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Zilá Bernd - O Que É Negritude

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Gabriella Magno
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Copyright © Zilá Bernd

Capa:
Marco de Andrade
Angela Mendes
Mauro Augusto

Ilustrações:
''Pineapples Fields Forever''

Revisão:
José Waldir Santos Moraes

ISBN: 85-11-01209-5 ÍNDICE


Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
A construção do estereótipo . . . . . . . . . . . . . . 11
A desconstrução do esterdótipo: a negri-
tude ....... . . ·. .... . . .. . . . ....... . . .... 15
Um pouco de história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Trilhando diferentes trilhas: Aimé Césaire e
Léopold S. Senghor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Balanço geral: lucros e perdas . . . . . . . . . . . . 37
Negritude no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Da negritude à construção de uma identi-
dade negra ... . .... .. ;. . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Indicações para leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
editora brasiliense s.a.
MATRIZ: Rua At ucur i, 318- Tatuapé- São Paulo- SP
cep: 03411-000- Fone/Fax: (011) 6942-0545
VENDAS/DEPÓSITO: Rua Mariano de Souza, 664- Tatuapé- São Paulo- SP
cep: 03 ,1 11-090- Fones: (011) 293-5858- 293 -0357- 6942-8170 -- 6191-2585
Fax: (011 294-0765
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APRESENTAÇÃO
No ano do Centenário da Abolição da Escrava-
1 tura no Brasil - 1888-1988 - torna-se oportuna
uma reflexão sobre a polêmica questão da NEGRI-
TUDE. Embora o 13 de Maio, data da promulgação
da LEI ÁUREA, que aboliu a escravatura no Brasil,
não seja significativo para o negro brasileiro por não
corresponder a um momento de verdadeira liber-
tação, ele pode ser aproveitado justamente para que
se reavalie criticamente este período de cem anos
Há coisas que se choram muito durante os quais a situação, para o negro lib~rto,
anteriormente muito pouco se alterou em relação ao período escra-
Sabe-se então que a História vai vagista.
mudar. Último país da América a proceder à abolição
do ultrapassado sistema escravocrata, o Brasil o faz
Ruy Duarte de Carvalho, de maneira a beneficiar mais uma vez a classe do-
poeta angolano minante, não criando . as condições mínimas para
\. J
8
Zilá Bernd O que é Negritude 9

que o conti ngente negro, egresso das senzal as, fos- O objet ivo deste livro, contudo, não é o de ana-
se absorvido pelo mercado de trabalho urbano na lisar a 'situação dos negros ra sociedade brasilei ra
nova sociedade brasileira.
pós-abolição, mas o de refletir sobre os movimentos
Os enredos das escolas de samba do Carnaval de tomada de consciência de ser ryegro, que se veri-
carioca de 88 comprovam que o Centenário da Abo- ficaram em praticamente todas as regiões do planeta
lição é muito mais uma data para refletir sobre o que onde pode ser registrada a presença de negros, e
ainda falta conquistar do que propriamente para fes- sua possível repercussão no Brasil, rastreando as
tejar. A Mangueira , com "Cem Anos de Liberdade: formas que adqu iriu em nosso país esse processo de
realidade ou ilusão?" (H élio Turco, Jurandir e Al- conscientização que fico u conhecido pelo nome de
vino), diz assim: NEGRITUDE.
Em 1984, publiquei, na hoje extinta coleção
Será que já raiou a liberdade "QUALÉ", da Brasiliense, A Questão da Negritude ~
Ou qu e foi tudo ilusão A presente versão, que se propôs inicialmente a ser
Será ... uma segunda edição revista e aumentada da pri-
Oue a Lei Á urea tão sonhada meira obra, terminou se c onstit ~ indo em um texto
Há tanto tempo assinada novo. Embora utilizando os mesmos conceitos e o
Não foi o fim da escravidão? mesmo referencial teórico, a reflex~o que realizeis-o-
Hoje dentro da rea lidade bre o tema, neste intervalo de quatro anos, e que re-
Onde está a liberdade sultou na elaboração e publicação de minha tese de
Onde está que ninguém viu? doutoramento com o título "Negritude e Literatura
na América Latina" (Porto Alegre, Mercado Aberto ,
1987), impôs uma reescritu ra quase que total do pri-
Também a Beija-Flor, com "Sou negro, do Egi- meiro texto .
to à Liberdade" ( lvancué, Cláudio) interpreta o sa-
ber popular: Embora minha intenção não seja a de ressus-
citar a Negritude - movimento que para muitos já
entrou definitivamente para a lata de lixo da História
Eu sou negro e hoje enfrento a realrdade -- considero oportuno, nu m período como o atual,
E abra çado à Beija-Flor de grande efervescência dos movimentos negros e
meu amor de intensa discussão do tema, que as várias acep-
. Reclamo a verdadeira liberdade . ções deste termo sejam ventiladas, mesmo que seja
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~. ...,la ••
10 Zilá Bernd

~
pa ra comprovar que não há mais razão para utilizá-
lo nos dias de hoje. P)\JJ y. , v JJ, v '-
Negritude/negritudes: substantivo próprio ou
comum? Movimento político, social, lit erário, tudo
V J /'/0 JJ r/}Jy; p ) ' i!./

isto ao mesmo tempo, ou vocábulo utilizado sim-


plesmente _para referir o fato de se pertencer à raça
negra? É com essas interrogações que inicio este
trabalho, con sciente da dificu ldade de lidar com um
t ermo polissêmico e da responsabilidade que repre-
senta, sobretudo no atual momento hist órico, me-
xer com um conceito que se coag ulou em ideologia.
Em função disso, trarei à discussão a opinião de
muitos autores que est uda ram longamente a ques-
A CONSTRUÇÃO DO ESTEREÓTIPO
t ão e que a sit uara m de diferentes modos, para que
o leitor, munido também da bibliografia comentada O que é estereótipo? O estereótipo parte de
que é aconselhada nas últimas páginas, possa cons- uma generalização apressada: toma-se como ver-
truir sua própria opinião. dade universal algo que f oi observado em um só in-
Pa ra os que iniciam a leitura, axé! que significa divíduo . Conheci um gordo que era preguiçoso, um
f orça vital, sem ·a qual, segundo a cosmogonia judeu desonesto e um negro ignorante, por exem-
nagôt os seres não podem ter existência nem trans- plo, e generalizo, afirma ndo que l/todo gordo é pre-
f ormação . guiçoso" , l/todo judeu é desonesto" e l/todos os
negros são inferiores aos brancos". A construção
do estereótipo pode se dar por ignorância ou quan-
do há um objetivo de dar como verdadeiro algo que
é falso, com a finalidad e de tirar proveito da si-
tuação.
Na Europa do século XVI configura-se uma ten-
dência a ver a cultura do outro nem como superior
nem como inferior à nossa, mas simplesmente dife-

L ._ _ •• rente; · e como tal digna de nosso interesse e res-


12 O que é Negritude 13
Zilá Bernd
(
peito. Essa linha, infelizmente, não foi a reg ra geral, não somos cristãos" .
'pois, como sabemos, o "descobridor" da América, No início do século XIX, também o filósofo ale-
Cristóvão Colombo, assumiu nitidamente uma pos- mão Hegel, em suas Lições de Filosofia da História
tura cOntrária, caracterizada pelo desprezo com- Universal ( 1822-1831), sustentou que nem os povos
pleto pelos elementos culturais das populações au- da África nem os da Am érica estavam aptos a rea-
tócto nes, que ele julgava "primitivos" ou ''bár- lizar a Idéia da Razão, estando, pois, condenados a
baros".
"vagar no espaço natural, a menos que, pelo contato
Na verdade será esse modelo - que estabelece com os europeus - tocados pelo Espírito - essas
a dialética civHização X barbárie, e que se caracte- hordas primitivas tomassem consciência de si".
riza por considerar bárbaro tudo que escapa ou di- Será somente em nosso século que ciências
fere de um horizonte cultural dado (tendo sido como a etnologia, a antropologia e a própria biologia
exemplarmente metaforizada por Shakespeare atra- desconstruirão - espera-se, definitivamente - a
vés dos personagens Próspero e Calibã, da peça A falácia que consistiu em considerar as culturas
Tempestade) - que será assumido pelas classes como produtos de raças, isto é, do patrimônio biolo-
dominantes do Novo Mundo, ansiosas por encon- gicamente hereditário de uma população. O antro-
trar uma ideologia que justificasse a prática da es- pólogo francês Claude Lévi-Strauss, em uma obra
cravid ão . O maior perigo da ideologia, como se intitulada Race et Histoire ( 1961), ressalta o fato de
sabe, não é apenas permitir a dominação de um que a diversidade cultural não tem relação direta
grupo sobre o outro, mas procurar atribuir a causas com as raças. Se existe originalidade cultural, esta
falsas, apresentadas de preferência através de um se deve a circunstâncias geográficas e sociológicas
discurso pretensamente científico e verdadeiro, a e não à constituição anatô mica ou psicológica dos
dominação real.
negros, dos amarelos ou dos brancos.
Essa "ideolog ia da barbárie" solidifica-se ao Em 1964, cientistas re unidos na UNESCO con-
longo do século XVIII, por intermédio da retórica cluem, por unanimidade, que "os povos da terra pa -
habilidosa de filósofos com Montesquieu, que em recem dispor hoje de potencialidades biológicas
sua obra mais importante, Do Espírito das Leis, jus- iguais de aceder a qualq uer nível de civilização. As
tifica a escravidão negra na América, afirmando que: diferenças entre as realizações dos diversos povos
"é impossível supormos que tais gentes (os negros) parecem explicar-se exclu sivamente por sua história
sejam homens, pois, se os considerássemos ho- cultural".
mens, começaríamos a acreditar que nós próprios Entretanto, apesar da legitimidade e da irrefuta-
14 Zilá Bernd

bi lidade dessas constatações científicas, que cor-


roem totalmente as afirmativas sobre a impossibili-
dade dos neg ros de terem acesso ao mundo_ das
idéias, elas não dissipam em pou cas décadas os es-
te reóti pos negativos construídos em relação aos ne-
gros durante sécu los, principalment e porque - e
esta é outra estratégia dos grupos interessados na
manutenção do preconceito e da discrimi nação - a
grande massa da população não tem acesso ao co-
nhecimento científico, continua ndo a repetir, até
po r força da inércia, as ideologias racistas a esta al- A DESCONST RUÇÃO DO
tura já profundamente enraizadas nos corações e
nas mentes das pessoas. E o que é ainda pior: essas ESTEREÓTIPO:
ideologias racistas, que dão fundamento aos pre- A NEGRITUDE
co nceitos, são introjetadas até mesmo pelos pró-
prios negros, que ou permanecem em um estado de
alienação ou decidem parar para reavaliar a situação,
A etimologia
o que muitas vezes desencadeia uma verdadeira
Negritude é uma palavra polissêmica, isto é,
"crise de identidade".
que possui várias significações, portanto devemos
É justamente desse modo - como crise de
estar alertas quando a lemos ou ouvimos, ou quan-
identidade - que nasce o movimento da Negritude.
do a empregamos, para não errar ou não induzir os
outros a erro.
Comecemos por referir um artigo de Lylian Kes-
teloot ( 1973), no qual a autora preocupa-se em listar
as múltiplas significações desse vocábulo que é um
neologismo, pois surgiu na língua francesa há apro-
ximadamente 50 anos. Negritude pode remeter:
~
• ao f ato de se pertencer à raça fl eg ra ;
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16
Zilá Bernd O que é Negritude 17
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• ~ própri\raç~ Jnquan_t~ c~leti':_idade; sição, no momento em que fizermos o . balanço do
• a consc1enc1a e a re1v1ndrcaçao do homem movimento, analisando os vários estudos críticos
negro civilizado; . que assinalam seus principais méritos e seu "cal ca-
• à característica de um estilo artístico ou lite- nhar-de-aquiles".
rário;
• ao conjunto de valores da civilização afri-
cana. O( s) conceito( s)
--------.
Abra-se um parêntese para registrar que, no Cumpre ressaltar que o movimento surgido por
Brasil, a palavra negritude é dicionarizada pela pri- volta de 1934, em Paris, e que foi definido pelo poe-
meira vez em 1975, no Novo Dicionário da Língua ta antilhano Aimé Césaire como " uma revolução na
Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda. Os di- linguagem e na literatura que permit iria reverter o
cionários anteriores, inclusive ·o do próprio Aurélio, sentido pejorativo da pala vra negro para dele extrair
não a registravam, o que comprova tratar-se de um um sentido positivo" , só f oi bat izado com o nome
neologismo formado, por sinal, a partir do latim. de negritude em 1939, quando ele é utilizado pela
O Novo Aurélio define negritude como : 1) es- primeira vez em um trecho do Cahier d'un retour au
tado ou condição das pessoas de raça negra; 2) ideo- pays natal ("Caderno de um regresso ao país na:
logia característica da fase de conscientização, pe- tal"), poema de Césa ire que se tornou a obra funda-
los povos negros africanos, da opressão colonia- mental da neg ritude.
lista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra, É interessante lembrar t ambém que a palavra
observapa objetivamente na fase pré-colonial e per- négritude, em francês, tem uma força de expressi-
dida pela dominação da cultu ra ocidenta l. vidade e mesmo de agressividade que se perde em
Note-se esta passagem: "característica da fase português, por derivar de negre , t ermo pejorativo,
de conscientização". Aceitando-se essa definição, a usado para ofender o neg ro, uma vez que existe a
negritude deve ser vista como etapa que, portanto, palª'l{rª- f}_Qir. A idéia foi just amente assu mi r a deno-
·deverá ser substituída por outra. Desse modo, o minação negativamente conotada para reverter-l he o
conceito encerra a noção de negritude . como algo sentido, permitind o assim que a partir de então as
transitório, algo a ser superado, após a fase de cons- comunidades negras passassem a ostentá- lo com
cientização. Esse aspecto da superação ou não da orgulho e não mais com vergonha ou revolta. Essa
negritude deverá voltar à baila ao longo desta expo- foi uma estratégia para desmobilizar o adversário
\..

- ~--
19
18 Zilá Bernd O que é Negritude

branco, sabotando sua principal arma de ataque - ganha de si mesmo".


A proposta da negritude, em seus primórdios,
a linguagem - e provando que os signos estão em
era pois a rejeição dessa assimilaçãp, que represen-
permanente movimento de rotação. Logo, os.signos
tava uma "macaqueação" não apenas da cultura
que nos exilam são os mesmos que nos constituem
como da mentalidade fran cesa, levando o povo a só
em nossa condição humana.
considerar positivos os modelos que vinham da Eu-
Cinqüenta anos após seu surgimento, um de
ropa e a revalorização da cultura dos ancestrais afri-
seus criadores, Aimé Césaire, redefine a negritude,
canos. Essa rememorizaç ão do patrimônio cultural
em entrevista ao escritor haitiano René Depestre,
negro e sua adaptação ao contexto americano cor-
publicada no livro Bonjour et adieu à la négritude:
respondem a um processo de neoculturação. (En-
"Tenho a impressão de que (a negritude) foi, de al-
tenda-se aqui cultura em seu sentido mais amplo,
gum modo, uma criação coletiva. Eu empreguei a
correspondendo ao "conj unto dos padrões de com-
palavra pela primeira vez, é verdade. Mas em nosso
portamento, das crenças, das instituições e dos val-
meio nós todos a empregávamos. Era verdadeira-
mente a resistência à política de assimilação". lores_tr:arlsmj-tidos.-coletivamente''.)
O conceito do poeta senega lês Léopold Sédar
Por política de assimilação Césaire quer se re-
Senghor se alicerça sobre a existência de uma alma
fe rir à tendência dos povos americanos, sobretudo
dos negros, de assimilar a cultura européia (pro-
negra. Tentando definir essa ''alma negra", isto é,· a
psicologia do negro africano, Senghor afirma que
cesso de aculturação) e a conseqüente perda da me-
ela é essencialmente emotiva , em contraposição à
mória das culturas de origem, indígena e africana
racionalidade do branco . À civilização materialista o
(processo de desculturação).
européia, Senghor contra põe os valores negros
Cesáire atribui tanta importância a essa assimi-
fundados na vida, na em oção e no amor, que para
la ção - -eJmplica perda dos_r_efer~ cultura
an cestral em a aquisição efetiva d~ outra_}- , que, ele são privilégio do--negro .
na mesma entrevista, e e volta a re erif-""se ao fenô-
meno: "Se me perguntarem como eu concebo a ne- Negritude: substantivo próprio/
gritude, eu direi que a negritude é, primeiramente,
uma tomada de consciência concreta e não abs- negritude: substantivo comum
trata. É muito importante o que acabei de referir,
Do que foi exposto acima, acho que é impor-
isto é, a atmosfera na qual vivíamos, ou seja, a
tante reter que, basicamente, podemos falar de "ne-
atmosfera de assimilação onde o negro tinha ver-
20 Zilá Bernd

gritude" em dois sentidos:


1) em um sentido lato, negritude - com n mi-
núsculo (substantivo comum) - é_utilizada pa ra re-
ferir a tomada
.
- ~----
de consciência de uma situacã . o de
dpminação e de discriminação, e a conseqüente rea-
ç_ªo pela busca de uma identidade negra .; Nesta me-
dida, podemos dizer que houve negritude desde que
os primeiros escravos se rebelaram e deram início
aos movimentos conhecidos por marronnage, no
Caribe, cimmarronage, na América Hispânica, e qui-
lombismo, no Brasil, iniciados logo após a chegada
dos primeiros negros na A mérica. UM POUCO DE HISTÓRIA
Usando-o neste primeiro sentido, Césaire pôde
afirmar que "enquanto houver negros haverá negri- As origens
tude, pois não consigo conceber nenhum negro que
possa virar as costas a seus valores fundamenta is". Historicamente, a negritu d(), considerada em
2) em um sentido restrito, Negritude - com seu sentido amplo, isto é, como momento primeiro
N maiúsculo (substantivo próprio) - refere-se a um de tomada de consciência de uma situação de domi-
nJ~mento pontual na trajetória da construção de naçã o e/ ou discrimi nação, pode ser situada em solo
uma identidade negra, dando-se a conhecer ao ameri ca no quase que simultaneamente à chegada
mundo como um movimento que pretendia reverter dos primeiros escravos oriundos da África . Nesta
o sentido da palavra negro, dando-lhe um sentid o medida, podem ser considerados como manifes-
positivo. tações da negritude a revolta dos escravos no Haiti,
onde liderados por Toussaint Louverture os negros
chegaram a obter a independênci a do país em 1804,
e os quilombos brasileiros, que rt\presentaram o pri -
méiro sinal de revolta co nt ra o dominador branco.
Na verdade, a ação do herói da libertação hai-

.,. tiana - Toussaint Louvert ure - e a do herói do Qu i-

i,ft.•. ~-- - ·
•••
22 O que é Negritude
Zilá Bernd 23

lombo dos Palmares - Zumbi - podem ser to- muitos anos mais tarde.
madas como o marco zero da negritude, na medida Pode-se considerar que o movimento de Ou,
em que esta, em suas origens, associa-se ao m_arron- Bois foi o embrião para a conquista de espaços mais
nage: comportamento revolucionário que levou os importantes de afirmação surgidos nos anos 20 no
escravos a fugirem de seus senhores em busca de bairro nova-iorquino do Harlem (bairro negro), onde
liberdade, preferindo o espaço agreste das matas à uma população estimada em 300 mil negros não ti-
condição de subm issão imposta no espaço da fa- nha deixado morrer formas artísticas herdadas de
zenda. sua ancestralidade africa na. Surge aí o Negro Re-
O Haiti foi portanto o país onde a negritude er- naissance, ou renascime nto negro, que, como o
gueu-se pela primeira vez, pois essas rebeli ões de nome indica, pretendia fazer reviver a autoconsci-
escravos e suas tentativas de organização política e ência do negro americano, propondo não uma utó-
social representaram o início de uma luta por uma pica volta à África, mas uma redef inição do papel do
vida autônoma, longe da vigilância implacável dos negro em solo norte-americano. Entre os articula-
senhores . dores do movimento estão os hoje muito lidos e tra-
Não é sem razão, portanto, a ~scolha no Brasil, duzidos escritores norte-americanos Langston Hu-
por grupos negros organizados, da data da morte de ghes, Claude Mackay e Richard Wright, entre ou-
Zu mbi - o grande líder do maior e mais conhecido tros, que passaram a fazer da denúncia da situação
dos quilombos, o dos Palmares -, dia 20 de no- de discriminação e de opressão econômica de que
ve mbro, como o Dia Nacional da Consciência Negra. eram vítimas sua temática obsessional.
Esse gérmen da insurreição foi herdado pelos Um poema de Langston Hughes adquiriu a for-
descendentes de escravos, que, na condição de li- ça de um hino para os negros não só dos Estados
bertos do regime escravista (o processo de liber- Unidos como do Caribe e da América do Sul, que
tação f oi iniciado no Haiti, em 1804, e só foi con- encontraram nele o incentivo que necessitavam
cluído em 1888, com a Abolição brasileira), tiveram pa ra fazer emergir sua consciência:
que prosseguir sua luta contra formas ora explícitas,
ora su t is de precon ceito e discriminação. O escritor EU TAMBÉM CANTO AMÉRICA
norte-americano William Edwards Ou Bois ( 1868-
1963) pode ser considerado como o "pai" do movi- Eu sou o irmão negro I Eles me mandam comer
mento de tomada de consciência de ser negro, em- na cozinha I Quando chegam as visitas I Mas
bora o termo negritude só viesse a ser cunhado eu rio I E como bem I E cresço forte I Ama-
24 Zilá Bernd O que é Negritude 25

nhã I Eu estarei na mesa I Quando as visitas


vierem I Ninguém ousará dizer-me I 'Vá comer
na cozinha' I Então. I Além disso I Eles yerão
como sou bonito I E terão vergonha. I Eu tam-
bém sou América.

A gestação
Que acontecimentos históricos marcaram os
anos 1920-1930, período de gestação da Negritude?
Nos Estados Unidos, grave crise econômica
\
provocada pelo crack da bolsa de Nova York; na
Rússia, início dos expurgas de Stalin, após a Revo-
lução de 1917; na Alemanha, Itália e Espanha, as-
censão do nazi-fascismo (ideário que, infelizmente,
encontrou adeptos nos demais países da Europa e
até nas Américas); na África, grande parte dos paí-
ses sob dominação do colonialismo europeu; no
Haiti, recolonização econômica pelos Estados Uni-
dos, em 1915. Completando o panorama , a situação
geral dos negros nas Américas: descendentes de es-
cravos, eles formam o proletariado (quando não o
lumpemproletariado, constituído pela camada mar-
ginal da população), sofrendo com o racismo e a
?egregação. Note-se que a Declaração dos Direitos
do Homem só será proclamada em 1-948, o que,
diga-se de passagem, não alterará muito o quadro.
Convém destacar a importância da invasão das Então. I Além disto, I E les verão como sou bonito/ E tertio
tropas estadunidenses, em 1915, no Haiti, o qual, vergonha - 1 E u tam bém sou América.

,.., ""'ií1jj,.e..-.,...~
26 Zilá Ber~d O que é Negritude 27

como já mencionamos, foi o primeiro país da Amé- O indigenismo prega o retorn o à cultura autóctone e
rica a fazer sua independência, através de uma re- popular, valorizando os f alares crioulos e o vod u,
. volta de escravos. Diferentemente da Martinica, religião que, como o candomblé brasil eiro, foi pros-
Guadalupe e Guiana Francesa, que são depàrta- crita durante muitos anos. É um período de identifi-
mentos franceses de al ém-mar, o Haiti é um país in- cação com a problemática /atino-americana, ca-
dependente. No momento em que a prodigiosa con- endo ressalta~ cjdêncja , no Brasil, com o
quista dos haitianos - a um só tempo da indepen- o ~pofágicà tt927) de Oswald de
dência da dominação francesa e da abolição da es- Andrade .
cravatura - é posta em xeque, pela situação de re- Enquanto isso, em Cu ba, uma ilha de língua es-
colonização, desta vez pelos norte-americanos, os panh ola do Caribe, está se engendrando o movi-
intelectuais haitianos são obrigados a repensar sua mento chamado de negrisrno cubano , no qual um
independência . dos autores que mais se destaco u foi o poeta negro
Coincidentemente, 1915-1920 é o período do Nicolás Guillén, cuja obra repercut iu muito no Brasil ,
Ren ascim ento Negro do Ha rlem que começa a di- na década de 60, onde um dos principais poetas ne-
fun di r idéias como preocupação com a identidade gros brasileiros - Solano Trindade - dedica poe-
do negro e recusa ao colo nial ismo. Essas preocu- mas ao "seu irmão cubano' ' .
paç ões, que buscavam essencia lmente sacudir a Não é difícil imaginar que se agudizaria a cada
alienação gera l do povo, encontram no Hait i um dia a tensão que se verifi cava pri ncipalmente entre
solo fértil para a sua expansão . Surge, então, em as elites intelectuais negras, conscientes da situação
1927, La Revue lndigene, em torno da qua l se reu- dos negros "em toda parte venci dos, humil hados e
nirã o intelectuais defensores do movimento indige- subjugados", mesmo após decorridos ta ntos anos
nista, que pode sem dúvida ser considerado como da abolição, em cada país.
uma das primeiras manifestações da negritude. Entre esses intelectuais, havia um grupo de es-
lndigenismo seria a (re)va lorização da cultura tudantes oriu ndos das Ant ilhas e da África , para es-
indígena no Haiti. Que cultura era essa? Era a cul- tuda r em Paris, os quais pela prim·eira vez em um
t ura dos povos que habitavam a região do Caribe meio branco - a Europa do período ent re-gu erras
J antes da chegada de Cristóvão Colombo, basica- - sentiam na carne a sensação de serem perce-
mente os caraíbas e os arauaques, os quais foram bidos com diferentes devido à cor de sua pele.
a
L
totalmente . . dizimados p ~lo conquistador. ln~ígena Acrescentem-se isso os ecos do movimento ame-
passou enta o a remeter a herança cultural afncana. ricano, e poderemos imaginar uma situação seme-
28 Zilá Bernd O que é Negritude 29

lhante à de um barril de pólvora prestes a explodir. E minha negritude não é nem torre nem catedral
explodiu mesmo: da reunião desses estudantes ne- ela mergulha na carne rubra do solo
gros surge, em 1932, o Manifesto da Legítima De- ela mergulha na ardent e carne do céu
fesa, denunciando. com agressividade a exploràção ela rompe a prostração opaca 'de sua justa pa-
do proletariado negro no mundo. Q.núcleo principal ciência .
da acusação incidia sobre a dominação intelectual
q~e levava à assimilação do colonizado, fazendo-o
ac~editar- se inferior, como se pode ler neste trecho A- A maturação
do manifesto:
Surgindo na Europa, é natural que o movimento
"Progressivamente, o antilhano de cor ren eg a a tenha se valido de elementos da cultura européia :
sua raça, seu corpo, suas paixões fundamentais ele nasce na convergência de três ismos, em vog a
e particulares .. . chegando a viver em um do- desde o início do século, os quais vão conferir-lhe
mínio irreal determinado pelas idéias abstratas e muita força: marxismo, surrealismo e existencia-
pelo ideal de um outro povo. Trágica história do lismo.
homem que não pode ser ele mesmo, que tem O marxismo, por ser a forca . política mais apta.
medO, vergonha ... ". a sustentar os colonizados em sua revolta; o surrea -
lismo, por privilegiar o "primitivo", solapando os va-
Entre esses estu dantes encontravam-se os que lores racionalistas do Ocidente, adapta-se com o
hoje são reconhf}cidos como os grandes nomes da uma luva a um movimento que pretende cont rapor a
Negritude: Aimé Césaire (Antilhas), Léopold Sédar EMOÇÃO à RAZÃO, o MÁGICO ao CIENTÍFICO; o
Senghor (África) e Léon Damas (Guiana Francesa), existencialismo, por ser a f ilosofia segundo a qual o
que, em nome da crítica "do sistema colonial e da homem se define pela ação .
defesa da personalidade negra", fundam em 1935 Efetivamente, os três principais pólos da Negri-
o jornal L 'Étudiant Noir, que terá importante papel a tude: Estados Unidos, Antil has e África, traz iam em
desem penhar na difusão do movimento. seu bojo, ao menos em um primeiro momento, os
fundamentos do comunismo int ernacional, que
O termo Negritude, contudo, só vai aparecer pregava uma sociedade sem classes e sem discrimi-
em 1939 no célebre poema de Aimé Césaire Cahier nação racial.
d'un retour au pays natal: Num primeiro momento, portanto, é a perspec-

.. =;-_ _____ - -
30 Zilá Bemd O que é Negritude 31

tiva marxista de análise da sociedade que favorece o O movimento se amplia, se internacionaliza, al-
despertar de uma consciência de raça negra. Com o cançando adeptos em out ros países do Terceiro
passar do tempo, verificam-se duas tendên cias: Mundo, como o Brasil. A literatura se enriquece
umã- que opera o trânsito para uma consciência de com rom ancistas, poetas e ensaístas que atingem
c_lasse e a conseqüente identificação com todos os estatura universal.
oprimidos, independentemente da cor da pele, e
outra que permanece presa unicamente a uma cons-
ciência de raça, fato que suscitará as primeiras crí- A fratura
ticas.
Em um poema, defendendo a raça universal
dos oprimidos, J. Roumain escreve o epitáfio da Se foi possível falar, du rante largo tempo, em
negritude enquanto tendência que pretendesse pri- "universalismo da Negritude", na década de 50
vilegiar unicamente a opressão do homem negro, acontece o que ocorre co m toda palavra que se tor-
sem se preocupar com brancos, amarelos ou ver- na slogan: ela passa a sofrer um desgaste, na me-
me lhos: dida em que começa a ser empregada por diferentes
grupos com ideologias diversas, em diferentes con-
África, guardei tua memória textos e acepções.
est ás em mim Que elementos estariam ligados a essa frag-
como um fetiche tutelar no centro do povo mentação?
CONTUDO Um deles foi o recuo de Senghor, um dos artí-
quero ser apenas de vossa raça, fices da Negritude e que foi depois presidente do
operários e camponeses de todos os países. Senegal; o outro foi o célebre prefácio de J ean-Paul
Sartre "Orfeu Negro" - sobre o qual ainda torna-
Como evoluirá a Negritude nos anos seguintes, remos a falar - que alerta para o perigo de o movi-
dura nte e após a Segunda Guerra Mundial ( 1939- mento to rnar-se, pela radica lização, um racismo às
1945)? avessas. Porém, o fator determinante da fragmen-
O movimento passa rá por uma fase que pode ser tação foi a recuperação do movimento pelas elites
chamada de militante, na qual o mais importante é o dominantes, que espertamente se apercebem de
engajamento na missão pela libertação das colônias que alguns grupàs radical izam-se na reivindicação
africanas, o que vem a ocorrer na década de 60 . de uma especialidade da taça e dos valores negros,

.,to ·- .,
32 Zilá Bernd

(
pondo de !ado a necessária solidariedade entre os
oprimidos, independentemente da cor da pele.
Em outras palavras, os brancos irão tirar partido
dessa espécie de cordão de isolamento proposto pe-
los próprios negros, passando a valer-se dessa con-
t ingência para discriminar mais uma vez os negros,
sob a alegação de que são eles mesmos que se que-
rem diferentes. Essa atitude acaba afastando cada
vez mais a Negritude do propósito maior pelo qual
foi criada: o de promover a igualdade entre os ho-
mens. TRILHANDO DIFERENTES
TRILHAS: AIMÉ CÉSAIRE E
LÉOPOLD S. SENGHOR

Aimé Césaire (Antilhas)


Para Aimé Césaire, a Negritude representava,
antes de tudo, um_ª~Q g~ ~u byer_~ã_o, a qual se reali-
zava no nível da linguagem . A palavra de ordem era
subverter os discursos rituais que se impunham aos
negros colonizados, fazen do-os escrever poemas
sobre neve, pinheiros e outros tantos elementos da
fl ora e da fauna européias que os poetas do Caribe
'~) ja mais haviam visto. Redescobrir e principalmente
renomear o seu país e as suas coisas, redefinir sua
identidade de negro na América era a propost a des-
se movimento que queria f azer tábula rasa do prin-

.,. cípio de imitação e de submissão aos padrões cul-

- ~u --- ~
.• ··------'
34
Zilá Bernd O que é Negritude 35
tu rais da Eu ropa.
Em síntese: dizer um basta definitivo à sub- A grande crítica que se faz a Senghor é de,
missão do negro ao branco. . após as tão sonhadas independências das ex-colô-
C~s_a !_re_ pleiteava, pois, uma via de autentici- nias africanas, que ocorreram nos anos 60, ele se ter
dade por oposiç_ ão ao clima de inautenticidade rei- deixado utilizar pelos interesses do neocolonialismo,
nante entre os negros da América convencidos de permitindo que a Negritude fosse recuperada e uti-
que o único modelo cultural válido era o modelo lizada como arma pelo sistema imperialista .
branco ocidental. A Negritude césairiana pregava No momento em que a quase totalidade dos ne-
uma rejeição absoluta a essa concepção e suscitava gros na África e nos demais países estava indepen-
a emergência de uma personalidade antilhana. dente, Senghor não conseguiu mudar o registro do
Nesse contexto, Negritude exprime o fato de seu discurso para mostrar ao mundo que o real ini-
ser negro e propõe que os negros assumam as de- migo a ser combatido no momento era o subdesen-
corrências psicológicas e comportamentais desse volvimento e suas conseq üências naturais: miséria,
fato. r fome e analfabetismo.
Segundo um estudioso da Negritude, Alain A Negritude de Seng hor "limita-se a um pre-
Blerald , a concepção de Césaire e a de Senghor tenso reconhecimento pel a Europa da dignidade da
"participam de uma motivação comum: a busca de África, consagrando a dicotomia do mundo: a Eu-
um novo humanisn1o". O que diferencia os dois ropa, pretensamente árid a por sua tecnologia; á
poetas é o modo de ch ega r a esse humanismo. O África, mais rica de valores espirituais"
poeta martinicano tentará conciliar marxismo e hu- Aliás, essa divisão, expressa pelo ex-presidente '',
manismo, propondo uma estética de ruptura e revo- do Senegal na frase "A emoção é negra como a
lução . razão é grega", foi desde muito cedo motivo de
ataques, pois prende-se a teorias etnológicas ultra- @
~o
passadas que consideram a raça negra incapaz de
Léopold Sédar Senghor (África) atingir níveis de pensamento lógico.
A diferença de situação talvez seja uma das ra-
Senghor tentará atingir esse humanismo pela zões determinantes do su rgi mento dessas duas Ne-
via do espiritualismo, propondo uma estética da gritudes. O fato de Senghor estar inserido na reali-
conc iliação e da evolução. Para isso utiliza instru- dade africana e Césaire exilado na América faz com
mentos de pesquisa africanos e ocidentais . que Senghor admita a mestiçagem. Para ele a apro-
ximação com o Ocidente parece benéfica. Césa ire
36 Zilá Bernd ~
distancia-se cada vez mais dessa posição, identifi-
cando-se com os primeiros negros chegados à Amé-
rica como escravos, aos quais tudo foi subtraí~o: a
língua, ·a cultura, e até o próprio nome, obrigados
que foram a assimilar os padrões culturais do colo-
\
nizador. Nesta medida, para o negro tra nsplantado r
para a América não há outro caminho senão rein-
ventar o país e rebuscar sua mitologia .
Assim , a maior parte das críticas que se fazem
hoje em dia à Negritude tem como principal alvo a
configuração que ela adquiriu sob a influência de
Senghor que terminou eternizando o racismo .
BALANÇO GERA\L:
LUCROS E PERDAS

A revisão crítica
Tendo sido útil, quando de seu surgimento, por
desmascarar um apregoado universalismo cultural
dos povos dominadores e por incentivar a eclosão e
o interesse pela diversidade cultural, a Negritude
será desde logo repensada e questionada.
Será Jean-Paul Sartre quem, em 1948, fará em
um texto que se celebrizo u - "Orfeu negro" - , o
primeiro questionamento sério ao moviment o.
Neste texto Sartre sublinha o papel subversor
da Negritude, afirmando que ela representou o ato
de jogar de volta a pedra que o branco at irara no

.
·- .,.
negro ao chamá-l o de negro com desprezo , assu-
mindo-se como negro com altivez e orgulho .

"'p,, ~- , -
39
38 Zilá Bernd O que é Negritude

rísticas psicofísicas dos indivíduos de um determi-


Concebendo a Negritude como uma progressão
nado grupo étnico e sua produção cultural.
dialética (ti po de raciocínio que apresenta uma tese, Logo, segundo os críticos, a Negritude, ao en-
uma antítese e uma síntese), Sartre a coloca como cerrar-se na consciência epidérmica, num mero "re-
antjtes_e, sendo a tese a suprem-acia do branco." Para conhecer-se pela cor da pele", teria determinado o
o fil ósofo f rancês, a síntese seria o passo seguinte, a nascimento de um racismo às avessas, condenando-
superação da Negritude. Em que consistiria ~iQ­ se a si própria ao museu da História . Longe de ser
tese? Na const rução de uma sociedade sem~ ass~s n unicamente uma questão de comunidade de raça, o
A ssim, a Negritude seria algo transitório: pas grande problema dos negros espalhados pelo mun-
e não t érmino, meio e não fim último. """' do está atrelado à sua con dição de oprimido devido
Embora esse texto tenha tido o grande mérito )
..,....
~~

a uma ordem social injusta .


de mostrar ao mundo que a Neg ritude representou ..., G ~

O_êegundo ponto, que se constitui no alvo cen-


:;:. '(:
um momento decisivo para o neg ro, que foi o reen- \... - --- ··---------
trai da crítica marxista, constrói-se sobre a afirma-
contro com sua subjetividade - relação de si mes- ção de que o conceito de raça é particular e con-
mo consigo - gerou muitos protestos da intelectua- creto, enquanto o de classe é universal e abstrato, e
lidade negra da época e mesmo de hoje em dia. que portanto a Negritude, ao privilegiar a afirmação
Independentemente dos protestos que susci- da raça, estaria mascarando o real problema do ne
9

tou , a palavra sartreana causou profundo abalo no gro - sua situação de pr_oletário ou menos do que
movimento e desencadeou outras tantas críticas isto - e dificultando a solidariedade entre os opri-
que fragmentaram cada vez mais a Negritude.
Essas críticas podem ser agrupadas em torno midos.
É preciso, entretanto, destacar que a Negritude,
de dois pontos f undamentais: tal como foi concebida em seus pri mórdios, ao tem-
1) especificidade de raça; po de Legitime Défense (1932), concebia " o desen-
2) supremacia dada ao conceito de raça em de- volvimento dos 'valores negros' no interior do com-
trim ento do de classe. b~te político", e que a ênfase dad a à valorização pu-
ramente racial do indivíduo constitui-se já num des-
Em relação ao primeiro ponto, podemos rea-
firma r o que já foi ventilado no ca pítulo 1:_é cientifi- vio do movimento.
Em síntese, se é possível creditar pontos extre-
çamente falsa e ideologicamente perigosa a vincu-
mamente positivos à Negritude como o fato de ter
lação automática entre raça e cultura, ou seja, esta-
representado um definitivo basta a uma te ndência
belecer correspondência imediata entre as caracte-
40
Zilá Bernd O que é Negritude 41

dos neg ros nas Américas para um bovarismo co/e- ma colonial: as "metrópoles" continuam exercendo
tivo, isto é, para uma inclinação a assumir uma per- seu papel espoliador (veja-se a difícil situação dos
sonalidade fictícia que não combinava com a reali- recém-emancipados países africanos, o caos rei-
dade, a ela, ou aos seus desdobramentos, também nante no Haiti, sem mencionar a precariedade da
podem ser debitados muitos pontos negativos. condição dos negros na totalidade dos países do
... Esquematizando, são os seguintes os principais Terceiro Mundo);
lucros auferidos com o movimento:
r
3) ter servido para corroborar a tese da " emoti-
1) reconhecimento e aceitação do fato de ser vidade" do negro (Senghor) a qual traz embutida a
negro e a conseqüente revalorização da herança cul- dependência do negro à ''racionalidad e" ocidental.
tural ancestral;
2) desconstrução de uma ideologia que, "com
seus silêncios e suas lacunas", consagrava a supre-
Balanço
macia da "raça" branca;
3) devoração da imagem negativa com que as É possível concluir que se deve rejeitar uma ne-
comunidades eram rep resentadas no "mundo bran- gritude que, apoiada na crença de especif icidades
co"· I inatas entre indivíduos pert encentes a um determi-
4) início do processo de construção de uma nado grupo étnico, termi na por instituciona lizar-se e
auto-imagem positiva; servir a grupos dominantes interessados em mas-
5) tomada de consciência da necessidade de carar a realidade. É esta negritude - que camufla,
passar da condição de observado (objeto da His- em nome de uma suposta originalidade e diferença
tória) para a de observador (sujeito da própria His- dos negros, o verdadeiro problema, que passa pela
tória ). reestruturação sócio-econômica da sociedade -
que tem sido alvo das mais violentas críticas.
E as seguintes as principais perdas: Considero, contudo , p ositiva uma negritude
que, estruturando-se na noção de partil ha de um
1) encobrir a verdadeira origem do problema mesmo passado histórico, congrega os indivíduos
dos negros - fome, miséria, analfabetismo, devi- em torno da reaf irmação dos " valores negros" sem
dos à situação de subdesenvolvimento econômico excluir o combate político . Em muitos escritores, o
- atribuindo-a às origens raciais; eco de uma consciência negra ressurge nu m discur-
2) ter-se revelado incapaz de reverter o esque- so engajado na lut a contra qualquer tipo de opres-·

... ~--....... .. ----


42 Zilá Bernd
\ O que é Negritude 43

\ silêncio . Qual quer que seja o nome que adotem ou


sã o. Nesta medida, a reivindicaç ão de uma identi- venham a adotar os movimentos negros, uma coisa
da de negra pode coabitar com a reivindicação de é certa: o mu ndo negro da diáspora, ou seja, a dis-
out ras dimensões da identidade , como a nacionali- ~ persão dos negros pelo mundo em função da insti-
dade, a ·sexual idade, etc. Isto é, o senti mento de
t uição escravagista, dado o caos cultural em que se
querer-se negro não exclui as outras possíveis afir- enco nt ra, pelo processo de desterritorialização de
mações identitárias como querer-se brasileiro e lati-
que foi vítima t em uma necessidade premente de
no-a[l1e ricano, homem ou mulher, etc. _ um discu rso comu m, de um cimento ideológico
Se a Negrit ude, entend ida como discurso cen-
para se remembrar.
rado no particular - a especificidade de raça - foi
'd esd e cedo questionada, quais teriam sido as pro-
postas de encaminhamento do processo de busca,j/. l'./
pel as com unidades negras, de uma consciência aui - """
tônoma, desencadeado pelo movimento da Negri
tu de?
"-- ---
Al guns autores defendem a fraternidade uni-
versal, reivindicando a eliminação das barreiras im-
postas por categorias raciais, regionais e até nacio-
na is. Abaixo os rótulos e as etiquetas, sempre redu-
to res .
O que se observa, portanto, é a tendê ncia de
substitu ir a Negritude por um universalism o. Cabe 11
aq ui um alerta: não se atinge a esf era do universa l ~
sem passa r pelo que é específico , particula r. Nicolás
Gui llén já ensina ra que o caminho que o levou a re-
con hecer sua cubanidade e sua americanidade pas-
so u pel o necessário reconhecimento de sua con-
dição de negro .
Portanto, é preciso que f iquemos atentos para
o fato de que as teses do "universalismo" podem
ser um suporte ideológico para reduzir o outro ao .
'--------·· .• -

-;; ~ ..... .
\ - - ----~ --
O que é Negritude 45

Na verdade esse poema, intitulado "Quem sou


eu?", mas também conhecido como Bodarrada, uti-
liza a palavra bode sem dela envergonhar-se, mas ao
contrário, para afirmar com muita ironia que, no
Brasil, "a espécie é muito vasta", isto é, que com o
• processo de miscigenaç-ãO poucos são os brasil eiros
que podem ter certeza de não ter sangue negro cor-
rendo em suas veias. Essa atitude de esvaziar uma
alavra de seu sentido negativo, dessacralizando
seu uso, foi exatamente a mesma utilizada pelos
NEGRITUDE NO BRASIL poetas antilhanos que iniciaram a negritude rever-
t endo o sentido pejorativo de negre.
Isso nos autoriza a considerar a poesia de Luiz
Período pré-abolicionista: Luiz Gama: Gama como precursora em nosso país de uma linha
a "boditude", ou a negritude antes de afirm ação de identidade negra que pode, no li-
do tempo mite, ser considerada uma negritude antes do
tempo.
JJOuem sou eu?", a exem plo da poesia da negri-
Em pl eno período escravagista - 1861 - um
tu de em seus primeiros tempos, vai no contrafluxo
negro liberto, filho de escrava, chamado Luiz Gama,
das escolas literárias de su a época, revogando, no
assume pela primeira vez o termo BODE com que
espaço do poema, o sistema de hierarquia social
pejorativamente eram chamados os negros, devol-
que exigia respeito e reverê ncia à nobreza e a outros
vendo assim ao branco a "ped ra" que este lhe ati-
rara: segmentos das classes dom inantes:

Se negro sou ou sou bode Aqui n' esta boa terra


Ma rram todos, tudo berra
Pouco importa o que isto pode?
Bodes há de toda casta, Nobres, condes e duq uezas,
Ricas damas e marquesas,
Pois que a espécie é muito vasta
Deputados, senadores
(Trovas Burlescas)

--~~~-
47
46 Zilá Bernd O que é Negritude

da literatura terá seus seguidores a partir de 1927,


Frades, bispos, cardeais
com Lino Guedes, fortalecendo-se na década de 60
com Solano Trindade, Oswaldo de Camargo e
Em todos há meus parentes
Eduardo de Oliveira, e encontrando seus momentos
Entre a brava militança
de culminância a partir de 1978, com o surgimento
Fulge e brilha alta bodança.
de grupos literários como Quilombhoje (São Paulo)
(Trovas Burlescas, p. 113)
e Negrícia (Rio de Janeiro).
Construindo um discurso poético carnava/i-
zado, ist o é, aquele que abole a desigualdade entre
os homens, Luiz Gama consegue dar ao poema uma
O período pós-abolicionista
forç a desmistificadora que, ao mesmo tempo, nega
Apesar de não ter havido no Brasil a tendência
o discurso branco, que associa negro a bode, e am-
de nomear os vários momentos de tomada de cons-
plifica o valor pejorativo da palavra, estendendo-a
ciência de ser negro com o t ermo negritude, a pala-
tam bém aos brancos.
vra é usada, sobretudo a partir dos anos 60, por al-
A obra de Lu iz Gama constitui-se, pois, em um
guns poetas, em seu sentido mais abrangente, refe-
marco no processo de conscientização do negro
rindo -se à consciência e à reivindicação da comuni--
brasileiro e também da literatura negra brasileira por-
que, pela primeira vez, põe a nu as tensões e con- dade negra.
Roger Bastide destaca o surgimento, em São
trad ições da sociedade às vésperas da Abolição, re-
Paulo, do TEN (Teatro Experimental do Negro), em
dimensionando o papel do negro nessa sociedade .
1944, como uma manifestacão da negritude na me-
Ao contrá rio de Castro Alves , em cuja poesia o
dida em que procurou resgatar os complexos de in-
neg ro continua sendo o outro, ou seja, aquele de
ferioridade do negro criados por toda uma literatura
quem se fala, Luiz Gama se assume como outro,
onde ele jamais ocupou o papel de herói, mas o de
como aquele que é mantido pela "maioria" branca
em uma situação de estranheza dentro do corpo so- vilão, ou subordinado.
O TEN objetivou, tanto no plano artístico quan-
cial. Nesta medida, sua poesia configura-se como
to no cultural, valorizar a contribuição contra "o es-
um divisor de águas na literatura brasileira, pois traz
tupro cultural cometido pelos brancos" . Definido
à tona a f ala do negro que assume a primeira pessoa
por seu criador, Abdias do Nascimento, como sen-
do discu rso .
do um "instrumento e um elemento da negritude",
Esta li nha de indagação da identidade através
-----------------------·
i 49
1
I
~8 Zilá Bernd I O que é Negritude
I
I
o TEN montava peças para um público negro, es-
crit as por autores negros pa ra serem interpreta das
por ateres neg ros aos quais era confi ada a ação he-
I
róica . · ·
O TEN foi uma espécie de modelo brasileiro da
negrit ude, onde o negro ''afiou os instrumentos de
sua recusa , engendrada na espoliação e no sofri-
mento: recusa da assimilação cultural , recusa da
miscigenação compulsória".
Considero porém que, se o teatro desempe-
nhou um papel importante na formação de uma
consciência negra e até mesmo de uma consciência
de nacionalidade, a imprensa negra, surgida em
1915, teve ainda maior importância, pois conseguiu
atingir um número mais significativo de pessoas. A
tôn ica geral dessa imprensa, que se destinava quase
que exclusivamente a tratar dos problemas relativos
à qu estão racial, era a regeneração da raça pelo apri-
moramento cultural.
A grande importância destes jornais, que se pu-
blicaram de 1915 a 1963, com exceção do período
do Estado Novo - 1937-1945 (a ditadura de Getúlio
Vargas) , foi terem sido o veículo privilegiado das no-
vas id éias que visavam à unificação dos negros. O
Alvorada, por exemplo, foi, em 1945, o órgão de di-
fu são da Associação dos Negros Brasileiros, criada
para que "os negros não se dispersassem" .
Através do teatro e da imprensa foram sendo A participação cultural do negro: pequena na literatura,
veiculadas idéias que permitiam aos grupos negros intensa na música.
refazer seu referencial cultural, em que poderiam an-
----------------- ./

'-"'"'".. :~-
50 Zilá Bernd 51
O que é Negritude

corar seu sentimento de identidade. Estava sendo -soam como uma convocação à (re)união.
preparado o caminho para o aparecimento das asso-
ciações que iriam fornecer aos negros a força . de Seguir em frente
coesão necessária para seu ingresso na fase que Flo- Em frente seguir
restan Fernandes chamou de concorrencial, ou seja, Sem receio ou temor
aquela que corresponde à recusa do negro de ficar REXISTIR, REXISTIR, REXISTIR!
"no seu lugar".
Da Frente Negra Brasileira (1937), à Associação Um dia vai dar
de Negros Brasileiros (1945), muitos grupos se for- Vai ter que dar
maram e se desfizeram até o surgimento, em 1978, Não importa quando
do Movimento Negro Unificado contra a Discrimi- Nem o preço que va i custar!
nação Racial (MNU), visando basicamente a desfa-
(Oubu lnaé Kibuko, Cadernos Negros, 5)
zer o mit o de que o Brasil é uma democracia racial e
a conduz ir formas sistemáticas de luta contra todos
os tipos de discriminação racial.
Pode-se concluir, pela observação de todas es-
sas manifestações de consciência negra, que houve
uma vertente brasileira da negritude, entendida evi-
dentement e em seu sentido lato .
Atualmente, é sem dúvida o discurso literário o
espaço privilegiado da restauração da identidade, da
reapropriação de territórios culturais perdidos. O fio
condutor dessa literatura parece ser o desejo de re-
viver, nos dias de hoje, o espírito quilombola. Sen-
tindo-se como o guia, o condutor de seu grupo, o
poeta busca recuperar a rebeldia e os ideais de liber-
dade que outrora guiaram seus antepassados para
os quilombos. A poesia nutrida dessa seiva transfor-
ma-se em um território reencontrado, onde os ver-

'---------· -••.
sos - como os ata baques, no tempo dos quilombos
1
O que é Negritude 53

com os desdobramentos que se seguiram à fase


combativa do movimento, não se verifica um re-
torno ao estado de alienação anterior, mas uma bus-
ca de construção e de consolidação da identidade
negra.
Entendida como um processo dinâmico e não
como um alvo estático a ser atingido, a busca de
identidade não se esgotou com o movimento que
representou sua culminân cia: a Negritude. Ao con-
trário, podemos entendê-l a como um momento que
possibilitou a eclosão de uma postura autônoma dos
intelectuais e a maturação de uma literatura negra.
DA NEGRITUDE À CONSTRUÇÃO Em resumo: a Negritude com o tomada de consciên-
DE UMA IDENTIDADE NEGRA cia propiciou a emergência de um discurso literá rio
negro que se transformo u no lugar por excelên cia
A Negritude foi basicamente um movimento da manifestação do eu-que-se-quer-negro .
que pretendeu provocar uma ruptura com um pa- Assim, a literatura negra se constrói não como
drão cultural imposto pelo colonizado r como únjco um discurso da gratuidad e, ou unicamente da reali-
e universal. Essa revolução, operando um desloca- zação estética, mas para exp ressar a consciência so-
mento de perspectiva, oportunizou a revalorização cial do negro.
de outras cu lturas, como as de origem africana e Nesta medida, a literatu ra negra se aproxima da
indígena, que haviam resistido à voragem assimila- linguagem mítica que rec upera a origem e narra a
cionista . emergência do ser. Como o mito, a literatura negrá
Foi, portanto, a partir da esfera cultural que a também nasce da ruptura que se cria ent re o ho-
ação subversora do movimento se propagou para as mem e o mundo, origina ndo-se do esforço de su -
esfe ras econ ômica, socia l e política . A prática de pera r essa fragmentação. A o recordar o que foi es-
t ransgressão, in iciada no âmbito da cultura , fo rnece quecido, ela recupera o mundo perdido.
o modelo de desestruturação de outras áreas da so- A literatura negra pode ser acusada de univoci-
ciedad e. dade e dogmatismo, mas o mito também o é, na
Quando o discurso da Negritude entra em crise medida em que ele não é um discurso possível sobre
O que é Negritude 55·
54 Zilá Bernd

a realidade, mas é a única maneira possível de abor- ditamos que Negritude é um mito, ele próprio ge-
dar a realidade em um momento dado. rad or de mitos, e é por isso que a poesia da Negri-
Neste. sentido, a literatura negra pode so_ar tude por sua vez nutre-se de mitos .. .".
como um discurso defa sado e anacrônico; ocorre Gostaria de concluir esta reflexão sobre negri-
que ela se constrói como uma linguagem outra que tude invocando a magia da palavra angolana trazida
participa da reorganização do mundo negro na Amé- v para a avenida por Martinho da Vila: Kizomba. Nem
rica. Mais do que proporcionar prazer estético, o es- negritude, nem branquitu de, nem amarelitude ...
critor negro pretende oferecer aos membros de seu mas Kizomba, a grande festa da confraternização
grupo a consistência mítica de que eles necessitam das raças.
para fundar sua identidade. Utopia? Talvez. Será que a Kizomba pertence
Da crise de ident idade, que originou a Negri- apenas à grande ilusão do Carnaval? Será possível
tude, o movimento evoluiu para um processo con- imaginar que ela aconteça na l/vida real" , no espaço
tínu o de afirmação identitá ria que se caracteriza pela quotidiano de todos nós, estendendo-se para além
ruptura permanente dos equilíbrios estabelecidos. D dos limites estreitos dos quatro dias de folia?
Vale dizer, a identidade entendida não como circuns-
criçã o da realidade, mas como dinâmica da reapro- O sacerdote ergue a t aça
priação de espaços existenciais próprios. Convocando toda a massa
Talvez esta tentativa de explicar o que é negri- Neste evento que congraça
tude não tenha conseguido esclarecer inteiramente Gente de todas as raças
os leitores, que concluem esta leitura com o desejo Numa mesma emoção
de fazer perguntas, de recolocar questões. Não se Esta Kizomba é nossa
aflijam, trata-se de l)m tema realmente muito com- constituição.
plexo que tem ocupado um grande número de inte- "Kizomba, festa da raça" , Rodolfo, Jonas e Luiz
lectuais em discussões infindáveis. Um desses inte- Carlos da Vila)
lectuais, L.-V. Thomas, após citar mais de dez defi-
nições de negritude, conclui solenemente: "Nem
cientificamente, nem filosoficamente, o termo 'Ne-
gritude' pode definir-se com rigor: realidade histó-
\ ~i_c~ e psicológica, a Negritude nãc:> possui, verdadei-
L::_ente, realidade conceituai ... E por isso que acre-
••
O que é Negritude 57
I' -"
alcance social do movimento, e ao impecável artigo de
Helio Jaguaribe "Raça, cultura e classe", publicado na
revista Dados, Rio de Janeiro, 27(2): 125-44, de 1984.
Imprescindíveis por corresponderem às primeiras
clivagens do movimento são o texto do filósofo fra ncês
Jean-Paul Sartre "Orfeu Neg ro", in Reflexões sobre ora-
f
cismo (São Paulo, DIFEL, 1965) e a obra do pensad or
antilhano Franz Fanon, a citadíssima Peau noire, mas-
ques blancs (Paris, Seuil, 1952).
Em francês, e infelizmente ainda não t raduzidas
para o português, portanto mais difíceis de serem encon-
tradas e pesquisadas, estão escritas as obras mais impor-
tantes e que permitem acompa nhar as origens, tendê n-
INDICAÇÕES PARA LEITURA cias e perspectivas da negritu de. Do extenso rol, reco-
mendaríamos: Bonjour et adieu à la négritude (Pa ris, R.
Laffont, 1981 ), de René Depestre, poeta haitiano que faz
Para os que quiserem seguir a trilha na qual demos uma análise brilhante das fraturas no discurso da negri-
estes primeiros passos, recomendo algumas das obras tude; Les écrivains noirs de tangue française , de Ltlia n
que foram para mim fundamentais para a compreensão Kestelloot (Bruxelas, 1977), autora da primeira tese de
da negritude, e cujos ecos se fazem ouvir neste texto. doutorado sobre a negritu de; Négritude ou servitude?
Seria prov~itoso conferir de perto o artigo "Negri- (Camarões, CLE, 1971) de Marcien Towa, professor de
tude/ negritudes", de Diva Dama to, publicado no n? 1 da filosofia africano, que faz uma contundente crítica à ne-
revista Através (São Paulo, Martins Fontes, 1983), que gritude senghoriana, e Négritude et négrologues (iné-
constrói um panorama da Negritude desde os seus pri- dito), de Stanislas Adotévi, que alerta para "a funçã o
mórdios, ainda no século passado, apresentando com desprezível que, consciente ou inconscientemente, atri-
muita riqueza de detalhes e de citações a Negritude anti- '· buímos hoje a esta palavra (negritude)" .
lhana. Também em língua portuguesa, existe o livro de Para os que se interessam em aprofunda r seus co-
Kabengele Munanga, Negritude (São Paulo, Ática, 1985, nhecimentos não somente sobre a negritude mas tam-
Col. "Princípios") que expõe de forma clara e sistemática bém sobre as questões que dizem respeito à literatura ne-
os pontos mais controversos do movimento. gra, as obras mais atuais disponíveis são: Raça e cor na
Ainda em português, remetemos ao texto antoló- literatura brasileira (Porto Al eg re, Mercado Aberto, 1984),
gico de Maria Carrilho, Sociologia da negritude (Lisboa, do brasilianista inglês David Brookshaw, que empreende
Ed. 70, 1975), o qual focaliza com grande objetividade o um exaustivo levantamento dos estereótipos criados so-

'
.I
58 Zilá Bernd
t

bre o negro por autores brancos e negros, e Negritude e


literatura na América Latina (Porto Alegre, Mercado
Aberto, 1987) desta que vos fala, Zilá Bernd, que procura
não só conceituar negritude, como também literatura ne-
gra, estabelecendo uma classificação de autores de acor- Sobre a autora
do com o nível de consciência expresso no texto literário.
Convém não esquecer que leituras sobre a escra- ' Sou gaúcha de Porto Aleg re. Leciono Literatura de Lín-
vidão e sobre as relações culturais e sociais dos escravos gua Francesa no Instituto de Let ras da Universidade Federal
e descendentes de escravos com a sociedade organizada do Rio Grande do Sul ( UFRGS) e Literatura Brasileira no curso
por (e para) brancos, são também de grande utilidade de pós-graduação em Letras da mesma Universidade.
para que se possa formar uma conceituação mais sólida e Sou mestre em literatura Brasileira ( UFGRS, 1977) e dou-
abran gente de negritude. Neste domínio são capitais os tora em Letras pela Universidade de São Paulo (1987), tendo
publicado os seguintes livros: A Questão da Negritude (São
diversos trabalhos, sobre o assunto, dos autores Roger
Paulo, Brasiliense, 1984), Negritude e Literatura na América
Bastide, Florestan Fernandes, Octavio lanni e João Bap- Latina (Porto Alegre, Mercado A berto, 1987), Antro/agia de
tista Borges Pereira. Poesia Negra Brasileira - Cem A nos de Consciência Negra no
Publ icações periódicas como as do Centro de Es- Brasil (Brasília, MINC/INL, 1988, no prelo) e Introdução à Li-
tudos Afro-Asiáticos, da Universidade Cândido Mendes, teratura Negra, São Paulo, Brasiliense, 1988.
do Rio de Janeiro; as do Centro de Estudos Afro-Orien- Atualmente, tenho uma bolsa de pesquisa do CNPq -
tais, da Universidade Federal da Bahia, e as dos grupos Conselho Nacional para o Desenvolvimento Tecnológico, pa-
Ouilom bhoje (São Paulo) e Negrícia (Rio de Janeiro), ra continuar a pesquisa , iniciada na USP durante o doutora-
devem ser conferidas . mento, sobre Literatura Negra no Brasil, sua característica de
subversão dos discursos rituais e suas relações com as litera-
turas negras do Caribe e da América Latina .

Caro leitor:
As opiniões expressas neste livro são as do autor,
podem não ser as suas. Ca so você ache que vale a
pena escrever um outro livro sObre o mesmo tema ,

-----· ... nós estamos dispostos a estudar sua publicação


com o mesmo título como " segunda visão" .


.r uMBEIROS · O Tráfico escravista para o
fJrasil CRIME E ESCRAVIDÃO- Trabalho, luta e
resistência nas lavouras paulistas

Maria Helena P. T. Machado- 14 x 21 cm - 136


Robert Edgar Conrad - 224 pp. - 14 x 21 cm pp .
Legal ou não., com a colaboração de britâni- N o século passado, os escravos responderam
cos e americanos, o tráfico de escravos foi, à superexploração de seus senhores de diver-
durante 300 anos, peça-chave do sistema es- sas formas, algumas violentas, como roubos e
cravocrata luso-brasileiro . Ali, no tráfico, se assassinatos de senhores e capatazes . De
DI?~~ .l 830 a 1888, este livro apresenta o quadro das
iniciavam o descaso e o despeito aos direitos I r!\l~ S> [jHA'iiL
I
'
fundamentais dos negros_. ii"!IW«"' t.... c.;.:!"i'r:ct
tensões sociais que geraram essa onda de cri-
m es e faz um retrato do movim ento d e resis-
tência, sobrevivência e autonomia escrav·11 ..

O NEGRO NO BRASIL
Escravo ou Camponês?· O protocampesi·
Julio José Chiovenoto - 264 pp
Fugindo dos abordagens convencionais, nato negro nas Américas
Ciro Flamarion Cardoso, 128 pp ., 14 x 21 cm
Julio José Chiavenato faz um verdadeiro
garimpo histórico para reunir crónicas e re-
gistras de época. Assim, descortina os ori- A vigência d a escravidão como relação único
~};.~~*;.:s:.·~.~~~r~:* ~~i~~
gens do . segregação racial e do desprezo Ctt.J-~wnSGao~
de trabalho n a América colonial é um mito .
pelo ser humano que tanto marcaram a es- Presente em outras colónias portuguesas,·no
cravidão no Brasil. é-<"''" ... ·"-'"f"'' o Sul dos EUA e no Caribe, havia um meio-ter-
·J><f!O'\X-H(••.':><'->1)
~l'''-•'<,.'-. tv.t•- .,..,
mo entre o escravo e o camponês: um escra vo
,,.-.;:"'-1 que, cultivando cotas de terra próprias, po-
dia arrecadar dinheiro para comprar sua li-
berdade.
A ESCRAVIDÃO AFRICANA -na América Latina e Caribe

·Herbert S. Klein- 14 x 21 cm- 320 pp.


A ESCRAVIDÃO Ser Escravo no Brasil
Ao ressaltar as semelh anças e diferenças que a AFRICANA Kátia de OueirósMattoso, 272 pp., 14x 21 cm
escravidão assumiu na América Latina e no At.IERJCA LATINA E Ç.t.RIBE

Carihe entre os séculos XVII e XIX, o historia- ;~--~\l

I~
''Escrito para um público amplo ... este livro
dor norte-americano Herbert S. Klein compa-
descreve com riqueza de detalhes o dia-a-dia
ra essas duas experiências e faz uma análise
dos escravos ... um surpreendente relato das
global da ascensão e queda da escravidão n o P._ relações económicas e sociais."
Novo Mundo .
The New York Times Book Review
.... • z.a;...__.,._ •
colecão primeiros passos i Dialética 1231 Toxicomania {1491

Erotismo {1361
Êtica {177) POLÍTICA/SOCIOLOGIA
{611
2? Semestre de 1988 Existencialismo
Filosofia (37}
{13}
Anarqu ismo
Autonomia Operária
{51
{1401
Ideologia
161 Capitalismo 141
ADM INISTRAÇÃO / ECONOM IA Fotografia {82} Liberdade
{165} Com unismo 121
Indústria Cultural 181 Pós-Moderno
1721 Constituinte 11431
Buroc racia 1211 Jazz {931 Positivismo
{11 51 Deputado 11781
Capita l {64} {15}- Realidad e
Jornalismo {59} Desobediência Civil (90}
Capital Internacional {71} {182} Teoria
Museu 112} Ditaduras 1221
Coop erativismo 1189} Utopia
Música 180} Estrutura Sind ical {194}
Empregos e Salários 128}
Música Sertaneja 1186} ' LITERATURA / LI NG Ü ÍSTICA Familia 1501
Empresa 1181} {51}
Patrimônio Histórico Feminismo 1441
Inflação 1198} (
Politica Cultural 1107} Biblioteca (94} Fome {102}
Mais-Valia 165} 1135}
Rock 1681 Conto Geopolítica 1183}
Ma rketing 127} 1103} {176} {202}
Semiótica Editora Greve
Multinacionai5 126} 110} {185} {35}
Teatro Esperanto Imperialismo
Re ces são (30}
Vide o {137} Ficção {156} Marxismo {148}
Recu rsos Humanos 1661 {169}
Ficcão Cientifica Materialismo Dialético 12061
Subdesenvolvimento 114} 1144}
CIÊNCIAS EX ATAS / HU ,JI ANAS História em Quadrinhos Nacionalidade 1120}
Taylorismo 11121 174} 1180}
(1711 Leitura Nazismo
Trabalho Astronomia 145} 1184} 187}
Lingüistica Parlamentarismo
ANTROPOLOGIA / RELIG IÃO
Cibernética
Darw inismo
1129}
1192}
It Literatura
Literatura Infantil
(53}
1163}
Participação
Participação Politica
1951
1104}
1174) I
Documentação Literatura Popular (98} (24}
Astrologia
Benze ção
(106}
{142}
Ecologia (1161 I Neologismo 1117}
Poder
Politica {54}
Energia Nuclear 111} ' (63} {83}
Cando mblé {200}
Estatística {195} I Poesia
Portug uês Brasileiro (164}
Polit ica Nuclear
Politica Social {168}
Capoei ra 1961 Física {131} i Tradução (166} Propaganda Ideológica {77)
Comuniciade Ec les ia l de Base {19} Geografia {48} {18}
Questão Agrária
Es piritismo {55} História 117} MEDICINA / PSICOLOGIA Questão da Moradia 192}
Espiritismo 2~ Visão (146} Inform ática 1158} 1751
Questão Pa lestina
Etnoce ntrisrno 1124} Informática 2~ Visão (210} Aborto 1126} (7}
Racismo
Zoologia 1154) Acupuntura 1145} 1331
Folclo re 1601 Reforma Ag rári a
AIOS (197} 125}
Igreja 132} Revolução
DIREITO Alcoolismo (205} (31
Magia {78} Sindicalismo
Contracepção (173} (1}
Mito (Í51} Socialismo
Direito (62) Corpo (170} (57}
Pastoral 169} Sociologi a
Direito Autoral (187} Corpollatrial (155} {34}
Pentec ostalismo (188} Stalinismo
Direito Internacional (58} Criança 1204} (121}
(128} Tortura
Porn o grafia Direitos da Pessoa 149} Hipnotismo {175} (40}
Trotskismo
Rel ig iiio 131} Habeas-Corpus 1153} 1134}
Homeopati a
Teo loyia da Libertacão 1160} Justiça (105} 1811
Homossexualidade DIVERSOS
Umba nda 197} Poder Legislativo (56} (73}
Loucura
Vampiro 1179} Medicina Alternativa (84}
Aventura (196 )
Vio lênc ia 1851 EDUCAÇÃO / PEDAGOGIA Medicina Popular 11251
Beleza (1671
Vi olênc ia Urba n a 1421 Medicina Preventiva (1 18}
Cidade 12031
Adolescência 11591 I Morte (1501
Cometa Halley (1571
ARTES / COMUNICAÇÕES Educação (201 Parapsicologia (1221
Comunidades A lt ernativas (1081
Educação Física (79} Pessoas Deficientes (891
Arquitetura (16 1 Crime (207}
Escolha Profission al 1208} Psicanálise (861
Arte 1461 Filateli a (1321
Menor 11521 Psicanálise 2 ~ Visão (133}
Ato r Lazer (1721
11901 Método Pau lo Freire 1381 Psicologia Comunitária (161}
Cinerna Negritude (2091
191 Ped agogi a 11 931 Psicologia Social 1391
Comunicacão 167} Nordeste Brasileiro 1119}
Universidad e 191} i Psiquiatria Alternativa (52}
Comunicação Poética 1191} Numismática 11471
Remé dio 1199}
Trânsito 11621
Com unicacíio Rural (101 ) FILOSOFIA Serviço Social 11111
Transporte Urban o 1201 )
Cont racu ltura 11001 Suicldio 11271
CHltUia (1101 Aliena ção 11 41 }
C: 11lturf' Popul tH 1361 Amor 1881
I

VOCÊ CONHECE O PRIMEIRO TOQUE? I


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~ ILIII.l !,.~··---··
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PRIMEIRO TOQUE é uma publicação corl} crôni- 1·
cas, resenhas, serviços, charges, dicas, mil atrações . I' ~~ ~

sobre todos os livros da Brasiliense. Sai de três em


três meses. Por que não recebê-lo em casa? Além do
mais, não custa nada. Só o trabalho de preencher os
dados abaixo, recortar, selar e pôr no correio.
NOME

[I I I I I
AOS CUIDADOS DE :
I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I
rI I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I J
ENDEREÇO

rI I I I I I I I I I I I I I I ~- I ~- ~- ~ - I I I I I I I I I 1
BAIRRO CIDADE

I I I I I I I I I I I nJ [ I I ~- I I I I I -~-~~;-~ I I I I J
UF CEP SEXO DATA DE NASCIMENTO

DI I I I I I DI I I I I I I ÁREAS DE INTERESSE : DD
PROFISSÃ O:
-~~--------~~~~---~~~~~~~~~~-~~~~~~~~,
(vide tabela abaixo)

DO
PARA USO INTERNO :
PROF . TIPO FAIXA

Para indicar as áreas dos livros de sua preferência, procure na


CJ DO
tabela a letra respectiva e coloque nos espaços acima:

Administração A Econom ia H Psicologia o


Antropologia 8 Ficção Científica [ 'Sociologia / Política p
Biografias c Ficção / Literatura J Ciência / Informática Q
Cinema / Teatro D História / Geografia K Filosofia R
Comunicações / Artes E Hi st. Quadrinhos L Lit. Infantil s
Conto F Poesia M Reportagem T
Educação / Ped agog ia G Policial III Ou tros z
... ~-- ·---
.,.
J uI ho/88 - 8 anos , 205 títulos
4,5 milhões de exemplares publicados
•••

Negritude é orgulho: orgulho de ser negro em uma


terra onde ainda prevalece o racismo. Orgulho da
cultura e das tradições afro-brasileiras em um Brasil ')

que , na maioria das vezes , não soube valorizar as


contribuições da raça negra para a cultura nacional.
Uma valorização que, no ano da comemoração do
ce ntenário da Abolição da Escravatura, mais do que
nunca torna-se oportuna, para não dizer obrigatória.

Áreas de interesse: Antropologia, Sociologia.

41 -t ) Ul' ·~ Nt.:::·~ { .'::.iüt ~ · o' ' • ."'\


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ISBN: 85-11-0 1209-5


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