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Lygia Clark Helio Oiticica Cartas

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c..prriJlo· by I) ÁI ...... Ed...... Eluobc,~ a..~. Cá..

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l...oNr.o Flc~rcdo: p,,{k1o dr: Silvi,,,,, Son,i"". J . • ~. I Rio dr: .l-:i""
Edi,,,.. UFRj. 199• .
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Co.oapooodtn<i. I. nulo 11. 0iÂ<i<:l. 1101'0 111 Fi,........ ~ ........
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ISBN 1S.1l0l-191 _1
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UFRj
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EDITOIlA UFRJ
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C-~. 1't.J..,_ A... Com;,o
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Ana Criwi ... z. ...... C.. lo. Lo .... F«nondo Lo.... Car"';JO, /\,,, F,,, SiI.I_ s.n,"'''
... ..... .. .., ..... .. ..
Uni""..Mladc Fdt",J do Rio de Ja<t<lro
,,""III dr: Cilr.ci.o. c..1,,,,,, Ht!lio cra o lado de fora de uma luva, a ligação com
Edi,,, .. UFRj o mundo c.-terior. Eu, a pane de dentro. N6J dois
.o.•• I'u, ... ,. 2S(lJ..!.o 101
CliJlimoJ a panir do momento em que h~ uma
lU. de j ....i"' . CEP, 2U" .~
T.ldOJll2n· ,~", 124 a ln mio que calce a luy:;J.,

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F..: (0211 ~H-la99
E...iI: ....,on@fonu", ..,I;Jbt
Apoio od.. "-"' _ _ LJli" Cl4rlr, 1986
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->

SUMÁRIO

Prcfkio II

Introduç5o 15
Meu querido. 19. 1. 1964 17
Queridwima.l.2./964 21
Meu muilO querido. 6.2. 1964 25
Meu querido. """'a 29
Meu querido, s1Jlltll 33
Meu aro I-Il:lio. 21.9. /968. 36
Lygia querida. 15. lO. /968
urlJ.Simo HiliCaeuG~rio, 26.10. 1968
"I
56
Lygia qucrid.1. 8. /J .J968 65
Meu querido Hilio. 14. 11. /968 79
Querido I-Imo, 14. /1 . 1968 80
Lygia qucridi, 24. J2. 1968 88
Lygia meu amor, 18,4.1969 9"
Lygia. 18.4.1969 97
Lygia, 7.6.1969 100
Caro Hilio, 10 .6. 1969 /06
Lygia querida. 20.6. 1969 /08
l.ygia meu amor, 27.6.1969 118
Hilio, 9.11./969 126
PREFÁCIO
Lygla baby. 23. 12. 1969 128
Lygia. meu amor, /9.2. 1970 136
Meu querido, 23.2.J970 142
Lygia mil ~i;os. / 65. 1970 145 Outras term, outras gentes. Novas experiencias sensívds e
Meu querido. 20.5.1970 151 intelectuais no al~m·mar. Como não que,rcr. naquele mo-
Lygia, 2.8.1970 159 meMO decisivo da vida profissional, companilhar com :ami-
Meu querido! J 1.8./970 161 gos as .Knsaç6es diante do novo ~ Emoções, sonhos. aprendi-
Lygia. 19./0.1970 m zagem, deli rios. decepções • .tngúslÍas e desesperos? Viver
Meu qucrid o. 22.10.1970 111 no desloC.tmenlo pela viagem • .to sabor da instabilidade da
Meu querido, 7.2. 1971 183 :igua oceano. ~Onlem vi uma espécie de documendrio so*
Meu qu erido. 10.2. 197 / 186 bre o México. Tem*$C a impressão de que ~ um povo sempre
Meu querido. I1data /89
debruçado sobre seu passado. Essa vitalidade brasileira pura,
M eu qucrido,3/.3.J97/ ingênua e maliciosa sem passado. ainda ~ o que de mais
19 1
Meu querido, 16.4.1971 im porranle temosr - constata 4'gia.
195
Lygi",14.5. /911 Como não querer receber do amigo as noticias do Brasil
191
Queridlssimo, / 7.5./91/
sob a repressão e a censura impostas pela ditadura militar. A
201
conti nuidade descontinua dos projetos dos que ficaram.
Lygia.24. 1. / 972 215
imersos nos sofrimentos por que passa a terra. Escreve H~lio
Meu querido. 6.7.1974 221
em 69: ~ h oje sou margi nal ao marginal, nao marginal aspi*
Lygia: 11.7./974 225
rando ~ pequena burguesia ou ao conformismo. o que acon*
SuIte da cam... , 10.10./974 23' tece com a maioria, mas marginal mesmo: 11. margem de rudo.
Meu querido. 6/ /. 1974 2'5 o que me d:i surpreendente liberdade de ação ... ". A liberdade
N~u 251 de ação naqueles momenlOs tem nome. Lygia o nomeia: "Ca·
r'ssimo H ~IiCaeraG~ ri o·. E acrescen ta : "do H ~lio antigo que
I

I
pensando, vi que são cúmulos de mal-entendidos, des-
ar deixei só sobrou o lado positivo e sobrou uma oulta confiançu, compttiçáo pueril. toda sone de argumento muito
M
personalidade a que dei o nome acima •
pequeno ...M.

Lygia, imersa nos acontecimentos utópicos de maio de Responde Lygia: "Caro H~lio": "Nunca tentei rebaixar
68 em Paris, nao quer ficar atr:b nas transformações por o seu trabalho pois se n50 te achasse importante n50 F..ria
que passam os imelectuais: "Pela primeira vez o existir con- nada que pudesse ajudá-lo como o tenho feito ump" que
siste numa mudança radial do mundo em vez de ser somen- pOJJo". E acrescenta: "Mas estou um poUl:;O cansada de tudo e

.
M
te uma imerpretação do mesmo Insegura do seu existir em

peço encarecidamente a você que não toquemos nunca mais
distames terras e gentes out r'dS, pede ajuda no t rap~2.io do ta/- .
em taiS assun[Os....
va: "Diga-me na próxima carta o que achas disto pois talve2. Papel , envelope. o trabalho aflito. das mãos bordando
possas me dar algo que talvez ainda não tenha percebido ... M.
letras ou batucando as teclas da máquina de escrever. Selo,
M
A saudade tem signo e mão duplos. "Meu querido pra agência de correios. A carta. Uma cançáo de exílio; uma canção
lá, "Queridfssima" pra cá - eis os cabeçalhos das cartas. A da pátria. AJjlom. 4Jf1omáo wrdt pinho! Uma busca aflitiva
saudade ~ "um sentido do coração que vem da sensualidade de conversa com o amigo. que não pode ser adiada, que não
e não da razão", j:i dizia D. Duarte no úal úmul"úro. Vai e pode aguardar o momento da volta, momento das palavras
vem, dádivas, trocas e tamb6n batidas ele freme ... vivas. r:ipid:u. bruscas. claras. A pressa cm desembucha r. "Já
Qu,mdo o nome próprio do correspondente surge sÓ lá não h:i mais o awnircomo conceilo de futuro. Tudo se passa
no alro, tamb~m surge no hori'l.Ome da amizade uma nuvem no presente, no instante do aio ... ".
cinza. Os dois amigos estão sob o signo doU águas IIIrbulentas A carta, a pressa em diur. Tambc!m a alegria. Lygia chega
da amizade. H ~ li o esd em Londres, depois de viagem a Paris, exausta a Stutlgart. De ranlo andar pela Alemanha. o p~ cres-
onde encontrara a amiga. Tinham ido juntos visitar o pintor ce ..... dois pontos. os saparos aperram. Será elefantfase? per-
argentino Le Pare, sucesso latino-americano na cobiçada gunta ela. O incOmodo pouco conta para a destronada gata
Galeria Denise Ren~e, como antes tinha sido o venezuelano borralheira. Soube que há cana para ela na Embaixada. Não
Som. Escreve H~lio: "Lygia "depois que saí da casa do Le
M
: hesita. Calça os sapams na esperança. "Você não imagina a
Pare. cheg:ua mesmo ~ conclusão de que seria impossível ter alegria que $Cnei pois uma carfa ~ sempre um pedaço da pes-
alguma ligaçáo de amizade como ames, com você. Depois,
• 03
12 • CARTAS
. . .. . . . . . . . . . . ......... .... . . .
soa t a gtntt qUt tSlã longt lê uma, duas, três vezes, lal a INTRODUÇÃO
fome: que: é a saudade: que: a genle tem dos amigos!" E se
assusta: "Acho que virei até antropófaga. Te:nho vontade de
comer IOdo mundo que amo c que se: ache: al.. ....
A ant ropofagia da amizade ganha mais apedte eom a D ecidi organi:r.ar a correspondência mantida entre Lygia
carta lida e relida. A saudade, as palavras escritas e lidas, a C larkt H~lio Oiticica entre os anosde 1964 e 1974 e publici-
pressa, a alegria - eis o contrato impUcilO nas cartas rrocadas la , por considerar que os pensamentOS e as re:f1ex6cs de:di-
por 4gia Clark c Hélio Oitidca, que vamos ler. cadas um ao outro constitue:m prova doqUe:nte: da admiração
A antropofagia da nossa admiração pelos dois artistas muilO profunda que: artistas pode:m, por vezes, nutrir uns
gan ha mais apetite com a carta lida e relida na ausênda pelos outros. Um tipo raro de: amor. portanto, e:ste: que: se:
preseme dos dois. A saudade que senti mos de Lygia e Hélio. manifesta pelo re:conhecime:nto e: solidarie:dade: à lu ta :Irtfstica
do outro, ao se:u progn::sso criativo e à intensidade de busca
A alegria de reencontr:l.-Ios hoje em nftida e reconfortan te
que cada um se determina nas questões da arte:. Pode:mos sc:nti r
letra impressa. Eis o contraIO impllcilo na kitura das catlas
neste: conjunto de: 40 cartas que: H élio Oldcica e: Lygia C lark
trocadas por Lygia e H~lio.
guardavam e: trocavam o mdhor de si para a confidência
cxclusiva ao outro.
Silll;ano Santiago Na cronologia de obras que: ambos re:alizaram, vá rias
trazem dedicatÓrias c são feitas cm home:nage:m ao oUl ro.
H élio ftt a Capa n- 4 de: Parangollem homenagem a Lygia e
intitulou-a "Clark", c:screveu inúmeros tCXtOS onde analisa
aspecros conceituais da obra de Lygia e, em uma de suas úl-
timas s~ries de obras, os chamados Topologiral rtady-made
landscapt. a peça de número 4 (1978) ~ também em home-
nagem a ela: o objelo é uma assadeira rerangu lar de cozinha
contendo areia branca e nela foi fincado um pequeno qua-
drado vermelho que se: pode mexer e deslocar.
Lygia. por sua vez, dedica a H ~ li o em 1964 duas de suas
delicadíssimas construções com caixas de fÓsforo. Escfeve
14 • CARTAIi
•;
;

Inlroduçlo
. ... . , ............ .
também cm 1964 dois textOS dedicados a Oilício:"O anista 19.1.1964
ta bomba" e"O anim., o conceito religi050 t o espaço-rcmpo".
Em 1966, o SCU Objclo sensorial inrituladoDidwgo ~ realizado
pelos dois. tal CClmo podemos ver nas ilustrações que aparecem
na capa desta edição. Uma das relações mais intensas que Mcu querido
conhecemos na arte brasileira. ,
Ciente da natureza delicada do conteúdo de muita5 dOIS
E preciso acrcver espremido e dos dois lados pois o correio
Qnas, apoiei-me no imponamc trabalho do prof. Newton para o Brasil via a~rea é carlssimo! Vi ontem uma exposição
Paulo Teixeira dos Santos, A (arta t lU (IIrIIlJ di Mdrio di de uma argentina que me lembrou muito nossas discussÓC5 a
Andraát, cnconnando ali suporte para os c rilC~rios de supres- rapeito de toda esta es~cie de arle: - ela.faz colchões listra-
sáo de trechos que pudessem expor de forma inapropriada a
dos costurados uns nos outros fazendo volumes diferentes,
intimidade de terceiros. dependurados no espaço ou na parede. Sem crítica: (não m~­
Os textOS das ca rtas passaram por um rigoroso trabalho "u). Vi uma galeria toda de afie nessa base. Penduricalhos
de revisão; procuramos mail ter o mais fielmente poss{vel o por toda parle - me lembrou muito arre popul:u ou bibelôs
material original. Fizemos correções orlogrMicas e introdu- de parede. Tão grosseira, ~s vezes, que até o problema da afie
zimos pequenas alterações de reg~ncia, concordâ ncia e pon- e do povo (comunicação) nos vem imediatamente ~ cabeça.
tuação quando julgamos imprescindlveis ~ melhor com- Vi verdadeiros "broches" pendurados pelos muros. Broches
preensão do texto. de Loja Americana. Péssimos. Isto só é válido para mim em
Sou gratÍssimo ~ minha amiga querida Heloisa Buarquc gente muito jovcm que não está de acordo com o passado e
de H ollanda pelo estimulo e encorajamento que me de- exprime seu descrédito desta maneira. Isto não vai ficar, isto
dicou para levar adiante cste projeto editorial. Sou tamb~m cu te asseguro - no fundo é a aTle burguesa por excelência
muito grato a Lucia Canedo pelo apoio e atenção que dedi- _ ou por outra : é a arte para os burgueses - vi um Paul
cou a esta publicação. Agradeço a Álvaro, Eduardo e Elisabeth BurrP que de qualquer maneira era o melhor de todos. Ele-
Clark por permitircm a publicação das canas de Lygia e a mentos naturais deua galeria (antenas, elelrola manual.
C~sat e Cláudio Oilicica pelas canas de J-I~lio. despertador, cadeira de couro ... tudo era mais expressivo do
Luciano Fjgu~j"Jo que tudo o que eslava exposto. EsIOU mais do que convencida
Nowmbro J~ 1996. sobre a crise do plano (redngulo) - Mondrian, o maior Jlc

1 6 ' CARTAS
. . . . . . . . . . . . . . ~YJfi... Clark

todos, f~z com o r~ti1ngulo o que PicOlSso fizera da figura. rioridade da r~alidade. Não sei se me expressei bem. Quero
Esgotou-o de vez. Só que pela própria I!poca a crise que voct me responda pois quero saber sua opinião pessoal a
~declanchada" por Mondrian I! mil vezes nuis sl!ria e maior res~ito dessas idéiOlS. O que existe de bom neles é que mes-

que a "declanchada" por Picasso. 11 crise de estrutura - nao mo que eles não saib:lm eles provam que há realmente a crise
estrutura formal como sempre houve mas tltrutura total - ,I! do rt:t4ngulo. De positivo. o que eles nos dão é :l nova visão
o retângulo que j;i não satisfaz como meio de expressão. Basta do objeto na vida com tod:l $U:l expressivid:lde. Só queumprt
eI~ ser colocado na parede que ele estabelece automatica- o objeto visto depois do que eles fazem é mais expressivo nele
ment~ o di;ilogo sujeitofobjelO (representação) pela sua pró- mesmo. embol'ôl mais imbu(do de sua funcionalidade que
pria posição. Este pessoa l jov~m ~St2 na m~sma relação dos atl'ôlvé$ da obra deles.
jov~ns pós-gu~rra (cujos valores Cifram por compl~to). Dai
r':llt:l por d. se vê, a transposição que vai a/lm do objçto.
nasc~ a m~u v~r o ato som~nt~ imedialO - todos te -o a 11 a f:lha compleu de metafrsic:l. Não é como nós pre-
possibilidade d~ atuar na obra, mas o seu geslO I! com leta- tendemos: revdar o alltnir no próprio momentO-:l to.
m~nte destituído d~ ex ressividade. o ~ H á um Fah:l-Ihes a nOV:l atitude ~tica (introjeção da metaffsica ou do
grupo (na AI~manha) qu~ chama de arre ao ato d~ carr~gar sentido religioso). Por conseguinte. eles não podem expressar
objeros ~ d~ os n-anspo nar. O que me interessa ai I! a coinci- um organismo "illO :lnriformal. São os [ormalist:ls que orga-
dência (mais do que coi ncidência) entre 05 que, como n6s, nium o mundo por fora :ltravés do objeto colocado
chegaram ao ato, mom~nto. como uma r~alidade viva (mas (represent:ldo) no espaço real.
s-;;;'pr~ através de ~struturOlS abstratas) ~ não do""õbjeto e Eu vou indo. Procurando um 11udio pois estou no Hord
dessa gente qu~ chegou ~ mesma conclusão (aparentem~nte) Saint-Per<: (poleiro). Vejo milhões de tetos ... é lindo.
através do objeto. por meio da dialogação sujeilO - obj~to Não me sinto só, mas as saudades são enormes.
(antiga) procurando emprestar um sentido maior ao aro. SOIOl é um amor de simpatia. Já me convidou para expor
gesto em relação ao objelo. denrro da própria vida. Acho em Arru num grupo em que panicipa também Sérgio
que ~stes transpuseram o mesmo s~ntido repr~$entalivo do Camargo. Ele começa a s~r conhecido aqui e utndt L. O prê·
espaço (que era o quadro) ao espaço da própria vida. Con- mio foi o de escultor internacional. Sortudo! Simp:hico, me
tinuam expressando algo comporto ainda no espaço ambi~nte. enconuei com de ontem. Vamos todos para Arras (16 de fe·
Dai a meu ver esra necessidade de :ldição - no fundo eles vereiro). Não vi o Agam'- não vou procur.!.-Io. é evidente.
talvez esrejam querendo org:lnizar o mundo - não no sen- Já gastei milhõcs, não sd fazer economia. A exposição de
tido de recuá-lo numa visão interior m:lS na própria exre-
18 • CARTA.
SlUlfg:lrt ser.!. di:l 4 de f~v~reiro e :linda espero confirmaç;o.
. ,.
. ~y~i.", C lark

o Frio ~ enorme - na Alemanha gelava! Leia a ca n a 1.2.1964


do M~rio e Mary4: "novo capítulo romance. Peter, cluz Frau
Wclpcr. sua mãc". Petcr deve chegar 1:1: pelo dia 16 de feverei .
roo Hoje vou jamar com S~ rgio Cama rgo na sua casa.
Ah! Janta r completO - que dclfcia - sem gastar u m ~cridfssima, recebi sua carta do dia 19 h.t algu~s dias,
fra nco! tOmo uma só reFeição por dia e 1I.s vezcs nenhuma. mas só agora live cabeça para respond~- I a: o calor aqui tira
Lembro semprc do Franz Weissman, Durmo ccdo para eco· q ualquer capacidade de se pensar nestc~ dias. Li também a d o
nomizar cigarro e comida. I! o m:l:ximo que sei fazer. Ontem M:irio; gen ial! Achei importante que você já esteja cm Paris.
conhec i um escuhor israelense qu e rrabalh a com pedras pois aí os contactos serio mais produtivos. no inkio, não só
(empilha as ditas) - não sei scu nome. I! muito con hecido. pela trogu:!. como porque 1000S ar se concentram. Estou mor-
Vi a Ceres (olho-de-boi). Aqui n ~o posso me dar ao luxo de ~ndo de saudades: você ~ realmente u~laamiga insubstitufvd,
antipaliur d~ grafa com ningu~m. Basra deixar de elogia r os uma das pouqufssimas pessoas co m quem consigo me comu-
colchões, como o ntem, pois [Odos dizem: tpatam. Jli vi que nicar. Pela sua Clna vejo que por ai continuam na febre; de .
não serei nada popular aqui. I! prtrilo aprender a fingir. Eu i~ r coisas que não ultrapassam nunca:ll pl"'.uicidadc da
sou p6sima para isso e isso ~ a cousa mais difccil que existe invenção: chocar c "inventar", nada mais! Você tcm razão
para mim . Jamais aprenduti. Me escreve: l:Ambassade du
Brbi\, Avenue Monlaigne, 45, 8 ~",c. PJris.
.. quando d iz que ainda continuam "cqmpoodp" COiS2S no es-
L~o rcal - não houve uma recriação da e5IrUIUra, mas uma
Diga ao Álvaro s que por ora não me mande o dinheiro "deslocação" para o espaço, uma mudança de suportes. Indi·
para o ca rro. A bolsa saiu. Ficarei aqu i at~ 15 de julho. Prova- cam a crise do retSngulo fi gurado do quadro mas se rrivializam
velmente volrarei de navio pois lerei que desdobrar a passa - ao cair no espaço real. sem virtualidade nenhuma. Vedava' .
gem de avião do Iramar:l1y para ir a Slungan, Berlim, elc. por exemplo. que por influencia d os seus BichoJ resolveu fa·
Escreva dpido e por Favor me de: notreias dos meus filhos . zcr esrruturas pintadas no espaço. não fal. mais d o que repetir
Abrnços a roda a sua famllia que j~ adorei como minha o que sempre Fez. no quadro. só que aqui sem vinualidade.
gente. sem Força expressiva. Eu vi o catlilogo em cores: ele usa
Beijos. dobradiças. ta l como no Bicho. e 1u vezes se aproxima d es te
C lark Formalmente. mas não &1. Mp l ~gi oM como M . Vieira.

20 • CARTA.
l-téUo Oiticic,"

I! fraqu/ssimo! E ainda apresenlado por Argan', que


chego a achar cada vez mais liredrio e menos critico. Vedova, pectiva dentro desse tipo na minha experiência! (... ) O movi-
pela pintura que fazia, jamais, estruturalmente, poderia de~ mento só tem import~ncia para criar uma dUr.!ção estrutural
sembocar numa pintura no espaço: só por influência externa da cor (cm tons de amarelo muito próximos). O interior da
e por crise na sua própria arte, em cerlO sentido superada e caixa jamais é passivo: possui uma tensáo constante .. Náo se
sem salda. Há. em verdade, um verdadeiro de~pero geral trata mais de ttr a cor para vivenciá-Ia, mas de apreendê-
co m a crise do ret:1ngulo. pois a dissolução que veio com o I;..como totalidade g:pressiva da emutuQ no espaço c no
te~ A diferença de tons náo é MdCRnvolvimenro", mas
tachismo era tambim uma maneira de descartar o sentido
fundamental da estrutura: poucos atacaram de frente o pro- várias fases da cor na sua totalidade.
blema da esrrutura. Agora. com a crise do quadro. vêem-IF A outra que estOU consrru indo i mais complexa e talvez
na conÜngêru:ja de ,omaueoio na estrutura, que fo i~ venha a ser mais monumental: são blocos que se deslocam no
mesmo sentido (dentro para fora e vice-versa).
~fraquecida e praticamente esquecida lia fase anterior, COII-
c!.u~ão: mudam de suporte e não conseguem um novo senti~ Com essas experiências sinto que chego cada vez mais ao
do estrutural. O próprio sentido de cOllsrrurividade perdeu a âmago da ~e da~. náo analiticamente mas na pura
razão de ser ao dissolverem estruturalmellte o quadro. Da/, vivência expressiV2 da obra.
agora, a insensatez das soluçócs com que se procura resolver Imagine que o MAM de Ncw York escreveu para Mário
o u apresentar 1I0VOS problemas, e a n/da par.! o espaço da oferecendo uma grande exposição de Albcrs (itinerante) que:
maneira mais irr.!cional passIveI. já est:lna Ve:nezuda e não há ninguim aqui (Rio e Sáo Paulo)
Paciência! Terá que ser assim mesmo. Acho perfeita a sua que queira aceitar e expô-lo. Seria só a despesa, dividida ao
maneira de colocar o problema (0110 imediato . etc.) em rela- meio. do frete, o que i pouqufssimo. Pelo visto passará por
ção a todo este tipo de arte, principalmente no que se refere ~ aqui só de avião, rumo à Argentina!
carência d e estrutura, à renovação da esltutura, em úhima Estive este mês na Praia da. Rasa com César l , Robcna e
análise ~ incapacidade de criação de um grande estilo da ipoca. Mary. No carnaval ficarei aqui, pois não resisto a esta festa:
Que tal o Soto~ Fale-me mais sobre ele; tenho a impressão adoro-a. M:irio. Mary. César e Roberta vão por esses dias para
de que é muito inteligente. a Praia da Rasa e s6 voltam depois do carnaval. Jean fez anos
Meu trabalho continua (meio lento ainda); fiz uma nova e comemoramos na casa do Mário (nós e mais Pape e Lygia
caixa que já considero a melhor. pois abre uma nova pers- Pape). Pui várias VC'ZCS lo casa do Raimundo, mas não tenho
visto Nancy. Acho que os verei no dia 6 (quinta-feira) no
22 • C"'I'ITAS
lIillo Oitl<;lc ..

ensaio final da Mangueira: iremos todos numa verdadeira Paris, 62. /964
caravana de carros. Willys e Barsotli vieram aqui e me
arrancaram ~ força uma obra para a tal exposição na tal galeria
em São Paulo. S6 aceitei porque vão figurar nela voc~, Amllcar,
Volpi; j~ rifaram o Cordeiro' de vez. Pelo vislO continuam Meu muiro querido.
brigas e intrigas da pior esptcie em São Paulo. (... )
Álvaro cst~ cm Petr6polis; logo que chegar darei a de o Chegando hoje de Stullgart, fui direto ~ Embaixada
seu recado a respeito do dinheiro do carro. Parece que por l~ (exausta - meu pé cresceu j~ uns dois pontos - seri de-
vai tudo bem. Não consigo encontra r Eduardo em casa. S6nia fantfase?) para buscar uma carra que havia chegado para
me disse que ele vai bem (você j:.f escreveu para ela~). mim - Era a sua! Valeu todo o meu Qnsaço pois cheguei
Não se preocupe com ° tipo de relação que você criaroi af,
pisando como uma velha de 80 anos... Você nem imagina a
alegria ue senti is uma carta é sempre um~ço da~
ou se fingem ou não; tenha certeza. de que o que vale é a inte-
ligência e autenticidade. Fingir sempre fingem: inau ten ti-
soa, c a gente que está longe lê uma uas três vezes tal a
cidade existe cm todo lugar; mas, a meu ver, semp re há
fome . que é a saudade, que a gente tem dos amigos! Acho que
lugar para gente séria e autêntica. I! cbro que não prccisacl.
virei até antro ófa . Tenho vontade de comrr todo mundo
por isso, critica r ° que não lhe agrada. O melhor e mais signi-
que amo e que se ache aI... coitado do Peter quando chegar!
ficativo t calar-se.
Bom. vamos moderar esta voracidade senão... bem passarei o
Vamos ver o que resultará da exposiçáo em S(U([gan. Que
reslo da minha vida na cadeia como Genet, como devoradora
surpresa chata a do Max Iknse lO !
A bolsa veio bem na hora. Até julho você (erá muito de machos (o meu signo é escorpilio. lembra-sc?).
tempo para se enrrosar e obter ótimos resultados no que Fui de trem para o wrnuJagr. Frau Walter e Hrrr Bense
você quer. pode I'er ceneza disso. me esc~eram dizendo que, Ir ru quiuJSr montar a exposi-
Escreva-me mais; estou ansioso por saber novidades dai ção, eu deveria chegar na véspera ~ tarde ou no dia 4 de ma-
e o que vai acontecendo com você. Dê um abraço no Peler nhã. Achei que nlio daria tempo para granda arrumações e
quando ele chegar e para você mil beijos do seu amigo n' I. escrevi que ronfialNl na Frau 'Walter para monr~-Ia sozin ha.
Hélio Diz o dilado que a gente deve confiar drJconjiantÚJ, o que eu
na minha burrice Jila Lacerda, que você já conhece, náo fjz.

2 4 ' CARTAS
· . . . . . . . . ~y,~ÔI Cla rk

Ah! Nunca mais! Pois ao ch~gar M vi os Bichol quas~ lodos cxceção mexiam sem par:u nos Bicho!. Foi lindo! Matem~ti­
d(ptnduradol pda sala por meio de fios de nylon, como os cos, arquit~[os, encantadfuimos com a exposição (que foi a
m6biles de Calder! ... Eslava aalllta pois não havia dormido mais merdffera feita por mim ~m toda a minha vida). Não
desde a véspera e havia viajado durante oito horaJ até Já. Evi- me deram o $:Ilao grande, pois houve qualquer cousa enrre o
dentemente prO[eslei imediatamente e, sob grandes proles- reitor e o H(rr Bense. d~ modo que a exposi~o foi muito
tos do H(rr Bense e, posleriormente, da Frau Walter (que foi incompl~ta (p~rto da do MAM). Bases diminutas e os Bicho!
chamada pelo Bense para que me impedisse d~ retirar os Bi- pareciam pousados num pé só como as aves .f.ne~. Botei tudo
chol pendurados), peguei uma u:soura e rortú lodos os n,'olll no chao com raras exceçócs pois salvei ainda, improvisando,
do teto. Um Casulo que o Bensc não qu~ ri a que ficaue na algumas bases. Niio expuseram as fotos (caríuimas) das Ar-
parede, eu o ptnduui, e o gra nde Contra-ra(1IO que era na quittturat fo ntdstical, nem os Abrigos nem a ema, tampouco
diagonal (eles o haviam poStOsob a fo rma de quadrado), eu o o Caminhando - faha de espaço. Foi televisionada. muitos
fiz pendurar certo. O argum~nto do Bense ~ra: "Esl'1lão bo- rej>Ón eres, criticas e in telectuais. Mais de dez. pessoas me
nito! Deixe desra maneira!" (...) p';rgumando o preço O I~ I~! ... B~nse acha que v~nd~rei
Não é preciso d ize r qu~ foi criado um clima de gu~tra ao m~no,s uns Ires trabalhos.lRpois fomo,s comer jumo,s num
aberta. Fui d(lirada, diue palavras horrlveis (longe do H(rr e restaurante. Ninguém quem sair da exposil?o - c:stlva repleu-
da Frau), mas com eles eu expl iquei que isto desvirtuava e foi preciso o Bense apagar as luzes trâ vezes. 1$[0 também
totalmente o meu trabalho e que eu não podia de maneira foi lindo ... nesra hora t:u j~ eslava [anta, assentada numa base,
nenhuma fazer concessão desta ordem. Pois bem, na hora do pronta para funcionar como os Bichos tal a minha cxaustao!
wrnissagt, eu quas~ desmaiada de fome, exaustão e nervosia, Me bo taram num canto do ccstaurante ~ mandaram vir um
pedi a um brasileiro que me traduzisse o que Htrr Bense esta- tão grande praIa de lentilhas e salsichas que, apesar da
va dizendo - começou ele dizendo que quando eu ch~guei associação de id~ias horrlvel de que estava co m ~ndo num bidê,
eu desarrumei todo o seu arranjo, que a responS:l.bilidade do devorei tudo como uma selvagem. (... ) Nt:sta hora os animas
alUaI era 56 minha e que ele t(f}( que respeitar a minha opi- estavam ótÍmos, o Htrr B~nse, entusiasmado com o sucesso
nião de que a impordncia da minha exposi~o era a da parti- da cxposiç5o. Frau Waht:r, id~m, t: riram muilO, quando
cipação do esp~cl ...dor, ~IC., etc. Todo mundo morreu de rir e admoestei o Bcnse, dizendo que na pr6xima vez que ele se
quando ele acabou de falar foi um sucesso 101'al - lodos sem propusesse a meatluarqut: o fizesse em francâ, pois assim cu
l
26 • C ... ~T"'$
· . . . . . . . . . • . . . . . . . ~Yfrl.ó11 Chrk

teria chance de revidar à ahura. No dia seguinte, a rrau me


convidou para almoçar(h~z ~"~e o ambiente foi francamente sldata
6timo. O Bense escreveu um artigo sobre Lygia Clark e
Gertrude Stein - diz ele que v;!.i me mandar - e vai escrever
outrO sobre a minha obra para uma 6tima revista alemã. Pediu
que eu expusesse (para o ano) na galeria de um amigo seu que Meu querido.
é imporrantíssimo pois tem a melhor publicação de arte na
Alemanha. Ficou radiante qu;!.ndo disse que, quando eu lPara receber a sua carta foi preciso a ajuda do Carlinh05
voltasse para o Brasil, deixaria com ele em Sumgan uns seis de Oliveiral I e de um seu amigo, pois a cana era registrada e,
Bichos empresrados. Dei-lhe um CaJulo que ele escolheu e como não me encontraram em casa, tive que ir até o correio,
para a filha da Frau Walrer uma maquete, pois eu gOStO dessa e como o nome da mesma era Lygia Clark. n.ão podia pro/Jllr
Fraw. O cadlogo ficou bem bonito-vou mandarodo Mário sereu a mesma pessoa, pois os meus documentos são em nome
e guardo um para você.( ... ) Vou terminar aqui pois a carta de Lygia Pimmtd Lim...
esd enorme. Telefone a Soninha (gOStO pra burro dela), diga- Por favor, nunca mais me mande ca rta registrada pois dá
lhe que já escrevi a ela sim, mas que a carta saiu t.ão triste e um bocado de complicações ... O Álvaro fez a mesma burricç
repelente que rasguei - vou amanhã mesmo lhe escrever e o que me valeu foi que ambas chegaram ao mesmo tempo e
outra. Que ela n.ão fique triste ou zangada. porque eu escrevi, o trabalho foi um só. O Peter chegou, um verdadeiro mari-
isto eu juro! nheiro, com as mãos calejadas e renegando a viagem, pois,
Mil abraços para os nossos - (que incluem os seus). diz ele. é durfssima. Vai passar algum tempo aqui e depois id
Milhões de beijos Inlbalharem Hanovcr para g;!.nhardinheiro. Soube pelo Mário
Lygia Clark da su;!. participação no arranjo da M;!.ngueira e fiquei muito
r.s. Diga ao Eduardo que eu escrevi para ele dilas carlfa contente, pois um trnbalho em conju nto com Amflcar l1 e
e ele não me respondeu aindõl, (... 1. Jackson 13 deve ser sempre inu:ressante, principalmente levan-
Diga a Ana que vou responder am;!.nh.ã a sua carra. do em conta que o seu trab;!.lho saiu pda vida. O trabalho de
Adorei! S~rgio Camargo é realmente interessante, pois de mudou
muito e a expressão ~ bastante cristalina, o que sempre foi um
ótimo sinal para mim, no reconhecimento de uma exp ress~o
............ . . . . . . . . . .
válida. Quan(O ao SotO, estou comqanJo a mudar em relação aqui o tempo nettsdrio. Ainda vou procuna r OUlras pascas:
ao que ele faz, pois o vi tocando guitarra e percebi que todo o Vieira da Silva 2L , Mangnclli lJ , Arpu, talvez mesmo o
seu problema ~ lempo (vibração). Não sei se ele ~ inteligente Seuphor4. Ainda não estive com o RcslanyU, o que farei em
ou não; sei que é basunre esquisitão. Ora é amabiUssimo, ora breve. Por favor, vá a minha casa. pegue, cm ; Iguns bons catá·
é fugidio. O movimento aqui também anda muito fnaco. Ain· logos do Museu. artigos do Mário tnaduzidos cm francês e
da nao vi nada de novo inreressanle; talvez os verdadeiros inglh e me mande regiurado mas com o nome de Lygia
anisou continuem dentro de suas tocas trabalhando e só sai· Pimtnul Li"I. Diga ao Mário que cu não Posso dar a Denise
râo à luz do dia mais tarde. O conjunlo de artistas da Denise Renée o seu último anigo sobre a minha obra, pois cu não
Rcn~el4 ~ bonito, mas fraco como individualidade. Agam, rcnho versão em inglês nem em fran cês ... O frio está co.
Soro ainda sao os melhores. Outros como Shofer lS , Lc Parc L', meçando a melhorar, graças a Deus, e ontem, como hoje,
elC., elc. são muito fracos, trabalhos que só se valorizam co mo fez um dia primaveril.
conjun to expressivo na base da adição mas que, individual· Vi omem uma mOSlra de arte ~ m u não era grande
mente, são v:tzilssimos. Em Arras, onde es tive expondo, era a cousa. Comi nuo adorando a aDe kmçr, para mim a maio r de
mesma cousa. VassarelyL7, chatérrimo, Pilei idem. Gusman todos os [cmpos ... O Carlinhos de Oliveira está escrevendo
bastante fraco, Marra panlt idem, Cruz DiaL' a mesma dro· um romance ... conta ao Mário, pois eu fiquei radiame. Está
~ Blo\rn, sem comen tário, um oUl ro veneZllelano bem se encontrando cm Paris, que lindo! Peça ao Mário o telefone
melhor, embora ultradadalJta. Os melhores mesmo eram o do Resrany para mim, pois não há no catálogo.
Soro, o Sérgio e eu. Fui com o r e[erVerO teatro de 10nesco:A ~ velhas francesas são execráveis, pois usam sapatos lao
cantora car«a, ótima, eA lirão, péssima. Sal vomitando pelas descomunais que voei tem a impressão que .andam cal das
ruas pois a impressão que eu tive da Lição foi a mesma que com bidés ... enquanto que as alemãs andam com verdadeiros
ver um sujeiro bater uma punheta na minha Erente ... l! um urinóis na cabeça. Que r:.lça miserável ... deviam ser todas
3[0 sexual docnlio, frustrado na essência. Vi um filme chamado metralhadas, sem dó nem piedade. Tenho lido cada sonho
O cardeal que detestei tamb~m. Três horas de chateação cm incr{vel- me vi abrindo o chauJfog~e tirando de dentro um
que a gente sai com a bunda dorda. Eu lerei paci~ncia de ficar bolo, achando que eu o havia queimado com excesso de calor,
aqui, embora ache que o resultado não ser:i muito grande ~m c qual não foi minha surpresa. quando vi que elecsrava Ótimo
tio curJO prou de t~mpo. Para Y.l.ler mesmo, o negócio é morar e também que, de denuo dele. saiu uma galinha viva qye

30 . CARU••
."
. ~y~I... Clark . .. . ....... , . ........ ......
rapidamente peguei pelo pescoço ... em seguida salram milhões PariJ
de pintinhos vivos, em tal quantidade que encheu roda uma IIJola
praça pública: isto eu ,,; de uma janela do alro de um prédio.
Outro: vi um bebê dependurado num galho de árvore, dentro
de uma trouxa de roupa. lirei-o achando que ele (jtava com
medo e abandonado, mas ele estava quentinho, dormindo
l Meu querido:

no bem-bom ... Evidentemente era eu aqui, muito melhor Acabo de conhecer o Museu do Homém - se eu tivesse
do que imagino; e o outro foi depois da enlrevista com a uma chance na vida e me perguntassem o que eu veria (SÓ
Denise Renée, que eu havia pensado eSlar toda errada ... uma eowa), diria sem hesitar que era o [ai museu. I! a cousa
Quer dizer que a gente é muito mais intdigeOle por denlro mais impressionante que já vi. Mesmo a pintura primitiva:
que por fora. Que consolo! C imabue e Cclelto, os meus prediletos, não substituiria e
Meu amor, me escreva sempre, pois te adoro e acho você seriam mesmo poSlOS de lado diante desta escolha. O que
cada vr:z. mais importllnlt dentro da sua obra. Gostei imen- mais me maravilhou (por Deus!) foi a forma [otêmica absolu-
samente do desenho da nova caixa, você está cada vez mais tamente integrada cm vasos, bancos, pratos, etc., etc., sem
fundo no problema. Conte mais, eOOle tudo! Mil beijos, perder sua força absoluta, sem cair em estilizações e Jempre
mil beijos. formando uma identidade expressiva e profunda na parte for-
C lark mal, funcional e visual. Você quando vê, não se contenta em
o lha r. Você procura quase ";,,enciar o achado espetaeular do
desenvolvimento da fusão do totem e da forma-vaso, forma -
prato, forma -banco, etc. I! a meu ver um problema arquite-
tÔnico. Da arquiretura boa (de dentro pra fora) e não da ou-
Ira, a de Oscar Niemeyer que para mim cada vez fica mais
fraca e ligeira (estilismo). Sal do museu absolutamtnJe
convencida de que a escultura é moiorque a pintura. Quanto
~ arte popular, elas Iodas têm cousas em comum.

3 2 ' CARTAS
· . . . . . . .. . . . .

De I~, fomos ao Museu da Guiné que é uma mal'1lvilha. nã.o é absolutamente de figul'1lç3o. Mondrian é o maior pois
Diferente do que vimos na arte peruana ou aSleca. a arabesco
fOI ele que chegou ~ falta completa do sentido da figuração.
l ... ] e a transcendência das figuras "figées" são de uma beleza A volta [... ] ~ maléria org5nica provém deste impacto. a
que até d6i ... a.llEJc.mer (asi~tica)! Hoje foi o dia da viagem
t~pO .é o noyo vetor da eXPressão do artista. Não o ;em;;-
que mais adorei por estas duas visitas. mec5ntco, é claro, mas o lempo vivência que traz uma
Vi o Dubdfut através de milhõc:s de esculturas magis-
t;.. ~tcutura viva em si. Sinceramente eu tenho certeu de que os
trais ... O vi ~ssoalmenle (oba) pintar e francamente é horrl- Bicho! são isco, sem modéstia e sem exageros. O teu trabalho
vel!!! idem. Quanto ao rura, 56 Deus sabe... Não vimos aqui nada
A arte defendida pelo Restany é :ute mona : sempre me d~ que lembre ou se com pare ao nosso trabalho. [... ] Mortenser
a sensação da pr6 pria morre: do objeto. do bric-à-brac cheio ainda denno do que o Arp inventou.
de vivências de afetividades obscuras e nojentas! A arte, o Escivemos com o Acp que é um tipo formidável. Adorou
Monenser ou Vassalery mortos também, j:i dentro de uma os Bicho! e até queria com pra r um e me recomendou para
outra espécie de academidsmo. Ball.i (~a l eria de Arre Moderna) em seu nome para dizer que
A crise é geral c terrível. Você vê todos em busca de uma haVia Vl510 a cousa abslrala mais bela que ele já havia visto!
originalidade pela originalidade ... matérias orgânias chei- Conhecemos o Seuphor. Tipo fabu loso que está denrro
rando mal (quase) fetais sem o mlnimo sem ido de síntese ou de uma posição (arte consrculiva) e a defende até com os
transposiç3o. Absoluramenle é uma outra espécie de natu- dentes. Também adorou os Bichos!
ralismo, de péssima qualidade - não' arude jeilo nenhum. Farei para o ano uma exposição individual aqui cm Paris
a abstrato também não se mantém mais. na galeria do filho do Michel Seu phor, Galerie [... }. Acho
Se o homem não conseguir uma nova exprc:s.são dentro de que agora lerd mais chance. De New York fui convidada a
uma nova ética ele estará perdido. A forma j:i foi esgolada em fazer lima individual também. Com a do Max Bense, serão
lodos os sentidos. a plano j:i não interessa em absoluto - o rr6;! Achei o alumfnio mais fAbuloso possfvc:1! 99,99 de pureza!
que resta? Novas c:struturas a descobrir. t. a carência de nossa Você vai ver. Iremos daqui a Amsterdam e chegaremos ar l ~
época. Estrutun.s que co rrespondam absolutamente a novas ~ I o dia 29 ou 30 deste.
necessidades de o artista se expressar. Arte agora é arte de Mil abraços
culhÓ(s. Quem não os tiver está por fora - o problema j~ Lygia C lark

3 4 ' CA"'TA S · 35
figura da maior projeção aqui na Europa e a mesma galeria
Lygia Cltlflt.
rrhelen) já pediu exclusividade para toda a Alemanha.
14, Rue Casrini. Paris, 14 jml.
21.9.1968
I! para essa galeria que quero te indicar pois estar:ls muito
bem represenrado 1;1., depois de Londru. Para lua preciso de
,I Meu caro Hélio,
material fotográfico, s/ides, etc. pois devo ir para a Alemanha
em fins de outubro: :lo exposição ser;i em princfpio de
novembro. O Givaudan vai começar por faur múltiplos do
Custei muito a te escrever por v:irios mOlivos, mas aqui es-
Bir/H) de bolso e também espet:lculos das roupas na rua (idéia
tou eu, como sempre, com muitas saudades suas. Comecei j:í
( dele). Depois fad mais coisas ... Sugeri ao Jean Clay de fazer
a nabalharcarando pedras nas ruas, pois dinheiro não h;l. para
um Rhobo l~ especial sobre você. Ele alegou. que tinha pouco
comprar material! Uso lUdo que me cai nas mãos, como sa- material para isso. Mande para de ou para mim o mesmo,
cos vazios de bat:uas, cebolas, pl;l.sticos que envolvem roup.as pois ~ imponantíssimo um número nessa revista. O meti está
que vêm do tintureiro, e ainda luvas de pl;l.stico que uso para muito atrasado pois as trnduções do meu livro ficaram p~s­
pintar os cabelos! J:í fiz alguma coisa interessante, como um simas... Estou fazendo com o Jean Clay lUdo de novo. Ele
capacete feito de capa de um disco que tinha aqui, com duas esd. fora de Paris, parece que na Argentina. Se de for ar não
luvas que saem diretamente da cabeça. Tem um pl:l.srico sen- deixe de lhe dar bastante material par:!. o seu número. C.. )
sorial que você, depois de meter as m:ios nas luvas e o capace- Aqui estou eu como sempre, prOll1'3 a faur por voei: tudo
te na cabeça ficando com as mesmas ligadas à cabeça, você o que for possível como sei que farias o mesmo por mim. Co-
(oca na altura dos olhos esse plástico cheio de ar. Fiz também nheci dois gr.llndes dementas da Exploding Galaxy: Miky
\ duas luvas de pl:i.slico coladas por um dedo e você vive a mão Chapman e Edward Pope. Ainda lião conheci Medalla17 , Mas
conhecendo o seu trabalho como conheço e ainda ludo o que
como uma toralidade:. Fiz também um pMstico ultra-erórico
com um pano de guarda-chuva velho, prelO, o que d;l. um ele pensa, creio que são as três personalidades de maior im-
enorme mistério e é mais erótico que todos os OUltos. portância por aqui. Ontem vi uma espécie de documentário
Ontem o Argan me telefonou, pedindo para vir aqui pois, sobre o México. Tem-se a impressáo de que ~ um povo sem-

diz de, quer comprar coisas ... Fiz um bom connalo com uma pre debruçado sobre o seu pasgdo. Eua vitalidade brasi-

galeria na Alemanha que tem por trás o Dr. Kulterman que é leirn pUr.ll, ingênua e maliciosa, sem passado, ainda ~ o ue de

."
· ..-

o
l_:::-=~-~------:-------m'i:,~i,:i~m~po~,~,~,"~,~,~,~,~m~o~,~! mexicano Icm uma expressão ultra*
dia no banho, vendo a minha "cesariana", tomei consciência
dram~tica c rõda festa que fazem são verdadeiros psicodramas
de que foi preciso fa'l.C r a Roupa-corpo cesariana para fa'l.er cm
cm que a morte é sempre o mala continuo. Talvez o film~-'
seguida a minha ... Acho que sou a mulhe~ mais maluca
fosse sofisticado pois foi fcilO por um jovem (ranch. ~
cada va mais convencida de que o ruturO pertenCe:lo um povo do universo, amém.
tubdcscnvolvido. A absoluta ausência de sentido do povo Vou comprar para mim uma pistol:a de gás para poder
aqui é no[~vel. Fora o Fmnu Soir que é o maior jornaleco sai r de noite sozinha pois as mulheres aqu~ são 2t2cadas por
daqui e que lembra um pouco os n05SOS jornais populares. o tarados sexuais 20S momes. Se a gente tivesse certeza de sair
resto é silêncio. Televisão chatérri ma, 56 é boa para aprender da aventura com vida talvCt. não fosse tão dramático pois...
geografia, o que ando f.tundo. "guerra é guerra", como di'l.ia a velhinha na anedota. Por falar
Faha um Chacrinha, uma Dc:rcy c: um C:olSamCnlO na TV. em piadas, lá vio duas: Uma va mpil'2 falando para sua filha :
O fri o j:l começa c estou toda enrolada cm xales c cobcn ores. _ Torna a sopa clpido filhinha, senão coagula ... Outl'2: Num
Imagine no inverno ... Eduardo perdeu ou vendeu, sei U, o velório de um anão, o grupo que estava lá saiu pcla lerceira
sobretudo do seu pai, que ffi:l çada! Quando viera a Londres
'Ia para toma r um caf~ num boleco 30 lado. En tl'2 o vigia do
vou arranjar dinheiro para comprares um I:i que ~ mais bara-
velório e di'l.: - I! essa a última 'Ia que vocês saem da sala,
to do que no Brasil ou aqui na França, onde melo ~ c:arfssimo!
pois pcla terceira 'Ia tirei o anão da boca do gato ... Terrlveis,
Imagine que tive que ir num dentiSl'a, c:scultor frustrado que
nlio é? Vi um grande filme húngaro: Loougrer k bLanr. Qua-
me pediu a bagatela de mil dólares para consertar 2 minha
articul:açáo que está toda fora de circuito. I! um louco varri- se: um documentário, seco, lerrlvel e bellssimo!
do. querendo me colocar três jaqueras sem precisar, por pura Ontem fui a um cinema com a Giselda (...) O Mário me
estétic:a, querendo fa'l.er lu minhas custas um cheufd'oru,,"... e.
paga esse abacaxi que ele me botou pela proa. chatérrima
Já sa rei da Relada nervosa. Também tanta coisa acontece ao c além do mais burra pra valer. Enfim, nas horas amargas
mesmo tempo: morte do velho Alulsiou , fiquei vilíva alegre. de falta de companhia lotai eis-me aqui chupando as últimas
invasão da T. pelos PUtOS dos russos e ainda o meu balão da jabuticabas de um prato va'l.io onde sobraram as mais mixas
Bienal explode! e podres.
Ainda me considero com muita sone de ter tido Ião Continuo soúnha e parece que para sempre. Isso não
pouca coisa depois deS52 opcl'2ção monstro que aI fi'l. . Ouu o me deprime em nada. Por outro lado estou usufruindo nurra
3 8 ' C ARTAS
•••
,
,

. .. . .. . . . .. .
grande alegria Ioda essa liberdade, longe de problemas de Rio. 15./0.1968
filhos, desse: ambiente daI que lIs vezes vira alé sufocanle.
Já bati queixo aqui por crise, anglístia, mas sempre lúcida
para saber que ar bateria da mesma maneira e que sou uma
pessoa fundamentalmente só c [crd que me agikmar sozi- Lygia querida,
nha. Estou começando a amarrar coisas c tive: muita crise
quando conheci o terceiro membro da Exploding que se: lR..ecebi sua carra e adorei, até que enfim! Naquele dia fui lá
chama Eduardo - misto de homem c bicho. Tudo cheira, mas cheguei como sempre atrasado (não sei o que não filço
prova, lambe c de lima sensibilidade tão aguda que me boIOU com alraso hoje cm dia, a não ser meu pr6prio trabalho, mes-
IOda de amenas para fora de mim mesma, em relação a sua mo assim quando aparece lodo mundo já passou por cima,
presença. Me arrebentou Ioda por dCllfro mas eis-me como se é que isso seja possrvel). E Veneza, já julgaram~ Estou
sem pre me recompondo, me amarn.ndo ji de o utra ma- torcendo muilo por vod.
neira com outras aberturas. ~ i deflorada na alma mas o cor- I loje resolvi escrever pois estou livre: deirado c Il:ndo, de-
~continuou virgem. MuilO baeana voec saber que pode ser pois de emba lar semana passada 18 caixotóes e 22 volumes
jogada nessa ahura da vida para o espaço embora caindo na para Londres, para uma exposição que é eternamente adiada
terra abra um terrível rombo e o viva um pouco como um e creio que nem vai sair - cm todo C3SO as coisas vão I: eu
abismo sem fundo. Foi graças a isso lUdo que pude recome- também: se n50 arranjar com o lIamaraty a passagem vou
çar a trabalhar pois tive uma enorme e profunda necessidade de ca rgueiro (cem dólares s6!) sem um tostão. Mário estará
de expressão. Escreva-me e conte-me como vão os amigos e cm novembro (minha exposiçao ia ser cm novembro, mas o
também os conhecidos. Diga-me quando vens para a sua ex- Bryan Robertson ficou meio chocado com o ambienu: que
posição e se vens a Paris também. Estou radiante com a pers- mandd planejado), Mary ia comigo de cargueiro mas a irmã
pectiva da vinda do Mário e Mary. Como também cm re- dela esd com dncer e ela não vai. O grande mal foi eu ter
lação à sua vinda ... Sed espetacular. sempre lidado com Bryan (o dono da galeria) através de Guy
Muitos abraços no Rairnundo u que adoro. Mil beijos Brl:lI)(I, logo o que aconteceu foi o segu inte: ele se senle
para voc~. sempre [obrigado] a dar satisfaçóes ao Guy e nunC3 a mim,
Clark deixando lUdo Y.lgo _ Guy Brel! está furioso com os adja-

4 0 ' C,o,RTA $
fl ilio Oith:ic ..
. .................. .
mentos. Os planos ficaram geniais: a vleria era enorme e eu Tem um amigo meu, Torquaro Neto (o maior letrista a meu
não acredito mais na "obra figurada", por isso incorporei ludo ver. que trabalha com Caetano e G il) que quer ir comigo no
num planejarnenlo ambiental. inclusive coisas que seriam navio: vai ser órimo! Queria muiro que voce estivesse em Lon-
conslruldas l ~. Não modificarei um cenllmetro do planeja- dres, pois sei que para nós dois seri gen iar - o que faço
do - ou lUdo ou nada. Imagine voc~ que ficamos noite c quenão é de não encontrar brasileiros chatos como sempre
dia, cm junho c julho, eu e Rogério Duarte ' , aqui. plane;an- aconreeequando se esd numa terra estranha. Oi~-me Eduar-
do, fazendo desenhos de precisão do que seria cOflStruldo e doU (de esteve aqui semana passad. com a namorada, linda
do ambiente geral com a colocação, é claro, das coisas maio- aliás!) que o Medalla é genial como j~ previa: estou louco
res. mesmo assim demarquei elevações no chão de diversas para saber como são os ourros de quem voc~ e Mário f.l am.
alturas para coloca r BólidrJ (são 50 ao IOdo), ainda mais o Quanto à prom iscuidade cm que vivem não me incomoda
seguinte: Copal (26), grandes CabinrJ já prontas (5), os gran- em nada : hoje n~o tenho preconceitos de espécie alguma em
des Núckol, peças SUSpeflSa5, projeto Carl dr cara, etc. De relação a nada, n~o creio que a b.rra deles seja mais pesada
obras que "figu ram" lá está cheio! O que será que o cara quer que a minha, onde vejo rodo dia de tudo o que se possa ima-
mais? Creio que ele não en tendeu bem as coisas e vou escre- ginar. Deverei conhecer os Beatles, principalmente o John
ver-lhe energicamente sem agressão, mas borando os pontos Lennon que é o maior deles, inclusive a arividade dde se apa-
nos ii; Mário vai dar expl icações rambém quando chega r lá. renta com a minlla, apesar de cu não ser músico; Caetano vai
A verdade é que pra mim foi bom ele ter ficado espantado, me dar o endereço de um grande amigo deles que me intro-
pois se ficam aqui não é milagre, mas lá, numa galeria "pra duzirá na barra: romara que d~ certo.
frente" , na cidade mais "pra frente" do mundo, é uma honra. Estou escrevendo muito, com cerras influências: de Ro-
I ue a crise é aqui e é lá também. Guy o considera um gério, no in icio, do Ginsberg, etc., mas creio que há coisas no
"es "ado! distante, a I s, parece que mUllo pouca gen e que escrevo: são textos poéticos mesmo quan o tratando de
n~ o seja, a não ser quem se entrega.-! expenenclas pura- !ll'" não osto mais de leses ou descr· óes fil osóficas: cons-
meore. EslOu louco para me mandar pra lá: quero ver comoT (fU O o que quero com a imagem poética na máxima intensi-

a barra por l:.i, pois cada pessoa me descreve tudo superficial- dade segundo o caso. 4gia. vou reluar um grupo de acon te-
mente para que possa medir. Rogério ini pra Paris e depois, cimentos e experiencias aqui, sucintamente, que me transfor-
pra lá; Gerchman também, depois de passar por New York. maram muiro nesses últimos meses e que de cetlo modo são
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4 2 · CARTA"
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lIélio Olticlca

rcsulrado de ludo o que queria nesse Icmpo lodo: crcio que que me agrada no momento: paginei uma revista de arquire-
amadureci muito c de ccrlO modo Mfundi a cuca". Não sei tura e escrevo ::migos pagos para a revina GAM. Agora me
bem quando tudo começou a ferver: creio que foi cm abril surgem muitas propostas: José Celso (Rri da vria e Roda viva),
- minha amizade com o Rogério foi decisiva palõl nós dois c que é grande amigo meu e de uma criatividade impres-
linha que dar resulrados: Rogério estruturou mUllO do que sionante. convidou-me para fazer cen~rios sensoriais para
pensava c cu consegui me lançar menos timidamente numa uma peça de Renato Borghi (aquele alOr do Rri da vrltt) cha-
süic de cxpcri€ndas rcalrncmc vitais: larguei aquda bosla de mada QIlNlmpirOI, e talvez eu rizes.se um dos vampiros. Mas o
·1
emprego, único laço rcal que possu(a com a sociedade "nor· que Id f que o terrorismo de direita aqui n50 está mole: prin-
mal" que é a nossa: entrei cm crise que me foi ultraproduriv:l cipalmente em relação às produçóes de José Celso: maSS3Cr.l-
- de certo modo descobri que n50 existo só cu mas muiras ( mm os alOres de Roda viva, primeiro em São Paulo depois em
pessoas inteligentes que ~nsam c fa~lll. que 'lucrem comu- Porto Alegre: destrulram tudo, inclusive atiraram uma das
nicar, consl ruir. Isso roi bom para quebrar o cerco bu rguês ou atriz.es nua no meio da rua; um dia desses matam alguém.
pcqueno-burgue:s cm que me encontrava, não por mim ma) Conclusão, José Celso parou os ensaios de Galilrll do Orecht
por uma sé rie de condicionamentos: agora, lendo r::~i­ e nem sei se f:ld 01 vampirol. 11 um pais de merda! Assim,
liZll(ão de Marcuse, vejo que tinha rUdo (ali:ls você deve le creio, Em:i experiências crialÍvas que me poderão dar dinhei-
isso pois tem muito a ver com seu pensamenlO - no princI- ro sem precisar me sujeitar à repressão de um emprego mor-
pio rica-se um pouco desconcertado, mas é bom). Hoje, re- tO, ou quase isso, ou seja, ao trabalho alienante. De certo
cuso-me a qualquer prejuízo de ordem condicionante: faço o modo os adiamelltos da exposição de Londres me levaram
que quero c minha IO l er~ncia vai a IOdos os limite$, a não ser a criar muita coisa, com uma imensidade impressionante.
o da ameaça física di rela: manter-se imegral é difícil, ainda sendo que tudo aCOlHeceu aqui: desde que con heci Caetano
mais sendo-se marginal: hoje sou marginal ao marginal, nao as coisas vêm vindo num crescendo impressiona nte. Primei ro
marginal ~irando ~ pequena burguesia ou ao conformis- uma conferência que fiumos em São Paulo, depois as con-
mo, o que acontece com a maioria, mas marginal mesmo: à versas infinitas pdas noites a denuo. Rogério ficou morando
1.~em de ludo, o que me dá surpreendente Ij~rdade de aqui de maio a agosto. Tudo aconteceu: Glauber rilmou
ação --le para isso preciso ser apenas eu mesmo segundo cenas do seu rilme experimenra l N'U/IUIr dia flbtcinanu
m~indpio de praur: mesmo para ganhar a vida faço o fi paisflgrm rra um (dllur foscinanu. no qual as pessoas
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44 • CAFlTA S
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f1éHo Ohlc!c;I

improvisam in loco cada cena: eu apareço com uma pinola ~norme cabine que aprontei um mês depois e ficou linda:
filiando nem me lembro o qu~; lincea fez uma cena de amor c;bine-Iazcr, com colchões para deitar, etc., creio que já lhe
com o Piranga que Glauber chegou a chorar. Nessa mesma falei sobre isto e sÓ emão a realizei. Enquanto isso mil pessoas
~poca Marisa inventou reunir todo mundo aqui para uma chegavam. saiam, uns fiavam atrapalhando, masscmp~e hou-
foto antolÓgica e não conseguiu fazê-Ia: oprou pela foto indi- ve aproveitamento criador em roda a aparente bagunÇ<l da-
vidual, pois quando conseguiu reunir toda a loucura choveu qui. O ara mais bacana foi luis Carlos Saldanha", com quem
- a reporugem ar«! hoje não saiu mas deve ser paginada ena Glauhcr e$(ava filmando: Saldanha «! o mais integral sujeito:
semana. O material é bom: eu esrou pendurado numa ~r­ e por isso mesmo o mais marginaliudo: ~ealmenre ele é de
vare, vestido de Mangueira segurando a bandeira de G ueva ra , cena modo louco (quem não é?) mas profundamente cria-
do Tozzi JJ , tudo isso de cabeça para baixo. Caetano fo [o- dor, o que nDlei logo ao vê-lo filmando as Cenas com Glauber
grafou veslido com aquela capa de ParangoUvermelha, a pri- - ele faz uns cadernos onde escreve vivências. as letras mui-
meira, nas pedras do Arpoador, e deverá sair na capa da re- ras vezcs se desintegram em desenhos minúsculos. Ele me deu
visra, mas, o melhor da reportagem são os depoimentos in- um desses cadernos: ~ genial pela riqueza das observações
críveis, inclusive O meu que escl no fim desta cana. Pensei vivenciadas. [... 1 Fiz amiude com Maria Bethânia, a quem
que fosse meio impublidvel mas não o foi e vai sair: diga-me adoro. e ia sempre 11 boate assistir aoshow genial que ela esta·
se gostou - acho-o rerrlvel pela arga subjet iva poétia que va fazendo e que foi gravado num disco que vale li pena pos-
possui; cada vez que o leio fico arrepiado. (Nesre momento suir: é a maior camora de rodos os tempos no Brasil, assi m
Marisal-4 tdefona-me dizendo que foi cortado na torai idade como li Billie Holliday nos EUA, de quem ela sofre certa in·
no O Cruzeiro e não vai sair. Pede-me outro que não farei, ou fluência longínqua mas positiva. Enquan to isso inventaram
então sed: nada posso dizer; fui censurado) . Ali:b pensei ...........,)Jns debates noMAM: no primeiro fu i convidado para a mesa
agora em algo melhor, a palavra BL<.NK no espaço branco, (substilUindo v~imagine!), mas foi meio cham pois o
que em inglh ~ usada quando algo é censurado ou cortado e Houaiss é muiro ~quadrado· para mediador; mesmo assim
quer dizer que o branco ~ branco no texto e não um "buraco N eu e o Rogério pusemos fogo ao debate e salram até ofensas
na pagina~o; morou? Assim mostro que fui censurado. Mas, pessoais no meio de tudo. Por incrlvd que pareça o Mauricio
como eu ia comando, isso foi o começo e imrodução para a Roberto gOStou, talvez pela propaganda que fez do MAM, e
loucura que se sucederia sobre mim . Estava armando uma nos pediu, a mim e Rogério, que organ izássemos outtO, o
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46 • eARTAS
. .,
I
i

lIéllo O'IIo;:lc ..

que fizemos e foi um blá, blá. bU que não acabava mais pdos re:tirei no meio. Enfim. pare:cia uma análise coletiv;a, o que é
jornais: rlmlo do debale: ~Amoslragem da Cultura (Loucura) simp:hico mas chato ao mesmo tempo. Logo em seguida,
Brn$ilcira~. e convidamos para a mesa: mediador, Frederico semanas depois, veio:il confusão tOlal: ao mesmo tempo que
Morais (que foi ócimo), participantes: eu, Rogério, o sociólogo aprontava as obras para Londres, a Rosa, do JacksQn, me
Sérgio umas (de estuda a "sociologia do cotidia no~), LIgia ajudava a fner novas capas de Parango/;, que ficaram lindas,
Pape, Nuno Veloso (ele foi amigo do Rudy DClUschke na Ale- para uma manifestação no Aterro, financiada pe~o Didrio de
manha c era da Mangueira, monva com o Carrola c foi-me Noticia!, através do Frederico. Rosa separara-se do Jackson e
apresentado há tempos pela Rose. nao sei se VQCe o conhe- estólva aqui (de:pois se mudou para asa d;a ligia, pois quase
" ceu), Cac['ano Veloso, Gerdunan. Chacrinha (que acabou não nos atracamos um dia) e foi bom pois me ajudou bastante;
indo por cSlar scm voz, grip.ado, mas que foi o CCnlfO das Saldanha uma noite en louqueceu e boIOU fogo nos desenhos
discuuõcs). A plaréia eSlava horrível: IOdos nos atacavam via- dc:le, depois de destruir um livro de Marc\lse, enfim, puecia
lenramcnlc, principalmente a Caetano, inclusive: pessoas que mais um Vietnã do que uma casa, isto aqui, Mesmo assim
são a nosso f;lVor. Mary laquigrafolllUdo, c os jornais berraram conseguimos aobar capas, projetas. cabine, não sei como. e
durante mais de uma se:mana sobre: o assunto. r~ bom ma! como foi adiada a exposição (daquela vez para novembro),
confesso que não tenho saÚde paR agjjçOljlr QU!ro; IOdos no.s resolvi iniciar outras coisas. Mas o que quero lhe contar é a
atacavam por pura mesquinharia, julgõU pdos argumentos,
3 ..;,h manifestação do ~ foi a melhor com o público que já
se mpre horrlve:is, peq!.!enos. Neste de:hate: havi am falrado fiz: desta cre:io que posso tirar um novo se:IHido para tudo.
Chacrinha e Glauber, por isso Rogério chamou para a mesa C hamou-se APOClllipopÓfEt, termo inventado por Rogério
o Saldanha de que: lhe falei, como lima "sfnte:se de Glauber como um novo conceito desse lipo de objeto mediador "para
~

e Chacrinha" e ar é que foi o barulho: Saldanha mandou a a participação"""ou que se constrói por ela: cu com as capas,
Miriam (aquda amiga da Vera que estava cm Paris, casada Lígia com os "ovos", Antônio Manuel com as "urnas quentes",
com o Júlio que eslava ch:u'ssimo) parar de encher o saco, que eram caixas fechadas para serem desnufdas ou abertas,
disse coisas fortíssimas e re:rirou-se da mesól. A me:u ver Caet.mo sempre: com algo escrito ou pintado dentro, Rogério levou
foi o mc:lhor do debate: absoluramente genial. Mary gOStOU cães amestrados que a meu ver foi o mais importante (ser-
mais de Rogério. mas o achei meio at~do com rudo. Eu viam para defendl:-lo também contra o Roberto Paulino, que

...
fiqud chateado, irritado, disse umas merdas e quase me compareceu, pois o Rogério CSlava de "caso" com a Rose) e o
J

48 • C ... RT ....
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.....
..
11411 0 Oi~lclc; ..

Raimundo Amado filmou rudo, c põl.r~c: que o filme fica não queria se meter no assunto pois tem exposição em Porto
prontO esta semana: não é genial? Mário acha que houve ar Alegre, o que poderia prejudic.:i-lo. Veja como são nossos ami-
algo mais importante do que o s.$9tidQ dI; ha,lIprning e.do guinhos arristas. y.gia, estamos acima de tudo isso, sempre
sentido realmente aberro das c)(pcriêncjas:~ livro está SCIl~ e7tivemos, cstamos em "outra", como se diz ~a glria, em ou-
feiro no sentido da imagem sobJ"(: isto. Compaf(:ceu nesta tro "pU" e não adianra: o negócio ~ nem lOmar conhecimen-
manifcsraçáoo r;;hico arncric:mo John Cage, um dos invento- to de fofocas tão mesquinhas: por isso o que di.uerem por aI
res pioneiros da música pop ou "acidentar. Como sempre os também, nem ligue: ~ inveja e n:ada mais: Creio que nossas
jornais nem uma cn!revista fizeram com de. veja 56. Agora, idéias poderão Úurifiçar mais ainda se não tomarmos conhe-
ames de viajar, o que pretendo fazer logo. estou pensando cm ........ \.. cimento disso. Não somos comerci:antcs de arte para ler-
fazer algo se possfvd - TOrqu310 está muilO entusiasmado &;;'os competição, nem ideólogos. Hoje isso é acadl:mlco,
desde a Apo(lllipopóuu e deve: vir aqui hoje para planejarmos ~erado: eu sou eu, você ~ você, e ~ troço de influêl!Çia
algo. Enquanto isso as confusões continuam: é um inrerno Ii.:;""car, um roubar o que é do outlO, funcio navll em outra era
viver aqui, estou cheio! Agora, cnqu:anto escrevo esta cana, que já superamos há muito para mim ada pessoa tem ou
estamos no dia 17, explodiu novo esdndalo: resolveram não o que dizer e fazer e não há possibilidade de que sejam
iOlerditar o show que Getano, Gil e Os Mu[:antcs (geniais) coisas " iguais", idênlicas, pois cada um possui su:a estrulUr.l
estavam fazendo na Sual.la porausa daquda minha bandeira particular que se quer manifestar. Diga ao Jean Clay para
~Seja marginal, seja herói" queo David Zingg resolveu colocar deixar de ser fofoqueiro: mandei material às pampas pra de.
no cen~rio perto da bateria no show: um imbecil do DOPS Que fez de ludo? Vou providenciar mais, mas acho meio
interditou e Caetano, no meio do lhow, ao camar E proibido chato mandar tanta coisa e nada acontccer. Inclusive o texto
proibir interrompeu para relatar o fato, no que foi aplaudido M
sobre "A2!.fecjmento do supra-sensorial traduzido pela
pelas pessoas que lotavam a boate. Conclusão, não me deixam Mary foi enviado. Melhor então, talvez, espe rar um po uco
nem dormir: telefone, imprensa, uma fofoca louca nos jornais, que eu chegue com ourru tr.lduções que talvez exprimam
principalmente mentiras. Um lance bem chalO, mas que j~ mais meu pensamenro. Tenho foros li ndas denuo da cama:
previ:a: o empresário do Caetano, GuilhermeAraújo, telefonou Eduardo, seu filho, ado rou a id~ia da cam3.r e quer faze r cxpc-
para o Glauco Rodriguu pedindo adesão ou solidariedade a ri~ncia de cinema com ela, ma.! é que seguiu para Londres e
mim, e a Norm:a dis.sc a ele que GI:auco não podia atender e lalvu eu construa ouml para filmagem, se der tempo e chanfe.

5 0 ' CARTAS . .,
lIétio Oill.:;:I':;:;I

Vou fazer novas cópias e te mando. Enquanto isso preparo vilegiados para $C sentir o "lazer vivido"; cantar-se ou não e é
novos textos. Qk? Lyginha, estou louco para conversarmos isso que me atrai nas experiências: a vida, o achar. Adorei a
pessoalmente: creio que poderemos botar fogo nesse cOlui- sua idéia de carar coisas, o que você faz é heróico para mim:
nente. Tenho tido vivências incríveis justamente pelo não com- do nada, para o nada, mas que j~ é o "piá": sabe o que me
promisso mais com a ~o br{ mas com a sucessão de momen- lembra, é o Pasolini, que das mIni ma! coisas faz ou diz o
[~ que o agrnddutl e o dnagraddvtl é que contam, crio daI glob;ll. Revi ontem J!dipo m' peb segunda VC} e senti que
ohjelos ou não; por exemplo, estou agora sem nada aqui e ludo aquilo é como o nascer da scnsibilidade, a descoberra e
pego o que h~ de mais essencial, que é nada, por exemplo, a sfnlese de tudo: quando Silvana Mangano olha para a
uma esteira de palha e coloco no chão para que se deite nela: cimera, num dou que considero o mais genial do cinema
cha mo a isso "probjetessência" (derivado do conceito de depois da r-a1conetti em Joana d'Arc, a'mamentando o rIlho
P "probjeto" inventado por Rogério um dia depois de hOtas de
conversa: "probjeto" seriam os objelOs "sem formulação" como
que seria seu futuro amante, sente·se que da é rudo, a amame
c a mãe de lodos nós: que maravilha. Tudo no rIlme lIasce de
obras acabadas mas estnlluras abertas ou criadas na hora pcla algo "aberto", do nada, como o terceiro mundo, e o que você
participação). Agora não sinlO necessidade de const ruir obje- diz sobre os parses subdesenvolvidos é certo, e creio que as
tOS mas uma lata cúbica V3zia me deu vontade de coloc.u pedras, o pouco como o resto que você cata nas ruas de Paris
água nela e pronto: é para que se olhe aquela laia co m água, para fazer algo, é a expressão c:xafa do terceiro mundo. Não a
olhe-se como num espelho, o que j:l não é apropriação como pobreza demagógica e pannedria, ridícula. mas, como uma
antes mas o objelo aberto esscncial, que funcionará confo r- ~ riança. que vê tudo pela primeira vez e é essencial para a
me o co nt exto e a parricipaç~o de cad:! um; a esteira estendi- descoberla do Msenso", sentir e crer na existência dos sentidos:
da no chão também. Creio que aquele Plilltico seu, lembra- a procura do prazer no imedialO que é o momento; como
se, sem nada, para desenhar com a mão, ou o Respire (omigo Mário diz, o "momento do acaso" (bacana o lermo!) - e é
tinham esse sentido, que adoro c co nsidero alualrssimo. Mas sempre slntese porque é real , mais que ludo, mais ainda que a
não quero mesmo o objelo, que contradição! Quero a desce- solidão que pode oprimir mas que nasce-renasce no vir-a-ser.
- - } berra como se sob efeim de maconha: a descoberta do den- C reio que você estli mesmo é peno de nós: não acreditar na
tro, sei 1:1 de quê, o gOstO de viver, amargo ou doce, talvez o ilusão de uma civilizaç50 que se autodesu 6i, mas que existe e
objelo-essência no sentido de uma casa (otill com lugares pri- não sc volla contra ela mas a modifica pelo achare redescobrir,
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52 • CARTAS . '3
, lIéllo Olllç\c,a

como no amor, como no sonho do novo mundo. Isso é a o rala:


gl'3ndc diferença para a expressão européia c americana do Supra (aboutimmtn/) - a chegada ao supra*smsorial é
norte; a tal polJera aTU italiana é fcita com os meios mais a tomada definitiva da posição à ,.,.,,,rgtm. Supramargina*
avançados; é a sublimação da pobrcz.a, mas de modo lidade - 14 vita, malalindavira , o pfOlzcr como realização,
anedótico, visual. propositalmente pobre mas na verdade bem vi(acopuplaccr. Obra? Que é senão gour? gos!Our. Cair d e
rica; é a assimilação dos restos de uma civilizaçáo opressiva c boca no mundo. Cannabilibidinar. Hummm ... Sei que e$[OU
sua rransformaçáo cm consumo, a capitalização da idéia de vivo - é só o que resta - o sabor, salabor, salibidor. A nova
pobreza. Para nós não, parece que a economia de c:lementes era chegou : marginalibidocannabianismo: "optra morreu.
ai;! direrameOlc ligada ~ idl.'!ia de CSlrUlUra, li formaç1o desde Morra a mão de ferro; sentir para o gOto. A palavra, o que se
o inicio, à não-técnica como disciplina, à liberdade d e criação vê, ouve*se. grira*sc, cant,ua-se, catarsis-sc; o mundo quer
corno asupra-cconomia, onde o elemento rudimentar j;i libera respirar. MARGINerica l. A nova cara se descobre. é linda, é
c:struturas abertas. Lygia, vou transcrever aqui o [ai texto do o que h ~ séculos eSlava escond ido. sai, ergue*se phalluvagi-
Cru:uiro, que não vai sair. Segunda, dia 21, irei co mTorqu:uo namenle, supuxadamenle, ergue-se a fumaça, sauna do novo
para São Paulo apanhar a malfiz da ral bandeira que agora mundo. A rataria de cima corre - libcrd t~ tá ciliro, lafOl. a
com a proibição de ser exposra todo mundo quer comprar. bichalouca mexe, mexe, aro gozo termal, sob a saraivada 22,
Vou ficar na casa dde. Espero que esta cana pegue você ainda 32,38,45. sete meia cinco da noite que chega. ESI~ quente.
aí. Enquanto isso vou providenciar o material. Quero ver A mulher se lava. O homem sc despe e recomeça.
se o Schemberg" compra algo meu pois estou pm:isando de
dinheiro.
HO 20.8.68
Mil beijos e escreva logo anres de viajar. Eswu louco pafOl
ouvi*la .
Beeeijos,

Hélio

!$4 • CA R TAS
."
Lygia Clark. mtc (cara) ou ainda quando a barca abre as ~gtlas do Sena
14. Ru~ CasIini. Pari!, 14l_. Franu quando passa, deixando estrias na barrig.a do rio. Garanto
2~ /0./968 que estás tamb~m marcado por estrias, depois de um volume

I Carlssimo H~liCaeraG~rio,
tão grande: após criar Caetag~rio destes a 1m. a um outro
Heliocóptero que veio seguramente de um oUlro "pl:l.M anun~
,I ciando um outro mundo, confirmando o predrio como no~
]R..ecebi anteontem sua cana que muito me impressionou! vo conceito, a magia do ato na sua imanência e 7amb~m a
Do J-I~lio antigo que ai deixei só sobrou o lado positivo e negaÇão do objeto que perdeu toda sua carp. poética ainda
sobrou uma outra personalidade a que dei o nome acima! projetada, para se transformar num poço onde a multidão
Cheguei a pensar que era uma cma escrita em equipe por se debruça para se encontrar na sua essência.
vocês três e ainda não estou certa se o foi ou não, mas de Ikcluzidos a esse poço estamos ~ mercê da cu rra do co~
qualquer maneira vejo uma personalid.ade F..bulosa corno lerivo onde seremos deflorados n30 impona onde e como,
ainda não tinha conhecido: madura com enormes culhócs fic:mdo reduúdos ~ anedota da velhinha, guerra ~ guerra, ou
que se arrastam pelo chão como pêndulo do Big Uen ou ain- adorando a filosofia (h avessas) que se torna aqui dia a dia
da do meu relógio do I.:ObserV2toire ... Senti tamb~m uma mais popular: Evite a curra o mais posslvel mas se ela for
tendência muito bacana de defesa pela minha pessoa ou abr:I inevinlvel ... r~/ax 1 já fui t30 currada pelo espectador que
(que nome cada vez mais sem significado ... ) e juro por Deus nem o buraco da orelha escapou. Em Veneza, para n:io sair
que me deu uma impressão de que terei mais um ombro para nu crônios policiais, tive que me mand.ar com urgência para
chonr pois acaba de nascer um Homem. Por Deus a vicia ~ cá pois comecei a odiar tania o espectador tesudo que es~
sempre para mim o fen6meno mais importante e esse pro- t.ava pront2 também a utilizar o teu 22. 32, 38 e tamb~m o
cesso quando se faz. e aparece ~ que justifica qualquer ato de teu 45 e estou ainda confusa, escondida aqui num cama,
' " criar, pois de h~ muito a obra para mim cada vez ~ menos formulando novas proposições sensoriais que me parecem
~mportante e o recriar-se atrav~s dela ~ que é o essencial. Sen- bc:m mais terrificantes que tudo que j:l. fiz.ar~ agora. Começo
ti tarnb~m quase um estado alucinatório nesse rio fabuloso a atar o corpo à cabeça, dedos atados nos dedos. poços t(r~
de penumentoque escorre como o próprio mijo de umAp«a~ r'veis vestidos de capas de guarda-chuvas pretos e velhos onde
lipopóttU ali como uma faca que enua fino na carne de um a m:io aparece ainda desligada do resto, e ainda capacetes
,
·5 7
.
••
••
••
• . . ... . .. ::1.6.10,'968

•• onde sobra sempre a presença do pl~stico envolvenu~ como


um eClOplasma. Mandarei falOs. O pessoal que anda me co-
próxima, Voe! v!, até o realiur-se está vindo diretamellte li-
gado à ação. Todos os mitos cafram por terra, desde o polftico
nhecendo aqui acha que cu lenho uma e$p~cic de psiquismo
que tinha carisma (o CItE se realizou na medida da ação), e
que sai da minha pessoa como essa camada de pl~stico que: nÓs, os privilegiados, lemos que propor na "açio porque o
agora se vr. nas minhas proposições. Para mim isso i. convers,a momento, o agora é a única realidade tangfvd que: ainda co-
fiada, pois qu:mdo era moça, isso linha um nome bem maIS munica algo. Para o ruto sobram as manifc:.staçõj:s contra o
simples: lO: app~a/... proibido, a autoridade: e ainda uma coisa muito importante:
Fez. muito bem cm largar esse emprego mas quanto a sua a nio-programação. pois o realizar-se e a consciência do mes-
marginaliuçio não eslOU de acordo. Isso não é só para você: mo virá à medida que: a ação se rcvda. Esw sáo hoje os lIt:rda-
acho c ando imprcssionad;l. c umbtm muito chateada pois dáros ulIO/uâondrios. Para mim, na medida cm q ue rcvda-
jamais o anisr:l esteve tão pouco alienado da realidade como mos um novo mundo somos ainda o rutO de um mundo
agora. Ao contrário. ele es l ~ absoluramcntc inlC:grado na vida, antigo. e se não fa:r.cmos mais a "obra" somos de qualquer
muito bem <lSScnudo numa conforlávcl cadeira. ao conlr:.írio maneira o "pcrsonagem" que expressa o pensamento "obra".
de DUlra esptcic de juvenlUdc que tem hoje a mesma atitude
Toda essa minha pcrcepç20 nada tem de romântica, porque
exisnoncial que de mas que não lem nem o interuse dde em nunca me propus sef diferente para faze r arte, mas estou me
vivera vida nos momenlOS como realização loral na imanência sentindo numa posição cômoda que me incomoda mui 10.
--;>do mesmo e nem de propor essa imanência ao .oulro. t. essa J.... PeÚl primára lia: o o;;slir consisu numa mudança radical do
juventude hoje que esrá no mesmo papd do artl51l1 de outro- mundo em vn: de ser somtnte uma intt:rpreldfáo do mesmo.
ra, marginaliz.ado pra valer! Achar ainda que és um marginal Tenho tido viv~ncias dr:lm~ticas: vejo uma escuridão talaI
porque vive à margem de uma sociedade caduca podre é ain- e o homem no começo das coisas, como um primitivo, captan-
da um conceito burguês. O que me angustia profundamente do o seu próprio corpo, recompondo-o, redescobrindo o ges-
não é nem você nem cu nem genle como nós. t. me saber ro, o ala, o mundo como um OUtro planeta eSlr.lnho sdva-
situada, iOlegrada numa siru:.lção privilegiada, mas perceber gemo Vejo também que um mono é r:io anÔnimo que
~ que para outros o mundo ainda ~ão cavou o seu lugar ~ talvez na verdade num cemitério é o viúnho, e o que: lhe dá indivi-
-----• .::: seja essa geraçio de jovens que Incorpora de lal maneira um dualidade é li laje com o seu nome inscrito. Precisamos com
CUE que, cavando a sua própria sepultura, abra lugar para a urgenda derrubar essa placa como já derrubamos outr:s

56 • CARTAS ,.
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16,10,1')68

com O nome de Deus, amor, para que lUdo na realidade seja Quanto ao espetáculo que me descreveu, deve ter sido genial!
processo e lotalidade. No mais. enou passando também por Acho que é ainda a coiu mais importame pois é uma ação
um processo enorme de consciência de minha pessoinha que revela a mudança radical do mundo para deixar de ser
humana. Descobri terrificada que quando não consigo st:r somente uma interpretação do mesmo. Essa sim é a atítude
um "ser" decente me lorno uma L.C. insuportável. Nesse: revolucionária por excelência! Nada tem de marginaliz:ante,
mamemo fico [riste c choro a impossibilidade do anonimato ao contr,lrio, é a própria imegraç20 da nova realidade. Tudo
no qual podc:rfamos recomeçar lodos os dias a vida. As crises isso no grande sentido e não no conceito d1'to burguês. Isto
quanfO à minha expressão dcsaparcccr:uTI já há muito c fazer está morto e nem existem mais referências possíveis.
proposiçócs hoje para mim é como comer, uma simples mo- Diga-me na próxima cana o que achas disto pois talvez
liv-.lção sem preocupações dc:ordc:m maior. Esln::ci o meu novo possas me dar algo que tal vez ainda não tenha percebido ...
corpo c virei lambém uma esplênd ida fêmea. Jamais pensei O grupo do Medalla está fazendo t:lmbém espetáculos e
ser isso tão maravilhoso c com isso passei a chora r cm Iodas existe um grupo na Argentina que faz somente isso, mas I:i
as siruaçócs. desde o faze r amor até na cozinha ao descascar me parece que é no sent ido político. O Medalla está também
cebolas para o jamar. Descobri o mu que me denorou em interessado na descoberta de objetos que encontf"J, mas a meu
cri:lIlça e foi imprcssioname, pois depois de tantos :lnos c\e ver mais parece ainda uma al1t ude do Ready Made se é que
não carrega sobre c\e nada do C)ue se passou e nem consigo entendi as fotos que o Jean C lay me most rou. Para mim o
senli-Io como na noile da descoberla em que lodos os deta- ohjeto. desde o Caminhando, perdeu o seu significado, e se
lhes apareceram, desde o cheiro do seu quarto e também 05 aind3 o utilizo é para que ele seja o me:diador para a partid-
detalhes do mesmo em todos os momemos. Uma defasagem paçáo. As luvas sensoriais por exemplo sáo para dar a me:did:l
enorme do tempo que IIIdo dest rÓi, e não sobrou nem ódio do 3to e também o milagre do gesto na sua espontaneidade
nem ressentimentos, mas uma enorme simp:ltia e amor pelo que: parece esque:cid:l. Em tudo que faço há realmente nc:ce:s-
mesmo pois aprendi a amá-lo nesses :lnos lodos, e essa des- sidade do corpo humano que se e:xpressa, ou para revelá-lo
coberra em nOlda mudou esse amor mas me mudou muitís- como se fosse urna experiência primeira. A mim não importa
simo, me revelando em toda minha autodefesa que ainda me ser colocada em novas (eorias ou ser de: va ngua rda. S6 posso
confe ria uma carga uhril-agres.sivil nas rdações humanas. y
.. ,
ser o que sou e pretendo ainda realiu r os tais filmes em que

6 0 · CAR T A S

homem é o centro do acontecimento. Para mim. tanlo as


sair ou cuslar muito, eu mostrarei ao Kulterman que, diz. o
pedras que encontro ou os sacos pl:1slico$ são uma só cousa:
Jean Clay, le lançar" imediatamente, pois todos aqui diz.em

•• sc:rvcrn só para cxpn::sur uma proposição. Se cu COnsl ruo ain-


da algo é pela mesma ratia. Não vejo por que negar o objclo
que ele I.'! o mais genial pois (em um grande f,!ro para coisas
importantes. A galeria Thelen I.'! a melhor da Alemanha, e

• somente porque: o construI mos. O importante é o que ele


expressa. &: cu sinto hoje na vida esse estado que você sente c
que chama alucinatório, é porque aprendi com as proposi-
ções a sentir essa mesmos momentos c, se: nio as tivesse fei ro,
assim poder:!:s começar lá como eu.
Mande também marerial para um Rhobo. especial pois o
Jean C lay quer faur e está inleressadíssimo! Peça ao Pedrosa
um artigo sobre mim que saiu na GAM para ver se dá lem-
talvez nunca descobrisse c:sses mesmos momentos que: são sen- po de sair no meu especial pois rem artigo do Guy, d o Mcdalla
sacionais. O que cu quero é náo esqucmaliur nada c cada dia c Jean C lay e só f:lha o dele. Estou escrevendo pouco c so-
comer uma nova "pê ra~ para ver se é bom ou não. O lermo nhando muito. Vou ver se leio o lal de Marcuse pois I.'! uma
do M:1rio como sempre é ólimo mas pal'2l mim não é o mo- pêra que ainda não provei. Diga-me quais OUlroS livros que
mento do acaso mas é o "(ruro" do momento. Fruto no senti- devo ler pois acho que esrá na hora de mudar essa minha
do frUla, ral o sabor c a sensualidade do comer, viver esse maneira de ser. De ignorância basta! O seu leJClO da descoberta
momenro. Achei l<lmbém muito bom qumdo você diz. que o do su~r-sensorial vai ser publicado nesse número do RJ,obo.
demento rudimenu.r j:!: libera eSlrUfuras abenas, embora Outra coisa: ~ I a sua carta a gente seOle que I.'! ainda no Brasil
nós o usemos porque exatamente não acreditamos mais cm que as coisas importantes acontecem. Sua cana mais parece
conceito estl.'!tico. O seu texlo no final I.'! esplêndido quanto 11 um programa do Chacrinha, onde ludo acontece ao mesmo
vivência pol.'!lica e carga subjcliva, só que n50 acredito, como tempo c tudo é tra.nçado como uma tapeçaria. Onde se vê
le disse acima, na marginalidade do propositor, mas o que I.'! uma coisa como essa? Somente a/ nesse país fabuloso que
aprendo a amar cada dia mais e em que lUdo é importante
bacana I.'! essa diversidade de posições, pois na medida em que
atI.'! para se ler opção para negar alguma coisa! Aqui a merda I.'!
há contradição e negação h:!: tambl.'!m confirmação de uma
geral. N~o existe povo. Tudo é Inez. Vardaz. ou ainda o canas-
re:llidade. Vou ver se o Jean Çlay pode publicá-lo no Rhobo
trio do M:llraux que invenla lodos os dias de enfeil:lr Paris.
que será sobre o Brasil, lendo o meu especial junlo. Mande
Sua úl!ima invenção mais parece coisa de russo: obras de arre
malerial, meu amor, pois se sua exposiçio cm Londres não
no metr6! Morou~
62 • C ARTAS
. '3
. .. .. . ... ... . . ... . . . . . . ....
Mil ~ijos nos nossos, nos seus que com~ço a achar qu~ Rio, 8.1/.1968
também slio meus: Ca~tano ~ Rog~rio! Um grand~ no muito
Amado dos amados. Escreva por favor pois adorei sua carta.
Mil ~ijos para esse novo H~IiCaetaG~rio!
Clark Lygia querida,

PS.: Raimundo ~ce~u minha cafl3~ E o Gerchman? Recebi sua cafla e adorei. No mesmo dia v~rias coisas
agrad:lv~is acol1l~ceram: o framarary resolveu me dar ou a
passagem de avião para Londres ou o dinheiro correspon-
dente à mesma qu:mdo eu chegue I ~. Optei pela segunda: são
mais ou menos 700 dólares, e j:l que vou ficar na casa da tia
da lara , um .. amiga minha de São Paulo que você não conhe-
ce, creio que cste dinheiro dar~ para muita coisa em Londres,
isto é, supondo-se: que não venda eu qualquer coisa por 1:1, o
qu~ não creio. Estou certo de que venderei qualquer coisa, e
al i:ls pretendo ficar em Londres algum tempo f.l.Zendo um
trabalho qualquer e também criando coisas que aqui náo
tenho ambie:me para tal. Resta, agora, arranjar um navio
cargue:iro para ir, por isso que: pre:feri o dinheiro 1:1: Nil1.3,
uma amiga de César e Ro~rta, que foi mulher do Gelli, e
agora é mulhe:r do Gilberto Macedo, um dneana 6timo do

. novrssimo dne:ma brasileiro, apresentou-me 11 compan hia de


cargudro pela qual da viajou para a Eu ropa por apenas cem
d6lares. O dirClor, um holandês, pediu-me uma carrOl que

. 64 • CART A S
fiz e ele gOStOU muito; pedi passagem para mim c para Tor-
quato Neto, que ir;i comigo; não 11:1 problema porque a caJ
Hélio OlticlcOl . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . .
bine é mesmo para dois e se eu fosse só iria desperdiçar um desintegrar numa estrutuflII totalmente aberra; o neg6cio vai
lugar. O (ai holandês enviou a cart:l. para Genova, na Idlia, ser rl'llnsformá-Ia em músia, já que ru espaços funcionam
para obter ou nlio :l aprovação; os navios são itali:anos, por como sinais, etc. Torquato está cheio de idtias mas t que
isso eles é que opinam. A c ma é para explicar quem nós aqui a barra está pesada: sabotam tudo. priikipalmente o
somas c o que vamos fazer na Europa. O cara gostou muito pessoal de músia: muita gente mal cumprimem3 o pcsso31
pois viu que somos :misras c disse: que Icremos IOda sua rc· da Tropidlia, inclusive os antigos amigos, o quc fu lembflllr
comcndaçáo; daqui a 15 dias saberei se aprovaram ou não. o que havia conoseo na ~poca neoconcreu. O f;l.Io t que quan-
Enquanto isso estou pensando em IOdas as OUIIOI5 possibili- do h~ real inovação, a sabotagem sempre impera: nunca vi
dades aqui e lentando vender desenhos de dez anos atnb, que lanl3 gente mesquinha e idiota por aqu i _ t merda polflÍca,
redescobri guardados c resistem muito: são excelentes, secos artística, humana! Em São Paulo há tremenda tensão: estive
c muito alUais. Eslivc oOI(:m cm São Paulo, durante um dia com Gil e na casa dele (apartamento) cada vez que tocam a
apenas, c ddxci alguns com o Ralph Camargo, dono da ga- campainha tem-se que olhar de uma vigia pela OUI'fa porra
leria Art An. que gostou e vai ver se os vende nases próximos para ver quem t, pois ele tem recebido telefonemas chatíssimos
dias. Como você vê lenho que pensar em tudo ao mesmo e a ameaça paira permanentemente. I! um inferno. Uma coi-
tempo. Espero. daqui a um mês, embarcar, se arranja r tudo sa engflllçada: Torqualo gosu, em geral, de coisas que nin-
legal. Vai ser genial. Foi 61ima id~ia Torqual'O querer ir, pois gutm gosu: aquelas minhas estruturas suspensas brancas e os
de tambtm está meio sufocado aqui e esd. filundo novas quadros branco com branco daquela ~poca, e ficou vidrado
experiências com poesia e música: Gil vai transformar em com aquele leu quadro, superfície. branco com q uadrado
música uma nova poesia de Torquato, loralmente diferente amarelo que ele viu na casa do Mário, al~m de adorar o prelO
do que vinha filz.endo, onde palavras e sinais se desintegram. de linha branca que Cirá aqui - uma semana depois ele ain-
E.nou enviando aqui a Gtltia gtral, sobre a qual Gil fez. músi- da filiava nisso, isto ~, no quadro do M;lrio. Creio que esd
ca, magnifica, gravada no LP Tropi(dlia ou PilllÍJ tt ârumis: havendo uma esptcie de dnrese. em rodos os campos, aq ui, e
creio que voce j;l ouviu aI, ou não? Essa letra t magnlflca no cenos valores e a reposição do que realmente vale estão sendo
sentido da imagem, ou imagens que se acumulam e se fun - checados: as obr.u como que se revitalium, ou , como dizia
dem, de modo aberto, como uma condensação de vivências Rogbio ou[(o dia, nao se limitam ao I'empo em que foram
- já na nova experiência as palavras eos sinais começam a $C criadas. como Cisas que a geme olha e diz: j:f sei , foi "daquela
I

• 66 • C ... AT ... . . .7

époc:.&", e: as ide:mifica com o ranço, no lug-ar e: no Ie:mpo. alih sempre foi assim e o considero um gr.ande amigo meu.
Com a re:de:scobe:rra duse:s me:us d~nhos, se:mi e:xatame:nte: A sua obra esrá e:m ponto de: bala. muilO mais densa e: crdo
isto: não que: e:u queira hoje faz~-Ios ou leria querido que isso (Iue ele ainda dará surpresas, inclusive aos sabotadores de:
acomecesse, mas sim ver, semir e achar coisas no que: pensei se:mpre que diz.iam que ele era plágio da Pop art e: Olllras as-
j:i e:51ivesse mono e: e:merrado. ~ bacana ver que não se per- nices. GostO muito da piscina escrita ÁCUA dentro em acd-
deu afin .. 1 Ie:mpo algum, que as vivi:ncias se refnem e, ao lico; o acrllico fica no mdo pe:gando roda a :1rea e as Ie:lns
aprofundarem-se, renascem umas das oUlras e com as ourras, formando a palavra são cavadas deixando que: a água. brote:
numa rotai idade também aí. de dentro delas. E no TERRA as l ~tras são negativos de fôrma
Lygia, vou preparar o mate:rial para o Jean C lay, fotos, numa caixa ve:rmelha de maddra e a te:rra cobre até a borda
esra semana. l U um lexlO do debale que creio ime:re:ssad, das me:smas de modo que o C3v:.tdo vem da superflcie: da Ie:rra
mas não está Iraduzido. Se:rá que seria melhor mand.l-Io já para denlro. A meu ver o mais denso é uma e:sltumra pe-
trad uzido 011 n50 há problema? E devo mandar par:l você 011 quena em L que tem em cada Face silhue:tas de: cahe:ça: a me:s-
dire:lo para ele? Diga-me prccisame:nte :ln.~ quando você esra- ma silhue:la aparece: numa face e depois na OUlra, como um
r:! em Paris e: qual o seu calendirio para os próximos meses. desdobramento. AI a imagem lem a força se:mânlÍ ca da
Você irá quando 11 Alemanha? Espe:ro que ainda e:ste;a aí quan- palavra. Chama-se EU OU voe!, QUAL DOS DOIS!, mas nada está
do chegar esta cana. escrito, é cla ro. sendo que a diversidade dos materiais, fórmica
Esta se:mana houve uma exposição reUmpago do pr~ra, alumlnio e prc:tO pinrado e as bordas luminosas, dão
Gerclunan que deve:nl viajar domingo. dia 10, para Ncw York, uma densidade incrfvel1l. peç:!. 11 como se cada face fosse o
de navio cargud ro que: de: arranjou e:m fraca de uma obra. espelho dela mesma, distorcido dialeticame:nre, o que lalvez.
Pe:na que esta companhia, Nelumar, só vá até N.Y. e não pos- lhe d~ o se:nrido dramático que possui.
SU:l linhas européias. A e:xposição eSlava belCssima, e um texto Sua carta, como sempre, gen ial. Eue problema de ser
que eu havia escritO, pesado e louco, muito bom, sobre ele, deflorado pelo espectador é ~ mais dramático; todos são,
saiu hoje no Coruio da Ma"hã numa p:igina inteira; agora aliás. pois além d.a ação h:i a conscii:ncia-mome:nto de ada
vou ve:r quanro pagam pois não estou para dar prese:nlcs para ação. mesmo que esta conscii:ncia se modifique de:pois,
o Corrr;o dll MIlIJhã, ainda mais um texto tão bom. Gerchman o u incorpore nov:.ts viv~ncias. ,Esse negócio de panicipação
é muilo bacana e me tem ajudado muito a arranjar coisas; realmente: é terrlvel, pois é o p róprio imponderável que se
I
tl 8 ' C ARTA S
.
• 8 •
Helio Oitlcica

tJ:vcla em cada pt:uoa, a cada momemo, como uma POS5C: poderia pensar, mas t. a verdadeira natureza do negócio. En-
eambém semi, como voc~, várias vczc.s essa necessidade de graçado, algo que vivenciei um dia, que, de cena modo, poso
maTar o especeador ou participador. o Qye t bom pois dio.l- sui uma rdação com isso, não sei se você .. chará: o Idolo, a
miza imeriorrneme a rdação, a participação, e mostra Que pessoa-artista que se usa para expressar. Caerano, por exem-
não há. como vem acomecendo muito por ai. uma gtÇ(i- plo, quando canta e faz tudo aquilo, é devoradíssimo, no seno
cização da panieipapo: a maioria CriOIl 11m acad cn.içis9'o lido quase que físico: uma vez na $;Ilda do Chacrinha, nos
dessa relação ou da idéia de arriei a 50 do es eCTador a corredores, vi milllões de eSlUdanres, adolescenres, numa
pomo e me eixar cm dúvida sobre a pr6pria jdtia. Discuti fúria incr/vel, agarr.l-Io para ~dir alnógrafos, mas na vertla-
eTse proble:ma muilO um dia aqui com o Schemberg: de de não era só para isso. O sentido verdOldeiro. profundo, era o
acha que inclusive não e:xiste: pardcipaç30 ou o proble:m:!, de uma verdadeira curra - Caetano reagia passivamente, rt"u
talvez pda e:xage:rnda ge:neralização dele: em relação a isso. O como diz voce. mas a coisa me apavoroU' tal a fúria coletiva
que acho é que o lado formal do problema foi superado, h.l em oposição 1Is nobres e delicadas intenções de Caetano: um
muilO, pclo lado da ~rdação nela mesma-. dinâmica. "d.1 poc:ta. sensibillssimo. de re~n t e é jogado como numa arena
incorporação de: todas as vivências do precário, do não- de feras. mas fens. não animais dos qUOIis você ((~m que se
formulado. e ~s vezes o que: parece panieipação é a enas um defender mlis flsica do que psiquicamente, mas feras-gente ... J!-
~~alhe dda, porque na verdade o artista não pode medir como eu e você, crianças QUjlSe, cada 11m ª projetar sPa prg.'l
J:ssa parlicipação, já que cada pçssoa a vi vencia de um modo. pslquica de modo terrível. Cai$i pior ainda aconteceu: na
Por isso há a lal vivência, insupordvd. de deOoramemo, de droga do festival da canção, nas diminatórias em São Paulo,
posse. como se de. cs~clador. dissesse: "quem é você, que que assislÍ pela Ielevisão, a fúria das torcidas organizadas, na
~ me imporia que você lenha criado isso ou nao, pois esrol! platt.ia funcionou como a aclamação, de modo igual, s6 que
aqui para modificar tudo. esta merda in~porrável que me: dá no reverso da moc:da, mas no fundo va ia e aplauso se identi-
vivêneias charas. ou boas, libidinosas t foda-se você com tudo ficam como devor ..ção. A platc:ia gritava. V2iav.. como nunca
isso pois o de:voro. o cago depois, e o que interessa s6 eu vi acon Tecer aqui. a ponto de não consegui r cantar. Quando a
posso vive~c i ar e você nunca poder.á aV2liar o que sinto e música foi classificada, ar foi pior: a intenção intelectual de
~nso. a Tesão que me devoraR. E $ii o arrista estraçalhado da destruição como que tomou consciência de si mesml. Se
;isa. Mas é bom. Não se redm a um masoquismo, como se Caetano estivesse ao alcance das pessoas teria sido destruido
J
7 0 ' C "'RT"' $
."
I
I

Hélio Oitlçic ..

de modo horrfvc\: todos gritavam bicha, bicha, bicha, e jo- repressiva, o que desconcerta e libera forças realmente im-
gavam ObjClOS, pedaços de madeira nele e nos Mutanres e previsíveis, e nisso, creio, você calca muim a sua experi~ncia,
viravam-se: de: costas para o palco. Alas Mutantes também se o que é também alramente revolucion:irio, ~ o grande pro-
viraram de costas p:l.ra a platéia c Caetano p:lrou de cantar blema da atualidade.
e disse as coisas mais dram~tica$ c profundas que j~ vi, não Creio que a grande inovação nO$Sa é exaramente na forma
pelas palavras cm si, mas pelo sentido que das encerravam c: o de pa rticipação ou melhor, no sentido dela, no qu~ diferimos
que representava ele ali naquele momento. Poi incrlvel c sabe do que se propõe na Europa supcrciviliuda ou nos EUA: h1
o que me lembrou? A cena de Napoldio do Abel Gance uma "ba rra mais pesada" aqui, talvez porque os problemas
diante do tribunal. com aquele trav~"j"g que o Cance fez tenham sido checados de modo mais violento. Por exemplo,
imitando o movi mento do mar, se lembra? Isso é que: é tcrrl- a sua fase preta de Ii~ha br.mC:l., o u mesmo a amerior. o u
vcl: a~cntre :.li intenção do anisI3, sempre nob~, mesmo a quebra da moldura, contém uma dramaticidade f ui
te .• c a fúri a d a relação participativa. Creio que aquele mo- gm~riI nesse !ipo de pintura, que na Argenrina também não
mento me revelou muita coisa. principalmente pela aparên- se deu pois o povo argentino, em certo sentido, é mais civili-
ci.. ~bcm llU[rid a~ d:as pessoas, da füria destrutiva, como se: zado, mais europeu, que o nosso: o Brasil é uma espécie de
aquele momento de desrcpressão fosse: uma chance para a .J / síntese de povos, raças, costu mes, onde o europeu fala mas
destruição, o que se:mpre é, em ceno sentido. Mas é um boI!! ' " não fa la tão alto, a não ser nos meios universalistas acadê-
rene para a validade da proposiªo: a não-aceinção passiva é micos, que não são "criação cultural", mas sim arremedo. A
mais importante do que aceitar tudo, e nessa JinSmica da criação, j:i mesmo em Tauila e principalmente Oswald de
relaí!.o crescem novas po~ibilidades, mesmo que dolorosas, Andrade, possui uma carga subjetiva que muiro difere do
mas essenciais. Creio que talvez em Veneza voc~ tenha senti- racionalismo europeu, é o nosso "pU", que Guy Brett soube
do isro em relação 11. obra-espectador-criador, e essa vontade muiro bem entender e que os europeus vão ter que engolir,
de mad-Io, de afastar a tesão insupon:ivel das pessoas, é mui- ali:is com gosto porque eSlão cheios de tudo e parece que a
~' - ro imponanle na dialética do problema: porque dar não afas- civiliução saturada eu:i secando a imaginação deles. Nessa
~a o tomar, pelo contrário o eslimula, de modo erótico tam- forma e desse ponTO de visra, explica-se a liderança de van-
bém. Como diria Marcuse, libera o Eros reprimido por arivi- guarda que é exercida aqui no sentido universal: o Brasil esr:i
dades repressivas: o ulaxda panicipaç:tio é uma a!ividade não des!inado a ser uma espécie de Ifder do tercei ro mundo, oq a

7 2 ' CARTAS
· 73
'Lo

;>;}tmb 17 'lIlCJJIlJ.L ap ;lu11Ll J[anbcu Tl;l:);l.n:clc 'OU!U;lW &.Ia ap o!:~!sod cwn Jod '~ºdOJd scm eUI5JW !5 ~p l!pCU~!lc ;;IpCp
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-ul!'ob 'a ';S!QU!(fJ "7:1 Plufl1?,\ 'u!u!ml.frW".JJvw:;,p red!JU!Jd -::>!:>O$ eWIl e1:>ul1u::>P 95 o"u ~Ilb 'JOpe!1=> op oP!5od c olep
1011: o 10) :113 (['l:nb ;)Cp:s 'pJCpO~ ap [c!ual} 1011: mil 'pm:n wX! lC!:>oS 0ppu::>s ou Je:>0l0:> W!5 sew 'e~JOj ~ I':U!~JCUI J;;I5
;:JJJJ1J-uca[ o n01UO) oplln~$ 'JSU;)!s!JI:d ;lpmUJAn[ c 'ere:lsa J~l::>nu ;)P no [eU!~lCW ;)pep!nICl~ cp Cll!Jl ::>s o"u :oue:;lsn:>
apuCJlJ wa Jcpu:mu u! c t:!Iawo:l uou!'!::! 'spcJ wa JI: ;uuaw ' JCW Olp:>UO:> ;)$S;) c ;;IJUCll\:;lW::>$ O~lc oJ;mb "w:;l~JeU/ ~ OIl~!5
-rcdFmpd 'l!lUCPIllQ o}U a W!AQW o 5!eW epu:muu! asn:m:y..j' -od" O~!p opucnÕ 'c u![cl!dJ::> ~pepJ!:>05 eWllU lCJ::>'i! w::> W::>J
'SOP!lU;)$ 50 SOPO) lUa 'Vn3 sou ~oJ'ibu J;)pod~ ap C!Ju~nu'C -S!X:;l ::>nb 50 OlUO:> :;lIUCU;;I![C 0IlU ::> 'OA!le1J:> 'o!l5IlpoJd-01l~np
c 'naAJ J:lS J Jllb SOJA!I sO[Jd 'OllllW nO ! JuJIlUU ! ala :mb -oJd cp 1CJJ 0P!IU :;lS ou seUl 'OA!lIlpoJd? C151lJl! 0p 01.j[c<JeJ1 o
!:lS SI!W 'O!J?j}01I. J uos>pc[ ar 9,\CJH: O!;)" ;lIJ aJqos 1)$ :mb :::>IUCU::>![E OA !lnpoJd olllCllllJI OC S!CU!'ilJCUJ SJ!,Cp!APC W;!:>
Opll) Jnb ossaJuo:) 'V03 sou Jnb 01;;1J::I ';;IPUO WJq !JS OJ;U -J::>)(;) :;lnu sJ\;)nbc lUO:> '? 0.JS! '(cu!l:hcul o wo:> WI'!:>!Jl1UJP!
aluaulJ o!JJuod OPCU!sscss'C 10) J C!l?'illV cp eJJJnj} cp nod!::! ;)$ Jnb OSS!U j> ;) '"sopc:>!J!SSCPS;)P" ;)P ewel.j:> ~p ::> nb o 0"5
-!1J cd a1;1 :OlUS;!W 'C!:lu?!J;lclxa 'C1Jd 'O!JfUO!JIlIOAJJ wn OluO) sew ' CP!u!J;)P (C POS ";)5SC[:>,, lu::>nS50d OJ<U s!od "J,lU;;IWICU!'iI
'C!:lU;lA!" uout!d ''CU!1!!J?! Ol!"W CPU!'C opow OUJ:) Jp 'OjOS -JCW wJ~en no oisl!' C1:>U?!:>SUO:> W?l Jnb 50 01<5 ':>IJ 'SOjOS91!J
-9\!J owo:> C1ClSUO:> JSIDJeif'i J llb o Jl1b elpe 01l?~0"M 'nmpe 'SCIS!UE 50 'JSIl:>JCjI\l CJCd ';)ISJ J nb JO!d no ::>IS;)P O!l~!]JdJl c
Jnu o e~!p J e!rJ 'cJ;ldsJ Jp e:>0<l eu pSJ ff seul !\ o O,"U ep CfJS 0IlU OJl1l1lj o ::>nb CJcd opunw OAOU wn::>p 0I.jUOS ° W?<J
-U!V 'spcd WJ nJ[ o opuenb uO$>pef nO:>!J owo:> 'J\;;IU opeJp -WCI seul OPCH!UUO:> IlSSJ cm:,! O!<U 'W!W CJt:d 't:1S!le!JJdw!
-!A JluJwlelOl pSJ O!J?~0"M 'S~IUOW SOIl Jll J~Aetl ~A~p J nu J -EIS![t:l!de:> JJU;;I W[ClC) J;)$ J nb CI.jUJJ O!<U ;;Inb llJlno cwnu op
JJJJes ~p opy.jJJd wo:> '#J1J.. '1 ~p 11111«'1' 1;7 ? OSOWC) 5!eW -Ul:SU:x! E1S!1C!JJdW!-j>ld CJIllTlJlSJ es~p O"~C:>!J!POW c JC1U;;IJ
o ~nu OpU~5 'J[ ~P SOJA!] sOllyA FH '"0:>!5UllIJW,, wn CUJOI ~5 SOUJW oc 'O:>!I}J:> OpOUI ::>p W!S ::> Jpep!lelCj I'!WIl OlUO:> el
~Sn:>JEjI\l Jnu olU,JlO!A Olll ? O!J?~o"M OpUI1~~S Jllb 'ollyuo!:>n[ -fl!J:>C O"U 5t:W OSS!P e!:>U?!:>SUOJ E ::>S-J;)] j) 'J;;IA Il;;lW C '::>]U::>W
-O~J 'ou!nboJJew OJ~~U wn 'UOUf.J 7JUe1tl :woq Ol!IlW O~[l! -IlJ!]!IOd 'OSS! t!Jed clu!d t: epol W~l :0:>!19<Jt:!P::> JOpCU!WOP
e!J[ ';;ISn:>JEjI\l ~p W?[V 'o,"ss;)JdJJ-s!"l:w l!S~p o!<~u~lIluew 'Vn3 SO olucnb l~AJJJ;)] O!<l 't:ls!jc!J Jdul! sJ1!d OAOU wn ;)U10l
1
ep ::>pep!5~:>JU ! ~AIOAU;) ~nb o 0Plll::> ,,o!<ss::>Jd;)J-s!ew,, c 0"5
0

;)S 1.;)Alc1.. 'OSS!U odwJI ~S-;)Joq 'scif'i <JIU;)W ICPO$::> e:>!IJ[od


'WIl epe:> ;)P ~tp!sd ~ ;)IUJJ;)U! 'lenp!A!pU! 'lCJIllCU o,"SSJJd w?<JWCJ ::> '<:>1;) 't:!?dOJn;) OIl~t:l!W! 'sll:>npll:> t:ml(n:> cp::> OU!S
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89 6 1'11'(1 ,,::O,::>P!O <)lI;<H


Hélio Oiticic;o

UnIs (QUps. se lembra? Imagine que de veio aqui cm casa, e eu coro na tragédia grega, que era o representante do povo, ou
ia mandar uma carta para você por de, mas ffieatrasd e quan- da colelividade, para os gregos, mas só que aqui a sublimação
do vi de j.i c:stava embarcando para a França para fazer um dclcs é outra coisa: ~ o deslanchamento da aç.ão sem subli-
filme com o Pasolini. O cara tem uma personalidade incrível. maçáo, ultra-improvisada, contando com õ imponderável
Ele veio fazer um filme com o Cad Diegue$ (O brado r~tum­ i mc:smo. O cenário é cslranhlssimo, pois parte da plar~ia en-
bantt) e contracenou com Rog~rio e Caetano. Ele aclarou Ro- tra pelo fundo do palco, além das ações de todq mundo do
güio e disse que ele poderá $e tornar um grande alar, O que programa. At~ eu entrei para escolher o melhor calouro do
entusiasmou Rog~rio que j~ deve estar para ir para Paris. a dia e a Nina também, mas o dda ganhou por aplausos. Foi
qualquer momento. Que loucura, hein? Você adoraria bacana à beça. OUlfa coisa louca que vi ontem: a rainha
conhecê-lo pois de ~ muito seco. inteligentíssimo, c, conres- Elizabeth, da Inglaterra, passou a poucos.merros de mim, na
so, me lembrou muito você. Falei com ele sobre você pois ele rua, num enorme carrão Rolls Royce, pintada feiro uma ve-
gostou do quadto prelO de linha branca - esse quadro é um dete ou misso Batom carmim, a cara branca carnuda, pare:ceu-
verdadeiro teSle de imdigência: quando alguém o nota e gos- me sabe o quê? A gralldt bicheira desfilando de carráo, como
ta, aI penso: bom, esse é porreta! Lygia. estou enviando tam- se estivesse dil.endo: "cu ~ que sou a boa, ouviu. seus merdas~,
bém um poema, dos que estou fazendo, diga-me $e gosta. pois a malandragem dela é bem como a de um bicheiro -
Este é dos mclhores - si nto necessidade da palavra, palavra- viver bem, s~r admirado, e diante deles rodo mundo ~ od eio.
espaço-tempo, e objem-palavra. tudo no fundo se reduz à Fiquei gostando da rainha:': como a miss, a vedete. ele. Velhas
mesma expressão só que por formas diferentes - mando corocas. crianças, mães, todo mundo corria loucamente.
também outrO, que resolvi agora. exciradlssimo para ve:r a supermãe. "a mulher~, que passava.
Fui ao programa do Chacrinha. servir de júri, com Nina Verdadeira loucura coletiva. O pessoal da Mangueira dc:sfilou
Chaves, imagine. Parece que da é que exigiu que fosse ou eu para da na Embaixada, e: devem ter-sesentido realizadlssimos,
ou Rogério, por quê, náo me pergunte, pois delesto a coluna pois se: vestem rodo ano de: nobres, mesmo de reis e: rainhas, e
de fofocas dela. Mas, a experiência foi genial. Chacrinha é de: repente apa rece: "a rainha~. imagine só que análise grupal
realmente incrlvel, e, pela primeira vez, semi que o "plíbli- genial! Isso é que ~ bacana hoje: a rainha, Chacrinha. Elizabeth
co". na platéia, é Ião alor-participame quantO os que c:stão no Taylor, todo mundo ~ a mcsma coisa, como se num gigall1'esco
palco. Há um calor comunicativo que me lembra o papel do [earm onde rudo acontece - o consumo-rearro ou a pr6pria
j

76 • C A RTAS

, I
lIélio Oltich:a

gel~ia geral (arcnçáo: cm: rermo foi criado pelo D~cio LJgia Clark.
Pign:nari, e é mui 10 bom, não acha?), Só n:ia acho graça é /4, Ru( CalJini. Paris. /4jm~.
quando aparece um chalO fciro Nixon na geléia - Jacquelinc, 14./1./968
C'x-Kennedy. Onassis, c:sta é b .. o na: é a su~rmalandra. Ali~s
Onassis é o rei da malandragem de classe dominante: a barra Meu querido H élio.
dele é pesadlssima, confesso que não agücnlo (vide Maria
Callas). Lyginha. vou cnc.:rrando por aqui. Escreva logo di- A cabo de receber sua cana e aqui vai um:!. resposta ultra·
'lendo pra onde mando o m'llcrial c vou logo preparando rápida, pois é urgente pan você os dados que te darti.
tudo aqui. Ok~ Calc:1dário também. Mary ficou de O martrial para. o RJJobo que ser:!. o ng 5. publicado cm
datilografar o texto do Mário que uiu na GAM. mas o seguida ao meu, você d tve mandar direlalTIente para o Jean
problema é que: não há meio de: arranjar-se: c:ssa CAM que: foi C lay (55 Avenue du Maine) P.uis. 14 ~onc. Mande com m:lxi·
a primeira. Eu pensei que C'5(av;a aqui um número, mas é jus- ma urgêneia pois ele tem pressa e também mande o maltrial
tamente: o primeiro que eu não possuía. Estou indagando a traduzido senão dar:!. muita complicação. como no meu caso
todo mundo para ver o que se resolve. pois na sede da revista em que tivemos que retraduzir tudo e foi infernal. atraundo
só há parece um. Em líltimo caso vou l;l e copio U mesmo. muito o número também.
Vamos ver. Até logo com mil beijos. Raimundo disse que vai Quanto ao Joelenbcck já mostrei a ele, que aqui esttve,
escrever, o que não fez porque não leve tempo: está disposto fo tos do livro do Guy BreU e de adorou e ai nda ficou mais
a se dedicar h atividades de cinema e prepara novo roteiro. entusiasmado quando soube que os Ir.lbalhos já estão aqui na
Que ótÍmo. nãoi Europa. Mande direramente para de fotos, slidtl, etc.: Galerie
Beeeeijos M. E. Theltn. Monsieur Kerl E. Jodenbeck . 43 Essen,
Hélio Saarbrticker St rasse 36. Alemanh a. I! a melhor galeria. da
Alemanha. Mande o mais mpido possível pois o Kuherman
deverá estar na minha exposição que sem dia 30 deste.
Um grande abra.ço e depois seguir:!. carta com mais vagar.
Cla rk

--
78 • CARTAS
...... .. . .. .. .. ..... . .... . .. . .
Lygia Clarlt. 6timo f:,aro c: ii única condição dessa gilleria é que: não lenhas
14, RUL Canini, PllriJ, /4imt. Franu. exposto ainda na Alemanha. Mesmo que haja alguma dú-
/4./1.1968 vida quanto à aposição de Londres o melhor é ficares calado
aI no Brasil pois inleressa mui[O o Iraman.ry te dar os 700
Querido Hélio. dólares. ri? E podcr:is vir de qualquer mandra, pois o pessoal
da Exploding tc adora c podcr.b mesmo ficar o!, ClSoI ddd.
Mand~i um.a carta para você antcs dcsra com os detalhes Acho que ati mais do que na hora de vires, pois isso af
que mais t~ intercsuV2m. Agora lõi vai a minha resposta ver- foi ótimo por nos tcr dado malC~rial pan. ii nossa formação
dadeira a sua cana. Pda sua carta par~ce que a sua exposição mas, quanto à obra ou ao pensamc:nto, é o fim do mundo,
aqui, ou, por outra, ~m Londres, vai sair. Não sei se você re- um buraco, c nunca ficarás conhecido c ainda com dinheiro
ce1>cu uma carta ou aviso do Guy Brell sobre o lal dirctor da
para fazer outros trabalhos. A meu ver é absolutamente
galeria qu~ d~ havia arranjado para você. Par~c~ que o mes-
necessário que: venhas dcqualqutr ma"tira. Um anisu como
mo saiu da mesma. Não sei se a exposição said ainda assim,
voc~. com ii obra que tens, será rcconh~cido rápido ~ olha, no
mas O Sérgio Camargo achou conveniente te prev~nir. Nós
meu caso, se tivesse vindo mais tarde lalv~z nem dv~sse
não sabemos d~ nada urJO mas há um mês, mais ou menos, o
adian tado nada. Ii. a minha hora, n:io hõi dúvida, e acho que
Guy leI~fonou para o Sérgio e falou que o lal direlOr estava
indeciso, etc., etc. Depois disso, soubemos não pdo Guy, mas também estõi na sua hora. Que carta mal escrita...
pela IUrma da Exploding que o mesmo havia pedido de- De qualquer maneira, para mim, as coisas estão corr~ndo
miss30 ou coisa parecida. O Guy te escrev~u depois disso? como um rio e rudo esti vindo ao mesmo tempo: Givaudan,
Eu não sei de nadA ao urJO mas estamo.s preocupados ~u e o Jeremy Fry, 1im~ Lifo, Thelen, elC., elc.
Sérgio quanto a esse problema. Foi uma das razões por qu~ E também dinh~iro enrrando avançado: mil dólares
te escrevi dizendo que se essa exposição demorasse a sair eu da parte do Joclenb~ck e o mesmo da pane do J~ remy Fry.
eslava :uranjando para voe.! a Thelen. Naturalmente, mesmo Quando é que no Brasil iria acontec~r isso~
que essa de Londres saia a da Thelen sair.i tolmbém, d~pen . Isso ai é ólimo para medlocres como Sdiar, Marcier, etc.
dendo do Kuh~rman que é o conselheiro de Joelenb~ck . Que coisa fandslica a reação do pessoal dai contra o
Quanto ao mesmo, n5.o lenho dúvidas, pois jõi te disse e re· e
Tropidlia! de estarrecer pois tudo mudou mesmo em re-
pito que é o melhor crftico da :Hualidade por .. qui. Tem lação ao que foi o grupo neoconcrelo ...

• ."
.., . " . • <)68
...... . ....
o nosso grupo eu pouco popular, pois era um grupo de foi problema para mim. Sempre achei fabuloso ter dado algo
artistas intel«lUais que não tinha contacto nenhum com o de meu trabalho para alguém se expressar mas não estou
povo. N esse caso, em que o Cacta no V. é um Ido 10, é de estra- habituada a sen tir que me deram como agora. O que me eon-
nhar! E, contra o neoco ncreto, eram tamWm artistas como sola é saber que nesse momento estás mui[õ mais maduro.
nós ou intelectuais que abominavam nossas idéias. Deve es- não pela aceitação da própria influência. e que foi um homtm
tar havendo mes mo uma sín tese como você me disse, pois só que me deu coisas e não um irmão. En. como eu vivia o meu
assim se expl ica essa agressividade. Mesmo que eu esTeja d e problema com voce. Ou mãe ou irmã. De mãe, nada mais
longe e mesmo que ar não est ivesse pOT dm/To, estou absolu- tenho a dar, mesmo em relação aos meus filh os. J:I estOU farta
tamente solid:iria como se rosse comigo: I11hos da pura. Ali;is, d e ser se mpre a m ãe e tamWm o pai. O meu di:ilogo agora só
eslOu fazendo uma série d e m:iscaras ~ nsoria is que lembram existe na base do equilíbrio, mas mesmo assim ai nda posso
muilO o seu Parallgoll Talva pelo m aterial empregado, pois me dar com alguém sem diálogo. ~ incrtvel mas é a pura
uso uma espécie de sacos d e aniagem em cor com pedras e verdade! O que não posso aceitar mais é alguém deptndmu
sacos de pláslico cheios. São imensas e quando se olha no de mi",. Nem sei se agon. não poderia ter uma boa ligação
interior debruça-se num verdadeiro abismo! Vivências essas eom o Schemberg. pois lalva antes ell lambém nao oaceitassc
qu e com eçaram quando ho uve a crise co m o jovem da bem porque ele me dava muito. Como a gente muda e que
Exploding! Parecem papos de aves, barrigas de animais. e 1:15 desencontros ou encontros fabulosos a vida nos dá!
vezes, além de m:lscaras, parecem mais Toupas. AI tamWm PrCi:isa rfamos de mil vidas para experimentar mil vezes mil
lembr3m o PaTal/goli. D esculpe se estou te digerindo por coisas j:l vividas e seriam sempre experiências novas e diferen-
drc unst:incias do acaso e tarnWm pela visão que aprendi de tes ... Estou muito curiosa do nosso próximo encontro. Muito
[i em relaç.'io a esse material e também 11 própria co r! contente co m as notfcias do Amado e do Gerchman. Sempre
De qualquer man eira, o mesmo problema do sensorial aí achei que ele tinha muito talento e ainda agon. adoro a sua
esd e rambém do abisma l e a nosulgia do corpo que hil l.illdonl;a. O AntOnio Dias foi morar em Milão. Dizem que
muitO tempo me imeressa. Mostrei ao Sérgio, que também está Caundo uma coisa entre eu e você... Quanto à idéia da
ac ha que aprendi coisas com você mas que ld coincidências participação. como sempre existiu, existem artiJtas fiaro! que
de épocas e pesquisas. O mais diffeil para mim é saber que não podem realmente se expressar com pensamento e por-
lambi", lludemm roiJmcomo nesse caso. O que eu dei nunca lanto iluSIn.m o problema. Para mim existe sim e é o mris

82 • C ARTAS •• 3
importante. I! cxatamente essa "rda~o nda mesma", como minha vivência de defloramento não é bem a sua. Não sou eu
você diz, que a fu viva e importante. No meu trabalho, por que esrou sendo deflorad:a mas sim a proposiçio. E quando
exemplo, desde 60 é o meu problema e, se formos mais longe eu choro esse fenômeno não é porque me sinta tão :atingid:l
ainda, em 55 realizei a maquele da casa; "Construa você na minha integridade como pessoa, mas sim porque
mesmo o ~u espaço a viver-, Mas não é a p:lrIicipaçio pela escangalham lUdo e a{ tenho que f(;com~r a construir de
participação e não é dizer como o grupo do Lc Pare que arte novo o trab:alho. Ao conuirio. nem ponho as minhas m<iscaras
é um problema da burguesia. Seria simples demais e linear. ou roupas e espero sempre que venha alguém para dar sentido
-?:- Nada ~ndo-teIn essa in . ·dade e nada verdadeiro é a eS5a formulação. E quanto mais diversas forem as vivências,
linear. O que eles negam é o importante: é o pensamento. mail aberla ta proposiçio e então é mais imponanre. AIi<is,
Acho que agora somos os propositores e, através da proposiçio, penso que agora estou propondo o mesmo tipo de problema
deve exisJir um pensamento, e qU:lIldo o espectador expressa que antes ainda era arr:wés do objeto: o vuio pleno, a forma
essa proposição de na realidade está juntando a característica e o seu próprio espaço, a organicidade ... 5ó que agora através
de uma obra de arre de lodos os tempos: pensamento e dessas últimas máscaras sensoriais é o homem que se descobre
expressão. E para mim tudo eSI~ ligado. Desde a opção, o em toda a sua plenitude. e mesmo quando ele enche os ucos
ato, a imanência como meio de comu nicação, a (aha de de plástico (o importante agora é o f:azer lambém a m<iscara)
qualquer mito exterior ao homem que o satisfaça e ainda, na ele senre que ele esrá (na medida em que expele o ar e o phbtico
minha fantasia, se ligando com o anti-universo onde as coisas roma forma) se moldando, alravés desse mesmo espaço que
estariam lá porque esd acontecendo agora. Seria talvez pda dele sai, e tomando consciênci~ de um espaço próprio do seu
primeira vaa consciência do próprioabsolulo no agora. OUlra corpo que vai além dele, form a, para preencher rodo um
coisa que muito me impressiona é a juventude que também espaço ao redor dele mesmo. Eu. por exemplo, depois de
como nÓs quer se d~r sentido de dentro para fora em vez de formular esses grandes sacos com o meu pulmão, eu sinto
ser como sempre foi, de fora para dentro. A verdadeira quando deito no chão que poderia tocar com um simples
parlicipação é aberta e nunca poderemos saber o que damos gesto o leto do meu apartamenlO que rem nada menos que
ao especlador-autor. . cxatamenle por isso que falo num poço seis melros de altura ... Quase como se livcsse criado um ovo
onde um som seria tirado de dentro. não por você-poço, mas de espaço que me penence e me abraça. 5eri~ o Rtspiucomigo
pdo ourro na medida em que de atira sua própria pedra ... A mais orgSnico ainda e menos ilustrativo! O homem quando
J

84 'C"'RT"'S •• 5
põe: e:s.us m:bc:.u:u vir:l. um bicho auttntico, pois a máscara t. de:u c:ssc sc:ntido do abismal. pois vivi através dele: lOda a minha
um aplndice: dde:, e nao como as prime:iras onde: havia uma parle incestuosa que, diz o Marcusc:, é o lado da de:Slruiçáo,
mdscara dt vudadt. Viram morHHOS como elefantes ou pois no fundo é a busca do Nirvana. Vou ver se compro o
enorma ava com gr:l.ndes papos. Cada ve:l. mais a frase do Outro livro pois parece que sendo mais vive:ncia lalyez me
Pe:drosa funciona para o me:u tr:l.balho: ~O homem obje:IO de toque mais profundamente: e seja mais comprttns(vel para
si mesmo". Voct: vt, a participaçao t. cada ve:z maior. Nao mim. Esteve aqui o Fcrnando17 da Talula. Falou-me muito
existe mais o objeto para expressar qualquer conceito mas do Amado dos amados e me disse que minha obia era Bucera!
sim pata o espectador atingir cada ve:l. mais profundamente o Levei um bruto ehoque, pois leria sido o A.:nado dos amados
sc:u próprio eu. Ele, home:m, agora t. o ~bicho" e: o diálogo t. que assim a classificaria e te confesso que fiquei um bocado
agora co m ele mesmo, na medida da sua organicidade e: danad:;l ... t bruni, mesmo que assim seja! Amém.
também na med ida da magia que ele pode empresra rde dentro Conversando com Fernando a respeito db seu filme que foi
dele mesmo. Quanto ao problema do Caela no, t. diferente, premiado em Locamo, cheguc:i surpresa ~ conclusão de que
pois ele t. :l.Iingido na sua ~ssoa mas é um !d%, e t. o oposto de era uma pessoa inrdigente! Mas depois, quando falamos
de mim, que nada mais ten ho, nem mesmo de anista criadora do Pasolini, a resl>cito da sua atitude ultraElScista a respeito
que dá uma obr:l. ainda torai que no fundo seria o me:u Eu. dos jovens, vi que náo era t ~ln t o assim, pois de justificava a
Perco oda dia mais a minha personalidade apare:nte e entro atitude: do P. (pula? .. ) através de um poema que o ma mo
no coletivo buscando um diálogo e me rc:aliundo aind:l :i.tr:l.Vt.s havia feiro para justificar a mc:sma atirude:! Poema ali~s que
do espectador! E as crises, quando vêm, aparecem de uma não li, nao gostei c: na base em que há a justifica tiva, ou ele é
manc:ir:l. brutal, mais dolorosas ainda, mas passam mais r;{pido um safado ou muito burro!
que antes ... Estou procur:l.ndo ler o Marcuse mas é muito Mário deve esta.r chegando dia 23 e veremos se d:llempo
difrcil para mim que: nao lenho nenhuma cultura. O que dele escrever algo para o Rhobo que dever;{ sair :l qualquer
perce:bi nele foi o se:ntido que: ele empresta a Cristo na mome:llIo. Mil beijos e escreva!
de5lruição do pai, auroridade, embora para mim ele, C rislo, Clark
fosse importante: pela fusáo do sentido religioso dentro do P.S.: Adorei a poesia que você me mandou. Tem alguma
Homem. Evidente:menre trazendo dai e:SS3 rebeldia contra o influência do F. Gu ll ar~ Não estou cert:!. pois quase não li :l
pai, autoridade, enrr:l.ndo ai a opção de liberdade, elc. Percebi, Luta (orpom/, mas é bdlssimo ... Adorei lambém a letra do
também, que: c:ssa minha erise eom o jovem da Exp/oding me Torquato Nela que tem :II genialidade do rio que flui ...

815 • CARTAS · 67
Hélio Oitlclc'll

Lonám. 24. J2. J968 Estive com o pessoal da Exploding Galaxy, e conhed o
Edward Pape; achei-o genial, lembra. muito o Saldanha. aquele
meu amigo de que lhe falei. O Pape tem uma grande admira-
ção por você e por seu trabalho. o que muilO me alegrou; até
Lygia querida, que enfim aparece gente que nos respeita e admira! O Guy é
geni.l. gentil/ssimo, e a Carol também. Hospedou-nos aqui,
lEnau para lhe escrever h:i &as. mas a loucura pt~omina mas estOU meio gau(h~ em relação a isto e doido pra mudar,
e só agora consigo. Falei com M:lrio e Sbgio pelo tc!c:fone. pois é demais o trabalho que j~ dei a ele e continuo a dar. A
Que loucura no Br3sil, heinl l magine que não r(cebo nada de exposição ser~ a 18 de feve reiro. Queria muito que voâ: es-
l:i e j:l cansei de escrever pedindo nOI/cias e nada. Estou preo· tivesse aqui. Se r~ que vai dar pé? Afi nal estamos Ião perl o,
cu pado com Rog~rio. pois ele vem em janeiro num navio, agora, e aqui ludo é mais fáci1. Achei a comida baratlssima
que arranjei de con esia, que devcn. apanh:l.lo cm Salvador. em Londres, nunca vi tanto assim. Vamos ver agora os aluguéis.
Será que de foi preso n3 lal blilz fascisra~ Torquato esd Mas alugarei o mais miu que houver. Se: você vier até aqui é
agoniado pois a mulher dc:le até agora não deu sinal de vida, claro que ficará onde estiver; vamos ver. M~r i o disse que pre-
c como de é fichado pelo Exército, desde 64, 131w:'L a tenham tende vir, mas havia problema de dinhei ro. Estou escrevendo
pegado pra dar conta dele. l! uma merda, e dve sorte em sair artigos para o jornal O Pais, pelos quais recebe~i 60 dólares.
quatro dias antes disso. ainda mais que, na seman:!. do negó· A Embaixada deu-me 4 10. Com mais 80 que tinha traz.ido,
cio. saiu uma reponagcrn da Marisa. a CO(($, no Cruuiro. creio que d~ pra agüenrar dois meses, sei loi.. H.f um sujeito
ch:lmacla "Margin:llia. arte e cuhura na idade d:.l. pedrada", que~ndo comptar coisas min has; aI, sim. Estamos artan;a n-

onde apareço pcndutado pelos pés numa ~rvore, vestido de do dinheiro para construir novas coisas. ai nda pra expruição.
sambista com a bandeita do Guev.u a (feita pelo Toni). Só Tenho muito que faz.er aqui, inclusive conserta r coisas es-
espero que nao estejam a telefonar I~ pta casa, pois minha tragadas. o que me enche o saco. Fui a um espetkulo o nde
mãe anda nervoslssima com uns telefonemas que j~ esca- uma mulher tirou toda a roupa na platéia, e nlio foi presa,

•• vam acontecendo afiles; imagine agol1l, que estão com mais


poder ainda! Merda e merda, naquele pds só uma revolução
apesar de haver policia. Depois ap.rc:ccram o Joh n Lennon e
a Yoko Ono que enlraram num saco branco, germinante, e
lá fical'2m muito tempo, fazendo alguns movimentos que re-

• violenta!

00 • CAR T AS
."
I
......... . . .. lIélloOitíc:lca

ne:ti;lffi na e:strurura por fora. Ache:; bonito, como um ovo· quando estiver marcada a dala da exposição, o que já esr.t
úte:ro. Gostd também do disco que: dcs fize:ram juntos e: onde: Em lodo caso foi melhor do que nada, mas imagine você o
apare:cem inte:iramente nus na capa: Torquaro comprou-o meu nervosismo com tudo isso, pois já eSlava com a pana-
aqui e:rnbaixo na livraria Indica, que é a única a ve:ncler o gem de navio comprada. Foi o José Lima que tez inlriguinha
disco tal como foi fe:ito. Um crlrico, Paul Ove:ry, que: j~ escre:· com aquela vaca malhada, ali~s bem informado que estava
ve:u a nosso respdto (o Guy me: mostrou), aliás coisas 6timas, por Jackson e Rosa, que nada têm a fazer a não ser falar de·
pondo-nos acima de: Le Parc e ci•. , conhece a Yoko c vai nos mais o dia todo c atrapalhar toda coisa que se lenta fner. São
apresentar a eles. Estou louco pra conhc<:ê-Ios. pois o Lennon uns ch:atos e não escreverei uma linha pra des. Amigos assim,
tem muito a ve:r com muitos dos problemas que procuro e:r· passo. EsIOU mand:ando um cartão do Ucello. pois sei que
gue:r. Gilberto Gil vid a Londre:s bem na época da minha você o adora, mas na Galeei .. de Ane de Londres h~ aquele
e:xposição, isto é, se não e:srive:r pre:so (disseram que Caetano oUlro genial das lanças: incrível o ,enlido de espaço; lembrei·
est;\, será verdade~, pois nos jornais que li na Varig nada con- me o tempo todo de você; pena ~ que só tivessem cartão deste
sigo saber, estão censurados!). Mas Gil vai a Cannes para o OUtCO e não daquele; mas eSle também é bcHssimo, pois tudo
fc:stival da MIDEM, represelltando a Philips. e então dai virá ponui uma vinualidade espacial imprenionalllc, com muira
pra cá. Creio que ele fará uns IhoWI em Paris, aliás era o que ambivalência, o que supera de muito a própria época em que
estava planejando quando sal do Rio. Gerchman viria, mas a foi feito. Soube do seu sucesso na Alemanha, pelo M:irio, o
Ana Emília Beltrão me disse que ele escreveu dizendo que que adorei: vi aqu i o cat:Uogo com aquela foto famástica:
pretende ficar em N.Y. Lygia, mande· me o endereço da Sônia, voce é considerada hoje uma d.s maiores do mundo, pelo
sua irmã, pois quero mandar um cartão pra ela. Ela me aju- menos aqui em Londres. por lOdo mundo - e ~ mesmo, isto
dou muito nas vésperas de panir, pois a peste da Vera Sauer j~ sabia cu h~ muito. Valeu a pena todo o sacrifício. enfim.
queria trancar o dinheiro que a Embaixada me daria, argu· Eu, confesso, estou cansado de quebrar pedras - realmente

~(
menl3ndo que eu estava querendo vir pra cá antes da hora e só vou fazer esta exposição como uma nova experiência em si,
que 56 mandaria o lUlU uma semana antes da exposição; tele- mas dizer que acredito em arte, exposiçóes, etc . .seria negar·
fonei pra Sônia e ela logo r.,lou com a irmã do Mag.. lhães e o me, pois não acredilO mesmo - , estou fano, di muito
Don :u ello me atendeu pront .. mente. e mandou a ordem trabalho c a vida ~ muito curta. Adoro fazer coisas que nem
relativa a uma passagem de ida de avião; o resto V3i mandar pretendo que sejam nada, mas detesto promovê.las. impori

9 0 ' C ARTAS
."
'14. 1'1.19 68
. ... . . . .. Hélio Oiliclc:a

me aqui. acolá, etc. Nlio lenho saco pra isso. apesar de sentir mais do que de, com vampirismos ingles e lUdo.
cerro prazer quando vejo algu~m gosrar do que fiz, como o !-Iahahahahahahaha hahaha aaaaaaaaaaaaaaaa iiiiiii iii iiiii
Guy ou você, ou Medalla. Creio que realmente só pode gos- oooooooooM66 U\lUUUU\l\lU\lUUuu.
tar ou sentir quem pensar do mesmo modo; o mais ~ con- Queridfssima Lygia. minha única paixão, Jesejo-Ihe ma-
veru.. Estou interessado é em descobrir a marginália lon- ravilhoso Natal. Ano Novo e lodo esse babado, e quero que
drina. Aliás no navio a loucura foi 10lal, pois eu, Torq .• Gina voc~ conlinue cada vez mais botando pra quebrar - chega
(uma belga filha de embaixadores), os marinheiros e alguns de otários nessa Europa infecta. Agora é que eles cstão vendo
oficiais subversivos queimamos muito fumo, e eu lrouxe uma o peso da sua barra, que é ultratropicália c n;lo é conversa pra
mlHucona do Rio. Na hora de desembarcar morri de medo intelectual Oll boboca aficio"ado dar!: ~ culhão e barriga. Vou
de que me revistassem, mas nem malas abriram - a mutue terminando pois o TorqualO vai agora ao correio, e está im-
esrava nos culhões e cu mal conseguia andar. Deprimenle, paciente, depois de dormir mil horas.
mas genial pois não precisarei gasl2r dinheiro aqui com isso: Beccecciiiiiijos mis mis mis {nlio van der roe} mas beijos
aqui parece que é caro. Estou planejando urna fesla louca de reais. hahahahahaha.
Ano Novo, com os marinheiros do navio, a Lilian Lijn 13 (cslive Hélio
na casa dela 110 aniversário dela, achei-a ólima!) e quem mais
aderir 11. loucura. !-Ia! I-Ia! lia! Imagine que a tal galeria é no
lugar onde o Jack Estripador fez aqueles crimes geniais,
misteriosfssimo 11. noite, o próprio bas-fimdsde Londres. Gos-
tei muito da casa da Exploding Galaxy; é do Paul Keeler.
Pena é que o Medalla lenha viajado para a rndia; não há meio
de conseguir encontrá-lo pessoalmenre. Ele deixou recado pra
que eu vá pra M: mas, com que roupa, eu vou, ao samba que
você me convidou~ Com que roupa? eu vou, ao samba que
você me convidou? Keder telefonou, disse que daqui a pouco
vem aqui. pois acaba de cheg-ar de Paris: este é o próprio

..,
Dr. Jekyl e Mr. I-Iyde. mas em matéria de malandragem sou

92 • C ... ~T"'S
lIélio;> Oili c i c o>

Lo"drtt. 18.4./969 em vez de colocar tania coisa com outras (no seu mímero só o
que há de bom é o seu trabalho, essa é que é a verdade, pois
aqudas entrevisras com Takis", Lilian Lijn. et::. são o fim).
São informações preciosas para de. Inclusive, explique ele a
Lygia meu amor, que esrou reservando com prioridade uma série louca de
folOs que ampliei com o Guy; lenho convite dI? Stlldio
Aproveiro a ida da Raquel Br:.lune (da é quem consegue Intemalional pal"ôl escrever an igos e se ele não anda depressa,
tudo para mim na Embaixada aqui, e deseja muito conhecê- sair.1 lá ames. O que não quero é ficar com indecisões por
la pois trabalhou para sua exposiçjo na época da Signals) para parle dele. O que não posso também é gasl3 r dinheiro em
Paris p:.lra lhe diz.er sobre os planos com o Clay. de me telefo- Paris por isso. pois h~ dias em que mal COR10 para econo-
nou, Y.lgulssimo como sempre, e não sabe de nada, inclusive mizar. aqui. O Guy comprou um carro e quer ir com igo para
pensaY.l que o M;irio ainda estivesse ai quando h;i três sema- ar _ ponamo pass:lgem já lenho. I-lá :I possibilidade de
nas esd no Rio. Disse a ele que seria preciso a minha presen- ler lugar para. ficar na C3S:! do Peter Goldman (um cineasra
ça ar, pois os teXlos estão quase todos dadlogl"ôlfados em in- "ndugroll"d famoso). que não con heço mas vou por um
glês. mas u:~nho ceneza de que faria mil burrices ao lraduzi- amigo meu, Stanley (composilor) - mas ulve1. não dê
los. Aproveitcl alguns que j;i havia escrito para o l"urnational cerlO, n:io sei. Acho que já que vou lrabalhar p:ata eles o Rhobo
limn (ln e acrescemo OUlros uhra-inéditos e sensacionais, deveria pagar:1.O menos pel:a comid:I, moroll~ Diga.me o que
como o da Hermaphrodipotesis (Mário goslOu muito). Os acll:l e converse com o CI:ay. ~sar, meu irmão, escreveu di-
não inédilOs são informações sobre Tropidlia. Isto. eu quero zcndo (Iue pode mandar um dinheiro. pois eslá cheio dele.
lhe explicar e quero que você o convença da necessidade de mas não posso g:utar muilO com n:lda, pois assim que meu
publicar a coisa inteira sobre o fenômeno Tropid1ia, onde W tCIO" descer de um nlvel, mando-me para o Rio. Joelcnbech
incluo ourras experiências além da minha. desconhecidas aqui, n:io relefonou. Tenho planos ÓtÍmos que eSlão nascendo para
com música c tudo (Gerchman, L. Pape, R. Amado, A. Ma- ele. Ser.1 que ele é p:lpo fur:ldo, ou nã01 Lygia, converse com
nud, Lan:ui. Caetano e Gil, erc.). N!io tenho interesse em o Je<ln Clay e diga que posso fic<lr quanlo lempo ele quiser, se
aparecer desligado disso - prefiro nada fa"ter se for o caso. Se houver <llguma ajuda financeira. eu pagino e faço tudo. Prin-
ele for esperto e imeligente fará uma edição inteira sobre isso. cipalmente supervisar as Iraduçõcs. o que é mais imponanle,

• 95
........... 8 . ... 196 9 . . , ... . . .. . .
ok? Pode mandar lUdo pela Rliquel, pois ela valia na terça. úmdrn, 18.4.1969
Mostre coisas a ela, pois é simp:llidssima e faz sempre ques-
tão de ajudar quando preciso. Lygia, ralvez semana que vem
então eu v~, conforme o caso. O Guy est~ louco para ir logo.
Mil beijos. Lygia,
Hélio
Raqud, louca, perdeu tudo quando foi e n;io entregou a
cana, por isso reescrevo aqui; h~ pesso:u que se oferecem para
levar coisas e atrapalham tudo, pois agora estou mais arran-
do e mando expresso.
Como lhe disse o C1ay telefonou. vagubsimo como sem-
pre, e não sabe de nada, inelusive pensava que o M:hio ainda
esrivcsse aI quando h ~ três semanas csd no Rio. Diga a ele
que seria preciso a minha presença ai, pois os textos esrão
todos dadlografados em inglês, mas tenho certeza de que (.,_
rão mil asneiras ao traduzirem, e é imprescindfvel que se faça
uma supervisão na tradução. Aproveitei alguns de informa-
ção geral que havia escrito para o lnremQt;o1/a/ Time! (ln e
acresce:nto ounos incdillssimos e: sc:nncionais, inclusive: o da
IlermapllCodipotesis (que: M~rio leu e adora) - os náo iné-
ditos são informações sobre Tropidlia. H~ também sobre
ApocalipopóuSt. Isto, eu que:ro que você explique a ele o in-
teresse e a urgência de publicar tudo sobre o fenômeno
Tropid lia, sobre: o movimento em si, como se deu no Brasil,
com informações sobre tudo. fOIOS, eIC., incluindo música,
tcatro (Cacrano-GiJ.josé Cdso-Glauber), artes pl~sticas e:
Aporalipopótm (L. Pape, Rogério e o conceito de probjero,l

ge • CA R TAS
1I"lio Oidcio:; ..
.. ... ... ..
Lanari, A. Manuel, G~rchman), filme de Raimundo (vou es- furado, ou n.âo? Vou pedir ao Charles Sp~ncer para manda r
crever pedindo fotos do film~ urg~nte, mas $~ não ch~garem um Art 6- ArtuIJ para voce, pois saiu meu artigo, "A desco·
lenho l/ides do aconteCim~nlo ond~ R.,imundo fi! mou e faço berra do crelazer", com muitas foros e lUdo, e ainda um ed i·
pr~to ~ branco, elc.). Não tenho imeresse ~m aparec~r des- torial dele comparando-me com o Caro (que é mito aqui) e
ligado d isso - prefiro nada faur s~ for o caso~ ~a ~er~ad~ colocando--me corno algo novo em rd;!.ção à posição do Caro,
de dev~ria r.1l.er uma ~dição inteir.l chamada Iropldlta, a que ele considera velha, representante da artr: "ocide~ltal· bu r.
nova imag~m. Que é o titulo do tópico de informação. São guesa, etc. Veja que loucura. O artigo lem cojsas imeressa n-
informaçóes pr~ciosas parn d~. I nc1usiv~ diga que esmu r~­ tes, mas ele peca no lado filos6fico, quando mistura tudo, e
scrvando u rna sbi~ d~ fotos impressionantes parn eI~, que identifica impermanenci;!. da obra-objeto com não-burguês,

• ampl iei com o Guy. Tenho convite do Stlldi~ /~Itt",aJionn/


para ~screve r an igos, mas quero reservar pr~orld~des p:lrõl
o Clay, mas de tem que :tndar depressa sc~ao ~ao d :\ pé.
c vice-versa, o que não é absohll am~n t e certo, pois há mil
exc~õcs e contradiçócs para La l. Mas, com isto, me d eu um
C'.Irraz defi nitivo, que é comentado por toda a Inglaterra. O
O problema corno sempre é questão d~ dlllh~tro, paS5..1- meu artigo saiu bem, mas com um erro, pois em va d e /ieit
gem _ irei d~ carro com o Guy (d~ comprou um novo e escreveu iUieit, em relação à "recupenç50 dos sen tidos" . o
q uer ir comigo) _ , lugar pra ficar: tal~tt Ceres, ou P~ter que é uma burrice e um erro grave; mas vão corrigi-lo no
Goldman (um cineasta undergrollnd), e amda me I~mbrel do pr6ximo número.
Jean-Pierre Léaud (aquele ato r do Godard em ~ukmd, Lygia. mil beijos e vou colocar isto clpido no correio -
Mnsctdill-.ftm;ni", Ln chilloiu, etc.) que esteve ~m mlllha casa
escrevO) clpido com o Clay pois alé domingo lenho que de-
no Rio _ portanto apenas uma ajuda de CUSIO para me mo-
cidir para onde vou: ou para o campo, ou pa ra Oxford ou
vimentar, pois afinal o Rhobo é vendido e não posso badalar
para (l.ui!. ~IOll de cama esses dias com li ma terrível in-
em Paris gastando meu tUlU, que é pouco, a.não ser '1u.c Césa.r
flamação nas gUndulas de caxumba (mas n50 é caxu mba q ue
mande: mais como prometeu (of~rec~u, aliás) - pOIS aquI,
tenho, e sim uma infe<:ção louc:., e lenho que tomar qu ilos
confesso, há dias ~m que mal como p:lTa economiz.1T. 11:\ a
de antibióticos).
possibilidade d~ eu fi car numa universidad~ inglesa on.de
Beijos, beijos
pagam e ainda dão lwdio por seis meses. poLS tenho m.ullo
Hélio
trabalho a fazer ainda por aqui. Mas, este assumo d~ Pam ou
decido agora ou nunca. Jodenbech não telefonou. Tenho pia-
nos 6timos que est50 nascendo P;U,l ele. Será que de é papo

98 • CARTAS •••
. .... . . . .
. ......... .
l- 1I ~ lI o Oltiçiça

Londm, 7.6. 1969 ~ etc.) muitas vezes lxHando a[~ de lado outras coisas. Você,
pelo que vi ai em Paris, não acha o mesmo. Aquele dia, de-
!( pois que sal da casa do Lc Parc, chegara mesmo ~ conclusão
II de que seria impossível ter alguma ligação de"amizade como

~
Lygia, ames. com voct:. Depois, pensando. vi que são cúmulos de
mal entendidos. dc:sconfianças, compelição pueril, toda sorte
Ao chegar enconlrei aqui a resposra do Coppola 40 1 nossa de argumemo muito pequeno, dos quais me livrara definiti-
cura. Mando aqui a fotocópia e a tradução para que voct: vamente aqui cm Londres. e pelos quais não me desc:jo en-
leia. Para isso e por isso ~ que c:screvo. volver nunu mais. Pensei em coisas que acho importante di-
Como vê, o simpósio ~ sobre arU do tato (era rOluh e não zer aqui para aclarar de uma vez rudo isso: esse negócio de
gouch); obviamente tudo o que for levado ser;{ importado, e sempre co mparar meu trabalho com o seu, lentando di",;-
~ uma chance genial para você apresentar suas ArqlliulIIrar rmir o stntido profimdo do mtu, me irrita e na realidade não
biológicas, que são as coisas mas avançadas que vi nesse existe: no meu trabalho posso estabclc:<:er relaçóes a pOluriori
campo. Assim que receber esta telefone-me ou mande carta, ou não com o seu, mas nada devo a ele, nada devo a rJirtgui",
pois tenho que responder ao 1:1.1 cua e digo logo tudo. - sei o que faço e penso, por isso h:l anos escrevo para deixar
Pela urra pode ver o que seri isso; fi co contente em ver tudo c1uo, por isso também n:io posso admitir e aceitar foda
que não estamos tão isolados do mundo. Pense bem no que sorte de inltrprtlll(áo diminuitim que queiram fazer; isto, ~
deseja fazer e de que modo. Tenho algo a lhe dizer e vou se· óbvio. não implica em discutir problema, em assumir crhi-
parar por assumos: cas, como o fiz com o Pope aqui (foi a única pessoa que me
I) Resolver se vai só, din:tamente de Paris, ou se vamos fez alguma crítica que me interessasse. duranle a exposição).
juntoS, de Londres. Se vamos juntos. obviamente ler:! que ser Há alguns anos minha evolução tomou um cami nho que só
de Londres. pois ~ mais perto; seria ridículo pedir que me eu percorro; imposslvel seria algu~m fazer o que faço, ou muito
dessem passagem para Paris. par.. dai seguir para Los Angeles. menos influenciar-me em "como pensar- ou "como agir-, por
Quero que você pense nos prós e eontras. Eu. pessoalmente. isso também não entendo sua insinuação de que M:lrio tenha
adoraria ir com voct:. e como deveria Silber sempre procurei lransm itido alguma id~ia a mim. sua ou dele, elc.; realmente
ajudar na compreensão de $Cu trabalho (artigos, conferêneias,
,
inf<llntil isso ludo e ridlculo; quem ler meus anigos. desde

• 101
. . . . . . . . . . _ . . . ,.6 . I?G., H élio Oiticic;;o

Ptlra1lKoltaré agora, principJlmenre.a série do EJm, CulauT,


mim, escrevi muito sobre isso e ~ uma posição ce.al a ,!ue devo
Hl'TmaphTodipóuu, BnTTaráo, etc. verá que nao mimo e que
~I; quero u~ comportllmmJo, inte~~ exclua
neles há imagens e idéias para explorar durante muito tempo;
toda sorte de idéia co rr!!pt.a, peC]uenel. de;. ~"!.u ndo de...!rte" l..
respeilo Mõl.rio, mas jamais me deu nada, essa é que é a ver-
classe social (diferenças), intoledncia com pessoas nas rcla~
dade, em relação li idéia par.. obrd, bem entendido; minll.l
ções, elc. I loje não excluo ninguém, a náo ser as pessoas que
grande dificuldade e qualidade têm sido a de sempre me
autom:Hicameme se excluem por serem opressiva~; qucro de
manler fiel ao meu pensamenlo e não faur concessócs a nin-
verdade uma lransformaçáo 10lal du coigi, fundamentada
guém; perdi .amigos, perdi muira coisa, mas nunca deixei Ile
no comport.amenlO individualj lUdo o m.ais é inbnlilidade e
fazer o que quis, o que só m POllO four; além disso, procuro
mesquinharia, vedclismo, inlc1cclualismo excessivo. prccon ~
sempre defender e valorizar coiS2s que me dizem algo, corno
ceilO burguês. Digo isso lUdo a você porque lhe tenho admi~
o seu trabalho (principalmente de, prova disso: os milharc, ração, sempre respeitei suas id~ias, seu If:.balho; jamais distorci
de anigos que: escrevi até hoje. publicados, fora o que náo o sua imagem como o fazem comigo, principalmenle a(: fize~
foi). Essa merda de compelição, da qual você me ci la o caso ram uma espécie de "folclore" meu: sou paranóico, d eca d e n ~
Soto- Le Pare. penso assim: não pertence a meu mundo de- le, maconheiro, elc. sao as informações que sempre correram
pois que formulei .a idéia de Edm, e Crrlaur: é coisa vdh:l, ai a meu respcilO; mcu grande pecado: não conceder no que
do passado. pcnence à classe de pUllam~lJlos rOTTllptol, opres- sou; quando me diziam: nao vá 11 Mangueira. Pengva eu: n:io
sivos, que são a comradição do que quero com o CrrlauT. digo nada e vou, pois adorava; de repenle, aqui, tudo o que
Descobri por mim mesmo que não é uma coisa essencial do era "pecado~ virou vinude; lUdo o que de folclore me retrafa ~
homem; apenas um esdgio, se se quiser, e muito baixo, do vam foi posto abaixo, porque em lugar do maconheiro e de ~
seu desenvolvimento: quem precisar da competição "para fa- cadente descobriram uma pessoa inleligenle e criadora. Nada
ur algo" esr;í fora do que (luero; pertence à categoria c.apila- disso me amola demais, agora, mas o que me aborrece é saber
Una-opressiva que precisa eternamente se envolver em com- que "pessoas amigas~ foram as primeiras a fazer isso. Não a
pelÍção "por dinheiro", que é a úniClo juslific;lvd. nesse caso. cu lpo por isso, mas quero que pense em que poderia ter co n ~
Isso lUdo pensei pois para mim a idéia de objeto-2fle vend.l- tribuldo para e$$C folclore; se lhe conto coisas é porque so~
vd é coisa do passado - objelO-arte nio exisle hoje para mos amigos, e mais do que isso, você be:m o sabe:, e fi co se~.
t 02 • C ARTAS
. 103
lIéllo Ohh:ieôl

pre ansioso em lhe comunicar algo para compor uma situ:!-


tão bem, como naquela noite por Saint-Michel) não dá pé;
ção minha roral; por isso não entendo como voâ: joga a coisa
pense bem, meça as coisas e veja se não tenho razS.o.
em termos de fofoca pessoal, tal como citar o que Gaivão
2) Te.nho que. responder ena carta o mais rápido; se: quiser
disse ou não à Aspasia, etc. TamWm me disseram muita coisa
escrever, tradu'l.O e mando, e lhe mando a cópia da tradução,
que: jamais joguei desse modo, principalmente na presença
e.tc. Tenho que perguntar ao cara se é tudo re;almente por
de: terceiras pessoas, pois o faundo seria como se estivesse
conta deles, ou não. Não posso gastar um tostão nessa coisa,
incorporando a informaçio como verdade: - com isso h:1 esse sempre o mesmo problema. Nem roupa te.nho, por isso
uma distorçio intencional de tudo. Escrevo isso lUdo aqui ainda terei que comprar algo aqui. Sérgio me avisou que. a
porque são coisas que verifiquei, e, se vamos junros, o que vida está bem cara por lá. Levarei slitÚs para projeção e. o que
muito me alegra, é pr«iso que o ponha agora a claro. Est;1 puder. como aquela faixa preta (estou possllfdo) que está com
relação de desconfiança mÚlUa não me agrada, i ridkula, mas, o Guy. Não sei o que mais poderei faur; talvez escreva um
sei que i mais profunda, por isso sei que pondo lUdo assim i texto para ler lá, ou proponha Fazerem os Ninhos. Sei lá. Te-
melhor e resolve muita coisa. Na verdade me senti lxm infe- nho apenas trb semanu para aprontar tudo. A viagem é bem
liz. em Paris; não vejo grandez.a em nada; Jean C lay sem dúvi- longa: 6 horas de Londres a Ncw York + 6 horas de New York
da é o melhor de: todos, pois sabe ficar bem frio e impessoal a Los Angeles. Mas, creio que vale. a pena. Sei que suas ape-
às fofocas reinantes; mas, como sempre detestei mundo de rifncias terão uma receptividade e.norme por lá, e pra você é
arte e artista demais junto, achc:i tudo uma boa merda. Sei importante. agora jogar tudo para fora desse cfrculo mágico
que esta experiencia em Lang Beach pode ser importante; parisiense.
quero ajudá-Ia mesmo a comunicar tudo o que pensa, a 3) Conclusão: até o fim da semana espe.ro ouvi-Ia (escre-
introdu'Úr seu trabalho às pessoas; mas exijo confiança absolu t'a va, pois por telefone nao se sabe. nada); estarei aqui o te.mpo
no que: puder faur por vocf; posso muito: falo ingles, conheço lodo, exce{o segunda (dia 9) que devo ir a Sussex com o Guy
sua obra, jamais distorço o que: pensa. Portamo, essas três para acertar minha estadia lá. Se. encontrar Jean C lay ou Lc
coisas já são o bastante para justificar irmos juntos. Além disso, Pare, diga que esrou aprontando o depoimento para a tal reu-
nião, dia 16, sobre a Bienal de São Paulo.
su:! companhia é sempre molivo para conversas profundõls,
sirias. Mas, do jeito que. eslava em Paris (salmos algumas vez.cs
Um beijo
Hélio
104 ' CAATAS
.0 5
Lygia C""k. Pedrosa ou Clayou mesmo com voei:. Se você se sente dimi-
Cid d~s Arls. 18, R,u d~ L'llaul d~ Vi"~, Paris, 4 i"". nuldo com isso, não lramjira para mim uu probúma.
/0.6./969 Quanto ao terreno fofoca, paran6ia, vededsmo. etc., etc.,
nada disso é comigo e torno a te dizer: se te falei aqui claro
Iodas as veus que foi necesS<lrio, é'que sempre digo a voci:. na
frenle:, o que acho, dado o respeito que lenho por você, e:m
Caro Hélio, vez de sorrir como os outros (no dizer de: você mesmo) e ten-
lar frazer vocE para uma comunicarão ual. Mas C5tou um
lR.. eccbi sua ca rta ontem junto com a c6pia do Coppola e pouco cansada de tudo c peço enClrc:cidamente a você que
acho que evidentemente deve:mos ir juntos dai de: Londres, não toquemos nunca mais em tais assuntos pois de: nada
pois somos os únicos brasileiros co nvidados para o tal adiantará, e pelo vislo você como sem pre esquc:cc as coisas
simpósio. Gosraria de saber, e não se:i se: você poder.i. ao es- importalllC5 para sem pre se: queixar de mixarias ou disse-que-
creve:r a ele, perguntar como fa rei para levar algumas peças: mc-disse-que, etc.• etc.
Roupa-corpo, NOSlalgia do corpo, Rnpiu (omigo e também Já passei para o 3 R andar c estou melhor pois aqui não há
goStaria de propor lá Ali bon marr"l que re:al ize:i na Alem:t- barulho de música e dá de fre nte para o Sena! Tem também
nha. Naturalme:nte: levaria também o que c:.stiver pronto das árvores, chão e terra, o que muito me equilibra, pois o c:.spaço
ArquiulUrflJ biológicas o que por ora é pouca coisa. Será que: lá do 4R andar era uma e:spécie de precipício em volta do meu
poderias, respondendo, pe:rguntar isso para mim? apanamento ...
Vou fner um apanhado geral de sua carta que achei por Essa ca rt a é rápida, pois lenho que a pôr no corre:io hoje:
um lado clara e: por outro muito confusa. me:smo e espero que me mandes resposta dc:.ssa e também do
Nunca lentei rebaixar o seu lrabalho pois se: não te: achas- Coppo la, tá?
se: importante não faria nada que pudesse: ajud:l-Io corno re- Um beijo pa ra você.
nho feito umpu que pOSJo. Se proeurd ddxar claro a diferen- Clark
ça entre n6s dois é porque acho irnporunte que, embora fa-
çamos coisas parecidas, tenhamos lima diversidade de: pensa-
menro. Aliás isso sempre foi a minha posiçáo ao discutir com

' 07
I-I ello Oltlclc ..

Lo"dm, 20.6. 1969 corpo~. Conversei muito com o Guy sobre isso e 05 olhos
dde pareciam luzir com as idéias- foi ótimo de também ter
sardo um pouco desse drculo fechado daqui; pretende voltar
a Paris quando estivermos de volta dos EUA, aigo estivermos
Lygia qu~rida, de volta porque em v~z de vir para Londres irei para Paris,
chez Desdemone~\ (da eslá aqui e combinamos), e lhe ex-
]R~c~bi sua ótima c<lrla agora pela manhã; tudo g~nial; Cuy plico: o troço de Sussex saiu j:ol (estive 1;1, co":, o Cuy, allles de
ch~gou e nos encontramos num cafl! de sempre, em 5oho, e ele ir ar - é um lugar lindo, pc:rdssimo do mar, no sul, e
d e estava entusiasmado com suas novas experiências, confir- mais ensolarado do que Londres), mas só na terceira semana
mando tudo o que pcnsar:.Jj de tirou fOlos e estou doido para de sctembro, quando começam a funcionar as universidades,
vê-Iasj mas, a lentidão impera aqui: tudo leva sécu los pra sef e dão-me a bolsa até 13 de dez.c:mbro: dã~-me 200 libras (2
feito, lUdo I! longe e a incomunicação entre: as pc:sso<lS quase: mil cruzeiros novos), stlld;o e material par:.J fazer o que quiser,
que toral - é um m ilagre ler pessoas como Cuy, realmente, sem obrigJçáo de dar aulas ou conferências. além da liberda-
pois ele possui eSS2 "s impalia~ (num sentido profundo) pu.. de de sair quando quiser para Londres. ou para a praia. etc.
com as coisas, na maneira de ver, pegar, sentir. OUlra coisa Adorei, mas surgi u esse problema terrfvel de como csperar
que é importante nele é que quando acreditll em algo leva até dois meses; aqui na can do Mark não dá pé: foi uma burrice
o fim, sempre, essa espécie de entusiasmo inicial, que é im- eu ler voltado. apesar de ele dizer que muira falta sentiu, etc.
portante, pois não 11á o tal "envdhecimento" na apreensão da Sin to que [em urna ansiedade em saber quando pa n o de vez
coisa e sim uma espécie de disponibilidade sempre renovada; e[c., pois j:ol CStOU aqui desde janeiro, e chega. Escrevi para o
nisso o Guy é mestre, e por isso pode apreender tão bem suas Rio; César ainda me mandaria dinhei ro, e somado ao que
coisas, pri ncipalmente estas que são um apdo ao que é "dis- tenho daria. forçando rnuifO, para csperar aTé lá; mas. pagan-
ponrvd", livre e para cuja apreensão pedir-se-ia um estado do aluguel seria mais difkil, por isso pensei nessa possibilida-
"livre de pensamentOs corruptos" - n50 seria nada de "estll- de, oferecida pela própria Desdemone; Cercs ficará louca de
do infanrW, apesar das relaç6c:s óbvias, mas a "consci~nc ia de ódio, mas paci~ncia, pois já fiquei I:i um mês e ela bem que já
que h:ol algo que se prop6c e se pode manifestar fora de um começara a dar bastantcs indi ret:u. pois fui par-J ficar lima
enado repressivo", de imediato, "ao alcance da mio e do semana; veja só que merda infernal, e isso desde dez.c:mbro;
J

• 109
11.1.110 Olllcic ..

I
enou cheio; penSC'i mesmo em voltar ao Rio com a p;u.sagem disso, ~1lI car.her. pois diz coisõllS sobre Caetano que sabe que
de volta de Los Angdcs. mas, pensei burantc, e prefiro lutar nao são verdades, como a de que ele est~ preSO por ofensas ~
um pouco mais e aproveitar iI primeira oferra que me fazem moral públiGl. etc. Por aI você vê a mentalidade reinante na
como esta da universidade. Agor.l conto algo: do dinheiro Embaixada aqui. Outra coisa: vão mandar 35 minhas obras
que me darão 1-'. :li metade {C'roi que ser para comprou paS$;!- porque assinaram um papel. antes, do qual não podem fu-
gem de navio de valia para o Rio. pois o hamarary não me d.í gir; mesmo assim o OlinlO achou que os Ni"hol estavam en·
um tostão mais, :lpcsar de ler o Donatelo promclido. Amô- carecendo muito o transporte (imagine que ~ão desarmam.
nia Olinto esteve I:{ e vohou cOIHando (Raquel Braullc me por burrice do carpinteiro) e se recusa a enviar quatro das seis
disse confidencialmente) que estou na lisra negra do Jlamar:lly; peças, pois têm espaço vnio e custam muito. Ofereci entao a
sei, é claro. que o próprio AmÓnio Olinlo falua inlriguinh:I Sussex. pois em velo de construir lá, só pagam o transporte
pessoal, por causa do caso Embaixada-Obstrva-Caerano desses de Londres para ]:i, que sai barato. mas ainda nao
que callSOu todo aquele escândalo aqui e M, e 30 qual de responderam. Raquel Braune telefona Ioda a hora: estou cheio,
me atribui culpabilidade; na re"li&.d c quem incitou o ódio e com vontade de fa:z.c:r algo. que seria então um esdlndalo:
do Obstrua, e bem feilO, cOlHra a Embaixada aqui foi o Paul jogar essas peças no Tâmisa, com a presença. de fotÓgrafos,
Keeler, e acho Ótimo que o lenha feito para desmascarar im- etc. (Des<lemone já disse que quer exclusividade) e di:z.c:r: eis
becis como o OlinlO: Guilherme e Paul foram 1.1 e pediram o destino dos artistas no Urasil, e dar um depoimenlO com-
apenas que entrevistassem a Embaixada sobre a possibilidade plelO desse caSOi sed um esdndalo mundial- mas confesso
de trazerem Caetano e Gil para d; Olinto, burro, começou a que me sinto deprimido realmente com lod:l essa situaç:ío de
diur que os dois nao eram dos mais conhecidos e importan- merda; a primeira vez. que algo é feilo por mim (os Ni,,/'oJ
tes, e depois disse algo pelo telefone e OUtr,l coisa quando foram as coisas mais caras construldas pela Whitechapel. em
foram ];i - ora, pensa ele que um repÓrter do Oburll~r (e era malerial e mão~de-obra) tenho que jogJ-los fora, apesar de o
uma mulher diabólica, neta do Toynbee. um historiador fa- Guy esrar ansioso dizendo que faz questão de armá-los na
moso, imagine) é feito repÓrter brasileiro. que dizem uma casa de Glmpo dele; bem, talvez. ~ja a solução, dependendo
coisa agora e desdizem daqui a pouco, etc. Ela mando u brasa do que me escrevam de Sussex. Por ai você vê que a coisa aqui
nele, e depois Olinto escreveu urna carla prim~ria e ridícula não esd nada f;lci!, além da dificuldade de comunicaçao com

,, que o Obur/)~r publicou dando uma tremenda gozada; além

110 - C AR T AS
as pessoas; por um lado a experiência imporra muilO, pois ao
J
• I I I

. .
Hélio Ohlclc~

menos nao se estot na fossa irl'(:medi.tvd no Brasil, mas voltar ficam tomando banho de sol n~n.~~t~estidas d a
é impo rtan te na hora exala; para mim, creio que serot de1.em- maneira mais genial sempre, pois improvisam segundo a
bro mesmo; onde encontraria eu d emen tos para realizar essa vonu.de pessoal; descobri isso aqlJ-- a vesrimenta nao
experiência do Barracão que quero e é imprescindlvd para responde a um padrão social mas vontade d;cad a~u lvc:~
mim? S6 lot, e no verao; no mamemo, nes$(: mes, parece um s6 cm Londres se possa senti r isso. Agora, Guilherme tem
espaço vazio que se abre aqui, e sinto-me morrendo; s6 o ratio quando di~ que em Paris, mesmo se estand.o. s6. não se
agüento por causa dessa possibilidade que surgiu em viajar sente a solidão daqui; Tudo questáo de comunicação entre as
no inicio de julho; sei que esta I!Xperiência ser;{ importante pessoas; isso o que Cuy c Pape devem sem ir cm relação a nós:
para n6s dois; será um modo de comu nicar coisas em grande uma possibilidade de comunicar sem esforço exTerno-interno
eSCOlla, num COfl( exto tão eufórico; estou escrevendo um tex- _ c em ce rto sen tido é o que os faz vive! mais e norescer.
to e ontem fiquei até tarde, cansad lssimo, mas consegui for- Edwa rd trouxe algum lixo para cá, e tem um ma terial, espécie
mular coisas bem imporrantes. Estou ansioso pela resposta de juta laranja, que disse a ele você: adorará, por isso separei
do Coppola, com as passagens e tudo; você deveria vir alguns para lhe dar - puxa, como es{OU louco para voltar ao Rio,
dias antes; sabe, Edward Pope apareceu, 6timo, pois creio pois 1:1. podia catar coisas e levar pra casa, ao passo que aqui
que essa coisa de mora r em Oxford, como ele está fazendo, e tenho que fize r um pouco ~s escondidas! Omem eu c Edward
vindo aqui de vez em quando, fo i muito bom para ele; está nunca vimos {amo lixo genial pelas ruas.
superifl(digente, mais do que antes, geniallssimo, e passea- Lygia, creio que quamo ao $(:U problema pessoal, nio deve
mos tanto, ontem, que cheguei ~ conclusão que me deu mais IOmar resolução nen l1uma agora, pois esla viagem abrir:!. uma
forças; nunca vi uma pessoa Ião bacana assim, pois lem uma outra visão para vocl:, e novas perspectivas podem surgir -
disponibilidade eterna para tudo; lembramos você o tempo deslocar daqui p3ra l:t é um des3fio importanre e confio nele;
todo, a cada luga r que lamos, e por isso pensei que você de- o q ue é horrfvell3nto para você: qU31110 para mim é apodre-
vesse vir para ver coisas um pouco ames, quando mandarem cer no mesmo lugar, ou {enra r raf~es em terra estéril; <21eguei
as passagens, é claro; essa semana que passou fe1. um saltão 1l. condusiio de que cada experiência deve ser ~~ q~ndo as
incr/vd aqui (agora eslá chovendo, mas Londres é linda sem- possibilidades existam nu~jeler'!linado ~o~ 'flando
pre) que todos foram para os parques, onde hot cadeiras lá náo cxisrem é porq ue não podem $(:r feitas c ar, então, bater
para $(:rcm usadas (daquelas da Praia da Rasa), e as pessoas .. na mesma Ieda é loucura; sei muilO bem que depois de de-
I

I 1 2 • C ART A S • 113
1I ~lóo Oiticiç ..

zembro tenho que vohõllr; não me import;lm compromissos planejado par.a o Edtn e não havia feilO, um saco, como a
ou não; também nao quero dem;lis me mistur.ar nessa ;lnsie-
cama, mais parecendo um saco de dormir, que adoro - ser.!
dade internacion:tl do Gerchman eJean, que procuram algo,
fjcil de transportar; ago r:l, o teXlo é importante para coloca r
pois j~ não procuro nada - creio queo senrido de disponibili-
cert os problemas; vou ver se traduzo logo para o português
dade é importante e novo, e nisso suas coisas e seu pensa-
pa ra que você leia: coloco uma série de problemas gerais
menfO me imeressam muilO, pois são dos poucos que pos-
~ para moslr.ar a gr.ande diferença entre as nossas posiç6es,
suem isto - . por isso me cansa o ~mundo da arle", e muita
você de um modo e cu de outro, e as dos arl istas que lidam
~e n[ epensa que é esnobismo. mas é que realmente não me
com problemas de)pan1cipação sensorial em ger.al; digo al!i0
interessa. Creio que h,i experiê:ncias muito mais importantes
e ambiciosas, no desco nhecido de cada um, para serem feitas;
imporrantlssimo sobre o seu problema d"
Nostalgia do rorpo,
sinlo uma terrível perda de lempo ao ler que participar dessa num:l passagem, e sei que você: v~i :..dorar pois esr:l bem fo r:.
muladfssimo, relacio nado com a descoberta do corpo, mos-
espécie d e enlUsiasmo em planos aqui e acoU, exposiçóes e
promoções chalfssimas, e me recusarei muilO mais em pani- Ir:mdo que par.a você o impOrtanle é essa d escaberia, ali , e
cipar d e ludo o que me der perda: muila energia pa ra coisas não a "participação num objelo d:ld o~, po is esra rel~ção ob:
que interessam é perdida nessa euforia superficial - prefi ro ie1i1I.<sujeilO-objelO) esd superada l:l, ao passo que cm ger.!1 0_
nesse caso explorar o desconhecido sempre. ~nse em rudo e problema de participaç20 mantém essa relação objeta l. e os
escreva; n:io escrevi a Gerchman sobre essa nossa ida aos contrá rios. 1§SO tudo no ger.aJ do lexlo eSI~ sensacion:ll. pois
States, pois sei que nos prenderão em vhias coisas quando muitól coisa fica clar.a e será mOlivo de surpresa a maneira
chegarmos a New York. Penso que quando voltarmos pade- como os argumenlos sáo Ir.alados - ai nda não term inei. O
remos vê:- Ios; mas na ida, creio que seria bem dispersivo par.ar texto não será descrição ou e:tr:ilogo de expcriê:nciJs. mas um
1:1; além do mais vou com pouqufssimo din heiro para parar pensamento torai em que as coisas são ciudas e rein fo rmam
mesmo que por alguns dias em qualquer lugar; digJ -me o em relaç20 ao lodo, e info rmam nessa idéia total. C reio que:1
que acha de lUdo; eslOU colhendo endereços de geme inferes- comunicaçio ser:i feila sobre os trabalhos I ~. e também deve-
sante em Los Angeles para convidar par.a o lal simpósio. Esd ri:.. ser numa espécie de texlO pcsso:lll: você: deve fazer o seu,
em cima da hor.a. Reformei aquela faixa "eSTOU possufdo" preta, que tr.aduzo; creio que deve vir aqui uns dois ou [fés di:lls
pois esrav:.. descosida; estou f31.endo algo novo que havia ames, depois que chegar a pnsagem, claro; verei sobre a ?<Js-

\ 1 4 • C ARTA S
• I 15
IlIolloOllicica

sibilidade de você poder ricar em algum lugar aqui, mas leiros tiraram uma fOlo da rainha, ontem, e a fizeram pareci-
nada posso prometer pois é uma cidade louca, só mesmo da com Carmen Miranda, veja que maravilha. e eu que ;:1
Desdemone e jerry arranjam algo como onde estão: pagam achava a rainha mesmo urna mistura de Carmen Miranda e
duas libras e meia por semana (equivalem a 30 francos UI. Taylor!
semanais, veja só). Mas, não sei como é; não estive lá. Bem. para terminar a loucura, peço-lhe que escreva logo e
Ena semana eSlive numa festinha para lançamento em aguardemos loucamente as passagens para Los Angeles; veja
primeira mão (ouvi o disco ainda no acetato) do novo disco que luxo, verão em Los Angeles com tudo pago!
dos Beatles; era na casa do Fawcen. assisteme do John Lennon, Mil beijos.
muilO simpático. e riquei surpreso que todos me conheciam Hélio
por causa da exposição; Lennon e Yoko vieram. maravilho-
sos; quem havia me convidado tinham sido uns brasileiros da
Mallch~u. que moram ar em Par is. Carlos Frdre e Luís Antô-
nio Garrido. repórter e fotógrafo; vi OSJlid~J que fizeram com
John e Yoko. alguns muito oons, e notd que John e Yoko
gostam muito deles, pois são inteligentes e sérios; o Fawccn
disse que me vai convidar para conversar sobre cois'J$ que
talvez eu possa fazer (quem sabe se capa de Beatles p:lra disco,
ou outra coisa?), pois considerou minha exposição como o
hitdo ano em Londres. Estou rindo muito aqui, pois o Frdre
disse que está esta semana entrevistando o Richard BurlOn e
deve enconuar LiI. "Etylor mais t:lrde; então I>crguntei se não
teremos festa este fim de semana no iate deles que est:Í
ancorado no Tâmisa; CStou louco par:! conhecer LizTaylor. as
moças daqui. o Richard BUrlollj e agora alguém me telefona
dizendo que nos jornais saiu algo assim: dois repórteres brnsi-

'18 ' C AR T A S , 07
lIélio Olticlca

Londm, 27.6. /969 Em rdilçáo ao excesso de bagagem, ambos, Lygia e você,


deverão checar seus materiais alfav~s da Carga A~rt:.l 1WA
para ser colocada no mesmo vôo, V60 761. Para isso amhos
deverão estar duas horas antes 1105 respeáivos aeroporros,
Lygia, meu amor l)(lrque a bagagem ~ marcada por um oUlro escrilório TWA.
Os maleriais devem ser mandados (ollat {em P9r1uguês sig-
lRlecebi duas carias jum:u hoje; a sua e a do Coppola. Pri- nifica "a pagar~, mas dizendo (oll«t~ o lefm.o univerul, $Crve
meiro traduzo correndo aqui a do Coppob; o )c:an C1ay Ide- lambc!m para Paris, elc.), e eu pagarei pclo excesso no aero-
fOliOU agora e dei logo o recado sobre o di:1 em que devemos pOrtO em Los Angeles, quando nos encontrarmos. Espero que
1150 lenham muito mais do que 25 libras (convener em q ui-
viajar, 6 de julh o; cm50, Iraduzo aqui a carla p3m 'lue você
veja e dou oUlras informações, inclusive comentando suas los, pois sei 1:1. quanlo ~ alibra-pcso) em excesso, cada. Exces-
so de bagagem custa muito, demais, c cSla combinaç.ío ted o
ól imas id ~ias.
mesmo ereilO. (Sei 1:\ o que ~ isso!).
Quamo à $lJ:! pergunta, sou responsável por rodas as (les-
TRADUçAO: a carta ~ datada de 23 de junho 1969.
pesas de alojamenlO e lIecessidades (alimenlO) e providenciei
Caro H ~ li o;
lUdo por duas scmanas. Gostaria que alguns de seus materiais
MuilO grato pela sua carla. Estamos muilo conlenlcs em
escrilOs chegassem alHes, e Icnho um interessc panicubr dc
ter você e lygia no nosso simpósio e eSlamos ansiosos pU.1
ler uma cópia do artigo de Lygia no 8o'~ti", da Sig"aú, que
lrabalhar com as alividades que vocês planejaram.
não consegui encontrar. Espero quc len ha conseguido sele-
Reservei passagcns para vocês, que deverão ser expedid.ls
cionar as capas da bagagem que vai parJ o Rio.
da nossa agência de viagens provavelmenle daqui a lIm.1
Boa sone. Esperando encontrar você c Lygia.
semana. O horário ~ o seguinte: Lygia voad de Paris no vôo
Sincefamellle.
7G I da TWA lu 14h55rnin no domingo, 6 de julho. Você a
August E Coppola.
enconlrará no mesmo vôo, 761.1Is 16h45min em Londres e
junlos voarão para Los Angdes. chegando IJ. às 20h 15min, Lygia, como vê, lemos duas semanas lJ. POrlanto, o plano
onde os encontrarei. de você ficar aqui alguns dias, creio ser melhor quando vol-
I

. 119
lIéllo Oitlcic ..

tarmos. JiII 4J convida você para fiar na casa dda. ~ um amor. Quanto ao Boklim da Signals. se você tiver sobrando leve
Creio que, na voha, pode-se parar onde quiser, portanro, de presente; mas leve de qualquer modo. pois se só tiver um
como ele nos espera na ida, e a viagem ~ tão longa, não se podem tirar fotocópia; perguntarei ao Guy se de tem ou aJil1
poderá parar nem aqui nem em New York. Como vê, chega- se da sabe onde arranjar, pois creio que o Paül deixou muita
mos 1:1 115 20h ISmin, hon de Los Angeles, isto ~, 8 horas de coisa da Signals na casa em PUlney, onde moram os pais da
diferença pn trás, aqui, e ai j:1 se~o. então, 4h 15 min da ma- JiIl e ela.
drugada; portanto ainda teremos a noite de Los Angeles e
será o dia mais longo do ano para nós. Loucun, mas sinto- SUA CARTA:
me muito felil.em viaj:umos juntos. Será manvilhoso. Resol- Gostei muito das id ~ias e rdaçõcs incr/veis com o que
vi deixar de ser mesquinho e avisar a Gerchman a hon em escrevi sobre você cm outra parte do enorme texto que pre-
que passamos por New York (hl pelas seis da tarde, hora de 1:1; parei para o tal simpósio. Vou traduzir um trecho e creio que
dou o número do vÔO c ele checa, pois sei que ('eremos que você adorará, pois, inclusive. depois que escrevi, descobri que
saltar lá, nem que seja por meia hora); assim de poder.i nos no livro mais recente que escreveu, Marcuse lem um capl-
dizer alô no aeropono. tulo em que propõe uma ~sodedad e biológica" como deste-
Quanlo ao material, nem creio que terei exCCS$O; de nos pressiv2, baseada na comu nicação direla cm cadei2, o mes-
sugere n50 termos mais de 25 libras de excesso, imagine; (uma mo que pensei e j ~ havia escrito sobre seu problema; veja
libra = 2,2 quilos; portanto, 25 libras.são mais de SOquilos) o lato como diz, cm certo pedaço:
al~m disso permilem, sem excesso, no voo, uns 11 quilos; ..... as experiênd2s mais recenlcs de Lygia C lark a condu-
veja que loucura; creio que nem I J qu ilos lerei , pois não con- ziram para proposições f.tscinalllcs, e descobriu que certamente
segui lirar as capas dos caixotes; levo o saco que nada pesa, a sua comunicação ted que ser mais uma illfTOdllfiio a uma
pouqufssima roupa, aquela capa preta que já reformei c um prática que cham2 ulrtwr de pessoa a pessoa, um di~ l ogo
cobenor-feltro; portanto creio estar ludo bem razoável. Você corporal improvisado que se pode expandir numa 100al CIl-
levará mais peso, mas também não creio que será tanlO assim. dúa criando como que um 10Jo biológico ou o que cu chama-
pois são materiais leves. Em lodo caso, calcule anlcs. Não ria de crtprdtita. A id ~i ... de criar tais rclaç~!g~acima da de
esqueça de levar maitl, pois lá o ve~o está no auge; poderemos uma parlicipaçã~ si~pl ista como manipulação de ohjetos:
ir a M21ibu onde as a ndas de Hollywood vão. Veja que onda. h ~ a procura do que se poderia chamar de rilual biológico,
J
·1 2 1
Hélio Oitidc ..

onde as relações inrerpessoais se enriqueceriam e esrabele- "coisas estranhas", inCra-sensoriais, catar coisas na rua, co-
ceriam uma cOnlllll;r(fçtÍo d~ crescim~"'o num nível aberto. mo se veste, etc., mas, Gur, por out ro lado, seria mais seco,
I Eu digo aqui um nlvd aberro porque ele n30 se relaciona a podendo funcionar dependendo do contexto ou não; aliás,
uma comunicação objeral, de sujeiro-objero, mas a uma tudo isso pesa muito: o grupo que iIHTOduz., o COnteXTO, elc.j
II,Ipdrica inrerpessoal que conduz. a uma comunicação real
aberta: o comato ~u-/JOc;, clpido, breve como o pr6prio ato;
quando cu sal;l muito com )ill, Paulo Keder, Anabel. Edward,
e o pessoal da Exploding, a comunicação minha com as pes-
nenhum proveito corrupto, interessado, deve ser esperado- soas, e a das pessoas, e ludo, era sempre grande, aqui; m:tS,
"I as observações de "islO não é nada" ou "de que se traia"?, etc. ser.l que cm Paris já seria o nll:smo? No Rio, só na Aptxa.
devem ser esperadas; a inlfoduçáo como iniciação é neces- "popóuJt se conuguiu uma aproximaÇão e diálogo novos,
sária. Os elementos us;J.dos em Iodas essas C)(peri~ncias ba- porque linha Saldanha, morro, etc., por isso eSlDu achando
seadas num processo, um processo-vital, S30 des mesmos par- 'pu: ser.! um desalio fascinante fazer suas experiências e vou
les dcle e não objetos isolados: sâo ordmJ 1/IIm lodo ... ~ discut ir com Guy, )ill e Edwardj cu, pessoalmeme, sinto que
Creio que nisso tem muilo do que Marcuse propõe e cha- dl"\'O informar mais pela minha presença; vou me vestir de
ma a Grande Recusa, iSlo é, o próprio aio do dia-a-<Iia na outrO modo compleramellle. e se não o 1Iz. ainda Coi por fOlha
recusa de "ajudar a repressão", que mui las vez.es é chamado de dinheiro par.a compr.ar mesmo panos, elC., pois creio que
de "gr.ltui to", mas não o é na medid:1 em que propõe uma ~ vesdmema inCorma muito no approach com :1.$ pessoas; des-
"pdrica" nova. Isso lambém coincide com SU:IS idéias na lílti- cobri isso ontem quando fui a um espedculo do "Living
ma carta, e creio que voc~ tomou consciência de muita coisa Theatre" (Teatro Vivo) e ao mesmo lempo ~nsava cm pro-
importante. Creio que a idéia de comunicação celular é real- blemas meus. e nos da sua cana, pois há uma relação grande
mente o centro de suas eKperiências, e cria um sistema tm entre a coisa deles e essas suas, de UI11 lado, e minhas de ou-
radtia, realmente vivo. Quanto b experiênci:u de COt1l:Itos tro; uma coisa c:stranha se passou, como uma espécie de ritual
coletivos, de um a um, só fazendo -as mesmo, pois então co- mesmOj a coisa se fundiu tanto de um lado com o f;lto de se
meçam as complicações. Creio que não são complicações s6 "estar 1;1", que as pessoas que agiam no "esperáculo" nos in-
de como os outros entrarão na coisa, mas de como nós mes- formavam sobre os que estavam presentes, a geme; o começo
mos inCorma remos pelo aro introdutório; Edward Pape, por foi 6timo porque começav:am os "atares" a surgir por enlre a
exemplo, já n:Huralmente informa pelo modo de abranger "platéia" que esl:ava sentada, em pé, no banheiro, no b;u, eF

122' CA RTAS , 1 23
todas as d~pendências da Round House (eu estaV"ol em ~, prática me interessa mesmo; mas, o modo de colocl-Ios fun-
pois sentado me sinto chateado e prefiro circular); então, co- cionando tem que ser discutido com Cuy, Pope, etc. Temos
meçavam a diur frases baixo e aumentando a voz., e a repeti- que conversar muito sobre isso; creio que a~ experiência na
ção faz.ia como que uma cadeia obsessiva, p. ~X.: diziam upr.l Califórnia poderá ser importante.
viver é preciso ter passapone" - "não me permitem fum,1r Bcm, que loucura, renho que colocar isto no correio; qual·
haxixe" - "não me permitem tirar a roupa". Então todos quer dúvida, telefone ser~ a solução.
tiram a roupa toda; mas, ao eontr.lrio do que se poderia pen- Um beijo pra você
.sar, rudo se passou naturalmente sem a morbidez de uma peça Hélio
"no palco", porque certa distância havia sido abolida entre os P.S.: Creio que a experiência da pedra na mão, que você
"ato res" e a "platéia" - e, incrCvel, as pc:ssoas se transforma- fez com o Cuy. é um começo introdutório muito bom, ge-
vam também "na vida real", porqlleestavam rÚllformndm pela nial. Ele ficou fascinado e eu também; preciso fazê-la com
amação dos "atores". Pensei muito em você pois creio que o Pope.
havia uma certa cadeia de comunicação; as pessoas estavam
estranhíssimas, como que dominadas pelo ritual; de repente
uma das mulheres da "platéia" lirol a roupa toda; os "ato res" se
jogam nus sobre grupos de gente; só não gostei muito das
discussões baseadas em "conceilos" que, de tão r~dund:lIltes,
apesar de serem revolucion:hio$, se tornaram incomunicáveis;
mas. a expe riência me transformou em certa maneira de ver
as pessoas naquela noite; tudo cbro, transparente; mas, se
uma prática n50 é repelida, ou :'grup~da, a comunicação se
torna limitada. Por isso tenho que cria r minha comunidade
definitivamente no Rio; não me interessa mais nada, c então
todas as experiências comu nicativas poderão entrar num con-
texto real; não farei concessões; roupa, vida di;lria, etc., rudo
e torna para mim um2 experiência reveladora; por isso sua

124 • C ARTAS ,,.


Pari!. 9. J J. J969 problemas para resolver, o que ainda não acabei de f:12.er. mas
enou equilibr:!.da. sal da grande crise. não preciso mais de
ajuda e essa passagem "da eroticidade à vida"!. incorporando-
a nas minhas últimas experie:ncias. f,?i vital para mim. Hoje
Hélio, j~ a encaro como coiu natural e alt gratificante. "Engolir" o
objero sensorial e fazer o homem assumir sua própria ero-
Só hoje achei um tem pinho par:!. te agradecer tão belo ar- licidade foi um parto dos mais lerrrveis. por!!:!n. estou não só
taO de aniverdrio ... Realmente é uma jóia e mil vezes obrig.-
salva. mas mais gente e adulra lambém.
da, não só pelo mesmo mas também porque você se lembrou
Pediria muilO a voce: que peça 30 Cuy. se ele vier por aqui,
do meu aniverrlrio! Nessa d:Ha estava no Brasil, tendo batido
par:!. frazer para mim alguns Bichos que vão ao plano e tam-
papos r.,llUlosos com tua mãe sempre a teu respeilO. Ela está
bém. se rordccarro. as proposiçócs que Icvei para a Califórnia.
muito saudosa mas acha que deves ficar por aqui ou. se a bolsa
pois vou precisar das mesmas para cxpor cm Cologne. no
Cuggenhein sair, tanto mdhor. na Amtrica. Ando muito feliz
mês de janeiro.
e tenho a impressão de que vivi dez anos no mlnimo depois
Os Bichos são par:!. eu tentar vender. pois a Falta da gaita t
da minha ida à Califórnia. Muitos problt:mas, e sérios como
total e absoluta por ora. A siruação do Brasil vai de mal a pior
sempre, mas cresci unto que deixei de roer as unhas depois
e estamos qu:ue que numa guerra civil ainda clandestina, mas
de roê-Ias durante quarellla e quatro aninhas de idade. aba ...
IOd()$ acham que isso pode durar ainda dois anos para a mesma
N.V. foi uma experie:ncia virai nisso rudo e quase fui engolida
por um fabuloso big mm que queria me amarrar toda num ser oficialiI.:lda. O filme mais genial brasileiro de todos os
colllratO, passado, presente e futuro t; os (ermos do mesmo tempos eu o vi, Macu"aíma. I! soberbo, sob lodos os pontos
eram incríveis. Acabei dando uma banana para todos eles e de vista. A música mais genial t AqlJ~/~ abra(o do Gil, que
voltei p3ra cá sem vintém no bolso, para daqui mandar uma
, tem uma vitalidade espelacular, depois de tudo por que ele
contra -proposta a esse big mm que deve ter passado a roer as p.usou t espamoso! O livro brasileiro melhor que li se chama
unhas depois que me conheceu ... Gerchman, como sempre. Pa"am/rica e é de um jovem paulista ... Ótimo!
um anjo, e adorei suas novas coins. Mil beijos para voce: e espero receber uma sua carta bem
Essa aventura em N.V. só posso concl-Ia pcssoalmentt;, bacana também.
pois é engraçadlssima e enorme. Aqui encontrei também mil 1 Lygia
H'lio Olth:ic.

Londw, 23./2./969 respirar; adoro a viol~ncia em New York; todos estão loucos,
pode-se ir ao cinema de madrugada, ou ao Harlem, etc.
QuaOlo a ~am bjc:nte de arre", péssimo como_em toda parte,
mas tem o PerreauhH , que propáe o Strect Worles, o que é
Lygia baby mais interessante. N50 quero ficar nessa cena de arle, como
um artista que nada s:r.be Fner, ou limitado a contar com
Recebi sua cana e um canão da S6nia u , do Rio; minha minha "obra", etc. Exposiçõcs n50 me interessam, além d;
estadia na Universidade terminou dia 13 e voltei para casa achar todo mundo na cena burro, etc. Mas, quanto a inventar....
da JiII, pois dia I R de janeiro volto rumo ao Rio. Realmente novas possibilidades de CO~t:lCIO público. isso me interessa;
nada tenho a fazer aqui; sinto-me morrendo aos poucos. Em penso que posso ganhar um ceno dinheiro com rhows
Sussex foi bom, constru( células para a experi~ncia Ba"acão; musica.is, shoWJ ambientais, principalmente no Brasil onde
os estudantes fantásticos, e cooperaram ~ beça; acho que me conheço tanD gc:nte agora; vou propor a Roberto Carlos, ralvez
satisfez mais do que a experilncia, além disso o perfodo lá foi dl certo, ou a Galou Bethânia, etc. Quanto a produções
dos mais criativos; comecei a escrever coisas que chamo de minhas, levaria mais tempo para conseguir fazer o que quero.
contos numa linguagem inventada, c os autos, que $Criam uma Filme seria mais imediato. POlt:lOlO, como vt, filme, conto,
autobiografia invcnrada também, isto é, nada de narraçõcs upeça~ e rudo o mais, além de experiência-comunal, é rudo
ou textos factuais, etc. Penso em publicar os contos lá para o parte de uma ambição maior, mais universal e mais diflcil;
fim do ano, no Brasil, e creio que possa faz.er tutu com isso. encerrei minha época de fundar coisas, para eOlrar nessa bem
Tenho lido muito e tenho plano complelO para um filme e mais complexa de expandir energias, como uma forma de
uma peça", que não sei quando começarei a faz.er, apesar de
U
conhecimenro ~além da arle·; expansão vital, sem preconceito
simples. No Brasil não quero aparecer nem fazer coisas " ou sem querer ~F.. zcr história etc. No que vai dar, não sei,
M
,

públicas, pois seria uma compaclUação co m o regime; além mas t:lmbém h~ da anos não sabia no que dariam as primeiras
disso, se cu não ficar quieto, prendem -me; se a bolsa coisas uambientais"i portanto, acho que vale jogar tudo para
Guggenheim sair, melhor. mas só conto com o que tenho em o alro outra va e recomeçar, como se nada houvC$Se conrado.
mãos e jamais com utopias. Iria então para New York, por Lygia, comentando com o Guy sobre esse assumo seu de
algum tempo, pois é o único lugar, fora o Rio, onde posso New York, ele me pede que lhe mande uma informação, qlje

• 129
Uélio Oiticic ..
· .................. .
acho s~rá de grand~ imporl~ncia pr.!. você: o Jeremy Fry par~­ rrevisTa de Décio Pignatari, muito boa também, vinda do Rio.
c~ qu~ produúu ~ qua lançar uns múltiplos do $tu Bichoi N~o me interessa muito o que representam, mas são conscien-
imagine que ele estava ~ sua procura; ao menos é o qu~ diz tes, e isso basta dentro da loucura surrealiml brasileira, que
Guy; procure comunicar-se com de; não sei s~ Cuy d~u s~u aumenta dia ~ dia. Pen~ que os cantores chegàram j~ no ou-
~nder~ço, mas creio que d~ve ler feilO. Creio que isto ch~gou tono. pois Gil quer ir comigo pôlra a rua fazer coisas; eu dan-
b~m lia hora, não acha? çaria e elc tocaria violão e rambores: propus levar su!ls ~x~riên ­
O texto que fiz para o simpósio foi simplificado ~ corrigi- cias, e ele adorou a idéia. talva façamos isso cs,sa. semana, já
do, com ajuda do Cuy, ~ proponho ao 5111dio tlltt",atiollaf, qu~ tenho s6 mais uma $tmana e alguns dias; no verio pro-
sairão fotos suas, fantõlsticas; creio que isso ser.i imporlant~ pus isso a d rias pessoas, mas lodos fizeram corpo mole: Cuy
no COnt~)[to internacional. O Pe:t~r Towns~nd4~ m~ p~diu a estava frilssimo com a idéia; no fundo todos têm medo de se
coisa, ~ me senti fdi, ~m poder fornecer m:lll.':rial tão im- comprometer com alguma coisa. C reio que a vinda dos can-
portante:. Cre io que para você os anos 70 dl.':vl.':m ser de con- tores mobilizou outra ve, gente que estava meio morra.
sagração tolal; Cuy acha o mesmOi Perreault a cOllsidc .... L Edward Pape, c~ entre n6s, estava no fim; n~ o falava, e havia
uma das maiores artistas do mundo; portanto, esse lado de secado; agor.. , quando o vejo sempre na asa de Caetano, ele
imprensa é importante, principalmente agora, para IOnur vira out ra cois;I, como nos velhos f~mpO$. C reio. hoje, que o
c~ rtas idéias ~ coisas conhecidas no mundo. Por f.lvor não o David realmen te trazia uma viralidade que movia IOdo mun-
despreze. do; uma vitalidade dos trópicos. porque inglês. sinto dizer,
Em Londres, as coisas andam meio monas. A não ser pe- tem uma desvamagem. é frio. não é muito inteligente, p~nsa
los músicos Tropidlia, cuja casa virou reduto aonde todos deV3gar, é branco. etc. I'onanto, ventos tropicais realmente
vãOi Mike Chapman e Edward Pope, Trixie (que lhe adol"J), dão vida a isso aqui. Mesmo assim, creio que a cena ultra-
1ill, todo mundo hippie vive 1:1, onde tivemos filmagem p3ra vibrant~ londrina. de uns anos pra d, esd decaindo. H~ quem

a 1V alemã. Caetano can toLl músicas incríveis novas e Cil escreva sobre isso até; outro dia li algo. O pais é muito mais
idem. Falo muito em você; Caetano esuva dizendo outro dia: conservador do que se pensai realmente quem mudou foi uma
"tenho loucura por conhecer essa mulher". Ponanto, se vier a pequena minoria, que mal se agüenra em pt.
Londres, procure-os. Vi 1:1 Llm livro do Haroldo de Campos Cerchman é maravilhoso mesmo; adoro·o. Antônio Dias.
onde você: é citada, e par~ce - me um ólimo livro. Li uma ~n - n50 confio n;lda; sempre que escreve é com intenções obs-
J

t 3 0 ' C#oRTA5 ·1 31
.... . ............. .
cur:u e fazendo fofoca. EslOu cheio. Escrevi algo sobre começou a fazer pressão. fu cartas do Rio. cada vez piores:
Gerchman para a GAM. Há O texto em inglês. que ele lenla todos paranóicos. surrealismo tOlal!
colocar numa das revistas americanas. Ele vai ficar triste Jean Clay telefonou, ainda sobre o assunto Rhobo; agora
em saber que estOU embarcando. por isso nem disse nada. vai mandar as cópias das traduções; faço uma id~ia como não
Mas. na verdade. preciso me organizar. Agora, o pouco desse estarão! Mas creio que só do Rio poderei mandar corrigidas,
dinheiro que recebi. ficando e trabalhando num lugar fixo. pois at~ agora não chegaram. Celt:s, irresponsável çomo scm·
me ajudará. Tudo ~ queslão de objelividade. Que adianta pre; escrevi pedindo para ajudar o Antônio Manuel, que vem
ficar aqui. na fossa. gastando. e nada fazer? meio rugido do Brasil, e ela nem respondeu. A. Manuel virou
Lygia. há pessoas que devem seguir para Paris. mando enlão uma esp~c ie de mánir das afies plásticas. no Brasil. Mandou-
as valises suas. Um ~ o Graham Stevens. um amigo meu e do me foto da cabine que fez e parece interessante. Acho que ele
Guy. que fn balõcs gigantes. Assim fica bem. pois mandar as vai para Paris. Recebi uma ca rta fant~stica do irmão da Rose,
malas sem acompanhan!'e $ai carfssimo. Aviso o dia que ro- que esd na prisão por cumplicidade de hom icídio no Rio.
rem (talvez semana que vem). Elas esmo aqui na C3sa da Jill. Caetano quase caiu duro. pois ~ genial o que ele escreveu, e
Annabel está aqui com o filho. O Paul ficou nos Sutes e há muito não recebia algo que me emocionasse tanto.
n i lançar um citarista. Mahmud Mirza. cm revereiro. Annabel Lygia, nunca li Pallamtâca; quem escreveu é um amigo
segue então mês que vem para lá. O bebê cslá lindo. Esta meu, Jos~ Agripino 46; dizem que ~ bom C.. ) MacullItlma.
famflia aqui ~ mesmo incrfvel. Jill esdi cada dia mais linda! filme do Joaquim Ped ro, parece que ~ mesmo o maior. te.
Guy ni mandar os Bichos que estão com ele. tamlXm. Quan- louco pra ver! Quanto ~ música do Gil Aqu~k abraço, adoro;
do você receber eua já deverei cstar embarcando. esse ~ que ~ o próprio Gil, a quem amo de verdade; ele tem reito umas
~ o problema. Mas, conrorme for, tderone para qualquer em inglês. emocionantes. A presença física de Gil é o que a
urgência. O telefone aqui ~: Plff 1812. Embarco dia l a de 1nt'tsica ~: essencial.
janeiro. de Liverpool, aliás não, de Southampron. 11 quinla- O filme que mais me impressionou em todos os tempos
feira. No navio. vou ler o Ulysses do Joyce inteiro. Assim pos- ro i e litiSta girls do W<Hhol, procure v~- I o quando passar ai; ~
so discutir com Mary. quando chegar. Quero ver o que vão um film e ullduground (só vi uês horas dele, mas o original
dizer dos cabelos. que estão pcla metade das COStas. agora. possui seis), a linguagem sc desintegra : ~ a coisa mais ameri-
Não corra rei um milfmeuo. Minha mãe, como sempre. já cana do mundo. 'W.Irhol ~ muito maior em cinema do que
I

132 ·CARTA. . 133


Uéllo Oltlcl<: a ...... . . ..........
M

na ~poca das proposições pop (caixas de sabão, Marilyn 30 das mesmas), a coisa alua como "dcssublimatório sempre;
ve'lc's, e{c.). Paralelo ao filme Chtlua girb esd o livro do ~ uma esp~cie de "pão para os que estão cansados da vida
William Burroughs, Nalud 11lf/(h, que se desintegra de tal chata, de g:anhar dinheiro", etc. Se a coisa fosse levada para
modo que sÓ supOrto ler algumas p~ginas de cada vez. Perto um contexlo colelivo, tomaria ouno caráler;ou uive." n50,
disso, todas essas artes (pof ~ para mim hoje o que de mais não sei. I-U uma coisa lá, de eleitos, que não me chein bem;
velho existe) caem; e o cinema Godardiano-Pasolini idem; diz o repótler: um parafso na terlõl, uma busca d.o Eldorado
por isso parece-me tão terrlvel Glauber se influenciar ainda na mais rica região da mais ria pot~ncia mundial! (e estra-
com isso, quando poderia ser o verdadeiro Ilf/dtrgro,md am~­ nha ele não haver pretos, ou orienlais, ou indianos ... eu não
rico-latino; ningu~m entende que esse cinema não existe mais. eslnnho nada, pois é assim que as coisas andam por lá).
Virou tslablishmtnt e acabou. Pra dizer a verdade, prefiro o contexto das universidades
Estou lendo Kerouack e me lembro muito de Califórnia cm São Francisco (Berkeley, elc.) que anda meio reprimido
o tempo todo; ele ~ uma esp~cie de espirita de Los Angeles; no momenlO, com o governinho de ItC2gan. etc. Guardei a
detestaria viver esse espfrilO (ou tlllve'l não), mas há algo de reponagem pois lem malerial ~ beça. Lygia, vou {ermi nar
CÓsmico nele, de grandioso e terrfvel; talvez o que lhe deu por aqui. Mando muitos abraços, daqueles que Gil manda
essa revitalização ao ir lá tenha sido isso: Los Angeles e a pra todo mundo. Ou, como diz o irmão da Rose. não é mais
Califórnia possuem essa cosmicidade quase que oriental. Mas aquele abraço, mas
a gente, isso ~ oU[ra coisa; sinto-me perdido e amedrontado AQUELE AMPI.EX (não ~ geniam
diante deles, do óleo deles, dos carros, do poder deSlruidor Abraçobcijo
(vide Viernã, eTC.), construtor, etc. Li uma reportagem enor- 1 1 ~lio
me sobre o tal Esalen Imtitute, onde o Gunther, aquele cara
do simpósio de quem você mais gosta, trabalha; muito bem,
h;l, experiências Ótimas por bt, mas, me pergunto, por que fe-
chado e limitado a pessoas riqulssimas1 e sem gente de cor1
(os preços para morar 1;1, e fazer as experi~ncias s~o uma for-
IUna; portanto, só geme rica mesmo pode desfrutar de lUdo
aquilo; e, pior ainda a meu ver (o que n50 invalida o sentido

• 34 • C AlOTAS >35
11 4no Oiticlca

Rio de Jantiro, 19.2.1970 nosconvida",m para passear de lancha, e foi ótimo: vou man-
dar umas fOlOS tiradas lá (lenho que imprimi-las); procuro
apresentar 11:luardo a pessoas imponames, ~omo cin~aslas,
músicos, elc. f'Qmo5 ver MIlJhtrde lodos, do Rog~rio Sganzerla,
Lygia meu amor que ~ genial: conheci o Sganttrla na praia, um dia; de me
procurou e talvez eu faça algum trabalho com de, em ci ne-
Acabei de receber sua cana; tdefonei logo para que ma; vou fazer o show próximo de Gal, Mac:J.t~ e Capinam, e a
Eduardo dt:Sse o recado .li Sissy: agora liguei para da, outra capa do disco idem: ludo isso será para adquirir experiência
vez: que merda, essa coisa de falra de dinhe:iro sempre. Aqui, e dinheiro, pois do jeilo que esc:i, não dá; quanto ao filme do
ando na mesma, lentando vender alguns arligos, ele.: vamos Eduardo, seria para criar um .. imagem minha, que deverá se
ver se Alvaro manda logo o seu ; Eduardo não fab. com de, basear nos cabelos e num.. espécie de malu-up duro (penso
como você sabe, c diz que Sissy dá o rCCldo. Aliás esri ve lá, vi um pouco em Buster KealOn) que eu deverei criar para mim
sua neta que ~ linda, c gosle:i muilo de reencontrar Sissy; da ~ mesmo em filmagens. Vamos ve r no que d á cudo isso. O difí-
legal e 6tima praça. Eduardo lem vindo aqui quase q ue dia- cil aqui ~ saber-se em quem confiar; as pessoas sáo em geral
riamente. Bem, como aqui as loucuras: AmÔnio Manuel re- irresponsáveis, falam demais, elc. Aqui em casa fiz as seguin-
solveu fazer fOlonovda pal".l vender p:ara o Pasquim; a pri- tes leis: para vi r, hora marcada, proibido maconha, revólver,
meira ~ O gum, baseada cm mim; a fOlOnovda tem uns vime marginal, elc. Imagine que agora resolveram fattr o maior
e poucos quadrinhos. Tinecd 41 (irmã da Rose) c Paulo (um Folclore de ludo isso, e ainda dizem que eu inventei a coisa;
crioulão aqui de cima) são os outros "aslros" da coisa. muita gente tem sido presa por isso, elc. Jackson e Rosa
Edu:ardo enrão fotografou com o Kiko" o troço. Mas o que queriam vir aqui, mas tenho sempre uma desculpa para im -
Eduardo está mesmo fazendo ~ o rOleiro do filme que vai pedir que isso se de:: avisei a Tineca que não ~ passivei trazer
fazer comigo, eu de "aslro~ aind:a; fez v:l.rios desenvolvi- marginais armados aqui, e pronto, pois at~ piranha da praça
mentos do roreiro, e ficou bacana o ültimoi hoje de arran- Mauá apareceu no dia seguinre em que cheguei; loucura total!
jou quem finan cie: vai ser um cuna-melr2gem, de está ab- AI~m disso, mil pessoas novas aparecem a telefonar e chegam
sorvido na id~ia, o que me de:ixa bem COntenle, e passa aqui à poru, pelos mais diversos assuntos, principalmente músicos
dias e dias a discutir e conversar; Tanit Galdeano e Vergara·' e baianos! l '
QuanlO ao Jorge Ben, conside ... mos ele o maior mesmo;
T lIélio O;Uc!c::.,

dezembro ou janeiro; o Verga ... tem um amigo que [em uma


Caetano descobriu ele há muilO tempo (Guilherme era em* máquina de duplicar s/ida. por iua estamos vendo por quan-
pres~rio dele); creio que Jorge Ben é precursor e cominuador to vai sair cada duplicata; enr.io, cu faria os melhores seus,
da Tropicália; nos Estados Unidos ele tinha bastame carraz, que tenho aqui, e mandaria; o Gerchman tcm muita du·plic.:l-
mas foi engolido por Sérgio Mendes, que o destruiu lá, mas ta deslid~ minha em N.Y.; disse.:l ele que os apanhe no Jewish
como O Mendes é ptssimo. Jorge Ben voha~, desta vez via Mu.seum e os mostre a EJayne; mas Gerchm.:ln te~ mani.:l de
Europa (foi um sucesso no fesdval da M IOEM, em Cannes); dar material, o que só se fu. quando .se rem galeria finan*
o disco novo dele aqui é genial; Gal e Caetano cantam coi5.1S
ciando por Ir~s; mas como n6s somos ftu lanrtrJ não estamos
dele; ouvi Caetano COlmando CharJ~J 45 e é genial!
em condições de dar nada; americano n.io d:.i nada a nin-
I) Enconlrei finalmente Mário Pedrosa esta sem;ma, só,
guém; Gerchman qucr bancar o superdesenvolvido, e já disse
pois chegou da Rasa, mas volra hoje; achei-o 6timo, quei-
.:I ele que n.io poua todo dia faur fotos pra dar e d uplicata de
mado de sol e bem vivo; de repente apareceu toda a minha
sJidts, etc. Estou vendo .se o Ziraldo compra um artigão para
corte lá, de baianos e !"ãs; Mário gOStou muito; Oku w e lara
a Fairplay (ele mandou pedir) pois pagam bem e então faço
cstavam lá; Mary está queimadruima e o aparlamemo cstava
tudo; no mamemo, imagine, mal renho dinheiro para com-
bem bonito, pintado de novo e tudo. Falei muito em você, e
prar jornais e manda r cartas; mas saiu uma bosta de lei de
foi bacana.
censura (imagine, censura prévia de livros e publicaçóes, coi-
2) Jean chegou e passei sJidtslá, inclusive os de Los Angeles,
sa que nunca aconteceu, nem na Rússia, desde que foi inven-
que passo sempre; Eduardo foi também; Genevieve está para
tada a imprensa; conclusão, o Fairplay está ~guardando qual
parir a qualquer momento; Pedro Correia de A... újo (que é
o destino que lhe se~ dado; SÓ .sei que mulher nua não vai
um louco rcacionário) gOStOU tanto que vai diurao Mauricio
Roberto para pagar-me para dar uma conferência no Museu; poder mais sair; e aquela beStei ... de Pais t Fi/hos rem que ser
56 faço bem pago! vendida dentro de pl:.istico! - isso tudo é que ainda atrasa
3) Guy escreveu diundo que o Sludio InfernationaJ rece- mais as cois.:ls aqui). Creio portanto que com algumas fotos
beu o artigo, e que vai me escrever; acho que vão mesmo feitas por Guy, outras que você puder .:lft.:lnjar .:Ir, m.:lis as
publicá-lo; Guy é que fez. suas fotos; por iua pensei: escreva duplic.:lras que posso fazer aqui, terá bast.:lnte material.
para o Guy e peça se ele pode fazer algumas para essa coisa da Tomara que saia logo o troço do Studio, porque vai pesar,
Elayne Varian; h~ bastanre tempo, pois a caiu s6 seria cm e muito.

t 3 8 • C A RTA S
H élio Oitlclca . . . . . . .. . . . . .....

4) A coisa do Rom~ro I3r~st", já sabia aqui, ap~sar de: o ~nrre e:studanu:s (minha cone: é quas~ que toda de gente
Itamarary t~r escondido a novidade: por uns te:mpos; be:m, jov~m, estudantes) e baianos!

como voc~ sabe:, a mim não inl~re:ssa ~xpor nada, ~rc., vou 7) Ent50, fica assim: a e:xperiência americana s~mpre
e:scre:v~r a el~ propondo construir algo, se eles derem dinheiro
vale a pena; a d~ Bu~nos Aires val~, é daro, mãs dependendo
de como for feita (a1i:is o filme do Raimundo foi escolhido
e passagem, senão, nada fdlo; e fazer algo no parque, etc. O
pelo Brest! Minha fala foi toda corrada pela ce.nsura, mas
Glllsb~rg é qll~ djss~ qu~ me paga tudo para ir a l3u~nos
Aires
nao d~ram certificado, mesmo assim; por isso vai dandesd-
em agosto; acho que ele qu~r rivalizar com o Bresl, s~j Já; ele
namente para U; Raimundo está ~ufóricoj Odet~ Lara me
vai apar~cer aí, pois estava tomando o avião para Londres.
disse que quando projetaram o fi lme algumasvez.es noMAM,
5) Jean Clay é louco: disseram-me qu~ saiu o novo Rhobo,
quando eu apareço a platéia aplaudc:!); estou me organiz.ando
inclusive com algo a meu resp~ito qu~ el~ ~screveu; nem
aqui; a casa est:i um caos; em geral. só saio de carro; quando
me mandou; n~m mandou textos revisados, aliás, tradUl.idos
saio só, coloco boina com cabelo preso pra delllro, e mudo
para revisar; n~m responde a cana alguma que se lh~ mande;
de personalidade; fui ~ Mangueira de cabe:lo solto; foi um
incrível! O que acho é o seguinte: c:l~ escr~veu esse texto c:sclndalo; algumas pessoas gostaram, outras não; mando em
para me compensa r de (lido, e os que fiz, que de:ram aquele
OUlro envelope recorles, ~ U diz tudo.
trabalhão, nlio vão sair, mesmo porque já ~srão atrasados Escreva. MIL BEIJOS
de um ano! J: bom para aprend~r: agora só bço coisas do
Hélio
modo mais profissional, pago e com garamia de: sair; chega
de picaretas! Não perco mais tempo com ~amadores".

6) Bacana o que voc~ escreve sobre o trabalho; ge:nial! Creio


que yoc~ c:sd na melhor fase posslvel; o lal Tú,uJ deve ser
genial; quando possível faça sJidts, pois vou fazer conferência
be:ça e uso sempre; os de Los Angeles funcionam 11. be:ça, e
11.

todo mundo que v~ est:i impressionado com suucojsas, prin-


cipalmt"nte as Trombas que não conheciam. Ne:m Eduardo
conhecia aquilo. Seu cartaz est:i grand~ aqui, princip;llmenfe

1 4 0 ' CA RTAS
,..
. ........ .. ..
I:!gia Clark. sa avemura da estrutura que sempre pode ser modificada ...
CitldnArl1. 18, Ru~d~L'H8tt/d~ Vil/t. PariJ, 4Im~. Ouno dia estiveram várias pessoas aqui, entre as quais o
23.2./970 LucianoH outra Via. e o CÀmargo. Esse ficou verde de medo
e terror e Aspásia idem. Disseram que é bruxaria pura ...
quem sabe se não é verdade? Acharam tão impressio·
nante o espetkulo e tiveram p<=rcepç6es incríveis depois que
Meu querido, entraram nas estruturas formadas por outros' ou por eles
próprios. Virei a própria bailarina, pois faço tantos gestOS
Adon=i receber sua carta. Cheia de coisas boas, não muito que até aprendi a costura r com um ritmo que me parece.
boas e ruins, mas pelo tom acho que o importante é que C$tás orien tal. Parece bobagem mas não é nao. O fazer, o locar o
orim ista apesar de tudo que aI anda acontecendo. Adorei os plástico no momento de o formula r para mim passa a ser
retraIOS ... já estão na parede de lembranças! Que tipo! Nunca quase um cerimonial... Ê essa fase que levarei para a Argen-
deves cortar esse cabdo. Imagine que os dinheiros não che- tina e depois para o Brasil, onde pretendo fazer espedculos
garam até agora e continuo a zero. EsfOu começando a gastar seja no MAM ou no Al"erro, quem sabd Conte ao Mário o
o que o Jean me emprestou mas na hora de pagar o alugud é que te contO pois o tempo é pouco para escn=ver e também
que o caldo vai entornar! Fiquei muito comeme com as no- a gair:ll muÍlo cu na. Qua ndo sa ir o SlUdio IlIttrnational
rlcias sobre o Eduardo e hoje recebi lambém uma cana dele. mande-me dizer que quero comprar também. Tentei Fala r
Já havia escrito outra para ele: não em resposla a essa, mas hoje pelo telefone com o Jean Claye não consegui. Não sei
uma que não era resposta de nada e sim uma confirmação. de nada e nem se o Rhobo saiu. Só sei que esse número não
Estou numa fase de doido. Trabalhando como uma maluca, era o seu. Era sobre o Japão e o seu seria o seguinte. Quem te
comprando p\;{slico que ~ baratlssimo, catando pedras nas deu essas noticias? Não sei se o Romero Brest terá dinheiro
ruas, ajuntando aqueles sacos vazios e felidssima! Acho que ~ para construIres algo lá mas de qualquer maneira vale a pena
a primeira vez que estou num lal estado depois da descoberta participares pois você tem tan ta coisa para mostrar... Pa-
do Bicho. Faundo coisas enormes que abertas no plano não rangolil, etc., etc.
cabem na minha sala ... Essas mesmas coisas diminuem de- O meu problema evidente é mais fácil, pois o que levar
pois que e:nll"1l o suporte (o homem) e ai começa a maravilho· poden=i Faur não importa onde, nos jardins, salas fora ou
I
• '4 3
................ . .. .. ...
denlro, dependendo do espaço e do lempo. Acho que seri
Rio de Janeiro, 16.5. 1970
importante essa moslra. O Romero Bres! está enrusiasmado!
Pela primeira vez eu o vi sem ser o Cilizen Kane e eSlava :uc!
humilde sem fattr discursos. Ele co nfessou ao Jean C lay que
o número 4 do R))obo (enviado por mim) lhe mudou com.
LYGIA mil beijos
plel'amen le lodo o conceilo sobre o que era arte ... Está evi.
d entemenre agora do lado das proposições. Enr rou no Ilínel
Estou h~ seman2$ para lhe escrever; ;ii IQucura ànda tanta
e o Pina leve medo de ele ler um trOço no coração ou que.
(trabalho) que vivo adiando cudo; estou uabalhando no
brar o pescoço... mas ficou tão orgu lhoso depois que valeu
show de Gal e no filme de FOnlouraSJ (rou pas e cenografia);
o risco. A ChI para mim va leroi ao certo até out ubro. Em
a l ~ m disso fiz c já mandei os planos para Nnv York (Museu
julho lerei que ped ir para ficar até fevereiro. O meu advo-
de Ane: Moderna) para a exposição I NFORMATION, para a qual
gado ainda não me chamou para resolver o cOnlrato de N.Y.
me deram uma sala; achei importante participar disso, se
Apanhei um big res rriado e esto u mona de dor /lO co rpo
bem que nã o tenha mai s se ntido participar em museu
mas alegríss ima! Hoje comecei OU tro grande trabalho mas
o u galeria. mas o que visa;il ex posição ~ informa r sobre co isas
circular. f aq uela invenção do meu livro provando que o
in ternacionais relacionadas com ambienração. etc.; d eram-
plano não o:isle, lem bra·se? Agora o homem agachado for.
me essa sa la (fui um de ,rêS;il ler sala gn.ndc; o reslo da expo-
mula ele próprio com o corpo essa experiência e depois volta
sição são filmes e informação escrila) e achei que: sc:ria ridfcu-
1.1 lo na sobre a outra camada do plJstico. Parece que seri sen-
lo e prerensioso recusa r, uma vez que t loucura pe:nsat que:
sacional. M il beijos e escreva! Muito obrigada ...
C lark alguém nos Sralcs saiba muito a meu respeito; sabe co mo .~
U; enquanto não se aparece ;n loco não se existe; e luga r maIs
ce ntral e visceral para aparecer que o MOMA de N.Y. não
existe; planejei algo parecido com a coisa que fiz em Sussex,
com trb andares, tudo ninho para ficar den uo, coberto de
aniagcm; .são vime e u n tas c~lul asj creio que seri mais im-
portante que a da Whitc<:hapel; eles vão construir tudo e me
dão passagem e estadia de duas semanas na segunda quinzeJna
• '''''''· C. . IIT ....
Hélio Oldclca

de junho; irei e penso em vollar via Londres (teria que pagar pessoal (Bubbles), que é um conjunlo + metais + tambores
SO dólares do meu bolso, o que vale a pena) e talvez passe por (quem laca é Nan:í, um crioulo bom à beça); estou bolando
Paris; quem sabe se você não gostaria de visitar Londres e coisas maravilhosas pra l:í (vamos tirar faIaS e depois mando);
encontrarmo- nos l:í? Voc~ é das poucas pessoas que gostaria por enquanto ainda não se pode armar nadã pois h:í o Ihow
de encontrar e conversar; hoje vejo que não h:í lantas /lO de Chico Buarque (esle, cada vez pior) que sai só daqui a
mundo, apesar da badalação 10lal por aqui. uma semana. Quanto aO filme , bolei Iodas as ro.upas e agora
Gal e Capinan chegaram e me contaram sobre a visi!;,,; estou nos cen:írios (ambientes); rem sido uma experiência
fiquei radianle e eles mais; Caê e Dedé ficaram impres- bacana; Fomoura é ólÍmo e de confiança pra se trabalhar; o
sionadíssimos com você e seu lrabalho; Gal fala muito em produtor é o Cesar Thedim, marido de Tônia; receberei a
você depois disso, e acha você genial; Caê não tem escrilo primeira parcela talvez na sema na que vem; bem a lempo,
porque eS lava via ja ndo na Espanha; mas espero ca rla a pois estou d uro desde que cheguei; quero ver se viajo com
qualquer momemo; que tal achou eles? E o Ca rlos (blu~ ty~s) algum dinheiro prn comprar coisas vilais prn mim: livros,
como vai? Dê-lhe um abração por mimi Eduardo e Maria discos e algu ma ro upa (sai mais barato; aqui e:slá tudo uma
H elena foram conosco, quando Ga l chegou, ao Galeão; droga e caríssimo), que deixei de comprar por &lla de dinheiro
Eduardo eSl:í trabalhando com um grupo de lealro; infe- quando vim.
lizmeme as coisas que havia planejado para ele f.. lhar.. m, Lygia, só estive com M:irio uma vai voâ já d eve saber da
como de reslo quue lUdo por aqui; é re.. lmenle loucura se encrenca que houve: uma mulher que foi presa (do lramarary)
trabalhar no Brasil: lodos irrespondveis, picaretas, elc.; ago- denunciou M:irio como redator de notícias sobre tonuras
lõI o show de Gal eSlréia dia 28 na Sucata, pois o Canecão enviadas pra fora; nada acon leceu, mas poderia ter sido gra-
falhou, e fiquei com ódio, pois trabalhei em vão, e nem me vei agora ele eSI:í em casa, mas Vera>! recebeu advertência;
pagaram o que fiz, os projelos estavam lindos:show ambienlal, parece que ela foi ca nada de um congresso para onde iria por
eIC., mas a menralidade curta t sabolagem da m:ífia (Miele e isso; r.11ei com M:írio no aniverdrio dele pelo telefone, pois
Boscoli) es rragaram tudo; ao menos na Sucal3 a coisa sed de ia jantar com Bureto e o pessoal; ele disse que quer ver-
mais modesta (mas não menos ambiciosa) mas pode-se confiar me com calma e quando n50 houver muita gente à volta; 2f é
em Ricardo Amaral. ele.; 05 ensaios e.não indo bem e Gal que se complica tudo: U vive cheio; aqui, uma romaria per-
está maravilhosa, Cilmando músicas novas; Macalé ensaia o manente; OUICO dia já ia sair para ir l:í; quando vi, chefou

' 4 6 · C ARTAS • '47


lIélio Olticlc:o

lanta gente aqui que nao consegui S2ir; um drama; agora eslá uu, de Ju!inho, que é genial) e lêm vindo aqui muito. Rogé-
mais alegre, pois Luis Fernando, que esrava na cas~ de Dê rio, quando fald sobre você, disse: é uma mulher extraordi-
em Londres, chegou e está aqui hospedado; ele t. muito inte- nária, e disse que há muito aprecia e admira seu trabalho
ligente e bac~na (trabalhou com Teatro Oficina) e esd diri- (bacana é que de picha violentamente todo·mundo, princi-
gindo o show de Cal; outras pessoas bacanas: Lee JarFe, um palmente Glauber, etc., monstros sagrados que ninguém ousa
artista americano (lindíssimo) muito inteligente, tem algo de lOcar; detesta Cordeiro, e acha que ele e outros querem fa7.C:r,
Edward Pape (não na aparência, mas na mandra de perceber ou que:reriam , o que você faz, mas não conseguem); a mulher
as coisas) e adora as suas coisas que mosuei em s/ides e no dde ~ Helena Inês (que é genial; você precisa ver Mu/htT dt
livro do Cuy; ele vem toda hora aqui e 10Cll gaira da maneira lodos), ex de: Claubcr; eles têm feito Super 8 também, e: nós
mais corporal que já vi; Macalé vai inclu/-Io num show que estamos pensa ndo em lermos uma casa, um lugar, onde essas
está planejando e num disco; Maca!é é um gênio; filo música experiências possam ser moslradas. etc. upinan pensa em
com ele chamada pUI1Iry-jill, em homenagem a Ji1! , usando alugar um asarjo aqu i pertO da minha, na rua de cima; seria
só as duas palavras que se desintegram e formam ryjil/ no genial, e talvez algo importante possa nascer daí.
final, que se distorce fal.endo uma sonoridade de a"gt'l(anjo); Como você vê, as coisas andam em certos grupos aqui;
t. lindíssima, e Macalé fel. a música baseada em dois acordes quanto a artes plísticas (que termo an ligo!), a merda tOlal,
obsessivos. OutrOS; Os Kids (garolOs), que é o lal grupo que acho tudo fraqu/ssimo, e as pessoas se dedicam mais a fo -
era do Colégio São Fernando - Ivan, Sidiny, Barreto, etc. foc:.lS do que a oUlra coisa; não hí pensamento, nem nada;
Vou incluí-lo num filme que penso em faler: tot'almellle ex- Frederico anda péssimo; co nvidaram-me para ir amanhã
perimentai; I'a lvel faça com Super 8, que é uma dmera pe- mostrar s/iats no MAM; irei, porque vai ser um modo de
quena (tipo daquda que você comprou pra Eduardo) e é ge- desmistificar muita co isa; acho alienante o seguinre: rodo
nial pois pega rudo "ao alcance do olho e da mão~; imagine mundo me cita, faz fofoca (prato di;irio de coluna social),
que exisrem filme s a cor de 3mm, que podem se r revdados mas na rea lidade não ubem o que faço, erc., rlpico do Brasil;
co mo se fora fotografia, e r'Ontoura andou fazendo uns que vou projerar o filme do Raimundo (que aliás foi escolhido
ficaram geniais; Rogério Sgam.erla também; você sabe, Ro- para ser exibido permanememente na tal exposição de New
gério c Julinho Bres.sane '" Neville de Almeida 550 os cineastas York; adorei isso, ele está positivo à beça) e mostrar tudo,
realmente importantes agora aqui (vi um filme, Um alijo IIM- inclusive os seus de Los Angeles; depois conto como foi;
I

146 • CARTAS • 149


Ilélio OlticlcOl

Aml!lia Toledo esteve aqui, muito simp~tica; Vergara chegou


l Lygia Clarlt..
de Medellin (Colômbia) e esteve com Lea Lublin e Lc: Parc Cit' dLS Arts. /8, RUi di L'HOul dL Vil/L. Paris. 4 11m.
(que falaram muito em voel). Gerchman tem eseriro, mas 20.5. /970
devo cana a ele. Guy esteve a/1 A Jill me disse que ele ia; ele
não tem escritO h:i tempos.
Bac::ma a visi!a do BreJil; c as coisas que você con ta; creio
que a coisa do Studio sai em junho ou julho {que demora Meu querido.
bem ingICS<l!}. Sua experiência é realmente das poucas que
conram hoje; h:i um nlvel d e crescimento impressionante, lR..adiante com sua grande carta e ainda mais com a noticia
nos signif'icados. nas proposições. no desdobramento delas de que vais expor cm N.V.!
no dia-a-dia; tudo f'i ca claro como "ativid.de" diante da mes- V.ai ser uma grande experiência e os .americanos terão
quinhez. da ".arte", como a :igua; não h:l gratificação a não ser oportunidade de conhecer o seu lraOOll1o que para mim I!
a da pr6pria descoberra-arividade; iu o é adminivcl, num dos mais importantes em qualquer luga r do mundo! Esds
mundo onde essa atividade quase não exisle; a pr6pria $0- com um grande cartaz; num jornal francês. o Restally te cila
lidáo paua a ser importante (se bem que não deva sc:r cul- como o anisra sul-america no mais importan te. e lambém a
livada); dar para a comunicação lotai. Essa coisa de Buenos Niomar's o fez , infelizmenre colocando ao seu lado o Serpa
Aires será importante; mais um ca nlo do mundo; gente como o maior pintor vivo do Brasil (!) .
nova, etc.; a possibilidade. como você diz, no tempo e no Tenho certeza de que você vai tirar a bolsa Guggenheim
espaço; bacana. po is não existe ningul!m com mais qualificações que você pa ra
Lygia , vou parando por aqui; quero colocar no correio isso. Tc desejo a melhor sorte do mundo e marque N.V.• com
eua ca rta. Hoje I! s:i bado. de manhã; ~ tarde tenho convit e sua pauagem, pois a verdade é que l~ I! que acontecem coisas
.. para aparecer na 'TV (merda Excelsior). nem sd bem para qu~; como n6s fazemos e achamos imporrante.
.. vou pegar uma praia tambl!m . Penso cm voc~ e envio Quanto ~ posição, n priori. de serconlra galerias, museus,
.. as melhores vibrações (popt:ianas). flow ]OU. etc., elc., não leva a nada de positivo a nio sc:rcriar uma nova
BEEEEIJOS (lembranças a lodos) elite. e como eu sempre lurei contra isso mt: recuso contra
... H élio ! toda :t pressão que me f.uem nesse sentido. Acho que o 'lue

~::I-__________________~_'_'O_._C~'"_"_' ~~==~~~~~_______ ~\~------------------______________~


__
. . . . . . . ~)'gl. a C lark

fazemos ~ que ~ importante e teorias nesse senlido do muilo bonita e dassud~rrima. c Capinan, de uma gnnde sensibi-
boas para o crftico que nada comunica e pode se dar ao luxo lidade! Foi uma grande experiência que hzenm e o Carlos
de assim pensar. Por que eles não podem admitir que as Augusto saiu tão zonzo que se jogou debaixo do primeiro
coisas mudam e também as próprias instilUiçóes~ Muita pre- carro que pass .. va. só fdllOu se quebrar todo pan valer! Hoje
tensão a gente achar que nós mudamos para melhor mas fiz experiências na rua com crianças que adoraram e fi-
que do outro lado sÓ querem nos "recupenr~ para se dizerem zct;lim tudo n.. maior voracidade, pior que as surdas-mudas
à la page ... Acho tamb~m que se não abrirmos os olhos nem dar. e quase dei na cara de um rapazinho que queria botar
leremos mais condições pan comunicar algo, pois muilOs fogo nos meus pUslicos!
propositares estão se fechando para, no dizer deles, não se- Nada sabi .. a respeito do caso Pedrosa! Conte-me em
rem recuperados ... Eu pessoalmente topo tudo. P"ço minhas detalhe. pois, coinldo do velhinho, nlio escreve nunea! Man-
proposições onde me convida~m, na rua, na minha casa e dei fotos para ele mas é pena pois duas 'fllandalas mara-
ainda no inferno se: houver possibilidade:! Recebi aqui em casa vi lhosas que fiz e que considero a melhor coisa dessa fase:
um grupo vindo de Grenoble, de mais de cem pessoas, mistu- ainda nlio foram fotografadas!
radas com alemães, e ainda outro grupo de 35 jovens ameri- Uma é enorme e precisa de 15 pessoas inicialmente para
canas que se esbaldanm !las minhas proposições. Recebi em armar a eslru(Ura. Circulas em camadas de plásticos, ligadas
seguida cana de lá me comunicando que estão fazendo por com elásticos em toda a sua volta. Do centro três sacos com
sua conra e risco o que viram aqui para eomunicarem a ou- três pessoas que susrenram a abertun pan a penernção. Todo
rros jovens! Bacana, não? E essas americanas me foram man- o mundo se põe .. o redor, amarrado como o jogo do rúgbi .
dadas por um grá-fino burgub que co nheci em N.Y., na festa e quando se levantam as camadas do pláS[ico, sai um barulho
que fizeram para mim, onde fui tralada como se fosse uma como um gnnde ha ........... ha .............. ha ............. ha. Como
[... 1subdesenvolvida ... Você vê como não se deve fechar nada, se um grande pulrn:io abrisse seus enfolhos e começasse a
nem uma porta, nem uma oportunidade, nem gente só por- viver: respirando. Na OUIT.. , só duas ca madas de plástico, as
que são burgueses. ricos, ete. etc. pessoas entnm entre as pernas dos que suportam a es[(u(Ura
Adorei o Caetano, Dcdé. Gal e Capinan. Achei o Cae- e recebem choques com o movimento do pl~srico que é elé-
tano maravilhoso e fiquei espantada. pois pelas fOlografias trico ... não sabia mas descobrimos no ato de habitá-Ia. Devo
tem um gnnde nariz, mas na realidade é até pequeno! Cal. pat;lir de trabalhar pois vou expor na Alemanha em junho. O
I

' 52 • C ... RT"'S • '53


Guy aqui esteve e adorou tanto o meu trabalho que nem queria Desdemone aqui esteve ali:l.s muito simp:l.tica e muito
ir embora e prometeu voltar em maio. o que não fez. Me queixosa com respeito ao seu material. Me moslrou o seu
convidou para fazer uma grande manife5[ação em Londres, bilhete que sugeria que eu pagasse com um Bicho e. num raro
como a sua. para o ano. Ser~ gozado pois as salas serão vazias bom senso, da me disse que achava absurdo eu pagar o mes-
e só vai existir algo na medida da ação. Pensei tamb~m em mo desde que de fora confiado a você e foi você que em-
explorar as salas vazias com pUsdcos. mas que só se: desenvol- prestou ao Eduardo. Sugeri a ela que escrevesse pireramente
vem tamb~m à medida que as pessoas quiserem passar pda pan o Eduudo para resolver com de o problema, pois a res-
sala. Por exemplo: numa porta um rolo de plástico pcndu- ponsabilidade 'dele. a meu /ler, e sua, no dizer dela. Enfim.
ndo no (ero que se: desenrola na medida em que as pessoas veremos como isso vai se arranjar.
fizerem esforço para entrar no espaço vazio da sala. Outro Recebi dai um arr igo sobre um grupo organizado ( ... ).
plano: rolos de pl:btico quase juntO ~s paredes e, nessa espt- Daqui a pouco estão conando o próprio pau, comendo os
cie de corredor. :IoS pessoas vão passando e dc:sc:nvo\vendo para cu lhões num ato verdadeiro de -barbarismo-o Quanto a sua
o interior da sala. com o próprio corpo. corredores que cor- idtia de pista de açúcar na estrada, fiquei com muita pcna
taria o vazio em vários sentidos. Isso me lembra um projero dos pobres que gostariam de lamber o chão ... o que aqui j:l.
que havia propOSto a você h:i tempos no Br:asil. \embra-se:~ me aconteceu! Ali:b. num momento de grande penú ria já me
Um grupo de quatro pessoas no cenHO da sala com F.i.ixas de levantei de madrugada. rirei uma costclet'a do lixo, lavei-a e a
pano no corpo que iam se desdobrando ou se enrolando na comi como um .e\vagem. mas era de fomt'. não um
medida da ação ... OUll"ll id~ia; sala vazia. fepleta de gente; hIlPpening... Essa histÓria me lembra a de um padre que aqui
uma pessoa que el\ln na sala traz pregado nas COStlS o plás- juntou muita porra de masturbação e a apes den tro de um
tico que vai abrindo caminho. separando gente. agrupando e tubo de pl:l.stico, e o máximo que aconteceu ~ que acabou
formando ctlulas vivas que depois serão desfeitas. Que tal? sendo expulso do convt'nto pois padre não se mtlJlIIrba O).
Tudo com pl:l.stico transparente sem cor, quase como um Não chocou ningu~m, deu muita fome em mulher sem ho-
ectoplasma que liga imaterialmente os corpos. mem e acabou sem batina nem nada. Continua evidentemente
Nada conheço do Rogtrio e do Bre5$ane. Quando ai a se masturbar e t só. Essa :lTIe de conceito me lembra muito
chegar gostaria muito de conhecer tooa essa gente e sed essa história. Vi uma exposição do Lamc:l:L5 ~ no Ivon Lambert
formid~vd! e achei chat~rrima. mais parecia o que se: diz da Montanha
I

154 • C ..... T ... S • 155


.
-------

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . Lyg'"
. . ClolOd,
10.5. 1970; ......•........... . .....

mdgica: livro genial mas u!tfll;ch:no! Por falar cm livro. Ii um que nao faz ele a mesma coisa? Acho graça, pois toda vez que
muito bom, Lo" de um tal de Blaisc Ccndr:m, conhc:ccs1 o John vem aqui sem ele diz: o Medalla está atrás de di nhei·
Diga ao Eduardo para comprar (Iue ele: vai aclorar. ro ... no fundo ele traba lha mais ainda pa ra eedi r aos ourros
O americano escreve sobre o passivei conuam mas o do que se fizesse uma caixa para vender! O garoro reôe di·
Krugic:rs. de Gcnêvc:, está interessado cm fazer a mesma nheiro a lodo o mundo e está muito magro, coitado. Cada
coisa c por isso CSIOU esperando para ver qual sem a sua pro- coisa nova que ela v!cm eles dizem já ter feiro mas não têm
poslçao. fotografias, nmhuma documrntaçáo. Dá para desconfiar, não
Ele:. o Krugicrs. já esr;!. expondo cm Baile Bichinhol meus ach:ls?
para vu a rc:açao do público. Recebi convile tambtm para O Laus" aqui esteve c deu na minha cas;a uma festa para
expor múh iplos 1\2 Ans Council of Britain cm novembro c os seus amigos; a Ccres veio c está magérrima, seis q uilos a
vou mandar também o nosso di2logo. O Guy deu 6rima co- menos e com cara de doente. Não tem jeito não, de u ma
bc:rr ura no 7imn sobre os nllíhiplo$ feitos pelo Jc:rcmy Fry c vulgaridade c bu rrice doentia, coitadinha! Tenho visto mui la
parece que estão se vendendo como pão quente:. gen te e quando fico sozin ha acho ótimo pois p",uo milito d~
O Jean ctay como sempre formidável. Depois de: vend er minha solidão. Talvez para compensar o q ue dou na comuni·
uma escultura para o Museu de: Grenoble. vendeu outra para cação que é paca e al'é já perdi a minha med ida c sou a dos
o Museu de Arre Moderna de Paris. dinheiro que só receberei outros. Boa troca pois agora sou todos c não cu só.
daqui a cinco meses mas certo: 2 mil dólares! Vi um filme do Visconti, L~J Jam"b, que é uma droga, e
Radiante pelo Raimundo, o amado dos Amados, pela pos- além diuo mOstra uma complacência enorme por IOdas as
sibilidade de mostrar o seu filme em N .V. Que bacana! burradas do inconsciente: é um pUlO. Vi também L'rnfim
O Medalla está aqui. muito charme, muita sensibilidade, smlllag~, e só mesmo o francês com IOdo o seu carresian ismo
muita paranóia, mas por ora é só. Para mim o mais fone poderia justificar uma pseudo· recuperação de um maravi·
deles é ainda o Fingerald, que você conheceu cm Londres! Se lhoso bicho-menino que :lc:lba sua vida no subúrbio de Paris
acha um "gênjo~, se recusa a trabal har e vive tirando dinheiro sem ser geme. e nem bicho. Experiência das mais dramáticas
de rodo o mundo, só o meu é que não lenta pois tenho fama para mim pois o menino é tratado como um objeto de pes-
de ser dura como sempre o fui com o resto do grupo. Acho quisa por um professor que é o próprio Truffaut, que é u m
que lodo mundo faz força p:lra ganhar o seu dinheiro, e por gl'1l.nde canastrão! O g:lroto: um cigano adorável!

' 5 6 · CARTAS
."
Jamais trabalhei tanto na minha vida c com um pen- Rio d~ Janeiro. 2.8. 1970
samento tão claro. Quanto aos OUtrOS nada sei. mas de mim
sei até onde o trabalho j;l me levou, mas vou "caminhando~,
estou viva, viva!
Helinho. meu anjo. por hoje chega. Estou exausta c vou LVGIA,
dormir. Não deixe de passar por aqui ou Londres c batere-
mos aqueles papos imensos... remos multa coisa a nos dizer, IFinalmcntc escrevo depois de u.nto tempo; c ainda mais
ali:!! como sempre. com urgência. pois penso que você pode ajudar cm algo:
Tc mando um grande beijo. c para os seus que também M:lrio teve ordem de prisão prevemiva (raiva você já saiba)
são meus, muiras saudades. mas muitas mesmo....... . decretada; se mandou, e Mary continua cm casa, elc.; o que
Clark acho que: poderia ajudar muito é o seguinte: como no caso
do Hélio Pellegrino. pessou (crhicos. etc.) do estrangeiro que
escrevam pedindo por ele pode causar efeito aqui; AICA.
etc.; fale com Jean C lay; estou escrevendo para Guy Breu;
rnlvez o C lay possa telefonar para ele e combinar uma in-
vesdda em conjunto. etc.; são ossos do oficio (como se diria.
bem lug:u-comum) neste puafso surrealista; nem mesmo eu
sei onde nosso amigo est~. mas sei que est~ bem; solro; a mim.
me deprime tudo isso; M~rio tem até visto de salda pois foi
ao Equador este mEs; as pessoas brincam com fogo aqui,
jamais deveria ter volt'ado de lá, conforme o advogado dele
avisou; de qualquer jeito M;1rio leria que estar no Canad;1
no mês de agosto (dia 15), onde v:;r,i participar de um rroço
com MacLuhall, etc., mas, como voeê j:l sabe, a "calma" do
casal Pedrosa é de espantar; Mary diz assim: "não é a pri-
meira, nem 5eri a última vcz~; mas, loucos, nem vêem ps

• 158 • CARTA,S
'1.8.197 0
Hélio Oitidca
..............
perlgos ou vEem mas acham que são corajosos; mas, no enconrro de rodos os meus planos. Adoro aquela cidade e é o
mais. tudo bem; há um lado. o que: funciona ar, que é posi- único lugar do mundo que me interessa. Outra coisa: lerei
tivo; mas só terei descanso quando vir Mário fora do pais, um grande apartamento no East Village, onde poderei rece-
em Ncw York. ber gente, hospedar, elC. com a auto-suf'iciê;cia que semp re
Lygia, cheguei aqui de volta de New York dia 19; fiquei me r.,ltou; sinto-me livre, de: repente, e isso me: agrada bas-
um mês; a exposição foi o maior $UCUSO e realmente sinto lante; essa viagem e: agora a perspectiva de: voltar me: deram
que desta vez sou respeitado de verdade por todo o mundo rais pl:ls, que parece que estou vivo OUtta vez; de:pois de tr,l-
de arre; os americanos são mais vitais e estão mais interessa- balhar aqui complelamenle: desrespeitado e sempre "1.1 mar-
dos cm rudo; Pcm:aulr é maravilhoso c lhe adora, fala cm gem", aturar indiferenças, ele., vod imagina quanto ~m não
você sempre com todo mundo, elc.; pra mim, foi um cartaz faz ver que h:l pessoas capazes de entender e amar o que .se
louco. pois tive um espaço enorme c gasr:uam mundos pra F.tça; fiquei num tal dei frio ambulatÓrio que nao parei de
fazer o meu plano, nessa exposição que é a mais imporrantc andar dia e Ilohe pela cidade; Gerchman ficou louco pois eu
de verão cm Ncw York, c das mais do ano; ainda me deram a não dormia e mal tinha tempo de comer; bacana 1.1 ~ça;
passagem c 400 dólares de estadia por duas semanas; acabei Perreaulr é o maior fá que você lem; adorou (e eu rambc!m) as
ficando um mês, porque linha ficado com Gerchman; ficou faiaS que você mandou: é das poucas pessoas que podem ver
incrível a construção da experiência Barracão 2: a quamidade a profundidade e a grandeza do seu Ir.Ibalho.
de gente que aparece é louca; os filmes passam numa m:lqui- Gerchman mudou para o ÚJfi no Bowery; foi a maior aven-
na grande da Ol iveui, inclusive os de Raimundo Amado e tura e acho fanr:lslico que ele e Ana a renham executado. Só o
Barrio (que adoro); Perreaul! escreveu bem à beça sobre o tempo de dois meses e o dinheiro gasto na reforma, ou me-
troço no Vil/age Voire, e as pessoas mais importantes pergun- lhor, na faxina pra tornar o 10ft habit:lvel, pois era uma antigo
taram por que eu não apareci antes em New York; veja você, hOlel de bu,m (bêbados) do Bowery. Lygia, a primeira vez
ainda consideram um favor tomare m conhecimenro da coisa que fui l~, pensei que eslivesseentrando num cen;trio de Bosch:

..
(favor meu pra eles), quando é, para mim, o oposto. Quando mil co rpos pelas ruas, com mijo, sangue, feridas, lixo, garra.
cheguei aqui, imagine o que aconteceu: recebi comunicação fas vazias aos monles, e as pessoas avançando pra pedi r di-
de que tinha ganho a bolsa Guggenheim, o que vai me possi- nheiro, elc.; imagine que eles tiveram que dar banhos de :lci-

. bilirar morar em New York por certo tempo, o que vem ao

16 0 ' CARTAS
do muri:llico no banheiro, pimar, reboar, raspar, ele. , dois
I

• 161
lI éllo Oiticlca
......... . ......
meses sem parar, pra sair o cheiro milenar de mijo que havia aconteceu foi que propus Lee, esse amigo meu americano,
110 ambiente; wdas as vedetes da arte americana moram com a coisa que ele queria filmar - trilha de açúcar e as
por ali agora; os bairros de dentro são italianOS e porto-ri- mudanças que se passariam nessa trilha de h o ra~ em hora; isso.
quenhos; logo dois blocos ao norte, o E:m Village (para onde quem conhece minha evolução e minhas idéias vê que nada
pretendo ir), onde todos pedem dinheiro na rua também tem a ver comigo; pois Frederico teima em usar meu nome
porque estão viciados irremediavelmente em pico, etc.; a
neSS<l manifesGlç.5o, como se ue" tivesse ido ti para me re-
barra é realmente {mica.
presentar ou coisa parecida; ainda por ci"!-a me usam nos
Achei Gerchman meio deprimido quanto a tnbalho; meio
jornais, etc. , em artiguinhos subliteraros mencionando a "m i-
perdido talvez; mas isso é im portante, pois acho que ele de-
séria brasileira- e outras coisa reacion:irias; o que gosto mes-
verá sofrer uma mudança fon e mesmo. Ana ganha bastante
mo é da coisa do Barrio", que esteve repr~nGldo ness:a. cx·
faz.cndo desenhos pra tecido, o importante é que optaram
posição de New York também, aliás, ele fez. filmes curtos e o
por ficar e lutam por isso; Rubens acha que dei sorte a ele,
pois muita coisa começou a aparecer, inclusive emprego numa pessoal gostou muito I:i; imagin e que eram ta mos filmes
escola pra ele. Aqui, tudo anda cada vez. pior, e seria um de- projetados na lal m~quina, que quase não vi nen hum; gostei
sastre voltar. Amflcar vai ficar também, pois arranjou algo muito do Empirt Statt Building do Andy \Varhol, e vi um
na Universidade da Filadélfia pra faz.e r (au la de arte, sei ti); ou u o dele cha mado Ondilleí 10ft na casa de um dos afores,
achei-o bem, mas muito desconfiado de mim; ni'io me convi- que é amigo do Ge rchman e que aparece nu no filme . Tenho
dou nem uma vez pra casa dele, e nada comenlou sobre a planos para meu filme. e talvez film e aqui muilas das scqüên.
minha coisa no Museu; sei que deve ter detestado, está cada cias-episódios anlcs de ir, e leve o material para acabar l:i:
vez. mais "mineiro": fechado e na defensiva, e é impossfvel.sc nada de montagens, dublagens e toda essa merda de cinema
estabelecer um nfve\ de discussão com ele; n6s, como vive- acadêmico; vai ser lUdo direloi Luis Fernando, um amigo
mos de discussão sempre, não podemos entender isso muito meu, quer produzir a coisai vai ser em 16mm; os episódios
bem. são muiros, vi'io crescendo, por isso acho que n50 poderei
Lygia, estava para lhe explicar algo : aquela coisa que fazer lUdo dessa VCl., mas algo feito j:i será alguma coisa; en-

.... você recebeu do Frederico$&, sobre a expcrie:ncia de Belo Hori-


zonte, nada tem a ver comigo. Não participei da coisa, o que

162 _ C ART AS
quantO isso eslou faze ndo coisas pra ganhar dinheiro: capa
de disco de Gal e filme do Fontoura .

'.3
,
•I
I

••

• Hélio Ohldcll. 1.8.191°

Estou pensando em alguns planos de fazer coius nos par- \'Voodrtoclr. "ation do Abbie HofTman , que é um dos u sele de

• ques em New York. com Perreault. elC., quando for; vou


estruturar uns planos e propor a de assim que chegar 1;1,;
quero fattr uma comu nidade; o pessoal daqui vai todo pra l~,
Chicago" e o grande Irder da contestação americana: ~ um
livro genial, ele constr6i todo um pensam ento nos fenôme-
nos rock-politicas americanos, como o festival de Woodúock
mais cedo ou mais tarde; assim, poderei produzir algo que (vi o filme, ~ lindo) e outros milhares de festivais que se
valha a pena enquanto ~ tempo, n05 SratC5; I~ me ,inro livre c sucedem a cada semana durante o verão; fui a um·numa ilha
com vontade de trabalhar. (Ibndal1's) pertO do H arlem, cm N.V.. e foi inçr1vel, tinha de
Dê um abraço no CarlosAugu5lo; vocês m,moram ????????? lUdo: as pessoas, nuas, fumaV3m em frent'e à policia, fodiam,
Diga a S~rgio Camargo que vi o Banco do Brasil cm N.Y. faz.iam ludo; me senti otimamellle. pois a comunicação entre
com os relcvõcs1indfuimos; até que enfi m se vê alguma "i ns- as pessoas era total; cheguei s6, e sal com muitos amigos e
tituição" brasileira co m algo que preste: dentro; cu, como uma namorada prela e gorda, com uma cara linda e de tur-
sempre, passo meio de longe, pois de brasileiro já basta o que b:anle; ficamos na maior libidinagem durante todo o con·
se tem que aturar aqui. r"01'2 do pafs. 56 falo com brasileiros cerlo que acabou já de dia, com Jimi Hendrix, o maior dos
amigos ou excepcionais. pois aparece: cada abacaxi! maiores; New Vork é bacana por isso: as pessoas se amam.
CorHe·me rudo daI; adorei sua carta com as descrições não importa o sao, se fal:am sem precisar apresentação, etc.;
incrlveis das coisas. as falOS fi caram Ião lindas! ninguém liga pra nada, pede-tt dinheiro ~ beça na rua
Guy Breu lelefonou para New York e filiou meia hora no (Mcdal1:a ~ que adoraria; com to(lo aquele charme, at~eu dari;t
telefone; disse que Medalla eslava fazendo algo com você e dinheiro - e cobraria bem caro, la, ha, ha!). Um dia, resolvi
que ele. Guy, ficou impressionado com suas coisas; disse que não sair com dinheiro. pois eslava gasnmdo demais; de repente
o David tratou-o muho friamente. ele.; as bonecas eSlão "de scn d fome e eslaV3 com preguiça de vollar pra casa; enlão
mar; conte-me muito sobre o David, pois ~ dos caras que resolvi pedir a um cara, num carro, e ele me deu dois d6lares;
mais gostari" de conviver com; deve estar um tremendo ba- genial! nunca ganhei ranfO dinheiro tão f'acilmenfe, ha, h3!
raIO por aI. Vi Eduardo lirando fOlos pro Vitima Hora no Teatro
Nunca li Blaise Ccnd rars; cheguei 11. conclusão de que não Cimento Armado, numa noite de fesliV31 CUflisom aqui;
li n"da apesar de viver lendo: agora estou lendo os grandes linha gente 11. beça. Macalé foi o grande da noile e aela·
livros novos americanos, de protesto, mas prOlCSto de verdade: mado em delfrio. mas isso não era festiV31 cretino e sim df

164 • CARTAIõ • 115S


lIélio Oiliçh: ~
... .......... .
música pop; agora via fazer um na Ilha do Fundão, dia 7 de Lygin Clnrk.
setembro; faço idéia do que não acontecer~! Pois o pessoal toí CitldttArlJ. 18, RuedeL'Hóltlde Villt. Pari/, 4, .....
ficando com a corda toda e daqui a pouco, quando virem o 11.8.1970
filme de Woodsrock, que est~ pra passar aqui, vão começar a
rirar roupa, elC., e ar a barra vai pesar, ou não, não sei; real - Meu querido,
menre rudo aqui é imprevisto; não sei mais nada, nem de
nada. lPor pouco a sua carla não chegava às min~as mãos. Pri-
Eslão pra sair faias do show da Gal aqui e dos IroçOS que meiro porque o endereço esrava lodo errado! E depois por-
bolei pra isso; vou lhe mandar algumas; ficou lindo e fizemos que eSlou de partida, no domingo, para a Espanha, onde
filmes em Super 8. Lygia, compre pra você, quando puder, lodos estão, Jean Clay, $oro, Tahis, Hackie, etc. EslaVOl es-
uma Super 8; é incrível que é ludo ao alcance da mão, e a tranhando falra de nOlícias suas e alé havia reclamado numa
pessoa sai filmando (é baral(ssimo) e pega coisas que você carla que escrevi ontem P:1I,1I Sãnia! EslOu radiame com a
nem imaginaria pegar; é como um segundo olho (visão). nodcia de que a bolsa saiu para você!!!
Vou colocar iSlo expresso no correio; discura com o Clay Formidável e também é 6timo que seja agora, depois da
o assunto do Moírio; fa le com ele sobre minha bolsa e diga vil6ria Londres e N.V...
que vou escrever agradecendo as prov~vds referências que Você teci o linico campo passivei para gente como n6s
ele deu pra eles (chi, preciso ligar pro Schemhcrg!). Depois que faumos as nossas proposições. Aqui ainda é uro compa-
escrevo mais. rado a N.V. Vamos pôr ordem nessa carla senão não dá pé.
MIL BEIJOS de quem lhe adora Ea.lei com o Camargo pelo telefone e ele disse, alioís, o que já
Hélio sabia, que todo o mundo e5lôÍ fora de Paris. Falarei com o
Jean C1ay assim que chegar 2 Espanha e le escreveremos em
seguida. isso para o nosso grande amigo. Quanro ao seu su-
cesso em N .Y. jamais duvidei e sempre achei que você é dos
arrist'as mais imporlantes lIlUais e o seu lugar é Ioí! Imagino a
grarificaç50 que voc~ leve e esti tendo de!>ois de tal sucesso...
Veja se você consegue se lixar lá em dtfinititlO. EsIOU conti~o.

1 66 • ÇA R T A $
11.8.197 0

Eu tive o maior impacto com N.Y. e acho que é o único lugar você mas parece que não conseguiu falar com você. Queria o
do mundo onde aconrecem coisas vivas e: imporranres. Bom seu telefone dar pois, se ele voh~r ao Bnlsil, I. aviador mas
que o Perreault gos{Qu das fotos embora não se: possa sem ir o intdigentérrimo, de gost~ri~ de te conhecer. Eu lhe disse
problema sem fazer a experiência. E depois lUdo é dobrado e que você é a personalidade mais impres.sio"nante da·reali-
o desdobrar-se fu pane da experiência. Já estou me sentindo dade brnsileira! ...
um pouco sabida demais em rdação a esses últimos traba- Nao namoro o Carlos Augusto, de onde vocç tirou isso~
lhos. Vou cavar uma crise com certeza para sai r para mura Quanto :10 Medalla, nao estou filzcndo nada CO;'11 ele. Ele
cais.. e, se não puder, pararei simplesmente de propor algo, queria me usar, como sempre faz com todo o mundo, e ima-
mas só o fa rei se parnr sem sent ir perda e angústia. Gerchm .. n gine que em Londres ele mandou o seu amigo dittr ao Guy
não me escreve IIá muito tempo e torço para de e Ana! Acho Brell que estava comprando um barco com eles ... me usaram
também bom que ele esteja em crise pois tudo que de e An- até nis.so e flqt:ei safuda da vida. A mim nao imeressa grupo.
tônio Dias fittrJffi até agora lem qualidade demais. f:. preciso O meu grupo são as pessoas que aparecem quando faço um
que eles errcm para enconnarem um caminho pessoal e úni- espedculo e é todo aquele que parlicipa e aquele que fam -
co! Parece que o Dias está fazcndo coisas como o Ferrei"l bérn não panidpa. O Medalla me fez. de paca e compra-
Gu!lar em 1960 ... Não vi mas me descreveram e parece que ram um barco de um americano me levando lá como se fosse
há algo de verdade dentro. Estoll numa boa fuse de futuro . O uma milionári .. bem vesfida, ao bdo deles que eSfão vestidos
Krugiers estJ. estudando um conlrato com múltiplos meus sempre como clochards ... Cada va. que dizi .. não querer fazer
para me dar uma renda certa por mês. Vendi uma escultura parte de grupo de concordava como bom orieofal para me
para o Museu de Medellin, Co lômbia, por 2 mil dólares, o pegar na curva mais adiante. Colou tanto que resolvi dar o
que vai me permitir viver um pouco menos aperl<lda, pois o basta, o que fel. com que ele sum isse com pletamente. rui
dinheiro do meu emprego vai acabar e papai concordou em pen .. por um lado, porque a solidão aqui é ele amargar, mas
me m.. ndar 300 dólares por mês até dezembro. Começarei o aind.. prefiro flalr só a ter que sem pre dizcr não, não c não
lal curso de pesquisa com os jovcns arquitelos em outubro e para depois ser pega noulra curva como acomeceu volrias
parece que eles pagam 300 dólares por mês e por cada confe- veus! Acho que vocês não se dariam nem um dia. Ele é muito
rênda ainda oUlro lalllO. Imagine eu r.17..endo conferênci..s vedete, quer ser sempre o lrder e muito inteligente para, in-
sem saber falar bem o francês ... Dei o seu endereço para um vertendo as coisas quando ilHeressa, depois retomar tudo a
francês muito inteligente chamado Michel que procurou por

168 • CARTAS
,"
seu modo. O Guy dine a Vera. que passou por aqui. que vai levantada e balida 110 chão, não livc tal medo ... Acho que
me propor uma grande exposição para o ano em Londres coisas começam a se rem~r dentro de mim e devo passar
e que ado rou a minha última fase, Grande e querido Guy! ainda por grandes transformações! i! duro, mas o que se h~ de
Contarei ao Jean Clay todo o seu suceSSO e ainda a nodeia da faz.c:r~ Devo estar agora com 15 aninhos de idãde.
bolsa. Vai ficar radianle! Ainda bem que você viu o Eduar- Terei tempo de ficar adulta antes da morre? Poderei amar
ainda na minha vida? Ou isso me foi til1ldo na rd.ação direra
do trabalh:mdo. Tive nodcias de que ele eSI~ muito feliz! Vi
sendo eu "o outrO"? Até no aIO do amor é como nos últimos
Woodslock e adorei o fenômeno, a música a mais violenta e
trabalhos. Soergo como as camadas de plástico, lomo a eSlru-
acho que deve alar acontecendo pela primeira vez na Amé-
lura propoSl'a pelo oUlro e sou na sua medida para depois
rica o fenômeno de uma síntese. Não é 11 loa que é a primeira
c:.tir no plano sem forma definida, sem fisionomia pr6pria
vez que exisle uma mt'Lsia americana mais direu sem in-
até o fenÔmeno tornar a acontecer, o que pode ser com o
fluência da negra (é ve rdad e~) e vi no filme o lado {ndio ame-
mesmo parceiro ou oUlro que apareça ... Passei ou ainda passo
riemo e o lado do faroate nos lipos jovens, o que adorei!
Tanto mais violenta de rilmo mais adoro essa Intísica. Esrou
e.
por uma vivência nada gratificante. como se tivesse per-
dido minha ara. Me vejo em lodos, podendo ser todos, tal:ll
começando a ler uma mulher com boa cara chamada Simone identificação. menos eu pr6pria! EsIOU 11. procu ra da minha
Weil. Uma mística das antigas eras mas que o Michel acha cara e tem dias que me encontro, mas é I1Iro e espero o dia
que eu estou passando rambém por uma grande experiência lindo em que poderei fixar minha fisionomia tal qual é e
m(stica na medida em que sou o ouno. Imagine uma expe- aceif'~ - Ia na maior alegria ......
riência rn(stica e er61ica ao mesmo lempo, mas um ((6lico i! isso, meu anjo, a sua amiga é assim mesmo e se faço o
nada rranscendente e camuflado... Aconteceu um fenÔmeno que f:lço é porque assim o sou, e nada a fazer de melhor do
incrível essa noite. Depois de começar a ler o rallivro, e ela que ser-se sendo o oUlro.
usa muito a terminologi:t do vazio pl eno. e também outros Te mando o maior abl1lço do mUlldo e espero nOlícias
lermos que uso, 56 que em uma outl1l co ncepção etc. e tal. suas. O endereço de Ca rboneras é alc de Jean Clay. Almerfa.
Dormi. Acordei duas vezes 11. noite e, aterrorizada, percebi Carboneras. Espanha. Escreva! Mil beijos de quem muito te
uma luz difusa denlro do quarto ... no duro e pela primei,....! ama e demais!
vez lremi de horror. Mesmo na Pl1lia d:l Ran, quando acon- Clark
teceu aquele fenômeno , lembra-se, de minha cama ter sido

>7 ,
L 7 0 ' CARTAS
Hélio Oiticiçól

Rio de Jllneiro. 19.10.1970 seja uma refere:ncia poélica, vinual, nada de coisas "ligadas
a Gal", mas imagens sem limi te: uma das falOS ~ do seu tra-
balho (uma daquelas que enviou para Mário), que aI fun-
ciona tambi.m como uma homenagem; espcrõ que você gos-
lL ygia. meu amo r. al~ que enfim consigo escrenr algo le; csrou adorando fOlzer cste trabalho, pois ao menos i. algo
pra voce: ou pra quem quer que seja; tudo está arrasado cada em que posso ganh:ar dinheiro e .. Igo "re.. r, que pode ser
vez mais e não consigo definir datas nem hor:hios. Michd ~ feito; isso ~ o que me agonia aqui: encontrar algri palpável.
um cara Ião bom e legal. e adoro quando de aparece. prin- que não se limite II. meme das pesso::as; tudo parece ser "pia-
cipalmenle porque i. uma pessoa que. como eu. lhe adora; nos", nada de real, de vivido; além disso, os horrorcs que
espero que ludo esteja bem por aI; recebi rambém convite aconlccem (Michd deve lhe ler conrado). Sua Cifra i. Ião in-
para;l. tal exposição de nüildplos em Londres. e mandei um crlvd que me perco nda: vilal, muito voci; adorei tudo o
projeto de capas feitas /lO corpo. como as que fizemos em que disse sobre Medalla. já conh eço bem o tipo; o meu f:ls-
Sussex ano passado. mas não sei se IOparam ou não; recebi clnio po r de i. mais ainda porque não convivi com ele:
co nvite tambbn de Buenos Aires (Glusberg). mas como es- co nheço-o de foros. canas, e ouvir dizer, o que Gz o "mito"
10U me preparando para ir pra New York. mandei projelO de Med::all::a em mim, mas ralvez vDCe: esteja certa de que não me
uma piscina (semelhante ao que fiz aqui em Orgm",urbllllll. dari::a nem um dia com de; não sei, mas me caosa essa coisa
no alerro Id dois meses) e Waly. um escrilor que eslá aqui cm de as pessoas se assum irem iml>Ofta ntcs quando não estão
casa (baiano e amigo de Caetano; esrou fazendo a boneca do com nada; aliás, mesmo que estivessem; mas o que ouço mais
livro dele; os tcxtos são geniais: quando estiver impresso. ele i. Glatório: lenho planos disso e daquilo e nada se vê. a não
lhe manda um exemplar. i. seu ta) Gr;i filmes em Super 8 ser "cavar" dinheiro quando preciS<lm. sem dar nada, sem pro-
durante o lal acontecimento que deverá ser no parque; Mário por n:l.dJ.; chcga. isso ludo me cans;J; não que sej::a impres-
Pedrosa eSlará lá. pois j;I havia sido convidado (segue do cindlvel sempre propor algo ou mesmo fazer, mas o que Id i.
Chile pra lá); fora isso. o que lenho feilo i.:lI Clpa do disco de que só funciona um lado: sugar quando precis;J e nunca dar
Gal. que cstá lindíssima : o ·c:llbelo· são milhões de falOS em quando pode; assim rc:l.lmeme não dá pé; pobreza inlerior.
1:lmanho de co ntaclO. e a c~ ra pela metade na bofd:! do disco. vazio-vazio, elc.; realmente é preferível a solidão II. convi-
d e modo que quando o disco i. retirado parece que eslá sain- ve:ncia pobre; em se tratando de intelectuais. pior ainda; vivo
do da boca . Na si.rie de foros pequenas. escolho tudo o que dizendo aqui agora: quero que se fodam; enquanlo todos fU11-

• 1 73
lI élio O itiçi c; ..

M
dem a cuca, $;lio dizendo Kchau, chau pra New York; todo saber; mas ao menos Rogério procura fazer algo, pois antes
mundo se dilo "disdpulo" meu, eIC., mas na re:alidade nIo sa- eSlava impossível: linguagem simbólico- freudiana O tempo
bem o que penso e nem mesmo o que;:I; fiz: rudo é puro foi- 1000, a não ser quando se prOCUr:lva estabelecer uma relação
dore promocional. VIa se cam par, mas a mim não pegam; a aferiva maior (amor), o que é difícil também,"pois ele procura
pior coisa é a burrice rei nan te. Lygia, é inacredit:l;vel! O fim. sempre "d ivinizar" as pessoas; creio que agora, pra ele, viajar
Adorei seus planos e lUdo o que d iz; como foi a viagem ~ seria o melhor.
E5panha~ Ca2 adora a Espanha e lambém es teve por It tele- Michel chegou, mas com mil coisas nos enco ntramos
fonaram de Londres e 56 pensam em passar dois meses na muito pouco; ele esteve muito com Eduardo (o fotógrafo de
Bahia, mas estou cerro de que terão tanto aborrecimento que maior cha rme da cidade); acho-o muiro inleligente e bacana:
nem imaginam ; fora do Brasil penS<l.-se somente em matar lhe adora! Pena que vocês não viram os Rolling Stones ar; roi
saudades, elC., mas é que o tempo passa c a burrice-o pressão
genial. Realmente, as coisas que mais me interessam co rno
aumenta. Muitos amigos de Dê e Gil, meus, elC., uns se man-
"cspct:l.culos" são essas de música: não se as v2 co mo algo fei-
da ram, o utros presos, outros loucos, internados; é horr{vc\
to como esperáculo, mas h:l. ess:.l coisa de um todo (que acho
tudo isso, somado ao folclore local! Rogério Duarte, a quem
velha, isto é, concei to velho: lodo. e(c., mas aqui ainda cabe
amo demais, fico u atacado e pediu-me que desse solução: fez
pensar nisso, uma vez qu e deteslo I'ealro ali coisas em que
!nuamento em Engen ho de Delllro dur.mte duas semanas c
mel horou ~ bcça; agora está em São Paulo com a lia, fazendo renha que me concentrar pa ra aprender algo); em música
(Woodstock, e como esse festival há milhares (00:.1 semana.
filme e rudo; as relaçõcs dele com as pessoas são assi m (arqué-
tipos o tempo IOdo): eu sou Cristo e o Sol, Rose é Deus, cada vez mais) não se precisa concenrrar, etc. , o que me revi-
meus ami gos c os dele são apóstolos, e no filme que bolou faliza de um modo incrível; faça a experiência e veja; adorei
comigo (eu como :l.Ior) eu sou C risto que conslr6i a cruz. o lUdo o que disse sobre \%oásIOl'k; é realmente li ndíssimo;
lempo todo: a cruz é feito os Ninhos em forma de c ruz. imagine que, no último dia dessa vez cm New York, fui a
(Iindrssima a estrutura que foi desenhada pelo próprio), e rudo um csddio e vi inclusive o Jimi H endrix: viu que maravilha
se passa na conslrução dela e dentro - cm valIa dela; bem , no fim de \'VoodJlock o solo dele? C reio que nunca mais
quem quase ficou louco com tudo fui eu, pois durante as apuccer:l. um gu itarriSl'3 desse: n'vel; é demais!
filmagens de que participei, lUdo aconteceu; mesmo assim Gerchman me esc reveu e preciso respo nde r; ele me
tem sido bacana; niío sei quais os resullados; ninguém pode ofcreceu um apartamento por 150 dólares mensais, de lima
J

174·C ... RT .... . 175


amiga dele que esrá em Londres, e t mobiliado e tudo; mas Lygia ClArk.
nlio quero: quero chegar e não morar em nada com m6veis e Citl dtJ Am. J8, Ru~ d~ L'Hôul J~ V;II~. PariJ, "~,,,t.
de amigas de ningutm; quero um lugar grande e vaúo, onde 22. /0./970
eu possa. criar um ambiente pra viver, etc.; adoro Gerchman,
mas lUdo o que me fala pertence a um m undo 110 qual não Meu qUl!:rido!
me coloco; sei I ~, as ambiçõcs são outras, os valores idem,
sabe como t; pela primeira VC'l. lerei oportunidade de viver Sua cana como sempre foi para mim um enorme praur.
como quero totalmente, sem dependência di reta I!:m nenhum Você: ainda t das pouquíssimas pessoas qUI!: admiro rl!:alml!:lHc
I!:squema: ele ainda fala muito cm obras, trabalhos, etc., isso como um grande artista e tam bém como personalidade. A
me c:l nsa.; quero fazer logo U alguns filmes, não sei o que são, mediocridade t quase 10lal e às vezes me sinto faland o num
não me interessa que sejam obras ou não, quero tambbn
descrto e ;4 não te nho a minima comu nicaç2o com artistas
phnejar algo no Cen tral Park para abril ou maio (penso em
co mo Cama rgo e parece que somos de outrO planl!:ta, [aI t
sua participação como das poucas importantes, vamos ver se
o d esencolllro cm tudo que toca à arte e lam~m I!:viden te-
se consegue algo dessa vez); o que me cansa t ter que lidar
mente à vid:l. Par.! mim a fusão das duas coisas esl~ se faun~
com pessoas desligadas disso tudo; sou muilO cruel; s6 sei
do e Ca rboneras foi para mim fundamenta l, pois 14 vivi, numa
fa lar com quem entende, em qualquer nível , estou farto de
R SÓ no it e, o primeiro choque direlO vi ndo de percepçócs da
"l!:xplicar coisas, relembrar conceitos, etc., I!: artistas me en-
vida e passei l ~ uma no it e alucinatória como se tivesse to-
chem; o qUI!: quero cm New York ~ começar lUdo do 'le ra,
mado L.S.D.! Não me t f~ci l contar o que $e passou , vai al~m
com igo mesmo, nova vida; amar dl!:mais, estar s6 ou bem
de tudo que posso d izer... Quando estava ainda no avião o
acompanh:ldo; que acha~
Meu amor, vou terminar; Jorge vai levar essa carta agora primeiro impaclo foi do solo que se abria como se fosse o
pra Michcl no Excelsior, pois ele sai às 1611. Uorge mora aqui começar do processo do mundo. Quando desci do avi:io se n-
tamb<!m; t irmão de Waly, qUI!: tam~m est~ aqui; são geniais; ti um calor interno como se tivesse I!:ngolido um tijo lo qu e n ~
Nando, que eSl'ava :lqui, escl preso cm Bangu mas devcr.i sair te c: senti que havia começado em mim um processo interno
esta semana) . imperioso e profundo do inconscienle. Na primeira noite meu
Ilove yOIl, mil beijos. Escrl!:va logo. conscienle se abriu de repente como o próprio solo e tive
H tlio toda sorte de alucinações que podl!:s imaginar. Com urna tal
I

17 15 • CAR T A S
:1::1..10.191°

violência que pensei em ficar louca ou morrer. No caminho nios soltos que vinham ao meu encontro ... Desci de gatinhas
para Carboneras. (Ornando um t~xi, antes dessa noite, senti o morro pois não tinha forças para anda r e peguei na ~gua
uma sensação estranhfssima. Era como um sonho que ha- que virou ~gua, respirei o ar que virou ar, e peguei na areia
via tido h~ tempos: estava voando no rabo de um pacote no que se tornou areia outra va ... S6 o so l o~continuou a ser
cosmos, na garupa de um demónio, e roda a atmosfera era processo e mesmo no dia que de lá sal não o podia fixar pois
vermelha ... O táxi era o foguete, o chofer era o demónio e rudo se movia! Passei três noites sem dormir e na qUlrta co-
tudo a minha volta era a terra em processo con!lnuo se fa- mecei a bocejar e a chorar de ranlo sono e se~ti que havia
zendo a lodo instam c, e essa viagem, que era de 70 quilÔ- entrado dentro de mim outra vez e dormi pra: V3ler. No dia
melrOS, eu a vivi j~ como uma eternidade! Pois bem, nessa seguinte, quando me vi no espelho, descobri maravilhada que
primeira noite a alucinação começou e eu vi uma forma minha cara, que há muito havia perdido, estava l~, olhando
fá lica ultra-a rcaica, que no dizer do Carlos Augusto poucas para mim e doce, Hélio, como nunca havia sido... que alegria
pessoas conseguem ter dela uma percepção! Vivi cada mi- senti; foi como se me reencontrasse depois de viver "o outro"
nUlO como horas e escutava gritos da criança que havia den- ramo tempo, e hoje me sinto eu mesma! Depois disso me
tro de mim pedindo socorro! Pegava nas minhas unhas que pergunto se ainda precisarei fazer proposições, pois o que
continuam grandes e me dizia rangendo os dentes, cagando preconizo - arre-vida - j~ foi "dedanchado~ diretamente
de medo: mato essa menina mas não roerei as unhas ... pois em mim nessa noite!
bem, matei essa criança essa noite. No dia seguinte, ao me ver Estou tranqüila. Nada de angústia e sinro na vida j~ por
no espelho, vi uma imagem que havia envelhecido 20 anos, várias vezes esse estado como se estivesse drogada, mas sem
mda cavada; pensei em Goya, e senti como se todos os meus essa violência, sem medo, com uma exu ema alegria; e o me-
ossos estivessem torcidos dentro do meu corpo e como se lhor é que depois não sinto o estado depressivo, senão seria
minha carne estivesse se descolado dos mesmos. Sal para a uma ciciar/mica ... Penso que o meu caminhar é maravilhoso,
V".l.randa e semi tudo como mercúrio! A água, o ar, a areia e pois agora j~ não.sei o que vem antes, se é a arte em forma de
cada som que apreendia entrava no meu corpo com uma agu- proposições ou a vida que, de repente, se despenca dentro de
deza tão ex traordin~ria que ia an.~ o fundo de mim mesma. mim e me traz esse estado de supersensibilidade! Conservei
Assombrada, vi uma manadl de bodcs prelOs com olhos ras- depois dessa experiência um olhar meio espan tado; acho
gados até as orelhas cor de ouro e pensei que eram os demô- que depois disso nada mais poderia me dar um choque, e às
J
\ 7 8 · CARTAS 079
l'1 . lo . l~l O

vezes, quando sinto o meu inlerior, as pessoas me olham o !:lI auJier da ViJle de P."ris, se sair, sairá nessa semana. Devo
esp;l.m;l.d;l.s, pois devo traduzir no meu olh;l.r essa espécie de
me mudar e nem sei ainda para onde .. . Michel, que aqui
visao do meu imerior; m;l.s me disse o Carlos Auguslo que esteve ontem, está disposto a me ajudar li fazer toda a mu.
essa noite '1ue poderia desestruturar qualquer pessoa para
dança. Imagine que é uma mudança de dois anos, mas écomo
mim roi o oposto, sal dda mais estrumrada do que jamais o \ se fosse de dez anos, lal é a quantidade de coisas que fiz e
rui e fechei um ciclo ...
material que recolhi para futuras proposições. se.é que ainda
Quamo ao resto: Guy aqui esteve par.!. me propor urna as farei ...
exposição em Londres, na I-Iayward Gallery, que, diz de, é o
Mande para mim a capa da Gal em que entra uma fOlo
lugar mais importanle d e Londres, mas para. ser fdta d.aqui a
do meu trabalho e umbém gosfaria de aCUlá-I.a, pois a di-
dois anos. Caríssimo Guy, como o adoro e .admiro. Que ddi-
zem genial. Para mim o rei é o Jorge B~n mas existe ainda
cadez.a de Iraz inserida nde mesmo. Que sensibilidade p.ata Caê e Gil e Paulinho d.a Viola eainda Roberto Carlos... Quan.
as coisas, pessoas e situações ... l':alamos nmilo de ti como ta geme boa em mlÍsica; é f-:andstica a música brasileira!
sempre, da sua impoflfincia e ai nda da sua personalidade Medalla reapareceu como se nada liveSS(: passado e isso eu
que põe todos no chindo e os coloca na sua mediocridade... gOSIO, prova que ele é fone. Sempre embrulhado e embru-
Michd, um querido amigo, e Violela61 , com sua famllia que
lhando tudo. Nunca se sabe o nde se es r~ peno dele. Só fa la
virou também minha f.tmllia aqui, e Irês jovens venezuelanos agora no illsr:lIue, 110 predrio, no efêmero ...
que admiram o meu trabalho e me ajudam a fazer os múlti-
Quando você me COllta que coisas horríveis acollleceram
plos de Londres. O resto é si lêncio. Ainda reSla o Cruz Dicz,
com os seus amigos. acho muito positivo, pois prova que é
que de longe me acompanha com earinho e admiração, e
gente que tem urna porradll de eoisas para dizer! Aqui é o
Je;l.n Clay, que faz o que pode para me ajudar.
comdrio: lodos csráo bonzinhos, de uniforme, precis;l.ndo
Radianle com as nOllcias do Eduardo. Mandou-me de
de uma loucura para tirá-los dessa mediocridade, mas nin.
presente discos maravilhosos e fiquei muito comovida, pois
guém ousa botar os pés para fora dos cobenores, todol ntiio
sei que já é do seu dinheiro, ganho agora por de! Vou co- mortos! Os seus estão vivos na própria loucura, n;l. própria
meçar a ap~nder o inglês o mais dpido possível, mas para extrapolação, e é dai que sairá qualquer coisa de virai e n:io
isso é preciso que ganhe dinheiro. pois ando pobre como Jó!
daqui. .. Ando farra de gente certinha ; jõl prefiro um Engenho
O tal curso para os arquiletos deve começar em novembro e de Denlro onde ent ra um fabuloso Rogério Duarte, onde
I
I ao· CARTAS
• 181
um Em(dio se expressou ou um Rafael come I~pis e fezes, Rio J~ Jan~iro, 1.2./97/
mas que maravilhoso personagem, e o que expressa ~ magis-
IraI!
Mil beijos para voce e me escreva, pois com voct ao me-
nos posso me comunicar. Meu querido,
Todo o meu amor que ~ intenso, enorme e fOfaL.
Lygia
]~ecebi ontem o seu cartão gigante com a EsI~tua da Li-
berdade. Que lindo! Já eSlava devendo a vocf resposta de
um outro que recebi em Paris. Andei mal, muilO mal... tive
uma grande crise de pedras nos rins e, se não fosse a Violeta,
leria morrido, pois nem dinheiro linha para ir par.l um hos-
pital. Passei dez noites e dez dias chorando, vomitando e gri-
rando de dores, emagrecendo nesse perfodo cinco quilos. Tive
a segunda j~ no meu altli~r, sozinha, com injeção pronta para
me picar se fosse tão violenta como a primeira, mas essa foi
suporrável. Vim aqui para ver se alai pedrn havia safdo e se
tinha oUlras. Felizmente os exames deram que meus rins são
de brolo e agora falia fazer OUICOS com um ginecologista.
Tratei dos dentes, tinha dois quebrados com nervos expOSIOS,
e voltarei nova em folha para a Europa. O meu gr3nde pro-
blema agora ~ dinheiro, pois [erei que pedir licença sem
vencimenlo do meu emprego. Me ofereceram rrabalbar na
Galeria Debrer em Paris e tive que rccuur. Papai 2meaça me
retirar os 300 dólares que me mandava at~ agora I:t Não sei
como me virar m2S uma 5OIução tem que 2parecer. Aqui não
poderei mais morar e meu lugar ~ 1:1. Quero notfcias suas de
J
182·C ... ItT ....
............ . ~Y"I... C lark

trabalhos e espcráculos. Não deixe de começar rápido pois o


as dificuldadcs para realiz.á-lo slio imensas! Tudo é diffcil.
tempo passa e podcs, com os rcsulrados, pleitear Outra vez
Raimundo parado, sem verba n("m nada. Franz Weissman
essa mesma bols.1. que é a mc1ho r do mundo...
numa grande fase - obra aberra que vai realizar ~m ta-
Pena voc~ não ler lev:ldo algumas cajx~s e objeros daqui,
manho gigan re para Antuérpia. Esd muilo reliz. C.. ) .
acho importantíssimo nlio s6 porque são vendáveis mas
Tc mando todo o m~u amor que é como cerras :iguas,
cambém par.! dar uma medida do seu passado de pioneiro.
prorundo, livre e im~nso.
Isso é mais imporrame que se pensa! Se não puder mandar
Clark
buscar por que não realiza algumas ar? Lembre-se que se
para você são coisas do passado para muitos jovens será ainda
mui to imporranle essa medida. L("mbre-sc que muila gcme
eSlá fazendo coisas par("cidas mas sem nenhum pcns,1.m("nto e
as suas sáo nOI:iveis! Pense, pense e pense! Gu ltar aqui csleve
e fC""l uma entrevisra com igo supergenial par:I o Estado d~ S.
Ptodo. Folia cm voa: também na enrrevisla. O Caef:lllo pas-
sou por aqui deixando um brilho de asrro por toda parle.
Falei com ele pelo Ic/efone mas não o vi, que pena ... Eduardo
continua muiro bem na fOlografia. Gf01ças a você, que o pOs
cm contalo com o Paulinho. Fui ver o show da Gal e achei
sensacionalérrimo! Seu arranjo ficou cspelacular. pois dá uma
mobilidade a c1a num palco minúsculo e isso foi impor_
tamissimo para a dinâmica do show! Diga ao Jorge MaUlner
que lhe devo respoSla a uma bellssima [carrOl) que me cscreveu,
mas pc10s mcsmos mOlivos que lhe dei ainda não pude res-
ponder. Achci-o formid.ávcl e tão genial com os sonhos que
me COOlOU depois de fazcr minhas eX"peri~ncias... Esmu le/1.
tando fizer um grande Trepame para a casa (lo Zé Luis mas

184 'CAR T A $

'.5
. . .. .... .. .... Lygi:T, ~I... ~k . . . . . . . . . . . . . .

Lygia Clark. débil mental, pois nem tenho lanTOS motivos para t:anto. Gra~
Cid deI Am. /8, Rue de L'IIIHel de Vil/e. Pt";I, .f ~"'r ças a Deus recebi cart:.To de Sônia e o Sérgio, pelo visto, já está
10.2. /97/ se recuperando. Me dissed:a que estás razendo, junto :ao Eduar-
do e Kiko, rotografias para rotonovc:l:u, é v~rdade? Recebi
Meu querido, uma c:m:a do Gerchm:an muito preocupado também por falta
de dinheiro etc., elc. Houve um carnaval noatt/itr,do Camar-
lR.cccbi seu canão mas ~ um canão de um sádico, pois levei go que foi genial! Pulei ral1lo que tive diibras que iam das b:.To-
horas para decifrá· lo! tatu das pern:as até a boc:a do estômago... Luciano esteve aqui
Por f.1.Vor me escreva à m:iquina. 1>0;5 sua m;núscu!:I)CIr.l num grupo gr:mde par:;a fazer experii:ncias no Túnt/, o Je:ln
é ilegível ... Ontem o Romero I3rest esteve aqui para me con- Clay idem e disse coisas geniais do mesmo... O Jean Clay,
vidar para uma cxposiç3o que ele pretende fa1.Cr de art;s(;Js como um bom francês, ficou apavorado com as cenas que viu
propositores brasileiros 113 qual você está incluído também. e não quis enlr:;ar em hipótese :alguma, Eu fiquti tbria ... Ião
Ele disse: Gcrchman, Dias, você e cu. I~aloll Illlnbém na Mir~1 gratificada que depois que o pessoal se foi nao queria
Shcndd c: cm alguns novos dai que o Frederico Morais lhe dormir de :l legria, comoçao e fiquei alimentada por longo
mostrou. Não sabia o nome de nenhum. mas os elogiou mui - tempo, como aconteceu na Califórnia. Os dias aqui deram
, [0, inclusive o Frederico. dizendo-o muito scns/vel e irudi - para fior bonitos mas toda hora tens que ascender a luz
gente. Claro que aceitei c cSlarclllOS reunidos U na Argentino' pois escurece de repente e o sol volla logo depois.. , Saiu nu ~
no mês de setembro. Acabei o T/il/rI que é:J coisa mais sens,l - ma ótima revista suíça um enorme arligo sobre minha obra,
ctonal que já fiz em toda :1 minha vida! Veremos aTé l.i o qu~ cheio de fotografias e urna do tamanho da p.ígina da revista.
id nascer a mais. Mandarei rOlos para voci: assim que o I! pena que nao sei alemao para lê-lo. Agora em fevereiro o
Desjardint'! o fizer. Qualllo a dinheiro, ando na m:aior misé- Maitre Dupré vai repor o lal contrato de N.Y.; veremos no
ria poss{vel, pois o dinheiro de Grenoble :,inda não chegou ~ que vai dar. Soube que sa{ste em grandes fotografias nofomal
muito menos o que pedi ao Álvaro. Devo a Todo o mundo e do BraJi/ ou Corm'o dA Manhã e que estavas bacanérrimo!
o pior é que já não tenho a quem pedir mais dinheiro em- Escreva-me e conte-me coisas daí, da nossa gente, tudo, pois
prestado ... A perna continua dando problemas nus eu ando estou com s:&udades dai. J~ visles o Pedrosa~ O Brcs[ o achou
muilO bem, equilibrada, comente e virei pelo vislO a maior muilo deprimido e abatido... O Carlos Augusto esteve jan-
I

• 187
'.0.'1.1')1'

rando aqui ameonlC:rn e Irouxe o seu graY.ldor para locar coi- sldata
sas para mim; e meu queixo caiu. pois tudo do Jorge Ben me
lembrava o Caetano. mas muito mesmo! Acho que o Gera-
no saiu dele pois não é possfvel maior parecença ... O Jorge
Ben já foi conlratado aqui. Eu o vi na televisão e o achei Meu querido.
genial. Vi lambém o Simona l. que é ó,imo e muiro charmoso.
m;!.$ emre a sua interprelação e a do l3en do Palt tropical, vÉ- Acabo de receber um biHICle do Gerchman a respeito
se que ele é (:5rilisla e o l3en é o maior. mesmo na imcrprc- de uma possfvel exposição organizada por uma tal de
tação ... Não tenho visto exposições nem nada. Estou numa Elayne II . Vari:ll\, Fincn Col legeof An. Conremporary Wing.
fase de muilO trabalho e ~Iegria pel .• re;llização do mesmo! E Naruralmellle você recebeu a mesm:l coisa. O problem:l é
você o que anda Fazendo? Sua mãe já sa rou ? Um grande abraço que ele pede material urgente, fotos, slid~s, erc., etc. e eu es-
nela que mando. Nem sei quando porei essa carta no correio. tou, como tedissc na cana anexa, que foi escrira antes,:I zero! ...
pois s6 tenho d(:'l.. francos na bolsa. Hoje é 10 de fevereiro. E
Para borar essa ca rta no co rreio terei que pcdir dinhciro
o Carnaval, e Mangueira. vollaste 1J? Conte-me tudo, pois
emprestado. Queria tc proit um granelc favor. Pcça ao Álvaro
adoro receber cartas suas... Um granele abraço no meu filho
dinhciro e tire cópia dc todo o malcrial fOlOgnifico que Icns
e diga-lhe para me escrever, pois o :leIoro muito. Para você
de meu trabalho, incluindo sl;d~s, e mande junto ao seu
um grande beijo.
material, pois não renho nada para mandar para eb! $c o
Clark
Álvaro pudcr, lire uma cópia par:r. mim [ambém e peça-Ihc
dinhciro inclusive para botar no corrcio para mim ...
Como vês, CStou na miséria mais absolura, mas isso não
tem importSncia . Não diga isso a meus filhos, pois o dinhei-
ro vcm, é só ler paciência; mas diz o Gercbman que é im-
portante mandar o mais nipido poss(vcl csse material. O
Dcsjarclins est:l. em viagem e só pod erá fotografar os úhi-
mos trabalhos daqui a duas scmanas, na sua volra, c isso o
J

188 • eARTAS
......... . . . .... . . .. . .. .. . . .
Rhobo paga, pois é para o Jun Clay, e ar mandarei CS5as 3J.3. 1971
nOvas para ela.
Sei que posso contar incondicionalmente com você e o
Alvaro. Desculpe te dar trabalho, mas eu faria por você o
mesmo ... Mil abraços e beijos. Se escreveres para o Gerehman l\\1{eu querido: h~ muito tempo estava para lhe escrever,
explique a ele quc por hora CStOU a 'Lero e nem uma carta mas voltei do Brasil ainda com uma pré-Oebite, CQnseqüên-
posso lhe mandar, quanto mais matcrial para a [ai mulher. da de um "rcfrescamento de lifti"g~ que I~ fhcom o Pi[anguy
Topo natur:llmell[c a exposição mas no momento s6 posso que, aqui eOfre n6s, nada mudou, para o bem e para o mal, e
di2CT isso ... Escreva por f'avor urgente, diu:ndo o que podcs ainda peguei uma gripe b ravrssima de 39 gra us com essa
fau: r por mim. mudança de tempo! Agora estou ainda baStaOfe resfriada
Mil beijos para você, mas melhor, e CStOU em tratamento na base d e anticoagu-
C lark lante para a perna que est:i q uase boa. Muita merda juma
mas passa ... Vamos b nodcias: Fui à Hola nda , a Uhrcch, para
faur as proposiçõcs, e ga nhei g;úta; filmaram lUdo, mas a
comunicação fo i uma merda (01311. C heguei numa grande crise,
pois já não crio mais e se não consigo nem com unica r o que
já fiz é demais! Pensei em morrer de desgosto e agora o Jean
C lay esr~ me arranjando para trabalha r numa clínica em
Loire, clínica essa a mais avançada da Fra nça , onde Irabalha a
Doiro e outros [profissionais) imeress:lIltcs que estão traba-
lhando com o corpo. Se isso der ce rto scr;{ minha salvação, o
que é um paradoxo, pois quem como eu fez. arte para escapar
ao hospkio, :lClbar lá é incrfvd! Mas não h:i lugar para mim
no mundo dos normais. Meu trabalho, que de um ano e meio
para cá aboliu completamenle o objelo e se exprime somente
pda parte gcstual, est~ fora de qualquer esquema de afi e, f

' 9 0 , CAR T A S
,-

3"3"91'

esrou sem lugar entre o arrisca e o sisrema. Se c:.ssc: Irab4lllo mudo" da própria linguagem do cinema, que já náo aiste na
não der cerro meus plmos são de vollar para o Brasil, pois rea lidade. Quamo ao Ralph, é boa praça, porém muilo
pelo menos I~ terei ou tras compensações ... Quanto ao seu desorganizado, e esl~ devendo até 1I0je a conta da trans-
grupo de I~, foi li gente mais interessan te que conlleci e ado- po rtadora I.A. que foi feita a seu pedido por ~meu intermé-
rei. (... )Tanro o Ivan, quanto o Waly, oTorquato, erc. E quanto dio, o que é uma chatice, pois me cobram sempre e não posso
ao dnema acllei o segu inte: a express50 do wound~, grau/(?) é e nem devo pagar! r":lÇ3 negócio com ele na b4.seda ~miss6 ri3
em si a coisa mais imporrante que C:S1;i aCOIlIecendo em matéria que de é o brigado a pagar na dua cena. Me comprou rod;,. a
de cinema, pois a realidade lama urna força Ião gr.! nde que obrn mas em vários pagamentos, mas parn mim foi imporl301e,
quando se vE. a plalt ia, tribal. não se sabe mais o que t dnema pois abri um mercado no Brasil para cois:as arHigas das quais
e o que t real. E as pessoas que p~rtidpam do film e estão Li ainda posso tirar peças. Niío li sua entrevisra na Flor do Mal
r:unbém: a rurm~ fun cio na como uma coisa global , e tudo que, a 1i~s me conlOU o Waly, fechou. Não vi a Gal nem o Caê
que t prc:c:lrio é imporranle como nas OUIr.!Scoisas hoje, sejam nem o Gil; eslava com Oehile e fiqu ei um mês de cama sem
qua is fore m, mas h~ um defeito grave par.! mim. A linguagem, poder re~ber ningutm lá, o que foi pena, pois esper.!v2 fazc r
que deveria ser abena, t o posta: é fechadlssi ma e .sente-se a melhor coma la com a sua (urma que t excelenre mesmo ...
personalidade de quem fez o filme , inteir.!, sem abenuT'J, e os Jean C lay esd na Rue I-Ialle, n R 67. Plrris, 14 ~"'C . Se quiser lhe
seus problemas c\e o rdem subjeliva . Como r:'zer co m esse esc rever é para lá. O Guy foi para o meu espedculo e conheci
d nema uma coisa aberra, que hoje t fundamenral. esse é o a Ca rol. na Holanda; achei-a simp<ltidssima , linda e adorei.
pro blema a meu ver. O Ivan, que é cineasla nalO, que trabalha O Guy {oi um amor como .sempre; apa receu lá o que foi um
com ima gens, fez do seu depo imelll o uma biópsia dcle sucesso mas acho que ele fi co u também um pou co de-
próprio, não da ndo abc:rrura para quem ollla e vE.. O que cel>cionado com os resu ll"ados das minhas experiências. Mary
mais gostei foi o primeiro, em q ue não existe história e nem na maior alienação, como sempre, mas de saúde bem. Soube:
barra pesada <Ia SU<I pane. Mas de qualquer modo foi a coisa agora pelo Luciano que o Mári o esteve co m bronco-
mais imponante que vi ultimamente e pensei <ltt em fazer pneumon ia , coirado do nosso velhinho Ião maravilhoso ...
uma coisa no gêne ro, só que no meu lilme náo h ~ filme e a Vou mandar parJ a lal de Lucy'J rOiaS, elc. e lal mas não
máquina passeia na assislência como se C5lives.sc filmando mas lenho slidt"S. Não len ho o seu poema Barnbilõnia e goslari:.
niío esd. I? SÓ para mosua r o que cltamaria de "pensamento de ler, porque adoro os seus escri tos; mande por favor. Voc~

192 ' C"'RT"'S • ' 93


p~d~ p~rdao pela sua carfa ~ ~u pela minha. t:. uma carfa in· Paris. 16.4./971
formativa, s~m cont~údo n~m nada, mas a cris~ é viol~nta ~
quando da ba'~ n50 posso nem me ~xpressar. P~ço·re 'lu~ me
~scr~va sempre pois ~xistem hoje pou'lulssimas p~ssoas com
quem s~ pode uocar qual'lu~r coisa e voc~ ainda é uma ddas. Meu qu~rido,
Quando tiver bossa vou te escrever uma carra mais vivenciada,
mas não queria t~ deixar sem resposta ... Ai Y;li uma pc:qu~na carfa :lprovdt:lndo o Pçdro~. Peço-te
Um grand~ beijo com todo o meu amor. que preenchas por mim o formulário sobre o Raimundo
P.S.: Perdi seu endereço; deixd·o no Brasil. Mande na Amado para a bolsa Guggenheim. pois imagine que n~m
carta outra v~rsão, por favor! eu nem Mário s.1bemos de detalhes sobre o filme que de
C lark realizou no Brasil. Desculpe, mas como nós amamos muito
o Amado dos Amados. é preciso lhe dar essa chance!
Espero carra sua em resposta à minha enviada do Brasil.
Gost~i imenso de rever o Mário que continua a mesma grande
figura de sempre ...
Falei com sua mãe pelo telefone v:lriu vezes ~ parec~ que
tudo na sua casa anda ceno.
Rec~bi convite para expor ar no mês de jan~iro na mesma
galeria ~m que expôs o G~ rc hman . e aceitei, ~m princfpio,
d~pendendo d~ dinheiro para. realizar os BichoJ que seriam
vendidos durante a exposição. Faria esper:lculos também. Por
hora estou parada e pensmdo. N~m s~i se farei mais alguma
coisa de ;lft~. Por aqui a paradeira é [otal, e no Brasil nada vi
de interessante, a não ser coisas do Franz. W, Ana Schull'l.~ e
adornos de Amélia Toledo. Parece que lá o ambiente criado
pelo Fr~d~rico é o caos mais deprimente do mundo. Não vi,

194 _ CARTAS
Lfgia Pape e mais ninglL~m, a não ser o próprio Raimundo Babylorl, J4.5. J97J
que esr:i muito esp~rançoso de lirar a tal bolsa e ir para aI.
O Rhobo até hoje não saiu ~ nem ~j quando sairá. Ando
meio desanimada de por aqui ficar mas o Brasil esd uma
,I merda rOlai. Lygia. alé que ~nfim. depois de tanto tempo. deixa eu ex-
Escreva dpido pois adoro suas canas. Mande um grande plicar logo isso que segue jUnlo: são x~roxes do ~ue "você
abraço pra o Gerchmm; não vi Ana no Brasil. pois da dl~ ­
.I gou na vésp~ra de minha pari ida.
escreveu sobre Raimundo Amado" para a Guggenh'eim; des
devem lhe ~nviar uma notinha agradecendo. portanto qual-
Para você mil ~ijos e abraços. quer dllvida você tem o xérox disso; mandei esse ~queno
Clark bilhete explicando por que a coisa foi posra no correio aqui.
elc.; não comenre isso com ningu~m. pois des flc:.uiam bem
chateados em saber que foi feito assim. Bem, você S.1be. guar-
de os x~roxes no .st:1I arquivo e pronto. A estadia de M;irio
aqui foi maravilhosa: ~ o mesmo d~ sempre, muito boêmio.
dlC:gando em casa lodos os dias de madrugada. elc. Encon-
trou muita gente e ficou ca nsadfssimo. m::as conseguiu sobre-
viver aos 44 degraus daqui. o que para ele ~ um pouco de-
mais; mas como foi por pouco mais de uma semana. foi legal;
a Mary foi de navio e j;t deve ter chegado ou esrá chegando;
foi pdo EsrreilO de Magalhães. que ~ra o sonho dela há
quarenta anos. Estou fazendo umas pesquisas aqui para ela
na Biblioteca Nacional. e já consegui descobrir uma das coi-
sas que ela quer; a oUlra vou pedir ao I-Iaroldo de Campos.
que cheg:l amanhã; quanto a ealá logo de lelefone antigo de
Dublin. e coisas usim. não sei nem por onde começar, mas,
procurando-s~. ach:l-se: esra cidade lem o mundo lodo! E 11
J
196 • CA RTAS
H élio O'tiele ..

I~mpo cronológico. e também IOda a n~urose imaginável e


do (rel at ivo. ~ daro); mas a bolsa. ga nhei. segundo O
inimaginável.
Geldzah ler (diretor do Metropolitan e juiz das bolsas, pessoa
Vera passou por aqui e Luciano esrá em Washington. mas
das mais influentes aquil o pclo cu.ilogo de Londres. que o
deve vol!'ar por esses dias; j~ combinamos para sairmos jun-
impressionou muitoi uma coisa puxa a ou[ta~ como vot~ v~.
toS, adorei rev~-Io: imeligentecomo sempre, achou vod muito
Estou terminando um curso de cinema na New York
bem; ~ bacana rever lodo esse pessoal, na solidão super-
Universiry. que me dará direito a faze r Outros em que posso
acompanhada de Babil8nia; fomos ver um filme do Godard,
usar equipamemo. elc.; por enquanro s6 tenho usado Super
Vtnto de/L'&te (que ~ uma marJvilha; você viu? Ele mudou
8, que comprei; tenho t a tnb~m um a monradeira e quero que
muito, adoro esses filmes novos). Glauber eslá aqui perto.
essa primeira experiência (um filme: Br4Jil Jorg~) seja j:t algo
num 10ft grande no Bowery; Gerchma n divide o dele agora
palpável; vou ampliar. depois de momada. parl 16mm. o que
com um artista negro chamado Mal com Bailey. que é um
possibilitará a exibição em outros luga res, etc.; ~ trabalho-
cara maravilhoso e deve seguir parôl o Brasil em duas sema-
sfssimo, principalm~n tequando S~ lêm ou tras ocupações, elC.•
nas; cslá sem dinheiro e bem parado. se bem que seja mais
mas dá bastante prazer. no final; hoje, por exemplo. perdi
con hecido hoje aqui: saiu uma põigina na Amdandu, que ~
t~ lTlpO procurando um parque com aves em gaiola, para uma
uma revisra nova do Willoughby Sha rp. mas ele anda depri-
cena de 20 segundos. veja VOC~i com isso andei a cidade feilo
mido; a Ana jõi esrá lá desde aquela época e tudo. c a vida aqui
barata tOllta e fu i parar pertO do a~roporto. para nada. pois o
não ~ mole; o qu e ele deveria ter feito. que não ~ tão difícil
que quero esr:t em outro lugar que 56 descobri depois; lUdo
assim de conseguir. ~ dar aula de arre, ou coisa assim. Estou
isso por 20 segundos de filme. veja que loucura; os primeiros
pensando nisso dcsd ~ jt para mim tamb~m. pois com bolsa e
rolos ficaram lindfuimos: Super 8 é bacana pois pega coisas
tudo gasta-se demais; s6 penso quando ela acabar. se bem que I em de[alhe, ao alcance da mão-visão; mas falta tanta pra
seja renovável, elc.
terminar que dá desespero em pensar. O 10ft aqui está fi cando
EsIOU preparando idéias para um cspel:kulo no Cen lral
legal: cOllsrruf seis Ninhol para viver; lamb~ m um trOÇO que
Park em agoslO. ainda não sei em definitivo como será, mas
tem dois níveis. e por onde se entra pa ra o de baixo. por
quero que seja bem ambicioso e que marque lanlo quanlO a
cima; Mário fi cou louco. pois quando queria ralarao telefone
INFORMAll0N no ano passado. Na realidade fo i essa coisa que
tinha que subir na ral plaraforma; embaixo dela. fica como
me fez dcflnitivamcllIe conhecido aqui e. portanto. no mun-
um subrerr;}neo. ou porãozinho. e tem um lugar que se (eJn
IIiS • CA R T A S
• '99
lIeUo Oilide.:.

que rastejar para chegar: esd tudo no começo, mas quero a um pomo de achar que todas a5 coisas que acontecem aqui
criar um lugar tão complicado-complexo que seja um mundo, ainda servem para dispersar, portanto é preciso saber equilibrar
sem móveis e essa coisa chata de apanamelHo, etc.; M:l.rio tudo. No Brasil, como você deve ter visto, as coisas andam
morria de rir, pois eu dizia: por concessão, porque você está caindo aos pedaços. H:i gente jovem bacana~ que você não
aqui, ainda temos quatro cadeiras, o que é um escândalo; o conhece. nem ninguém quase. mas qual o futuro deles, se
telO possui vigas onde vou adapr:H um teta de corda para se não escapulirem também~ t! o fim. Mesmo assirp consegui
ranejar por ele, etc.; vai ver que quando preparar tudo isso que Waly Salomão. um cara genial amigo meu, q~e mora 1:1.
(se ix:m que a coisa seja imermin:ivel), resolva mudar; o aluguel em casa e é do grupo baiano de Ca~ e G il , escritor, conseguisse
é caríssimo (US$250), fora as caminhas que ainda não che- publicar o livro; O Lco Vitor vai publicá-lo. e vai ser um
garam (só comeÇ2ram a colllar luz e g:l.s de agora); mas, você sucesso, pois c\e é dos maiores mesmo. A estadia de Waly, nos
sabe, New York esrá pela hora da morte: com a guerra, tem ,íh imos tempos, é que: me refez dos choqu es terrlveis e
imposto a pagar, em tudo que se com pra , de seis por centO; de tudo o que houve \:1,; convers:livamos muito sobre você,
tudo é vendido, tudo é comprado (segundo M:irio, até bosta), horas e horas, como n6s anligamente, lembra-se? Revimos
e a vigarice impera: a decadência do capi talismo que se: coisas da época ncoconcreta, BoÜtim di, Sigllals. e é pena que
aUlOdevora; só o dinheiro é respeitado. Como você saix:, por vocês não se tenham encontrado, mas a escrolidão geral d e
expe riência própria, mudanças, principalmente de: um p:lís rudo no Rio é de m:uar. des(lc a coisa de M:lirio, tão cllO-
pro OUtro, são sempre assim: nos primeiros meses, perde-se cante, até a prisão de Nando, que estava morando !:Ii em casa
tempo e dinheiro li beça. Aqui, foi uma loucura acbar lugar comigo; ludo por causa de um filme Super 8, e. por ironia
sem precisar dar luvas, etc.; depois, a mudança de gente, terrível, era a penoa mais inofensiva e inocente, condenada a
amigos. etc. No Rio, com todos os tr:1.gic05 probl.::mas que um ano por fumo forjado. além de repa nagens incríveis nos
se deram. principalrm:nte quando volIei d:lqui em agoslO, jornais (fui dar explicações e desmistificar e fizeram uma su-
minha casa estava sempre cbeia, e posso dizer que tinha gente jeira louca nos jornais, com minha cara e tudo), casa invadida
~ beça (a fé demais) ~ minha volta; porlanto essa desa- pela policia, minha mãe parJnóica e com razão, Rogério
daptação e readaptação. eIC., é terrlvel, ainda mais no inverno Duane louco (Ix"ls fogo no corpo, um dia, de manhã; se não
crudelíssimo e tudo o mais; mas a fome de ver filmes e coisas fanem os gritos de Zeni", que me acordaram, tinha morrido)
era tanta. quando cheguei, que creio tercompe:nsado; cheguei _ teve que ser internado em Engenho de Dentro e ficou
J

· 201
200 · C AR T AS
lIélio Oidcic,"

lxm mdhor agora, ele., etc. Imagine você a defasagem incrí- dado; isso (lido me anima a fazer e bolar coisas, o que me dá
vel que se deu aqui: fiquei como um san~mbulo durante um muita ansiedade; além disso quero trabalhar em alguma pro-
mês; como se o mundo desmoronasse. sem rumo, nem nada; dução de filme que me interesse, depois de agosto; talvez com
nessas horas e dias, parece que minha capacidade p<lra escre- Glauber, quem sabe? $50 possibilidades aberràs. que me ani-
ver aumenta; no Rio, ali:!s, eSlava escrevendo muito, o Pas- mam e fazem desconfiar também: do futuro, de tudo.
qlúm publicou um texto que fiz. hl, em outubro. que adoro; O Paul Newman" estõi interessado em compr,ar algumas
agora vou mandar umas colaborações daqui; quero mostrar peças que estão no Rio, por isso meu irmão vai enviar cópias
lUdo a l-Iaroldo quando ele chegar. Não sei, mas houve r.anta dos s/ida para que eu moslre a ele; ele gosta muito do seu
mudança que só conversando pessoalmellle. trabalho e tem um ou mais na coleção. Jean apareceu e deve
O ambiellle de anes pl:lsticas aqui anda bem chato, com estar af agora, não~ O Rubens diz. que ele vem semana que
raras exceçóes; o Perreaulr :mda superficial, como sempre: fez vem; escl interessado na caixa de C:.lra de cavalo e naquela
pufomlanu (especlculo) num lugar. sem imaginação, platéia cruz amarela. Lygia, qualquer notfcia que você souber. prin-
de missa, parecendo sarau; :.llgum:.ls p~rfonnallus têm sido cipa lmente do Brasil, mande-me; queria que você per-
boas, raríssimas; estou mesmo é ligado com gente de cinema guntasse a Violeta uma cois:.l: como eu poderia obter e
e te:llro experiment:.ll; conheci muitos :.lStfO$ do Warhol. e quaOlO custa riam (o preço de cada) livros com rex(Qs de
penso em fazer com eles essas coisas do Central P-.Hk; a sane Ca rlos Marighela, pois sei que existem ai; me disseram que
é que tenho contacto com o prefeito de New York, e j:! terei o havia aqui. em inglâ, mas não achei; tenho um amigo que
parque quando quiser; quero ver se termino os planos até quer, e eu também: é importanríssimo, ela dizendo o preço,
d:.lqui a um mês, para consegui r fin:.lnciamento, etc. Enfim, eu envio dinheiro; ,Irs.
conheço bast'anle geme; o Dick, que vai faur a SU:.l exposição Ainda não vi os filmes de Glauber, e ele prometeu passar
e que fez. a do Gerchman, e5t:l interessado em dirigir essa pra mim. mas anda pra lõi e pra d (hoje está no México,
parte mais de organiz.ação, etc., se bem que nada v:l ler com a amanha no Chile; volta daqui a uma semana); Mário detes-
galeria dele, etc., não quero entrar nessa; tenho convite para tou Cab~fas cortadas, mas Luciano adora úão d~ uU cabefas,
faz.cr Ninhos no outono, em Rhode Island, na universidade que foi rracasso em Paris; mas como AnrJnio das Morus, que
de 1:1 (numa delas, porque aqui dlOvem universidades); pare- eu não gosto, foi sucesso, isso até é bom; Luciano acha que
ce que vai haver algo em Seattle, para o qual devo ser convi- foi :lo mostra de que os franceses queriam mesmo era folclore
J

202 • CA"TAS · 203


Hélio Oiti.;:;c; .. '4 ,5, ',)1'

d~ 3" mundo. cle. Vi outro de Co<brd, Vladimir d RoSA, que se passam a noite toda; no dia em que fui I~ pela primeira vez.
é uma obr:l.-prima; eSfOl! louco por ele; Godard é o rei, Jack e um amigo dele cstavam vcstidru de :irabe, ligando o
principal menu:: de mOlHagem, e esse faz lembrar GTI!I~, de andar de cima, que é cerrado ao meio. ao de baixo. uma escada
Eiscnsrcin, pela complexidade de montagem, invenção nrbal feito escada de incEndio, de ferro: todo muhdo espalhado
(se bem que GmN seja mudo) , etc.; os filmes de Warhol e pelo labirinto de coius. Sentei-me numa mesa de antiqutt
Morisscy continuam a arras~r: undagrollndinvadindo esendo para ser entrevistado por ele e foi incrlvc\; depois mil coisas
absorvido irremediavelmente pelo cinema comercial: Trash aconteciam simultaneamente; já nisso, não existe a ;al distância
continua em cann e é realmcrut belo. Há um cineasl:!. que de espectador e ptrforma"u. como missa. nem nada: a coisa
~I quer me: faur de alor - filmes mudos undrrgrolmd: é Jack simplesmenle v3i se desdobrando, como num rilUa l náo
I Smith, milO do 1I11d~rgrollnd americano; cs,ivc U Uflll vez C rituallstico. Tomara que você venha em janeiro para que pos-
ele depois ficou me procurando. aTé que o amigo dele me samos ver tlldo isso. JUl11os.
E Guy Brelt1 Nunca mais . Escrevi lima cana importante
encontrou numa resta louca, c disse que estavam quase
pra ele e nada . Náo sei o que houve. Perdeu o interesse por
colocando anúncio no jornal à minha proeur;!,; rui lá, c além
mim, sei lá. O pior é que de (em uma série de negativos que
de interesse intelectual havia sexual, também, como j:l em de
eslOU em falta, ali:!.s, de que preciso, e nada; cscrcvo c não
supor: ali~s, estava dizendo a Glauher isso; amizades inte-
responde; que vou fazer? Essa moleza inglesa me dJ: raiva.
lectuais estão sempre muito próximas das sexuais, até demais,
me desacostumei e ainda acho que foi o maior mibgrc ter
mas, um dia você há de ver os film es dele; são incríveis. Fui ;1
feit o algo lá. Lygb. vou enviar jUl110 com essa o tal texto que
uma projeção de slidts com trilha sonora, tLIm! espécie de
saiu no Pasqllim, em xérox do original. Leia. Guarde-o. C't iI
quase-cinema, que foi incrível, Warllol aprendeu muito com
pour IIOUS.
de. quando começou, e tomou certas coi$;lS que levou a
Michd apareceu, ames de voltar aquela VC'l ao Rio, e fo i
um nível diferente. é claro: Jack Smith ~ uma espécie de
ele que levou ludo. Adoro-o, é um amigo real e bacana;
Art:md do cinema: seria o modo mais objetivo de defini-lo: sempre salmos para janrar ou [ir] à casa dos amigos dele, etc.,
o lugar onde ele mora sáo dois andares de 10ft. um labirinto engraçado é que eu, sendo tão difereme dele, renha essa afini-
de coisas inacreditáveis, que parecem os filmes, e lUdo o que

...
dade; bacana mesmo.
aconte<:e ~ como seestivesse acontecendo num tempo dc filme: O Gil deve chega r em julho. Guilherme vem daqui a
há rcfletores de re:llro que se acendem, e os acontecimentos quinze dias. O disco de Gil foi lançado e parece que eslá

204 • C ARTAS • 205


lIélio Ol li cic:a

tendo repercussão; as letras de Jorge Maumer para algumas Parir,I7.5./971


das músicas sao boas e são as que impressionam. Dei s(:u recado
ao Mautner: ele lhe adora e espera carrOl sua. Eu e Mautner
somos amigos e discutimos muito, pois discordo dele em
muita coisa; sempre que nos encontramos saem beijos e fafsas Queridrssimo:
ao mesmo tempo: bonecas tem peramenrais dão ~ nisso; j:l
com Glauber, posso passar dias e anos como irmãos que se Ar~ que enfim veio uma carta-comunicação' me dando
adoram. que jamais brigaria. C'mla "ir! como sempre enorme alegria e rambt!m uma enorme sauda-
Bem, vou ler e dormir: amanhã tenho que film ar; vamos de de você. O que gostaria de le comunicar ~ tão simples e
ver no que d~. tão complexo, como a própria ra lidade-vida, que nem sei
4'gia, escreva logo; seus planos, etc.; adorei as faiaS no por onde começar. I! por essa razão que gOStO de novelas na
livro do Kuherman - o livro ali:ls ~ lindfssimo e, como televisão, nas quais as coisas nunca acabam de acontecer; ~
sempre, o nosso di~logo superfamoso: engraçado ~ que ~ a como a vida. Comigo ~ sempre assim - enquanto eu vivo
coisa que fiz com que tive quase que nenhum conracro, a não mil voltas em volra da Terra o reno do pessoal daqui está
ser quando fizem os. e ~ o que badala mais: bacana; ISSO marcando passo, com raras exceções, indo para uás, e nada ~
moslra ainda mais que houve algo; foi um tempo. din~mico, tudo é pausa e mOrfe. Na prÓpria vida nota-se o
Vou terminar, esrou exausto, escreva e escreva. processo. O quotidiano, que para mim é sempre mágico, rico
Adoro-a aI a!waJl' você sabe. e nova aparênda, para eles é o vazio, a repetição, e nada re-
Um grande beijo. dnemascope. presenta como maturação. AI~ acho que invento minha
L,~ própria vida. que a recrio IOdos os minuros e ela me recria à
Hélio sua im agem; vivo mudando, me interrogando maravilhada,
PS.: Meu endereço todo ~: sem co ntrole de nada, dos mlnimos aconledmentos, me
81, Second Av. Lert 4 deixando fluir. despojada de quase tudo, guardando somenle
New York, NY 10003 minha integrid ade inlerior. Me sinlo como caldeirão da
Telefone~: (212) 777 7427 (o 212 ~ quando se liga de prÓpria porr:l, processo, me sinto toda lá até :ln(e5 do nascer e
fora de Manhanan.) acho que é nesse mislurar que O~ ap:lrece a mc:nina, o leite
J
206' CARTA"
. ':'Y~I.;a C lu k '')'·5,'9,),'

na mamadeira, a adulta-adúltera, a louca, a vt:lha de 5 mil mas viver isso no inconsciente já e!'ll o suficiente. Compenetrei-
anos de idade, a alU~l, a equilibrada que sendo alUai nunca ~ me da minh~ idade, aceitei-a e d~1 me amarrei de tal maneira
uma s6 e a consciência não é de colar pedaços que foram que ela deixou de ter import~ncia e não mais existe como
quebrados com culpabilidade mas o recriar-se inteira a partir problema. rase belrssim~ qual punho fechado, uanqüi.1a, me
de novas experiências ~ntigas como o próprio nascer, ou at~ rindo dos ourros que talvez ago!'ll me achem menos puta,
antcs. Sem nada controlar, eis a contradiçao, me reconstruo, exaramente agora que, redescobrindo o meu Ego, readqu iri
fJÇQ minha biografia, eis-me qual obra ames projerada para de outra maneira o pecado original. .. Nao ~ maravilhoso o
fora dividindo pessoa e coisa, hoje uma só idem idade. Onde conhecimento que se pode adquirir atrav6: de uma experiência
a patologia, onde a saúde, onde a criação? Nada sei. O não- pessoal de um antigo e lendário pecado? E não é l"anrástico
uber ~ lindo: ~ a descoberra, ~ a aceitação da mistura das que a própria aceitação no meio cultural venha não de um
situações das dCCol.lagens, das integrações do recomeço, do não- eSf"J.do de graça, mas de uma ~p~rente identidade, tabu do
tempo linear, da percepção pura da descultura que nunca tive, que se chama pecado?
fundando a minha pr6pria, que ~ posm em questão sempre. Minha esudia em Belo Hori'lOnte foi em du ... s etapas. Na
A descoberta nunca pá ra e 1I.s vezes penso que viver uma vida primeira, cm que o meu pai pensava que não ia mais voltar
~ viver todas as f.!.sc:s :lIueriores da humanidade. Depois de pal'3 Paris. me tratou como namorado com enorme ca ri nho
Carboneras, na redescoberra do meu Eu deixando de ser "o e houve pela primeira vez dentro de mim uma eno rme acei-
outro", tudo mudou em mim . Perdi o "estado de graça" vivido tação da minha casa de inBncia. do ventre da minha mãe,
por mim assim e cata logado provavelmeme pelos ourros do pau do meu pai. Jamais senti ramanha paz e alegria nu-
intelectuais de ninfomanlaca ou prostituta pelos burgueses e ma situação que antes me deslrula completamente, sendo-
comecei a ter sonhos belíssimos com "o c3$;1l" intcgradordessa me insuporlável a permanência no meio onde fui gerada com
imagem que fora por mim tão quebrada c dest rulda na gozos, onde nasci enlre dores e grilOS. onde quase morri de
inf1lncia. Depois o aco rda r, o trauma de se estar 56, cinqüenta fome nos primeiros meses de vida, onde cresci me sentindo
anossc:m possibilidade de realiurcasal com algu~m. O dormir fora da famllia, tentando arrancar cada noite minha pinta,
passou a sc:r o medo da realidade, do amanhecer, da solidão sinal vivido por mim como signo da marginalidade, afas-
profunda do ser-se s6. A paz só voltou quando me apercebi tando também v;{rias imagens dramoiticas da minha infân-
que o importante não era viver essa experiênci ... na vida real, cia, tal como a do banho de ducha no hospício elllre loucas,
J
208 • CARTAIi · 209
. ~y~i." Ct"rk
...... . ....
a de ser jogada na banheira de água fria de madrugada ainda pedaços, dois loucos varridos. quase na policia ou hospiral,
dormindo, botes de cobras, urutus, cascav/!is, embaixo dos sendo a briga impedida pelo Álvaro, presente! Perdi aI a ima-
p/!s, pousados na caixa que as continha, no caminho do sItio gem do pai. até a porra, e só pude engoli-lo no Rio depois da
ao instituto, porão rastejante coberto de reias de ar;l.nha e volta, num pileque, sentindo como sou no'fundo parecida
outTOS bichos, onde entrávamos para tirar o vinho para o pai, com ele. em roda a sua loucura. tOda sua violência, roda a sua
galos de briga, eu pequena raspando pelos do pescoço, lucidez dentro da loucura. n20 tendo herdado d.cle somente
massageando, assistindo 11. luta na companhia do pai, a mor- o pênis, o que hoje posso accilar tranqüila, rranqüila ... Veja,
te, o olho furado, o galo morto. A faca da empregada louca. a anjo: tudo mexe comigo e o que isso não deve ter influen-
corrida escada acima, o avô que acariciav;l. e contava toda ciado ena minha nova pcrcepçao do casal. Ar/! aceitar con-
sorre de mitologia em linguagem crua e real, os pesadelos, a senar minha fase antiga de trabalho. obra. j~ aceilei! É como
gosma que safa da boca perdendo subst!incia vital, sonho que se pudesse reparar os eslragos que cu mesma fiz anla e que
há pouco tempo reinregrei rcengolindo a mesma, o túnel me foram reparados agora. Já não sinto o desespero da nos""l-
emparedando. me separando morra-viv;!, unhas rofdas aI/! o gia da "normalidade- e nem o medo da loucura, o que sem-
sabugo; desespero. a feia, a enjeiTada, a menina que fugiu um pre foi a balança da minha vida ... que a própria vida me deu.
dia de casa para vender doces na rua com a Tia O linda - Fora de roda a normalidade. de roda a patologia, de roda ;ii
fabuloso aro falho: era lcodolina o verdadeiro nome, cuhura, de todo um COOlaro mesmo apa r~OIe. eis-me aqui
mas não para mim. que era parclHesco, a menina deflorada, _ o meu lesremunho sou eu-oura e nao a obra que fiz.
assenrada embaixo de um::a árvore enorme, p::assividade toraI, Ao mesmo lempo me assumi como personalidade, sem
lÍo morto, hoje destrancando tOdos os dedos dos p/!s e das grandes paranóias no delrrio de integraçao ~ muita solidão.
mãos, os gozos senlÍdos nas safadez::as das descobertas in - Tamb/!m o Brasil me deu a consciência de que aqui estou
fantis, depois, bem ... toda uma vida para recompor ou cons- afetivamenle superprotegida e tudo que: lá passou f. que /! a
truir uma personalidade que nunca se completa, enorme vida mesmo. Vi, emocionada, Eduardo cair numa crise, cho-
decalagem entre o interior e exterior. Na segunda ida a Bcl6, rando como criança; ergui nos braços minha filha numa
meu pai lembrando que o havia há 16 anos mandado tomar fase pr~-edipiana, descobri maravilhada que sempre: amei o
no cu, ameaçou quebrar-me lodos os dentes e a boca e eu Schemberg. lendo ido tamb/!m a São Paulo e lendo (ido
parti para ele na posiçIo de briga para quebrá-lo também aos uma grande briga com de em que a violência foi de ral ordem
I

210 'C"RT"'S ·21 ,


que, se livessc uma bomba à mao, destruiria o mesmo, a mim vimos diariamenrc, e chorei muilO quando partiu. Pela pri-
própria, a cidade inteira, a imens:a m:assa humana; me senli meira vez na minha vida:l morte, que era coisa absrrata, pas-
atraída por ele pela primeirn vtt fisic:amenle, e não a velha sou a ser concrera, só que no momento em que aceitc:i o falO
libido "declanchada" a1fav~s do fasdnio da sua filiação. O O problema desapareceu tamb~m! Eu por ora ando parada.
Schemberg pa ra mim ~ a única permanência que sobrou! Fiz. algumas experilnckas SÓ com o corpo sem objelO algu m.
Gigante adormecido, mas giganle, sempre, hoje, amanha e \! curioso - você enconrra novos rel:lcioname'1tos ell tre os
depois! $cnli o abrnsador amor-JXIixao que me liga:lo Vitinho'" corpos atrav6i de novas pcrcepçóes de espaços. Não sei se ~
no abraço no dia da chegada, encOnlro que parou o lempo, v:ilido ou não. Se ~ novo ou velho. $ó sei que ~ o scguimenro
nos dissemos em silêncio juras de amor eterno, de paixão de do meu pensamento e n50 sei at~ onde irei. Já nem sei para
fogo. de b va de vulcão, aterrador. esfomeado mas verd:t- quem falo. Às vC".l.es penso que falo para mim mesma e pensei
deiro. Descobri emocionada que o filho que mais amo ~ o em fazer algo como ~pen$;lmento mudo". Nenhum diálogo
Álvaro, mas :I paixão ~ o Eduardo c a maior comunicaçâo ~ verdadeiro a não ser Violera. que ~ torturada mas tem r81ego
com a Belh: mundo maravilhoso - ~ como se cada filho na escura e tamb~m na comun ic:ação. Não sei se a{ irei pois
correspondesse:l uma dobra merina onde foram gerados, raur uma exposição por fa'lCr não dá p~. Não ~ que seja con-
mas separados, embora no mesmo tÍtero! tra galerias, não 5011 a priori contra nada. Não quero criar
De volta a Paris vim magra, velha, tmumatizadíssima, só nova elite. Quero ~ gente, e talvez nos lugares mais recupe-
agora depois de um mês estou out ra Vtt mais go rda e bem rados ~ que eu lenh:l mais sen tido, procurando dar outro 1Is
dispoSla. Encontrei Ioda a genle na mesma, ou escondem a pesso:ls. Repito: quero ~ gente, nio importa cor, idade,
vida ou estão morlos. Minha vita lid:lde parece que agride - nacionalidade, esrado de sanid:lde menral, burgueses, prole-
fui superagredida, apontada na minha magreza, na minha drios, crianças, não importa, eu quero ~ gente e gente ~ que ~
velhice, não perdoam o meu renascer, a minha vitalidade, a imp0rlante, o sistema que se foda! Estou tamb~m bolando
(
minha alegria de receber toda a minha uansformação, todo o "rrocas" mas sempre h:l. um ritual tribal, ação e depois nada
sofrer como posirivo ... negação de cada dia passado, de$Co- sobra.
berra no dia que esr:i prcscnle. New hora enconuei o velhi- Isso não ~ uma carl:l mas sim um monslruoso v8mito que,
nho adorável Pedros:I. vivo como um corisco, inreligenr~r­ no di'lCr do Gare/a Márquez, :ltravcssa ria o Sena, se jogaria
rimo, sabendo escutar e gigante na comunicação ... Nos no oceano e jorraria da sua IOrnei .... Te beijo muiro e muito.
I

212 • C/ilHAS • 213


P.S.: Descobri maravilhada que redescobri uma enorme 8aby/on, 24. /. /972
euima po r mim própria e tudo veio junto ~ aceitação de
restaurar minha obra antiga! Adorei o que você escreveu para
o Pasquim! Só não supo rto o mesmo ...
1L)'gia, até que enfim; sei que você deve enar estranhando
tanta demora minha, etC.j é que a vida não é F.icil; além disso
me diziam sempre que voe! ~já estava para embarca r... ", por·
tanto eu não sabia para onde enviar cartas: Rio ou Paris.
1) Estou aguardando o Micllel chega rj há stculos não o
vejo. I-I oje não estou nada legal; mas, é assim: uma chatice de
procurar o que fazer (emprego, etc.); essa cidade quando cai
em cima da gente é o flmj é dirkil resistir, mas, vai-se indo;
não pretendo voltar, a não ser que a barra pese demais.
2) Queria lhe agradecer pela venda de pos/us, que me
mandaram dizerj queria saber se lhe deram um delesj em todo
caso estou enviando pelo Michel, com dedicatória e tudo: se
você tiver outro. dê para alguém j estão razendo uma conru·
são louca lá com aquilo.
3) Tenho escrito muito ao Ivan e vice-versa sobre você; ele
ficou mdiante com o seu interesse pelos filmes. dos quais não
conheço nenhum; até que enfim vocês se encontraram (era o
sonho dele, de Waly. de Torquato ... )j genial a tal reunião na
sua casa e IUdoj como você deve ter visto, é raro ter alguém
inteligente que queira opina r e discutir as coisas. Adorei
saber de todu as nollcias de São Paulo. Ralph. etc.j gOSTei
do eacl logo. mas prderiria que tivesse sido reito por você

214· e"RT" Ji\



..... . . . . .. . . .
(cones, dobras, etc.). Outra coisa, se voc~ me permite opinar'
não sei até onde vai a :lUdácia dcle, ou a percepção de certas
ficaria genial fazer sempre com textos seus, de ourros, etc.:
m~s ~m colocar listas de currfculo e: colecionador; isso uma coisas; espero que v1 um pouco mais longc do que o normal
opinião minha, fica meio louco. Claro que você deve infor- no Brasil (isso sei que vai), mas mais ainda.
mar ~ob re suas invenções e tudo, mas lista de exposição e 5) Estou com advogado encaminhando~p(:dido de resi-
coleclOna dor nada tem a ver com o nlvd do seu trabalho, dência aqui; a bolsa acabou e se cu quiser ficar lcgalizado
etc., e fi~ ~emais num documento de manifestação: espcro tenho que faur isso; imagine que tive que traduzir textos e
q~l e voce nao se zangue com palpites meus: tem gen te que: texlos de português para inglês, e solici tar car'tas de reco-
nao me escreve mais por isso, e fi co sempre: sem saber se devo menda~o a crIticas, escrilores, universidades, elC.: arranjei
dizer tudo o que penso ou n50. Recebi uma publicaç50, O dC'Z órimas, que não podem deixar dúvidas; isso lUdo para
Vtrbo. da 13allia, onde public3 r:lm um lexto seu, m(:u con he- provar ao St:ue D e:parrmenr que sou artista, para ter stallll
cido j~: ficou genial. O Ralph quer comprar 120 descnllOs de legal de: anisra aqui; uma perda de tempo incrfvd; agora, j~
1957/58, e V3i fechar negócio com meu irmão. Tudo demo- tudo com eles, é SÓ esperar.
rado como sempre; o que é que você acha dde? Sei que você 6) Acabei de receber algo que j;i me d eixou mais alegre:
~C'Z COlllrato de dois anos, etc.; espero ter com de uma bo. 1 Haroldo de Ca mpos me mandou uma p~gi n a sobre o show
Ilgaç50; tinha sem pre antes "a lguém" servindo de interme- d e: C.1~ e:m S50 1':1010; fantástico! Caê está lindlssimo! Você
diá~io, (l ~le estava atrapalhando IIIdo, mas agora as coisas j;i ainda eslava no do Rio? Co nte-me corno os achou; adoro
estao mau a conlento.
Haroldo, que sem pre me: manda coisas gen iais e noticias Ól i-
4) Eu, como nada lenho a vender, etc., quero ver se, em mas; você leu a entrevista que fiz eom ele na P/Dr do Mal?
caso de contrato, consigo que o Ralph compre uma quanti- Mandei muito materi.. 1 para a Pramra, que ralvC'Z feche.
dade de um ~Ibum de projetos que: fiz para o Cent ral Park, 7) Michel aI iá; maravilhoso como sempre; Lygia, o Lcc:
que está pata ser publicado aqui; um dos projetos j.i saiu JalTe, a qucrn amo demais, está em Paris e achei agora o ende-
numa pubJicaç50 IIndtrgrollnd; é que eles querem ver 5e re- reço dele; ele voltou pra 1;1; se:mpre quis conhecer você e esr:1
cupcram ao me:nos o dinheiro que terá que ser investido; fazendo filmes ar: 15, Impasse du MontTonnere, Paris, I 5 tmc.
porrant~, acho que um Contrato com o IUlph possa prover Se ele não estiver lá telefone para a galeria Sonnabend, 12.
CSsal COIUS: além disso tem um projeto especial de<liado
rue MaZ3tÍn; ele conhece gente bacana ~ bcça e é das pessoas
a de, para ser pOSto em pr:hica em S50 Pau/o, num parque; mais apaixonantes que já vi.
216 ' C AIlTA"

• 2 17

-
..................
8) Aquela sua úhima carla foi gen ial • , orno sempre; es-
pero sempre escrever, agol'3 que sei que voo'c continua
' 11) Conte-me qual foi a sua impressão geral de tudo pe-
aI- o
Jcan
.
C Iay mudou para onde? Recebi o Rhob '
. o. gOStcI'I '
(as suas
los trópicos; estou louco para ver um filme que o Julinho
COisas, escritos, etc.; quanto aos meus o., m" ',, a dCSlnlOrmaçao
" • Bressane fn aqui, com partes aqui cm casa (cu apareço tam-
apesarJ das boas jmcnçõcs do Clar (p/rdu• "' o come lHe 'ISSO bém numa gangue que planeja assaltar um b;nco): Ldgrima-
com c c); o número está bem fcito c bacana de se ver po , panttra a mlJsil; fiz também a apresentação (letreiros. elc.);
ah I ' ruso parece que já eSI::i pronto em Londres e talve'Z. você tenha
c .o que qua'quer
. crfrica qu, I)oua demoli-lo sena
'
sem pro-
pó SilO; achcI mUito fraca a inclusão daquela Ca oponunidade de vê-lo antes de mim. O Haroldo de Campos
ta-corpo d o
Gcrcmannomc:iod
h S . ('d '
ii COISU :lIn a mais com o nome s » ) vem em março com a Guggenheim; vai ser legal. pois esta-
Clay está misturando ludo; que tOUCUf'2)' o q _ cu ... mos grandes amigos: ele é realmenle inleligendssimo; Au-
. . lIe nao se sus-
tenra , c u como um cdirrcio; par.! mim foi bo gusto idem; eslOU lendo li beça as coisas que eles enviam.
" d . m ver cerras
otO$ . c cOIsas minhas: aqucl" da ca ma com o cara nu, como fora outras; vou aprender grego e chinês, que. sei, são essen-
um bIcho, me agrada basr3lHc. ciais para se ler poesia. eIC., e aproveitar que moro pertinho
9) Um amigo do Mário • vindo do C I11' Ic, apareceu da New York Universiry onde lem cursos. e baratos. dessas
mas, c~m n~me falso e sem poder dar o Ielefone de: onde es~ linguas; daro que é para ler. e não falar (grego cMssico); que-
lava; nao sei por que lama mistério: acabei não mandand ro ler Homero e Sapho, Confúcio; meu inglês está perfeito
nada para o M::irio', mas, na. cana que me enviou M::irio d'o
. ' IZ agora e eslOu fiando feilo a Mary: hOtas a ler Joyce, minha
que vem aqUI em abril; corajoso! Como você achou a M , grande paixão; Pound também; adorei o livro dos Campos.
P . ary.
reclSO escrever pra saber se da recebeu os livros que en- Panaroma do Finntganl walu. Além disso, estou reformulando
comendou (meu DeliS, quanla coisa!). muitas idéias, retomando oUlras e mamando um (ato-mon-
10) Vou lhe dar o endereço de urna cr{dca americana que tagem sÓ de excertOS de outros anistas, escritores, cnsalsras,
além de muilO importante gosta demais de seus trabalhos etc. Descobri muita coisa profética cm McLuhan, inclusive
(que (ermos, traduza-os que hoje Utou burro) e f'icou na casa
que coincidênciil., com Parallgoit, etc. Não sei se você já tem
do Jean Clay cm Ca rbonara, etc.: Lu,>, Upp"d 138 P'
S N ' ,flnce um poema mcu que foi censurado na Flor do Mal (ap recnde~
L, cw York, .N.Y. 10012; envie-lhe cat~logos. publicações
ram-no já impresso), chamado 8arnbi/l}nia, feito há um ano:
ou qualquer cotsa que você liver de interessante!
diga-me. se n5:o, envio-o.
216 , CARTAS
• 219
. . . . . .. .... Hélio Oitlçi..:;"

12) Lygia, me perdoa essa carta vaz.ia, tão filcrual; hoje


Paris. 6.7.1974
estou péssimo, com mil probJ~mas pra resolver sem saber
como; me sinto como numa prisão, nessa ilha inf~rnal, sem
S/alIlS, lendo que escolher qualquer emprego explorativo que
me queimm oferecer, etc.; tudo vai passar, mas t irritante;
Meu querido,
a cidade vive de emprego escravo: porro-riquenhos ilegal-
mente aqui. brasileiros, portugueses, irlJndeses, e Deus sabe
Sem cabeça para escrever num proc~o muito profundo
mais o qu'::; Omar, irmão de w'l ly, 'lue mora aqui, est;i :Igora
de análise e criatividade. T:IInta coisa :IIeonleceu que me é
rachando aluguel, etc.; mu, imagine, trabalha lavando pm-
impossível telHar te co ntar agora em véspera de ir ao Brasil.
105 sem folga de nem um dia: uma exploração, e não se pod~
Parto no próximo sábado e lá ficarei d ois meses, devendo
reclamar, pois esr;t fora d a lei. Não consigo pensar em mais
pois voltar em meados de setembro. Fiquei encantada com
nada art reso lver isso; queria arranjar numa livraria ou loja
seu projeto dedicado a [.. .]. Maravilhoso, e só recebi na se-
de disco, pois poderia comprar essas coisas com abatimenlO,
mana passada o seu question;irio que não terei tempo d e res-
etc., mas, esr:\ difícil; acho que vou botar anúncio me ofere-
ponder 3gora, fica para a volta. Guy passou por aqui lJá rrês
cend o (só que t caro e perigoso, j;i 'lue não tenho permissão
para trabalhar, ai nda). dias e conversamos muito como sempre. Foi para a Ch ina e
voltad aqui em outubro. Voltarei r.lpido pela minha psicaná-
13) Aqui vai terminando por hoje; M iehd esr;{ lendo
lise, que foi das coisas mais criat ivas c mirológicas vividas até
ManduuI e outras subliteralUras cariocas; fale-me de Eduar-
hoje por mim. Um dia te contarei e lerei um mundo m(tico~
do, SO nia e todos. Raimundo me escreveu e não sei o (Iue
mágico-fantástico para no fUluro fazer um livro onde entra
fazcr para ajud;i-Io: estava péssimo (vocE: o viu mu ito?). Ou-
toda essa cxperi'::ncia, meu trabalho que no fundo é uma só
tra coisa: de me fAlou ques:lliu uma entrevista genial do Gu ltar
coisa! Continuo na Sorbonne, onde enconrrei pela primeira
com voe'::; você: a tem ai? Se tiver, faça xérox e mande.
I/ow 7011, /ow me vez. condições para comun icar o meu lrabalho; jovens que
Beijos elaboro um :IIno inteiro e são preparados desde a nosr:algia
Hélio do corpo - no fundo o morullemmt do mesmo - até a
n=construção do mesmo para acaba r no que chamo de corpo
coletivo, baba anrrol)Qf;igica ou canibalismo. Depois d e ca~a
22 0 ' C "'RT"' S
. . ..............
experiência peço o v«u, que é a pane mais inreressallle, pois
o mesmo trabalho suscila coisas complctamenle diferentes e
o - te n"
do 5.ngulo teto; a caucÇl ctm d"
0 , - A geometria nasce do

ainda há mudanças. dependendo se é a primeira vez ou a


"d o na mm
fl o do corpo proJefa . I13 m e n te . E vou por ar
segunda de ']uem as vive. Já vi que meu trabalho é para ser com mil e um aforismos que amo, me d'lvert~m. me encan-
te ex

feito desta maneira e não posso me exprimir mais Como lIum ram ... Mando para voce uma falO de um ,trabalho .que chamo
espetáculo em que as pessoas nada vivem, um pouco como de B(/ba antropojiJgi(Q. Uma pessoa se delta no chao. Em vot~
no filme de Eduardo em que os jovens estavam fau:ndo as ta os jovens que c:slão ajoelhados põem na boca um c:a~:e~e
experiências pc:la primeira vez. A tc:lcvisão francesa filmou o de linha de v~rias cores. Começam a tirar com a ,mão a , ln a
meu grupo com o qual trabalhei este ano e o que des CJ(pres- " b"
quccalSO r d,"orada até esvaz.iar o car~[I::1. A Imha sal ple-
.
saram foi um barato... Falam delllro da linguagem do pró- na dc sa I"Iv:l '" ,~~"
.-- que tiram a linha começam por
'd $Cnm
prio trabalho, selllem lodo o desenvolvimemo do mesmo simplesmcllIc que estão tirando um fio. ~as cm seguI a ~cm
desde o mOTcrllml~nt alé a fase final do corpo colelivo. r"Oi ~"'pção de que estão tiOll\do o prÓprio ventre para .ora.
,I! ,-
a fantasmática do corpo, a I"1ás, o que me Ln
[cressa : c nao o
muito linda a filmagem. Ando tam bém numa fase de grande
criatividade escrevendo frases em que o corpo fala a si pró- corp~m si. Depois elas se religam com essa baba c:u começa
~ e.
prio através de suas partes. o COst urar o corpo, fase em que uma csp«ic de luta que é o dlfoul~mmt para que~rar a baba.
me enconrro na psican:llise. J! por vezes engraçado, poético. o que é feilO com agressividade. euforia e alegria e mesm.o
insólito e muilO divenido. Um seio lendo um horóscopo diz dor porque os fios são duros pana serem quebrados. Dep71s
ao ourro; - Somos gêmeos até que um dncer !lOS separe; o ~ o vim, o que é o mais importante, e assim vou me .e. a-
nariz fala à boa: - Sobe, sobe prn cima de mim, bichinha; :rando através da elaboração do otl1ro .•. Outras c.x.penen-
nesta posição não dá; o diróris ao p~nis; _ Puxa, como você cias que chamo {eI cam'ha]'Ismo: o gmpo come de olhos ven-
é desenvolvido!; a Mgrima ao olho: - Sou a estrela que cai .
dados do ventre de um Jovem d el'tado , e agora estou com
outras idéias, sendo que uma é mUHO . f,arte. A Cah~fa
d ,ol~-
"
deiundo um rastro na sua pálpebra. E há rambém a COn -

•• versa dos objeros: um sapato diz ao olmo: _ Aproveitemos a


nossa liberdade antes que o compasso das I>crnas
que; uma garraf3 diz ao copo: - Me esv-uia, estou com o
/lOS unifi -
tivn: uma grande ca beça cons t ru Ida que é coloca a. num
vem que se assenta no meio
" 'len
v:lnas d as e tlr.l.n
" do de dentro desde bichinbos, plam3s,
b" )0-
"d o gru po', o grupo vai a nn o
d

saco cheio; o joelho diz à geometria: _ Ajoelhar é a descoberta lerra, pedrinbas alé o saber, provavc:lmenle frases como as
que escrevo :lIualmente; que tal~ J
2 22 · C AR TA S

• 223
Meu telefone daqui ~ 532 92 56. O do Rio ~ 257 22 70. N~w J1.J,k, 11.7.1914
Mando jUnlo a esta a fOlOc6pia pedida pela Regina. Diga-lhe
que não terei tempo para lhe escrever, fica para a volla.
Te mando todo o meu amor de sempre.
Clark Lygia:

lR.ecebi sua carra que como sempre me deu gr;1nde .alegria


e espero que voce (:S!eja ar qu.ando e:sla che:gar.
Sua c.arta foi muilo imponanle para ddinir e: e:sclarc:cer
uma strie: de coisas e principalme:nte para que eu .acre:sce:me
na scção de corpo (SOOy\v1SE) do livro que: faço a imponante
e daríssima definição sua (como se:mpre) e que peço aqui sua
permissão para usa r coisas da cana.
Pe:nso em colocar num espaço grande em cor ou branco o
seguinle:
LVCIA CI.ARK:
I!. a fantasm:hica do corpo, aliás, o que me
interessa, e não o co rpo em si.

Essa citação seria em cor que vibre sobre o fundo corno


luz (cornple:rnelHares), pois a rne:u ver ~ uma definição e urna
posição, ou rndhor, co locação do pOnlO no pomo maior e
crucialj uma revelação: um ponto de lal flnur.l que faz justiça
e expressa jlJ '0111111 a nafUtc:z:t de sua personalidade e inteli-
gência se:m p;l.r: sua carta de duas p:iginas diz mais que qual-
quer outra de mil: pra mim é como um banho e um alivio
J

• 2215
224 ' C AA TA5
. .. . . .. . ........... . 114.lio Oitlcica ...,.19'"
vibrar com sua inteligência e afinidade criativa; como você .:.:.) facrual de uma experiência coleliva: a txprmio verbal C' eurita
nunca vi e sei que jamais verd! A vibração das letras puladas da coisa importa maú que nunca. Não basf2 o factual: isso e
da sua máquina e a euforia tão sua e "ligada" me fizeram aquilo; as palavras e a escolha dos termos e a construção (como
acordar quando eu j:l. ia caindo de sono (há três dias estou de num I>oema) é que dão a dimensão ao relato' da ((lira. Guy
pé!). Sinto~me como se tivesse dormido um ano e acordado nesse l>OntO é um desastre; fica assim como se fosse pica sem
com uma cafungada de pó (da {'RIMA: quando eu disser ('RIMA tesão: grande e mole; pode h:lver coisa pior? Que.m rc1ata e
já sabe, é nossa velha am iga COCAINA; eoisas de nobrC'Z.a incaica quem crilie:l ou é artista ou nada é; é inadmiss(vc1 essa merda
11 qual pe:rle:nço; como FREUD; conlo mais adiante: se: chegar a de critico numa posição de espectador: volta rudo ao amigo e:
falar ludo o que: me deu vontade: eu e a ('RIMA nos casamos e não há quem possa; principalmente quando se refere a o:pe~
de tão nobres nem nos abaixamos mais para apanhar papel riências que têm que ver com o comportamento e a ação des~
do chão ou coisas de: dona de: casa: varrer, lavar roupa. e:tc. te; esse pcssoal lodo ainda dava cena até o Blello, mas agora,
Não ve:m que não tem! Estou em outra! Que: tudo o mais caia quando você chega :I essa dilatação aguda e impressionante
aos pedaços!). Há coisas que você dilo que me revelal1lm a de: todos os começos (corpo. sensorialidade, et'c.) e já esr-J
na rureza delas: por exemplo. o Guy havia falado e moslTado _'\. muiro além do que: se poderia pensar. essa gente falhai essa
s/ide da coisa da linha~saliva ~ b:aba m:as a "descrição" ou o ~rc1dção de cada participador com a força da baba é algo gran-
ponto feito por ele sobre a experiência nada tinham a ve:r com de demais. não pode ser descrito ractua lmente; identifiquei
o que você dilo. De: nada adiantam essas descrições se não muito com uma porção de coisas de minha relação com a
forem como você as f3l.; e digo m:Jis: essa do linha-ve:ntrC'1 I'RlMA. s6 que o dilacef2mento se dá pra dentro e muitas vezes

out-saliva-o corpo do outrO dc:ilado-moretllemtnt-baba e a senti o mijo ao mijar como o OpOSIO extrovertido do cafu nga r
quebra da baba. que gera agressividade e sofrimento como o pó; o intestino que solta. se descarrega rodo com a primeira
que extensões que cresceram e que quebrá-Ias envolve um cafllngada; os buracos do corpo lomam sentido dilaceranre
despedaçar do próprio corpo E. GENIAL.: DAS MAIORES COISAS corno você faz nisso, s6 que no seu caso é colerivo e num
, QUE JÁ VI E DÁ UMA D1MENsAo lN CRlVEL EM TODA ESSA OlAL.E.nCAI n{vc1 bem mais complexo e até mesmo opOSto: dilacerar para
DESCOBERTM ETC. DO CORl'O EM SUA OB RA E NO TODO MUNDIAL incorporar, como a criação cósmica de um universo desco ~
(QUE f. NADA COMI'ARADO COM VOCf.). Isso me alegra pois agiu nhecido que se: faz no lance de dados; que não depende de
como umadcscobena comodevcse:re nao uma descriç5oz.inha "escolh:ls dualislas~; lias SU:lS poucas c:lmbaleanres palavras
I

2215 • CARTAS • 227

-
você diz tudo isso e a gente apfa a essência maior da coisa! algo que na maior parte nunca foi ventilado nos mundos de
Me deu uma sensação incrível de emoção sublime, de uma anesl filosofias/etc. e ao mesmo tempo existe mas não se coo
paixão maior; algo que gen Imta coisa na nossa cabeça que nhece; sinto-me como sentado ~m dillllmitt, por isso exp ressar
dá então nisso que você seguiu da cabeça coleliva; cada coisa algo seu certo e eficazmente ~ mais do que imporrante; ~ um
~engnvida a atura. modo de fazcr a coisa conhecida e monnr (pn quem tiver
O importame também ~ que apareceu um inglh (Andrew olhos e cabeça) que esses argumentos são não só o~ mais im-
Douglils4l ) que retraduz o que passo para o inglês e ele não só portantes como os I/nicor ;mportanus e a cepmsáo ' mail a/III
vive as coisas como INVENTA a linguagem, de modo que não do qll~ se propót, como tudo o mais e principalmente na
fica assim algo lilenl e incompreenslvel; fica a coisa expressa. merdice da critica de arte e teorias vazias daqui (mesmo Jean
a fino, mais fOrle! E vai ser imporlame a tradução de citações C lay quando quer dizcr algo que eu disse a ele nada diz pois
suas e tudo o mais; ld coisas que se tornam ~ opoSto!:..mal não entendeu e tem uma linguagem não-iovenriva). cRfTlco
feitas e é imoorrante que na língua inglesa das expressem o ou I! DA roSIÇÁO DE ARTISTA OU NÃO I!. Como já dizia o
original. principalmemc cm relação a você. Aquela Indução Nierzsche há cem anos: como pode uma COISA MAIOR ser
que faziam de Nostalgia do corpo para Mmalgia of th~ body é reduúda a UMA MENOR - da descoberta/invenção do artina
uma burrice.- (foi a Mary?) c quer dizer o opoStO; traduzi como às mesquinharias idiossincr:hiClsdo especrador que não existc
úmgillgfor th~ body. que ~ o que~; nostalgia cm inglês signi- mais. Quem vive o que você propõe e dá ou "iwou nlio vivt:,
fica perda do que passou vivido como perda e não a d~lCob~r­ - - ) mas nunca fica na posição de "assistir" como de fora! Vo)<!'urs
ta do corpo; pode parecer burocncia e academicismo insistir da anel Pior que a pior das inutilidades; eu e a PRIMA nada
nisso mas não é! I:. um ~onto de comunicaéo imporia me' temos com isso! Pertencemos a OUlra raça: voeI! I!OlITRA RAÇA!
jogar no mundo e traduzir INVENTANDO para O inglês ~ um Lygia, pensei em anexar aqui página ou páginas com pen-
passo de bota de sete l~guas para urna comunicação lOtaI na samentos que me vtm com os seus argumentos na sua ca rta;
arualidade; assim como a linguagem nesses relatos, assim como não pense que esses pensamentos sejam "interpretação" mi-
duvidar da linguagem e dos coneeilOs dados e INVENTÁ- lOS. nha de seus pontos de vista, pelo contrário, suas palavras já
De outro jeito, de que adianta escrever e falar? Lygia lhe digo o são, e pra mim e pra nós tudo o que ~ "illlerpretativo" já
uma coisa, um segredo; ludo o que em um ano acumulei de era! relo conldrio, porquc o que me leva a detcrminados
revelação e de escrita par:1 ess.. publicação, sinto assim como pensamentos ~ o que voct desencadeou e não o que você
J

228· C ..... T ... S • 229


tt éllo Oítlclc .. 11 ., . 19'4

disse ou ~ cm essência; isso me fascina; sinfo que a fn.gmcn- Eu mudei muitoi sar dessa droga de emprego em que estava
ração que me ocorre é BEM TRIVIAL; sin lo-me UCNlN e isso me há dois anos e vivo de ;!Venturas e j~ vou pra 37, meio da
define c ategra; sinto você algo bem difer~ n(c mas que adoro: vida, de 1937 a 37, e não suporto nada que me tenha que
SUBLIME, como que nulo o que de grávido da sensibi lidade dividir em dois tipos de comportamento; morri duas. vezes
feminina estivesse expresso t:io fone quanro uma rocha mas- em maio e renasci mais eu: ADULTO ENFIM. Como diz a
culi na: você nao é "oum mal como UM DEUS; como descobri Gr:.RTRUOE STEIN (TIlE MAKlNGOFAMERlCANS), sentir-se criança
para ROMERO (depois COlHO quem é, estamos no terceiro :110 ou velho sente-se perda. ADULlO ~ sentir-se jovem: ~u e ROMERO
de Ira gédia grega cdipi:ma) que de é UM DEUS c, por isso, (a quem adoro mais que tudo e isso sem depender dire(.J-
SUBLIME c que só pode ser abordado nessa esfera c não por mente de soco; há scxq. ~ daro. mas a me~ coisa tem
mcdi&u de julgarncnfos CSlbicos que são privi légios do es- que ser relativa; é superior, relação de trag~dia grega; ROMERO-
pectador que ;:1 era: o que /lOS une c nos separa é justamente ROMANO bem fuz jus ao paganismo da descendência de no-
essa parecença, se bem que: tão longe, cnrrc CLOWNc UM DEUS breza italiana; CAVALCANTI imagine! Sem culpa. sem cristia-
(vej;a bem, UM DEUS não é o mesmo que: DEUS, pleme!). Isso nismos baratos. Depois de uma crise de vida-morte em que
me alegra c me alivia pois dá, ou melhor, me d:t a liberdade ele ao mesmo tempo que se sentia alrardo a mim tinha medo
de Irivialiur e não ter receio em dissemclhar dos seus pOntOS / de que eu me revelasse o pai castrador de repeme - então
(pOntOS IOl:Iis e não "poruos de vista~) e me f'az d etectar coi- era ::r.ssim de: beijos com a faca proma par.a dar no momemo
sas no ar que importam demais como INVENÇAO; nisso meu certo, como quem dá e nio dá - , houve lI lgo enlao louqufs-
entusiasmo cada vez que confronto com você e suas id~ias simo que foi a única maneira de eu superar isso: chegamos 3
(mais que id~ias, perdoe-me o lermo) e ludo o mais. vivência (Ie que EU SOU ELE e VlCE-VEII.SA: ROMERO cstá ent30
Meu amor, acho que seria maravilhoso e enriquecedor se f.uendo uma experiência dire[a em que ELE sou EU!!!!!!). Nunca
nos encontrássemos nem que por um mês como o foi com o vi nada tão pesado; se cu resistir até o quinto ato será uma
Guy; só que descobri algo tão eS!r<lnho: Guy volta pra lngla- vitória sohre o OESTINO, ha ha! Só vendo você posso dar a
lerra e parece que voha atds sem absorver O que experimen- medida de lUdo isso. ROMERO. de beleu inigualável, um DEUS
tou; afinal elecsreve cinco meses na BOLrVlA, PERU. ARGI'..NTlNA, ROMANO d e 2 1 anos, de COI'ACABANA c que se isola. SÓ. a ler o
rARAGUAI (principalmente nos ANDES) e um mês aqui nos Ni- que lhe dei. a ponto de o superintendente do ediflcio o cha-
nJ,OI e de repenle, sei l~; LONDRES ~ uma verdadeirJ arnpuca! IllU de eremita, e que me diz um dia: "Sabe H ~lio, hoje eu

I
230 • CAJlTAS • 23 1
1I "' lioOiticic ...

estava triste e chord, mas chorei sem l:igrimas". Não é de- Na tal página falo mais sobre isso pois foi através disso que
mais? I! um gênio, adoro-o; nas fotos que F.rl.emos de não é descobrimos que EU sou El.E (ROMERO e EU) e isso pode dar
H
"modelo ele é tão criador quamo eu, transfiguração de algo
;
uma porçao de detalhes novos, sei l:i! Assim como maconha
não-nardsico: ROMERO é o tlpico herói tdgico, aquele que tribaliza e a PRIMA isola, os INCAS eram fone; na individua-
assume o destino em todos os seus pesos terrlveis sem consu- lidade e sucumbiram aos ES I'ANIIOIS porque estes eram
mir-se em narcisismos e, ao mesmo tempo, I>ossuidorda maior ESI'AR1~NOS (unidos em irmandade masculina para guerrear);
beleza que j:l: vi num homem! Não se trata de identillcaÇio para mim a coisa I'RlMA-INCA é o futuro; a coisa ESPARTANA, o
minha como uma retomada da adolescência; ROMERO aos 2 1 passado. Chega dessa merda de diluir a individualidade para
é tão peso pesado quanto eu nos meus 37: EU sou El.E, por de fortalecer a massa : igualar, (fatar a massa como individua-
também vivi e enlendi porque sexo tem que ser apenas u ma lidade. que loucura! Milenar!!!!
parte relativa e não absoluta nisso tudo, inclusive muranre, NEVIl.U:, como eu disse em outra, fi cou muito impressio-
de várias caras. ROMERo-ROMANO que não sua suor de traba- nado com você no filme que EDUARDO fez: e disse que o que
lhador nem de classes médiafp. burg.fburg.: éUM DEUS. COMO EDUARDO fex mesmo de bom foi deixar sua fa la livre e ir le*
voclõ. Não, meu amor, não estou megaloman laco mas sei o vando com ela: NEvlLLE c JÚUO BRESSANE sâo duas pessoas
que é UM e o que é awragt (média). que você deve conhecer; eu os adoro;JúuO, que eu nao via há
Por isso queria lhe dizer, j:i que voâ fa lou na sua expe- algum tempo, quando enllOU aqui parecia que o Sol eslava
riência da Úlbtra CQ!ttilHl, algo que talve'Z nem se aproxime entrando: inteligência máxima que se possa imagina r; eles
dela mas que se Irafa de corpo-cabeça. lhe am:1I11 sem a conhecer.
Com ROMERo-Fm'Os descobri algo: a Capa parangoU
revela a ambivalênda e depois a muhivalênda en tre o IlU e o
vts/ido: CAPA e CORPO são um, mas o adorno da cabeça elimina
o co nceito d e nude'Z mesmo que a pessoa esteja nua, porqllt o
adomo da cabtra rt!WÚl ti INDIVID/JAUDADE; a cabeça é UM e
o corpo, UM ENTRE OUTROS; a descoberta do CORPO tribaliza ao
mesmo tempo que se reconhece; a cabeça não, da é UM, no
seu caso da COLET1VA isso se torna mais profundo e engravida.

232 • CAPTAS
· 233
Hêlio Oitlclca

N.Y. /0.10.1974 você bem sabe: ORASll é o maior corra-ban.to que existe; um
copo de leite, corra qualquer onda, menos :li nossa é claro!
Nunca vi ralUa burrice e vulgaridade. por isso prefiro pensar
em você e am~-I:I e fascinar-me com rudo o que você é ~ que
Sufre da carta de 11 jul. 74: LYGIA: esta primeiro c a oUlra nada tem a ver com aquilo: EXEMPLO DA EXCEÇAO! E cada vez
depois; sei U, como quiser. !:. que pra mim foi tão imporc:IOlc menos gente contaclO por lá: IRMAos CAMpoS são dos poucos
receber sua caml que aquda cm julho explodiu c a meu ver e d e nível que sabemos e escrevi longõlmente sobre você e
diz coisas que acho importantes (pra mim) mas muita coisa tudo o que me veio com sua cana, sopro virai, Ião diferellle
pula e se apresenfa simultânea em delírio; cu na-as. Ê 'lue a da morna complacência brasileira de banho de bidêj d:1-
$UELY apareceu c o pouco que conversamos (tinha mui". me arrepios sequer pensar naquilo tudo. Pensemos em nós
gente) deu para ver que é inteligente c muito Icg31, espero en lão:
f.11ar com ela amanhã pelo fone; c espero que dê: pra da ICv:lr I) I-U algo que lhe quero d izer: não sei se p rop us algo
essas carIas (que: são uma) c: talvez cm exemplar de algo ql1e louco e impossível mas creio que não. Tr:lla-se de que a
fiz pra vender no BRASIL mas que cm nada deu, como lUdo o GUGGENIIEIM me escreveu cana-pedido especia l para indica r
mais naquela bosta; nada de Ião importante: mas curti f.uer: nomes (como sempre f;lzem) parn bolsas; SÓ q ue nesse ano,
chamo FOTO-RECORD c seriam assim carlóes de: (oto c/ou de 1975, como comemorarão 50 anos, querem !ista que seja
poema e/ou escrito que fossem, que seriam editados cm cem especial e que esses nomes sejam nomes que eu co nsidere
com vinte CXIr.IS (o se:u se:r~ um dos extras); o material desse excepcionais. \~!I, senli que querem f.ner exceções às regras
modo edirado não o seria de ouuo, islO é, não sai ria no livro bem ridb.las d e limil3ção de idade, elc. (o que pode ocor-
Oll outra forma de publicação. \~II, Lufs [3UARQUE" não se rer); por isso resolvi indicar o seu e expor a eles ;IS razões: a
interessou e a meu ver 050 vejo por que não poderia ser ven- principal seria não SÓ por ludo o que você é, elC., e[c., mas
d.lvel; fodam -se; prefiro deixar de pensar no BRASIL e se o fi"., como se tcata de omissão absurda das listas deles nesses anos
b;ueado em venda por U, é pelo simples f'3to de que posso que passaram; bom argumenlO e sei que vão considerar bas-
cobra r muiro mais pelo meu nome e outras merdinhas mais tanle; n3 0 sei de seu inlere$SC por isso. mas quero lhe comu-
e seria um modo de repartir tudo com ROM[RO de modo que nicar parJ que você considere desde j:1; nada ma is ridfculo e
ele veja que pode: e: vai faturar com o que f.llemos; mas, como absurdo do que levar em COlHa idade ou anos a mais depo~

• 235
• H"ll o Oiticic ..
10.10"91·'

superior a lUdo que j~ vi é IVORY GIRl (que quer dizer GAROTA


de um limite quando se pensa cm ... oc~; isso disse a des e
DE MARFIM e é nome-Ilogan de um sabão de roupa em pó que
tambtm que: jamais considerarei lista alguma de imporrãncia
'Taz o branco fic .. r mais br.mco~ daqui).
que não inclua seu nome; pon~nlO, ar eS[~j o problema é que
Duna que recebi é DIAMANTES DE CAROL Ci IAN.NING
as aplicaçóa que enviarem têm prazo c devem ser feitas de
(CAROl. CIIANNING é uma comediame e lhow-womflll famo-
modo simples mas preciso: de preferência bem traduúdas para
slssima, mais na BRODWAYque no cinema; no metrÔ e em ou-
inglês c que dêem a medida do que você está dizendo; :Hcn .
tros lug:Hes h:l fOlOS dela .«:mpre com diamantes no pescoço
ção quanto a isso, porta n to! Se lhe interessa, é claro. ~ que:
e pulsos e ela diz: ~Depois de meus diamantes meus melhores
detesto rc'ccbcr propostas fota de: hora c por isso fi co sempre M
amigos são as NEW YORK BETS (AreSTAS NEW YORI<:, iSlo é, II
cm dúvida, sabe como é? ou esperar algo que acaba falhando,
o rganiz:.ação de jogo legalizado que rem muitas lojas aqui), e a
mas já estamos escalados nisso c a coisa. fica assim. ok?
ra"Úo pela qual dd esse nome é que a coisa ern d e qualidade e
2) São umas 7h 15min da manhã c estou desde 211 da rar-
cl1eia de brilhos mas fica -se sem s:lber.«: são falsos ou verda-
de movendo-me; hoje lUdo foi ó, imo c resolvi impasses des-
deiros, assim como com os f.lmosos d i:lmames dos amíncios;
ses dias passados; essas duas semanas foram de: nem cá nem 1.1
OUfrn era FANTASIA rARA o BAFO DA ONÇA: ~ que a pele d a onça
c tive: que solucionar mil e um probleminhas de dinheiro,
é malhada m:IS ma1l1ada l amb~m significa OUfra coisa nas gl-
etc. Mil loucuras que não posso dizer aqui; tudo legal por~m;
rias brasileims e nem é preciso explicar aq ui; IIXII, rrivialidades
legal no ilegal, morou? Estava quase falido e fiz basta nu::
e falr;l do que f";lu:r que me agradam e me fau:m qucrer con-
cm poucos dias (como .«:mpre): coisas de NEW YORKe impos-
tar. Adoro brinClr com o que não se brinca e C:lgar cada vez
s{veis de serem comenfadas por escrito; e eSlou hoje experi-
mais em tudo que possa advir de censurável ou recluso sobre
mentando um novo vesrido de baile da rRIMA (veja na cana
o assunlO; hojc EU SOU O DONO c, porr:lnlO, conselhos c palpi-
de II jul. p. loque é a PRIMA) que, como de costume co-
les escarro fomo Você: j:l. reruou como scrnp re nos aconse-
migo, ~ de qualidade superior e íncompadvel (não me passo
lham quando n50 precisamos? Como se a quere r co rrar o que
por menos!). Dou sempre uns nOlllcs e sei que você: vai
a duras penas conquisl:lmos e que nos damos de prazer? Como
curtir; por exemplo: um dia aparecernm com algo que de-
se j;I não nos baslassem nossas turras inreriores e lUdo o ma is
nominei NEM ruDO Q RELUZ ~ OURO porque o brilho de paelê:
qlle f.1Zemos crescer elc.! Um.1 coisa p:Ha mim se IOrnou
neS5e caso náo se'" bem do puro m:u de algo acrescentado
imponanle e adquiri: qU:lndo algo que fJço 0 11 :t que chego
{entende?}; essa nova, que ~ do melhor pano do mundo, é
com JOY (que é AIEGRIMI'RAZ.[R, uma espécie de combinaç~o
NEVES DE Kn.IMANJARO; uma oUlra do mh pasudo .. inda
• 237
236· C ... RT ... .
10,10, ' 911
lI 4: lIo orliere ..
dos dois num sentido maior) sofre um cOnlra ou ~ tido/vistoJ
apar~ee (para mim) no eontexro-música-ROCK h oj~: isso por-
vivido por oum:rn de modo menor ou moralisl:l; wrll, afaslo
que não que seja ele ROCK (não o~) mas porqu~ ROCK~ o que
c ceneiramclllc boto fora de meu alcance, não (';IÇO o jogo! ~
abarcou e (~z música irr~verslvel, isto~, ROCK~ ROCKe (como
a única defesa e :lIaquc posslveis, c disso goslO e cuno! Que o
o f~z a VALSA no começo do s~cu lo passàdo depois d e

.........
mc:nor permaneça no seu domlnio menor!
introduzida por NAPOI.EÁO) instaurou algo que não tem nada
3) Seg. 14 OUI., mad ru gada. São cinco prõU cinco da ma-
que ver com um "gênero de dança ou música ~em que as-
M

nhã, depois do tc:lcfoncma de domingo 11 noite; ai era j:l hoje


c~nde ou desc~llde com o lem]lO: ~ DIINÇA e SOM sem o rirual
(uma c tanto) c aqui quase: 9 da noitej resolvemos telefonar c

.........
e qu~ prescind~ da iniciação e que abole o que era a Mmúsica
voltamos para assistir a um especial de SINATRA rui TV (do
loc:al" de palses-terrinha cle. E de ludo o que desse absurdo
MAOISON SQ. GAROEN) q ue foi uma loucura. SIN ATRA co mi-
(o inleress~ d e o uvir/ver esse Il10w d ~ SINATRA) emerge co mo
nua o gên io do frascado pcrfdlo c surprttndcnlcmcntc invc=n-
de illleresse ~: a) a surpreendenle qualidade do "cm dia do
M

lado; a aparência dele nada tem a vc=r co m o frescor da voz c

.........
(raSC'ado no diurlquebr,oIf pausas das palavras; b) a rclaçao
na aparência de é algo cOl.ido demais c d cmon b.co _ mis-
entrc a aparência desl10wman demon{aco. MÁFIA-wino de blac/r
!Ura de polhico corruplo (mas s~ m a "(alta d~ imaginaçao"
li~ c a limpC'Z.:l d:1 voz; c a meu vcr essas duas já baSlam para
g~ral d o lipo) com W;1I0 d o 1l0000ERY (wino ~ um t ~ rm o usado
ler razão de ser essa de medir ver isso e viver eOllleXlo-ROCK; ~

.........
aqui para akoólalm d~ rua: II/in~ - vinho usad o como ad-
isso nada tem a ver com o que chamam "nostalgia" (cm inglês)
jetivo ao SC'r lrocado ~ por o: a lgu~ m qu~ loma vinho mas
porque essa "nosralgia para nós ~ impossível exisli r e, po r-
M

que, sendo glria , foi mesmo criado e ficou como a l gll ~m que
tanto, irrelevallle, nãO-ROCK.
caiu alcoólico c mais por tudo que SC' sabe do qu~ por ~tomar
4) Mas na v~rdade o qu~ qu~ro diz~r mais ~ sobre o
vin ho". \Vt:II, só sei que 1\30 (oi essa de ver ou r~ver SrNIITRII
quanto foi bom ~ gra tifica nt e falar hoje com você. por tudo o
como se fora assim lima de ~xO!ismo de "r~ver" astros ele. Eu
que sabemos. por falarmos pouco ~ ser muito, ~ pela atitude
na verdade não adorava SINIITRII como S~ fora algo essencial
e id~ia da SUELY que ~ não só ilHeligent~ como supercria riva
(HENDRIX ou STONES , por exemplo); a coisa (oi mais como

......
e que vê muito do que ~ mesmo MAIOR e VIVO em tudo o que
algo que, d~ Irivial qu~ seja (ver especial d~ SINIITRA), não
acontece e se passa hojel ~ vocêlinv~n li vi dade ~ rudo o mais;
deixa d~ ser uma esp~cie de absurdidade (cita de eontradiçócs
t~m sido 61imo conversa r e esur com ela; l'anlO que o tempo
do qu~ ~ vivo-atual: SrNATRA que se eonh~ee/SINATRA como
parecc ser sempre CUrlO, e ainda mais porque, mesmo tendo
I
238 · CA"'YA&
, 239
!

" '
i

.
10.10.1914
"'" H é li o OhlclciI

sorte de encontrar pessoas que valham a pena, não é todo dia versarller/vercenascoisas é necesdrio tempo; além disso ~nso
que se tem oportunidade de encontrare abordarcenos assun- em propor coisas; não se trata mais dessa me:rda de Uanistas
tos: com da isso se tcm dado e por isso ludo estou Ião aceso:
trabalhando conjun tamente"; mais um mot ivo de: p/a} IN~
isso numa época em que não me eSlava sentindo Ião aceso e I CORI'ORAR:
" í aberto para geme/coisas no que se refc re ~ criatividade e aspi-
e: a própria possibilidade de: sua presença aqui
[I, ' ração ao NOVO, c isso tem sido muito legal e muito nosso: e
e:ngravida OUlras possibilidades; e minha cuca começa a inchar,
[I ~ ainda surpreendente o que para mim su rge de grande c de su-
porque pra mim pia, e: INVENçAO nascem muito assim; n50
prema vila lidade cJoydo que vem de voc~ cm lUdo o que vo-
r" ~ cê IYFAZ-SE: c que talvez encon trar-nos seja pretexto não só de
de mood. não de "vonrade de: Faze:r algo"; o fugI/irar te:m
[I, -'. fun ção ent ão: mgravidA;e nada tem a ver com o que: a R EGI NA70
um fel iz enco nrro (delC~Sto dizer rt-encontro, com a geme
diz d e: "a h. mas a minha Famosa pregu iça (dela)": preguiça e
[I, -" não pode haver Tts!) como um modo de medir c conhecer
irrc:sponsabilidade são im portantes mas se são de:menros de
(-nos) coisas elc.:
[I,'. engravidamemo e jamais "pa usas pra medi ração"! Isso a meu
e SUF.I.Y me diz da possibilidade d e vocês
r,' ~ virem no NATAl., o que me alegra ainda mais do que esperar
ver é u m pomo que: se: R EGINA não resolver ou não chegar a
[I, . "-- supel1lr da vai se atrapal har IOda e: parar pelo meio; a meu ver
aré a PÁSCOA, se bem que eu nunca espere nada; quando a
gen te vê já eslá lá: sua inOuência pode sa l v~-Ia no sem ido d e: que da tem possi -
"-- e desde j~ envio mil beijos e p2raWns de an i ~ bilidades e idéias inicialmente boas mas entra d e rcpcnle uma
r~ verd rio pdo dia 23, ROMERO f:u. 22 dia 22; dois SCORPIOS na f.,lta de confiança nda mc:sma e uma barreira psicol6gica que
I ~"'-- minha vida! Mas não esqueçam de que sou lEO; nasci no mes~ a CaSII1IIll . na feilUra ou no ~borar em prática" do que quer, e
. " mo dia que MICK JAGCER e a REV. CUIlANA e tenho 501. asccn~ isso sabemos que é faral, assim como por exemplo: da esd.
deme e LUA em l'I!iCES: lirando fOlos e ao mesmo tempo diz assim: "5e r~ que vai sair?".
JJI!(IIiJ! mas outras mais pesadas você vai Loucura! Eu nunca rirei falOS que não rivesse certeza de que
saber aqui quando lhe mOStrar algumas coisas: iriam sair. a não ser que: haja um acidellle e que el1 ve:ja e:ntão
!!!!mas: que: por isso não vão sair, mas é daro que se a luz esd. ce:rra e:
pena o filme: na m~quina e tudo o mais. eu ve:jo e: SEI que vão sair;
que SUElV renha resolvido volrar antes do que decidi ra; ia na você imagina os gritos que eu não dou quando c:la em ite:

,
qua rla , vai na terça, 10ucul1ls de oUlubro! Po rque pra con~ dúvidas desse lipo! Não en tendo e sei que é grave; pode-se ser,
240 - CAIITA S
• 24 t
. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .U).IO·'974
.
Hélio Oitlo::lea

incompetente em tudo na vida, excelO quanto ao que f.nemos! como diz NEVILlE, todo mundo quer ser TURIstO SANTOS:
Nisso nunca! Outr.! vez NIETZSCllEéquem diz magistralmente concertista ~sério"; odeio. CAETANO é o único que pode viver
que o artista nunca é "pessimisrn" pois mesmo na crise ele rodeado de merda e sobreviver; mesmo assim a rc:lação dc:le
s6 diz SIM, e a vida e a atividade dele e o rtrrllltl são abor- com "platéias" está deteriorando e há umas duas semanas pa-
dados numa variação de SIMS (ou SINS) longe de perdas e rece que houve um terceiro atrito e o show acabou na estréia:
antantÍJummt, claro que isso mdo tem um mundo de lados e CAETANO dando bananas e insultando a platéia que já está
discussões; quero apenas dar assim essa do alto bem super- evidentemente motivada para agredr-Io. t. a terceira vez num
ficial enquanto an"lise, pois é o ,\ue me atinge mais de ime- ano; acho isso j;rave; ele deve viajar: estão mimados e estraga-
diato quanto a REGIN .... GOStO muito daquela coisa do uxo-- dos e acreditam em "eslrc:lismos" ou assumem isso em vez de
wxo e mostrei a eb como coloC"Ar o carrão no correio e pedir brincar com a coisa; já M ... UTNER, que é péssimo escritor, é
aquele xérox de volta tem a ver com ~ jogar no lixo", "jogar ótimo letrista e não teme o ridículo; pelo contrário, usa-o
para proveilO positivo do que f.u: é palhaço, bobo de corre,
fora", só que aqui nesse caso submetido a um cie/o dt
talva seja o ,inico que tente experimentar com o role de
rtCorrl"úa: jogar fora (colocar 110 rorrt;o) pam uubu dt volta;
p~rform~r e com o t1p~tdculo (ro/~ é derivado do francês rô/~ e
mas ela teria que leva r isso a conseqüências últimas (se é que
que jamais traduro, pois "desempenho" ou "paper não dizem
estas existem, porque cada conseqUência ger.t outra; vide a
cena; o mesmo com p~rformu que jamais seria só "ator",
sua eXperiência!) em vez de perdeNe em psicologismos e nes-
__ '" "concertista", e tem mais a ver com a origem da palavra do
sa necessidade de ter-se que afirmar e checar aUIO-aflrmação
~ francês arcaico: parfollrllir: "levar a cabo", "execurar" e que se
rodos os dias (o que me esgora a paciência!). Esta página é pra
liga a tudo o que tem a ver com tJp~tdrulo e é o polUo-chave,
terminar; adorei seu oferecimemo do toca-disco. Como
a meu ver, nas transformações que o sentido de tJp~/dcu'o
reco mpensá-Ia? Bolarei algo; é legal que você tenha gostado
vem a sofrer; isso, com outras coisas, tem-me ocupado e do-
do disco de M ...CALt; não ouvi também talvez com receio de
minado e é o que move esse livro meu e tudo o mais; por isso
não gosrnr cm e já que é a nós dedicado (!!) estou até hoje não me interessam os "bons" p(rform~n mas os que possam
adiando; ando bem desinteressado dos músicos brasileiros; s6 adngir a espinha dorsal desse problema; ROCK, etc.). Não sei
JORGE M"'UTNER me interessa e CAETANO pelas razões óbvias, até que ponto MAUTNER possa chegar. Como o BRASil é o
apesar de não saber o que fn; ouvi coisas de Gil chantrrimas, reino da diluição, quem pode prever a efickia de qualquer
supermoralisras e dando uma de pequeno-burguês culpado; coisa quanto ao contexto? Eu confesso que apesar de ter em
I

• 243
'0.10"9'"

projclo coisas espedficas para RIO e S.J.o PAULO. sequer ima- Parit, 6./ J. 1974
gino a possibilidade de le v~-las a cabo: continuo ullIado em
dinamite!:

,, .. RECORO
e o que havia de especia l envio depois: alai !'OTo-
e algo que quero fazer c n~o ld tempo de preparar J M(eu querido - Seu telefonema do dia 23 dt: outubro foi

,, (espero que SUEI.Y se adie!) de presente: aguarde! E lambtm


x~rox-PropoJifiio pra você que f32. pane do meu Orus .3 que
lenho que rder/checar c vou ver se segue; peço a você c SUF.I.Y
o m~ior prt:st:nle que poderia imaginar. Só que, !magine, t:S-
tava dopada com dois Mogadons e ainda um Ft:nergan por

,,
cauS:! da insônia, e tinha ainda an;ilise de manhã cedo. Nem
o máximo de reserva qualllO a esse malerial de Orus 3; é
pude comentar a sua maravilhosa c:nu. que é na realidade um
inédilO c do mesmo modo que fun ciona entre n6s. engra-
documelllo; e que documelllo! Tenho tanta cois:ll pal'2 te

,
vidando, pode fun cionar para atiçar o vampirismo mesqui-
contar que lico até bloqueada: an;ilise, além do tl'2balho,
nho alheio. c isso 3trJpalh .. lUdo no csdgio aluai; o que não
vivências alucinatóri:as de um mundo supel'2rcaico - isso
IN-CORI'ORA d esimcgrn; este OI'US 3 cm projclO é porranto

,,
desde o começo da mesma - e mil e um projelOs que d evo
xêrox do original (o "pfO;CIO delineado" o u "pro;clO I:IIlÇl-
realizar e ainda histórias, f;lbulas incríveis que criei na aná-
! do"); é virgem em proct:SSo de engravidamenlO: cuide dele
lise. Recriando a linguagem me vi explorando o fundo do
com SUElY (penso eu); lo nge d~s feras, até que dentes possam
morder; porque há um pomo em que a (Iesintegração não oceano, descobrindo IOdos os bichos que o habitam e, ao ver
-.) pooe mais desintegrar: ela foi IN-CORroRADA tambtm e isso um card ume de peixinhos, vivi-os como palavl'2s. A grande

,,í é bem outra coisa que não tem nada com "e t ernid~de":
mlltflbi'idad~ sim: r~(orr;llria:
Iwll: espero que SUElY come
mais e que lhe dê alguma medida do pouco que nos demos:
baleia apareceu em seguida, engolindo-os, tendo eu em se-
guida cscu tado o oorulho do jalO expelido por ela, que era a
linguagt:m formulada, tendo in corporado o cardume de
peixes-pabvras. Vivi rambém uma linda hislória na filse da

,, ok?:
e beijos e até já e j:l!
descoberta dos dois sexos, polarid.ldes que lodos nÓs temos.
Vivi t:SSiI fantasia deitada no divã. Vendo os dois pés comt:cei
a fabubr: numa colio;! ~ dirt:ita viviam cinco meninos e, sepa-
,, & 'Oll~ 'Oll~
'OOIl~
H élio
rad:u por um grande abismo, viviam cinco meninas na colina
2 cs'lut:rda. Eram crianças muito tristes por não poderem

, 244 · CA,IHA,S
• 245
6.11. 19'4

brincar jUntas devido ao abismo que as separava. Um dia o


Na fase da androginia gritava, chorava que queria ler
Grande Corpo se pôs de pé e as crianças assim puderam se
focar e se acariciar, brincando juntas, e ddiciadas descobri- seios do tamanho do Pio de Açúcar... E agora esmu começan-
ram que podiam and~ r juntas, embora com passos alterna- do e aceitando a minha chamada homoxessualidade; assumir
dos, quando o Grande Corpo se punha em movimenro. An- o homem que vem desta aceitação. O branco, que é a primeira
les, mui(Q no inicio da an~lise, me desapropriei de todos os vivência do corpo da criança, me deu alucinaç5es tais que at~
bicho~ que. havia incorporado em criança, desde a serpenfe o meu sislema solar foi recriado denlfO da mi':lha pr6pria
à :igma e alllda o polvo. Criei tamb~m culhões, e os senfia F.lIltasm:hica. Queria al~ arrancar os olhos de rama dor de-
que~les enue as minhas pernas. Uma manhã, muito regredida, pois de ter tido sonhos um atrás dos OUlras com o branco.
seml o colchão como um grande co rpo; o meu era o de um:1 At~ chegar o branco da neve que cega ... A grande vagina era a
c ria~ ça sem formas, o colchão absorveu os cu!hóes, o corpo abóbada do c~u. O mundo eslava p:lrado, metade n:l. luz e
arcaICO onde vivi incorporando quando criança Iodas as for- merade na sombra. O sol e a lua parados t-amb~m, a{~ que a
mas de corpos adulros. Vivi tamb~m mais tarde "a separação~ grande vagina começou a rer grandes o rgasmos, e ar a chuva
em relaçao ao corpo da mãe. Descobri <Iue este espaço fora que caiu sobre a Terra a pôs em movimenlo, o Sol e a Lua
por mim engolido por não poder suporrar a separação, es- começa ram a se movimenrar e 05 vulcões começaram a se
paço esse fundamenlal, pois ~ alrav~s (Icle que formulamos a abrir e rasgar o vel1ue do medo «Iue 110 fundo era eu mes-
criação, teccndo-o como pome com o mundo, e dar o porquê
ma); do fogo nasceram os homens c do lllar enormes pedaços
da sensação de vaúo e morte quando, a obra acabada. cal-
de corpos de mulher aparecenm, caberias de gelatina, se fa-
mos nesse espaço abismal, e lamb~m o orgasmo com goslo
zendo, se compondo: foi de amargar. Alé perdi o semido do
de morte ~ também o lecer esse vazio conSlruindo assim
equilíbrio e nada podia ver; rudo era movimenlo e eu tive
a jouiJfanu para depois cairmos dentro do mesmo. Não ~
medo de cair p:l.ra Ir.l.s como o mundo ...
infernal? E o movimento do pénis. que en lra e sai, confir-
Na fase &\ serpente, criei uma filbula: Um passarinho fez
mando assim a separação na ligação passivei entre dois seres
11m ninho num galho de uma ~rvore sem saber que a serpente
at~ a jouiuanrt tOlal. .. làmas descoberras que nem é passivei
rinha a toca do lado e foi passear. A serpente sai do seu ninho
I~ntar dar a medida de [lido. Um dia lerei que escrever um
livro onde essa an:ilise unifique arre, criaç:iio c vida numa s6 e apanha os dois ovos, entrando na minha vagina, que cha-
experiência. mei de toca, e faz os dois ov;lrios. O passarinho fez outro
ninho e botou mais dois ovos. A serpenre sai da minha vagi na
J
24e • C .o.RT.o.S
• 247
------------------~~--

e vai apanh~-Ios. O passarinho. que tinha dois bolsos. os co- parede. como disse ao Fedida. Ele acha que o mais incrfvc::l é
locou dentro (culhões), e começou a briga das duas serpen- que eu conservei a inflncia no corpo intacra. Acho que IOdos
tes, luta de vida ou mane; repare que o passarinho era j:l o nós que criamos somos isso e a diferença enlte nós e os
pe:nis com os dois culhões. Ar vi que eSlava de cabcÇd para psicóticos é que nós somos capazes de estentlermos a ponte
baixo e que as pernas esuvam para cima. Dei um saho e cal para O mundo comunicando. senão ... ai de nós! Por ai voce:
sentada. As pernas eram raizes da ~rvore da vida, 05 braços. vê que o meu trabalho é a minha própria fanra~mática que
galhos que a sustentavam; o burJco-vagina eSl'ava no chão e a dou ao outro, propondo que eles a limpem e a enriqueçam
cabeça era uma gigantesca copa de :lrvore cheia de abc::lhas. com as suas próprias fantasmáricas: enrio é uma baba
Nesta quase fui embora do real, o que não aconteceu devido antropofágica que vomito, que é engolida por eles e somada
ao grande suporte que é o meu analista, que se chama Fedi- às ranl'asmáticas dc:le:s vomitadas outra vez, somadas até as
da71 ... Quando formulei o abismo da separ:u;ão reelaborei o últimas conseqüi:ndas. Eis aí o que chamo de culrura viva. e
conceiro do dentro é o fora, passando a ser o fora é o dentro... náo cultura morra, que é a expressão no antigo suporte. E a
Em todos os pomos da minha análise meu trabalho se sociedade, que [elll medo do que é vivo pois é nccrofUica,
encaixa de urna maneira lotaI. isto é que me impressiona engole lUdo hoje porque tudo expresso no anrigo su porte esd
muilO. Na minha fase de auto-satisfação tirei do mcu prazcr irremediavelmente morlO. Ali~s, escrevemos, eu e o Bero. um
da vagina um mundo. Saíram seios, pe:nis. IOdas as histórias artigo sobre meu lrabalho e quando sai r e me mandarem a
infantis entraram pc::la grande porta me dando golOS incríveis revisla te mandarei uma fOlocópia. Começo a me sentir
até o real como um «ra". Sou ou fui uma obudüsc:xual. Mas dona de um saber; isso depois de ter elaborado minha toda
o meu processo, que é todo erótico, é uma passagem para o poderosa vitalidade que, no fundo, era a afirmaçio da minha
meu inter-relacionamento com o real e, além disto, para a impote:ncia ao extremo. Estou procurando descobrir o segre-
cosmogonia. ProcC5SO mais t9ntrico que ocidental. Meu cor- do da mulher e depois vir~ o homem. Esrou lendo um livro
po se abriu cm IOdos os seus lados. salram cachoeiras da mi- maravilhoso, A forl4/~za vazia, e me convidaram para traba-
nha barriga. me virei pelo avesso, meu derri~re ficou em carne lhar com crianças autistas, o que farei, embora com muito
viva. vi e senti que a criança é erÓtica em IOdo o seu corpo. medo. Veremos o que poderei fazer lá com o meu material. A
Tudo é libido, rudo é sensaçáo. Vivi a palavra até a sua última Ctbeça (o/~ti/J4 será Ião grande que cobrirá a cabeça do ho-
regressão e aI a rtud'abúlle voltou. Era I»ter com a cabeça na mem desde: os ombros. Será feita de plástico, mas as partes
J
248 'CARTAS • 249
6.11.1914

que se abriria serão de um m:ucrial que se I'llsga c cola cm é bdo como um romano. A apa que de veste {em outro
seguida. o que dará uma boa vivência p;!,ra quem a (ru na esprri(O que o Pa1'lwgolt. A meu ver é a nudez. vestida; o pro-
cabeça. Depois de esvaziada, abrc-.sc como um (ruto c aí ncs- blema me auai, mas as outr::as tinham a meu ver uma força de
\ se espaço é que sairão as palavrAs-frases sobre o corpo. E :. uma cabeça de Boccioni ou de um rinoceronte. I! natur::al que
~ vc::rdadcir:a obeça do homem ressurge do saber. A geografia lenha essa prcfer€ncia pcl::a organicidade, que sempre me P2-
do corpo serão macacócs de v~rias cores, costurados cm vá- n:ccu muito imp0rl2nte. A reviS[a me p2receu muito ooniGlo
rios Sl::nliclos, c rodos se vcslirão inlerligados; acho que nesse demais, me lembr::ando o século passado, pagin:ida com um
_\ trabalho a cor toma corpo, oquc é importante para mim. No gr::ande estelicismo ... Quanto à músic:a popular, aiud2 gosto
;:J jardim colclivo, toca cheia de nores, os braços das pessoas muito do Macalé, do Milton Nascimento e do Nan:i. Cae-
emergem cnne as mesmas. locando-as. c .se se encontrarem tano está muiro decadellle. Vi o seu show e não gostei nada.
podem se dar um bom-dia, o que será lima boa gago Agora Ele não d:i par2 palco; é intimista, mas m~mo as suas Imi-
CSIOU com vontade de fazer outra coisa, voltando ao SUpOrlc. sicas estão muito sem viralid::ade. O resto é par::a se comentar
Passo pra mls, não sei, mas é importante nc:ste momento. devagar. Suely ficou encan tada com você. Você está com um
Um quadrado de papelão fr.lzcndo os I~bios sexuais da mu- fi1-clubeque niio é brincadeira: Regin::a Cris, que não conheço,
lher recorlados. Descobre-se o mesmo e aparece uma vagina Flamarion, se lembra dele~ Aqui está e ficou encanGlodo com
fechada. Abre-se com os dedos, :Iparecendo a vagina na ca- sua cana p:lr::a mim. Não mostrei para ninguém o documen-
mada de baixo, mais aberta, e continua-se abrindo a mesllla to seu, aliás nem para o Mário, e nem sei se posso; diga-me
até o flm para ver o que cst:i por baixo de tudo; viola-se a na próxima carta se o posso fazer. Como sempre, Pedrosa está
mulher com os dedos na medida em que se quer ler (não tem muilO inleressado em voc€.
palavras) ou melhor, descobrir o mistério da mulher. Gosta- Acho excc!enle a sua proposição:
ria de fazer isso com outrou partes do corpo e depois com o
Lygia Clark:
homem também. t. a fantasmádca do co rpo, ali:is, o que me
Veremos no que vai dar. Qu::anto às su::as Proposiçõcs ::ain-
inreressa, e não o corpo em si.
d::a não as li intcir.u, pois lué 2 sua cana é tão densa que levei
(Ii::as par::a conseguir lê-Ia. Vi na rcvisl'3. Pó/m uma bellssima Fiquei muito comovid::a qu::anro à oUlra pane em que você
me cira no seu xérox. Acho que a nossa "separação" roi im-


carla sua para o Waly, e vi também o relrato do Romero, que

2!S O • C ... R T ... . • 2~'

--
. . . . . . . ~YJ:"I.a Clark
6.11.1914
porrantlssima para ambos. Depois do começo do seu Parango/i
e do meu sobre o corpo, ]:tela primeira vez acho que você '\) camos de pé e a balançamos de um lado para o outro, bem
me d;l uma autonomi:.l que no fundo é a sua própria. Encon- devagar, e depois a rodamos até que eb perca virtualmente
[rarmo-nos :.Igora seria algo de muilo rico, mas não sei quan- lodo o sentido do espaço. Em seguida a colo.?mos nos om-
do aí poderei ir. QualHo 11 Bolsa Guggenheim, acho que não bros (ombro tem h?), e salmos com ela cantando improvisa-
terei chance alguma. Já me disseram não, há anos, e agora do. Depois a colocamos em pé e começa-se o dlvoiJrmml.
que eS[Qu com uma his[ória maior ainda seria um milagre. or:amos um pequeno pedaço do jornal que tampa~lhe os olhos
Terei que terminar essa minha an~lise, que é profunda de- e o primd ro. em geral, eslá fechado. Depois de tirar o segun-
mais para ser abandonada, e quando isso acontecem, não sei, do a despimos do papel e pedimos o vim. Um africano que
ralvez. ,ué o fim do ano. Ar poderia me engajar numa ou[ra era feio e se sentia rejeitado ficou doente da vesícula para
avelHura em ou tro país... Quan[o ao papel do crírico, estou esapar de ser rejeitado outra velo. Consegui depois disso
com você: ou a crialivid:lde tem pensamento c dilo ludo ou embalá-lo e ele deu o depoimento mais ~ncrível que possas
nada é, por isso que o critico só pode se expressar ainda atra- imaginar. Disse-nos que no momento em que estava sendo
vés da cultura mona, onde IJá o objeto-arte, mas agora é im - embalado ele pensava que era por uma tribo de canibais bra-
possível. No meu trabalho exis[em duas coisas importantes. sileira (assumiu o meu canibal ismo) e que seria levado como
Meu depoimento e, talvC"L mais :linda, o depoimento das pes- num ritual para ser mono e comido pela tribo, grupo. Equan-
soas que vivem a experiência e a suite de toda uma maturação do escutava o canlo do grupo (que aliás parece sempre com
ou desbloqueio que lIs vezes consigo lh es dar. Ah! ... houve Varese), eram grilOS de guerra que ele escutava. E quando o
um enorme mal-entendido no telefone. Niío tenho dois toca- colocamos no chão ele deu uma grande risada arues de ser
discos; o que te ofe reci foi o disco do Macalé, que tenho cm dlooill, porque pensou que 'amos colocá-lo de cabeça para
dOIlb/r... Ando sem dinheiro algum. O inventário do meu pai baixo e, quando viu que estava de pé, embora embalado, teve
não sai; é a merda 10t:l1. M.u se [ivessc dois um seria seu, ism o maior JOlllagt!/IIml da sua vida; estava vivo, inteiro, elc. Isso
posso te assegurar! rudo porque ele se sentia tão agressivo contra o grupo que ele
Tenho na So rbonne uma oUlra experiência que gosraria transferiu para o mesmo esta agressividade! Esse mesmo cara
~ de [e comun icar. Deita-se um:1 pessoa do grupo no chão c a que fel. a experiência de descobrir o roSto com as mãos (pro-
embrulhamos num jornal da cabeça aos pés. Depois a colo- posição sem ohje[os) e se viu nos olhos de uma menina fran-
cesa teve um surto de loult-puissanct. C hamou esse espaçoJde
2 5 2 ' CAR TA S
• 2 $3
6.11.1911
. . . . . . ~Y,i... Cluk

"espaço branco" t: disse qut: antcs de viver isso ele nunca olha- têm v~rios instrumentos para se expressarem e eu nlio tenho
va as pessoas no melrô: baixava os olhos, andava sem pre de nenhum, e é na medida que a proposiçlio emerge que o ins-
cabeça baixa na rua, era o último dos alunos, ficando :más trumento tem que ser invetlt:ulo, e dai a minha impossi-
nas sa las de aulas, e nunca havia fodido uma branca como as bilidade de escreva bem, de fazer cinema ali Olllras coisas
negras da sua tribo. Ora, depois dessa experi~ncia ele come- bacanas. Você: escreve maravilhosarncntc e isso cu acho fun-
çou a olhar as pessoas nos ollJOs, passou para a primeira fila damel1l;tl, pois se a :me acabou, no senrido plástic,?, você su-
nas aulas, discutia as matérias todas e possuiu uma mulher pre essa perda arravés da escrira, que é poétic;t, crlrica, criado-
branca com a mesma violê:ncia e excitação quc tinha na sua ra e tudo o mais, Dcus meu! Te escrcvi tanm, mas cxistem
tribo na África. Não é espantoso? Às vezes desbloqueio gente mais mil coisas para te dittr, e vou reorando até acabar a
em uma experiê:ncia e, às veZC$, é preciso de mais Icmpo. Havia greve do correio que jj está na sua quarta semana.
pensado antcs dc fazer esta psicanálise em me tornar analist:l,
mas agora quero cominuar na "fronteira", pois é isso que sou
e não adiama querer ser menos fromeira. Assumir-se; e quan- /J./J./914
do pcnso nos anos que aqui passei em quc não I, avia esses
jovens com quem tnbalho o ano todo - pensei no suicídio
corno uma opção, pois sabia que rinha uma prol>osição viva Soube de lUdo que te acont(:Ceu. Como é que vod: vai r.l1er
mas não sabia como cOlllunid-Ia ... trinquci dcnres de soli- para continuar a viver aí? Espero que me tdefones, mas não
dão c depois, vindo à Soroonne, achci a maneira cena que muito tarde da noite, e me conte como eSI~s depois de tudo
enriquece me dando (Ie volt;t através da elaboração deles, me e quais são seus planos.
gratificando e mt: limp;tndo também essa barra que sou; e Noticias por favor.
nlcsmo isso serve de [erapi,1 para mim mesma. Às vezes cnlro Acabei a fase da mãe primitiva e agora estou descobrindo
1.1 de quatro e saio de pé. QualHo à parte afetiva, CStou a zero, o homem.
embora ontem tivesse conhecido um cara cspetacular, mas A fase finai d,1 mãe foi belíssima: me vi um enorme tigre
que tem tantas defesas que nem sei no que vai dar. E. eslOU comendo o r-cdida e dcpois vi cste gigantesco tigre vomitar
ficando fê:rne~ paca, e para quem~ Dtptllu lflW rturVt, como com grandes espasmos urna massa cor-de-rosa c percebi. pc-
diri;t o Yves-Alain Bois 11. T:ul1bém percebi que você: e outros los movimcntos do vÓmito e barulhos, que era um 'lerda-
• I

254 ·CARTA. • 255


... . . . . . . . . ....
deiro orgasmo que CS(;lva vendo. Me vi deitada como mulher Notas
no divã, nua, e cala uma chuva de pétalas de rosas at~ cobrir
todo o ambiente. O cheiro das rosas era assombroso; de re-
penle a janela se abriu com estrondo, um venlo enorme in- •
vadiu o ambiente, levando as pétalas para fora - o real - e ll:lul Burri. animo plobtioo italiano.
as mesmas viraram borboletas. Depois me vi nua, em jX, 2 Soto. artisl~ pUniO) vcnel.udano radicado em Paris..
e senti o espaço como um corpo, O espaço corporificado, e 3 bakov Agam. aniSlil plútioo israelense.
me esfreguei contra o mcsmo sentindo a sensação de cstar 4 M:hio e Mary rc:Jrou.
me esfregando contra o corpo de um homem ... Em seguida 5 Álvaro Clark, (ilho de Lygia C luk.
aprendi a mamar o meu braço, pois nunca con hcci o seio 6 E.milio Vc:dQv:li, pimor italiano.
da mãe, e aí descobri coisas maravilhosas ... O c~u da boca ~ o 7 Giulio Cari o Argan. historiador e critico de arle italiano.
que liga a sensação de mamar 11 sensação cósmica! Os meus a César Oiticica, pintor e arquitero, irm50 de Hélio Oiticiça.
seios, que estavam sem sensação depois do começo desta an;l- 9 Waldernar Cordei ro, :mista pl:l.stico lmsileiro.
lise, ficaram duros como se o corpo estivesse se delineando lO Max 13ellse, teórico de estida! su{ço.

como geografia; o dariht se esculpiu, os buracos do corpo II Carlinho$ de Olivein. jarnalina brasileiro.

IOmalõlm especificidade: descobri que a boca é para ingerir 12 AmUcar de Castro, escuhor brasileiro.
13 Jackson Ribei ro, escultor brasileiro.
e o ânus ~ para expelir. Deixei de vomitar, o que aconteceu
14 Denise Ren&:, g-alerista parisiense.
durante toda a minha análise. A língua tomou fo rm a e
15 Shofer, artista pl:l.stico.
virou uma tampa da boca do est6mago; os dentes solidHi-
16 Julio Le Pare, anisla pl:l.uico argemino radicado em P~ris.
caram, não é fantástico? Nunca pensei que mamar era esse
17 Victor Vassarely, anista frallCês de origem húngara.
mundo todo, e qual foi o gênio que deu esse nome de c~u da
la Marta Pan, anista plobdca de origem húngara.
boca sem saber de tudo isso?
19 Carlos CrUl. Dia, artina pl:l.nico venezuelano radicado em
Beijos e beijos Paris.
Clark
20 Blok, grupo de oonsrrurivin-as de Varsóvia.
2\ Maria Helena Vieira da Silva, pintora portuguesa.
22 Alberto Mangnelli, pintor de origem italiana radiçado em Paris. J

256 · CARTAS
N o t ...

23 Hans Arp, pintor, poeta e escultor franw_


47 lineca e: Rose: de Souza Matias, amigos de l-Ulio O itieica
24 Michd Scuphor, anina pUslico fran ces.
do Morro da Mangueira.
25 Picrrc Renany, crhico de ane franw.
48 Kiko, r0l6gr~ro, sobrinho de Lygia Cbrk.
26 Rhobo, publicação funcesa editada por Jcan Clay no nnal dos
49 Carlos Vergara, anista plJslico brasileiro.
anos 60 e inCcio dos 70.
50 Oku Martins Pereira, amigo de Lygia Clark.
27 David Mc:d~lIa, artista inglk de origem filipin a, IMer do grupo
5' Romero Brc:st. çr(, ico de arte argentino.
de va nguarda Exploding Calaxy ( 1967-69).
52 Ludano Mani ns. 5Od61ogo br:uilc:iro.
26 Aluísio C brk, muido de Lygia Clark. pai de Álvaro. Eduardo
53 AntÔ nio Grlos Fontour~. çineau:! bT;1Sileiro.
e E1isabedl.
54 Vera 1\.Jrosa. jornalisla. filha de M:lrio l\...Jrosa.
29 Raimundo Amado. cincasrn brasileiro.
55 Niomar Muniz Bil1encollrt , direlOr.lI do MAM-RJ.
30 Gur Breu. crílico <Ie ane inglês.
56 David Lamelas, arc ista pl:luico arl)entino ra4icado em Paris.
3 1 Rogério Dllane, ,/(ligl/ue poeta brasileiro.
57 Harry Laus, crCrico de ane hrasileiro.
32 Eduardo Clark. fot6grafo. nlho de Lygia Clark.
59 Frederico Mo rais, erílico de aHe brasileiro.
33 Cbudio T01:t.i, ~niSfa pl~51ico brasi leiro.
59 Lee 1afre, ~n ista plJstico none-americano.
34 Marisa Álva res Lima. jorna li sl~ e fot6gr~fa br:uileira.
60 Anur Barrio, artisla plástico b...sileiro.
35 LuCs Carlos Sald:1.II1I 3 , poela e cine~na br.tsileiro.
6 1 Violcla Gervaise:lU, brasileira, irm5 de Miguel Arm~.
36 Mário Schemberg. fls ico e crftico de arte brnsileiro.
62 Michel Desjardins. fOf6graro fr.ll ncês.
37 Fernando Campos. cine..st:l.. Talul.. Campos, ;lIriz..
63 Luci Lippard, crCr ie norte-:uneriena.
~ 38 Lilian Lijn. anisla pUnia none-.. me ricana.
64 Ana Schuln. anina pljstÍe e amiga de Lygia C lark.
39 VassílakisTakis, cscultor grego.
65 Roseni, .. mig:! da famrlia Oitidca.
40 AuguSl E Coppola, critico de arte,irmio dc Franeis E Coppola.

E 41
42
D~dcmone l3~rdin, fot6grafa fr~nccsa.
Jill Drowcr, escrilor.. inglesa.
66 P..lul Ncwman, colc:cionador de arte nonc-amerieno.
67 Vfto r C I:uk, nelO de Lygia Clark.

•• 43
44
Sãnia Lins, escritora , irm5 de Lygia C1~rk.
10nll PerrClllh, critico de arte norte-americano.
66 Andn:w DougL15, artis ta pl.lstico inglês.
69 luis Buarque de: HolJ~nJa, colc:cionador de arte hrasilciro.
70 Regina Valer. aniua plástÍc:a brasilc:ir:a.

•• •
45

46

258 .
Peter Townsc:nd, editor ingl4.
loS/! Agripino de Paub , escritor brasileiro_

CARTA.
72
Fedida, psianalisra ffllnc.ês.
Yves- Alain Bois. hisloriador e crft ieo de arte francês.

• 2511
Lygia Clark nasceu em Belo Horizo nte,
em 1920, e morreu no Rio de Janeiro, cm
1988. Hllio Oitifica nasccu em 1937. /lO
Rio dcJ~/leiro. onde morreu em 1980.

Lygia ~ HI/io são 05 dois maiores artiS I U


do experimentalismo nas artes pl~uicas
brasileiras.

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