DADOS DE ODINRIGHT
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Adivinha quem não voltou pra casa?
Pedro Poeira
Direitos autorais © 2020 Pedro Poeira
Todos os direitos reservados
EDIÇÃO: Mariana Dal Chico
DESIGN DE CAPA: Marcus Pallas
REVISÃO DE TEXTO: João Santos
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida
— em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico,
fotocópia, gravação etc. — nem apropriada ou estocada em
sistema de banco de dados sem a expressa autorização do
autor. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Murilo
Murilo acha de grande consideração comprar o café-da-
manhã para a mãe e a irmã naquele domingo. Passa na
padaria em frente à estação de trem, compra pão,
mortadela, e uma caixa de leite, só por garantia. Carrega
tudo no braço ao descer da perua, gingando o corpo suado
e cansado de tanto dançar em uma casa noturna na rua
Augusta ladeira acima até chegar à sua rua. Murilo se
embanana todo na hora de abrir o portão, derrubando a
chave duas vezes até, com um suspiro frustrado, prensar o
pacote de pão e mortadela contra o portão e encaixar a
chave na fechadura.
A casa está quieta. São quase seis da manhã. A mãe e a
irmã estão dormindo, ele tem certeza. Matilda, a gata
siamesa, se estica no sofá assim que o vê. Ela o acompanha
até a cozinha, se esfregando em suas pernas até o rapaz
encher seu potinho de ração.
Ele está tão cansado que pensa em pular o banho e ir
direto para a cama, mas sabe que a mãe desataria um
monólogo de aproximadamente quinze minutos ao ver os
lençóis limpos de volta à máquina de lavar.
Cuidando os passos para não fazer muito barulho, Murilo
sobe as escadas e segue o corredor para o quarto. A porta
do quarto de Melissa está aberta, a TV ligada lançando luzes
coloridas no rosto pacífico da irmã mais nova, embrulhada
em suas cobertas.
— Ei — ela diz, abrindo os olhos ao ouvir o clique da porta
do quarto de Murilo, a voz grogue. Ele volta o rosto cansado
para a irmã, arranhando um “hmmm”. — Chegou agora?
— Cheguei — responde ele.
— Adivinha quem não voltou pra casa? — retruca a mais
nova, encolhida debaixo do edredom cor-de-rosa. Melissa
diz o que diz calmamente, como quem pergunta “Você viu
meu celular?” antes de perceber que o aparelho estava bem
na sua frente.
— A mãe não voltou ainda? — Murilo pergunta, apoiando-
se no batente da porta e sentindo os músculos dos braços
doerem.
— Não.
— Hmmm. Deve estar no bingo.
— Não, ela tá nas maquininhas.
— Ela te ligou?
— Ela esqueceu o celular em casa.
— Tá, mas ela ligou?
— Não.
Murilo pisca, e demora mais do que os nanosegundos que
levaria normalmente para abrir os olhos. Está tão cansado!
— Daqui a pouco ela aparece. — Ele assente para a irmã,
porém, em meio à confusão em seu cérebro, não acha que
ela pode vê-lo, então completa: — Tem pão e mortadela lá
embaixo.
— Beleza.
Murilo não se demora muito no quarto, tem medo de
pegar no sono. Deixa a carteira e o celular sobre a cômoda
ao lado da cama e cruza o corredor, passando pela porta
aberta de Melissa, até o banheiro. Enquanto a água
esquenta, ele admira o corpo magro, nu, o peito, a barriga e
a virilha depilados pelo costume de sair. Não que tenha
saído na intenção de arrastar alguém para o banheiro da
balada ou dar um perdido nos amigos em alguns dos motéis
próximos — especialmente quando insistiram em sair e
comemorar a última conquista do rapaz —, mas Murilo era
um garoto precavido. O banho quente ajudou a relaxar os
músculos doloridos. Fazia tanto tempo que não saía para
dançar que seu corpo havia se esquecido da sensação.
Sequer se deu ao trabalho de vestir roupa, deitou na cama
com a toalha enrolada na cintura e puxou o celular da
cômoda. Desligou o alarme diário, deu uma última olhada
no Instagram e no Twitter — não no Facebook, aquilo ali já
está condenado ao esquecimento — e hesitou, o dedo sobre
o botão de bloqueio de tela. Claro que a mãe estava no
caça-níquel clandestino, onde mais ela estaria? Queria
mandar uma mensagem, só para confirmar, mas se lembrou
que a mãe havia esquecido o celular em casa. Logo ela
estaria de volta. Ela sempre ia à missa das nove. Quando
acordasse, a mãe já estaria de volta. Claro que estaria.
Às sete e dezessete da manhã, Murilo acorda com uma
ligação da própria irmã.
— Tá acordado? — ela pergunta quando ele atende.
— Nã… — ele balbucia.
— A Celina ligou perguntando se mãe não ia pra igreja.
Murilo ouve a respiração de Melissa na saída de áudio do
aparelho, incapaz de distinguir se aquilo é real ou se
continua sonhando que está jogando strip poker com Henry
Cavill em um balão de ar quente. Henry acabara de perder
uma rodada.
— Cê tá aí ainda?
Cada vez mais distante do torso musculoso e coberto de
pelos dos seus sonhos, Murilo se vê obrigado a responder
que sim, está sim, bufando ao afastar as cobertas.
— A missa não começa às nove? — ele contesta, a fúria de
um sono interrompido dando os primeiros sinais.
— É, mas a mãe prometeu ajudar a levar as cestas básicas
pra lá. A Celina está esperando faz uns quinze minutos.
Murilo bufa. Melissa bufa.
Do andar debaixo, uma música eletrônica toca na
televisão, e Murilo acha que é cedo demais para alguém
estar ouvindo música.
Melissa bufa.
— E aí? — insiste ela.
— Sei lá, diz pra ela chamar um Uber.
— A dona Celina é uma senhora aposentada.
— E…?
— Murilo, ela não sabe o que é um Uber.
— Então chama você um Uber pra ela.
— Inferno.
— Olha a blasfêmia.
Para sua decepção, ele não consegue voltar a dormir
depois de desligar o telefonema, por mais que tente. A noite
na balada, a imagem do astro do cinema seminu e o pouco
tempo de sono deixam os músculos do seu corpo
enrijecidos. Murilo veste uma camiseta velha do Taz —
aquela com um buraco na axila direita que já pediu para a
mãe consertar, sem sucesso —, vacilando diante da dor
muscular, e um calção esportivo.
Melissa divide o sofá da sala com Matilda, a gata, as duas
esparramadas. Melissa assiste a clipes de música no
YouTube, uma tigela de cereal apoiada em uma almofada no
colo, e desliza o dedo pela tela do celular.
Ao dar pela presença do irmão, ela pega o controle da TV
com a mão livre e abaixa o volume.
— O que você disse? — pergunta ela, sem tirar os olhos do
celular.
— A mãe mandou alguma coisa?
— Não…? — Melissa relanceia o irmão, parado ao pé do
sofá. Murilo troca o peso do corpo de um pé para o outro. —
Já falei, ela deve estar nas maquininhas. Daqui a pouco ela
volta.
— Mel, ela disse que ia pra lá? — Murilo insiste, o ritmo
acelerado no peito despertando-o.
— Ela disse que ia pro bingo, mas é tudo a mesma coisa.
— Que horas ela saiu ontem?
— Ah, era umas… quatro horas, eu acho. Eu estava no
meu pai — Melissa diz naquele tom blasé com um dar de
ombros.
Murilo não diz nada, só arrasta os chinelos pelo chão de
cerâmica até o quarto. A cama bagunçada perdeu a magia,
e Murilo se pergunta se mais tarde, quando finalmente
conseguir dormir, vai voltar a sonhar com Henry Cavill ou se
aquele foi um sonho de sorte. A tela celular está limpa de
qualquer notificação. O relógio vira um minuto novo. Era
muita falta de consideração da mãe nem se dar ao trabalho
de pegar o celular de alguém emprestado. Não era ela
quem perguntava “Pra que tem celular se não me atende” e
“Custa mandar uma mensagem avisando onde está”? Pois
bem, ele lhe faria as mesmas perguntas assim que a
encontrasse.
Murilo troca os chinelos por um par de tênis, embolsa o
celular e as chaves de casa.
— Aonde você vai? — Melissa pergunta do sofá ao ver o
irmão abrir a porta.
Murilo olha de esguelha para a irmã, as bolsas dos olhos
ficando cada vez mais pesadas, a mão firme na maçaneta.
— Vou buscar a mãe — diz ele, resoluto.
Ao lado de Melissa, a tela do antiquado celular de barra da
mãe pisca.
— Se ela ligar, me avisa — Murilo pede, antes de passar a
chave na porta.
Ele desce a ladeira dos Bananais a passos rápidos,
cortando caminho pela praça dos maconheiros, onde um
grupo de idosos locais se exercita na academia ao ar livre.
Não são nem oito da manhã, mas o sol está quente em sua
nuca, e ele começa a suar.
O bingo e a casa de máquinas caça-níquel ficam
escondidos atrás da padaria 24 horas. O Olheiro conhece
Murilo de quando ele acompanhou a mãe em uma rodada
especial no Natal passado, valendo um carro novinho, zero
quilômetro. Ele acena com a cabeça assim que o vê virar a
esquina.
— Vai jogar? — pergunta ele, os olhos, típicos de um
olheiro, dardejando de um lado para o outro, em busca do
primeiro sinal de policiamento.
— Não, só vim buscar a minha mãe — Murilo responde, ao
que o Olheiro assente.
O Olheiro dá dois soquinhos na porta de metal e Murilo
ouve o zumbido de eletricidade destrancar a porta. Antes de
entrar, ele nota a ausência do Volkswagen Fox branco da
mãe estacionado na rua. Ele dá de ombros, a mãe deve ter
posto o carro no estacionamento, por garantia.
O bingo cheira a cigarro velho, o ar denso e pegajoso se
grudando aos seus cabelos e roupas. O andar debaixo está
ocupado unicamente por móveis — mesas redondas
espalhadas pelo salão, rodeadas de cadeiras acolchoadas,
daquelas que ainda tinham o enchimento, queimadas por
bitucas de cigarro ao longo dos anos e com riscos de
caneta-marcador —, e Murilo aproveita para beber água no
bebedouro. Até a água de lá tem gosto ruim.
O jovem sobe os degraus saltando de dois em dois, cruza
o corredorzinho e duas portas até chegar no caça-níquel.
Assim como o andar debaixo, o primeiro conserva o fedor de
nicotina, mas pelo menos tem ar-condicionado e exaustores.
O cômodo principal possui quatro longas fileiras de
máquinas, suas luzes piscando mais que sabres de luz num
filme de Star Wars, a viciante musiquinha de videogame
sobrepujando uma a outra.
Ele precisa enfiar a cabeça no começo de cada corredor,
pois mesmo com seus 1,80 metro de altura, não consegue
ver por cima das máquinas. Quando não encontra a mãe,
precisa desviar da conversa de um antigo professor de
educação física e duas mulheres idosas que não param de
elogiar sua aparência e dizer coisas tipo “meu Deus, como
você cresceu! Lembro de você quando era um nenezinho
sem pelo no saco” antes de conseguir entrar no outro
cômodo. Este é menor, mais refrigerado e tão fedido quanto
os anteriores. Murilo olha ao redor, para as máquinas
dispostas contra as paredes, uns cinco gatos pingados
jogando obsessivamente, nenhum deles remotamente
parecidos com dona Mônica.
No momento em que vê a luz do sol novamente, Murilo
está tremendo, a cabeça e a corrente sanguínea pulsando.
Ela deveria estar aqui. Este é o lugar para onde ela sempre
vem gastar as frustrações — e dinheiro; este é seu Lugar
Feliz.
— E aí, achou ela? — o Olheiro quer saber, as consoantes
soando estranho por causa da goma de mascar.
Murilo passa os dedos nervosamente pelos cabelos
escuros.
— Não… Ela veio pra cá ontem, não veio?
O Olheiro faz que sim com a cabeça.
— Pediu para eu comprar um maço de cigarros e tudo —
diz ele.
— E você não a viu ir embora? — o jovem insiste.
— Nem vi.
Murilo suspira.
— Valeu — ele agradece.
O Olheiro se recolhe de volta para seu banquinho feito
uma raposa estudando sua presa. Murilo se afasta da
entrada do bingo, o celular em mãos, e para sob a marquise
da padaria, ao lado de uma máquina de rotisseria que um
funcionário da padaria metido em um avental vermelho
começa a abastecer de frangos.
ela n tá aqui
certeza q ela veio pra cá?
como é q eu vo saber?
Murilo quer gritar com a irmã. Esfrega o rosto com a mão
e respira fundo.
ela disse q ia pra outro bingo?
n
mel
pelo amor de deus
aff
como eu vou saber onde ela tá?
vc disse que ela tava no bingo
mas ela TAVA
pqp
Murilo foi uma criança sensível, um adolescente reativo, e
se tornou um jovem-adulto que os amigos gostavam de
chamar de oito-oitenta. Ou Murilo não sentia nada, ou
sentia tudo de uma vez só. Eles não entendiam que Murilo,
que cresceu o garoto gordo e gay da escola quando a
palavra “bullying” não existia no vocabulário das pessoas,
mas frases como “bichinha frescurenta” e “sofre que vira
macho” e “se apanhar, bate de volta” e “homem que é
homem não chora” eram usadas como conforto emocional,
havia internalizado em sua forma adulta o código: “escolha
suas batalhas”. Ele se importava com as coisas e as
pessoas, só escolhia o nível de energia que desprenderia
com cada uma delas, daí o “oito”. O “oitenta” acontecia
quando ele não tinha tempo para racionalizar e
simplesmente sentia, como agora.
O caminho de volta para casa o deixa embebido em suor e
com os batimentos a toda. Ele sente um bolo palpitante na
garganta e acha que vai vomitar, embora a única coisa em
seu estômago a essa altura seja resquícios de Jurupinga,
Askov e Catuaba Selvagem.
Notícia ruim chega depressa, ele repetia para si mesmo a
cada passo dado. Notícia ruim chega depressa.
Está acostumado a ver a mãe com enxaquecas
fortíssimas, do tipo que a levam a tomar vários compridos e
se trancar no quarto escuro. Mais de uma vez, presenciou o
nariz da mãe sangrando devido à intensidade da dor. E se
ela foi surpreendida por uma dessas dores enquanto dirigia?
Notícia ruim chega depressa.
Dona Mônica tem cinquenta e seis anos já, se esquece de
algumas coisas. Tudo bem que as “coisas” das quais ela se
esquece são sempre àquelas que a desagradam de algum
modo, nunca sobre um sorteio do bingo ou as várias
promoções dos canais da TV aberta em parceria com
produtos de limpeza.
Notícia ruim chega depressa.
Enquanto sobe a ladeira dos Bananais, avista um carro
branco passar devagar e solta o ar numa arfada, aliviado.
Em seus pensamentos, xinga a mãe. Pelo menos, ela
chegou. Agora, ele se permite desacelerar o passo, o corpo
relaxando a ponto de Murilo recostar o ombro na parede da
casa da dona Celina e fechar os olhos, inspirando e
expirando devagar após a pequena maratona.
O carro branco está estacionado em frente à casa 9, do
lado da casa de Murilo, mas não é o Fox de sua mãe. Ele
sente como se seu coração estivesse em um estilingue. Luta
contra o portão de casa até abri-lo, assistindo enquanto a
filha da vizinha, recém-casada, e sua esposa saem do Uber
e acenam “bom dia” para ele.
Dentro de casa o clima está fresco. Murilo tira a camiseta
e a deixa sobre o braço do sofá. O volume da TV está baixo,
Melissa continua com a cara enfiada na tela de seu celular.
Irritado, Murilo se senta na ponta do móvel, quieto.
Ele sabe que a irmã sente sua irritação, e não demora
muito até que a mais nova vire para ele, os lábios em
formato de coração comprimidos.
— Tem um bingo perto da minha escola — diz ela,
devagar, após o que pareceu a Murilo uma eternidade preso
em cima de um muro cujos lados diziam-lhe para chorar
sem parar ou ligar para a polícia, aos prantos.
Murilo cerra os olhos amendoados, usando a palma da
mão para se abanar.
— Eu não disse antes porque não achei que mãe fosse pra
lá — Melissa continua, enrolando uma mecha solta do
cabelo loiro de volta no coque frouxo. Ela desvia os olhos. —
Mas sei que ela sempre quis ir lá porque vive dizendo que
bingo de cidade dá mais dinheiro.
De olhos fechados, Murilo faz que sim com a cabeça.
Melissa estuda no Tatuapé, mais próximo da estação
Carrão do metrô. Ele se lembra das várias vezes — não
todas, pois está cansado e a mãe fala demais sobre isso —
em que a mãe reclamou que aquele bingozinho de bairro
nunca dava dinheiro alto, que só engolia seu dinheiro, que
ano ímpar não era seu ano mesmo, e que com certeza
aquela vagabunda da Edilene estava prendendo as
máquinas depois de a mãe ter soltado os cachorros pra
cima dela. Sim, aquilo fazia sentido. Uma viagem de carro
de mais ou menos quarenta minutos, mais ou menos
cinquenta reais de Uber, pela certeza inabalável de que a
mãe está bem, que só se empolgou e esqueceu de avisar os
filhos.
Cansado, Murilo põe a camiseta furada do Taz de volta.
— Bota uma roupa — diz ele para a irmã, indo até o
banheiro para ajeitar o cabelo. — Você vai comigo.
Da sala, Melissa resfolega.
— Oxi. Pra quê?
— Porque — ele diz, a voz abatida ecoando do jeito que
ele adora ao cantar as músicas da Ariana Grande, enquanto
toma banho, por causa da acústica — eu não sei onde esse
bingo fica. E você sabe.
Murilo ouve o corpo da irmã se debater no sofá, os
chinelos acertar a cerâmica do chão e a irmã resmungando
na escada. Depois de lavar o rosto e a boca, cheirando a
camiseta em busca dos resquícios da catinga do bingo, ele
tira o celular do bolso e abre o aplicativo de viagem.
Ele devia ter tomado um banho.
Murilo ergue a barra da camiseta até o nariz, revelando a
pochetinha que sua barriga magra forma quando está
sentado, e o torce. Ele fede a cigarro velho.
Definitivamente devia ter tomado um banho, e trocado de
roupa.
Murilo abaixa o vidro do Toyota Prius, com cheiro de carro
novinho em folha, e permite que os golpes de ar poluído da
cidade levem o fedor dele para longe. O motorista, um
senhorzinho simpático chamado Zé Luís, oferece ligar o ar-
condicionado; Murilo recusa. Ele tem a pele queimada de
quem trabalhou ao ar livre por muitos anos, o peito côncavo
com pelos brancos saltando pelos botões entreabertos da
camisa. No banco detrás, Melissa curte a música da rádio.
Por ele, iriam sem música. Murilo não gosta de barulho
quando está estressado. Na verdade, ele até gosta: costuma
plugar os fones, o som de My Chemical Romance ou outra
banda emo dos anos 2000 explodindo nos ouvidos,
enquanto faz o que quer que tenha que fazer. No entanto,
ele havia esquecido os fones de ouvido em casa e não se
sentia à vontade para pedir ao gentil Zé Luís para que o
deixasse conectar o celular.
Como se brincasse de batata-quente, Murilo passa o
celular da mãe de uma mão a outra — quanto mais tempo o
aparelho permanece mudo, mais quente fica. Cada vez mais
até o ponto de combustão.
— Será que a gente pode abaixar um pouco a música? —
Murilo pede, o joelho subindo e descendo nervosamente.
— Claro — Zé Luís responde, para o descontentamento de
Melissa, a quem a música servia como calmante.
O trajeto até a escola de Melissa, entre as estações Carrão
e Tatuapé do metrô, foi rápido e silencioso. Os semáforos
mantiveram a luz verde para que seguissem viagem e as
pistas da avenida Radial Leste estariam livres não fosse
pelos mesmos sete carros que acompanharam viagem junto
dos irmãos. Nenhum deles falou. Zé Luís não tentou engatar
nenhuma conversa sobre o clima, o que os levou a fazer
uma viagem até uma escola pública em pleno domingo
nem, Deus o abençoe, sobre política. Cinco estrelas.
Como esperado, a escola estava deserta, os portões
trancados. De pé na calçada em frente às paredes pichadas,
Murilo e Melissa aguardam por um minuto enquanto se
orientam. O calor escalda suas peles.
— Pra onde agora? — resmunga Murilo, irritadiço devido
ao sono e ao calor.
— Não lembro direito… — Melissa olha ao redor, estica o
pescoço para as duas esquinas. — Acho que fica mais perto
da Radial — diz ela, se dirigindo para baixo. Murilo a segue.
Eles viram à direita e esquerda, seguem reto e viram à
esquerda de novo. Há mais pessoas na rua agora, estão no
encontro entre a área residencial e comercial do bairro.
Murilo se arrepende de não ter tomado café, mas não fala
nada, apenas segue a irmã. Seus olhos lacrimejam. Ele não
sabe se é pelo nervoso da incerteza de onde pode estar sua
mãe, de sono ou dos dois. Limpa o canto do olho com a
parte fofa da palma da mão e funga, como uma criança
chorosa. Melissa relanceia o irmão.
— Você tá chorando?
— Claro que não — retruca ele. — Eu só tô cansado.
— Hm.
Murilo chuta uma garrafa de plástico no chão antes de se
agachar e pegá-la. Joga-a na primeira lixeira que vê.
— Quanto tempo até chegar no bingo?
— É quase lá no Tatuapé — diz Melissa, expirando de
maneira dramática.
— Por que você não disse nada? — exclama Murilo.
— Mas eu disse que era no Tatuapé!
— Você disse que era perto da sua escola!
— Que fica no Tatuapé! — Melissa berra, exasperada.
— Puta merda, não é à toa que a gente tá andando tanto!
— Murilo contra-ataca, aos gritos.
Eles não param de andar, Murilo e Melissa; pelo contrário,
seguem um ao outro em silêncio resignado. Entre a ardência
nas coxas, joelhos, tornozelos, pescoço e rosto, Murilo flagra
a silhueta do shopping Tatuapé e respira profundamente.
— Fica ali naquela rua — diz Melissa tão placidamente que
é como se dissesse para ninguém em especial.
Murilo engole em seco. Há uma fileira de carros
estacionados ao longo da rua, prata, preto, vermelho e
branco. Ele não consegue distinguir o carro da mãe entre
eles. Viram na rua apontada por Melissa, mais larga e
abarrotada de carros do que a anterior. Estão no centro
comercial agora, com padarias, lanchonetes, mercadinhos e
lojas menores. Murilo segue a irmã pela esquerda, em
direção a uma porta dupla de vidro fechada.
— Certeza que fica aqui? — insiste ele.
— Sim — Melissa afirma. Ela toma a dianteira e bate à
porta.
— Não tem uma campainha por aqui? — Murilo murmura
consigo mesmo, esquadrinhando em volta da porta. Melissa
tenta bater à porta de novo, desta vez um pouco mais
insistente. — Vai com calma pra não quebrar.
— Eu só quero voltar pra casa — ela grunhe. Melissa bate
de novo. — Ô! Ei, tem alguém aí dentro?
Murilo também quer voltar para casa. Quer tomar um
banho, se livrar desse cheiro horrível que lhe dá dor de
cabeça, e dormir por dezoito horas. Precisa saber que a mãe
está bem para que possa voltar para casa, dormir e dar
entrada na papelada do emprego novo. Ele precisa contar
para a mãe sobre o intercâmbio, mas o celular dela pesa em
seu bolso traseiro.
— Cê tá bem? — pergunta Melissa, encarando o irmão de
rabo de olho, o rosto contorcido em preocupação. Sua mão
está a meio caminho da porta, os nós dos dedos levemente
avermelhados.
— Uhum.
— Tá…
Melissa acerta a porta mais uma vez. O som de trancas
sendo abertas chama a atenção dos dois. As portas de vidro
espelhado se abrem, revelando uma mulher de rosto
cadavérico, pele e osso, e olhos pretos fundos. Ela olha os
garotos de cima, mal-humorada.
— Que é? Estamos fechados.
Murilo e Melissa trocam um olhar. Melissa cruza os braços,
nada amigável. Piscando forte, Murilo dá seu melhor sorriso,
e torce para que ele seja o bastante.
— Oi — diz ele. — Desculpa o incômodo. Estamos
procurando nossa mãe.
— Que parte de “estamos fechados” você não entendeu?
— retruca a mulher, estalando a língua.
Melissa rola os olhos. Murilo conhece bem a irmã, já
encobriu ligações e bilhetes de advertência o suficiente
para saber que a garota não é do tipo que leva desaforo
para casa. E nem dentro de casa, diga-se de passagem,
Melissa era o Mel pelo qual a chamavam.
Murilo se põe na frente da irmã, interpondo-se entre ela e
a mulher antes que a irmã possa dizer algo rude.
— Sim, eu entendi — ele assente, mantendo o sorriso no
rosto. Até sorrir é custoso. — Só… sabe me dizer se essa
mulher aqui esteve no bingo hoje? Por favor?
Murilo pesca o celular no bolso da bermuda e mostra uma
foto da mãe para a mulher. De primeira, ela dá uma olhada
superficial, sacudindo a cabeça em negativa. Ele resiste,
piscando os olhos amendoados, e pressiona o aparelho no
campo de visão da mulher, que bufa, ranzinza. Ela usa os
dedos em pinça para aumentar a foto.
— Ela tá com esse cabelo longo mesmo? — pergunta, a
voz dando sinais de incerteza.
Murilo se empertiga.
— Hã…
— Tá mais curto — Melissa intervém —, na altura do
ombro.
— Ela tava aqui sim… Bateu um bingo de mil e quinhentos
na mesa. Lembro dela. Deu só vinte reais de gorjeta, a
miserável — reclama ela, porém, já não soa tão rabugenta.
Ela se recosta na porta, os braços sobre o peito. — Vi ela
saindo daqui com uma moça — alta, gorda, cabelo azul. Não
sei onde foram.
Os irmãos voltam a cruzar olhares, desta vez num misto
de incredulidade, alívio e esperança. Agradecem à mulher,
que os dispensa com um gesto. Murilo aponta para uma
lanchonete do outro lado da rua. Eles ocupam duas
banquetas enquanto aguardam o café com leite e dois
mistos-quentes.
— Não acredito que a gente não pensou na Silvinha —
Murilo geme, exausto, inconformado com a própria
desatenção. Estava tão focado em encontrar a mãe que não
pensou em perguntar a sua melhor amiga. Claro que
Silvinha saberia onde Mônica estava. As duas costumavam
sair juntas. Vendo Melissa dar de ombros, completa: — A
mãe cortou o cabelo ontem?
— Cortou. Pela primeira vez na vida ela me ouviu.
— Ficou bom?
— Ela me ouviu, então sim, né.
Mastigam em silêncio quando os lanches ficam prontos.
Murilo beberica do seu café com leite. Melissa termina
primeiro e pede o celular da mãe, vai ligar para Silvinha.
Murilo pede que ponha no viva-voz.
Silvinha atende no segundo toque.
— Mônica, sua safada, me conta tudo! — diz ela, a voz ao
mesmo tempo animada e grogue.
— Silvinha? É a Mel.
— Oi, Mel, meu amorzinho! Cê tá com a voz da sua mãe
no telefone.
Melissa não agradece. Algo sobre soar como uma mulher
de cinquenta e seis anos aos quinze não parece um elogio.
— Você sabe onde a minha mãe tá? — pergunta ela, indo
direto ao assunto.
— Eita, menina. Ela não voltou pra casa ainda?
— Não.
— Cadê seu irmão?
— Tô aqui, Silvinha — Murilo responde.
— Ah, que bom que cês estão juntos.
— A minha mãe, Silvinha…? — Melissa a corta.
— Então, menina! Sua mãe bateu um bingão ontem no
Tatuapé.
— A gente tá sabendo — diz Melissa.
— A gente veio até aqui — completa Murilo.
— Que filhos preocupaaaaados… — Silvinha pontua, bem-
humorada. Porque não é a mãe dela que está desaparecida,
Murilo pensa. — Não precisam se preocupar, não. A Mônica
tá bem!
— Então você sabe onde ela tá? — interpela Murilo.
— Sei — diz ela, orgulhosa. — Tá com algum macho lá do
Pollo Loco.
Melissa é quem corta o silêncio que se segue num grito
fino tão alto que faz Murilo estremecer e pressionar o dedo
no ouvido a fim de abafar o zumbido.
— Quê?!
— A gente foi comemorar! — diz Silvinha, num tom de
quem justifica uma travessura por uma razão muito boa. —
Sua mãe não batia um bingo há meses!
— Disso a gente sabe!
— Mas, Silvinha, ela bateu um bingo e foi pro Pollo Loco
com o dinheiro? — Murilo pergunta, agarrando-se à mão da
irmã que segura o celular, angustiado. Sua voz, como a de
Melissa, escala alguns tons para acompanhar seu
desespero. — E saiu de lá com um homem desconhecido,
com mil pila no bolso?!
— Mil e uns tantinhos, é.
Murilo joga os braços para o alto.
— É a puta que me pariu, viu!
— Ér… obrigada, Silvinha — diz Melissa, antes de encerrar
a ligação,
Murilo está ciente do peso do olhar de Melissa sobre ele,
mas está fulo da vida demais para se importar. Vira o café
com leite de uma só vez, lágrimas se empoçando nos olhos,
porque o café estava fervendo, porque sua mãe está
desaparecida com um homem desconhecido, com dinheiro
no bolso, porque ela sente dores de cabeça constante,
porque sua própria cabeça está explodindo e porque ainda
não contou à família sobre sua viagem, e a culpa, somada
ao sono, está corroendo suas entranhas.
— O que a gente faz agora? — Melissa soa feito um
passarinho quando fala, uma eternidade depois.
Murilo engole em seco, suspira.
— Agora a gente pega um Uber até São Miguel — diz ele,
derrotado.
— Desde quando você tem tanto dinheiro? — ela
pergunta, desconfiada.
— Desde que o Shawn Mendes cancelou o show e eu
ganhei o reembolso.
— Você ia no segundo dia?
— Ia.
— Bem-feito.
Melissa
Ele podia tê-la levado ao show do Shawn Mendes, mas ele a
levou? Ele também podia tê-la levado ao cinema para a
assistir Cemitério Maldito e Turma da Mônica: Laços, ao
show do Jão — aquele do ano passado, quando ele cantou
“Dança Pra Mim”, porque na turnê atual ele não canta mais
— e ao do Ed Sheeran no ano passado. Havia uma série de
coisas que Murilo não fazia mais com Melissa.
Sim, Murilo a levou ao show da Camila Cabello — suas
cadeiras eram tão longe que mal dava para ver a cantora
—, ao show do Jão — quem ela também não conseguiu ver
direito porque todo mundo era mais alto do que ela — e a
um ou outro filme que eles queriam muito ver. E Melissa
sabia que o irmão tinha amigos, como ela tinha os seus. No
entanto, ela sentia falta de fazer essas coisas com o irmão.
Murilo era o único que ficava com ela. Até não ficar mais.
Melissa não sabia se estava sendo injusta com o irmão,
apenas que sentia falta dele.
E agora, dentro de um carro a caminho de um desses
restaurantes/casa de show atrás da mãe perdida, também
sentia medo. Medo de ficar sozinha, de que a mãe
finalmente tivesse cumprido sua promessa de “arrumar um
barraquinho de três cômodos” que ela não precisasse limpar
todo santo dia, de que Murilo tivesse passado na entrevista
secreta para trabalhar na Disney e a abandonasse naquele
bairrozinho periférico de São Paulo, justo ela, que sempre
quis conhecer a Disney.
— Será que dá pra abaixar a música? — pede Murilo, pela
segunda vez aquela manhã.
O motorista abaixa o volume, mas Melissa intervém.
— Será que dá pra trocar de rádio?
De cenho franzido, o motorista troca de rádio. Melissa não
sabe o nome dele, só que tem cara de novo. Daria uns trinta
e poucos, não mais que trinta e quatro para ele. As
bochechas e as maçãs do rosto estão cobertas por acne, as
sobrancelhas desenhadas. Um par de óculos de sol
espelhados estão presos no topo da cabeça. É tudo o que
Melissa aprende sobre o motorista da vez.
— Mantém o volume baixo, por favor.
Ela ressente Murilo por guardar segredo. Por que não
contou a ela que tinha encontrado uma maneira de sair? Por
que não espera por ela, para que ela possa ir junto? Não
que quisesse trabalhar. Melissa queria viajar. Se o jeito era
trabalhando, então, que seja.
— Moço, aumenta, por favor — Melissa diz, tocando o
ombro do motorista.
O motorista aumenta um tiquinho.
— Abaixa — diz Murilo.
— Aumenta.
— Abaixa!
— Que cu, Murilo! Cê ficou fritando a noite inteira e agora
quer silêncio? — Melissa explode, virando-se para o irmão e
fitando-o com todo o ódio que há em seu corpo. Ela entende
que seu ódio vem do medo, embora seja incapaz de notá-lo
agora. E o medo é o maior combustível para pessoas
medrosas fazerem coisas ruins, como gritar com seu irmão
dentro do carro de um desconhecido ou culpar os índigenas
pelo desmatamento da Amazônia.
O motorista desliga o rádio. Lá se vai a nota quase
perfeita do irmão no aplicativo.
São quase dez da manhã quando chegam ao Pollo Loco, e
os irmãos M sentem saudade do ar-condicionado tão logo
abrem a porta para saltar do carro.
Murilo agradece ao motorista pela viagem, deseja-lhe um
bom dia e bom trabalho. Melissa está de costas, ouvindo a
conversa, enquanto admira a entrada do restaurante. Ela
consegue entender o apelo. O restaurante imita a fachada
de algo próximo a um rancho, placas de madeira gravadas e
envernizadas dispostas aqui e ali. Apesar do horário, o ar
cheira a almoço.
— Tá, e o que a gente vai fazer aqui, gênio? — interroga
Melissa. Está cansada. Não dormiu direito a noite inteira
esperando a mãe voltar. Aquela casa é grande demais para
se ficar sozinha.
— Não sei — Murilo admite, igualmente cansado. Ele
esfrega o rosto com a palma da mão, suspira. Dá um passo
na direção da entrada do local, uma porta larga, fechada. —
Isso aqui não é um restaurante? Que horas abre?
— Onze e meia.
Murilo olha, surpreso, para a irmã. Melissa havia
pesquisado no carro, nada demais — a viagem estava
quieta, Murilo estava quieto, e ela precisava ocupar a mente
com alguma coisa para não surtar.
— Tudo isso? Caralho…
Melissa assiste o irmão se sentar no degrau do
restaurante, encostar as costas nas portas de aço e fechar
os olhos. Ela fica de pé por um tempo até se dar por
vencida e se sentar próxima a Murilo, mas não perto
demais. Ele fede, o mesmo cheiro da mãe de quando ela
volta do bingo. Ainda que tenha acabado de comer, esse
cheiro de arroz, feijão e picadinho a deixam com água na
boca. Enquanto esperam, retraídos, sem saber o que fazer,
Melissa observa o movimento na rua: o carro com alto-
falantes fazendo propaganda de um novo consultório
odontológico, um grupo de pessoas vestidas em suas
roupas dominicais, uns três cachorros querendo trepar em
uma cadela no cio. Ao seu lado, Murilo respira devagar, os
braços cruzados no peito, subindo e descendo, quietinho, os
olhos meio-abertos. Dormindo.
Ela navega pelo Instagram e usa o que resta do seu
pacote de dados assistindo a vídeos no YouTube, entediada.
Melissa jamais teria passado do anoitecer sem que a mãe a
tivesse bombardeado de mensagens e ligações. “Onde vc
tá? Mamãe”. “Me ligue. Mamãe”. “Seu irmão já chegou?
Mamãe.” Mônica assinava todas as mensagens, como se os
filhos não tivessem seu contato salvo. Certa vez, numa festa
de família em que Murilo e Melissa estavam
entediadíssimos, comentaram sobre o costume da mãe e
sobre como achavam a atitude fofa.
Pergunta-se o que a mãe estaria fazendo, saindo por aí
sem dar satisfação, desaparecendo com montes de dinheiro
no bolso, com homens estranhos — exatamente o tipo de
comportamento que ela frisa a Melissa que jamais tenha —
quando uma caminhonete estaciona em frente ao portão da
garagem ao lado do restaurante. Melissa fita o carro em
tediosa curiosidade. Até que vê o logo desenhado na porta
do motorista.
— Ei! — grita ela, acordando o irmão no susto, que bate a
cabeça na porta de aço.
O motorista da caminhonete a encara, curioso.
— É, você! — ela se levanta, espanando a sujeira da calça
jeans. Para ao lado da porta do motorista. — Você trabalha
aqui?
O rapaz atrás do volante não deve ter mais do que vinte
anos. O cabelo raspado nas laterais, a barba bem-feita, o
sorriso lânguido de quem vê uma garota bonita chamando
sua atenção. Melissa revira os olhos. Que desespero.
Ele baixa a janela do carro.
— E aí, lindeza!
Eca, pensa ela.
— Você trabalha aqui? — repete ela, firme e direta.
O motorista a olha de cima a baixo. Eca, eca, eca, eca!
— Trabalho… Tá procurando alguma coisa, menina?
Melissa odeia o jeito como ele a chama de “menina”.
Respira fundo. Sabe que o irmão está logo atrás, encarando-
a. Odeia quando dá um passo para o lado, deixando o irmão
visível. Odeia que é a visão do irmão que faz com que o
sorriso do rapaz vacile.
Mas precisa perguntar:
— Posso falar com algum funcionário? Alguém que tenha
trabalhado no turno da noite?
A animação do motorista dá lugar a sobrancelhas unidas,
cotovelo apoiado na janela, a cabeça inclinada para fora.
Murilo para logo atrás de Melissa, ela sente sua mão na
base de sua coluna.
— Ih, menina. Todo mundo que trabalhou no turno da
noite tá em casa dormindo — responde ele. O portão da
garagem abre completamente. O rapaz engata a marcha, a
caminhonete treme.
— Pera aí! — ela pede. — É sobre a minha mãe, ela…
— Olha, menina — o motorista a corta, pondo o rosto para
fora de novo —, você pode esperar o restaurante abrir, se
quiser. Não tem ninguém do turno da noite e…
— Por favor — Melissa implora, e ela detesta implorar.
Contudo, sabe que é isso o que ele quer, esse rapaz. Ele
quer que Melissa implore, porque homens como ele querem
as mulheres aos seus pés. Ela pode ter quinze anos, mas
entende o funcionamento das coisas — a mãe e o irmão a
ensinaram bem. — Por favor, se eu puder falar com alguém
sobre a minha mãe… ela tá desaparecida e sei que ela veio
aqui ontem. Por favor?
Ela vê as emoções perpassarem o rosto do rapaz até ele
ser vencido pela compaixão. Faz sinal para que os dois
esperem. Entra com o carro na garagem.
— Manipuladora — Murilo a acusa, mas quando se vira
para fitar o irmão, ele sorri. — Gostei de ver. Você podia ser
atriz.
Melissa sente a felicidade, o orgulho de receber a
aprovação do irmão. No entanto, guarda bem esse
sentimento dentro de si. Sabe que ele vai embora daqui a
pouco, sumir por dois, três meses, quem sabe mais. Ela viu
o histórico do notebook dele enquanto fazia pesquisa para a
escola. Viu as faculdades que ele pesquisou.
Ela torce o canto do lábio e olha de soslaio para Murilo.
Minutos depois, uma jovem em um avental branco de
botões sai pela garagem aberta. Parece procurar por eles,
pois dá um sorriso gentil assim que o vê. Ela entrelaça os
dedos uns nos outros.
— Soube que estão procurando alguém? — diz ela, a voz
suave, tranquila.
Melissa imediatamente simpatiza com ela.
— Nossa mãe… — responde Melissa, e antes que possa
continuar, Murilo entrega seu celular com a mesma foto da
mãe que mostraram à moça do bingo do Tatuapé. Melissa
mostra à garota. — Ela veio aqui ontem à noite e parece
que foi embora com alguém, mas até agora não voltou pra
casa ou ligou.
— Estamos preocupados — Murilo acrescenta,
gentilmente.
A jovem os fita brevemente, um pedido silencioso nos
olhos, então pega o celular de Murilo nas mãos.
— Eu… não me lembro muito bem. Sendo honesta, eu sou
ajudante da cozinha. Não vejo muito o pessoal que tá no
restaurante — ela diz, o tom de quem pede desculpas. —
Mas se vocês me derem uns cinco minutinhos, posso ver lá
dentro com o segurança.
Ambos Murilo e Melissa assentem, ansiosos.
Os cincos minutos, na verdade, foram quase nove quando
a garota retorna com o celular de Murilo.
— Ela esteve aqui ontem e ela saiu com um homem,
parecia ter uns quarenta anos, coisa assim. Não temos
acesso às imagens de vídeo, me desculpem.
— Não, não… — intervém Murilo, sorrindo um sorriso
tranquilizador. — Tá tudo bem. Você já ajudou muito.
Obrigado.
Ela se desculpa mais uma vez antes de retornar para o
restaurante, fechando a porta da garagem.
— A gente devia voltar pra casa — Melissa fala, após um
longo período em silêncio.
— O quê?
— Ah, você sabe… — Melissa faz um gesto como quem
dispensa algo com a mão. — Aposto que a Mãe deve estar
no motel, ou na casa de alguém, e a gente tá aqui rodando
a zona leste inteira atrás dela feito dois malucos. Capaz até
de ela já estar em casa.
— Você tá doida, garota? — exclama Murilo.
— Mumu, a Mãe transa — Melissa diz, calma.
— Que se foda! Eu também!
— Uau, muito maduro…
— O que eu quero dizer, caralho — Murilo enfia os dedos
nos cabelos bagunçados, exasperado —, é que eu tenho a
consideração de não deixar minha mãe, de cinquenta e seis
anos, louca da vida atrás de mim, achando que eu fui
estuprado ou morri num ataque homofóbico por aí!
Melissa estuda as feições aflitas do irmão.
— Você não tem cinquenta e seis anos — pontua ela,
fazendo Murilo grunhir de ódio.
— Eu tô doido de preocupação com a nossa mãe e você
fazendo piada!
— Eu também tô preocupada! — vocifera Melissa.
— Tô vendo!
— Vai se foder, Murilo — Melissa diz. Num acesso de fúria
descontrolada, acrescenta: — Se você ficasse mais em casa
com a gente…
— É o quê?
Tarde demais, Melissa percebe o que diz.
— Nada — ela tenta desconversar, puxando o telefone do
bolso. — Esquece.
— Agora fala!
Ela aponta para o celular no exato momento em que dona
Celina atende o telefone. Salva pelo gongo. Murilo se afasta,
chutando as pedrinhas da rua em frustração.
— Oi, dona Celina? A senhora não foi para a igreja?
— Ô, flor. Eu fui na missa das sete. Só liguei àquela hora
porque sua mãe tinha prometido ajudar, né, e eu sei que ela
não gosta de acordar cedo no domingo…
— Ah, tá, certo — Melissa a interrompe. — Ér… dona
Celina, a senhora pode espiar aí pela janela e ver se o carro
da minha mãe tá na garagem?
Ao longe, Murilo estica as orelhas para ouvir a conversa.
— Deixa eu ver aqui, menina… — Barulho de passos,
cortina sendo aberta, algum cacareco caindo ao chão. — A
garagem tá vazia, Mel.
— Obrigada, dona Celina.
Quando Melissa desliga o telefone, Murilo já tem o seu na
palma da mão, os olhos dardejando de um lado para o outro
da rua.
Melissa solta um suspiro.
— Onde a gente vai agora? — pergunta ela, nervosa.
Murilo não responde.
O destino atual deles ainda não é o 50º Distrito Policial,
mas a igreja São João da Bastilha.
Quando chegam à catedral em miniatura, que ocupa
quase todo quarteirão, com seu pé direito altíssimo dividido
entre paredes cor-de-creme e vitrais multicoloridos, a missa
de duas horas acaba de terminar e os fiéis ocupam a rua,
segurando o tráfego de carros.
Os irmãos saltam do carro, indo contra a maré de homens
e mulheres em suas melhores roupas que saem da igreja
para dentro da construção, os olhos voando de uma cabeça
a outra, tentando encontrar a mãe. Murilo sabe que a mãe
não está ali, e Melissa entende que o irmão mais velho só
decidiu ir até lá como um voto de confiança. Talvez a mãe
deles tivesse ido para o motel com um desconhecido,
tomado um banho, e depois corrido para a missa de
domingo. O que era o sexo fora do casamento de dona
Mônica em comparação à lavagem de dinheiro, as mentiras
e as ofensas verbais e físicas de alguns dos demais cristãos
a todos aqueles que ousavam ser diferente do
conservadorismo imposto pela ignorância?
Melissa queria muito encontrar a mãe ali, sentada no meio
do último banco, espremida entre os atrasados da missa,
como sempre. Em parte, porque estava exausta — não
havia dormido direito e toda essa busca pela cidade já havia
enchido o saco dela —, em parte porque não aguentava
mais os olhares de Murilo.
Desde a discussão em frente ao restaurante, Murilo a
vinha olhando estranho, encarando-a de rabo de olho.
Aquele olhar firme e gentil que diz “sinto que você quer me
dizer alguma coisa” e “você pode confiar em mim”. Se
entregara ao pedido silencioso daquele olhar incontáveis
vezes ao longo da vida. Como quando ela acidentalmente
quebrou a janela do carro do seu Oswaldo, levou um menino
para casa escondido da mãe para dar seu primeiro beijo, ou
tomou a primeira advertência da escola por questionar a
opinião unilateral e fascista do antigo professor de história.
Se encontrassem logo a mãe, ela não precisaria ter a
conversa que, inevitavelmente, acabaria tendo com o
irmão; não abriria portas à sensibilidade e choraria sua
partida iminente nem lhe perguntaria o porquê do segredo.
Especialmente agora, enquanto procuram pela mãe — seria
uma choradeira sem fim, com papos interrompidos por
soluços e banhados a ranho sobre seus medos e
inseguranças, coisa que Melissa não estava nem um pouco
a fim.
— Ela não tá aqui — murmura Murilo, fazendo o sinal da
cruz para o padre, de pé atrás do púlpito.
Eles procuraram por toda a igreja, e nada.
Melissa sente os ombros cederem e os olhos, pinicarem.
Não interessa o que ela quer ou deixa de querer, parece
que o universo já havia determinado local e data para o
show de lágrimas que se seguiria e estava somente
esperando que ela assumisse seu lugar no palco.
A choradeira começa lenta, um chorinho, como um
chuveiro que acaba de ser fechado.
Murilo conversa com um policial jovem demais, de olhos
grandes e azuis, tão claros que lembram o céu pouco antes
de amanhecer. O policial pisca para Murilo, coça a barba
loira rala no queixo e engole em seco quando Murilo se
perde na explicação sobre o desaparecimento da mãe — ele
une as sobrancelhas, põe os cotovelos no balcão, dá um
sorriso sem graça, pede desculpas, diz que perdeu o fio da
meada devido ao cansaço e estresse —, como se houvesse
algo de charmoso na vulnerabilidade do irmão mais velho. O
policial está interessado demais em Murilo para prestar
atenção à sua pobre irmã mais nova, secando uma, duas,
três lágrimas rebeldes com a ponta dos dedos. Murilo está
concentrado demais em manter as mãos tremendo
entrelaçadas — o policial bonito não pode notar o quão
próximo Murilo está de quebrar antes que termine a história
—, para reparar na ponta vermelha do nariz de Melissa,
especialmente quando ela funga baixinho e o esfrega,
deixando-o ainda mais vermelho.
— Que bom que você veio à delegacia — o policial bonitão
diz, após dar um pigarro, engrossando a voz e retesando os
bíceps na camisa apertada. — Muita gente pensa que
precisa esperar 24, 48 horas após o desaparecimento para
abrir um B.O., mas isso é uma corrida contra o tempo. Cada
minuto importa.
— É… — concorda Murilo, desanimado.
Melissa decide dar mais atenção ao policial e seu irmão do
que à pressão sufocante em sua garganta. O policial saca
uma folha de papel de algum lugar abaixo do balcão,
alcança a caneta à mão. Ele assume a posição mais
profissional que Melissa vê desde que botou os olhos em
seu irmão.
— Nome completo da desaparecida e idade? — pergunta.
— Mônica da Silva Barbosa, 56 — Murilo responde, e
aguarda em silêncio até que o policial faça uma nova
pergunta.
— Nome e telefone para contato?
— Hã… O meu é Murilo dos Santos Rosa, o telefone é… —
Melissa nota a sobrancelha arqueada do policial enquanto
ele escreve devagar o número de Murilo. O irmão escolhe
este momento para virar o pescoço para o lado,
encontrando seu olhar. Melissa desvia. — É bom pôr o da
minha irmã também. Vai que eu tô sem sinal…
— Certo… — murmura o policial, reticente. Ele ergue os
olhos do papel para Murilo, que fita Melissa.
A garota suspira.
— Melissa de Alcântara Matias — responde ela, e dá o
telefone num fôlego só.
— Que curioso…
— O quê? — rebatem os irmãos, em uníssono.
— Vocês têm tudo a mesma inicial — ele comenta, bem-
humorado para alguém na posição dele numa situação
como aquela. Murilo e Melissa fazem que sim com a cabeça,
um meio sorriso nos lábios.
O que o jovem policial não sabia era que nem Murilo nem
Melissa eram filhos do mesmo pai, que não compartilhavam
o mesmo sobrenome, nem mesmo o da própria mãe — que,
por considerar seu nome um nome azarado tendo em vista
anos de jogatina não tão bem-sucedidos, achou melhor não
passar essa “sorte” adiante. Numa distorção do
pensamento oriental, no qual o nome da família era mais
importante que o do indivíduo, eles sequer eram família.
Contudo, Mônica se certificou que ela e os filhos — e todo e
qualquer animal de estimação que eles haviam tido ao
longo dos anos, até a atual gata Matilda — compartilhassem
esse vínculo nominal: todos na casa 11 da rua das Garoupas
Prateadas teriam o nome M. Tradição que se estenderia por
gerações mesmo após a morte da matriarca, mas essa é
outra história.
— Bom, isso é tudo por enquanto — o policial forma um
maço com os papeis assim que Murilo os assina. Ergue o
rosto para o irmão, arriscando olhadelas para Melissa ao
retornar à pose de oficial da lei. — Vamos entrar em contato
assim que tivermos alguma informação. Pedimos para que
fiquem próximos de seus telefones e atendam a toda
ligação, ainda que de número desconhecido. Se sua mãe
retornar antes, o que é uma possibilidade, também pedimos
que entrem em contato para que suspendamos as
investigações. Posso contar com seu telefonema, sr. Rosa?
“Se”. Melissa recebe a palavra de duas letras feito dois
socos nos peitos.
— Eu preciso de ar — diz ela, correndo para fora da
delegacia.
Mesmo o flerte aparentemente unilateral do policial, cujo
nome Melissa adoraria ter pegado minutos atrás, com seu
irmão fora incapaz de controlar o aguaceiro. Ela não era o
chuveiro que acaba de ser fechado, pingando até parar — o
encanamento estava quebrado e as gotas não paravam de
vir, deslizando em duas riscas constantes pelo rosto até
caírem na camiseta branca puída, manchando-a.
Minutos depois, ela sente uma mão tocá-la de maneira
gentil e reconfortante na base das costas.
— Vamos pra casa — sussurra Murilo.
Melissa se limita a assentir; sim, casa. Ela quer ir para
casa.
Matilda
A gata Matilda fora acolhida anos antes, quando Mônica
ainda trabalhava no Hospital Geral do bairro vizinho.
Ninguém sabe sua idade real, só que viera prenha de sua
segunda ninhada. Os moradores mais jovens da casa 11 na
rua das Garoupas Prateadas quiseram ficar com um
filhotinho cada — o rapaz queria o preto, a garota, o
branquinho com pontas cinzentas. A mãe deles
argumentara que não teriam tempo para cuidar dos filhotes
e que a melhor opção seria doá-los a quem interessasse.
Mantiveram os filhotes de Matilda por perto até os
pequeninos correrem pela casa toda e começarem a comer
ração. Os jovens fizeram propaganda em suas respectivas
escolas e conseguiram lares muito bons para os gatinhos.
De vez em quando, a garota, Melissa, vinha com o cheiro de
algum deles na roupa, e Matilda esfregava a cabeça no colo
da menina, sentindo o cheirinho cada vez mais fraco de seu
filhote. Era reconfortante.
No dia em que o último filhote de Matilda foi doado, ela
estava sentada no sofá da sala, a cabeça apoiada nas patas
frontais, os olhos tristonhos. Mônica se sentou ao lado dela
após se despedir do gatinho preto, coçando-lhe no ponto
atrás da orelha, o cheiro do filhote emanando da mão.
— Deve ser muito difícil se separar dos seus filhos —
dissera Mônica aquele dia, os longos dedos enfiando-se na
pelugem cor-de-gelo da gata. Matilda lhe deu os olhos azuis,
piscou devagar. — Sinto muito fazer isso com você. Odiaria
que fizessem comigo. Mas é o que diz a natureza, não é? —
prosseguiu ela. — Os filhos nunca são nossos por muito
tempo, eles pertencem ao mundo. Chega uma hora que a
gente precisa deixar eles irem.
Matilda voltou a deitar a cabeça sobre as patas e fechou
os olhos. Mônica continuou ao seu lado por horas, muito
após o cair do sol. Eventualmente, Murilo e Melissa também
ocuparam o sofá. Os quatro ficaram ali, assistindo as
novelas das seis, das sete, o telejornal, a novela das nove, o
filme após a novela. Matilda recebia carinho de cada um
deles, um de cada vez. Eles cuidavam bem dela. Eles
haviam cuidado de seus filhotes. Matilda tinha uma boa
família. Eles se tinham, e cuidavam dos seus. Ninguém
ficaria só.
Matilda estava acostumada a passar as manhãs sozinha,
então não estranhou quando os irmãos saíram cedo,
embora tivesse se perguntado onde estava Mônica. Ela
chegava atrasada após seus plantões no Hospital Geral, a
matriarca, e Matilda, que tinha adquirido o hábito de dormir
no espaço vazio ao seu lado na cama, detestava esperar até
depois que as motocicletas paravam de subir e descer a
ladeira dos Bananais. Uma gata precisa de suas catorze
horas de sono.
Quando a porta se abre novamente naquele domingo, o
sol a pino, Matilda espera ao lado, o rabo serpenteando o ar,
e mia. Melissa passa direto. Murilo agacha ao seu lado, faz
carinho em sua cabeça, a chama de “rosa peluda”. Matilda
ronrona.
A gata segue os jovens escada acima, ziguezagueando
entre as pernas de Murilo, até as portas de seus quartos. Ela
aguarda no centro do corredor, a cabeça inclinada e as
orelhas girando quando os humanos conversam.
— Mumu? — pede Melissa, hesitante, de pé entre o quarto
e o corredor.
Murilo fita a irmã com os olhos sonolentos.
— Hmmm?
Melissa brinca com a barra da camiseta, um tique
nervoso, a cabeça baixa.
— Vem deitar aqui? — Matilda encara Melissa quando ela
fala, sua voz quase um miado de tão fina que sai.
O irmão sacode a cabeça sem hesitar. Claro que sim.
Matilda pula na cama de Melissa tão logo a menina ocupa
seu espaço de sempre. A gata está acostumada a dormir no
canto direito da cama, longe dos pés de Melissa, que tem o
sono agitado. Murilo escala a cama da irmã, pondo o próprio
celular e o da mãe na cômoda ao lado e caindo de costas no
colchão duro demais de Melissa, os três tão bem
acomodados quanto possível.
O edredom torna a cama muito confortável, do jeito que
Matilda gosta. Ela encosta a cabeça nas canelas de Murilo —
o garoto dorme na mesmíssima posição, sendo uma ótima
almofada — e começa a ronronar. A gata está prestes a
recuperar algumas horas de sono quando Murilo se mexe,
uma anormalidade.
— Você não dormiu a noite inteira, né?
Melissa sacode a cabeça no travesseiro.
— O que você quis dizer com aquele negócio de ficar em
casa? — sussurra ele, após um tempinho calado.
— Que negócio? — Melissa sussurra em resposta. Até
Matilda, uma gata e, portanto, erroneamente considerada
ser intelectualmente inferior aos humanos, percebe a
mentira no tom da menina.
— Você sabe do que eu tô falando — replica ele.
Melissa vira o corpo de modo a fitar a parede. Vê? Ela não
para quieta.
— Eu tava com sono e irritada. Não foi nada demais.
— Se fosse nada, você não teria dito.
Há tensão no ar. Matilda realmente gostaria de dormir,
mas a energia entre os irmãos não a deixa. Ela mia. Melissa
bufa.
— A Matilda quer sair.
A Matilda quer dormir.
— Não muda de assunto.
Melissa bufa novamente. Não fosse pela atmosfera
apreensiva, Matilda poderia respirar fundo e dormir.
— É só que… — Melissa começa, mas trava. Murilo espera
ela voltar a falar, em silêncio. Ela toma fôlego, como que
inspirando coragem. — Eu sei que você vai deixar a gente,
tá? Você cansou de ficar aqui, cansou de mim e da Mãe, e
agora tá indo embora. E tô puta com isso.
— Quem disse que eu tô cansado de vocês? — retruca ele,
a voz controlada, gentil.
— Tá vendo?
O quarto cai em silêncio.
— Às vezes, eu não acho que me encaixo nos lugares —
Murilo revela, falando devagar. Ele está se abrindo, ela
percebe. Murilo sempre pregou que era melhor falar sobre
os sentimentos antes de se deixar ser consumido por eles,
porém, ele mesmo raramente deixava os seus transparecer.
Melissa achava que fosse porque ele era tão bem resolvido
consigo mesmo e com o mundo. Talvez ela estivesse errada.
— Nunca senti muita conexão com isso aqui, Mel. Não tô
falando de você e da Mãe, eu amo vocês, demais. Sei lá. É
só que… quando imagino meu futuro, não consigo imaginar
nesse cenário.
A casa ao lado está almoçando, o tilintar dos talheres nos
pratos flutuando até eles, unindo-se aos sons da avenida
logo atrás. Melissa respira. Murilo suspira. Matilda bufa.
— Então você decidiu o quê, descobrir um que se encaixe?
— replica Melissa aos sussurros, meio petulante. — Se você
não sabe pra onde tá indo, então qualquer lugar serve. Não
é isso o que você diz?
— Eu cito Lewis Carroll, mas isso serve — responde ele
com leveza e uma risadinha sem humor. — O que eu quis
dizer é que acho que existe um futuro pra mim longe daqui.
— Longe da gente, você quer dizer.
— Garota, você me ligou às sete da manhã pra falar que a
dona Celina estava te enchendo o saco. Acha mesmo que
eu conseguiria ficar longe de você, mesmo que eu quisesse?
Mas nem se trocasse de número de telefone! Você é pior
que a CIA.
Melissa deixa uma risadinha escapulir.
— Eu amo você, Mel — diz Murilo.
— Também te amo, Mumu — diz Melissa.
Matilda exala, satisfeita. Finalmente poderá dormir.
Melissa vira o corpo para o irmão, sacudindo a cama.
Matilda espirra.
— Você já contou pra Mãe? — pergunta ela.
— Não — diz ele. — Recebi o e-mail de que tinha sido
aprovado ontem. Por isso saí com a galera, para
comemorar.
— Quando você embarca?
— Pedi para ir nas férias, assim não perco aula na
faculdade.
— Mas você não estava procurando faculdades no
exterior?
— Eita, bicha intrometida! — Eles riem juntos. Matilda já
não sente a tensão do atrito entre eles, mas ainda assim
torce para que fiquem quietos em breve. — Pesquisei cursos
de pós-graduação por lá. Vai que rola, né?
— É… vai que…
Uma vez que o sono finalmente a abraça, Matilda não
ouve o restante da conversa dos irmãos. Sabe que
continuam conversando; ainda escuta o ruído de fundo, as
vozes abafadas. Felizmente, parte da paz havia sido
restaurada. Para a gata, aquilo era o bastante.
Mônica
Mônica era incapaz de se lembrar da última vez em que
havia se divertido tanto!
Quando assistira àquela reportagem no jornal matinal
sobre arrependimentos da terceira idade, Mônica riu. Seus
arrependimentos foram, sem ordem específica: o dedo
podre para homens, andar de motocicleta com seu amigo
recém-habilitado e muito bêbado, não ter ido ao camarim
do Fábio Jr. quando teve a chance, ter confiado ao pai de
Melissa os ingressos ao último show do Victor & Leo quando
sabia que aquele imprestável não tinha capacidade sequer
de lembrar de comprar papel higiênico mesmo que
estivesse com diarreia.
Ela estava feliz com a vida que tinha. Trabalhava, era mãe
de dois filhos incríveis — ainda que nenhum deles fizesse
trabalho doméstico sem que ela pedisse incontáveis vezes.
Mônica da Silva Barbosa chegara aos cinquenta e seis anos
de idade uma profissional e mãe realizada.
Ainda assim, ao assistir a reportagem, algo clicou.
Ela ainda se lembrava das palavras da entrevistada, uma
senhora de noventa e dois anos, esquecida em um asilo de
São Paulo pela família. “Eu trabalhei, criei meus filhos… e
esqueci que era pessoa depois disso. Quando meu marido
morreu, nem trepar com outros eu trepei.”
Mônica ainda era um indivíduo. Não era? Ela trabalhava
com o que gostava, porque queria. Trocou o barato das
motocicletas — uma vez só na vida para nunca mais,
coitada — pela adrenalina de ver as bolas numeradas
surgindo na tela, riscando a cartela e sujando a mão direita
de caneta-marcador a cada número novo, cada vez mais
perto de gritar “bingo!” e levar um dinheirinho para casa.
Uau, aquilo era sentimento. E Murilo, em seu primeiro
estágio, ô menino de ouro, sempre pagava uma pizza às
sextas-feiras.
Ainda assim…
Ela não estava infeliz. Frustrada, talvez. Mas infeliz?
Aquele cabelo sem corte a deixava incomodada. Vivia
preso por causa do serviço e percebeu que o deixava preso
em casa também, não por hábito, mas por vergonha.
Pronto, lá estava a solução. Pediu à filha mais nova dicas de
corte. Melissa fez questão de acompanhar a mãe ao
cabeleireiro, escolheu o corte. Mônica deixou, embora a voz
em sua cabeça pedisse que freasse a filha em prol de algo
mais conservador. O resultado final havia sido um corte
leve, elegante, moderno, que valorizava seu rosto e a
deixava com ares sete anos mais jovem.
O que um corte de cabelo não faz.
Foi ao bingo por volta das quatro da tarde. Colocou
vestido, coisa que nunca vestia a não ser em casamentos
ou formaturas, borrifou o perfume mais gostoso que tinha e
não ligou de ter exagerado na dose. Todos ficaram
admirados com o novo visual de Mônica.
Silvinha apareceu por lá na hora do jornal, fugida dos três
filhos controladores. Chamou Mônica para ir ao bingo do
Tatuapé, o que a mulher considerou um sinal. Ela amava os
bingos da cidade; quanto mais centralizados, melhores
eram os prêmios. Usaram o carro de Mônica, pois Silvinha
tinha deixado o carro em frente à casa da própria irmã para
despistar os filhos.
O bingo do Tatuapé era imenso, não fedia a cigarro como
o do seu bairro, e com prêmios altíssimos. Com a cartela a
cinco reais cada, Mônica jogou de rachadinha com Silvinha,
jogando o cabelo novo por sobre o ombro a cada olhar
charmoso que os homens e mulheres do local lhe dirigiam.
Na rodada principal, decidiu jogar sozinha. Ganhou mil e
quinhentos reais. Dali em diante, era como se a sorte a
tivesse acolhido e declarado ser sua melhor amiga para
sempre. Ganhou mais dois bingos menores e saiu do local
bem depressa quando desconhecidos vieram pedir dinheiro
emprestado.
Ela ia para casa, feliz e dois mil reais mais rica do que
quando saíra. Pediria uma pizza para dividir com os filhos.
Não, pizza não. Iriam naquele restaurante italiano de
família. Ou então no japonês, pediria rodízio.
Ah, que se dane — iria de japonês para o jantar e cantina
italiana no almoço de domingo. Além de comer bem, não
teria que lidar com a louça. Amém.
— Sabe do que eu estava com vontade, Mô? — soltou
Silvinha, dentro do carro, enquanto afivelava o cinto de
segurança. — De ir dançar.
Mônica gemeu em contentamento.
Sim, dançar! Há quanto tempo não saía para dançar!
Melissa devia ter uns… seis, sete anos. Murilo tinha uma
festinha de aniversário na casa de um colega. Isso deve ter
sido… nove anos atrás? Tanto tempo assim?
Mônica engatou a primeira no carro, ligou o rádio na
estação de música sertaneja, e ela e Silvinha passaram o
caminho inteiro até o Pollo Loco cantando suas músicas
preferidas. Mônica embromava as letras desconhecidas,
cantando a última sílaba de cada palavra, apenas por
diversão.
Demoraram a achar uma vaga para estacionar, mas
quando entraram, soube que tomara a decisão certa.
Pediram cerveja — Mônica bebeu só uma, para molhar o
bico, até porque estava dirigindo —, porção de fritas, frango
à passarinho, palitos de queijo. Dançaram sozinhas, juntas,
acompanhadas por homens jovens, uns mais feinhos, outros
mais bonitos. Imitaram a dança coreografada do grupo,
Silvinha escolhendo copiar os movimentos dos homens, pois
eram os melhores passos.
Ela bebia guaraná num canudinho manchado de batom
vermelho — que pegara emprestado da filha sem ela saber
— quando foi abordada por um homem alto, a careca
lustrosa, peitoral e bíceps que preenchiam a camisa social
meio-aberta tão bem que Mônica teve de fechar as pernas.
A gola da camisa e o tecido debaixo das axilas estavam
suados, ele aproveitara bem a noite antes de se aproximar
dela, com o sorriso maroto e antebraços cheios de veias;
chegando mais perto, Mônica sentiu seu perfume e quis
imediatamente lamber a curva de seu pescoço.
Papearam por horas, ele era ótimo de se conversar.
Rômulo tinha trinta e sete anos, tão, tão mais novo do que
ela. Em momento algum perguntou a idade de Mônica.
Beijou sua mão ao tirá-la para dançar. Beijo seu pescoço
enquanto cruzavam as pernas em um arrocha lentinho.
Mordiscou o lóbulo de sua orelha, brincando com o brinco —
também emprestado de Melissa, em segredo — com a
língua ao convidá-la para irem a outro lugar. Cada pedaço
do corpo de Mônica estava em chamas e ela suava por toda
a parte.
Rômulo a levou para conhecer seu grupo de amigos do
trabalho antes de irem embora — Mônica ficou igualmente
feliz e aliviada ao perceber que o grupo era
majoritariamente formado por mulheres. Ofereceram carona
para Silvinha, mas a amiga dispensou, lançando-lhes uma
piscadela nada discreta.
Foram a um motel caro na saída da ponte Aricanduva. Ele
pediu para pagar pela suíte.
Rômulo, ela descobriu, era extremamente generoso.
Mônica transou quatro vezes naquela noite.
Ela acordou com o telefone tocando, sua mão voou até o
aparelho.
— Alô? — ela balbucia, virando de bruços no colchão
desconhecido.
— Sra. Barbosa? Aqui é da recepção — diz a voz feminina,
um tanto robotizada, num tom de falsa animação. — Este é
um telefonema-comunicado. O pernoite de vocês acaba à
uma da tarde.
— Uma da tarde?
— Sim, senhora.
— E que horas são?
— Meio-dia, senhora — responde a recepcionista. — O
telefonema-comunicado te dá uma hora para encerrar o seu
pernoite.
— Tudo isso? — Mônica retruca, assustada.
A recepcionista pensa que o susto da hóspede se dá pela
uma hora. Talvez pense que é muito tempo para terminarem
de transar, tomarem banho e fazer o check out, e ninguém
pode culpá-la pelos meses que equivalem a anos de
trabalho na recepção daquele motel. No entanto, Mônica
está mais preocupada com o horário. Meio-dia e não
recebeu uma mensagem dos filhos? Uma ligação? Isso não
está certo.
Quando se vira para colocar o telefone no gancho, Mônica
sente a mão grande, forte e suave de Rômulo deslizar pela
sua coluna, pousando sobre a lombar.
— Topa uma saideira? — sussurra ele ao pé de seu ouvido,
grogue de sono e tesão.
Mônica se sente derreter por dentro.
Uma hora a mais, uma hora a menos. Não era como se os
filhos estivessem preocupados com ela, mesmo.
No momento em que fizeram o check out, Rômulo
entregando o cartão de crédito para a recepcionista, Mônica
havia transado cinco vezes mais em uma noite do que nos
últimos dez anos.
Rômulo a levou para tomar café da manhã em uma
padaria. Eles comeram pão com manteiga na chapa e
beberam pingado, ele puro, ela, com leite, bem clarinho.
Conversaram bastante durante a refeição, rindo quando ele
pontuou que deveriam estar almoçando e ela disse que seu
dia não começava sem um café. À luz do dia, com o nariz
adunco e o aparelho discreto nos dentes, Rômulo continua
tão lindo e charmoso quanto debaixo dos efeitos de luzes do
bar e da meia-luz do motel. Ele esticou a mão sobre a mesa,
enlaçando os dedos aos dela. É deliberado, leve, sem
pretensões. Ele gosta dela.
Na hora que se separaram — “Não, não, você já fez
demais. Eu pago.” “Se dividirmos, nós dois ficaremos
confortáveis, que tal?” “O.k. Mas te dou uma carona pra
casa.” “Você já deu. Moro na rua debaixo.” —, Rômulo a
leva até o carro e pede o número de Mônica. Ela diz os
números sentindo o estômago embrulhado e a cabeça, um
pouco tonta. Ele digita os números e aperta em “ligar”.
— Assim você vai saber que a última ligação é minha —
diz ele com uma piscadinha.
Mônica dá uma risadinha.
Quando imaginaria que, no auge dos seus cinquenta-e-
tantos anos, estaria dando risadinhas por causa de homem?
— Tá chamando — diz Rômulo, antes de encerrar a
ligação.
Mônica franze o cenho.
— Ué, não tocou.
— Que estranho… O número é esse mesmo? — Ele mostra
a tela de seu celular para Mônica, que assente ao confirmar
o telefone. — Hmmm… Você tem certeza de que trouxe o
celular? Que não esqueceu em casa ou coisa assim?
Mônica, que procurava o telefone em cada compartimento
do carro que via pela frente, estanca ante à pergunta de
Rômulo.
Puta. Merda.
Rua das Garoupas Prateadas, 11
M—
Murilo está exausto de acordar com telefones tocando ao
seu lado. Sua cabeça lateja, e cada pedacinho de músculo
do corpo dói, especialmente das costas, do abdome e das
coxas. Está a ponto de encerrar a ligação quando percebe
que o toque é diferente do seu.
Já totalmente desperto, embora não livre da dor, Murilo
rola até cair da cama pequena num estrondo. Ele resmunga.
Quando alcança o celular sobre a cômoda, ele já parou de
tocar.
Ele pega o telefone, piscando até a vista se ajustar. Não
reconhece o número. É possível que seja só mais uma
ligação de telemarketing; a mãe vive reclamando que ele já
deveria ter cadastrado seus números naquele programa do
PROCON que ela viu na TV certa vez, mas Murilo sempre
deixa para depois e acaba esquecendo. Também é possível
que seja um sequestrador.
Não, sequestrador não.
Porém, Mônica havia saído do restaurante/bar
acompanhada de um estranho, o bolso cheio de dinheiro.
E se ele estivesse pedindo um resgate?
Pior, e se estivesse ligando para dar a localização do
corpo?
Murilo cambaleia até o banheiro, sequer se dando ao
trabalho de fechar a porta, inclina a cabeça dentro da
privada e vomita. Lágrimas caem em bolhas gordas e
pesadas. Melissa não pode vê-lo assim. Ele não pode pensar
esse tipo de coisa. Pensamento atrai a realidade, é algo em
que ele acredita, então não vai se permitir pensar em nada
violento. Não, não e não. Aquela ligação era de alguém
pedindo doações. Isso. Casa de Maria, GRAAC, AACD,
qualquer uma delas. Tudo estava bem. Notícia ruim chega
depressa. Tudo estava bem.
Os ruídos de vômito ecoando no corredor despertam
Melissa. Aos seus pés, ela sente o corpo quente de Matilda
enrolado em si mesmo. O lado da cama onde Murilo dormia
está vazio. Deve ter passado mal de tanto beber, ela pensa.
Melissa se aconchega no cantinho encostado na parede,
puxando o edredom de modo que sinta que está abraçando
algo. Antes que volte ao sono sem sonhos, ela se pergunta
onde a mãe está. Sabe que está bem, de outro modo, já
teriam tido notícia. Não teriam?
Para as mães preocupadas com os filhos, existe um único
som capaz de aliviar o aperto em seus peitos. Os irmãos M
descobriram, naquela tarde de domingo, que o mesmíssimo
som que acalmava os nervos de dona Mônica toda vez que
um deles passava do horário de chegar em casa, era
igualmente tranquilizador para eles: a tranca do portão da
frente sendo aberta.
Murilo ergue a cabeça do vaso sanitário, um fio de baba
escorrendo pelos lábios entreabertos, e limpa os olhos
chorosos com o dorso da mão.
Melissa abre os olhos, totalmente desperta, e rola para fora
da cama, chutando a gata no processo. Não consegue
encontrar os chinelos.
Matilda solta um miado, arqueia as costas, sapateia sobre o
colchão e volta a se enrolar no emaranhado no qual o
edredom de Melissa se transforma quando a garota sai em
disparada pela porta. Deita a cabeça sobre as patinhas
cruzadas e fecha os olhos.
Enquanto esconde o dinheiro ganhado no bingo debaixo do
micro-ondas, Mônica ouve o barulho de passos apressados
no andar de cima. Ela se vira bem a tempo de ver os dois
filhos, os cabelos desalinhados, as caras amassadas de
sono, Murilo com os olhos vermelhos. Eles estancam na
escadaria, Melissa agarrando-se à barra da camiseta, Murilo
incapaz de se mover.
— Oi, crianças — diz Mônica com um sorriso constrangido.
Nem Murilo nem Melissa dizem uma só palavra.
— Vocês estão com uma cara… — comenta a mãe, o
sorriso evoluindo para uma risada nervosa. Ela desliza pela
cozinha, pega um copo do armário e o enche de água do
filtro. — Dormiram bem?
— Como foi no bingo? — Melissa é quem fala, sentando-se
no penúltimo degrau, os dedos ainda enrolados no tecido da
camiseta.
— Ah, vocês não acreditam. Bati três bingos ontem — diz
Mônica, orgulhosa. Ela vira o copo de água goela abaixo,
comprime os lábios e limpa a boca com as costas da mão.
— Vocês acordaram agora?
— Hã… mais ou menos agora — responde Melissa.
Mônica encontra o olhar de Murilo, ainda estático na
escada. Ela sente o queixo tremer, mas logo se recupera.
Melissa acompanha o olhar fixo da mãe até o irmão.
— Tá tudo bem, Mumu? — Mônica pergunta, usando o
apelido de quando ele era pequeno e só os moradores da
rua das Garoupas Prateadas, nº 11, ainda usavam.
Murilo não sabe responder a essa pergunta. “Está tudo
bem?” é o que ele deseja perguntar a ela. “Está tudo bem
você sumir a noite inteira e deixar a gente preocupado sem
uma mensagem que seja?” é o que ele quer perguntar.
“Está tudo bem você me fazer achar que estava morta e
que… e que… e que…” é uma pergunta que ele teme fazer.
— Então você bateu três bingos, é? — ele escolhe dizer,
massageando as têmporas com os dedos.
— Uhum. — Mônica tira o montante de dinheiro do seu
esconderijo, forma um leque com as notas e se abana.
Melissa dá uma risadinha. Murilo mal consegue esboçar um
sorriso. — O que vocês acham de a gente ir naquela cantina
italiana almoçar hoje, hein? Eu pago.
Ela tá falando sério?, Murilo se pergunta.
Melissa, que assistiu preocupada ao jogo de pingue-
pongue entre mãe e filho, de cenho franzido e tudo, suga os
dentes e intervém:
— Espera a gente tomar banho que a gente vai.
— A gente precisa ir na delegacia antes — interrompe
Murilo, fazendo Melissa fechar os olhos e soltar o ar entre os
dentes. — Pra avisar que você apareceu.
Mônica sente um aperto no peito.
— Vocês foram até a delegacia? — diz ela, num fio de voz.
— Você ficou a noite inteira fora — retruca Murilo, o
cansaço dando vazão a sua irritação crescente, embora
mantenha a voz baixa. Em momento algum ele tira os olhos
da mãe. Lágrimas voltam a se acumular em seus olhos, mas
ele não se importa em deixá-las cair. Não agora. — Não
levou o celular. Não ligou. O que você quer que a gente
pense?
O orgulho de Mônica grita em sua mente, ordenando-lhe
que exija respeito de seu próprio filho. Contudo, há dor nos
olhos de Murilo. Ela vê medo e vergonha no rosto de
Melissa. Tudo o que disse, Murilo disse de um lugar de
sofrimento, e isso a mata por dentro. Durante toda sua vida,
Mônica encarregou-se de criar seus filhos da melhor
maneira que pôde — para ela, sendo a mãe superprotetora
e às vezes até sufocante, significava manter toda dor e
aflição desnecessária longe dos filhos —, mas lá estava ela,
errando.
Então se lembrou das palavras da velhinha da entrevista.
— Desculpa — sussurra ela, aos dois. Murilo e Melissa
erguem as cabeças.
Mônica não estava errando, não de propósito.
— Eu estava empolgada e me deixei levar.
Ela estava vivendo.
— Sinto muito ter causado tanto estresse em vocês dois —
suspira ela. — De verdade, me perdoem.
Não existe meio de passar por esta terra sem errar, sem
causar dor ou incômodo em algum nível às pessoas ao
nosso redor, por mais que se tente. O que podemos fazer é
aceitar as coisas que não podem ser mudadas e trabalhar
naquilo que pode ser melhorado, como reconhecer os
próprios erros e pedir perdão. Mônica sabia disso, e fez
questão de passar adiante para os filhos. Mãe ou filha, ela
podia errar. Às vezes, o orgulho entrava no caminho e ela
demorava a enxergar que, independente da sua posição
como matriarca da família, ela não era detentora de todas
as certezas. Porém, de uma coisa ela estava certa: ainda
que eles a fizessem chamar dezenas de vezes para fazer o
serviço doméstico, ainda que eles tivessem sido
responsáveis por mais fios de cabelos brancos do que a
tintura loura em seu cabelo permitisse que os outros
enxergassem, ainda que Murilo e Melissa fossem tão
diferentes entre si…
— Tá tudo bem, mãe — murmura Murilo, em meio a uma
fungada.
— É — completa Melissa, um meio-sorriso nos lábios.
… ela tinha os melhores filhos do mundo.
— Então vamos lá? — anima Mônica, despachando os
filhos cansados para os chuveiros. — A gente aproveita e eu
conto pra vocês da noite maluca que eu tive.
— É. Não esquece que a gente precisa passar na
delegacia — resmunga Murilo.
— Isso! Quem sabe agora o Murilo nota o policial gatinho
que tava dando mole pra ele mais cedo — comenta Melissa
deliberadamente.
— Como é? — Mônica pergunta.
— Do que você tá falando, sua doida?
— Ah, do policial loirinho que queria seu corpo — diz
Melissa, como quem não quer nada. — Tenho quase certeza
de que ele anotou o seu número no telefone dele.
— Aff, Melissa, stalker demais?
Mônica se diverte ao acompanhar a discussão dos filhos
ao passo em que cada um segue para seu quarto, e então
para os banheiros da casa. Em seu quarto, Mônica está
prestes a descer o zíper do vestido quando ouve duas
batidas na porta e Murilo entra, sem camisa, a toalha
pendurada no pescoço.
— Seu celular — ele entrega o aparelho à mãe.
— Obrigada, filho.
— Alguém te ligou mais cedo… — diz Murilo, deixando a
frase morrer no ar antes de se virar e fechar a porta ao sair.
Mônica reflete por alguns minutos se deve ou não ligar
para Rômulo. Por fim, decide mandar uma mensagem curta.
Deixa o celular ao lado do vestido, sobre a cama, e se dirige
ao chuveiro.
Contato salvo. Adorei nossa noite. Bjs. Mônica
A cantina italiana do bairro vizinho está lotada e Mônica,
Murilo e Melissa só conseguem uma mesa disponível porque
uma outra família acaba de sair. A mesa em questão está
suja de farelos, molho de tomate, queijo ralado e suco.
Mônica limpa a sujeira com guardanapos antes mesmo do
garçom aparecer com um pano de prato e álcool.
Tão logo a comida é posta na mesa, os três começam a
comer.
— O policial era uma gracinha, viu, filho… — comenta
Mônica, arrancando uma risada de Murilo.
— Acho que gosto da ideia de sair com um cara fardado —
responde ele, o canto do lábio inferior preso entre os
dentes.
— E vai ter tempo de sobra para aproveitar o policial
Eduardo Simões antes do ano virar, hein? — cutuca Melissa,
concentrada na página do Instagram do policial, sem
perceber os olhos castanhos claro do irmão saltando das
órbitas. — Te mandei o Instagram dele.
— Antes do ano virar? — Mônica pergunta, confusa. A mãe
assiste o filho mais velho metralhar a mais nova com os
olhos. Melissa finge estar alheia à situação e emboca um
pedaço de frango à parmegiana.
— Ah, é… — Murilo põe os talheres sobre o prato e respira
fundo. — Me candidatei a uma vaga de emprego de três
meses na Disney e… passei.
Mônica pisca os olhos para o filho, meio boquiaberta.
— Mas você nem tem passaporte — diz ela, perplexa.
— Dei entrada no pedido ontem, assim que recebi o e-mail
— declara Murilo, um sorriso pequeno se formando
involuntariamente. — E, de noite, meus amigos me levaram
para comemorar lá na Augusta.
Mônica se volta para Melissa, que continua fingindo saber
de absolutamente nada sobre aquilo.
— E desde quando você sabe disso, Mel?
Melissa bloqueia a tela do celular, fita a mãe com olhos
enviesados.
— Sei que ele estava tentando a vaga desde que precisei
do notebook pro trabalho final de português — Melissa
desembucha. Ela lança um sorriso apologético ao irmão,
que rola os olhos e sorri em resposta, enfiando um pedaço
de lasanha na boca. — Ele só me contou mesmo porque a
gente teve uma DR essa manhã.
— Intrometida — Murilo murmura, baixinho.
— E eu que sou a mãe descubro por último? — Mônica
mascara seu desapontamento fingindo estar ofendida, mas
pelo olhar compassivo do filho, ela sabe que não funciona.
— São só três meses, mãe — diz ele, simplesmente.
Como quando assistiu àquela reportagem sobre
arrependimentos na terceira idade, Mônica sente algo
estalar dentro de si ao ver o filho, ocupando todo o espaço
da cadeira a sua frente, o rosto pálido, os ombros relaxados,
comendo seu prato favorito como se não tivesse nenhuma
preocupação no mundo. Luz do sol entra pela janela,
esparramando-se pela mesa abarrotada de comida, as
mechas douradas no cabelo castanho claro de Murilo e o
loiro acinzentado de Melissa brilhando sob a luz. Mônica
engole o bolo que se forma em sua garganta.
— E como foi a sua noite, hein? — incita Melissa.
— É, mãe… — prossegue Murilo, as sobrancelhas
dançando enquanto fala. — A gente soube que rolou uma
noite de paixão tórrida com um homem desconhecido…
Mônica engasga na sua soda, em meio a uma gargalhada,
surpresa.
— Como vocês estão sabendo disso? — questiona ela.
— Silvinha — os dois respondem, juntos.
— Aquela fofoqueira… — Mônica sacode a cabeça, mas dá
o braço a torcer e conta tudo aos filhos. Não tudo, decide
deixar os detalhes da sua vida sexual de fora, por mais que
Murilo e Melissa a provoquem a falar mais sobre Rômulo —
“Vocês usaram camisinha?” “Ele pagou?” “Ele fez oral em
você?” “Eca, não preciso dessa imagem na cabeça, Murilo,
que nojo!” “Nossa mãe transa, Me-lis-sa”.
Dentro de seu Fox branco, Mônica dirige de volta para
casa pela segunda vez aquele dia, assistindo o sol descer no
horizonte e colorindo o céu em tons de laranja, rosa e roxo,
enquanto seus dois filhos cochilam, as cabeças deitadas no
vidro do carro. Ela os vê em flagrantes pelo espelho
retrovisor. Murilo, no auge dos seus dezoito anos, pronto
para ir… a algum lugar — ainda que possua um destino
desta vez, Mônica não pode deixar de pensar que este é o
começo de um fim, os primeiros fiapos de uma corda que se
esticou demais e começa a arrebentar. E ainda que Murilo
volte para casa ao final dos três meses de trabalho, sente
que não demorará muito até que parta novamente, quem
sabe por quanto tempo da próxima vez. Do outro lado do
carro, os fones bem fundos nos ouvidos, Melissa e seu
coração sempre aberto, quem sabe aberto demais para o
mundo em que vive. Ela sabe que, tal qual o irmão, chegará
o dia em que Melissa vai seguir seu caminho, só Deus sabe
para onde. Não hoje nem no ano seguinte, mas logo, logo.
Então sobra Matilda, a gata.
E ela mesma, claro.
Talvez Rômulo, por alguns tempos.
Mônica diz a si mesma que não romantizará a situação
nem pensará demais nele. Gostou da noite, da manhã
seguinte e vai gostar dos próximos encontros também.
Entretanto, sabe que o que mais gostou daquela noite fora
aquela sensação de liberdade que experimentara. Sim,
pensou nos filhos aqui e ali. Também não lhe escapou que,
na segunda-feira, terá um turno de trinta e seis horas
esperando por ela. Ainda assim, sentiu-se mais viva em
uma noite do que em toda sua vida.
Em uma noite, Mônica fez mais por si mesma do que em
dez anos, e aquela era uma sensação da qual não estava
disposta a abrir mão novamente. Nunca mais.
FIM
Nota do Autor
Numa manhã de domingo em dezembro de 2019, quando o
sol já estava quente o bastante para queimar a pele da
nuca de qualquer um que se aventurasse a andar pelas ruas
sem uma sombrinha, me deparei com a minha irmã deitada
na cama, a TV ligada. Perguntei a ela o que ela estava
fazendo acordada tão cedo; ela rebateu com um “Adivinha
quem não voltou pra casa?”, naquele tom sarcástico que só
uma adolescente de quinze anos consegue dizer.
Fora o barulho da TV, a casa estava quieta, e a garagem,
vazia.
“A mãe não voltou ainda?” rebati.
E, bem… acho que já dá pra prever aonde isso tudo levou.
As coisas funcionaram de maneira muito diferente para os
irmãos M. Longe de se parecer com dona Mônica, minha
mãe estava onde minha irmã e eu achávamos que estaria, o
que rendeu uma crise de risos pra todo mundo em casa
quando chegamos juntos. Apesar de tudo, a frase da minha
irmã, “Adivinha quem não voltou pra casa?”, continuou
ecoando na minha cabeça até que meus dedos estivessem
teclando letras, formando palavras, criando parágrafos e,
por fim, pondo um ponto final em um pedaço de ficção
amplamente baseado em uma frase e uma anedota familiar.
“Adivinha quem não voltou pra casa?” foi uma das coisas
mais rápidas que já escrevi. Também foi uma sessão de
terapia (não exatamente uma sessão de terapia, isso a
gente só faz com profissionais certificados e autorizados);
descobri coisas sobre mim e sobre minha família que,
apesar de desconfiar, saber de maneira muito subjetiva,
não havia tomado consciência: estamos vivendo nossas
vidas juntos hoje, mas não sabemos até quando
continuaremos juntos — o ponto de ruptura vem se
apresentado a nós como o canto de uma sereia, baixinho,
sedutor, atraindo-nos cada um para o seu destino. Nós
somos como as ondas, que colidem e se esparramam pela
praia, e depois se juntam às marés e percorrem o oceano,
talvez até o mundo — e ninguém sabe exatamente onde vai
parar.
Um segundo ouvindo minha mãe reclamar, pela terceira
vez seguida, da sua falta de sorte na jogatina; minha irmã
repetindo uma música sei-lá-quantas-vezes, tão alto que faz
as dobradiças da porta tremerem; o miado baixinho da gata
me acordando de madrugada porque, de todas as saídas da
casa, ela quer passar justamente pela minha janela às
quatro e dezessete da manhã. Não só isso, mas cada piada
bêbada com meus amigos, todo beliscão na bunda que
trocamos ao pegar o outro desprevenido… Às vezes, seja lá
por qual motivo, não nos damos conta do quanto cada um
desses momentos são preciosos.
Este conto é uma declaração de amor, como suponho que
tudo aquilo que eu escreva venha a ser — desta vez para
todos aqueles que amo, e especialmente às minhas
meninas. Que eu possa fazê-las se sentirem eternamente
amadas, impressas no meu coração, e nas palavras desta
história.
Agradecimentos
Obrigado, Mãe, por quase me fazer ter um ataque cardíaco
quando não voltou pra casa aquele dia. Mas acima de tudo,
obrigado por me amar, desejar o meu melhor, e ter dado o
braço a torcer quando disse eu disse que queria ser escritor.
Obrigado por garantir que, enquanto você viver, eu poderei
viver meu sonho sob o seu cuidado e abraço gentil; e
mesmo depois disso, que terei uma vida feliz com as
escolhas que tomei, pois você me ensinou a sempre
escolher o melhor para mim.
À minha irmã, que em nenhum segundinho dessa vida
desacreditou de mim. Obrigado por me acolher por quem eu
sou, por me deixar encontrar em você uma amiga
(basicamente, te moldar em alguém que gosta de Disney,
filmes românticos e música pop), e por chorar comigo em
cada uma das minhas realizações. Eu te amo desde antes
de você nascer, e vou continuar amando até virarmos
lembrança.
A todos os meus amigos, desde a Marmita (houve uma
época em que achei que precisávamos trocar de nome;
nossos filhos nunca aceitarão que os pais deles fazem parte
de um grupo chamado marmita), que foram as primeiras a
lerem qualquer coisa minha e dizerem “Isso é bom!”, lá em
2009, e terem me apoiado desde então; até os mais
recentes (vou chamar vocês de Village People). Obrigado
por me mostrarem que sou digno de ser amado, por me
darem todo o apoio do mundo em qualquer empreitada que
me dê na telha, e, claro, por serem meus amigos. Aos
leitores/escritores do Nyah! Fanfiction que se mostraram
verdadeiros amigos, meu muito obrigado não apenas seu
carinho, mas por me ajudarem a crescer enquanto escritor.
A todos vocês… Nunca achei que fosse ter um, hoje tenho
tantos! Obrigado por me fazerem feliz.
Às meninas da Increasy, por acreditarem em mim e me
darem uma chance. À Mari Dal Chico por amar tanto “As
aventuras de Alice no País das Maravilhas” e ter me
proporcionado uma experiência única que guardarei para
sempre na memória.
Ao Leo Oliveira, por ter sido mais do que eu poderia
imaginar. Obrigado por compartilhar tanto comigo. Obrigado
por mostrar que há estrelas no céu. Que você encontre todo
a felicidade que este universo pode te dar.
E, por fim, meu muito obrigado a você, leitor: por ter me
dado uma chance, me permitido te fazer companhia ao
longo desta leitura, e chegado até aqui. Espero que você
tenha tido uma boa experiência e que possa tornar esta
vivência de leitura em algo somente seu.
Obrigado por tudo e mais um pouco.
Nos vemos na próxima!
Sobre o autor
Pedro Poeira
É apaixonado por livros, séries, lasanha, e filmes da Disney.
Mora em São Paulo e é formado em letras pela Universidade
de São Paulo. De tanto tempo livre quando criança, hoje
passa mais tempo no mundo da ficção — de que gosta mais
— do que no mundo real. Já publicou os textos "I See Fire"
(Revista YAWP #9, 2017), sob o pseudônimo Pedro Lazo;
"Aqui Jaz João Santiago" (Wattpad, 2020); e "Quantas
Novalginas Você Já Tomou Hoje?" na coletânea “As Crônicas
da Unifenda” (Plutão, 2020).
Twitter: @mejackjohn