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A Negritude Na Cena Do Brasil

Este documento discute a origem e o significado do termo "negritude" e sua influência nas artes cênicas no Brasil. O termo surgiu na França nos poemas de Aimé Césaire para descrever o orgulho e a valorização da raça negra. Posteriormente, espalhou-se para outros países e influenciou movimentos artísticos que enfatizavam a herança cultural africana e as lutas contra o racismo.

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A Negritude Na Cena Do Brasil

Este documento discute a origem e o significado do termo "negritude" e sua influência nas artes cênicas no Brasil. O termo surgiu na França nos poemas de Aimé Césaire para descrever o orgulho e a valorização da raça negra. Posteriormente, espalhou-se para outros países e influenciou movimentos artísticos que enfatizavam a herança cultural africana e as lutas contra o racismo.

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ISSN 2238-5630

revistaeixo.ifb.edu.br Brasília-DF, v. 6, n. 2 (Especial), novembro de 2017

A Negritude e a cena no Brasil


Autor | Author

Jonas Sales* The Negritude and the scene in Brazil


[email protected]

Resumo: Este texto propõe-se a fazer um breve percurso e reflexão sobre ne-
gritude e e seus reflexos nas artes cênicas no Brasil. Serão pontuadas desde
do surgimento do termo negritude na França por Aimé Césaire e outras lutas
negras pelo mundo, até a presença do negro nas manifestações de artes em
teatro, dança e performances no Brasil. Desse modo, as artes cênicas e seus
personagens na história do Brasil mostram-se como elemnto fundamental na
discussão das lutas e conquistas no que envolve o racismo, preconceito e ex-
clusão do negro.

Palavras-chave: Negritude. Cena. Afro-brasileiro.

Abstract: This text proposes to make a brief journey and reflection on negritude
and its reflexes in the performing arts in Brazil. They will be punctuated from the
emergence of the term negritude in France by Aimé Césaire and other black fights
around the world, until the presence of the black in the manifestations of arts
in theater, dance and performances in Brazil. In this way, the performing arts
and their characters in the history of Brazil are shown as fundamental elements
in the discussion of struggles and achievements in what concerns black racism,
prejudice and exclusion.

Keywords: Negritude. Scene. Afro-brazilian.

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Na atualidade, diversos usos são feitos do termo Negritude, ema “Cahier d’un retour au pays natal” (1939), que exponho
designando as relações étnicas e raciais nele existentes. Apre- um trecho a seguir:
sentamos um histórico sociocultural marcado por lutas, por
buscas e reivindicações de direitos, de clamores por igualdade, A minha negritude não é uma pedra, sua surdez corrida
liberdade, entre outros motivos que conduzem a população a contra o clamor do dia
ir às ruas e soltar a voz. Nesse movimento de lutas, de fazeres Minha negritude não é uma fronha de água morta sobre o
e de transformações sociais, atenta-se para a participação da olho morto da terra
Arte como meio de transmitir e/ou refletir esses desejos ema- Minha negritude não é nem torre nem catedral.
nados por grupos, minorias, quer seja por questões políticas, Ela mergulha a carne rubra do solo. Ela mergulha na
quer seja por ideológicas. ardente carne do céu.
Artistas de diversas linguagens se envolvem no alargamen- Ela rompe a prostração opaca de sua justa paciência.
to de projetos que trazem em seu bojo ideologias que vão ao [...]
encontro dos desejos de minorias sociais, e muitos desses pro- Aimé Césaire (1939)
jetos artísticos levantam a bandeira da Negritude. Mas, afinal,
o que chamamos hoje de Negritude?
Os versos descritos pelo poeta são uma espécie de medi-
Para o historiador Petrônio Domingues (2005), o termo tação poética e política. Mostram-se como um grito de basta
Negritude, atualmente, ganhou em nosso país uma dinamici- a tantas intolerâncias e discriminação para com um grupo de
dade em seu contexto: pessoas que possuem características diferentes das de um gru-
Tem um caráter ideológico, político e cultural. No terreno po dominador. A partir de então, Césaire imprime uma nova
político, negritude serve de subsídio para a ação do movi- poética, e a negritude é expandida em diversos poemas, tran-
mento negro organizado. No campo ideológico, negritude sitando de maneira imprecisa.
pode ser entendida com processo de aquisição de uma con-
sciência racial. Já na esfera cultural, negritude é a tendência Segundo a pesquisadora/professora Lígia Ferreira (2006),
de valorização de toda manifestação cultural de matriz af- o poema demonstra três aspectos fundantes que dão sentidos
ricana. (DOMINGUES, 2005, p. 194) à ideia de negritude que se propagará: a) o povo negro, b) o
Considerando essa afirmação, percebemos que o autor sentimento ou a vivência íntima do negro e c) a revolta e con-
sintetiza em três aspectos as possibilidades mais presentes sternação.
do termo Negritude em nossos fazeres: a) revela tendências Esses aspectos contidos no poema de Césaire serviram de
cristalizadas na atualidade, como os movimentos negros, b) a estímulos para que se levantasse um encorajamento de pessoas
busca pela conscientização da etnia negra e c) a afirmação das negras que se sentiam marginalizadas pela sociedade branca
expressões da cultura negra. Mostra-se, então, um termo mul- francesa da época, tomando assim um posicionamento em as-
tifacetado que deve ser entendido à luz do contexto no qual se sumir sua cor negra. A palavra négritude, em francês, deriva
insere. Assim, faz-se pertinente entender que caminhos foram da palavra nègre, que no início do século XX era usada pelos
traçados para que tenhamos a conjuntura atual sobre o que en- brancos franceses de forma pejorativa para se dirigir aos ne-
globa o termo Negritude e como este se apresenta no trabalho gros (relacionado à raça). Ser chamado de nègre sugeria um
aqui delineado. tom de rejeição e diminuição de quem era negro; diferente de
Ao contrário do que se pensa comumente, o movimento noir, que soava de maneira mais suave, respeitoso (relaciona-
da negritude não foi um movimento organizado na África. No do a cor). Nesse sentido, usar a palavra négritude serviu para
entanto, na diáspora dos negros africanos que se espalham por impelir um sentido oposto, de orgulho e valorização da raça
todos os continentes, as inconformidades e as relações com os negra (DOMINGUES, 2005).
homens de cor branca alavancaram nesses povos negros dese- Não é somente mérito de Césaire o movimento chamado
jos de mudança, de reconhecimento e de lutas por igualdade. de Negritude em Paris do início do século XX. Outra person-
O termo Negritude, que tanto aparece nas obras contem- agem nesse processo é o poeta senegalês Léopold Sédar Seng-
porâneas, acadêmicas e artísticas, nasce na Europa. A França hor. Junto com Césaire, ele foi precursor desse movimento,
é o berço do termo Negritude. Surgiu pela primeira vez nos compartilhando um ponto de vista negro, criticando a dom-
versos do poeta antilhano Aimé Césaire (1913 – 2008) no po- inação colonial e as injustiças dolorosas para com os povos

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africanos e sua descendência. Um dos veículos propagadores do para as suas heranças africanas e segregados sociais.
foi a revista L’Étudiant Noir que eles produziam. Anos depois, Outros países também manifestaram essas preocupações
ambos se tornaram figuras políticas de destaque em seus re- para com as questões negras que os envolviam, como o Hai-
spectivos países. ti, com destaque para Jean Prince-Mars, que fomentou, com
Outro poeta menos contemplado nos comentários, mas outros intelectuais, o movimento indigenista que reabilitava
não menos importante, é o poeta Léon Damas. Este revela a herança cultural africana, valorizando as línguas crioulas e
posições contundentes em sua obra de poesias, que ele chama a religião Vudu. Também teremos o movimento chamado de
de manifesto, intitulado Pigments, sendo proibido por autori- negrismo cubano, que tem como principal expoente o poeta
dades francesas. negro Nicolás Guillén, de Cuba (DOMINGUES, 2005; LAR-
Esses importantes poetas darão o pontapé inicial para a ANJEIRA, 1995).
discussão do movimento francófono da Negritude, que veio Aqui no Brasil, no ano de 1931, foi registrado o “Manifes-
a ser divulgado posteriormente em outras regiões da Europa, to à Gente Negra Brasileira”, exposto por Arlindo Veiga dos
tendo como meta a valorização das culturas e do modo de ser/ Santos, este fundador e presidente da Frente Negra Brasileira.
estar no mundo negro, fortemente defendido por Senghor, e o Nele, clamava-se para a tarefa histórica que os negros teriam
anticolonialismo e anti-imperialismo que se torna um posicio- em pôr fim à sua exploração secular (FERREIRA, 2006). A
namento ímpar de Césaire. Esse movimento traz na “expressão frente negra como movimento tinha a educação como pilastra
literária, sobretudo poética, do ‘ser negro’, instaurando um fundamental. Tinha-se a crença de que, a partir do conhec-
discurso cujo enunciador é nitidamente negro e não branco” imento, o negro poderia se afirmar nos diversos campos da
(LARANJEIRA, 2000, p. X). arte, ciência e literatura.
O movimento da negritude, segundo Willfried Feuser O movimento de Negritude no Brasil vai questionar uma
(1981), foi “resultado de um condicionamento cultural e de supervalorização dos modelos culturais dos brancos europeus.
confronto racial”, porém há que se ponderar que o movimen- Os pensadores da ideologia da negritude buscaram enaltecer
to de negritude já existiu em outros momentos e em outros os símbolos e valores da cultura de matrizes africanas.
lugares, inclusive no Brasil. A instituição do significante “ne- Para Zilá Bernd (apud DOMINGUES, 2005), pesquisadora
gritude” concede a Aimé Césaire uma patente, e a Senghor e da literatura brasileira, afrobrasileira e francófona, a negritude
Damas a contribuição político-ideológica, mas os anseios, é uma palavra polissêmica, podendo “significar o fato de se
desejos, incômodos envolvendo as relações entre brancos e pertencer à raça negra; à própria raça como coletividade; à
negros são um dado estabelecido nos países de colonizadores consciência e à reivindicação do homem negro civilizado; a
brancos que vai além do movimento francês. características de um estilo artístico ou literário; ao conjunto
O movimento de negritude francófona teve fundamen- de valores da civilização africana”.
tação em movimentos sociais de negros americanos, como nos Considerando, então, a palavra exposta no vocabulário
Estados Unidos, Haiti e Cuba, bem como as relações em busca brasileiro, o termo negritude foi superdifundido a partir dos
de autonomia existentes nas regiões africanas colonizadas pela anos de 1980, chegando a ficar banalizada e criticada por in-
Inglaterra, Portugal e França, entre outras. telectuais, visto que as informações francófonas não chegaram
Na América do Norte, o discurso de orgulho racial e a volta ao Brasil em traduções tão claras. A professora pesquisadora
às origens negras eram exaltados pelo afroamericano W.E.B Lígia Ferreira (2008) comenta a chegada dos textos sobre ne-
Du Bois (1868-1963), considerado por essa luta veemente gritude em nosso país:
como o patrono do “panafricanismo” (DOMINGUES, 2005).
Os textos fundadores da negritude ainda aguardam
Há também o movimento chamado Renascimento Negro – traduções em português, embora os brasileiros tenham
Black Renaissance ou New Negro nos anos de 1920 e 1930 do se beneficiado de uma certa forma de mediação. Textos e
século passado. Nesse movimento, intelectuais negros lutavam autores da negritude eram temas de críticas ou resenhas
que circulavam nos meios intelectuais ou universitários
para enaltecer a presença do homem negro na crescente so- forçosamente restritos. O que se sabe sobre negritude é
ciedade americana e lutar pela igualdade de direitos. Autores aprendido por intermédio de tais escritos, como o provam
como Claude McKay, Countee Cullen e Sterling Brow são ex- os artigos de Roger Bastide publicados no jornal O Estado
emplos vindo a assumir a condição de serem negros, atentan- de São Paulo ou nos Cadernos Brasileiros. (FERREIRA,
2008, p. 8)

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lo dói: Poemas em imagens de África do Sul, traz a lembrança


Dessa maneira, com essas referências textuais, muitas vez- de uma África plural e de que a negritude propagada por seus
es de má tradução, serão os prospectos da ideologia da negri- fundadores na França estava distante da realidade africana. Ao
tude de origem francófona difundidas no Brasil, que se inicia criticar essa ideologia na atualidade, diz que
atropelada e impulsiva. É preciso abandonar a leitura paternalista e superficial
A apropriação da ideologia da Negritude aqui no Brasil das dificuldades da África e dos africanos e explorar seri-
amente o substrato filosófico e os esquemas de raciocínio
mostra-se tal qual na França: uma reação de uma elite de in- que se ocultam por trás dos comportamentos mais banais
telectuais negra em oposição à supremacia branca, explicitada da vida cotidiana. É preciso fazer isso sem ceder às gen-
assim pelo historiador Petrônio Domingues: eralizações abusivas que não partem de uma base sólida.
É o maior erro cometido pelos pioneiros do movimento
Tal como na versão francesa, a negritude foi um ideário chamado negritude [...] (MONGA, 2010)
que floresceu no Brasil como expressão de protesto da
pequena-burguesia intelectual negra (artistas, poetas, es- As palavras de Monga geram uma crítica ferrenha ao mov-
critores, acadêmicos, profissionais liberais) à supremacia imento de negritude, considerando que o termo é intransigen-
branca. Tratou-se de uma resposta dos negros brasileiros
te. O autor, com isso, opõe-se à super elevação da opressão dos
em ascensão social ao processo de assimilação da ideologia
do branqueamento. (DOMINGUES, 2005, p.39) negros nos países colonizados, colocando-se como recusa ao
sofrimento e exaltando a alegria de reivindicar a “personali-
As propostas realizadas por artistas e intelectuais durante a
dade negra” sem levar em consideração os problemas de classe
propagação da negritude no Brasil devem ser vistas com caute-
existentes.
la, uma vez que estavam se construindo em diferentes contex-
O autor reforça, em suas ideias, contidas em Niilismo e Ne-
tos e, muitas vezes, romantizados os seus fazeres em nome de
gritude (2010), que existe um novo mundo e novos africanos
uma mudança de comportamento social, principalmente no
espalhados no planeta, e que a cor negra já não tem mais uma
tocante aos fazeres dos negros como estando ligados à emoção.
só tonalidade. Que brancos e pretos aparecem em uma gama
Dessa maneira, separando-as do que é “racional”, provo-
infinita de cores. Que o africano está no mundo, mesmo sem
cam-se, assim, possíveis preconceitos em torno desse fazer, o
sair de sua terra natal, por meio dos sistemas avançados de co-
que poderia causar uma interpretação errônea do movimento,
municações. Ele expõe que somos diferentes e que existe uma
um verdadeiro “tiro no pé”.
África heterogênea e biorracial. Portanto, na própria África,
Nessa perspectiva, a emoção que caracteriza o negro e a
bem como nas terras distantes aonde foram levados seus nati-
tendência para o lúdico existente em sua cultura, porém, não
vos, imbricam-se culturas diversas, e essas novas culturas não
passam de um mito muito perigoso, que finda por alimentar o
são uniformes! Diante disso, o autor expõe uma “africanidade
preconceito existente de considerar os indivíduos provenien-
sincrética” que se mistura e se reconfigura constantemente.
tes desses grupos étnicos como incapazes de desenvolver o po-
Voltando ao Brasil, na contemporaneidade, o termo ne-
tencial para atividades de cunho racional, que exija seriedade
gritude pode ser observado em diversos contextos, refletidos
e habilidade intelectual (DOMINGUES, 2005).
em diversos fazeres artísticos, religiosos, lúdicos, reforçando,
Percebe-se que o termo Negritude foi e é criticado por in-
assim, a autoafirmação racial. Vemos desde grupos de dança
telectuais, artistas, pesquisadores, refletindo que essa ideia não
afros à apropriação do termo pela indústria cultural.
corresponde aos desejos e anseios de uma maioria negra. É um
Embora o termo Negritude desperte divergências ao longo
movimento que surge de uma necessidade de um grupo que
de sua existência, observa-se que é uma palavra, em nossa re-
está distante da realidade de sua terra natal e faz emergir seus
alidade brasileira, que nos serve para reavivar e compartilhar
sentimentos de repulsa, como pessoas não aceitas nas comu-
a africanidade que chegou a nosso país. É importante dizer
nidades que têm os brancos como supremos e, por isso, não se
que o movimento, em sua gênese, não conseguiu romper com
sentem respeitados. Tais posicionamentos, entretanto, podem
problemas sociopolíticos que tanto impulsionaram seus geni-
não refletir um pensamento generalizado de povos negros es-
tores, porém deixou um legado de pontos positivos, tais como
palhados pelo mundo, consequência da diáspora africana.
a revalorização da cultura africana, a autoafirmação da figura
O intelectual e economista camaronês Célestin Monga
do negro como algo positivo e a abertura para se ouvir as vozes
(2010), autor dos livros Antropologia da raiva: Sociedade Civil
silenciadas da história negra.
e Democracia na África Negra e Fragmentos de um crepúscu-

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quinas das cidades, nos semáforos, abaixo dos viadutos, nas


periferias e favelas das grandes cidades. Os negros, entretanto,
Negritude e a cena no Brasil reconstroem-se e se buscam constantemente como cidadãos.
A presença do negro no teatro fez com que se pensasse a
Indubitavelmente, a presença das culturas dos povos ne-
plateia para esse ambiente. O negro estar no teatro como es-
gros brasileiros revela-se fundamental na construção da arte
paço físico foi desafiador e fruto de uma discussão politizada
no Brasil. Embora, muitas das vezes, a importância de artis-
no meio das artes. Sobre drama, o mesmo autor reflete que
tas negros não seja respeitada ou propagada, ficando assim,
este acontece no teatro, mas que pode acontecer sem estar
à margem da história da arte. Há que destacar, orgulhosa-
nele, bem como o teatro pode não ter drama. Considerando
mente, nomes como Aleijadinho, Machado de Assis, Bispo do
que é comum ter teatro e drama como sinônimos, Rufino dos
Rosário, Solano Trindade, Milton Nascimento, entre outros
Santos alerta que, para entender o negro no teatro brasileiro,
que enaltecem, como negros, a arte brasileira.
faz-se necessário um olhar mais aproximado deste. Assim, ele
As artes cênicas no Brasil têm um histórico povoado por expõe que “Teatro é um habitus; drama “é [o] de todos os dias
diversas personalidades que considero importantes. Con- e de todas as formas, e novo como o sol, que também é vel-
hecendo os antecessores, é possível partir para novas perspec- ho” (2014, p. 69) [...]. Portanto pode haver teatro sem drama
tivas de artes cênicas na atualidade, visando a um diálogo com e, mais distintamente, drama sem teatro”. O drama é a alma do
a cultura afrodescendente vigente em nosso território. Dessa teatro, podendo ser cortejos, performances, uma festa...
forma, podem-se discutir as identidades contidas em nossas
Com isso, Rufino deseja refletir que o negro, no teatro bra-
tradições, transformando-as em alicerces para criações e con-
sileiro, não é a mesma coisa que o negro no drama ou na dra-
hecimento artístico.
maturgia brasileira. São situações e problemáticas diferentes.
O historiador e professor Joel Rufino dos Santos (2014) O negro estar na dramaturgia teatral nem sempre foi estar no
tem sido, nos últimos anos, uma importante referência nos es- palco do teatro. A presença do negro na dramaturgia como fig-
tudos da cultura negra no Brasil. Ao estudar o negro no teatro ura de importância relevante é de extensa discussão, não sendo
brasileiro, traz em sua discussão uma problematização inter- essa a proposta desta discussão. Nesse sentido, continuar-se-á
essante sobre a definição de teatro e de drama. Após a lei que um breve percurso de momentos e pessoas significantes para o
oficializa o fim da escravidão em terras brasileiras no ano de entendimento desta temática na cena contemporânea.
1888, o negro, no Brasil, começou uma nova história de luta
Já nos autos populares do período colonial, encontram-se
pela vida. Este se deparou com uma falsa liberdade, causan-
negros representando nas peças de cunho catequético (SAN-
do-lhe problemas de caráter social que se desdobram até a at-
TOS, 2014). As representações dos reisados e congadas que
ualidade. O povo negro sai das casas grandes, das plantações
perduram até os dias de hoje são certamente vestígios da pre-
de café e cana para buscar espaços não existentes para a sua
sença negra em cena. Expressões populares, como Bumba-
sobrevivência. Nesse novo ambiente e nova situação, a identi-
meu-boi, que traz personagens como Catarina e Mateus, as
dade desse povo é posta à prova, e a cumplicidade entre esses
Congadas, Congos e Maracatus, com suas embaixadas de reis
recém “cidadãos” torna-se uma questão de sobrevivência.
negros, entre outras expressões de artes populares, revelam o
As relações entre os novos libertos com seus antigos sen- “estar” presente negro como participante ativo, e não como
hores continuavam a ser estabelecidas a partir dos modelos es- uma personagem que passa, sem necessidade na trama. Ao
cravagistas anteriormente vivenciados. A sociedade brasileira longo da presença do europeu no Brasil, levando seus escra-
não aceitou, de imediato, essa nova condição. Os negros liber- vos, em todo sertão vazio, o drama acontecia. O negro estava
tos não tinham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades nessas ações dramáticas como sujeito ativo.
que os brancos, principalmente quando se refere aos antigos
Ainda vendo a presença do negro em situações de ruas,
senhores ricos. Como dizem Munanga e Gomes (2006, p.107),
palcos abertos, é pertinente lembrar o espaço circense, e o cir-
no decorrer do processo pós-abolição, além da não-inte- co nos dá o nosso primeiro palhaço negro, que foi um notável
gração do ex-escravizado e seus descendentes na sociedade
artista, o Benjamin de Oliveira (1870-1954). Além de palhaço,
brasileira, o Brasil foi construindo um processo complexo
de desigualdade social. Benjamin parodiou operetas, fez dramas e até interpretou tex-
tos de Shakespeare.
Essa desigualdade social pode ser vista, ainda hoje, nas es-

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No período romântico, no século XIX, personagens negras É nesse bojo de ideias e propósitos que o TEN se insere.
surgem na dramaturgia como figuras que normalmente rep- O Teatro experimental do Negro é considerado um divisor de
resentavam o mal, reforçando a ideia do regime escravagista e águas nesse assunto. Tinha como proposta resgatar os valores
sem falas. A professora Miriam Garcia Mendes, em seu livro culturais do negro, que foram degredados e negados pelos
O negro e o teatro brasileiro (1993), marco nos estudos sobre brancos europeus. A ideia era de que seus espetáculos fossem
o teatro negro no Brasil, reforça essa constatação quando diz: construídos inteiramente por negros, desde a dramaturgia à at-
uação. A visibilidade do legado africano no Brasil fez com que
No período que acabou de ser levantado, pouco se nota a
presença da personagem negra no teatro brasileiro, a não fosse a ideologia e estética desse grupo de artistas que chegasse
ser em comédias, nas quais aparecia calcada em uns poucos como herança à atualidade. O TEN não tinha apenas o teatro
estereótipos que se tinham firmado no passado escravocra- como seu foco central, outras frentes aconteciam como veículo
ta. (MENDES, 1993, p. 25)
e propagação de sua ideologia. Entre estes, o jornal Quilombo
A presença da personagem negra não significou que ex- e concursos para a valorização da beleza negra. A educação
istiam atores negros para a representação destes. Tais perso- era uma pilastra importante para o TEN, e não foram medidos
nagens eram feitos por atores brancos, com rostos maquiados esforços para oferecer educação aos seus integrantes e a quem
de preto, a famosa brochura (blackface). Normalmente, per- quisesse estar junto desse polo de cultura e frente de luta.
sonagens que tinham conotação cômica ou em situações de- Além de Abdias Nascimento, outros artistas se destacam,
sprivilegiadas em relação à situação e condição social. como Ruth de Souza, Grande Othelo, Santa Rosa, Lea Garcia,
Já no século XX, as personagens negras continuavam sen- Haroldo Costa, Solano Trindade e Mercedes Baptista.
do elementos de chacota, em condições desfavoráveis, reflexo Mercedes Baptista, para este diálogo, é uma importante
de problemas sociais vividos pelos negros. Todos os vícios, referência. Junto a esses artistas citados, será outro grande
situações negativas e crimes estavam contidos na imagem do nome da cena negra no Brasil, especificamente da dança. Con-
negro, resquícios do regime de escravidão que nunca deixou siderada a precursora da dança afrobrasileira, foi a primeira
de existir. O combate ao racismo, como ainda hoje, era um bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro na dé-
constante problema a vencer. cada de 1940. Não chegou a ter os papéis principais, durante
Na primeira metade do século XX, teremos o Teatro Ex- esse período, mas teve notório reconhecimento de seu tra-
perimental do Negro (TEN), que tem como um dos fun- balho. A partir de suas experiências com dança no Brasil e no
dadores o ator e ativista Abdias do Nascimento. Abdias agrega exterior (teve bolsa para estudar com Katherine Dunhan nos
as ideias da Negritude, entendida por ele como uma ideologia, Estados Unidos), buscou desenvolver uma proposta própria
uma filosofia de vida, uma bandeira de luta e de forte conteú- de dança inspirada na cultura afrobrasileira e seu conhecimen-
do político e mítico. Em volta de movimentos como a cena to de dança moderna adquirida no convívio com os negros
negra nos Estados Unidos, o TEN tinha um diálogo de aprox- americanos. Reconfigura o termo Afro para a dança, em que
imação com as propostas veiculadas por lá. O propósito era a professora Mariana Monteiro, pesquisadora e professora da
projetar uma identidade racial que pontuasse a singularidade UNESP, com foco nas danças brasileiras, relata dizendo:
negra. Os signos eram passados de forma positiva, sem re-
configurou-se como uma prática, um estilo, um repertório
forços de negação e apagando o desenho feito pelos europeus. de passos e danças em ruptura com o balé clássico e com-
A professora e ensaísta Leda Maria Martins (1995), renomada pletamente identificado com os novos parâmetros da dança
pesquisadora da cultura afrobrasileira e grande colaboradora moderna, mas tendo como referência a tradição africana
tal qual se configurava no Brasil. (MONTEIRO, p.10)
nos estudos da cena negra no Brasil, explicita essa ideologia
ao dizer que Para Monteiro, a dança Afro, de Mercedes Baptista, orga-
nizou-se como técnica e didática, e a sistematização das danças,
O combate contra a ideologia e a prática do racismo é
exercido, no nível do discurso teórico e cênico, por uma que em outra hora seduziram os modernistas e nacionalistas
linguagem que busca desmentir e corrigir a linguagem do do início de século XX, agora é algo concreto. Mercedes cod-
racismo. No mesmo percurso, busca-se desvelar os me- ificou movimento a partir do ritual do candomblé em diálogo
canismos de asserção, reificação e circulação do racismo
entre os brancos e os próprios negros. No universo brasile- com as proposições modernas, não deixando a desejar para
iro, dentro de suas limitações, o TEN procura exercitar essa a proposta americana. Há, nesse sentido, um protagonismo
mesma prática. (MARTINS, 1995, p. 144) dessa bailarina na concepção de uma arte voltada para uma

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técnica que usufrui da cultura afrodescendente, valorizando a mento de resistência e transgressão. O corpo do negro é vivo!
cultura popular. Assim,
REFERÊNCIAS
Mercedes estruturou uma aula de dança afro, com barra,
centro e diagonal. Criou uma gramática corporal especí-
fica, a partir da observação das danças do candomblé e
DOMINGUES, Petrônio. Movimento da negritude – Uma
do folclore e acabou sendo de enorme importância para o breve reconstrução histórica. Mediações – Revista de Ciên-
aperfeiçoamento dos bailarinos que criavam e dançavam cias Sociais, Londrina, v. 10, n.1, jan.-jun. 2005.
nos musicais do TEN. (MONTEIRO, 2015, p. 11)
FERREIRA, Ligia F. Negritude, Negridade e Negrícia – história
Sendo singular, a bailarina Mercedes Baptista traz para a
e sentido de três conceitos viajantes. Revista Via atlântica,
cena negra brasileira o contributo para a dança moderna bra- USP, n. 9, jun. 2006.
sileira, demarcando uma técnica inspirada em danças especifi-
camente brasileiras e o desenvolvimento de um método. FEUSER, Willfriend F. Léon Damas: exploração crítica. Revis-
Outros corpos negros são vistos nos diversos espaços con- ta África, v. III, n. 11, ano III, jan.-jun, Lisboa, África editora,
cedidos à cena contemporânea. Grupos de teatro e dança se 1981.
espalham, com o intuito de discutir a visibilidade da arte ne-
LARANJEIRA, Pires. (Org.) Negritude africana de língua
gra, tarefa esta que não se confirma como sendo fácil, visto
portuguesa – textos de apoio (1947-1963). Braga: Angelus
as diversas complicações de contextos sociais e religiosos com Novus, 2000.
que ainda nos deparamos.
Hoje, encontram-se inseridos no fazer artístico jovens MARTINS, Leda Maria. A Cena em Sombras. São Paulo: Per-
atores, dramaturgos, diretores, coreógrafos, poetas, entre out- spectiva, 1995.
ros, que estão preocupados em dar continuidade aos mov-
MENDES. Miriam Garcia. O negro e o teatro brasileiro. Rio
imentos de Negritude discutidos e propagados nas últimas
de Janeiro: HUCITEC-IBAC; Brasília: Fundação Cultural Pal-
décadas, desejando um novo olhar sobre os corpos negros
mares, 1993.
em cena. Não mais como objetos descartáveis ou confetes de
cenas, mas como pessoas capazes de desenvolver um trabalho MONTEIRO, Marianna F. M. Dança Afro: uma dança mod-
igual a qualquer outro e como pessoas que são. É possível de- erna brasileira. Disponível em: <http://www.cachuera.org.br/
stacar alguns grupos de teatro e dança que trazem para a cena cachuerav02/images/stories/arquivos_pdf/artigomarianna.
contemporânea a preocupação de emergir a cultura afrode- pdf>. Acesso em: 30 jul. 2015.
scendente nos palcos, como, por exemplo, o Bando de Teatro
Olodum (BA), O grupo Nós do Morro (RJ), A Cia. Black & Preto MUNAGA, kabengele; GOMES, Nilma Lino. O negro no Bra-
sil de hoje. Col. Para entender. São Paulo: Global, 2006.
(RJ), Seráquê? (SP), entre outros.
Parafraseando Joel Rufino dos Santos (2014), “o palco SANTOS, Joel Rufino. A História do Negro no Teatro Bra-
do negro é a rua”; nas ruas estão os grupos de capoeiras, os sileiro. Rio de Janeiro: Novas direções, 2014.
maracatus, as congadas, as rodas de samba de crioula, os ba-
tuques etc., corpos negros que se manifestam até hoje, mesmo
com um histórico de tentativa de silenciar essas atitudes e ex-
CURRÍCULO
pressões corpóreas, os negros estão em cena.
Não dá para desconsiderar a presença da negritude incor- * Artista da Cena e Professor do Departamento de Artes da
porada nas comunidades por meio do rap, do funk, refletindo Universidade de Brasília. Doutor em Artes (UnB), Mestre em
Educação (UFRN) e Especialista em Dança (UFRN). Professor
novos símbolos, releituras de uma corporeidade negra consti-
do Programa de Pós-Graduação PROFARTES (UnB/UDESC).
tuída ao longo da história. As comunidades proliferam bailes
Pesquisa e atua no campo das Tradições Populares, Negritude,
blacks, as ruas se contaminam com samba e, desse modo, vai se
Corporeidades e Pedagogias da cena.
afirmando a corporeidade de uma negritude que grita constan-
temente em cena. Ele ainda é, como no passado, um instru-

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