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Introdução aos Conceitos Sociológicos

Este documento fornece uma introdução aos principais conceitos sociológicos, incluindo: 1) Uma breve história do surgimento da sociologia e a transição das sociedades tradicionais para as modernas. 2) Os pensamentos de teóricos fundamentais como Durkheim sobre o controle social e a divisão do trabalho. 3) A importância da Escola de Chicago para o estudo da criminalidade e desvio em grandes cidades.
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Introdução aos Conceitos Sociológicos

Este documento fornece uma introdução aos principais conceitos sociológicos, incluindo: 1) Uma breve história do surgimento da sociologia e a transição das sociedades tradicionais para as modernas. 2) Os pensamentos de teóricos fundamentais como Durkheim sobre o controle social e a divisão do trabalho. 3) A importância da Escola de Chicago para o estudo da criminalidade e desvio em grandes cidades.
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COMPORTAMENTO E SOCIEDADE

CONCEITOS SOCIOLÓGICOS: UMA BREVE


INTRODUÇÃO
Flávia Cristina Soares

-1-
Olá!
Você está na unidade Conceitos Sociológicos: uma breve introdução. Conheça aqui a contextualização dos

fundamentos sociológicos e seus principais conceitos: controle social, crime e desvio, formação de grupos e a

constituição de identidades e, por último, a família e o sistema de parentesco.

Para tanto, foi utilizado um autor considerado como um dos fundadores da Sociologia: Émile Durkheim e seus

pensamentos a partir dos conceitos tratados nessa unidade. Logo, enunciamos a importância da Escola de

Chicago e a Teoria da Rotulação proposta por Howard Becker, juntamente com o Estigma descrito por Erving

Goffman. Por conseguinte, a explanação sobre o processo de formação dos grupos juvenis nas grandes

metrópoles brasileiras e a discussão sobre a identidade e tribos urbanas foram expostos com o objetivo de

refletirmos sobre a realidade brasileira. Por último, destacaremos os sistemas de parentesco e o tabu do incesto.

Bons estudos!

-2-
1 Breve Histórico do Surgimento da Sociologia
Nesse tópico, apresentaremos um breve histórico do surgimento da sociologia, a partir da leitura do James

Samuel Coleman sobre a transição das sociedades feudais para as sociedades capitalistas. O autor demonstrará

como esse processo de transição acarretou profundas transformações sociais das quais modificaram as formas

de organização familiar, o controle social e a solidariedade.

-3-
1.1 A transição das sociedades tradicionais para as modernas

Entre os anos de 1970 e 1980, o sociólogo James Samuel Coleman construiu o seu pensamento ressaltando o

quanto a solidariedade social no interior das organizações possibilitou o surgimento do controle social,

inovando em relação aos clássicos da sociologia – Marx, Durkheim e Weber – através do conceito denominado de

capital social. Para o melhor entendimento, pode-se dizer que a solidariedade social se constitui pela formação

dos laços ou vínculos estabelecidos entre as pessoas, formando uma consciência coletiva. Tal consciência

coletiva possibilita a construção dos valores e das normas estabelecidas em cada sociedade. Assim sendo, o

controle social (formal ou informal) seria uma forma de garantir a ordem social para àqueles que descumprem

as normas, sendo passíveis de sanções ou punições.

Dentro dessa perspectiva, o autor ressalta que as Revoluções Francesa e Industrial foram consideradas os

marcos fundamentais em relação ao processo de transição das sociedades tradicionais para as modernas. A

sociedade feudal se caracterizou pelo “sistema político e social baseado na tradição, privilégios herdados e

caprichos pessoais” (COLEMAN, 1993, p. 2). Com a Revolução Industrial e o modo de produção capitalista, o

desenvolvimento das cidades foi um símbolo importante para se refletir sobre as sociedades modernas

(COLEMAN, 1993, p.2). Por outro lado, a Revolução Francesa possibilitou a construção de uma sociedade

baseada na racionalidade. Esses dois acontecimentos foram de extrema magnitude para a constituição da

modernidade. Isto posto, o declínio do feudalismo e a ascensão do capitalismo implicaram em uma série de

transformações políticas, sociais e econômicas, fato que modificou a concepção dos pesquisadores em relação à

sociedade.

Nessa transição, destaca-se que as atividades econômicas foram se distanciando da agricultura e atraindo as

pessoas para o interior das cidades. Sendo assim, pode-se dizer que a estrutura interna das organizações feudais

se baseavam nas relações pessoais (COLEMAN, 1997, p. 7), enquanto na modernidade, as organizações são

baseadas nas posições ou ofícios dos quais as pessoas ocupam. Isto quer dizer que essas pessoas constroem

normas ou direitos que são desenvolvidos por parte dos ocupantes dos cargos. Nesse ínterim, os conflitos são

solucionados no interior da própria corporação que possui legitimidade para solucionar essas divergências.

Neste caso, não há qualquer intervenção do sistema legal externo, ou seja, da justiça ou instituições que são

considerados os principais dispositivos que exercem a função de mediar ou solucionar conflitos.

Seguindo os pensamentos de James Samuel Coleman, o autor se refere ao controle social exercido nas sociedades

feudalista e capitalista. No feudalismo, o controle social era realizado através das “normas sociais, status,

reputação e força moral” (COLEMAN, 1993, p. 9). De outro lado, no capitalismo, o controle social é realizado

através de regras, leis, incentivos formais e sanções produzidas pelos próprios indivíduos (COLEMAN, 1993).

-4-
Desse modo, o controle social no feudalismo é exercido pela família e no capitalismo pelos diretores ou gerentes

de empresas que possui autoridade para demitir um empregado, caso ele viole as regras da instituição.

-5-
1.2 Alguns estudos sociológicos

A partir dessas mudanças estruturais, ressalta-se que Auguste Comte foi um dos primeiros teóricos a consagrar a

Sociologia enquanto ciência através do “Curso de Filosofia Positiva” no ano 1840. Em seguida, a obra de Karl

Marx em 1859, intitulada “Contribuição para a crítica da economia política”, foi uma resposta à essas mudanças

sociais e econômicas. Em 1893, Émile Durkheim publica “Da divisão do trabalho social”, discutindo a estrutura

da produção econômica. Logo, Max Weber com “Burocracia” (1921/1922) demonstrou o crescimento da

sociedade racional. Além destes, Toennies (1887), Park e seus alunos da Escola de Chicago (1915 a 1929), entre

outros autores e estudos procuraram demonstrar o nascimento e a consolidação da ciência sociológica em

função das transformações estruturais (COLEMAN, 1993). Aqui, cabe destacar que uma quantidade expressiva

de pesquisadores e professores formaram um grupo com o objetivo de dedicar os seus estudos em relação aos

grandes centros urbanos e a consequente delinquência e criminalidade realizada, primordialmente, por jovens,

destacando a Escola de Chicago como uma referência nessas temáticas.

Figura 1 - Escola de Chicago


Fonte: Jannis Tobias Werner, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: Na imagem, pode-se observar a Universidade de Chicago nos Estados Unidos, conhecida pelos

sociólogos como Escola de Chicago.

Além destes estudos, os sociólogos continuaram investigando os fenômenos sociais, bem como construindo

metodologias ao longo dos anos 1940 e 1960. A partir de 1964, a formulação de políticas sociais para atender a

demanda da população passou a ser um desafio para a ciência sociológica, como por exemplo, o controle de

drogas, a prevenção à criminalidade, a saúde mental e os mais diversos problemas que foram se tornando

-6-
públicos e que demandavam uma intervenção estatal. A elaboração de políticas públicas com o intuito de

solucionar esses problemas assinalava, de maneira enfática, para o declínio do feudalismo. Além do movimento

populacional das famílias para o interior das cidades e a mudança socioeconômica ocasionadas pelas Revoluções

Francesa e Industrial, a presença das mulheres na força de trabalho se destacou como um indicador do

enfraquecimento das relações familiares culminando no desmantelamento do feudalismo e a consequente

ascensão do capitalismo.

Como consequência, o enfraquecimento das relações familiares causou uma diversidade de problemas sociais

através do envolvimento das crianças e dos adolescentes com a criminalidade, o uso de álcool e drogas ou as

dificuldades de aprendizagem, acarretando em custos para o Estado através das despesas para a manutenção

dos órgãos judiciários ou das políticas de assistência social (COLLINS, 2009, p. 153). Além disso, a partir dos

anos 1990, Coleman observou que as escolas se transformaram em espaços para relegar as crianças e abandonar

(subjetivamente e social) os adolescentes, primordialmente, após a inserção das mulheres no mercado de

trabalho.

Fique de olho
Para saber mais sobre a história da Escola de Chicago, sugere-se a leitura do artigo “A Escola
de Chicago”, escrito por Howard Becker, em 1996.

Por trás dessa breve apresentação, o pensamento de Émile Durkheim em relação ao controle social e as normas a

partir do sua tese “Da divisão do trabalho social” serão abordados no próximo tópico.

-7-
2 O Pensamento de Émile Durkheim
Para dar continuidade ao tópico anterior, iremos apresentar os pensamentos propostos por Émile Durkheim.

Este autor analisa as sociedades após as Revoluções Francesa e Industrial e observa que a divisão do trabalho se

deu em decorrência da ascensão do capitalismo. Essa divisão do trabalho propiciou o que chamamos de

solidariedade social no mundo moderno, distinto das sociedades tradicionais. Porém, para que haja a

solidariedade social é preciso um conjunto de normas em que os indivíduos estabelecem para viverem em

sociedade. Assim sendo, as desordens econômicas, políticas e/ou sociais podem ocasionar um processo de

anomia (ausência de leis ou normas). A partir dessa breve contextualização, é possível verificar que àqueles

indivíduos que desobedecem as normas constituídas podem sofrer sanções ou punições em qualquer sociedade

– tradicional ou moderna.

2.1 Da divisão do trabalho social

É importante ressaltar que Émile Durkheim foi considerado um dos fundadores da sociologia, escrevendo a sua

tese de doutorado intitulada “Da divisão do trabalho social” (1977). Nesse manuscrito, o autor ressalta a

importância da estrutura de produção econômica na modernidade. Com o declínio do feudalismo e a ascensão do

capitalismo, após as Revoluções Francesa e Industrial, as relações econômicas passaram a ser predominantes na

sociedade. A industrialização e a divisão do trabalho propiciaram um estado de anomia jurídica (ausência de

leis ou normas) devido às desordens ocasionadas pelo sistema econômico e, consequentemente, as relações

estabelecidas entre os indivíduos não se fundamentavam pela ação moral (devido ao enfraquecimento da

religião e da família), fato que causou a crise da moralidade e a desagregação social. Com o propósito de

compreender essa ideia, Durkheim propôs investigar “a solidariedade social através do sistema das regras

jurídicas” (DURKHEIM, 1999, p. XLIX).

-8-
2.2 Solidariedade social em Durkheim: normas e sanções

Se nas sociedades tradicionais, a família e a religião com os seus respectivos princípios morais e crenças se

mantinham “fortes” na consciência coletiva estabelecendo a coesão social, como seria esse processo na

modernidade? Durkheim (1999) responde a essa problemática apresentando dois tipos de solidariedade: a

mecânica e a orgânica. A solidariedade mecânica foi preponderante nas sociedades tradicionais,

caracterizada por atividades de produção pouco diferenciadas (semelhantes). Com a transformação social,

o meio industrial e comercial exigia que o trabalho fosse especializado para cada grupo profissional. Com isso, a

solidariedade foi acompanhando as mudanças - principalmente através da diferenciação dos ofícios

realizados pelos indivíduos - nomeada pelo autor de solidariedade orgânica. Diante do exposto, Durkheim

constatou que a divisão do trabalho possuía a função de manter a coesão social nas sociedades capitalistas

modernas, uma vez que constroem a moral e o direito profissional.

O sistema de regras, normas e sanções (moralidade) foram instituídas pela família e pela religião nas sociedades

tradicionais. As transformações ocasionadas após as revoluções, modificaram também a concepção de

moralidade no mundo moderno. Assim, Durkheim apresenta uma nova forma de conceber a modernidade, dado

que suas argumentações apontam que os grupos profissionais podem instituir tanto a coesão como a coerção

social.

Nas sociedades tradicionais assim como nas modernas, os atos considerados como criminoso (matar ou roubar,

por exemplo) são reprovados pelos indivíduos de ambas as corporações. Além disso, os criminosos geram

sentimentos coletivos de hostilidade ou vingança contra ele, fato do qual aplica-se a pena ao ofensor (àquele que

violou as regras estabelecidas pela sociedade). Nos povos primitivos, o objetivo da pena é a punição (por isso,

o caráter repressivo). Já, na modernidade, a finalidade da sanção é a restauração ao dano causado. Assim,

cada sociedade constitui e modifica a regra, porém é preciso que os indivíduos legitimem as sanções. Para

Durkheim, qualquer contrato só possui validade se a sociedade o reconhecer como tal.

A compreensão do direito nessas sociedades revela que “a moralidade consiste em ser solidário de um grupo e

varia de acordo com essa solidariedade” (DURKHEIM, 1999, p. 421). Assim, a divisão do trabalho passa a ser um

requisito primordial para a solidariedade na modernidade, bem como da sua integração social. A questão que se

coloca está situada na mudança rápida e profunda do sistema feudalista para o capitalista, fato que a moral

(entende-se por doutrinas e costumes) nas sociedades tradicionais não acompanhou a rapidez dessa

transformação no sistema social (DURKHEIM, 1999, p. 431). Isto implica em um estado de anomia (ausência de

leis ou regras) provocado pelas funções econômicas.

-9-
Com o propósito de compreender melhor os argumentos de Durkheim, ressalta-se que a modernização provocou

a diferenciação dos ofícios tanto na indústria quanto no comércio. Isto possibilitou o agrupamento dos

indivíduos de acordo com as suas profissões, ou seja, a partir das “ideias, interesses, sentimentos, ocupações”

(DURKHEIM, 1999, p. XXI) em comum. Ao se constituírem enquanto grupos profissionais, eles elaboraram regras

morais para viverem juntos construindo o direito profissional. Por outro lado, a família estabelecia o direito

doméstico (DURKHEIM, 1999, p. XXV).

Para a consolidação desse direito profissional, foi necessário formular “um órgão apropriado, que a exprima e

regularize seu funcionamento” (DURKHEIM, 1999, p. XXXII), uma vez que a diversificação do trabalho propiciou

indivíduos mais autônomos e interdependentes, pois as relações econômicas passaram a ser reguladas pelo

Estado. Dessa forma, as regras foram aplicadas às corporações modernas, possibilitando a construção da

moralidade no interior dos grupos profissionais - uma forma de manifestar a coletividade através do sentimento

de solidariedade devido à “homogeneidade intelectual e moral” (DURKHEIM, 1999, p. XXXV). Com a ascensão do

capitalismo, as organizações passaram a ocupar um espaço cada vez mais central na sociedade e,

consequentemente, a solidariedade social se transformou de mecânica (sociedades tradicionais) para

orgânica (sociedades modernas).

Durkheim conclui que o caráter moral de qualquer sociedade molda a solidariedade social (seja através da

família e religião ou das corporações). Dessa forma, a integração social faz parte da consciência coletiva e

qualquer ofensa à essa consciência pode acarretar na desintegração da sociedade (DURKHEIM, 1999). Neste

caso, as regras morais devem combater qualquer desordem ocasionada no sistema social. É esta a importância

da divisão do trabalho social na modernidade, uma vez que a sua especialização possui como principal objetivo

manter a coesão da sociedade, ou seja, equilibrar as relações sociais permeadas pela indústria e pelo comércio.

Como Durkheim aponta que a divisão do trabalho propiciou o estabelecimento de um novo sistema de regras

com a finalidade de garantir a integração social, Coleman (1993) avança nessa perspectiva ressaltando a

importância dos sociólogos em se atentarem para um novo desenho institucional (através de políticas sociais)

para intervir diretamente nos problemas sociais causado pelas relações econômicas.

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3 Crime e Desvio
Dando prosseguimento aos pensamentos de Durkheim, é preciso contextualizar como as sociedades modernas

respondem ao estado de anomia, primordialmente, no que tange à criminalidade e aos indivíduos

considerados como desviantes através da intervenção do poder estatal: polícia militar, polícia civil, defensoria

pública, ministério público e juizado. Para tanto, abordaremos nesse tópico a Teoria da Rotulação formulada

por Howard Becker e o Estigma descrito por Erving Goffman, ressaltando que o crime ou desvio seria uma

decorrência da interação entre indivíduo e a sociedade.

- 11 -
3.1 Teoria da rotulação

É possível afirmar que Durkheim influenciou os estudos sobre o interacionismo, tendo Becker e Goffman como

seus principais representantes. De acordo com BENDER (2019, p. 22)

A anomia social, proposta inicialmente por Durkheim, influenciou diversos estudos posteriormente

ao seu falecimento. Da mesma forma, o desvio de normas continuou sendo debatido, ganhando

destaque em pesquisas empíricas nos Estados Unidos, formando a denominada Escola de Chicago.

Howard Saul Becker e Erving Goffman, principais representantes desta escola, procedem o estudo de

Durkheim sobre os desvios de normas analisados a partir de modelos sociais, porém, através de uma

ênfase inovadora voltada para a microssociologia. Deste modo, pesquisas sobre imigração, relações

étnicas, delinquência e drogas, temas que permeavam o contexto social da cidade, eram analisados

de maneira recorrente através de pequenos grupos de indivíduos, com o objetivo de entender a

própria sociedade.

Em uma perspectiva crítica, Becker e Goffman passaram a trazer uma nova concepção sobre o crime e o desvio

que serão descritos nas próximas linhas.

Os estudos sobre a sociologia do desvio realizados por Howard Becker, escrito no início dos anos 1960, foi um

dos marcos para a consolidação da teoria da rotulação nas ciências sociais. O autor se concentrou,

especificamente, em elucidar o processo de interação entre a sociedade e àqueles indivíduos considerados

como desviantes, por exemplo, os usuários de maconha e músicos de jazz em casas noturnas. Ele procurou

compreender os motivos pelos quais os indivíduos constroem uma “carreira desviante”, uma vez que a

desobediência ou a violação às normas sociais estabelecidas provoca uma reação por parte da sociedade

em rotular ou classificar determinada pessoa como um desviante.

Aos poucos, esta teoria foi avançando por diversas razões. Entre elas, destaca-se que nem todos os indivíduos

que transgridem a lei são considerados criminosos, ou seja, para ser um criminoso não basta cometer um crime,

mas também, é necessário que a sociedade reaja de maneira negativa em relação ao indivíduo. O desvio é

socialmente construído, assim como o desviante é aquela pessoa a cujo rótulo foi aplicado com sucesso,

conforme salientou Becker (2008). E, a rotulação de indivíduos como criminosos é o próprio tratamento que lhe

é imputado como criminoso possibilitando a construção da sua carreira e transformando o seu status social

(CULLEN & AGNEW, 2006).

- 12 -
Para Becker (2008), a aplicação de sanções ou punições formais através do Estado ou informais pela

comunidade é o ponto primordial para a rotulação do indivíduo enquanto desviante. No entanto, é preciso

considerar que a sociedade é quem define qual é o comportamento visto como “normal”. Nesse processo de

rotulação, alguns indivíduos considerados como desviantes e, por vezes, criminosos, internalizam esse rótulo,

acarretando consequências para sua vida cotidiana como o isolamento ou a limitação de contatos sociais.

Como interacionismo, Becker (2008) apresenta o complexo drama de interação entre as pessoas da sociedade,

principalmente no que tange ao poder de uma determinada classe em imputar desvio aos demais. Assim, a

sociologia do desvio é uma crítica social ao processo de estigmatização dos grupos dominantes em

relação àqueles com menor poder dentro da hierarquia social.

- 13 -
3.2 Estigma

Nessa tradição de estudos interacionistas sobre o desvio, Erving Goffman também foi um pesquisador

importante ao estudar o processo de “marcação” negativa dos indivíduos cujo resultado é a constituição

da “identidade deteriorada”. Além disso, Goffman (1975) se concentra na maneira pela qual os indivíduos

interagem com a sociedade e com as mais diversas estratégias empregadas pelo estigmatizado para ocultar as

suas diferenças físicas ou sociais. De acordo com Werneck (2014, p. 112)

Sua grande contribuição à Labeling Theory [Teoria da Rotulaçao], entretanto, residiu sobretudo na

descrição de como uma discrepância entre identidades sociais ‘virtuais’ e ‘reais’ imaginadas pelos

atores nas interações é experimentada como a construção de selves ‘desacreditados’ (cujos estigmas

são claramente identificados e estabelecidos) ou ‘desacreditáveis’ (cujas marcas não são óbvias,

gerando reações de confiança.

O processo de rotulação da sociedade perante os indivíduos estigmatizados é uma forma de conceber um lugar

àqueles considerados como “normais” em detrimento aos “outros”, pois não desejam perder a sua

predominância na hierarquia social. Assim, o desviante cumpre o seu papel de legitimar os “normais” como

aqueles dignos de construir uma carreira “bem sucedida”. Ou seja, ser um “desacreditado” ou “desacreditável”

nas categorias de Goffman, concede um espaço para a legitimidade da sociedade e seus padrões ou

comportamentos dominantes (GOFFMAN, 1975).

Nesse sentido, o sistema de justiça criminal opera segundo as distinções estabelecidas pela sociedade sobre o

que é considerado “normal” e “desviante”. Ou seja, os operadores desse sistema atuam regidos pelo que a

sociedade, em determinado período histórico, representa sobre quem é o tipo social considerado “criminoso”,

“bandido” ou “desviante”. Desde a década de 1980, os estudos brasileiros apontam como a raça, o sexo, a idade

e a classe social são atributos (ou estigmas) imprescindíveis para definir os indivíduos como “criminosos”,

orientando a prática dos agentes policiais e do poder judiciário.

- 14 -
3.3 O precursor da sociologia do desvio no Brasil

O precursor dos estudos sobre a Sociologia do desvio no Brasil foi Gilberto Velho, um antropólogo, influenciado

pelos pensamentos de Howard Becker e Erving Goffman. Em 1973, o autor defendeu sua dissertação de

mestrado intitulada “A Utopia Urbana” que descreve as relações sociais estabelecidas entre os moradores do

bairro de Copacabana no Rio de Janeiro - com alto poder aquisitivo - e dos habitantes de um edifício chamado

Estrela, conhecido pela deterioração do seu padrão moral em função do baixo status socioeconômico das pessoas

residentes neste espaço “nobre” da cidade. Os moradores de Copacabana denominaram o edifício de “balança

mas não cai”, uma característica depreciadora, visto que morar em Copacabana é considerado um símbolo de

prestígio. Os atributos pejorativos aos moradores do edifício Estrela resultaram em atitudes defensivas, evitando

falar qual o seu local de moradia por vergonha de serem rejeitados pelos demais (VELHO, 1973).

Em 1974, Gilberto Velho publicou uma coletânea chamada “Desvio e Divergência: uma crítica da patologia

social”, reunindo diversos artigos com as teorias de Becker e Goffman como temas centrais do livro (VELHO,

1974). Nesta coletânea, Gilberto Velho tece severas críticas à da patologia social. Em oposição, Gilberto Velho

destaca que tanto o crime quanto os criminosos são construídos socialmente a partir da interação entre

acusados e acusadores. Ao contemplar uma análise no nível microssociológico, ele constatou que o desvio não

é algo inerente aos indivíduos posicionados num nível mais baixo da estrutura social e, muito menos, uma

qualidade de determinadas pessoas.

Até meados da década de 1970, a concepção da patologia social pairava sobre as concepções do crime,

criminalidade e criminosos no Brasil. Estas interpretações resultaram na afirmação de que o crime é

consequência da pobreza, pois os indivíduos com baixo status socioeconômico estavam representados

fortemente nas estatísticas policiais e no sistema penitenciário. Como reação a este pensamento, Edmundo

Campos Coelho e Antônio Luiz Paixão demonstraram, através das suas pesquisas, uma nova concepção da

criminalidade brasileira, fortemente influenciados pela teoria da rotulação, na década de 1980.

O estudo do processo de interação entre o indivíduo e a sociedade no âmbito do sistema de justiça criminal

brasileiro marcou o início de uma série de pesquisas sobre a sociologia do desvio no país. Nesse momento, o

Brasil já apresentava um número significativo de crimes praticados nas principais metrópoles brasileiras e,

consequentemente, uma quantidade expressiva de indivíduos encarcerados advindos de classes com baixo status

socioeconômico, bem como negros e moradores de vilas e favelas. A hipótese concebida entre o crime e a

pobreza se justificava pela “estratégia de sobrevivência” desses indivíduos em função da sua condição social. O

principal argumento do Edmundo Campos Coelho consistia em desmistificar a associação entre o crime e a

pobreza. Ele afirmou que o Estado através dos mecanismos de poder e coerção apreendem os indivíduos pobres

- 15 -
e, como resultado, estas classes estigmatizadas são as mais propensas a serem rotuladas pelos policiais em suas

operações rotineiras de vigilância (CAMPOS COELHO, 1980).

A arbitrariedade do trabalho policial tomando como pressuposto que o crime é a consequência da pobreza nas

grandes cidades brasileiras pode ser constatada pela análise dos dados obtidos comparando os crimes contra o

patrimônio e o estelionato. Os resultados sugerem que os crimes contra o patrimônio são, muitas vezes,

praticados por indivíduos pertencentes a classes baixas e, por conseguinte, são tratados com maior rigidez pelo

sistema de justiça criminal. Em contrapartida, o estelionato realizado por pessoas que possuem maior “capital

humano”, ou seja, aqueles pertencentes às classes médias ou altas são “imunes” ao poder judiciário (CAMPOS

COELHO, 1980, p. 299).

Para exemplificar de maneira adequada essa concepção cultural que relaciona o crime com a pobreza, destaca-se

uma categoria de crime denominada “colarinho branco” ou white colar. Como se sabe, este crime não é objeto

de estudo nas teorias criminais (SUTHERLAND apud CAMPOS COELHO, 1978, p. 156), visto que essas pessoas

não condizem com o estereótipo ou perfil do criminoso construído pela sociedade e as suas práticas não são

rotuladas enquanto crimes. Por consequência, estes criminosos de “colarinho branco” não são apreendidos pelos

agentes da segurança pública, muito menos, submetidos a processos criminais. Uma possível explicação para

esta situação se resume no simples fato de que indivíduos com status econômico elevado ocupam cargos de

prestígio e respeito e, logo não reincidirão com novos comportamentos criminosos. De certo, estes indivíduos

estão protegidos dos mecanismos de coerção realizados pelo Estado e, portanto, não são rotulados enquanto

criminosos.

Assim, observa-se uma distinção no tratamento das pessoas envolvidas com o estelionato e, primordialmente,

com os crimes de “colarinho branco” em comparação aos crimes praticados pelos indivíduos das classes

subalternas. Essa distinção é justificada pela capacidade operacional das organizações policiais em construir o

perfil do criminoso estigmatizado, resultando em atrelar o crime à pobreza. Isto é, o pobre é o estereótipo de

alguém que comete crimes e, portanto será o alvo das intervenções policiais. Assim, “(...) as estatísticas oficiais

constituem a definição cultural do que seja crime: esta definição é utilizada para diferenciar o criminoso oficial

de tantos outros que violam a lei sem se tornarem legalmente criminosos, embora o comportamento de ambos

seja o mesmo” (CAMPOS COELHO, 1978, p. 154). A persistência desses indivíduos no que diz respeito ao

processo de execução por parte do poder judiciário e o consequente julgamento com mais severidade em relação

ao estereótipo do criminoso é denominado de “criminalização da marginalidade” (CAMPOS COELHO, 1978).

- 16 -
4 Formação de Grupos e Identidade
No tópico anterior vimos o processo de transição das sociedades tradicionais para as modernas, além de

descrever sobre o controle social em ambos os contextos, também destacamos o desvio ou o crime como um

produto da interação entre o indivíduo e a sociedade. Sendo assim, nesse tópico destacaremos a formação de

grupos e a constituição de identidades no contexto urbano. Nesse sentido, salienta-se que a transição das

sociedades tradicionais para as modernas culminou no crescimento das cidades, transformando-as em

megalópoles. A partir disso, os problemas públicos e sociais começaram a surgir como, por exemplo, a

desigualdade, a violência e a formação de grupos juvenis que possuem como objetivo o tráfico ilegal de drogas

ou condutas consideradas desviantes diante dos conceitos propostos pela sociologia.

- 17 -
4.1 Formação de grupos

Para descrever o processo de formação de grupos, é necessário relembrar que as crianças ainda possuem um

laço forte estabelecido com seus pais, genitores ou responsáveis. Já, na puberdade, além das mudanças físicas, o

adolescente constrói uma maneira subjetiva de se distanciar dos pais, genitores ou responsáveis, procurando

estabelecer vínculos com os amigos do colégio ou com àqueles que moram próximos à sua residência. Isso

propicia a constituição de identidade para cada sujeito em seu âmbito psicológico e/ou social. Por identidade,

entende-se o desejo de um indivíduo de pertencer a um determinado agrupamento dos quais possui afinidades

com os demais membros do grupo. Entretanto, vale destacar que a identidade é formada durante a fase da

adolescência e/ou juventude.

Cabe ressaltar que o conceito de juventude foi cunhado após a II Guerra Mundial com o propósito de constituir

um público consumidor. Como bem ressalta Pierre Bourdieu (1983, p. 112) “a ‘juventude’ é apenas uma palavra”.

Isto quer dizer que o termo surgiu na modernidade em detrimento do crescimento das cidades e do capitalismo.

Assim sendo, a formação de grupos juvenis é uma característica das sociedades modernas e se tornou uma

questão social na medida em que os jovens passaram a se juntar para praticarem atos considerados como

desviantes. Cita-se aqui: os traficantes, os pichadores e os torcedores organizados, resguardando as suas devidas

particularidades.

Um dos autores que dedicou seus estudos para compreender a apropriação do espaço urbano pela juventude foi

Magnani (1992a). O autor destacou o “pedaço” como uma categoria primordial para sustentar o seu argumento.

Tal categoria foi utilizada para observar como os jovens estabeleciam as suas redes de relações sociais pela

cidade. Assim, de acordo com Magnani (1992a, p. 192) o “pedaço” foi caracterizado por:

Uma primeira análise mostrou que a categoria pedaço era formada por dois elementos básicos: um

de ordem espacial, físico, sobre o qual se estendia uma determinada rede de relações. O primeiro se

configurava um território claramente demarcado: o telefone público, a padaria, este ou aquele bar, o

terminal de ônibus, talvez um templo ou terreiro, e outros pontos mais delineavam o seu entorno.

Isto quer dizer que a formação de grupos juvenis se dá, exclusivamente, pela proximidade de moradia (o

“pedaço”). Qualquer outro grupo formado que não esteja inserido no “pedaço” pode ser considerado como rival

ou inimigo. Para mais, a rede de relações construída pelos jovens pertencentes aos agrupamentos se mantém

através dos “laços de parentesco, vizinhança, procedência, vínculos definidos por participação em atividades

comunitárias e desportivas” (MAGNANI, 1992, p. 192).

- 18 -
Se os agrupamentos se formam durante a juventude devido à proximidade de moradia com o propósito de

estabelecer uma rede de relações sociais, é necessário salientar que tais agrupamentos possuem uma função

importante para os jovens: a constituição de identidades. Para tanto, esses grupos não são estáticos no

“pedaço”, uma vez que circulam pela metrópole. Um dos possíveis discursos construídos pelos jovens consiste

em ressaltar que o grupo significa proteção em meio à uma cidade considerada como violenta.

Essa dinâmica da formação de grupos juvenis não é apenas uma característica brasileira. Observam-se

agrupamentos de gangues nos Estados Unidos, de galeras na França, dos hooligans na Inglaterra, entre outros. O

atributo espaço urbano e a circulação pela cidade é imprescindível para compreender o processo de formação de

grupos juvenis. Como bem explicita Magnani (1984, p. 142), “pertencer ao pedaço significa também poder ser

reconhecido em qualquer circunstância, o que implica o cumprimento de determinadas regras de lealdade que,

até mesmo os ‘bandidos’ da vila, de alguma forma, acatam”.

Figura 2 - Hooligans
na Inglaterra
Fonte: alberto_girotto, Shutterstock, 2020.

#PraCegoVer: Na imagem, pode-se observar os hooligans – jovens


fanáticos pelas equipes de futebol na Inglaterra – dispostos a
rivalizar com seus inimigos.
Aqui, pode-se fazer uma analogia ao controle social abordado no primeiro tópico. Enquanto nas sociedades

tradicionais, o controle social era estabelecido pela família e na modernidade pelas corporações, na

contemporaneidade, o controle social passa a ser exercido pelos agrupamentos juvenis, dos quais estabelecem

um conjunto de regras e normas realizadas por eles e impostas aos jovens de um determinado grupo, moradores

- 19 -
da “pedaço”. Essas peculiaridades podem ser observadas, principalmente, nas comunidades, vilas ou favelas em

que a presença do Estado como um dispositivo para garantir o exercício da cidadania e a ordem social encontra-

se de maneira precária.

Para exemplificar melhor a formação de grupos juvenis, destacam-se dois trabalhos realizados por Soares (2013;

2019). Através de uma pesquisa de campo e entrevistas em profundidade, a autora investigou a trajetória de

vida dos jovens pichadores na capital mineira. Com isso, foi possível observar que os membros se inseriam nos

grupos em busca de constituir uma identidade. Através das práticas de inscrever as suas assinaturas nos muros

juntamente com os nomes dos grupos, eles se tornaram reconhecidos no meio da pichação, além de dedicarem à

construção de simbolismos e de um estilo de vida com o propósito de vivenciarem a atividade. Assim, os grupos

se formavam nas periferias da metrópole em função de pertencerem ao mesmo “pedaço”, porém para se

consagrarem no cenário urbano, eles passaram a construir alianças com outros jovens com o objetivo de

adquirir visibilidade social e se tornarem reconhecidos no contexto urbano (SOARES, 2013). Retomando o tópico

anterior, nos termos sociológicos, o ato de pichar é considerado como um desvio social.

De outro lado, Soares (2019) ao dedicar os seus estudos em relação à juventude e à torcida organizada constatou

que quatro amigos – estudantes da mesma escola e moradores do mesmo bairro da capital mineira – foram

construindo estratégias para angariar o maior número de membros com o objetivo de transformar uma torcida

organizada como reconhecida no cenário nacional. Obviamente, que não se pode comparar os pichadores com os

torcedores organizados, enquanto o primeiro inscreve as suas assinaturas pelos muros da cidade, o segundo tem

uma relação direta com o pertencimento clubístico. Para tanto, a formação de grupos, resguardando as suas

devidas peculiaridades possui uma relação intrínseca com a juventude, a proximidade de moradia, o

estabelecimento de uma rede de relações sociais e a constituição de identidades.

Fique de olho
Para saber mais sobre o processo de formação de grupos juvenis e a constituição de
identidades, veja o filme Hooligans de Lexi Alexander, disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=Jt8hnA_my9w&t=3472s. Acesso em: 11 abr. 2010.
Para quem se interessa sobre as torcidas organizadas, sugere-se a leitura do livro “Juventude e
estilo de vida: um estudo sobre torcida organizada”, escrito por Flávia Cristina Soares.

- 20 -
4.2 Identidade e tribos urbanas

Nesse tópico, o conceito de identidade será discutido a partir das proposições realizadas por Stuart Hall em “A

identidade cultural na pós-modernidade”, escrito em 2006. O autor ressalta que a identidade do sujeito

sociológico está intrinsecamente relacionada com a interação entre os indivíduos, isto é, a identidade “é formada

na integração entre o eu e a sociedade” (HALL, 2006, p. 11). Com o advento da pós-modernidade, após 1989, Hall

(2006, p. 12) destaca que os indivíduos passaram a constituir “várias identidades, algumas contraditórias ou não-

resolvidas”.

Retomando os exemplos explicitados no tópico anterior sobre os pichadores e torcedores organizados, durante a

pesquisa foi possível constatar que os jovens não se identificam, único e exclusivamente, com esses

agrupamentos. Para além disso, eles são trabalhadores, pais de famílias, pertencem a associações esportivas e

/ou religiosas (SOARES, 2013; 2019). Cada um constrói um estilo de vida baseado nos seus valores subjetivos,

constituindo identidades de acordo com o espaço e tempo. Assim, foi possível perceber que os membros

abandonam os agrupamentos (pichação e torcida organizada) após a fase denominada como juventude. Segundo

Hall (2006, p. 13):

[...] à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos

confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com

cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.

Com a perspectiva de usufruir dessa discussão sobre a formação de grupos, é necessário salientar o conceito

proposto por Michel Maffesolli (2006) em relação às tribos urbanas. A transformação das cidades em grandes

metrópoles proporcionou o surgimento do individualismo. Com isso, os jovens se juntaram por afinidades,

gostos ou estilos de vida constituindo as tribos urbanas, ou seja, os grupos no contexto das grandes cidades.

Apesar do jovem assumir diferentes papéis, as tribos urbanas podem ser designadas por uma estética como um

“meio de experimentar, de sentir em comum e é, também, um meio de reconhecer-se” (MAFFESOLLI, 2006, p.

108). Além disso, o autor afirma a “multiplicidade de estilos de vida”, ou seja, um “multiculturalismo”, podendo

se cruzar e sobrepor uns aos outros (MAFFESOLLI, 2006, p. 125). Nesse sentido, Maffesolli (2006, p. 126)

destaca que a pós-modernidade reforçou o “recolhimento no próprio grupo e um aprofundamento das relações

no interior desses grupos”. Ao ler os argumentos de Maffesolli, Magnani (1992b, p. 49)) salienta que o conceito

de tribos urbanas é utilizado enquanto uma metáfora, dado que:

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Sem entrar em detalhes e controvérsias que não cabem nos limites e propósito desta comunicação,

pode-se dizer que tribo constitui uma forma de organização mais ampla que vai além das divisões de

clã ou linhagem (parentesco) de um lado e da aldeia, de outro. Trata-se de um pacto que aciona

lealdades para além dos particularismos de grupos domésticos e locais.

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5 Família e Sistemas de Parentesco
Ao falar sobre família, logo vem à mente, àquela que construímos socialmente em nosso pensamento. Isto quer

dizer que ainda concebemos a família como um arranjo entre pai, mãe e filho. Entretanto, vamos procurar

entender os estudos antropológicos para desconstruir essa representação social. Por Antropologia, entende-se o

estudo do desenvolvimento humano. Assim sendo, destacamos um renomado antropólogo conhecido por Claude

Lévi-Strauss que viveu entre os anos de 1908 e 2009 na França.

Este autor escreveu “As estruturas elementares de parentesco”, publicado em 1949. Diante disso, “o parentesco é

um objeto fundamental da Antropologia, próprio da sua constituição como disciplina, porque as sociedades

tribais, objeto de seu estudo, eram sociedades sem estado e se regulavam pelo parentesco” (SARTI, 1992, p. 70).

Aqui, pode-se notar que o próprio termo tribos urbanas (tratado no tópico anterior) foi angariado dos estudos

antropológicos, trazendo à tona os conceitos tratados nas sociedades tribais para o contexto das grandes

cidades. Também, é interessante notar que após as Revoluções Francesa e Industrial, o Estado já se encontrava

formado como um dispositivo para garantir a ordem social, ou seja, realizar o controle social.

Entretanto, para Lévi-Strauss (1949), as sociedades tribais se regulavam a partir das formas de parentesco.

Então, destaca-se que o parentesco “não é a mesma coisa que a família” (SARTI, 1992, p. 70). Para o melhor

entendimento do estudante, pode-se descrever que o parentesco e família consiste no “nascimento,

acasalamento e morte”, porém a distinção entre as duas terminologias consiste em atribuir a família como um

“grupo social concreto” e o parentesco como uma “abstração” (SARTI, 1992, p. 70). Sendo assim, pode-se dizer,

de acordo com Sarti (1992, p.71) que o sistemas de parentesco é o resultado das seguintes relações:

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5.1 O tabu do incesto

A partir dos estudos sobre o parentesco, Lévi-Strauss questiona o motivo pelo qual o incesto – relações sexuais

entre parentes próximos – é uma proibição em praticamente todas as sociedades. Para ele, o impedimento das

relações entre parentes tem um motivo fundamental para as relações humanas: o estabelecimento de alianças

entre famílias. Isto é, o pai ou o irmão entrega a mulher para outro homem com o propósito de estabelecer uma

união para fora da família. Ou seja, o tabu do incesto seria algo construído culturalmente para legitimar os

laços de afinidades entre as famílias e fortalecer o princípio básico da humanidade que estaria fundamentado

na “troca e reciprocidade”, conforme exposto por Marcel Mauss, no manuscrito “Ensaio sobre a dádiva” (1925).

De acordo com Sarti (1992, p. 73)

A constituição da família como fato cultural pressupõe a existência prévia de dois grupos que se

casam fora de seu próprio grupo, dois grupos exógamos. Isso significa o reconhecimento de que o

parentesco envolve relações além da relação de consanguinidade, ou seja, relações de aliança

também, de afinidade.

Para o conhecimento do estudante, salienta-se que Marcel Mauss é sobrinho de Émile Durkheim – cujo

pensamento foi tratado no tópico 2 desta unidade – e é considerado o pai da Antropologia. Para esse autor, o

tabu do incesto consiste em uma forma de organização social, introduzindo a comunicação com outra família

através do casamento. Para Sarti (1992, pg. 73)

Nos estudos antropológicos, as alianças estabelecidas entre tribos ou famílias como um dos

fundamentos da humanidade possui como principal objetivo esquivar dos embates entre as tribos ou

famílias. Por isso, que o tabu do incesto possibilita a construção das relações sociais para garantir a

comunicação entre os homens.

Com a impossibilidade de manter relações sexuais entre os parentes próximos através do tabu do incesto, pode-

se dizer que o casamento existe para “legitimar a prole”. Isto quer dizer que o matrimônio possui a função de

fundamentar a relação que os pais mantém com os filhos, sem qualquer intenção de estabelecer a relação

homem e mulher que independe do casamento.

O desafio que nos é posto, através dos estudos antropológicos, tem a ver com os novos modelos familiares que

surgiram na pós-modernidade. Nos dias atuais, vivenciamos modelos familiares distintos daquilo que foi

imposto socialmente até o presente momento. De acordo com Cechin (2009, p. 116).

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A formalização do casamento como instância oficializante da “instituição” matrimônio pelo conceito

judiciário – no ritual da burocratização da união como forma legítima de reconhecimento social do

casal –, obriga-se a transfigurar seus desdobramentos voltados à consideração e apreciação das

diversas formas de arranjo familiar que abarcam a família “pós contemporânea” no Brasil. Tal

situação gera polêmicas e desconfortos no seio dos debates que se prestam à análise destas

transformações. Os pareceres dos estudiosos dispostos no corpo da obra se investem desde

ponderações sobre as necessidades inovadoras e flexibilizadoras da sociedade atual – na qual o texto

jurídico seria elemento modificável e acompanhante – até em juízos sobre a ideia de uma crise diante

da dissolução dos limites que compunham as bases da família pela oficialização do casamento como

institucionalização do matrimônio.

A possibilidade para a união estável e o casamento entre homens, mulheres e os mais diversos gêneros abrem

um leque de discussão em relação ao campo do Direito, da Sociologia, da Psicologia, entre outras disciplinas.

Além do mais, observa-se a adoção de filhos por esses novos modelos familiares que ainda está em debate nos

estudos contemporâneos.

é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• apreender o surgimento da Sociologia como ciência após as Revoluções Francesa e Industrial;
• compreender o significado de controle social nas sociedades tradicionais e modernas;
• assimilar o conceito de solidariedade social a partir dos pensamentos de Émile Durkheim;
• conceber o desvio e o estigma como um processo de interação entre o indivíduo e a sociedade segundo
Becker e Goffman, respectivamente;
• constatar como a formação de grupos está intrinsecamente relacionada com a constituição de
identidades e com as tribos urbanas;
• conhecer os sistemas de parentesco e o tabu do incesto.

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