças evolutivas agindo sobre os alelos (no caso, a
seleção natural). Se o alelo A de um gene, por exemplo, tiver um valor adaptativo
(w) de 5% a mais do que o outro (se A tiver w = 1,05, enquanto que a tenha
w = 1,00), ele aumentará progressivamente até se fixar (Figura 10.1).

Evolução de freqüência de um alelo selecionado


Freqüência A

Figura 10.1
Gerações

Modelos assim, em que o resultado da equação é calculado como média, e é


mantido constante, são chamados modelos deterministas. Por que será que
eles têm esse nome? Pense e responda:

Eles têm esse nome porque a evolução da variável (por exemplo, a freqüência
do alelo A no caso anterior) é determinada diretamente pela equação, em
função de seus parâmetros (no nosso caso, o tempo e a vantagem adaptativa).
A maior parte dos modelos que usamos em Ciência é determinista. Alguns
exemplos bem conhecidos de modelos deterministas são aqueles de movimento
dos corpos desenvolvidos por Newton, os modelos de cinética enzimática, em
Bioquímica, e os modelos de crescimento populacional, em Ecologia.

Os modelos deterministas são extremamente úteis em Ciência, por


representarem propriedades gerais dos fenômenos estudados.

Veja, por exemplo, a relação entre o comprimento total e o número de raios


branquiais no bagre Clarias anguillaris (Figura 10.2). A partir dos dados
apresentados, observe o gráfico e veja se pode responder: quantos rastros
branquiais terão os bagres de 300mm? (dica: use uma régua).

150 C E D E R J
Rastros branquiais em C. anguillaris

10
AULA
Rastros branquiais

Comprimento total (mm) Figura 10.2

Você deve ter visto que, como a relação apresentada é linear, você pode
extrapolar a partir da linha apresentada. Assim, o ponto em que a linha passa
pelo valor projetado, no eixo das ordenadas, a 300mm de comprimento, vai
corresponder, no eixo das abscissas, a 33 rastros branquiais.

Nos modelos deterministas, a probabilidade da mudança na variável é


mantida constante e pode ser estimada, em um determinado ponto, a
partir do comportamento daquela variável nos pontos anteriores. Ou seja,
no caso da Figura 10.1, se tivéssemos somente os pontos entre a geração
0 e a geração 10 (quando a freqüência de A aumentou de 0,30 para 0,49),
poderíamos estimar, com uma boa confiança, os pontos futuros da geração
11 em diante. Modelos deterministas permitem facilmente que, a partir dos
dados de uma curva, sejam feitas extrapolações (previsões de pontos exteriores
a ela) e interpolações (previsões de pontos interiores a ela). Uma interpolação
seria, por exemplo, prever que bagres de 200mm teriam cerca de 29 rastros
branquiais (Figura 10.2).

Se por um lado os modelos deterministas são muito poderosos, por outro


eles não levam em conta o acaso e consideram somente as tendências
predominantes na evolução das variáveis. Considere, por exemplo, que a
probabilidade de chuva para cada dia do mês de junho, na cidade do Rio de
Janeiro, seja de 17% (www.inmet.gov.br). Considere também, para efeito de
simplificação, que em cada dia de chuva caiam 16mm de água. Com Base nesses
dados, qual seria sua previsão determinista para a quantidade de milímetro de
água que cairia, em média, durante os meses de junho, no Rio de Janeiro?

C E D E R J 151
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Como o mês de junho tem 30 dias e a probabilidade de chuva é de 17% diários,


teríamos, deterministicamente, 5 dias de chuva (30 x 0,17). Como dissemos que
em cada dia de chuva caem 16mm de água, teríamos, em um mês médio, 80mm
(5 dias x 16mm) de água de chuva caindo sobre o Rio de Janeiro. Poderíamos
mesmo dizer que, em média, caem 80/30 = 2,7mm de água por dia durante o mês
de junho no Rio de Janeiro. No entanto, apesar de esses valores serem médios e
fundamentados em probabilidades, não podemos saber se em um dia específico
(por exemplo, no dia de São João, 24 de junho) irá chover. O matemático russo
ANDREI MARKOV decidiu estudar, no século XIX, como seria a evolução dos modelos
ANDREI
ANDREYEVICH matemáticos em que fossem consideradas as probabilidades de ocorrência dos
MARKOV
eventos, não como médias do período total mas, sim, como o resultado da soma,
Nasceu na Rússia
em 1856 e ficou passo a passo, desses eventos.
conhecido por
seus trabalhos Os modelos em que a cada nova medida (cada dia do mês de junho, por exemplo)
em Matemática e são estimadas as probabilidades dos eventos (como a chance de chover ou não)
Estatística. Suas
pesquisas principais e o resultado líquido de tal probabilidade (milímetros de chuva) é computado e
foram sobre o
desenvolvimento
somado ao do evento anterior (no nosso caso, aumentando o total de milímetros de
de modelos chuva acumulados no mês) são chamados de modelos estocásticos. Os modelos
matemáticos, em
que a evolução estocásticos são, mais complexos e mais próximos da realidade. Por outro lado, os
dos valores das gráficos resultantes da aplicação desses modelos não são bonitinhos, com linhas
variáveis é calculada
de acordo com as lisas retas ou curvas (como as Figuras 10.1 e 10.2). Ao incorporar o acaso a cada
probabilidades
associadas a cada
passo, os modelos estocásticos produzem linhas irregulares, mais difíceis de analisar.
passo. A evolução Quando o número de repetições de amostragem de um modelo estocástico tende
dos valores dessas
variáveis é conhecida ao infinito, transforma-se em modelo determinista, como veremos a seguir.
como cadeia de
Markov. A cerveja e as cadeias de Markov

Entender modelos estocásticos é fundamental para compreender


uma das forças evolutivas mais importantes que existem: a deriva gênica
(que você verá na Aula 11). Então, para fixarmos bem as diferenças entre
modelos deterministas e estocásticos, vamos falar de cerveja!
Imagine que um bêbado precise andar 200 metros do bar até sua
casa. Vamos tentar modelar essa tarefa, em função da quantidade de
cervejas ingeridas e suas conseqüências no sentido da orientação desse
bêbado. Na verdade, como somos cientistas, vamos tentar generalizar
esse modelo para o comportamento locomotor de todos os bêbados
(assumindo que não existam diferenças individuais importantes entre eles,
o que é um pressuposto grande, mas necessário para nossa modelagem).
A unidade de progresso no nosso modelo será o número de metros que
o bêbado conseguiu caminhar, em direção a sua casa, em 10 segundos.

152 C E D E R J
10
Vamos considerar, também, que exista, a cada período de
dez segundos, uma probabilidade X de que ele se dirija no

AULA
sentido correto da casa, e que exista uma probabilidade
Y (no caso, Y = 1-X) de que ele se dirija
no sentido oposto à sua casa, por estar
desorientado (Figura 10.3).

Figura10.3: Os parâmetros
de nosso modelo: A é
a probabilidade de o
bêbado deslocar-se em
direção de sua casa; R é
a probabilidade de ele
desorientar-se e, conseq
üentemente,deslocar-se
para longe de casa.

A distância que o bêbado


percorre em direção à casa, em casos
de sucesso, é de 5 metros em 10 segundos. Em caso
de desorientação, ele recua 1 metro naqueles 10 segundos. Finalmente,
vamos dizer que X e Y dependem da quantidade de álcool ingerida, de
modo que podemos criar uma tabela de probabilidades (Tabela 10.1):

Tabela 10.1: Probabilidades de avanços (A) ou retrocessos (R) em bêbados caminhando


em direção às suas casas, em função do número C de garrafas de cerveja bebidas.
Cervejas (C) A R

2 0,95 0,05
4 0,80 0,20
6 0,60 0,40
8 0,30 0,70

Observe bem a tabela. Ela indica que a chance de caminhar na


direção certa (A) de nossos bêbados padrão diminui drasticamente com
o número de cervejas ingeridas. Tomar duas cervejas tem pouco efeito
no deslocamento (apenas 5% de chance de se desviar do seu caminho),
enquanto oito cervejas fazem com que os bêbados errem seu caminho 70%
das vezes. Em Estatística, existe um termo para incorporar a probabilidade
de um evento e seu resultado. Você lembra qual é esse termo?

C E D E R J 153
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Esse termo chama-se Esperança, e é calculado como o produto da


probabilidade e do resultado. Assim, se a chance de alguém ganhar na
loteria é de 0,02%, e o prêmio é de R$ 1.000, a Esperança dessa pessoa
ganhar é de 0,0002 (ou seja, 0,02% representado na escala de 0 a 1) vezes
R$ 1.000, ou E(ganhar) = 0,0002 x 1.000 = R$ 0,20. Ou seja, na média, se
o bilhete da loteria custa R$ 1, a pessoa terá um retorno de 20 centavos
para cada real apostado (os outros 80 centavos são o lucro das pessoas
que criaram o jogo, para cada real apostado).
No caso de pessoas que ingeriram quatro cervejas, qual a Esperança
média de deslocamento? Nesse caso, temos duas probabilidades; veja a
Tabela 10.1 e lembre-se de que ir no sentido certo corresponde a andar
cinco metros para a frente, e ir no sentido errado corresponde a 1 metro
para trás. Calcule a Esperança para cada uma e some os dois resultados.

A probabilidade A de andar no sentido certo, após a ingestão


de quatro cervejas, é de 0,80, e a de andar no sentido errado é de 0,20.
Assim,
E(A) = 0,80 x (5 metros) = 4 metros;
E(R) = 0,20 x (-1 metro) = - 0,20 metros.
O resultado líquido dessas esperanças é que, a cada 10 segundos,
uma pessoa que tomou quatro cervejas se deslocará E(A) + E(R), ou seja,
4 – 0,20 metros.
Assim, em seu cambalear, o bêbado se aproximaria da casa, em média,
em 3,80 metros a cada 10 segundos, de modo que ele precisaria de (200m/
3,80m) x 10segundos = 526 segundos (ou 8,8 minutos) para chegar a casa.
Então, vamos lá: calcule agora quantos minutos os bêbados
levariam para chegar a casa, em função das quantidades diferentes de
cerveja ingeridas. Primeiramente, vamos calcular as Esperanças para o
número de metros percorridos a cada dez segundos para cada nível de
embriaguez, ou seja, os valores de E(2 cervejas), E(6 cervejas) e E(8 cervejas). O caso
da Esperança para quatro cervejas (3,80 metros a cada 10 segundos)
nós já calculamos. Use a fórmula geral
E(C cervejas) = (AC x 5) + (RC x -1) metros.
O que é a mesma coisa que
E (C cervejas) = (A C x 5) - (R C x 1) metros, onde C é a linha
correspondente, na Tabela 10.1, à quantidade de cervejas.

154 C E D E R J
10
No nosso exemplo das quatro cervejas, A4 = 0,80 e R4 = 0,20. Assim,
a conta seria:

AULA
E(4 cervejas) = (0,80 x 5) – (0,20 x 1) = 4 – 0,2 = 3,8 metros
Agora divida a distância do bar até a casa (200 metros) pela distância
percorrida em 10 segundos para cada quantidade de cervejas (ou seja, as
Esperanças). Como essas distâncias eram as esperadas para um deslocamento
durante 10 segundos, você precisa multiplicar por 10, para ter o valor
total em segundos (no caso das quatro cervejas, como vimos, seriam 526
segundos). Vamos lá, preencha a Tabela 10.2 com seus resultados.
Tabela 10.2: A Esperança dos bêbados

Cervejas (C) A R E(C) Segundos para chegar a casa


2 0,95 0,05
4 0,80 0,20 3,80 526
6 0,60 0,40
8 0,30 0,70

Tabela 10.3: Respostas da Esperança dos bêbados

Cervejas (C) A R E(C) Segundos = Minutos


2 0,95 0,05 4,70 425 7,1
4 0,80 0,20 3,80 526 8,8
6 0,60 0,40 2,60 769 12,8
8 0,30 0,70 0,80 2.500 41,7

Esse modelo que fizemos é determinista ou estocástico?

Como estamos trabalhando com a Esperança média dos


deslocamentos, o modelo é determinista. Assumimos que, a cada 10
segundos, um bêbado com 6 cervejas andará, em média, 2,6 metros
em direção a casa. Não estamos levando em conta quanto ele andará
nos primeiros 10 segundos ou entre os 50 e os 60 segundos desde que
começou. No modelo determinista, o que interessa é a constância da
regra ao longo do tempo. Veja, por exemplo, como ficariam esses
deslocamentos entre bar e casa para os quatro níveis de consumo de

C E D E R J 155
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

cerveja (Figura 10.4). As várias linhas são lisinhas, bem comportadas. Elas são
baseadas em Esperanças, ou seja, são idealizações da relação entre consumo
de cerveja e deslocamento, e representam o que seria o movimento de bêbados
idealizados, que seguem perfeitamente o modelo que desenhamos.

2 cervejas

4 cervejas
6 cervejas

8 cervejas

Modelo determinista

Figura10.4: O bêbado e
o determinista. Relações
Metros

deterministas entre
consumo de cerveja e
o deslocamento entre
o bar e casa.

Tempo (segundos)

Qual seria o equivalente estocástico a esse modelo?

Para um modelo estocástico, temos de considerar o resultado do


movimento de nosso bêbado a cada período de tempo (no nosso caso,
um período de 10 segundos). Como o resultado do movimento (ir para
a frente 5 metros ou ir para trás 1 metro) tem duas probabilidades
associadas (A e R no nosso modelo, que dependem da quantidade
de cerveja ingerida), precisamos sortear, a cada período, um número
aleatório entre 0 e 1, para decidir se, naquele período, o bêbado andou
para a frente (aleatório < A) ou para trás (aleatório > A). Veja a
Tabela 10.4. Nela calculamos, em períodos sucessivos de 10 segundos, os
deslocamentos de uma dada pessoa que consumiu 6 garrafas de cerveja.

156 C E D E R J
10
Tabela 10.4: Deslocamentos estocásticos de uma pessoa, de acordo com o modelo
para ingestão de 6 garrafas de cerveja. Unidades de tempo = 10 segundos. Como, no

AULA
modelo, a chance de andar na direção certa é de 60%, o sentido do deslocamento
será considerado certo (5 metros para a frente) quando o número aleatório for
menor ou igual a 0,60, e será considerado errado (1 metro para trás) quando for
superior a 0,60.
Percurso em direção
Tempo Número aleatório Sentido Metros a casa
1 0,601 errado -1,0 -1
2 0,431 certo 5,0 4
3 0,438 certo 5,0 9
4 0,027 certo 5,0 14
5 0,567 certo 5,0 19
6 0,387 certo 5,0 24
7 0,631 errado -1,0 23
8 0,530 certo 5,0 28
9 0,447 certo 5,0 33
10 0,992 errado -1,0 32
11 0,131 certo 5,0 37
12 0,061 certo 5,0 42
13 0,259 certo 5,0 47
14 0,017 certo 5,0 52
15 0,686 errado -1,0 51
16 0,661 errado -1,0 50
17 0,411 certo 5,0 55
18 0,172 certo 5,0 60
19 0,675 errado -1,0 59
20 0,014 certo 5,0 64
21 0,904 errado -1,0 63
22 0,327 certo 5,0 68
23 0,266 certo 5,0 73
24 0,434 certo 5,0 78
25 0,078 certo 5,0 83
26 0,447 certo 5,0 88
27 0,929 errado -1,0 87
28 0,438 certo 5,0 92
29 0,065 certo 5,0 97
30 0,800 errado -1,0 96
31 0,226 certo 5,0 101
32 0,962 errado -1,0 100
33 0,711 errado -1,0 99
34 0,186 certo 5,0 104
35 0,430 certo 5,0 109
36 0,229 certo 5,0 114
37 0,521 certo 5,0 119
38 0,399 certo 5,0 124
39 0,220 certo 5,0 129
40 0,957 errado -1,0 128
41 0,491 certo 5,0 133
42 0,684 errado -1,0 132

C E D E R J 157
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

43 0,434 certo 5,0 137


44 0,277 certo 5,0 142
45 0,335 certo 5,0 147
46 0,849 errado -1,0 146
47 0,782 errado -1,0 145
48 0,402 certo 5,0 150
49 0,621 errado -1,0 149
50 0,677 errado -1,0 148
51 0,51 certo 5,0 153
52 0,85 errado -1,0 152
53 0,47 certo 5,0 157
54 0,11 certo 5,0 162
55 0,96 errado -1,0 161
56 0,49 certo 5,0 166
57 0,12 certo 5,0 171
58 0,10 certo 5,0 176
59 0,39 certo 5,0 181
60 0,90 errado -1,0 180
61 0,50 certo 5,0 185
62 0,26 certo 5,0 190
63 0,84 errado -1,0 189
64 0,79 errado -1,0 188
65 0,30 certo 5,0 193
66 0,06 certo 5,0 198
67 0,83 errado -1,0 197
68 0,85 errado -1,0 196
69 0,04 certo 5,0 201
70 0,24 certo 5,0 206
71 0,57 certo 5,0 211
72 0,21 certo 5,0 216
73 0,07 certo 5,0 221
74 0,25 certo 5,0 226
75 0,29 certo 5,0 231
76 0,82 errado -1,0 230
77 0,76 errado -1,0 229
78 0,52 certo 5,0 234
79 0,34 certo 5,0 239
80 0,47 certo 5,0 244
81 0,93 errado -1,0 243
82 0,36 certo 5,0 248
83 0,41 certo 5,0 253
84 0,12 certo 5,0 258
85 0,84 errado -1,0 257
86 0,90 errado -1,0 256
87 0,30 certo 5,0 261
88 0,68 errado -1,0 260
89 0,54 certo 5,0 265
90 0,94 errado -1,0 264
91 0,80 errado -1,0 263

158 C E D E R J
10
92 0,84 errado -1,0 262

AULA
93 0,20 certo 5,0 267
94 0,50 certo 5,0 272
95 0,38 certo 5,0 277
96 0,84 errado -1,0 276
97 0,81 errado -1,0 275
98 0,88 errado -1,0 274
99 0.05 certo 5,0 279
100 0.82 errado -1,0 278

Os números utilizados para as decisões das probabilidades foram


obtidos a partir de um gerador de números aleatórios do programa Excel®,
mas também poderiam ter sido retirados de tabelas de números aleatórios
existentes em livros de Estatística. Lembre-se de que números aleatórios são
números que variam ao acaso.
Repare que, se repetíssemos essa simulação, teríamos resultados
diferentes. Essa é uma diferença importante entre os modelos estocásticos
e os modelos deterministas: como os modelos deterministas são
fundamentados em tendências constantes, sempre dão os mesmos
resultados, desde que os parâmetros não sejam mudados. Os modelos
estocásticos dão resultados diferentes para cada cálculo, mesmo quando
os parâmetros são mantidos constantes.
Vejamos como fica representada, graficamente, a evolução de
nossa pessoa entre o bar e o lar, depois das 6 cervejas, segundo o modelo
estocástico (Figura 10.5).

Estocástico 6 cervejas
metros

tempo (segundos)

Figura10.5: Deslocamentos estocásticos de uma pessoa entre o bar e sua casa, após
seis garrafas de cerveja.

C E D E R J 159
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Repare que, ao contrário das linhas dos modelos deterministas, a


linha da Figura 10.6 não é reta ou regular, apesar de mostrar tendência ao
deslocamento em direção à casa. Se refizéssemos dez vezes os cálculos
de deslocamentos sob o efeito de 6 garrafas de cerveja, veríamos 10
trajetos diferentes, mas que oscilariam em torno de uma média, que
seria uma linha bem mais regular do que as outras (Figura 10.6).
Seis cervejas, dez bêbados
Metros

Figura10.6: Deslocamento
de 10 pessoas, conforme
nosso modelo estocástico
para movimentos de
pessoas sob efeito de seis
garrafas de cerveja. A
linha grossa representa a
média dos deslocamentos
das 10 pessoas.
Tempo (segundos)

Entendeu, então, as diferenças entre os modelos deterministas e


estocásticos?
Compare as Figuras 10.4 e 10.5. Se conhecêssemos apenas os
deslocamentos nos primeiros 400 segundos do deslocamento da pessoa
que tomou 6 cervejas, teríamos como determinar, a partir da Figura 10.4,
quantos metros ele teria percorrido após um total de 500 segundos? E
a partir da Figura 10.5?

Pois essa é a grande diferença entre os dois tipos de modelo! Como


vimos antes, no modelo determinista, o conhecimento de uma parte da
curva permite extrapolar ou interpolar outros valores de maneira bastante
exata. Nos modelos estocásticos isso é impossível (apesar de podermos
ter uma idéia geral do padrão).

Chega de cerveja!

Muito bem, usamos o nosso modelo dos deslocamentos sob o


efeito do álcool para diferenciar, de maneira simples, as propriedades dos

160 C E D E R J
10
dois tipos de modelo. Mas o que isso tem a ver com Evolução? Bom, a
resposta é... tudo, é claro! Os cientistas dos vários campos da Ciência se

AULA
preocupam com padrões gerais, que são bem representados por modelos
deterministas. Mas, em Evolução, o acaso é uma coisa importante demais
para ser desprezada. Mais do que um “ruído” nos gráficos, como seria
visto por deterministas, a variação é a fonte da Evolução.
Mesmo que o comportamento dos genes, na média, acabe seguindo
um modelo determinista, a evolução acontece a cada passo, como aquele
bêbado que queria voltar para casa. Assim, se queremos entender como
procede a evolução das espécies, devemos entender tanto dos modelos
deterministas (como quando estudamos seleção natural) como dos
estocásticos (quando estudamos deriva gênica, que será nossa próxima
aula). A grande diferença entre o exemplo do bêbado e a evolução dos
genes nas populações é que, no caso do bêbado, o que provocava a
variação em seus passos era um efeito externo (a quantidade de álcool
ingerido); no caso da evolução das populações, a maior fonte de variação
aleatória é o número de indivíduos da população.
Por que será que os genes nas populações pequenas variam
mais ao acaso do que nas populações grandes? Repare, de novo, na
Figura 10.6. Cada bêbado segue um caminho diferente, e a média dos
caminhos dos bêbados é bem mais regular que o caminho de cada um
individualmente. Se tivéssemos 100 bêbados, as linhas continuariam
bem espalhadas, mas a linha média seria ainda mais regular. Com um
número infinito de bêbados, a linha média seria igual à linha esperada
no modelo determinista da Figura 10.4. Por que a linha média de 10
bêbados é mais irregular que a linha média de 100 bêbados?

Porque as médias amostrais se aproximam cada vez mais das


médias populacionais, quando se aumenta o tamanho da amostra.
No nosso caso, a curva média populacional é a estimada pelo modelo
determinista, e a curva média amostral é a calculada fazendo-se as médias
dos deslocamentos dos nossos bêbados a cada passo (Tabela 10.5). No
caso dos genes nas populações, a cada geração existe uma amostragem
dos genes que irão fazer parte da geração seguinte; é como se fosse um
sorteio, em que o que é sorteado são os alelos.
Imaginemos o caso de um loco com dois alelos. Vamos representar
esses dois alelos por grãos de feijão de duas cores (feijão preto, que

C E D E R J 161
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

chamaremos de "alelo P", e feijão carioquinha, “alelo C”, por exemplo).


Vamos imaginar uma população de 50 indivíduos (ou seja, 100 alelos
– feijões – pois cada indivíduo é diplóide, ou seja, tem dois alelos para
cada loco). Vamos dizer que as freqüências dos alelos sejam fP = 0,6 e fC
= 0,4. Como seria a proporção de feijões P (pretos) e C (carioquinhas)
nos meus 100 feijões?

A MOSTRAGEM COM
REPOSIÇÃO Se as freqüências são 0,6 e 0,4, isso significa que existem 60% de P
Em Estatística, temos dois e 40% de C na população. Como são 100 alelos, isso significa que teremos
tipos de amostragem.
Quando cada amostra 60 alelos pretos e 40 alelos carioquinhas. Então faça isso: coloque 60 alelos
retirada não é colocada
de volta, dizemos que P e 40 alelos C em um saco e misture bem. Essa é a nossa população.
a amostragem é sem
reposição. Quando ela Vamos fazer um experimento de AMOSTRAGEM COM REPOSIÇÃO.
é colocada de volta,
dizemos que é com Se pegarmos 10 alelos, qual a Esperança para cada tipo de alelo
reposição. Por que
alguém iria se preocupar que vamos retirar? Como a probabilidade de pegar cada tipo de alelo é
em colocar de volta
alguma coisa que retirou a sua freqüência (ou seja, quanto mais freqüente é o tipo de alelo, mais
para contar/medir/pesar
etc. Na verdade, colocar
provável é pegá-lo), as Esperanças são E(P) = fP x N; e E(C) = fC x N,
de volta é uma maneira onde N é o número de feijões que pegamos. As Esperanças, então, são
que temos de simular
um tamanho infinito, de que peguemos 6 alelos pretos e 4 alelos carioquinhas, certo? Ou seja,
se não, a cada vez que
retiramos um objeto da em um modelo determinista, o esperado seria que, todas as vezes que eu
amostragem, modificamos
a probabilidade para retirasse 10 alelos, seis fossem P e quatro fossem C.
a retirada do próximo
objeto. Por exemplo, se Vamos ver o que acontece quando incorporamos o acaso. Vamos
temos três bolas brancas
e sete bolas pretas em um amostrar 10 “alelos”. Como a amostragem é com reposição, pegue os dez
saco, a probabilidade de
retirar uma bola branca é feijões, anote as cores e os devolva ao saco (sacudindo bem, para misturar).
de 3/10 = 30%. Digamos,
então, que retiramos, ao O que você encontrou? Faça isso de novo mais 9 vezes e preencha a Tabela
acaso, uma bola do saco,
e ela foi branca. Qual a
10.5. Faça também o total dos 10 experimentos de amostragem.
chance de que a próxima
bola seja branca? Se a Tabela 10.5: Amostragem aleatória dos alelos P (preto) e C (carioquinha). São feitos
amostragem fosse com 10 experimentos de amostragem de 10 feijões, com reposição.
reposição, a chance
continuaria a ser de 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 total
30%. No entanto, se
não for com reposição, Alelo P
a proporção de bolas
brancas e pretas no saco Alelo C
vai ter se modificado,
pois agora teremos 2
bolas brancas e 7 pretas, Qual a proporção média dos alelos P e C na sua amostragem?
o que dá uma proporção
de bolas brancas de 2/9 =
0.222 ou 22,2%.

162 C E D E R J
10
A proporção média dos alelos é calculada pelo número total de
cada alelo, dividido pelo total de alelos. No nosso caso, como foram

AULA
amostrados 10 vezes 10 alelos, o total será de 100 alelos. Então fP =
(Total P) / 100.
Coloque no gráfico da Figura 10.7 todos os pontos das suas 10
amostragens. Nas colunas “P” e “C” coloque pontos correspondentes
às freqüências dos alelos em cada repetição (se houver valores iguais,
coloque um ao lado do outro). Você terá, no final, 10 pontos na coluna
C e 10 pontos na coluna P. Repare que você deve registrar, no gráfico,
as freqüências relativas dos alelos P e C (ou seja, não coloque o número
total de alelos, e sim a proporção deles em cada amostragem. No nosso
caso, como eram 10 alelos, a proporção de cada alelo será a quantidade
de alelos dividida por 10; ou seja, se você encontrou 3 feijões pretos, a
freqüência do alelo P é 3/10, ou seja, 0,3).

Figura10.7: Freqüências dos alelos P e C em 10 amostragens sucessivas, de


10 alelos, com reposição.

C E D E R J 163
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

Nos dez casos, você deve ter tido desvios em relação ao esperado,
que era de 6 alelos P e 4 alelos C. No entanto, é provável que a média
dos alelos tenha se aproximado mais da Esperança do que cada uma das
10 amostragens. Isso é semelhante ao que você havia observado no caso
dos bêbados da Figura 10.6. Coloque os valores das freqüências médias
de P e C na Figura 10.7, com uma outra cor para ressaltá-los.
Se você tivesse pego cinco feijões ao acaso, em vez de 10, o que
você acha que teria acontecido com a variação das freqüências de P e M
em cada experimento? Vamos experimentar! (Tabela 10.7)

Tabela 10.7. Amostragem aleatória dos alelos P (preto) e C (carioquinha). São feitos
10 experimentos de amostragem de 5 feijões, com reposição.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 total
Alelo P
Alelo C

Não se esqueça de que a média, agora, é o total dos feijões


dividido por 50.
Faça a mesma coisa que você fez com a Figura 10.7 agora, na
Figura 10.8. Não se esqueça de que os valores das freqüências devem ser
calculados como número de alelos dividido pelo total (agora 5 em vez
de 10). Ou seja, se você encontrou 3 feijões-pretos, a freqüência do alelo
P é 3/5, ou 0,6. Registre também, no gráfico, o valor correspondente às
médias. Use a mesma cor que você usou para a média na Figura 10.7.

Figura10.8: Freqüências
dos alelos P e C em 10
amostragens sucessivas,
cada uma de 5 alelos,
com reposição.

164 C E D E R J
10
Compare as Figuras 10.7 e 10.8. O que aconteceu com a variação
dos pontos em torno da média em cada um? Provavelmente ela foi

AULA
maior na Figura 10.8 do que na Figura 10.7. Essa variação representa a
variância das freqüências, que vai ser tanto menor quanto maior for o
tamanho amostral (no nosso caso, o número de feijões retirados do saco).
Então, não se esqueça: quanto maior for o número de alelos amostrados
de cada vez, mais próximas serão as proporções dos alelos das proporções
originais na população. Ou, quanto mais feijões a gente amostra, maior a
chance de que a proporção de cada um seja parecida com as quantidades
dentro do saco.
Na Aula 11, sobre deriva gênica, você verá como em populações
pequenas os genes evoluem de maneira mais “bêbada”, enquanto em
populações grandes eles evoluem de maneira mais regular.

RESUMO

Uma maneira eficiente de representar os fenômenos naturais é o uso de


modelos. Os modelos em que o acaso não é considerado, de modo que o
comportamento das variáveis resultantes é determinado por seus parâmetros,
são chamados deterministas. Os modelos em que os resultados de cada ponto são
estimados sem levar em conta os pontos anteriores são chamados estocásticos. Os
modelos estocásticos levam em conta o acaso, e seu comportamento depende,
fundamentalmente, do tamanho amostral a cada passo. Em outras palavras, eles
dependem da variância amostral.

ATIVIDADES FINAIS

1. Qual a diferença entre modelos deterministas e estocásticos?

____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Modelos deterministas não levam em conta o acaso. Nos modelos deterministas,
é possível fazer extrapolações e interpolações. Nos modelos estocásticos, o acaso
é considerado a cada passo, e extrapolações e interpolações exatas não são
possíveis.

C E D E R J 165
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

2. A chance de alguém ganhar em dada loteria é de um em um milhão (esse valor


parece pequeno; na verdade, é bem próximo das chances de ganhar na maioria
das loterias federais). Se o prêmio for de trezentos mil reais e o custo da aposta
for de R$ 2, qual a Esperança de vitória, em reais, para cada real apostado?

__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
___________
RESPOSTA COMENTADA
A Esperança é calculada como Probabilidade vezes Resultado (no nosso caso, o
prêmio em reais). Então, a Esperança, para cada aposta, é de um em um milhão
(1/1.000.000 = 0,000001) vezes o prêmio (R$ 300.000), ou seja, 300.000 x
0,000001 = R$ 0,30 por aposta. Como a aposta custa R$ 2, a Esperança, por real,
é de R$ 0,15 (os outros R$ 0,85 são os lucros do governo, da loja etc.).

3. Você resolveu ver a proporção de torcedores do Flamengo e do Fluminense em


um Fla x Flu. Para isso, ficou na roleta e contou quantas pessoas entravam no estádio
com camisas rubro-negras e tricolores. Essa amostragem é com ou sem reposição?

__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
________-
RESPOSTA COMENTADA
É uma amostragem sem reposição: cada pessoa só passa uma vez pela roleta.

166 C E D E R J
10
4. Vamos supor que, em uma população de índios brasileiros, tenham sido
observadas as seguintes freqüências gênicas: Rh+ = 0,45 e Rh- = 0,55 nos anos

AULA
1960. Nos anos 1990, foram amostradas as freqüências dos mesmos genes em
crianças desses índios, observando-se as freqüências: Rh+ = 0,53 e Rh- = 0,47. Um
colega seu, ao ver esses resultados, falou que isso devia ser porque o alelo Rh+ era
vantajoso na população, e aumentou por seleção natural. Que outras explicações
você poderia dar para esse aumento?

__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
___________

RESPOSTA COMENTADA
O aumento da freqüência poderia ser devido à seleção, mas pode ter acontecido,
também, por acaso, principalmente se se considerar que o tamanho populacional
dos grupos indígenas é, em geral, bastante reduzido.

5. Em um estudo com populações de salmão, Hendry (2001) observou que, a 9º C,


eram necessários 110 dias para que eclodissem 10% dos ovos. Depois de 120 dias,
80% dos ovos haviam eclodido. No intervalo entre 5% e 95% de eclosão, o autor
observou que a relação entre tempo e porcentagem de eclosão era, na média,
linear. Considerando-se um modelo determinista, quantos ovos eclodiram em 115
dias? E seguindo um modelo estocástico?

__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA
Em um modelo determinista, consideraríamos que os valores apresentados seriam
dois pontos em uma reta. Assim, se em 10 dias (entre o dia 110 e o dia 120) a
percentagem de eclosão havia aumentado 70% (de 10% para 80%), então, em
cinco dias ela iria aumentar a metade (35%). Ou seja, com 115 dias a percentagem
de eclosões seria de 10% + 35% = 45%. Em um modelo estocástico tal previsão
não seria possível, pois seria necessário levar em conta a probabilidade, a cada
dia, de haver eclosões, e essas probabilidades poderiam acontecer ou não, pois
precisaríamos considerar o acaso.

C E D E R J 167
Evolução | Modelos deterministas e estocásticos em Evolução

AUTO-AVALIAÇÃO

Esta aula é fundamental para que você possa entender um dos processos mais
importantes na evolução das populações naturais: a deriva gênica. Ela também
é importante na questão filosófica que distingue os modelos deterministas e
estocásticos. Se você entendeu bem essa diferença, poderá compreender mais
facilmente vários modelos em Ecologia e outros ramos da Biologia. O mais
importante, nesta aula, é verificar, com seus próprios cálculos, como a variância
dos pontos em torno da média é maior quando o tamanho amostral é menor.
Isso deve ter ficado claro na comparação entre as Figuras 10.7 e 10.8. Pode até ter
acontecido, no seu caso, que essas variâncias não tenham sido muito diferentes
(afinal, o acaso pode levar a muitas coisas estranhas!). Mas o mais provável é que
a nuvem de pontos em volta do valor de 0,6 para o “alelo” P (os feijões pretos)
tenha sido mais espalhada na Figura 10.8 (tamanho amostral de 5) que na Figura
10.7 (tamanho amostral de 10). Da mesma forma, a média na Figura 10.7 deve ter
ficado mais próxima do valor populacional original (0,6) do que a média na Figura
10.8. Observar os dados que você mesmo produziu é a melhor maneira de perceber
esse fenômeno. Então, se você não preencheu as tabelas (talvez não haja feijões à
mão neste momento), procure preenchê-las depois. Não é obrigatório que sejam
feijões, podem ser pedrinhas, bolas-de-gude, botões, fichas etc. O importante é
que sejam mais ou menos do mesmo tamanho, para que o sorteio seja ao acaso.

168 C E D E R J
Evolução
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CEDERJ 171
Serviço gráfico realizado em parceria com a Fundação Santa Cabrini por intermédio do gerenciamento
laborativo e educacional da mão-de-obra de apenados do sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro.

Maiores informações: www.santacabrini.rj.gov.br


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