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Ufologia em Mucugê Ensaio Universidade

O documento discute a influência da ufologia na cidade de Mucugê, Bahia e como isso afetou as tradições locais. Brevemente descreve a história da cidade e os relatos de avistamentos de luzes no céu desde o século 19. Argumenta que a ufologia tentou sobrepor sua explicação de OVNIs alienígenas aos mitos e crenças locais, apagando parte da cultura tradicional.

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Ufologia em Mucugê Ensaio Universidade

O documento discute a influência da ufologia na cidade de Mucugê, Bahia e como isso afetou as tradições locais. Brevemente descreve a história da cidade e os relatos de avistamentos de luzes no céu desde o século 19. Argumenta que a ufologia tentou sobrepor sua explicação de OVNIs alienígenas aos mitos e crenças locais, apagando parte da cultura tradicional.

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UFOLOGIA EM MUCUGÊ: A INVENÇÃO DE UMA NOVA TRADIÇÃO

Maria do Rosário Maciel Santos de Freitas, Cláudia Crystianne Tavares de Araújo Souza e
José Francisco Teles∗

Resumo: O surgimento do discurso ufológico tem sido responsável pela tentativa de apagamento de
mitos e ritos em Mucugê, cidade da Chapada Diamantina na Bahia. Nosso trabalho pretende tecer
considerações a respeito da possibilidade da convivência pacífica entre o velho e o novo, entre as antigas
tradições e a ufologia. Trataremos também de relatar atos de intolerância e de desrespeito ao outro,
ações alicerçadas em discursos pseudo-científicos.

Palavras-chave: Mucugê; Ufologia; Tradição.

Neste artigo abordaremos eventos relacionados com as aparição de luzes estranhas na


cidade de Mucugê, Chapada Diamantina — Bahia. Para melhor situar o leitor, achamos
importante incluir uma breve introdução sobre a cidade, já que os relatos das aparições das luzes
se confundem com sua história.
No Guia Cultural da Chapada Diamantina, a história da fundação da cidade de Mucugê é
narrada poeticamente: “A tranqüilidade de uma área aprazível, rodeada por várias árvores
apocináceas, o mucugê, foi quebrada nas primeiras décadas do século XIX, com a descoberta de
diamantes no leito do rio de nome idêntico ao da árvore, rio Mucugê” (SCTBA,1999, p.179). O
que sucedeu foi impressionante. Apoiada no rico garimpo de diamantes, em pouco tempo
Mucugê já abrigava uma população flutuante de 12.000 pessoas, lideradas por senhores de
grandes posses vindos de Minas Gerais e Europa com suas famílias e riquezas. Pessoas de vários
locais do país e estrangeiros (árabes, judeus, franceses) misturavam-se com centenas de escravos
vindos da África, numa convivência nada pacífica. Imperava a lei do mais forte, coronéis
comandavam seus jagunços que matavam em nome do poder e da ambição por mais terras,
escravos e diamantes. Assim como o apogeu, o declínio também veio rápido. A descoberta de
grandes jazidas no sul da África, por volta de 1870, junto com a queda na produção local de
diamantes, acionou a crise em Mucugê, obrigando a região a buscar alternativas como o retorno
às atividades tradicionais: a criação de gado, o cultivo de café e cereais. Mesmo assim, a queda
foi vertiginosa:

A primeira metade do século XX trouxe uma definitiva decadência econômica


para a região, que registrou um enorme êxodo quando a população desceu a
menos de 500 habitantes nos anos 70. A solução imediata foi a exploração dos
campos de sempre-viva, planta que tem cerca de 400 variações nos campos
rupestres da região. Exportada em grandes quantidades para Europa como artigo
de decoração, chegou a estar ameaçada de extinção. Também a fauna da região
foi muito prejudicada pela caça indevida nessa época. (SCTBA, 1999, p.180).


Acadêmicos do Curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Orientador: Gildeci de Oliveira
Leite, Mestre em Letras, editor da Seara revista Virtual, professor do Campus XXIII da UNEB.
Num exemplo de maturidade, a cidade hoje abriga o Projeto Sempre-viva, mantido pela
prefeitura no Parque Municipal de Mucugê. A exploração da flora foi regulamentada pelo poder
municipal que tem procurado aliar a extração racional da planta a pesquisas tecnológicas,
estruturação do ecoturismo e geração de empregos. Entre as cidades da Chapada Diamantina,
Mucugê é também pioneira em processamento e reciclagem de lixo.
Hoje a população de Mucugê ultrapassa os treze mil habitantes. Este renascimento veio
com a agricultura e o ecoturismo. A cidade com nome de árvore divide com Lençóis as atenções
dos visitantes do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Mucugê é repleta de cachoeiras e
piscinas naturais; tem seu casario colonial preservado e restaurado. Um dos monumentos
principais da cidade é o Cemitério Santa Isabel, também conhecido como Bizantino. Alguns
mausoléus possuem decoração que imitam as igrejas da época, alguns adereços são de estilo
gótico, marcado por extremidades pontiagudas. Todo caiado de branco e incrustado numa
montanha de pedra, seu lindo visual remete à procissão do Terno de Almas, um importante rito
local, quando um grupo de pessoas vestidas na cor branca se reúne para rezar pelas almas,
durante a Semana Santa, nas igrejas e cemitério.
Neste ambiente com tal diversidade cultural, torna-se fácil imaginar a riqueza e
importância do seu imaginário traduzido em ritos e mitos com forte influência do catolicismo,
dos cultos afro, mitologia indígena e culturas orientais. Aqui, neste trabalho, utilizamos o termo
“cultural” no mesmo sentido que Marilena Chauí: como criação coletiva de representações,
valores, símbolos e práticas que determinam para essa coletividade suas formas de relação com o
espaço, o tempo, a Natureza e os outros homens, definindo o sagrado e o profano, o necessário e
o possível,o contraditório e o impossível, o justo e o injusto, o belo e o feio, o legítimo e o
ilegítimo, o “nós”e o “eles”. (CHAUÍ - 1993, p.02)
No céu de Mucugê, encontramos uma de suas particularidades especiais que se tornou o
ponto de partida para nossa pesquisa: as luzes. Há registros de relatos de aparições de luzes
estranhas no céu de Mucugê desde o início do século passado. Falam de visões de uma luz
branca ou dourada que chega em forma de bola, como uma lua cheia. As pessoas que as
avistavam ficavam assombradas, curiosas, e ainda assim associavam as visões a forças benéficas.
Para os garimpeiros, eram sinais que apontavam a localização de novas minas. O relato mais
antigo de que se tem registro é de autoria de um sertanista, conhecido por M. Freitas, que
empreendeu uma viagem à região, em 1882. Quando se aproximava de Mucugê, ele escreveu:

Pela primeira vez, confesso, fui dominado pela ambição de riqueza e debrucei-
me vencido, sobre montes de cascalho reluzente e apanhei vários diamantes de
muitos quilates. Remexi avidamente o cascalho e só despertei pelo grito
inesperado que dera o guia e que a pouca distância tremia como vara verde. Que
vira? Não sabia e não podia explicar e ali não quis ficar por mais um segundo
sequer. Mistério!
Em louca disparada ganhou a estrada tortuosa em busca do Mucugê, deixando-
me abandonado e medroso no alto da serra.
Desci a serra e cobri-lhe os passos e num apertado vale entre montanhas
alcantiladas divisei o arraial do Mucugê, a histórica povoação fundada por
garimpeiros e tropeiros e onde dormem tantas recordações do passado!
Senti o coração opresso e a alma triste: o companheiro de tantos dias e tão
longas jornadas pelo sertão afundo abandonara-me para sempre. Que teria visto
para tão feio grito?
Tive vontade de retroceder porque a terra tão falada, tão ambicionada
incomparavelmente rica, desnuda, aparecia aos meus olhos como uma tapera,
uma ameaça, um agouro!
Amparei os olhos com as mãos apoiadas sobre a testa e divisei além, muito
além, na serra azulada distante, um halo de luz multicor sempre ascendente até
desaparecer. Não compreendi aquele fenômeno e julguei uma ilusão de ótica.
(CHAGAS, 1969, p.29)

Estes acontecimentos sempre estiveram presentes na região, provocando pavor nos


desavisados, curiosidade e ambição. Alguns os viam como sinais da Mãe do Ouro, mostrando
novas jazidas. Cada um, dentro do seu imaginário, reflete nas visões sua crença, suas origens,
sua memória. Com a modernidade, os testemunhos passaram a ser principalmente de
caminhoneiros e viajantes noturnos, eventualmente algum fazendeiro. A ótica adotada passou a
ser a dos adeptos da ufologia, uma espécie de nova religião de origem incerta, com vertiginosa
penetração em todo o mundo. Para Hobsbawn (1994, p.38), é mais difícil descobrir a origem das
tradições quando elas tenham sido em parte inventadas, em parte desenvolvidas em grupos
fechados (onde é menos provável que o processo tenha sido registrado em documentos).
Assim, a Chapada Diamantina de 1970, assiste a propagação de uma nova explicação
que, sobrepondo-se a qualquer outra, tornou-se a nova palavra de ordem: as luzes seriam OVNIs
- sigla para objetos voadores não identificados - de origem alienígena. Novas explicações são
sempre bem-vindas, pois o conhecimento está em constante transformação. O que nos chama
atenção aqui é o desejo desta nova teoria em sobrepor-se aos mitos e crenças da região, sendo ela
própria mais uma crença, uma nova tradição, que chega à região propagada pela mídia. As luzes
de Mucugê são fenômenos que podem ser chamados de ovnis, pois se movimentam no céu, no
entanto determinar sua origem como alienígena é também sobrepor-se a conclusões científicas
que buscam explicar tais fenômenos com mais coerência e menos determinismo. O discurso
ufologista traz ainda constantes alusões à ingenuidade e ignorância dos antepassados. Segundo
os ufólogos, por falta de informação e cultura, os antigos não perceberam que o conjunto de fatos
e situações inexplicáveis, que foram convertidos em mitos, são na verdade contatos mal
interpretados com extraterrestres. Esta nova interpretação declara-se como científica.
Entre 1993 e 1994, este mito pós-moderno – os OVNIs alienígenas – criou tal força na
Chapada Diamantina que gerou um frisson entre os habitantes da região. Os testemunhos se
multiplicaram principalmente na Serra do Capabode, localizada nos arredores de Mucugê. Várias
foram as noites em que dezenas de pessoas se dirigiram ao local na esperança de assistir às
aparições. Um morador de Mucugê gravou em vídeo amador as luzes e, sendo portador de
cardiopatia, acabou falecendo no local, assustado com aproximação das luzes de um carro que
dava ré. Os jornais de Salvador publicaram notícias que atraíram mais e mais curiosos ao local.
As notícias foram divulgadas no telejornal da TV Bahia e, depois, pelo Jornal Nacional, da Rede
Globo, em cadeia nacional.
Assim como veio, a “onda ufológica” passou, mas imprimiu sua presença na região: o
que antes era idéia de alguns simpatizantes, tornou-se oficializado, noticiado e exaustivamente
divulgado. Em Mucugê, nos pontos de recepção ao turista, todos os guias de trilhas dão
informações sobre o tema e contam casos fantásticos com sincera veracidade. Existe uma forte
tendência a incorporar à nova crença, como se, inconscientemente, os mucujeenses buscassem
confirmar a profecia dos garimpeiros: onde as luzes são sinais que apontam agora para um novo
tipo de jazida – o turismo de observação de ovnis – que trará riquezas para toda a comunidade.
Em artigo publicado na revista National Geographic, de maio de 2003, observamos
maneiras distintas de abordagem ao tema. Na capa, uma chamada atraente: “Mucugê, a cidade
dos ÓVNIS”, induz à leitura do artigo intitulado “A noite que tentamos contato”, no qual o
jornalista Ronaldo Ribeiro não faz contato com luzes, mas escreve um belo artigo com lindas
fotos, no estilo da revista, ressaltando as belezas locais e particularidades da cultura. Mesmo
superficialmente, observamos o poder da nova tradição, pois é o apelo dela que trará os olhares
do mundo para a região, como os diamantes outrora e com eles, a riqueza. No artigo chega a ser
dissonante a queixa que um empresário local faz ao jornalista: “Depois que fizemos o hotel,
esses objetos pararam de vir para cá. Não é justo, resmunga, resignado, Pedro Ribeiro, um dos
empreendedores que, no auge do trânsito alienígena, investiu na construção de uma bela pousada
na serra do Capabode, a área de maior incidência dos OVNIs.”
Já animação e fé não faltaram no discurso do caminhoneiro Antonio Carlos, um
recordista em avistamentos, o primeiro em 1981 e o último em 2001. Ele diz ao repórter da
National Geographic: “Eu já relaxei. A luz é como um santo protetor. Acredito nela, sem saber o
que é. Quando aparece agora, peço saúde e sorte para meus dois filhos”. Tivemos oportunidade
de entrevistá-lo um ano depois destas declarações, Antonio Carlos havia sofrido um assalto, onde
perdeu seu caminhão.Ele nos fez estas declarações:

O cientista falou que eles vêm com um sinal de luz, e que lá no Capabode, perto
da torre da Telemar, tem uma base deles. Ele disse também que eu era um cara
visado, e que dava muita sorte, pois eles tinham muita força que podiam
estrangular o motor do caminhão e até me matar. É uma luz que aparece assim
do nada, me acompanha durante um tempo, e vai de um lugar pro outro numa
rapidez. Eu sempre chamava por Deus. Acho que é por isso que nunca me
fizeram nada, eu respeitava [...] Quando (ladrões) roubaram meu caminhão, me
deixaram amarrado no mato, eu pedi muito a Deus e consegui me salvar. O
cientista acha que foi a luz que me ajudou [...]. O que vocês acham que era?

O cientista a que ele se refere é um ufólogo mineiro com quem Antonio Carlos mantém
algum contato. Quando nos fez a pergunta, respondemos que não sabíamos, e ele reagiu com
desconfiança. Refletimos que, estando ele desgastado e abalado nas suas crenças originais,
necessita da crença do outro para se restabelecer.
Observamos ainda no artigo da National Geographic que há uma ressalva do jornalista,
quando escreve:

O que torna Mucugê um caso peculiar para os amantes da ufologia é o fato de


não haver nenhuma incoerência entre os inúmeros relatos. Todos os envolvidos
descrevem sempre a mesma situação luzes brancas movendo-se pelo céu. Diga-
se também que ninguém nunca se gabou de ter avistado ou contatado qualquer
criatura alienígena. (RIBEIRO, 2003, p.38).

Apenas um ano depois, num mais recente “ataque da mídia” ao tema, o noticiário da TV
Bahia exibiu uma entrevista com um morador de Mucugê que garante ter uma filha com uma
extra-terrestre. Aos poucos, elementos que não existiam no imaginário local vão sendo
introduzidos, e a atenção obtida gera um poder - divulgação - que vai se reverter em mais
atenção e mais divulgação. Talvez, em pouco tempo, não ouçamos mais relatos de caiporas,
lobisomem ou sacis. Todos estes mitos tendem a se travestir de extraterrestres. Na visão da
ufologia, é só uma questão de tempo e “educação”. Sites ufológicos na Internet divulgam idéias
como esta:

[...] assombrações, mula-sem-cabeça, Mãe D' Ouro e outros mitos folclóricos


são, na realidade, frutos de avistamentos de naves tripuladas, de sondas
extraterrestres teleguiadas ou de povos vindos de outros mundos. Interpretações
errôneas, devido à falta de conhecimento dos nossos antepassados que, sem
explicação para o que viam, criaram histórias sobrenaturais que ainda persistem
em pelo menos 95% da população rural brasileira. (UFOGENESIS, 2003)

Especialmente para o saci-pererê, os ufólogos divulgam a seguinte versão:

O estudo dos extraterrestres e seus meios de transporte, os discos voadores, é


mais abrangente do que parece,incluindo até relatos do folclore do Brasil [...]
Uma das lendas mais conhecidas do Brasil, o famoso “Saci Pererê”, é hoje
explicada pelos ufólogos como um engenho que gira igual a um redemoinho e
que aproxima-se do solo até aterrissar com um único trem de pouso ou “pé”, de
onde vem a idéia de um negrinho perneta. O tupi-guarani dá como origem da
palavra “Saci” o termo “Sátsi”, que significa “pires” ou “prato”.
(UFOGENESIS, 2003)

Observamos que este discurso pseudocientífico convence e capta adeptos entre os


estudantes e pessoas escolarizadas, enquanto impressiona muito e confunde as pessoas mais
simples.
Um dos grandes e celebrados intelectuais da região, Renato Luís Bandeira, é autor do
livro Chapada Diamantina História, Riquezas e Encantos, lançado em 1995. No capítulo II –
Riquezas – o item "O folclore, os costumes e as tradições", Bandeira finaliza o texto
reconhecendo a importância da preservação dos mitos:

Não podemos retornar ao passado, por isso o folclore, os costumes e as


tradições são tão importantes na memória de um povo que viveu com
afinco e opulência uma época muito distante, restando-nos tão somente a
lembrança deste tempo de fausto e grandeza [...](BANDEIRA,
1996,p.103)

Um ano depois, na segunda edição seu livro, Bandeira incluiu, no mesmo capítulo, um
novo texto intitulado “Ufologia na Chapada”. Aparentemente esquecido das suas conclusões
anteriores, quando enaltece a função do mito, no novo texto o autor adota para si o discurso de
adepto inconteste da Ufologia e afirma:

Esses seres de outras civilizações, que são nossos eternos hóspedes, são mais
evoluídos que nós e estão aqui no planeta Terra, não por mero acaso, e sim para
trabalhar pela nossa própria evolução, apesar de haver forte reação contrária,
causada principalmente pelo radicalismo e fanatismo de muitos, especialmente
das religiões constituídas que teimosamente não aceitam a presença dos
extraterrestres, chegando ao ponto de certas religiões detestarem estas
afirmações. Percebe-se contudo, que no dia a dia os incrédulos cedem e aos
poucos vão aderindo a esta nova visão da ufologia, que é a conexão com a
espiritualidade [...] (BANDEIRA, 1996, p.107)

Bandeira segue, estabelecendo uma hierarquia, onde só as pessoas mais evoluídas podem
compreender, que todo o aparentemente inexplicável é um “problema da ufologia”. No que se
refere aos mitos e crenças populares, ele reafirma o jargão ufológico “Com a presença dos
extraterrestres aqui na terra, esses seres foram logo confundidos com anjos, arcanjos e deuses.
Hoje estamos resgatando este passado, sendo corriqueiro os sensitivos os identificarem e, até, a
que esfera sideral pertencem.” (BANDEIRA, 1996,p.106)
E, com intento de rebater as críticas à ufologia, ele divulga as idéias de um amigo
morador de Morro do Chapéu, região da Chapada Diamantina:

[...] o estudioso e profundo conhecedor do assunto, Alonso Valdi Régis,


assertivamente define: São três os grupos de oposição: os religiosos, os
cientistas e os militares. Os religiosos, porque a presença dos extraterrestres
aqui no planeta vem destruir muitas coisas que a religião ensina a respeito da
criação do homem. Os cientistas, porque uma tecnologia superior viria
naturalmente abalar profundamente os nossos princípios também científicos. Os
militares, porque temem um poder superior a eles, o que viria trazer a
desmoralização deles, então fazem questão de ocultar o mais
possível.(BANDEIRA, 1996, p.107)

Nós ponderamos que Darwin já exerceu este papel de “destruir muitas coisas que a
religião ensina a respeito da criação do homem”. Os militares, principalmente os americanos,
beneficiam-se da crença em ET's, em muitos filmes, detectamos propaganda explícita que sugere
a necessidade de investimentos em tecnologia bélica para nos protegermos (como terráqueos) de
supostas invasões alienígenas. E a ciência não nega a existência de extraterrestres, pelo contrário,
segundo o astrônomo-diretor do Observatório Nacional, as prioridades da Astronomia são:
compreender a natureza e origens do universo e a descoberta e contato com outras civilizações.
Entre os religiosos, incluindo os ufólogos, existe uma espécie de guerra fria santa.
Adeptos do protestantismo divulgam na internet um texto chamado “Razões para não crer em
ET's”, onde teólogos especialistas na Bíblia contestam o sincretismo proposto pelos ufólogos,
alegando, entre outros motivos, que as pessoas abduzidas não recebem ensinamentos cristãos.
Neste documento, são refutadas todas as tentativas de ligação da ufologia com cristianismo e
usam a sobreposição que a ufologia faz com os mitos do imaginário, para definir ambos como
cultos demoníacos, colocando mais força ainda no desejo de apagamento das culturas populares.
É importante destacar, ainda, sobre o autor Renato Luís Bandeira (1996 p.08) que seu
livro é uma referência para estudos sobre a cultura da Chapada Diamantina; sua pesquisa é
bastante abrangente e como ele mesmo coloca, “[...] foi elaborado com o maior rigor e em estrita
observância ao que a metodologia exige.” Sendo Bandeira doutorado em Arqueologia H.C., pela
Academia Antero de Quental, SP, observamos que neste artigo sobre Ufologia que incluiu no seu
livro, ele afastou-se totalmente da metodologia científica, optando por transmitir pensamentos
religiosos peculiares, na linguagem da pseudociência, normalmente adotada pelos ufólogos.
Preocupa-nos que, ao longo de toda a discussão sobre as Luzes de Mucugê, em nenhum
momento se divulgou a visão da ciência sobre este assunto. Encontramos, no Departamento de
Física da Universidade Federal do Pará, um artigo que achamos pertinente anexar ao nosso
trabalho. Neste texto, além de obter explicações sobre o fenômeno das luzes de Mucugê,
podemos perceber o pensamento científico em ação: suas exigências, sua constante auto-
superação, a infindável curiosidade e determinação em obter respostas. Optamos por transcrevê-
lo integralmente, por entender que este acompanhamento da metodologia científica seja
imprescindível para o público leigo. Celebrando a interdisciplinaridade, entremos no reino da
física aplicada:

Existe ainda outra forma de relâmpagos que não está incluída na classificação
tradicional. São os relâmpagos de bola, também conhecidos como relâmpagos
globulares, bolas de fogo ou relâmpagos raros. No interior do Brasil, eles são
chamados de mãe do ouro e segundo a lenda, seu aparecimento indicaria a
existência desse metal no subsolo daquela região. Pouco se sabe a respeito dos
relâmpagos de bola. Eles têm tempo de duração de aproximadamente 4
segundos (em média), forma quase sempre esférica (de diâmetros entre 10 e 40
cm) e cores que variam entre branco, amarelo e azul. Têm brilho semelhante ao
de uma lâmpada fluorescente, emitem um som sibilante (som muito agudo,
como um forte assobio) e desprendem um odor forte (geralmente de enxofre),
terminando numa explosão ou desaparecendo repentinamente. Dizem que ele é
capaz de atravessar as paredes e janelas das casas e a fuselagem dos aviões.
Esses relâmpagos muitas vezes são confundidos com OVNIs ou fantasmas e até
meados do século passado eram considerados ilusão de óptica ou uma
interpretação errada de outros fenômenos naturais.
Com a publicação de artigos de alguns famosos cientistas em revistas
conceituadas, relatando suas observações sobre as bolas de fogo, a comunidade
científica teve que rever seus conceitos. Surgiram várias teorias para explicar a
sua origem. A mais recente foi divulgada em 2000, na revista britânica
Nature. Pesquisadores da Universidade de Canterbury, Nova Zelândia, afirmam
que o intenso calor gerado pela penetração de um relâmpago comum no solo
produz pequenas partículas de Silício e outros compostos. Essas partículas,
denominadas de nanoparticulas, se unem formando uma rede de filamentos e
armazenam certa energia química. Ao cessar a descarga elétrica, esses
filamentos se vaporizam e adquirem a forma de uma esfera. À medida que se
oxidam lentamente no ar, essas partículas perdem a energia armazenada e
emitem luz e calor. Tudo isso em alguns poucos milisegundos. Como a esfera se
forma apenas no fim desse processo, ou seja, da vaporização à oxidação, o
observador tem a impressão que ela se materializou no ar. Esta nova teoria
também explicaria como o relâmpago de bola é capaz de atravessar as portas e
janelas das residências sem causar danos. A rede de filamentos, sendo flexível e
movendo-se com o ar, poderia passar pelas fendas existentes nas portas e
janelas, se reorganizando do outro lado. Mas, outra particularidade deles é o
poder de atravessar objetos maciços, como paredes ou fuselagem de aviões, o
que ela não consegue explicar corretamente. Ainda assim, os estudos
prosseguem. O próximo passo deverá ser o de criar um relâmpago de bola em
laboratório, tarefa que os pesquisadores já estão tentando realizar.(UFPA, 2002)

Todo conhecimento é patrimônio cultural. Para Lotman, segundo Ferreira (1994 p.119),
somente aquilo que foi traduzido num sistema de signos pode vir a ser patrimônio da memória.
Neste sentido, o texto acima não encerra discussões, apenas tem a função de facilitar o
entendimento da ufologia como mito moderno, pois ela surge travestida de pensamento
científico. Assim podemos acomodar esta nova tradição sem contribuir para o apagamento de
antigas, principalmente as ditas "primitivas", constantemente inferiorizadas por não traduzirem
os anseios das elites. A cultura, na essência, dirige-se contra o esquecimento. “[...] o
esquecimento é um mecanismo explorado por uma instituição hegemônica, tendo em vista
excluir da tradição os elementos indesejáveis da memória coletiva.” (FERREIRA,1994 p.119 )
Que as luzes do céu de Mucugê permaneçam inspirando nossa busca de conhecimento.
Que os estudantes da região possam ter acesso a todo o conjunto de informações necessárias para
vivenciar sua cultura e realizar suas vocações. Encerramos esse artigo com uma frase do
cientista e escritor Carl Sagan cujo pensamento foi a nossa bússola nesta investigação. “Há um
tesouro científico genuíno nos OVNIs e nos raptos por alienígenas - mas tem, a meu ver, um
caráter nitidamente nativo e terrestre.” (SAGAN, 1996, p.189)
REFERÊNCIAS

BAHIA, Secretaria da Cultura e Turismo. Guia Cultural da Bahia: Chapada Diamantina.


Chapada Diamantina 1999.

BANDEIRA, Renato Luís. Chapada Diamantina - História, Riquezas e Encantos. Salvador


BA: Onavlis Editora, 1998.

Centro Apologético Cristão de Pesquisas - Razões para não crer em ETs (artigo não assinado
que relaciona extraterrestres, mitos, doutrina kardecista, e doutrina da nova era ao culto
demoníaco), disponível em: www.cacp.org.br - Acessado em 29 de agosto 2004.

CHAGAS, Américo.Requizado. São Paulo, 1969.

CHAUÍ, Marilena. Cultura e Racismo: Aula inaugural FFLCH-USP. In: Revista Princípios.São
Paulo, 1993, p 4 – 16.

FERREIRA, Jerusa Pire. Cultura é memória. In: Revista USP. São Paulo, dez/jan 1994/95
p.115 a 120.

HOBSBAWN, Eric e Ranger, Terence (org.).A Invenção das Tradições. Editora Paz e
Terra.1999.

Portal Ufo-Gênesis - Ufologia e o Folclore (artigo não assinado sobre a correspondência entre
mitos da cultura popular e extraterrestres), disponível em www.ufogenesis.com.br - Acessado em
29 de agosto 2004.

RIBEIRO, Ronaldo. A noite em que tentamos contato. In: Revista National Geographic Brasil
- maio 2003 p 34 a 41.

SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista como uma vela no
escuro. São Paulo, Companhia das Letras 1996.

Universidade Federal do Pará - Relâmpagos globulares (artigo não assinado), disponível em:
www.ufpa.br/ccen/fisica/aplicada - Acessado em 29 de agosto 2004.

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