A REVOLUÇÃO MUNDIAL
“A revolução foi a filha da guerra no século XX: especificamente a
Revolução Russa de 1917,
que criou a União Soviética, transformada em superpotência pela
segunda fase da “Guerra dos
Trinta e Um Anos”, porém mais geralmente a revolução como uma
constante global na história
do século. A guerra sozinha não conduz necessariamente a crise,
colapso e revolução nos
países beligerantes. Na verdade, antes de 1914 predominava a crença
contrária, pelo menos
em relação a regimes estabelecidos com legitimidade tradicional” P.
50
“A humanidade estava à espera de uma alternativa. Essa alternativa
era
conhecida em 1914. Os partidos socialistas, com o apoio das classes
trabalhadoras em
expansão de seus países, e inspirados pela crença na inevitabilidade
histórica de sua vitória,
representavam essa alternativa na maioria dos Estados da Europa (ver
A era dos impérios,
capítulo 5). Aparentemente, só era preciso um sinal para os povos se
levantarem, substituírem
o capitalismo pelo socialismo, e com isso transformarem os
sofrimentos sem sentido da guerra
mundial em alguma coisa mais positiva: as sangrentas dores e
convulsões do parto de um novo
mundo. A Revolução Russa, ou, mais precisamente, a Revolução
Bolchevique de outubro de
1917, pretendeu dar ao mundo esse sinal. Tornou-se portanto tão
fundamental para a história
deste século quanto a Revolução Francesa de 1789 para o século
XIX.” P. 50 – 51
“A Revolução de Outubro produziu de longe o mais formidável
movimento revolucionário organizado na história moderna. Sua
expansão global não tem
paralelo desde as conquistas do islã em seu primeiro século.” P. 51
“Durante grande parte do Breve Século XX, o comunismo soviético
proclamou-se um sistema
alternativo e superior ao capitalismo, e destinado pela história a
triunfar sobre ele. E durante
grande parte desse período, até mesmo muitos daqueles que
rejeitavam suas pretensões de
superioridade estavam longe de convencidos de que ele não pudesse
triunfar.” P. 51
“Na verdade, o regime czarista mal se recuperara da revolução de
1905 quando, indeciso e incompetente como sempre, se viu mais uma
vez açoitado por uma
onda de descontentamento social em rápido crescimento. Tirando a
firme lealdade do exército,
polícia e serviço público nos últimos meses antes da eclosão da
guerra, o país parecia mais
uma vez à beira de uma erupção.” P. 52
“E no entanto, com exceção dos românticos que viam uma estrada reta
levando das
práticas coletivas da comunidade aldeã russa a um futuro socialista,
todos tinham como
igualmente certo que uma revolução da Rússia não podia e não seria
socialista. As condições
para uma tal transformação simplesmente não estavam presentes num
país camponês que era
um sinônimo de pobreza, ignorância e atraso, e onde o proletariado
industrial, o predestinado
coveiro do capitalismo de Marx, era apenas uma minúscula minoria,
embora estrategicamente
localizada. Os próprios revolucionários marxistas russos partilhavam
dessa opinião. Por si
mesma, a derrubada do czarismo e do sistema de latifundiários iria
produzir, e só se poderia
esperar que produzisse, uma “revolução burguesa”. A luta de classes
entre a burguesia e o
proletariado (que, segundo Marx, só podia ter um resultado)
continuaria então sob as novas
condições políticas.” P. 52
“Contudo, em
1917 estava tão claro para ele quanto para todos os outros marxistas
russos e não russos que
simplesmente não existiam na Rússia as condições para uma
revolução socialista. Para os
revolucionários marxistas na Rússia, sua revolução tinha de espalhar-
se em outros lugares.” P. 53
“A Rússia, madura para a revolução social, cansada de guerra e à beira
da derrota, foi o
primeiro dos regimes da Europa Central e Oriental a ruir sob as
pressões e tensões da
Primeira Guerra Mundial. A explosão era esperada, embora ninguém
pudesse prever o
momento e ocasião da detonação.” P. 54
“O feito extraordinário de Lenin foi transformar essa
incontrolável onda anárquica popular em poder bolchevique” P. 54
“A reivindicação básica dos pobres da cidade era pão, e a dos
operários, entre elas,
melhores salários e menos horas de trabalho. A reivindicação básica
dos 80% de russos que
viviam da agricultura era, como sempre, terra. Todos concordavam
que queriam o fim da
guerra, embora a massa de soldados camponeses que formava o
exército não fosse a princípio
contra a luta como tal, mas contra a severa disciplina e maltrato de
outros soldados. O slogan
“Pão, Paz, Terra” conquistou logo crescente apoio para os que o
propagavam, em especial os
bolcheviques de Lenin, que passaram de um pequeno grupo de uns
poucos milhares em março
de 1917 para um quarto de milhão de membros no início do verão
daquele ano.” P. 55
“Quando os bolcheviques — até então um partido de operários — se
viram em maioria
nas principais cidades russas, e sobretudo na capital, Petrogrado e
Moscou, e depressa
ganharam terreno no exército, a existência do Governo Provisório
tornou-se cada vez mais
irreal; em especial quando teve de apelar às forças revolucionárias na
capital para derrotar
uma tentativa de golpe contra-revolucionário de um general
monarquista em agosto. A onda
radicalizada de seus seguidores inevitavelmente empurrou os
bolcheviques para a tomada do
poder. Na verdade, quando chegou a hora, mais que tomado, o poder
foi colhido.” P. 55
“O programa do próprio Lenin, de empenhar o novo
governo do soviete (isto é, basicamente Partido Bolchevique) na
“transformação socialista da
República russa”, era essencialmente uma aposta na transformação da
Revolução Russa em
revolução mundial, ou pelo menos européia. Quem — como ele disse
tantas vezes —
imaginaria que a vitória do socialismo “pode se dar [...] a não ser pela
completa destruição da
burguesia russa e européia?”. Nesse meio tempo, o dever básico, na
verdade único, dos
bolcheviques era se agüentarem. O novo regime pouco fez sobre o
socialismo, a não ser
declarar que esse era seu objetivo, tomar os bancos e declarar o
controle dos “operários”
sobre as administrações existentes, isto é, apor o selo oficial ao que já
vinham fazendo de
qualquer modo desde a Revolução, enquanto os exortava a manterem
a produção funcionando.
Nada mais tinha a dizer-lhes.” P. 56
“Mesmo assim, a Revolução sobreviveu. E o fez por três grandes
razões: primeiro,
possuía um instrumento de poder único, praticamente construtor de
Estado, no centralizado e
disciplinado Partido Comunista de 600 mil membros. Qualquer que
tenha sido seu papel antes
da Revolução, esse modelo organizacional, incansavelmente
propagado e defendido por Lenin
desde 1902, atingiu a maioridade depois dela. Praticamente todos os
regimes revolucionários
do Breve Século XX iam adotar alguma variação dele. Segundo, era,
de forma evidente, o
único governo capaz de manter a Rússia integral como Estado — e
disposto a tanto —,
desfrutando, portanto, de considerável apoio de patriotas russos à
parte isso politicamente
hostis, como os oficiais sem os quais o novo Exército Vermelho não
poderia ter sido
construído. Para estes, como para o historiador que trabalha em
retrospecto, a opção em 1917-
8 não era entre uma Rússia liberal-democrática ou não liberal, mas
entre a Rússia e a
desintegração, que havia sido o destino de outros impérios arcaicos e
derrotados, ou seja, a
Áustria-Hungria e a Turquia. Ao contrário destes, a Revolução
Bolchevique preservou a
maior parte da unidade territorial multinacional do velho Estado
czarista pelo menos por mais
74 anos. A terceira razão era que a Revolução permitira ao
campesinato tomar a terra. Quando
chegou a isso, o grosso dos camponeses da Grande Rússia — núcleo
do Estado, além de do
seu novo exército — achou que suas chances de mantê-la eram
melhores sob os vermelhos do
que se retomasse a fidalguia. Isso deu aos bolcheviques uma vantagem
decisiva na Guerra
Civil de 1918-20. Como se viu, os camponeses russos foram otimistas
demais.” P. 57
“Em suma, a Revolução de Outubro foi universalmente reconhecida
como um
acontecimento que abalou o mundo.” P. 58
“Até mesmo muitos dos que viram a Revolução de perto, um processo
menos conducente
ao êxtase religioso, se converteram, desde prisioneiros de guerra que
voltavam a seus países
como bolcheviques convictos e futuros líderes comunistas de seus
países,” P. 58
“E de fato a primeira reação do Ocidente ao apelo
bolchevique aos povos para celebrarem a paz — e a publicação, por
eles, dos tratados
secretos em que os aliados haviam dividido a Europa entre si — foram
os Catorze Pontos do
presidente Wilson, que jogavam a carta nacionalista contra o apelo
internacional de Lenin.
Uma zona de pequenos Estados-nação formaria uma espécie de
cinturão de quarentena contra
o vírus vermelho.” P. 59
“Contudo, o que Lenin e os bolcheviques queriam não era um
movimento de
simpatizantes internacionais da Revolução de Outubro, mas um corpo
de ativistas
absolutamente comprometidos e disciplinados, uma espécie de força
de ataque global para a
conquista revolucionária. Os partidos não dispostos a adotar a
estrutura leninista eram
barrados ou expulsos da nova Internacional, que só poderia ser
enfraquecida com a aceitação
dessas quintas-colunas de oportunismo e reformismo, para não falar
no que Marx chamara
outrora de “cretinismo parlamentar”. Na iminente batalha só poderia
haver lugar para
soldados.
O argumento só fazia sentido com uma condição: que a revolução
mundial ainda
estivesse em andamento, e suas batalhas, em perspectiva imediata.” P.
61
“O que isso significava, na verdade, era uma divisão dos
revolucionários pelas próximas gerações. Contudo, de qualquer modo
era tarde demais. O
movimento rachara em definitivo, a maioria dos socialistas de
esquerda, indivíduos e
partidos, voltou para o movimento social-democrata, em sua
esmagadora maioria levada por
moderados anticomunistas. Os novos partidos comunistas
continuaram sendo minorias da
esquerda européia, e em geral com umas poucas exceções, como na
Alemanha, França e
Finlândia minorias um tanto pequenas, se bem que apaixonadas.” P.
62
“