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O Contexto Holandes Africano As Provinci

Este documento é a Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano número 69 de 2016. Contém artigos sobre as Guerras Holandesas no Brasil, a história do Nordeste, folclore e política em Pernambuco, além de documentos históricos e resenhas de livros. A revista busca divulgar pesquisas sobre a história e cultura de Pernambuco de acordo com os objetivos do Instituto desde sua fundação em 1862.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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O Contexto Holandes Africano As Provinci

Este documento é a Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano número 69 de 2016. Contém artigos sobre as Guerras Holandesas no Brasil, a história do Nordeste, folclore e política em Pernambuco, além de documentos históricos e resenhas de livros. A revista busca divulgar pesquisas sobre a história e cultura de Pernambuco de acordo com os objetivos do Instituto desde sua fundação em 1862.
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Revista do

Instituto
Arqueológico,
Histórico e
Geográf ico
Pernambucano

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Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano - IAHGP
Número 69. Recife, 2016. ISSN 0103-1945
CAPA: Óleo sobre tela, Eliane, 2016, a partir de fotografia de Leonardo Dan-
tas Silva. Acervo do Museu do IAHGP.

Editores
Bruno Romero Ferreira Miranda (UFRPE/IAHGP)
Dirceu Marroquim (DPPC/IAHGP)
Assistente de edição
Larissa Rodrigues de Menezes (DPPC/UFPE)
Conselho Editorial
Antônio Jorge de Siqueira (UFPE/IAHGP)
Bruno Augusto Dornelas Câmara (UPE/IAHGP)
Ernst van den Boogaart (IAHGP)
José Luiz Mota Menezes (IAHGP)
Marcus Joaquim Maciel de Carvalho (UFPE/IAHGP)
Onésimo Jerônimo Santos (IAHGP)
Yony de Sá Barreto Sampaio (UFPE/IAHGP)
Conselho Consultivo
Acácio Catarino (UFPB)
Ana Lúcia do Nascimento Oliveira (UFRPE)
Antônio Paulo Rezende (UFPE)
Carla Mary da Silva Oliveira (UFPB)
Daniel de Souza Leão Vieira (UFPE)
Giselda Brito Silva (UFRPE)
José Manuel Santos Pérez (Universidade de Salamanca - Espanha)
Maria Ângela de Faria Grillo (UFRPE)
Mariana de Campos Françozo (Universidade de Leiden - Países Baixos)
Rômulo Luiz Xavier do Nascimento (UFPE/IAHGP)
Scott Joseph Allen (UFPE)
Severino Vicente da Silva (UFPE)
Suely Creusa Cordeiro de Almeida (UFRPE)
Wellington Barbosa da Silva (UFRPE)

Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP


Fundado em 1862

 Rua do Hospício, 130, Boa Vista, Recife-PE, Brasil. CEP 50.080-060


 55 81 3222-4952
@ [email protected]

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DIRETORIA DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
PERNAMBUCANO – IAHGP PARA O TRIÊNIO 2014-2017

Presidente: José Luiz Mota Menezes


1º Vice-Presidente: Isnard Penha Brasil Júnior
2º Vice-Presidente: Ramires Cotias Teixeira
3º Vice-Presidente: Gilda Maria Whitaker Verri
1º Secretário: Reinaldo José Carneiro Leão
2º Secretário: Rafael Henriques Pimentel de Paula
1º Tesoureiro: Silvio Tavares de Amorim
2º Tesoureiro: Francisco Bonato Pereira da Silva
Diretoria de patrimônio: Reinaldo José Carneiro Leão

Comissão de Admissão de Associados:


Antônio Corrêa de Oliveira (in memoriam)
Maria Cristina Cavalcanti Albuquerque
Ramires Cotias Teixeira

Comissão de História e Geografia:


Carlos Bezerra Cavalcanti
Gilvan de Almeida Maciel (in memoriam)
Maria José Borges Lins e Silva

Comissão de Arqueologia e Etnografia:


Fernando Guerra de Souza
Marcus Joaquim Maciel de Carvalho
Roberto Mauro Cortez Motta

Comissão de Genealogia e Heráldica:


Reinaldo José Carneiro Leão
Tácito Luiz Cordeiro Galvão
Yony de Sá Barreto Sampaio

Comissão de Divulgação e Informática:


Bruno Augusto Dornelas Câmara
Bruno Romero Ferreira Miranda
Jacques Alberto Ribemboim

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Conselho Fiscal:
Paulo Frederico Lobo Maranhão
Roque de Brito Alves
Tácito Augusto de Medeiros

Suplentes:
Geraldo José Marques Pereira (in memoriam)
Luiz Jorge Lira Neto
Yony de Sá Barreto Sampaio

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Revista do
Instituto
Arqueológico,
Histórico e
Geográf ico
Pernambucano

Número 69
Recife, 2016

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Sumário

Nota dos Editores. ..................................................................................9

ARTIGOS – Dossiê Guerras Holandesas...............................................13

Os Neerlandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:


A preparação do “Grande Desafio”
ou uma presença não planejada?
José Manuel Santos Pérez.................................................................... 15

O contexto Holandês-Africano:
As provínicas unidas entre África e Brasil, 1600-1650
Toby Green,
Cândido Eugênio Domingues de Souza................................................... 41

A guerra defensiva na capitania da Bahia (1625-1654)


Pablo Antonio Iglesias Magalhães........................................................ 87

A arte de fortificar:
O caso do sistema de defesa
neerlandês doRecife (1630-1654)
Bruno Romero Ferreira Miranda........................................................ 163

A pax nassoviana e a paisagem política


da nova Holanda em Frans Post
Daniel de Souza Leão Vieira............................................................... 207

Serviços e mercês:
Os bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683)
Thiago Nascimento Krause................................................................. 247

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ARTIGOS

Indústria como salvação:


O nordeste, a CNI e o desenvolvimentismo nos anos 50/60
Paulo Raphael Feldhues. ................................................................... 311

Folclore e política: Jayme Griz e palmares em memórias de liberdade


Israel Ozanam de Souza Cunha........................................................... 339

Há (Votantes Apenas): Tensas relações entre voto


vagas
e emprego público no Recife na década de 1880
Felipe Azevedo e Souza. .................................................................... 359

Documentos para a história do Brasil

As “notas históricas e curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque


Tácito Luiz Cordeiro Galvão.............................................................. 381

ENSAIO

A saga do cangaço: verdades e mentiras


Melquíades Pinto Paiva. .................................................................... 459

RESENHA

Resenha do livro “Une archéologie théorique”, de Jean-Claude Gardin


(Paris: Hachette, 1979)
Marília Perazzo Valadares do Amaral,
Daniela Cisneiros.............................................................................. 469

Política editorial e normas gerais para a apresentação de textos..........473

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NOTA DOS EDITORES

Um dos principais compromissos do Instituto Arqueológico, His-


tórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP, desde as suas origens, é
levar a cabo esforços para a divulgação das pesquisas sobre a história
e a cultura de Pernambuco. Esse objetivo continua guiando todas
as ações realizadas por este mais que sesquicentenário sodalício. A
Revista que o leitor tem em mãos nasceu com o Arqueológico no
século XIX. Seu primeiro número viu a luz em 1863. Desde então,
colaboradores e editores trabalharam para manter vivo o periódico
que é um marco incontornável da produção historiográfica brasileira.
Períodos de grandes dificuldades resultaram em longas pausas na
publicação da Revista, mas, ela jamais deixou de circular, sendo por
isso, um dos mais antigos periódicos de história em funcionamento
no mundo. É com muita alegria que chegamos ao ano 154 de existên-
cia do Arqueológico e que podemos anunciar a publicação de mais
um número da Revista.
Este é o oitavo número consecutivo publicado desde a retomada
da periodicidade em 2009. Esta conquista não seria possível sem a
colaboração dos associados do IAHGP e de pesquisadores de diver-
sas instituições que gentilmente submeteram seus trabalhos aos pa-
receristas do nosso periódico. Desde já, registramos nossos mais sin-
ceros agradecimentos. A circulação de um periódico não-comercial
como é o nosso depende, obviamente, de apoio material. Esta nova
fase da Revista do IAHGP jamais ocorreria não fosse o apoio incon-
dicional e constante da Companhia Editora de Pernambuco - CEPE.
Devemos um pleito de gratidão aos quadros dirigentes da CEPE que
nunca hesitaram em fazer valer o dispositivo constitucional estadual
que delega à imprensa oficial de Pernambuco o dever de produzir
a Revista do IAHGP. Agradecemos ainda aos quadros técnicos que
realizam de forma primorosa a confecção deste periódico.
O presente número da Revista do IAHGP homenageia o Prof. José
Antônio Gonsalves de Mello por ocasião da passagem do centenário

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10 Bruno Romero Ferreira Miranda / Dirceu Marroquim

de seu nascimento. Pesquisador excepcional, seus trabalhos o cre-


denciaram ao panteão dos grandes historiadores brasileiros do sécu-
lo XX. Definiram a carreira desse notável pesquisador a erudição, o
rigor metodológico, o conhecimento profundo das fontes e acervos e
a capacidade de trabalhar com manuscritos em diversos idiomas e de
diversos períodos – principalmente dos séculos XVI e XVII.
Para que essa homenagem ficasse completa, os professores Pablo
Magalhães e Bruno Miranda organizaram um dossiê com um de seus
temas preferidos e que marcaram sobremaneira sua carreira: o “Bra-
sil holandês”. O dossiê “Guerras Holandesas” reúne contribuições de
pesquisadores brasileiros e estrangeiros sobre este tema tão caro à
historiografia pernambucana, mormente no âmbito dos trabalhos de-
senvolvidos no IAHGP desde a sua fundação em 1862. São trabalhos
realizados a partir de fontes primárias, que revelam aspectos ainda não
explorados ou apenas tangenciados pelos pesquisadores anteriores.
O conjunto de textos se abre com o artigo de José Manuel Santos
Pérez sobre as incursões holandesas na América portuguesa antes
das invasões da Bahia (1624) e de Pernambuco (1630), especialmente
aquelas ocorridas durante o reinado de Felipe II (de Portugal, III de
Espanha). Em seguida, Toby Green e Cândido Eugênio Domingues
de Souza apresentam um panorama sobre a presença holandesa en-
tre o Brasil e a África na primeira metade do século XVII, inserindo
Pernambuco no contexto atlântico internacional. Também numa pers-
pectiva de foco ampliado, Pablo Antonio Iglesias Magalhães discute
as incursões bélicas holandesas na Bahia entre 1624 e 1654, incluindo,
como não poderia deixar de ser, aquelas originadas a partir de Per-
nambuco. Bruno Miranda apresenta em seu artigo uma visão atua-
lizada dos estudos sobre o sistema de fortificações edificado pelos
invasores holandeses em Pernambuco, com o objetivo de assegurar os
territórios conquistados contra incursões por mar ou por terra. Daniel
Vieira analisa em seu texto os usos da arte como forma de consolidar
a conquista e a instrumentalização política das imagens produzidas
por Frans Post durante sua temporada de trabalho a serviço do conde
Maurício de Nassau. Fechando o dossiê, Thiago Krause retoma um
tema clássico, atualizando a abordagem sobre as remunerações dos
serviços de guerra dos vassalos luso-brasileiros no combate aos ho-
landeses na Bahia e em Pernambuco em perspectiva comparada.

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Notas dos Editores 11

A Revista do IAHGP n. 69 conta ainda com um conjunto de artigos


livres. O primeiro deles é de autoria de Paulo Raphael Feldhues, que
analisa as variações nos discursos sobre a industrialização do Nor-
deste na passagem da década de 1950 para a de 1960. Israel Ozanam
disserta em seu texto sobre a construções das memórias relativas ao
Quilombo dos Palmares e seus usos na elaboração de um discurso
histórico sobre a cidade de Palmares, Pernambuco, com atenção para
a atuação de Fernando Griz e seu filho Jayme Griz. Felipe Azevedo
e Souza examina em seu artigo uma série de episódios de conflito
em torno do voto e da partidarização do funcionalismo público em
Recife em meados da década de 1880.
Mantendo a tradição de disponibilizar documentos de seu arquivo
ao público interessado, a Revista do IAHGP inicia a publicação neste
número dos códices intitulados Notas Históricas e curiosas referentes
aos séculos 16º, 17º e 18º..., com estudo introdutório de Tácito Luiz
Cordeiro Galvão e índices onomástico e de assuntos elaborado por
George F. Cabral de Souza. Trata-se de um conjunto de cópias de as-
sentos eclesiásticos e cartoriais feito no século XIX e que é de suma
importância para a pesquisa histórica em Pernambuco, haja visto que
muitos dos originais desapareceram das igrejas e cartórios onde es-
tavam depositados.
Encerrando o presente número, apresentamos o ensaio elaborado
por Melquíades Pinto Paiva, intitulado A saga do cangaço: verdades
e mentiras e a resenha do livro Une Archeólogie théorique elaborada
por Marília Perazzo e Daniela Cisneiros. Desejamos que os textos
aqui apresentados possam suscitar novas pesquisas e novas pergun-
tas sobre a história de Pernambuco.

Recife, dezembro de 2016.

Os Editores.

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DOSSIÊ

GUERRAS HOLANDESAS

Homenagem a José Antônio Gonsalves de Mello,


por ocasião do centenário de seu nascimento
(Organizado por Pablo Antônio Iglesias Magalhães
& Bruno Romero Ferreira Miranda)

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OS NEERLANDESES NO BRASIL
EM TEMPOS DE FELIPE II DE
PORTUGAL: A PREPARAÇÃO DO
“GRANDE DESAFIO” OU UMA
PRESENÇA NÃO PLANEJADA?

José Manuel Santos Pérez1

Resumo: Antes da ocupação da capitania de Pernambuco e demais vizi-


nhas, a partir de 1630, apenas um episódio da presença holandesa no Brasil
foi usualmente lembrado pela historiografia: a conquista e posterior perda
de Salvador da Bahia, em 1624-25. Porém, essa presença foi muito importan-
te desde pelo menos os anos 1580 e teve múltiplas formas: desde a presença
de comerciantes, até a fundação de colônias na Amazônia. O objetivo deste
artigo é analisar essa presença durante o reinado de Filipe II de Portugal (III
de Espanha) e mostrar que as autoridades em Madri, longe de considerar
esse fato algo secundário, estiveram muito preocupadas e tentaram em todo
momento organizar uma resposta contra o grande inimigo da Monarquia
Hispânica e suas pretensões no Atlântico Sul.

Palavras-chave: Brasil holandês. Monarquia Hispânica. Guerra no Atlân-


tico Sul.

The Dutch in Brazil in times of Filipe II of Portugal: preparation of the “great


challenge” or unplanned presence?

Abstract: Before the occupation of the Captaincy of Pernambuco and its


neighbors, as of 1630, only one episode of the Dutch presence in Brazil is
usually remembered by historiography: the conquest and subsequent loss
of Salvador da Bahia in 1624-25. However, this presence was very impor-
tant since at least the 1580s and had many forms: from the presence of
merchants to the founding of colonies in the Amazon. The objective of this

1 Professor Titular de História da América da Universidade de Salamanca, Espanha.

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16 José Manuel Santos Pérez

article is to analyze this presence during the reign of Philip II of Portugal (III
of Spain) and to show that the authorities in Madrid, far from considering
this a secondary fact, were very worried and tried at all times to organize a
response against the Great enemy of the Hispanic Monarchy and its preten-
sions in the South Atlantic.

Keywords: Dutch Brazil. Spanish Monarchy. War in the South Atlantic.

No dia 21 de agosto de 1604, uma frota enviada pelos Esta-


dos Gerais holandeses, sob o comando de Paulus van Caerde,
atacava a cidade de Salvador de Bahia. O acontecimento foi
narrado por testemunhas que chegaram a Lisboa em outubro
do mesmo ano e logo enviaram um informe para o Conselho de
Estado que se mostrou muito preocupado com o ataque, mas
fundamentalmente, com a informação que chegava da mesma
fonte segundo a qual os navios holandeses, depois do ataque
contra Salvador, teriam navegado para o Caribe. Os membros
do Conselho recomendaram ao Rei (Filipe III de Espanha, II
de Portugal), proibir a entrada das urcas dos “rebeldes” nos
territórios da Monarquia Hispânica (incluída a América Portu-
guesa), que sofria com a presença estrangeira pela “falta de
navios naturales”, sendo necessário que Portugal se esforçasse
em construir barcos para substituí-los. O duque do Infantado,
consciente das dificuldades dos portugueses, sugeria que se
fretassem navios biscainhos, “começando assim o remédio”.2
Segundo as informações que chegavam da Inglaterra, os “re-
beldes” holandeses, temerosos com o fim do apoio inglês, após
a assinatura do Tratado de Paz de 1604, estavam procurando
motivos para manter as hostilidades entre o Rei Jaime I e a Mo-
narquia Hispânica, chegando a oferecer um ataque ao Caribe
que teria como resultado a cessão da ilha de Cuba aos ingleses.3
Todos esses acontecimentos fazem parte do contexto geral
da penetração dos “rebeldes” holandeses nos territórios atlânti-

2 Carta del Consejo de Estado al Rey, sem data, Archivo General de Simancas
(AGS), Estado, 842.
3 Carta del Conde de Villa Mediana al Rey, 4 de março de 1604, AGS, Estado,
Inglaterra, 842.

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 17

cos da dupla Monarquia Hispano-Portuguesa, a inícios do sécu-


lo XVII. Essa penetração não era, de maneira nenhuma, somen-
te militar ou devido à incursão de piratas. Estava expressada de
muitas formas. De um lado, com a presença de comerciantes,
legal ou ilegalmente, nos portos de um e outro lado do Atlân-
tico. De outro, com a presença de colonos e a construção de
fortalezas em vários lugares reclamados pela Monarquia dos
Habsburgos. Estava também a suspeita de uma presença mais
difícil de perceber, a de informantes ou espiões que procura-
vam informações sobre a região. E finalmente estava a presença
de marinheiros, viajantes, pessoas de diferentes estratos sociais
que às vezes por acaso, outras por pertencer a alguma frota,
acabaram nas costas do Brasil e escreveram relatos sobre o que
tinham visto ou vivido (LAET, 2007).
A questão dos holandeses no Brasil antes de 1621 não tem
tido na historiografia o mesmo tratamento oferecido ao período
posterior à criação da WIC. Os estudos clássicos das “invasões”
holandesas da Bahia e Pernambuco são os de Stols (1973) e
Sluiter (1968). Porém, desde o ano 2000 produziram-se várias
e significativas mudanças no tratamento do tema. De um lado,
integrou-se esta questão dentro do amplo marco da União das
Coroas. A obra de Rafael Ruiz (2002; 2004) é muito importante
a respeito. O autor propõe que a presença holandesa, com as
diversas expressões já comentadas, não era um mosaico de in-
teresses confrontados e sim uma estratégia dos Estados Gerais
para um objetivo concreto e ambicioso: a conquista de Potosí.
Em diversos artigos o historiador Alírio Cardoso insere a ques-
tão do Maranhão e da ameaça holandesa ao extremo norte da
América Portuguesa no mesmo contexto hispano-luso, que seria
o adequado para entender todo o processo (CARDOSO, 2008;
CARDOSO, 2011). O livro de C. Ebert (2008) sobre o comércio
do açúcar tem discutido também o tema, desafiando a ideia de
confronto e mostrando que muitas vezes os interesses holan-
deses e hispano-lusos entremeavam-se e conformavam redes
“inter-imperiais”. Em geral, as novas perspectivas de História
Global, de História do Atlântico, ou da História do Atlântico Sul,
nos obrigam também a tratar a questão de maneira diferente.

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18 José Manuel Santos Pérez

O nosso objetivo aqui é analisar o tema dos holandeses no


Brasil antes de 1621 a partir dessa nova perspectiva, revisando
as velhas questões, discutindo as novas interpretações e tra-
tando de ver qual foi a estratégia que intentou, e quase nunca
conseguiu, ao menos completamente, implementar o sistema
hispano-luso da União de Coroas para confrontar essa múltipla
ameaça sobre os territórios portugueses da Monarquia Católi-
ca. Achamos que mesmo sendo uma ameaça global, tanto do
ponto de vista geográfico, com ataques ou presença holandesa
tanto no norte quanto no sul do Brasil, como do ponto de vista
dos diferentes planos da realidade colonial: seja o comércio,
os contratos de exploração de mercadorias, a presença militar,
as colônias de povoamento, etc., a Coroa não pensou numa
resposta global e coordenada para todas as ameaças que pai-
ravam sobre o território da América Portuguesa, senão que foi
improvisando ações de diferente efetividade a medida que essa
ameaça holandesa avançava, adquirindo formas novas. As res-
postas eram diferentes em função dos distintos planos da reali-
dade. Achamos também que, depois da febre de interpretações
“globais” devemos descer ao terreno do local, e perceber com
mais detalhes a ação dos homens on the spot, que parece que
usaram e às vezes exageraram essa ameaça “global” para con-
seguir ascender na escala social através de mercês e privilégios
reais (MIGNOLO, 2002; ADAS, 1998). Também é preciso articu-
lar o que no passado foram análises dispersas e fragmentadas,
que atingiam de maneira desconectada os aspectos comerciais,
políticos e militares. A falta de uma visão de conjunto faz per-
der a perspectiva do que foi um dos mais importantes episó-
dios da história do Brasil colonial.

***

A relação comercial dos holandeses com o Brasil antes das


invasões era intensa. No famoso relatório enviado pelos co-
merciantes aos Estados Gerais em 1622, calculava-se que entre
35.000 e 40.000 florins entravam nos cofres do tesouro a cada
ano através da arrecadação de impostos sobre o açúcar brasi-

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 19

leiro (EBERT, 2008: 45). Amsterdã era desde 1595 o centro do


comércio açucareiro. Stols estimou que entre 1550-1630 haveria
uns 587 comerciantes dos Países Baixos participando no co-
mércio com a Península Ibérica. Umas 175 famílias de comer-
ciantes do Noroeste europeu residiriam em Portugal ou nas
colônias portuguesas atlânticas (EBERT, 2008: 73). No mesmo
relatório, os comerciantes holandeses informavam que dois ter-
ços dos barcos que participavam no comércio do açúcar eram
holandeses. Esta afirmação, reproduzida em todas as obras de-
dicadas ao tema, tem sido questionada recentemente (EBERT,
2008: 73), mas não podemos esquecer que Sluiter comprovou
que mais de 100 embarcações holandesas ou relacionadas com
holandeses transitavam pelas rotas do comércio do açúcar entre
1587 e 1599 (SLUITER, 1968: 76).
O que parece certo é que havia pequenas colônias de co-
merciantes holandeses na Bahia e no Recife, que estabelece-
ram importantes vínculos com a sociedade local e que faziam
parte de grandes redes de comerciantes, cristãos-novos ou não,
que tinham negócios diversos no Brasil, Portugal e nos Países
Baixos, nos quais o açúcar era apenas uma parte do comple-
xo comercial. Estas redes eram “inter-imperiais”, já que estavam
constituídas por pessoas de origem portuguesa, holandesa (das
Províncias “Obedientes” e das “Rebeldes”), inglesa, italiana ou
outras, e mudavam constantemente como estratégia para evitar
os entraves que os diferentes estados (tanto a Monarquia Hispâ-
nica quanto os Estados Gerais) estabeleciam sobre este tipo de
comércio (EBERT, 2008: 80). Alguns exemplos dessas redes são
bem conhecidos, mas vale a pena lembrar: destacava-se a famí-
lia Hulscher, de origem alemã, com importantes vínculos com o
Brasil. Duarte “Osquer” e Manuel Van Dale, membros da família,
tinham a base em Salvador. Em 1593, os quatro irmãos de Duarte
formavam uma rede que se espalhava por uma vasta rota comer-
cial: João em Lisboa, Adam em Hamburgo, Hendrik na Antuérpia
e Guilherme “Holsquer” em Olinda (STOLS, 1973: 36).
São muitos os exemplos de comerciantes holandeses que
participavam nas rotas do Atlântico. Em 1595, o mercador Hans
de Schot, da Antuérpia, assinou um contrato com o proprietário

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20 José Manuel Santos Pérez

de um de navio para fazer uma viagem comercial: o proprie-


tário deveria carregar cereais e outras mercadorias em Danzig,
e de lá navegar a Tanger, Ceuta ou Mazagão, onde devia ven-
der os produtos do Báltico. Dali deveria seguir para Bahia ou
Recife, onde poderia permanecer durante quatro meses para
carregar açúcar e transportá-lo a Lisboa. Em lugar disso foi di-
retamente a Zelândia (BOOGAART, 1992: 73).
Parece que uma parte importante dos comerciantes eram
cristãos-novos que participavam nas redes comerciais inter-im-
periais, entre eles o famoso Jacop Lopes da Costa ( Jacob Tira-
do), um dos fundadores da sinagoga portuguesa em Amsterdã
(BOOGAART, 1992: 77). Porém, nos últimos anos se discute
que essas redes de cristãos-novos tivessem uma espécie de mo-
nopólio do comércio do açúcar. Eles não eram os únicos no ne-
gócio. Na verdade, esses comerciantes formavam redes que tem
sido recentemente caracterizadas como “atomísticas, altamente
móveis e muito extensas” (EBERT, 2008: 61).
Algumas das redes mantinham negócios no Brasil através de
correspondentes portugueses, mas uma parte dos comerciantes
holandeses residiam em território luso-americano. A partir de
finais do século XVI, a participação dos estrangeiros no comér-
cio do açúcar fez com que um importante número de nego-
ciantes não portugueses, fundamentalmente dos Países Baixos,
estivesse presente no Brasil. Vários holandeses acabaram par-
ticipando também na produção de açúcar, fundamentalmente
em Pernambuco e em São Vicente (EBERT, 2008: 78).
Esse comércio, que dependia das licenças das autoridades
e que respeitava as normas de pagamento de impostos e de
obrigação da passagem pelas alfândegas portuguesas no re-
gresso a Europa, considerado “legal”, complementava-se com
o comércio “ilegal”, que podia ser na forma de evitar passar
pelos portos portugueses, e ir diretamente do Brasil para Ho-
landa, ou na forma de ações de pirataria, que às vezes eram
apoiadas e financiadas pelos mesmos comerciantes, e às ve-
zes iam contra eles. Na verdade, parece que se produzia uma
combinação de ambas estratégias, como advertia o Conselho
de Portugal em 1607:

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 21

“O conde de Salinas mostrou os dias atras em Con-


selho a copia de hum assento que hora fizerao as
provincias rebeldes para effeito de poderem com
mais forças continuar os danos que com seus navios
causao, na India, e nas costas do Brasil, e de Guine, e
em outras partes: e por a matteria ser tao importante
pareceo ao Conselho que para com mais luz poder
trattar della se devia remetter a copia do ditto assento
ao visorey (como se fez) com carta de V. Magde. pola
qual se lhe ordenou que o fizesse ver no conselho da
India, e que com seu parecer consultasse a V. Magde.
o que conviria que se provesse para se obviar a es-
tes danos. Em cumprimento disto fez o visorey ver o
negocio no ditto conselho, e enviou a V. Magde. com
carta sua de 10 deste mes a consulta que por elle se
fez, na qual em substancia se contem que do theor do
ditto assento se deixa entender que o intento dos Re-
beldes he exercitar a marcancia e comércio nas dittas
partes juntamente com a pirataica, como atte gora fi-
zerao, e que para este effeito, e para mais a seu salvo
executarem tudo isto, tratao de tomar alguns portos e
asssentar nelles feitorias...4

Com o intuito de acabar com essa ameaça pirata, chegou ao


Conselho de Portugal uma curiosa proposta de um inglês anô-
nimo, de 1606, que pretendia acabar com os ataques mediante
um sistema de frotas. Segundo o inglês, os holandeses captura-
vam a maior parte das caravelas que traziam açúcar do Brasil,
podendo assim abastecer “de açúcar a Inglaterra, França, Ale-
manha e parte de Itália”, além do dano que se fazia à fazenda
real. O que o inglês propunha era fretar todos os anos dez ou
doze navios, enviá-los ao Brasil e trazer de lá os açúcares e as
mercadorias obtidas. Comprometia-se também, com os mesmos
barcos, a abastecer de mantimentos as possessões portuguesas

4 El Consejo de Portugal al Rey, Madri, 22 de março de 1607, AGS, Secretarías


Provinciales, libro 1476, fol 253 y ss.

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22 José Manuel Santos Pérez

na África. Advertia também o comerciante inglês da necessi-


dade de fortificar o estreito de Singapura para evitar assim a
entrada de ingleses e holandeses no espaço comercial do su-
deste asiático. O próprio Conselho que enviava a informação
ao Rei desaconselhava aceitar a proposta, entre outras razões
porque a proposição seria contrária a uma lei “muy moderna”
que proibia a entrada de estrangeiros nas rotas comerciais da
Monarquia Hispânica (a proibição de 1605).5
As consequências das ações de pirataria sobre o comércio
têm diferentes interpretações na historiografia. Stols deu muita
importância a este fato. Depois de analisar as redes de comer-
ciantes holandeses ou flamengos que operavam no Brasil e em
Portugal, inclusive durante os embargos, e mesmo depois da
proibição de residência dos estrangeiros nos territórios portu-
gueses de 1605, o autor concluiu que não havia necessidade
nenhuma, em 1621, de organizar uma companhia comercial
(como a WIC) do ponto de vista econômico. A razão da criação
da companhia teria sido então política, mas não como uma res-
posta aos embargos da Monarquia Hispânica, interpretação ob-
via que foi muito usada no passado, senão como uma resposta
dos comerciantes e do estado contra a constante e incontrola-
da presença de piratas nas rotas comerciais, podendo assim,
mediante uma companhia de monopólio que fretava grandes
navios de guerra, proteger o comércio no Atlântico (STOLS,
1973). Ebert, sem menosprezar a importância das ações vio-
lentas, indica que o comércio ilegal não teve o alcance que
parecia, dadas as dificuldades existentes realiza-lo, e que, pelo
menos nas duas primeiras décadas do século XVII não estaria
tão estendido (EBERT, 2008: 148).
Como se sabe, a estratégia da Coroa contra essa forte pe-
netração estrangeira no comércio seria a implementação dos
embargos contra os negócios dos holandeses e as proibições
para a residência de estrangeiros (especialmente holandeses)

5 El Consejo de Portugal al rey. Sobre la oferta que ha hecho un inglés de armar


navios para el trato del Brasil, 28 de fevereiro de 1607, AGS, Secretarias Provin-
ciales, 1476.

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 23

nos territórios portugueses de além-mar. Começadas por Filipe


II em 1585, continuariam em 1591 e, já no reinado de Filipe III,
em 1598, culminando com a proibição de residência de estran-
geiros de 1605. Essas medidas tiveram diferentes resultados. As
primeiras foram pouco efetivas e a Coroa não dedicou muito
esforço para fazê-las funcionar. O embargo de 1598, mais efeti-
vo, teve um impacto tão negativo sobre o comércio português
que a Coroa acabou desistindo da medida e substituindo-a por
um imposto especial contra os holandeses de 30% do valor das
mercadorias exportadas. Já a medida de 1605 foi mais profunda
e nociva. As medidas influíram negativamente sobre a fortaleza
das redes comerciais holandesas, mas a forte integração e a mo-
bilidade dos negociantes conseguiram manter, a duras penas, o
negócio do açúcar a finais do século XVI. Conhecemos alguns
casos do impacto da medida em pessoas particulares. O co-
merciante Manuel van Dale, o flamengo anteriormente citado,
enviou um pedido a Madri em 1606 solicitando voltar ao Brasil,
de onde teria sido expulso, para buscar a sua mulher que fi-
cou na Bahia. O Rei desaconselhou dar essa licença pois havia
suspeitas de que o flamengo iria provocar um levantamento de
escravos no interior do Recôncavo.6
A historiografia se inclina mais por relativizar a importância
dos embargos no fluxo geral do comércio dos holandeses no
Atlântico, mas Jonathan Israel mostra que o impacto foi maior
e que realmente significou um golpe importante para o sistema
exportador-importador da República holandesa no primeiro de-
cênio do século XVII (ISRAEL, 1989: 58-60).

***

Outro assunto a considerar seria a presença dos navios de


guerra holandeses nas costas do Brasil. A ameaça militar era
permanente, ou assim era entendido pelos agentes da Monar-
quia destacados no Estado do Brasil, pelas autoridades portu-

6 El Consejo al Rey, Madrid, 23 de diciembre de 1607, AGS, Secretarias provincia-


les, libro 1476, fol. 407. O caso é também tratado por Stols (1973).

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guesas dos diferentes conselhos, e pelo mesmo Rei. Já em 1598,


depois do primeiro embargo, os Estados Gerais decidiram rea-
lizar um saque na região do Atlântico Sul, fundamentalmente
contra o Brasil. Estava claro que os holandeses pensavam que
a parte mais fraca do império hispano-luso era a longa costa da
América Portuguesa, que de um lado podia ser interessante por
si mesma, já que era a primeira região de produção açucareira
desde finais do século XVI, mas de outro lado, era fundamen-
tal para a defesa das regiões mineiras do Peru. Os holandeses
pensavam também que um eventual ataque poderia ser apoia-
do por uma, supostamente, descontente população portuguesa,
que a exemplo dos batavos sofriam com a dominação espanho-
la. Se as invasões dos anos 1624 (Salvador) e 1630 (Recife) não
ocorreram antes foi mais graças à sorte, aos elementos meteo-
rológicos e naturais (doenças, etc.), ou à desorganização das
frotas holandesas que à efetividade das escassas forças navais
hispano-lusas.
No ano de 1599 saiu de Holanda uma frota de 75 barcos
e 8.000 soldados e marinheiros sob o comando do almirante
Pieter van der Does. Uma frota tão importante, maior do que
a comandada Hendrick Corneliszoon Loncq em 1629-30 para
o ataque a Pernambuco (69 navios e 7.000 homens), devia ter
grandes objetivos (BOXER, 2004: 52). Além de cortar as comu-
nicações espanholas e portuguesas com a América, devia rea-
lizar ataques em pontos estratégicos do litoral dominado pelos
ibéricos, mas parece que o principal objetivo podia ser, inclu-
sive, um poderoso ataque, e talvez a invasão de algum ponto
da costa do Brasil (SLUITER, 1968: 70). O primeiro golpe se
materializou contra a cidade de Las Palmas, nas Ilhas Canarias,
a partir de onde a frota se dirigiu à ilha de São Tomé, cuja praça
forte, Pavoasán, foi saqueada (PÉREZ, 2001: 45-52). O clima e o
complexo microbiano das costas africanas cobraram seu preço:
a expedição holandesa foi afetada por uma epidemia, provavel-
mente de malária, que atingiu a milhares de soldados e mari-
nheiros, obrigando-os a fazer uma mudança de planos. Já uma
parte importante da frota tinha regressado para os Países Bai-
xos, e o almirante decidiu retornar com o resto dos navios, mas

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 25

foram enviados sete barcos ao Brasil sob o comando de Hen-


drik Hartman. A esquadra sitiou a cidade de Salvador e com-
binou o comércio com os saques às plantações do Recôncavo
(BOOGAART, 1992: 78). Em 1604, a já comentada expedição
de Paulus van Caerde voltou a Salvador e durante seis semanas
acossou os moradores da cidade e da região circundante. No
ataque foi incendiado um engenho que o comerciante flamen-
go Hulscher tinha em Itaparica (STOLS, 1973: 46).
Em 1606, o Conselho de Portugal alertava a El Rey de que os
rebeldes holandeses estariam planejando um ataque à praça de
São Jorge da Mina, na África, vital para o comércio de escravos
do qual dependia a indústria açucareira do Brasil. Os conselhei-
ros informaram de que a República Holandesa ingressou, só no
ano de 1605, quinhentos mil cruzados em ouro, que dessa forma
não entravam na Fazenda Real. Filipe III respondia que não se
devia dar crédito a quaisquer rumores que chegavam dos Países
Baixos, mas que seria bom enviar umas caravelas com os devi-
dos recursos econômicos. O Conselho tentou organizar a expe-
dição mas achou os cofres vazios.7 Essa informação deixava claro
que, chegado o momento, os holandeses não se limitariam a
um controle de rotas comerciais, senão a um autêntico plano de
domínio de todos os pilares do comércio do açúcar no Atlântico,
isto é, África, rotas comerciais e lugares de produção.
Outro plano para a invasão de Pernambuco foi descoberto
em 1607 pelo capitão-mor Alexandre de Moura, que em car-
ta ao Conselho dava conta dos “apercebimentos” que ele fez
para se defender dos “rebeldes”, ao tempo que agradecia os
avisos que constantemente chegavam da Europa com notícias
sobre o movimento dos holandeses e as intenções de atacar
o litoral do Estado do Brasil. Foi um inglês, interceptado em
Alagoas, quem deu conta dos planos: a frota holandesa de 3
navios capturou perto de Gibraltar a embarcação inglesa em
que o declarante viajava. Passadas as Canárias, o capitão da

7 El consejo de Portugal al Rey. Sobre el abiso que hay de q los rebeldes in-
tentan ir tomar el castillo de S. Jorge de la Mina, 28 de agosto de 1606, AGS,
Secretarías Provinciales, libro 1476.

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frota abriu o “Regimento” que continha instruções precisas


para um ataque a Pernambuco:

querião buscar o porto de Pernambuco donde visem


terra, e elles nam fossem vistos della, e que ahy bo-
tarião ferro, e como estevessem leste, oeste com o
Arreciffe fariam nella a boca da noite e veriao botar
quinhentos homens na praya com noite de escuro em
parte donde não podessem ser vistos do forte, e que
o cometerião com escadas q traziam, e artefficios de
fogo para a Porta, e que logo farião huma cava muy
depegada com o dito forte em que entrasse o Mar no
Rio, para assij o nam poder socorrer a gente da Villa.

Eram três navios com 500 soldados (flamengos, france-


ses, ingleses e holandeses) e 80 peças de artilharia. O plano
frustrou-se porque depois de cruzar o Equador a esquadra
encontrou ventos contrários e os soldados se amotinaram,
pedindo o regresso às Províncias Unidas. O capitão, alegan-
do o dever de cumprir o Regimento, deixou regressar dois
dos barcos e navegou até Pernambuco, desembarcando na
localidade de Santo Antônio Mirim, no Sul da Capitania, para
aprovisionar-se, seguindo depois em direção a Salvador.8 A
ameaça parecia possível, mas não podemos esquecer que o
autor da carta de aviso, Alexandre de Moura, capitão-mor de
Pernambuco na época, tratava de ganhar a confiança real, se
apresentando como alguém comprometido com a defesa do
território, e que teria mais tarde um papel fundamental na
conquista do Maranhão.
Ainda no ano de 1613 foi enviado de Lisboa um novo aviso
a Alexandre de Moura sobre outro plano holandês de invadir
Pernambuco, dessa vez com quatro navios e quatrocentos ho-
mens que deviam encontrar um lugar para se fortificar. Filipe

8 El consejo de Portugal al rey, Sobre lo que aviso Alexandre de Moura Capitan


de Pernambuco del Brasil de los navios de Olandeses, que alli aparecieron, 4
de julho de 1607, AGS, Secretarias Provinciales, 1476, fol. 317-319v.

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 27

III ordenava o envio de caravelas com suficientes homens,


armas e munições para apoiar a defesa que pudesse ser or-
ganizada no território, “entendendo a importância da matéria”
e pedindo que o aviso partisse com brevidade para chegar a
tempo ao Brasil.9
Sem deixar de considerar a penetração comercial holandesa
e os ataques militares como planos diferentes da difusa amea-
ça holandesa, devemos lembrar, como acertadamente apontou
Maurits Ebben, que as expedições militares no Atlântico Sul
eram empresas nas quais se produzia uma estreita colaboração
entre mercadores, governo e autoridades militares. Os comer-
ciantes financiavam com frequência essas operações, fornecen-
do adiantamentos. As vezes organizavam-se as viagens como
empresas comerciais que eram financiadas mediante a pilha-
gem. O governo, por sua parte, coordenava as ações, outorgava
subvenções e dava licenças de corso (EBBEN, 1999).
Portanto, a ameaça parecia certa e isso fez com que os Habs-
burgos optassem por uma contra estratégia de defesa dos ter-
ritórios do Atlântico Sul. Os monarcas espanhóis reclamavam
constantemente mais esforços para a defesa de um território
considerado como “as costas do Peru”; um grande escudo de
defesa do território das minas. Além disso, o Estado do Bra-
sil deveria ser defendido em função das especulações sobre
a existência de importantes jazidas minerais, o que faria dele
“um outro Peru” (CARDOSO, 2011; PÉREZ, 2005; PÉREZ, 2010;
MARQUES, 2009). Porém, o sistema defensivo da América por-
tuguesa era muito frágil e exigia a construção de uma linha de
defesa no litoral para controlar o território e evitar que este
fosse conquistado pelos numerosos inimigos que o cobiçavam.
Durante os últimos anos do reinado de Filipe II e os primeiros

9 Sobre o aviso que se tiene de que os olandeses intentavao tomar Pernambu-


co, 15 de maio de 1613, AGS, Secretarias Provinciales, libro 1506. Esse aviso
causou um incidente com o Conselho da Índia, que enviou uma carta ao Rei
reclamando por não ter sido avisados da ameaça holandesa. O Rei respondeu
que deviam fazer as reclamações da forma adequada, através do Vice-rei e não
diretamente a ele, já que não prestaria mais atenção aos protestos. AGS, Secre-
tarias Provinciales, libro 1506.

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do de Filipe III houve uma grande atividade de construção


de fortalezas no território da América Portuguesa, e foram en-
viadas várias frotas de socorro como resposta às ameaças já
comentadas e às numerosas informações que chegavam das
embaixadas europeias sobre planos dos inimigos da monarquia
para ataques na região Sul do Atlântico. Não é exagerado dizer
que essa linha de fortalezas construídas nesse período foi a
origem de uma boa parte das cidades litorâneas do Brasil con-
temporâneo (RUIZ, 2002: 109).10
Entretanto, para a Monarquia Hispânica, a questão da de-
fesa de um território nem sempre era sua responsabilidade.
A cabeça do império devia ocupar-se da defesa naval, mas a
defesa em terra devia ser organizada e financiada localmente.
Assim, o programa de construção de fortalezas desenvolvido
desde 1580 teve quase sempre um apoio em recursos locais,
provenientes fundamentalmente do arrecadado através dos dí-
zimos (sendo o do açúcar o mais importante), ou do arrenda-
mento dos monopólios régios (pau-brasil e pesca da baleia),
além de pagamentos nas alfândegas e direitos de entrada e
saída de mercadorias. Os gastos militares do Estado do Brasil
nos primeiros anos do século XVII representaram mais de 50%
do total das despesas, chegando a 60% na época da conquista
do Maranhão (GRAÇA E COSTA, 1985).
Por paradoxal que possa parecer, a Coroa também dependia
dos “flamengos” em algum dos mais importantes aspectos da
arrecadação fiscal, concretamente o monopólio do pau-brasil.
O financiamento por essa via resultou ser mais complicado do
que parecia: uma vez que a Coroa começou a investigar o que
se arrecadava com esse produto, percebeu que a fraude era
generalizada e que os flamengos e inclusive os “rebeldes” ho-

10 Os fortes construídos são: São José em Macapá; Forte Presépio (Belém);


São Philippe no Maranhão; São Sebastião (origem de Fortaleza), mais
outros dois fortes no Ceará; Reis Magos na boca do Potengí; Cabedelo
e Santo Antônio na Paraíba; São Jorge e Forte do Mar em Pernambuco;
Monte Serrate, Santo Antônio da Barra, Santa Maria, São Diogo e mais
três fortes na Bahia; três fortes na capitania de Espírito Santo; cinco fortes
mais no Rio de Janeiro e finalmente Santo Amaro da Barra Grande em São
Vicente, que se acrescentava aos já existentes.

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a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 29

landeses estavam participando no negócio e desviando fundos.


Isso foi o que Alexandre de Moura e outros agentes da Coroa
avisaram ao Rei durante os primeiros anos do século XVII. Pa-
rece que havia alguma participação direta dos comerciantes
holandeses na arrematação do pau-brasil no Espírito Santo, e
alguns arrematadores como André Ximenes estavam desvian-
do parte da produção para comerciantes holandeses que su-
postamente encontravam melhores condições do que através
dos canais oficiais. São numerosas as informações sobre esses
comerciantes. Segundo Stols, só o pau-brasil levado pelo arre-
matador Miguel Fernandes Anjo para o Norte da Europa, Ho-
landa e Zelândia, Ruão, Calais e Hamburgo em 1603, montou
a 9.077 quintais. Do negócio participava uma parte importante
das redes de comerciantes que já estavam presentes nas ro-
tas do Brasil, como o já citado André Ximenes, Henrique Ber-
naldes, primeiro feitor em Pernambuco e depois em Amsterdã
ou Cornelis Snellinck também em Amsterdã (STOLS, 1973: 41).
Alexandre de Moura, o capitão-mor de Pernambuco, já avisava
em 1605 dos “descaminhos” do pau-brasil.11 Em 1609, as infor-
mações que chegavam eram mais preocupantes. O Rei soube
que o contratador André Ximenes estaria vendendo pau-brasil
aos “rebeldes” e mandou investigar o assunto.12 Como já é sabi-
do, em 1606 a Coroa enviou ao desembargador Sebastião Car-
valho para fazer uma inspeção dos desvios que estariam sendo
produzidos, mas agora, em 1609, a questão seria mais encami-
nhada para o desvio que se estaria produzindo em favor dos
holandeses (MARQUES, 2002). O Rei soube que os contratado-
res, efetivamente, enviavam o pau-brasil diretamente a destinos
fora de Portugal, defraudavam com as quantidades produzidas,
não cumpriam com a obrigação de prover de pólvora as naus
da Índia e os fortes da África, e ainda contratavam feitores es-
trangeiros, saltando assim a proibição de 1605. Em consequên-
cia, Filipe III decidiu anular os contratos e deixar a exploração

11 AGS, Secretarías Provinciales, libro 1492, fol. 73v.


12 Carta de Felipe III al virrey sobre contratadores del palo brasil, 29 de maio de
1609, AGS, Secretarías provinciales, libro 1500, fol. 44v.

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da madeira em mãos da Coroa (GRAÇA E COSTA, 1985: 56).13


Mais adiante, em 1615, foi descoberto que em Viana um navio
flamengo que carregava pau-brasil havia levado 400 quintais a
mais do que os declarados na alfândega.14 Nessa mesma época
recebiam-se notícias de que as autoridades do Espírito Santo
estavam fazendo tratos com os holandeses que chegavam no
litoral da capitania para carregar pau-brasil, com a ajuda dos
indígenas da região (RUIZ, 2002: 114).
Portanto, existia a contradição de que uma das fontes de in-
gressos que devia ser utilizada para financiar o esforço defensi-
vo, estava nas mãos ou era aproveitado pelos mesmos inimigos
dos que o território devia se defender.
Porém, não era apenas o litoral do Brasil que devia ser defen-
dido: a América Portuguesa, como já foi citado, era considerada,
no entendimento de Madri, como um complemento defensivo,
o escudo que devia proteger o Peru, a possessão mais apreciada
pelos Habsburgos. Assim, várias notícias que chegavam do Es-
tado do Brasil eram muito preocupantes. Além das tentativas de
invasão, a nutrida presença de comerciantes, os ataques dos pi-
ratas e a participação, inclusive, nos monopólios reais, os holan-
deses tinham começado já a transitar nas duas mais importantes
vias de comunicação com o interior, as que podiam ser utilizadas
para chegar ao coração argentífero do império: ao sul através do
planalto de Piratininga e ao norte através do Amazonas. Parece
que chegavam informações, espalhadas pelos jesuítas, e, por-
tanto, talvez interessadas, sobre a presença de judeus de origem
holandesa, que estariam reconhecendo as trilhas do interior de
São Paulo, o grande campo missionário dos padres da Compa-
nhia, com o intuito de conhecer melhor a geografia dos “sertões”
(RUIZ, 2002: 114). Ao mesmo tempo, havia presença holandesa
numa via de comunicação fluvial ainda desconhecida para os
portugueses: o Amazonas, aonde os batavos estariam construin-

13 Em 1616, uma carta do Rei ao Vice-rei de Portugal apontava que João Nunes
Correia e André Ximenes seguiram com o arrendamento até 1612. AGS, Secre-
tarias Provinciales, libro 1513, 29 de junho de 1616.
14 21 de janeiro de 1615, AGS, Secretarias Provinciales, libro 1512.

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a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 31

do fortes. Segundo algumas fontes, por volta de inícios do sécu-


lo XVII, os holandeses teriam preparado uma grande frota que
estaria aguardando o auxílio de naus de bandeira inglesa para
tomar algum braço do rio Amazonas (CARDOSO, 2008: 7). Po-
rém, os que estavam muito ativos na região eram os zelandeses,
fundamentalmente procedentes de Vlissingen. Um personagem
procedente dessa região dos Países Baixos, Baltasar de Mouche-
ron, realizou expedições ao Amazonas já a finais do século XVI.
A presença não era simplesmente de aventureiros. Havia um pro-
jeto importante para colonizar a região. Segundo algumas fontes,
os holandeses teriam construído pelo menos três fortes na gran-
de região do Grão-Pará Maranhão, fundamentalmente nas mar-
gens do rio Xingu e do Amazonas (GARRIDO, 1940). Alguns fo-
ram realizados em madeira, outros, já mais estáveis, construídos
em taipa de pilão. O forte mais importante da região parece que
era o chamado de “Corupá”, também chamado forte de Tucujús,
perto da Ilha de Gurupá e da foz do Xingu, na margem norte do
rio das Amazonas.15 Parece que esse forte devia proteger a entra-
da do Xingu, aonde estavam os dois assentamentos holandeses
mais conhecidos: os fortes-acampamentos de Orange e Nassau,
nas margens direita e esquerda do Xingu, respetivamente. Os
dois assentamentos eram parte do esforço dos habitantes de Vlis-
singen para estabelecer relações comerciais permanentes com os
indígenas do interior. Em 1622, pouco depois de sua nomeação
como Capitão-mor do Pará, Bento Maciel Parente escrevia ao Rei
para informar da reforma da fortaleza de Belém e da presença
estrangeira na região do Cabo do Norte. Segundo Maciel, dois
flamengos informaram que

na entrada da barra do rio das Amazonas, da banda e


junto ao Cabo do Norte, estavam em huma povoação
cento e cinquenta soldados framengos, pechilingues,
irlandeses e ingreses, e dezião aguardar neste mês de
mayo passado 120 naos grandes de mercadores com

15 Esse forte parece ser o mesmo que o de Mairocay, citado em várias obras
sobre o tema.

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32 José Manuel Santos Pérez

400 homes cada huma que ião povoar naquella costa


da qual tiravão pao de tinta, tabaco, Carapurú, Vuren,
Cujás, algodão e outras mercadorias...16

Maciel Parente pedia homens e meios para levar a cabo a ex-


pulsão dos estrangeiros, recebendo resposta favorável, sugerin-
do ainda que deveria contar com a ajuda do “gentio” para a em-
presa. Logo depois do pedido, o capitão recebia a Luis Aranha
de Vasconcelos, que chegava de Madri com a missão de expul-
sar os estrangeiros da região. Em 1623, os dois reuniram uma
força importante e atacaram as posições holandesas, destruindo
o forte e dando fuga aos povoadores do Xingu (EDMUNDSON,
1903: 652). O mesmo Bento Maciel Parente construiria ali o
forte português de Santo Antônio do Gurupá, principal bastião
português da região durante o resto do século. Citando fontes
inglesas contemporâneas, Edmundson fala de outro assenta-
mento holandês, que existiria antes de 1616 no lugar onde os
portugueses construiriam depois o forte do Desterro. Segundo
Edmunson, quando a cidade zelandesa de Vlissingen foi libera-
da pelos ingleses, em 1616, foram lançadas duas expedições de
colonização, uma para Essequibo e outra para o Amazonas. So-
bre o assentamento zelandês dá notícias o fundador de Belém,
Francisco Caldeira, no mesmo ano da fundação da nova cidade
portuguesa, em 1616. Um visitante francês lhe deu informações
de que os zelandeses e os holandeses tinham 250 ou 300 ho-
mens em duas fortalezas de madeira e dois moinhos de açúcar
no rio “Ginipape”, provavelmente o Jenipapo ou Peru, aonde
mais tarde seria construída a fortaleza portuguesa do Dester-
ro. O assentamento teria sido destruído por Pedro Teixeira em
1625 (EDMUNDSON, 1903: 652).
Existiria então, uma empresa mista: feitores comerciando ao
longo do rio, os fortes mencionados, a colônia de zelandeses
(com muitos ingleses) de Vlissingen e uma força militar limitada
que serviria de cobertura aos esforços colonizadores. Parece

16 Descripción de la fortaleza erigida por Bento Maciel, 30 de agosto de 1623,


Archivo General de Indias (AGI) QUITO, 158. Fols. 54- 56.

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 33

que inclusive a frota de Van der Does teria como objetivo dar
suporte a esses assentamentos e foi apoiada pelo Moucheron
mencionado anteriormente.
A Madri chegavam numerosos informes com notícias sobre a
presença inimiga na região do Amazonas. Talvez um dos mais
importantes foi a “Derrota del río de las Amazonas dada por
el Capitán Manuel de Sosa Dessa al Señor Virrey”, de 1615, do
Capitão Manuel de Sousa de Eça, que informava da presença de
estrangeiros, mas também a respeito de outro fato muito preo-
cupante. Eça escrevia o seguinte sobre os perigos da presença
forasteira na região:

Y también porque este río va a dar al Pirú, y se tiene


que es todo navegable, que lo son trecientas y tan-
tas leguas, se sabe de personas que ya lo navegaron,
y podrá el enemigo irlo conquistando y poblando y
llegar al Pirú y molestarnos a todo lo qual se puede
atajar en estos principios con bien poca cosa, y no
faltará quien sirva a su Magestad en esta conquista,
dando lo necessario y porque también deste dicho río
se podrá sacar la plata que viene del Pirú, con mucho
menos costa de lo que se haze al presente, por quan-
to el Río es navegable todo.17

Vale dizer: o Pará-Maranhão podia ser o escudo de defesa


do Peru, mas também a porta de entrada para Potosí. Parece
claro que essa foi uma das grandes questões que convenceram
a Filipe III da necessidade de levar a cabo a conquista do Mara-
nhão, projeto Luso-hispano-pernambucano, com forte presença
de aliados indígenas, que foi um dos mais importantes eventos
militares ocorridos durante um reinado que, por outro lado,
caracterizou-se mais pela busca da paz e a consolidação dos
territórios da Monarquia do que pela ambição de ampliar essas
conquistas (GARCÍA, 2008: 1215-1276).

17 Derrota del río de las Amazonas, dada por el Capitán Manuel de Sosa Dessa
al Señor Virrey, AGI, Patronato, 272, R. 5, Fols. 57-59/1615.

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34 José Manuel Santos Pérez

Como salientou Alírio Cardoso anos atrás, a conquista do Ma-


ranhão pelas tropas hispano-lusas em 1615 não foi de maneira
alguma uma resposta improvisada à fundação francesa de São
Luís em 1612. Fazia tempo já que a Coroa estava planejando
uma ação contundente com o intuito de acabar com uma ati-
vidade estrangeira que estava tomando já uma dimensão preo-
cupante. A partir de várias instâncias advertia-se às autoridades
imperiais na península da possibilidade de uma ação conjunta
dos inimigos da Monarquia Católica: ingleses, franceses e ho-
landeses, e inclusive, o que seria pior, um ataque coordenado
com aliados indígenas da região. Essa possibilidade quebraria a
hegemonia católica no continente americano, e deixaria aberta
a porta para um possível ataque a Potosí a partir do Amazonas.
Portanto, a conquista do Maranhão estaria perfeitamente pla-
nejada anos antes do próprio ataque e plenamente justificada
perante as autoridades portuguesas. São numerosas as fontes
que confirmam este argumento: os informes de Iñigo de Carde-
nas, embaixador espanhol na França são muito claros sobre as
ameaças existentes, assim como os informes que chegavam dos
agentes destacados em Londres ou na Haia. Parece certo que em
outubro de 1612 se apressaram os projetos já existentes de con-
quista do território maranhense, vistas as atividades francesas na
ilha do Maranhão. No mesmo ano, Filipe III dava instruções ao
governador do Estado do Brasil, Gaspar de Sousa, autorizando
a conquista da região (CARDOSO, 2008). Esse “medo” à gran-
de aliança protestante, materializada nas Américas, conformaria
uma série de respostas da Monarquia católica pensadas para o
território luso-americano. Nas palavras de Cardoso:

uma parte da historiografia especializada, já faz al-


gum tempo, tem concordado em que esse perío-
do significou para o Estado do Brasil aumento do
complexo burocrático, reforço da hierarquia mili-
tar, incremento da construção de fortes. A própria
conquista do Maranhão se vê favorecida por uma
política de ocupação produtivo-defensiva da faixa
equatorial do Atlântico, empreendida entre os go-

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 35

vernos de Filipe II e Filipe III, com objetivo de


reforçar os vínculos comerciais, políticos e militares
entre as partes do império, de modo a organizar
melhor a defesa contra o assédio de outras nações
europeias, mas também desenvolver um mercado
inter-regional, a partir do contato entre as expe-
riências ‘maranhenses’, ‘peruanas’ e ‘brasileiras’
(CARDOSO, 2008: 320-321).

De alguma maneira concorda com o exposto anteriormente


por Rafael Ruiz, quando este analisou São Paulo durante a Mo-
narquia Hispânica mostrando os mesmos acontecimentos a partir
da perspectiva do Sul. Segundo Ruiz, essas mesmas notícias da
presença holandesa no Norte se combinavam com o rumor de
que o filho do prior do Crato, D. Manuel, estava sendo apoiado
pelos holandeses, e que com os franceses fariam uma aliança
para recuperar a conquista perdida. As suspeitas chegavam até
o novo governador do Maranhão, Diego de Cárcamo, que havia
sido mordomo do prior. Os pareceres que chegavam aos ouvidos
do Rei desaconselhavam sua nomeação, tanto pela idade quanto
pela ligação com o sucessor do pretendente.18 Outro suspeitoso
era o Capitão da Paraíba, Francisco Ribeiro, que teria “parentes
judeus na Holanda” (RUIZ, 2002: 114). O objetivo último dos
holandeses, depois do ataque a Pernambuco de 1630 seria a
conquista de Potosí, com o qual os acontecimentos anteriores
seriam os preparativos para essa grande empresa (RUIZ, 2002:
117). As ameaças holandesas teriam determinado, segundo Ruiz,
três respostas por parte da Coroa, coincidentes com as que ex-
põe Cardoso: 1) a inclusão dos índios (da região de São Paulo)
no sistema de defesa; 2) a conquista do Norte e a defesa da
costa e 3) o controle dos Cristãos-novos que eram suspeitos de
contatar com os holandeses. Devemos imaginar também a preo-
cupação da Coroa quando nesses primeiros anos do século XVII
chegavam informações da existência de minas de prata na região
Sul do Brasil, o que agregava muito mais valor ao território.

18 28 de abril de 1621, AGS, Estado-Francia, libro: K 1431, A42, nos. 116-143.

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36 José Manuel Santos Pérez

Não há dúvida de que as análises de Ruiz e Cardoso são ex-


tremamente importantes, mas considero que devemos entender
todas essas notícias, e o que está acontecendo desde inícios
do século XVII com uma perspectiva diferente. Não se deve
pensar simplesmente que a Coroa queria afiançar o território,
reforçar a defesa e, portanto, conquistar o Norte e manter o Sul.
Os homens no local também foram muito importantes. Fran-
cisco de Sousa ficou anos tentando convencer ao Rei sobre os
projetos das minas, o que finalmente conseguiu, mesmo que
a busca pelos metais não tenha dado resultado. Numa época
em que a “conquista” era a melhor forma de ascensão social,
era normal apresentar a necessidade de empreender operações
militares que permitiam aos locais promoverem-se perante a
monarquia como homens de mérito, para conseguir cargos, tí-
tulos ou privilégios (FRAGOSO, 2005). Isto é o que explica
que a conquista do Maranhão fosse desenhada, financiada, e
efetivada fundamentalmente por pernambucanos, com a ajuda
de alguns espanhóis e portugueses, com muitos indígenas e
com um apoio, na prática, discreto e distante da Coroa. Desde
o Norte até o Sul, os homens com possibilidades de ganhar
méritos apresentavam seus planos para o território. Calculavam
quais projetos a Coroa poderia melhor considerar, estimavam
quais desses projetos chamariam mais a atenção de uma corte
longínqua e desconhecida. Essas propostas podiam ser tanto
positivas, como no caso da existência de minas, quanto nega-
tivas, como era o caso da ameaça dos “rebeldes”. As autorida-
des locais aproveitavam o medo e as expectativas criadas para
apresentar-se como a melhor opção para manter os princípios
irrenunciáveis da Monarquia.
Devemos continuar com a análise da presença holandesa no
Brasil antes dos espetaculares fatos dos anos 20 e 30 do século
XVII. Não foi simplesmente um processo “introdutório” para a
trama posterior. Inclusive se as ameaças para a Monarquia eram
profundas, não podemos ver na série de ações holandesas um
impulso conjunto, organizado e coordenado dirigido à execu-
ção de um grande objetivo, fora este a conquista de todos os
territórios da América Portuguesa ou mesmo a tomada das mi-

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Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:
a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada? 37

nas de Potosí. Também não podemos dizer que os Habsburgos,


e fundamentalmente Filipe III, organizaram e executaram um
plano estratégico conjunto contra essa ameaça, real ou ima-
ginada. Mas o que podemos dizer é que a diversa e múltipla
presença holandesa serviu para aumentar o valor que tinham
os territórios portugueses na América para os burocratas cas-
telhanos, obrigando-os a olhar para essa parte do Atlântico e,
inclusive, para forçar uma grande conquista territorial, a do Ma-
ranhão, num período caracterizado, não obstante, pela ausên-
cia de grandes confrontos bélicos e pela busca da paz.

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O CONTEXTO HOLANDÊS-
AFRICANO: AS PROVÍNCIAS
UNIDAS ENTRE ÁFRICA E BRASIL,
1600-1650

Toby Green1
Cândido Eugênio Domingues de Souza2

Resumo: O século XVII foi decisivo para a formação do espaço do Atlân-


tico meridional. Ali, guerras dinásticas e religiosas refletiram em conflitos
de metrópoles europeias disputando espaços de produção e reprodução
de riquezas. Esse contexto aproximou ainda mais as histórias de Brasil e
África, como poderemos compreender neste texto. O alvorecer do Seis-
centos viu as invasões holandesas a terra brasílicas e africanas. Isso não foi
em vão. Por um lado, a guerra de independência dos Países Baixos frente
à Coroa Espanhola foi expandida ao Atlântico Sul, especialmente às terras
portuguesas anexadas aos domínios da União Ibérica. Por outro lado, a
presença holandesa não era uma novidade, pois fora importantes financia-
dores na construção do parque açucareiro quinhentista e isso impulsionou
o seu interesse em dominar os canaviais e os mercados de escravos. Sal-
vador, sede do Governo-Geral e do Bispado da América portuguesa, foi a
primeira a ser invadida em 1624 e mesmo após sua reconquista, não ficou
ilesa de novos ataques e prejuízos à sua economia ao longo da primeira
metade da centúria. Esse artigo objetiva analisar a forte presença das guerras
luso-neerlandesas em Angola e na Bahia e suas implicações na política na
África Centrocidental, região principal de produção de mão de obra para as
Américas, e na crise econômica baiana especialmente no tráfico negreiro e
produção açucareira. Para este último objetivo, será importante analisar os
caminhos apresentados por Gaspar Freyre para enfrentar a crise provocada
pela presença dos holandeses no Atlântico Sul.

1 Professor do Departments of History and Spanish, Portuguese and Latin Ameri-


can Studies, King´s College London.
2 Mestre em História pela Universidade Federal da Bahia. Professor Assistente de
História do Brasil, Universidade do Estado da Bahia (UNEB, DCH-IV).

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Toby Green
42 Cândido Eugênio Domingues de Souza

Palavras-chave: Guerras luso-neerlandesas. O Atlântico Africano. Bahia;


Economia. Expansão Holandesa.

The Dutch-African context: the United Provinces between Africa and Brazil,
1600-1650

Abstract: The 17th century was vital for the formation of the southern
Atlantic space. Dynastic and religious wars here reflected conflicts in the
European metropoles, who were disputing spaces for the production and
reproduction of wealth. This context was fundamental to the relationship
between Brazil and Africa in this period, as this text demonstrates. The early
17th century saw Dutch invasions in Brazil and Africa, in an attempt to unseat
Portuguese power. On the one hand, the war of the United Provinces against
the Spanish crown was taken into the South Atlantic, most especially to the
Portuguese territories which had been annexed under the United Monarchy
of Spain and Portugal. On the other hand, the Dutch presence was nothing
new, because they had been important financiers of the 16th-century sugar
plantations, and it was indeed this which drove their interest in the sugar
cane industry and in the slave trade. Salvador, the capital of Brazil and seat
of the Bishopric of Portuguese America, was the first to be invaded in 1624;
even after its recapture, it did not become immune to new attacks and eco-
nomic damage which endured throughout the first half of the century. This
article has the intention to analyze the strong presence of the Portuguese-
-Dutch wars in Angola and Bahia, and their implications for West-Central
African politics, with this the main centre for the trade in enslaved persons
to the Americas at this time. It also examines the impacts which this had on
the economic crisis in Bahia, especially as regards the slave trade and sugar
industry for this last point, it is crucial to examine the paths presented by
Gaspar Freyre in order to confront the crisis provoked by the Dutch presen-
ce in the South Atlantic.

Key-words: Portuguese-Dutch Wars. The African Atlantic. Bahia. Economy.


Dutch Expansion.

Na virada do século XVI para o XVII Portugal encontrava-


-se numa das piores páginas de sua história. De 1580 a 1640
estivera unido à Coroa Espanhola, naquilo que a historiogra-
fia convencionou chamar de União Ibérica. Em situação muito
mais vantajosa estava a República das Províncias Unidas dos
Países Baixos, genericamente mais conhecida entre nós por sua

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 43

principal província: a Holanda. Esta entrara em guerra contra


a Espanha desde 1568 e conseguira sua independência. Foi
muito além, espalhou seu conflito pelas conquistas espanho-
las, e nesse contexto, pelas colônias portuguesas visto estarem
sob a mesma coroa. Esse estudo objetiva analisar as repercus-
sões da guerra luso-neerlandesa na formação de um atlântico
luso-afro-europeu. Serão de fundamental interesse as análises
da presença holandesa nas possessões lusitanas no continente
africano, especialmente na região Congo-Angola e na Costa da
Mina. No que toca à margem americana, manteremos o foco
nas perdas econômicas que a capital da América portuguesa, a
Bahia, tivera por longas décadas, ainda que tenha sido ocupada
por apenas onze meses.

Parte I – A Ascensão Holandesa no século XVII


Falar da República Holandesa na primeira metade do século
XVII é falar da grande potência europeia naquela época. Mes-
mo que a economia e as indústrias mais desenvolvidas ainda
pertencessem ao império chinês, as nações europeias já tinham
um crescimento forte.3 Com o começo da sua guerra da inde-
pendência contra os espanhóis de Filipe II, em 1568, as Provín-
cias do Norte tiveram a sua possibilidade de ganhos graças às
suas posições geográfica e comercial, posto que ocuparam uma
situação chave na economia europeia. Os portos de Amberes,
Amsterdam, Hamburgo, Middelburgo e Roterdã foram pontos in-
termediários para o comércio de trigo oriundo do Mar Báltico,
e para os produtos do sul, como o vinho madeirense, o açúcar
ainda são-tomense, e logo brasileiro, e o sal de Setúbal. A Ho-
landa foi o eixo entre produtos coloniais – produtos de luxo – e
os produtos básicos à sobrevivência: era a grande feira da época.
Mesmo antes da guerra de 1568, havia fortes interesses por-
tugueses em Amberes. O mercado desta cidade foi o ponto cha-
ve para a venda do açúcar dos primeiros engenhos madeiren-

3 Sobre o papel de China, ver FRANK (1998).

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Toby Green
44 Cândido Eugênio Domingues de Souza

ses. Havia uma forte presença de embaixadores e mercadores


lisboetas naquela praça comercial, muitos deles cristãos-novos.
Entre estes mercadores havia muitos que mantinham contato
com os sítios da indústria emergente do açúcar, como foi o caso
da família Rodrigues, que tiveram engenhos em São Tomé após
os anos 1530, e destacavam-se entre os mais importantes mer-
cantes em Amberes (DENUCÉ, 1937: 42). Assim, com o crescen-
te interesse econômico e a união das coroas em 1580, tornou-
-se indispensável a Filipe II manter os olhos abertos, e bem
abertos, para as províncias rebeldes. Em 1585, o rei enviou uma
força militar a Amberes, e é de lá que os comerciantes – tanto
flamengos quanto cristãos-novos portugueses – mudam-se para
Amsterdam, transformando aquela cidade no centro mercantil
de Holanda pelos próximos séculos (ANTUNES, 2004: 50).
Temos que entender melhor um pouco o que foi a idade de
ouro de Holanda. Como os historiadores neerlandeses Jan de
Vries e Ad de Woude (1997) mostram, aquela foi a primeira eco-
nomia moderna de Europa. A economia holandesa foi a única
que não se colapsou durante a crise da primeira metade do sé-
culo XVII (VRIES, 1976: 21). A Europa ocidental vivia momentos
de crises e guerras. Nas coroas unidas ibéricas havia um colapso
total nos rendimentos com a Guerra do 30 Anos; a França, por
sua vez, também estava devastada pela guerra e pelo crescimen-
to das necessidades do governo, enquanto isso, na Holanda o
crescimento econômico ia “de vento em popa”. Foi a Idade de
Rembrandt e Spinoza, quando os investimentos dos concelhos
da República ajudaram na drenagem dos pântanos e “criação” de
terras aptas para a agricultura (VRIES, 1976: 37).4 O que distin-
guiu a Holanda do resto da Europa foi a sua alta porcentagem da
população urbana – alcançando a metade de seus habitantes – e
o alto desenvolvimento industrial que cresceu na mesma época
(VRIES, WOUDE, 1997: 162, 163, 334 e ss.).
Não é surpreendente, então, que com o crescimento holandês
na Europa, havia também um crescimento muito forte nos seus

4 Para uma ideia da situação geográfica neerlandesa e de como os viajantes fala-


vam mal de seu território, ver BRAUDEL (1996: 160-161).

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 45

interesses globais. De certa maneira, a aventura holandesa no


Brasil no século XVII foi uma inevitável consequência da posi-
ção holandesa nas rivalidades europeias. Que a Holanda tivesse
mais poder naval e econômico no século XVII que os impérios
de Portugal e Espanha, não havia dúvida. Foi assim que Holanda
pôde destruir grande parte do Estado da Índia, e investir contra
o Brasil algumas vezes – até a tomada de Pernambuco e as vi-
zinhas Capitanias do Norte –, tomar a Ilha de Gorée (Senegal) e
a fortaleza-chave de Elmina (na atual Gana). Os interesses luso-
-brasileiros triunfaram no final não só por seus esforços, mas
também devido ao fato de que a coroa independente de Portugal
havia procurado aliança com o governo de Cromwell, que, por
sua vez, mantinha uma relação de inimizade com a Holanda.
O que levou a marinha holandesa a alcançar tal poder no
mundo dos interesses mercantis foi a sua técnica da armação
de navios. É isto que foi fundamental! Nos finais da década
dos 1580, avançadas técnicas no fabrico de navios no porto
de Hoorn permitiam a construção de embarcações muito mais
longas que antes, os chamados fluitschips (GOSLINGA, 1971:
49-50; VRIES, 1976: 93). Estas embarcações, de maiores dimen-
sões, facilitaram o transporte de maior quantidade de produtos,
incrementando os benefícios mercantis.5 Foram imprescindíveis
nas guerras com Espanha, pois com a fuga dos mercantes de
Amberes após o ataque espanhol, barcos holandeses com des-
tino a Setúbal à procura do sal foram assaltados no mar: foi
assim que os holandeses começaram a mirar mais longe, e foi
no mesmo ano que chegaram as ilhas do Cabo Verde, no Atlân-
tico africano, à procura de uma nova fonte de sal (GOSLINGA,
1971: 48-49). Os avanços técnicos persistiam, e em 1596 desen-
volveram-se novas técnicas de serrar a madeira aumentando a
eficiência na construção naval (VRIES, 1976: 93). Assim, tudo
estava pronto para a ascensão holandesa no terreno global.

5 É sintomático a defesa de melhorias na marinha inglesa feita pelo sir William


Petty em sua obra Aritmética Política. O nobre inglês defende que os britâni-
cos deveriam se espelhar nos holandeses que tinham barcos adequados a cada
mercadoria e sempre trabalhavam com o sistema de fretes de ida e volta, não
desperdiçando tempo nem possibilidades de lucros reais. Ver PETTY (1690).

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Mesmo assim, temos que analisar as várias causas da mu-


dança holandesa, dos interesses continentais aos interesses glo-
bais. Não foi somente uma questão de tecnologia que aguçou
a ambição dos comerciantes e navegantes de Amsterdam. Um
texto anônimo dos primórdios do século XVII explica que fo-
ram “guerras e dificuldades na Holanda, que nos impeliram a
procurar tráfico, e fazer viagens, assim de desviar os portugue-
ses deste trato” (HAKLUYTUS POSTHUMUS, 1905: 281). Isso
nos mostra que os holandeses não estavam cegos à realidade
da ligação estreita entre a expansão Ibérica do século XVI e os
seus interesses coloniais. No momento em que suas posições
tecnológica e econômica facilitavam, os holandeses içaram suas
velas em busca das riquezas mais longínquas.
A partir desta época o crescimento holandês foi muito rá-
pido. Nos fins da década dos 1580 chegaram os fluitschips em
Cabo Verde em busca de sal, como já mencionamos; em feve-
reiro de 1597, havia trinta fluitschips naquelas ilhas embarcan-
do a mesma carga. Logo após, rumaram para as Antilhas e as
salinas de Araya na Ilha de Margarita (SLUITER, 1948: 176, 185).
Vinte anos mais tarde, seriam os mesmos holandeses quem
iriam tomar precedência aos portugueses no comércio na Costa
de África. Mesmo assim, no princípio, aquele trato não foi de
escravos, mas de outros produtos tais como ouro, marfim e
âmbar. Apenas na segunda metade década de 1620 a Compa-
nhia Holandesa das Índias Ocidentais (WIC, sigla em holandês)
começou a carregar escravos para as Américas (POSTMA, 1990:
13). Com a campanha de Olinda de 1630, a maior potência
Europeia de então, começava a tomar mais interesse no trato
de comércio negreiro, e assim foi crescendo a sua influência na
formação do Brasil.

Primórdios do trato Holandês na Costa de África


No ano de 1589, o aventureiro inglês Andrew Batell foi cap-
turado no Rio de Janeiro e degredado do Rio da Prata para
Angola, onde foi instalado como soldado na fortaleza portugue-

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 47

sa de Massangano. O governador de Massangano enviou-lhe a


fazer comércio na enseada do Rio Zaire e depois ao reino de
Loango, ao norte daquele rio, onde se encontrou com os holan-
deses, aproximadamente no ano 1595, e tentou fugir com eles,
empreitada da qual não logrou êxito (RAVENSTEIN, 1901: 9).
Seu degredo em Massangano duraria mais seis anos, no entan-
to, Batell fugiu e passou um ano perto dos famosos Imbangala,
guerreiros angolanos cujas guerras e razias em aldeias nos ser-
tões de Angola produziriam muitos dos escravos que saíam de
lá para o Brasil na primeira metade do século XVII.
A narrativa de Batell nos mostra que já em 1595 os holan-
deses iam costeando em África e fazendo alianças comerciais.
Estas tentativas ocorreram cedo, visto que o comércio holandês
na costa já começara em 1593 com Barent Erikszoon. As fontes
notariais mostram que em 1598, entre 25 e 30 fluitschips faziam
a viagem Holanda-África por ano, trocando panos fabricados
em Leiden e outras cidades das províncias e resgatando marfim,
couros e ouro (GOSLINGA, 1971: 51). O trato ajudava muito as
indústrias emergentes da Holanda, criando empregos e fomen-
tando a urbanização que De Vries e De Woude sublinham como
índice da modernidade da economia holandesa daquela época.
Os interesses holandeses se faziam notar em toda a costa
africana. Nas regiões onde havia – ou haveria – uma conexão
forte com o Brasil, já em 1610 estava evidente que os holan-
deses representavam um forte perigo aos interesses coloniais
de Portugal. No ano anterior, o rei Filipe IV (III de Portugal)
ordenou a construção de uma fortaleza no porto de Mpinda
– o porto principal do rio Zaire, que dava acesso ao capital
do Congo, Mbanza Kongo (São Salvador) – numa tentativa de
proteger os seus interesses de ataques holandeses. O ano se-
guinte, a 31 de maio de 1610, havia notícias de um navio ho-
landês que tinha chegado a Mpinda, onde desejavam construir
uma feitoria (BRÁSIO, 1955a: 518-520, 587). Porém, na pro-
víncia congolesa de Nsoyo, não era conveniente ao Maninso-
yo (governador desta província costeira do Reino de Congo)
expulsar os holandeses do trato, porque a concorrência entre
holandeses e portugueses prometia-lhe melhores termos no

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comércio. Em 1620, a fortaleza de Mpinda ainda não estava


pronta, e um dos motivos fora a falta de mão de obra que o
Maninsoyo havia oferecido para a construção.
A verdade é que os holandeses já corriam toda a costa de
Loango, Congo e Angola. Ofereciam melhores gêneros que os
portugueses e a um preço melhor. Em 1618, dizia-se que os
holandeses “de contínuo estão [em Mpinda], resgatando muita
quantidade de marfim”. Em 1620, o fidalgo Garcia Mendes de
Castelbranco comentava que ali “continuamente estão duas e
3 naus holandesas ao resgate” (BRÁSIO, 1955b: 339, 439, 486).
Tiveram “quatro feitorias públicas, e muitas fazendas nelas […]
recebendo negros […] e tratando com grande facilidade os vas-
salos de Vossa Majestade, comendo e bebendo com eles, e sen-
do mais estimado do [Maninsoyo] e dos seus que os portugueses”
(BRÁSIO, 1988: 470).
Se quisermos perguntar o porquê desta ascendência tão rá-
pida dos holandeses, teríamos que pensar em diversos aspec-
tos. O que foi, talvez, importante aos BaKongo6 de Nsoyo e os
Vili de Loango foi o fato de que, nesta época, como já aponta-
mos, os holandeses não participavam no trato de escravos.7 Na
década de 1620, é bem conhecido que o interesse comercial
holandês em Loango era no cobre e marfim africanos (HEINT-
ZE, 1988: 179). Uma relação escrita por António Bezerra Fajar-
do, em 1624, explicou que, em Loango, os holandeses tiveram
três feitorias, onde comerciavam a quantidade de ouro, cobre
e marfim desejada (BRÁSIO, 1955b: 211). Como Andrea Mos-
terman e John Thornton mostraram, já nos anos 1620, o Ma-
ninsoyo teve uma relação muito amigável com os holandeses,
enviando cartas a Holanda prometendo-lhes alianças contra os
portugueses, e incitando os holandeses a tomar Luanda e Mpin-
da, no que ele lhes ajudaria (THORNTON, MOSTERMAN, 2010:
235-248). Mesmo que aquele intento de Piet Heyn não resultou

6 O prefixo Ba é usado no o plural das palavras em línguas banto, daí BaKongo


significar o povo Congo.
7 Sobre a África Centro-Ocidental ver Thornton e Heywood (2007). Sobre o povo
Vili ver DIAS (2007: 315-343).

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 49

na tomada de Angola, na sua chegada de 1624, os portugueses


sabiam muito bem como os holandeses e o Maninsoyo manti-
veram relações estreitas.
No campo dos gêneros de comércio, pode-se fazer aqui uma
importante comparação entre as atividades holandesas na costa
de Angola e na Costa da Mina. Em ambas as regiões, os holan-
deses não estavam presentes nos primórdios do trato de es-
cravos. Ainda mais, foi na chamada Costa de Ouro, em Elmina
– conhecida como Costa da Mina na documentação portuguesa
– que os holandeses fizerem os seus primeiros aliados indí-
genas no mundo Atlântico, no começo dos anos 1620 (MEU-
WESE, 2012). Neste trato o comércio de gêneros como marfim
e couramas foi da primeira linha e, depois deles, entraria em
negociação o ouro. Os negócios holandeses com o ouro da
Costa da Mina foram tão intensos que, já em 1617, o alemão
Samuel Brun escrevia que o seu trato era muito maior que o
português ( JONES, 1983: 81). Durante este período, a Costa de
Ouro recebeu quase a metade de todas as exportações holan-
desas para a África. Angola, por sua vez, recebeu a quarta parte
(BOOGAART, 1992: 369-385). Estes dados podem ficar como
indício da extensão do trato aurífero e de que, até a conquista
de Pernambuco, o trato de escravos não teve importância para
a WIC, o que ajudou muito os holandeses a criarem relações
com os povos da África Atlântica.
Há de sublinhar, então, a conexão entre o feito dos holande-
ses não participarem no trato de escravos, e as suas fortes re-
lações com os seus aliados da Costa de Mina, mesmo que com
Congo e Loango. Durante o século XVI, os BaKongo permitiam
um comércio de escravos, mas somente aqueles trazidos do
pumbo ou mercado que teve lugar em Malebo, o grande lago
perto do que hoje é Kinshasa. Aqueles escravos não eram do
reino do Congo, mas do povo Anxico que viviam ao outro lado
de Malebo. Mesmo assim, o trato de escravos pelos pombeiros
no século XVI coincidia com um crescimento e mudança ins-
titucional na escravatura do Congo (HEWYOOD, 2009: 1-22).
Com a conquista de Luanda, e as invasões das tropas Imbanga-
las em territórios congoleses, a influência do trato de escravos

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chegava a ser cada dia mais preocupante aos reis do Congo e


os governadores de Nsoyo. Então, a posição dos holandeses
em não participar, naquele momento, diretamente do tráfico
negreiro foi decisiva em ajudá-los no desenvolvimento de re-
lações políticas com aqueles reinos. Mas, com a conquista do
Recife e das capitanias do Norte, os holandeses iriam aprender,
rapidamente, quão verdadeiro era o frequente dito, nas obras
portuguesas: “sem Angola, não há Brasil”. A mão de obra An-
golana escravizada era imprescindível à empreitada no Brasil e
esse aprendizado, após 1630, fez com que tudo mudasse nas
relações entre os holandeses e os seus aliados, tanto na costa
de Angola como na Costa da Mina.

Alianças entre Holandeses e gongoleses e as


guerras na década de 1640

A 24 de agosto de 1641 chegavam a Luanda, em Angola,


as tropas tomando a cidade-chave no trato de escravos com
as Américas. Elas haviam partido do Recife com 21 navios e
2.000 militares. A tomada da cidade foi muito rápida, e os por-
tugueses recuaram pelo Rio Bengo, ao norte de Luanda, onde
os holandeses logo fizeram a construção de uma fortaleza que
armaram com 300 homens. O então governador de Angola,
Pedro Cesar de Menezes, viu-se impossibilitado de defender a
sua posição. Logo, recuou-se mais pelo sertão até chegar a Mas-
sangano. Triunfando sobre o inimigo luso, os holandeses logo
fizeram vela em direção à Ilha de São Tomé, que conquistaram
sem problemas (BRÁSIO, 1960: 518-526).8 Já em fins do ano de
1641, os holandeses tornavam-se senhores dos maiores portos
de escravos na costa de Angola.
A tomada das possessões portuguesas na África criou as se-
mentes da falha dos holandeses no teatro atlântico. Quando o
Conde de Nassau decidiu enviar as suas forças para tomar Luanda

8 Sobre os acontecimentos de guerra em Angola no século XVII ver ALENCASTRO


(2000: 247-325).

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e, posteriormente, o Maranhão, no Norte do Brasil, holandeses


e portugueses já haviam assinado um tratado de paz na Europa.
No mesmo momento quando os holandeses se assenhoraram de
Luanda, uma frota holandesa estava trabalhando junto com uma
armada portuguesa nos mares de Europa (BOXER, 1957: 108).
Assim, como explicou Charles R. Boxer, a política da Holanda na
África criou um certo cinismo entre os seus adversários invasores
e os portugueses em Angola – mesmo entre os luso-brasílicos
como João Fernandes Vieira e Antônio Vidal Negreiros – que co-
meçaram a planejar a reconquista do território perdido. Em Ango-
la, este sentimento de ódio avançou com o ataque dos holandeses
ao presídio português no Rio Bengo, em 1643, quando trinta por-
tugueses foram mortos mesmo após a assinatura de um tratado de
paz entre as duas partes, pouco tempo antes, e as promessas dos
holandeses de negociar com o Manikongo, seu aliado, a liberdade
dos portugueses que haviam sido capturados pelas suas tropas.
A política comercial da Holanda na costa de África havia ex-
perimentado aquela mudança pela crescente importância da mão
de obra escrava nas suas dependências no Brasil. Não cabida
dúvidas que aquelas atitudes bélicas vieram das necessidades dos
holandeses em incrementar o número de africanos escravos, tão
logo conquistaram terras americanas. Após a batalha do Bengo,
os holandeses instituíram um imposto de 25% sobre todos os
gêneros trazidos a Angola pelos portugueses e proibiram a quais-
quer pessoas de exportar escravos, senão eles mesmos (BRÁ-
SIO, 1960b: 6-11, 25). O problema foi que as redes escravistas de
Angola haviam sido construídas pelos Mbundu e Imbangala em
colaboração com as tropas portuguesas após o começo do século
XVII. Os holandeses não tiveram o mesmo acesso àquelas redes
que os luso-africanos de Angola e, por conseguinte, não puderam
assegurar a exportação da mesma quantidade de escravos que se
praticava antes da sua tomada de Luanda. Portanto, cresceu logo
uma verdadeira crise no mercado de escravos em Pernambuco.
Isto se vê claramente nos documentos holandeses da épo-
ca. Nos finais dos anos 1630, os escravos recém-chegados da
África foram todos vendidos em Olinda em lotes de dez. Já no
início dos 1640, estes foram reduzidos a lotes de cinco, o que

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pode figurar como índice da crescente falta de mão de obra


pelos engenhos. Por exemplo, em 1º de junho de 1638 chegou
a Olinda o navio Eendracht com 16 escravos, que foram vendi-
dos em 15 lotes de 10 e um de 11 escravos.9 Meses antes, a 12
de março, havia chegado o navio Witte Leeuw com 405 escra-
vos, cuja maior parte fora vendida em 38 lotes de 10.10 Mas na
venda de escravos trazidos em diversos navios em 1643, o lote
máximo foi de cinco, como foram os navios Bruijnuis e Swar-
ten Arendt.11As crises da década de 1640 haviam incrementado
as dificuldades dos produtores de açúcar no Brasil, e isso teria
enormes consequências com a rebelião luso-brasílica, a Guerra
da Libertação Divina, após 1645 – rebelião que, nos seus fun-
damentos, estava relacionada à impossibilidade de se manter os
engenhos naquelas condições (MELLO, 2007).
Os problemas que os holandeses tiveram em Angola pode-
riam ser reduzidos em dois pontos-chave. Na primeira parte,
já apontamos que as redes do tráfico foram construídas pelos
aliados dos portugueses; mas, a segunda parte está na obser-
vação daquela primeira, pois os aliados dos holandeses eram
os habitantes de Congo e Nsoyo, que no século XVII não esta-
vam envolvidos no tráfico de escravos. É importante frisar que
aquela aliança começara ainda nos anos 1620, como apontaram
Andrea Mosterman e John Thornton há pouco, nesta época
os holandeses não estavam diretamente envolvidos no tráfico
negreiro, mas na exportação de marfim e metais (THORNTON,
MOSTERMAN: 2010: 235-248). Nos fins dos anos 1630, temos
muitos indícios da aliança entre Congo e Holanda. Em março
de 1638, o feitor de Luanda escreveu para indicar que o Ma-
ninsoyo havia convidado os holandeses a fazer uma construção
de uma fortaleza em suas terras (BRÁSIO, 1960a: 392). Já em
fevereiro de 1641, antes da tomada de Luanda, o feitor holandês
em Loango, Cornelis Hendrickz Ouman, escreveu ao Conde de

9 Nationaal Archief (NA), Den Haag, Oude West Indisch Compagnie (OWIC), In-
ventarisnummer 53, no. 98.
10 NA, OWIC, Inventarisnummer 53, no. 35.
11 NA, OWIC, Inventarisnummer 58, nos. 2 e 3.

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 53

Nassau, no Brasil, que o Manikongo Garcia II, queria muito ver


os holandeses tomar Luanda, e que tinha um ódio capital con-
tra os lusitanos ( JADIN, 1975: 23). Os portugueses em Angola
já sabiam muito bem como os congoleses estavam fazendo sua
diplomacia com os Holandeses naqueles anos (CADORNEGA,
1972: 230). Quando da tomada de Luanda, e nos anos seguin-
tes, há muitos indícios de que eles trabalharam juntos com os
congoleses (BRÁSIO, 1960b: 29-30). Tanto o Manikongo como
o Maninsoyo enviaram embaixadores ao Recife durante a dé-
cada de 1640, e aquela aliança foi a chave do esforço holandês
para proteger a sua posição em Angola, que era ainda o maior
mercado de mão de obra escrava para o Novo Mundo.12
Mesmo assim, aquela aliança não ia ser suficiente para asse-
gurar os holandeses toda a mão de obra que o Brasil requeria.
Como apontamos, os congoleses não eram os maiores tratan-
tes de escravos naquela época. Os escravos saídos de Luanda
vinham do sertão, após as guerras do Imbangala e da rainha
Nzinga dos Mbundu. Os congoleses fizeram trato de panos e de
marfim, como apontou Anne Hilton (1985); o tráfico de escra-
vos dos Anxicos, do século XVI, já estava em baixa. Os comer-
ciantes de São Tomé já procuravam os seus escravos nos Rios
de Arda, perto da atual cidade de Lagos, na Nigéria (GREEN,
2016: 1-24). Foi o começo do trato na Costa da Mina e, com os
crescentes problemas de mão de obra no Brasil, e os problemas
de Angola, foi na Costa de Mina que os holandeses lançaram os
seus esforços na década de 1640 começando, assim, uma rela-
ção com o Brasil que ia durar por mais de dois séculos.

O trato da costa da mina e os começos de um


mundo pan-atlântico

Como já apontamos, a crise de mão de obra destaca-se no meio


da rebelião luso-brasílica de 1645. Antes de ver como e quando
começaram as ligações entre o Brasil holandês e a Costa da Mina,

12 Sobre os embaixadores ver BRÁSIO, (1960b: 64) e NIEUHOF (1732: 42).

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vale a pena sublinhar os elementos chaves desta crise para a eco-


nomia açucareira com a qual o trato da Mina teve estreita relação
no seu começo. Relacionado a isto, soma-se os instrumentos de
crédito com que os senhores de engenho, no Brasil, procuraram
financiar a compra de escravos junto aos dos Holandeses, e o
colapso deste sistema nos começos da década dos 1640.
Logo após a tomada de parte substancial das capitanias do
Norte do Brasil, um sistema de crédito foi organizado tendo
como base o Recife holandês. Um discurso sobre o estado das
capitanias, escrito em 1638, explicou que os Portugueses

se acham geralmente muito empobrecidos pela guer-


ra, e com os seus próprios recursos não se podem
ajudar; mas são bravamente auxiliados pelos nossos
mercadores, que tendo muitas mercadorias, e de-
las pouco proveito tirado, servem de boa vontade a
quem possui algum engenho ou canaviais, fornecen-
do aos agricultores todas as mercadorias e também o
dinheiro de que precisam, para ser a dívida paga na
seguinte safra (MELLO, 2004: 105).

O problema foi que aquele crédito não iria ter bom destino,
posto que o preço de açúcar no mercado de Amsterdam caiu
subitamente, de 0,85 florins por libra em 1637, até 0,56 em 1640
e alcançou um preço mínimo de 0,44 florins em 1643 (Idem,
245). Isso significa dizer que os fazendeiros se viram impossibi-
litados de pagar suas dúvidas, o que é evidenciado em muitos
documentos nos quais se queixaram da grande baixa no preço
do açúcar e dos problemas que dela provinha.13
Ao final, os interessados no trato de escravos e na produção
açucareira não tiveram opções a não ser a rebelião. Diante da
falta da mão de obra escrava em Pernambuco, reflexo, como
já vimos, das mudanças nas relações entre portugueses, holan-
deses, os Mbundu e os BaKongo, os preços dos escravos au-

13 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Lisboa, Conselho Ultramarino (CU), Rio de


Janeiro, Caixa 2, Documentos 115 e 134, ambos de 1645.

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mentaram rapidamente e logo duplicaram de valor.14 Assim, os


portugueses que escolheram permanecer na Nova Holanda não
puderam pagar suas dívidas contraídas com os credores holan-
deses (SANTIAGO, 1944: 189). Não por acaso, um dos maiores
rebeldes luso-brasílicos, João Fernandes Vieira, que começou a
rebelião de 1645, era um dos maiores devedores dos holande-
ses (MELLO, 2004: XXV).
Os fundamentos da crise de então foram, sem dúvida, as fis-
suras nas relações entre os holandeses e os povos de Angola e
Congo, e a interrupção das redes do tráfico de escravos. Tal foi
a desesperança dos holandeses em Angola, que no ano de 1646
– ou seja, após o começo da rebelião em Pernambuco – até ofe-
receram armas a seus inimigos, os portugueses, na esperança
que assim eles assegurassem um fluxo mais forte de escravos
para a costa.15 Com essa situação já avançada, não pode nos
surpreender que os holandeses começassem a procura de mão
de obra mais longe, na Costa de Mina, onde já tinham auto-
ridade sobre o Castelo de São Jorge e o trato de ouro do seu
sertão. Assim começavam as relações Brasil-Costa da Mina e,
sobretudo, com o Reino de Allada, a princípio.16
O tráfico negreiro com Allada já estava montado neste mo-
mento. Como já apontamos em outra ocasião, o trato de es-
cravos entre aquela região e a América espanhola já tinha co-
meçado em fins do século XVI. Podemos encontrar escravos
Arda nos documentos sobre o Novo Reino de Granada (atual
Colômbia) desde os fins dos anos 1570 (GREEN, 2016: 1-24).17
Não foi nada difícil, então, para a WIC começar a procurar os
seus escravos naquele reino, após o início das dificuldades que
já sublinhamos no trato em Angola. Já em 1638, um relato da

14 AHU, CU, Angola, Caixa 4, Doc. 17 (1643).


15 AHU, CU, Angola, Caixa 4, doc. 65.
16 A pesar de a documentação da época referir-se a Reino de Arda e na documen-
tação sobre escravos vir grafado arda, ardra ou alada optamos por usar, aqui, a
forma como a historiografia atual adota Allada. Sobre a importância deste Reino
no comércio negreiro ver LAW (1997).
17 Archivo General de la Nación (AGN), Bogotá, Notaría Primera de Tunja, Legajo
37, folio 329r (1582); AGN, Notaría Primera de Bogotá, Vol. 11, folio 340v (1579).

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Olinda indicou que havia escravos Arda em Pernambuco, mas


que não eram muito procurados por sua independência e capa-
cidade de resistir ao sistema escravocrata: “são cabeçudos, tar-
dos, difíceis de se empregar no trabalho” (MELLO, 2004: 107).18
Mesmo assim, as condições necessárias às relações entre Bra-
sil e a Costa da Mina foram crescendo. Um dos melhores gêneros
pelo trato na Costa foi o tabaco brasileiro. Geralmente se supõe
que começou a ser cultivado após 1650, mas a produção já exis-
tia nos anos 1630 na Bahia.19 Com as conexões já existentes entre
Holanda e a gente vizinha ao Castelo de Mina, os holandeses
possuíam todo o pré-requisito para começar o comércio negrei-
ro. Muitos documentos holandeses da década de 1640 falam do
trato de escravos feito por navios da WIC na Costa de Allada.20
Os laços já estavam estabelecidos, e mesmo após 1654, quando
as Províncias Unidas de Holanda já não mais possuíam territórios
no Brasil, não é difícil ver que aquelas conexões foram muito
importantes como primórdios do trato crescente entre a Bahia e
a Costa da Mina da segunda metade do século XVII.

Parte II – TURBULÊNCIAS NEELANDESAS NA ECONOMIA


ATLÂNTICA DA BAHIA21

Em nenhuma outra parte havia mais engenhos de


açúcar e presa mais rica; com aquela vitória poderia
o Brasil dentro em breve estar todo sujeito à Holanda,
e nenhuma outra cidade galardoaria mais dignamente
os vencedores e causaria danos mais certos aos ad-
versários (BARLEUS, 2005: 101).

18 Ver também BARLEUS (2005: 158): “os ardras, muito preguiçosos, teimosos e
estúpidos, têm horror ao trabalho, com exceção de pouquíssimos, que são mais
caros por tolerantíssimos do serviço”.
19 Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, Livro do Tombo 1, fols.
52r e 118r (1632 e 1631).
20 Ver RATELBAND (1953: 20, 36, 328-329) e também JADIN (1975: 279).
21 Para um bom resumo das guerras luso-neerlandesas do Atlântico ao mar da Chi-
na, ver BOXER (2002: 120-140).

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 57

Talvez poucos tenham apresentado tão bem a Bahia do al-


vorecer do século XVII como o holandês Gaspar Barléus. Mes-
mo sem conhecer a capital do Brasil, ao escrever uma ode aos
sete anos do governo de Maurício de Nassau na Nova Holanda
(Pernambuco), por ele encomendada, soube expressar o que
todos conheciam da Bahia e seu recôncavo: um lugar de boas
terras, crescente produção açucareira e bom sistema aquático
de transporte dessa produção até o “porto do Brasil”, como já
era conhecido o porto de Salvador.22
Nas ruas e bolsas das principais cidades das Províncias
Unidas, importantes negociantes ou marinheiros conheciam
o açúcar baiano e apostavam sobre a sorte da WIC em sua
armada para tomar aquelas terras. As apostas, aliás, sempre
deram a tônica, tanto na Holanda quanto na Inglaterra, dos
acontecimentos bélico-comerciais ao redor do mundo. Ou-
tra forma de acompanhar a movimentada corrida pelos mares
desconhecidos, desde o século XVI, foi através de publicações
de diários de viagens, jornadas e traduções. O já importante
mercado editorial holandês seria uma arma importante para
que sociedade e, em especial, os mercadores conhecessem e
se preparassem para a corrida por novos mercados. O Brasil
não ficou de fora das publicações desta imprensa. Um “caso
exemplar é o do relato de Hans Staden, publicado em alemão
em Marburg em 1557: foi traduzido para o holandês no ano
seguinte e publicado dezessete vezes nos Países Baixos, em
holandês ou em latim, entre 1595 e 1700” (BRAUDEL, 1996;
FRANÇOSO, 2009: 54-72). As Províncias Unidas liam e ouviam
falar do Brasil desde cedo.
As relações entre o Brasil e as Províncias Unidas dos Países
Baixos vinham de muito antes como atesta o Marquês de Mon-
talvão, Vice-rei do Estado do Brasil, em carta de 1641 para o
Conde de Nassau. Tão logo soube da restauração da coroa por-
tuguesa pelo Duque de Bragança, o rei D. João IV, Montalvão
escreveu a Nassau confirmando o que este já soubera por notí-
cias vindas em navios da Holanda e demonstrando-se disposto

22 Sobre a fama do porto baiano como o “porto do Brasil”, ver LAPA (2000: 1).

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a negociar a paz entre República e seu novo rei. Da Bahia, o


Vice-rei demonstrava sua

esperança de que este Reino, e os Ilustríssimos Esta-


dos de Holanda tenham aquela paz e união com que
sempre se trataram, correspondendo-se com tão recí-
procos benefícios e com tão útil comercio, como nos
podemos lembrar todos os que ouvimos as felicidades
dos tempos passados (MONTALVÃO, 1642).23

Um dos grandes financiadores do parque açucareiro de Per-


nambuco e da Bahia quinhentistas foi o capital dos judeus ibé-
ricos refugiados na Holanda, ou de cristãos-novos portugueses,
muitos deles ainda sócios daqueles que preferiram a Jerusalém
do Norte, nome como ficaram conhecidas as Províncias Unidas.24
Filipa Ribeiro da Silva mostra que os cristãos-novos, particular-
mente, controlavam as rotas do Pacífico e do Atlântico ibéricos.
Apesar dos preconceitos nas sociedades Ibéricas, os cristãos-
-novos destacavam-se entre os mais poderosos negociantes de
Portugal naquele período. Seus negócios e agentes comerciais
integravam regiões tão distantes quanto o porto de Vera Cruz
(México) e Buenos Aires, passando pelo Panamá e Alto Peru
(atual Bolívia) e alcançando as regiões africanas de comércio
de escravos. Fazia-se, pois, um só circuito (SILVA, 2011: 229-230,
279-283; 2014). Muitos comerciantes particulares holandeses, em
especial cristãos-novos sediados em Amsterdã, mantiveram rela-
ções comerciais ligando a África, com destaque para a Costa da
Senegâmbia, Bahia e Pernambuco, desde os primórdios do sécu-
lo XVII (MARK, HORTA, 2004, 2011; GREEN, 2005; SILVA, 2013).

23 Grifo nosso. Ortografia atualizada. Sobre o comércio entre Brasil e Holanda antes
da criação da WIC, ver EBERT (2003: 49-76).
24 Sobre essa importante presença de judeus e cristãos-novos no comércio atlântico
ver NOVINSKY (1972); SALVADOR (1978); MELLO (1996); KAGAN, MORGAN
(2009) VAINFAS (2010); CWIK (2010); SILVA (2011; 2014); GREEN (2012); STRUM
(2012); SILVA (2012a; 2012b). Os Anais de História de Além-mar (Lisboa: CHAM,
Universidade Nova de Lisboa/Universidade dos Açores, vol. XIV, 2013) apresen-
tam um importante dossiê chamado “Os judeus e o comércio colonial (séculos
XVI-XIX): novas abordagens”.

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 59

A União das Coroas Ibéricas, entre 1580 e 1640, atraiu para


o Império português os conflitos holandeses que, desde 1568,
lutava contra a Espanha, por sua independência, fazendo com
que o mercado do refino e comércio do açúcar, em Amster-
dam, voltasse seus olhares para as regiões produtoras que ago-
ra eram inimigas. O comércio entre estas praças, no entanto,
apesar da guerra, não foi totalmente interrompido. Segundo
Ebert, em alguns casos “não há dúvidas de que os holandeses
comercializavam diretamente com o Brasil, tanto antes quanto
pós-1605, com a conivência ou, pelo menos, consentimento
tácito de oficiais do porto” (Apud STRUM, 2012: 70).25
Após as fracassadas tentavas de invasão em 1599 e 1604, a
Bahia viveria as décadas centrais do Seiscentos sob forte turbu-
lência Atlântica. A invasão holandesa de maio de 1624 a abril
de 1625 e a posterior tomada de Pernambuco, a partir de 1630,
marcaram a forte presença da WIC nas terras da América portu-
guesa. A baía de Todos-os-Santos ainda seria alvo do “saque de
1627, da investida comandada por Nassau em 1638, da invasão
de Itaparica em 1642 e do ataque à mesma ilha em 1652” (BEH-
RENS, 2013: 40; MAGALHÃES, 2010: 106-130).
Na outra margem, navios holandeses bordejavam a costa
africana atacando navios negreiros estrangeiros, em especial os
portugueses, e estabelecendo na Costa do Ouro com a criação
do forte Nassau, em Mori, em 1620 (FERREIRA, 2010). Rou-
bavam-lhes as mercadorias e os africanos recém-comprados,
muitas vezes, revendendo a outros negreiros luso-brasílicos.
Apenas nos últimos meses do ano de 1636, as embarcações
holandesas tomaram de assalto 1.046 escravos em navios ne-
greiros portugueses no mar, dando bons lucros à WIC e se-
guindo suas ordens de ataque. Enquanto isso, era preparada a
armada que tomaria no ano seguinte Castelo de São Jorge da
Mina, marco importante da entrada holandesa no comércio de
escravos (BOOGAART, EMMER, 1979: 358).26 Esse período que

25 Tradução livre nossa.


26 Os holandeses já haviam atacado o Castelo da Mina em 1625, mas não obtivera
êxito.

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envolve as décadas de 1590 e 1630 é marcado na historiografia


como a primeira fase da República dos Países Baixos no tráfico
negreiro, mas não atuando diretamente em portos e cidades
africanas, como já ressaltamos acima (PUNTONI, 1999: 87-103).
Esse contexto conturbado e de seguidos ataques puseram
em risco o complexo açucareiro baiano e sua economia de
exportação. Na cidade e fazendas do seu recôncavo, ficou um
rastro de destruição e mortes como podemos notar a seguir.
Conta Ignacio Accioli que os holandeses “saquearam-na [a
cidade da Bahia] imediatamente, não perdoando aos templos;
repararam as antigas fortificações, e fizeram outras obras de de-
fesa, e apresaram todos os navios, que entravam de Portugal ou
Espanha, ignorantes da estranha ocupação”. Pouco mais de um
mês após o controle da cidade, o general Willeckeens retornou
a “Amsterdã, com onze navios carregados de efeitos, e Petrid
[seguiu] para Luanda com oito, a apoderar-se desta cidade, in-
tento esse que lhe frustrou o respectivo governador Fernão de
Souza” (SILVA, 1835: 79-83).27 Apesar da grafia de Accioli é cer-
to que ele se refere a Jacob Willekens e a Piet Heyn, uma lenda
neerlandesa dos mares.
Um capítulo à parte das guerras luso-holandesas na Bahia,
foi escrito sob a liderança do almirante Piet Heyn. Certamente
sua insistência em se apoderar das riquezas baianas, uma vez
não conseguindo manter a cidade, foi importante para a ma-
nutenção do clima de medo e insegurança da capital do Brasil.
Sendo derrotado na tentativa de tomar Luanda, principal porto
negreiro e cidade de Angola, em 1625, Heyn retornou à Ba-
hia em 2 de março de 1627 comandando treze embarcações e
intencionando tomar dezesseis navios mercantes que estavam
no porto, alguns deles já carregados de açúcar, tabaco, couro
e algodão. “Não obstante o vento que soprava da terra” e sob
fogo intenso dos ataques vindos da cidade, ele conseguir colo-
car seu navio entre aqueles que queria apresar, defendendo-se
longamente. Os ataques luso-espanhóis levaram à destruição

27 Sobre o estado de pobreza da Sé da Bahia e dos saques a seus bens ver FEITLER,
SOUZA (2016: 133).

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do paiol de pólvora de um dos navios holandeses, dentre ou-


tras perdas, “resultando da explosão a morte de mais de trezen-
tos holandeses, cujos cadáveres mutilados cobriam as praias da
Bahia.” Ainda assim, o incansável comandante só abandonou a
baía de Todos-os-Santos em “1º de abril, deixando quarenta e
cinco prisioneiros a bordo de um navio de Angola, que apresou
dentro da barra, carregado com escravos”.28
Não contente com toda a afronta feita aos ibéricos na Bahia,
liderando onze navios o temido Heyn retornou dois meses de-
pois a Salvador e, vendo em seu porto sete navios mercantes,
empreendeu novos ataques pela baía de Todos-os-Santos pro-
vocando a morte do capitão Francisco Padilha e em quatro dias
abandonou aquelas águas levando as embarcações que cobiça-
ra. No entanto, a grande sorte de Heyn, como Barléus apontou,
ainda lhe guardava o melhor em seu retorno para a Holanda.
Poucos dias após deixar a Bahia em 14 de junho, sua frota cru-
zou com a armada do capitão João de Benevides que seguia
do México para Cádiz com os galões abarrotados de ouro e
prata espanhóis. Esse ataque e a tomada da mais valiosa presa
dos mares fez a fama de Heyn e garantiu seu nome na memó-
ria holandesa por longos séculos. Os milhões dessa carga, por
conseguinte, resgataram o respeito da WIC e reconstituíram seu
capital, preparando-a para atacar Pernambuco, menos de três
anos depois (SILVA, 1835: 89-90; D’MARES, 2010: 78-79).
É interessante destacar que, apesar dos intensivos ataques e
audácia desses homens de guerra e mar, as palavras de louvor
de Gaspar de Barléus aos feitos nassovianos na Nova Holanda
foram por demais cruéis àqueles que estiveram na Bahia, na
década de 1620, como podemos conferir na sequência:

Começou, pois, Maurício [de Nassau] a resolver no


pensamento esta facção de maior tomo e de maior
labor, isto é, a expugnação da Bahia e de sua metró-

28 Segundo SILVA (1835: 88), já estavam embarcadas 3.000 caixas de açúcar. Sobre
a atuação de Heyn, ver também BEHRENS (2013: 197-198). Sobre vida e os feitos
de Heyn nos mares, ver BARLEUS (2005: 36-38).

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pole, da qual, tendo-nos antes dela senhoreado com


varonil audácia, fomos depois privados por feminil co-
vardia, por se haverem os guardas entregado à lascí-
via (BARLEUS, 2005: 101).29

Ora, apesar de tão bela defesa de seu mecenas e da “maior


grandeza do ânimo do que nas forças então disponíveis [para a
guerra]” (Idem) da qual Nassau dispunha em seu ataque ao recôn-
cavo baiano, no ano de 1638, este também não lograra maiores
êxitos além de alguns engenhos e casas de farinha quando ataca-
ram a ilha de Itaparica e o Recôncavo, donde logo foram expulsos
“‘tristes e mal andantes’” (MAGALHÃES, 2010: 106-130; 2013).
A presença holandesa nos mares do Sul realmente era incô-
moda e atrapalhava os negócios de muita gente. Já na década
de 1620 fazia-se sentir no comércio de escravos para a América
espanhola como podemos acompanhar pela denúncia do asen-
tista Francisco Rodriguez Lamego junto ao monarca espanhol,
Felipe IV, em carta de 1625.30

Es el paradero de casi todos lo que no pueden ahí


hacer respeto del impedimento que los enemigos
tienen puesto al dicho comercio y navegación con
una poderosa armada que traen en el mar del sur
ocupando el paso de tal manera que tienen tomado
muchas embarcaciones y echo otros muchos danos
de robos y muertes.31

Além de demonstrar o importante poder de fogo dos holan-


deses nos anos 1620, impressiona, nessa carta, a importância da
Bahia na rota de abastecimento de africanos escravizados para

29 Grifo nosso. Desta crítica à perda da Bahia, Barléus salvou o almirante Heyn, a
quem chamou “o mais venturoso o astro Piet Heyn, tão célebre pelos sucessos
faustos e infaustos” (BARLEUS, 2005: 37).
30 O mercador Francisco Rodrigues Lamego monopolizou o asiento espanhol entre
1623 e 1631 além de ser o contratador de Angola no biênio 1623-1624, ver, SILVA
(2011: 228, 287-288) e HULTZ (2008: 81-83).
31 Archivo General de Indias (AGI), Contratación, 5758, Esclavos, 1625, grifo nosso.

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Cartagena de Índias, no Vice-Reino da Nova Granada, fato pou-


co destacado na historiografia do tráfico e raro nos documentos
dos arquivos baianos.32
O comércio de escravos para o Brasil nos primeiros dois sé-
culos de colonização está pouco estudado, contribui para isso as
poucas fontes para conhecermos melhor seus personagens, vo-
lume e organização. Segundo David Wheat essa falta de estudos
também é sentida em relação ao comércio negreiro de Cartagena
de Índias. A despeito disso, alguns novos trabalhos já apontam a
Bahia e Pernambuco no circuito negreiro da América espanhola,
porém, não com tanta proeminência do porto baiano.33
Deixemos que o próprio Francisco Rodriguez Lamego narre
a situação vivida no Atlântico Sul, daquelas primeiras décadas
Seiscentistas. Suas palavras apreensivas são bastante elucidati-
vas sobre o poder holandês nos mares do Sul.

Hacer información de testiguar de como los enemi-


gos holandeses tomaran la Bahia de todos los santos
en el Brasil en primero del mes de mayo próximo pa-
sado e la tienen a […] hoy ocupada y que los navíos
que parten desde Angola para Cartagena o [mismo]
a España van a demandar aquella altura y muy de
ordinario suelen tomar el [dicho] Puerto de la Bahía y
en el se rehacen de [bastimentos] y reposan de enfer-
medades a los negros y [arreglan] sus navíos lo que
ahora no puede hacer y antes mismo en como [han
ido lo de los] enemigos al puerto de Angola y que
[mandó] mas de veinte navíos en él y tomaran y ro-
baran otros muchos como [son] el de [Blas] Duarte y

32 Vale registrar que a documentação camarária fora perdida durante a invasão ho-
landesa e guerras de reconquista, restando apenas documentos a partir de 1625.
33 Hultz, Os cristãos novos portugueses; David Wheat, The Afro-Portuguese Maritime
World and the foundations of Spanish Caribbean Society, 1750-1640. PhD Dis-
sertation, Vanderbilt University, 2009, pp. 39-51; sobre a falta de estudos do tráfi-
co de Cartagena ver WHEAT (2009: 77) e SILVA (2012a). Sobre a importância do
porto de Cartagena de Índias como centro abastecedor de africanos escravizados
para a América Espanhola ver, também, ORTEGA, CARO (2012).

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Antonio Bravo, y Montero de Triana y otros muchos


de que no es notorio el nombre y que esto sucedió
después de la tomada de la Bahía y que los esclavos
que van a Cartagena es para que se [traigan] por la
tierra adentro y lleven al Perú.

A Bahia, portanto, estava conectada à rota negreira mais im-


portante entre 1580 e 1630, aquela que supria de escravos a
América espanhola. Afirma Filipa Ribeiro da Silva, que durante
esse período os traficantes portugueses estavam direcionando
seus carregamentos de africanos escravizados para portos da-
quela região e não para o Brasil, cujo parque açucareiro ainda
estava se (re)construindo (SILVA, 2011: 213, 259).34
A situação atlântica narrada pelo asentista Francisco Lame-
go parece ter durado por muitos outros anos. Sua ênfase em
afirmar que o “impedimiento que los enemigos [holandeses]
tienen puesto al dicho comercio y navegación con una podero-
sa armada que traen en el mar del sur ocupando el paso de tal
manera que tienen tomado muchas embarcaciones y echo otros
muchos danos de robos y muertes”, parecia mais uma profecia,
que apenas uma cena dos anos 1620. O comércio baiano seria
prejudicado por longos anos e Nassau terá grande importância
durante seu governo em Pernambuco.35
Enquanto Nassau consolidava a presença holandesa em ter-
ras brasileiras e buscava aumentar os entrepostos do comércio
negreiro no litoral africano, a sensação de insegurança nos ma-
res e de perdas financeiras da praça comercial continuava a ser
sentida na Cidade da Bahia.36

34 Christian CWIK (2010: 312) afirma que “Los portugueses localizados en Cartagena
de Indias para 1630 eran el 82% de todos los 192 extranjeros registrados (159 per-
sonas)”, o autor destaca, ainda, a importância destes portugueses no abastecimento
da América espanhola de escravos africanos. É, totalmente plausível, portanto, que
imaginemos que alguns deles estiveram na rota baiana deste comércio.
35 AGI, Contratación, 5758, Esclavos, 1625, (grifo nosso).
36 Durante muitas décadas o ouro foi o principal comércio holandês na Costa do
Ouro, nas imediações de Elmina, ver BOOGAART, EMMER (1979: 359) e FERREI-
RA (2010: 483-486).

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O agravamento dessa situação pode ser ilustrado pela carta


de 30 de janeiro de 1643 do governador Antônio Teles da Silva
ao rei d. João IV noticiando o “estado em que esta praça [da
Bahia] se ia pondo com a falta de Angola e Rio da Prata e consi-
derando que o (provável) parar o comércio dela”. Isso pode ser
notado nas palavras do próprio governador quando requeria, in-
sistentemente, que o rei elevasse a Pataca ao valor do Cruzado e
permitisse que se “batesse aqui moeda da prata dos moradores”.
Nota-se que a interrupção das relações entre a América portu-
guesa com o Rio da Prata fazia-se sentir pela falta do mineral
amoedável. Os conflitos entre Portugal e Espanha pela Restaura-
ção eram muito mais complexos como se pode ver.37
Na sequência Teles da Silva reiterava que “a necessidade de
dinheiro cresce de tal modo, que já se chegam a trocar fazen-
das por fazendas de que resulta estar a de Vossa Majestade tão
atrasada que escassamente se pode acudir a ração limitada dos
soldados” essa calamitosa situação justificava seu pedido insis-
tente para que evitasse o envio de moeda para o Reino, o que
agravaria ainda mais a economia baiana.38
Sobre as relações diretas com o comércio africano, Teles mos-
trou que esses negócios continuavam sofrendo com a presença
holandesa no Atlântico. Segundo ele, havia chegado ao porto de
Salvador uma caravela de Cabo Verde cujo mestre era Braz Fran-
co “com sessenta pessoas”. O mestre da embarcação queixara de

que não trazia mais por haver ido aquele porto uma
nau do Recife de Pernambuco com setenta mil cruza-

37 AHU, Luisa da Fonseca, cx. 09, doc. 1002, CARTA do governador do Brasil An-
tônio Teles da Silva, para S. Magde. sobre a falta de escravos de Angola e de
dinheiro de prata, pedido que fez para se levantar o preço das patacas e bater
moeda de prata dos moradores, negócio do pau-brasil dos jesuítas, comercio que
procura com os castelhanos do Rio da Prata, etc (Bahia, 30.i.1643). Agradecemos
a Uiá Freire Dias dos Santos por mandar-nos este documento. Sobre essa crise
monetária seiscentista ver PUNTONI (2014). Destacam-se dois trabalhos sobre o
governo de Teles da Silva e a restauração na Bahia: ver sobre a crise monetária
do período ARAÚJO (2011: 45-48) e AMARAL (2012).
38 AHU, Luisa da Fonseca, cx. 09, doc. 1002, CARTA do governador do Brasil Antô-
nio Teles da Silva…

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dos e que do emprego havia já levado quatrocentas,


e ainda ficava grande quantidade compradas para
voltarem a buscá-las com o que se não venderam a
ele. Grande foi o escândalo, que houve nesta praça
vendo que conservam proibido o comércio, se deram
aos holandeses as pessoas, e se negaram aos naturais,
seguindo-se daqui diminuir-se a fábrica dos nossos
engenhos, e aumentasse a dos holandeses.39

Uma vez mais os portugueses da colônia perdiam para suas


próprias condições financeiras, afinal para uma economia sem-
pre desmonetarizada concorrer com os fortes holandeses seria
uma luta desigual.
Essa crise econômica é reforçada por uma carta de Gaspar
de Brito Freire que, pouco após a referida carta do governa-
dor, noticiava ao Conselho Ultramarino as turbulências que o
comércio atlântico baiano estava sofrendo devido aos ataques
dos holandeses. A tomada de Angola e a falta de escravos para
a lavoura brasílica representavam, para Brito, um dos maiores
males causados por aquele povo ao Brasil como podemos no-
tar em suas palavras abaixo.

A experiência tem mostrado o dano que recebe o


Brasil, com a falta de Angola, donde passaram em
cada [ano] onze ou doze mil escravos, para o serviço
daquele Estado, e fabrica do açúcar, e mais drogas,
tão importantes a este Reino, que com estas se au-
mentava o comércio mercantil, e se engrossavam as
alfândegas de Vossa Majestade; a donde concorriam

39 AHU, Luisa da Fonseca, cx. 09, doc. 1002, CARTA do governador do Brasil An-
tônio Teles da Silva…. Esse episódio é citado por SANTOS (2015: 140-141).
Agradecemos a Uiá Freire Dias dos Santos por disponibilizar este documento.
Não encontramos nenhuma viagem registrada no Slave Voyages (http://www.
slavevoyages.org) para Braz Franco. Para a década de 1640 apenas sete viagens
foram encontradas cujo desembarque ocorreu na Bahia. Os dados, no entanto,
são bastante escassos. Uma dessas viagens foi de a embarcação holandesa Land
van Belofte (TSTD, # 11592) que desembarcou 210 africanos vindos da Ilha do
Príncipe e é citada por BOOGAART, EMMER (1979: 374).

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 67

(...) dos navios de toda Europa, deixando-nos em re-


torno as fazendas de que necessitávamos.40

Ainda segundo o zeloso súdito, “as cousas da Bahia vão em


grande declinação” demonstrando que mesmo após as guerras
de conquista de Pernambuco e com a estabilidade dos invaso-
res na Nova Holanda (nome da colônia neerlandesa sediada
em Pernambuco), as repercussões da presença holandesa no
Atlântico continuavam prejudicando o comércio baiano.
Tantas perdas de vidas e os danos causados à economia escra-
vo-açucareira baiana fizeram a praça mercantil de Salvador e sua
governança buscarem medidas que solucionassem, ou reduzis-
sem as perdas. Salvador passava pela reconstrução das destruições
daqueles onze meses de invasão, bem como atuava nas estraté-
gias de reconquista de Pernambuco. As soluções para voltar ao
crescimento da produção de açúcar e, consequentemente, de sua
economia passavam por ideias das mais variadas e, talvez, impen-
sáveis. Um dos porta-vozes foi o já citado Gaspar de Brito Freire.

Impensáveis e intangíveis(?): A busca por soluções

Infelizmente a resposta do Conselho Ultramarino às inquie-


tações de Gaspar de Brito Freire compõe a parte mais difícil de
leitura. São três importantes fólios que poderia elucidar melhor
o pensamento dos Conselhos e do rei acerca desta situação
vexatória que a nova dinastia Brigantina estava enfrentando, no
entanto, não foi possível lê-los em sua totalidade. Isso, porém,
não nos impede de analisar “o zelo que Gaspar de Brito Freire
mostrou ao serviço de Vossa Majestade”.41

40 AHU, Bahia Avulsos, cx 01, doc 61 (14.xii.1644). Parecer do Conselho Ultramari-


no sobre a carta de Gaspar de Brito Freire acerca dos efeitos do pau-brasil, falta
de escravos, aumento e conservação do Brasil (Anexo: 4 documentos). Docu-
mento também usado por Santos, Negociação e conflito na administração do
pau-brasil, pp. 160-161. Infelizmente não descobrimos detalhes sobre a vida de
Freire, sua função ou importância para redigir essa missiva ao Rei.
41 AHU, Bahia Avulsos, cx. 01, doc. 61, Parecer do Conselho Ultramarino…

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“Quem quiser possa ir ou mandar ao Sertão baixar índios de


paz e resgate”

Para contornar a difícil situação vivida ao Sul do equador en-


contramos uma proposta, talvez, das mais absurdas. Gaspar de
Brito Freire propunha ao rei D. João IV intensificar as guerras
aos indígenas para a escravização dos prisioneiros, minimizan-
do, assim, as agruras da falta de braço escravo para a lavoura da
cana e das minas. Ora, há algumas décadas a Igreja e a Coroa
já proibira a escravização indígena, discutindo a salvação destes
povos por meio da catequese nos aldeamentos e liberando o
trabalho livre mediante pagamento de seus serviços.42
A despeito dessas proibições e dos conflitos que poderiam
suscitar com os Jesuítas, administradores de vários aldeamentos
e defensores dos indígenas, Brito não se furtou em defender
a licença para aqueles que tivessem condições e quisessem ir
aos sertões aprisionar índios e trazê-los para suas proprieda-
des para servirem como forros, mas sem direito de vendê-los.
Essa foi a estratégia usada por diversos “donos” de indígenas
para burlar a lei, mas garantir o serviço barato ou gratuito de
milhares de indígenas. John Monteiro, brilhantemente, mostrou
como isso era comum nas distantes vilas de São Paulo, e pas-
sou a servir de modelo para a Bahia açucareira (MONTEIRO,
1994; PUNTONI, 2002; NEVES 2008; SANTOS 2011; MARQUES,
2014).43 Vejamos, em detalhes, o plano de Brito:

Que Sua Majestade mande Provisão ao Brasil para


que quem quiser possa ir ou mandar ao sertão baixar
Índios de paz e resgate, assim para que se façam Cris-

42 Wolfgang LENK (2003: 141-142) cita Freire apenas ao referir-se a seu projeto de
investidas contra os indígenas. MARQUES (2014: 19-25).
43 Sobre o bandeirismo paulista são clássicos TAUNAY (1927) e HOLANDA (1945).
É interessante destacar aqui um sinal da precariedade da liberdade do ex-escravo
(liberto, alforriado, forro), discussão tão importante na atual historiografia do
tema. Brito não se furta em frisar a necessidade de descer índios de paz dos
sertões “que sirvaõ de administraçaõ como forros”. Um bom exemplo, apesar de
ser no Brasil Império é CHALHOUB (2012).

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tãos, como para que sirvam de administração como


forros, e que se lhes pague seu serviço de cada ano
como é uso e costume antiquíssimo e imemorável, e
que não possam ser vendidos como escravos.44

“Costume antiquíssimo e imemorável” também era o não pa-


gamento desses trabalhadores indígenas e o seu arrolamento nos
inventários de bens após a morte de seus “donos”. Tão antigo
quanto, era a reclamação de indígenas e padres que denuncia-
vam ao rei aqueles que requeriam trabalhadores junto aos aldea-
mentos, não pagavam seus jornais e tratavam-nos como escravos
muitas vezes esses foram motivos de conflitos entre indígenas e
colonos, ou mesmo destes com os padres missionários.45
Outra característica da escravidão, que não nos foge às vistas,
é a possibilidade de a Coroa auferir receita com o descimento
desses índios, assim como ocorria com os escravos de África que
eram taxados nas Alfândegas de Cabo Verde, São Tomé, Angola
ou nas brasílicas, caso não tivessem sido cobrados na África.
Segundo Brito, deveria ser cobrado um cruzado ($400rs, lê-se
quatrocentos réis) por cada indígena acima de 15 anos de idade.
Juliana Neves mostra que mesmo na década de 1620, diante
da crise econômica, o governo e os homens importantes da terra

intensificam o apresamento de índios na América


Portuguesa no início do século XVII. As autoridades
baianas enviam tropas ao sertão no intuito de captu-
rar tapuias no Paraguaçu. Afonso Rodrigues Adorno,
bisneto de Caramuru e descendente de caçadores de
índios, é enviado junto com as tropas e em 1628 volta
com “muitas peças” do sertão (NEVES, 2008: 46-48).

44 AHU, Bahia Avulsos, cx. 01, doc. 61, Parecer do Conselho Ultramarino…
45 MONTEIRO (1994), especialmente o capítulo 4; SANTOS (2013: 56-79). Em mais
um exemplo que reforça pensarmos mais detidamente as conexões das Américas
Portuguesa e Espanhola, WHEAT (2009: 48-51) narra o intenso comércio de indí-
genas do Maranhão, escravizados ilegalmente, para o Caribe.

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Não é possível identificar se esses ataques narrados por Ne-


ves, para as décadas posteriores a expulsão holandesa de Per-
nambuco tem ligação direta com a resposta de difícil compreen-
são do Conselho Ultramarino a Gaspar Freyre. Esta dizia que “no
capítulo dos índios do Brasil que se não irão se tiver aos Padres
da Companhia administração que tem. Antes que se lhe deve dar
toda ajuda estava para fazer baixar os índios com as comodida-
des que se requer”. Liberada ou não, a segunda metade do século
XVII foi marcada por uma série de guerras, as chamadas “Guerra
dos Bárbaros” que adentravam os sertões do rio Paraguaçu des-
truindo várias aldeias e descendo centenas ou milhares de indí-
genas para as proximidades das terras açucareiras da Bahia. Esse
não foi um fenômeno apenas baiano. Como bem mostra Pedro
Puntoni, tais guerras grassaram todo o Nordeste açucareiro após
a Reconquista de Pernambuco frente aos holandeses (PUNTONI,
2002; NEVES, 2008). Torna-se evidente, portanto, que a falta de
mão de obra escrava africana oriunda de Angola nas décadas
de 1630 e 1640, teve também fortes consequências aos povos
indígenas do nordeste e norte brasileiros enredando, ainda mais,
as duas margens do Atlântico. Não é demais lembrar que as
histórias de ameríndios e africanos desde sempre estiveram co-
nectadas. Mostra-nos Rina Cáceres que na América Espanhola o
genocídio indígena e a consequente falta de mão de obra foram
causas primordiais para a intensificação do tráfico atlântico de
africanos escravizados. Se inicialmente este comércio era ilegal,
não tardou para que as autoridades o liberassem para aumento
da Coroa do Rei Católico (CACÉRES, 2001: 89-90).

“Dê licença para que os holandeses de


Pernambuco levem negros de Angola a
vender à Bahia”

As ideias de Gaspar de Brito Freyre, no entanto, iriam mais


além. Ele ainda proporia que Portugal liberasse a compra de
escravos junto aos navios negreiros neerlandeses da Nova Ho-
landa! Apesar de a proposta coincidir com o período de trégua

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com os Países Baixos, tal ideia, no mínimo, era embaraçosa


para Portugal, afinal, propunha a compra de escravos nas mãos
de um dos principais responsáveis pela situação calamitosa
pela qual passava o Império e sua economia sul-atlântica.
Freyre, como dissemos, justificava sua ideia “visto haver paz
com os holandeses”, referia-se, portanto, ao Tratado de Trégua
assinado em fins de 1641. Este deveria acabar com os ataques e
avançar nas negociações de paz, porém não foi cumprido por
ambas as partes e, antes mesmo de ser assinado, a WIC adian-
tara-se invadindo algumas possessões portuguesas na África,
com destaque para Luanda. Podemos pensar que foi a perda
de Angola, maior mercado negreiro de todos os tempos, para o
inimigo o que suscitara essa proposta desesperada (ALENCAS-
TRO, 2000: 247-325; CÂNDIDO, 2013: 67-70).
Vejamos a solução para o abastecimento do mercado baiano
de escravos proposto por Freyre:

Mais que se permita visto haver paz com os holan-


deses e que é muito necessária conservar-se que Sua
Majestade, que Deus guarde, dê licença para que os
holandeses de Pernambuco levem negros de Angola
a vender a Bahia, a pagar em vinhos, e azeites e
baleia, porque ordinariamente há na Bahia 50 pipas
de vinho, de que somente se gastam a metade cada
ano. com que se perde os carregadores e se dilatam
os donativos. Além do grande remédio para os enge-
nhos, e lavradores de açúcar, dízimos, e direitos deste
Reino, e comércio dos estrangeiros que vêm buscar
com suas drogas, e os direitos pagam.46

Segundo seus cálculos todos ganhariam. Desde os importa-


dores dos vinhos que tinham a mercadoria sem mercado certo,
aos produtores de óleo de baleia até a Fazenda Real que rece-
beria seus impostos. Porém, os mais interessados seriam os se-
nhores de engenhos que não teriam mais falta de mão de obra.

46 AHU, Bahia Avulsos, cx. 01, doc. 61, PARECER do Conselho Ultramarino…

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Talvez ele não estivesse atento aos mercados holandeses de


Pernambuco, também sofrendo com a falta de braços. Possivel-
mente estivesse apenas atento aos terrores dos mares que os
holandeses proporcionavam ou na sua fama passada, desco-
nhecendo, portanto, a realidade vivida no Recife. Não sabemos
se Freyre também estava atento ao atravessamento que os ho-
landeses de Pernambuco estavam fazendo frente aos negreiros
luso-brasílicos na África como denunciou governador Teles da
Silva, em 1643, em carta já citada acima.47
Ora, vê-se que, ao longo da primeira metade do Seiscentos, a
concorrência holandesa no atlântico estivera em todas as etapas
da sua economia, dos negros mercados de mão de obra na África
ao alvo comércio do açúcar na Europa. A despeito do contexto
parece que a falta de mão de obra escravizada era tamanha na
economia baiana que levou Gaspar Freyre a ignorar todas essas
sujeições holandesas a Portugal e insistir no mercado holandês-
-pernambucano como fonte de energia par o açúcar baiano.

“Mande ordenar aos mercadores que mandam


navios aos rios de Guine, Arda, Mina…”

A preocupação com novos mercados fornecedores de escra-


vos já era tamanha na Bahia que levou o Governador Antônio
Teles da Silva a escrever ao rei em setembro de 1642 referindo-
-se a ter chamado os homens de negócio para armarem na-
vios para tentar a sorte nos mercados de Cacheu (ARAÚJO,
2011: 49).48 Menos de um ano após a tomada de Angola pelos
neerlandeses, já vemos seus reflexos sendo sentidos na econo-
mia baiana. Tais convulsões econômicas também foram senti-
das no abastecimento de mão de obra em Cartagena de Índias
comprometendo sua produção (ORTEGA, CARO, 2012: 7-31;
WHEAT, 2009: 47).

47 AHU, Luisa da Fonseca, doc. 1002, cx. 09 (Bahia, 30.i.1643). CARTA do governa-
dor do Brasil Antônio Teles da Silva…
48 AHU, Luisa da Fonseca, cx. 8, doc. 975, 22.ix.1642.

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Não foi apenas o governador a lembrar da costa Ocidental


Africana. Nosso já conhecido e fiel súdito Gaspar Freyre viu nos
rios da Guiné e na Costa da Mina a solução para os problemas
baianos. Região que já participara num primeiro momento do
comércio de escravos nos séculos XV e XVI, poderia substituir
Angola, o mercado principal do seiscentos no abastecimento
de mão de obra para o açúcar baiano (GREEN, 2012, passim).
Vejamos as próprias palavras de Freyre, mais uma vez im-
pressionantes e detalhistas.

Que Sua Majestade mande ordenar aos mercadores


que mandam navios aos Rios de Guiné, Arda, Mina,
Lucumi, Jaloyo [ Jalofo], Mandinga, Jabu, Cacheu, a
buscar negros que os levem a Bahia como de antes leva-
vam as Índias, e que os favoreça Sua Majestade como
no tempo dos senhores reis antepassados se fazia, e
emprestando-lhe para isto artilharia de ferro e que os
donos de engenho e lavradores de açúcar grosso que
carregam açúcar de liberdade para estes Reinos sejam
obrigados a entrar com os mercadores nestas embar-
cações de 100 a 500 cruzados para os haverem em
negros para suas fazendas com que brevemente e com
os índios se escusarão os negros dos holandeses.49

Infelizmente não temos maiores informações sobre Gaspar


Freyre. Estas linhas o tornam uma personagem mais instigante.
Como poderia conhecer tão bem os Rios da Guiné, citando re-
ferências geográficas e étnicas?
Mais interessante ainda é a citação do termo Lucumi. Tal-
vez esse seja a primeira das raras referências a esse termo na
Bahia escravista. Sabemos que Lucumi era como se chamavam
os iorubas enviados como escravos a América espanhola, es-
pecialmente para Cuba. Este mesmo povo formaria na Bahia,
na segunda metade do século XVIII, a nação nagô, cuja maior
fama chegaria na centúria oitocentista. No entanto Freyre já nos

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indica esse uso e o conhecimento dele na Bahia do Seiscentos.


Seria Freyre um profundo conhecedor do comércio africano e
de seus mercados a ponto de extrapolar as generalizações do
escravismo e conhecer detalhes de povos e culturas africanas?
Infelizmente, por ora, permanecerão dúvidas sobre esse árduo
defensor da Fazenda D´El-Rey na Cidade da Bahia (LOVEJOY,
2012; REIS, 2003; SILVA JR, 2011: 59, 100, 111, 112).
Outra questão ainda nos intriga por não termos respostas con-
clusivas. Seria este o ponto inicial para a Bahia aproximar-se da
Costa da Mina, o que, como já vimos, após os anos 1640, foi
levado a cabo pelos Holandeses? Foram armados navios já nesta
década para a região, a despeito da tomada do Castelo de São
Jorge, em 1637, porém, reforçando a licença de Gaspar Freyre de
comercializar com os holandeses? Essas são questões dignas de
atenção e que devem ser alvo de uma pesquisa de maior fôlego.
Não havendo condições de rumar as velas negreiras para An-
gola e estando os holandeses a navegar com constância os ma-
res da Costa Ocidental africana, propunha ainda Gaspar Freyre,
talvez numa ação emergencial, que se intensificassem as buscas
por mocambos e negros “que estão fugidos muitos mil e cada
vez fogem mais”. Os índios, como se pode ver abaixo, jamais
passavam longe dos pensamentos de Gaspar:

dele e se suprirá a falta dos negros de Angola, e have-


rá índios para a guerra havendo-a, e serão Cristãos e
não como estão pagãos, e sem utilidade, nem termos
que nos vá buscar aos matos, e mocambos os negros de
Guiné, que estão fugidos muitos mil e cada vez fogem
mais depois que faltaram índios e se cerrou o sertão.50

Se a repressão aos mocambos reduziria realmente os proble-


mas com a falta de mão de obra na Bahia, não podemos afir-
mar. É certo, no entanto, que essas ações poderiam ser impor-
tantes para a sociedade escravista e o reestabelecimento de sua
ordem e poder. Após esses trinta anos da presença holandesa

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 75

nas terras brasílicas, muitos africanos aproveitaram-se da situa-


ção para fugir e, na Bahia, as terras do Paraguaçu serviram de
bom esconderijo para esses grupos. Ao longo do século XVII
as denúncias de ataques a viajantes e mercadores nas estradas
dos sertões, assassinatos e roubos foram frequentes (NEVES,
2008: 81-105).
Por fim, diante desse panorama de incertezas, Freyre ratifica-
va a importância de se encontrar novos meios de fornecimento
de escravos, com urgência, “porque este Reino [de Portugal]
sem o Brasil abundante de escravos para que faça abundante o
comércio do mesmo Reino será muito pobre.”51

***

Tais angústias não serão resolvidas com estas ideias, algu-


mas impensáveis num tempo de Ancien régime. A economia
baiana só voltará a um crescimento mais folgado no último
quartel do século XVII, com o aumento do açúcar e a recu-
peração do seu parque produtor. Esse segunda metade da
centúria será importantíssima para a diplomacia portuguesa
para conseguir o reconhecimento de sua independência por
Espanha e Roma, fortalecer-se no poder e aguardar o Século
de Ouro. O El-Dourado, enfim, chegaria para Portugal, mas
não sem outros tantos desafios.

Conclusão
As Províncias Unidas dos Países Baixos destacaram-se entre
as maiores potências do mundo na primeira metade do século
XVII e, nesse ínterim, seu interesse voltou-se ao Brasil. Após a
nossa apresentação, evidenciam-se importantes ligações entre a
atuação dos holandeses na África e o que aconteceu no Brasil.
Em primeiro lugar, foi importante que o ramo mercantil ini-
cial dos holandeses não foi o de escravos. Foi, talvez, por isso

51 AHU, Bahia Avulsos, cx. 01, doc. 61, PARECER do Conselho Ultramarino…

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que eles conseguiram fazer alianças, tanto na Costa da Mina


como no Congo e Nsoyo. Mas, as realidades econômicas do
mundo Atlântico implicavam que, uma vez conquistado Per-
nambuco, não seria possível sustentar aquela postura. Sem An-
gola não havia Brasil! Sem os escravos de Angola não haveria
possibilidade de produzir os vastos campos de cana de açúcar.
Um problema, no entanto, descortinava-se no horizonte. Ape-
sar das boas relações entre o Congo e Nsoyo e os holandeses,
estes não tiveram assegurado o fluxo de escravos necessário
à produção açucareira, sendo, portanto, impelidos ao tráfico
na Costa da Mina. Assim, muitos dos traços das conexões pan-
-Atlânticas ligando o Brasil às várias zonas da costa da África
originaram-se com a presença holandesa no Brasil.52
Essa presença, contudo, como pudemos notar, não ocorreu
sem graves interferências na economia atlântica da América
portuguesa e, em especial, da Bahia. Navios holandeses ata-
caram cidades e regiões produtivas da Capitania do Espírito
Santo ao Maranhão durante toda a primeira metade seiscen-
tista. O medo disseminado ao longo das rotas marítimas que
passavam pela Bahia e as perdas diversas são incalculáveis e
foram intensificadas, ainda mais, com o Dote da Princesa do
Brasil e Paz da Holanda que Portugal teve de arcar na ne-
gociação post bellum. À Câmara de Salvador tocou arrecadar
todo o imposto, inclusive de seus cidadãos, a quem coube
pagar a maior parte.
A abertura de um novo mercado negreiro na África Atlânti-
ca, fato intensificado após a tomada holandesas do Castelo de
São Jorge de Mina, iria manter próximas as relações baiano-
-holandesas por mais de um século. Naquele litoral africano
não apenas se destacaria o pavilhão dos Orange nas embar-
cações guarda-costas, como, também, uma mercadoria saída
do recôncavo da Bahia e que conquistou os mercados africa-

52 As relações entre o Brasil e a África contam com uma vasta e importante biblio-
grafia, a título de exemplificação destacamos algumas obras clássicas ou atuais
mostrando que o debate ainda suscita e desafia o imaginário dos pesquisadores.
Ver OLIVEIRA (1997); VERGER (2002); PARÉS (2006, 2014); SOARES (2009); REIS,
GOMES, CARVALHO, 2010).

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O contexto Holandês-Africano: As províncias unidas entre África e Brasil, 1600-1650 77

nos: o fumo de corda, ou tabaco. Pelas próximas décadas os


navios saídos do Brasil deveriam levar tabaco para comprar
escravos na Costa da Mina e, a título de imposto, 10% de sua
carga deveria ser entregue aos novos donos do castelo que
um dia foi português.
Por fim, as crises econômicas que começaram com a inter-
ferência holandesa no trato de escravos de Angola teriam um
papel crucial nas mudanças da segunda metade do XVII. De
início, começou a postura de “reescravizar” as gentes indígenas
no Brasil, com fortes consequências nas relações entre a Co-
lônia e os nativos do Brasil e entre colonos e religiosos. Mas,
além disto, a crise na provisão da mão de obra e as baixas nos
preços de açúcar foram decisivas na rebelião luso-brasílica. Foi
esta rebelião que encaminhou as Províncias Unidas até a derro-
ta em Angola e no Brasil, e ao declínio de seu poder frente aos
Ingleses na segunda metade do XVII.
Vemos, pois, que o trato da Costa da Mina, a rebelião luso-
-brasílica e a falha da aventura holandesa em Angola tiveram
relação estreita com a entrada holandesa, em definitivo, no co-
mércio negreiro internacional, até o seu declínio e a ascensão
da Inglaterra como potência global. Sublinhe-se, em nossa aná-
lise, a importância que teve esse comércio na construção do
Brasil colonial, especialmente da Bahia, e do mundo do qual
somos herdeiros.

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A GUERRA DEFENSIVA NA
CAPITANIA DA BAHIA (1625-1654)

Pablo Antonio Iglesias Magalhães1

Resumo: Esse estudo apresenta as origens e o desenvolvimento da Guerra


Defensiva na capitania da Bahia entre os anos de 1625 e 1654, para salvaguar-
dar o seu território das contínuas investidas militares por parte dos Estados
Gerais das Províncias Unidas e da Companhia das Índias Ocidentais (WIC). O
objetivo principal consiste em identificar as incursões militares neerlandesas
àquela capitania, bem como assinalar os elementos políticos e estratégicos
que permitiram assegurar o domínio das monarquias ibéricas na capital da
América portuguesa no segundo quartel do século XVII. São investigados e
discutidos episódios militares decisivos, à exemplo do cerco a capital do Brasil
por Maurício de Nassau (1638) e a ocupação de Itaparica (1647), bem como a
contínua organização do sistema defensivo no Recôncavo baiano.

Palavras-chave: Recôncavo baiano. História Militar. União Ibérica. Cerco de


Salvador (1638). Ocupação de Itaparica (1647).

Defensive War in the Captaincy of Bahia (1625-1654)

Abstract: This study presents the origins and development of the Defensive
War in the Captaincy of Bahia between the years 1625 and 1654, to protect
its territory from the continuous military attack by the States General of the
United Provinces and the West India Company (WIC). The main objective
is to identify the Dutch military incursions to that captaincy and point out
the political and strategic elements that will ensure adequate field of Iberian
monarchies in the capital of Portuguese America in the second quarter of the
seventeenth century. Are investigated and discussed decisive military episo-
des, the example of the siege of the capital of Brazil by Maurice of Nassau
(1638) and the occupation of Itaparica (1647), and the ongoing organization
of the defensive system in the Recôncavo baiano.

1 Doutor em História pela Universidade Federal da Bahia. Professor Adjunto de


História do Brasil e História Ibérica na Universidade Federal do Oeste da Bahia.

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88 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

Keywords: Recôncavo baiano. Military History. Iberian Union. Siege of Sal-


vador (1638). Occupation of Itaparica (1647).

Evaldo Cabral de Mello, no clássico estudo Olinda Restau-


rada, assinalou a presença neerlandesa nas capitanias do norte
do Brasil em três momentos distintos: a Guerra de Resistência
contra a expansão da WIC sobre as Capitanias do Norte (1630-
37); o governo do Conde Maurício de Nassau e os anos de
tréguas (1637-45); e, por fim, o início da Guerra de Restaura-
ção, o enfraquecimento do poderio neerlandês e sua expulsão
definitiva de Pernambuco (1645-54) (MELLO, 1998: 15). A pe-
riodização apresentada por Cabral de Mello mira, com exatidão
historiográfica, o Brasil holandês, compreendido cronologica-
mente entre a invasão de 1630 e a capitulação na Campina do
Taborda, em janeiro de 1654. Essa leitura historiográfica acerca
das fases do Brasil holandês, obviamente, não contempla o ter-
ritório da Bahia, cuja capital ficou sob controle neerlandês por
apenas um ano, entre 9 de maio de 1624 e 1 de maio de 1625,
quando foi restaurada à monarquia ibérica pela armada coman-
dada por D. Fradique de Toledo Osório. A historiografia, tan-
to brasileira quanto estrangeira, continuamente negligenciou o
impacto das Guerras Neerlandesas sobre a Bahia, bem como as
imensas consequências disso para a administração, a economia
e a política do Brasil colonial.
Exceção é o livro recente do economista Wolfgang Lenk,
Guerra e pacto colonial: A Bahia contra o Brasil Holandês
(1624-1654). No seu estudo foram avaliados os problemas
causados pela guerra à elite colonial no Recôncavo Baiano,
os elementos de desgaste em sua relação com o poder me-
tropolitano e a maneira como foram contidos e contornados
por aqueles que intermediavam essa relação, com o objetivo
de garantir a lealdade dos moradores da capitania da Bahia
à Coroa ibérica. Conceitualmente, este estudo de orientação
econômica, remete ao tema da acumulação primitiva de ca-
pital mercantil promovida pela colonização mercantilista, re-
lacionando-o com a reprodução das formas de organização
social e manutenção da ordem na colônia. Wolfgang Lenk

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 89

discute como as relações entre a sociedade colonial na Bahia


e a monarquia portuguesa desenharam-se de forma muito pe-
culiar, conduzindo a uma aproximação entre a “açucarocracia”
da terra e a administração ibérica, que explicam, em parte, o
alinhamento da Bahia à política da monarquia espanhola e,
depois de 1641, ao governo bragantino, mesmo nos momen-
tos de maior opressão fiscal (LENK, 2014).
Também deve ser ressaltado o estudo de Thiago Krause
acerca das elites da Bahia no período compreendido (KRAUSE,
2015: 186-216). Ambos os autores denominam os anos entre
1625 e 1654 de “Idade de Ferro”, tomando essa metáfora na
expressão utilizada pelo Governador-Geral Diogo Luiz de Oli-
veira, em diligência feita pela Câmara de Salvador, a 31 de maio
de 1631, após a tomada de Pernambuco, queixando-se ao Rei
por “servillo a este Estado nesta idade de ferro em que o axei”
(DOCUMENTOS HISTÓRICOS, 1949: 192). Essa percepção de
que a Bahia estava em transição para período de graves difi-
culdades econômicas e militares também pode ser lida dentro
das categorias do pensamento católico, religião hegemônica na
Bahia, que perceberam rapidamente, após a Restauração de
Salvador, que aquela capitania seria atirada em um “purgató-
rio”, numa analogia ao espaço de sofrimento desenvolvido nos
quadros da teologia da Igreja Católica. Essa foi a expressão que
Frei Vicente do Salvador utilizou na sua História do Brasil. Ida-
de de Ferro ou Purgatório, em ambas as definições os agentes
históricos que estavam na Bahia entre 1625 e 1630 tiveram a
clara percepção de que estavam sendo arrastados para tempos
de dificuldades, causadas principalmente, ainda que não exclu-
sivamente, pelas ameaças militares neerlandesas.
A Guerra Neerlandesa observada a partir da Bahia pode ser
resumida em dois períodos: a Guerra Brasílica (1624-1625) e
a Guerra Defensiva (1625-1654). Esse primeiro momento, que
compreende a ocupação de Salvador pelos neerlandeses foi es-
tudado no artigo Muros do Recôncavo (PARAÍSO; MAGALHÃES,
2007: 9-38).2 Os fundamentos gerais da Guerra Brasílica, con-

2 Texto que foi ampliado em: MAGALHÃES (2010).

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90 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

tudo, podem ser encontrados em um artigo de Pedro Puntoni,


intitulado a A Arte da Guerra no Brasil (PUNTONI, 1999: 189-
204). Em essência, a arte da guerra no Brasil colonial, ou Guer-
ra Brasílica, era executada com contingentes de guerreiros indí-
genas, em determinados episódios recrutados nos aldeamentos
da Companhia de Jesus, que possuíam conhecimento do terri-
tório, vantagens táticas nas batalhas travadas dentro dos matos
ou florestas e, em algumas situações, superioridade numérica.
A existência de uma Guerra Defensiva na Bahia, contudo,
não foi devidamente registrada pela historiografia. Até mesmo os
historiadores militares brasileiros, supostamente mais aptos para
examinar aquele período de guerra, não oferecem um estudo
conjuntural da referida capitania no segundo quartel do século
XVII, antes, restringiram-se a indicar episódios esparsos a partir
de limitada documentação. A Guerra Defensiva, iniciada já no
momento da sua restauração e mantida durante os 24 anos de
existência do Brasil holandês, deve ser compreendida, em sua to-
talidade, também na contínua assistência prestada pela Bahia nas
Guerras de Resistência e Restauração das Capitanias do Norte.
A Guerra Defensiva na Bahia teve início antes mesmo da
armada luso-espanhola de D. Fradique de Toledo retornar
para a Europa. A 22 de maio de 1625 apareceu à frente da
baía de Todos os Santos uma armada neerlandesa com 34
navios, sob o comando de Boudewyn Hendrikszoon, com o
objetivo de socorrer os soldados da WIC em Salvador. Após
três meses estacionados nos portos da Holanda e da Ingla-
terra a espera de ventos mais favoráveis, a armada de Hen-
drikszoon chegou ao Atlântico Sul “tão falta de gente, que em
um navio de cento e trinta homens se acharam apenas sete
sadios” (VREIMUNDIMA, 1626).3 O jesuíta Antonio de Sousa,

3 Neste mesmo ano foi publicada outra edição em língua francesa, com 31 folhas
sem numeração: Le manifeste hollandois: Adressé à tous monarques, princes &
seigneurs de la terre Expliqué par Pambon Vreimundima. Há também uma tradu-
ção espanhola deste panfleto, em fólio com 11 páginas sem numeração guardado
na Colección Jesuitica, Documento 1375, da Real Academia de Historia, em Ma-
drid: Copia de vn papel impresso em Olanda, hecho em Noulembre (sic) passado
de 1625. Em el no se nombra El Autor, ni tampouco La parte adonde fue impresso.
Madrid, 1626, p. 6 e 7. Foi utilizada, aqui, a edição espanhola.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 91

que veio para a Bahia acompanhando a esquadra de Portugal


deixou um relato do que ocorreu durante a chegada da expe-
dição de socorro neerlandesa

A 25 de Maio (...) apareceo a armada de olanda com


33 velas (sic), e veio-lhe as voltas de hua em outra a
boca da Bahia, pussermonos a pique, e deu ordem o
general que fossem saindo os nauios menores, como
fomos, cuidariamos q o imigo se fasia naquellas voltas
pera montrar, e como vento a seu salvo depois de re-
conhecida a terra, e estado dos seus se faser ao mar,
como por fim aconteceo; colhidos elles na derradr.a
vier ao aparecendo e dobrando a ponta de S. Ant.°
com as velas e obrigadas e postas em Ala, logo nos
fomos todos a elles as voltas com o vento contrario por
trazerem elles o balravento, erão as nossas 27 velas,
que alguas estauão dando querena (sic) e apresentan-
dose legoas daqui, chegamos quando o vento daua
de si, e algus nauios nossos despararão peças, mas
não podia ser chegarlhes naquella volta, porque esta
Bahia tem baixos para aquella banda de Taparica, e hu
galeão castelhano que quis chegarsse mais a elles na
volta, encalhou no baixo, cativo na qual peças sem lhe
podermos ajudar chegou a cortar o Mastro Grande e
alguas pessoas se lançarão ao mar, e afogarãose, e ali
ficou toda a noite athe q pella menhã pode vir nanan-
do e recolherse sem outro perigo, sem Mas-Grande, os
inimigos lançarão ferro na ponta de baixo, onde toca-
ra ao que aparece hua das suas capitanias (q trasião
duas) quando nos amanheçeo so vimos hua das suas
velas, que era a que parecia ter tocado no baixo, nos
toma-mos as voltas ao mesmo lugar onde estivemos
dantes mas com trabalho por ser as voltas... Ao faser
desta não se sabe mais certeza da armada que disser
se anda por esta costa, disemse blasfemias de don fa-
drique não pelejar com ella vindo as nossas barbas
desafiar nas vellas obrigadas, bandeiras por quadra e

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92 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

prendolhe a trinqua, e por fim lançando ferro onde


estiverão aquella noite. Era a mais fermosa vista q se
imaginou, verse hua parte 33 velas olandesas, e nos de
ca vimos a elles como fomos athe... 30 e tanto a cidade
toda vista como de Palanque; eu hia na nossa Almiran-
ta que na verdade, poderá abalroar com tres, a gente
confessada e tudo prestes quando nos faltou a ocasião
e licença para dobrarmos a ponta por ter dado, esta or-
dem D. fadrique, era verdade quando então nem vento
nem mares tinhamos senão por olho enfim a ocasião
voou e com ella a maior honra q se a de ganhar em
muitos annos de pelejar com sinquo mil olandeses que
estuão nas naos tendo presos dous mil en nosso poder
disto julgemos outros finalmente como quiserem q eu
não quero definir, o que cuido e que quem manda
tomara empelejado.4

A cidade do Salvador estava destroçada pela guerra do ano


anterior e não teria condições de esboçar resistência diante de
outra expedição militar neerlandesa, mas, estacionada no seu
porto, a armada luso-espanhola serviu como anteparo. Perce-
bendo a presença da marinha ibérica, numericamente superior,
a expedição de reforço neerlandesa preferiu evitar o confronto e
empreendeu uma retirada, seguindo para Porto Rico, no Caribe.
A 4 de agosto de 1625 foi a vez dos expedicionários católicos
iniciarem a viagem de retorno para a Europa. Antes, porém, a 22
de junho de 1625 foi estabelecida, por determinação de D. Fradi-
que de Toledo, uma guarnição militar da Bahia composta por um
contingente de mil soldados portugueses assentados na capital.5
Foi constituído, assim, o primeiro Exército efetivo no Brasil.

4 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ). Seção de Manuscritos, II-34,8,31


[Bahia, 30.05.1625] “Treslado de hua carta do Pe. Antonio de Sousa que foi na
armada da Bahia. Escrita a 30 de Maio de 1625”.
5 Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Seção Colonial/Provincial. 2° Livro
de Registro, n° 255. fls. 4 a 5. [Bahia, 22.06.1625]. “Registro da Provisão que pas-
sou D. Fradique de Toledo Ozório sobre o prezidio, que nesta cidade deixou
Provisão de sua Magestade”.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 93

A ameaça representada por forças militares neerlandesas so-


bre a capitania da Bahia permaneceu constante e a Guerra Bra-
sílica utilizada com sucesso na reconquista do Maranhão aos
franceses em 1616 e na retomada de Salvador entre 1624-5 se
esgotaria. No Recôncavo baiano esse modelo de guerra ainda
era possível de ser levada a cabo entre 1625 e 1630, mas foi gra-
dativamente esvaziada pela escassez do seu contingente prin-
cipal: os tupinambás aldeados, cujo número de indivíduos de-
crescia significativamente. Diante desse quadro, foi necessária a
manutenção do oneroso contingente português para defender
a capital do Brasil, cujo sistema defensivo já não podia contar
com a colaboração efetiva de guerreiros tupinambás.
Em 1626 uma representação da Câmara de Salvador ao go-
verno, através do seu procurador, Manuel do Rego Siqueira, re-
conheceu a importância dos indígenas que lutaram contra os
neerlandeses no ano anterior e afirmou que os 1.000 soldados
portugueses assentados em Salvador não eram suficientes para
repelir outra invasão. Os representantes da Câmara de Salvador
assinalaram a necessidade de buscar guerreiros indígenas de ou-
tras partes do Brasil e que fossem remetidos para o Recôncavo,
por meio do Governador do Rio de Janeiro, 1.000 índios “de paz”
transportados do interior de São Paulo, visto que a Bahia “nem
o tem que a ajude a defender”. Ainda segundo a representação
da Câmara, o Padre Manuel Fernandes, Provincial da Companhia
de Jesus, junto com os religiosos “lingoas”, seriam investidos da
obrigação de descer índios do sertão e doutriná-los para auxiliar
a defesa da Bahia.6 Essa proposta não foi levada adiante.
Naquele mesmo ano, na região do baixo-sul da Bahia, fo-
ram iniciados levantes indígenas contras fazendas instaladas
naquela região. Os povos indígenas que não se alinhavam ao
governador de Diogo Luís de Oliveira passaram a ser comba-
tidos através da guerra justa, sendo exterminados ou transferi-
dos para outros locais. Em agosto de 1626 os índios descidos

6 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU). Bahia - Catálogo Eduardo Castro de Almei-


da. Doc. 2 [Bahia, 1626]. “Representação de Manuel do Rego Siqueira, como procu-
rador dos Officiaes da Camara da Cidade de Salavdor, Bahia de Todos os Santos.”

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94 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

do Paraguaçu e de Jaguaripe causaram danos aos engenhos e


currais de gado, pondo em alerta a rede de aldeias jesuíticas
de São João, de Sergipe do Conde e de Inhambupe, que foram
utilizadas para lhes atalhar o caminho (DOCUMENTOS HISTÓ-
RICOS, 1949: 45-46). Os ataques indígenas poderiam acarretar o
risco de despovoamento pelos colonos, que já tivera preceden-
te mais ao sul, na Capitania dos Ilhéus, ao longo do primeiro
quartel do século XVII (MAGALHÃES; BRITO, 2016: 49-76).
No dia 10 de dezembro de 1627, o governador Diogo Luis
de Oliveira convocou uma Junta com religiosos e clérigos
para deliberar sobre a guerra justa contra indígenas que ata-
cavam a região de Jaguaripe. Por unanimidade, os religiosos
declararam que os ataques dos povos indígenas que desciam
dos sertões todos os anos para realizar rituais na beira mar,
justificavam a instauração de uma guerra justa. Assim, o Go-
vernador ordenou o uso de força militar para repelir novas
incursões indígenas (LIVRO SEGUNDO DO GOVERNO DO
BRASIL, 1927: 125-128). Aos índios capitaneados por Afonso
Rodrigues Adorno (Afonso da Cachoeira) e Jorge de Aguiar foi
ordenado que fizessem uma entrada contra “o gentio da San-
tidade” na região de Jaguaripe ainda em dezembro de 1627
(DOCUMENTOS HISTÓRICOS, 1949: 80).
O Governador Diogo Luis de Oliveira já havia ordenado, em
1626, que Afonso da Cachoeira trouxesse casais de índios do
sertão para guarnecer melhor o Recôncavo. Durante a incursão
de treze naus neerlandesas comandadas por Piet Heyn pelas
águas da baía em 1627, que conseguiu atravessar o sistema
defensivo de Salvador e saquear centenas de caixas de açúcar
para a WIC, o capitão Francisco Padilha, que havia assassinado
o comandante neerlandês Jan Van Dorth em 1624, foi incumbi-
do de conduzir seus índios para emboscar os invasores.7

7 AHU. Livros de Consultas do Conselho da Fazenda – Códice 37 (1627). Fl. 59v-


60. “Consulta sobre o que escreveu Dom Luis de Oliveira Governador do Brasil,
acerca do sucesso que hora se ofereceo na Bahia, com treze naus holandesas”
e COPIA van het Schryven ende bericht, geschreven ende gesonden na de heeren
Bewindhebberen van de West-Indische Compagnie der Vereenichden Nederlan-
den. De heerlicke Victorie dewelcke hy met syne byhebbende Schepen door Godes

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 95

Na ofensiva, Padilha e seus índios não foram suficientes para


bloquear a entrada do almirante Heyn e o capitão de índios
acabou sendo morto, assim como grande parte do seu con-
tingente. Os guerreiros indígenas foram úteis para manter os
neerlandeses sitiados dentro de Salvador em 1624, mas capi-
tães conduzindo índios não poderiam enfrentar embarcações
neerlandesas com duas dezenas de canhões de vinte libras.
Essa derrota contra a esquadra de Heyn assinalou os limites
da Guerra Brasílica, fazendo ecos de impossibilidade, naquela
situação, da proposta apresentada por Gabriel Soares de Sousa
em 1587, quando então afirmava dispor de 5 mil guerreiros, de
utilizar os índios apenas como força complementar a um siste-
ma defensivo adaptado às necessidades e possibilidades estra-
tégicas do Recôncavo baiano. Sistema defensivo que deveria ser
orientado por terra e mar, com o uso de embarcações, devido
as peculiaridades da baía de Todos os Santos.
Decerto que apenas o uso da infantaria não seria suficiente
para defender o vasto território da Bahia, com todas suas ilhas.
O Terço Velho logo se mostrou insuficiente, apesar dos elevados
gastos com o sustento dos militares tornar-se uma questão críti-
ca para a Bahia, que teve impostos aumentados, especialmente
sobre o vinho, para arrecadar mais recursos a serem emprega-
dos em fins militares. Quando a esquadra de Antonio Oquendo
aportou em Salvador, desembarcou um novo contingente de sol-
dados em agosto de 1631, denominado de Terço Novo (em opo-
sição ao Terço Velho de 1625), composto de seiscentos soldados
portugueses e duzentos espanhóis.8 Ao todo, a Bahia teve entre
1625 e 1637 um contingente militar composto por 1.800 homens,
bastante oneroso para a folha de pagamento do Brasil.

genade tagens de Spaenschen in Bahia de todos los Sanctos, onder de Stadt ende
Stercke S. Salvador in West-Indien. Mannelyck ende Ridderlyck bevochtem heft
den 16. Martii, 1627. (Cópia da notícia e relação mandada aos diretores da Com-
panhia das Índias Ocidentais sobre o assalto feito à Bahia de Todos os Santos, em
1627). Relatório assinado por Pieter Pieterzoon Heyn, Jam Jansen Suyl, Cornelis
Corneliszoon Jol e Hendrik Beste.
8 APEB. 2° Livro de Registro, n° 255. fls. 180v. [Bahia, 05.09.1631]“Copia da Portaria
do G.or, e Cap. Gnl deste Est.o, Diogo Luis de Olivr.a de 5 de setembro de 1631”.
Cf. também: LENK (2011).

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96 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

Entre 1625 e 1630 começou a ser desenvolvido, mais na prá-


tica militar do que na teoria, os principíos que definiriam de
Guerra Defensiva no Recôncavo baiano. Esse modelo de guerra
pode ser caracterizado a partir de seis princípios. O primeiro
é a vantagem sobre o território; o segundo, complementando
essa vantagem, é o elemento surpresa e de emboscadas, seja sob
forma de um assalto inesperado ao inimigo, seja pela colocação
inesperada de forças superiores em certos pontos do território,
mantendo vigias ao longo do vasto litoral no Recôcavo e na
Barra da Bahia; o terceiro, é o ataque a partir de várias bases
(ataque tático), como ocorreu a partir dos aldeamentos jesuíticos
e do arraial do Rio Vermelho em 1624. Até esse ponto, a Guerra
Defensiva tem elementos em comum com a Guerra Brasílica, à
exceção da utilização de guerreiros indígenas, cada vez menos
dispostos a tomar parte em guerras estranhas aos seus povos.
O quarto princípio da Guerra Defensiva, contudo, exigiria
a proteção ao território do Recôncavo por meio de fortalezas,
com toda a logística exigida para isso; o quinto, dependia de
assegurar o apoio contínuo da população, que estava disposta
a não deixar repetir a fuga em massa de 1624; por fim, o sexto
e último princípio utilizado contra os neerlandeses foi o empre-
go de forças morais, a exemplo da fé, da lealdade ao Rei e da
honra, para legitimar as ações alternadas de defesa e ataque.
O quarto princípio da Guerra Defensiva exigia, então, a cons-
trução e manutenção de uma rede de fortalezas capazes de pro-
teger o território contra assaltos do inimigo. Os recursos eram
limitados e estavam sendo empregados no sustento da tropa. Al-
ternativas foram colocadas em prática. Em 1628 os jesuítas da Ba-
hia foram convocados pelo Governador Diogo Luís de Oliveira
para auxiliar o governo na construção de uma rede de trincheiras
em torno de Salvador. Estas trincheiras seriam dispostas no atual
terreno do Santo Antônio Além do Carmo e onde estão localiza-
dos hoje o Forte do Barbalho. Outra fortificação começou a ser
erguida no local onde hoje se encontra o Forte de São Pedro.9

9 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Mesa de Consciência e Ordens.


Livro 30 (1625-1635) - Consultas, fl. 103v. [07.09.1628].

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 97

A Companhia de Jesus era a única instituição na Bahia capaz


de arregimentar mão-de-obra indígena com agilidade e a baixo
custo, condições necessárias ao andamento das obras das trin-
cheiras. A princípio, contudo, parece ter havido alguma resistência
por parte dos jesuítas em empregar sua força produtiva em obras
públicas de fortificações. O Colégio da Bahia mobilizou o Procu-
rador Geral da Companhia, Padre Antonio Colaço, para tentar em-
bargar, em Madrid, a participação da Congregação nessas obras
defensivas.10 Para resolver esse impasse, Diogo Luís de Oliveira
recorreu à monarquia filipina, enviando uma petição que tramitou
no Conselho da Fazenda em 1631.11 Uma Carta Régia datada de
1634 decidiu a questão, ordenando a Diogo Luís de Oliveira que

como por outras vezes tenho mandado vos façais as


obras necessarias para a fortificação dessa Praça de sor-
te que se possa defender com a gente que tem. E quanto
aos religiosos da Companhia de Jesus hei por bem que
contribuão para esta obra como vos ordenei ultimamen-
te por carta de 25 de junho deste anno.12

Os jesuítas acataram esta ordem e o Colégio da Bahia “fez a


sua custa na ribeira marítima, muito dentro do mar, uma trin-
cheira com mais de cem braças de comprimento, toda de can-
teria fortíssima”.13 O custo desta trincheira somou 7.500 ducados

10 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Mesa de Consciência e Ordens.


Livro 30 (1625-1635) - Consultas, fl. 103v. [07.09.1628].
11 AHU; Livros de Consultas do Conselho da Fazenda. Códice 39 (1631). fl. 93v-94.
“Consulta sobre Se Remeter ao Conselho hum estromento que o gouernador
do Brazil enuiou a Sua Magestade com carta de 7 de setembro de 628 que trata
sobre os padres da Companhia não contribuirem para as trincheiras”.
12 APEB. Colonial/Provincial 2° Livro de Registro, n° 255. fls. 285-285v. [Madrid,
20.03.1634] “Registro de hua carta de S. Magestade escrita ao governador-geral
Diogo Luís de Oliveira”.
13 SERVICIOS qve los Religiosos de la Companhia de Iesus hizieron a V. Mag. en el
Brasil. [s.n.t.]. Na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro existe um exemplar, en-
cadernado com outras obras, com o título da lombada e página de rosto do vo-
lume: Noticia historicas, e militares da America. Col. Barbosa Machado, n. 1570.
Real Bibl. Fls. 159.

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98 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

e, quatro anos depois, serviu para defender a malha urbana de


Salvador durante o ataque de Nassau em 1638.
A situação militar no Brasil se agravaria. A ameaça naval era
contínua e, segundo informa Jaboatão, Dierick Ruiters (ou Fran-
cisco de Lucena) atacou a vila de Cairú com duas naus em 1628
( JABOATAM, 1858: 100, 102-103.14 No ano seguinte, em 1629,
a WIC despachou a armada comandada pelo Almirante Corne-
lis Lonck para conquistar a capitania de Pernambuco, trazendo
7.000 homens de guerra chefiados pelo General Jonkheer Die-
derick van Waerdenburch que, em fevereiro de 1631, efetuaram
o desembarque em Pau Amarelo. As tropas de Waerdenburch
entraram em Olinda a 26 de fevereiro de 1630 e, no mesmo ano,
consolidadas as investidas iniciais sobre Pernambuco, foram en-
viadas embarcações para fustigar o litoral da Bahia em busca de
suprimentos. Na mesma frota veio o oficial alemão Sigmund von
Schkoppe, senhor de Krebsbergen e Grand Cotzen, que por 24
anos conduziu as tropas da Companhia das Índias Ocidentais no
Brasil. Apesar do alvo ser Pernambuco, não tardou para que a
capitania da Bahia sofresse as consequências da invasão de 1630.
Em 22 de abril daquele ano, Dirck Symonsz van Uitgeest foi
despachado do Recife para a Bahia, onde chegou a 17 de maio,
a frente da Almiranta Swol e dos navios Overijssel, Campen, Ee-
nhoorn, Swaen, Leeuw e Meermon. Entre 19 daquele mês e 2 de
junho ficaram em Morro de São Paulo, observando o porto de
Salvador e, após juntar os mantimentos, evitando um ataque dos
índios aldeados, entraram pelo rio Paraguaçu e chegaram até o
Convento de São Francisco do Conde, onde encontraram toda a
vila deserta (LAET, 1644: 206-207). Os moradores devem ter sido
previamente avisados de um possível ataque. O jesuíta Pedro
Novais, do Colégio de Santo Antão, afirmou que essa incursão
neerlandesa ao Recôncavo, quando tentava desembarcar gente
em outro ponto do Recôncavo, “fue muy bien rabatida y dizen
murieren muchos olandeses asi con fuego como con hiero”.15

14 Jaboatão chama Ruiters pela alcunha “Mãozinha”.


15 Real Arquivo Histórico, Madrid (RAH). Colección Jesuitas. T. CXVIII, fl. 22. [Lis-
boa, 10.05.1631].

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 99

A urgência de sustentar o exército neerlandês manteve a dis-


posição de ataques ao Recôncavo baiano e à baía de Camamu,
já no território da capitania de São Jorge dos Ilhéus. Ainda em
julho de 1631, um navio neerlandês, que não foi possível iden-
tificar, avançou sobre a Ilha de Quiepe, na baía de Camamu, a
25 léguas de Salvador. O jesuíta Domingos Coelho, recém-che-
gado do cativeiro na Holanda, onde estava desde 1624, afirma-
va que os neerlandeses buscavam ali água potável e madeiras.
Para dar rebate, foi organizado um grupo com oito mamelucos
e sete índios capitaneados por Pedro de Campos. Para garantir
o sucesso da missão, somaram-se a estes trinta índios da aldeia
jesuíta de Camamu. Segundo a carta do Provincial da Compa-
nhia de Jesus no Brasil, os índios das aldeias jesuíticas “fueron
los principales en la traza y asalto y desembarcando los olande-
ses q eran 16 diera de repente en ellos y matando 9 cogierom 7
vibos que trujeira a esta ciudad y per ellos se supo q su general
les mandaba se tirar a todos a Pernambuco per tener notisia de
la venida de nrã armada”. Como recompensa, o Governador-
-Geral Diogo Luís de Oliveira enviou ao capitão 100 ducados,
roupa para os soldados e 100 litros de vinho para os índios da
aldeia jesuíta de Camamu, “con que quedan todos satisfechos”.16
Assim como na Bahia, a Guerra Brasílica continuou a ser
utilizada com relativo sucesso no front de Pernambuco, com
maior ou menor sucesso, considerando que Matias de Albu-
querque precisava do auxílio militar dos índios da aldeia de
São Miguel, capitaneados pelos jesuítas Manuel de Morais e
Francisco de Vilhena (VAINFAS, 2010: 40-58). No Recife, um
conselho político da WIC formado por Pieter van Hagen, Johan
de Bruyne, Servaes Carpentier e Johanes van Walbeeck, de-
terminou que as tropas de Waerdenburch fizessem incursões
contra os redutos portugueses na Paraíba (Cabedelo), no Rio
Grande do Norte (Reis Magos) e no Cabo de Santo Agostinho
(Nazaré). Este general não obteve sucesso em nenhuma das
ofensivas. Apesar dos sucessos iniciais sobre os neerlandeses,
os jesuítas logo alertaram o governo para a urgência em or-

16 RAH. Colección Jesuitas. T. CXVIII, fl. 17, Documento n. 99. [Bahia, 14.07.1631].

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100 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

ganizar um sistema defensivo moderno, constituído por uma


força naval equivalente a utilizada na restauração de Salvador
em 1625. O Padre Novais, pelas notícias que teve dos seus
confrades em Pernambuco, resumiu o impasse em que estava
a guerra, pois “escriven q dos Pes nuestros q se llaman manuel
de morales y el Pe vilhena con los indios gentiles la tibieran ya
tomada si el capitan matias de albuquerque quisiera porque
a estos Pes obedese mucho todos los indios, y piensase com la
llegada del armada que va se recuperara”.17 O fato é que, ape-
sar do tom apologético da carta do Padre Novais, os jesuítas
Manuel de Morais e Francisco Vilhena, comandando os índios,
não foram capazes de impedir o avanço dos soldados de Waer-
denburch. Novais acreditava que a armada de socorro despa-
chada para o Brasil teria poder suficiente para definir a guerra
em Pernambuco. A proposta do jesuíta Novais revela aquilo
que seria, incusive pelos seus confrades de congregação, cons-
tantemente apresentado às autoridades metropolitanas: a ne-
cessidade de navios para a defesa do Brasil.
A 5 de maio de 1631, cinco dias antes do padre Novais es-
crever a carta acima transcrita, zarpou de Lisboa a armada de
D. Antonio Oquendo, conduzindo 800 soldados para compor o
Terço Novo da Bahia e 1.300 homens para socorrer Pernambu-
co. A armada de Oquendo teve outra missão no Brasil, que era
escoltar a frota do açúcar, quando a 12 de setembro encontrou
com esquadra de Adrian Pater no litoral de Abrolhos, derrotan-
do-a, mas recebendo severas perdas.18 Evaldo Cabral de Mello,
acertadamente, afirma, que, diferente da armada de 1625, a força
naval capitaneada por Oquendo foi suficiente para salvaguardar
a Bahia, mas não para restaurar Pernambuco. Assim, a presença
neerlandesa nas capitanias do norte continuou a representar uma
ameaça para todo o Brasil sob o governo ibérico.

17 RAH. Colección Jesuitas. T. CXVIII, fl. 22. [Lisboa, 10.05.1631].


18 AHU, Bahia. Luisa da Fonseca. Cx. 4, Doc. 481.[Anterior a 12.04.1633]. “Reque-
rimento de Frei Manuel do Salvador. Religioso da ordem do Carmo, que foi ca-
pelão e confessor no Galeão Prazeres Maior e teve luta com os holandeses”. Ver
também a documentação coligida nos artigos: “Batalha Naval de 1631 nos mares
do Brasil” (1895) e “O Combate Naval de 1631 Junto à Costa do Brasil” (1956).

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 101

Para piorar a situação dos luso-brasílicos na guerra de re-


sistência ao norte, os colaboracionistas se apresentaram como
um grave obstáculo na defesa contra os neerlandeses. O au-
xílio de indivíduos experimentados nas particularidades da
terra levou os soldados de Waerdenburch a conquistar as vilas
de Igarassu (1632), Rio Formoso (1633), Itamaracá (1633), Rio
Grande (1633) e Nazaré do Cabo (1634). Por conta desses su-
cessos militares neerlandeses, as autoridades políticas e ecle-
siásticas, com frequência, alertaram ao governo na Espanha
para a necessidade de integrar aos planos de defesa local
uma força naval capaz de garantir a produção e o comércio
no Recôncavo. O Mestre Escola da Sé da Bahia, Padre Diogo
Lopes Chaves, teve interceptado pelos neerlandeses uma carta
escrita em 25 de julho de 1632. A carta de Lopes Chaves foi
às mãos de um dos Heeren XIX, Joanes de Laet, que a publi-
cou em 1640 no livro Iaerlyck Verhael, numa seção intitulada
Extracten uyt eenighe gheintercipieerde Brieven vande vyandt
dit jaer gheschreven (Extrato de algumas cartas escritas pelo
inimigo e interceptadas este ano). O conteúdo demonstra que
as ameaças ao Recôncavo não cessavam, visto que

Desde que D. Antonio de Oquendo partiu desta Ba-


hia, havendo quase 11 mezes, o inimigo não se afas-
tou mais da barra e da costa, pelo que não pode sair
navio algum, e tudo esta suspenso, não havendo des-
pacho ou venda de açúcar, de cujo produto vivem os
habitantes do Brasil. Garanto-vos que, se este longo
bloqueio durar, não se pode calcular e julgar o que
será desta província, considerando como o inimigo é
poderoso (LAET, 1644: 97).19

Em 1635, com a chegada de novos reforços, o efetivo militar


da WIC no Recife foi elevado para quatro mil soldados e mil
e quinhentos marinheiros, apoiados por quarenta e duas em-

19 Laet assinalou o nome “Diego” devido ao fato do Mestre Escola da Sé abreviar a


assinatura “Dg.”, do que se pode inferir os nomes de Diogo ou Diego.

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102 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

barcações sob o comando do coronel polonês Cristóforo Arcis-


zewski. Com tal reforço, o alto comando neerlandês consolidou
a conquista nas capitanias do Rio Grande, Paraíba e Itamaracá.
As tropas portuguesas, por sua vez, ficaram restritas ao Ar-
raial do Bom Jesus, ao Forte de Nazaré do Cabo e Alagoas,
defendido em Sirinhaém por Matias de Albuquerque. No fim
de cinco anos os neerlandeses governavam desde o Rio Gran-
de até o Recife. Da Paraíba, Arciszewski marchou por terra
para apertar o cerco do Arraial de Bom Jesus e Sigismund von
Schkoppe seguiu do Recife para Guararapes com o objetivo
de apertar o cerco em Nazaré. Durante a desastrosa safra do
açúcar no Recôncavo em 1635, o administrador do Engenho de
Sergipe do Conde, Padre Sebastião Vaz, escreveu ao Padre Dio-
go Cardim confessando que “estas couzas de qua (sic) cada vez
se vão pondo em pior estado & se tardar mto a Armada, cedo
seremos todos Olandeses, e os Eng.os moerão pa elles como
fazem mtos de Pernãobuco”.20
A ameaça sobre a Bahia era constante. Dois meses após de-
sembarcar em Salvador, o Bispo D. Pedro da Silva de Sampaio
escreveu uma carta ao Rei Felipe IV pedindo que fosse enviada
uma armada para a defesa da capital e socorro de Pernambu-
co.21 Assinalou que o reforço enviado em novembro pela Ho-
landa, sob o comando de Cristóforo Arcizsewski, possibilitou a
tomada do forte do Cabedelo e do interior da Paraíba. Alertou
que os neerlandeses aguardavam novo reforço para poder in-
vestir sobre a Bahia, visto que

20 ANTT. Cartório Jesuítico, Maço 69, Doc. 74. [Bahia, 05.06.1635]. “Carta do Padre
Sebastião Vaz ao Padre Diogo Cardim”.
21 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 6. Doc. 680 [Lisboa, 1635]. “Minuta do Conselho da
Fazenda sobre duas cartas de D. Pedro da Silva e Sampaio”. Não localizamos a
carta, cópia ou original, mas a minuta afirma que a mesma data de 21 de julho
de 1634. Aqui vale uma observação: O Bispo assinava seu nome completo como
“Pedro da Silva de S. Payo”, conforme está manuscrito em alguns exemplares do
Index Librorum publicado em 1624, existente na Biblioteca Nacional de Lisboa,
e não “Pedro da Silva e Sampaio” ou “Pedro da Silva Sampaio”, como alguns his-
toriadores o denominam.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 103

Elles dizẽ, e o negoçio mostra, e a grande preza, e


despojos que ouverão da Parahiba lhe prometem, he
sem duvida que logo terão nesta Cidade, porque tem
quantidade de navios, e Barcas, e notiçia do grande
despojo de asucar, que poderião alcançar, por quanto
aquy, na Parahiba, e nos Engenhos deste contorno,
aonde podem chegar cõ navios, ou Barcassas, estão
sincoenta mil Caixas de asuq.re.22

D. Pedro afirmou ainda que, por conta dos navios ficarem


detidos no Porto de Salvador, toda a safra do açúcar que esta-
va armazenada em Itapagipe foi perdida, infestada de insetos.
Caso o açúcar fosse transportado para Portugal teria valido à
Fazenda Real, na Alfândega de Lisboa, um milhão e duzentos
mil cruzados. Em seguida alertou, mais uma vez, a El-Rey de
que os neerlandeses planejavam conquistar novamente a Bahia:

Dizem, colhido dos Olandezes q’ ande tomar a Ponta


da Taparica, e fazer aly fortaleza a cuja sombra encor-
rem muitos nauios, e que daly ande Reconhecer, os
donos dos Engenhos com seus trebutos, e senão que
lhes ande abrazar – fica lhe daquy façil tomar tudo
até o Rio de Jan.ro, e Angola, enfestar a nauegação das
Indias de Portugal, e Castella, se não atalhão tantos
males breuem.te demandado de VMg.de, com podero-
so socorro, e Armada 23

A informação enviada por D. Pedro da Silva de Sampaio atin-


giu com força os dirigentes do Reino, inclusive porque um dos
governadores de Portugal, o quinto Conde da Castanheira, D.
Antonio de Ataíde, que estava vinculado à Ilha de Itaparica, vis-
to que o primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de Souza,
doou a ilha em sesmaria ao primeiro Conde da Castanheira, em

22 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 6. Doc. 681 [Bahia, 26.03.1635]. “Carta do Bispo do
Brasil para Felipe IV” (Cópia Mutilada).
23 Idem.

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1552.24 A minuta elaborada pelo Conselho da Fazenda demons-


tra a reação imediata, visto que “satisfazendo os pontos mais
substanciais das ditas cartas Pareceo que por todos os respeitos
convinha muito haverem partir logo as armadas para o brazil
jndo em direitura a Bahia”. A minuta ainda especificou que era
“Necso acudirse logo a forteficação na ponta de taparica antes
que o inimigo se faça senhor deste sitio e se fortifique (...) que
se não possa cobrar (...) procurando com toda brevidade que
o forte que se ouver de fazer neste sitio seja de maneira que
possa impedir o dezenho do inimigo”. Por fim, a informação
enviada pelo Bispo surtiu o efeito que ele havia intentado, em
vista do Conselho da Fazenda deliberar, em pouco tempo, que
o envio de navios para a Bahia pudesse servir de “grande reme-
dio para sua defensão”.25
Uma expedição de socorro zarpou de Lisboa em 7 de setem-
bro de 1635 rumo ao Brasil, composta por navios da Armada
de Castela, comandada pelo General Lope de Hoces e seu Al-
mirante José de Meneses, e da Armada de Portugal, comandada
pelo General Rodrigo Lobo e seu Almirante João de Sequeira
Varejão. Veio a bordo Pedro da Silva, nomeado sucessor de
Diogo Luís de Oliveira no governo do Brasil, e Luis de Rojas y
Borja, substituto de Matias de Albuquerque na Guerra de Per-
nambuco. Em 26 de novembro os socorros para o exército de
Pernambuco foram entregues na Ponta de Jaraguá, atualmente
um bairro na cidade de Maceió.
Os comandantes Hoces e Lobo chegaram ao Porto de Sal-
vador em princípio de dezembro, permanecendo na Bahia até
14 de fevereiro de 1636. Após desentendimentos entre os dois
generais ficou resolvido que Hoces partiria para Curaçao, onde
deveria atacar bases neerlandesas, e Lobo escoltaria a frota do
açúcar até Lisboa. Quatro dias após zarpar, Lope de Hoces se
bateu contra uma flotilha de sete navios neerlandeses e foi obri-

24 Sobre os Condes da Castanheira: MAGALHÃES (2010: 112-127).


25 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 6. Doc. 681 [Bahia, 26.03.1635]. “Carta do Bispo do
Brasil para Felipe IV” (Cópia Mutilada). AGS. Secretarias Provinciales. Livro 1478
fl. 98-98v. [Madrid, 03.08.1635] “Sobre lo que escrive lo bispo do Brasil acerca de
cinqüenta mil caxas de assucar que alli se hallan y el riesgo que corren”.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 105

gado a retornar para fazer os reparos necessários às embarca-


ções, permanecendo em Salvador até 26 de março e desistindo
da investida sobre Curaçao (GUEDES, 1990: 185-194).
Em Pernambuco a situação dos luso-brasílicos corria de mal
à pior. O Bispo D. Pedro da Silva de Sampaio informou a Felipe
IV o estado do Arraial de Bom Jesus e do front de Nazaré

de novo ha que os do arayal de Pernambuco tiverão


encontros com os olandezes, e com mortes de algũs,
e perda de duas pesas, com que querião Emquietar
o arayal e com m.tos feridos fugirão havera agora Sete
semanas que se tornarão Estes ao sitio do serco, Esta-
va este aRayal com mantim.tos, Concideracão q’ se lhe
meterão e trazião ao longo dela pastando Vaquas, E
Bois que Recolhião a hũm Curral Junto ao aRayal de
noite q’ os Inimigos querião derrubar E fazer fugir o
gado mas não puderão, o Reduto, e trinchr.a de Nosa
S.ra de Nazareth q o Inimigo tinha ganhado tornou a
cobrar o Capitão, Luis Barbalho, Valente homem ven-
turozo, E de quem trazem aqui Boas Novas.26

A rendição do arraial ocorreu em 3 de junho e seguiu-se a


do Forte de Nazaré a 2 de julho de 1635. Bagnuoli havia se re-
tirado para o território de Alagoas e Matias de Albuquerque foi
se reunir a ele com duzentos soldados de linha, menos de cem
de emboscada e alguns índios. Com a rendição do Arraial do
Bom Jesus e do Forte de Nazaré a Companhia de Jesus dirigiu
o envio de cerca de cinco mil índios aldeados nas Capitanias
do Norte para o Recôncavo baiano. Isto demonstrou a inviabi-
lidade em continuar usando a guerra brasílica contra o exército
da WIC, ainda que algumas táticas desse modo operacional
continuassem a ser usadas na guerra de resistência contra os
neerlandeses nas Capitanias do Norte (LEITE, 1945: 360-361;
MELLO, 1998: 244-248).

26 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 5. Doc. 554 [Bahia; 12.04.1635]. “Carta do Bispo do
Brasil para Felipe IV” (Cópia).

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106 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

O Exército de Pernambuco se fortificou em Porto Calvo, en-


tão ocupado pelos neerlandeses chefiados pelo Major Alexan-
dre Picard. Em seguida, a 12 de julho, Matias de Albuquerque
ordenou um ataque ao reduto inimigo, conseguindo sua capi-
tulação no dia 19. O contingente de Albuquerque, sem con-
tar os índios, era composto por cento e quarenta homens; os
neerlandeses comandados por Picard contavam com trezentos
e sessenta homens, que foram desarmados e enviados cativos
para Alagoas (ABREU, 1907: 84).
Apesar do sucesso em Porto Calvo, o recém chegado General
D. Luis de Rojas y Borja destituiu Matias de Albuquerque do co-
mando da guerra e o enviou preso para Lisboa. Rojas y Borja, a
frente de 1.400 soldados, não aderiu às táticas militares da Guer-
ra de Resistência em Pernambuco, afirmando que “não era maca-
co para andar em matos” e, por isso, não durou muito tempo no
campo de batalha, sendo morto logo no seu primeiro encontro
contra mil e trezentos soldados comandados por Arciszewski, no
dia 18 de janeiro de 1636 (MELLO, 1998: 34-35, 360).
No ano de 1636, Administrador do Exército, Frei Mateus de
São Francisco, fez chegar ao governo ibérico um memorial inti-
tulado De lo que tiene el olandes en el Estado do Brasil, advertin-
do acerca da disposição das forças neerlandeses nas Capitanias
do Norte, os nomes dos comandantes, número dos soldados
e organização administrativa (FARIA, 1955: 99-106; RAU, SIL-
VA, 1956: 331-336).27 O frade informou os modos pelo qual a
monarquia ibérica poderia recuperar o Brasil. Primeiro apon-
tou a facilidade com que poderia ser comprada a lealdade dos
soldados de outras nações recrutados pela WIC, bastando ter
dinheiro para isto. O franciscano afirmou que o envio de uma
armada com cinquenta “baxeles grandes” e dez mil soldados
seria suficiente para restaurar o Brasil, alegando que, em dois
anos, os engenhos poderiam render até duzentas mil arrobas
de açúcar para pagar o custo da expedição.

27 A exposição de Frei Mateus foi publicada pela primeira vez por Virgínia Rau nesta
coletânea de manuscritos, mas a transcrição da historiadora contém muitos equí-
vocos. Por esta razão usamos a transcrição ipsi literis de Francisco Leite de Farias.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 107

Com a morte de Rojas y Borja, o comando do Exército de


Pernambuco passou para o Conde de Bagnuoli. A WIC, por
outro lado, enviou o Conde João Maurício de Nassau-Siegen,
membro da família de Orange, e confiou-lhe, interinamente,
o cargo de Governador do Brasil Holandês por cinco anos. A
27 de janeiro de 1637 aportou Nassau a Pernambuco, trazen-
do mais reforços. Para retomar Porto Calvo, partiram do Recife
trinta navios com dois mil soldados chefiados por Arciszews-
ki que, a 12 de fevereiro, fundearam em Barra Grande. Além
de Arciszewski, seguiram para Porto Calvo o próprio Nassau
e Sigismund Von Schkoppe, levando três mil soldados e qui-
nhentos índios, que passaram o rio Una, já desguarnecido por
Bagnuoli. No dia 18 de fevereiro travaram o primeiro combate,
a 20 conduziram a artilharia nas lanchas subindo pelo rio das
Pedras e com os canhões os neerlandeses baquearam os para-
peitos do forte de Porto Calvo. A 5 de março, por escassez de
mantimentos, o comandante da praça forte, Miguel Giberton,
foi obrigado a capitular (ABREU, 1906: 86).
A 10 de março o Conde de Bagnuoli continuou pelo inte-
rior a marcha rumo ao sul e a 17 chegava à vila de São Fran-
cisco, recentemente erigida na margem esquerda do rio Una, a
meia distância entre a barra e a região encachoeirada. Duarte
de Albuquerque Coelho lhe aconselhou fortificar-se no rio
Piaguí, para resistir ao inimigo, caso avançasse por terra. Sem
considerar o conselho de Albuquerque Coelho, a 18 de mar-
ço Bagnuoli ordenou ao contingente napolitano e castelhano
atravessarem o rio Una em direção a Sergipe del Rey. No dia
seguinte passou parte do Terço de Portugal e a 26 passou o
resto. A 27 os neerlandeses chegaram à vila de São Francisco
e acharam-na vazia. Nassau incumbiu Schkoppe de construir,
na atual cidade de Penedo, o Forte Maurício. A 31 de março,
o Exército de Pernambuco chegou a vila de São Cristóvão em
Sergipe del Rey (ABREU, 1906: 87).
Os neerlandeses planejaram conquistar Sergipe e se senhorear
dos numerosos currais para abastecer suas tropas na região. A
17 de novembro Schkoppe chegou a São Cristóvão, já aban-
donada, e a 25 de dezembro queimou a cidade, retrocedendo,

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108 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

depois, para o outro lado do rio São Francisco. A 14 de novem-


bro, sabendo da entrada do inimigo pelo território sergipano,
Bagnuoli prosseguiu para a Bahia e a 24 alcançou a Torre de
Garcia d’Ávila, em Tatuapara, onde recebeu ordem do Governa-
dor Pedro da Silva para ali estacionar o Exército de Pernambuco.
Para as Capitanias do Norte, isso determinou o fim da Guerra de
Resistência contra os neerlandeses, conforme a definiu Evaldo
Cabral de Mello. Todas as Capitanias do Norte, de Sergipe à Pa-
raíba, neste momento constituíam o Brasil Holandês. Os Heeren
XIX, contudo, pressionavam o Conde de Nassau para que a ca-
pital da América portuguesa fosse conquistada. A Guerra Defen-
siva na Bahia entraria em um período crítico.
A Guerra Defensiva na Bahia alcançou seu ponto crítico du-
rante o triênio que compreendeu o cerco chefiado por Nassau
contra Salvador em abril de 1638, quando atacou as vilas do
Recôncavo, até o armistício celebrado entre Portugal e Holanda
em 1641. Os planos de defesa em 1638, contudo, já não eram
os mesmos de 1624, ainda que, muitas vezes, continuassem
pautados no improviso. Na primeira invasão, a Companhia de
Jesus possuía na Quinta dos Padres (na atual Baixa de Quintas)
apenas alguns índios flecheiros para auxiliar na defesa, mas,
nos anos seguintes, defronte da mesma propriedade, os jesuítas
aguardavam os neerlandeses com uma plataforma de artilharia
com “duas peças de ferro de dez libras de bala”.28
No dia 16 de dezembro de 1637 o Governador Pedro da Silva
convocou um Conselho de Estado para deliberar as medidas que
deveria adotar diante da iminência de um ataque ao Recôncavo,
tendo dele participado o Bispo D. Pedro da Silva de Sampaio.
Nesse Conselho, o parecer do Conde de Bagnuoli foi de transfe-
rir o Exército estacionado na Torre Garcia d’Ávila, localizada a 14
léguas da cidade do Salvador, para a Vila Velha, nas imediações
de Salvador, sendo favorável a este parecer apenas Luís Barbalho
e alguns tenentes. O Governador e o Bispo foram contra a pro-
posta de Bagnuoli, alegando que os neerlandeses não possuíam

28 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 8. Doc. 992 [Bahia, 19.11.1642]. “Auto que mandou
fazer o Governador Antonio Teles da Silva”. fl. 10.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 109

gente suficiente para sitiar a capital. O fato é que o Governador,


o Bispo, o Provedor-mor e os chefes militares estacionados na
Bahia temiam que a proximidade do Exército de Pernambuco
pudesse agravar, ainda mais, a situação econômica da cidade,
que mal conseguia sustentar mil e oitocentos soldados, quanto
mais os mil e duzentos oriundos das guerras do norte. Apesar de
não se alinharem nesta questão, foi deliberado o armazenamen-
to de mantimentos nos silos públicos e a melhoria do sistema
defensivo de Salvador para resistir a um possível cerco imposto
pelos inimigos (COELHO, 1981: 328; FREYRE, 1675: 417).
Apesar da empolgação da junta reunida em dezembro, o
governo nada fez para melhorar as defesas de Salvador. Se-
gundo Duarte de Albuquerque Coelho “os religiosos, o Bispo
e mais clero foram quem começaram a fazê-lo, depois de ter já
o inimigo tomado posições para o assédio”, ou seja, em fins de
março e início de abril de 1638. Fato atestado por uma certidão
passada por D. Pedro da Silva de Sampaio a Antonio de Souza
Andrade que confirmava a iniciativa do clero em preparar as
defesas de Salvador para conter novos ataques. “quando veyo
o Conde de Nasao que com hua armada e pos serco a esta
Cidade por mar e terra [...] e que nos por ser couza muy neces-
saria com nosso cabido e clero forteficamos, e com as pessoas
chegadas a nos que nos quizerão aiudar” (COELHO, 1981: 334).29
Os eclesiásticos, então, recorreram ao principal canteiro de
obras de Salvador naquele ano, a Igreja da Sé, para conseguir o
material e as ferramentas para dar andamento às fortificações.
Num depoimento, o Mestre de Ofícios de Carpintaria da Bahia,
Nuno Ferreira, afirma que “no tempo que o Conde de Nasau
pos serco a esta cidade se tomarão e levarão da obra da [Sé] pa
as trincheyras E forteficasois E pa mudarem de hũa parte a outra
a artelharia como forão maromas (sic), taboados, caibros, vigas,
aparelhos, Roldanas”.30

29 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 8. Doc. 947 (Anexo) [Bahia, 13.09.1641]. “Certidão de
D. Pedro da Silva e Sampaio para Antonio de Souza Andrade”.
30 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 9. Doc. 1096, fl. 91. [Bahia, 31.09.1644]. “Certidão de
D. Pedro da Silva e Sampaio para Antonio de Souza Andrade”.

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110 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

Em princípio de 1638, João Maurício de Nassau organizou


as guardas cívicas do Recife, da Paraíba e de Itamaracá para
reforçar a tropa que permaneceram no Brasil Holandês. A 8
de abril, Nassau embarcou para a Bahia no comando de uma
frota naval com trinta e seis unidades, transportando três mil e
seiscentos soldados, além de mil índios. Entrou na Baía de To-
dos os Santos a 16 de abril, desembarcando suas tropas na re-
gião de Água de Meninos e conseguindo a rendição dos fortes
de Santo Alberto e São Bartolomeu, na península de Itapagipe
(MAGALHÃES, 2010: 229-262).31
A historiografia do ataque de Nassau ao Recôncavo foi revi-
sada com a publicação do manuscrito da Relação Breve e Verda-
deira, atribuída ao senhor de engenho Henrique Moniz Telles.
Este documento comprovou que a iniciativa de organizar a re-
sistência contra os neerlandeses foi dos luso-brasílicos e que o
celebrado herói deste episódio, o Conde de Bagnuoli, após seu
parecer por abandonar Salvador, foi obrigado a resistir pressio-
nado pelos moradores da capital (MAGALHÃES, 2010). As Rela-
ções Diárias de Pedro Cadena Vilhasanti, publicadas por Manuel
Múrias, também são fundamentais para compreender esse epi-
sódio das guerras neerlandesas na Bahia, mas apresenta notícias
somente a partir do dia 22 de abril, silenciando sobre os cinco
primeiros dias do ataque. A Relação Breve e Verdadeira é mais
completa, visto que narra detalhadamente os quarenta dias da
guerra, desde o dia 17 de abril até 27 de maio, quando os neer-
landeses “se forão tristes e mal andantes” (MAGALHÃES, 2010).
Os navios neerlandeses sob o comando de Nassau, antes de
alcançar Salvador, buscaram eliminar os aldeamentos jesuíticos
usados como refúgio em 1624. O litoral norte da Bahia, na altura
da atual Vila de Abrantes, foi alvo de ataques que resultaram na
destruição do aldeamento jesuítico do Espírito Santo. O ataque a
aquele aldeamento demonstrou o conhecimento estratégico do
alto comando neerlandês acerca do sistema defensivo da Bahia,
visto que, para ter sucesso nessa empresa, tentou eliminar os

31 Sobre como o governo espanhol tentou se apropriar, por meio da imprensa, da


vitória sobre Nassau ver: MAGALHÃES (2011).

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 111

pontos de fuga e os focos de resistência. A aldeia do Espírito


Santo, considerado parte dos “muros do Recôncavo” em 1624,
pela sua importância estratégica e defensiva, foi incinerada pelos
neerlandeses em 1638 (MAGALHÃES, 2010: 229-262).
A Relação Breve e Verdadeira apresentou com mais detalhes
os desentendimentos políticos que acenderam os ânimos na ca-
pital, com as acaloradas discussões entre o governador Pedro da
Silva e o Conde de Bagnuoli nos primeiros dias do sítio imposto
por Nassau. Pedro Cadena de Vilhasanti foi ao Palácio de Gover-
no como porta voz da população para notificar ao governador
a urgência em defender a cidade, recebendo em contrapartida,
pública repreensão do Conde de Bagnuoli, quando trocaram
“palavras de sim sey não sabe” (MAGALHÃES, 2010: 229-262). O
documento apresenta as atuações dos Capitães Luiz Barbalho e
Lourenço de Brito Correa, de D. Fernando de Londoña, além do
Capitão dos Índios Antônio Camarão e do Capitão dos Negros,
Henrique Dias. Este é o único relato das guerras neerlandesas
no Recôncavo escrita por um senhor de engenho, evidenciando
o considerável conhecimento militar dos grandes proprietários e
fabricantes de açúcar na Bahia seiscentista.
Enquanto os militares divergiam, a maior parte dos morado-
res já pensava em abandonar a capital, como em 1624. Quando
os moradores observaram a nova armada fechando o cerco so-
bre a cidade, as memórias de 1624 foram reavivadas e o pânico
se alastrou, dando início aos tumultos que poderiam terminar
em outra fuga em massa. Duarte de Albuquerque afirma que ele
e o Bispo D. Pedro da Silva de Sampaio contiveram os ânimos
dos moradores, direcionados para o lado de fora do palácio
do governo, onde pressionaram as autoridades governamentais
e militares para que tomassem medidas para defender Salva-
dor, evitando que a capital fosse abandonada pela segunda vez
(COELHO, 1981: 336).
A Relação Breve e Verdadeira faz referência aos “devotos”
que se intrometiam nas decisões militares. Provavelmente, ain-
da que o texto não indique nomes, este “Partido dos Devotos”
era encabeçado pelo Bispo D. Pedro da Silva de Sampaio e
pelo Cabido da Sé da Bahia. A relação manuscrita de Manuel

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da Vasconcellos afirma que o Bispo se intrometeu entre os mi-


litares para conter as desavenças de opiniões

ouve emtre elle [D. Fernando de Ludenha] e o g.or


Perante mỹ algũ descobrim.to de palauras cõ Reze-
ruado Resp.to de seus cargos e pessoas; e damdo
cõ o chapeo no chão o comde; lhe disse q semdo
mestre de campo g.l Se lhe perdia o Respeito tratase
sua s.a de defender a praça desta Cidade (...) q elle
se hia meter no mosteiro de sam fr.co; o g.or lhe
Respondeo q o não dezemparasse e q lhe entregaua
o gouerno; o mesmo Requerim.to lhe fes o pouo e o
bispo, cõ o q se aquietou e foi dispomdo as couzas
como comuinhão.32

Pode-se afirmar que o bispo D. Pedro da Silva de Sam-


paio teve sucesso onde o seu antecessor, o bispo D. Marcos
Teixeira, fracassara: impedir uma fuga em massa da capital,
esvaziando qualquer possibilidade de resistir ao invasor. Além
disso, o Conde de Bagnuoli e o Governador-Geral Pedro da
Silva superaram as divergências políticas e uniram-se contra o
avanço neerlandês.
Os religiosos da Companhia de Jesus atuaram em três frentes
durante o cerco. Além do Provincial Manuel Fernandes e do Rei-
tor João de Oliva, lutaram contra Nassau os jesuítas Domingos
Coelho, Francisco Gonçalves, que entregou água, comida e pa-
nos para os feridos, Francisco Pires, Baltasar de Sequeira, Mateus
Dias, Francisco de Avelar, Fulgêncio de Lemos, Antonio Vieira e
Manuel Nunes.33 A Relação Breve e Verdadeira assinala a impla-

32 Biblioteca Pública de Évora. Cod. CXVI/ 2-3. fl. 94. [Bahia 05.06.1638]. “Carta de
Manoel de Vasconcellos ao seu tio dando novas do que tem sucedido com os
Hollandezes”. Essa carta foi impressa por diligência do autor: IGLESIAS MA-
GALHÃES, P. A. O Ataque De Nassau Ao Recôncavo Baiano Em 1638: Três Do-
cumentos Conservados Na Biblioteca Pública Municipal De Évora [Atualização
Vernacular]. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambu-
cano, v. 66, p. 207-229, 2014.
33 RAH. Colección Jesuítas. T. CXIX, fl. 246-247. “Carta do Pe. Domingos Coelho,
Provincial, para o Geral da Ordem Pe. Múcio Vitelleschi”. [Bahia, 30.05.1638]

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cável ação da Companhia dos Estudantes, recrutados no colégio


dos jesuítas, e a violência dos seus ataques contra os neerlande-
ses, que impressionou até mesmo um capitão que os liderou nas
batalhas do Recôncavo (MAGALHÃES, 2010: 229-262).
Ao fim de 40 dias, sem obter sucessos significativos, Nassau
retirou-se convencido de que, caso a vitória fosse alcança-
da nas circunstâncias existentes, só “faria ricos os soldados
e pobre a Companhia”. Daí porque recolheu suas tropas de
modo tão eficiente e rápido que os luso-brasílicos só percebe-
ram que haviam vencido na manhã seguinte. No seu relatório
aos Estados Gerais, escrito em Antonio Vaz a 29 de julho de
1638, Nassau justificou sua derrota alegando o desequilíbrio
numérico entre as forças ofensivas e as defensivas, visto que
a guarnição da Bahia reuniu “2000 soldados portugueses e es-
panhóis, as do conde de Bagnuoli de 1400 soldados e 800 bra-
silianos (indígenas), a população civil de 3000 homens (por-
que todos os padres e estudantes haviam pegado em armas)”
(GOUVÊA, 1998: 65-70).
O Cerco de Nassau em 1638, apesar de pouco estudado pela
historiografia, é um dos momentos mais decisivos da História
do Brasil. Caso a conquista de Salvador por Nassau fosse con-
solidada em 1638, isso significaria o fim do domínio ibérico
sobre as capitanias do centro e do norte do Brasil. Logo, as vilas
de Cairú, Boipeba e Jaguaripe, o eixo produtor de farinha na
Bahia, seriam facilmente conquistadas. As capitanias de Ilhéus e
do Espírito Santo, não conseguiriam resistir a expedições neer-
landesas que partissem do Recôncavo baiano. Somente a ca-
pitania do Rio de Janeiro, que contava apenas 500 soldados,
poderia se defender, mas é implausível que isoladamente orga-
nizasse uma expedição naval poderosa o suficiente para recon-
quistar um território que se estendia do Espírito Santo ao Ceará.
Após a retirada de Nassau, o jesuíta Simão de Souto Maior
recebeu uma mensagem congratulatória de um certo João Car-
dozo. O conteúdo da carta revela que a política de defesa da
capital colonial teria sido influenciada por sugestões oferecidas
ao governo, ao Bispo e a diversos religiosos pelo referido João
Cardozo, para quem “vale tanto e mais um bom conselho que

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uma boa espada”.34 Segundo o próprio Cardozo, aos moradores


da Bahia “muito tempo antes [de abril de 1638] se avisou, se
haviam de ver em miserável estado”. Para evitar essa situação,
Cardozo remeteu outras cartas ao Governador Pedro da Silva,
ao Bispo D. Pedro da Silva de Sampaio, à Câmara de Salvador,
ao Colégio da Companhia, ao Mosteiro do Carmo e Mosteiro
de São Bento. Sua correspondência seguiu por anonimato, pelo
que justifica que

não me pareseo então que Comvinha saberse o nome


da pesoa que dava tais avizos e advertensias porque
então hera mais serta a emulaçam e pa Carta de seguro
valime de sinco cruzes de gerusalem e agora pa que
vejão que se lá todos mereserão e pelejarão, que não
estava eu cá ousiozo pois ja de antemão com o espirito
trabalhava e aconselhava pa que se armasem e unisem.35

Cardozo resumiu o conteúdo das suas missivas anteriores


em três pontos que serviriam para ter êxito na defesa “do
Rio de Sam Franco ate os Ilheos [que] hera corpo da Bahia”.36
O primeiro e mais subjetivo dos três conselhos consiste em
“que seja publiquo a todos nos púlpitos, prasas e trebunaes e
Conversaçois o Remedio pa se poderem defender e ofender,
todos unidos sem falta, fazendo todos e Cada hum por si da
sua parte o que Cada hum mais puder, insitandose hũs aos
outros pa isso o tempo mais que o bem Comum da patria e dos
fieis”. No segundo conselho advertia para que não faltassem
carnes e outros mantimentos e que fossem pagos os soldados
do Exército de Pernambuco. A terceira advertência “herão as
lanchas pa Com elas se acudir ao Reconcauo e queimar ao
enemigo as embarcacois”.37

34 ANTT. Cartório Jesuítico, Maço 68, Doc. 369. Carta de João Cardozo para o Padre
Simão de Souto Maior. [Lisboa, 22 .09.1638].
35 Idem.
36 Idem.
37 Idem.

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De certo modo, as três recomendações apontadas por Car-


dozo foram seguidas pelo governo para evitar que, em 1638,
a população não debandasse de Salvador. Evaldo Cabral de
Mello afirma que a ideia de utilizar uma força naval tática,
apesar dos luso-brasílicos não possuírem o domínio naval es-
tratégico, surgiu em 1632 quando pessoas experientes no Ul-
tramar, com o parecer de D. Antonio Oquendo, sugeriram que
fosse adotado nas capitanias em guerra “os navios a remo que
se usam na Índia”, nos modelos das “fustas e dos sanguicéis”
(MELLO, 1998: 66).
Desde 1634, foi cogitado pelo governo armar duas esquadras
de navios a remo, que contava com dezesseis embarcações,
a serem utilizadas na defesa do complexo marítimo-fluvial do
Recôncavo baiano, mas isto não foi adiante naquele ano. A exe-
cução deste projeto começou somente por expediente de D.
Pedro da Silva, um dos destinatários dos conselhos de João
Cardozo, a partir de 1637, quando ordenou que cada senhor de
engenho e lavrador construísse, à suas próprias expensas, uma
lancha com 40 palmos de quilha de comprimento e 13 ou 14 de
largura, capazes de carregar cada uma dez mosqueteiros e uma
roqueira38 na proa. No início de 1639, o projeto foi retomado,
arregimentando trinta e três senhores de engenho e trinta e sete
lavradores que ficavam obrigados a construir, individualmente,
uma lancha para auxiliar a defesa do Recôncavo (SALVADO,
MIRANDA, 2001: 195-202).
A vitória sobre a esquadra comandada por Nassau em 1638
não afastou em definitivo os neerlandeses da Bahia. Nesse mes-
mo ano, o governo espanhol finalmente conseguiu organizar
uma armada da envergadura daquela que restaurara a Bahia em
1625. Comandada por D. Fernando Mascarenhas, primeiro Con-
de da Torre, nomeado por Carta Patente de 26 de julho de 1638,
a armada zarpou de Lisboa em direção ao porto de Salvador no
dia 7 de setembro de 1638, contando oitenta embarcações.39 A

38 A roqueira é definida com uma peça de artilharia que joga pelouros de pedra.
39 A coleção acima indicada possui um importante repositório de informações so-
bre a armada de 1638.

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chegada desta armada luso-espanhola teria como propósito de-


fender a Bahia e expulsar definitivamente os neerlandeses das
Capitanias do Norte. No primeiro propósito conseguiu relativo
êxito; no segundo, foi um desastre militar para as forças ibéricas
em conjunto. Seis meses após a derrota de Nassau, os soldados
da Bahia estavam “metidos pelos matos” e a defesa da cidade
precisava ser reestruturada para enfrentar novas incursões neer-
landesas (SALVADO, MIRANDA, 2001: 249).
No dia 16 de fevereiro de 1639, o Conde da Torre convocou
um conselho, do qual participou o Bispo D. Pedro da Silva de
Sampaio e os principais oficiais de guerra. O Bispo e os demais
oficiais assentaram dar duas pagas aos soldados em dinhei-
ro e fazendas, entregando ao Tesoureiro Geral 3000 cruzados
(SALVADO, MIRANDA, 2001: 248-250). Em 24 de maio de 1639,
o Conde da Torre instalou outra junta para deliberar sobre o
envio de oito galeões da armada para a Índia. O parecer de D.
Pedro da Silva de Sampaio foi de “que os ditos 8 galiões não
devem de fazer a dita viagem de índias, porque Sua Magestade
não manda que vam estes galiões” (SALVADO, MIRANDA, 2001:
234-235). O Bispo explicou sua decisão, fundamentado numa

noticia que tem vindo a Pernãobuco navios e gente


de Olanda e parece que, se forem agora, faram no
Brasil grandíssima falta pella qual se porá em muito
risco, porquanto como a experiência tem mostrado
sem estar por nos o mar nestas costas mal se pode fa-
zer guerra ao inimigo na campanha de Pernãobuco, e
se a armada se diminuir indo os outo galiões a índias
poderia se ariscar o que ficar da armada [e] pode se
entender e temer com muito fundamento, não só que
de Pernambuco e de suas capitanias ficara o inimigo
mais apoderado, mas também que tornara a sitiar esta
cidade da Baia (SALVADO, MIRANDA, 2001: 234-235).

Em 16 de agosto de 1639 foi organizada outra junta com a


presença do Bispo para discutir as advertências de Luiz Fernan-
des Cano acerca da campanha de Pernambuco. Um dos pon-

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tos discutido foi, novamente, a proposta de dividir a armada


do Conde da Torre a ser enviada para Pernambuco, seguindo
apenas quinze navios de um total de oitenta e sete. Todos os
oficiais e o Bispo foram do parecer que a armada não precisava
ser dividida, devendo seguir toda a frota para tentar expulsar os
neerlandeses do Brasil. A armada partiu do porto de Salvador
em 19 de novembro de 1639, seguida por terra por soldados
da tropa do Conde de Bagnuoli, chefiados por André Vidal de
Negreiros, Antônio Filipe Camarão e Henrique Dias (SALVADO,
MIRANDA, 2001: 276, 283).
Nassau dispunha de quarenta e uma embarcações de guerra,
algumas eram navios mercantes improvisados, com dois mil e
oitocentos homens contra os oitenta e sete navios do Conde da
Torre, contando cinco mil soldados. As duas armadas se enfren-
taram em quatro batalhas entre Itamaracá e o Rio Grande. A 13
de janeiro de 1640 o primeiro combate ocorreu diante de Ponta
de Pedras; o segundo no dia 14, na altura da cidade de Paraíba
e, por fim, no dia 17, ao largo de Cunhaú (atual Praia de Pipa).
Cada batalha teve resultados indecisos, mas seu somatório foi
favorável aos neerlandeses, pois os luso-brasílicos não puderam
desembarcar no local planejado e a armada se dispersou. O Con-
de da Torre desembarcou no Porto de Touros um contingente
de mil e quatrocentos soldados.40 Na prática, a armada do Conde
da Torre foi um fiasco. Luiz Barbalho Bezerra e os mestres-de-
-campo que o acompanhavam perceberam que os neerlandeses
atacariam novamente a Bahia, que ficara mais vulnerável após
a saída da armada e dos principais oficiais de guerra. Por isso,
decidiriam marchar mais de 400 léguas pelo interior do Brasil ho-
landês, tendo as tropas de Sigmund von Schkoppe no seu encal-
ço. O sucesso da marcha de Barbalho foi essencial para impedir
novas ações dos neerlandeses no litoral da Bahia.
No ano de 1639 foi nomeado para o cargo de primeiro vice-
-rei do Brasil D. Jorge Mascarenhas, o Marquês de Montalvão,
que chegou ao Brasil em 19 de junho de 1640. O principal pro-

40 Touros é atualmente um município no estado do Rio Grande do Norte, localizado


a 90 km de Natal.

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jeto político do governo de Montalvão era melhorar o sistema


defensivo de Salvador contra novas incursões neerlandesas. Para
elaborar o plano de defesa da Bahia, o vice-rei trouxe o seu Con-
fessor, o matemático jesuíta Inácio Stafford.41 Stafford, professor
no colégio de Santo Antão de Lisboa, já era notório por causa dos
seus estudos sobre matemática e engenharia, quase todos ainda
hoje inéditos, apesar de já catalogados (LEITÃO, 2008: 137-154).42

41 Nascido em 1599, nas Midlands da Inglaterra, Stafford, ainda criança, seguiu para
a Espanha e em Valladolid estudou no Royal English College, fundado em 1589.
Em Villagarcia, no ano de 1618, entrou para a Companhia de Jesus, professando
em 1636. Enviado para Lisboa, assistiu como confessor da comunidade inglesa
existente na cidade e por nove anos ensinou matemática, sucedendo Christoforo
Borri na cadeira desta matéria no Colégio de Santo Antão. Seus alunos eram
oriundos da nobreza lisboeta e a eles dedicou o seu primeiro trabalho matemáti-
co, publicado a 1634. O livro Elementos Mathematicos é uma abreviada tradução
dos seis primeiros livros dos Elementos de Euclides. Publicou em 1639 a Historia
de la Celestial Vocacion, Missiones Apostolicas y Gloriosa Muerte, del Padre Mar-
celo Franco Mastrili, obra dedicada a Antonio Teles da Silva, na qual trata de um
padre jesuíta que teve a vida salva por miraculosa intervenção de São Francisco
Xavier e acabou martirizado no Japão em 1637; obra traduzida em francês e ita-
liano em 1640 e 1642, respectivamente.
42 A Biblioteca Nacional em Lisboa preserva quase todos os manuscritos de Staf-
ford, inclusive o texto em castelhano do Tratado da Milicia, 1633, que ilustra o
conhecimento de engenharia militar do religioso. De 1638 existe a Varias Obras
Mathematicas compuestas por el P. Ignacio Stafford. Este manuscrito contém tra-
tados das paralaxes, dos problemas astronômicos, geográficos e hidrográficos,
da milícia e da arquitetura militar. Data de 1638 o manuscrito Los usos del Pan-
tometra, que possui 62 folhas. Além dos textos castelhanos já catalogados, tive
conhecimento de um códice manuscrito em língua portuguesa com trabalhos de
Stafford. O códice está intitulado Cosmographia Docta & Arqam.te Ditada. Por o
Padre Mestre Ignacio Staford Lente de Mathematica no Collegio de S. Antão da
Companhia de Iesus. Escrita por Fr.co de Melo. Escrita em Lisboa e datando de
1632, esta cópia manuscrita com 197 folhas trata de princípios matemáticos de
cosmografia e navegação, ensinados por Stafford nas aulas do Colégio de Santo
Antão. O texto é dividido em diversas teses, incluindo cosmografia, hidrografia,
navegação prática (com numerosas tabelas) e princípios geográficos. Apesar de
discutir todos essas teses, a maior parte do códice é devotado para a navegação
e hidrografia, com particular atenção para a água em todos os seus estados físi-
cos e movimentos, os ventos e sua dinâmica, rumos naturais e vários aspectos
de confecção de mapas, além de sessenta ilustrações com diagramas técnicos.
Stafford faleceu em 1642, após retornar do Brasil acompanhando Montalvão,
deposto no ano anterior. BNL. Coleção Pombalina, no 240. Varias Obras Mathe-
maticas compuestas por el P. Ignacio Stafford mestre de mathematica en el Colegio
de S. Anton de la Compañia de Jesus, y no acavadas por causa de la muerte del
dicho Padre. Lisboa, año 1638. Ms. in-fol. Com 642 folhas, desenhos e índice. Um

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Foi o próprio Stafford ou “Monforte” quem narrou o ataque ao


Recôncavo executado pelo Almirante Conerliszoon Lichthardt e
pelo Major Charles Tourlon, à frente de vinte e oito navios e dois
e mil e quinhentos soldados. Este ataque teve por objetivo vingar
os prejuízos sofridos pela indústria açucareira dos neerlandeses
decorrente da queima dos canaviais do Brasil Holandês pelos
soldados de Barbalho e do Camarão.43 Lichthardt tentou desem-
barcar no Rio Vermelho, mas foi impedido por um contingente
de D. Manuel Mascarenhas, composto por oitocentos soldados. A
resistência levou Lichthardt a tentar entrar pelo engenho de Dio-
go Muniz Teles, na península de Itapagipe, sendo o desembar-
que impedido novamente pelos soldados dos mestres de campo
Heitor de La Calche e Urbano de Ahumada.
Após essas duas tentativas frustradas, Lichthardt foi para a
Barra do Paraguaçu, onde efetuou a destruição de vinte e sete
engenhos e o saque às vilas do Recôncavo. Posteriormente,
Lichthardt seguiu para a baía de Camamu, onde teve o passo
novamente atalhado por índios das aldeias jesuíticas chefiados
pelos Padres João Luiz e Francisco Paes e pela companhia do
Capitão Gaspar de Sousa, que posteriormente acompanharam
o Capitão Francisco de Moura até o Rio Real (LEITE, 1945: 55).
A 18 de junho veio a notícia de que Charles Tourlon estava
com mil e duzentos soldados construindo uma trincheira e re-
duto fortificado na foz do Rio Real. Lichthardt intentava assal-
tar os currais da região e transportar o gado para Pernambuco.

manuscrito não catalogado foi vendido no ano de 2007 pelos livreiros da William
Reese Company – Americana (New Haven, CT, U.S.A.). COSMOGRAPHÍA DOCTA
& ARQAM[EN]TE DITADA. POR O PADRE MESTRE IGNACIO STAFORD LENTE DE
MATHEMATÍCA NO COLLEGIO DE S. ANTAÕ. DA COMPANHIA DE IESUS. ESCRITA
POR FR[ANCIS]CO DE MELO. [Lisboa], 1632. [197]. In 4.º. Preço: US$ 13500.00.
Possivelmente pertenceu à biblioteca de Francisco de Melo Manuel (1753-1851),
de quem a Biblioteca Nacional de Lisboa herdou as obras impresssas de Stafford.
A grafia de nome de Stafford reserva algumas surpresas para os investigadores.
Na Península Ibérica seu nome foi latinizado, aparecendo nos documentos espa-
nhóis como Monforte e nos portugueses como Estaforte.
43 Archivo Historico de la Provincia de Toledo de la Compañia de Jesús. Estante
2, Caja 88, Legajo 846. [Bahia, 18.08.1640] “Copia de dos cartas del padre jesuíta
Ignacio Monforte.” A primeira trata sobre sua viagem ao Brasil em companhia de
Montalvão e a segunda, da batalha no rio Real.

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Montalvão ordenou que Luiz Barbalho, após a marcha desde


o Rio Grande, fosse à testa de mil soldados para dar rebate
aos invasores. Em apenas uma madrugada os luso-brasílicos
capturaram trezentos neerlandeses e degolaram imediatamen-
te duzentos, além dos outros cem que foram “matando os
nossos soldados pouco a pouco, de modo que desses 300
poucos escaparam”.44 Ainda segundo uma carta do jesuíta Bel-
chior Rodrigues, o reduto neerlandês foi cercado por terra e
os soldados que nele restaram não tiveram outra escolha se-
não retornar para Pernambuco.
Após a batalha contra Lichthardt, Montalvão encarregaria
o matemático jesuíta para aperfeiçoar o sistema defensivo de
Salvador. Em agosto de 1640 o Padre “Estaforte” visitou o Re-
côncavo, possivelmente para estudar a capacidade de defesa
dos diversos pontos.45 Neste mesmo ano de 1640 foi escrito o
apontamento intitulado Sobre a conveniência de se fortificar a
cidade da Bahia capital do Brazil, assinado pelo Marquês de
Montalvão (MASCARENHAS, 1893). Apesar de levar a assinatura
de Montalvão, possivelmente foi Stafford, no cargo de enge-
nheiro, o responsável pela elaboração de parte desta proposta
de fortificação. Montalvão pode tê-lo redigido, mas foi Stafford
quem o planejou, visto possuir o conhecimento hidrográfico
necessário para o empreendimento. O projeto consistia em
concentrar o aparato defensivo em torno da capital, atribuindo
maior autonomia às vilas do Recôncavo para organizar rebates
a pequenas incursões inimigas.
Sobre a conveniência de se fortificar a cidade da Bahia ca-
pital do Brazil pode ser resumido a oito pontos (MASCARE-
NHAS, 1893). Primeiro, a partir de uma planta do engenheiro
João Coutinho, o perímetro das linhas de defesa seria alterado.
Segundo, os montes que cercavam a cidade estavam a padrasto
de todas as fortificações, sendo necessário construir um forte na

44 ANTT. Cartório Jesuítico. Maço. 71, Doc. 35. [Bahia, 19.08.1640]. “Carta do Pe.
Belchior Rodrigues para o Pe. Antonio Barradas, Reitor de Santo Antão”.
45 ANTT. Cartório Jesuítico. Maço 69; Doc. 380. [Bahia, 01.09.1640] “Carta do Padre
Belchior Roiz.”

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eminência do Barbalho para impedir que o inimigo bloqueasse


as linhas de condução de gados e mantimentos para a cidade.
Outro forte deveria ser construído em Itapuã, mas as 13 léguas
de extensão da Barra da Bahia eram indefensáveis para a arti-
lharia em terra e continuaria vulnerável, mesmo se construísse
nesse local uma fortaleza. Mais um forte deveria ser construído
em Paraúnas para que, com o de Santo Antônio, efetivasse uma
estratégia de fogo cruzado para dificultar o desembarque inimi-
go em Itaparica. Em terceiro, a autonomia das vilas do Recôn-
cavo deveria ser ampliada, criando lotação de gente auxiliar e
companhias de cavalo, sendo que já havia duas com cinquenta
cavalos cada, para que seus habitantes se defendessem.
No quarto ponto, a influência de Stafford é mais perceptí-
vel. O autor afirma que a cidade estava cercada por pequenos
diques que a rodeavam pela parte da terra, quase todos vazios
e com as inclusas arruinadas. Caso um ataque se desse pelas
praias do Rio Vermelho, os neerlandeses poderiam esvaziar fa-
cilmente estes pequenos diques e deixar a cidade vulnerável
a uma ofensiva por terra. Na parte baixa da urbe, os trapiches
poderiam servir de fortalezas por comportar artilharia, mas toda
a extensão de praias entre o Rio Vermelho e Itapuã ficava des-
guarnecida. Uma linha de trincheiras altas que cingia a cidade
até o mar, com 1.500 braças de circuito, estava inutilizada, mas
poderia ser consertada.
O quinto ponto afirma que com a cidade fechada contra
inimigos por terra e mar, seria necessário um sistema de condu-
ção de água para os moradores e as embarcações, mantendo o
núcleo urbano abastecido em caso de novo cerco. Este projeto
custaria doze mil cruzados, que poderiam ser conseguidos ven-
dendo terrenos da marinha. Os doze fortes que se espalhavam
pelas quase três léguas do perímetro urbano e careciam de
reparos, deveriam ser providos com a artilharia recolhida dos
fortes então desmantelados da ponta de Itaparica, barra do Pa-
raguaçu, Paranamerim,46 Sergipe do Conde e Matoim.

46 Atual Paranama, localizada em Loreto, na contra costa da Ilha dos frades e tendo
visão para Madre de Deus, entrada para Santo Amaro.

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122 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

O sexto ponto afirma que, deste modo, a única maneira


dos neerlandeses tomarem a cidade seria por voluntária sujei-
ção dos seus habitantes. O sétimo ponto admite a necessidade
de a Coroa enviar uma armada com força suficiente para res-
taurar o Brasil com um golpe fulminante sobre Pernambuco.
Por fim, o oitavo ponto afirma que a armada seria utilizada
também para defender as frotas, garantindo o comércio e os
rendimentos alfandegários.
O projeto de Montalvão e Stafford não ficou apenas no papel.
Numa consulta do Conselho Ultramarino, o próprio Montalvão
apontou a participação do “Padre da Companhia Estaforte, que
levou por engenheiro”.47 Stafford se reuniu com outros dois en-
genheiros, um anônimo que, vindo do Rio da Prata, estava de
passagem pela Bahia para seguir em direção a Espanha, e o
Tenente de Mestre de Campo Pinheiro.
A primeira determinação foi aproveitar as fortificações ini-
ciadas pelos neerlandeses entre 1624 e 1625. Em 1624, par-
te da malha urbana havia sido destruída para funcionar como
muralha e bloquear as águas do Rio das Tripas, que nascia
próximo aos fundos do Mosteiro de São Bento e cercava a
urbe, formando o dique que “assy se conservou desde o tempo
dos olandezes, ate agora”.48 A construção do dique em 1625,
represando o rio das Tripas à Oeste do núcleo urbano, entre o
Mosteiro de São Bento e o Convento de São Francisco, impul-
sionou a expansão da cidade no sentido nordeste, em virtude
da construção dos quartéis pelos moradores que organizaram
a resistência em 1624-1625. O dique funcionaria como óbice a
ataques pelas localidades da Palma, Santana, Desterro e Saúde,
tanto assim que todas as contraofensivas foram orientadas pela
parte norte, próximo ao Convento do Carmo, e pelo sul através
das portas próximas ao Mosteiro São Bento. Na década de 1640,
isto acarretou a expansão da malha urbana pela segunda linha
de cumeada no desenvolvimento de Salvador, entre o Santo

47 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 9. Doc. 1053. [Lisboa, 13.05.1644]. “Sobre a fortifica-
ção da cidade da Bahia”.
48 Idem.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 123

Antônio Além do Carmo e o Barbalho. Essa era oposta primeira


linha de cumeada que datava do século XVI, na antiga Vila do
Pereira, no perímetro dos bairros da Graça e Vitória.
Outra junta chefiada pelo Marquês de Montalvão, com a par-
ticipação de Stafford, determinou a recuperação dos baluartes
que haviam sido criados pelos neerlandeses e a criação de mais
três, a saber, nas portas de São Bento, do Carmo e outro sobre
o dique, sendo este último concluído em 1641. Outra linha de
baluartes deveria ser construída além da linha do dique, mas a
prioridade “hera fortificar a Cidade, e Conservar o Dique”.49
O sistema defensivo de Salvador ficou mais eficiente com
o reaproveitamento do dique construído pelos neerlandeses.
O dique era delimitado por uma ponte, localizada onde atual-
mente está a ladeira da Igreja de Santana, visto que essa é in-
teiramente artificial. Tanto ao lado esquerdo quanto ao direito
dessa ladeira o nível da rua permanece o mesmo da antiga Rua
da Vala, atual Baixa dos Sapateiros. Essa língua de terra que
demarca a ladeira de Santana resultou de um aterro feito para
nivelar o atual Campo da Pólvora. Da Barroquinha até esse
ponto, a água do rio das Tripas foi represada inundando toda a
região da atual Barroquinha até os fundos do Convento de São
Francisco. Isto pode ser comprovado por um registro do Capi-
tão Gonçalo de Morga que, em 1636, afirmou existir uma “horta
e casario que parte com os muros do Mosteiro de S. Francisco,
como se verá nas partilhas, a qual pela entrada do inimigo [em
1624] se destruiu e derrubou pelos mesmos holandeses e ficou
raso, fazendo trincheiras e dique sobre elas”.50
Frei Jaboatão, confuso com relação ao dique, por não ter
encontrado documentos confiáveis, apontou que a obra tocava
a propriedade do Convento, mas que no período em que viveu
havia sido aterrado ( JABOATAM, 1858: 65-66). Em suma, a re-
presa original se estendia da sua nascente, por trás do Mosteiro

49 Idem. O sistema de aquedutos para garantir o abastecimento da cidade, em caso


de sítio, nunca saiu do papel.
50 Arquivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Livro I do Tombo, fls. 72-85v,
[Bahia, 21.04.1636].

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124 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

de São Bento, próximo a Barroquinha, até uma barreira artifi-


cial, perpendicular à cidade, que ligava os fundos do convento
franciscano ao topo da atual ladeira de Santana.
O dique de 1624 foi reaproveitado pelo jesuíta Stafford em
1641 e serviu ao propósito de defender Salvador por terra,
mas ocasionou um problema de saúde pública. Construções
de represas e diques próximos a vilas e cidades são comuns
na Europa, mas manter a água estacionada nos trópicos sig-
nifica uma epidemia. Um surto epidêmico, possivelmente de
malária, grassou os moradores de Salvador no verão entre
1641 e 1642, por isso Montalvão acusou no Conselho Ultrama-
rino, em 1642, que a Junta de Governo “esgotou o Dique, com
pretexto de que faria dano a saude de poucos moradores que
estão mais vizinhos a elle”.51
Decerto, já não eram poucos os moradores que ocupavam
o entorno do dique, visto que a maior parte dos retirados de
Pernambuco foi assentada próximo ao Mosteiro de São Bento,
na extremidade sul do manancial. O tom rancoroso das pala-
vras de Montalvão demonstrou seu ressentimento por ter sido
substituído pelo Bispo D. Pedro da Silva de Sampaio na dire-
ção do Governo. O fato é que, apesar de não existir no século
XVII as noções mais elementares de epidemiologia, não tardou
para os habitantes perceberem que, quanto mais próximos ao
dique viviam, mais facilmente adoeciam, levando o governo a
esvaziá-lo. Mesmo nos fins do século XVIII, Vilhena afirmava
que durante o verão os charcos do rio das Tripas, mesmo já
aterrado, “evapora eflúvios, que infeccionam a cidade, motivan-
do sezões e febres mortais” (VILHENA, 1968: 163).
O parecer do Conselho Ultramarino, então chefiado pelo
Marquês de Montalvão, inimigo do Bispo que o depôs do go-
verno, foi de que o esvaziamento do dique era “hũa couza mui-
to indigna de se fazer em tempo que mais necessitamos de toda
a fortificação e segurança daquella praça”. Assim, o Conselho
recomendou que o monarca ordenasse ao novo Governador,

51 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 9. Doc. 1053. [Lisboa, 07.05.1644]. “Sobre a fortifica-
ção da cidade da Bahia”.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 125

Antonio Teles da Silva, que “ponha o Dique no estado em que


estava, e o melhore sendo possível”.52
Antonio Teles da Silva afirmou que o surto epidêmico afe-
tou muitos africanos, aumentando a taxa de mortalidade a
ponto de ameaçar mais a conturbada produção de açúcar no
Recôncavo.53 Antonio Teles da Silva, não obstante, reiniciou as
obras do dique, mas para evitar novas epidemias e torná-lo
mais eficaz, resolveu ampliar o circuito da represa. O dique foi
aumentado ao longo de todo o perímetro urbano intramuros,
da Porta Sul da Cidade, também conhecida por Porta de Santa
Luzia, próxima ao Mosteiro de São Bento, à Porta Norte junto
ao Convento de Nossa Senhora do Carmo. Apenas a recém-
-criada freguesia de Santo Antonio Além do Carmo permane-
ceu fora do alcance do dique.
O prolongamento da barreira fluvial, não obstante, causou
transtornos às propriedades dos carmelitas que representaram
ao governo em Portugal os inconvenientes causados pela água.
Em 1658, após os neerlandeses serem expulsos do Brasil, cou-
be ao Desembargador Luís Salema de Carvalho investigar as
queixas dos frades carmelitas. Através da sua diligência, o de-
sembargador concluiu que:

os Olandeses quando tomarão esta Cidade fiserão um


Dique iunto a ella que corria pella cerca dos Relli-
giosos de sam francisco E vindo governar este Esta-
do Antonio Telles da silua fes com grande conselho
outro Dique mais afastado E mais alcantilado E largo
E de grande defensa; Este passa pella cerca dos Rel-
ligiosos do Carmo E o piqueno que estava feito de
antes se vasou E os moradores tornaram a cultiuar
suas terras E ortas. O grande he o que oje passa pella
terra que esta do lavor da orta dos padres impetrãtes

52 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 9. Doc. 1053. [Lisboa, 07.05.1644]. “Sobre a fortifica-
ção da cidade da Bahia”.
53 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 8. Doc. 975. [Lisboa, 22.09.1642]. “Carta de Antonio
Teles da Silva para sua Magestade sobre a falta de escravos”.

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E asim Esta terra como algumas arvores de espinho


que tinhão nella estam cubertas de agua ficando lhe
o mais da serca livre.54

A extensão alcançada pelo dique durante as obras do go-


verno Antonio Teles da Silva, executadas entre 1644 e 1647,
perduraram até o século XVIII, visto que na planta da cidade
do Salvador desenhada por Freziér, em 1716, o represamento
do Rio das Tripas era contínuo até os fundos do Convento do
Carmo, onde hoje está o Taboão.
Os eclesiásticos foram integrados às funções de espionagem
e a contrainteligência durante todo o período que durou as
guerras. Espionagem pode ser definida como a produção de
informação sobre táticas, manobras e posicionamento do ini-
migo. A contrainteligência é determinada como a atividade que
objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a inteligência
adversa, através de espionagem e ações de qualquer natureza
que constituam ameaça à salvaguarda de informações ou co-
nhecimento de interesse e de segurança.
Com a Restauração da independência portuguesa em dezem-
bro de 1640, não tardou que de Lisboa seguissem embaixadores
para Amsterdã a fim de estabelecer um tratado de paz e comér-
cio. As notícias da Restauração, bem como do tratado de paz e
comércio celebrado entre Portugal e Holanda, logo chegaram
aos seus respectivos territórios no Atlântico Sul, Salvador e Recife.
O Marquês de Montalvão, em acordo com Nassau, obser-
vou à risca o tratado firmado entre os dois governos em 1641.
Montalvão, que pela monarquia espanhola havia sido indicado
para o governo do Brasil, foi deposto do cargo por D. João
IV e enviado para Lisboa. Foi estabelecida em Salvador uma
junta governativa composta pelo Bispo D. Pedro da Silva de
Sampaio, o Mestre de Campo Luiz Barbalho e o Provedor-mor
Lourenço de Brito Correia. Não há dúvidas de que a principal
autoridade naquela junta foi também um dos maiores articula-

54 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 15. Doc. 1727. [Bahia, 6.6.1658] “Informação sobre as
perdas que o Dique deu aos padres do Carmo daquella Cidade”.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 127

dores da Restauração portuguesa no Brasil, o Bispo D. Pedro


da Silva de Sampaio.
À frente do governo do Brasil, D. Pedro da Silva de Sampaio
e seus dois colegas enfrentaram oposição até mesmo de alguns
religiosos, a exemplo de Frei Manuel de Santa Maria, Custódio
da Ordem de São Francisco, que não deve ter esquecido o
episódio em que foi escorraçado de Friederikstad e, portanto,
não nutria os melhores sentimentos em relação aos neerlande-
ses. No Convento de São Francisco em Salvador, Frei Manuel
de Santa Maria escreveu uma carta representando ao governo
de Portugal a possibilidade de atacar as Capitanias do Norte e
restaurar o Brasil, apresentando também severas críticas à pos-
tura da junta governativa chefiada pelo Bispo, especialmente
no tocante à continuidade dos neerlandeses no Brasil. Segundo
afirmou na carta endereçada ao próprio Rei:

não posso deixar, de referir, ao menos em suma, a


VMag.de algũas cousas deste Estado do Brasyl, que
necessitão de vehemente remedio; (...) nesta ultima
vizita que fiz de S. Paulo ate esta Bahia, achey geral
queixa do novo governo, e Sentim.to da ida do Mar-
quez de Montalvão cõ cuja absentia os Olandezes
se melhorão m.to, e as Armas de VMag.de perderão
sua reputação, contra o que VMag.de lhe mandou
em hũa Carta; por que enq.to correrão por conta do
dito Marquez, estiverão os Olandezes, recolhidos
em Pernambuquo; E tanto que souberão de sua ida,
logo sairão pera diverssas partes, donde se seguio,
tomarĕ a Angola, e S. Thome; E ultimam.te saio outra
esquadra, publicando hir pera o Maranhão, mas a
mim me parece, que deve ser de socorro pera Ango-
la; E outros se fortalecerão em Ceregyppe del Rey,
Sem este Governo acudir a cousa algũa, segundo por
Cartas de Pernambuquo, que estão lá cõ todas as
forças, e engenhos, menos de quatrocentos homẽs,
occasião que o Marquez não ouvera de perder, pois
estão nesta praça mais de dous mil, e quinhentos In-

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128 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

fantes comendo soldo de V.Mag.de. [...] Por aqui pode


V.Mag.de colligir a necessidade em que está este es-
tado. Muitas cousas tenho que advertir a VMag.de,
m.to necessarias ao bẽ delle, como quẽ o andou tres
vezes, que se não podẽ bẽ referir por papel. Deste
convento de Nosso Padre S. Fr.co da Bahia, Janr.o 15
de 1642. Fr. M.el de S. Maria.55

O franciscano criticava o governo chefiado pelo Bispo por


não avançar contra os neerlandeses em Pernambuco, alegando
que os contingentes da WIC estavam debilitados. O custódio
aconselhava ainda que o governo adotasse uma postura mais
ofensiva por conta da redução dos soldados neerlandeses em
Pernambuco, em decorrência da diminuição dos efetivos de
Nassau após a derrota na Bahia em 1638 e do envio de uma
esquadra para conquistar a Ilha de São Tomé e a Cidade de São
Paulo de Luanda, na costa ocidental africana.56
Ao contrário do que afirmou Frei Manuel de Santa Maria, na
carta enviada ao governo de Portugal, a Junta governativa de
1641-1642 não se acomodou em relação aos neerlandeses em
Pernambuco. Os três governadores, ou seja, o Bispo, Barbalho
e Brito Correia ficaram, por carta patente de D. João IV, obri-
gados a manter o tratado de paz celebrado entre Portugal e as
Províncias Unidas e, por isso, o uso do exército para atacar os
neerlandeses foi descartado.57
Decerto, o tratado de paz não convenceu a Junta de governo
na Bahia das intenções amistosas acordadas com os neerlan-
deses. No mesmo dia em que se registrou a carta patente pela
qual os governadores ficavam obrigados a cumprir o tratado de

55 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 8, Doc. 949. “Carta de Fr. Manoel de Santa Maria para
D. João IV”. [Bahia, 15.01.1642].
56 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 8, Doc. 949. “Carta de Fr. Manoel de Santa Maria para
D. João IV”. [Bahia, 15.01.1642]. Sobre Frei Manuel de Santa Maria: JABOATAM
(1858: 236-239).
57 APEB. Colonial/Provincial. Livro de Provisões Régias, n° 264. fl. 277v-278v. [Lis-
boa, 05.09.1641] “Registro de huma carta patente de El-Rey Nosso Senhor D. João
IV mandou aos governadores deste Estado sobre as pazes com os framengos”.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 129

paz, foi passada uma portaria, redigida ou ditada pelo Bispo,


que deu continuidade à guerra defensiva no que tocava aos
planos de fortificação de Salvador, com vista a impedir “calami-
dades como se tem experimentado no Cerco que veio o Conde
de Nazau a esta cidade em que esteve tão dependurada a nossa
liberdade e cahir em mãos de inimigos da Santa Sé Catholica
e as Igrejas profanadas com tanto desacato”.58 Um documento
anônimo de 1641 aconselhava ao governo em Portugal “para
que se limitasse a fazer guerra defensiva na Bahia” (RAU, 1956:
338). A Junta governativa, não obstante, não se limitou apenas
à guerra defensiva na Bahia.
As operações militares precisaram ser executadas clandestina-
mente. Os governadores, sem concessão régia, instituiram uma
Portaria a 1° de julho de 1641 determinando que armamentos
dos armazéns da Coroa fossem entregues a Luis de Silva Teles,
compreendendo o total de dezoito mosquetes, duas dúzias de
granadas, um barril de pólvora de 60 libras e 15 arrobas de ba-
las, dentre outros instrumentos.59 É possível que a missão “extra-
-oficial” de Silva Teles tenha sido comunicar aos portugueses em
Angola o envio de uma armada da WIC para conquistar Luanda,
dando tempo para os habitantes reforçarem as defesas da capital.
Uma carta do Conde de Nassau para os Estados Gerais, a 3 de
março de 1642, informa que recebera um relatório de Angola, no
qual afirma que foi interceptado um barco enviado de Salvador
para Luanda pelo governo chefiado pelo Bispo, carregando “es-
pécies de munições de guerra”, com certo número de “oficiais
e tenentes”, dos quais apenas quatro sobreviveram (GOUVÊA,
1998: 130). No ano seguinte, aleijado de uma mão, Silva Teles foi
recompensado em Lisboa com a patente de Mestre de Campo do
Terço da Armada (RAU, 1956: 29-30).
Por ordem da monarquia portuguesa, as forças luso-bra-
sílicas continuavam impedidas de atacar o Brasil Holandês.

58 APEB. Colonial/Provincial. Livro de Provisões Régias, n° 264. fl. 279-279v. [Ba-


hia, 05.09.1641] “Registro de uma Portaria dos Senhores Governadores sobre a
fortificaçoens”
59 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 9. Doc. 1000 [Bahia, 28.01.1643] “Carta do provedor
da Fazenda Sebastião Parvi de Brito para S. Magestade”.

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130 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

O Governo-Geral, não podendo usar a força militar contra o


inimigo, tratou de atacar as conquistas neerlandesas a partir
do interior do seu próprio território, ou seja, enfraquecer, pri-
meiramente, as frágeis instituições instaladas pela força das
armas a menos de uma década. A partir de 1641, durante
o Governo do Bispo, iniciou-se a execução de uma estraté-
gia sutil para aniquilar o Brasil Holândes rompendo o tênue
equilíbrio religioso conseguido sob a administração de Nas-
sau. Com isso, esperavasse que a insatisfação da população
católica que vivia no Brasil Holandês, exortada por sacerdo-
tes enviados da Bahia, desse lugar a uma rebelião contra as
autoridades neerlandesas.
A primeira ação da Junta governativa foi fazer crer às au-
toridades neerlandesas a continuidade da trégua iniciada en-
tre Montalvão e Nassau, enquanto caberia aos eclesiásticos,
posicionados em freguesias estratégicas (as mais populosas),
estimular agitações políticas e manter acesa as desavenças de
caráter religioso no interior do Brasil Holandês. Para encenar as
tréguas diante das autoridades neerlandesas, os governadores
enviaram o jesuíta Francisco de Vilhena, que deveria se reunir
com o Conde Maurício de Nassau. O Padre Vilhena foi acompa-
nhado pelo também jesuíta João Avelar e pelo Sargento Pedro
Correia da Gama, do hábito de Cristo, que viajaram para o Re-
cife no De Gouden Ster (A Estrela de Ouro), desembarcando a
6 de maio e portando cartas do Bispo datadas de 23 de abril.60
Nassau concedeu a Vilhena uma audiência dois dias depois,
durante a qual o jesuíta apresentou a “proposição conforme a
missiva que ele exibiu em nome destes Governadores a sua Ex-
celência” e “lhe deu um abraço da parte de El-Rei Dom João, e
lhe fez outros oferecimentos, de que o Conde de Nassau ficou
confuso.” Nassau afirmou, depois, que as palavras do jesuíta
“eram lisonjas e mentiras”. Correia da Gama expôs ao Alto Con-
selho as razões pelas quais os governadores desejavam conti-
nuar a trégua, ao que o Alto Conselho acabou por aceitar um

60 Instituto Arqueológico Histórico e geográfico de Pernambuco (IAHGP). Coleção


José Hygino. Dagelijkise Notulen. Códice 7 [Recife, 06.05.1641].

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 131

armistício. Os Padres Vilhena e Avelar retornaram para a Bahia


no navio Holandia a 22 de junho de 1641.61
Confirmada a manutenção da trégua, teve início a segunda
parte do plano. O Gouden Ster também havia transportado da
Bahia para Pernambuco os Padres Mateus de Sousa Uchoa e
Simão de Figueiredo Guerra.62 D. Pedro da Silva de Sampaio
havia nomeado por Vigário de Igarassu o Padre Simão de Fi-
gueiredo Guerra “que tinha recebido a missão do Bispo na Ba-
hia para ser paroquiano de sua Igreja sede”.63 O parecer do Alto
Conselho ao requerimento para a entrada de sacerdotes vindos
de Salvador foi de que

não admitimos que o Bispo da Bahia nomeie alguém


para o cargo religioso nesta conquista, e que em seguida
nós ordenamos os Escabinos de Igarassu de não aceitar
o Padre Simão de Figueiredo, mas de deixar o antigo
Padre nesta função, assim como vem sendo até o pre-
sente momento.64

Apesar do alerta do Alto Conselho, Figueiredo Guerra per-


maneceu em Pernambuco e continuou a executar sua missão,
deixando apreensivas as autoridades no Recife. O primeiro alvo
desse clérigo foi, por sua densidade populacional, a vila de
Igarassu, onde

o Escolteto [ Johan ten Berge] também nos informou


que o Padre Simão Figueredo apesar de nossas or-

61 IAHGP. Coleção José Hygino. Dagelijkise Notulen. Códice 7 [Recife, 08.05.1641]


e [Recife, 22.06 1641]. A proposição dos governadores foi despachada para os
Heeren XIX, em Amsterdam, a 25 de maio de 1641. Cf. também CALADO (1986,
211, 213). Calado afirma que Vilhena havia solicitado licença aos governadores
para embarcar nessa missão com o fito de resgatar a prata do Colégio de Olin-
da e de Matias de Albuquerque, que estava enterrada desde a invasão, para
levar para a Bahia.
62 ANTT. Chacelaria da Ordem de Cristo. Livro 34, fl. 296-296v. [Lisboa, 29.12.1640].
63 IAHGP. Coleção José Hygino. Dagelijkise Notulen. Códice 7 [Recife, 03.06.1641]
64 IAHGP. Coleção José Hygino. Dagelijkise Notulen. Códice 7 [Recife, 03.06.1641]

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132 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

dens continuou executando a missão do Bispo da


Bahia causando muitos distúrbios em Igarassu (as-
sim como os Escabinos, que prestam atenção às
queixas da comunidade, reclamaram junto ao Con-
selho). Assim hoje escrevemos ao Escolteto que ele
deverá mandar este Padre imediatamente do distrito
de Igarassu, e caso ele se recuse, o Escolteto pode-
rá pedir assistência ao Capitão Lastinne, que ali se
encontra estacionado com sua Companhia, para que
ele seja expulso a força ou para que ele seja entre-
gue aqui em detenção.65

Na Bahia, o Bispo seguiu com o plano de exortar os ca-


tólicos do Brasil Holandês a se sublevarem e enviou outra
carta ao Conde de Nassau em agosto de 1641, encarregando
para isso o cabo Agostinho Cardoso. O conteúdo da carta
é desconhecido, mas pode-se inferir que se tratava de um
engodo para que fosse possível investigar a disposição das
tropas neerlandesas e o ânimo dos moradores das capitanias
conquistadas. Agostinho Cardoso entrou em Pernambuco no
início de 1642, visto ter afirmado que sua viagem durou qua-
renta dias.66 As dagelijkise notulen (nótulas diárias) relatam os
pormenores da presença de Cardoso em Pernambuco, con-
cluindo que se tratava de uma missão para fomentar a resis-
tência e preparar uma sublevação. O comandante militar de
Sirinhaém, Marten van Els, informou ao Conde de Nassau o
inquérito que realizou acerca da presença de Cardoso, mas
esse documento só ficou pronto quase um ano após a visita
do militar, demonstrando a existência de falhas no próprio
serviço de espionagem dos neerlandeses. O inquérito de Van
Els narra que Cardoso desembarcou ao norte do Cabo, ao pé
do monte de Calhetas e durante 14 dias percorreu a zona com
maior densidade populacional de Pernambuco, embarcando

65 IAHGP. Coleção José Hygino. Dagelijkise Notulen. Códice 7 [Recife, 26.06.1641]


66 AHU, Pernambuco. Cx. 4. Doc. 318. fl. 25. [Bahia, 23.08.1641]; Cx. 4. Doc. 318. fl.
30. [Bahia, 18.08.1642]

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 133

de volta para a Bahia na Barra Grande, próximo a Porto Calvo.


O mensageiro retornou para Salvador após quatro meses.67
Em 1642, a Junta de governo foi destituída e para o cargo
de Governador-Geral foi nomeado Antonio Teles da Silva que
daria continuidade ao plano de sabotar a ordem política e so-
cial do Brasil Holandês. O Alto Conselho protestou junto ao
novo Governador contra a presença de Agostinho Cardoso no
interior do Brasil Holandês, mas, na verdade, o Bispo é quem
havia sido o responsável pela missão de espionagem. Teles da
Silva apenas respondeu aos Heeren XIX para que representas-
sem o inconveniente ao embaixador português, Francisco de
Souza Coutinho.68
Enquanto a insurreição de Pernambuco era orquestrada ve-
ladamente e as tréguas do Alto Conselho com a Bahia breve-
mente se tornariam letra morta, em Lisboa, o Padre Antonio
Vieira apresentou ao governo seu parecer sobre as mudanças
necessárias na guerra defensiva ultramarina. Naquele contexto,
Vieira assinalava que navios ligeiros eram mais úteis do que
guerreiros indígenas para defender o litoral e atacar o inimi-
go. O jesuíta soubera da morte do Capitão Francisco Padilha
e dos seus índios na batalha contra Piet Heyn em 1627. Eram
conhecidas as consequências da traição do principal capitão
dos índios da Guerra de Resistência em Pernambuco, o Padre
Manuel de Moraes, ocorrendo, depois, a evacuação das aldeias
jesuíticas nas Capitanias do Norte em 1635. Vieira participou
da luta contra Nassau em Salvador, quando ocorreu a morte
do principal Capitão de índios do Recôncavo, Afonso da Ca-
choeira, e teve conhecimento da destruição do aldeamento do
Espírito Santo, no litoral norte da Bahia, em abril de 1638. A
guerrilha ainda subsistiria nas campanhas no interior da colônia
contra povos indígenas e quilombolas, mas na guerra contra os
neerlandeses era necessária uma rápida substituição das táticas
locais por tecnologia militar europeia.

67 IAHGP. Coleção José Hygino. Dagelijkise Notulen. Códice [Recife, 09.02.1643].


68 IAHGP. Coleção José Hygino. Dagelijkise Notulen. Códice [Recife, 03.03.1643].

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134 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

Para Evaldo Cabral de Mello, a guerra volante arcaizou-se e,


no último quartel do século XVII, já estava reduzido à “guerra
do mato”, vale dizer, funcionando apenas nas áreas afastadas
da marinha e das praças fortes, adequadas apenas para serta-
nistas de São Paulo e negros aquilombados. Em Pernambuco
e na Bahia, o uso das técnicas de guerrilha luso-brasílicas não
sobreviveu à geração que a empregou contra os neerlandeses
(MELLO, 1998: 380). Os quinhentos índios do terço do Capi-
tão Antonio Camarão já não usavam arco e flecha durante a
primeira fase da Guerra de Pernambuco, bem como durante o
Cerco da Bahia. Os soldados indígenas utilizavam mosquetes
à mecha, de morrão, sustentados por forquilhas. Por volta de
1647 alguns já usavam espingarda a pederneira (de fecho) e,
possivelmente, não tardariam em recorrer às melhores armas
portáteis daquela época, a espingarda de roda ou roldete que
permitia ao atirador, por fricção das peças, disparar mesmo
sob chuva cerrada.
É necessário, contudo, relativizar as afirmações sobre a
perda de prestígio dos guerreiros locais como a principal ex-
pressão das forças em contenda. As condições militares e
técnicas da Bahia e de Pernambuco eram exceções no Atlân-
tico Sul. Na guerra contra os neerlandeses, a guerrilha só
continuaria tão necessária quanto vantajosa no Maranhão, no
Congo e em Angola.69 De fato, os neerlandeses dispunham
de cerca de mil índios tapuias, número quatro vezes maior
do que o de tupinambás que os jesuítas conseguiriam reunir
na Bahia e o dobro dos potiguares e tupis que constituíam
o Terço do Camarão. Os neerlandeses, não obstante, nunca
tiveram nos guerreiros tapuias a principal parte do seu exér-
cito e esses não ultrapassaram 25% do total de soldados em-
pregados nas batalhas, como demonstraram os números do
ataque de Nassau em 1638, que contou com 3.000 europeus e
1.000 tapuias. As estratégias empregadas na Guerra Defensiva
na capitania da Bahia, logo após a restauração de Portugal,
tomariam novos rumos.

69 Sobre o Maranhão: MAGALHÃES (2011: 367-401).

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 135

O Padre Antonio Vieira, em janeiro de 1644, apresentou ao


governo de Portugal um projeto para defender os portos do
Brasil e de Portugal. Concluiu Vieira que os planos de defe-
sa em andamento na Bahia, desde 1625, não eram suficientes
para manter os neerlandeses afastados do Recôncavo baiano.
Na Corte, o jesuíta defendeu um projeto que, mesmo não sen-
do novidade, até então nunca fora implantado: era necessário
levantar muros para a defesa da Bahia. Novos muros, já que os
muros então usuais no Recôncavo, as aldeias indígenas, não
serviam mais aos propósitos da guerra. Segundo Vieira, os mu-
ros de que a Bahia precisava, bem como o Ultramar português,
deveriam ser constituídos com a melhor tecnologia bélica dis-
ponível à época: navios armados, manobráveis e capazes de
navegar com velocidade (VIEIRA, 1885: 1-6).70
A ideia de substituir navios opulentos por embarcações mais
ágeis teve precedente no tratado de Gabriel Soares de Sousa
em 1587 e no memorial de autoria do sargento-mor Diogo de
Campos Moreno em 1612 e, decerto, esse assunto teve lugar no
Colégio da Companhia no tempo em que o jesuíta era noviço
em Salvador (MORENO, 1968). O próprio professor de Antonio
Vieira, o Padre Fernão Cardim, em outubro 1618, quando a Pax
Hispanica se extinguiu, afirmou a necessidade de galeões para a
defesa do Recôncavo contra os neerlandeses (MAGALHÃES, PA-
RAÍSO, 2011: 243-246). Transcorridos duas décadas, Vieira procu-
rou demonstrar a inutilidade dos pesados galeões ágeis fragatas.
Em pouco tempo o jesuíta refinou seu parecer acerca dos
tipos de navios que deveriam ser utilizados com mais sucesso
na navegação para o Brasil: as fragatas de guerra, a que cha-
mou por “navios de força” (VIEIRA, 1854: 39-40). Estas fragatas
deveriam ser acompanhadas por dois galeões, nas funções de
capitania e almiranta. Criticava o uso das caravelas de suma
grandeza, geralmente navegando abarrotadas de mercadorias,
que, posteriormente, definiu como “escolas de fugir e de fazer

70 Este apontamento foi excluído da edição das cartas de Vieira organizado por
João Lúcio de Azevedo, não havendo sido redigido em modo de epístola e, por
isso, ficou desconhecido da maior parte dos historiadores.

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136 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

covardes os homens do mar”. No documento de 1644, Antonio


Vieira também apontou as vantagens da guerra defensiva sobre
a guerra ofensiva, arrematando que

na guerra ofensiva tantas vezes pode o inimigo ser


vencido e desbaratado, quanto forem os lugares que
se puzerem em defesa. Na ofensiva pode-se perder
tudo em um dia; na defensiva ainda que se perca,
será pouco em muitos anos, (...) em qualquer reino
é verdadeira esta razão de estado, e muito mais nos
menores a respeito dos maiores e mais poderosos;
porque na vantagem da fortificação se supre a desi-
gualdade de poder (VIEIRA, 1928: 1-6).

Quatro anos depois, no seu escrito intitulado Papel Forte


(1648), apresentado ao Rei, Vieira demonstrou que o Recôn-
cavo era indefensável por terra. A movimentação de tropas a
partir das aldeias jesuítas era limitada pelas imensas distâncias
a serem cobertas no tempo necessário para interceptar o de-
sembarque de soldados neerlandeses. Somente a entrada da
Baía de Todos os Santos possui três léguas de abertura entre a
Barra de Santo Antonio e a Ilha de Itaparica, distância essa que
impedia o sucesso do fogo cruzado. Os fortes eram, em grande
medida, inúteis. Muitos eram os pontos de desembarque na
barra da Bahia: apenas no trecho entre o Rio Vermelho e Itapuã
as esquadras neerlandesas poderiam desembarcar os soldados
nos atuais bairros da Amaralina, Pituba, Boca do Rio e Pia-
tã, distando esses pontos entre três e quatro léguas do núcleo
urbano e sendo desprovidos de qualquer estrutura defensiva,
contando apenas algumas com casas de pescadores, construí-
das nas terras de propriedade do Mosteiro de São Bento.
Vieira atestou que o uso da força naval seria suficiente para
guardar a Bahia, como demonstrou as expedições de Antonio
Oquendo (1631), Lope de Hoces (1635), do Conde da Torre
(1639) e de Teles de Menezes (1647) que conseguiram, mesmo
com dificuldades, defender Salvador e o Recôncavo (VIEIRA,
1854: 40). O argumento desenvolvido no seu texto buscava fa-

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 137

zer valer a proposta de entregar Pernambuco aos neerlandeses


e, por conta disso, o jesuíta se viu obrigado a distorcer alguns
números (MELLO, 1998: 103-142). Ele próprio havia computado
em 10 mil habitantes a população de Salvador quando escre-
veu a Ânua de 1624, reduzindo este número para apenas 1.500
habitantes em 1648, quando, de fato, a cidade contava, no mí-
nimo, com cerca de 15.000 moradores, somando-se os exilados
de Pernambuco e o contingente militar estacionado na cidade.
O jesuíta compreendeu, com acerto, que os doze fortes que
guardavam a baía eram limitados, mas impediam que fosse to-
mada com facilidade. As fortalezas de Salvador apresentavam o
problema de estarem cercadas por montes que “são padrastos
a todas”. Vieira apontou os dois modos pelos quais os neerlan-
deses poderiam tomar a Bahia. O primeiro era, segundo Vieira,
“infestar” o Recôncavo e impedir o fabrico de açúcar, destruin-
do engenhos, fazendas e plantações de cana. O segundo era
impedir a entrada de mantimentos na cidade. Os carregamentos
da farinha produzida em Cairú, Camamu e Boipeba poderiam
ser impedidos de chegar à capital caso os neerlandeses ocupas-
sem o Morro de São Paulo, que contava apenas com uma forti-
ficação mandada construir por Diogo Luís de Oliveira, a partir
de 1628, na qual assistia apenas uma companhia com cerca de
80 soldados. Também o gado bovino, uma das principais fontes
de alimento de Salvador, seria impedido de chegar aos talhos se
o caminho de Itapuã fosse tomado pelos neerlandeses, impe-
dindo a entrada dos bois vindos de Sergipe. Diante dessas pos-
sibilidades, afirmou Vieira “que de nenhuma destas opressões
se pode livrar a Bahia, sem ir do Reino uma poderosa armada”
(VIEIRA, 1854: 44-45).
Entre a escrita do apontamento de 1644 e o Papel Forte de
1648 surgiram as primeiras mudanças na estratégia naval por-
tuguesa em relação ao Brasil. Talvez o apontamento escrito
por Vieira em 1644 tivesse chegado às mãos de um influente
conhecido do jesuíta, o Marquês de Montalvão. Em 1645, os mi-
nistros do Conselho Ultramarino, Jorge de Albuquerque, Jorge
de Castilha e o Marquês de Montalvão, demonstraram ser favo-
ráveis à proibição da ida de embarcações de grande porte para

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o Brasil para “se poder extinguir as Caravelas, tam prejudicial a


navegasão e comersio delle”. Segundo o Conselho, o comércio
com o Brasil deveria ser feito “Com navios armados E artilhados
debaixo de Capitania E almiranta galeões de VMg.de”.71 Segundo
o parecer destes ministros, os navios ligeiros serviam para evi-
tar que fossem atacados por corsários e o sucesso desta estra-
tégia poderia ser observado nas frotas que seguiam para o Rio
de Janeiro todos os anos com vinte a trinta embarcações e que
nunca haviam sido acometidas pelos neerlandeses.
No Brasil Holandês, em julho de 1644, teve início uma
sitzkrieg (guerra de mentiras). Desconfiados de que a paz
com a Bahia estava por um fio, as autoridades neerlandesas
espalharam o boato de que a Holanda enviaria uma armada
sob comando de Cristóforo Arciszewski, com sete mil solda-
dos para conquistar a Bahia.72 O objetivo deste boato foi fazer
com que os Terços já posicionados nas Capitanias do Norte
retrocedessem e o restante dos contingentes luso-brasílicos
permanecessem circunscritos ao Recôncavo baiano. Não tar-
dou para que o boato chegasse a Salvador. Um morador de
Pernambuco fez chegar a Antonio Teles da Silva uma carta
escrita em 7 de agosto na qual afirmava que “hum papel que
hum Religioso me mandou para que eu o encaminhasse, o
que faço, nam para fazer mal, se não para que V.Sa saiba a
quem S Mg.de com informações falsas despachou; o que direy,
he que o vy, & que nelle nam dis quem quer que he”.73 O fato
é que as notícias que chegaram demonstravam que nenhuma
armada viria para atacar a Bahia, o que permitiu ao governo
seguir com o plano da rebelião.
No dia 13 de junho de 1645, explodiu a insurreição contra o
governo neerlandês em Pernambuco, primeiramente batizada
de Divina Liberdade. O primeiro voto foi do Dr. Antonio da Sil-

71 AHU, Bahia. Luisa da Fonseca. Cx. 10; Doc. 1164. [07.12.1645] “Pareceres dos
conselheiros do Conselho Ultramarino Jorge de Albuquerque, Jorge de Castilha e
do Marquês de Montalvão”..
72 AHU, Bahia. Luis. Fons. Cx. 9. Doc. 1042. [Bahia, 07.08.1644] “Cópia de outra
carta de um morador de Pernambuco para o Governador Antonio Teles da Silva”.
73 Idem.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 139

va e Sousa, Provedor dos Defuntos e Ausentes, servindo de Ou-


vidor da Gente de Guerra, que com eloquência afirmou “que a
observância da palavra real não excluía de socorrer os nossos
portugueses”. Por unanimidade concordaram os religiosos, mi-
litares e outros oficiais declarando “que se devia de socorrer os
moradores de Pernambuco logo, com a pressa que pediam e o
poder possível”.74 O plano elaborado pelo eixo Lisboa-Salvador-
-Recife (D. João IV- Teles da Silva / Negreiros - Fernandes Viei-
ra) começou a ser executado.
Os Terços de infantaria chefiados por Vidal de Negreiros e
Soares Moreno seguiram por terra a flotilha comandada por Je-
rônimo Serrão de Paiva, composta por doze embarcações que
zarparam de Salvador a 22 de julho. A flotilha de Serrão de
Paiva foi, contudo, destroçada na baía de Tamandaré em 8 de
setembro de 1645 por uma frota sob comando de Lichthardt
(MELLO, 2000: 167-171; NIEUHOF, 1942: 195-198).
A fracassada expedição naval não foi o único movimento
desferido contra os neerlandeses. No período em que os dois
emissários estiveram em Salvador reapresentando o Alto Con-
selho, o Governador Antonio Teles da Silva subornou o co-
mandante do Forte de Nazaré, Diederick van Hoogstraten, para
que o militar entregasse seu estratégico posto ao comando dos
luso-brasílicos. O objetivo era conquistar sem esforço o Cabo
de Santo Agostinho que seria utilizado como cabeça-de-ponte
para atacar Pernambuco. Hoogstraten e Van der Voorden retor-
naram ao Recife, onde relataram ao Alto Conselho a tentativa
de suborno proposta pelo Governador na Bahia (NIEUHOF,
1942: 178-182; RELATÓRIO DO CAPITÃO HOOGSTRAETEN,
1922: 206-210). Outros textos indicam que havia mais uma pes-
soa na sala onde ocorreu a tentativa de suborno: o Bispo D.
Pedro da Silva de Sampaio. Tanto o Governador-Geral quanto o
Bispo conheciam Hoogstraten desde fevereiro de 1644, quando
este foi a Salvador acompanhando o Conselheiro da Corte de
Justiça Gysbert de With, encarregado de investigar a disposição

74 Biblioteca Pública de Évora. CVI/2-2, fls. 180-183v. [Bahia, 18.07.1645]. Para uma
análise das consequências desta junta, MELLO (2000: 164-165).

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140 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

das forças e a situação econômica no Recôncavo baiano. A


missão dos enviados do Alto Conselho durou 14 dias e a 22 de
fevereiro “despediram-se do Bispo e de várias pessoas gradas”
(NIEUHOF, 1942: 128-131, 180).
Na segunda missão à Salvador, em julho de 1645, para des-
pistar Van der Voorden, Hoogstraten, conduzido por D. João
de Souza, simulou uma visita a Dona Catarina de Melo, sogra
de Felipe Pais. Van der Voorden aguardava na casa de Pedro
Correia da Gama, enquanto o Capitão Paulo da Cunha foi ao
Palácio do Governador avisar que, no plural, “esperassem um
pouco”. Com pretexto de beber vinho, João de Souza levou o
emissário ao local combinado. A sala onde ocorreu a reunião
secreta, segundo o próprio Hoogstraten, era a do Confessor
do Governador, ou seja, do jesuíta Simão de Vasconcellos.
Após entrar na sala, Antonio Teles da Silva ordenou que fe-
chassem a porta e que não admitissem pessoa alguma, “além
das presentes”. Rapidamente, segundo Hoogstraten, o Gover-
nador fez a oferta do suborno em seu nome e em nome do
Rei de Portugal.
Para dar continuidade à guerra, grande parte dos solda-
dos seguiu da Bahia para as Capitanias do Norte, reduzindo
o número de efetivos militares. Com os efetivos reduzidos
em Salvador, o Governador Antonio Teles da Silva, em março
de 1646, entregou ao capitão Pedro de Aguirre uma compa-
nhia com todos os padres, além dos estudantes do Colégio da
Companhia que se achavam capazes de tomar arma contra o
inimigo. O considerável número de eclesiásticos que viviam
em Salvador fora constituído em novo contingente militar, do
qual o governo poderia legitimamente recorrer em caso de
necessidade.75 Poderiam se alistar nessa companhia de ecle-
siásticos, por volta de 1646, cerca de quatrocentos religiosos
que viviam no Recôncavo.

75 Arquivo Municipal de Salvador. Provisões do Governo e Senado, no 125.1., fls.


256-259v. [Bahia, 19.03.1646]. “Registo de huma patente do Cappitão Pedro de
Aguirre e Sandova por onde o senhor Governador geral deste Estado Antonio
Teles da Silva lhe fez merce de huma companhia de todos os estudantes e padres
desta cidade que se acharem capazes de pegar em armas”.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 141

A Coroa portuguesa, não podendo manter a farsa no cam-


po da diplomacia e nem permanecer omisso diante da guerra
que mobilizava forças adversas entre o território da Bahia até a
Paraíba, resolveu intervir e tomar a direção da Guerra de Res-
tauração. A 17 de dezembro foi escolhido por Mestre de Campo
General Francisco Barreto de Menezes, que estivera na Bahia
com a Armada do Conde da Torre e acompanhara Luiz Barba-
lho na marcha do Porto de Touros (RAU, 1956: 52-54). Barreto
de Menezes zarpou de Lisboa para a Bahia a 26 de março de
1647 comandando cinco caravelas e dois patachos. Acompa-
nharam-no na viagem Simão Alvares de la Penha, cunhado do
padre Antonio Vieira, e Frei Mateus de São Francisco no cargo
de Administrador Geral da Gente de Guerra. Após quarenta e
um dias de viagem, faltando apenas um para chegar na Bahia,
duas naus particulares neerlandesas interceptaram a flotilha e,
nas quatro horas que durou o combate, morreram vinte e cinco
soldados portugueses. Menezes foi ferido na cabeça por um
tiro de mosquete, mas foi salvo pelo franciscano. Alvares de la
Penha também foi ferido na batalha e Frei Mateus saiu com a
mão machucada e o rosto queimado pela pólvora de um tiro
que matou dois homens ao seu lado (FARIA, 1955: 116-119).
Na iminência do naufrágio, estes se renderam e foram levados
para o Recife, onde os três prisioneiros foram entregues ao Alto
Conselho, que reconheceu em Alvares de la Penha e Frei Ma-
teus agitadores de outras datas. Frei Mateus foi despido do seu
hábito e aprisionado na cadeia pública de onde escreveu a 13
de julho uma carta que, além de narrar sua captura, informava
ao Marquês de Niza, embaixador português em Paris, como
poderiam armar uma nova flotilha para atacar Pernambuco (FA-
RIA, 1955: 116-119). Francisco Barreto de Menezes subornou o
carcereiro neerlandês Francisco de Brá, para conseguir a liber-
dade e assumir o comando da guerra.
Não tardou para a capitania da Bahia experimentar as con-
sequências da Guerra de Restauração Pernambucana. A 8 de fe-
vereiro de 1647 a esquadra de Sigsmund von Schkoppe, Simon
van Beaumont e do almirante Joost van Trappen, composta 26
velas e conduzindo, 2.400 homens, entre soldados, marinheiros

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e indígenas, invadiu a Baía de Todos os Santos.76 O comandante


em chefe da operação era Beaumont, a marinha ficando sob
responsabilidade de Banckert e a infantaria a cargo de Schkop-
pe, que concebeu o plano de invasão e foi um dos mais com-
petentes oficiais a serviço da Companhia das Índias Ocidentais
no Brasil. Schkoppe sabia que as forças navais disponíveis eram
limitadas para empreender uma invasão direta a Salvador. Seu
plano, então, consistiu em estacionar a esquadra na ponta das
Baleias, na Ilha de Itaparica, fechando o eixo da principal rota
marítima no Atlântico Sul, a entrada da Baía de Todos os San-
tos. Schkoppe cumpriu o que prometera no governo de Diogo
Luís de Oliveira, “que se havia fazer senhor da Bahia, sem lhe
custar um copo de sangue, impedindo os mantimentos com os
seus navios” (VIEIRA, 1928: 577). A tomada de Itaparica por
Schkoppe pôs em risco a baía de Todos os Santos e também
ameaçou a comunicação e o comércio entre a Bahia e Portugal.
Em de 26 de fevereiro de 1647, o Conselho Político da Nova
Holanda escreveu aos Diretores da Companhia das Índias Oci-
dentais neerlandesa (WIC) que “após muitas deliberações, re-
solvemos atacar o inimigo no seu coração para assim prejudicá-
-lo muito (…) decidimos então atacá-lo perto da Bahia com a
intenção de ocupar e fortificar a Ilha de Itaparica e outras ilho-
tas da região (…)”.77 Posteriormente em carta de 27 de março de
1647, escrevem para os comandantes da expedição, Simon van
Beaumont e Sigsmund von Schokppe, que “gostaríamos muito
de ver, e nessa conjuntura dos tempos, nada é mais útil para
essa conquista e Terra (…) do que a manutenção da referida
ilha [Itaparica] por nós agora ocupada (…)”.78 Essa mesma carta

76 “Carta Geral do Presidente e do Conselho do Brasil para a Câmara da Zeelandia”,


de 26 de fevereiro de 1647. Arquivo Nacional dos Países Baixos, fundo Oude
West Indische Compagnie [Velha Companhia das Índias Ocidentais], número de
chamada 1.05.01.01, inventário 63, documento 15, fol. 8r. Lucia Furquim Werneck
Xavier me indicou esse documento, desconhecido até então.
77 “Carta Geral do Presidente e do Conselho do Brasil para a Câmara da Zeelandia”,
de 26 de fevereiro de 1647. Arquivo Nacional dos Países Baixos, fundo Oude
West Indische Compagnie [Velha Companhia das Índias Ocidentais], número de
chamada 1.05.01.01, inventário 63, documento 15, fol. 7v e 8r.
78 “Carta do Presidente e conselho aos comandantes Beaumont, Schoppe e Ban-

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 143

segue discutindo o quão importante para a WIC a ocupação de


Itaparica era, pois, entre outras coisas, quando chegassem mais
reforços das Províncias Unidas, poderiam facilmente atacar a
Bahia. A perspectiva de ocupar a ilha por longo tempo levou
Cornelis Theunissen, mestre de equipagem em Itaparica, por
carta de 4 de julho de 1647, a solicitar ao Conselho Político que
sua esposa fosse enviada para aquela ilha.79 Segundo o cronis-
ta Johannes Nieuhof (1618-1672), Schkoppe ainda determinou
que o coronel Hinderson abandonasse a foz do rio São Francis-
co e fosse se ajuntar a ele em Itaparica (NIEUHOF, 1942: 288).
O governador Antonio Telles da Silva escreveu ao rei afir-
mando que “Senhores do mar, em poucos dias põem (os neer-
landeses) o seu poder onde querem”.80 A presença da esquadra
de Sigsmund von Schkoppe interrompeu toda a circulação co-
mercial da região através do bloqueio da entrada da baía, que
resultou na captura de mais de vinte navios mercantes que se
aproximavam de Salvador. A situação tornou-se mais crítica por-
que a maior parte das embarcações apreendidas era de grande
calado e, por isso, transportavam grande quantidade de provi-
mentos. Até mesmo o navio que transportava Francisco Barreto
de Menezes, designado pela monarquia para comandar a Guerra
de Restauração de Pernambuco, foi interceptado a 30 léguas da
Bahia e seu ilustre passageiro remetido preso para o Recife.
Escapavam apenas as embarcações pequenas que poderiam
costear o litoral e passarem despercebidas a sentinelas neerlan-
desas na Ponta das Baleias. Até farinha produzida nas vilas do
Recôncavo começou a faltar na cidade (BOXER, 1957: 280-290).81

kert, na ilha de Itaparica”, de 27 de março de 1647. Arquivo Nacional dos Países


Baixos, fundo Oude West Indische Compagnie [Velha Companhia das Índias Oci-
dentais], número de chamada 1.05.01.01, inventário 63, documento 35, fol. 2r.
79 “Notas Diárias do Alto e Secreto Conselho do Brasil” de 04 de julho de 1647, Ar-
quivo Nacional dos Países Baixos, fundo Oude West Indische Compagnie [Velha
Companhia das Índias Ocidentais], número de chamada 1.05.01.01, inventário 71.
80 Cartas ed el-rei D.Joao IV ao Conde da Vidigueira (Marques de Niza) em-
baixador em Franca. Publ. e pref. por P. M. Laranjo Coelho (1940: 90-91).
81 AHU, Bahia. Catálogo Eduardo Castro, Cx.1. [1648] “Rellação dos navios que se
perderão hindo e vindo do Estado do Brasil, desde o anno de 1647 athe o fim do
anno de 1648”.

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144 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

Para diminuir a carestia entre os moradores da capital, os jesuítas


do Colégio do Rio de Janeiro enviaram para a Bahia um navio car-
regado de mantimentos, que zarpou da Guanabara a 11 de maio e
aportou em Salvador após vinte e sete dias de viagem, conduzido
por um padre da Companhia com experiência no mar que driblou
o cerco inimigo e entregou a carga ao Governador Antonio Teles
da Silva (VASCONCELLOS, 1658: 243-245). Há também abundante
documentação nas Atas da Câmara de São Paulo em que o Gover-
nador solicitou o envio de farinha dali para a Bahia.
A pressão sobre a capital e seu circuito comercial impeliu os
oficiais portugueses a duas malsucedidas tentativas de retomar
a ilha. A primeira tentativa de bater os neerlandeses ocorreu
a 24 de fevereiro, com uma tropa luso-brasílica composta por
oito companhias com 500 soldados, reforçados com a parti-
cipação de moradores, desembarcaram às 17 horas, próximo
das trincheiras inimigas. As defesas neerlandesas funcionaram
muito bem e estes tiveram apenas 10 mortos e 18 feridos. Os
luso-brasílicos tiveram que recuar, deixando 125 mortos (WARE
VERTOONINGE VAN HET EYLANDT TAPARICA, 1648).
A 10 de agosto, dia de São Lourenço, esperando contar com
a ajuda do santo, Antonio Teles da Silva ordenou o segundo
assalto contra as forças de Schkoppe. Para este fim, encarregou
o Mestre de Campo Francisco Rebello, apelidado de Rebelinho,
além de João de Araújo, o major Ascenso da Silva, João Paes de
Melo e Diederick Hooghstraten (Teodoro Estrada). Juntos, le-
varam três regimentos formados por vinte e nove companhias,
num total de 1.700 soldados, 200 marinheiros, 10 índios e 60
negros, somando 2.060 homens (Ware Vertooninge van het Ey-
landt Taparica, 1648). O momento era propício em vista de
três navios de guerra neerlandeses haverem deixado a Bahia.
Chegaram por volta de 3 horas da manhã e passaram desper-
cebidos pelas trincheiras externas, em direção ao quartel de
Schkoppe, atirando grande quantidade de granadas de mão
dentro das paliçadas. Os neerlandeses reagiram com cerca de
400 soldados e a batalha durou até às 5 da manhã.
O segundo ataque a Itaparica foi um desastre ainda maior
que o primeiro e as tropas luso-brasílicas foram repelidas da

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 145

ilha, contando cerca de quatrocentos mortos. O experiente Re-


belinho, que teria se colocado contrário ao assalto com as for-
ças então disponíveis, acabou morto e teve o corpo resgatado
por frei Domingos (o Ruivo), que com mais três franciscanos
assistia espiritualmente aquele contingente ( JABOATAM, 1858:
93-94). O cronista Diogo Lopes Santiago confirma que nas duas
batalhas por Itaparica “nos mataram na Bahia 500 ou 600 ho-
mens” (SANTIAGO, 1984: 449).

Imagem: Detalhe mostrando a localização das seis trincheiras em Itaparica. Ware Vertooninge van het
Eylandt Taparica (1648).

Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva afirmou, em 1837, que


“concorreo a persuasão geral” que o ataque precipitado a Itapa-
rica decorreu do Bispo D. Pedro da Silva de Sampaio pressionar
o governador Antonio Teles da Silva para que reagisse aos neer-
landeses (SILVA, 1837: 18). Não há, contudo, documento que
confirme ou desabone as afirmações anteriores, mas é possível
que o bispo fosse favorável ao ataque a Itaparica, considerando-
-se seu posicionamento e atitudes ante os ataques neerlandeses

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146 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

que ameaçaram a Bahia anteriormente. Como bem observou


Varnhagen, a segunda batalha por Itaparica resultou na “perda
mais desigual que houve entre os luso-brasílicos nos trinta anos
de guerra com os neerlandeses” (VARNHAGEN, 1857: 18).
Sem resistência, a esquadra invasora incendiou o Recôncavo
baiano. O padre Francisco Gonçalves da Companhia de Jesus,
autor da Relação da Província do Brasil de 1647, narrando a
ocupação de Itaparica, revelou que em 1647 os neerlandeses
queimaram vinte e um engenhos em todo o Recôncavo, in-
cluindo um dos jesuítas (LEITE, 1945: 65).82 A principal fonte
geradora de riquezas na Bahia ficou comprometida.
Não há registros impressos em português sobre a guerra por
Itaparica em 1647. Possivelmente o silêncio da imprensa portu-
guesa da época foi resultado das duas derrotas fragorosas na ten-
tativa de retomar a ilha. Nenhum relato da guerra foi publicado,
até porque seria expor ainda mais na Europa os pontos fracos do
Recôncavo baiano. Na língua portuguesa, o silêncio dos contem-
porâneos sobre o episódio foi tão representativo que o baiano
Sebastião da Rocha Pitta, autor da História da América Portu-
guesa, impressa em 1730, errou até mesmo o ano da invasão a
Itaparica, afirmando que ocorrera em 1646 (PITTA, 1730: 316).
Por outro lado, os neerlandeses produziram três relatos im-
pressos, um deles com ilustração cartográfica que enaltece seu
valor documental. O mais importante, contendo o mapa de
Itaparica, mas com um erro ao indicar como ilha a foz do rio
Paraguaçú (Terra de Garassou), foi publicado em Amsterdã por
Solomom Savry em 1648 sob o título de Ware Vertooninge van
het Eylandt Taparica Alzoo het zelve aldaer naer het leven is
geteykent: midtsgaders zyne gelegenthey, in de Bahia de Todos
los Santos, ende distantie van de Stadt St Salvador (Verdadei-
ra Representação da Ilha de Taparica, desenhada do natural,
bem assim sua situação, na Bahia de Todos os Santos, e dis-
tância da cidade de São Salvador), do qual existe único exem-

82 Gonçalves nasceu em 1597 na Ilha de São Miguel, nos Açores. Ele entrou na
Companhia no Rio de Janeiro em 1613 e fez a profissão solene em 1636, na Ba-
hia, onde lutou contra Nassau em 1638.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 147

plar na Biblioteca Universitária de Leiden. O mapa, apesar do


equívoco supracitado, indica com alguma precisão os pontos
onde os neerlandeses levantaram seis trincheiras, indicando o
comandante de cada uma (WARE VERTOONINGE VAN HET
EYLANDT TAPARICA, 1648). Os outros dois impressos são fo-
lhas volantes, sendo ainda de 1647 o Oprecht Verhael van de
Treffelijke Victoria, vercreghen op het eylandt Taparica, teghen
de Portegysen (Relação da vitória dos holandeses na Ilha de
Itaparica, contra os Portugueses) e Extraordinarie advijsen uyt
diversche Quartieren, 1647. Copye van een Missive uyt het Ey-
landt Tapparika in de Bay Todos los Sanctos: geschreven uyt den
Brief van Niclaes Claesz, Capiteyn, também de 1647, cujo úni-
co exemplar encontra-se na Koninklijke Bibliotheek, na Haia.
Johannes Nieuhof e Pierre Moreau, dois cronistas que serviram
a WIC, também citam os acontecimentos em Itaparica. Além
disso, houve copiosa correspondência manuscrita, visto que os
neerlandeses conseguiram estabelecer uma linha de comunica-
ção contínua entre Itaparica e Recife, sendo que grande parte
desses papéis estão no Arquivo Nacional dos Países Baixos,
fundo Oude West Indische Compagnie.83 Nas Atas Diárias há re-
ferências a pelo menos dois diários de Schkoppe e Beaumont,
mas que não chegaram até os dias de hoje.
Além da morte de cerca de 600 luso-brasílicos nas duas ten-
tativas de retomar a ilha, a invasão de Itaparica em 1647 com-
prova o desgaste da Guerra Brasílica. Pela primeira vez as ações
militares dos portugueses no Brasil não puderam contar com
uma significativa força de guerreiros indígenas, como ocorreu

83 Arquivo Nacional dos Países Baixos, fundo Oude West Indische Compagnie [Ve-
lha Companhia das Índias Ocidentais], número de chamada 1.05.01.01, inventário
63, documento 33 “Carta de Bartholomeus Cornelis, no navio Loanda, na baia
Ponta das Baleias, para o Presidente e Conselho”, de 18 de abril de 1647.
- fundo Oude West Indische Compagnie, número de chamada 1.05.01.01, inventá-
rio 63, documento 34 “Carta do dr. Joost van Trappen, alias Banckers, no navio
Middelburgh na baia Punta das Baleias, para o Presidente e Conselho”, de 18 de
abril de 1647.
- Fundo Oude West Indische Compagnie, Número de chamada 1.05.01.01, inven-
tário 63, documento 35 “Carta do Presidente e Conselho para os comandantes
Beaumont, Schoppe e Bankert na Ilha de Itaparica”, de 27 de março de 1647.

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148 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

nas lutas para expulsar os franceses do Maranhão em 1612, na


invasão de 1624 e, em menor medida, no Cerco de 1638 (PA-
RAÍSO, MAGALHÃES, 2007: 9-38).
Os tupinambás provenientes de aldeias jesuíticas do Recôn-
cavo que participaram das batalhas em Itaparica, segundo o fo-
lheto impresso por Solomom Savry, não ultrapassavam o núme-
ro de cem indivíduos, contingente 75% inferior ao número de
guerreiros índigenas que participaram das batalhas na invasão
a Salvador em 1624. A Companhia de Jesus assistiu, ao longo
da década de 1640, o contínuo despovoamento das aldeias sob
sua administração no litoral norte da Bahia. Em fins daquela dé-
cada, os dois principais do aldeamento do Espírito Santo, que já
havia sido queimado por Nassau em 1638 (GALINDO, TEENS-
MA, MAGALHÃES, 2010: 253), chefiaram uma rebelião contra a
administração dos jesuítas, sendo que os líderes indígenas fo-
ram punidos e remetidos para o Rio de Janeiro. Em 1655, Simão
de Vasconcellos confirmou que na Bahia os índios eram, então,
“menos em número” do que nas décadas anteriores.84

TABELA: Número de índios recrutados em aldeamentos


jesuíticos no Recôncavo:

Ano 1587 1624 1638 1647


200 (não computados os 513
400 (não computados
índios do Terço do Camarão
Total 6.000 os 60 índios de Afonso 100
e cerca de 80 de Afonso da
da Cachoeira)
Cachoeira)
Fontes: SOUSA (2000), GUERREIRO (1625: 32). O jesuíta aponta a participação de 250 índios, ainda em junho,
arregimentados apenas nas aldeias do Espírito Santo e São João. O número de soldados do Camarão em 1638
foi extraído da quantidade de rações entregues ao seu terço. VILHASANTI (1941: 133). Para o numéro de índios
que participaram do assalto a Itaparica: WARE VERTOONINGE VAN HET EYLANDT TAPARICA (1648).

Por outro lado, em 1647 os neerlandeses contavam com o


triplo de índios, trazidos do norte, para defender suas bases

84 Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Manuscritos. 7, 1, 31. Doc. 27. “Ofício


do conde de Castelo Melhor ao governador do Rio de Janeiro, remetendo dois
índios principais da Aldeia do Espírito Santo, por desobediência aos religiosos
da Companhia de Jesus, para que ficassem a ordem do padre provincial”. [Bahia,
28.03.1650]. Cf. também: VASCONCELLOS (1658: 3).

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 149

em Itaparica. John Price ( Johannes Apricius), jovem predicante


inglês que missionava na Paraíba, acompanhou Schkoppe na
Ponta de Baleias, conduzindo 297 potiguares da Paraíba (MA-
GALHÃES, 2011: 397).
Com o fracasso das duas tentativas de reconquistar a ilha de
Itaparica e sem poder contar com o apoio de guerreiros tupi-
nambás, os habitantes da Bahia só poderiam contar com uma
força naval externa capaz de expulsar a esquadra neerlandesa.
Assim, as notícias da tomada de Itaparica foram enviadas a Lis-
boa por via do jesuíta Felipe Franco, que zarpou possivelmen-
te por Itapuã, alertando ao governo português que Schkoppe
estava fortificado na ilha e ameaçava Salvador (VIEIRA, 1928:
578). O Governo-Geral e a monarquia portuguesa, em con-
junto, deliberaram as resoluções financeiras necessárias para
organizar uma armada capaz de socorrer a Bahia e expulsar os
neerlandeses de Itaparica. Para a monarquia portuguesa, como
observou Evaldo Cabral de Mello, “Pernambuco poderia ser sa-
crificado, mas o caso da Bahia era diferente, pois punha em
risco todo o Brasil” (MELLO, 2010: 18).
Em Lisboa, o jesuíta Antonio Vieira, educado no Colégio de
Salvador, já havia prevenido ao monarca que com a tomada de
Dunquerque pelos exércitos do Cardeal Mazzarino em outubro
de 1646, seus aliados neerlandeses poderiam voltar a concentrar
suas forças navais no litoral do Brasil, sendo a Bahia um poten-
cial alvo. Vieira então retomara a ideia de utilizar os recursos
financeiros dos comerciantes cristãos novos para impulsionar a
então pouco eficiente marinha portuguesa e defender o Brasil
de ataques neerlandeses, plano que já havia sido apresentado
pelo jesuíta numa proposta elaborada em 3 de julho de 1643. O
jesuíta André de Barros afirmou que, antes de fazer esta propos-
ta, Vieira consultou Sebastião Cesar de Menezes, Deputado do
Conselho Geral do Santo Ofício, acerca do seu conteúdo, que
compreendeu a “força das razões” e lhe respondeu que fizesse
a proposta, o que fez com “letra diferente e sem nome” e entre-
gou ao próprio Sebastião Cesar, que levou ao monarca. Vieira
afirmou que o Brasil era o sustento do comércio e da alfândega
portuguesa, mas que a perda de Angola e a ruptura comercial

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150 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

com a Bacia do Prata ameaçava a continuidade da produção


no Brasil, tornando deficitária a economia do Reino. Portugal e
o Brasil não poderiam ficar à sorte das armas da França contra
Castela e das “fingidas promessas e embaixadas” arranjadas pe-
los neerlandeses para assegurar suas recentes conquistas. Para
fazer valer seu plano de angariar as fortunas de cristão novos e
judaizantes, concluiu que se “o dinheiro dos homens de nação
está sustentando as armas dos hereges, para que semeiem e es-
tendam as seitas de Lutero e Calvino pelo mundo, não é maior
serviço de Deus e da Igreja que sirva este mesmo dinheiro às
armas de rei mais católico?” (VIEIRA, 1854: 34-44).
O plano de Vieira para captar recursos e organizar uma ar-
mada é revelado numa carta destinada ao Conde de Ericeira que
“em Amsterdão se oferecia por meio de Jerônimo Nunes, um
holandês muito poderoso, a dar quinze fragatas de trinta peças,
fornecidas de todo necessário, e postas em Lisboa até março a
vinte mil cruzados cada uma (...) e tudo vinha a importância de
trezentos mil cruzados” (VIEIRA, 1928: 578-581). Vieira ainda
sugeriu ao rei para formar duas esquadras, uma para ficar esta-
cionada em Portugal e a outra para enviar à Bahia. O dinheiro
para essa empresa seria despendido de um tributo de um tostão
ou seis vinténs por arroba de açúcar sobre um carregamento de
quarenta mil caixas do produto. Estas caixas de açúcar foram
adquiridas a baixo custo e haviam chegado do Brasil poucos
dias antes, sendo vendidas no Reino por altíssimos preços. O
monarca mandou que Vieira pusesse suas ideias em um papel
para em seguida apresentá-lo a seus ministros, que logo retru-
caram “que aquele negócio estava muito cru”. Em pouco tempo
as notícias da tomada de Itaparica chegaram a Lisboa via o Pa-
dre Felipe Franco e o rei novamente foi consultar o jesuíta, que
ironicamente lhe respondeu: “O remédio senhor é muito fácil.
Não disseram os ministros a V. M. que aquele negócio era mui-
to cru? Pois os que então o acharam cru que cosam-no agora”
(VIEIRA, 1928: 578-581).
D. João IV convocou o Conselho de Estado para represen-
tar novamente a importância de socorrer a Bahia, mas a res-
posta acerca da formação de uma armada continuou negativa.

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 151

O monarca voltou na manhã seguinte a procurar o jesuíta que


lhe respondera: “Senhor, que a um Rei de Portugal hão-de
dizer seus ministros que não há meio para haver trezentos
mil cruzados com que acudir o Brasil, que é tudo quanto te-
mos! Ora, eu com esta roupeta remendada espero em Deus
que hoje hei-de dar a V. M. toda esta quantia” (VIEIRA, 1921:
576-579). Em seguida, o religioso colocou em prática a estra-
tégia para angariar os recursos necessários para montar uma
esquadra capaz de rechaçar o poderio naval neerlandês posto
diante da Bahia e redigiu “(...) um escrito a Duarte da Silva,
a quem tinha conhecido mercador na Bahia, representei-lhe
a perda do reino e do comércio, o aperto e a necessidade da
Fazenda Real, e quanto [sua majestade] estimaria que seus
vassalos o socorressem nessa ocasião com trezentos mil cru-
zados, que eram necessários, dos quais se embolsariam com
um tributo de tostão ou seis vinténs em cada arroba de açúcar
do mesmo Brasil” (VIEIRA, 1921: 576-579).
Assim, para colocar a proposta em prática, Antonio Vieira
teve que convencer os abastados cristãos-novos Duarte da Silva
e Antonio Rodrigues Marques de que a conservação do Bra-
sil era interessante aos seus negócios no Reino. Acertaram o
empréstimo assegurado pelo tributo imputado sobre o açúcar
produzido no Brasil (VIEIRA, 1921: 576-579).85
Após esse empréstimo, o governo considerou não deixar o
financiamento da armada apenas sob os encargos dos comer-
ciantes cristãos-novos lisboetas. D. João IV transferiu parte dos
custos para os homens de negócio das cidades de Viana e Avei-
ro, pedindo-lhes que contribuíssem e ajudassem “por sua parte,
com o que puderem a respeito do cabedal de cada um (...) para
empresa tanto do serviço e honra de Deus”. O monarca orde-
nou que governador do Porto, Fernão Teles de Meneses, fosse
ao norte do Reino comprar seis ou mais navios de quatrocentas
ou mais toneladas. A armada seria comandada por Antonio Te-

85 Biblioteca Nacional de Lisboa, Colecção Pombalina.n.o 647. Miscellanea, legisla-


ção e papéis vários (1552-1754). fl. 73-82. [Lisboa, 1647] “Assento dos Assentistas
para cobrarem o empréstimo feito a S. M. para mandar a armada ao Brasil”.

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152 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

les de Menezes, Conde de Vila Pouca de Aguiar, sendo provi-


dos e equipados em sigilo para que “as novas deste apresto não
cheguem na Holanda”.86
A aparelhagem da armada de Vila Pouca, embrião do que
viria a ser a Companhia de Comércio do Brasil (1649), não
resultou da iniciativa de um único gênio, como indica a carta
de Antonio Vieira ao Conde de Ericeira e, também, não foi
unilateralmente organizada apenas com o dinheiro de comer-
ciantes portugueses (BOXER, 1949: 474-494; SMITH, 1974:
256). A historiografia das guerras neerlandesas desconheceu
o fato de que em 21 de março de 1647, deste lado do Atlân-
tico, o Governador Antonio Teles da Silva ofereceu 200 mil
cruzados ao Rei português para financiar o socorro naval
necessário à defesa da Bahia. Esse dinheiro seria alcançado
junto aos moradores do Recôncavo baiano e entregue à Fa-
zenda Real em Portugal. O pagamento dessa quantia seria
dividido em quatro parcelas, “pagas em açucares nas pri-
meiras quatro safras que Deos nos der”, o que compreendia
o quadriênio entre 1648 e 1651.87 A partir de 1648, a cidade
seria mobilizada para saldar a dívida feita à Fazenda Real. A
Câmara deu início aos lançamentos públicos, pelos quais a
capital foi dividida em quatro áreas que se completavam com
as vilas do Recôncavo mais Sergipe del Rey, onde os lança-
dores municipais foram, de porta em porta, arrecadando o
dinheiro de acordo com a profissão e recurso financeiro de
cada contribuinte. A organização da esquadra para libertar
Itaparica custou caro aos habitantes da Bahia e de Sergipe.
Mais oneroso, todavia, seria permitir uma esquadra inimiga
continuar dentro da baía de Todos os Santos.

86 Carta de D. João IV ao governador do Porto em 14 de junho de 1647. In: Cartas


de El-Rei D. João IV para diversas autoridades do reino / publ. e pref. P. M. Laranjo
Coelho. Lisboa : Academia Portuguesa da História, 1940, pp.184-185. Sobre os
esforços no Reino para aprestar a armada de Vila Pouca de Aguiar ver GUEDES
(1993: 183-198).
87 Arquivo Municipal de Salvador (Fundação Gregório de Mattos). Provisões do Go-
verno e Senado, Vol.1 (Livro no 125.1). Fls. 296V-298V. Registo do accento que se
tomou sobre offercta que se fez a Sua Magestade pedindo armada para desallojar
o inimigo desta Praça feito pelos eleitos abaixo nomeados. [Bahia, 21.03.1647].

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 153

Em março de 1648, contudo, a esquadra portuguesa se bate-


ria nas águas da mesma baía com uma frota do almirante Wit-
te Corneliszoon de Witt. Sob seu comando estavam os navios
Gysseling, Huys van Nassau, Utrecht e Overyssel. Os galeões
Utrecht e Huys van Nassau flanquearam a nau Nossa Senhora
do Rosário, sob comando de Frei Pedro Carneiro de Alcaçovas,
da Ordem Militar de Malta, que decidiu botar fogo no paiol de
pólvora sacrificando sua tripulação, mas destruindo completa-
mente o Utrecht e fazendo encalhar o Huys van Nassau restan-
do apenas vinte e seis sobreviventes, naufragados na altura da
praia de Caixa Pregos, em Itaparica.88
As duas batalhas que determinaram o fim do domínio neer-
landês nas Capitanias do Norte foram travadas a 19 de abril
de 1648 e 18 de fevereiro de 1649, nos Montes Guararapes,
localizados ao sul do Recife, no povoado de Prazeres, atual-
mente um bairro do município de Jaboatão dos Guararapes,
na Região Metropolitana do Recife. Nas duas ocasiões, os si-
tiados tenteram romper o bloqueio que os restringia ao Recife.
Saíram derrotados de ambas as batalhas que tiveram à frente o
General Francisco Barreto de Menezes e os Mestres de Campo
Martin Soares Moreno, João Fernandes Vieira, André Vidal de
Negreiros, Henrique Dias e Filipe Camarão. Com quase todas
as fortificações em poder dos luso-brasílicos, teve início a de-
bandada dos neerlandeses, iniciada pelos altos funcionários,
civis e militares que retornaram para as Províncias Unidas; os
soldados da WIC desertavam.
O fracasso em romper o cerco levou os neerlandeses a bus-
car mantimentos por via marítima, a única opção que lhes res-
tava. Assim, a última incursão da WIC que partiu do Recife para
Recôncavo baiano data de fins de 1653, que segundo Jaboatão,
foi guiada por um português que colaborava com os neerlan-
deses ( JABOATAM, 1858: 95). Tratava-se, desta vez, apenas de
uma busca desesperada por mantimentos que sustentassem as

88 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Coleção Documentos Holandeses,


Tomo IV. “Carta de Witte de With em 1 de Abril de 1648”. Fls. 134-135v; SANTA
TERESA (1698: 130).

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154 Pablo Antonio Iglesias Magalhães

tropas remanescentes. Não podendo assaltar o Recôncavo, a


embarcação seguiu para Vila Velha no Espírito Santo e, depois,
para Cabo Frio, onde foram repelidos por índios arregimenta-
dos pela Companhia de Jesus.
Aos neerlandeses restava somente o Recife, até que a Armada
da Companhia de Comércio chegou à costa pernambucana, com
sessenta navios comandados por Pedro Jaques de Magalhães e
pelo almirante Francisco de Brito Freire. Com o bloqueio por
mar e o assédio por terra, os neerlandeses capitularam e entrega-
ram o último reduto no Brasil. O termo de rendição foi assinado
a 26 de janeiro de 1654, na Campina do Taborda, ao sul do Re-
cife, quando entregaram às autoridades portuguesas a cidade e
todas as fortalezas por eles levantadas nas Capitanias do Norte.
Nove meses após a expulsão dos neerlandeses, o Conselho
Ultramarino ordenou que a na capitania da Bahia fossem man-
tidos seis barcos longos com duas peças de artilharia cada.89
Isso significava que o plano defensivo apresentado por Antonio
Vieira, em 1644, e, com algumas diferenças, mas com objetivos
idênticos, àqueles que foram desenvolvidos no Recôncavo ao
longo de 1640, fora efetivado em 1654, procurando-se, assim,
se defender contra novas investidas neerlandesas. O Conselho
determinou que fossem mantidos seis barcos rápidos e artilha-
dos, integrados ao sistema defensivo da baía de Todos os San-
tos, que já não dependia apenas de fortificações em terra. Os
seis barcos permitiriam mobilidade e ação efetiva na defesa flu-
vial, marítima e terrestre da Bahia. Todo o aparato defensivo da
Bahia, organizado ou improvisado ao longo de três décadas de
guerras contras os neerlandeses, continuou a ser gradualmente
ampliado e extendido. As vitórias sobre as sucessivas incursões
neerlandesas até 1654 representou o sucesso do sistema de-
fensivo da Bahia, que foi desenvolvido, com muitos percalsos,
desde a Restauração em 1625.
O estudo da Guerra Defensiva na Bahia oferece aos histo-
riadores a possibilidade de compreender uma conjuntura que
serviu como um divisor na História da América portuguesa.

89 AHU, Pernambuco. Cx. 6. Doc. 497. Anexo1, fl. 2. [12.09.1654]

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A Guerra Defensiva na Capitania da Bahia (1625-1654) 155

Mais por uma dinâmica intrínseca do que por elementos ex-


ternos, à exemplo da Restauração de Portugal (1640), aquela
conjuntura redefiniu os elementos políticos, militares, econô-
micos, intelectuais e eclesiásticos no principal eixo do território
colonial seiscentista. O sistema escravista foi, possivelmente, a
única instituição a não sofrer mudanças significativas naquele
período, apesar da guerra contra os neerlandeses ter se exten-
dido à Costa da Mina e Angola. A conclusão das três décadas
de guerra que assolaram as capitanias do norte, contrapondo a
Bahia ao Brasil holandês, principiaram por redefinir os sentidos
da colonização. O sucesso da Guerra Defensiva na Bahia e a
Restauração de Pernambuco em 1654 possibilitaram emergir
uma nova fase, mais complexa e menos estudada, na História
da América portuguesa.

Rerências bibliográficas e impressas

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A ARTE DE FORTIFICAR: O
CASO DO SISTEMA DE DEFESA
NEERLANDÊS DO RECIFE
(1630-1654)

Bruno Romero Ferreira Miranda1

Resumo: O estabelecimento da Companhia Neerlandesa das Índias Ociden-


tais em Pernambuco foi seguido, desde o princípio, em 1630, pela construção
de fortificações para guarnecer diversos pontos do litoral. Especificamente
em seu principal porto e sede, o Recife, foi montado um intricado sistema
de defesa constituído por várias fortificações, que estavam conectadas entre
si por uma linha de fogo que impedia o avanço de adversários por terra e
por mar. Além do sistema no Recife, as tropas da WIC erigiram fortificações
em diversos pontos do território vizinho a Pernambuco. Até o fim da ocu-
pação do Brasil, valeram-se delas para defender portos, barras, rios e outras
localidades estratégicas para a Companhia. O objetivo deste artigo é mostrar
como as fortificações constituíram um dos pilares da estratégia de defesa
da Companhia para seu território. Também, tem-se por objetivo remontar a
tradição neerlandesa – ou arte – de fortificar nos Países Baixos, bem como
analisar, em detalhe, a constituição do principal conjunto defensivo na capi-
tal da Companhia no Brasil, o Recife.

Palavras-chave: Brasil holandês. Sistema de defesa. Fortificações.

The art of fortification: the Dutch defense system of Recife (1630-1654)

Abstract: The establishment of the Dutch West India Company in Pernam-


buco was followed, from the beginning in 1630, by the construction of
fortifications to protect several locations on the coastline. Specifically, in

1 Doutor em História pela Universidade de Leiden, Países Baixos. Professor do De-


partamento de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Associado efetivo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambu-
cano (IAHGP).

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164 Bruno Romero Ferreira Miranda

its main port and headquarters, Recife, an intricate system of defense was
built. It was constituted by several fortifications, connected to each other by
a line of fire that prevented the advance of adversaries by land and by sea.
In addition to the system in Recife, the WIC troops erected fortifications in
several points of the territory neighboring Pernambuco. Until the end of the
occupation of Brazil, they used them to defend ports, rivers and other stra-
tegic locations for the Company. The purpose of this article is to show how
the fortifications were one of the pillars of the Company’s defense strategy
for its territory. The aim is also to discuss the Dutch tradition - or art - of
fortification in the Netherlands, as well as to analyze, in detail, the formation
of the main defensive set in the capital of the Company in Brazil, Recife.

Keywords: Dutch Brazil. Fortified system. Fortresses.

Introdução
Por vinte e quatro anos, no século XVII, a Companhia das
Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie, WIC) dominou
parte do Brasil. Antigos parceiros comerciais dos portugueses,
os neerlandeses investiram contra a maior de suas colônias
com o objetivo de controlar os centros produtores de cana-
-de-açúcar do Brasil. O ataque ao Brasil era parte do objeti-
vo principal da Companhia, que visava dominar o transporte
marítimo e o comércio da América e África ocidental, o que
só poderia ser feito em prejuízo da Espanha e de Portugal – o
último, anexado ao Império Espanhol em 1580. A Compa-
nhia também servia como um instrumento de guerra contra a
Espanha dos Habsburgos, com a qual os neerlandeses trava-
vam uma guerra por sua independência desde 1568 (WÄTJEN,
2004: 73, 80; HEIJER, 2003: 77-112).
A primeira tentativa de ataque ao Brasil foi dirigida contra
Salvador, sede do Governo Geral no Brasil, em 1624. Além de
não lograr êxito, a ofensiva acarretou em prejuízo para Com-
panhia, que havia sido fundada em 1621. Com a recuperação
financeira da Companhia, lograda principalmente pela conquis-
ta de parte da frota anual da prata da Nova-Espanha pelo na-
vegador neerlandês Piet Heyn, um novo golpe foi arquitetado

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 165

contra o Brasil. Em fevereiro de 1630, foram invadidos Olinda,


sede da Capitania de Pernambuco, e seu porto, o Recife. Entre
os anos de 1630 e 1654 as tropas da WIC ocuparam as princi-
pais praças do Norte do Brasil, que eram importantes locais de
penetração do território de produção e escoamento do açúcar.
Durante os anos de ocupação do Brasil, os neerlandeses tive-
ram por domínio uma estreita faixa do litoral que esteve sob
intensa atividade militar. Agrupados em uma tênue linha de de-
fesa no litoral, os soldados da Companhia ficaram estacionados
em suas praças-fortes, encerrados em suas próprias trincheiras.
Dos vinte e quatro anos de ocupação de pontos esparsos
no litoral, com relativo controle das várzeas produtoras de açú-
car (1637-1644), cerca de dezoito anos foram de dependência
quase exclusiva de abastecimento externo via mar e de cerco
imposto pelas tropas portuguesas pela parte da terra. Tais con-
dições adversas afetavam a vida na colônia até mesmo durante
o governo de Johan Maurits van Nassau-Siegen (1637-1644),
marcado por investidas contra posições portuguesas e por am-
pliações do território conquistado (BOXER, 2004: 98, 129-130;
MELLO, 2001: 132-133, 156-164; MELLO, 2006: 62).
No decorrer da ocupação do Brasil, a Companhia impôs
sua presença no território através de posições fortificadas nos
territórios costeiros, de controle naval nas rotas do Atlântico
e de investidas regulares no território, feitas pelas tropas esta-
cionadas nas praças, além do estabelecimento de alianças com
indígenas rivais dos portugueses, para a defesa do interior.
Mas, como os recintos fortificados, enquanto parte da estraté-
gia militar neerlandesa, foram utilizados na defesa do Brasil?
Procuro responder a esse questionamento através do estudo
da organização do sistema defensivo do Recife entre os anos
de 1630 e 1654. Pode-se dividir a ocupação neerlandesa no
Brasil em três fases distintas: conquista (1630-1637), expansão
(1637-1644) e declínio (1644-1654). A edificação do sistema
de defesa está associada a duas dessas fases: de 1630 a 1637,
período de construção, e de 1637 a 1644, fase em que houve
reformas no sistema de defesa. Os anos finais de ocupação
serão brevemente comentados no decorrer do texto, embora

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o enfoque seja direcionado para a construção e reorganização


do sistema defensivo do Recife nos momentos supracitados.
Antes, será conveniente fazer um pequeno esboço a respeito
da utilização de fortificações enquanto estratégia de guerra
nos conflitos do século XVII.

O uso de fortificações nas guerras do século xvii

Em fins do século XV, engenheiros italianos introduziram na


Europa um tipo distinto de fortificação. As altas muralhas dos
castelos e cidades “abriram caminho” para uma defesa de perí-
metro feita por bancos de areia e madeira rebaixados, engenho-
samente postos de maneira que as aproximações poderiam ser
impedidas pelo fogo defensivo (DUFFY, 1998: 289). As mura-
lhas de defesa adotaram o chamado “perfil moderno”, de forma
a poderem resistir de maneira eficaz aos projéteis das armas de
fogo, que afundavam nos grossos muros de terra sem alcançar
seu objetivo (BRAUDEL, 1997: 456). Essas mudanças estruturais
nas fortificações foram complementadas com a adoção, entre os
séculos XVI-XVII, do baluarte. A estrutura abaluartada permitia
o flanqueamento das posições e o cruzamento dos fogos, o que
possibilitava aos defensores atingir qualquer um que tentasse
assaltar as muralhas de uma fortificação (PARKER, 2002: 192).
O princípio fundamental dos recintos fortificados era o da
capacidade de uma pequena força defender sua posição contra
um amplo conjunto de tropas ou até mesmo de embarcações.
Um forte bem posicionado, ou um grupo de fortificações que
agissem de maneira complementar, compondo um sistema for-
tificado, era capaz de impor uma barreira estratégica no cami-
nho de um agressor poderoso. A localização de uma fortificação
agrupada a obstáculos naturais maximizava sua força. Nos rios
ou estreitos, uma fortificação poderia negar a travessia de um ini-
migo e forçar que suas tropas tivessem suas linhas de suprimento
deslocadas para locais mais distantes e de acessibilidade menor.
Uma fortificação também poderia dar um poderoso suporte a
uma ação ofensiva. Bem suprida poderia encurtar as linhas de

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 167

comunicação e servir de trampolim para um ataque, além de


funcionar como base de operações e local onde poderia ficar es-
tacionada a tropa de reserva. Um sistema fortificado poderia au-
mentar o esforço defensivo de muitas maneiras, uma vez que sua
disposição permitia cobrir grande parte do terreno defendido. A
maior parte das fortificações podia oferecer refúgio, descanso e
reforços a um exército derrotado. Deve-se considerar também a
possibilidade de que, se um inimigo fosse vitorioso em um terri-
tório sem fortificações, ele aumentaria suas chances de domínio
sobre este território. Já um exército inferior poderia se beneficiar
das propriedades de uma fortificação (DUFFY, 1996: 19-22).
Como posto acima, fortificações bem situadas podiam servir
para uma grande variedade de fins estratégicos. Por esse moti-
vo tornaram-se, entre os séculos XVII e XVIII, importantes ins-
trumentos de guerra. Em um período no qual as estradas eram
terríveis e as tropas, mesmo pequenas, tinham dificuldades de
mobilidade. Por isso, fortificações construídas para o bloqueio
de determinadas rotas poderiam ditar o curso de uma campa-
nha inteira (DUFFY, 1996: 19).
Construir fortificações não tinha apenas vantagens. Além dos
elevados custos supracitados, a utilização desses recintos só se
mostrou eficaz quando não eram empregados como a única
estratégia de guerra. Caso se seguisse esse caminho, corria-se
o sério risco de tornar o exército imóvel, e, por conseguinte,
causar um impasse militar que só seria quebrado com um golpe
decisivo de alguma das partes envolvidas na contenda. Outro
problema era que uma única fortificação só servia para a pro-
teção de um limitado espaço e ainda assim não resistia muito
tempo a um grande exército se fosse totalmente cercada. Por
isso eram construídas várias fortificações – na composição de
um sistema – para ampliar os esforços de resguardo, o que im-
plicava em novos custos (PARKER, 2002: 207).
Nos Países Baixos, a inovação na arte de fortificar pode ser
observada no período de guerra contra o Império Habsburgo.
Jonathan Israel indica que a renovação dos métodos de pla-
nejamento e construção de fortificações estava conectada às
necessidades bélicas do conflito, que se estendeu por oitenta

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anos. Especialmente após 1590, com a expansão de seu pro-


grama de fortificação, os neerlandeses estabeleceram sua repu-
tação de líderes na construção de cidades e portos fortificados
(ISRAEL, 1995: 272-273).
Entre os anos de 1590 e 1598, o corpo de engenheiros mili-
tares que trabalhavam no Conselho de Estado (Raad van State)
aumentou substancialmente de 13 para 25 engenheiros, o que
demonstra a política de inserção desses profissionais nos planos
militares da República (ISRAEL, 1995: 273). Aulas de engenharia,
com a intenção de fortificar, foram incorporadas às aulas de “Ma-
temática Neerlandesa” (Duytsche Mathematique), ministradas na
Universidade de Leiden, seguindo as instruções dos Estados Ge-
rais (WESTRA, 1992: 82-89; OERS, 2000: 78). A profissionalização
da engenharia neerlandesa entrou em uma nova fase em março
de 1599, quando uma instrução para engenheiros foi proclama-
da. Isso foi possível graças ao trabalho de Simon Stevin (1548-
1620), o qual gozava de bom relacionamento com o Príncipe
Maurício de Nassau. O Príncipe de Orange, que ganhou fama em
operações militares contra os espanhóis durante a Guerra dos
Oitenta Anos (1568-1648), foi responsável pela organização do
exército da nova República. Ele pôs em prática muitos dos ideais
teóricos propostos por Stevin em obras como De sterctenbou-
wing (A arte de fortificar), de 1594, e Castrametatio, que versava
sobre a disposição de acampamentos militares durante confron-
tos. Essa última obra foi publicada em 1617, mas teve suas idéias
desenvolvidas e aplicadas anos antes (OERS, 2000: 78-79).
Segundo Ron van Oers (2000: 78-79), Stevin foi um dos gran-
des responsáveis pelo desenvolvimento da engenharia militar
nos Países Baixos. Muitos dos mais importantes manuais neer-
landeses de ciência militar, engenharia e planejamento de ci-
dades foram escritos por ele. Seus trabalhos não influenciaram
apenas as obras de defesa erigidas nos Países Baixos, mas tam-
bém foram disseminadas nas colônias neerlandesas e em outros
locais da Europa. Após a sua morte, as aulas ministradas nos
Países Baixos continuaram a seguir os princípios de suas obras.
O traço das fortificações neerlandesas era amplamente in-
fluenciado pelo novo método de fortificação italiano descri-

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 169

to no começo dessa seção, que é oriundo do último quartel


do século XV. Essa escola teve por representantes Giuliano di
Francesco Giambert da Sangallo, Micheli de Sanmicheli, Niccilo
Tartaglia e outros (incluindo Leonardo da Vinci). Muitos dos en-
genheiros italianos, no decorrer dos séculos XV e XVI, trabalha-
ram em várias partes do mundo, disseminando o novo modelo
de fortificação, cuja muralha rebaixada era capaz de resistir ao
bombardeio intenso de artilharia pirobalística, além de usar am-
plamente muralhas de madeira e terra e bastiões angulosos, su-
plementados posteriormente por ravelins e caminhos cobertos.
A “Escola Holandesa de Fortificação” adotou parte das técni-
cas da “Escola Italiana” e as adaptou às “condições ecológicas dos
Países Baixos, tirando partido defensivo da topografia regional,
caracterizada pela extensão de terras baixas e de rios deltaicos”
(MELLO, 1998: 339). Suas características podem ser observadas
nas muralhas rebaixadas de terra e taipa, nos ângulos agudos
salientes, nos múltiplos fossos molhados, na escolha por locais
planos e facilmente inundáveis com água em torno de reparos de
terra batida e na proliferação de estruturas complementares de
fortificação, a exemplo de ravelins (meias-luas) e hornaveques.2

O Recife sob controle da companhia das Índias


Ocidentais
No tempo da invasão da WIC a Pernambuco, o porto do Recife
contava apenas com duas fortificações para a defesa da barra, os
fortes São Jorge e São Francisco (Imagem 1). Além dessas duas
fortificações de altas muralhas, influenciadas pela arquitetura de
defesa do século XVI – fase de transição entre a arquitetura mili-

2 A utilização do termo “Escola de Fortificação Holandesa” – bem como “Escola


Italiana” – é uma convenção. Os sistemas de fortificações de diferentes regiões da
Europa possuíam características próprias que eram suficientes para diferenciá-las
umas das outras, salvo os aspectos em comum. Os representantes da dita “Escola
Holandesa” mencionados eram oriundos de diferentes localidades dos Países
Baixos e alguns deles sequer vinham dessa região. O termo engenheiro também
é uma convenção.

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170 Bruno Romero Ferreira Miranda

tar medieval e a fase moderna –, o porto era protegido por uma


paliçada de madeira que envolvia o povoado e uma base para
artilharia na entrada do “Povo” (outra denominação do Recife).3
O governador da capitania de Pernambuco, Matias de Albuquer-
que, que em 1629 encontrava-se em Lisboa, tomara conhecimen-
to dos preparativos de invasão dos neerlandeses. Foi enviado de
volta ao Brasil ainda naquele ano para tentar reforçar ao máximo
a defesa da costa Pernambucana e das capitanias de Itamaracá,
Paraíba e Rio Grande. O precário estado de defesa dos portos da
região era inclusive uma das justificativas para o ataque daquela
região (COELHO, 2001: 8-20; WÄTJEN, 2004: 96).4
No Recife, para a defesa contra o ataque da Companhia, Al-
buquerque providenciou que fossem assentadas baterias no ist-
mo e no arrecife (barreta dos Afogados), além de dispor navios
contra a formação neerlandesa. Ainda em 1629, no istmo, tinha
sido iniciada a construção do Forte Diogo Paes, próximo ao
Forte São Jorge e quase defronte ao Forte São Francisco, com
o intuito de fortalecer a proteção da barra e do porto. Em feve-
reiro de 1630, o novo forte ainda estava a “alguns pés acima do
solo” quando uma poderosa armada da WIC, sob o comando
do General de Mar Hendrick Corneliszoon Lonck, surtiu sobre
a costa pernambucana (COELHO, 2001: 10-20).

3 As fortificações do período de transição ainda possuíam características típicas da


tradição medieval de fortificar, como as altas muralhas e as torres de defesa con-
cebidas para o enfrentamento de inimigos que detivessem armamentos de curto
alcance e de pequeno impacto destrutivo (como o arco-e-flecha, a besta e a cata-
pulta). Elas ainda não tinham seus traçados plenamente adaptados para suportar
o impacto de projéteis de canhões, embora dispusessem de plataformas artilhadas
para o revide e de bastiões redondos, o que permitia o cruzamento de fogos.
4 Ver o panfleto escrito por Jan Andries Moerbeeck, em 1623, “Motivos porque a
Companhia das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao Rei da Espanha a terra do
Brasil”. (MOERBEECK, 1624: motivo IV).

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Imagem 1 – NA, VEL 710, Ontwerp van Stadt Parnambuco/D. Ruiters fecit.
Plano da cidade de Pernambuco elaborado por D. Ruiters, por volta de 1617. No centro, letras T e V, as duas
fortificações - “são dois castelos” (zijn 2 casteelen) - que protegiam a entrada da barra do Recife, indicada
no número 10 da legenda do plano. Em Olinda, à direita, Ruiters indica, letras R e S, “são contraescarpas em
ruínas” (zijn vervalle conterschapen) que protegiam a Vila do lado do mar. Aparentemente, foi desenhado
quando Ruiters esteve em Pernambuco, como prisioneiro dos portugueses. Além do perfil das duas cidades e
das principais defesas, o autor tenta esboçar algumas ruas de Olinda, rios vizinhos e principais prédios das duas
localidades. Ruiters, em “A Tocha da Navegação” afirmava que a melhor forma de ocupar Olinda era atacando-a
por terra, pela retaguarda, com tropas que desembarcassem em Pau-Amarelo (REIS FILHO, 2002: 328).

Imagem 2 – UBL-COLL.BN 004-08-001. Pascaert van de ghelegenheyt van Parnambuc betrocken door
Hessel Gerritsz.
Marcha/deslocamento da tropa, desde o desembarque no rio Pau Amarelo, ao Norte de Olinda, até a che-
gada a Olinda, passando pelos rios Doce e Tapado. Hessel Gerritsz. demonstra um conhecimento apurado
da Vila de Olinda, ao mostrar desde as estruturas de defesa às ruas e região circundante – relevo colinoso
à Oeste de Olinda. Também são observados detalhes sobre as entradas do porto, a principal – barra – e a
secundária – barreta –, e os bancos de areia que impediam a circulação de embarcações em certas áreas
entre o arrecife e o istmo. Hessel enganou-se no posicionamento do forte em construção pelos portugueses
– legenda c, ‘t nieuw begoste fort –, que ficava entre o forte São Jorge e Olinda e não entre o São Jorge e o
povoado – Recife.

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Após tentar adentrar no porto, onde encontraram a opo-


sição das duas fortificações, o comando neerlandês deslocou
uma força de cerca de 3.000 homens, liderada pelo Coronel
Diederick van Waerdenburgh, para desembarcar na barra do
rio de Pau Amarelo, situado mais ao norte, de onde seguiriam
para Olinda sob a cobertura de lanchas artilhadas. Enquanto o
destacamento de Lonck forçava a entrada na barra, tropas da
WIC, em terra, faziam sua progressão rumo a Olinda. Três regi-
mentos neerlandeses avançaram continuamente para a Vila. No
caminho sofreram pequenas escaramuças até topar com uma
efêmera resistência no Rio Doce, que foi rapidamente desman-
telada (Imagem 2). Deste ponto para Olinda, o caminho ficou
livre para a investida (GERRITSZ, 2005; RICHSHOFFER, 2001:
39).5 Ao passo que Olinda era tomada pelos regimentos de
Waerdenburgh, Matias de Albuquerque e o restante da tropa
retiravam-se para o Recife, de onde procuraram prosseguir com
a resistência. No Povo, os armazéns com mercadorias foram
incendiados para evitar que o inimigo se apoderasse do butim
e na barra foram afundadas embarcações para dificultar a arre-
metida dos barcos da WIC (RICHSHOFFER, 2001: 40-41).6
Nos dias que sucederam a tomada de Olinda, as tropas da
WIC intentaram tomar Recife continuamente. No começo de
março, após intenso bombardeio, o forte São Jorge capitulou,
seguido do forte São Francisco. Começava a luta dos neerlan-
deses para manter a posição defendida contra as investidas
das tropas luso-brasileiras. Seria graças à estruturas defensivas
que as tropas da WIC esperavam conseguir se sustentar no
território recém ocupado (COELHO, 2001: 42-43; RICHSHOF-
FER, 2001: 41-44).7

5 Documentos Holandeses. Documentos coletados por Joaquim Caetano da Silva


e traduzidos por Abgar Renault. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação do
Ministério da Educação e Saúde, 1945. Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh,
em Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de 9.iii.1630, pp. 27-32.
6 Documentos Holandeses. Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Olinda,
Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de 14.v.1630, p. 42.
7 Documentos Holandeses, Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Pernam-
buco, aos Estados Gerais. Datada de 9.iii.1630, p. 29.

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 173

A construção do sistema de defesa fortificado,


1630-1637
Construído pelos soldados da WIC nos primeiros anos de
invasão à Capitania de Pernambuco, o sistema de defesa do
Recife constituía-se no principal posto neerlandês de afirma-
ção, posse e defesa no litoral do Brasil. Desta base, partiram as
ofensivas contra outras capitanias e contra os centros de abas-
tecimento de escravos na costa africana – Elmina e Angola –,
além de serem embarcados o açúcar produzido nos engenhos,
gêneros tropicais e a pilhagem proveniente da guerra.
Assentado numa estreita faixa de terra fixada ao continente,
que formava um istmo, e entre uma extensa linha de arrecifes
e os rios Capibaribe e Beberibe, o Recife oferecia as melhores
condições para o estabelecimento de um porto: águas tranqüi-
las para o reparo de embarcações – protegidas pelos arrecifes
– e a ligação fluvial, dos rios supracitados, com as várzeas pro-
dutoras dos engenhos de cana-de-açúcar. Tais qualidades não
passaram desapercebidas dos portugueses instalados em Olin-
da, que logo utilizaram este sítio como fundeadouro desde as
primeiras décadas de colonização de Pernambuco. Tornou-se o
principal porto desta Capitania e nele circularam mercadorias
que atenderam à Vila de Olinda, sede do governo de Pernam-
buco (MIRANDA, 2006: 48).
Essas qualidades também atraíram os neerlandeses para
aquele ancoradouro.8 Além da localização estratégica do porto,
de fácil acessibilidade às várzeas produtoras de açúcar e ao

8 É importante lembrar que os neerlandeses possuíam detalhadas descrições do


litoral pernambucano. Para mais informação ver, por exemplo, o “Roteiro das
Ilhas das Índias Ocidentais, Guiana e Brasil...” – Rotario van de West-Indische
eilanden, Guyana, Brazilië en omliggende vaarwaters met landvertooningen –
de Hessel Gerritsz (Nationaal Archief te Den Haag, 4 VEL X). O roteiro tem uma
descrição detalhada da costa do Brasil – no setor de Pernambuco. Foi elaborado
a partir de notícias portuguesas e neerlandesas. Ver ainda a Descrição das Cos-
tas do Brasil, de Johannes de Laet (2007). Para observações sobre os roteiros
manuscritos, ver o artigo “Os roteiros manuscritos brasileiros de Hessel Gerritsz
e Johannes de Laet”, de B. N. Teensma (2004: 45-58). Sobre o mapeamento do
território, também é importante ver a obra de Kees Zandvliet (2002).

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Oceano Atlântico, Recife possuía defesas naturais no seu entor-


no, uma vez que estava situado próximo a um terreno pantano-
so facilmente defensável, – a ilha de Antônio Vaz, a Oeste –, na
confluência dos dois rios mencionados. Nos momentos iniciais
da invasão outros fatores determinaram a ocupação daquele
istmo: a distância da Vila de Olinda para o porto do Recife e,
por conseguinte, para o acesso das grandes embarcações ao
mar; o tempo perdido no transporte de mercadorias do porto
para aquela Vila; a insegurança no trajeto entre os dois locais
e o fato de o Recife estar mais ajustado às soluções de defesa
adotadas pelos neerlandeses, que tradicionalmente construíam
seus núcleos urbanos em sítios planos e alagadiços (SANTOS,
2001: 110; OERS, 2000: 42).9
Após a tomada de Olinda e Recife, contínuas emboscadas
foram feitas pelas tropas luso-brasileiras com intuito de limitar
as tropas da WIC a Olinda, a Antônio Vaz e ao istmo do Reci-
fe. Impossibilitados de expulsar os neerlandeses do território,
dada a inexistência de poder naval equiparável à frota da WIC
estacionada no porto, os luso-brasileiros passaram a basear a
defesa da terra a partir de ações de guerrilha com o intuito de
confinar os neerlandeses ao Recife (MELLO, 1998: 33).
Neste período inicial do conflito, que se convencionou cha-
mar de “guerra lenta”, os neerlandeses ficaram limitados ao Re-
cife por um dispositivo militar montado pelas tropas de resis-
tência. Este dispositivo concentrava em uma praça fortificada a
Oeste do Recife (o Arraial do Bom Jesus) o grosso do exército
regular local, que era auxiliado por uma linha de postos avan-
çados – as estâncias – ao redor do Recife, que “formavam um
arco tático a meio caminho entre a cidade ocupada e o Arraial”.
Deslocavam-se entre estas estâncias e as localidades do Bom
Jesus, Afogados e Recife cerca de vinte e dois grupos pequenos
de tropas volantes, compostos de doze homens cada, que es-

9 Segundo Kees Zandvliet (2002, p. 200), os neerlandeses sentiam-se mais seguros


no Recife e em Antonio Vaz, locais onde era possível implementar o “horizonte
molhado” – “natte horisont” – que era um sistema no qual o nível da água do ter-
reno circundante era sempre suficientemente elevado para evitar que o inimigo
se aproximasse das defesas através de túneis e entrincheiramentos.

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torvavam qualquer movimento neerlandês para o interior (MEL-


LO, 2002: 34-35; MELLO, 1998: 34).
Cercadas pelo lado da terra, – situação que perduraria até
1635, quando a mudança estratégica da WIC permitiu desbara-
tar o cerco e a resistência local – as tropas neerlandesas trata-
ram de garantir sua posição por estruturas defensivas.
Antes de falarmos da fortificação do Recife, devemos tratar
da escolha do Recife em detrimento de Olinda. Essa opção
costuma estar associada à dificuldade que a Companhia teria
para fortificar a vila. Para os conceitos estratégicos do período,
a posição de Olinda não seria defendida sem grande esforço.
Como estava estabelecida em “colinas de elevações com topos
de mesma cota”, poderia ser atingida de cada um desses outei-
ros de “mesma altura” por artilharia (ALBUQUERQUE; LUCE-
NA, 1997: 111-112). Essa foi uma das primeiras observações do
Coronel Diederick van Waerdenburgh, quando ainda não tinha
conquistado o Recife, nos primeiros dias do ataque.10 Desde a
ocupação de Olinda, em 1630, o comandante neerlandês res-
saltou em suas cartas a necessidade de abandonar a vila para
concentrar as tropas no Recife.
Em abril de 1630, Waerdenburgh, acompanhado do Enge-
nheiro Tobias Commersteyn, mediante o relatório de uma ins-
peção anterior feita pelo tenente-coronel Seton, inspencionou
Olinda. O comandante reiterou a comunicação anterior aos Di-
retores da Companhia e admitiu que Olinda só poderia ser for-
tificada mediante um excessivo gasto de dinheiro e com a utili-
zação de uma grande quantidade de soldados para guarnecê-la.
Caso a Companhia fosse favorável à fortificação de Olinda, seria
necessária a construção de duas grandes fortalezas. Ao mesmo
tempo que o Coronel ponderava negativamente a respeito da
defensabilidade de Olinda, ele argumentava que já tinha planos
para a fortificação do Recife e de Antônio Vaz.11

10 Documentos Holandeses, Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Pernam-


buco, aos Estados Gerais. Datada de 9.iii.1630, pp. 28-29.
11 Documentos Holandeses, Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Pernam-
buco, aos Estados Gerais. Datada de 3.iv.1630, pp. 33-35.

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Imagem 3 – NA, 4. VEL 2165. Rouwe afbeeldinghe van het geleegenheyt vant’ lant bij Westen het Recief van
Pernambuco enichsins uyt mathematise bevindingen, maar meest uyt de informatien van de Portugezen
gevangen bekomen.
Esboço de mapa original datado de 1632 e assinado pelo Conselheiro Político do Brasil, Johannes van Wal-
beeck. Além do arcabouço do sistema defensivo do Recife, no segundo ano de ocupação, o rascunho contém
uma uma visão esquemática do espaço natural do Recife e seu interior. Nesse momento, os neerlandeses já
tinham um melhor conhecimento da área vizinha às suas fortificações – fruto da exploração do território, de
informações de prisioneiros e do uso de guias –, conforme podemos observar no croqui. Walbeeck possivel-
mente intentava, a partir do desenho, conhecer melhor as possibilidades de deslocamento para o interior a
partir de caminhos e rios nas cercanias do Recife, Antonio Vaz e Olinda. Na letra K, o Arraial do Bom Jesus,
em posição que defendia o entrocamento dos caminhos para Jaboatão (wech Jeboatham), paralelo à costa,
São Lourenço e Massiape (wech na St. Laurence en Machiape), em direção do interior, e Paratibe e Igarassú
(wech na Paratibi en Guarasu). O Arraial estava localizado em uma posição que impedia os que vinham do
Recife, Antônio Vaz e Olinda de se deslocar para o interior e para o caminho de Jaboatão, paralelo à costa,
que seguia em direção ao Cabo de Santo Agostinho. A rede hidrográfica desenhada não se detém aos rios
Capibaribe e Beberibe, mas esboça os rios Afogados, Tejipió e Jordão. Isso por conta da importância dos
caminhos fluviais, que possibilitavam um deslocamento muito mais rápido do que as rotas terrestres, algu-
mas das quais estorvadas por terrenos alagadiços. Bancos de areia, alagados, ilhas e algumas construções
também foram inseridas.

Após ponderar as vantagens e desvantagens de se estabe-


lecer em Olinda ou no Recife, o coronel e governador Waer-
denburgh – após análise dos seus oficiais e engenheiros – pas-
sou a solicitar ao Conselho dos XIX permissão para abandonar
Olinda e concentrar suas tropas e fortificações no Recife, sítio
que consideravam mais adequado para a construção de uma

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praça-forte. Mas a direção da Companhia, inicialmente, não deu


parecer favorável ao abandono da Vila, como pode ser visto nas
contínuas cartas enviadas aos Diretores. Algumas das corres-
pondências enviadas por Waerdenburgh foram dirigidas direta-
mente aos Estados Gerais em Haia, a quem cabia a decisão final
da questão. Isso demostra o desgaste da questão e a persistên-
cia de Waerdenburgh em não levar o plano de defesa de Olinda
adiante. Antes mesmo de uma decisão favorável a sua prospos-
ta, que era a da não-fortificação de Olinda e da fortificação do
Recife, Waerdenburgh iniciou a construção de fortificações no
Recife e em Antônio Vaz. Em 1631, Waerdenburgh pediu uma
decisão sobre o assunto ao Conselho dos XIX, uma vez que ha-
via uma possibilidade de desembarque de tropas inimigas. Pro-
vavelmente o Coronel considerava sua posição no Recife ainda
muito vulnerável para resistir e impedir um ataque das tropas
de resistência. Após uma reunião entre o Conselho dos XIX e
o Príncipe de Orange, chefe-geral das forças armadas neerlan-
desas, o governo de Pernambuco recebeu a autorização para,
na eventualidade de um ataque, abandonar Olinda e destruí-la.
Com o desembarque, em novembro de 1631, de 1.000 homens
da frota de dom Antônio de Oquendo, Waerdenburgh evacuou
e incendiou Olinda (MELLO, 2001: 50-53).12
Antes da destruição da vila, o Coronel Waedenburgh se esfor-
çou para resguardar Olinda nos primeiros meses da conquista,
uma vez que ele não podia ir contra as ordens da Companhia.
Algumas muralhas foram erguidas no convento dos jesuítas e
em outras áreas elevadas da Vila, enquanto que a parte mais
baixa da cidade teve ruas e caminhos fechados por estacadas.13
A despeito de toda a querela e do abandono e destruição da
Vila, um plano de fortificação para Olinda já havia sido elabo-
rado e previa a construção de duas grandes fortificações.14

12 Documentos Holandeses, Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em An-


tonio Vaaz, aos Estados Gerais. Datada de 9.xi.1631, pp. 85-88.
13 Documentos Holandeses, Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Olinda,
Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de 27.vii.1630, p. 45.
14 Documentos Holandeses, Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Pernam-
buco, aos Estados Gerais. Datada de 3.iv.1630, pp. 33-35; Documentos Holande-

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De 1630 a 1637, Recife e Antônio Vaz haviam sido transforma-


dos em grandes canteiros de obras para a constituição de uma
praça-forte capaz de alojar e defender os soldados da Companhia.
A segurança do porto e do istmo foi reforçada com a construção,
ainda em 1630, do Schans de Bruyn, projetado por um enge-
nheiro da WIC de nome Commersteyn, sob as bases da obra do
Forte Diogo Paes. Acrescentou-se à defesa do Bruyn um horna-
veque, obra de fortificação avançada e complementar, concluída
em 1631. Este engenheiro foi responsável pelas primeiras obser-
vações a respeito da fortificação do Recife, que considerava um
local capaz de se tornar inexpugnável. Com problemas de saúde,
ele retornou para os Países Baixos e outro engenheiro foi contra-
tado para proceder aos trabalhos de fortificação do Recife.15 Seu
nome era Pieter van Buren, que junto a Andreas Drewisch, tam-
bém engenheiro da WIC, executaram os planos de Commersteyn,
o que resultou na constituição do sistema de defesa neerlandês
no Recife, o qual ficou pronto em 1637. Ergueu-se também no
istmo, projetado por Drewisch, em direção ao norte, em junho
de 1631, o Schans Juffrouw de Bruyne, de forma a garantir a pas-
sagem na lingüeta de terra para Olinda e cruzar os tiros de seus
canhões com o Bruyn em defesa da barra (MELLO, 1976: 9-12).16

ses, Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Olinda, aos Estados Gerais.


Datada de 12.ii.1631, pp. 59-62; O plano de fortificação de Olinda foi anexado na
missiva de Waerdenburg de 12.ii.1631. A planta pode ser encontrada no Arquivo
Nacional da Haia, sob a referência NA, 4.VEL 2159.
15 Documentos Holandeses, Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Olinda,
Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de 27.vii.1630, pp. 45-52. De acordo
com Kees Zandvliet (2002: 274) e Marijke Donkersloot-de Vrij (2003), um en-
genheiro, de nome Frederick Commersteyn, serviu no Brasil de 1630 a 1631 e
depois, novamente, entre 1636 e 1637, de onde partiria para El Mina. Ambos
também informam que outro engenheiro, chamado Tobias Commersteyn serviu
de 1636 a 1637 e novamente entre 1646 e 1650. No entanto, José Antônio Gonsal-
ves de Mello (1976: 9-11), coloca que Tobias Commersteyn esteve no Brasil nos
primeiros anos da invasão. Muitos dos documentos utilizados por esses autores
só citam o último nome, o que dificulta a identificação do responsável pelas pri-
meiras observações para a fortificação do Recife.
16 Documentos Holandeses: Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Pernam-
buco, aos Estados Gerais. Datada de 3.iv.1630, pp. 33-36; Missiva do Coronel
D. van Waerdenburgh, em Olinda, Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de
14.v.1630, p. 42.

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 179

No ano de 1630, foram repassadas várias instruções para


a construção de diversas fortificações, que ficaram prontas
até 1637. Em abril de 1630, especificações foram dadas para
que fosse edificada, no norte da ilha de Antônio Vaz, uma
fortificação que circundasse o Convento Franciscano de San-
to Antônio, em Antônio Vaz. O Schans Ernestus – obra em
questão – seria constituído de fosso e muralha de faxina e
terra que circundariam o Convento. Da posição do forte –
segundo determinações de Waerdenburgh de maio de 1630
– deveriam partir dois hornaveques em direção à porção sul
da ilha, um denominado de Grande Hornaveque, próximo
a um braço de rio que passava pela ilha e outro, menor e
mais recuado da camboa (MELLO, 1976: 17-18). Para o sul de
Antônio Vaz, Commersteijn projetou uma grande fortificação
pentagonal, cujas obras foram iniciadas em outubro de 1630,
sob a direção de Pieter van Bueren. A construção do Schans
Frederick Hendrick tinha por objetivo proteger a entrada sul
da ilha, as cacimbas de água potável que abasteciam o Recife
e a Barreta dos Afogados. A defesa desta área ainda era com-
plementada por dois hornaveques – na direção sul – anexos
ao Frederick Hendrick e pelo forte chamado Ameliae. A ilha
de Antônio Vaz ainda seria guarnecida por quatro redutos na
direção oeste. Em fevereiro de 1631, na confluência dos rios
Capibaribe e Beberibe, foi iniciada a construção do Schans
Waerdenburgh ou Forte das Três Pontas. O último era uma
fortificação de três baluartes voltados para o continente – di-
reção noroeste . Ele reforçava a posição da ilha e das forti-
ficações construídas no istmo – Bruyn e Juffrouw de Bruyne
(MELLO, 1976: 12-14; Imagens 4 e 5).
Quanto às duas antigas fortificações portuguesas do arrecife
e do istmo, uma foi incorporada ao sistema de defesa, o Water
Casteel, e a outra, Landt Casteel, deixou de exercer função mi-
litar para ser utilizada como hospital.17

17 Ver o “Relatório sobre a conquista do Brasil por H. Hamel, Adriaen van Bulles-
trate e P. Jansen Bas (1646)” reproduzido no livro de José Antônio Gonsalves de
Mello (1985: 281-282).

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Imagem 4 – NA VEL 711. Grondt-teyckeningh van het Eylant Antoni Vaaz, het recif ende Vastelandt aen de
haven van Parnambuco in Brasil, soodanigh als die tegenwoordigh voor de West-ind. Comp. met schansen,
redouten en andere werken syn voorsien, enz., vervaardigd door Andreas Drewisch Bongesaltensis (1631).
Essa é a primeira planta do Recife após a ocupação (REIS FILHO, 2002: 330). Foi elaborada em 1631 por
Andreas Drewisch de Langensalza, com o objetivo de mapear o espaço natural do Recife e arredores, com
sua vegetação e relevo. Trata-se de um reconhecimento do terreno para a obtenção de subsídios para a
construção do sistema de defesa que conteria ataques vindos do mar, rios e terra (PEREIRA, 2006: 62). O
enfoque da carta é militar, por isso não foram representados arruamentos e construções civis das localidades.
O destaque é dado às fortificações – fortes, hornaveques, paliçadas e redutos – do istmo que ligava Recife
a Olinda, à ilha de Antônio Vaz e ao continente. Posições fortificadas futuras foram representadas em traços
pontilhados, conforme podemos observar no istmo – junto ao forte Bruyn – e em Antônio Vaz – junto ao for-
te Frederick Hendrick. O arrecife – e suas duas entradas –, os rios, bancos de areia, ilhas e posições inimigas
também foram delimitados. O interior, ainda pouco conhecido, não foi mapeado.

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 181

Imagem 5 – Sistema de fortificação do Recife e Antônio Vaz (1631). Ilustração baseada na Planta de Andreas
Drewisch, de 1631, e adaptada da representação gráfica de autoria de José Luiz Mota Menezes.

Voltado para o interior havia mais uma fortificação, o Fort


Prins Wilhelm, construído, por volta de 1633, em um posto de
fundamental importância para o acesso ao vale do Capibaribe,
área onde estavam vários engenhos. Este local foi tomado das
tropas luso-brasileiras, que procuravam obstar as investidas das
tropas da WIC para o interior e controlar um ponto chave para
a entrada sul da capitania. Daquele posto os neerlandeses pu-
deram flanquear as estâncias da resistência e atacar o Arraial do
Bom Jesus, além de poder dar mais segurança para o sul de An-
tônio Vaz. Por isso, dois redutos foram construídos para defender
o caminho para o Prins Wilhelm – o Kijk in de Pot, próximo ao
Prins Wilhelm, e o Kat, próximo ao Frederick Hendrick (ALBU-
QUERQUE; LUCENA; WALMSLEY, 1999: 95; MELLO, 1998: 356).
Quanto à paliçada de madeira em torno do Recife, construí-
da por ordens de Matias de Alburquerque na preparação para
a invasão, foi desfeita e outra de maior dimensão foi projetada.
Em 1638, foi promovida a construção de uma nova paliçada.
Durante a campanha de Restauração Pernambucana, paliçadas
seriam construídas, em agosto de 1645, em torno de Antônio

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Vaz e do Bruyn e outra no Recife, em 1653, no lugar da feita em


1638, possivelmente estragada (MELLO, 2001: 114-115).
Nesse tempo, o acesso ao Recife era efetivado a partir de três
portas existentes na paliçada: a Landpoort, ladeada por dois ba-
luartes, sendo o baluarte Leste feito de pedra e o posicionado
a Oeste uma construção de terra; a Pontpoort e a Waterpoort.
Além das portas de acesso e dos dois baluartes que envolviam
a Landpoort, o Recife contava com duas baterias de madeira em
direção ao desembarcadouro, e, rumo a Antônio Vaz, no senti-
do Oeste, existiam outras duas baterias. Completando a defesa,
na direção Noroeste, estavam assentadas mais duas baterias. A
entrada na área de ocupação mais antiga de Antônio Vaz tam-
bém era limitada pela Zuidpoort (MELLO, 2001: 114-115).

Imagem 6 – NA, VELH 619-74. Caerte van de Haven van Pharmanbocque met de Stadt Mouritius en Dorp
Reciffo en bijleggende forten met alle gelegentheden vandien.
Datada de 1644, a carta apresenta todo o espaço do Recife e Antonio Vaz (Mauritsstad), com seus fortes,
arruamentos e prédios. O desenho foi feito por Johannes Vingboons, a partir do original de Cornelis Golijath
(MELLO, 1976), e traz os projetos para aperfeiçoamento do Recife elaborados no tempo de Nassau. O espaço
não está modificado apenas pela edificação do sistema de defesa, mas também por conta da construção de
uma infra-estrutura necessária para o desenvolvimento de atividades comerciais. Por isso a preocupação em
conhecer detalhadamente a região. No mapa, além das fortificações, portas de acesso, muralhas, paliçadas
e quartéis, foram apontadas plantações, currais e uma padaria, que constituíam elementos de importância
vital na manutenção da praça.

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 183

Imagem 7 - Sistema de fortificação do Recife e Antônio Vaz (1648). Ilustração baseada na Planta de Cornelis
Bastiaensz Golijath, de 1648, e adaptada da representação gráfica de autoria de José Luiz Mota Menezes.

Todo este conjunto defensivo montado em Antônio Vaz es-


tava articulado. Os fortes Ameliae e Frederick Hendrick, ao sul,
uniam-se aos redutos a oeste da ilha e estes ao Ernestus, no
norte. Aquela posição tinha junção com o Waerdenburgh e
dele o circuito continuava até as fortificações Juffrouw de Bruy-
ne e Bruyn. O sistema ainda era completado por hornaveques
e suas baterias a oeste da ilha, fossos d’água circundantes e pa-
liçadas. Cobriam com artilharia um amplo perímetro – sul, su-
doeste, oeste, noroeste e norte – que, em tese, impossibilitaria
a aproximação de qualquer inimigo vindo do continente. Era
um arco tático de oposição à linha de estâncias montada pelas
tropas luso-brasileiras.
A vantagem do terreno escolhido para construir a base da
WIC era o fato de ele ser alagadiço. Uma das virtudes essenciais
de fortificações construídas nesses locais era que o terreno po-
dia ser atacado em poucos pontos. Este benefício se convertia
em desvantagem uma vez que os acessos limitados poderiam
ser bloqueados (DUFFY, 1996: 33-34). A entrada desta Praça
estava limitada a três pontos primordiais: pelo istmo que ligava

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Recife a Olinda, defendido pelas fortificações Juffrouw de Bruy-


ne, Bruyn, Waerdenburgh e Portas do Recife; a oeste de Antô-
nio Vaz, guarnecido pelo Ernestus, hornaveque, fosso e baterias
de Maurícia e pelo sul da ilha, posição guarnecida pelo forte
Frederick Hendrick. O acesso também poderia ser feito pelo rio
Beberibe, na maré baixa, em direção ao istmo. Mas esse não era
um deslocamento apropriado para um assalto.
Uma variedade de soluções ficava à disposição dos enge-
nheiros da WIC, que construíram suas fortificações nas pro-
ximidades dos rios Capibaribe e Beberibe. A água podia ser
conduzida ao redor do perímetro da cidade por canais para os
fossos das fortificações. No caso de Antônio Vaz, um “braço de
rio” que partia detrás do Ernestus e atingia a área entre o gran-
de hornaveque e o Frederick Hendrick fornecia a água para os
fossos (MELLO, 1976: 18).
Tais edificações tinham, inicialmente, um baixo custo, além
de poderem ser levantadas rapidamente. A qualidade especial
do emprego da taipa e da terra, nestas fortificações, era a ab-
sorção do impacto dos projéteis artilhados. Em contrapartida,
sua manutenção era onerosa, pelo clima chuvoso e pela loca-
lização junto à água, que literalmente fazia com que a fortifi-
cação desmoronasse.18

18 Fortes chuvas causaram danos ao forte Ghijselin, como indica a Ata Diária de
25.ii.1637. Já o Water Casteel, construído nos arrecifes, teve suas fundações gra-
vemente danificadas pelo mar, como atesta a ata do dia 30.ix.1637 do mesmo
ano. NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 25-02-1637; NL-HaNA_OWIC
1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 30-09-1637. O baluarte oeste do Ernestus, voltado
para o rio, teve que ser reconstruído em pedra, possivelmente para que não
desabasse. NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 18-09-1637. A berma do
forte Bruyn teve que ser reparada por conta dos danos causados pelo rio, como
indica a ata de fevereiro de 1651. NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 75, DN 17-
02-1651. Após a rendição neerlandesa no Brasil, em 1654, o Mestre de Campo
Geral da Capitania de Pernambuco, Francisco Barreto de Menezes, escreveu ao
rei de Portugal, Dom João IV, para tratar da reorganização da defesa da região.
Menezes mencionou que as fortificações construídas pelos neerlandeses seriam
de pouca utilidade e que nem todas deveriam ser mantidas, uma vez que seria
muito custoso conservá-las por conta de elas terem sido construídas em terra, o
que o obrigaria a reconstruí-las todos os anos, dado o rigor das chuvas de inver-
no. AHU_ACL_CU_015, Cx.6, D.534, Anexo 1. Carta do mestre-de-campo geral da
Capitania de Pernambuco, Francisco Barreto de Menezes ao rei de Portugal, Dom

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 185

Muitas dessas informações podem ser observadas nos planos


produzidos pelos engenheiros que trabalhavam para a Compa-
nhia, além dos relatórios elaborados pelos militares ou conse-
lheiros políticos. Ao que parece, a construção do sistema de de-
fesa e das fortificações que o compunham estava indicada em
um atlas de fortificações manuscrito, o qual devia conter pla-
nos e especificações listados pelos engenheiros, de forma que
houvesse uma supervisão contínua das fortificações. O atlas
também podia ser utilizado para o planejamento de reparos e
ajustes necessários (ZANDVLIET, 2002: 200).19

A reforma do sistema de defesa, entre 1637 e 1644


Em 1639, com o território ocupado relativamente consolidado
e com um grande número de colonos estabelecidos no Recife,
o novo Governador da conquista da WIC no Brasil, Johan Mau-
rits van Nassau-Siegen, iniciou um plano de ocupação racional
da ilha de Antônio Vaz. A nova cidade projetada seria instalada
no espaço existente na área de ocupação mais antiga da ilha
– ao Norte – para o Sul, com limite no Frederick Hendrick. A
ilha foi dividida em duas partes, sendo a primeira, ao Norte,
denominada de velha Maurícia e a segunda, ao Sul, a Nova
Maurícia – Nieuwe Mauritia. Essas duas Maurícias, circunscritas
por estacadas e fossos, compunham, com o Recife, a Mauritss-
tad – Cidade Maurícia (MENEZES, 2004: 78-79; MELLO, 2001:
90-91). Nota-se ainda que, na ampliação do sistema de defesa
projetado, a disposição das ruas das duas Maurícias estava em
harmonia com as estruturas de defesa das partes leste e oeste
da ilha, de modo a não obstruir/atrapalhar o deslocamento de
tropas aos bastiões e fortalezas do sistema. Tal distribuição, “fa-
cilitadora” das atividades militares, nos indica que o plano de

João IV, sobre as fortificações necessárias na Capitania de Pernambuco, escrita


em Pernambuco, no dia 7.iv.1654.
19 Zandvliet (2002: 293) diz que o termo foi mencionado em uma carta do Conselho
Político datada de 6 de novembro de 1631. Para a carta, ver: NL-HaNA_OWIC
1.05.01.01, inv.nr. 49, doc. 135, 6-09-1631.

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ocupação de Antônio Vaz levou muito em consideração, na sua


elaboração, as questões defensivas (MIRANDA, 2006: 60).
Para Ron van Oers (2000: 78-79), a construção da Nieuwe
Mauritia seguiu os ideais urbanísticos de Simon Stevin. Como
visto anteriormente, Stevin foi uma das figuras mais proemi-
nentes da engenharia neerlandesa dos séculos XVI e XVII. Suas
obras influenciaram a formação de vários dos engenheiros en-
viados ao Brasil, alguns dos quais tiveram sua formação na Uni-
versidade de Leiden. Oers indica ainda que na ocasião da ida
de Johan Maurits ao Brasil, ele, junto com seus conselheiros e
engenheiros, teve a oportunidade de, na Cidade Maurícia, pla-
nejar, desenhar e construir uma nova cidade, praticamente do
zero, de acordo com os princípios de Stevin. Recife e Antônio
Vaz possibilitavam o cenário ideal para a transplantação dos
princípios teóricos de Stevin.20
Depois da execução do plano de 1639, podem ser perce-
bidas algumas alterações na defesa de Antônio Vaz: o forte
Ameliae já havia sido demolido;21 três redutos a oeste da ilha
foram destruídos e casas foram construídas na Nieuw Mauritss-
tad, o que terminou por obstruir a linha de tiro do Frederick
Hendrick. A articulação do conjunto fortificado não sofreu uma
grande alteração. Até o ano da rendição, o sistema de defesa
ganharia mais duas fortificações, o Soutpan e Altena, ambas
voltadas para o continente. O local da primeira fortificação,
Santo Amaro das Salinas, a Noroeste do Recife, tinha sido sí-
tio da chamada Casa do Rêgo, posto de observação fortificado
das tropas luso-brasileiras e paragem de onde partiram várias
emboscadas contra as posições neerlandesas no istmo (ALBU-
QUERQUE; LUCENA; WALMSLEY, 1999: 39-40). A fortificação
de Altena, a Oeste de Antônio Vaz, foi inicialmente construída

20 Oers percebeu também similaridades no layout e na organização funcional de


três cidades sob jugo neerlandês: Colombo (Sri Lanka), Cidade do Cabo/Cape
Town (África do Sul) e Recife/Mauritsstad. O autor menciona que além dos casos
estudados em sua pesquisa, é possível perceber a aplicação dos ideais urbanísti-
cos/defensivos de Stevin em várias colônias neerlandesas no ultramar.
21 Demolido antes da implentação do novo plano por soldados e negros da Com-
panhia em maio de 1637. NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 16-05-1637.

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 187

pelos luso-brasileiros para pressionar e bater as tropas da WIC


da Praça do Recife. Posteriormente, foi atacada e ocupada pe-
los neerlandeses (MELLO, 1976: 31). Antes das mudanças em
Antônio Vaz, Nassau, ainda em 1637, passou a percorrer o ter-
ritório ocupado pela Companhia para inspecionar o estado das
fortificações, bem como a escolher quais seriam mantidas ou
destruídas, como indica uma ata do Alto e Secreto Conselho
datada de 1637.22

Os custos e a mão-de-obra

No século XVII, mobilizar recursos para a construção de uma


fortificação não era menos trabalhoso e custoso do que lançar
um exército em campanha. Em período de guerra, o problema
se acentuava e chegava ao extremo de serem desmanteladas
casas para fazer uso de seu material construtivo nas estruturas
militares. A qualidade da pedra era objeto de preocupação e
especulação por parte de engenheiros, pedreiros e contratan-
tes, pois implicaria na capacidade de resistência e durabilidade
de uma fortaleza.23 Em muito locais o emprego de terra tornava

22 O forte Ghijselin – no Cabo de Santo Agostinho –, de acordo com um relatório


de 25.ii.1637 do Conselho de Guerra reproduzido nas Atas Diárias do Alto Con-
selho Político, estava danificado por conta das chuvas. Os conselheiros políticos
acharam conveniente que nenhuma ação de reparo fosse tomada até que Nassau
o inspecionasse e se certificasse da necessidade da manutenção da fortificação.
Possivelmente ele foi favorável ao desmantelamento da fortificação, uma vez que
em setembro do mesmo ano a fortificação teria seu material reutilizado na cons-
trução de uma padaria no Pontal do Cabo de Santo Agostinho. Em outubro do
mesmo ano, as peças de artilharia do Ghijselin seriam remetidas para o Castelo
da Mina, na Guiné, o que indica a destruição completa do forte. NL-HaNA_OWIC
1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 25-02-1637; NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN
29-09-1637; NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 21-10-1637.
23 O preço da vara renana construída também variava de acordo com o tipo de
construção levantada – e a dificuldade – e com o tipo de material empregado.
Alguns valores puderam ser observados: em abril de 1637, para construir uma
berma no forte Prins Willem, em Afogados, o capitão Hoochstraten cobrou 18
florins por cada vara renana construída. Em setembro do mesmo ano, reparos
no baluarte Oeste do forte Ernestus custariam 54 florins por cada vara renana
construída. A construção de um baluarte era uma obra muito mais complicada do

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o preço da obra mais barata que a construção em pedra, mas


a opção por materiais mais brandos se explica pela melhor ca-
pacidade de absorção de impacto de projéteis artilhados, como
visto anteriormente. Locais como as fundações e os ângulos dos
bastiões geralmente eram construídos com pedra por conta de
sua densidade e durabilidade (DUFFY, 1996: 43-44). Escavações
arqueológicas realizadas no forte Orange – entre os anos de
2002 e 2003 –, em Itamaracá, ao Norte de Pernambuco, eviden-
ciaram que os construtores de fortificação a serviço da Com-
panhia utilizaram-se de materiais disponíveis localmente, como
terra, areia, madeira e argila (HEFTING, 2006:266-267). Tijolos
neerlandeses, – comuns e refratários à água – pedra – ambos
trazidos como lastros das embarcações que chegavam ao Brasil
– e madeira da Europa do Norte também constituíam parte do
material utilizado (MELLO, 2001: 83-86).
Normalmente, as construções eram feitas por empreiteiros
contratados na colônia, alguns deles militares.24 Essas contra-
tações podiam ser uma operação de risco, pois as chances
de fraudes e não cumprimentos do contrato eram múltiplas.25

que a de uma berma, que consistia apenas de um caminho entre o fosso e um


baluarte de uma fortificação. Para complicar, o baluarte Oeste do forte Ernestus
ficava para o lado do rio, o que trazia mais dificuldade. Compreende-se a grande
diferença nos valores praticados. Outros valores foram observados. Uma obra
corna – possivelmente um hornaveque – foi encomendada para o forte Frederick
Hendrick por 60 florins a vara renana. Esse valor, segundo a ata de 21.ix.1637 era
baixo e nenhum construtor queria arrematar a obra. Pieter de Heijde aceitou a
construção. Em 1641, para a construção de um dique, o valor da vara renana era
22 florins, enquanto um muro de contenção custava 235 florins a vara. Ver: NL-
-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 07-04-1637, NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01,
inv. nr. 68, DN 18-09-1637, NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 21-09-
1637, NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 69, DN 03-10-1641.
24 Ver os casos dos oficiais do exército Cornelis Baijart e René de Monchy, que es-
tiveram amplamente envolvidos em obras de construção, manutenção e reparo
de fortificações no Brasil (MIRANDA, 2011: 251-252).
25 Um contratador teve 100 florins reduzidos de seu pagamento por não ter exe-
cutado um trabalho nas estruturas do reduto e do forte Bruyn. NL-HaNA_OWIC
1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 01-10-1637. Já o empreiteiro Kristoffel Dircksen não
teria a mesma sorte. Por não terminar uma obra de fortificação em Mauritsstad,
foi julgado e condenado à morte. Antes, ele foi açoitado publicamente e teve
seu salário confiscado. Para mais detalhes ver: NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv.

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 189

Um empreiteiro contratado podia seduzir o governo com


preços baixos até que se descobrisse que ele não possuía
recursos para levar adiante o trabalho ou utilizava material
de qualidade inferior. Mas também havia desvantagens para
os empreiteiros, que sempre corriam o risco de receberem
seu pagamento em atraso, assim como para os trabalhadores,
os quais chegavam a receber mercadorias como pagamen-
to. Um exemplo desse procedimento pode ser observado no
caso de dois trabalhadores do Forte Ernestus, que pediram
um adiantamento de um terço de seus salários após já terem
concluído o serviço. A Companhia efetuou o pagamento, mas
descontou os alimentos e materiais que eles utilizaram du-
rante o trabalho.26
Para fazer grandes movimentações de terra, coletar e pre-
parar o material construtivo – transformados em gabiões e fa-
xinas necessários às centenas para as obras de fortificação – e
transportar abundantes cargas de madeira, pedra e tijolo, era
imprescindível empregar um amplo número de homens, sen-
do também importante a utilização de trabalhadores especiali-
zados como carpinteiros, ferreiros e pedreiros, além da posse
de uma ampla variedade de ferramentas de trabalho (DUFFY,
1996: 37-52; MIRANDA, 2011: 230).27
No caso da WIC, a mão-de-obra foi por vezes provenien-
te da própria tropa estacionada no Recife. A construção das
obras de defesa, aliás, era uma das atribuições que os soldados
tinham que dividir com as atividades de combate. Conquanto
usual, esse tipo de trabalho não ocorria sem degastes entre a
tropa e o governo. Obras de defesa levantadas no Recife e em
Antônio Vaz, entre 1630 e meados de 1631, causaram grande

nr. 69, DN 01-10-1641, NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 69, DN 02-10-1641 e


NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 69, DN 07-10-1641.
26 NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 16-04-1635.
27 Ver também a obra do matemático e engenheiro militar flamengo Simon Stevin
(1548-1620), De Stercktenbouwing (1584), onde o autor disserta, entre vários
assuntos, sobre a construção de fortificações, preparação do terreno, tipos de
estruturas a serem levantadas e outros trabalhos necessários para a edificação de
obras de defesa.

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mal-estar entre os militares e a administração da Companhia.


Isso porque a força, diminuta em tamanho, mal alimentada
e precariamente equipada, foi compelida a se revezar entre
as tarefas militares de guarda, escolta e combate e os pesa-
dos afazeres de construção. O assunto esteve durante muitos
meses na pauta de discussão das missivas trocadas entre o
comandante e governador das tropas da WIC no Brasil, Die-
derick van Waerdenburgh, e os diretores da Companhia – os
Senhores XIX –, passando ainda pela observação e análise dos
Estados Gerais. Por várias vezes, Waerdenburgh, enquanto re-
portava o andamento das construções, queixou-se de dispor
apenas de um pequeno número de militares para executar
múltiplas tarefas. O governador reclamava de que ao mes-
mo tempo em que recebia da República ordens para tornar a
posição do Brasil “inexpugnável contra uma frota espanhola”
prestes a ser enviada, ele era igualmente instruído a empreen-
der expedições contra territórios vizinhos. Assim, ele dizia-se
forçado a pôr os soldados – já “fatigados por uma dura es-
cravidão de trabalho num clima tão excessivamente quente”
– a “trabalhar como cavalos” de forma a poder manter Olin-
da, Recife e Antônio Vaz e ainda atender a todos os pedidos
dos Senhores XIX, sem que os mesmos o tivessem dotado de
condições materiais e humanas para cumprir as solicitações.28
Para completar, segundo o governador, os rigores do clima,29

28 Relatório do Governador D. van Waerdenburgh aos Estados Gerais. Datado de


10.vii.1633. In Documentos Holandeses, pp. 113-114; Sobre as exigências feitas
nos primeiros meses de ocupação, ver, por exemplo, as cartas enviadas pelos
Senhores XIX, no mês de julho de 1630, que compõem o inventário 8 da cole-
ção da Velha Companhia das Índias Ocidentais: No dia treze, os Senhores XIX
instruiram o coronel Adolph van Els a “manter e fortificar” a “cidade” de Olinda,
o Recife e a ilha de Antônio Vaz. Eles passaram a mesma instrução a Diederick
van Waerdenburgh e ao Conselho Político e sugeriram a conquista de Itamaracá.
No dia 17 do mesmo mês, os diretores repassaram ordens a Waerdenburgh para
que ele conquistasse a Paraíba e o Rio Grande. No dia seguinte, em uma missiva
destinada ao Conselho Político, mostraram-se surpresos de que nada tenha sido
conquistado ao Norte do Brasil. NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 8, 13-07-
1630, 17-07-1630, 18-07-1630.
29 Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Pernambuco, aos Estados Gerais.
Datada de 3.iv.1630; Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em Olinda,

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as doenças30 e os ataques contínuos do inimigo31 – além da


falta de materiais e de pessoal qualificado32 – atravancavam
o progresso das construções e os avanços militares. Ainda
de acordo com Waerdenburgh, era facilmente compreensível
que, após passarem por pesadas jornadas de trabalho e pri-
vações, muitos dos recrutados demonstrassem insatisfação e
quisessem voltar para a Europa após o fim do contrato esta-
belecido com a Companhia, pois o “tratamento [dado cansava]
tantos os oficiais como os pobres soldados”. Para diminuir
o desgaste com a tropa, o governador procurou retribuí-la
em dinheiro pelos trabalhos realizados, de forma que os mi-
litares pudessem comprar “alimento, bebida, sapatos, camisas
e meias”. Sem tal iniciativa, afirmava Waerdenburgh, “[eles]
teriam [se] desesperado consoante já o tem provado vários
exemplos”. Ele também acreditava que sem o auxílio dado à
tropa teria sido impossível executar os trabalhos, “porque os

Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de 27.vii.1630; Missiva do Governador


D. van Waerdenburgh, em Olinda, Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de
16.xii.1630; Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em Antônio Vaz, aos
Estados Gerais. Datada de 9.ix.1631. In Documentos Holandeses, pp. 33, 51, 55-
56, 86-87; Carta dos Senhores XIX destinada ao Conselho Político. NL-HaNA_
OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 8, 13-07-1630.
30 Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Pernambuco, aos Estados Gerais.
Datada de 3.iv.1630; Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em Olinda,
Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de 16.xii.1630; Missiva do Governador
D. van Waerdenburgh, em Antônio Vaz, aos Estados Gerais. Datada de 07.x.1631.
In Documentos Holandeses, pp. 33, 53-56, 79.
31 Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Pernambuco, aos Estados Ge-
rais. Datada de 3.iv.1630; Missiva do Coronel D. van Waerdenburgh, em Olinda,
Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de 14.v.1630; Missiva do Governador
D. van Waerdenburgh, em Olinda, Pernambuco, aos Estados Gerais. Datada de
27.vii.1630; Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em Olinda, Pernam-
buco, aos Estados Gerais. Datada de 16.xii.1630. In Documentos Holandeses, pp.
33, 39-40, 46, 50, 55-56.
32 Diederick van Waerdenburgh referia-se à falta de pedreiros, canteiros, cal e ci-
mento. Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em Olinda, Pernambuco,
aos Estados Gerais. Datada de 27.vii.1630. In Documentos Holandeses, p. 47; O
governador também pediu aos Senhores XIX o envio de ferramentas de traba-
lho e madeira, recebendo como resposta que ele deveria cessar com as queixas
e obter madeira no local, que havia em grande quantidade. NL-HaNA_OWIC
1.05.01.01, inv. nr. 8, 13-07-1630.

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pequenos ranchos e o fato de nada haver para beber senão


água tinha de tal forma esgotado os trabalhadores que [eles]
chegavam a cair por terra com os carrinhos de mão e tinham
de parar o trabalho por motivo de doença”.33
Aparentemente, a iniciativa de recompensar os militares ha-
via partido da própria Companhia, que havia instruído o co-
mandante Waerdenburgh, o almirante Hendrick Corneliszoon
Lonck e o Conselho Político a dar “alguma pequena recompen-
sa” aos soldados e marinheiros envolvidos nos “amplos traba-
lhos” ou que faziam “serviço extraordinário nas fortificações”,
de maneira a encorajá-los. A gratificação se deu sob a forma
de rações duplas de vinho e aguardadente ou de uma pequena
quantia em dinheiro.34 Muitos anos depois, a mesma ação de re-
munerar os militares e marinheiros por serviços extraordinários
foi observada quando do cerco imposto pelos luso-brasileiros à
tropa da WIC estacionada no Recife e Antônio Vaz, nos últimos
anos de ocupação da Companhia no Brasil. Os soldados foram
remunerados para trabalhar nas obras de defesa do Recife e
Antônio Vaz.35 Em outro momento, durante o assédio feito pela
WIC ao Arraial em meados de 1635, a Companhia utilizou-se de
180 marujos das embarcações estacionadas no porto para cons-
truir um dos redutos onde foram instalados morteiros para bater
a fortificação que servia de base para a guerrilha. Os homens
receberam vinho espanhol como gratificação.36 Os incentivos
pela execução de trabalhos penosos não foram dados apenas
durante períodos críticos, mas também para o desempenho de

33 Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em Antônio Vaz, aos Estados Ge-


rais. Datada de 9.xi.1631. In Documentos Holandeses, pp. 89-90.
34 NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 8, 13-07-1630. Os Senhores XIX também ins-
truiram o Conselho Político do Brasil a utilizar os “muitos negros” de posse da
Companhia nas obras de fortificação e em outros serviços, de forma a poupar os
homens do trabalho, “pesado para os nossos por causa do grande calor”.
35 NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 75, DN 02-03-1651. Ver também: NL-HaNA_
OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 75, DN 23-02-1651, DN 03-03-1651.
36 NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 01-05-1635; Alguns dias depois, 52
homens – sem especificação da arma em que serviam – receberam vinho espa-
nhol pela construção de uma obra de assédio em frente ao Arraial. NL-HaNA_
OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 16-05-1635.

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obras de rotina, como no caso da destruição de uma fortifica-


ção nos arredores de Antônio Vaz, em 1637, ou a exemplo da
construção de uma nova “casa do peso” (De Waag), pela qual
os homens receberiam uma diária pelo trabalho.37
Recompesar os militares era uma maneira de atenuar o des-
gaste da tropa e de incentivá-la a trabalhar com mais afinco,
principalmente quando os homens estavam submetidos a jor-
nadas duplas e sofriam privações alimentares. Enquanto obri-
gação de oficiais de guerra e de soldados, conforme estipula-
vam as ordenanças para os marítimos e o pessoal de guerra a
serviço da Companhia no Brasil, era usual que eles trabalhas-
sem na edificação e reparo de fortes, baterias, trincheiras e
outras obras sem o recebimento de qualquer pagamento extra
além do salário fixado.38 Isso não excluía a participação de
escravos nas obras de defesa, embora tal emprego não fosse
vantajoso em termos econômicos, conforme observou o Alto
e Secreto Conselho em julho de 1637, para quem o uso tem-
porário de uma grande quantidade de escravos dos habitantes
nas construções e manutenções de fortificações causava um
grande prejuízo para os engenhos e para a agricultura.39 É
evidente que era mais barato para a Companhia utilizar seus
próprios soldados – e marujos – e compensá-los com algumas
diárias ou produtos provenientes do armazém em atividades
que eram de sua competência, ao invés de privar os habitan-
tes de seus trabalhadores.
Os registros de recebimento de recompensas por traba-
lhos de construção em diferentes momentos da ocupação da
WIC no Brasil também servem para demonstrar que tais tipos

37 Pelo trabalho de demolição do forte Ameliae [Emilia ou Amalia], soldados e es-


cravos da Companhia receberam aguardente. NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr.
68, DN 16-05-1637; Sobre a construção da nova casa do peso: NL-HaNA_OWIC
1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 30-11-1640.
38 Articul-Brief. Beraemt over het Scheeps ende Crijgs Volck. Ten Dienste van de
Geoctroyeerde West-Indische Compagnie in Brasyl, Guinea, etc. Groningen: Sas,
1640, Artigo CXXXII.
39 Para o Conselho, era melhor taxar os habitantes no abatimento dos animais e
destinar a verba para a manutenção das fortificações. NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01,
inv. nr. 68, DN 02-07-1637.

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de atividades nunca cessaram e sempre estiveram na rotina


dos militares. Retornando aos primeiros anos de ocupação,
vê-se que logo após o governo da Companhia em Pernam-
buco receber autorização dos Estados Gerais para abando-
nar e destruir Olinda, em fins de 1631, parte da tropa – que
Waerdenburgh dizia querer liberar dos serviços pesados –
continuou a ser freqüentemente utilizada no transporte de
material construtivo de Olinda para Recife e Antônio Vaz e
a trabalhar no reforço das fortificações construídas nessas
posições.40 Embora Waerdenburgh julgasse que a insuficiên-
cia de pessoal fosse responsável pelas intermináveis jornadas
duplas da soldadesca, é importante dizer que a natureza pro-
visória das fortificações do período, construídas majoritaria-
mente em madeira e terra, normalmente levava os homens
das guarnições a despender muito tempo manuseando enxa-
das, pás, machados e carros de mão em um contínuo ciclo
de construção e reconstrução (MCCONNELL, 2004: xvi-xvii).
Nesse sentido, “chuvas contínuas” e “violentas marés altas”,
como apontou o governador, dificultavam ainda mais os em-
preendimentos da Companhia e, sobretudo, a vida dos sol-
dados, forçados a cumprir extenuantes tarefas de edificação
a cada invernada.41

40 Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em Antônio Vaz, aos Estados Ge-


rais. Datada de 9.xi.1631. In Documentos Holandeses, pp. 86, 88; No ano seguinte,
no mês de maio, Waerdenburgh relatava que algumas fortificações “construídas
apressadamente no começo” encontravam-se “inteiramente estragadas”, sendo
necessária a reconstrução. As “grandes enchentes” – além da pressa – foram res-
ponsáveis pelo reengajamento dos soldados nesse tipo de atividade. Missiva do
Governador D. van Waerdenburgh, em Antônio Vaz, aos Estados Gerais. Datada
de 9.v.1632. In Documentos Holandeses, pp. 104-105; O material construtivo pro-
veniente de casas e igrejas de Olinda já era retirado muito antes da ordem para o
abandono da Vila. NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 8, 13-07-1630. Ver também
o diário do military Cuthbert Pudsey (2001: 51).
41 Missiva do Governador D. van Waerdenburgh, em Olinda, Pernambuco, aos Es-
tados Gerais. Datada de 16 de dezembro de 1630; Missiva do Governador D. van
Waerdenburgh, em Antônio Vaz, aos Estados Gerais. Datada de 9.v.1632; Relató-
rio dos Senhores Delegados no Brasil, Matthias van Ceulen e Johan Gyselingh,
dirigido aos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais. Datado de 5.i.1634;
In Documentos Holandeses, pp. 54, 104, 154-155.

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 195

Os derradeiros anos dos neerlandeses na cidade


Maurícia, 1644-1654
Com a eclosão da rebelião portuguesa (1645), os neerlande-
ses voltaram, após uma série de confrontos com os lusos, a ficar
confinados na Cidade Maurícia. As tropas neerlandesas tiveram
suas saídas para o interior impedidas por um bloqueio terrestre
imposto pelas tropas portuguesas. As Batalhas dos Guararapes
(1648; 1649) representaram as últimas tentativas de desalojar
as tropas rebeldes que se avizinhavam ao Recife. A notícia da
queda da fortaleza de Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho, era
o indicativo de que os rebeldes se aproximavam do Recife pelo
Sul. A tomada do Pontal também representava, para os insur-
rectos, a recuperação de uma via de abastecimento cortada no
início da guerra contra a WIC.
Os neerlandeses foram confinados ao Recife pelo mesmo
dispositivo militar adotado pelas tropas luso-brasileiras nos pri-
meiros anos de invasão, as estâncias. Todas as Praças que a
Companhia das Índias Ocidentais detinha do Recife ao Sul da
Capitania de Pernambuco, até o Rio São Francisco, voltaram
para o controle das tropas portuguesas.
A Companhia ficou encerrada na Cidade Maurícia e nos
fortes de Cabedelo – na Paraíba –, Orange – em Itamaracá
–, Ceulen – no Rio Grande – e Schonenburgh – no Ceará.42
Sem ajuda naval para fechar o cerco, a situação redundava
em um impasse para neerlandeses e portugueses. Esse apoio
era a esperança das tropas lusas estacionadas nas “portas das
fortalezas”. Apesar de serem senhores da campanha, deveriam
esperar que “Vossa Majestade [o Rei Dom João IV] acudisse
seus vassalos com suficiente armada para que os neerlandeses
cercados pela parte do mar fossem compelidos a entregar as
fortalezas que ainda ocupavam”.43

42 O forte Schonenburgh foi construído em 1649, data da segunda ocupação neer-


landesa no Ceará.
43 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Caixa 4, doc. 327, 15.x.1645.

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De pouco adiantou o pedido de Cosmo de Castro Passos,


então Provedor da Fazenda Real da Capitania de Pernambuco,
a Dom João IV. O auxílio naval aos portugueses só foi enviado
no final de 1653. Durante este tempo, a estratégia de ataque
ao Recife ficou limitada a pequenas surtidas. Era uma corri-
da contra o tempo, uma vez que a ausência de embarcações
para o bloqueio dava aos neerlandeses a chance de receber
socorro e a oportunidade de tentar romper o cerco terrestre.
A ajuda, em soldados, para os neerlandeses não demorou,
conforme previra Castro Passos, o que resultou nos menciona-
dos embates de 1648 e 1649. Os comandantes das tropas por-
tuguesas alegaram durante boa parte dos anos entre 1645 e
1654, que a falta de pólvora, munições, artilheiros e peças de
artilharia impediram uma ofensiva de longa extensão contra o
Recife. Mesmo depois de terem instalado uma bateria defronte
o Recife, pouco conseguiram, dada à insuficiência de pólvora
e de peças de grosso calibre.44
Empreender um cerco ao amplo sistema de defesa montado
pelos neerlandeses demandaria das tropas lusitanas enormes
quantidades de peças de artilharia e munições, uma vez que,
como apontavam os mestres-de-campo André Vidal de Negrei-
ros, João Fernandes Vieira e Martim Soares Moreno, “as muitas
fortalezas que cercam o Recife nos hão de tirar muitas balas”.45
A carência de meios na campanha final contra os neerlande-
ses – além das questões de ordem diplomática – foi fundamen-
tal para o estabelecimento de um impasse militar entre os anos
de 1645 e 1653.
Entre as dificuldades para o ataque à Praça do Recife encon-
travam-se a própria dimensão do sistema de defesa montado
pela WIC, que, segundo o Capitão-Geral da Armada da Com-
panhia Geral de Comércio do Brasil, Francisco de Brito Freyre,
contava com várias fortificações guarnecidas de muita artilharia
e que eram obradas com perfeição nos postos mais convenien-
tes da Praça. O Recife também estava repleto de trincheiras,

44 AHU, Caixa 5, doc. 364, 28.x.1647; AHU, Caixa. 5, doc. 368, 31.i.1648.
45 AHU, Caixa 5, doc. 364, 28.x.1647.

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diques e plataformas ao moderno, ou seja, dentro do que ha-


via de mais inovador em matéria de fortificação do período.46
Ademais, o número insuficiente de pessoal habilitado para as-
sédios, o que “afligia e desconfiava aos nossos (exercitados em
diferente milícia), [e que não sabiam] abrir trincheiras para ca-
minharem aproches contra as fortificações”. Possivelmente isso
acarretaria grande perda de gente, de tempo e de trabalho.47
Por último, a escassez de mantimentos, dinheiro, ferramentas,
munições e armas de grosso calibre, como já exposto.
Com a chegada da Armada da Companhia Geral de Comér-
cio do Brasil, no dia 22 de dezembro de 1653, as tropas portu-
guesas tiveram uma boa oportunidade para intentar um ataque
final à Cidade Maurícia, que passava a estar completamente cer-
cada, por mar e por terra. Foi exatamente isso que deliberaram
os comandantes portugueses junto com o General da expedi-
ção naval, Pedro Jacques Magalhães.48 Após a preparação da
tropa, o ataque foi iniciado nos arredores de Maurícia no dia 15
de janeiro de 1654. O confronto extendeu-se até o dia 23, quan-
do o Capitão do forte Frederick Hendrick, Wouter Falloo, foi
enviado pelo Alto Governo do Recife – após deliberação dos
oficiais militares e representantes da população – para entrar
em acordo com as lideranças portuguesas (MELLO, 1979: 91). É
importante destacar ainda que a situação financeira da Compa-
nhia, principalmente após as derrotas de 1648 e 1649, impediu
que ela pudesse enviar tropas e havia até uma resistência em
ajudar a colônia, por parte de Amsterdã – cuja câmara contri-
buía mais pesadamente para o esforço de guerra – e dos Esta-
dos Gerais. Além disso, os problemas políticos internos – entre
as províncias neerlandesas – e externos – com a Dinamarca e a
Inglaterra – contribuíam para os problemas da Companhia ao
Brasil (BOXER, 2004: 307-308; HEIJER, 1994: 54).

46 Relação de Francisco de Brito Freyre (Recife, 29.i.1654). Apenso I.


47 Relação de Francisco de Brito Freyre (Recife, 29.i.1654). Apenso I.
48 AHU, Caixa 6, doc. 511, 5.xii.1654.

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Considerações finais

Como uma praça dita por inexpugnável cedeu em pouco


mais de um mês de confronto? A explicação de C. R. Boxer
(2004: 338) para a rendição recai sobre a debilidade dos co-
mandantes políticos da Praça, como o idoso Wouter van Scho-
nenburgh (Presidente do Alto Governo) e o doente Hendrik
Haecxs (Conselheiro político) no governo civil e do Tenente
General Sigismund Von Schoppe no comando militar, que era
mais temido do que estimado por seus soldados. Esse triunvi-
rato seria criticado por panfletos neerlandeses que alegavam
que o Recife poderia ter resistido por mais tempo.49 Fontes
neerlandesas citadas por Gonsalves de Mello (1979: 23-25, 91)
também indicavam que houve alguma pressão por parte dos ci-
vis, que temiam pelas suas vidas no caso de conquista da Praça,
embora essa assertiva pudesse ser uma justificativa do governo
para a entrega da cidade. Esse medo, aliás, terminou por não
condizer com a atuação das tropas luso-brasileiras que deram
quartel aos soldados rendidos e, aparentemente, não comete-
ram atos de violência contra os civis. As negociações que se
seguiram à rendição, “amenas e pacíficas” talvez servissem “às
negociações diplomáticas que inevitavelmente se seguiriam ao
acordo de rendição”. Somamos como motivação para a entrega
a mencionada falta de soldados e a instabilidade dessas tropas,
cuja maioria tinha o tempo de serviço expirado. Dessa falta de
disposição do exército, à beira da sedição, e sem maiores pers-
pectivas de resistência conforme o próprio Schoppe, a praça foi
entregue (MIRANDA, 2011: 320-325).
Mas havia, suplantadas as temeridades e deficiências, possibili-
dade de resistência, como alegavam os panfletários neerlandeses?
Se respondermos esse questionamento a partir da capacidade de
material militar e de víveres, replicamos que poderiam resistir um
pouco mais. Ao contrário de outros momentos calamitosos e de

49 Ver, por exemplo, o panfleto impresso em 1655: Kort, bondigh ende waerachtigh
verhael van ‘t schandelijck over-geven ende verlaten vande voornaemste Conques-
ten van Brasil.

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A arte de fortificar: o caso do sistema de defesa neerlandês do Recife (1630-1654) 199

intensa crise no abastecimento de gêneros alimentícios, os arma-


zéns da Companhia possuíam víveres e petrechos que poderiam
ser racionados por quase um ano de completo assédio.50
Todavia, a indisposição de se manter no Brasil já era de
longa data e não se resumia a estes aspectos de ordem militar.
Privados da produção açucareira desde o início da insurrei-
ção, sem os escravos de Angola – recuperada em 1648 – para
abastecer seus engenhos e com o conhecimento das técnicas
de fabrico do açúcar – utilizadas posteriormente nas Antilhas
–, de que valeria manter a fragmentada possessão brasileira,
quando as vantagens da negociação diplomática com Portugal
se faziam mais promissoras do que novos gastos com a equipa-
gem militar da Nova Holanda? Ademais, conforme mencionado
anteriormente, os problemas políticos internos e externos im-
possibilitavam um socorro militar eficiente ao Brasil.
No tempo da rendição, esse sistema de defesa já estava defi-
ciente em vários setores. A política da Companhia vinha redu-
zindo drasticamente os efetivos no Brasil, o que impedia que as
fortificações estivessem bem guarnecidas. Para não arriscar que
elas caíssem nas mãos dos inimigos, muitas foram arrasadas ou
já estavam bastante deterioradas durante a rebelião portuguesa.
Podemos afirmar que o sistema de defesa construído entre
1630 e 1654, mesmo com algumas de suas fortificações desar-
ticuladas, foi capaz de cumprir com sua função de resguardo.
Além da defesa, tal sistema possibilitou, como já mencionado,
que o Recife servisse de base segura para os ataques terrestres
e navais empreendidos pela Companhia no Atlântico Sul e de
ponto de escoamento da produção de fazendas e engenhos,
uma vez que essa base atendia a funções administrativas e eco-
nômicas, além da militar supracitada. A utilização de recintos
fortificados não se mostrou eficaz quando estes eram empre-

50 Relação Diária do Sítio e Tomada da forte praça do Recife, recuperação das Capi-
tanias de Itamaracá, Paraíba, Rio Grande, Ceará e Ilha de Fernando de Noronha,
por Francisco Barreto Mestre de campo general do Estado do Brasil & Governa-
dor de Pernambuco. Lisboa, Officina Craesbeeckiana, 1654. Apenso II; Inventário
das armas e petrechos bélicos que os holandeses deixaram em Pernambuco e dos
prédios edificados ou reparados até 1654. Recife: Imprensa Oficial, 1940.

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200 Bruno Romero Ferreira Miranda

gados como a única estratégia de guerra. Complementada com


intervenções terrestres e navais, se mostraram eficientes, mas
quando isolados, para emprego único e exclusivo como último
“refúgio”, se mostraram vulneráveis pela possibilidade de que-
bra do acesso ao território, como aconteceu a partir do cerco
terrestre de 1645, que foi complementado pelo sítio total im-
posto pelo bloqueio naval de 1653.

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syn voorsien, enz., vervaardigd door Andreas Drewisch Bongesaltensis (1631).

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NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 8, 18-07-1630.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv.nr. 49, doc. 135, 06-11-1631.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 01-05-1635.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 16-05-1635.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 16-04-1635.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 25-02-1637.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 07-04-1637.

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NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 18-09-1637.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 29-09-1637.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 30-09-1637.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 01-10-1637.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 21-10-1637.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 68, DN 30-11-1640.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 69, DN 01-10-1641.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 69, DN 02-10-1641.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 69, DN 03-10-1641.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 69, DN 07-10-1641.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 75, DN 17-02-1651.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 75, DN 23-02-1651.
NL-HaNA_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 75, DN 02-03-1651.
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AHU, Caixa.6, doc. 534, Anexo 1, 07/04/1654.

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A PAX NASSOVIANA E A
PAISAGEM POLÍTICA DA NOVA
HOLANDA EM FRANS POST

Daniel de Souza Leão Vieira1

Resumo: Os desenhos de Frans Post (1645) foram feitos de acordo com os


antecedentes iconográficos das Plaisante Plaetsen, de Claes Jansz. Visscher,
e as paisagens numeradas de Esaias van den Velde, ambas dos anos 1610. A
investigação procurou a) identificar precisamente os locais; b) a dimensão
sequencial de pranchas em um périplo visual; e c) a vinculação de senti-
mento de pertença ao lugar representado. Essa comparação iconográfica
se desdobrou em interpretação histórica, concluindo que, no primeiro mo-
mento, tratou-se da estruturação de uma paisagem política que desse visibi-
lidade ao projeto orangista de soberania na década de 1610. E, no segundo
momento, da inclusão de uma visão da Nova Holanda nesse projeto.

Palavras-chave: Paisagem Política dos Países Baixos. Representações da


Nova Holanda. Frans Post. Iconografia do Brasil Holandês.

The Pax Nassoviana and the Political Landscape of New Holland in Frans Post

Abstract: The drawings made by Frans Post (1645) were executed accor-
ding to iconographic antecedents linked to Plaisante Plaetsen, made by
Claes Jansz. Visscher, and the series of numbered landscapes by Esaias van
den Velde, both during the 1610s. This paper aimed to a) identify locales;
b) sequential dimension of images that suggested a visual tour; and c) be-
longings sensibilities embodied in the represented topographical sites. This
iconographic comparison was folded into a historical interpretation that dro-
ve us to the conclusion that the 1610s series were structured as Stadhouder
Mauritius Nassoviæ ideas of political landscape imagery and Frans Post’s

1 Professor Adjunto do Departamento de Antropologia e Museologia – DAM, da


Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. É Licenciado e Mestre em História
pela UFPE e Doutor em Humanidades pela Universiteit Leiden, Países Baixos.

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208 Daniel de Souza Leão Vieira

1654 series was the inclusion of Stadhouder Fredreik Hendrik’s vision of


New Holland within that project.

Key words: Netherlandish Political Landscape. Representation of New Hol-


land. Frans Post. Iconography of Dutch Brazil.

Introdução: a historicização da
representação de paisagem

O primeiro dos desenhos de Frans Post para o livro de Caspar


Barlaeus, Rerum per octennium in Brasilia é o desenho Classis
Navium qua hinc discessit Comis Mauritius, a única imagem em
sua obra conhecida que representa sua própria terra. Através
dele, o leitor que dispusesse do livro, se depararia com a tênue
linha entre céu e mar imensos, assinalada como a porção do
território próximo a Den Helder e poderia mesmo relacionar a
apreciação à imagem com a leitura do texto de Barlaeus, quando
esse menciona que a frota zarpara ainda em dezembro de 1636
da ilha de Texel, defronte àquela cidade. A partir daquele pon-
to, a trajetória dos navios se afasta gradativamente da trajetória
da costa. Essa descendia através das latitudes em rumo de sul-
-sudoeste e a frota velejava abertamente no rumo do sudoeste.
Enquanto os navios levavam o Conde de Nassau-Siegen para
os mares do sul, na direção de uma terra tão longínqua quanto
fabulosa, mais imaginada do que conhecida entretanto, a linha
da costa ia ficando para trás: após o bastião do norte que era
o Den Helder, se divisava o ponto em que o ‘T Hondse Bos
toca a orla marinha e, depois dele, mais ao sul, as alvas dunas
próximas a Egmond-aan-Zee. Cidade já representada pelo pró-
prio Claes Jansz. Visscher, em 1615, foi de lá que saíra uma das
famílias de nobres que, tendo se identificado com os burgueses
neerlandeses, e contrários à tirania perpetrada pelo católico es-
panhol, lutou e deu à causa pátria um filho ilustre, sumariamen-
te executado pelo Duque de Alba.
Portanto, seria muito pouco provável que o leitor não reme-
tesse o local no detalhe do desenho à figura histórica do mártir

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A Pax Nassoviana e a Paisagem Política da Nova Holanda em Frans Post 209

da independência e, a partir desse quadro de referências entre


topografia e história, imaginar a viagem de João Maurício como
o levar a bandeira da guerra contra o espanhol “qua patet or-
bis”, até os confins do mundo, parafraseando o próprio “motto”
do Conde. Era como se o passado de martírio pátrio estivesse
ali projetado nas alvas dunas, e, vigilante, como que espreitan-
do seus desdobramentos presentes e futuros no além mar.
Mas corria o ano de 1647 e a conjuntura da guerra contra o
espanhol mudara drasticamente, de forma que a apreciação do
leitor à imagem em questão necessariamente mudaria a depen-
der de sua posição ideológica: se a favor do orangismo em prol
da guerra ou se dos interesses libertinos em torno da Paz.
Os desenhos de Frans Post, 1645, foram feitos para as gravu-
ras do livro Rerum per octennium in Brasilia, 1647, de Caspar
Barlaeus, sobre o governo de João Maurício, Conde de Nassau-
-Siegen no Brasil. Uma análise formal e iconográfica demons-
trou que a composição dos desenhos foi feita nos moldes das
vistas topográficas de lugares pátrios, relativas à cultura visual
neerlandesa do século XVII. Tratou-se, portanto, da estrutura-
ção de uma visão da Nova Holanda através de uma retórica
visual associada à paisagem política (VIEIRA, 2010).
Porém, os resultados dessa análise põem um problema his-
toriográfico, uma vez que a representação da topografia da
Nova Holanda, construída como imagens da Pax Nassoviana,
não tinha correspondência com a realidade social vivida. Ao
contrário de seus antecedentes iconográficos – as séries de
gravuras paisagísticas holandesas relacionadas ao contexto da
Trégua dos Doze Anos com a Espanha, de 1609 a 1621, o con-
junto de vistas topográficas de Frans Post representava uma
paz que não existira de fato. Sabe-se que o período histórico
de que elas tratam – o governo de Nassau, não deixou de co-
nhecer conflitos armados, pois eram constantes as incursões
dos guerrilheiros portugueses. Para não mencionar o fato de
que Frans Post executou os desenhos e ajudou Jan van Bros-
terhuyzen a preparar as gravuras ao tempo em que o território
representado caía sob o cerco dos insurretos pernambucanos
(BOOGAART, 2011).

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210 Daniel de Souza Leão Vieira

Como compreender esse deslocamento de sentido, entre um


real vivido e uma realidade representada?
Essas imagens operavam a visibilidade do projeto político
orangista do stadhouder [lugar-tenente] Frederik Hendrik para
a legitimação de poder dos neerlandeses no Brasil, e, uma vez
que assegurada a posse do território que ia do São Francisco ao
Potengi, a manutenção de uma cabeça-de-ponte crucial para a
geopolítica neerlandesa no Atlântico.
Porém, com a morte do stadhouder em 1647 e o crescimen-
to da liderança civil em favor da paz com a Espanha, a posi-
ção orangista-nassoviana enfraqueceu-se; e com ela, a proposta
de manutenção do Brasil. A plutocracia mercantil de Amsterdã
preferiu rever sua participação no Atlântico: abandonou seus
territórios produtores centrais – Nova Holanda e Nova Neerlân-
dia, e privilegiou assim o comércio com os produtos ibéricos
(BOXER, 2004; BOXER, 1965; SPRUIT, 1988; ISRAEL, 1989).
Portanto, a iniciativa de João Maurício – de mandar publi-
car a história de seus feitos no Brasil – foi uma defesa da ideo-
logia orangista, relevante tanto para os Países Baixos Unidos
quanto para os próprios territórios ultramarinos no Atlântico.
Nesse sentido, a paisagem política da Nova Holanda nos de-
senhos de Frans Post deve ser entendida como a contraparte
visual desse projeto político, e não como meras ilustrações de
descrições de terra vista.
A própria problemática exigiu uma investigação que fizesse
avançar na verticalização analítica de uma iconografia que lhe é
relativa. Refiro-me à relação de semelhança iconográfica entre,
de um lado, o conjunto de vistas topográficas que Frans Post
criou em 1645 para a preparação das pranchas do livro de Cas-
par Barlaeus, e, de outro, as séries de desenhos impressos com
paisagens dos arredores da cidade de Haarlem nos anos 1610.
Essa comparação iconográfica se desdobrou em três níveis,
presentes no contexto histórico de então: 1) o papel da topo-
grafia na cultura visual de ambos os períodos; 2) a relação des-
se repertório visual a ambos os momentos políticos dos Países
Baixos Unidos; e 3) o imaginário do “Brasil holandês” no inte-
rior dessa paisagem política de fins da década de 1640.

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A Pax Nassoviana e a Paisagem Política da Nova Holanda em Frans Post 211

Iconografia de topografia pátria e ideologia de


Estado nos Países Baixos dos anos 1610
Como afirmara J. L. Price, os anos de 1618 e 1650 foram críti-
cos para o corpo político da República dos Países Baixos Unidos
(PRICE, 1994). Ambos foram precedidos pela criação imagética
de representações de paisagem em séries de impressos com
temática topográfica. Porém, houve uma assimetria dupla em re-
lação aos dois conjuntos caros aqui a esta análise. Os impressos
dos anos 1610 focavam os lugares pátrios holandeses, sobretu-
do Haarlem; as gravuras de 1645, de Frans Post, tinham como
tema central o território da Nova Holanda. Ademais, por um
lado, o primeiro conjunto, relacionando-se à ideologia de estado
orangista, tal como aventada a partir do coup d’état de Maurí-
cio, Príncipe de Orange-Nassau, em 1618, marcou o advento da
identificação da iconografia emergente a uma paisagem política
específica. Por outro, o segundo conjunto foi talvez uma última
defesa dessa ideologia durante a crise que terminou por pen-
der a balança política da república a favor do governo civil e
da ideologia do livre comércio. Para que esta hipótese adquira
validade, é preciso, entretanto, que demonstremos a correlação
entre a criação imagética das séries e as contingências históricas
dos períodos em que elas foram urdidas.
Comecemos com as séries dos anos 1610. Após a retomada
espanhola da cidade de Antuérpia, centro comercial e finan-
ceiro de grande expressão no cenário europeu, metade de sua
população, identificada com a causa protestante, migrou para
os Países Baixos do norte. Isso significou que, ao longo dos
últimos anos do século XVI, 40 mil cidadãos de Antuérpia se
juntaram a, pelo menos, mais outros 100 mil flamengos e bra-
bantinos, na sua maioria, numa onda migratória que marcou
decisivamente a sociedade e os rumos da revolta ao norte dos
rios Escalda, Mosa e Reno (ISRAEL, 1995).
A maioria desse fluxo migratório dirigiu-se para Amsterdã,
contribuindo, com o estabelecimento de capitais e redes de
contatos, para a consolidação dessa cidade como a sucessora
de Antuérpia no comercio e nas finanças, tornando-se já em

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fins dos 1590 no centro de uma nova economia-mundo. Entre-


tanto, parte dessa corrente dirigiu-se para as cidades fabris de
Leiden e Haarlem. Foi nessa última que vários artistas gráficos
se instalaram, levando não só toda uma tradição pictórica, as-
sociada a uma linguagem visual considerada “realista” (naer ‘t
leven), como também os objetivos de constituir um mercado
editorial sólido no norte (GIBSON, 2000).
Assim, teóricos, como Karel van Mander, e artistas, como
Hendrick Goltzius, de origem flamenga, contribuíram para
tornar a Guilda de São Lucas, em Haarlem, o cerne de uma
escola de representação imagética de paisagem. Não foi coin-
cidência que ainda no início do século, em 1603, Goltzius
compôs desenhos com vistas panorâmicas da região de Haar-
lem. Tidas como as inauguradoras da paisagem “realista” ho-
landesa (BROWN, 1986), essas composições aliavam os temas
paisagísticos a um modo de construir a espacialidade figura-
tiva de forma que o espectador pudesse a associar com o as-
pecto visível da localidade representada. No ano seguinte, em
1604, Karel van Mander publicou seu Schilder-boeck [livro do
pintor], compilação de preceitos teóricos e história de vidas
dos artistas neerlandeses que acabaria por se tornar o primei-
ro cânone da arte neerlandesa do século XVII. Nele, Van Man-
der incentivava os jovens artistas, sobretudo interessados em
paisagens, a acordar com a aurora e cultivar passeios matinais
para tomar esboços no campo, ao vivo, para dispor de ideias
com as quais executar as composições depois, já de volta ao
estúdio (MANDER, 1969).2
Apesar de Van Mander ter feito a distinção entre, de um
lado, uma paisagem de exortação poética, não necessariamente
associada a representação de lugar; e, de outro, uma paisagem
estreitamente vinculada à tarefa visual de fazer ver localidades
específicas, é indubitável que ambas as linguagens visuais fo-
ram empregadas quando da necessidade de recorrer à produ-

2 Há tradução para a língua inglesa do Capítulo VIII do Livro Primeiro do Schilder-


-boeck, sobre a pintura de paisagem, em Brown (1986). Sobre a importância para
que o Schilder-boeck viesse a constituir parte dos cânones da arte neerlandesa de
princípios do século XVII, cf. MELION, 1991.

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ção de imagens para a construção das identidades (MELION,


1991; LEVESQUE, 1994).
É já um lugar-comum na historiografia, sobretudo depois de
Simon Schama (1992), destacar o fato de que a necessidade
de criação de mediações simbólicas – como a identificação de
lugares comunais através de sentimentos urdidos como pátrios
– e sua correlata dimensão ideológica para a construção de um
novo Estado, foi uma consequência da revolta e da resultante
ruptura com a soberania Habsburg; e não o contrário. Esse pro-
cesso, já iniciado antes mesmo do início do século XVII, tomou
mais corpo, engajando a sociedade e seus artífices, durante os
anos da Trégua dos Doze Anos, de 1609 a 1621. Pausado o con-
flito com o inimigo estrangeiro, os neerlandeses se viram diante
da tarefa de, diante do “espelho do tempo”, se perguntar “quem
eram”, “de onde vinham” e “para onde iriam”. A produção de
imagens, sobretudo a paisagística e a cartográfica, tornou-se o
lugar privilegiado para essa construção simbólica (LEVESQUE,
1994; ADAMS, 1994).
Assim, ainda em 1607, Claes Jansz. Visscher compôs alguns
desenhos que retomam a linguagem visual dos desenhos de
Goltzius, mas em outra escala de representação da paisagem
observada: ao invés da distância panorâmica, Visscher escolheu
o close up de um aspecto de um caminho em curva, com casas
e árvores ao lado. A composição foi retomada posteriormente,
entre os anos de 1612-13, para integrar a série de impressos
Plaisante Plaetsen. Algumas figuras humanas foram adiciona-
das e uma legenda ajudava o espectador a situar a localidade:
Aende Wegh na Leiden [no caminho para Leiden] (LEVESQUE,
1994; LUIJTEN, 1994). No mesmo ano de 1607, Karel van Man-
der pintou uma paisagem que, embora sem ser representação
topográfica, trazia no centro do plano médio uma alusão à pas-
sagem bíblica da adoração do bezerro de ouro (MELION, 1991).
Eram duas maneiras distintas de relacionar a criação de
imagens de paisagem às circunstâncias históricas da constru-
ção identitária. De um lado, Van Mander, ao fazer uso de uma
alegorização da paisagem política, deixava ver uma crítica ao
grupo social que, preocupado com a lucratividade comercial,

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apoiava Oldenbarneveld – o líder civil da república depois da


morte de Guilherme de Orange – a fechar as negociações da
trégua com os papistas espanhóis. De outro, Visscher usava a
estratégia de representação topográfica a fim de construir uma
imagem de identificação com os lugares pátrios.
Examinemos mais detalhadamente o caso do último, que
está mais diretamente ligado ao nosso próprio objeto de estudo
aqui nesta investigação. A série de Visscher, Plaisante Plaetsen,
é composta por doze páginas impressas, sendo a primeira para
a página título e as onze subsequentes contendo vistas de loca-
lidades no entorno da cidade de Haarlem. Assim, surgem cenas
como a de pescadores à beira mar em Zantvoort; viajantes pelo
caminho para Leiden; carroças transportando produtos por ca-
minhos próximos a estalagens; trabalhadores nos campos de
branqueamento de tecidos nas dunas próximas a Haarlem; e,
por último, trigais nas proximidades das ruínas da Huis te Kleef
(LUIJTEN, 1994; DE GROOT, 1954-1979).
Catherine Levesque chamou a atenção para o fato de que há
uma dupla operação discursiva associada à criação dessa identifi-
cação das localidades representadas a lugares pátrios. Tratava-se
de construir uma representação de topografia ao evocar, atra-
vés dessa linguagem visual do “realismo”, os topoi discursivos de
paz, trabalho e prosperidade. Por outro lado, essa constituição
imagética da paisagem se fundamentava como representação de
lugares pátrios ao fazer também referência à história recente da
revolta contra os espanhóis. Como o castelo Huis te Kleef foi
usado pelos espanhóis como sede e quartel militar durante as
operações do cerco a Haarlem em 1573, na interpretação dessa
autora, tratou-se da concepção de uma retórica visual de persua-
são com o fim pedagógico de alertar a nova geração, que via e
se identificava com a paisagem pátria de abundância, para o fato
de que essa paz havia sido conquistada com o sangue da gera-
ção passada. E, nesse sentido, o lembrete histórico servia como
admoestação para o futuro: a paz próspera só poderia continuar
existindo mediante uma paz vigilante (LEVESQUE, 1994).
Destaquemos aqui dois aspectos dessa construção de senti-
do histórico, pelos contemporâneos neerlandeses de início do

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século XVII, para os eventos em curso. O primeiro deles, e o


mais circunstancial, foi o de chamar a atenção para o debate
político em torno do futuro da trégua: se se haveria de con-
duzir as negociações aos termos de uma paz duradoura; ou
se retomariam as hostilidades contra o inimigo, retomando a
guerra. E um dos problemas cruciais aqui foi exatamente o das
fronteiras. Os imigrados, e parte da sociedade do norte, que-
riam a inclusão das províncias sulistas no interior da soberania
da república. O que implica que havia um grupo, relativamente
numeroso, descontente com a decisão política da assinatura da
trégua com a Espanha.
Daí porque a cartografia do período também se tornou pal-
co de embate dessa definição de uma territorialidade no inte-
rior da paisagem política (SCHAMA, 1992; LEVESQUE, 1994;
ADAMS, 1994). Mapas murais eram confeccionados para fazer
ver a totalidade das Dezessete Províncias dos Países Baixos,
inclusive em arranjos próprios dos mesmos elementos icono-
gráficos e escritos de que se compunham as paisagens. Assim,
era comum que em torno da representação cartográfica central
viessem dispostas vistas topográficas, tipos humanos represen-
tando as populações locais de cada província, cartuchos deco-
rativos com alegorias e textos contendo narrativas com alusões
históricas.3 Foi o caso de mapas elaborados por Pieter van der
Keere e Abraham Goos. E aqui, novamente, Claes Jansz. Viss-
cher teve participação importante, pois sua gráfica e editora, à
Kalverstraat, bem no coração de Amsterdã, tornou-se um centro
de publicações cartográficas. E, vale a pena lembrar, também
de impressos paisagísticos (GIBSON, 2000).
O que nos traz ao segundo aspecto dessa construção de sen-
tido histórico para o problema da definição da paisagem política:
não somente as fronteiras militares, mas a natureza do Estado
e de sua relação com a sociedade no interior dessas mesmas
fronteiras. Ou seja, aquilo que Simon Schama se referiu como a

3 Para uma descrição formal dos mapas, cf. WELU (1987). Para uma interpreta-
ção dos mesmos, cf. o capítulo “O impulso cartográfico na arte holandesa” em
ALPERS (1999).

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Geografia Moral. Nesse sentido, se, por um lado, o período da


Trégua dos Doze Anos aliviou as pressões externas às fronteiras;
por outro, foi uma época de tensão e ansiedade internas.
As divergências religiosas que se iniciaram em torno do deba-
te teológico no interior da Universidade de Leiden terminaram
por se associar a questões ideológicas e políticas. O que come-
çou como divergência nos púlpitos terminou como confrontos
armados nos anos de 1616 a 1618. De um lado, os seguidores
de Jacobus Arminius defendiam uma visão mais humanista e
heterodoxa da doutrina de Calvino, aproximando-se da ideia
de que a salvação era para todos. Havia aí, então, um lugar
central para a sugestão de que o cristão deveria se diferenciar
por condutas morais, aproximando assim os “remonstrantes”
de outros grupos confessionais, como menonitas, anabatistas
e mesmo dos católicos. De outro, os seguidores de Frans Go-
marius contra-atacavam com uma veemente defesa da teologia
da predestinação. A implicação ideológica de tal desavença tor-
nou-se também política quando entrou em debate a questão da
natureza da relação entre a Igreja Reformada Neerlandesa e o
Estado que se criava então. Novamente as trincheiras se ergue-
ram: de um lado, os arminianos defendiam preceitos espirituais
mais brandos, desde que a instituição religiosa estivesse mais
submetida ao Estado; e, do outro lado, os gomaristas vocifera-
vam em favor da autonomia da Igreja desde que sob as bases
de uma teologia socialmente mais rígida (ISRAEL, 1995).
Essa clivagem religiosa amplificou uma heterogeneidade so-
cial e cultural, dificultando, embora ao mesmo tempo tornando
mais ainda necessária a construção simbólica das identidades.
Nesse sentido, a cartografia e a paisagística seriam não só uma
iconografia útil em representar o corpo político sem aludir a
cabeças-de-estado que não condiziam com uma república oli-
gárquica apoiada na consulta e no consenso como forma de
respeitar as diversas comunidades em jogo; mas também foram
tipos de repertórios imagéticos que permitiram a construção
de valores e sentimentos comuns a essa variedade cultural. De
um lado ou de outro da clivagem religiosa, ou da ideológica,
fossem adeptos ou críticos da paz com os espanhóis, muito

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provavelmente todos se veriam identificados com suas comuni-


dades civis, sendo o burgo associado à ideia de gemeenteschap
[comunidade cívica]. Assim, enquanto as vistas nas séries pai-
sagísticas constituíam de perto essa recepção através da cons-
trução do sentimento pátrio pela identificação com o lugar da
comunidade civil, a inclusão das vistas das principais cidades
provinciais nos mapas murais que representavam a proposta
da unificação política era já a fabricação de uma comunidade
nacional que respeitava a base cívica da soberania provincial.
Foi importante que esse processo social de construção das
identidades fosse tornado viável por uma circulação das ima-
gens ampla o suficiente para que se atingisse uma classe média
de artesãos e/ou mesmo de jornaleiros especializados. Daí que
um editor como Claes Jansz. Visscher tenha preferido investir
na técnica de impressão por água-forte, e não tanto por gravura
(GIBSON, 2000). Mesmo a gravação de imagens por buril em
placas de cobre era mais lenta do que a gravação pela agulha
através do processo químico. Assim, com placas mais rapida-
mente obtidas e de maior versatilidade estilística, Visscher con-
seguiu colocar no mercado de arte uma produção mais barata
e mais impactante.4 Os estereótipos da paisagem pátria, em
linguagem realista e articulando a topografia à ideia de paz
próspera e vigilante, terminaram por constituir o repertório vi-
sual de um imaginário popular.
Não tardou e, depois de Visscher, outros artistas criaram tam-
bém suas séries de desenhos paisagísticos ao longo dos anos
1610, como Esaias van den Velde, Willem Buytewech e Jan van
de Velde; alguns dos quais tiveram seus desenhos impressos
pelo próprio Visscher. Neles, vemos a recorrência de mesmas
estratégias visuais para fazer o espectador remeter a imagem
representada às localidades observadas. A triangulação entre o
observador, o vilarejo de Sparnewoude e a igreja de St. Bavo,
em Haarlem, à distância, num desenho de Jan van de Velde,
criando o efeito de uma espacialidade figurativa que coincidia

4 Sobre a relação diretamente proporcional entre o tempo de trabalho e o valor


final da obra de arte na Holanda do século XVII, cf. BOK (1998).

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com a espacialidade geográfica das localidades em questão,


estava novamente a serviço da retórica de persuasão pela lem-
brança. Sparnewoude, uma pequena localidade, contígua aos
pôlderes adjacentes ao dique que levava de Haarlem a Ams-
terdã, fora rota de passagem das tropas espanholas na década
de 1570. O mesmo vilarejo era visto, no entanto, no desenho
de 1616, com a tranquilidade dos pastos e das plantações (DE
GROOT, 1954-1979; LEVESQUE, 1994).
Em todas as séries, abundavam as referências a ruínas, sobre-
vivências tornadas alegoricamente em testemunhas oculares de
uma história patriótica escrita com sangue. Foi mesmo Jan van
de Velde quem introduziu, em meio a uma série de impressos
que representavam os arredores de Haarlem, uma prancha com
o motivo de uma fortaleza em Tholen, na Zelândia. A suposta
incongruência geográfica era o deslocar do motivo alegórico da
vigilância para sugerir que a paisagem do pôlder fértil e prós-
pero, tornada típica da Holanda, só podia ser pacífica e diligen-
temente cultivada porque as fronteiras longínquas (ao menos
para o viajante da poltrona ao lado da lareira que se aprazia
com as vistas impressas) eram vigiadas; constituíam mesmo os
baluartes da liberdade adquirida (LEVESQUE, 1994).
E se esse tipo de estratégia visual, própria da retórica de
imagens dispostas como uma série iterativa, era sutil e mui-
tas vezes só indiretamente cognoscível, então era o caso de
usar outra estratégia combinada, a de personificações, onde
os conteúdos alegorizantes eram mais explícitos. Foi o caso da
página-título do Merckt der wysheidt [O Mercado da Sabedoria],
de Willem Buytewech. Nela, a topografia cedia espaço a uma
paisagem alegórica visualizada como o Hollandse Tuin [Jardim
Holandês], alegoria que dramatizava a espacialidade figurativa
para designar a paisagem política através do ideário de “Bom
governo”. O jardim era delimitado por uma cerca e tinha o Leo
Belgicus a defender-lhe o portão. Em seu interior, a Dama da
Holanda recebia as mesuras tanto da nobreza local quanto das
lideranças civis. Nos canteiros, a laranjeira ostentava um galho
partido e outro, verdejante, com duas laranjas, representando
o falecido Guilherme I e seus dois filhos, Maurício e Frederik

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Hendrik, respectivamente. Do lado de fora, com duas caras, e


ladeada pelo traiçoeiro jaguar e por tropas armadas, a personi-
ficação da Espanha.5
Nessa imagem, vemos a tentativa de Buytewech em propor,
frente à ameaça constante dos espanhóis, uma conciliação dos
diversos grupos em jogo. Assim, para que o jardim continuasse
a dar frutos copiosos, era preciso que o Leão Neerlandês unisse
as províncias mediante o comum acordo das facções holande-
sas, sem se esquecer de dar destaque central ao stadhouders-
chap [lugar-tenência] dos Orange-Nassau.
Mas não era exatamente isso que se via nos tensos anos de
meados dos 1610. Apesar de tentar a conciliação, era óbvio que
as posições tanto do líder civil – Oldenbarneveld – quanto de
sua base de sustentação política – a plutocracia das cidades
mercantis holandesas e sua influência nos Estados da Holanda
e, através desses, nos Estados Gerais da República - estavam
mais para o lado dos “remonstrantistas” arminianos. Ademais,
tentando se desvencilhar das limitações institucionais que Ol-
denbarneveld lhe impusera, Maurício de Nassau procura então
se aliar aos “contra-remonstrantistas” gomarianos, de um lado, e
ao apelo popular de outro (ISRAEL, 1995; ROWEN, 1988).
Assim, o stadhouder aglutinou junto à sua causa o assim
chamado Partido da Paz, o grupo confessional mais próximo da
ortodoxia calvinista e as cidades e as províncias descontentes
com a hegemonia das cidades holandesas comerciais(dentre
as quais a principal era, de longe, Amsterdã) no interior dos
Estados Gerais. Nesse sentido, para combater a força desses
grupos através da preponderância econômica e política dos Es-
tados da Holanda, a alternativa política de Maurício de Nassau
foi a do discurso de respeito às diferentes comunidades civis
e provinciais, propondo o próprio posto de stadhouder como
mediação para a conciliação desses particularismos, unindo a
multifacetada soberania das províncias em torno de sua própria
prerrogativa aristocrática.

5 Para a descrição e interpretação da página-título de Buytewech, cf. tanto SCHA-


MA (1992), quanto LEVESQUE (1994).

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Para tanto, a utilização do repertório de vistas topográficas


era crucial. Sem fazer alusão a soberania de um nobre, mas
enfatizando o lugar de cada comunidade civil, assim amalga-
mando geralmente as diferenças no interior das clivagens de
interesses diversos, bastava ao orangismo se associar a essa ico-
nografia para se difundir como imagem do país como um todo,
sem, no entanto, deixar o rastro de que essa associação era tão
construída como qualquer outra. Nesse sentido, artistas como
Visscher, sabidamente orangista e notório “contra-remonstran-
tista” – chegou a ser diácono na Nieuwe Kerk em Amsterdã,6
tiveram um papel social preponderante na criação de produtos
culturais que ajudaram a usar a imaginação da paisagística para
naturalizar um projeto ideológico de Estado.
A associação entre a topografia pátria e o orangismo passou
a ser mais reforçada quando da subida ao poder de Maurício
de Nassau, com o golpe de estado que pôs fim aos conflitos
religiosos nas ruas e depôs o Advogado da Holanda, Oldenbar-
neveld, em 1618. Com o novo regime, as vistas topográficas não
só continuaram a ser usadas com a identificação pátria como
engendraram toda uma nova escola de pintura de paisagem, a
partir da década de 1620. Eis a fórmula ideológico-imaginária
que possibilitou a mediação simbólica para a contrução cultural
das identidades nos Países Baixos, tendo as guildas de artistas
holandeses um papel social importante nesse processo.
Quando os quadros de Van Goyen ou de De Molijn apare-
ceram na década de 1620, com suas espacialidades amplas, em
cenas de transeuntes em meio às dunas, os gravados paisagísti-
cos e cartográficos de Visscher já circulavam pelo mercado, de
forma que os compradores dos quadros já estavam familiariza-
dos com os motivos do “homem” e da “terra” neerlandeses e
sua inserção num imaginário de paisagem política.
Foi nesse ambiente cultural, em que eram relacionados entre
si a topografia e a história, que Frans Post nasceu e aprendeu
a compor paisagens. E esses códigos de representação estão

6 Sobre a primeira caracterização, cf. LEVESQUE (1994). Sobre a segunda, cf. GIB-
SON (2000).

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marcantemente presentes em suas primeiras imagens, sobretu-


do porque, sendo feitas para João Maurício, Conde de Nassau-
-Siegen, elas adquiririam a dimensão política da montagem de
uma visão oficial da colônia. Assim, sem negligenciar o aspecto
documental na imagem de Frans Post, reafirmamos, entretanto,
que o que ela evidencia não é uma realidade objetiva, mas uma
construção de sentido histórico em meio às relações de poder
de seus contemporâneos.

As imagens da Pax Nassoviana nas telas de Frans


Post (1637-1640)
É plausível que Frans Post tenha começado a construir suas
composições, ainda ao tempo da execução das telas, de acordo
com os princípios de uma geografia para o Brasil, tal qual pro-
posta por João Maurício, Conde de Nassau-Siegen (VIEIRA, 2012).
Porém, para entender essa criação cultural, devemos levar
em conta a relação que a mídia escolhida poderia ou não possi-
bilitar à construção da imagem. O possível conteúdo veiculado
pelas vinhetas no mapa Brasilia qua parte paret Belgis tinha a
vantagem da intertextualidade para com os demais elementos
da representação cartográfica. Não só em termos de associação
para uma melhor identificação das localidades e sua situação
geográfica (embora seus aspectos sensíveis tivessem sido re-
duzidos a tipos de espaços geográficos), mas em termos de
criação de sentido (VIEIRA, 2011).
As pinturas careciam dessa contextualização mais ampla,
sobretudo quando pensadas em exibição em Vrijburg, época
em que os livros Rerum per octenniun in Brasilia e Historia
naturalis Brasiliae – que poderiam ser usados como fontes
escritas a fornecer passagens de modo que os espectadores
pudessem explorar as imagens a partir da retórica da ekphra-
sis – ainda não tinham sido editados. Nesse sentido, as telas de
Post só poderiam fazer referências às telas de Albert Eckhout;
ou de uma imagem para outra no interior da própria série que
formavam, estando juntas. No entanto, essa última possibilida-

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de ficava um pouco sacrificada pela natureza mesma do tema


de cada imagem, se individualmente considerada. Ao mesmo
tempo em que a série fazia emergir um sentido corográfico às
paisagens do Brasil holandês, cada imagem trazia a preocu-
pação de ser topográfica; ou, literalmente, a representação de
um lugar. E como cada lugar poderia apresentar característi-
cas diversas, ou mesmo Post poderia, aproveitando-se dessas,
criar variadas imagens de exploração paisagística das diferen-
tes topografias, a necessidade de se ater a elementos locais
em cada uma das imagens dificultava a inserção de referên-
cias regionais. A alternativa seria criar uma estruturação dos
motivos que fosse válida para cada uma das imagens, sendo,
ao mesmo tempo, reconhecida como uma mesma estratégia
visual, de forma a conferir coerência à inter-relação entre cada
vista topográfica e o todo corográfico que elas, juntas, pode-
riam tornar visível.
Essa estratégia visual foi urdida através da relação conscien-
te estabelecida entre as figuras etnográficas, zoológicas e bo-
tânicas do primeiro plano e o tema topográfico do plano de
fundo. Em todas as sete telas conhecidas, esses motivos, que
se referiam aos habitantes, fauna e flora dos trópicos brasilei-
ros, apresentam tamanho e proporções relativas idênticas de
uma composição para outra; e sobretudo as figuras humanas
são maiores do que as recorrentes nas imagens de sua obra
posterior, feitas de volta à Holanda para o mercado de pinturas
de paisagens. Eis porque torna-se plausível que essas figuras
não fossem mera stoffage. Post usou uma mesma estratégia que
poderia ser também adotada na representação cartográfica. Se
nessa última, alguns símbolos e convenções podiam assumir
a forma icônica, e não a diagramática que depois veio a ser
padronizada ao longo da história posterior da cartografia, a
paisagística de Frans Post parece ter sido construída com a in-
trodução de motivos que denotavam um valor icônico, mas que
conotavam um valor simbólico.7

7 Por iconicidade, entendemos a relação de semelhança entre o signo e o objeto


a que aquele se refere, tal qual definiu Charles Sanders Peirce: “Um Ícone é um

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A Pax Nassoviana e a Paisagem Política da Nova Holanda em Frans Post 223

Entretanto, ao analisar as imagens que Frans Post executou


para João Maurício, devemos considerar que o significado não
está intrínseco nelas, mas no processo de significação que se
estabelece por um espectador que as olha.8 Processo esse que
é mediado pela relação com a cultura visual de seu tempo (DI-
KOVITSKAYA, 2006).
É sabido apenas que as telas de Frans Post foram criadas
para decorar os palácios que João Maurício construiu. Ana-
lisando ambas as plantas dos palácios de Vrijburg e da Mau-
ritshuis, J. J. Terwen considerou que haveria espaço suficiente
para abrigar uma série de quadros (TERWEN, 1979). Foi a
partir dessa sugestão que Rebecca Parker Brienen demons-
trou que teria sido possível exibir a série de retratos etno-
gráficos e de naturezas mortas, feitas por Albert Eckhout, no
principal “saguão principesco” de Vrijburg (BRIENEN, 2006:
172). Haveria ainda mais espaço, de acordo com a planta bai-

signo que se refere ao Objeto que denota apenas em virtude de seus caracteres
próprios, caracteres que ele igualmente possui quer um tal Objeto realmente
exista ou não. [...] Qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual
ou uma lei, é Ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa
coisa e utilizado como um seu signo.”; e por símbolo, entendemos o signo que
guarda relação com o objeto através de uma lei, norma ou convenção social.
Baseamos-nos em Peirce (2003: 52), para quem “Um Símbolo é um signo que
se refere ao Objeto que denota em virtude de uma lei, normalmente uma asso-
ciação de ideias gerais que opera no sentido de fazer com que o Símbolo seja
interpretado como se referindo àquele Objeto. [...]”.
8 Estamos aqui propondo uma leitura aberta da iconologia de Eddy de Jongh.
Quando esse autor, por exemplo, sugere uma gama de associações que o motivo
da pérola poderia evocar no público holandês do século XVII, da castidade à lu-
xúria, e que esse motivo estaria inserido em composições criadas por uma cultu-
ra moralizante, fica claro que o significado não está intrínseco na pérola (seja no
objeto empírico ou no motivo que a ela se refere), mas que é construído por um
espectador na maneira com a qual esse irá relacionar o motivo a um repertório
de associações. Isso não estaria distante do que Peirce disse do signo, que “[...]
é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.”. Assim,
o signo só significa através do ato de significação de alguém que a ele corres-
ponda um significado. Foi para evitar a noção de que o significado é intrínseco
à imagem, por exemplo, que Michael Baxandall (1985: vii) escreveu que: “[...] In
general I have preferred the universe of historical explanation to that of literary
hermeneutics as a medium for those reflections: if I do not speak of ‘meaning’ in
pictures that is deliberate. […]”. Para referência a De Jongh, ver trabalho de 1975-
76 (84-89); e para a definição de signo, ver PEIRCE (2003: 46).

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xa daquele palácio, para a série de dezoito vistas topográficas


feitas por Frans Post.9
No entanto, nenhuma descrição dos interiores de ambos os
palácios sobreviveu de forma que pudesse fornecer informa-
ção mais completa sobre a exibição dos quadros de ambos os
pintores. Sobre Vrijburg, há o caso das crônicas deixadas pelo
Padre Manuel Calado do Salvador, que se achava próximo ao
círculo íntimo de João Maurício, a ponto de frequentar seu pa-
lácio. Nelas, há descrições dos jardins, pomares, zoológico e
do aquário que o conde construíra em torno do palácio. De
acordo com Calado, não havia animal, planta ou outros objetos
do Brasil que não pudessem ser achados lá. Porém, ele não
menciona nem a decoração dos interiores do palácio nem as
telas de Frans Post (SALVADOR, 2004: 111-112; MELLO, 2006:
96-98, 135-143). Nem mesmo Caspar Barlaeus, que chamou a
atenção para o “cimeliarchium” que João Maurício construíra
no Brasil, verdadeiro Wonderkamer (gabinete de maravilhas) a
abrigar artificialia e naturalia da Coleção Brasiliana, também
não mencionou as pinturas de Post (BARLEUS, 1647: 151-152;
TERWEN, 1979 :79).10
Voltando a atenção para o caso de Vrijburg, se Brienen esti-
ver correta em sugerir o salão principal, frontal e virado para o
nascente, como o local para as pinturas de Eckhout (BRIENEN,
2006), então é verossímil supor que o outro salão, contíguo ao
primeiro, embora orientado para o poente, poderia ter abrigado
a série de Frans Post. Apesar de suas menores dimensões, esse
salão teria espaço suficiente em suas paredes para distribuir
as dezoito telas, num périplo visual pelas vista topográficas
das localidades do Brasil holandês, o que estaria de acordo

9 Joaquim de Sousa-Leão (1973: 24) não considerou que as telas de Post compu-
sessem um conjunto: “despite the strange standard size, Post’s pictures were not
“part of a series”. Já Evaldo Cabral de Mello (2006: 140) se limitou a afirmar que
“[...] os dezoito quadros que Frans Post executou ao longo dos seus anos de
Nordeste deviam estar pendurados nas paredes de Vrijburg e da Boa Vista [...]”.
A questão das imagens de Post como uma série no interior de toda uma coleção
Brasiliana de Nassau foi posta por LAGO (2006: 26-7). Porém, esses últimos
apenas sugeriram essa conexão, sem, no entanto, levar essa investigação adiante.
10 Para uma versão em português, cf. BARLAEUS (1980).

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A Pax Nassoviana e a Paisagem Política da Nova Holanda em Frans Post 225

com a aplicação do princípio cosmográfico à organização da


própria planta arquitetônica, como ocorreu com a Mauritshuis
(SCHEURLEER, 1979: 182-183). Assim, as pinturas teriam sido
distribuídas, da esquerda para a direita, correspondendo aos
lados sul e norte, respectivamente, do cômodo: do rio São Fran-
cisco ao Maranhão.
O público de Vrijburg para aquelas telas deveria ser consti-
tuído por um pequeno grupo de indivíduos com acesso ao pa-
lácio. De acordo com sugestões colhidas numa abordagem que
reinterpretou os objetos de arte através de uma história social
da corte, poderíamos considerar que as telas de Post foram rela-
cionadas a uma “politics of intimacy” (ADAMSON, 2000: 33) do
Conde de Nassau-Siegen. O papel da cultura material da corte
tinha implicações políticas de muita relevância para o objeto de
estudo aqui nesta investigação. A cultura política holandesa do
século XVII, caracterizada pelo particularismo em diversas instân-
cias, tais como clivagens sociais entre burguesia e nobreza; entre
diferentes municipalidades; diferentes províncias; e até no nível
internacional, uma vez que tratava-se de uma república mercantil
inserida numa ordem europeia composta por estados monárqui-
cos, fez com que a corte, sob o estatuderato dos Orange-Nassau,
fosse construída em torno do papel de mediação, como tem sido
sublinhado para o caso específico das políticas que o Príncipe
Frederik Hendrik liderou, ao tempo em que fora stadhouder da
Holanda, Zelândia e Utrecht, de 1625 a 1647 (MÖRKE, 1997: 58).11
Nesse sentido, a corte que o Conde de Nassau-Siegen cons-
truiu em Vrijburg pode ser entendida no contexto político de sua
congênere, a orangista na Haia. No entanto, as diferenças entre
as duas cortes não foram apenas quantitativas. A corte nassoviana
não era uma reprodução da corte de Orange em escala menor.

Many of the so-called ‘patriots’, (republican-minded)


northern Netherlanders, were anything but pro-Oran-
ge, apart from the fact that they had a firmly establi-
shed own set of values. It seems quite possible that the

11 Cf. também ISRAEL (2000: 130, 136).

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court of Johan Maurits van Siegen Nassau (1604-1679)


which he set up in Mauritsstadt (today’s Recife) when
he was governor of Nieuw-Holland (Brazil) from 1636
to 1644, would have appealed more than that in The
Hague. Johan Maurits […] appears to have had con-
siderable insight into the importance of creating an
active trade policy and a balanced development of
the region over which he governed. He seems to have
been more of an all-round ruler than his relative the
stadhouder Frederik Hendrik. But like him he sup-
ported an open, tolerant society. Actively interested in
both arts and sciences (FRIJHOF, 1997: 15).

A mudança de ênfase para o caso da corte nassoviana, como


sugerida na passagem acima, deve-se por conta de que às pe-
culiaridades do caso político neerlandês somava-se o contexto
cultural da multiplicidade étnica da sociedade colonial no Bra-
sil. Assim, a política de tolerância, defendida por João Maurício,
era uma tentativa de lidar com as variadas clivagens de uma
colônia neerlandesa cujos setores produtivos permaneciam nas
mãos de portugueses, mas que dependiam da mão-de-obra es-
crava africana, e cuja segurança militar mínima implicava no
emprego de tropas indígenas. Um historiador como Evaldo
Cabral de Mello afirmou que essa política de tolerância era
uma intervenção crucial para que o governo do Brasil holandês
mantivesse o controle da colônia, e, portanto, da produção e
escoamento do negócio do açúcar. Segundo ele:

Bem mais do que a gestão de contatos e conflitos


entre europeus e não-europeus, governar o Brasil
holandês era, em máxima parte administrar relações
intercomunitárias, marcadas por intensas rivalidades
religiosas, econômicas e nacionais entre estratos po-
pulacionais de diferentes procedências europeias. Os
neerlandeses não depararam apenas com culturas na-
tivas, como na América setentrional, mas com toda
uma sociedade colonial de origem lusitana consoli-

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A Pax Nassoviana e a Paisagem Política da Nova Holanda em Frans Post 227

dada há um século com base na grande propriedade,


na monocultura da cana e na mão-de-obra indígena
e africana. [...]
Ao passar a comunidade luso-brasileira de domina-
dora a dominada, sua acomodação às circunstâncias
criadas pelo domínio batavo e pela sociedade mul-
tinacional e multiconfessional implantada à sombra
dele constituía o problema prioritário de Nassau. A
política de conciliação que ele adotou e sua peça
fundamental, a tolerância da religião católica, eram
certamente um imperativo da dependência em que
se achava a produção de açúcar em relação aos se-
nhores de engenho, lavradores de cana e artesãos da
nação portuguesa (MELLO, 2006: 87-88).

Nesse sentido, o desenvolvimento de uma corte, e um am-


biente urbanizado a sua volta que a tornava possível, foi também
uma manobra política a fim de atrair os líderes da “comunidade
luso-brasileira” para a ordem social que se construía, na medida
mesma em que era uma forma amistosa de, reconhecendo-se
“como um só povo”, submetê-la à autoridade da WIC e dos Es-
tados Gerais dos Países Baixos Unidos.12 As imagens nassovianas
eram, portanto, parte de uma “politics of intimacy” que operou
no amplo contexto de relações sociais em que as “liturgias de
poder” adquiriram importante papel (WEHLING, 2004: 22).
Ao sublinhar o quão importante os veículos visuais eram
para essas liturgias, Arno Wehling chamou a atenção para a ico-
nografia da heráldica do Brasil holandês, sugerindo um apelo
“aristocrático” presente nessas imagens. Então, relativizando o
lugar da produção científica e artística em relação às liturgias
de poder, esse autor sugeriu que as imagens de Frans Post po-
deriam ser um elogio visual à natureza brasileira que terminava
sendo um elogio indireto ao seu governador, o próprio João

12 Expressão que João Maurício usou na assembleia de 1640, com o fim de incluir
a comunidade luso-brasileira no projeto político da formulação das leis para o
Brasil holandês. (MELLO, 2006: 145).

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Maurício, uma vez que ele era o responsável pela manutenção


da terra pacificada (WEHLING, 2004: 24). Recentemente foi dito
que se deve entender a política de tolerância não como resul-
tante apenas de uma bondade pessoal de João Maurício, mas a
toda uma política da WIC para a colônia (ISRAEL, 2007: 14, 17).
O problema é o de se saber até que ponto a forma aristocrática
das liturgias de poder, interiorizadas nas paisagens de Post atra-
vés da simbologia presente na heráldica, poderia ser entendida
como uma identificação do corpo político da soberania com o
corpo físico do “príncipe”, como em imagens construídas por
outros monarcas europeus no século XVII, mas que traziam
uma dimensão que não interessava ao republicanismo neerlan-
dês.13 Assim, a presença de uma heráldica nassoviana nas ima-
gens de Post, demonstra que sua criação imagética foi marcada
pela tensão cultural entre essas duas polaridades do particula-
rismo político neerlandês: o republicanismo e o orangismo.
As imagens de Post eram, então, representações da “boa paz”14
que o Conde de Nassau-Siegen introduzira no Brasil holandês,
completando a conquista do território, disputado aos ibéricos
nos anos da guerra de resistência, e mitigando a desconfortável
relação entre vencedores e vencidos após 1637, de forma a man-
ter a produção de açúcar, única atividade rentável o suficiente
para justificar o empreendimento colonial. Aquelas telas e dese-
nhos não eram apenas a expressão de uma política de tolerância
em relação aos portugueses católicos, mas também a contrapar-
tida visual da conquista neerlandesa sobre a terra. Nesse sentido,

13 Para a relação entre o corpo político e a paisagem, cf. OLWIG (2002). Para o caso
da refração a essa construção identitária de lugar pela cultura política holandesa,
cf: ADAMS (1994).
14 A expressão se refere ao período da história do Brasil holandês que corresponde
ao governo de João Maurício, de 1637 a 1644, e aparece em GALINDO (2006).
Evaldo Cabral de Mello se refere à expressão “paz nassoviana” em MELLO, Op.
Cit.; p. 130, mas deixa a sugestão de que só teve efeito, de fato, a partir de 1641,
com a trégua lusoholandesa nos territórios do Brasil holandês. A esse respeito
e sobre a inserção dessa paz, que geralmente é contraposta aos momentos da
guerra da resistência ibérica, 1630-1637, e da guerra de restauração, levada a
cabo pela Insurreição Pernambucana, de 1645 a 1654, numa periodização da
história do Brasil holandês, ver MELLO (1998: 15-16).

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as imagens de Post se inserem no todo de uma produção cultural


neerlandesa marcada pela euforia presente também numa série
de panfletos, panegíricos e poemas, publicados na Holanda, de
fins dos anos 1630 até meados dos 1640 (SCHMIDT, 2001: 253).
Telas como O Carro de bois, Forte Ceulen e Porto Calvo são
exemplos desse sentimento de paz conquistada. Nelas, não
há traço de motivos portugueses, como os nobres de Vista de
Itamaracá.
Em O Carro de bois, a imagem de prosperidade e abundân-
cia, na relação oportuna com o fato de que a safra do açúcar foi
considerada boa em 1638 (LAGO, 2006: 88), ano do quadro em
questão, estava conectada tanto à evocação de uma paisagística
neerlandesa para o tema da terra trabalhada e a colheita desse
fruto quanto ao tratamento às condições atmosféricas do inver-
no na fachada atlântica do nordeste brasileiro. Nesse sentido,
parece que Frans Post teve a sensibilidade de perceber que o
período que vai do plantio à colheita da cana sacarina no Brasil
holandês fazia coincidir a ideia de abundância em associação
com inverno austral. Esse último não era gelado, como o se-
tentrional na Holanda, mas chuvoso; e era precisamente esse
regime pluvial que fertilizava a encosta leste dos degraus da
Borborema, fazendo os rios descerem e fertilizarem as várzeas,
onde a cana seria cultivada.15
Em Forte Ceulen, o tema da Fortaleza na reação com o trata-
mento à paisagem de forma a sugerir tranquilidade e segurança,
operava o hibridismo de justapor a exortação a uma iconogra-
fia de gravados paisagísticos como a representação do forte em
Tholen, na Zelândia, de Esaias van den Velde,16 ao tema da alian-
ça com os índios Tarairiu no Rio Grande do Norte (BOOGAART,
2011). De fato, a análise de Levesque para a série de gravados de

15 Essa constatação não era apenas do conhecimento de Frans Post, sendo compar-
tilhada por outros. O autor das linhas encontrada no panfleto “O machadão do
Brasil” perguntava: “Quem é o idiota que ignora o fato de que no Brasil não gela,
não se ferram os cavalos e que lá as mulheres não querem trabalhar na fiação?”
(MELLO, 1998: 326-327).
16 Cf. Esaias van den Velde, Ten Landscapes: Walled River Town to the left of a River,
figura número 60 e capítulo quarto em LEVESQUE (1994).

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Van den Velde aponta para elementos comuns à construção da


imagem em Frans Post. Dentre esses elementos, sobretudo dois
aspectos são de relevância aqui: primeiramente, que a observa-
ção empírica dos sítios poderia ser sutilmente manipulada a fim
de orientar a construção de sentido para um lugar representado,
no caso aqui em imagem de abundância no presente que não
deve se descuidar da vigilância no futuro (LEVESQUE, 1994: 59);
e, em segundo lugar, a introdução de uma localidade distante no
conjunto seriado de vistas de locais próximos com o fim de suge-
rir ao espectador a possibilidade do trajeto virtual na experiência
de olhar os gravados em série (LEVESQUE, 1994: 58).
De acordo com a análise de Levesque, Van den Velde tentava
fazer seu espectador ver que a paz dos arredores de Haarlem
só fora possível graças à transposição da fronteira da guerra
para a borda zelandesa do território da soberania. Nesse senti-
do, Frans Post poderia estar fazendo referência a um imaginá-
rio (contido tanto na imagem singular em meio ao repertório
quanto e a um modo de ver construído pela sua cultura visual
específica) com o qual seu espectador poderia primeiramente
compreender os “saltos” entre as várias localidades no périplo
de seu conjunto para, em segundo lugar, associar a imagem ao
conteúdo mesmo dessa operação do olhar: a paz do suikerrijke
[rico em açúcar] Brasil só era possível graças à manutenção da
vigilância, ainda que em localidades tão distantes que para isso
se precisasse mesmo da aliança com os nativos.
Em Porto Calvo, essa união com índios a fim de completar a
conquista do território em Pernambuco está mais explícita. As
figuras dos soldados holandeses podem descansar sob à som-
bra da árvore precisamente porque a tropa de índios marcha,
descendo o terreno em Colinas, na direção do Forte da Povoa-
ção. As mulheres, com as crianças e os utensílios domésticos,
seguindo os guerreiros são parte de um motivo com conteúdo
etnográfico, sobre a maneira como os índios faziam a guerra
(MARCGRAF, PISO, 1648).17

17 Para versão em português, cf. MARCGRAF, PISO (1942). Cf. também NIEUHOF
(1682). Versão portuguesa de 1981 (348-349).

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Entretanto, e uma vez que os índios eram considerados sel-


vagens, essa aliança só poderia ser feita com a justificativa de
civilizá-los, guiando-lhes os passos através da cristianização,
como fica evidente logo do começo da leitura do texto de Bar-
laeus, que escreve, ainda no prólogo de seu Rerum per octen-
nium in Brasília (1980: XII).
Portanto, seguindo essa mesma visão acerca do indígena,
nessa composição de Post, os guerreiros tupis e suas esposas
e filhos(as) marcham em coluna, liderados por um soldado em
casaca vermelha. Essa temática foi trabalhada por Frans Post a
fim de relacionar a paisagem da pacificação à história, em equi-
valência para com o que observou Levesque acerca da relação
direta, feita na iconografia holandesa da virada dos séculos XVI
para o XVII, entre a formulação visual da abundância da ter-
ra com o contexto da paz que se seguiu à Trégua dos Doze
Anos, assinada com a Espanha (LEVESQUE, 1998: 223). Assim,
Frans Post escolhera justamente a imagem sobre Porto Calvo
para abordar tal assunto, pois o próprio sítio era já a evocação
da localidade que havia sido palco da batalha que resultou na
conquista da fortaleza da Povoação. João Maurício, com sua
guarda e à frente do exército, venceu seu rival napolitano, o
Conde Bagnuolo, líder das tropas ibéricas, perseguindo-o até a
expulsão para além do rio São Francisco, findando a resistência
e conquistando por fim toda a capitania de Pernambuco.
Entretanto, no respectivo desenho, esse soldado aparece
carregando a bandeira tricolor dos Países Baixos Unidos, em
consonância com o tratamento ao motivo na vinheta do mapa
de Marcgraf.
A modificação parece evitar o mal entendimento que pode-
ria ocorrer, advindo da confusão entre que instâncias do corpo
político deveriam presidir a essa missão civilizatória do indíge-
na. Era mais correto, politicamente falando, associar a sobera-
nia a um símbolo que a remetesse ao conjunto das províncias,
como no caso do uso da bandeira no desenho e na vinheta,
do que tomar essa missão responsabilidade de uma soberania
como incorporada na figura do governante, ainda que implica-
do apenas indiretamente, como na alusão à guarda nassoviana.

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Essa operação na mudança de tratamento para com o motivo


estava mais de acordo com uma cultura visual que prezava pela
associação política da soberania não com a de uma lealdade
dinástica, mas com a comunidade, sendo essa visualizada na
imagem da terra livre, trabalhada e plena de abundância agrí-
cola e comercial (LEVESQUE, 1998: 223).
A ideia da paisagem como jardim, resultado do bom go-
verno, se apoiava nos três topoi da paz: liberdade, trabalho e
abundância (LEVESQUE, 1998: 223, 229, 249). Nesse sentido,
Catherine Levesque afirmou que:

The images of the Dutch garden in the prints celebra-


ting the 1609 truce, though primarily intended as po-
litical allegories, introduce several important features
that appear in more naturalistic Haarlem landscapes
prints: a fertile cultivated setting that includes such
subjects as the diverse classes of society, an emphasis
on labor, and allusions to outside dangers. The simi-
larities between the imagery of the prosperous peace
in the symbolic prints and the print series of native
views produced in the teens by Visscher, Van den
Velde, and Buytewech, suggest that for seventeenth-
-century viewers the self-evident pleasures associated
with such scenery might have a deeper resonance
(LEVESQUE, 1998: 252).

Portanto, um dos topoi dessa imagem da terra pátria passa


pela ênfase ao trabalho. A paz traz a oportunidade de traba-
lho, e é desse que resultará a abundância. É nesse quadro
específico de um elogio visual à terra em associação a um
contexto de paz, que propomos a compreensão do motivo
de figuras humanas em trabalho nessas primeiras imagens
de Frans Post. Ruud Joppien só pôde fazer sua contraposição
à frequente aparição de cenas de trabalho na obra de Post
em contraste com a escassez dessas mesmas na paisagística
holandesa do século XVII em geral ( JOPPIEN, 1979: 300),
porque tomou em conta as pinturas de paisagens executadas

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A Pax Nassoviana e a Paisagem Política da Nova Holanda em Frans Post 233

num contexto posterior da história da Holanda do século


XVII. Chegamos à conclusão diferente ao considerar a com-
paração iconográfica do tratamento da paisagem e das figuras
humanas nos desenhos de Post aos mesmos elementos pre-
sentes nas séries de gravados paisagísticos de Haarlem das
primeiras décadas do século XVII. Observe-se, por exemplo,
o desenho De Mont van de Riviere van Parayba, de 1645 (SIL-
VA, 2000: 58). A alusão na composição à presença do sistema
defensivo da foz do rio Paraíba, dominado pelo forte Marga-
reta, já dá a sugestão de uma paz vigilante. Levando-se em
conta que essa localidade estava relacionada ao da própria
Cidade Frederica, apresentada no desenho respectivo sob o
brasão da capitania da Paraíba, que através dos seis pães de
açúcar sugeria diretamente a abundância da produção açu-
careira, poderíamos remeter as duas imagens a uma visão
mais ampla que relacionava as duas localidades em termos
de vigilância que permitia a paz necessária ao trabalho da
capitania. No desenho da foz do rio, o uso conjugado das
figuras humanas pescando à beira mar era um reforço em
evocar o tema do trabalho. A associação do navio em direção
ao oceano era já a contrapartida comercial dessa imagem de
paz e abundância.
Portanto, o uso das figuras humanas nas telas e desenhos
que Post fez para João Maurício, com intuito de assinalar re-
missões, alusões ou mesmo exortações a conteúdos com os
quais o espectador poderia referenciar a representação paisa-
gística de lugar, corrobora a interpretação de que houve uma
mudança de tratamento em relação a esse imaginário de uma
paz pátria, apesar da manutenção temática (LEVESQUE, 1998:
226). Em contraste com a preferência por motivos humanos
que funcionavam como figuras alegóricas no repertório do sé-
culo XVI, o tema da paisagem abundante passou a se relacio-
nar no repertório do século XVII com figuras humanas apre-
sentadas em suas atividades cotidianas ligadas ao comércio,
ao transporte, ao cultivo agrícola, à pesca, mas que, no en-
tanto, funcionavam como conotação aos mesmos conteúdos
antes evocados pelas personificações (note-se a semelhança

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234 Daniel de Souza Leão Vieira

entre o motivo em Post e no desenho de Claes Jansz. Visscher


sobre Zandvoort).18
No entanto, essa construção cultural não foi de todo homo-
gênea. Houve casos de vestígios de embates entre mais de um
ponto de vista ideológico na definição das estratégias visuais.
A tela Forte Frederik Hendrik, por exemplo.19 O tratamento ao
tema na tela de Post apresenta uma certa fissura na superfície
do dique político que segurava a imagem da “pax nassovia-
na”. Não admira que, de volta à Holanda, Frans Post tivesse
que modificar por completo sua vista da localidade. Ele não só
descartou a cena do encontro interétnico, ao remover a figura
feminina para o brasão, tal qual sugerida pela heráldica oficial,
como também inseriu o sítio da Ilha de Antônio Vaz como a
parte no desenho que cabia a uma Cidade Maurícia já construí-
da em 1645, e ligada ao Recife pela ponte, tendo o palácio de
Vrijburg ao centro, como no panorama feito a partir de nova
visada, obtida dos arrecifes.
Nesse sentido, toda a relação social e política que emer-
giu de tal análise corrobora a desconstrução de toda tentativa
de considerar a recepção da imagem de Post como edênica,
arcádica, pastoral, bucólica ou pitoresca. A proposta desta in-
terpretação histórica às imagens que Frans Post criou a servi-
ço de João Maurício é a de que os conteúdos alegóricos, que
permaneceram na simbologia da heráldica nassoviana, e que
porventura guardam relações com aquelas retóricas visuais do
elogio à terra abundante eram motivos retirados de códigos de
convenções paisagísticos que, relativizados às observações dos
trópicos e reformulados como típicas e exóticas, operavam a
construção simbólica de uma visão política do Brasil holandês.

18 “Cornelis Claesz. published the first edition of Guicciardini in the Northern Ne-
therlands on the occasion of the Tuce (1609). In contrast to the edition of twenty
years earlier this title page replaces the allegorical figures with Netherlanders
whose occupations – trade, farming, and fishing – have the same connotations
as the personifications in the 1582 edition. Together with the more prominent
naturalistic motifs, these elements in the 1609 title page signify the locale; […]”
(LEVESQUE, 1998: 238).
19 Esse argumento, aqui e nas passagens seguintes, foi trabalhado em VIEIRA (2014).

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Em outras palavras, era a contrapartida visual da construção


discursiva de uma política orangista-nassoviana para o Brasil
enquanto Nova Holanda.
Afirmar que essa visão orangista-nassoviana está incorporada
nas composições de Post implica em afirmar que essas imagens
não foram uma espécie de reprodução visual de uma suposta
factualidade histórica. Alguns historiadores que seguiram esse
pressuposto, tomaram as imagens de Post como ilustrações de
uma pax nassoviana que de fato teria existido. Ao assim pro-
ceder, estava-se apenas criando o mito de uma tal paz, que, de
fato, nunca ocorreu, a não ser como um projeto político, defi-
nido na tênue linha que separava o sucesso e o fracasso dos
neerlandeses no Brasil.
Nesse sentido, as imagens de Frans Post podem ser conside-
radas como fontes visuais para se estudar a história do Brasil
holandês na medida em que se as concebe como portadoras dos
vestígios, dos traços, que assinalam o embate dessa construção
imaginária. Portanto, viemos até aqui analisando justamente as
ausências e os silêncios que permitem discernir os critérios por
detrás das escolhas de Post em sua seleção natural de motivos
e tratamentos iconográficos. Critérios esses que apontam para
as relações de poder que perpassavam seu processo criativo.
Se as imagens de Post tivessem essa transparência em revelar
a realidade, como se houvesse uma realidade em si, então elas
deveriam mostrar os conflitos militares que grassaram os anos
do governo de João Maurício. Conflitos esses que tornavam uma
simples caminhada pelas colinas e matas, ainda que próximo aos
rios e aos caminhos, mais conhecidos e vigiados, uma aventura
arriscada e perigosa. As emboscadas resultantes das táticas de
guerrilhas, como praticadas pelas tropas luso-brasileiras, torna-
ram todo o território sob o governo neerlandês sujeito a cons-
tantes assaltos. Nem mesmo a proximidade às fortalezas batavas
impedia que “os soldados brasileiros se aventurassem até os mu-
ros [...] para se apossarem dos cavalos que pastavam nas redon-
dezas.” (MELLO, 1998: 328) Os mesmos fortes que aparecem em
cenas de tranquilidade e pescaria nos desenhos de Frans Post.
Nesse sentido, é importante ressaltar que a suposta “paz nasso-

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viana”, se é que existiu, poderia ser coincidida com o período de


1641 a 1644, do Tratado de Trégua com a Coroa Portuguesa até a
destituição de João Maurício do governo, pela WIC, e de seu re-
torno à Holanda. Mas não se conhecem as telas de Post para esse
período. As sete que sobreviveram remontam ao período ligeira-
mente anterior, de 1637 a 1640, e que se caracterizou pelo emba-
te entre a ocupação militar holandesa e as incursões de guerrilha
pela resistência das tropas portuguesas, que, lançadas desde a
Bahia, atravessavam o rio São Francisco a fim de, entrando em
Pernambuco, causar dano à produção açucareira como forma de
minar economicamente o empreendimento holandês no Brasil.

Conclusão: a Nova Holanda e o contexto


atlântico, 1645-1647

Quando Frans Post viajara para o Brasil, no início de 1637,


a linguagem visual do “realismo” já estava associada ao imagi-
nário de topografia pátria na paisagística neerlandesa. A sua
primeira tela, Vista de Itamaracá, já apresenta essa característi-
ca. E se a segunda tela, O Carro de bois, representa a paisagem
pernambucana em alegoria de abundância açucareira sem fazer
menção à topografia, tratou-se de uma estratégia que não vol-
tou a se repetir nas telas que ele pintou depois e que chegaram
até nosso conhecimento hoje. Todas as cinco, datadas até 1640,
foram compostas respeitando o motivo da topografia das loca-
lidades oficiais da Nova Holanda.
Fazer a paisagem política do Brasil surgir da relação entre vis-
tas topográficas dispostas em série era privilegiar uma maneira
de conferir, através do cuidadoso acuro da representação, uma
distinção política que João Maurício pôde ter querido e con-
seguiu fazer vigorar na corte de Vrijburgh; mas que pode não
ter encontrado muitos entusiastas na Holanda, sobretudo porque
seus conflitos com a WIC se agravaram após 1644, a despeito da
iniciativa de mandar publicar o Rerum per octennium in Brasilia.
O cuidado em representar cada câmara municipal, com seu
brasão, através da topografia paisagística, pode ter sido toma-

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do como uma tentativa de representar a Nova Holanda e suas


localidades em equivalência direta entre o modo com que se
representava os Países Baixos Unidos e suas localidades, como
vimos, sobretudo, no uso de perfis topográficos para represen-
tar a base municipal da soberania neerlandesa.
Então, a construção de uma imagem oficial da colônia em
Frans Post se relacionou a uma questão que passava pelo esta-
tuto político da Nova Holanda e seu relacionamento para com a
soberania neerlandesa, tal como nas imagens identitárias cons-
truídas na e pela cartografia. Mas então, nesse ponto, emerge
um problema crucial para essa construção cultural neerlandesa
e atlântica: deveria a Nova Holanda ser tratada como parte da
soberania ou como conquista ultramarina? A resposta dependia
de uma outra: soberania para quem?
Quando, por ocasião do debate sobre a manutenção do mo-
nopólio da WIC sobre o comércio do açúcar, João Maurício sub-
linhou os aspectos do livre comércio que trariam benefícios ao
negócio do Brasil (de interesse a ambos os acionistas da WIC
e os Estados Gerais), e deve tê-lo feito mais pela necessidade
imposta pela situação conjuntural da economia da colônia do
que pela convicção de uma política econômica. Detenhamo-nos
neste ponto a fim de investigar as implicações imaginárias que se
relacionavam com os dois interesses econômicos em jogo.
Ao se ater sobre a questão histórica do debate entre uma po-
sição monopolista e outra, liberalista, por assim dizer, em torno
do comércio do açúcar do Brasil holandês, W. J. Van Hoboken
afirmou que foram os interesses de Amsterdã que decidiram
o sucesso do debate. No entanto, cabe aqui ressaltar que Ho-
boken havia demonstrado que os interesses no livre comércio
estavam relacionados à emergência do partido libertino, que,
sendo mais ligado ao republicanismo, propunha a diminuição
do papel do stadhouderschap dos Orange no arranjo político
das forças na governança (HOBOKEN, 1960).
Nesse sentido, o orangismo e o republicanismo, as duas
correntes do pensamento político neerlandês do século XVII,
poderiam se antagonizar a ponto de trazer “tensões latentes” e
“conflitos” que podiam ameaçar o equilíbrio do “comportamento

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político”; assim como ocorreu em 1650, quando do embate entre


o stadhouder e os Estados da Holanda em 1650. Ora, o episódio
da tentativa de coup d’état de Willem II em 1650 foi o clímax
de um impasse entre as duas posições de que falava J. L. Price;
impasse esse que já vinha se agravando desde o começo das ne-
gociações que levaram à Paz de Münster, em 1648 (PRICE, 1994).
De fato, a confirmação da paz foi uma vitória dos Estados
da Holanda sobre a Casa de Orange. Sobretudo porque a nova
situação em relação à política internacional (as negociações de
paz com a Espanha apontando para o fim das hostilidades mi-
litares) permitiu que os Estados Gerais apoiassem a proposta
de diminuição do efetivo militar da República, o que poderia
ser uma forma de minar o poder do stadhouder, uma vez que
um dos atributos de sua posição de liderança era justamente
a função de comando em guerra. Essa mesma manobra, a da
diminuição do efetivo das tropas, já tinha sido executada pela
WIC após a saída de João Maurício do posto de Governador-
-General da Nova Holanda, em 1644.
Com o stadhouder Frederik Hendrik adoentado, e Willem
II ainda apenas tentando ganhar o comando das tropas, em
1645-6, quem “dirigia efetivamente a República” eram os irmãos
Bickers, de Amsterdã, líderes que eram do partido da paz e
principais membros da plutocracia mercantil (ISRAEL, 1995).
Nesse sentido, a feitura das pranchas para o livro de Barlaeus
tornou-se, durante os anos de sua feitura, de 1645 a 1647, uma
arena de embate político em prol de Frederik Hendrik. Cabe
lembrar que, a essa altura dos acontecimentos, o Orangismo
estava cindido em três, uma vez que à posição conciliatória
de Frederik Hendrik, opunham-se os extremos de Willem II,
mais a favor do partido da guerra, e de Amalia von Solms, mais
adepta do partido da paz (ISRAEL, 1995).
Enquanto uma mescla de soberania provincial com prerro-
gativas de linhagem principesca, a paisagem política proposta
pelo discurso orangista-nassoviano para o Brasil implicava a
construção de alegorias de prosperidade em termos de vista
topográfica. Ao assim fazer, esse discurso operava em três ní-
veis: 1) fazia do particularismo de origem municipal, tão típico

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da soberania neerlandesa ao século XVII, a base imaginária


do corpo político; 2) removia a referência a uma cabeça desse
corpo político, a fim de evitar a evocação ao stadhouder como
soberano, articulando então as topografias como partes de um
todo político que era sugerido pela cartografia do país; e 3) ao
propor a aplicação dessas categorias discursivas e imaginárias
a fim de elaborar uma geografia do Brasil, incluindo para isso
motivos tropicais, estava-se então procedendo a uma assimila-
ção cultural da terra do Brasil ao corpo político neerlandês. Em
outras palavras, tratava-se de um projeto colonial.
Por outro lado, enquanto proposta republicana pautada nas
noções de livre comércio, a paisagem política proposta para
o Brasil holandês mantinha os motivos tropicais que aludiam
e/ou conotavam a alegoria de prosperidade sem, no entanto,
querer precisar inseri-los numa estrutura de iconografia topo-
gráfica. Evitando as implicações de inclusão política dessa últi-
ma, a imagem do Brasil holandês simplificou-se em estereótipo
generalizante que exotizou o Outro, fazendo da paisagem não
especificamente um corpo político, a Nova Holanda; mas um
corpo a-politizado, considerado imaginariamente nos termos
de um suikerrijk. Em outras palavras, não constituía um projeto
de colonização, mas uma visão que propunha imaginar a terra
do Brasil em termos de conquista a uma colônia portuguesa.
Nesse sentido, o que se propunha era a manutenção de uma
mínima infraestrutura local (embora de relevância geopolítica
para todo o Atlântico) que, permitindo a continuidade da pro-
dução açucareira por portugueses, permitiria também a manu-
tenção do comércio neerlandês.
Porém, se por um lado João Maurício deixara que os inte-
ressados decidissem a sorte do debate em torno do Monopólio
vs. Comércio Livre; por outro, afinado com a proposta política
do orangismo de Frederik Hendrik, o Governador-General não
podia permitir que tal imagem viesse a ser a imagem oficial da
Nova Holanda. Daí porque todas as telas subsequentes de Post
que chegaram até hoje demonstram um retorno à estruturação
imaginária da terra em vistas topográficas.
Porém, o contexto histórico mudara em 1647, e em ambas

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as margens do Atlântico. Com a posição do stadhouder fragi-


lizada, os Bickers de Amsterdã puderam imprimir a paisagem
política para o Brasil que interessava ao republicanismo liberal.
O partido da paz tornara o projeto colonial de uma geografia
neerlandesa para o Brasil em uma imagem estereotipada.
Representar a terra do Brasil através de um repertório de
vistas topográficas associadas à paisagem política neerlandesa
teve, então, como viemos argumento em nossas pesquisas, o
efeito de incluir a Nova Holanda no interior da soberania neer-
landesa. E que essa construção cultural de sentido histórico foi
parte do projeto ideológico de estado proposto pelo orangismo.
No entanto, há um duplo desdobramento nessa atitude. O
primeiro é o de chamar a atenção para o fato de que o território
açucareiro da Nova Holanda seria um novo baluarte na guerra
contra os ibéricos. A sua manutenção era a condição para a
permanência da prosperidade e da paz doméstica nos Países
Baixos. Como se aquele forte em Tholen, representado por Jan
van de Velde nos anos 1610, tivesse sido levado agora para os
rincões das fronteiras da Nova Holanda, como o Forte Keulen,
no Rio Grande, ou o próprio Forte Mauritij no Rio São Francis-
co. Assim, em plenas negociações com a Espanha, a ideologia
orangista ainda se agarrava ao seu lastro: a união e a mitigação
das diferenças sob a bandeira da guerra e sob a liderança do
príncipe de Orange.
Ao mesmo tempo, representar o Brasil dessa maneira era tam-
bém reforçar o imaginário desse projeto para a própria sociedade
neerlandesa. Era manter esse imbricar de interesses provinciais
diversos numa síntese entre a elite civil e a pequena nobreza, a
ortodoxia calvinista e a heterodoxia dos outros grupos confessio-
nais, todos apoiados no apelo popular do orangismo.
Mas o grupo social formado em torno das elites mercantis
das cidades holandesas, sobretudo de Amsterdã, ascenderam
economicamente a um ponto que lhe era difícil demover a von-
tade política quando fosse preciso. O desfecho das negociações
da paz com a Espanha, a instalação de um governo civil depois
da morte prematura de Willem II e o malogro da guerra atlân-
tica pelo Brasil o demonstram muito bem.

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SERVIÇOS E MERCÊS:
OS BRAGANÇA E SEUS VASSALOS
ULTRAMARINOS (1641-1683)

Thiago Nascimento Krause1

Resumo: Após o rompimento com a Monarquia Hispânica em 1640, a


nova dinastia de Bragança precisou lidar com guerras nas quatro partes
do mundo. Para tanto, necessitava da colaboração ativa de seus vassalos.
Com poucos recursos financeiros, a concessão de honrarias se provou uma
ferramenta fundamental para garantir sua lealdade. Como o Brasil já se
tornara a principal conquista lusitana, a expulsão dos neerlandeses que
haviam conquistado parte considerável do Atlântico português na década
anterior era uma prioridade. Nesse artigo, estudamos os serviços prestados
pelos vassalos luso-brasílicos e as mercês por eles obtidas, destacando que
a guerra ensejou a concessão de grande número de honrarias às elites da
Bahia e Pernambuco e a militares que lá se estabeleceram. Dessa maneira,
reforçaram-se os laços entre os vassalos ultramarinos e a Coroa, contribuin-
do para a preservação da monarquia e de seu Império.

Palavras-chave: Ordens Militares. Guerra. Elites.

To serve and be rewarded: The Braganza and their overseas vassals


(1641-1683)

Abstract: After the secession from the Hispanic Monarchy in 1640, the new
dynasty of Braganza was forced to wage war in the four corners of the word.
To do so, it needed the active collaboration of their subjects. As the Crown
had little money to pay for it, the King had to resort to the granting of ho-
nors to ensure the loyalty of his vassals. Brazil had already become then the
most important possession of the Portuguese Empire, so its recovery from
the Dutch who had conquered a large part of the Atlantic in the previous

1 Doutor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Adjunto


de História da América Colonial e do Século XIX na UERJ/RJ. Professor de História
Moderna e da América Colonial na Escola Superior de Ciências Sociais, FGV/RJ.

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decade was a priority. This article analyses the services rendered by Luso-
-Brazilian vassals and the rewards they received for their troubles, emphasi-
zing that the war required the granting of a large number of honorific boons
to the elites of Bahia and Pernambuco and to the military personnel that was
established in these two captaincies. Therefore, the ties between overseas
elites and the Crown were reinforced and the Braganza dynasty preserved a
large part of its empire.

Keywords: Military Orders. War. Elites.

Não pode haver Rei sem serviços, nem serviços sem recompensa.
James VI da Escócia e I da Inglaterra, The Book of Bounty, 1610.

Introdução
Nas décadas de conflito entre portugueses e neerlandeses,
milhares de vassalos serviram à Coroa lusitana, e comunidades
inteiras foram chamadas a participar do esforço de guerra, ge-
ralmente através do pagamento de donativos e contribuições
para sustento da infantaria. De acordo com a cultura política
predominante, tais esforços não deveriam passar despercebi-
dos, pois constituía-se em uma das principais funções do mo-
narca administrar a justiça. O rei devia, assim, dar a cada um
de acordo com seu merecimento, dentro do ideal de construir
uma sociedade justa de desigualdades, estratificada, mas móvel.
Através dessa economia da mercê “garantiam-se os privilégios
que definiam os diferentes corpos do Reino, ao mesmo tempo
que o Príncipe assegurava a obediência e o amor dos seus vas-
salos, indispensáveis no serviço” (OLIVAL, 2001: 20).
Embora os Felipes não tenham se descuidado de remu-
nerar seus vassalos americanos (MARQUES, 2009: 267-73 e
RICUPERO, 2008), suas atenções estavam muito mais voltadas
para a Europa. Quando o Duque de Bragança ascendeu ao
trono, porém, o sucesso nas guerras ultramarinas tornou-se
fundamental para defender a recém-instaurada soberania lu-
sitana – e, em última instância, o pescoço do novo monarca.
Consequentemente, contar com o auxílio de seus vassalos tor-

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nara-se um elemento absolutamente fundamental – situação


ainda mais aguda nas conquistas, pois os recursos de que Por-
tugal podia dispor para enviar à América eram extremamente
limitados (SCHWARTZ, 2008).
Consequentemente, faz-se necessário indagar os mecanis-
mos utilizados pela Coroa lusitana para remunerar os serviços
de seus vassalos ultramarinos, especialmente nas áreas mais
afetadas pela guerra contra os holandeses: Bahia, “a cabeça do
Estado do Brasil”, e Pernambuco, total ou parcialmente ocu-
pado por 24 anos. As recompensas podiam ser requeridas de
forma individual, como vemos nas cercas de 700 petições de
moradores e naturais destas capitanias ao longo do período em
estudo, mas também coletivamente, através das Câmaras Muni-
cipais, que atuavam como porta-vozes das elites locais. Ambas
as maneiras, porém, inseriam-se no discurso predominante da
economia da mercê, que apresentava os vassalos como dedica-
dos e fiéis merecedores da graça régia.

Os vassalos coloniais no real serviço

Mediante o cruzamento das fontes disponíveis no Arquivo


Histórico Ultramarino (especialmente os códices de Mercês Ge-
rais, que registram todas as consultas sobre o tema) e no Ins-
tituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Portarias do
Reino, Registro Geral de Mercês e Chancelarias das Ordens Mi-
litares) foi possível construir duas séries documentais que dão
conta dos pedidos dos vassalos e das respostas do centro.
A primeira questão a ser respondida é: quantos homens
estão na base de dados da pesquisa? Isto é, quantos pediram
e/ou receberam os hábitos das Ordens Militares na Bahia e
Pernambuco durante as quatro primeiras décadas da dinastia
de Bragança?
Consegui levantar 439 casos, dos quais 213 de morado-
res ou residentes em Pernambuco, compondo 48,5% do total.
Os pedidos pernambucanos se explicam pela participação de
uma larga parcela da elite local na luta contra os neerlande-

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ses, num envolvimento forçado pelas circunstâncias: a capi-


tania foi o principal palco do conflito, tanto que este era fre-
quentemente denominado de “guerra de Pernambuco”. Houve
também alguns militares de carreira que se incorporaram à
sociedade durante a guerra, pois nem todos os postos do ofi-
cialato foram ocupados pela açucarocracia. Já podemos ver
aqui, porém, um dos pontos principais destacados por Evaldo
Cabral de Mello: a maneira como a sociedade local sustentou
a maior parte da guerra contra os flamengos, mas com a ajuda
da Coroa (MELLO, 2007).
Considerando o que já se escreveu sobre a remuneração
dos serviços na guerra contra os flamengos (ALBUQUERQUE,
1968), esse considerável número de casos nas capitanias do
Norte pouco tem de surpreendente – afinal, estas foram o
principal palco da guerra. Entretanto, a predominância, ain-
da que ligeira, cabe à Bahia, que responde por 226 casos
(51,5%). A diferença é reduzida, mas a quase virtual pari-
dade entre as duas capitanias, porém, já é um fato por si só
significativo, já que a maior parte da luta se desenrolou em
Pernambuco. É certo que o serviço na Bahia oferecia diversas
oportunidades de combater, pois, “como sede do governo
português na colônia, (...) foi alvo primordial das ações mi-
litares dos flamengos” (SCHWARTZ, 1988: 158). Destaque-se
aqui principalmente a conquista de Salvador, em 1624, sua re-
cuperação em 1625, momento de inflexão e reforço do exér-
cito luso na sede do governo-geral para protegê-la da ameaça
neerlandesa, mas também o sítio de 1638 e a tomada da ilha
de Itaparica, em 1647. Creio, porém, que o mais importan-
te foi sua importância estratégica como “cabeça do Estado
do Brasil”, cuja defesa era uma preocupação fundamental da
Coroa portuguesa. Como escreveu Wolfgang Lenk (2009, p.
53), “Salvador mostrava-se então como principal obstáculo à
consolidação do Brasil holandês”.

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QUADRO 1: Distribuição temporal dos pedidos por capitania

Reinado/Regência Bahia, % do total Pernambuco, % do total


D. João IV (1641-56) 53% 52%
D. Luísa de Gusmão (1657-62) 9% 9%
D. Afonso VI (1662-67) 14% 14%
D. Pedro (1668-1683) 24% 25%

QUADRO 2: Média anual dos pedidos em cada capitania

Reinado/Regência Bahia média anual Pernambuco média anual


D. João IV (1641-56) 11,1 9,5
D. Luísa de Gusmão (1657-62) 5,1 5,1
D. Afonso VI (1662-67) 8,7 7,3
D. Pedro (1668-1683) 5 4,7

É necessário atentar ainda para a distribuição temporal dos


pedidos. Em ambas as capitanias, há uma concentração no rei-
nado de D. João IV (1641-1656), em que encontrei 53% dos re-
querimentos da Bahia e 52% dos de Pernambuco, embora o pe-
ríodo joanino responda por apenas 37% dos 43 anos analisados
nesta pesquisa. Ao longo do reinado, a evolução dos pedidos é
diferente para cada uma das capitanias. Na Bahia, a distribuição
é relativamente igualitária: há pequenas variações, com altos e
baixos, mas o que se destaca é a média ligeiramente maior dos
seis últimos anos do reinado joanino. Tal concentração prova-
velmente se deve ao período final da guerra contra os flamen-
gos (especialmente os 37 pedidos nos anos de 1654 e 1655);
há, portanto, uma tênue relação entre a cronologia dos pedidos
baianos e o desenrolar do conflito contra os neerlandeses, em
especial imediatamente após sua expulsão.
Em Pernambuco, por outro lado, as oscilações em razão da
guerra durante o período joanino são muito fortes, devido ao
intenso envolvimento dos suplicantes no conflito, o que limita-
va suas possibilidades de requerer, assim como à própria com-
plexidade da situação política europeia, tornando a apreciação
de seus pedidos de mercê uma questão delicada. Após o início

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da insurreição pernambucana em 1645, há referências a uma


proibição régia a se conceder mercês por serviços então pres-
tados, para denotar a suposta reprovação do monarca ao movi-
mento – embora, como demonstrou Gonsalves de Mello, o rei
aprovasse “o projeto de libertar, por um golpe de força, a Capi-
tania de Pernambuco do poder holandês, de cuja execução en-
carregara o seu governador-geral” (MELLO, 2000: 168). A ordem
foi suspensa por volta de setembro de 1649, mas mesmo antes
se fizeram exceções a ela, como no caso das mercês concedidas
a João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros.2 Teriam
sido os líderes da revolta os únicos participantes da “Guerra de
Liberdade Divina” a receber mercês entre 1645 e 1649 ou ha-
veria outras exceções? Qual foi a efetividade real da proibição?
De 1641 até 1649, encontrei 33 requerentes de Pernambuco,
além dos casos de Vieira e Negreiros. 17 são exilados (a maioria
dos quais retornaria nos anos seguintes) e 5 “soldados da fortu-
na” (isto é, militares de carreira que tem como principal capital
suas décadas de serviço à Coroa) que se estabeleceriam depois
em Pernambuco – dois terços do total, portanto. Dos 11 que
residiam em Pernambuco na época de seus pedidos, 3 obtive-
ram mercês ainda antes de 1645: Jorge Homem Pinto; Cosmo
de Castro Passos e Manuel Álvares Deusdará3. A partir de 1645,

2 AHU, cód. 14, fls. 95-95v e cód. 278, fls. 180v e 260v.
3 Cf., respectivamente, IPR, vol. I; IAN/TT, COC, L. 25, fl. 87v e RGM, Ordens, L.
11, fl. 68. Jorge Homem Pinto era dos mais ricos homens das capitanias do Nor-
te, senhor de 9 engenhos em 1642 e maior devedor da Companhia das Índias
Ocidentais, muitas vezes acusado de cristão-novo (MELLO, 1996: 238). Passos era
uma figura proeminente entre os luso-brasileiros ali residentes, pois foi escabino
da Câmara de Maurícia entre 1640 e 1642 e novamente de 1644 a 1645, partici-
pando desde o início na aclamação de João Fernandes Vieira como “Governador
da Liberdade Divina” (LUCIANI, 2007: 185). A se julgar pela data, muito prova-
velmente a mercê foi concedida no “despacho particular” que D. João havia feito
a “alguns moradores de Pernambuco”, como se lê na consulta de 16.ii.1645 sobre
o requerimento de Manuel Álvares Deusdará (que havia se exilado na Bahia,
mas retornou para participar da eclosão da revolta, pois assinou com Passos a
aclamação de João Fernandes Vieira), um dos homens que havia se beneficiado
do tal despacho, recebendo um hábito de Avis com promessa de 20 mil réis de
pensão em 16.ix.1643; cf. AHU, cód. 79, fls. 350v-354v. O monarca justifica a
mercê no alvará de promessa de Passos porque este “tem servido no tempo da
guerra da mesma capitania, e por confiar dele que em tudo o que se oferecer

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porém, começaram a ser consultados pedidos de residentes em


Pernambuco envolvidos na revolta contra os flamengos, supos-
tamente proibidos pela referida ordem régia. Os 8 vassalos que
encontrei receberam pareceres favoráveis do Conselho e o há-
bito de uma das três Ordens antes de 1649, com a exceção do
pernambucano Francisco Barbosa. Por que este não obteve a
mercê desejada?
Barbosa afirma haver participado de pelejas, assistido no Ar-
raial e gasto sua fazenda no sustento dos soldados durante a
guerra de resistência (1630-1637), mas “não pôde retirar-se por
ser casado, e ter muitos filhos”. Na primeira consulta, de 10 de
dezembro de 1645, o Conselho Ultramarino recomenda apenas
a concessão “do cargo de escrivão da fazenda da Paraíba, res-
taurando-se aquela praça”. D. João IV, porém, em resolução da-
tada de pouco mais de um ano depois, resolve que a consulta
deveria ser guardada até “que [se] tomem as coisas do Brasil”4.
Em 1647, o suplicante fez outro requerimento, acrescentando
estar indo servir na guerra de Pernambuco e pedindo o hábito
de Cristo e uma companhia de infantaria. O Conselho recomen-
dou apenas que fosse provido como Capitão5. Comparando-o
com os outros vassalos do período e seus serviços bem mais
substanciais, parece-me que Barbosa não conseguiu um hábito
não em razão da proibição régia, mas por seus serviços serem
pouco relevantes.

procederá”, indicando que este “despacho particular” de D. João IV em finais


de 1643 foi resultado dos contatos com “alguns dos principais moradores de
Pernambuco”, que haviam enviado – provavelmente em 1642 – o frei beneditino
Estevão de Jesus para dar “conta de intento que tínhamos de buscar meio para
nos eximir do jugo de holandês, a que violentamente estávamos sujeitos”, como
afirmou em carta de 15 de outubro de 1645 o mesmo Cosme de Castro Passos
(AHU, Pernambuco, Avulsos, cx. 4, doc. 327). O frei é intitulado “procurador de
Pernambuco” em consulta de 18.iii.1644: AHU, cód. 278, fl. 13v. Para incentivar
o levante dos moradores, portanto, D. João IV concedeu mercês ao menos a três
deles, prenunciando a concessão de muitas outras se os neerlandeses fossem ex-
pulsos. Embora Gonsalves de Mello não tenha mencionado tais mercês, a melhor
narrativa dos contatos entre a açucarocracia pernambucana e a Coroa entre 1641
e 1645 ainda é sua (MELLO, 2000: 75-137).
4 AHU, cód. 80, fls. 71v-72.
5 AHU, cód. 81, fls. 81-81v.

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Assim, a instrução do monarca de que não se concedessem


mercês por serviços prestados na restauração de Pernambu-
co parece ter tido uma eficácia muito reduzida, pois pedidos
foram consultados e os vassalos agraciados com hábitos sem
maiores empecilhos. Esta provavelmente terá sido a intenção
do monarca, pois dessa maneira podia satisfazer os revoltosos
de Pernambuco, assim como ostensivamente aparentar, para os
Países Baixos, não estar envolvido com a rebelião.
De 1651 a 1653, há 36 pedidos. É a partir deste momento
que os vassalos (pernambucanos ou ali radicados) começam
a requerer mercês com mais frequência, com os flamengos já
sitiados no Recife e após as duas batalhas de Guararapes –
provavelmente os eventos mais gloriosos da guerra, a se julgar
pela ênfase que lhes era dada pelos suplicantes. A verdadeira
explosão, porém, vem no ano de 1654, após a tomada do Reci-
fe: encontrei 37 pedidos deste ano, além de 39 nos quatro anos
seguintes. Os suplicantes provavelmente tentaram aproveitar a
boa vontade do centro político após uma “ocasião de tanto
merecimento, como a da Restauração de Pernambuco”, como
afirmou o Conselho Ultramarino na consulta sobre o pedido do
Capitão de navio Domingos Gomes Salema. Nesse momento
de euforia, mesmo serviços de pouca monta podiam ser bem
remunerados, como os deste homem do mar, que apenas parti-
cipou com a sua tripulação na tomada do Recife e, “deixando a
dita sua nau, veio no barco com que o Mestre de Campo André
Vidal de Negreiros trouxe a Vossa Majestade a nova da Restau-
ração do Recife, para vir mais seguro, e melhor navegado”6. Sa-
lema recebeu então o hábito de Santiago com 16$000 de pen-
são e a patente honorífica de Capitão de Mar e Guerra, tendo
o hábito lançado em Pernambuco em 1657, apesar do defeito
mecânico de seu pai e avós, homens do mar7.
A partir de 1658 há, porém, uma queda, embora talvez não
abrupta quanto poderia se imaginar com a expulsão dos neer-
landeses. Passam a vir 5 ou 6 pedidos por ano de cada uma

6 AHU, cód. 82, fls. 319-319v. Ambas as citações são deste documento.
7 IPR, vol. II, p. 15; IAN/TT, HOS, Letra D, mç. 2, doc. 36 e COS, L. 16, fls. 121-122.

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das capitanias para o Conselho Ultramarino, com uma ligeira


predominância da Bahia. Evidencia-se, assim, a importância do
reinado de D. João IV como momento importante, em que os
mecanismos da economia da mercê foram acionados centenas
de vezes pelos vassalos luso-brasílicos. Tal se devia à guerra
viva que grassava no Brasil contra os flamengos, situação que
implicava a produção de grandes serviços e sua contraparte
inevitável na monarquia lusitana: a requisição de mercês re-
muneratórias (SILVA, 2005: 85). Por um motivo similar o auge
da distribuição de hábitos da Ordem de Cristo no século XVII
ocorreu em meados da década de 1660, pois “foi precisamente
durante o período que D. Afonso VI esteve efectivamente no
poder que a guerra da Restauração ganhou um pendor mais
ofensivo, o que não deixaria de ter impacte na política de mer-
cês” (OLIVAL, 2001: 179).
Embora a remuneração pelos serviços pudesse ser reivindi-
cada décadas depois, boa parte dos vassalos optou por fazê-lo
durante o calor da guerra contra os flamengos ou imediatamen-
te após seu término. As razões prováveis são as incertezas da
vida, a idade já avançada de muitos dos suplicantes e, talvez,
a intenção de capitalizar um momento em que a Coroa procu-
rava “animar” os vassalos do Brasil, como vimos no capítulo
anterior. Provavelmente por este último motivo, a distribuição
temporal dos pedidos dos vassalos residentes na Bahia também
se relacionava, ainda que de maneira frouxa, com os aconteci-
mentos de Pernambuco, como vimos acima.
Outra mudança se evidencia na análise cronológica dos
pedidos. A partir da década de 1670, 22% dos pedidos da Ba-
hia e 12% dos de Pernambuco começam a apresentar serviços
contra indígenas, no contexto da Guerra dos Bárbaros (PUN-
TONI, 2002), e, em menor escala, contra os negros de Palma-
res. Este percentual denota uma alteração que se consolida na
década de 1680, quando os serviços na guerra viva contra os
neerlandeses tornam-se cada vez mais raros, passados já 30
anos de seu final. A partir deste momento, os vassalos luso-
-brasílicos não teriam mais serviços tão significativos para ale-
gar em seus requerimentos.

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Mencionei diversas vezes os suplicantes “de Pernambuco”


ou “da Bahia”, referindo-me a naturais ou residentes destas ca-
pitanias. Entretanto, é necessário precisar melhor esse ponto.
Em primeiro lugar, cabe indagar o local de nascimento destes
homens. Ao levarmos em conta todos os 439 homens, 236 nas-
ceram no Estado do Brasil, contra 203 naturais de outras partes.
Novamente, percebe-se uma diferença pequena entre os dois
grupos: 54% e 46%, respectivamente.
Vejamos então a distribuição em cada capitania: na Bahia,
39% dos homens são naturais da região, ao menos metade des-
cendente dos conquistadores do século XVI – divididos igual-
mente entre os filhos de mãe brasílica e pai reinol e os gerados
por dois brasílicos. 54% eram oriundos no Reino (com destaque
para o Entre Douro e Minho) e os últimos 7% exilados per-
nambucanos que se incorporaram à sociedade baiana. Em Per-
nambuco, 61% são naturais, com uma proporção de filhos dos
conquistadores similar à Bahia, e 39% são oriundos do Reino. A
relação naturais/estrangeiros é, portanto, um espelho invertido,
ao compararmos ambas as capitanias.
Mas seria a naturalidade o ponto mais importante? Conside-
rando o constante fluxo e estabelecimento de reinóis na Amé-
rica (SILVA, 2005: 9-10), talvez seja mais significativo indagar
quantos eram moradores no Brasil e quantos para cá vieram
em serviço da Coroa. Embora seja mais difícil determinar esta
variável, foi possível descobrir que ao menos metade dos su-
plicantes da Bahia já era moradora da capitania. Do restante,
10% eram exilados de Pernambuco e apenas 40% são homens
que vieram para a América no “Real Serviço”, aqui se estabe-
lecendo. Em Pernambuco, por sua vez, 77% eram moradores,
enquanto os outros 23% são compostos por vassalos que, ao
servirem ao Rei, acabaram por fixar residência na capitania.
Desses dados, cabe destacar a participação dos moradores do
Brasil na economia da mercê, mesmo na Bahia, onde havia
uma grande concentração de militares reinóis. A diferença entre
as duas capitanias aqui analisadas reflete os seus respectivos
papéis no conflito contra os neerlandeses, mas o fato de que
metade (113) dos suplicantes da Bahia já residia na capitania

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é um indicador importante da participação dos moradores da


“cabeça do Estado do Brasil” no serviço ao monarca.
Os dados para Pernambuco enquadram-se muito bem no
quadro pintado por Evaldo Cabral de Mello, em que o autor
demonstra a importância da “infantaria natural” na restauração
(1645-1654) e o retorno da maioria dos europeus que mili-
taram na guerra de resistência (MELLO, 2007: 177-219). São
os dados baianos que demandam explicação, em razão da
presença de milhares de militares reinóis em Salvador durante
nosso período, incluindo muitos oficiais (LENK, 2009: 73-124).
Por que tão poucos dentre eles estão representados em minha
base de dados? A resposta parece ser o retorno de parte con-
siderável dos militares que aqui serviram, seja na guerra de
resistência de Pernambuco, seja na Bahia. A partir apenas dos
Inventários das Portarias do Reino, que cobrem o período de
1639 a 1664, é possível oferecer uma estimativa de cerca de
150 retornados que posteriormente receberam mercês, ainda
que este número seja pouco confiável e não cubra os anos
finais do meu recorte. Mesmo assim, creio que é possível de-
duzir uma elevada taxa de retorno dos oficiais militares, pro-
vavelmente superior à metade do total.
Alguns desses militares haviam servido na América durante
longos anos, mas mesmo assim retornaram ao Reino. Até 1668,
seu regresso certamente esteve relacionado à necessidade de
homens experientes na fronteira de Portugal em razão da guer-
ra contra Castela, para além de questões pessoais e da não
absorção destes homens pela sociedade colonial. Nota-se aqui
a importância da circulação destes militares, cuja experiência
foi fundamental na defesa tanto do Atlântico Sul quanto do Rei-
no. A meu ver, porém, o mais interessante é que um número
considerável de vassalos residentes na Bahia mobilizou-se para
servir ao monarca.
Um ponto essencial, mas de difícil determinação em muitos
casos, é a duração dos serviços. Possuo dados completos de
cerca de 60% dos casos; nos restantes 40%, disponho dos anos
de início e término dos serviços, mas eles não foram contínuos,
o que significa que só posso obter uma ideia aproximada do

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período total de serviço. A partir dos dados obtidos, porém, pa-


rece-me a maioria dos suplicantes serviu por um longo tempo:
os moradores da Bahia e Pernambuco em torno de 19 anos, en-
quanto os “forasteiros” de cada capitania 23 e 25 anos, respec-
tivamente. A média pernambucana é diminuída pelos diversos
homens que começaram a servir na “Guerra da Liberdade Divi-
na” e requereram mercês por volta de 1654-5, servindo apenas
nove ou dez anos. Como seria de se imaginar, a tendência foi a
de que os militares reinóis que aqui se estabeleceram servissem
mais anos do que os homens que já moravam na América.
Estes longos anos indicam um envolvimento significativo
dos vassalos luso-brasílicos no Real Serviço, fosse em defesa
de seus próprios interesses, contra a ameaça neerlandesa, fosse
para requerer mercês futuramente – duas motivações compa-
tíveis, e talvez mesmo complementares. A semelhança no nú-
mero de anos de serviço, porém, não significa que os serviços
fossem iguais em ambas as capitanias.

QUADRO 3: Postos ocupados pelos suplicantes.8

Bahia Pernambuco
Tropa regular 79% 78%
Ordenanças 19% 24%
Letras 8% 3%

Em 95% dos requerimentos os principais serviços são milita-


res, prestados na luta contra os neerlandeses – quando não no
confronto direto, ao menos com dispêndio de fazenda e ces-
são de mantimentos para sustentar o exército, tão fundamentais
quanto o engajamento efetivo nos combates. A extensão de tais
préstimos variou enormemente, mas eles estavam sempre pre-
sentes e em destaque nos requerimentos, ainda que, em umas
poucas vezes, através de serviços de parentes. 78% dos vassalos
fizeram estes serviços na condição de militares da tropa regular,
predominando largamente, portanto, entre os suplicantes. 22%

8 O total é maior que 100% porque alguns serviram em mais de um tipo de posto.

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 259

eram oficiais de ordenança e apenas 5% havia exercido cargos


de letras, justiça ou fazenda – sendo que vários alcançaram estes
postos depois de servirem no exército. Cerca de 5% não ocupou
cargo algum, embora tenha participado do esforço de guerra. É
interessante notar também que 68% dos suplicantes ainda es-
tavam servindo quando fizeram o pedido, e faziam questão de
destacar este ponto para o centro político. A possibilidade de
obter mercês no futuro e os benefícios econômicos e políticos
dos postos militares estimulavam os vassalos a continuar no Real
Serviço – especialmente após o fim da guerra, em que as deman-
das e riscos inerentes ao exercício castrense diminuíram, tanto na
tropa paga quanto – e principalmente – na ordenança.
Considerando, porém, a desigual situação das capitanias
analisadas, faz-se necessário precisar os dados um pouco mais.
Uma disparidade significativa surge quanto aos cargos de le-
tras, justiça e fazenda: se considerarmos apenas a Bahia, sua
participação é de 8%, enquanto em Pernambuco cai a 3%. Já a
participação nas ordenanças é similar nas duas áreas, mas en-
quanto na “cabeça do Estado do Brasil” os oficiais das tropas
de segunda linha participaram dos momentos de guerra (ainda
que não com muita frequência), em Pernambuco os cargos ge-
ralmente foram obtidos após a expulsão dos flamengos. Nesta
capitania, portanto, a grande maioria dos pedidos é feita por
homens que serviram no exército regular durante as guerras de
resistência e (principalmente) restauração, em um contexto de
enfrentamentos constantes.
Já na sede do governo-geral, os serviços possíveis eram um
pouco mais diversificados, pois a guerra não era tão constante
quanto no território ocupado pelos neerlandeses; o maior nú-
mero de ofícios importantes também favorecia a produção de
serviços não militares, ainda que este elemento estivesse sem-
pre presente. Mesmo os serviços castrenses eram menos im-
portantes que os prestados pelos suplicantes de Pernambuco,
em razão do menor número de oportunidades para realizá-los.
Todos os vassalos, porém, afirmavam que haviam participado
“de todas as ocasiões que se ofereceram”, utilizando uma figura
retórica para marcar sua disposição de servir.

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260 Thiago Nascimento Krause

Assim, a predominância dos serviços militares no Brasil per-


mite aventar a possibilidade de que, nas conquistas, os hábitos
estivessem ainda mais ligados aos serviços militares do que no
Reino – onde já gozavam de um estatuto preferencial – pois as
possibilidades de obtê-los por outras vias seriam muito reduzi-
das. Esta associação se acentuaria no contexto de disputa pelo
controle de uma região colonial com outra metrópole europeia
e de defesa do Reino; os serviços militares tornavam-se, assim,
uma das principais vias de ascensão social legitimada, reco-
nhecida e reforçada pelo centro político. Talvez o Conselho
Ultramarino tivesse algo semelhante em mente quando escre-
veu em Março de 1654, logo após a restauração, “não convir
em conquistas multiplicar ministros de justiça, por necessitarem
mais das armas contra os muitos inimigos que tem esta Coroa,
que das letras”9. A tendência seria ainda mais presente em Per-
nambuco, onde a ocupação flamenga marcou indelevelmente
a sociedade e o imaginário local (MELLO, 2008). Entretanto, ser
militar não excluía outras posições sociais, como a de senhor
de engenho, lavrador de cana ou proprietário de ofícios régios
(KRAUSE, 2012: 171-184).
Ao menos 70% dos suplicantes começaram como soldado,
posição socialmente desvalorizada. Este era o início da carreira
na tropa paga, necessário mesmo para os homens de maior
qualidade e fortuna – estes, porém, tendiam a alcançar rapi-
damente o oficialato sem obrigação de passar pelos postos de
cabo de esquadra e sargento. Apenas em momentos excepcio-
nais, como no início da insurreição pernambucana de 1645 e a
improvisada organização das tropas que ela exigiu, foi possível
tornar-se oficial sem haver sido soldado anteriormente.
Na quase totalidade dos casos, os suplicantes ascenderam
ao oficialato, alcançando ao menos o posto de Alferes; mais
importante, 84% dos militares em minha amostra se tornaram
Capitães e alguns subiram mesmo aos postos mais elevados
da hierarquia militar, como Sargento-Mor e Mestre de Campo.
A promoção, porém, pode ter ocorrido não por competência

9 AHU, Pernambuco, Avulsos, cx. 2, doc. 466.

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 261

em assuntos bélicos, mas em razão de status e ligações sociais,


pois os postos militares eram um importante recurso clien-
telístico. O próprio Conselho Ultramarino tinha consciência
desse aspecto, pois escreveu em consulta, citada no capítulo
anterior, que “as capitanias [isto é, os postos de Capitão], muitas
ou as mais das vezes se provêm com pessoas que menos as
merecem, e da obrigação [clientes] dos governadores e cabos
de guerra nas conquistas”10.
A presença de homens de certa proeminência social entre os
soldados, até mesmo de fidalgos da Casa Real, por vezes acom-
panhados de criados, permite entrever clivagens entre os pró-
prios soldados; a “qualidade” destes homens certamente poten-
cializou sua ascensão entre as fileiras do exército luso-brasílico,
bem como seus recursos econômicos. Havia também “soldados
da fortuna”, que compunham 29% do total, homens que, par-
tindo de uma baixa posição social, ascenderam socialmente
através do serviço militar. A análise dessas questões exige, po-
rém, um estudo social do perfil destes homens, desenvolvido
no próximo capítulo.
As conjunturas em que estes homens começaram a servir são
variadas: 14% dos requerentes da Bahia e 7% dos de Pernambu-
co em 1624-1625, quando da perda e recuperação da cidade de
Salvador; 13% e 19%, respectivamente, em 1630-1631, no início
da guerra de resistência contra os flamengos em Pernambuco;
e 4% e 23% entre 1645-1646, no início da “Guerra de Liberdade
Divina”. Considerando as três conjunturas, 31% na Bahia e 49%
em Pernambuco começaram a servir em momentos-chave. A
porcentagem menor na Bahia indica como grande parte dos sú-
ditos provavelmente se iniciou no Real Serviço nos momentos
em que mais lhe convinha, e não necessariamente nas ocasiões
de maior necessidade da Coroa. Já em Pernambuco, a con-
centração de 42% dos suplicantes em 4 anos cruciais devia-se
antes às exigências da guerra, que empurrava os vassalos para
a defesa de suas vidas e propriedades.

10 AHU, cód. 82, fls. 336v-337.

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QUADRO 4: Locais de serviço.

Bahia Pernambuco
“Moradores” “Forasteiros” “Moradores” “Forasteiros”
Bahia 77 (96%) 95 (93%) 39 (28%) 27 (59%)
Pernambuco 16 (20%) 52 (51%) 135 (98%) 44 (96%)
Rio de Janeiro 5 (6%) 5 (5%) 10 (7%) 2 (4%)
Maranhão 0 1 (1%) 4 (3%) 2 (4%)
Reino 19 (24%) 26 (25%) 21 (15%) 12 (6%)
Catalunha 2 (2%) 3 (3%) 0 0
Flandres 1 (1%) 3 (3%) 2 (1%) 0
Angola 5 (6%) 9 (9%) 8 (6%) 3 (6%)
Norte da África 0 2 (2%) 0 1 (2%)
Índia 0 1 (1%) 3 (2%) 0
Total 80 102 138 46

Onde os suplicantes serviram à Coroa? Em primeiro lugar,


em suas respectivas capitanias. Mas não só. Para melhor com-
preender este ponto, é válido fazer a divisão entre “moradores”
(já residentes na região) e “forasteiros”, isto é, aqueles que lá
chegaram após terem se iniciado no Real Serviço. Entre os mo-
radores da Bahia, as duas outras principais “regiões de serviço”
foram Pernambuco e Reino, pois 20% e 24% dos suplicantes
serviram nessas áreas, respectivamente. Dentre os forasteiros,
porcentagem semelhante serviu no Reino; mais significativo,
porém, é quantos serviram em Pernambuco: 51%. Tal número
explica-se pela fixação na Bahia dos exilados de Pernambuco
e de vários soldados que haviam militado na guerra contra os
flamengos. Rio de Janeiro, Catalunha, Flandres e Norte da Áfri-
ca aparecem brevemente, mas Angola tem uma presença mais
significativa, surgindo em 9% das folhas de serviços.
Em Pernambuco, 28% dos moradores apresentam serviços
na Bahia, e o mesmo pode se dizer de 59% dos forasteiros
– porcentagem que, somada a de suas contrapartes baianas,
denota uma significativa circulação dos militares entre as duas
capitanias. Na maioria dos casos, os moradores haviam se re-
tirado do território conquistado pelos neerlandeses para a “ca-

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beça do Estado do Brasil”; o mesmo é válido para parte dos


forasteiros, enquanto outros começaram a servir já na Bahia,
passando depois para Pernambuco a partir de 1645. No entan-
to, alguns lutaram na Restauração da Bahia, tanto moradores
que foram ajudar a “Jornada dos Vassalos” quanto militares rei-
nóis que chegaram ao Brasil nesse momento e depois passaram
a Pernambuco. 15% dos moradores serviram no Reino, contra
apenas 6% dos forasteiros, indicando que estes homens fizeram
sua carreira quase que inteiramente na América.
É preciso notar que os serviços realizados pelos moradores
em áreas que não sua capitania de residência são curtos, rara-
mente ultrapassando um ou dois anos. Por exemplo, o serviço
dos moradores da Bahia em Pernambuco se limitou em quase
todos os casos à participação na armada do Conde da Torre e
a jornada de volta por terra com Luís Barbalho Bezerra após o
fracasso da empresa, marchando quatrocentas léguas em ter-
ritório inimigo “com armas nas mãos”, como destacavam em
seus requerimentos. As participações na guerra contra a Espa-
nha não passaram de uma ou duas campanhas nas fronteiras,
não sendo, na maioria das vezes, um engajamento prolongado
– embora uns poucos tenham se estabelecido no Reino e lá
servido por longos anos. Os moradores de Pernambuco apenas
realizaram serviços mais demorados na Bahia, onde muitos es-
tavam radicados no período entre 1637 e 1645. Entre os “foras-
teiros”, geralmente esse tipo de serviço é mais significativo, em
termos de duração, mas ainda assim por bem menos tempo do
que os realizados na capitania de residência.
O que se pode depreender desses dados? Em primeiro lugar,
havia uma circulação significativa, ainda que geralmente por
curtos períodos. Mesmo assim, cerca de 80% dos suplicantes
serviram apenas na América. Houve um relevante movimento
entre Pernambuco e Bahia, principalmente da primeira para a
segunda, mas também em sentido contrário. Na sede do gover-
no-geral, a circulação pelo Brasil era menos comum do que a
ida ao Reino; em Pernambuco, porém, o contrário é verdadeiro,
pois os suplicantes foram forçados a retirar-se da capitania em
razão da conquista neerlandesa. Embora meia dúzia de “per-

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nambucanos” tenha se estabelecido no Reino, uma porcenta-


gem pouco maior de “baianos” serviu rapidamente em Portugal
com o objetivo de valorizar suas folhas de serviço enquanto es-
tavam no Velho Mundo para resolver negócios ou agilizar seus
requerimentos. A maior parte dos serviços dos moradores da
Bahia, assim, foi prestada na “cabeça do Estado do Brasil”, área
que se mostrou capaz de gerar uma quantidade significativa de
pedidos. A Bahia também era uma região de serviço; menos
que Pernambuco, epicentro da guerra, mas não muito atrás, a
se julgar pela quantidade de pedidos que gerou e pelos longos
serviços nela prestados.
Da circulação destas centenas de homens, moradores e fo-
rasteiros – homens estes que certamente se incluem dentre os
mais destacados e ativos vassalos ultramarinos da monarquia
portuguesa – surge a imagem do “homem colonial”, definido
por Luiz Felipe de Alencastro (2000: 103-104) como aquele que
“circula em diversas regiões do Império, mas joga todas as suas
fichas na promoção social e econômica acumulada numa de-
terminada praça, num enclave colonial que às vezes não o viu
nascer, mas onde possui bens, herdeiros e tumba reservada”.
Resta-nos examinar, porém, as mercês pedidas pelos vassalos
e as respostas do centro político – pois estas podem nos indicar o
valor que a Coroa atribuía aos serviços realizados nestas regiões.

Demandas ultramarinas

Quais pedidos os vassalos fizeram, após tantos anos de ser-


viço? Em primeiro lugar, praticamente a totalidade dos vassalos
(94%) pede o hábito de Cristo, padrão repetido em todo o
Império (BARDWELL, 1974: 64-65). Réplicas eram frequentes
quando outro hábito era concedido, e alguns homens, como
o fidalgo Antônio de Brito de Castro, não tiravam portaria da
mercê ao receberem outra insígnia, com a intenção de requerer
posteriormente (21 anos depois, neste caso)11. A cruz tomaren-

11 AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2120 e cód. 79, fls. 334v-336.

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se era muito mais valorizada que as de Avis e Santiago, e não


recebê-la poderia significar “descrédito” para os vassalos, espe-
cialmente os de maior estatuto social, como os fidalgos.

QUADRO 5: Pedidos de tenças e comendas

Pedidos Bahia Pernambuco


Valor médio das tenças pedidas 80$000 92$000
Pedidos de comenda 59 77
Valor médio das comendas pedidas 200$000 290$000

O hábito deveria ser acompanhado de uma tença, um ren-


dimento monetário anual, para que o cavaleiro pudesse gozar
dos privilégios que o acompanhavam, e os vassalos não deixa-
vam de requisitá-la em seus pedidos. Em sua maioria, os valo-
res variavam entre 40$000 a 100$000, com uma elevada média
de 85$000. A cifra é considerável, se pensarmos que o soldo de
um Capitão de infantaria em Salvador seria de 192$000 anuais
entre 1627 e 1652, e apenas 63$850 em 1659 (LENK, 2009: 107).
Os pedidos em Pernambuco mostram-se um pouco mais ambi-
ciosos que os da Bahia, de modo geral: a média dos pedidos de
tenças era, respectivamente, de 92$000 e 80$000.
O alto valor das tenças pretendidas indica que os suplicantes
procuravam adquirir não apenas capital simbólico, mas tam-
bém econômico. Tal renda podia ser essencial para garantir que
alguns destes vassalos conseguissem “viver à lei da nobreza”
e, portanto, manter a honra que procuravam com o hábito. O
Capitão Antônio Pereira explicita tal situação em seu pedido,
ao afirmar que “tendo respeito a se achar com menos cabedal
do que já teve para continuar com o luzimento que deve, lhe
faça Vossa Majestade mercê do hábito de Cristo que pede com
80$ de tença efetiva”12. A necessidade pode explicar também a
existência de uns poucos pedidos de caráter pecuniário, como
o do Capitão de Mar e Guerra Manuel Martins Pinto que, além
de 50$000 de tença com o hábito de Cristo, pede provisão para

12 AHU, Bahia, LF, cx. 12, doc. 1402.

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ter por libertas (isto é, para não serem ocupadas por soldados
ou oficiais) as casas que possui na cidade da Bahia, pois não
dispunha de outra fonte de sustento13.
Não era econômica, entretanto, a única preocupação dos su-
plicantes, como demonstra trecho do requerimento do Capitão
Pedro de França de Andrade:

pede a Vossa Majestade que respeitando a tudo que


alega [seus serviços], lhe faça mercê de mandar deferir
o hábito de Cristo que pediu com quarenta mil réis de
tença de renda efetiva, e se for necessário desiste para
isso do Alvará de Lembrança [de um ofício] por querer
antes seus serviços autorizados, com honras de Vossa
Majestade, que com proveito [ganhos econômicos]14.

Embora o alvará de lembrança também fosse uma mercê, não


tinha a importância social do hábito da Ordem de Cristo, que sig-
nificava o pertencimento à “elite dos vassalos da Coroa” (OLIVAL,
2006: 126) e, portanto, a “autorização”, isto é, o reconhecimento
dos serviços prestados. Daí que se preferisse um hábito sobre
um ofício, embora uma mercê não excluísse a outra, se os ser-
viços fossem considerados merecedores. Riqueza e honra eram
complementares, pois a primeira era essencial para um processo
de nobilitação bem-sucedido (SORIA MESA, 2007).
Uma minoria significativa de vassalos também requisitou co-
mendas, quase todos durante o reinado de D. João IV, e sempre
da milícia tomarense. As comendas eram consideráveis rendi-
mentos monetários oriundos dos domínios das Ordens Mili-
tares; mais importante, porém, contavam-se entre as maiores
recompensas que a monarquia podia conceder a seus vassalos.
Segundo documento seiscentista citado por Fernanda Olival,
a maior honraria era a concessão de “vilas e suas jurisdições”;
em segundo lugar, as alcaidarias-mores; em terceiro as comen-
das efetivas, seguidas pelas que ficassem apenas em promessa.

13 AHU, Bahia, Avulsos, cx. 1, doc. 75.


14 AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1644. Cf. também cód. 83, fls. 125-125v e 168v-169.

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Só então viriam, em ordem, os foros de fidalgo, os hábitos


da Ordem de Cristo e, em sétimo lugar, os de Avis e Santiago
(OLIVAL, 2001: 138-141). Pernambuco tem, como usual, o pri-
meiro lugar com 77 pedidos, mas a Bahia também apresenta
um número considerável: 59. Os vassalos baianos foram mais
modestos, pedindo em média comendas do lote de 200$000,
enquanto os pernambucanos em média 290$000. Tal diferen-
ça se deve, para além de valores um pouco mais elevados na
maioria dos requerimentos, a alguns pedidos extremamente
ambiciosos, como Cristóvão de Barros Rego, Antônio de Freitas
da Silva e Antônio de Albuquerque de Melo, que pediram co-
mendas do lote de 600$00015. Fernandes Vieira almejou mercês
elevadíssimas (MELLO, 2000: 305-316), mas outros membros da
açucarocracia pernambucana não ficaram muito atrás, inspira-
dos por seu exemplo.
Tais pedidos são interessantes porque, de modo geral, partem
de requerentes de grande destaque em suas capitanias, seja pe-
los serviços, seja – principalmente – por sua posição social. Em
ambas as capitanias, quase 90% dos vassalos que requereram co-
mendas eram membros da açucarocracia – ao menos metade dos
quais senhores de engenho – e 50% fidalgos. Logo, a maneira
como a Coroa responderia a esta demanda teria um significado
importante na sua relação com as elites locais, ou, mais especifi-
camente, com sua parcela produtora de serviços à monarquia, a
quem o centro político desejaria contentar. Uma diferença funda-
mental, porém, é que os serviços dos que requereram comendas
em Pernambuco eram muito mais significativos; os suplicantes
da Bahia aparentemente as requereram confiando em seu status
social, inspirados pelo exemplo pernambucano.
Em quase todos os requerimentos os suplicantes pediram há-
bitos, comendas e tenças para si mesmos. Em 94% dos casos,
porém, também demandaram outras e variadas mercês. Como
não podia deixar de ser em uma sociedade tradicional, se preo-
cuparam muito com o status de sua família. Em pouco mais da
metade dos casos, os vassalos requerem mercês para parentes,

15 AHU, cód. 81, fls. 382v-384v; cód. 82, fls. 14, 34v-35, 112v-113 e 365-365v.

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principalmente filhos, mas também genros, irmãos, primos e so-


brinhos. Às vezes, solicitavam-se postos militares ou ofícios de
justiça ou fazenda; mais raramente, lugares de freira para filhas.
Os pedidos mais comuns eram, porém, hábitos das Ordens Mi-
litares para membros da família, presentes em quase 40% dos
requerimentos, numa tentativa de reforçar a posição social da
família ou garantir que a nova geração já partisse de um status
elevado, sem necessidade de prestar novos serviços. Em diversos
casos, o hábito deveria servir como dote, essencial para que as
mulheres alcançassem um casamento adequado, que não pre-
judicasse a posição da família ou mesmo que a alavancasse. Os
dotes desempenhavam um papel importante no Brasil colonial, e
entre os preferidos estavam os que incluíam hábitos das Ordens
Militares, especialmente da Ordem de Cristo (DUTRA, 2001). É
notável que mesmo os “forasteiros” demonstravam grande preo-
cupação com sua família, seja a que construíram na América ou
a que deixaram no Reino. A distância e o tempo não rompiam os
antigos laços familiares, embora ajudassem a criar novos.
Geralmente pedia-se um ou dois hábitos para dote, mas às
vezes os vassalos tentavam resolver o sério problema de “dar
estado” a todas as suas filhas de uma só vez. Antônio da Fon-
seca, por exemplo, solicita quatro hábitos de qualquer Ordem
com 40$000 de tença cada um para dotar suas filhas, pedido
que provavelmente considerou justificado por estar requerendo
com serviços de quatro parentes que haviam morrido na guerra
contra os flamengos em Pernambuco16. É notável, portanto, que
os serviços apresentados pelo suplicante eram utilizados não
só em proveito próprio, mas da família, unidade central nas es-
tratégias dos indivíduos no Antigo Regime (SORIA MESA, 2007:
105-202). O ethos da Casa que regia a aristocracia portuguesa
(MONTEIRO, 2003: 83-103) mostrava-se uma manifestação des-
te fenômeno, mas a importância da família era onipresente na
Idade Moderna (LEVI, 2000).

16 AHU, cód. 82, fls. 118-118v e 136v-137. Entretanto, recebeu apenas o ofício de
escrivão de meirinho da Relação da Bahia por duas vidas: IAN/TT, RGM, Chan-
celaria de D. Afonso VI, L. 1, fl. 3.

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Serviços e Mercês:
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A dimensão familiar na economia da mercê também se mani-


festava na utilização de serviços de parentes, ainda que tal pro-
cedimento fosse um pouco menos comum. Um caso extremo é
o de Sebastião de Andrade, cavaleiro fidalgo, pois ele pede um
hábito de Cristo com 80$000 réis de tença e o ofício de tabelião
na Bahia em remuneração de seus serviços e de três irmãos
capitães17. Uma família de militares em que todos os serviços
convergiram para um único membro, de modo a possibilitar
seu avanço social, em uma estratégia típica de sociedades tradi-
cionais, de base familiar (LEVI, 2000: 232).
O emprego da mercê como dote também podia ser utilizado
para que a família gozasse do benefício de ter um membro cava-
leiro das Ordens militares, mesmo quando o suplicante não aten-
dia aos requisitos para envergar o hábito. Um exemplo pode ser
visto numa família da elite baiana, os Aguirre. O patriarca dessa
família, Diogo Gonçalves Laço, fora processado em finais do XVI
com a sua mulher, Guiomar Lopes, cristã-nova condenada como
judaizante. A filha deles, Catarina Quaresma, também denuncia-
da, casou-se com Pedro Aires de Aguirre, vereador em Salva-
dor em 1630 (RUY, 1949: 243), pai de Diogo Gonçalves Laço e
Bernardo de Aguirre, que posaram de cristãos-velhos frente ao
visitador da Inquisição em 1618 (“Livro das Denunciações”, 1936:
82-83 e 158-166; NOVINSKY, 1992: 75 e 145).
Diogo Gonçalves Laço, filho de Pedro, começou a servir em
1619 no cargo de Alferes; achou-se na perda e restauração de
Salvador e no sítio de 1638; em 1643, “desejoso de se empre-
gar de mais perto nas ocasiões do serviço de Vossa Majestade”,
assentou praça em Évora em 1643, “entrando de guarda à Real
Pessoa de Vossa Majestade”. Em 16 de dezembro do dito ano,
recebeu os foros de escudeiro e cavaleiro fidalgo, mas não fi-
cou satisfeito. Dentre outras mercês, requereu um hábito de

17 AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 1908. Andrade foi bem sucedido, recebendo o hábito
com uma tença de 60$. IPR, vol. II, p. 341. Teve o hábito lançado em 1663, apesar
do defeito mecânico de seu “avô materno haver ensinado meninos”: cf. IAN/TT,
HOC, Letra S, mç. 6, doc. 20 e COC, L. 18, fls. 40-40v. Anos mais tarde obteve
também o ofício de tabelião e faculdade de renunciá-lo: RGM, Chancelaria de D.
Afonso VI, L. 17, fl. 265 e Chancelaria de D. Pedro II, L. 3, fl. 176v.

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Cristo com 80$000 de tença. O Conselho diminuiu suas pre-


tensões, recomendando “que Vossa Majestade lhe deve fazer
mercê (...) do hábito de Santiago ou Avis com 20$000 réis de
pensão”18. O hábito de Santiago foi concedido, porém Diogo
não tentou usufruir dele diretamente, talvez por temer uma re-
provação na inquirição da Ordem. Quem o recebeu foi o reinol
Bartolomeu Martins de Sequeira, em 1666, como dote por ter
desposado Ângela Garcês de Vasconcelos, beneficiária dos ser-
viços de Diogo (DUTRA, 2001: 170).
Ele não era, porém, o único militar da família. Bernardo de
Aguirre também seguiu a carreira castrense: ganhou um es-
cudo de vantagem por sua participação na resistência contra
o sítio de Salvador em 1638, ajudou a destruir um mocambo
de negros revoltados, participou da rendição de uma nau al-
mirante flamenga, viajou para Portugal e passou para a Cata-
lunha, retornando a Portugal ao saber da Aclamação. Pediu
então que lhe fosse lançado o hábito de Cristo e aceitas as in-
quirições que lhe teriam sido feitas em Madri. Seu desejo não
foi satisfeito, mas, em 6 de julho de 1645, quando retornava
para o Brasil com a missão de levantar uma Companhia de
infantaria na Ilha da Madeira, Bernardo recebeu um hábito de
Santiago com 20$000 de tença19. Talvez temeroso do resultado
das inquirições, assim como seu irmão, requereu novamente
em 1649, tentando mudar o hábito de Santiago para Cristo
e, principalmente, repassá-lo para sua filha poder utilizá-lo
como dote – pois neste caso seria avaliada a pureza de sangue
do futuro genro, e não a sua própria. Ele conseguiu convencer
o Conselho, favorável a sua pretensão, mas não D. João IV,
que negou seu pedido, afirmando não ter lugar alterar uma
mercê depois de se ter tirado portaria dela20.
Não restou alternativa ao nosso personagem que tentar a sorte
na Mesa de Consciência e Ordens. Para melhorar suas chances,

18 AHU, Bahia, LF, cx. 9, docs. 1050 e 1065. Cf. também AHU, cód. 79, fls. 186v-188
e IPR, I.
19 AHU, cód. 80, fls. 22-24 e IPR, vol. I.
20 AHU, cód. 81, fls. 275v-276.

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 271

tentou enganar os deputados, declarando “que ele, seus pais,


avós paternos e maternos eram naturais desta cidade, de Biscaia,
e de outras partes do Reino de Castela” – ignorando, portanto, a
Bahia, onde sua avó materna havia sido processada pelo Santo
Ofício. Mas a Mesa não se deixou enganar, descobrindo

que alguns dos sobreditos eram da Bahia, aonde se


mandou perguntar por eles, e pelos ditos das testemu-
nhas que ali juraram, constou que o dito Bernardo de
Aguirre era descendente da nação hebreia por parte
de sua avó materna, que se chamou Guiomar Lopes, e
como tal foi julgado por incapaz de receber o hábito21.

A participação na elite local, os bons serviços à Coroa e a


pretensão de pureza, portanto, estavam longe de ser suficientes
para superar o estigma do sangue impuro, capaz de tornar a
concessão do hábito motivos antes de opróbrio que de honra
(MELLO, 2009).
Para os próprios suplicantes, os pedidos mais comuns são
postos militares, importantes para que os vassalos continuas-
sem a servir, além do poder local que concediam a seus deten-
tores. Os forasteiros, quase todos militares de carreira, foram os
que mais requisitaram esta mercê: 43% entre os que se fixaram
na Bahia e 48% entre suas contrapartes pernambucanas. Logo
em seguida aparece o foro de fidalgo, solicitado especialmente
pelos moradores de Pernambuco (35% dos suplicantes, contra
27% dos moradores da Bahia). A fidalguia – mais especifica-
mente o seu patamar superior: moço fidalgo, fidalgo-escudeiro
e fidalgo-cavaleiro, em ordem crescente de importância; em
segundo lugar vinham os de cavaleiro-fidalgo, moço de câmara
e escudeiro-fidalgo – era uma valiosa honraria, situada logo
abaixo das promessas de comenda e acima dos hábitos da Or-
dem de Cristo, segundo papel seiscentista citado por Fernanda
Olival. Não tinha, entretanto, o mesmo significado dos hábi-
tos, pois enquanto estes estavam indissociavelmente ligados ao

21 IAN/TT, HOS, Letra B, mç. 1, n. 47.

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Real Serviço, os foros possuíam a forte conotação de linhagem


e nobreza herdada. Eram também mais raramente concedidos
aos que não descendessem de outros fidalgos já matriculados
na Casa Real, ainda que não faltassem exemplos de recém-
-chegados (OLIVAL, 2001: 138-141 e 176-177).
Para obter os foros, então, os vassalos pareciam ter cons-
ciência de que apenas serviços não seriam suficientes: somen-
te membros da elite açucareira ou militares com longos e im-
portantes serviços os requereram, quase todos destacando sua
qualidade – e quem podia brandia uma suposta fidalguia de
avós ou bisavós22. A açucarocracia pernambucana, envolvida
em peso na guerra, deve ter procurado legitimar definitivamen-
te seu status, pois os foros seriam herdados por seus descen-
dentes. A elite baiana, menos envolvida no conflito, também
requereu os foros, mas em menor escala, confiando mais em
sua qualidade que em seus préstimos à monarquia lusa.
Cerca de 25% dos suplicantes requereu um ofício de justiça
ou fazenda para si, seja por já terem abandonado a carreira
militar ou como complemento, pelas possibilidades de ganho
financeiro na ocupação destes cargos. Na Bahia, o ofício mais
requisitado, ainda que apenas pelos mais destacados vassalos,
foi o de provedor-mor da fazenda do Estado do Brasil, um dos
mais importantes cargos da administração colonial, solicitado
por 9 homens, dentre os quais Gonçalo Ravasco Cavalcante de
Albuquerque, Lourenço de Brito Correia e seu filho Lourenço
de Brito de Figueiredo, João Peixoto Viegas e Sebastião da Ro-
cha Pita, avô do historiador homônimo mais famoso.
A principal diferença entre as capitanias reside, porém, nos
pedidos de governos no Ultramar. Na Bahia, 17 vassalos pedi-
ram, dentre outras mercês, o governo de uma capitania; 8, po-
rém, limitaram suas ambições a uma capitania muito subalter-
na, economicamente ligada à Bahia: Sergipe23. Nestes pedidos,

22 Cf. AHU, cód. 80, fls. 351-352; cód. 81, fls. 62v e 303v-304v; cód. 82, fl. 71v; cód.
83, fls. 104v-105; cód. 84, fl. 113v.
23 AHU, cód. 80, fls. 58-59; cód. 82, fls. 140v-141 e 177v-178; cód. 83, fls. 81-81v,
196-196v, 201v-202, 249 e 299-299v; cód. 84, fls. 20-20v, 111v, 191-191v e 321.

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 273

o governo do Sergipe parece antes ter um caráter de um posto


militar como outro qualquer, mais um nas longas carreiras dos
oficiais da tropa paga. Francisco de Góes de Araújo, por exem-
plo, pede “uma sargentia-mor, das que estiverem vagas no Brasil,
ou a primeira que vagar, e enquanto não entrar nela, a capitania-
-mor de Sergipe del-Rei”24. O cavaleiro-fidalgo Matias Cardoso
solicita, por sua vez, “pela experiência que tem de guerra se lhe
dê o cargo de capitão da artilharia que está vago, ou a capitania
do Sergipe por 6 anos”25. A exceção é Félix Amorim de Passos,
natural de Sergipe, que pede o governo de sua capitania por 12
anos, embora fosse apenas um capitão de ordenança26.
Outras 4 foram um pouco mais ousados, requerendo o go-
verno do Grão-Pará ou da Paraíba27. A ambição dos pedidos
era proporcional à proeminência dos requerentes: sendo assim,
apenas 5 destacados militares e membros da açucarocracia ou-
saram requerer os governos do Rio de Janeiro, Cabo Verde ou
mesmo Pernambuco: o fidalgo Antônio de Brito de Castro, Ni-
colau Aranha Pacheco, Lourenço Carneiro de Araújo, Lourenço
de Brito Correia e seu filho Lourenço de Brito de Figueiredo28.
Estes 9 pretendentes provavelmente se inspiraram nos excep-
cionais exemplos de homens como João Fernandes Vieira e An-
dré Vidal de Negreiros, que circularam pelo Atlântico Sul lusita-
no no exercício de diversos governos. Representavam, porém,
apenas 5% dos requerentes da Bahia – ou 10%, se somados aos
que demandaram o governo de Sergipe.
Em Pernambuco, tais pedidos foram muito mais comuns, fos-
se pela proximidade dos exemplos de Fernandes Vieira e Vidal
de Negreiros, fosse pela maior importância dos serviços presta-
dos. Nesta capitania, temos 40 requerimentos de governos ultra-

24 AHU, cód. 83, fls. 81-81v.


25 AHU, cód. 80, fls. 58-59.
26 AHU, cód. 82, fls. 140v-141 e 177v-178.
27 AHU, cód. 79, fls. 257v-261v; cód. 80, fl. 33v; cód. 82, fls. 141v-142 e 265-266; cód.
83, fls. 104-104v; cód. 84, fls. 28-28v e 104; cód. 85, fls. 282-283 e 289v.
28 AHU, cód. 79, fls. 334v-336; cód. 80, fls. 251v-252v e 274-275; cód. 81, fls. 265-
266; cód. 83, fls. 106-107, 275-275v e cód. 84, fls. 4-4v.

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marinos, quase todos realizados por membros da açucarocracia


a partir de 1654: 27% dos membros deste grupo pediram o go-
verno de uma capitania, proporção quase três vezes superior à
encontrada nos requerimentos de sua contraparte baiana.
Muito mais numerosos, os pedidos são também de uma
maior variedade geográfica. Os vassalos de menor destaque so-
cial solicitavam capitanias subalternas próximas a Pernambuco,
especialmente o Rio Grande e o Ceará: encontrei 10 casos neste
sentido, como Antônio Fernandes Furna, que pede a capitania
do Rio Grande. No mesmo sentido podem ser incluídos os 8
requerimentos do governo de Sergipe29.
Outros 7 solicitaram apenas que fossem lembrados quando
da nomeação dos governos ultramarinos, sem especificarem as
capitanias pretendidas. A presença de nomes ilustres da açuca-
rocracia pernambucana neste subgrupo, porém, como João do
Rego Barros, João Gomes de Melo, Jerônimo de Albuquerque,
D. Pedro de Sousa e Arnaut de Holanda Barreto indicam que
suas ambições provavelmente eram elevadas. Entretanto, como
não dispunham de serviços tão significativos, devem ter optado
por não enfatizar muito este ponto, concentrando-se em seus
outros pedidos, como o foro de fidalgo ou uma comenda da
Ordem de Cristo30.
A partir deste patamar, vários dentre os mais destacados pró-
-homens de Pernambuco que haviam militado na guerra con-
tra os flamengos fizeram ousados pedidos, com o objetivo de
governar capitanias de média importância no Atlântico Sul. 8
pediram o governo da Paraíba que, apesar de sua reduzida
relevância econômica, especialmente depois da ocupação neer-
landesa, interessaria aos homens principais pernambucanos
pela proximidade geográfica e ligações econômicas, políticas

29 AHU, cód. 82, fls. 300v-301, 325-326, 331, 369v-370 e 373-374v; cód. 83, fls. 117v-
118, 151v-152, 167, 216, 342v-343 e 357; cód. 84, fls. 16, 62v, 79v, 87, 96v, 187v,
430-430v 434 e 441; cód. 85, fls. 126v-127, 255v-256 e 313v. Sobre Furna, cf. cód.
80, fls. 74-76 e cód. 82, fls. 165-165v.
30 AHU, cód. 82, fls. 266-267, 340-340v; cód. 83, fls. 6v-7, 292-292v e 304v; cód. 84,
fls. 71v-72, 156v-157, 246v, 282-282v e 329-329v; cód. 85, fls. 70-71v, 145, 255b-
256, 311-311v e 381-382.

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e familiares. Outros, porém, não se prenderam a estes fatores


e expressaram o desejo de governar capitanias mais importan-
tes, ainda que distantes: 7 para o Maranhão e 9 para o Rio de
Janeiro. Apenas uns poucos ousaram pedir o governo de Per-
nambuco (Vidal de Negreiros, Fernandes Vieira e o sogro deste,
Francisco Berenguer de Andrade), Angola (4), Cabo Verde (2)
ou de alguma das ilhas atlânticas (2).
Para citar mais dois exemplos, Cristóvão de Barros Rego,
ao requerer com seus serviços, de seu pai e de quatro irmãos,
pede “mercê da futura sucessão do Governo do Rio de Janeiro,
Maranhão ou Cabo Verde”31. Já o destacado militar e senhor de
engenho Antônio de Freitas da Silva pediu o governo de Ango-
la, Rio de Janeiro ou alguma das Ilhas “para com isso servir a
Vossa Majestade com mais autoridade”32. Os membros da açu-
carocracia pernambucana não desejavam apenas uma espécie
de autogoverno local após a restauração da capitania (MELLO,
2008: 89-124), mas também ampliar sua área de influência e
exercer o governo de outras capitanias do Atlântico Sul, com
as novas oportunidades de ganhos econômicos e políticos que
elas lhes ofereceriam, ganhos estes que poderiam ser funda-
mentais para a reiteração e restabelecimento da elite pernam-
bucana num momento de reconstrução no Pernambuco post
bellum (ALENCASTRO, 2000: 247-325).

Pareceres do conselho, decisões do monarca

Como a Coroa reagiu aos pedidos e serviços de seus vas-


salos? Todos os pedidos passavam primeiro pelo julgamento
do Conselho Ultramarino, que os resumia em uma consulta e
emitia seu parecer – único, se houvesse unanimidade entre os
conselheiros (o usual), ou múltiplo, caso contrário. Cada caso
era analisado em detalhe pelos conselheiros; as compara-
ções com a multidão de outros requerentes eram inevitáveis e

31 AHU, cód. 81, fls. 382v-384v.


32 AHU, cód. 82, fls. 34v-35 e 112v-113.

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constituintes na avaliação dos merecimentos dos suplicantes,


mas não havia uma regra fixa, apenas uma vaga e intangível
“tabela remuneratória” a que fizemos referência no capítulo
anterior. Os principais aspectos que o Conselho procurava
nas folhas de serviços eram a participação em “boas ocasiões”
(batalhas importantes), a realização de serviços ao longo de
vários anos, ferimentos sofridos na guerra, o posto de Capitão
ou superior, a qualidade dos suplicantes e o dispêndio de
fazenda. Encontramos alguns destes elementos na consulta
da petição de réplica de Amaro Velho de Cerqueira, na qual
os conselheiros qualificam seus serviços como “dos melhores
que se tem visto neste Conselho, de Capitães e mortes de três
irmãos na guerra pelejando, e os seus próprios feitos com va-
lor e recebendo feridas”33.
De modo geral, o tribunal foi favorável aos pedidos, reco-
mendando sempre a concessão de alguma mercê, ainda que ra-
ramente a desejada pelos requerentes. Na quase totalidade dos
casos, os conselheiros sugeriram a concessão de um hábito, mes-
mo que de Avis e Santiago, procurando atender parcialmente
aos suplicantes. Apenas em raras ocasiões o Conselho mudava
seus pareceres nas respostas às réplicas, demonstrando coerên-
cia nas avaliações. Assim, se o Conselho Ultramarino persistiu
“no discurso dos merecimentos dos vassalos das Conquistas, e
na necessidade de atender suas representações” com o objetivo
de reconstruir os laços da monarquia com as elites periféricas
ultramarinas, como afirmou Edval de Souza Barros (2004: 339),
agiu de maneira semelhante ao consultar as mercês, ainda que
de modo menos liberal do que os luso-brasílicos gostariam.
É possível que alguns requerentes se beneficiassem da atuação
de patronos no Reino, capazes de agir no sentido de tornar os
conselheiros mais receptivos a seus requerimentos. A atuação das
redes clientelares é, porém, muito difícil de traçar, e creio que a
maioria dos suplicantes não possuiria contatos em Lisboa pode-
rosos a pontos de intervirem nas decisões de um tribunal régio.
Uma exceção foi a parentela do Doutor Feliciano Dourado, natu-

33 AHU, cód. 82, fls. 219v-220; cf. também fls. 143-144.

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ral da Paraíba que alcançou um assento no Conselho Ultramarino:


no parecer ao pedido de seu irmão, Vicente Dourado, o Conselho
enfatiza o fato do “pretendente ser irmão de um Conselheiro des-
te Conselho”34. No de seu cunhado, Luís Quaresma, o Conselho
demonstra como esse favorecimento era considerado justo e váli-
do, exatamente por ser baseado no mérito do Dourado:

quando não foram bastantes os serviços referidos


para Vossa Majestade fazer mercê da propriedade do
mesmo ofício ao capitão Luís Quaresma, julga o Con-
selho que só por ele ser cunhado do Doutor Felicia-
no Dourado que com tanta satisfação serviu a Vossa
Majestade nas embaixadas deste Reino, e atualmente
estar continuando o mesmo serviço neste Conselho,
com assistência e satisfação com que é notório, é me-
recedor de Vossa Majestade lhe fazer a dita mercê35.

Nos primeiros anos após a fundação do Conselho Ultramarino,


os vassalos puderam contar com a intervenção do seu primeiro
Presidente, o Marquês de Montalvão, que governara brevemente
o Estado do Brasil, e por diversas vezes se manifestou em favor
dos suplicantes luso-brasílicos, por tê-los visto servindo “com
boa opinião” na Bahia36. A maioria dos suplicantes, porém, devia
se encontrar numa situação similar a do já citado Amaro Velho de
Cerqueira, em cuja consulta o Presidente do Conselho, Conde de
Odemira, “acrescenta que quanto mais desamparado é este Ca-
pitão, pois ninguém intercede por ele, julga por mais benemérito
de ser favorecido”37. Anos depois, em 1659, o governador-geral
Francisco Barreto escreveu uma carta em favor deste vassalo:

o Capitão reformado Amaro Velho de Cerqueira é de


tantos merecimentos pelos muitos e honrados servi-

34 AHU, cód. 83, fls. 303-303v.


35 AHU, cód. 84, fls. 118-118v.
36 Cf., dentre outros, AHU, cód. 79, fls. 245v-247 e 33v-336; cód. 80, fls. 226v-227.
37 AHU, cód. 82, fls. 143-144.

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ços que fez a Vossa Majestade nas guerras de Per-


nambuco, donde assistiu muitos anos por Capitão de
infantaria, que podia escusar representar a Vossa Ma-
jestade, por sua notoriedade; mas como passou a essa
Corte a requerer o prêmio dos merecimentos pró-
prios, e dos herdados com a morte de 3 irmãos, e um
cunhado, que renderam as vidas no serviço de Vossa
Majestade nas guerras de Pernambuco, e não se lhe
deferiu nessa Corte a seu requerimento, me pareceu
ocupá-lo [em uma companhia de infantaria] para que
continuasse o serviço de Vossa Majestade, enquanto
de sua Real Grandeza não alcança remuneração de
seus serviços (DH, vol. 4: 374-375).

Barreto e seu antecessor, o Conde de Atouguia, escreveram


algumas cartas similares para o monarca, destacando o mérito
de alguns dentre os mais destacados militares luso-brasílicos e a
conveniência de lhe serem feitas mercês, para que, como escre-
veu Atouguia sobre o mestre de campo João de Araújo, “a honra
que Vossa Majestade se servir mandar fazer a um soldado tão
antigo como ele, seja motivo a o imitarem os que de novo come-
çarem a servir e esperar mercês da grandeza de Vossa Majestade”
(DH, vol. 4: 301-302). Não encontrei cartas similares de outros
governadores na coleção Documentos Históricos, que publicou
parte considerável da correspondência dos governadores-gerais
seiscentistas. Os governadores parecem ter participado na eco-
nomia da mercê principalmente na concessão de certidões aos
vassalos que bem servissem. A se julgar pelos resultados dos re-
querimentos dos vassalos que foram beneficiados por estas car-
tas escritas diretamente ao rei, seu poder de influenciar a direção
da política de mercês não foi muito significativo.
O Conde de Óbidos, segundo Vice-Rei do Estado do Brasil,
tentou aumentar seu poder de patronagem ao requisitar o di-
reito de conceder “12 fidalguias e 12 hábitos” aos sujeitos mais
beneméritos daquele Estado, como era mercê particular dos
Vice-Reis da Índia, “e ele os não levou, quando o foi governar”.
Tal seria necessário

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Serviços e Mercês:
Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 279

porque são ali muitos os beneméritos de Vossa Majes-


tade os honrar, e quase todos incapazes de passarem
a esta Corte a requerer a satisfação de seus serviços,
uns porque ainda que tenham cabedal, é maior o pe-
rigo da jornada, e a despesa que nela se há de fazer
que a mesma esperança, que os pode trazer; e outros
porque o mesmo que despenderam servindo a Vossa
Majestade os impossibilita a virem solicitar a remune-
ração do que serviram.

Além de seu merecimento, a última justificativa do Conde


Vice-Rei é que esta mercê já fora concedida “no Brasil a Antô-
nio Teles da Silva, a quem Vossa Majestade fez mercê por alvará
feito por mão de Francisco de Lucena de poderes para fazer
fidalgos, dar comendas e hábitos, e por respeitos particulares a
teve em silêncio”. Ao Conselho pareceu, porém, que tal medida
provocaria “justas queixas nos que ficarem por premiar”. Os
moradores do Brasil deveriam requerer no Reino, onde “lhes
mandará Vossa Majestade deferir, como o houver por bem, e
como já tem deferido a muitos, com largas mercês e honras”. Os
conselheiros terminam seu parecer afirmando que

o exemplo de Antônio Teles, que o Conde Vice-Rei


aponta (se é que levou aquela faculdade) foi em ou-
tro tempo, e no princípio do Reinado de Sua Majes-
tade que está em glória, por então convir assim, e
não só pela ocasião, mas pela guerra propínqua de
Pernambuco, com que entende o Conselho que não
há lugar de se deferir ao que o Conde pede38.

Se o centro político reservou para si o direito de conceder


mercês – como o fizeram outras monarquias europeias (AME-
LANG, 2006; PECK, 1993; GUÉRY, 1984) – examinemos agora
suas respostas. Como seria de se imaginar, as mercês estão dis-
tribuídas no tempo de maneira muito similar aos pedidos, com

38 AHU, cód. 16, fls. 121-121v; AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 1990 e cx. 19, doc. 2023.

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280 Thiago Nascimento Krause

uma significativa concentração no reinado de D. João IV. O que


talvez seja mais notável, porém, é o índice relativamente baixo
dos que não receberam a mercê do hábito de alguma das três
Ordens Militares: 100 vassalos, cerca de 23% do total. Mesmo
dentre estes, 66% receberam um parecer favorável do Conselho
para que o monarca lhes concedesse a insígnia de alguma das
três Ordens – para um deles, o pernambucano Antônio de Albu-
querque de Melo, os conselheiros recomendaram mesmo uma
comenda da Ordem de Cristo39. É provável, portanto, que ao me-
nos alguns destes homens tenham sido agraciados com um há-
bito, mas por um motivo qualquer não tenham tirado a portaria
da mercê – talvez por terem recebido outro que não o de Cristo,
como no caso de Antônio de Brito de Castro citado acima, em
que este militar esperou 21 anos para requerer novamente40. En-
tão, apesar de os suplicantes sempre receberem menos que pe-
diam, é de se destacar que eles recebiam a mercê da insígnia de
alguma das Ordens em quase 8 a cada 10 casos – e mesmo nos
casos restantes, o Conselho sempre recomendou a concessão de
alguma mercê menor, como um posto militar ou um alvará de
lembrança para um ofício de justiça ou fazenda.

QUADRO 6: Porcentagem de pedidos não atendidos.

Reinado/Regência Bahia Pernambuco


D. João IV (1641-56) 16% 11%
D. Luísa (1657-1662) 25% 14%
D. Afonso VI (1662-1667) 25% 5%
D. Pedro (1668-1683) 12% 27%

Como seria de se esperar, os suplicantes malsucedidos eram


mais numerosos na Bahia, compondo 26% do total. Mesmo
assim, o fato de no mínimo 74% dos suplicantes da sede do
governo-geral ter alcançado a mercê do hábito já é um indica-
dor da importância que o centro político atribuiu aos serviços

39 AHU, cód. 82, fls. 365-365v.


40 AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2120 e cód. 79, fls. 334v-336.

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 281

prestados na “cabeça do Estado do Brasil”, certamente em razão


de sua importância estratégica. Em Pernambuco, a porcenta-
gem de pedidos insatisfeitos é um pouco menor: 21%.
Se compararmos a proporção entre pedidos insatisfeitos e o
total de pedidos, é possível perceber um interessante fato: até
o final do reinado de D. Afonso VI, a porcentagem é significati-
vamente maior na sede do governo-geral, em comparação com
Pernambuco. A partir de 1668, porém, a situação se inverte radi-
calmente: enquanto apenas 12% dos pedidos da Bahia não obtêm
um hábito, o mesmo é verdade para 27% dos requerimentos per-
nambucanos do período. É a partir da regência de D. Pedro, por-
tanto, que a Pernambuco definitivamente perde o posto cimeiro
dentre as capitanias do Brasil na economia da mercê. Em crise
econômica, com a gloriosa expulsão dos neerlandeses cada vez
mais distante, o Pernambuco post bellum vai vendo suas deman-
das cada vez menos atendidas pelo centro político, ainda que este
continue concedendo hábitos para a maioria dos requerentes.
Entretanto, os suplicantes não estavam em busca de qual-
quer hábito, mas da cruz tomarense. Mesmo alguns conselhei-
ros chegaram a dizer, tratando da réplica do fidalgo cavaleiro
João Soares Cavalcante, que se este recebesse o hábito de Avis
ou Santiago ficaria “quase sem o prêmio que merece por seus
serviços e qualidade” – ao que o Conde de Odemira e Cristóvão
de Andrade mantiveram o parecer negativo que haviam emiti-
do na primeira consulta, pois “os hábitos não desacreditam a
ninguém”41. É um ponto fundamental, portanto, sabermos quais
hábitos foram concedidos.

QUADRO 7: Mercês de hábitos

Reinado C-BA A e S-BA C-PE A e S-PE


D. João IV (1641-56) 26 48 33 49
D. Luísa (1657-62) 7 9 10 10
D. Afonso VI (1662-7) 10 8 15 10
D. Pedro (1668-83) 42 10 26 10

41 AHU, cód. 83, fls. 270v-271.

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QUADRO 8: Mercês de hábitos

Período C-BA A e S-BA C-PE A e S-PE


1641-58 27 52 34 56
1659-83 58 23 50 23
Legenda: C – Cristo; A e S – Avis e Santiago; BA – Bahia; PE – Pernambuco.

Quando o hábito não era de Cristo, geralmente o Conselho


e o monarca permitiam ao vassalo escolher entre as outras duas
ordens, de valor equivalente e que, portanto, podem ser ana-
lisadas em conjunto. Ao longo das quatro décadas estudadas,
foram concedidas 154 (48% do total) insígnias de Avis e Santiago
e 169 (52%) da Ordem de Cristo. Dividindo por capitania, te-
mos 85 cruzes tomarenses distribuídas na Bahia e 75 das outras
duas ordens, contra 84 e 79 em Pernambuco, respectivamente.
Considerando as frequentes manifestações de descontentamento
dos vassalos ao receberem outra insígnia que não a tomarense,
é possível imaginar que quase a metade dos vassalos possa ter
ficado ao menos parcialmente insatisfeita com a mercê recebida.
Entretanto, como Cleonir Xavier de Albuquerque percebeu
em sua pesquisa (ALBUQUERQUE, 1968: 58-59), a distribuição
de hábitos não seguiu um padrão uniforme durante todo o pe-
ríodo analisado. Até 1658, a Coroa concedeu 27 hábitos de Cristo
e 52 de Avis e Santiago para a Bahia; para Pernambuco, foram 34
e 56. De 1659 a 1683, foram 58 e 23 e 50 e 23, respectivamente.
O contraste é evidente e significativo; qual é seria a explicação?
Citemos um exemplo, dentre muitos outros: na consulta so-
bre o pedido do cavaleiro fidalgo Antônio Vieira de Melo, de
21 de abril de 1651, os conselheiros recomendam a concessão
do hábito de Avis com 30 mil réis de pensão, justificando seu
parecer da seguinte maneira: “não se vota no hábito de Cristo
posto que os serviços parecessem capazes dele pelo prejuízo
que no Brasil se segue no pagamento dos dízimos que vem a
ser exemplo mui prejudicial”42.

42 AHU, cód. 82, fls. 27-28. Cf. também cód. 79, fls. 342v-343v, 357-360 e 371v-374v;
cód. 81, fls. 211v-212v; cód. 82, fls. 3-3v, 32-32v, 33v-34, 41-41v, 78v-79, 143-144,

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 283

Os cavaleiros e comendadores procuraram esquivar-se de con-


tribuir para os donativos levantados pelas Câmaras para sustento
da infantaria, e mesmo do pagamento do dízimo, situação que
perdurou de inícios do século XVII até a década de 1660. Como
a maioria desses homens pertencia à elite, tal isenção gerava
insatisfações entre as elites coloniais e ameaçava a manutenção
do aparato militar e administrativo. Entretanto, em 6 de Agosto a
questão do dízimo foi resolvida através de uma carta régia que
negava definitivamente a isenção de cavaleiros e comendadores,
de modo que a Fazenda Real não seria mais afetada pela conces-
são dos hábitos tomarenses (KRAUSE, 2012).
Entre 1644 e 6 de agosto de 1658, os suplicantes da Bahia
receberam 68 hábitos, mas apenas 32 da Ordem de Cristo. Den-
tre os agraciados, 50 (74%) estavam ligados à açucarocracia,
mas apenas 19 receberam a cruz tomarense. Já em Pernambuco
concederam-se 84 insígnias, sendo 29 de Cristo. 59 dentre os
vassalos participavam da elite açucareira, dentre os quais 22
conseguiram a mercê do hábito mais valorizado.
Os 19 membros da açucarocracia que receberam a cruz da
Ordem de Cristo na Bahia possuíam serviços significativos e
eram homens “de qualidade”, embora não se sobressaíssem es-
pecialmente em nenhum dos dois quesitos: seu diferencial foi
combinar ambos. Os outros sete agraciados na capitania eram
militares de destaque. A açucarocracia veria, então, “forastei-
ros” e “inferiores” recebendo mercês mais importantes que as
concedidas a eles – com os almejados privilégios, inclusive a
isenção do dízimo – o que poderia causar certa insatisfação. O
que matizaria este quadro, porém, seriam os serviços eviden-
temente mais extensos e importantes dos agraciados com o
hábito de Cristo, pois os membros da elite baiana não podiam
alegar nada comparável em seus requerimentos.
Já em Pernambuco, 37% dos membros da açucarocracia re-
ceberam o hábito de Cristo, número apenas um pouco maior

165-165v, 168v-169, 230-231, 231-231v, 239-239v, 241v-242, 245v-246v, 256, 266-


267, 300-300v, 300v-301, 360v, 362v-363, 376v-377 e 377v; cód. 83, fls. 18-18v,
39-39v, 169, 200v, 212-212v, 270v-271, 284 e 310-310v.

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284 Thiago Nascimento Krause

que na sede do governo-geral. Apenas 5 vassalos não ligados à


elite açucareira receberam a mesma insígnia em Pernambuco,
numa proporção menor que na Bahia. De modo geral, os vas-
salos que receberam a cruz tomarense nesse período haviam se
destacado na guerra e já eram de uma condição social elevada.
Entretanto, diferentemente da sede do governo-geral, muitos dos
homens que não haviam recebido o hábito de Cristo realizaram
grandes serviços, como o supracitado Sargento-Mor e senhor de
engenho Pedro de Miranda e o Sargento-Mor Antônio Jacome
Bezerra. Eles se sentiram insatisfeitos exatamente porque muitos
outros “a quem não desmereciam” haviam recebido o hábito de
Cristo, como diziam em suas petições de réplica. À açucarocracia
pernambucana foram concedidas várias cruzes tomarenses no
período, mas tal procedimento apenas aumentou o descontenta-
mento da maioria que não recebera a mesma mercê.
Considerando-se que o período em que a questão do dízimo
influenciou nas decisões do centro político foi exatamente o de
maior ativação da economia de mercê pelos vassalos luso-brasí-
licos ao longo das quatro décadas analisadas, compreende-se o
porquê da solução encontrada pela Coroa – conceder o hábito
de Cristo apenas a alguns homens, substituindo-o para os outros
pelos hábitos de Avis e Santiago – haver gerado uma grande
insatisfação em Pernambuco. Os vassalos que não alcançaram a
insígnia tomarense considerariam tal procedimento injusto, pois
não ficariam atrás dos agraciados “nem nos procedimentos, nem
na qualidade”. A competição inerente à economia da mercê e a
parcimônia régia na distribuição da insígnia de Cristo significa-
ram que os vassalos pernambucanos sentiam que seus impor-
tantes serviços haviam ficado sem a remuneração devida, pois
os hábitos de Avis e Santiago pouco significariam para homens
que bradavam ser restauradores de Pernambuco, construindo a
sua própria imagem como a “nobreza da terra”. Mesmo que al-
guns tenham passado para a Ordem de Cristo posteriormente, o
sentimento de insatisfação deve ter permanecido, aumentando o
descontentamento originado do fato de a Coroa não entregar o
domínio de Pernambuco aos pró-homens, como estes acredita-
vam merecer (MELLO, 2008: 89-181).

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 285

Após 1658, a Coroa mostrou-se muito mais liberal com os


hábitos de Cristo, concedendo-os a quase todos os vassalos que
os requereram. Na Bahia, a Coroa atribuiu 44 hábitos de Cristo
à elite açucareira da capitania e aos homens que a ela haviam
se incorporado de meados de 1658 a 1680. Os pró-homens per-
nambucanos, por outro lado, receberam 35 cruzes tomarenses
no mesmo período.
A posição política privilegiada da Bahia como “cabeça do Es-
tado do Brasil” e sua crescente importância econômica frente ao
declínio pernambucano contribuíram para que a capitania tomas-
se a liderança na competição da economia da mercê. Como pou-
co mais da metade dos suplicantes havia pedido entre até 1658,
e estes eram, em sua maioria, os que possuíam serviços mais
significativos, a generosidade a partir desta data não deve ter sido
suficiente para reverter a impressão pernambucana de que os
Bragança haviam sido mais avaros que os Felipes. A açucarocra-
cia pernambucana perdeu a projeção econômica que gozara an-
tes da guerra e não obteve a proeminência política que esperava
após a gloriosa restauração da capitania, o que não poderia deixar
de incomodá-los, pois certamente acreditavam que seus serviços
eram os mais importantes já produzidos na América Portuguesa.

Foros e governos, tenças e comendas

Como usualmente ocorria, as pretensões dos vassalos eram


significativamente reduzidas pelo centro político quando este
concedia as mercês – situação ainda mais evidente quando
os requerimentos iam além dos hábitos das Ordens Militares,
como veremos abaixo. Poucos foram agraciados com foros de
fidalgo, por exemplo. Em resposta aos muitos requerimentos
que demandavam esta honraria, o Conselho Ultramarino quase
sempre recomendava que este pedido se fizesse pela via corre-
ta: o mordomo-mor – sobre cuja atuação podemos tecer apenas
vagas conjecturas, pois quase toda a documentação relevante
se perdeu no terremoto de Lisboa de 1755. Na Bahia, o tribunal
só recomendou o foro para o doutor Sebastião Parvi de Brito,

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letrado de destaque na sociedade colonial, pois já ocupara os


postos de ouvidor-geral, provedor da alfândega, provedor-mor
da fazenda e três vezes provedor da Misericórdia. Provavelmen-
te tal recomendação se deveu à intervenção direta do Marquês
de Montalvão, que escreveu em seu parecer que “Sebastião Par-
vi de Brito é dos mais nobres homens de Évora (...) e que hoje
no Estado em que está o Brasil não há pessoa capaz de suceder
naquele governo faltando governador senão ele”43.
Já para os pedidos de Pernambuco os conselheiros foram
muito mais generosos, recomendando o foro em 14 ocasiões
(ainda que estes representassem apenas uma 27% dos 51 ho-
mens que requereram essa mercê na capitania), geralmente para
os homens de destaque na capitania, como Vidal de Negrei-
ros, Fernandes Vieira e João Lopes Barbalho. Respondendo a
Francisco de Figueiroa, o Conselho sugeriu esta mercê “por ser
Mestre de Campo a cujo cargo e posto é devida toda a honra”
(apud MELLO, 1967: 30). Na consulta ao primeiro requerimento
de Antônio Jacome Bezerra, o Conselho explicou sua parcimô-
nia na recomendação desta mercê: “o foro de fidalgo se não
deve nem consultar, se não ao mestre de campo ou por algum
serviço muito notável”44. Quando Bezerra replicou após ter se
tornado mestre de campo, os conselheiros responderam que,
considerando o que “o dito Antônio Jacome obrou de novo na
recuperação de Pernambuco parece que Vossa Majestade de
mais das mercês referidas empregará bem nele a do foro de
fidalgo por agora haver nele o caso que a princípio faltava”45.
Dos 15 vassalos para quem o Conselho recomendou o foro,
ao menos 11 o receberam. Na Bahia, dentre os 50 que requere-
ram os foros pelo Conselho Ultramarino, apenas 7 foram bem-
-sucedidos, todos membros da açucarocracia – e isto apenas
após passarem pelo crivo do mordomo-mor. A taxa de sucesso
foi quase o dobro em Pernambuco (14 casos em 51 requeri-
mentos), mas ainda assim de apenas 27% do total.

43 AHU, cód. 80, fls. 226v-227.


44 AHU, cód. 82, fls. 245v-246.
45 AHU, cód. 82, fls. 348v-349.

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 287

Entretanto, ao examinarmos as informações sobre os foros re-


tiradas do Livro de Matrícula dos Moradores da Casa Real e, sub-
sidiariamente, do Registo Geral de Mercês, é possível perceber
que houve homens que receberam o foro após pedirem-no dire-
tamente ao mordomo-mor, como o senhor de engenho Simão da
Fonseca de Siqueira, fidalgo-cavaleiro em 1666 (AMARAL, 2009,
vol. II: 534). Havia também aqueles que eram, como Antônio de
Brito de Castro, fidalgos de linhagem, embora estes fossem mais
raros no Brasil do que os que haviam recebido o foro por mercê
régia. Somando os dois grupos e incluindo os 17 cavaleiros-fidal-
gos (classe abaixo dos três foros mais valorizados), identifiquei
101 fidalgos nas duas capitanias dentre os meus 439 biografados,
sendo 47 na Bahia e 54 em Pernambuco. Se somarmos a estes
os 15 fidalgos moradores ou naturais das duas capitanias que
não pediram nem receberam hábitos (não constando, portanto,
em minha prosopografia) que aparecem no Livro da Matrícula,
teríamos um total de 116 fidalgos para o período entre 1640-1681
naturais ou moradores das duas regiões em estudo, dos quais
50 receberam o foro ainda no período filipino ou por descende-
rem de fidalgos. Logo, as fidalguias efetivamente concedidas no
período para os moradores ou naturais da Bahia e Pernambuco
contam-se em apenas 66, número muito inferior aos 363 hábitos
das três ordens (169 da Ordem de Cristo) concedidos no mesmo
período e mesmo aos 201 hábitos efetivamente envergados pelos
vassalos após todo o processo de habilitação, com lançamento
da carta de hábito nas Chancelarias das Ordens.
Como lembrou Fernanda Olival, as exigências para alcançar
os hábitos das Ordens Militares não eram iguais às necessárias
para gozar de fidalguia. Enquanto estes veiculariam linhagem
e nobreza, a ideia de serviço era indissociável dos hábitos: as
habilitações das Ordens também seriam muito mais rigorosas
que as breves investigações de fidalguia. Mesmo assim, em um
contexto colonial e periférico, na qual os fidalgos de linhagem
seriam raros, o acesso à fidalguia seria muito mais difícil que à
insígnia de uma das Ordens Militares – e mesmo da de Cristo.
Enquanto cerca de 75% dos suplicantes obtiveram a mercê de
um dos hábitos, o mesmo só pode ser dito de 27% dos que

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requereram o foro de fidalgo. Faz-se necessário discordar, por-


tanto, de Maria Beatriz da Nizza da Silva quando esta escreve
que era “mais fácil no século XVII ostentar o título de fidalgo
da Casa Real do que o de cavaleiro da Ordem de Cristo”. Entre-
tanto, há que reconhecer que, como “ser fidalgo da Casa Real
dependia apenas da vontade do rei” (SILVA, 2005: 106), certos
vassalos que não conseguiram envergar o hábito – ou só o fi-
zeram com dificuldade – por não se encaixarem no estereótipo
nobiliárquico lusitano puderam ostentar sua fidalguia, como o
governador dos negros Henrique Dias e os cristãos-novos Dio-
go Lopes Ulhoa e Diogo Gonçalves Laço. Francisco Correia de
Sande e Pedro Fernandes Aranha, filhos do mestre de campo Ni-
colau Aranha Pacheco, reprovado na habilitação para a Ordem
de Cristo por cristã-novice, conseguiram em 1697 a honraria de
fidalgo-cavaleiro, a despeito da impureza paterna. Também é
possível citar o secretário do Estado do Brasil e irmão do Padre
Vieira, Bernardo Vieira Ravasco, reprovado para a Ordem de
Cristo, mas que também ostentou o foro de fidalgo. Tais casos,
porém, eram raros e não desmentem o fato de que, ao menos
no Brasil do século XVII, a fidalguia era uma honraria mais rara
e difícil de ser obtida que os hábitos das Ordens Militares.
Vimos acima que os vassalos luso-brasílicos também deman-
daram governos ultramarinos, especialmente nos requerimen-
tos de Pernambuco. Na grande maioria dos pedidos, a resposta
do Conselho era uma só: o suplicante deveria se candidatar
a uma vaga quando esta se abrisse e seguir o procedimento
usual. Houve apenas seis exceções (todas ainda no reinado de
D. João IV, com exceção de Agostinho Barbalho Bezerra, já no
de D. Afonso VI), e dentre estas apenas Valentim Tavares Ca-
bral, natural de Pernambuco que governou o Rio Grande por
seis anos, obteve o posto diretamente por mercê régia – em
uma capitania ultra periférica, há que se notar46. Quanto aos
outros, o monarca ignorou a recomendação do Conselho.

46 AHU, cód. 83, fl. 357 e cód. 84, fl. 16. Cf. também IAN/TT, RGM, Chancelaria de
D. Afonso VI, L. 6, fl. 90; STUDART, 1904, vol. I, pp. 16-8 e 39-41, assim como vol.
IV, pp. 117-119 e 140-142 e BARDWELL, 1974, p. 112, nota 38.

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Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 289

André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira consegui-


ram seus governos diretamente por nomeação régia, sem passar
pelo procedimento normal de seleção, mas foram exceções, a
quem se poderia acrescentar o caso de Matias de Albuquerque
Maranhão, que recebeu a capitania-mor da Paraíba por 3 anos
em 1656. Os casos de Cristóvão de Barros Rego, governador de
São Tomé e de Cabo Verde, e Diogo Coelho de Albuquerque,
governador do Ceará, talvez também se enquadrem nesta mo-
dalidade do governo como mercê, embora eu não tenha cer-
teza. Alguns outros vassalos inclusos em minha prosopografia
obtiveram governos, mas a maioria (com exceção dos que fo-
ram governadores interinos por breves períodos) o fez através
do procedimento de seleção usual pelo Conselho Ultramarino
(BARDWELL, 1974: 229-247).
Através desses dados, é possível perceber a íntima relação
entre a economia da mercê e a nomeação dos governadores
do Império Português, relação esta que já havia sido destaca-
da por Ross Bardwell em sua tese de doutorado. Entretanto,
como o mesmo autor demonstrou, a seleção dos governadores
seguia um procedimento burocrático diferente da requisição e
concessão de mercês, e “o que surpreende o pesquisador é o
grau de objetividade na seleção dos governadores coloniais”
(BARDWELL, 1974: 171).
Para uma apreciação adequada do interesse, sucesso e fra-
casso dos vassalos luso-brasílicos na obtenção dos governos
coloniais, uma documentação diferente da que recolhi neste
trabalho deveria ser utilizada. Dentro de uma análise mais ge-
ral da nomeação dos governadores e capitães-mores do Im-
pério, esse esforço já foi parcialmente realizado (MONTEIRO
& CUNHA, 2005). Há que se notar, porém, que quase todas
as capitanias governadas por naturais ou moradores do Brasil
eram territórios periféricos. Em acréscimo, praticamente todas
as pretensões da açucarocracia pernambucana – e dos poucos
pró-homens baianos que a tanto se atreveram – de governar
outras capitanias no Atlântico Sul, inclusive territórios impor-
tantes como Maranhão e Rio de Janeiro, foram malsucedidas,
tornando-se mais um motivo de frustração, pois

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a partir dos finais da expansão para o Norte e, so-


bretudo, a partir das Guerras da Restauração ocor-
reu uma maior normalização das nomeações e dos
critérios que lhes estavam subjacentes, diminuindo
não só o espaço para as nomeações por entidades
políticas locais, como reduzindo a acessibilidade dos
postos de governos pelos ditos “homens coloniais”.
A intensidade do fenômeno variou consoante as ca-
pitanias, verificando-se com particular evidência nas
capitanias principais de Pernambuco, Rio de Janeiro e
Maranhão. É, no entanto, uma tendência que a partir
de 1668 começou a permear as nomeações para os
governos inferiores e que virá a consolidar no século
seguinte (MONTEIRO & CUNHA, 2005: 229).

Enquanto os foros e governos eram pedidos por apenas uma


parcela – ainda que considerável – dos requerentes, as ten-
ças eram uma constante em todos os pedidos. O Conselho e
a Coroa costumavam reduzir o valor pedido pelos vassalos,
mas mesmo assim as tenças concedidas alcançaram quantias
relativamente elevadas, girando em torno de 39$000, embora
tendencialmente decrescentes, atingindo o piso de 12$000 na
década de 1670, como no restante do Império (OLIVAL, 2001:
49). Neste ponto, há apenas uma ligeira vantagem para Per-
nambuco, cujas tenças tiveram uma média de 42$000.
Entretanto, nem todos estes rendimentos efetivavam-se, pois
parte considerável das tenças recebidas não se materializava
nas cartas de padrão de tença, documento que garantiria o pa-
gamento efetivo do benefício. Mesmo com a carta de padrão,
porém, os cavaleiros por vezes enfrentavam problemas para
conseguir cobrar os réditos que lhe eram devidos: o cavaleiro
da Ordem de Cristo Diogo Coelho de Albuquerque, por exem-
plo, recebeu 60$ de tença nos quintos do ouro de São Vicente.
Até 1656, porém, 8 anos após a mercê, os oficiais dos ditos
quintos “nunca lhe quiseram fazer pagamento algum, e porque
vai continuando o serviço de Sua Majestade e parecer justo se
lhe pague” pediu – e obteve – um mandato do governador-

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Serviços e Mercês:
Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 291

-geral Conde de Atouguia para que recebesse o que lhe era de-
vido (DH, vol. 19: 6-9). O senhor de engenho Antônio Ferreira
de Sousa, cavaleiro da Ordem de Santiago, recebeu apenas em
1658, 15 anos após a carta de padrão, 628$773, em razão dos
40$ com os quais fora agraciado em 1643 (DH, vol. 19: 402-
410). Em 1665, seguindo o exemplo de seu cunhado, o lavrador
Francisco de Negreiros Soeiro, cavaleiro de Avis, pediu o paga-
mento dos atrasados de sua tença de 40$, recebendo 1:022$220
pelos 25 anos, 6 meses e 20 dias por mandado do Conde de
Óbidos (DH, vol. 22: 102-112). Esses poucos exemplos demons-
tram a dificuldade o recebimento de tenças situadas nos rendi-
mentos do Brasil. Estas, porém, eram uma minoria, pois a maior
parte dos cavaleiros recebia tenças situadas em algum almoxa-
rifado do Reino. Parece provável, portanto, que enfrentassem
ainda mais dificuldades em receber – hipótese reforçada pelo
fato de muitos vassalos especificarem rendimentos no Brasil
onde gostariam de receber suas pensões. É possível, portanto,
que grande parte dos cavaleiros jamais tenha conseguido rece-
ber suas tenças, o que diminuiria a pressão nos parcos recursos
régios47 – assim como a importância econômica dos hábitos
para os vassalos coloniais.
Para além desta consequência, há outra, fundamental: aque-
les que não recebiam ao menos 12$ de rendimentos a título do
hábito não podiam se beneficiar de seus privilégios, incluindo
o foro privilegiado48. Por isso, diversos vassalos fizeram ques-

47 Quanto a este ponto, a consulta do Conselho Ultramarino de 1653 sobre o ter-


ceiro requerimento do tenente de mestre de campo general, senhor de engenho,
fidalgo e cavaleiro da Ordem de Cristo Gaspar de Sousa Uchoa, é instrutiva: “é
justo deferir-se-lhe a promessa que tem de comenda de 120 mil réis, pelo que
parece que Vossa Majestade lhe deve mandar fazer mercê dela com efeito para
[o] ter animado e contente na guerra do Brasil, em que é de muito préstimo, e
pela utilidade que se resultará à fazenda de Vossa Majestade, e no sustento da in-
fantaria nos 80 mil réis [de tença] que há de largar, e tem assentados nos dízimos
da capitania de São Paulo”. AHU, MG, cód. 82, fls. 225-225v.
48 O desembargador da Relação da Bahia Sebastião Cardoso de Sampaio, por exem-
plo, pede comissão para poder devassar “cavaleiros das três Ordens com tença
efetiva que se lhes paga” (ênfase minha) em carta de 6.i.1674, obtendo a anuência
do Príncipe Regente: AHU, Bahia LF, cx. 22, doc. 2584. Há uma interessante carta
do governador-geral Câmara Coutinho de 1691, na qual este reclama veemente-

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tão de marcar em seus requerimentos que desejavam tenças


efetivas para, como escreveu Francisco de Abreu e Lima, poder
“gozar dos privilégios da dita ordem”49.
Para estes vassalos, o valor do hábito seria principalmente
honorífico – embora seja possível que eles conseguissem fazer
valer seus privilégios mesmo sem a tença efetiva, através de ex-
pedientes locais. Já para a Coroa, tal situação significava que, em
primeiro lugar, continuaria a haver incentivos para os vassalos
permanecerem no Real Serviço, pois eles ainda poderiam reque-
rer que o monarca efetivasse a tença prometida, como ocorreu
em alguns casos. Ao mesmo tempo, embora talvez não fosse
esta a intenção, tais vassalos não poderiam opor seus privilégios
aos interesses de funcionários régios ou do centro político, caso
ocorressem confrontos ou desentendimentos. Por último, a Co-
roa economizava seus parcos recursos ao não pagar as tenças,
sendo este o mais provável motivo para sua não efetivação.
O mecanismo em relação às comendas era similar. Dos 59
vassalos que requereram comendas na Bahia, apenas 13 rece-
beram promessas nesse sentido, com valores por volta de 100$

mente deste privilégio: “este Estado está cheio de cavaleiros das 3 Ordens Mili-
tares, e nem são os menos criminosos que há nele, para se poderem castigar, e
devassar deles. E como pela isenção das ordens cada dia anulam as devassam e
ficam impunes de seus crimes; Vossa Majestade deve prover neste particular como
lhe parecer justiça, para que estes cavaleiros não fiquem zombando do castigo
que merecerem, e juntamente a Relação escrupulosa no que sentencia por não
declinarem para as ordens”. Na frota seguinte o governador-geral repete o pedido,
acrescentando que “os tempos passados houve aqui já exemplo: porque os chan-
celeres desta Relação o foram algumas vezes, e outras os bispos desta Cidade.
Peço a Vossa Majestade queira mandar resolver este negócio por ser importantís-
simo” (DH, vol. 33: 353-354 e 448-450). Em 1694, D. João de Lencastre repete o
pedido de seu antecessor: AHU, Bahia, LF, cx. 30, docs. 3843-3844. Como Câmara
Coutinho e Lencastre mencionaram em suas cartas, o ofício de juiz dos cavaleiros
das Ordens já havia sido exercido pelos bispos D. Marcos Teixeira e D. Pedro da
Silva Sampaio, além do Desembargador Simão Álvares de la Penha, natural de
Pernambuco e cavaleiro da Ordem de Cristo: cf. IAN/TT, COC, L. 22, fls. 197-198 e
268v; L. 31, f. 412. Aparentemente, o cargo não foi mais ocupado depois da morte
do desembargador em um naufrágio, em 1663. Antes este posto já fora capaz de
atrair a cobiça de outro pernambucano, o Padre Francisco da Costa de Araújo,
morador no Maranhão, que o requereu em 1645: AHU, cód. 80, fls. 141v-142.
49 AHU, MG, cód. 85, fls. 250-250v e 254v-255.

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e 120$. Quase todos os agraciados eram fidalgos e destacados


membros da elite baiana, como os irmãos Manuel e Felipe de
Moura Rolim e Guilherme e Domingos Barbalho Bezerra, pai
e filho, os 4 emigrados de Pernambuco; Lourenço Barbosa de
França, Antônio de Brito de Castro, Francisco Gil de Araújo,
Antônio da Silva Pimentel e Pedro Camelo de Aragão Pereira. A
Coroa procurou aqui acalmar os desejos e ambições da açuca-
rocracia baiana, talvez com inveja de seus pares pernambuca-
nos, pois certamente haviam tomado conhecimento das mercês
que lhes haviam sido concedidas. Entretanto, apenas nos casos
de Felipe de Moura e os Barbalho Bezerra tais comendas foram
efetivadas: o primeiro graças aos serviços do seu tio reinol D.
Francisco de Moura e os Barbalho Bezerra em razão dos gran-
des serviços do mestre de campo Luís Barbalho Bezerra, pai
de Guilherme, na guerra de resistência contra os flamengos,
serviços estes que possibilitaram a Guilherme transferir mesmo
a comenda para seu filho Domingos. Entretanto, a não efeti-
vação das comendas não impediu que homens como Antônio
de Brito de Castro utilizassem o título de comendadores – com
tremendo orgulho, imagino – pois nesse contexto as promessas
de comendas seriam uma das honrarias mais importantes da
monarquia portuguesa.
Em Pernambuco, o centro político concedeu 31 promessas
de comendas (em resposta a 77 requerimentos), cujo valor ron-
dava os 180$000, contemplando os principais pró-homens que
haviam participado na guerra, mercê provavelmente muito esti-
mada e que certamente aumentaria e legitimaria seus arroubos
de nobreza. Novamente, praticamente todos faziam parte da
açucarocracia, sendo ao menos 13 senhores de engenho e 19
fidalgos. Note-se, portanto, como a Coroa foi mais generosa na
concessão desta benesse aos principais pernambucanos, res-
pondendo favoravelmente a 40% dos seus pedidos de comen-
das, contra apenas 22% na Bahia.
Em Pernambuco, porém, em razão da importância dos servi-
ços realizados e para incentivo dos vassalos durante a guerra,
ao menos 6 homens tiveram suas comendas efetivadas, desta-
cando-se Vidal de Negreiros, Fernandes Vieira, e D. João de

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Sousa. Apenas os dois últimos, porém, conseguiram manter a


posse das comendas em sua família por mais uma geração:
Vieira em razão dos grandes serviços prestados na Restauração
e Sousa pelo acúmulo de serviços familiares e por descender
de importante família fidalga reinol. A dificuldade de manuten-
ção das comendas devia-se à falta de oportunidade de prestar
novos serviços relevantes na colônia, mas também à crescen-
te centralização destes importantes rendimentos pela “primeira
nobreza de Corte” que se cristalizava em Lisboa a partir dos
serviços prestados na Guerra da Restauração (MONTEIRO &
COSTA, 1999/2000).
Entretanto, mesmo as comendas e tenças que permaneceram
em promessa possuíam um importante significado, pois “esses
recursos tinham um dispositivo de status que permitia satisfa-
zer serviços com meras expectativas, como foi o caso do uso e
abuso das promessas de comendas e tenças até basicamente o
terceiro quartel do século XVII, efectiváveis na íntegra ou par-
cialmente” (OLIVAL, 2001: 527).
Aqui, como no tocante a quase todos os pedidos, o centro
político procurava satisfazer os anseios de seus vassalos luso-
-brasílicos por mercês, ao mesmo tempo em que tentava pre-
servar o valor simbólico das honrarias régias e levar em conta
outros fatores externos ao merecimento dos vassalos, como a
política internacional e a fiscalidade. A política de mercês ado-
tada pelo centro foi similar para ambas capitanias: a concessão
de honras à maioria dos requerentes, ainda que inferiores a
seus pedidos. A diferença foi o grau de benevolência, um pou-
co superior no caso pernambucano, na quantidade e qualidade
das mercês atribuídas.
De modo geral, a estratégia da Coroa de conceder mercês à
maioria dos requerentes, ainda que inferiores a seus pedidos,
parece ter sido eficaz para a Bahia, onde os vassalos de maior
destaque social não possuíam serviços muito significativos. Em
Pernambuco, entretanto, onde a “nobreza da terra” em forma-
ção se frustraria por não obter o controle da capitania, tal tática
parece ter gerado uma insatisfação generalizada, pois todos se
consideravam merecedores de elevadas honrarias, maiores das

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que haviam recebido. Talvez Vieira estivesse pensando nessas


insatisfações quando afirmou, no “Sermão de Ação de Graças
pelo Nascimento do Príncipe D. João”, de 1688, ser “mais difi-
cultoso na paz repartir os prêmios entre os soldados vencedores
que vencer com eles os inimigos na guerra” (VIEIRA, 1690: 195).

Mercês coletivas

Como afirmamos acima, não foram apenas os indivíduos que


pediram mercês, mas também as Câmaras, como representan-
tes das elites locais. As municipalidades de Salvador e Olin-
da foram fundamentais na sustentação do esforço de guerra,
instituindo diversos donativos e contribuições à instância dos
chefes militares (MELLO, 2007: 143-175 e LENK, 2009: 193-275).
O Conde de Atouguia deixa claro a importância da participa-
ção dos colonos ao afirmar, pensando no caso baiano, que “o
principal sustento da gente de guerra no Estado do Brasil foram
as imposições que por várias vezes concederam os povos nos
vinhos, [pois] chegaram estes a vinte cruzados em cada pipa; e
como [n]a Bahia gastasse de 2500 a 3000 pipas cada ano, rendia
de 50 a 60 mil cruzados”50. Considerando que existiram outras
imposições em outros momentos, é possível ter consciência do
significativo esforço fiscal, que chegava em alguns anos a se
aproximar ou mesmo ultrapassar o valor do contrato do dízimo,
teoricamente representativo de 10% da produção açucareira da
capitania (CARRARA, 2009: 125-126).
O Governador-Geral Diogo Luiz de Oliveira, aproveitando-se
da presença de uma numerosa tropa que precisava ser sustenta-
da para não se tornar perigosa, foi capaz de convencer a açuca-
rocracia baiana a se comprometer com o sustento da infantaria
em 1631, ainda que, em princípio, este compromisso não fosse
permanente51. O Senado tornou-se responsável, então, por di-
versas contribuições (sobre o vinho e o azeite, além da vintena

50 AHU, Bahia, LF, cx. 12, doc. 1517.


51 AC, vol. I, pp. 188-93.

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e de fintas diversas, quando necessário), lidando com dezenas


de milhares de cruzados anualmente, ainda que mesmo estes
fossem insuficientes para pagar adequadamente os soldados e
oficiais militares. Como o governador era também o capitão-
-general do Estado do Brasil, essa temática o pôs constante-
mente em contato com os camaristas, ainda que geralmente de
forma conflituosa. A responsabilidade da Câmara pelo sustento
da infantaria foi institucionalizada em 14 de julho de 1652 após
um pedido do Governador-Geral, Conde de Castel-Melhor. Para
tal, porém, a Câmara sentiu-se a vontade para impor diversas
condições, de modo a garantir sua autonomia fiscal contra in-
tervenções da Coroa e seus funcionários52.
Já em 1630 a elite baiana demandou os privilégios de in-
fanções, mas sem sucesso53. Aparentemente, seus serviços até
então não eram suficientes para merecer a mercê. Após a Res-
tauração Portuguesa e de anos sustentando um numeroso efe-
tivo militar, porém, os camaristas voltaram à carga em 1643 e
pediram os privilégios de cidadãos da cidade do Porto, enfa-
tizando ser Salvador “a cabeça de todo o Estado do Brasil” e
merecedora de honras pelos muitos serviços prestados – maio-
res, certamente, do que a Câmara de São Luís, que acabara de
receber esta mercê logo após a vitória contra os holandeses.
Receberam o enfático apoio do recém-fundado Conselho Ultra-
marino em razão das “muitas vexações e moléstias que de anos
a esta parte tem padecido” e das “outras muitas contribuições
que tem feito e fazem em todo o tempo que tem ido e vão
armadas de Vossa Majestade, além de contribuições, donativos
e imposições voluntárias para sustento e paga do presídio que
Vossa Majestade tem naquela cidade”. O Procurador da Coroa
reforçou esse parecer, sugerindo ainda que a Bahia recebesse o
direito de representação nas Cortes, aproveitando o ensejo do
pedido goês neste sentido, em que ambas as cidades fossem
situadas no primeiro banco das municipalidades mais prestigio-

52 AC, vol. III, pp. 207-26.


53 CCLP, vol. 4, p. 249.

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sas do Reino54. Assim, em 22 de março de 1646, são concedidos


os privilégios da cidade do Porto aos cidadãos de Salvador
(“Traslado”, 1867) e nas Cortes de 1653 seu procurador já se
faz presente, ainda que no segundo banco (BOXER, 1965: 24 e
108-109 e CARDIM, 2005: 217).
Tal honra será utilizada nas Cortes de 1668 para demandar
novos privilégios em nome de todo o Estado do Brasil, pedindo
a reserva dos ofícios eclesiásticos e de justiça, fazenda e guerra
para os moradores do Brasil, pois “em 25 anos de guerra con-
tínua padeceram os ditos moradores muitas misérias e infinitas
hostilidades na defesa daquele Estado, aonde a maior parte de-
les se assinalaram em muitas ocasiões com singular valor e com
grande despesa de suas fazendas” (apud MELLO, 1981: 227-228).
A Câmara de Olinda certamente esperava receber mercês
semelhantes às concedidas a Salvador após a expulsão dos ho-
landeses. A Coroa, porém, foi além, decidindo em 1654 fazer
mercê de parte das terras que possuía na capitania aos que ha-
viam militado na guerra, “e que neles mesmos se provejam to-
dos os ofícios de guerra, justiça ou fazenda, que por esta vez se
houverem de prover nas mesmas capitanias”. Mais importante,
porém, é a quem a Coroa decidiu conceder os privilégios de ci-
dadão da Cidade do Porto: “a todas as pessoas que me serviram
nesta guerra, e não exercitarem de presente ofício mecânico”55.
Tal mercê – que sobreviveria em seus descendentes – englo-
baria um grupo muito maior de vassalos, independente de sua
qualidade, com a única exigência que “de presente” não exerci-
tassem ofício mecânico. Infelizmente para os pernambucanos,
a disputa entre a Coroa e os Condes de Vimioso sobre o caráter
donatarial da capitania após a restauração impediu a concessão
desta mercê (MELLO, 2008: 123).
Estes privilégios incluíam elementos característicos da condi-
ção nobiliárquica (SCOTT & STORRS, 2005: 9-12), como prote-
ção judicial na maioria das circunstâncias contra prisão, tortura
ou punições infamantes, além da possibilidade de portar armas.

54 AHU, Bahia, LF, cx. 10, docs. 1176-1177.


55 AHU, CM, cód. 15, fls. 92-92v.

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Estas prerrogativas foram ardorosamente defendidas pela Câ-


mara em 1651, 1656, 1672 e 1697, que frequentemente pedia
respeito a seus privilégios, contra dúvidas dos desembargado-
res da Relação, do governador-geral e do próprio monarca, ten-
do sido geralmente bem-sucedidos nestes esforços56.
Tais privilégios podem não parecer muito relevantes, e certa-
mente eram muito inferiores aos gozados pelas aristocracias euro-
peias. Entretanto, eram similares às prerrogativas que as nobrezas
provinciais reinóis podiam clamar como suas, inclusive no Porto,
a segunda Câmara mais importante de Portugal (SILVA, 1988: 286-
306). Assim, como já notou Fernanda Bicalho, “a concessão de
honras e privilégios às Câmaras Municipais, fosse no Reino, fosse
especificamente no ultramar, correspondeu a um processo de
nobilitação de seus componentes” (BICALHO, 2003: 324). Nesse
ponto, é difícil traçar distinções precisas entre as nobrezas provin-
ciais na Europa e na América, especialmente a partir do momento
em que estas começaram a se consolidar nas principais regiões,
na segunda metade do seiscentos. Aqui, como lá, “reservava-se
o exercício de poderes que interessavam ao rei a camadas so-
ciais assinaláveis, dotadas de sentido de honra e vivendo à lei
da nobreza, que se satisfazia com a aproximação a privilégios
dos estratos superiores da aristocracia – nomeadamente penais”
(MAGALHÃES, 2005: 69). Assim, os serviços realizados na guerra
contra os holandeses foram fundamentais tanto nos processos de
nobilitação individuais quanto coletivos na Bahia e Pernambuco,
representando um turning point na conformação das elites locais
como “nobrezas” de acordo com o modelo lusitano.
Ao mesmo tempo, a comunicação política ao longo das dé-
cadas seguintes também passou a ser profundamente influen-
ciada pela contribuição dos colonos ao esforço de guerra. Ao
longo do restante do século, praticamente todas as missivas
em que as Câmaras de Olinda e Salvador (que muitas vezes se
arrogavam como representantes de suas respectivas capitanias)
requeriam alguma mercê régia, o sustento da infantaria era um

56 AHMS, Provisões Reais, vol. II, fls. 31v-32; CS, vol. I, pp. 55-6; “Traslado”, art. cit.,
p. 524; AHU, cód. 17, fls. 68v-69 e CS, vol. IV, pp. 76-7.

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dos principais serviços a serem esgrimidos como argumento.


Mesmo que as benesses nem sempre fossem concedidas, o va-
lor de vassalos “tão insignemente beneméritos” predispunha o
conselheiros do monarca a apoiar suas reivindicações57. Assim,
a relação entre a Coroa e seus vassalos ultramarinos foi dura-
douramente marcada pelos serviços coletivamente realizados
na defesa da soberania lusitana na América.

Conclusão
A análise detalhada do funcionamento da economia da mer-
cê em um recorte circunscrito temporal e cronologicamente in-
dicou uma significativa participação da elite colonial nesta ma-
neira de relacionamento com a Coroa portuguesa, mas também
tornou visível o quanto a possibilidade de requerer e receber
honrarias restringia-se a uma pequena parcela da população
colonial. O sistema mostrava-se flexível o suficiente para aceitar
negros, índios, mulatos, mestiços e cristãos-novos em momen-
tos de crise, mas tais casos sempre foram exceções, que não
poderiam tornar-se norma sem corroer as próprias bases da
sociedade hierárquica de uma colônia escravista e constituída a
partir de uma matriz de Antigo Regime.
Um aspecto da concessão de mercês seria a tentativa de re-
produção na América, tanto pela Coroa lusitana quanto pelos co-
lonos, do tipo de sociedade então vigente no Reino, uma “socie-
dade estamental tendencialmente classista, um mundo ordenado
teoricamente pelo sangue e nascimento; distribuído em grupos
em realidade graças ao dinheiro e às relações pessoais e familia-
res”, na formulação do historiador espanhol Enrique Soria Mesa
(2007: 320). Entretanto, como enfatizou o hispanista John Elliott,

na prática, a colonização das Américas, como toda


colonização, consistiu numa contínua reciprocidade

57 Cf., dentre muitos outros exemplos, AHU, Pernambuco, cx. 7, docs. 566, 645 e
700; cx. 8, docs. 714 e 743; CS, vol. I, pp. 118-9.

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entre atitudes e habilidades importadas e condições


locais frequentemente inóspitas que poderiam muito
bem se impor a ponto de exigirem respostas dos co-
lonos muito distintas das normas metropolitanas (EL-
LIOTT, 2007: XIV).

A sociedade que se desenvolveu na América portuguesa,


portanto, foi profundamente influenciada por seu caráter es-
cravista e colonial, e o escravismo influenciou profundamente
a constituição das elites coloniais, distinguindo-a das nobrezas
europeias. Como afirmou Stuart Schwartz, “a distinção essen-
cial máxima sobre a qual se assentava a sociedade brasileira
era a divisão entre escravos e livres” (SCHWARTZ, 1988: 214).
Se a economia da mercê foi fundamental na transferência de
diversas características da sociedade portuguesa para sua co-
lônia americana, fornecendo “condições para a geração e a
reprodução de uma elite local com interesses próprios” (FRA-
GOSO, 2001: 50), há de se lembrar que a possibilidade de par-
ticipação neste sistema se restringia a uma pequena parcela
da população colonial. Assim, se a concessão de honrarias e
benesses pela Coroa teve um importante papel na formação e
reiteração das elites coloniais, não se pode dizer o mesmo do
restante da população colonial, para a qual os hábitos das Or-
dens revelavam-se uma realidade completamente inatingível,
muito mais do que em Portugal.
Qual seria, porém, o significado político da economia da
mercê na relação do centro político com as elites coloniais?
Já Raymundo Faoro notara a importância das mercês na re-
lação dos colonos com o monarca e reconheceu o caráter às
vezes conflituoso dessa relação (FAORO, 1984, vol. I: 148-85),
enquanto Florestan Fernandes (1976) enfatizou o quanto a
atuação dos moradores era essencial na constituição e defesa
de um império repleto de fragilidades. Ilana Blaj sublinhou a
ambivalência do colono, distante da metrópole, mas ainda um
vassalo da Coroa, notando que a valorização da propriedade,
da escravidão e das honrarias aproximava ambos os pólos
(BLAJ, 2002: 297-342).

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Stuart Schwartz já havia destacado a existência de uma “uni-


dade de interesses” entre Coroa e açucarocracia, o que justifica-
va que a primeira concedesse “aos senhores de engenho uma
relativa liberdade de controle sobre a colônia” (SCHWARTZ,
1988: 222). Numa visão política dessa relação, João Fragoso e
Fátima Gouvêa (2006: 48 e 63) escreveram que “os interesses
da Coroa e das melhores famílias da terra podiam ser perfeita-
mente convergentes, até porque seus integrantes viam-se como
leais vassalos del Rey” e se beneficiavam da aliança com o mo-
narca, “recompensados não só com bens materiais, mas, princi-
palmente, com poder”. Tal troca ampliava, por sua vez, o poder
de negociação desta elite com a Coroa.
A economia da mercê teve um papel fundamental na rea-
firmação dessa convergência de interesses, pois tanto a elite
colonial quanto a Coroa tinham seus interesses diretamente
investidos na expulsão dos neerlandeses de Pernambuco e
na manutenção do domínio lusitano na Bahia. Ao conceder
benesses e honrarias por serviços que também interessavam
diretamente aos vassalos que os haviam realizado, o centro
político atendia aos anseios dos colonos por status e signos
nobiliárquicos, ao mesmo tempo que enfatiza o que havia de
uno e similar entre seus interesses e os de seus vassalos. Sch-
wartz (1988: 232) escreveu que “o grau de resposta da Coroa
às solicitações de nomeações de fidalgos e cavaleiros nunca
satisfizera a demanda” dos senhores de engenho, mas não me
parece que tenha havido uma discriminação do centro políti-
co na concessão de mercês aos vassalos coloniais, exceto du-
rante o período da querela do dízimo, em que a questão era
marcadamente fiscal. Embora não haja dados para estabelecer
uma comparação consistente, creio que o tratamento concedi-
do à elite colonial não deve ter sido inferior ao dispensado a
outras elites locais lusitanas.
Se nos voltarmos para a América hispânica, Bahia e Per-
nambuco aparecem numa luz definitivamente favorável, pois
“apenas 50 residentes de longo prazo da Nova Espanha en-
traram em alguma das ordens [militares] antes de 1700” (KIC-
ZA, 1999: 26). Embora os monarcas hispânicos fossem muito

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menos generosos do que os reis lusitanos na concessão dos


hábitos das ordens (POSTIGO CASTELLANOS, 1988), a des-
proporção é evidente, especialmente se considerarmos que
o número de casos que encontrei referem-se apenas a quatro
décadas e que a população era muito maior nos vice-reinos
do Peru e Nova Espanha. Para a América Inglesa Continental,
a diferença é ainda mais marcada, pois os knights foram ra-
ríssimos nas possessões britânicas no Novo Mundo (EVANS,
2009: 85). Assim, nas monarquias ibéricas, e especialmente
no império luso, a situação colonial esteve longe de ser um
impedimento na hora de obtenção de hábitos (GUILLÉN BER-
RENDERO, 2011).
Entretanto, o recente livro de Ângela Barreto Xavier é um
incentivo para enxergarmos a relação entre a Coroa e seus vas-
salos ultramarinos por um ângulo distinto, ainda que não opos-
to. Ao analisar a importância para o poder imperial lusitano
da conversão ao catolicismo da população nativa de Goa, a
autora coloca diversas questões fundamentais, demonstrando a
flexibilidade de dicotomias como dominante/ dominado e co-
lonizador/colonizado, cuja história deve ser entendida a partir
de ação de todos os agentes, não apenas de um polo. Inspirada
por referenciais teóricos vários como os do sociólogo francês
Pierre Bourdieu e do marxista italiano Antonio Gramsci, a his-
toriadora procura comprovar sua

convicção de que não há processos duráveis de do-


minação sem o consentimento (nas suas variadas
formas) das populações dominadas, mas que esse
consentimento não é apenas fruto de uma supre-
macia hegemônica (no sentido de uma dominação
que não permite a existência de outras narrativas,
de discursos alternativos), mas pode ser igualmente
produto de um processo complexo através do qual
a narrativa dominante, emblematizada pelos agen-
tes imperiais e pelas suas instituições, é interiorizada
por alguns grupos com poder de conformação numa
determinada ordem local.

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Serviços e Mercês:
Os Bragança e seus vassalos ultramarinos (1641-1683) 303

Isso não quer dizer que houvesse possibilidade de uma


igualdade social no seio de império ou de aspirações total-
mente coincidentes entre metrópole e colônia, mas sim que a
primeira conseguia inscrever nas mentes dos súditos a legiti-
midade de seu poder através de meios variados, alimentando
a crença de que a distância entre colonizador e colonizados
poderia desaparecer, especialmente para as elites locais. Se-
gundo Barreto Xavier, “a hegemonia se manifestou, sobretudo,
naqueles que já tinham poder ao nível local, ou aspiravam a
ele, aderindo, por isso mesmo, aos idiomas metropolitanos”
(XAVIER, 2008: 24 e 444).
Creio, assim, que a economia da mercê seria uma das ma-
neiras de inscrição do poder imperial nas mentes das elites co-
loniais (como a própria autora reconhece de passagem) o que
parece compatível com a percepção de Hespanha (1993: 71)
de que esta era uma relação em que o “polo dominante espera
obter e maximizar as contribuições do polo dominado em vista
de um objetivo apresentado como comum”.
A concessão de mercês teria, portanto, um significado múl-
tiplo: a ênfase nos interesses compartilhados pelas elites co-
loniais e a Coroa; o reforço do poder e da legitimidade local
dessas elites; mas também, e não menos importante, o reforço
da autoridade do centro político nas localidades. A construção
da hegemonia imperial baseava-se na inter-relação entre estes
três fatores, e a economia da mercê atuava constantemente no
sentido de reforçá-los e consolidá-los – ainda que nem sempre
fosse bem-sucedida – pois “a hegemonia não é tanto um está-
gio quanto um processo” (SECCO, 1996: 91).
Assim, para compreender a relação entre a Coroa portu-
guesa e as elites coloniais é necessário pensar no complexo
processo de formação do Estado Moderno, em que “Estado e
comunidade não são realidades coerentes e unitárias, e suas
relações não são concebíveis senão no móvel jogo de alianças
de grupo e mediações que representa o veículo da influência
recíproca” (GRENDI, 1993: XI). Como afirmou o historiador
catalão Xavier Gil Pujol (1991: 126), “o grande paradoxo do
absolutismo nasce pois do seguinte: uma crescente concen-

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304 Thiago Nascimento Krause

tração de poderes num centro cada vez mais reduzido e, ao


mesmo tempo, uma dependência deste centro em relação a
forças sociais periféricas”.
Acredito que este foi também o paradoxo constituinte do
poder imperial, e que a lenta, complexa, incompleta e incerta
construção da hegemonia da Coroa sobre as elites coloniais
representou uma das principais maneiras de o centro político
tentar resolver esta questão, ainda que nunca através de “um
projeto estadualista coerente” (GRENDI, 1993: 21), mas sim em
resposta às condições concretas enfrentadas pela monarquia
lusitana na difícil tarefa de manter o seu império ultramarino.

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INDÚSTRIA COMO SALVAÇÃO:
O NORDESTE, A CNI E O
DESENVOLVIMENTISMO NOS
ANOS 50/60
Paulo Raphael Feldhues1

Resumo: Em meados do século passado o desenvolvimentismo já era uma


corrente ideológica ativa em boa parte da América Latina. No Brasil, a promes-
sa de superação do subdesenvolvimento a partir da industrialização e da inter-
venção maciça do Estado esbarrava na forte desigualdade regional, acentuada
em períodos de seca prolongada. Neste artigo buscamos investigar de que
modo o discurso econômico em torno da industrialização foi modificado, entre
finais dos anos 50 e início dos anos 60, para atender às demandas por resposta
a uma crise humanitária no Nordeste. Defendemos que a corrente desenvol-
vimentista privatista, representada pela Confederação Nacional da Indústria
(CNI), foi elemento chave na construção de um discurso de redenção regional
pela indústria. A análise do periódico Desenvolvimento & Conjuntura, publica-
do pela CNI, indica uma política de industrialização orientada pela categoria.

Palavras-chave: Nordeste. Desenvolvimentismo. CNI. Indústria. História


Econômica.

Industry as redemption: Brazilian Northeast and the developmentalism


in the 50s/60s

Abstract: Developmentalism was an active ideological current in Latin


America in the middle of last century. In Brazil, the underdevelopment over-
coming promise from industrialization and the massive intervention by State
found serious difficulties as the strong regional inequality. In this article, we
seek to investigate how the economic discourse around the industrializa-
tion has changed between the late 50s and early 60s, to meet demands for
response to a humanitarian crisis in the Brazilian Northeast. We argue that

1 Doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB), professor e pesquisador


pela Faculdade Santa Helena.

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312 Paulo Raphael Feldhues

privatizing sector of developmentalism, represented, represented by Confe-


deração Nacional da Indústria (CNI), was a key element in the construction
of a discourse of regional redemption by the industry. The analysis of the
magazine Desenvolvimento & Conjuntura, published by CNI, indicates an
industrialization policy guided by private sector representatives.

Key-words: Northeast. Developmentalism. CNI. Industry. Economic History.

Introdução
Embora ausente do Plano de Metas, a obstinada construção
da nova capital imprimiu ao governo Kubitschek um verda-
deiro símbolo, seja encarnando o espírito desenvolvimentista,
seja conferiu-lhe uma grande artilharia de críticas. No início de
1958, Brasília já não era um “furacão de buracos” e, pelos jor-
nais, notícias sobre as primeiras inaugurações vinham abrandar
os mais incrédulos. Também pelo rádio uma atmosfera otimista
intensificava-se em crescente euforia: na Suécia, o scratch cana-
rinho conquistava de forma inédita o campeonato mundial de
futebol. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, a influência do jazz
sobre o samba parecia inaugurar um ritmo para um novo Brasil
que se anunciava, moderno e autêntico.
Ao passo em que se vivia o que parte da literatura conven-
cionou chamar de ‘anos dourados’, o Nordeste brasileiro entra-
va numa das mais dramáticas estiagens do século XX, a seca
de 1958. Um contrassenso de difícil explicação. Passado o mês
de março sem qualquer precipitação, as esperanças que cos-
tumavam se renovavam no dia de São José faziam-se vãs. Em
Pentecostes, cidade do Norte cearense, a escassez de alimentos
trouxe consigo o medo de pilhagens, obrigando comerciantes
a fecharem seus estabelecimentos. Para evitar que a massa de
flagelados migrasse para Fortaleza, campos de concentração
tentavam conter o êxodo, conforme já denunciara Rachel de
Queiroz em seu romance sobre a seca de 1915.
A situação foi reconhecida por Kubitschek e, no clamor de
uma política emergencial, o Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (DNOCS) foi mais uma vez requerido na cons-

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Indústria como salvação:
o Nordeste, a CNI e o desenvolvimentismo nos anos 50/60 313

trução de açudes, o Ministério da Viação tratou de contratar


flagelados para o trabalho em diversas rodovias da região e à
Marinha Mercante coube o transporte de feijão e charque àque-
la população. Os tempos, no entanto, eram outros, e a aborda-
gem hídrica sobre o problema nordestino tornara-se obsoleta
diante do debate em torno do desenvolvimento. Na perspectiva
do planejamento econômico, consagrado no pensamento in-
tervencionista, exigia-se uma política de longo prazo, capaz de
conter os desdobramentos danosos do ciclo das secas. Se uma
política de industrialização regional já vinha sendo teorizada e
reclamada por grupos de interesses distintos, dentre eles a Con-
federação Nacional da Indústria (CNI), a seca de 1958 forne-
ceu uma motivação extra ao Governo Federal, pois dificilmente
conseguiria justificar a premência da faraônica construção de
Brasília em detrimento da vida de milhões de brasileiros. A cha-
mada Operação Nordeste (OPENO), culminando na criação da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE),
em 1959, foi a resposta oferecida pelo governo Kubitscheck.
Neste artigo buscamos investigar de que modo o discurso eco-
nômico em torno da industrialização foi modificado, em finais
dos anos 50, para atender às demandas por resposta a uma crise
humanitária no Nordeste brasileiro. Debruçaremo-nos sobre o
período JK, nosso recorte temporal, observando com especial
atenção a construção discursiva da CNI em torno do tema.
De acordo com Bielschowsky, desenvolvimentismo foi a
ideologia de superação do subdesenvolvimento através da in-
dustrialização integral, contando com o planejamento econô-
mico e o forte apoio do Estado (BIELSCHOWSKY, 2000: 33).
Tal definição nos auxilia a caracterizar parte do pensamento
econômico brasileiro da década de 50. Todavia, fossem os in-
dustrialistas do setor público ou privado suas proposições não
passaram incólumes às críticas da corrente liberal, representada
sobretudo pelo professor Eugênio Gudin.
A temática da industrialização do Nordeste brasileiro deve
ser observada em meio à simultaneidade de eventos outros
que contribuem, longe de qualquer determinismo, para a forma
adquirida pelo debate. A crescente inflacionária do final da dé-

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cada de 50 e a ascensão de entidades apartidárias centradas em


discursos humanitários sobre o Nordeste exemplificam essas
outras variantes que emergiram e puseram em deslocamento
o debate sobre o desenvolvimento regional. De acordo com o
pensamento da corrente industrialista, não era a escassez de
mão-de-obra que retardava o desenvolvimento econômico do
Nordeste brasileiro, mas a carência de capitais. A controvérsia,
portanto, se dava pelo desejo de expansão de crédito quando a
política econômica antiinflacionária exigia exatamente o inver-
so. Por outro lado, o combate à fome no Nordeste, como dis-
curso propalado por entidades apartidárias, foi inusitadamente
incorporado pela CNI e acomodado ao seu programa de indus-
trialização regional.

1. Da crise inflacionária ao intervencionismo


declarado

Em junho de 1958, o engenheiro Lucas Lopes, então presi-


dente do BNDE, foi designado Ministro da Fazenda e, em seu
lugar, assumiu Roberto Campos. De junho a setembro, ambos
trabalharam na elaboração do Programa de Estabilização Mo-
netária (PEM) que, em linhas gerais, tomava o receituário tradi-
cional no combate à inflação: controle da expansão monetária,
restringindo o crédito e a emissão de papel-moeda, limitação
das despesas e ampliação da arrecadação, a partir de um esfor-
ço fiscal – vale dizer que a inflação acumulada no ano anterior,
em 1957, foi de 12,7% (CAMPOS, 1994: 348).
A reação ao PEM foi imediata por parte da CNI taxando-o
como instrumento do monetarismo representado pelo professor
Eugênio Gudin, e que interpretava equivocadamente a inflação
brasileira. De acordo com a revista Desenvolvimento & Con-
juntura, uma publicação da própria CNI, o espiral inflacionário
estava marcado pela política “distributivista” que pretendia me-
lhorar o padrão de vida do trabalhador através de aumentos
salariais: “A tendência distributivista se firmou, a partir de 1954,
com os sucessivos aumentos de salário mínimo, muito acima

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do que indicava o custo de vida e permitia o nosso nível de


desenvolvimento”2 (D&C, dez, 1958). Para os representantes da
CNI, a propensão da classe trabalhadora para o consumo pro-
duziu o crescimento da demanda, quando a oferta não acom-
panhou semelhante elevação. Para que houvesse crescimento
da oferta, e daí o refreamento inflacionário, acrescentava a re-
vista, fazia-se necessário ampliar o capital industrial e eliminar
os pontos de estrangulamento da estrutura econômica brasilei-
ra. Portanto, as idéias de restrição ao crédito e aumento tribu-
tário foram combatidas pela entidade industrial sob a alegação
de que minariam o esforço do setor em investimentos, sendo,
então, medidas em descompasso com o desenvolvimento eco-
nômico pretendido.
A controvérsia sobre o PEM expunha, mais uma vez, o con-
flito de perspectivas entre monetaristas e estruturalistas. En-
quanto os primeiro entendiam a inflação como fenômeno vin-
culado ao déficit público, expansão creditícia e pressão salarial
e que para sua contenção exigia medidas austeras, os segundos
voltavam-se para interpretações associadas à rigidez estrutural
e à inelasticidade da oferta.
Sem ambiente favorável à execução de medidas ortodoxas do
receituário monetarista, o controle inflacionário ficou em segun-
do plano. No início de 1959, como se o PEM já estivesse defini-
tivamente superado – talvez o fosse um natimorto –, o Governo
Federal prometeu um conjunto de iniciativas para impulsionar o
desenvolvimento econômico do Nordeste brasileiro.
Ainda em maio de 1956 – dois anos antes, portanto, da gran-
de seca de 1958 –, o Presidente Juscelino Kubitschek participou,
a convite de Dom Helder Câmara, do I Encontro dos Bispos
do Nordeste, evento ocorrido na cidade de Campina Grande,
Paraíba. O Encontro pretendia refletir sobre os problemas re-
ligiosos enfrentados pelas dioceses nordestinas em virtude da
conjuntura sócio-econômica da região e, por isso mesmo, não
faltaram sugestões ao Poder Executivo Federal, encaminhadas

2 Utilizaremos a abreviação “D&C” para fazer referência à revista Desenvolvimento


& Conjuntura, publicada pela CNI no período.

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por grupos de estudos. Em discurso de encerramento do even-


to, o Presidente reafirmou seu compromisso em governar para
todo o país e “de fazer de uma região central do Nordeste um
outro Estado de São Paulo” (OLIVEIRA, 1956). Declaração que
julgou realística diante da “capacidade de industrialização do
Nordeste por efeito desse fator novo, extraordinariamente irra-
diante de energia e força que é Paulo Afonso” (Idem).
A seca de 1958 fez ressoar antigas promessas. Frente à tragé-
dia humana que se estendia em paralelo às realizações da nova
capital, Kubitschek não poderia olvidar o Nordeste brasileiro
sem agregar ironia à designação de “bossa-nova” atribuída à
sua personalidade. Na capital federal, pelo jornal Última Hora, a
jornalista Adalgisa Nery sintetizou parte da crítica dirigida pela
imprensa à política do Governo Federal: “Se o Presidente Jus-
celino transferir um pouco da sua fascinação por Brasília para
o Nordeste, terá, apesar de todos os seus erros, displicências e
complacências, levantado o País para um novo tempo e em mar-
cha para um imprescindível equilíbrio” (NERY, 1959: 3). O ano
de 1959, para o Executivo Federal, seria marcado por interven-
ções diretas e incisivas sobre a região nordestina, em resposta
à enxurrada de críticas. Desse modo, já em 16 de fevereiro da-
quele ano o Palácio do Catete sediou uma reunião para discutir
um plano de ação para o Nordeste que contou com a presença
de todos os governadores daquela região, do economista Celso
Furtado, do chefe do Gabinete Civil da Presidência José Sette
Câmara Filho e do bispo Dom Helder Câmara, o qual já figurava
na imprensa como uma espécie de “ministro sem pasta” (MALTA,
1959: 2). A presença de Dom Helder, se causou estranhamento a
alguém, foi logo justificada pelo Presidente, alegando que cou-
be ao prelado lançar os fundamentos da política a ser dirigira ao
Nordeste ainda naquele Encontro em Campina Grande, e que as
principais resoluções daquela reunião estavam agora incluídas
no plano de ação do governo para a região (Idem).
O planejamento como meio de intervenção regional já se
mostrava previsível no governo de Kubitschek quando foi ins-
tituído em 1956, por decreto, a criação do Grupo de Trabalho
para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), visando a “reali-

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zação de um trabalho de pesquisa e execução de um programa


global para o desenvolvimento do Nordeste do Brasil” (BRASIL,
1956). Em fevereiro de 1959, o Presidente encaminhou ao Con-
gresso o projeto de lei que pretendia criar uma superintendên-
cia voltada exclusivamente para lidar com os problemas do Nor-
deste. Todavia, enquanto se procedia no Legislativo a análise e
a deliberação da proposta, o Executivo instituiu, por decreto,
o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (CODENO) que,
na prática, veio substituir o GTDN, conferindo uma orientação
provisória até a criação da superintendência regional (BRASIL,
1959). O economista Celso Furtado foi personagem decisiva na
orientação do planejamento governamental. Enquanto esteve à
frente do GTDN, Furtado comandou e formulou estudos que,
em linhas gerais, ofereceram as bases da Operação Nordeste.
Criado o CODENO, coube mais uma vez ao economista sugerir
os caminhos da intervenção regional até a reforma administra-
tiva, prevista com a instituição da SUDENE.
Certamente, o comprometimento do economista Celso Fur-
tado com o governo Kubitschek imprimiu às investidas gover-
namentais muito da perspectiva cepalina, além, naturalmente,
da própria experiência e originalidade desse intelectual parai-
bano que conhecia de perto o drama do subdesenvolvimento
regional. A Operação Nordeste nascia sob uma influência inte-
lectual bem definida. Isso foi o que ficou demonstrado a quem
esteve na Rua das Palmeiras, nº 55, em 13 de junho de 1959. No
auditório do ISEB – atualmente Museu do Índio –, em Botafo-
go, no Rio de Janeiro, oficiais das Forças Armadas realizaram o
curso de “Introdução aos Problemas do Brasil”, cuja exposição
de Furtado ganhou formato de livro sob o patrocínio do pró-
prio ISEB. Publicado com o título Operação Nordeste, o autor
sintetizou o pensamento que orientava suas ações naquele mo-
mento político: “(...) à medida que fui percebendo as causas
profundas que explicam o sentido das crescentes desigualda-
des regionais, passei a preocupar-me seriamente com o próprio
destino da nacionalidade brasileira, com o nosso próprio des-
tino de povo” (FURTADO, 1959: 10). Ciente a todo o momento
que falara para um público militar, seus argumentos passavam

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notoriamente pela noção de nacionalidade. Desse modo, partiu


da premissa que a concentração de riquezas é uma lei inerente
ao crescimento econômico, concluindo daí que a pretensão, no
Brasil, de um desenvolvimento espontâneo, entregue ao acaso,
acarretaria problemas que colocariam em risco à própria forma-
ção da nacionalidade (Idem).
De acordo com Furtado, o Brasil se constituiu economica-
mente e historicamente como ilhas econômicas voltadas para o
exterior. Assim, quando o açúcar e a borracha entraram em crise,
a produção conseguiu se manter apoiada pelo mercado interno
do Centro-Sul. O que poderia ser uma integração econômica
nacional foi na verdade o germe do atual problema, pois repro-
duzia a mesma divisão geográfica do trabalho que viciara o de-
senvolvimento econômico mundial, com suas metrópoles indus-
triais e as colônias produtoras de matéria-prima. À medida que
a industrialização ganhava maior corpo, o adquiriam também as
desigualdades. Aqui voltava então o autor a citar a nacionalidade.
Por que a unidade nacional poderia ser ameaçada? Argumenta
Furtado que quando uma economia subdesenvolvida cresce, o
salário não acompanha. A produção cresce, mas como a oferta
de mão-de-obra é alta, o salário não se eleva. Somente quando
a economia alcança um desenvolvimento tal que absorve grande
parte da mão-de-obra é que o trabalho fica escasso e impulsiona
os salários. Sugere o autor que, quando isso ocorrer em São Pau-
lo, as classes trabalhadoras se organizarão eficientemente como
nos demais países industrializados, e, assumindo posição política
poderosa não mais permitirão que seus salários sejam condicio-
nados por uma afluência de mão-de-obra desorganizada. Foi por
isso que os Estados Unidos interromperam o fluxo migratório e
a Itália dificultava a mobilidade da mão-de-obra. Se isso ocorrer
no Brasil, entendeu Furtado, a formação de grupos regionais
antagônicos poderia ameaçar a grande conquista do passado: a
unidade nacional (Ibidem: 16).
Compreendeu o economista paraibano que encaminhar
uma solução para o problema do desequilíbrio regional era
a razão de ser da Operação Nordeste, passo inicial e funda-
mental nesse sentido seria a realização de uma reforma ad-

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ministrativa, capaz de substituir a multiplicidade de políticas


descoordenadas no Nordeste – com o DNOCS, a Comissão do
Vale do São Francisco (CVSF), o Departamento Nacional de
Estradas e Rodagem (DNER) e o Departamento Nacional de
Estradas de Ferro (DNEF) – por uma política de desenvolvi-
mento regional unificada (Ibidem: 17). A criação da SUDENE
viria atender a essa demanda: “Trata-se, na verdade, de unifi-
car a ação do Governo, submetendo-a ao mesmo conjunto de
diretrizes” (Ibidem: 19).
Explicou Furtado que o fenômeno da seca não teria tanta
gravidade se no semi-árido nordestino, com cerca de 12 mi-
lhões de habitantes, outro tipo de economia se houvesse for-
mado. Por que, então, a população aumentou no semi-árido?
Manter uma agricultura xerófila é atividade complexa porque
a terra não suporta uma grande carga vegetal. Assim, o ren-
dimento do algodão-mocó por hectare é baixo, comparado a
qualquer outro tipo de algodão, mas, se combinado à pecuá-
ria, é possível ampliar no semi-árido sua demografia. Assim
explicou Furtado que em fazendas da região era comum a
combinação da pecuária com o algodão-mocó, do trabalho
assalariado na pecuária com a “meação” na agricultura. Ali
o meeiro não possuía outra renda além da meação do algo-
dão, mas detinha uma pequena porção de terra onde poderia
plantar seus legumes e alimentar seus dependentes. Ele, o
meeiro, plantava para alimentar-se, mas também possuía uma
renda monetária. Depreende o autor que foi essa combinação
de economia monetária com economia de subsistência que
permitiu o aumento populacional na caatinga. E foi esse au-
mento que transformou a seca em calamidade social (Ibidem:
25-29). Uma das linhas de ação para o desenvolvimento do
Nordeste deveria partir do entendimento de que se desenvol-
veu no semi-árido nordestino uma economia inadequada ao
meio, vulnerável à seca. Dever-se-ia, para reverter tal quadro,
aprofundar o conhecimento sobre a região, disponibilizar as-
sistência técnica e creditícia. Ao ampliar a produtividade no
semi-árido seria necessário, concomitantemente, reduzir sua
densidade demográfica, o que produziria um excedente po-

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pulacional. Daí a necessidade de incorporar novas terras ao


Nordeste, deslocando sua fronteira agrícola (Ibidem: 32-33).
A industrialização, como uma outra linha de ação, viria ab-
sorver quase meio milhão de desocupados nas zonas urbanas
nordestinas (Ibidem: 34). Todavia, adverte o autor que a in-
dustrialização da região condicionava-se ao aumento da pro-
dução alimentar, isto é, à resolução do problema agrícola. A
relação então era direta, sem aumento da oferta alimentar não
se faria a industrialização, e sem indústrias não se imaginaria
desenvolvimento econômico no Nordeste brasileiro (Ibidem:
36). A expectativa de Furtado era de que um círculo virtuoso
seria construído caso fossem elevados, simultaneamente, a de-
manda por alimentos e o poder de compra das zonas urbanas,
a partir da industrialização. A implantação de novas indústrias
no Nordeste sem o aumento da oferta de gêneros alimentícios,
por sua vez, pressionaria os preços destes para cima, forçan-
do, com isso, que também os salários fossem elevados. O de-
senvolvimento industrial neste cenário estaria fadado ao fra-
casso, pois perderia o Nordeste sua principal vantagem sobre
a indústria do Centro-Sul, seu custo de mão-de-obra3. Como
ficará claro mais adiante, o combate à fome no Nordeste bra-
sileiro, propugnado pela CNI, possuía razões outras que não
o mero humanitarismo.

2. A indústria e o desenvolvimentismo privatista


no Nordeste

A criação, todavia, do GTDN, substituído agora pelo CODE-


NO, não fora em vão e, no início de 1959, os estudos daquele
grupo realizados sobre a região Nordeste já apontavam para a
necessidade de aumento da produtividade do trabalho, a partir

3 Celso Furtado indica que, naquele momento, 1959, o centro industrial mais de-
senvolvido do Nordeste, o Recife, possuía um custo de vida médio para o operá-
rio industrial cerca de 25% superior que em São Paulo, ao mesmo tempo em que
o salário mínimo na capital pernambucana era 25% inferior aquele recebido pelo
operário paulista. Ibidem. p.36-37.

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de uma maior densidade de capital por pessoa ocupada, o que


envolveria, necessariamente, a industrialização.

O primeiro passo consiste em determinar quais as


indústrias que apresentam maior viabilidade econô-
mica na região, tendo em vista o mercado local e as
possibilidades de concorrência com as indústrias do
Sul, seja nos próprios mercados nordestinos, seja nos
mercados de outras zonas do Pais (Ibidem: 184).

Às vésperas de sua extinção, o GTDN apresentou o docu-


mento Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nor-
deste, onde ressaltou a industrialização como aspecto impres-
cindível no esforço em superar o subdesenvolvimento regional
(GTDN, 1997: 387-432)4. A análise sobre a economia nordestina
concentrou-se em dez pontos considerados centrais: (1) dispa-
ridade na renda entre Nordeste e Centro-Sul; (2) baixo ritmo
de crescimento econômico do Nordeste; (3) transferência de
recursos do Nordeste para o Centro-Sul; (4) elevadas inversões
públicas no Nordeste em períodos de seca, com medidas as-
sistencialistas, em contraposição à tendência de transferência
de renda da economia regional; (5) setor exportador respon-
sável pelo desenvolvimento econômico no Nordeste, mesmo
que limitado; (6) embora a exportação seja a base da dinâmica
econômica nordestina, o setor público tem importante peso
econômico, despendendo ali mais do que arrecada; (7) o poder
público também contribui com a disparidade regional por via
fiscal, pois a tributação regressiva estacionou no Nordeste e no
Centro-Sul, quando deveria ser progressiva onde se tem maior
renda; (8) o desenvolvimento econômico via crescimento das
exportações é impraticável no Nordeste e exige diversificação
pela industrialização; (9) a seca provoca um colapso na produ-
ção alimentar, agravando a economia como um todo; e (10) as
medidas de curto e longo prazo no combate à seca não alcan-

4 Originalmente, o documento foi divulgado em 1959, pelo Departamento de Im-


prensa Nacional, no Rio de Janeiro.

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çaram melhorias significativas sobre os efeitos desse fenômeno


natural. A partir destes pontos centrais, o GTDN apresentou
um plano de ação, o qual deveria nortear a intervenção gover-
namental na região. A proposta, por sua vez, pautava-se em
quatro diretrizes, a saber: I) intensificação dos investimentos
industriais no Nordeste, visando criar um centro autônomo de
expansão manufatureira; II) ampliação da oferta alimentar nos
centros urbanos, a partir de reestruturação da economia da fai-
xa úmida nordestina; III) elevação da produtividade no semi-
-árido nordestino, tornando assa espécie de mesorregião mais
resistente à seca; e IV) deslocamento da fronteira agrícola do
Nordeste, incorporando a faixa úmida do estado do Maranhão.
Não causa surpresa que o acolhimento pela CNI do docu-
mento da GTND tenha sido positivo, embora com certa ressal-
va, detalhada em outro artigo da mesma edição. Uma Política
de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste encarnou, em
suas entrelinhas, a ideologia desenvolvimentista, tomando a in-
dustrialização planejada e amparada pelo Estado como cami-
nho inflexível à superação do subdesenvolvimento econômico
regional. Na edição de abril de 1959, a revista Desenvolvimento
& Conjuntura não apenas debateu e interpretou a proposta do
grupo, como a utilizou para definir o que chamou de “bases da
política industrial para o Nordeste” (D&C, abr. 1959). Embora
o tema da economia nordestina já tivesse sido abordado em
edições anteriores, essa foi a primeira vez que a revista da CNI
posicionou-se a partir de uma diretriz clara para intervenção
econômica na região.
De acordo com o periódico, entre 1948 e 1956 a produção
industrial nordestina cresceu a uma taxa média anual de 5,2%,
enquanto que no Centro-Sul esse crescimento foi de 7,7% para
o mesmo período. A participação do Nordeste na composição
da produção industrial nacional caiu, desse modo, de 11% para
9%. Valendo-se do censo demográfico de 1950, afirma o texto
que a indústria de transformação ocupou no Nordeste 9,1% da
população urbana e suburbana, enquanto que no Centro-Sul
a taxa de ocupação foi de 13,2%. Então concluiu Desenvolvi-
mento & Conjuntura que, caso o Nordeste atingisse a mesma

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taxa do Centro-Sul, poderiam ser gerados 184 mil postos de


trabalhando a mais com o setor industrial. Certamente há de se
questionar de onde viria essa mão-de-obra tão expressiva. Ar-
gumentou então o texto que, em economias subdesenvolvidas,
o aumento da eficiência no setor agrícola provocava a redução
da necessidade de braços para a produção de um rendimento
satisfatório. Todavia, a liberação de mão-de-obra da agricultura
deveria, segundo o periódico, ser acompanhada pelo processo
de industrialização, absorvendo a oferta saliente e produzindo
um desenvolvimento harmônico (Idem). Aqui fincava raízes a
razão de ser do projeto de desenvolvimento econômico pen-
sado pela CNI, pretendendo alterar as bases da reprodução do
capital privado no Brasil, passando da estrutura primária para a
estrutura industrial, assumindo assim, o setor secundário, papel
de protagonista na dinâmica econômica do país.
Na análise que Desenvolvimento & Conjuntura trouxe do
documento do GTDN, foi mostrado que o mercado nordestino
justificava o investimento em um núcleo de indústria siderúrgi-
ca, o qual, mesmo com dimensões mínimas (valendo-se da téc-
nica sueca de ferro-esponja) poderia facilmente atingir preços
competitivos, favorecendo a expansão das indústrias de trans-
formação de ferro, aço e mecânicas. A importância da indústria
de siderurgia, destacada como indústria prioritária, foi defendi-
da tanto por seu caráter germinativo, como pela expectativa de
escassez de metais ferrosos no país nos anos seguintes.

Já foi acertada a implantação de duas unidades si-


derúrgicas de 40 mil toneladas, uma em Recife e ou-
tra em Salvador, principais centros de consumo da
região. Essas usinas deverão manufaturar o ferro-es-
ponja, produto considerado pela técnica siderúrgica
moderna como o mais barato em custos. Isto possibi-
litará produção econômica em escala compatível com
as dimensões do mercado nordestino (Idem).

E assim depreendia o texto que, com vistas não apenas ao


mercado local, mas também de outras regiões, uma série de

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indústrias se mostravam viáveis no Nordeste, capazes de atrair


a iniciativa privada e atender aos critérios de financiamento do
BNB e BNDE (Idem).
Quanto aos setores tradicionais, a indústria têxtil destacava-
-se como uma importante fonte de emprego na região. Entre-
tanto, a decadência experimentada por essa indústria naquelas
últimas décadas foi ressaltada no artigo, em concordância com
o estudo do GTDN. No Nordeste, tanto a indústria têxtil como
a indústria açucareira experimentaram crescentes dificuldades
a partir da década de 1930, quando seu principal mercado con-
sumidor, a região Centro-Sul, ampliou suas especialidades pro-
dutivas. Amélia Cohn destacou dois grandes golpes que atingi-
ram a economia nordestina: o primeiro, em 1918, quando, em
virtude de uma violenta geada, o Centro-Sul diversificou sua
produção agrícola como medida para reduzir sua vulnerabilida-
de, lançando-se à produção de cana-de-açúcar e de algodão; o
segundo, após a crise de 1929, quando em razão das medidas
protecionistas há uma transferência de capitais, no Sul, do café
para o algodão. Para Cohn, os abalos sofridos na economia
nordestina – seja em referência ao açúcar ou ao algodão – estão
relacionados diretamente à dinâmica de crescimento da econo-
mia do Centro-Sul (COHN, 1978: 24-26.).
O Nordeste iniciou a década de 30 tendo no Centro-Sul o prin-
cipal mercado para o açúcar, superando mesmo às exportações.
Isso se deu ao mesmo tempo em que Pernambuco, principal
produtor de açúcar na região, perpetuava sérias dificuldades em
aumentar sua produtividade e que, por outro lado, crescia em rit-
mo acelerado a produção do açúcar no Centro-Sul. Com melho-
res aparelhagens, menores custos e sem despesas de transportes,
pois já estavam no principal mercado consumidor, o Centro-Sul
passava a redefinir a cartografia econômica do produto.
Além do açúcar, também a economia algodoeira regional
entrou em declínio. Até 1930 o algodão nordestino abastecia
aproximadamente 50% da indústria têxtil nacional, no entanto,
com a crise de 1929 e a transferência de capitais do café para o
algodão, a produção algodoeira em São Paulo cresceu 78 vezes,
apenas entre os anos de 1930 e 1940 (Idem).

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Com um ritmo de crescimento bastante limitado e defasado


em relação ao Centro-Sul, o Nordeste assumiu o papel, na di-
nâmica do desenvolvimento econômico nacional, de fornece-
dor de mão-de-obra de baixo custo, sobretudo para São Paulo,
pressionando para baixo o valor do salário e contribuindo com
isso para uma maior acumulação do capital industrial no Cen-
tro-Sul do país. Também a fraca industrialização regional per-
mitiu que o Nordeste produzisse divisas para o Centro-Sul, pois
enquanto grande parte de sua produção estava voltada para o
exterior, suas importações de manufaturas se realizavam inter-
namente, especialmente devido às cargas tributárias estipuladas
pelo governo em defesa da indústria nacional (Cf. FURTADO,
1961; COHN, 1978). A deterioração na relação de troca com o
Centro-Sul ocorre quando fica claro que cabe ao Nordeste for-
necer matéria-prima e importar produtos industrializados.
A análise apresentada no documento do GTDN e a leitura
que dele fez a revista da CNI não foram diferentes. Argumen-
tou-se que, embora o Nordeste apresentasse condições favorá-
veis para a produção do algodão de fibra longa e curta, preço
e disponibilidade de energia elétrica, além do baixo custo da
mão-de-obra, a indústria têxtil caminhava para sua extinção em
favor desse mesmo segmento localizado no Centro-Sul (D&C,
abr, 1959). A explicação para isso foi buscada, em parte, na
política cambial que indiretamente subsidiou a mecanização
do setor no Centro-Sul e reduziu ali os custos de produção.
Concordavam o documento do GTDN e a revista da CNI que a
mecanização têxtil era mais conveniente no Centro-Sul do país,
pois era esta a região com os salários mais elevados (Idem). No
entanto, pontuou o periódico Desenvolvimento & Conjuntura,
resguardava o Nordeste um importante mercado local, mão-de-
-obra experiente e uma indústria já instalada há longo tempo,
o que tornava a recuperação da indústria têxtil nordestina um
objetivo básico no esforço de soerguimento econômico regio-
nal, contando para isso com os recursos necessários para re-
tomar sua capacidade de concorrência nos mercados do país.
Desse modo, os planos para recuperar as indústrias tradicionais
do Nordeste deveriam, ainda de acordo com a revista da CNI,

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atender a três pontos-chaves: “reequipar as fábricas, reduzir-


-lhes os custos e capacitá-las para o atendimento de parte das
crescentes necessidades nacionais” (Idem).
Parece contraditório que a revista da CNI tenha se associa-
do ao documento do GTDN na proposta de reestruturação da
indústria têxtil nordestina e, por extensão, em estímulo à con-
corrência deste segmento no mercado nacional. Todavia, cabe
melhor avaliação, pois a forma como os eventos foram acomo-
dados sugere o estabelecimento de conflitos de interesses no
seio da própria CNI. Quando o documento do GTDN propõe
o estímulo à indústria têxtil nordestina, seu discurso reveste-
-se de caráter técnico, cuja conclusão visa um objetivo maior
de ordem nacional. A CNI, por sua vez, era constituída como
uma entidade classista e, portanto, seus interesses dificilmente
poderiam ser tomados como interesses nacionais. Se a reabi-
litação da indústria têxtil no Nordeste favorecia a integração
econômica nacional e o desenvolvimento regional (argumen-
to do GTDN), também promoveria o estímulo à concorrência
no setor têxtil, colidindo com os interesses classistas. Por que,
então, a entidade industrial concedeu seu apoio à proposição
do GTDN? Seguindo o raciocínio apresentado na revista De-
senvolvimento & Conjuntura, em específico no texto Bases da
Política Industrial para o Nordeste, pode-se depreender que
a intensificação da industrialização no Nordeste contribuiria
para a geração de renda em um estrato populacional até então
de limitado poder de compra, o que significaria ampliação do
mercado. O investimento mais conveniente seria então aquele
que aplicado o menor volume de capital empregasse a maior
quantidade de mão-de-obra. A indústria têxtil, com bases já ins-
taladas, seria, desse modo, a privilegiada. Compensaria, então,
apoiar a ampliação do mercado nordestino em detrimento da
indústria têxtil do Centro-Sul, sobretudo da paulista? Estaria a
CNI disposta a tanto?
Constituída como entidade unificadora das federações es-
taduais e do Distrito Federal, a CNI agregava em seu seio um
amplo conjunto de setores da indústria nacional. A posição
assumida nas páginas de Desenvolvimento & Conjuntura faz

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o Nordeste, a CNI e o desenvolvimentismo nos anos 50/60 327

supor que o segmento têxtil paulista, principal interessada em


barrar a proposta, não contava com uma forte representativida-
de dentro da CNI. Um dado que colabora para tal conjectura é
a composição da direção da entidade naquele momento: seis
dentre os treze membros da diretoria eram representantes de
estados do Nordeste, e o único paulista, José Vilela de Andrade
Junior, ocupando o cargo de 1º vice-presidente, vinculava-se
à indústria de estamparia de metais (conferir tabela a seguir).
Como representante da indústria têxtil na diretoria, apenas Pau-
lo Figueiredo Barreto, de Sergipe. Se for possível identificar
conflitos de interesses dentro da CNI, isso não ocorreu entre
regiões, senão entre setores da indústria, pois as perdas da in-
dústria paulista produzidas pelo acirramento da concorrência
no segmento têxtil poderiam se reverter em ganhos para outros
segmentos do próprio parque industrial de São Paulo, a partir
do alargamento do mercado nordestino.

Quadro 1. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA -


Diretoria (biênio administrativo dez.1958/dez.1960)

Presidente: Lídio Lunardi (Minas Gerais)


1º vice-presidente: José Vilela de Andrade Junior (São Paulo)
Vice-presidente: José Ignácio Caldeira Versiani (Guanabara)
Vice-presidente: Diego Gonzales Blanco (Rio Grande do Sul)
Vice-presidente: Alde Feijó Sampaio (Pernambuco)
Vice-presidente: Gabriel Hermes filho (Pará)
Vice-presidente: João Rique Ferreira (Paraíba)
1º secretário: Adelino da Câmara Pinto (Rio de Janeiro)
2º secretário: Dante Pires de Lima Rebello (Piauí)
3º secretário: Paulo Figueiredo Barreto (Sergipe)
1º tesoureiro: Waldyr Diogo de Siqueira (Ceará)
2º tesoureiro: Hugo de Araújo Faria (Rio de Janeiro, não-industriário, ex-
ministro do trabalho no governo Vargas)
3º tesoureiro: Napoleão Cavalcanti Barbosa (Alagoas)

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3. A CNI e a indústria como salvação do Nordeste


De acordo com a argumentação apresentada em Desenvol-
vimento & Conjuntura, a viabilidade da indústria têxtil nordes-
tina e seu relativo sucesso até princípios do século XX assen-
tavam-se sobre os baixos custos salariais e, por essa mesma
razão, o empresariado do setor pouca motivação encontrava
na substituição dessa mão-de-obra por novos maquinários. No
caso da indústria têxtil paulista, a redução dos custos empre-
gatícios a partir da inovação tecnológica mostrou-se exigência
para tornar a produção competitiva5. Como forma de reto-
mar a capacidade competitiva da indústria têxtil nordestina
foi proposta a reaparelhagem deste setor, o que significaria
ampliação da oferta de crédito. De outro modo, advertiu a
revista, seria impossível manter os salários em níveis míni-
mos quando a alta inflacionária elevava os preços de artigos
básicos da dieta alimentar do trabalhador. Se a indústria no
Nordeste mostrava-se viável, sobretudo, pelos baixos custos
de mão-de-obra, fazia-se necessário manter essa vantagem a
partir de uma maior oferta alimentar na região. Esse raciocínio
é bastante estimulante, pois vai conferir aos esforços de indus-
trialização regional, promovidos pela CNI, um interesse direto
pelo balanço alimentar, é o que se pode constatar em diversas
edições de Desenvolvimento & Conjuntura6.
A relação entre a intensificação da industrialização no Nor-
deste e o aumento da oferta alimentar na região adquiriu for-
mato discursivo bastante sugestivo, como a associação entre a
indústria e o combate à fome. Operou-se no âmbito discursivo
uma verdadeira metonímia em que a indústria não mais estava

5 Embora o texto de Desenvolvimento & Conjuntura não faça referência direta, a


digressão possui notória relação com a ideia de “inovação” ou “novas combi-
nações na produção” de Joseph Schumpeter. De acordo com esse economista,
a introdução de novas combinações na produção, no caso a tecnologia, pode
quebrar momentaneamente o equilíbrio comercial do setor, produzindo um salto
de desenvolvimento (Cf. SHUMPETER, 1961: 93).
6 A produção alimentar, na revista da CNI, foi tema de artigo ou nota nas edições
de novembro de 1958, abril de 1959, junho de 1959, setembro de 1960, outubro
de 1960, novembro de 1961, junho de 1962, julho de 1962 e dezembro de 1963.

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a significar o interesse do capital privado, senão o próprio com-


bate à miséria e à fome naquela região. A CNI, nesse momento,
não estava sozinha, mas contava com a autoridade do discurso
técnico e governamental de Celso Furtado: “(...) ou aumenta-
mos a produção de alimentos na região, resolvendo o proble-
ma agrícola, ou a industrialização não poderá realizar-se. E se
não se realizar a industrialização, não haverá desenvolvimento
no Nordeste” (FURTADO, 1959: 36). O caráter humanitário e
salvacionista agregado então ao empreendedorismo industrial
na região permitiu a aproximação entre representantes da CNI
e personalidades cujos pensamentos eram tidos como esquer-
distas. Exemplo disso foi a amizade nutrida entre o presidente
da entidade industrial, Lídio Lunardi, e o autor de Geografia da
Fome, Josué de Castro.
Defensor de idéias democráticas e populares, o médico-
-geógrafo pernambucano acabou por ser vinculado à esquerda
mesmo sem assumir posição socialista. Em 1954, Castro ele-
geu-se deputado federal por Pernambuco, sob a sigla do PTB;
reeleito em 1958, teve o mandato cassado logo após o Golpe
de 1964. Intelectual de prestígio internacional, Josué de Castro
notabilizou-se por suas investigações sobre a fome e sua rela-
ção com o subdesenvolvimento. Como presidente do Conselho
da Organização para Alimentação e Agricultura (Food and Agri-
culture Organization – FAO) das Nações Unidas, entre 1952 e
1956, Castro estabeleceu capital político suficiente para criar,
em 1957, a Associação Mundial de Combate à Fome – ASCO-
FAM. Com sede em Genebra e presidida pelo próprio Josué de
Castro, a entidade inaugurou, no ano de 1958, sua delegacia
regional no Recife, ano em que também publicou a obra O Dra-
ma Universal da Fome, com depoimentos de personalidades
como Oswaldo Aranha, Souza Barros, Luís da Câmara Cascudo
e Rachel de Queiroz (ASCOFAM, 1958). A aproximação entre
representantes industriais e ASCOFAM evidencia-se quando se
observa, no quadro daquela associação, a presença de Lídio
Lunardi, então presidente da CNI, cumprindo ali a função de
tesoureiro. E ainda, compondo a comissão técnica-científica da
associação de Genebra, identificamos Pompeu Acioly Borges,

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330 Paulo Raphael Feldhues

membro do conselho editorial da revista Desenvolvimento &


Conjuntura, e Rômulo de Almeida, economista da CNI na déca-
da de 1950 (ASCOFAM, 1957).
Os esforços da ASCOFAM e sua relação com a CNI costuram
uma trama de ideias que depõe sobre seu tempo. A Operação
Nordeste foi, então, o pano de fundo dessa trama, e Josué de
Castro, um abalizado conhecedor dos problemas regionais, coo-
perara desde o princípio com as investidas do Governo Federal.
Aliás, partiu do próprio Presidente da República o convite para
que Castro participasse da reunião que delinearia a Operação
Nordeste, conforme é possível observar em texto telegrafado:

Tenho a honra de convidar vossa excelência para


uma reunião no dia dezesseis de fevereiro às nove
horas no Palácio do Catete, em que será discutido e
distribuído [o] relatório do grupo de trabalho que sob
minha supervisão pessoal está incumbido de planejar
e coordenar a execução de uma política econômica
nova para o Nordeste. Esse programa de ação, que
terá início imediato, visa a mobilizar todos [os] in-
vestimentos públicos disponíveis e também capitais
privados no sentido de incrementar a produção in-
dustrial e agrícola dessa região assim como para o
aproveitamento intensivo de seus recursos potenciais.
Muito agradeceria a presença de vossa excelência na
referida reunião onde serão combinadas importantes
medidas de ação conjunta, indispensáveis ao pleno
êxito da iniciativa. Cordiais saudações Juscelino Ku-
bitschek (OLIVEIRA, 1959).

Essa “política econômica nova para o Nordeste”, da qual


falara o Presidente Kubitschek, passava pelo entendimento
de que o flagelo humano, repetidamente denunciado em jor-
nais e na literatura romanceada, poderia ser evitado com me-
didas de incentivo econômico, notadamente pró-industrial.
Certamente que a fome no Nordeste, escancarada a cada
nova seca, causara constrangimento à administração pública

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o Nordeste, a CNI e o desenvolvimentismo nos anos 50/60 331

federal, uma espécie de mal-estar ocasionado por imagens de


uma tragédia anunciada e consumida em solo nacional, desa-
fiando o discurso desenvolvimentista como fantasmas a sitiar
a civilização. O problema alimentar como óbice a ser supera-
do para a expansão industrial no Nordeste vai solidificando-
-se como um princípio, e contribui para isso uma grande
convergência de discursos entre GTDN-Celso Furtado, Josué
de Castro-ASCOFAM e CNI.
Observa-se que a acomodação pela CNI da tese do proble-
ma alimentar ocasionou um interesse pelo gênero agrícola até
então pouco explorado. A ideia de criação de um Fundo de
Estudos e Projetos, pela entidade industrial, mostra-se relacio-
nada a esse momento.

1. Tendo em vista o desenvolvimento de todas as re-


giões do país e com a finalidade de apressar as ini-
ciativas de maior vulto econômico, a Confederação
Nacional da Indústria cria de forma permanente e
rotativa o Fundo de Estudos e Projetos para apro-
veitar as prioridades, em cada Estado, de iniciativa
e projetos de maior interesse econômico do país.
2. O Fundo de Estudos e Projetos será formado com
a contribuição de todas as entidades e órgãos fede-
rados e confederados, pelo período de dois anos e
valor de 10% da renda do imposto sindical, recebi-
dos pelos órgãos federados e confederados da CNI.
3. O Fundo de Estudos e Projetos será aberto com a
dotação inicial de Cr$1.000.000,00 da Confedera-
ção da Indústria.
4. A Confederação Nacional da Indústria solicitará
uma ajuda ao Governo, na proporção do dobro do
montante previsto, de acordo com o item 2, e que
será empregada em projetos destinados ao enri-
quecimento dos gêneros alimentícios populares de
uso tradicional e à valorização de matérias primas
regionais de origem agrícola. (CNI, s/d).

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O contato de membros da CNI com Josué de Castro contribui


para a interpretação do pensamento industrial sobre a linha de
ação para o Nordeste brasileiro. Aproximação essa que sugere
mesmo uma relação de amizade entre Castro e Lídio Lunardi,
como se pode depreender a partir do convite enviado pelo pre-
sidente da ASCOFAM ao presidente da CNI, em junho de 1959:
“Tenho prazer convidar eminente amigo assistir exibição filme
documentário ‘O Drama das Secas’ em minha residência (...)
próximo dia vinte e dois as vinte uma horas” (CASTRO, 1959).
A película em questão, filmada no interior nordestino e dirigida
por Rodolfo Nanni, fazia parte de um projeto concebido pelo
cineasta italiano Cesare Zavattini, inspirado na obra Geopolítica
da Fome (1951), de Castro. O filme-documentário, fortemen-
te influenciado pelo cinema neo-realista italiano, tido à época
como de esquerda, recebeu o financiamento da ASCOFAM (Cf.
BARBOSA, 2004: 108). Entretanto, não é possível afirmar se a
CNI contribuiu de alguma forma para o projeto.
Em abril de 1959, a revista Desenvolvimento & Conjuntura
publicou a edição especial “Dossiê Nordeste”, na qual apresen-
tou o artigo “Balanço Alimentar do Nordeste”. Segundo o pe-
riódico, a conjuntura social daquela região poderia ser definida
por seu baixo índice de consumo alimentar (D&C, abr. 1959).
Esclareceu o autor do texto que as conclusões sobre a dispari-
dade dos níveis de vida regional e suas tendências pautavam-se
em dados levantados pelo GTDN, divulgados ali pela primeira
vez. O cálculo para a determinação do balanço alimentar foi
explicado então da seguinte forma:

Tomam-se as quantidades totais de alimentos produ-


zidos e importados, com ajustamento da variação dos
estoques no período em apreço, e deduzem-se, em
seguida, as quantidades exportadas, as distribuídas
para alimentação do gado, sementeiras ou uso indus-
trial e outros fins (alimentares ou não), bem como
as perdas por desperdício de qualquer natureza. A
diferença resultante representa as quantidades de ali-
mentos disponíveis para consumo humano (Idem).

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o Nordeste, a CNI e o desenvolvimentismo nos anos 50/60 333

Apresentada a metodologia, advertiu o artigo sobre as difi-


culdades em obter dados estatísticos precisos em regiões tão
distintas do país, o que de modo algum invalidaria o estudo
apresentado, pois, tomado em linhas gerais, contribuía para a
colocação do problema.
Trouxe o artigo que, entre 1948/50 e 1954/56, a dieta mé-
dia per capita nordestina passou de 1.736 para 1.863 calorias
consumidas, crescendo aproximadamente 7%. No mesmo pe-
ríodo, a dieta média per capita do restante do país passou de
2.992 para 3.442 calorias consumidas, um aumento aproximado
de 15%. Levando em conta a necessidade calórica aconselhada
pela FAO (A- estrutura de trabalho e exigência muscular; B-
temperatura média, considerando-a mais elevada no Nordeste;
e C- estatura e peso médio, fixado em 60kg para o nordestino
e 65kg para habitantes das demais regiões) teve-se:

Quadro 2. Necessidades calóricas e consumo aparente de


alimento no Nordeste e no restante do país
(calorias diárias por habitante)

Necessidade consumo em 1948-1950 consumo em 1954-1956


Calórica total diferença total diferença

Nordeste......................2.508.........................1.736..................– 31%...................1.863..................– 26%


Restante do país......2.602........................2.992...................+ 15%...................3.442..................+ 32%

Fonte: Balanço Alimentar do GTDN Apud D&C, abr. 1959.

Como pano de fundo da explanação, passando por dados


produzidos pelo GTDN e conclusões, mesmo que em linhas
gerais, sobre a deficiência calórica na dieta alimentar do nor-
destino, voltava-se ao pressuposto cada vez mais sólido de que
a expansão industrial no Nordeste apenas seria viável com a
ampla oferta de gêneros alimentícios. O projeto de desenvolvi-
mento econômico pensado pela CNI para aquela região passa-
va necessariamente pela questão alimentar.
No artigo “Aspectos Agrícolas do Nordeste”, publicado na
mesma edição de Desenvolvimento & Conjuntura, a relação

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entre indústria e oferta alimentar ficou explícita no pensamento


dos editores da revista:

No esforço conjugado que ora se processa, tanto no


setor público como no privado, visando o desenvol-
vimento do Nordeste – problema que vem desafiando
há muito tempo a consciência nacional – um dos
aspectos mais importantes é o da organização, em
bases econômicas, da agricultura regional.

Embora não seja propriamente na expansão do se-


tor primário que resida o principal fator de desen-
volvimento da economia local, mas sim na criação
de um parque industrial que aproveite as condições
mais favoráveis e os recursos da economia regio-
nal, é fora de dúvida que a expansão da atividade
agropecuária será fundamental na efetivação dos
planos de desenvolvimento.

Tornam-se urgentes o aumento da produtividade


agrícola, maior oferta de alimentos a preços acessí-
veis, diversificação da produção alimentar e a orga-
nização mais racional de certas atividades agrícolas
fundamentais, proporcionando-lhes a utilização de
técnicas capazes de retirá-las da atual estagnação.
Ao lado do emprego de tecnologias mais avançadas
torna-se indispensável, também, modificar os tradi-
cionais e entorpecidos sistemas de exploração rural,
que não se coadunam com o avanço tecnológico,
constituindo sérios obstáculos ao desenvolvimen-
to harmônico da economia nordestina (D&C, abr,
1959. Grifo nosso).

O trecho acima é bastante sugestivo, começando mesmo por


apresentar o problema do Nordeste – cuja proposta de desen-
volvimento é a mudança na estrutura de reprodução do capital
– como algo da ordem subjetiva de uma “consciência nacional”.

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O artigo, portanto, pretendeu representar tal “consciência”. Em-


bora se tenha o reconhecimento da importância da atividade
agropecuária, o texto o faz resignando-a ao papel secundário
“para a efetivação dos planos de desenvolvimento”. Certamente
que tais planos não eram os mesmos pensados pelo setor pri-
mário, senão o próprio projeto de desenvolvimento econômico
gestado pela CNI. As críticas à baixa produtividade no setor
primário nordestino visavam não apenas o aumento da oferta
alimentar, como ainda a liberação de mão-de-obra a partir da
introdução de novas tecnologias. Quando afirmou o texto que
o tradicional sistema de exploração rural seria obstáculo ao
“desenvolvimento harmônico da economia nordestina”, signifi-
cou dizer obstáculo à expansão industrial e, consequentemen-
te, aos interesses da CNI.
Não se furtou, o artigo, em posicionar-se diante do pro-
blema da terra na região. De acordo com Desenvolvimen-
to & Conjuntura, a elevada concentração territorial produzia
no Nordeste o aparecimento do latifúndio e do minifúndio,
dois extremos característicos de economias subdesenvolvidas.
Verificava-se, ainda, a existência de sistemas pré-capitalistas
de exploração rural, o que inibia o afloramento do merca-
do interno (Idem). No entendimento proposto pelo artigo,
o formato rudimentar que caracterizava o setor agropecuário
nordestino exigia uma intervenção técnica, racional, moderna.
O empirismo de outrora já não satisfazia às demandas de pro-
dutividade reclamadas pelo cenário industrial que se afigurava
no porvir. A ciência, como bastião maior da racionalidade,
asseverava seu espaço no discurso de intervenção na prática
agropecuária. Cabia então à agronomia organizar um plano
de lavouras mais adaptáveis à região, elaborar uma estratégia
de mecanização rural, de defesa contra pragas e doenças, de
adubação, aproveitando o fosfato da indústria local. “Caberia
ao agrônomo, juntamente com o economista, o demógrafo
e o sociólogo elaborarem os planos de distribuição da terra,
colonização e assistência social” (Idem).

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Considerações finais

Conforme é possível observar, os artigos publicados em De-


senvolvimento & Conjuntura fornecem, pouco a pouco, fragmen-
tos estruturais da lógica de pensamento institucional da CNI em
finais dos anos 50. O interesse pelo balanço alimentar regional
e pelas práticas agropecuárias constituíam parte daquele pensa-
mento industrial que, visto em seu conjunto, na composição de
seus fragmentos, remete ao projeto de desenvolvimento econô-
mico do qual o Nordeste brasileiro estava inserido.
O desenvolvimentismo vivenciado no Brasil em meados do
século passado recebeu significativa contribuição do setor pri-
vatista representado pela CNI. De acordo com a análise em-
preendida, ficou demonstrado que o próprio formato discursi-
vo da ideologia industrializante sofreu alterações, acomodando
demandas outras. A industrialização já não era apresentada
apenas como instrumento de desenvolvimento econômico, mas
condição sine qua non para a redenção regional diante do con-
texto de fome. Desse modo, a plasticidade do tema da fome
foi oportunamente incorporada ao projeto de desenvolvimento
defendido pela CNI, associando indústria (expansão do capital
privado) e combate à fome (secas e êxodo rural).

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FOLCLORE E POLÍTICA: JAYME
GRIZ E PALMARES EM MEMÓRIAS
DE LIBERDADE

Israel Ozanam de Souza Cunha1

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar alguns aspectos do percurso da


memória que vincula historicamente a cidade de Palmares, em Pernambuco,
ao quilombo do século XVII conhecido por esse nome, localizado no que
hoje é o estado de Alagoas. Meu argumento central é o de que dois episódios
decisivos para a história dessa vinculação podem estar relacionados à trajetória
de Jayme Griz, folclorista nascido em 1900 no Engenho Liberdade, em terras
da Palmares pernambucana. Embora mais pesquisas sejam necessárias para
avaliar o ponto de vista aqui apresentado, parece-me plausível afirmar que Fer-
nando Griz, pai de Jayme, teria feito parte de um grupo de literatos do Clube
Literário de Palmares que no final do século XIX viu na evocação do quilombo
um elemento importante na retórica política republicana em torno do conceito
de liberdade. Décadas mais tarde, essa relação entre quilombo e liberdade es-
taria no centro do projeto de valorização do papel da população negra numa
civilização do açúcar no nordeste brasileiro, empreendido por Jayme Griz.

Palavras-chave: Jayme Griz. Palmares. Folclore.

Folklore and Politics: Jayme Griz and Palmares in memories of freedom

Abstract: The aim of this paper is to present a few aspects of the historical
memory which links the Brazilian city of Palmares, located in the state of
Pernambuco to the quilombo that existed in the 17th century in an area now
situated in the state of Alagoas. My point is that two decisive events for the
history of that connection may be related to the life and work of Jayme Griz,
a folklorist born in 1900 in the city of Palmares. Although more research is

1 Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutorando em


História da UNICAMP, bolsista FAPESP e membro do grupo de estudos Terça
com Tobias.

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needed to assess this argument, it seems plausible to affirm that Fernando


Griz, Jayme’s father, would have taken part in a group of literati of Palmares
Literary Club that, in the late nineteenth century, deemed the evocation
of the quilombo an important element in the republican political rhetoric,
based on the concept of freedom against the monarchy. Decades later, this
relation between quilombo and freedom would be at the center of a cultural
project that valued the role of the black people in the so-called “sugar civili-
zation” in the Brazilian northeast, undertaken by Jayme Griz.

Keywords: Jayme Griz. Palmares. Folklore.

Duas fontes, uma municipal e outra federal, trazem exata-


mente as mesmas informações sobre a história da cidade de
Palmares, situada na zona da mata sul de Pernambuco. Tanto o
site da sua prefeitura quanto o do Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE) afirmam que o nome dela “recorda a
rebelião dos escravos africanos que, de 1630 a 1694 (ou 1697),
constituíram um reino ou confederação de quilombos, que re-
cebeu a denominação de Palmares”2. O motivo dessa alusão,
prosseguem, seria o fato de que, conforme a tradição local:

Na foz do rio Pirangi havia um reduto da famosa re-


pública dos negros, cujo centro - a “Tróia Negra” de
Oliveira Martins - se localizava na serra da Barriga,
onde hoje se encontra o Município de União dos Pal-
mares, do Estado de Alagoas. Desse quilombo se teria
originado a primitiva povoação, que viria a tomar o
atual nome de Palmares.

Em suas interlocuções declaradas, esse breve relato não pa-


rece ter como fonte uma produção historiográfica recente. Por
um lado, evoca uma tradição literária que – seja por um olhar
político sobre as hierarquias sociais até meados do século XIX,
seja por um olhar científico sobre as hierarquias raciais nas suas

2 Disponíveis em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/pernambuco/


palmares.pdf> e <http://www.palmares.pe.gov.br/a-cidade/>, consultados em
04 de junho de 2013.

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últimas décadas – encarou como um problema a “inserção dos


libertos e de seus descendentes na cidadania e na civilização
brasileira em construção” (MATTOS, 2007: 7-8).
Extraída do livro O Brasil e as Colônias Portuguesas do
historiador português Oliveira Martins, a expressão “Tróia Ne-
gra” remete a uma percepção do lugar do negro na qual eram
conciliadas a inferioridade racial traduzida na naturalização
da escravidão e a ação política legítima na composição de
uma civilização que viria a ser o testemunho da grandeza
passada de Portugal:

De todos os exemplos históricos do protesto do es-


cravo, Palmares é o mais belo, o mais heroico. É uma
Tróia negra, e a sua história uma Ilíada. (...) A Tróia
dos negros foi arrasada, mas a memória dos seus he-
róis ficou e ficará como um nobre protesto da liberda-
de humana contra a dura fatalidade da natureza, cujas
ordens impuseram à exploração da América a condi-
ção do trabalho escravo3. (MARTINS, 1978: 66-67)

Por outro lado, aquele relato que associa a cidade de Palma-


res ao quilombo cita uma “tradição local” também mencionada
pelo historiador Vilmar Carvalho em um trabalho recente, ao
qual voltarei adiante. O autor, porém, a explica de uma maneira
relativamente distinta, afirmando que a região de Palmares foi
caminho – e não remanescente – de escravos quilombolas que
se dirigiam à Serra da Barriga, na mata norte de Alagoas, onde
ficava o quilombo dos palmares (CARVALHO, 2008: 11-13). De
uma forma ou de outra, atualmente a presença dessa memória
no município pernambucano é expressa de diferentes manei-
ras, como no nome da rádio Nova Quilombo e dos bairros
Quilombo 1 e Quilombo 24.

3 Citado por CARDOSO, 2010: 8-9. Sobre a grande aceitação da obra de Oliveira
Martins entre a chamada “Geração de 1870” brasileira, ver ALONSO, 2002: 174.
4 Sobre a rádio, ver os sites disponíveis em: <http://www.radios.com.br/aovivo/
Radio-Nova-Quilombo-100.9-FM/15667> e <http://www.novaquilombofm.com.
br/>, consultados em 23 de julho de 2013; Referindo-se aos bairros, há sites

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Diante disso, minha intenção neste artigo é compreender ao


menos parte da história de como a Palmares de Pernambuco se
tornou para alguns sujeitos e instituições evocativa ou mesmo
herdeira do quilombo da Serra da Barriga, que hoje é o muni-
cípio alagoano de União dos Palmares. A meu ver, o ponto de
partida para historicizar essa memória do quilombo na Palma-
res pernambucana é questionar o topônimo como evidencia: o
fato de uma cidade ter exatamente o nome atribuído ao qui-
lombo significa algo além de uma coincidência de nomes? Não
sei se essa conexão é considerada óbvia para alguém que hoje
se remete a Zumbi quando trata da Palmares de Pernambuco,
mas me parece que nem sempre foi assim.

“Reunião de palmeiras plantadas”:


dois lugares e um nome

No dicionário topográfico publicado por volta dos anos


1860 pelo estudante da Faculdade de Direito do Recife Ma-
noel da Costa Honorato, as duas Palmares aparecem desco-
nectadas (HONORATO, 1863: 96-97). Reserva-se à da mata sul
de Pernambuco apenas quatro linhas relativas a classificações
e demarcações da administração provincial: Palmares seria
uma comarca criada em 1862. Já a alagoana, cuja localização
na época foi tratada por ele como parte de Pernambuco, seria
um “célebre ponto”. Assim como Oliveira Martins alguns anos
mais tarde, Honorato trata o quilombo como uma “república”,
ainda que se aproxime da historiografia atual ao dizer que em
sua organização política “havia um chefe e todas as autorida-
des como as da África” (HONORATO, 1863: 96-97; MATTOS,
2010: 433-457).
Em cerca de uma página e meia o autor descreve o quilom-
bo e sua destruição, num verbete que se segue ao da outra

disponíveis em: <http://www.palmares.pe.gov.br/prefeitura-inaugura-escola-


-luiz-carlos-ferreira-silles-no-bairro-quilombo-ii/> e <http://www.girope.com.br/
noticias.php?id=16674>, consultados em 23 de julho de 2013.

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Palmares sem que seja estabelecida qualquer relação entre as


duas. Possivelmente para ele o nome da cidade de Pernambu-
co estava relacionado à vegetação, até porque, num léxico do
período, “palmar” era considerada uma expressão preferível a
“palmeiral” na designação de uma “reunião de palmeiras plan-
tadas” (VIEIRA, 1873: 639).
Outro autor do século XIX que aparentemente também não
associa as duas Palmares é Pereira da Costa. Nas ocorrências
do nome delas por mim consultadas nos volumes dos Anais
Pernambucanos, apenas em um caso pude supor alguma co-
nexão vaga entre as duas, quando o autor menciona a proxi-
midade de Bonito a Palmares e parece confundir o Palmares
de Pernambuco com a do quilombo em Alagoas5. Para além
desse caso, a meu ver muito questionável, em todos os outros
Pereira da Costa se assemelha a Manoel Honorato em seus
verbetes, ou seja, trata mais do quilombo do que da Palmares
de Pernambuco e, quando trata desta, é muito rapidamente e
com referências administrativas.
Para endossar a afirmação de que houve um tempo no qual
o nome da cidade de Pernambuco não remetia necessariamen-
te ao quilombo da serra da Barriga decerto seria necessária a
reunião de mais fontes, quem sabe até anteriores à segunda
metade do século XIX. Entretanto, creio que se mostra digno de
consideração o fato de em trabalhos de fôlego como aqueles,
que entrelaçam geografia e história de Pernambuco, não haja
qualquer sinal de uma relação que hoje é estabelecida com na-
turalidade em canais de grande circulação de informação.
Portanto, até aqui eu tenho duas sugestões. Em primeiro lugar,
hoje haveria uma memória que relaciona a cidade de Palmares,
em Pernambuco, ao quilombo que no século XVII existiu onde
hoje é a cidade União dos Palmares, em Alagoas. A segunda su-
gestão é a de que mais ou menos em meados do século XIX as
duas localidades só pareciam ter em comum o nome.

5 Trata-se do volume 7, ano 1809, p.260. Uma ferramenta de consulta online à obra
de Pereira da Costa está disponível em: < http://www.liber.ufpe.br/pc2/search.
jsp?init=40&query=palmares>.

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Se essa periodização for convincente, restaria saber o que


provocou tal mudança. Em princípio pode ser cogitada a possi-
bilidade de isso fazer parte de um processo de apropriação “de
patrimônios culturais relativos à experiência da escravidão e à
memória da África ou do tráfico” por parte de alguns grupos
de Palmares da atualidade, na expectativa de adquirirem visibi-
lidade em um novo contexto legal, favorável à valorização da
identidade negra (MATTOS; ABREU, 2011: 147-149).
É muito plausível acreditar que essa linha argumentativa cor-
responda a casos concretos que naquela cidade expliquem a
reprodução da vinculação entre essas duas palmares hoje. En-
tretanto, com isso ainda ficaria em aberto o fato de essa vincu-
lação ter sido registrada no meio literário de Palmares em um
momento anterior. Com efeito, em um artigo no qual analisam
os usos do passado escravista feitos atualmente em debates pú-
blicos a respeito de ações afirmativas, as historiadoras Martha
Abreu, Hebe Mattos e Carolina Viana afirmam:

Dos anos de 1990 para cá houve um significativo


aumento das discussões sobre ações afirmativas e
direitos de reparação para as populações afrodes-
cendentes. Mas, sem dúvida, seus fundamentos re-
pousam na Constituição Federal de 1988, quando
ficou clara a necessidade de implementar medidas
capazes de promover, de fato, a igualdade sancio-
nada pela lei e a valorização da diversidade étnica e
cultural brasileira (MATTOS; ABREU; VIANA: 2010,
vol. 3, n.6, jul-dez).

Uma vez que as mudanças legais são datadas dos anos 1980,
resta compreender por que desde antes disso era considera-
do um dos méritos da Palmares de Pernambuco o fato de o
seu nome recordar a “rebelião dos negros fugidos do cativei-
ro”, a “República Independente dos Palmares” (Metrópole da
Mata Sul, berço da intelectualidade. Diário de Pernambuco,
09.vi.1979). Aliás, talvez seja mais adequado começar pergun-
tando “por quem”.

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Jayme Griz e o negro na história da “civilização


do açúcar”

Quando escrevia a respeito de si próprio, o poeta Jayme


Griz considerava o centro do seu trabalho a união entre a
cana e o negro na composição da civilização do açúcar no
nordeste brasileiro (Entrevista de Jayme Griz com o Jornalis-
ta Altavir Alencar, do “Fortaleza News”, do Ceará, p.2. Pasta
Produção Intelectual, a-2, g-3, “entrevista”. Arquivo Jayme de
Barros Griz (AJBG), CEHIBRA, Fundaj ). Nascido em 1900, no
Engenho Liberdade, município de Palmares, ele se dedicou
durante décadas a estudar o folclore como campo de conheci-
mento e meio de alcançar um substrato de tradições nacionais
que, conforme afirmou no artigo Folclore, história, região e
poesia, seriam a fonte tanto da poesia culta, quanto da po-
pular (GRIZ, [1960] Pasta Produção Intelectual (PI), a-2, g-3.
AJBG, CEHIBRA, Fundaj.)6.
Pressupondo uma conexão íntima entre essas duas, Griz se
concentrou na sabedoria da que considerava popular, colhida
entre trabalhadores do próprio Engenho Liberdade e de loca-
lidades próximas. Ele a via como testemunho do trabalho “de
uma raça”, de um “povo sofrido e expatriado” que não teria
apenas construído materialmente as riquezas do Brasil e, nesse
processo, produzido uma “arte” a ser valorizada7. Mais que isso,
o negro teria trazido consigo os sentimentos de nacionalidade e
liberdade que, no congraçamento das raças, resultaram em uma
nação civilizada(GRIZ, 1969: 85-87).
Essa percepção levava o poeta a interpretar insistentemente
como sintomático o uso da expressão “nação” para designar os
maracatus em Pernambuco e a enfatizar, na letra dos cânticos
que recolhia, as alusões a eventos ou processos considerados
legítimos ao que ele entendia como a História – com agá maiús-

6 O documento está sem data, mas pelas citações parece ter sido escrito nos anos
1960.
7 Maracatu n.2. Jayme Griz Escreveu. Revista Guararapes, s/d, p.15. JP p-1, AJBG,
CEHIBRA, Fundaj.

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culo – do Brasil (GRIZ, 1954: 36)8. Em outras palavras, o poeta


aparentemente não procurou, tal qual memorialistas do período
como Mário Sette, narrar a vivência das pessoas comuns de cor
como alternativa à história dos grandes personagens e da políti-
ca, mas sim inserir aquela nesta: “essa vivência, que inclui tradi-
ção, tem muito de nossa História a zelar. Convém não esquecer
esta verdade” (GRIZ, 1965: 74, 77-87; ARRAIS, 2004).
Na obra de Jayme Griz, a incorporação do “elemento hu-
mano afro” (GRIZ, 31.v.1971) na História do país tinha uma
implicação que residia na própria historicidade. Se por um lado
houvera um tempo em que o negro, em seu sofrimento de exi-
lado, não estava harmonizado com a sociedade escravocrata,
em contrapartida ele teria se tornado parte de um Brasil pos-
terior à libertação, conquistada pela própria raça em sua luta.
É assim que em seus livros e artigos o histórico lamento dos
maracatus se converte em “meramente histórico”: “tudo isso
passou. Passou e mudou. A grande e obreira raça libertou-se e
hoje é Brasil” (GRIZ, 1953: 18; GRIZ, 1969: 85-89).
Talvez se encontre aí uma explicação para o tema da li-
berdade ter se tornado tão candente nos textos de Griz. Ele
parecia inclinado a inverter a consideração difundida entre os
anos 1930 e 1950 nos manuais de Joaquim da Silva, segundo
a qual o português abrasileirou o africano (MATTOS, 2007).
Ao contrário, este, enquanto portador do anseio de liberdade,
consolidaria na abolição uma relação de identidade com a na-
ção livre, na qual, por isso mesmo, as diferenças raciais não se
fariam significativas.
Assim, por esse lugar da liberdade, o conjunto de práticas
atribuídas à população tradicional de Palmares, especialmente
o maracatu, cuja musicalidade Griz continuamente estudou e
procurou promover, estaria para ele em completa sintonia com
as aspirações que atribuía ao quilombo da Serra da Barriga:

8 Ele afirmava ter a mesma preocupação nos maracatus que compunha: “Sempre
dei aos meus maracatus, não somente a expressão da música e ritmo, mas o que
ele tem de melodia história e povo’”. Declaração transcrita em: Compositores
aplaudem concessão de prêmio oficial para maracatu. Jornal do Commercio (Re-
cife), 07.i.1965.

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“Ainda hoje, em certas noites, os ‘baques’ de Cambinda reboam


no ar, como ecos vindos de longe, de outras terras, mensagem
que Palmares recolhe, comovida, como ecos, também de sua
própria história. E de outra Palmares, não muito longe dali. A
dos quilombos” (GRIZ, 1965: 71).
Atualmente, diante de abordagens da historiografia colonial
que questionam a existência de um projeto único de liberdade
entre os próprios quilombolas, decerto parecerá pouco convin-
cente a presunção de uma ampla e duradoura confraternização
de negros – tomados como sinônimo de africanos – de duas
localidades de nomes semelhantes (LARA, 2006). Mas era com
outra historiografia que aquele folclorista dialogava no Recife
em meados do século XX.
Quando destacava o papel ativo dos negros e sua “Repú-
blica” na “nossa História” como uma verdade a ser lembrada,
ele não estava apenas repetindo o que já era um consenso
regionalista em Recife. Ao invés disso, parecia responder a his-
toriadores próximos a ele, como Hermógenes Viana, que no VI
Congresso Histórico Municipal Interamericano de 1957 publica-
va um trabalho no qual estava registrada a vitória sobre Zumbi
dos Palmares entre os feitos do “gênio da República e mártir”
Bernardo Vieira de Melo (VIANA, 1959: 62)9.
Em vista disso, Jayme Griz constantemente se remeterá a um
vínculo entre os feitos heroicos do que considerava o panteão
nacional e o substrato civilizacional dos costumes da gente ne-
gra comum, vínculo do qual aquelas duas localidades do nor-
deste davam, para ele, um perfeito testemunho:

Acrescente-se a Palmares seus folguedos populares:


seus “caboclinhos”, seus bumba-meu-boi, seus cultos
negros, seus xangôs, seus batuques, seus maracatus,
uma imorredoura evocação aos heróis da civilização
do açúcar e da República dos Palmares, no seu his-

9 Sobre Griz e Viana se conhecerem, ver a já citada Entrevista de Jayme Griz com o
Jornalista Altavir Alencar, do “Fortaleza News”, do Ceará, p.4. PI, a-2, g-3, AJBG,
CEHIBRA, Fundaj.

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tórico reduto da Serra da Barriga, aqui bem perto,


nas terras das Alagoas, feito este de que é tocada
toda esta região.(GRIZ, 12.XII.1970. PI, a-2, g-3, AJBG,
CEHIBRA, Fundaj ).

Ou seja, a relação entre as duas palmares iria muito além do


nome, até porque em sua poesia e até na descrição geográfica
da cidade no mesmo discurso onde foram pronunciadas as pa-
lavras acima, Jayme Griz não relutava em associar o nome da
cidade às “suas seculares palmeiras” (GRIZ, 12.XII.1970. PI, a-2,
g-3, AJBG, CEHIBRA, Fundaj )10. Mais do que isso, seria um veio
de liberdade como valor civilizacional fundamental que apro-
ximava as duas localidades, unia a ação política pioneira dos
negros em sua “República” e a riqueza estético-moral da poe-
sia deles na Palmares pernambucana, pois mais de uma vez é
possível encontrar referências nos textos dele ao teor filosófico
e erudito da sabedoria e dos cânticos “populares” (Ver. GRIZ,
1953: 15; GRIZ, 1954: 43).
Para aquele poeta, a aproximação das palmares em tor-
no da liberdade e da riqueza intelectual precursoras dos ne-
gros seria expressa pessoalmente na história fundadora do
engenho em que nasceu. Jayme Griz contava que o nome
Engenho Liberdade fora sugerido ao seu avô pelo escravo Je-
rônimo, que sabia da decadência da escravatura nas décadas
finais do século XIX e considerou a designação apropriada
aos novos tempos:

E Jerônimo de chapéu na mão: “- ‘Pruquê se o Sinhô


desse licença, Jerôme tinha um nome...’ E o velho Se-
nhor: - ‘Então diga lá, Jerônimo, o nome do engenho’.
E Jerônimo: - ‘A escravidão vai se acabá: bote o nome
de LIBERDADE no seu engenho, Sinhô’”. E Liberdade
se chamou o banguê do meu avô. (...) Assim, sob o
signo da liberdade sempre se viveu e trabalhou na-

10 Ver também o poema “Palmares”: Rio Una (original do livro). PI-9, AJBG, CEHI-
BRA, Fundaj.

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Folclore e Política: Jayme Griz e Palmares em memórias de liberdade 349

quele amado trecho de terra. Esta sempre foi a tônica


do espírito das gentes da região, desde a “Tróia Ne-
gra” das Alagoas (GRIZ, 04.iv.1972. Discurso de posse
na Academia Pernambucana de Letras. PI, a-2, g-3,
AJBG, CEHIBRA, Fundaj)

Como afirmei no início deste artigo, a expressão “Tróia Ne-


gra” para definir o quilombo de Alagoas é empregada no texto
do site do IBGE e da prefeitura de Palmares, atribuída a Oli-
veira Martins. Baseando-se nas análises de Patrícia Cardoso e
Hebe Mattos, podem-se encontrar aproximações significativas
entre a forma como aquele autor português e alguns de seus
contemporâneos brasileiros interpretavam a evolução histórica
do Brasil e o lugar das pessoas de cor nela. Para Oliveira Mar-
tins, a antiga colônia daria um testemunho do papel – já não
perceptível – de Portugal no processo civilizacional (CARDO-
SO, 2010). Enquanto isso, autores brasileiros interpretavam os
episódios da história colonial como situações que conformaram
uma identidade nacional sob liderança portuguesa (MATTOS,
2007: 8; SANTOS, 2009: 39-41).
Assim, ainda que possa haver diferenças, entre os autores
dos dois lados do Atlântico parece ter sido compartilhada a
perspectiva segundo a qual foi pelo europeu que entraram no
Brasil os valores da civilização. Essa não é a leitura que acompa-
nha Jayme Griz e não há evidências de que ele a tenha conhe-
cido diretamente, pois um manuscrito a respeito do quilombo
da Serra da Barriga encontrado em seu acervo pessoal sugere
que foi de uma citação de O negro na civilização brasileira, do
médico e folclorista alagoano Arthur Ramos, e não diretamente
de Oliveira Martins, que ele a extraiu a expressão “Tróia Negra”
(RAMOS, 1971: 73)11.

11 Talvez Griz também tenha encontrado nele a expressão “República” para referir-
-se ao quilombo. GRIZ. A República dos Palmares (manuscrito). PI-9, AJBG, CEHI-
BRA, Fundaj. Esse não é o único estudo histórico encontrado no acervo pessoal
de Jayme Griz, ver, por exemplo: Nossa lavoura canavieira. PI-13, AJBG, CEHI-
BRA, Fundaj e Casa Grande. PI-15, AJBG, CEHIBRA, Fundaj.

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Apesar de mais novo do que ele, Arthur Ramos já havia fale-


cido12 quando Jayme Griz consultou aquela obra e publicou os
trabalhos pelos quais ficaria mais conhecido. Com efeito, os li-
vros do poeta pernambucano Rio Una; Palmares, seu povo, suas
tradições; Gentes, coisas e cantos do Nordeste; O lobisomem da
porteira velha e Acauã são todos da década de 1950, período
que coincidiu com a aposentadoria em 1952, após trinta anos
como funcionário da Fazenda Estadual, onde atuou ao lado do
poeta também palmarense Ascenso Ferreira (CELSO, 1951. PI-
13, AJBG, CEHIBRA, Fundaj)13.
A partir de então, por um período de mais ou menos duas dé-
cadas, Jayme Griz adquiriu alguma projeção no folclore brasileiro
e mesmo no exterior através de diversos meios, pelos quais pode
ter, entre cantos e contos, difundido a sua história da relação
entre as Palmares de Pernambuco e de Alagoas14. Nesse aspecto
ele foi favorecido pelo patrocínio institucional dos proprietários
da zona canavieira de Pernambuco através diretamente do Ins-
tituto do Açúcar e do Álcool (IAA) ou de entidades criadas pelo
Instituto, como o Museu do Açúcar e a revista Brasil Açucareiro15.

12 Cf. GASPAR, Lúcia. Arthur Ramos. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim
Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/in-
dex.php?option=com_content&view=article&id=787&Itemid=1>.
13 O texto se encontra datilografado no acervo pessoal de Griz, mas o Diário da
Noite de 05.xi.1951 afirma que ele foi publicado no Jornal do Commercio; Currí-
culo biobibliográfico de Jayme de Barros Griz (literariamente: Jayme Griz). Pasta
Documentos Pessoais, AJBG, CEHIBRA, Fundaj.
14 Sobre a projeção de Jayme Griz naqueles anos, observa-se, por exemplo: Pal-
marense Jaime Griz recebe nova consagração no exterior. Diário de Pernambuco,
26.iv.1968; CASCUDO. E como ouço ainda esses distantes ecos... Jayme Griz. PI,
a-2, g-3, AJBG, CEHIBRA, Fundaj; MENEZES, Bruno de. Poesia Social e Folclórica.
Transcrito da “A Província do Pará”, de 27.ii.1955. PI-13, AJBG, CEHIBRA, Fundaj;
Notas sobre a vida literária de Jayme Griz. PI-13, AJBG, CEHIBRA, Fundaj; O livro
“Negros” e as glórias de Palmares. Diário de Pernambuco, 05.xi.1967; LEMES, Ro-
mán Fontan. O Lobisomem da Porteira Velha (resenha escrita no Uruguai e publica-
da ou republicada no Diário da Noite, do Recife). JG PI-7, AJBG, CEHIBRA, Fundaj.
15 FILHO, Zito Batista. Discos Clássicos – o folclorista Jayme Griz. O autor dessa
reportagem, publicada em O Globo (Rio de Janeiro) em 31.viii.1967, afirmou que
o LP de Acauã, produzido por Jayme Griz, havia chegado a O Globo através do
diretor da Revista Brasil Açucareiro, do Instituto do Açúcar e do Álcool. PI, a-2,
g-3, AJBG, CEHIBRA, Fundaj. Outro exemplo é que na época do lançamento do

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Nessa época, o debate sobre História Pública estava apenas


começando em países de língua inglesa (Ver. LIDDINGTON,
2011).16 e, ao que me consta, não havia obtido qualquer re-
percussão no Brasil. Entretanto, por um olhar a partir de hoje,
se mostra bastante pertinente a uma discussão nesse âmbito a
inserção de Jayme Griz na cena cultural pernambucana através
de palestras, LPs, cursos, artigos na imprensa e até programas
de televisão17. E se um forte incentivo para isso veio do IAA,
o poeta palmarense também contou com o dos militares no
período em que governavam o país, para com os quais aparen-
temente repetiu as boas relações estabelecidas no passado com
o regime de Vargas18.
Desse percurso também fez parte o ingresso em entidades
representativas das letras em geral ou da pesquisa folclórica em
particular no Recife daquele período, como a nomeação para
o conselho técnico da Comissão Pernambucana de Folclore e
para a Academia Pernambucana de Letras (Jornal do Commer-
cio, 22.xii.1965. JP p-9, AJBG, CEHIBRA, Fundaj).
No discurso de posse nesta instituição, já citado acima, Jay-
me Griz evoca não só suas raízes culturais “populares” presen-
tes nas duas palmares, mas também predecessores eruditos do
final do século XIX e início do século XX, particularmente al-
guns republicanos (GRIZ, 04.iv.1972; Discurso de posse na Aca-
demia Pernambucana de Letras. PI, a-2, g-3, AJBG, CEHIBRA,

livro O Cara de Fogo, se disse que o Instituto do Açúcar e do Álcool, o Museu


do Açúcar e O Globo iriam promover a divulgação da obra no sul do Brasil: Es-
critor Jaime Griz lançará “Cara de Fogo” em Palmares. Diário de Pernambuco,
09.i.1969. JP p-1, AJBG, CEHIBRA, Fundaj.
16 Cf. LIDDINGTON, 2011.
17 Em 1968 o Museu do Açúcar organizou um “Curso de Iniciação ao Folclore do
Nordeste” no qual Jayme Griz seria um dos professores: Folclore. Diário de Per-
nambuco, 23.iv.1968; Quanto ao programa de TV: Roteiro de um programa para
a TV – Canal 6. PI-9, AJBG, CEHIBRA, Fundaj.
18 Nesse sentido, ver: Comandos militares vão prestigiar o encontro dos oficiais da
reserva. Jornal do Commercio (Recife), 04.i.1970. PI-7, AJBG, CEHIBRA, Fundaj e
GRIZ. Discurso no lançamento da pedra fundamental do Bairro do Funcionário
Público. PI, a-2, g-3, AJBG, CEHIBRA, Fundaj (pelo seu teor, esse discurso foi
pronunciado em algum momento entre os anos 1937-1945).

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Fundaj)19. Embora naquela cerimônia isso adquirisse um cará-


ter forçoso, porquanto era necessário homenagear os antigos
membros da Academia e outros homens de perfil semelhante,
creio que por esse âmbito é possível chegar a interlocutores
antigos que podem ter motivado Jayme Griz a aproximar as
palmares de Pernambuco e de Alagoas.

Um Clube Literário e os limites da análise

O texto recente de Vilmar de Carvalho que mencionei no


início deste artigo teve como objetivo analisar a trajetória do
Clube Literário da cidade de Palmares entre os anos 1880 e a
década de 1910. Além daquela tradição oral não especificada, o
autor diz pouco sobre as fontes que lhe permitem afirmar tanto
que o nome da localidade é Palmares em alusão ao quilombo,
quando que ela possuía outros nomes anteriormente.
Mas há algo muito interessante em seu trabalho. Inspirado
em pesquisas recentes sobre a crise do Brasil Império, sobre-
tudo na interpretação de Angela Alonso, ele situa os sócios
do Clube Literário de Palmares na geração reformista de 1870
(CARVALHO, 2008: 11-30). Armados com uma tipografia, eles
teriam lançado suas críticas contra o Império, a escravidão e
outras instituições associadas à Monarquia. As aspirações de
cientificidade daqueles letrados os teriam levado a uma bus-
ca historiográfica pelo lugar da Palmares pernambucana no
contexto nacional. Assim, no coro a essa crítica à escravidão
e à monarquia, considerada uma escravidão dos brancos, ad-
quiriu força a imagem do quilombo da Serra da Barriga como
República dos Palmares(CARVALHO, 2008: 13-14).
Um dos principais representantes desse grupo de fins do
século XIX, ou aparentemente o que deixou mais registros
se nos basearmos em Carvalho, foi o poeta Fernando Griz,

19 Em outras ocasiões ele também fazia referências aos estudos folclóricos de Silvio
Romero: Respostas a 10 perguntas de Jerusa (entrevista). PI, a-2, g-3, AJBG, CEHI-
BRA, Fundaj.

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pai de Jayme Griz. Descrito por Ascenso Ferreira como “um


socialista avançado, um quase comunista (sem talvez o sa-
ber)”, Fernando teria prosseguido a sua luta política mesmo
após a República, combatendo o grupo liderado pelo antigo
conservador Francisco de Assis Rosa e Silva, predominante
em Pernambuco entre 1896 e 1911 (FERREIRA, 1944: 147-151.
N.11-14, jan-dez; Vida Passada – Fernando Griz. Folha da
Manhã, 06.vi.1939).
Partidário exaltado do general Dantas Barreto, que derrubou
Rosa e Silva em 1911, Fernando Griz teria se transferido com a
família para Recife a fim de ocupar no novo governo um cargo
de chefia na Tesouraria Estadual, mesma repartição para a qual,
não por acaso, seu filho Jayme Griz foi nomeado em 192220.
Pode-se supor, portanto, que o quilombo dos palmares
como símbolo da liberdade tenha sido uma ideia tomada em
uma conotação política por literatos da cidade pernambucana
de Palmares no final do século XIX e reforçada mais tarde por
alguém que, ligado diretamente a esse grupo por laços de
parentesco, procurava aproximar os saberes e feitos históricos
dos grupos letrados e distintos socialmente aos dos “popula-
res” na composição das tradições nacionais. Porém, quando
propriamente Jayme Griz passou a conceber a existência de
práticas culturais tradicionais dos negros em pé de igualdade
com a História feita pela cultura erudita, e a considerar a co-
nexão entre as duas palmares como uma forma interessante
de expressar isso?
Publicados a partir dos anos 1950, os seus trabalhos têm uma
abordagem facilmente compreendida como parte de movimen-
tos intelectuais pré-existentes, seja no âmbito da literatura, do
folclore ou das ciências sociais. Com efeito, desde a época em
que foram publicados, parece ter havido um esforço, se não
de Jayme Griz, de pessoas próximas a ele no sentido de evitar
que os seus textos fossem vistos como uma imitação de autores

20 A nomeação de Jayme Griz para terceiro escriturário da seção única do Tesouro


do Estado em outubro de 1922 é mencionada na coluna “Há 45 anos – sábado 14
de outubro de 1922”, do Jornal do Commercio de 14.x.1967. PI-7, AJBG, CEHI-
BRA, Fundaj.

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354 Israel Ozanam de Souza Cunha

regionalistas, particularmente do seu cunhado Ascenso Ferreira


(CELSO, 1951. PI-13, AJBG, CEHIBRA, Fundaj).
Conforme Hercílio Celso, que dividira com os dois poetas as
funções na Tesouraria do Estado, “o folk-lore nordestino” ins-
pirava Griz desde muito antes, quando nas horas dos lanches
na repartição pública ele ainda “nem cogitava de poesia e vivia
dizendo, para nós, trechos dolentes de maracatus, cantatas de
reisado e samba de matuto, emboladas e cantorias de engenho,
‘jornada’ de pastoris e mais coisas de música popular” (CELSO,
1951. PI-13, AJBG, CEHIBRA, Fundaj).
Escritas pouco após a publicação do livro de poemas Rio
Una, essas palavras que afirmam uma relação antiga de Jay-
me Griz com o folclore são de certa forma confirmadas por
anúncios do lançamento feitos pelo Diário de Pernambuco na
época, mas não no que concerne à antiguidade do contato de
Jayme Griz com a poesia: “volta à atividade o poeta Jaime Griz,
depois de vários anos de pausa, certamente prejudicial à poe-
sia. Anuncia a publicação, no Recife, dentro de um mês, de seu
livro ‘Rio Uma’. É uma coleção de poemas regionais, inspirado
no folk-lore nordestino” (Volta à atividade. Diário de Pernam-
buco, viii.1951. JP-5, AJBG, CEHIBRA, Fundaj).
Assim, esses registros dão a entender que talvez desde pelo
menos os anos 1920, quando ingressou na Tesouraria, Jayme
Griz, que nasceu no mesmo ano que Gilberto Freyre, tenha
dado contribuições a um campo do qual as datas das suas pu-
blicações conhecidas levam a crer que ele foi apenas um adep-
to tardio (Prefeitura publica estudos de Jaime Griz sobre as
origens de Palmares. Diário de Pernambuco, 30.i.196821.
No entanto, a pergunta que foi feita na página anterior não
é plenamente respondida com o que foi dito em seguida. Além
da dificuldade de remontar-se ao pensamento folclórico – se é

21 Mas, quanto a publicações, acho difícil que tenham existido anteriores, pois
nos dois currículos encontrados no acervo pessoal de Jayme Griz, mantido pela
Fundação Joaquim Nabuco, o primeiro livro mencionado é justamente o Rio Una
(1951): Publicação do Museu do Açúcar. Obras do autor. PI-16, AJBG, CEHIBRA,
Fundaj; Currículo biobibliográfico de Jayme de Barros Griz (literariamente: Jay-
me Griz). Pasta Documentos Pessoais, AJBG, CEHIBRA, Fundaj.

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Folclore e Política: Jayme Griz e Palmares em memórias de liberdade 355

que ele já o percebia assim – de Jayme Griz durante a juven-


tude, deve-se romper com qualquer pretensão de linearidade
entre o Clube Literário e ele na trajetória das apropriações da
memória do quilombo dos palmares entre os habitantes da Pal-
mares de Pernambuco.
Isso porque, ao menos até onde tive acesso, a sua atenção a
um possível paralelo entre as duas localidades só é significativa
nos anos 1960, período no qual ele teria se dedicado a pesqui-
sar a história de Palmares:

O folclorista, escritor e poeta palmarense Jaime Griz


concluiu os estudos sobre as origens desta cidade,
trabalho [que] obrigou o poeta a realizar demoradas
pesquisas em documentos históricos e bibliotecas. O
resultado da pesquisa, que revela fatos até hoje des-
conhecidos da nossa história, será reunido num livro
que a Prefeitura Municipal editará22.

Também não me parece possível estabelecer qualquer li-


nearidade entre os propósitos desse paralelo: num primeiro
momento, o quilombo foi evocado como metáfora em dispu-
tas políticas de abrangência nacional, das quais membros do
Clube Literário de Palmares se sentiam parte. Jayme Griz, por
sua vez, pôs o negro no lugar dos literatos e estabeleceu a li-
gação em termos de um passado de sofrimento superado por
um presente de congraçamento racial. Portanto, quem sabe
atualmente a dita “tradição local” da cidade de Palmares, vaga-
mente mencionada nas fontes consultadas, possa significar a
apropriação da memória do quilombo por alguns grupos que
se reconhecem na identidade negra e lutam por políticas de
reparação. Mas só pessoas dedicadas a pesquisar especifica-
mente essa questão atual poderão dizer se isso tem ocorrido

22 .Não encontrei esse trabalho e nem referência a ele além dessa notícia. O texto
de Jayme Griz que mais se aproximaria de um resultado de pesquisas do gênero
é o livro, já citado aqui, Palmares, seu povo, suas tradições, mas ele antecede em
quinze anos a essa pesquisa anunciada como recente na notícia acima.

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356 Israel Ozanam de Souza Cunha

– ou contribuir para que isso ocorra.

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HÁ VAGAS (VOTANTES APENAS):
TENSAS RELAÇÕES ENTRE VOTO
E EMPREGO PÚBLICO NO RECIFE
NA DÉCADA DE 1880
Felipe Azevedo e Souza1

Resumo: As eleições no Brasil Imperial foram recorrentemente compreen-


didas como um jogo de cartas marcadas por um sistema viciado. Mas, ainda
que a corrupção grassasse descomedidamente, havia aguerrida disputa pela
conquista e controle dos votos. Para vencer os pleitos a máquina públi-
ca era instrumentalizada pelos candidatos do governo, que barganhavam
empregos e pressionavam funcionários. O presente artigo busca examinar
uma série de episódios de conflito em torno do voto e da partidarização do
funcionalismo público em Recife em meados da década de 1880, tendo por
objetivo evidenciar que mesmo diante de um propalado cenário de controle,
as eleições eram um momento de intensa negociação e conflito entre traba-
lhadores pobres e líderes políticos.

Palavras-chave: Eleições. Brasil Império. Funcionalismo Público.

Job openings (voters only): tense relations between voting and public
employment in Recife in the 1880s

Abstract: Elections in the Brazilian Imperial regime were recurrently seen


as a rigged card game; marked by a flawed system. Although elections were
dominated by corruption, there was fierce competition for control of votes.
Government candidates who bargained for jobs and pressured employees
manipulated the public machine in order to win the election. This article seeks
to examine a number of conflict episodes around the vote and the politiciza-
tion of public jobs in Recife in mid-1880s. Aiming to show that even in face of
disputes that were said to be controlled; the elections were a time of intense
negotiation and conflicts between poor workers and political leaders.

1 Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Douto-


rando em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
pesquisador financiado pela FAPESP.

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360 Felipe Azevedo e Souza

Keywords: Elections. Brazil Empire. Public Functionalism.

Há pouco mais de duas décadas, estudos sobre o sistema


representativo no Brasil Imperial vêm se empenhando em co-
locar em cheque uma concepção tradicional da historiografia
que compreendia o voto no século XIX inserido em uma lógica
de falseamento operado por um sistema representativo elitista.
Ainda que não negue a falta de liberdade do voto e a corrupção
endémica do sistema eleitoral, essa leva mais recente de estu-
dos vem pontuando outros valores que permeavam o processo
de votação na época.
José Murilo de Carvalho, Richard Graham e Miriam Dolh-
nikoff, foram responsáveis por situar de forma mais elabora-
da a importância que as eleições tinham na época. Ainda que
sob perspectivas metodológicas diferentes, suas pesquisas evi-
denciaram como as relações eleitorais firmaram um pacto go-
vernativo entre as elites regionais e o governo central, sendo
fundamentais para a instauração, legitimação e manutenção do
regime político. Entre pontos comuns e discordâncias, essas
obras abriram horizontes de pesquisa que tornaram mais com-
plexos aspectos das relações sociais envolvendo alianças políti-
cas, uso da máquina pública e práticas clientelistas, enfim, são
muitas as contribuições desses autores para o estudo do tema.
No entanto, ainda há um aspecto central de identificação entre
essa produção contemporânea e a historiografia mais tradicio-
nal da primeira metade do século XX: a questão da perspectiva.
Ainda que a maioria dos votantes fosse composta por gente
pobre, os estudos mais importantes sobre eleições e sistema
representativo no Império privilegiaram uma perspectiva onde
as elites são situadas como protagonistas. Nesse sentido, muitas
vezes as populações mais pobres foram caracterizadas em certo
estado de anomia, onde os desejos individuais, os interesses
políticos e ação social sempre apareciam determinadas e cir-
cunscritas a um forte sistema de dominação senhorial.
Esse tipo de interpretação acabou por ocultar conflitos que
davam a tônica das relações entre políticos e votantes. Essas
negociações que geralmente se desdobravam no âmbito pri-

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Há vagas (votantes apenas):
tensas relações entre voto e emprego público no Recife na década de 1880. 361

vado não são visíveis com muita nitidez nas letras das grandes
interpretações sistémicas dos escritos políticos, no entanto, apa-
recem com regularidade na senda de documentos institucionais
do Estado e em missivas de agentes políticos. A partir de um
diálogo entre o acervo de cartas do Conselheiro João Alfre-
do, a imprensa partidária e os livros da Tesouraria Provincial e
da Administração do Porto do Recife, o presente texto analisa
o fenômeno da barganha eleitoral em meio a transações com
empregos públicos. Com o foco particularizado em ações e
interações individuais, o texto traz os resultados de uma pes-
quisa que se propõe a evidenciar o alto grau de partidarização
nos postos de trabalho gerenciados pelo governo, a força do
paternalismo na luta por melhores condições de trabalho e os
perigos eminentes reservados àqueles que se declaravam opo-
sicionistas em um meio hostil ao contraditório.

A barganha eleitoral em desassossego

Ao pesquisar por correspondências pessoais de políticos


imperiais, a impressão que se tem é de que os dias que aque-
les sujeitos mais expediam e recebiam cartas eram os que an-
tecediam as eleições. Não falo isso apenas pelo notável volu-
me de páginas manuscritas datadas desses períodos, mas pela
própria lógica de trabalho desses homens, que tanto em suas
atribuições como lideranças partidárias, quanto como servi-
dores públicos (funções que nem sempre, ou quase nunca,
eram rigorosamente separadas em suas execuções), tinham
nas votações a prova de fogo do sucesso de seu trabalho. E
para a realização de eleições favoráveis algumas armas eram
imprescindíveis para a articulação e o planejamento político,
como o tinteiro, o bico de pena, papeis de carta, selos, enve-
lopes e principalmente o serviço postal.
Comecemos por uma dessas cartas. Enviada a dois meses das
eleições de 1886, era timbrada com o dístico da Repartição de
Polícia da Província de Pernambuco e trazia o brasão do Impé-
rio no canto superior direito. Os ares de correspondência oficial,

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362 Felipe Azevedo e Souza

no entanto, perdem-se no conteúdo daquela missiva enviada


por Antonio Domingos Pinto para o Conselheiro João Alfredo,
conquanto o primeiro fosse chefe de polícia de Pernambuco e
o segundo presidente da província de São Paulo, pode-se dizer
que a comunicação se dava mais em termos de um cabo eleitoral
prestando contas para o chefe do Partido Conservador. Tratavam
dos problemas a serem enfrentados no pleito que em pouco viria
a acontecer em Recife, Domingos queixava-se:

[...] uma praga que nos aflige é o dos empregos: todo


mundo quer ser empregado, e não há um só preten-
dente que não seja uma influência em sua paroquia,
que não disponha de 8, 10, 12 votos quando muitas
vezes nem do próprio dispõe, é um inferno! (Coleção
João Alfredo. CR_000.173 – 4/11/1885 – Antonio Do-
mingos Pinto – Chefe de Polícia.)

A questão que infernizava a vida do chefe de polícia, ou,


talvez, mais adequado seja dizer do cabalista conservador, é a
mesma que irá permear algumas das próximas páginas desse
artigo, diz respeito a relação emprego/voto nas últimas déca-
das do século XIX.
Naqueles tempos, é interessante notar, que essa relação de-
senvolvia-se a partir de um duplo fluxo que se retroalimentava,
por um lado muita gente entrava para a política por causa dos
empregos e por outro muitas eleições eram ganhas por cau-
sa dos cargos distribuídos a título de barganha. Essa lógica não
chega perto de ser uma novidade, a historiografia e os escritos
da época lhe tem como uma chave central de interpretação do
funcionamento da democracia parlamentar de então. No entan-
to, o que ainda não foi observado é que pode ter existido uma
tendência para que essa relação tenha ganhado ainda mais força
após 1881. Ano em que uma reforma eleitoral diminuiu drastica-
mente o número de eleitores e aumentou exponencialmente a
quantidade proporcional de funcionários públicos no eleitorado.
Sendo assim, ter um título eleitoral era um trunfo importante
para pleitear uma vaga no funcionalismo público. Nas mui-

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Há vagas (votantes apenas):
tensas relações entre voto e emprego público no Recife na década de 1880. 363

tas cartas de indivíduos que se encaminhavam ao conselheiro


João Alfredo em busca de emprego, a mensagem estava quase
sempre presente, geralmente de forma um pouco sutil, como
um “se V. Exc.ª poder me empregar em Pernambuco ficarei
mais satisfeito por que sou Eleitor do 2˚ distrito”. As vezes mais
objetiva, deixando claro que o fato de determinado sujeito ser
“dedicado amigo político e eleitor do 1˚ distrito” parecia ser um
argumento bastante plausível, as vezes o único, para que o con-
selheiro lhe fizesse jus a um cargo na máquina pública.
Pode-se dividir grosseiramente as tantas cartas relacionadas
ao tema entre aquelas que pediam emprego - a maioria -, e as
correspondências dos que tentavam controlar a intensa deman-
da de pedidos. O segundo grupo era seleto, composto por alia-
dos de confiança do conselheiro, como o chefe de polícia acima
citado, algumas lideranças do partido conservador, altos funcio-
nário provinciais e principalmente os filhos de João Alfredo. As
cartas desses, conseguem evidenciar as dores de cabeça dos
que haviam de conciliar os limitados recursos da administração
pública com as exigências vinculadas ao mercado de votos. Ao
que parece, era comum que os esforços para equacionar esses
interesses acabasse por determinar o planejamento e a execu-
ção de obras públicas. Segundo Antonio Correia, filho de João
Alfredo, a prática ocorria a revelia do equilíbrio orçamentário:

[...] o que tem havido é uma consequência da eleição


por distrito. Cada deputado entende que deve fazer
os maiores favores aos homens e coisas da circuns-
crição que o elegeu; os interesses combinam-se; os
votos trocam-se, e o resultado é um chuveiro de leis
provinciais criando escolas, mandando fazer estradas,
construir pontes, abrir açudes isso como se as nossas
finanças estivesses em um estado próspero.( Coleção
João Alfredo. CR_000.153 – 22.vi.1882 – Antonio Cor-
reia (assina como Totonho).

Para além do estado das finanças, as preocupações de An-


tonio Correia dirigiam-se em como controlar o voto daqueles

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empregados nas obras públicas. Ainda nas articulações para a


eleição de 1886, escrevia para o pai pedindo a nomeação de
um aliado para chefiar a capatazia da alfândega:

Em que ficam as providências sobre a alfandega, me-


lhoramentos do porto e prolongamento? Há nessas 3
repartições mais de 300 eleitores do 1˚, 2˚ e 3˚ distri-
tos: será possível que fiquem eles a mercê de chefes
liberais? A nomeação de Antunes para a capatazia era
uma providência necessária. (Coleção João Alfredo.
CR_000.152 – 10.xi.1885 – Antonio Correia).

Outro aliado de João Alfredo escrevia um mês depois, refor-


çando os apelos do filho do conselheiro de que “a alfandega,
os melhoramentos do porto e o prolongamento da estrada de
ferro são viveiros de eleitores marianistas”. (Coleção João Alfre-
do. CR_000.152 – 10.xi.1885 – Antonio Correia.)
Em teoria a lógica de contratação por indicação para essas
obras do governo, deveria implicar em uma relação de favor
pessoal, cuja a moeda de troca seria justamente o voto nos
candidatos da situação. Assim é, pelo menos, conforme de-
terminadas explicações baseadas na ideia de clientelismo. No
entanto, o que os trechos acima indicam é que o controle das
nomeações não implicava automaticamente na determinação
da vontade de voto dos funcionários. Nos relatos dos aliados
conservadores de João Alfredo há um patente receio com o
posicionamento político dos empregados, identificados como
eleitores liberais, ou simpatizantes de José Mariano (“maria-
nistas”). Alguns conservadores, por meio das correspondên-
cias, pediam ao conselheiro que optasse por medidas coer-
citivas para o trato com funcionários liberais, como escrevia
Antonio Correia, no trecho acima, que requisitava a remoção
de chefes liberais e a contratação de um aliado cujo trabalho
de fiscalização deveria ir além do acompanhamento da boa
execução das obras pelos funcionários. Para um conservador
que escrevia pedindo empregos a João Alfredo, por exemplo,
o fato de um porteiro ser dito aliado de José Mariano era moti-

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Há vagas (votantes apenas):
tensas relações entre voto e emprego público no Recife na década de 1880. 365

vo suficiente para ser substituído por um “velho e bom amigo”


seu que se encontrava em situação de miséria. (Coleção João
Alfredo. CR_000.341 – 14.xi.1885) .
No entanto, as coisas não eram tão simples para os conser-
vadores. Mesmo estando a frente do governo da província, ten-
do a maioria no parlamento provincial e na Assembleia Geral e
todas as pastas do Ministério do Império, o controle dos votos
dos funcionários públicos e dos empregados em obras do go-
verno não estava assegurado. A máquina pública já era enorme
naquela época, é provável que a repartição de Obras Públicas
fosse a maior empregadora do Recife. Para aventar a presunção
de limar os partidários oposicionistas desses empregos era ne-
cessário muito esforço e articulação, os conservadores trabalha-
vam nesse sentido, muitas vezes, sem sucesso, como explicava
o chefe de polícia a João Alfredo:

[...] é necessário que José Mariano não continue a


sustentar sua clientela a custo dos cofres públicos, e
para isso mister que não disponha, como até agora de
obras em repartições que mais se prestam a arruma-
ções dos melhoramentos do porto e prolongamento
da estrada de ferro. Tem sido desalojados de outras
repartições alguns bravos do grande tribuno, e em
ato contínuo arrumados com uma das repartições que
acima mencionei. Há poucos dias foi demitido da Al-
fandega um empregado, por má conduta e como era
do bando foi logo arrumado no prolongamento. V.
Exc. sabe que para conseguir os fins é preciso em-
pregar os meios e é preciso que o séquito de José
Mariano se convença que ele não tem a sua disposi-
ção empregos para dar-lhes. (Coleção João Alfredo.
CR_000.192 – 22.x.1885 – Antonio Domingos Pinto.)

Se, conforme o depoimento acima, muitos dos trabalhadores


que tinham laços com José Mariano eram de fato demitidos,
mas sem muita demora tornavam a aparecer empregados em
outros ramos do funcionalismo, este era um sinal de que estar

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no poder da província, não significava necessariamente deter


o total controle dos cargos. A relação de influência e, prova-
velmente, de favores antigos que ligavam alguns funcionários
do governo conservador aos interesses do parlamentar liberal,
superavam uma pretensa lógica baseada na obediência servil
dos funcionários ao governo.
Pode-se contrapor, como fazia a imprensa conservadora, que
os liberais haviam construído uma base de aliados eleitorais nas
obras públicas depois de seis anos no poder (1878-1885). Uma
estrutura que dificilmente seria desmontada no período de as-
censão da nova situação conservadora, em agosto de 1885, até
as eleições de 1886. No entanto, se voltarmos nossos olhos para
as páginas conservadoras de uma década antes, quando esses
há muito estavam a frente do Gabinete Imperial e, por conse-
guinte, da administração da província, podemos encontrar de-
núncias bastante similares em relação ao emprego de votantes
liberais nas obras públicas.
Quando em 1876 o jornal O Tempo, publicava que “das obras
de melhoramento do porto fez-se um viveiro de votantes libe-
rais”, referia-se a um lugar - as obras do porto - que mais de
10 anos depois continuaria sendo o centro de concentração
de “valentes cabalistas liberais”. (O tempo, 3.x.1876). Importa
perceber que na década anterior a situação política era bem
outra, com diferentes atores principalmente no partido liberal.
José Mariano, por exemplo, não era conhecido como o grande
tribuno, na verdade ele ainda não havia sequer sido eleito para
qualquer cargo público. (SALES, 2013).
A narrativa escrita pelos conservadores nos leva a crer que
aquele local de trabalho foi conquistado sucessivamente por
grupos de homens que não se submetiam à lógica de obediên-
cia eleitoral do funcionalismo à administração pública. Supon-
do que de fato os trabalhadores das obras do porto fossem
liberais, a permanência das críticas conservadoras revela que
era possível se manter corpos de empregados oposicionistas
nas obras públicas por anos a fio sem necessariamente manter
uma vinculação a um político em especial, como no caso das
denúncias de meados da década de 1880.

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tensas relações entre voto e emprego público no Recife na década de 1880. 367

As conclusões expostas até o momento refletem determi-


nado tipo de documentação que atribui aos trabalhadores do
porto uma coletividade em torno do partido liberal. No entanto,
as acusações de uso político de empregos governamentais ou
de cooptação de funcionários de obras públicas também eram
apropriadas pelos liberais em acusação aos conservadores.
O caso de alguns capatazes da alfândega é emblemático nesse
sentido. A investidura da direção da capatazia era feita a partir de
nomeação política pela Assembleia Provincial. Para o ano de 1875
foi nomeado o major Bellarmino do Rego Barros que exercia então
o cargo de vereador pelo Partido Conservador e de subdelegado
pelo bairro da Madalena. O major ganhou notabilidade no Recife
por liderar um grupo de capangas bastante atuante em eleições e
manifestações populares, inclusive em defesa de seu cunhado, o
conselheiro João Alfredo. Quando Bellarmino foi nomeado diretor
da capatazia o envolvimento de capatazes em manifestações e ar-
timanhas políticas começou a ser noticiado pela imprensa liberal.
Seja em relação à burla eleitoral, como nas eleições de 1876, onde:

Notou-se o triste espetáculo de apresentar-se no cor-


po da igreja uma companhia de cerca de 60 traba-
lhadores da capatazia, os quais entraram formados
dois a dois, capitaneados por dois a três indivíduos,
que lhes entregavam as cédulas a proporção que
iam sendo chamados. Tais trabalhadores eram verda-
deiros fósforos.(A Província, 5.x.1876; A Província,
17.x.1876. A Província, 8.x. 1876)

Seja em manifestações políticas públicas, como a “projetada


passeata para solenizar a entrada do Sr. João Alfredo no Sena-
do”, em 1877.

Reunidos em S. José e formando um pequeno grupo, do


seio do qual se destacavam capangas armados de cace-
tes e capitaneados pelo soldado de cavalaria Ceciliano,
percorreram as ruas da cidade, dando vivas e soltando
foguetes. [...] Da Magdalena, apesar da musica e foguetes,

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veio um reforço de pouco mais de cinquenta pessoas,


precedidos de capoeiras e comandado pelo ínclito co-
mandante da policia. Era a gente da capatazia do Sr. Bel-
larmino. (A Província, 12.iii.1877).

Essa série de denúncias revela que havia um compartilha-


mento de determinado tipo de protocolo narrativo pelos dois
grupos partidários da província durante as últimas décadas do
Império. Nesses discursos era adotado certo tipo de expediente
que privilegiava o uso de coletividades para denunciar o des-
locamento de função ou de uso da mão de obra indevida dos
empregados das obras públicas.
É necessário atentar que essas matérias da imprensa, como as
trocas de carta em tempos de eleições, dizem tanto sobre estra-
tégias discursivas dentro do campo político do que efetivamente
quanto as relações que as pessoas precisavam engendrar para
conseguir conquistar e manter um cargo público, ou mesmo em
relação a coerção política que sofriam em seus empregos. Quan-
do afirmo esta desconfiança, parto de uma sensação comparti-
lhada pelos contemporâneos, que era publicamente exposta em
jornais, onde redatores se acusavam de utilizar táticas de ficcio-
nalização para construir factoides ou adensar denúncias com o
intuito de legar descrédito às candidaturas oposicionistas.
Ainda assim, esses relatos evidenciam o alto nível de politi-
zação que vivenciava-se nos canteiros da repartição de Obras
Públicas da cidade e nos postos de trabalho que funcionavam
sob influência do governo. As análises dos dois próximos dois
tópicos irão se deter sobre narrativas nesses ambientes domina-
dos por partidarismos, são duas faces de um mesmo fenômeno
da cidadania oitocentista: a peculiar conquista de direitos e a
perseguição aos que eventualmente desafinam do coro.

Tecendo laços políticos e teatralizando conquistas


Era dia útil, horário de expediente, uma sexta feira as 11
da manhã. No entanto, o porto do Recife, um dos mais movi-

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mentados do Império, naquele 16 de novembro de 1886, não


inspirava a mínima atmosfera de trabalho. O cais da alfândega
foi palco de uma grande festa e os muitos trabalhadores do
porto que se apinhavam nas pedras do cais, deixaram de lado
as sacas de açúcar, tinham os braços livres para soltar foguetes,
segurar ramalhetes de flores e acenar para celebrar a chegada
do deputado liberal José Mariano.
Eles estavam em companhia de cerca de duas mil pessoas de
“todas as categorias sociais”, das quais o Diário de Pernambuco
destacou comissões do comércio e dos guardas da Alfândega,
além de vários amigos do deputado. Os representantes dessas
comissões não se contentaram com os festejos em terra, da
notícia da chegada do paquete que trazia o deputado, trataram
de embarcar em um pequeno vapor e foram dar as boas vindas
ao deputado com a banda da polícia tocando em pleno mar.
Tamanha ansiedade em felicitar José Mariano, é representativa
da satisfação que essas categorias tiveram em relação a atuação
do político que voltava à província natal em recesso do seu se-
gundo mandato como deputado geral. Na Assembleia, Mariano
fora responsável por leis que suspenderam impostos de comér-
cio que há tempos eram reclamados pelas camadas organizadas
desta categoria, bem como conseguiu regulamentar um projeto
que dava acesso aos guardas da alfandega para se tornarem
oficiais de descarga, além de aumentar os vencimentos dos prá-
ticos da barra, além de conseguir regulamentar aumentos sala-
riais de outras categorias de trabalhadores portuários (Jornal do
Recife, 17.xi.1882; Diário de Pernambuco, 17.xi.1882).
A festa estendeu-se no tempo e no espaço. No bairro central,
foram feitos discursos na sede da Associação Comercial e liber-
tados onze escravos, a Associação ainda presenteou o deputa-
do com um palacete no coração da cidade. Depois dos mimos,
grande número de pessoas se dirigiu ao Poço da Panela em
pelo menos 40 carros, “indo na frente o Sr. Dr. José Mariano, em
um carro tirado por 6 cavalos”. Pegavam o caminho dos arrabal-
des com destino a casa do chefe político onde seria servido um
lunch. Mas, independente da presença física de José Mariano,
os recifenses festejaram sua volta em várias partes da cidade.

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Ainda que não tenha sido citado nas fontes que consultei,
é provável que um funcionário do porto em especial estivesse
presente nesses festejos. Falo de Antonio Fernandes de Albu-
querque, indivíduo que trabalhava no cargo de fiel do armazém
da alfândega. Ainda que com poucas informações pessoais, en-
contrei referências sobre ele em alguns episódios e tal qual as
atribuições do seu cargo, que consistiam em conservar, ordenar
e distribuir os materiais destinados ao armazém, penso que as
suas experiências de vida podem me ajudar também a dispor e
ordenar apropriadamente algumas das ideias que tenho quanto a
relação entre trabalhadores e política partidária naquele período.
Se passaram pouco mais de duas semanas e já estavam os
trabalhadores do porto solenizando novas homenagens a José
Mariano. Dessa vez, em festa mais reservada e praticamente
limitada ao pessoal da capatazia e dos armazéns da alfândega
do porto. Nessa ocasião, discursou Antonio Fernandes de Al-
buquerque, sua fala publicada nas folhas da imprensa pernam-
bucana reforçava os laços e o “profundo reconhecimento” que
as categorias de trabalhadores do porto presentes tinham para
com o deputado. Dirigindo suas palavras a José Mariano, justi-
ficava a homenagem dizendo: “Não vos limitaste aos interesses
gerais da província, descobristes as classes que sofriam injusti-
ças e fizestes que se lhes dessem o que de direito lhes cabia”. O
direito ao qual o fiel se referia, dizia respeito a ganhos salariais
diretos e a possibilidade de maior ascensão na carreira, objetivo
conquistado após emenda apresentada por José Mariano ao or-
çamento do Ministério da Fazenda e que depois foi convertida
em lei (Jornal do Recife, 7.xii.1882).
Cabe observar que todas essas manifestações em favor do
deputado liberal foram organizadas por homens reunidos em
coletividades em torno de suas categorias profissionais. Eram
celebrações de conquistas reais no universo político pela agên-
cia direta de homens que se identificavam em torno de cate-
gorias profissionais. Muitas vezes esses discursos ressaltavam a
atuação do tribuno lhe caracterizando como um “ídolo popu-
lar” e agradecendo “seus atos de benevolência”, por “lembrar-se
dos pequenos, dos pobres, dos filhos do povo, daqueles até a

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quem se negou o sagrado direito do voto e que nem sequer


podem lhe retribuir dando-lhe os seus sufrágios”. (Jornal do
Recife, 17.vi.1882)
O aumento salarial para os práticos da barra foi apresentado
por Mariano na Câmara a partir de uma petição escrita pela Asso-
ciação dos Práticos da Barra, organização que já atuava no Recife
há quase vinte anos (Jornal do Recife, 21.iii.1868). Os guardas da
alfândega que tiveram acesso a progressão salarial e na carreira,
como os fieis de armazém, apresentaram-se naquela recepção ao
deputado em comissões, demonstrando determinado potencial
de atuação de grupo na organização de festejos que tomaram
toda a cidade. A partir do discurso do fiel Antonio Fernandes,
que se referia aos práticos como classe e traduzia os ganhos na
carreira como direitos, creio não ser desmedido supor que essas
comissões agrupavam profissionais que compartilhavam de uma
identidade coletiva comum, onde a aliança com o político liberal
talvez fosse uma das características de integração do grupo.
Nesse sentido, a atuação de José Mariano ganhava uma rou-
pagem típica oitocentista, ato político negociado entre repre-
sentantes e representados, mas apresentado socialmente em
uma linguagem paternalista que situava o chefe político como
um indivíduo movido por sentimentos de piedade em relação
aos mais pobres. Tudo indica que as pautas que o deputado
defendia no parlamento eram agenciadas com os setores inte-
ressados, pois se foi ao púlpito com a petição dos práticos da
barra em mãos, de maneira semelhante também leu na Assem-
bleia representações e ofícios escritas por associações comer-
ciais de Pernambuco.
Além do mais, a especificidade das causas trabalhistas advo-
gadas por Mariano requeria um profundo conhecimento sobre
os problemas internos e de ordem administrativa das profissões
de guardas de alfandega, fieis de armazém e práticos, o que
endossa ainda mais a hipótese de que foram os próprios repre-
sentantes dessas categorias que travaram diálogo com o depu-
tado em busca da concretização dessas pautas. Afinal de contas,
os laços eleitorais entre trabalhadores portuários e o deputado
já era apontado nas fontes antes de 1882.

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De modo que nessas ocasiões nos encontramos diante de


momentos em que a tríade representantes, representados e Es-
tado se fechava. O sistema de representação política imperial,
afamado por sua ineficácia, acabava funcionando como um
mecanismo institucional legítimo de conquista de direitos por
trabalhadores e de defesa de interesses de grupos organizados
da sociedade civil. No entanto, esse mecanismo se apresentava
com a linguagem típica da época, onde a conquista de direitos
era teatralizada como um ato de benevolência pessoal.
Mas, a recepção apoteótica a José Mariano, me parece que
não simbolizava simplesmente gratidão ao político. Naquele
resplandecer de um intenso dia de festas, talvez muitos dos
que foram as ruas também estiveram a celebrar os ganhos
políticos e sociais dos trabalhadores, tamanha comemoração
catártica revelava a condição extraordinária da situação. Pois
o ordinário, o habitual, era bem outro para os trabalhadores
engajados na política.
No tópico anterior já havia sido sinalizado o caráter instável
da situação de empregos daqueles funcionários que atuavam po-
liticamente nos ambientes de trabalho das repartições públicas,
principalmente quando encontravam-se diante de autoridades
alinhadas a governos oposicionistas. Aqui, voltaremos as vivên-
cias do fiel de armazém Antonio Fernandes de Albuquerque,
mas, dessa vez em um episódio menos louvável. Em 1886, An-
tonio foi um personagens de uma trama de perseguição política.

Um fiel de armazém acossado

Era 1886, ano em que o partido Conservador ocupava o po-


der Gabinete Ministerial do Império, e por conseguinte as presi-
dências de província, detinha, assim, a incumbência de nomear
personalidades simpáticas ao partido para cargos de autoridade
da maior parte das repartições públicos do país. Naquele perío-
do, em Pernambuco, os administradores da Alfândega vinham
tendo seus nomes vinculados a denúncias de mal uso do di-
nheiro público por um jornal de grei republicana, O Rebate.

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Essas acusações do órgão de imprensa, ao que parece, vi-


nham incomodando substancialmente as autoridades da reparti-
ção, de modo que abriu-se um tipo de investigação interna para
apurar se o conteúdo daquelas críticas estava sendo fornecido
ao jornal por algum funcionário. Em documentação institucio-
nal, o administrador da Capatazia, Paulino Marques, escrevia ao
diretor da Alfândega sobre quem poderia estar auxiliando a pu-
blicação de “artigos caluniosos contra a alfândega e injuriando
o pessoal dessa repartição” no jornal O Rebate, que o autor do
documento descrevia como “sinónimo do Corsário (na Corte)”.
(APEJE. Porto do Recife, v.30).
Entre os funcionários que Paulino Marques sondou em bus-
ca de informações, ouviu da boca do arrumador da capatazia,
Manoel Catanho, que certa vez viu determinado funcionário “na
porta da tipografia onde se imprime o Rebate”. Era, segundo
ele, o fiel Antonio Fernandes de Albuquerque. Sabendo que
podia ser Antonio o informante que procurava, Paulino tratou
de consultar um outro funcionário que morava perto da casa
do fiel, e questionando a Manoel Machado se ele tinha conheci-
mento de algo, soube por este empregado que Antonio pegava
o mesmo bond que ele para ir ao trabalho e que, certa vez o viu
“em conversa amistosa com o redator de O Rebate”. O adminis-
trador da capatazia ainda pedira a outro funcionário, Claudino
Ferreira da Luz, para colher informações com o próprio redator
do jornal. Segundo Claudino, o redator, sem citar nomes, falou
que quem levava as informações era mesmo um funcionário da
alfândega e que por esse serviço “lhe prometera pagar bem”.
(APEJE. Porto do Recife, v.30).
Os volumes do citado jornal para o ano de 1886 não se en-
contram pelos arquivos do Recife. Portanto, não se pode saber
o que de fato motivou as autoridades do Porto a mobilizarem
tamanha investigação em busca do informante d’O Rebate.
Sobre o conteúdo das matérias, o que informa o diretor da
Alfândega em outro documento, é que continham “as mais
repugnantes calúnias e injúrias aos seus próprios Chefes e
Colegas de Repartição, atribuindo-lhes fatos que degradam e
ofendem suas probidades e expõe em escárnio público como

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de lapidadores das rendas do Estado”. (APEJE. Tesouraria da


Fazenda, v.119. fl. 207).
De fato, mesmo desprovida de qualquer isenção, a sucinta
descrição que o diretor da alfândega fez das matérias d’O Reba-
te encontra paralelo na linha editorial do jornal que caracteriza-
va-se por estar sempre no encalço das autoridades da provín-
cia, denunciando possíveis usos indevidos do dinheiro público,
com uma linguagem altamente ofensiva, que nem poupava vul-
gares apelidos as autoridades, nem economizava no número de
exclamações ao fim de cada frase. Características que levaram
o seu redator, Fortunato Coelho Pinheiro, a sofrer constantes
ameaças e eventualmente atentados contra sua vida.
A pedido das autoridades do porto, as acusações ao fiel de
armazém foram encaminhadas ao vice-presidente da província
por intermédio do inspetor da Tesouraria da Fazenda, Antonio
Caetano da Silva Kelly. O inspetor da alfândega e o adminis-
trador da capatazia pediam para que o governo da província
tomasse providências contra a atuação do fiel Antonio, no en-
tanto, no ofício encaminhado, Silva Kelly destacava a irregulari-
dade do pedido em questão, argumentando que:

A simples alegação dos fatos, feita pelo administra-


dor da Capatazia, ainda quando provadas, o que não
consta que estejam, não oferece base para procedi-
mento administrativo. E se nele exista ofensa pessoal,
injuria ou calúnia a empregado ou empregados da
mesma repartição no exercício de suas atribuições, há
o procedimento oficial ex-ofício, afim de ser o autor
processado e punido na forma da legislação penal.
(APEJE. Tesouraria da Fazenda, v.119. fl.267)

O inspetor da Tesouraria da Fazenda, que era responsável


pelo pagamento e demissão da maior parte das categorias dos
funcionários do porto, arrefecia os impulsos persecutórios das
autoridades portuárias em relação ao funcionário do armazém
com base em uma argumentação legal. Do ponto de vista ad-
ministrativo não se podia punir ou demitir um funcionário por

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este exercer seu direito de livre expressão na imprensa. No en-


tanto, estar amparado por códigos legais não era suficiente para
que o fiel Antonio Fernandes se safasse da afronta de expor
seus superiores na imprensa.
Dois meses depois, o inspetor da tesouraria mudou de ideia.
Para quem, como um pesquisador atual, acompanha o imbróglio
entre as autoridades e o empregado do armazém por meio da
documentação institucional da capatazia, da alfândega e das te-
sourarias da fazenda e provincial, além das páginas da imprensa
cotidiana, a mudança de posição é completamente estranha. Sem
demonstrar qualquer tipo de conduta nova ou de argumentação
legal que estivesse em oposição aos próprios argumentos do ofí-
cio anterior, Silva Kelly escrevia ao vice-presidente da província
dizendo que “o empregado não pode continuar no exercício de
semelhante emprego”. Anexava ao ofício um novo relatório que
havia pedido ao inspetor interino da alfândega solicitando “in-
formações a respeito do procedimento do referido fiel”. (APEJE.
Tesouraria da Fazenda, v.119. fl.205. 16.vi.1886)
No ofício reservado, as autoridades do Porto se resumiram a
repetir o fato de que Antonio Fernandes era o informante anô-
nimo do jornal O Rebate, no entanto, dessa vez, houve grande
esforço em caracterizar o fiel como um indivíduo de moral
absolutamente reprovável. O diretor da alfândega dizia basear-
-se em depoimentos do superior de Antonio para afirmar que
aquele funcionário “já há muito tempo goza de mau conceito
de homem de péssimos precedentes”, de modo “que os em-
pregados na Capatazias, só se dirigem a ele em objeto de ser-
viço, sendo o dito Fiel assim abandonado”. Aparentemente, as
autoridades afirmavam que o fato de Antonio ter uma postura
moralmente reprovável e ser por isso um ente excluído entre os
companheiros de trabalho, justificava o conteúdo das denúncias
que este levava ao redator d’O Rebate, que não poupava acidez
nos adjetivos com que caracterizava os superiores do fiel. Tudo
isso justificava o “epiteto de um homem de má índole”, e “que
o inabilita a exercer cargo que deve ser confiado a homem de
critério e honesto”. A partir de uma argumentação eminente-
mente moral, as autoridades do porto davam suporte para uma

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376 Felipe Azevedo e Souza

sentença de demissão de um fiel de armazém. Sentença que foi


aceita pelo inspetor da Tesouraria da Fazenda, em contradição
com sua própria posição expressa dias antes. A demissão foi
assinada pelo vice-presidente da província. (APEJE. Tesouraria
da Fazenda, v.119. fl.206/208. 12.vi.1886)
Em toda essa documentação administrativa, vale lembrar,
que em nenhum momento as acusações de Antonio publicadas
na imprensa foram relevadas ou se quer citadas. Se houve de
fato denúncia de ilicitudes ou abuso do dinheiro público no
conteúdo das matérias publicas em O Rebate, como tangen-
cialmente o diretor do porto e o inspetor da alfândega dão a
entender em suas trocas de ofícios reservados, não se levantou
a menor possibilidade de investigação interna para apurar a
veracidade das informações fornecidas pelo fiel do armazém.
É importante que se observe também que durante os mais
de dois meses em que foram escritos relatórios sobre o fiel,
com depoimentos de vários empregados da alfândega e mes-
mo de funcionários da tipografia onde se imprimia O Rebate,
em nenhuma ocasião o próprio acusado foi chamado a prestar
esclarecimentos sobre seu envolvimento com o caso.
Mesmo que aparentemente o processo todo tenha se desen-
volvido em segredo, por meio de ofícios reservados, Antonio
devia também ter seus informantes e sabia que estava sendo
investigado. Ainda que sem direito a meios institucionais com
que se defender das acusações de seus superiores, o fiel de
armazém conseguiu mobilizar uma forma de afirmar perante
a sociedade seu não envolvimento com o caso. Ele utilizou a
imprensa, dessa vez a seu favor.
Em uma pequena nota na coluna de Publicações solicitadas
do Jornal do Recife, periódico diário e de grande circulação
que, é importante salientar, era vinculado ao Partido Liberal,
Antonio Fernandes de Albuquerque assinava seus esclareci-
mentos sobre o caso em três curtos parágrafos. Sob o título
Alfandega, escreveu:

Propalando alguns inimigos meus que sou autor de


uns artigos publicados no Rebate, a respeito dessa

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Há vagas (votantes apenas):
tensas relações entre voto e emprego público no Recife na década de 1880. 377

repartição, declaro solenemente que nada tenho a ver


com semelhantes publicações.

Provoco a quem quer que seja a provar o contrário


e espero que o Sr. Redator do aludido Jornal franca-
mente diga se isto é verdade.

Voto até estima e consideração a muitos Srs. empre-


gados que são atacados pelas aludidas publicações.
(Jornal do Recife, 13.iv.1886)

Essa não foi a única maneira que Antonio lançou mão para
se livrar das acusações sobre a autoria dos artigos. No mesmo
período, o fiel de armazém procurou o próprio Fortunato Pinhei-
ro, redator d’O Rebate, para que este endossasse sua versão. Nas
palavras do redator, o encontro se deu da seguinte maneira:

Um dia apresentou-se ele [Antonio] nesta redação


todo pálido, quase cadavérico, suplicando-nos que
lhe respondêssemos a uma carta em que nos fazia
várias perguntas, todas referentes ao assunto que tra-
távamos, isto é: perguntando-nos se o conhecíamos,
se tínhamos relações consigo, e se era ele o autor dos
artigos que publicávamos sobre os negócios da al-
fândega, ao que respondemos negativamente, porque
nos compadecemos dele que nos dizia ia ser demi-
tido e ficaria assim na miséria, sem ter o que comer.
(Diário de Pernambuco, 12.vi.1886)

O relato acima faz parte da matéria em que Fortunato Pi-


nheiro afirma de uma vez por todas que, de fato, Antonio Fer-
nandes de Albuquerque era o autor das cartas anônimas que
tanto incomodavam as autoridades da alfândega. Fortunato dá
a entender que o fiel não recebia pelos artigos, ao contrário
do que havia informado o funcionário da alfândega em ofício
reservado, mas que se propôs a pagar pelas publicações. No
entanto, sem cumprir com o pagamento prometido e “chamado

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378 Felipe Azevedo e Souza

por várias vezes para satisfazer seu compromisso”, sem su-


cesso, Fortunato afirmava que “julgamo-nos desobrigados do
nosso [compromisso de manter o anonimato do fiel] e apresen-
tamo-los ao público, desmascarado, para ser bem conhecido”.
Essa matéria publicada no Rebate, e dois dias depois no Diá-
rio de Pernambuco, selou de uma vez a sorte do fiel de arma-
zém, foi a partir dela que o inspetor da tesouraria pediu esclare-
cimentos sobre o procedimento moral e civil de Antonio, em um
processo que culminou com sua demissão uma semana depois.
As ameaças, censuras morais e perseguições políticas sofridas
pelo fiel compunham uma dimensão do período que apresenta-
va a política como um terreno hostil e perigoso. Esses entraves
reais eram dispositivos a serviço de um arrefecimento da vontade
de participação política de muita gente, que por ao optar por
um distanciamento foram tantas vezes chamados de ineptos ou
desqualificados para votar. Essas caracterizações em relação ao
comportamento eleitoral da população mais pobre foi recorren-
temente repetido por contemporâneos e por parte da historio-
grafia no século XX como uma características natural do “povo
brasileiro”, um traço atávico. Ao observar, no entanto, a política
pelas vivências dos de baixo, talvez possamos relativizar a tão
propalada falta de consciência e a apatia dos mais pobres sob a
luz de condicionantes sociais imbrincados por uma estrutura de
Estado aparelhada e hostil à participação e ao contraditório.

Considerações finais

As páginas que se seguiram procuram lugar em meio a ou-


tras que estão sendo escritas recentemente em uma tendência
historiográfica que tem por objetivo adensar as complexida-
des das dinâmicas da cidadania na relação entre trabalhadores
pobres e Estado. Há, em curso, uma tentativa de construção
de histórias da cidadania e da democracia no Brasil a partir
de abordagens mais amplas, assimilando conflitos e grupos
sociais que eram muitas vezes ocultados em relatos públicos
da política nos documentos de época, e que ambiciona rom-

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Há vagas (votantes apenas):
tensas relações entre voto e emprego público no Recife na década de 1880. 379

per com perspectivas tradicionais que apresentavam o jogo


político como um universo de dinâmica simples, baseado no
binômio oprimidos e opressores.
Ao fim, pode-se pontuar algumas questões objetivas extraídas
dos episódios narrados anteriormente: 1) Ainda que houvesse
grande esforço dos agentes políticos, o governo não controla-
va completamente o comportamento eleitoral dos votantes; 2)
Trabalhadores pobres negociavam seu posicionamento político
em relação as suas demandas e circunstâncias, podendo fazer
isso, inclusive, em relação a troca de ganhos coletivos para suas
respectivas categorias; 3) Ser uma voz destoante ou oposicio-
nista em uma repartição pública ou local de trabalho geren-
ciado pelo Estado era um estorvo passível de grande sorte de
assédios, violências e demissões sumárias – questão que soma-
-se ao amplo elenco de obstáculos encontrados pelos votantes
para fruição de seus direitos políticos e de livre manifestação.

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AS “NOTAS HISTÓRICAS E
CURIOSAS” DE SALVADOR
HENRIQUE DE ALBUQUERQUE
Tácito Luiz Cordeiro Galvão1

Resumo: O Arquivo do IAHGP conserva com especial zelo um códice inti-


tulado Notas Históricas e curiosas referentes aos séculos 16º, 17º e 18º con-
tendo assentos de batizados, de casamentos, de óbitos, testamento, escritu-
ras, cartas de sesmarias, doações e outros escritos, que se achavam dispersos
em fragmentos quasi destruídos e ininlegíveis; os quais vão aqui copiados,
para se conservar a memória do que elas continhão. A compilação é atribuí-
da ao sócio fundador Professor Salvador Henrique de Albuquerque, que foi
Secretário Perpétuo do Arqueológico. No texto a seguir oferecemos algumas
informações sobre o trabalho de Albuquerque. Disponibilizamos ainda a
transcrição dos primeiros cem documentos do códice em tela.

Palavra-chave: Pernambuco. História. Assento eclesiástico.

The “Historical and Curious Notes” of Salvador


Henrique de Albuquerque

Abstract: The Archive of the IAHGP preserves with special zeal a codex
entitled Historical and Curious Notes referring to the 16th, 17th and 18th
centuries containing seats of baptisms, marriages, deaths, testaments, deeds,
letters of sesmarias, donations and other writings, which were found scat-
tered in almost destroyed and unreadable fragments; which are copied here,
in order to preserve the memory of what they contain. The compilation is
attributed to the founding partner Professor Salvador Henrique de Albuquer-
que, who was Perpetual Secretary of the IAHGP. In the following text we
offer some information about the work of Albuquerque. We also offer the
transcription of the first hundred documents of the aforementioned codex.

Keywords: Pernambuco. History. Ecclesiastical seat.

1 Associado Efetivo do IAHGP.

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382 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Não se pode estudar a historiografia pernambucana sem


analisar minuciosamente a trajetória do IAHGP, com especial
atenção aos objetivos de seus fundadores. Almejavam os anti-
gos associados, pelo menos, a arrecadação de documentações
e subsídios para que eles pudessem produzir e publicar uma
História de Pernambuco.
Mais de 70 anos depois da instalação da Sociedade Ar-
queológica, o IAHGP já detinha uma grande quantidade de
subsídios para a elaboração de uma história geral e concisa
envolvendo as capitanias de Pernambuco e Itamaracá. Era o
que os associados de 1935, continuavam aspirando, princi-
palmente que surgisse uma pessoa que pudesse dedicar-se a
esse fim. Além dessa História Geral, o alvo principal era a pu-
blicação das Sesmarias de Pernambuco e dos Anais Pernam-
bucanos, este último, do consócio Francisco Augusto Pereira
da Costa (1851-1923).
É verdade que naquela altura, muitas publicações de referên-
cias já existiam. Podemos citar os dois volumes das Memórias
Históricas da Província de Pernambuco de Fernandes Gama,
a Memória Histórica e Biográfica do Clero Pernambucano do
Padre Lino do Monte Carmelo Luna, assim como o Dicionário
Topográfico, Estatístico e Histórico de Pernambuco de Manuel
da Costa Honorato e o Dicionário Corográfico, Histórico e Es-
tatístico de Pernambuco de Sebastião Vasconcelos Galvão, em
quatro volumes.2 Surgiram outras tantas obras, opúsculos, mo-
nografias e textos, muitos dos quais publicados em periódicos.
Não obstante, se aguardava, e ainda se aguarda uma nova his-
tória para Pernambuco.
O Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernam-
bucano, fundado no dia 28 de janeiro de 1862, tinha seu obje-
tivo principal estampado no primeiro artigo dos Estatutos: “O
Instituto Archeológico e Geográfico Pernambucano tem por fim
coligir, verificar e publicar os documentos, monumentos e tradi-
ções históricas que lhe for possível obter ou de que tiver noticia,

2 Respectivamente: GAMA, 1844; LUNA, 1857; HONORATO, 1863 e GALVÃO,


1908-1927.

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 383

pertencentes à história das províncias que formavam as antigas


capitanias de Pernambuco e Itamaracá, desde a época do seu
descobrimento até os nossos dias”.3
Seguindo rigorosamente o que dispõe o referido artigo, como
no passado fizeram seus fundadores, desde nosso ingresso nesta
casa, que, aliás, os antigos chamavam de “Casa de Pernambuco”,
temos promovido a preservação e divulgação da documentação
que, durante muitos anos foi confiada a este sodalício.
Dentro deste espírito, passamos a divulgar o conteúdo de
um códice manuscrito cujo nome podemos abreviar para Notas
Históricas e Curiosas Referentes aos Séculos 16º, 17º e 18º. Sua
confecção é atribuída ao Secretário Perpétuo do Arqueológico,
o Major Salvador Henrique de Albuquerque.
Antes de passarmos à transcrição das Notas, acreditamos que
por uma questão de justiça histórica, devemos aqui um pleito
de gratidão ao trabalho do Major Salvador Henrique. Apesar de
pouco conhecido pela sociedade pernambucana, ele foi, sem
dúvida, um dos maiores vulto do IAHGP, contribuindo para o
conhecimento e divulgação da história de Pernambuco apesar
de não ser um natural da terra.
Salvador Henrique de Albuquerque nasceu na então Pro-
víncia da Paraíba, no dia 24 de fevereiro de 1813. Era filho do
Tenente-Coronel do Estado Maior Amaro Joaquim Raposo de
Albuquerque, ex-governador daquela província, e de sua mu-
lher dona Francisca Guilhermina de Lima e Albuquerque. Aos
12 anos de idade, veio para o Recife com a finalidade de traba-
lhar no comércio. Como se destinava a esta carreira, procurou
instruir-se em humanidades, matriculando-se em várias aulas
do antigo Liceu de Pernambuco.
Tendo adquirido certo conhecimento, foi nomeado em 1830
praticante da extinta Junta da Fazenda. Dois anos depois, me-
diante concurso, ocupou uma cadeira de Instrução Primária do
2º grau e foi exercê-la na freguesia de São Pedro Mártir de Olin-
da, para onde transferiu sua residência. Durante 23 anos exer-
ceu o magistério oficial. Ao longo desse tempo publicou uma

3 RIAHGP, vol. I, p.22.

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384 Tácito Luís Cordeiro Galvão

gramática da língua portuguesa, um manual de aritmética e um


de geometria prática, um livro de doutrina cristã, e um opúscu-
lo intitulado Resumo da História do Brasil.4 As obras eram para
uso dos alunos de instrução primária. “Ao passo que se dava a
essas lucubrações, cooperava em diversos jornais literários de
então, e proferia discurso e escrevia relatórios nas sociedades de
que fazia parte, e onde era estimado pelo seu critério e esforços
sinceros em pró da instrução”.5
Em 1837, figurava na lista das pessoas moradoras na fregue-
sia da Sé de Olinda habilitados a ser jurados6. “De par com esses
trabalhos dava-se também a prática política, militando nas filei-
ras do partido conservador, e por várias vezes ocupou cargos de
eleição popular, como eleitor, juiz de paz e vereador da Câmara
Municipal de Olinda, cargo este em que prestou muitos serviços
a antiga capital. Também serviu como subdelegado, delegado
e juiz municipal do termo de Olinda e aqui no Recife ocupou
o cargo de membro do Conselho Diretor da Instrução Pública,
sendo que, em 1859, foi inspecionar gratuitamente as escolas
do norte da província, merecendo por isso louvores, e, como
compensação, foi nomeado Secretário da Instituição Pública,
cargo que desempenhou por alguns anos com o seu costumado
zelo e critério”.7 Já então Salvador Henrique de Albuquerque
era major e ajudante de ordens do Comando Superior da Guar-
da Nacional dos municípios de Olinda e Igarassu, para o qual
fora nomeado no ano de 1854.
Participou ativamente na preparação da visita do Imperador
Pedro II a Pernambuco, conforme se vê nas Memórias da Via-
gem de Suas Majestades Imperiais á Província de Pernambuco8.

4 Publicado em 1849, pela tipografia Imperial (Rua da Praia, nº 55, Recife),


“além de conter a mais interessante da nossa história, vai intermediado por belas
estâncias do poema Caramurú, composição de nosso patrício Fr. José de San-
ta Rita Durão”. [www.dpnet.com.br/anteriores/1998/]. Diário de Pernambuco,
20.iv.1848.
5 Diário de Pernambuco, 1.ix.1880, p. 2.
6 IAHGP, Arquivo Orlando Cavalcanti, FIA, cx 216, maço 1.
7 Diário de Pernambuco, 1.ix.1880, p. 2.
8 Rio de Janeiro, Tomo 2º, 1867, pp. 71, 102 e 103.

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 385

“Na face da cornija, que fica superior á escada do pavilhão, se


achava em letras maiúsculas escrita a seguinte quadra, inspi-
ração poética do sr. major Salvador Henrique de Albuquerque:

“Como César és só no mundo novo,”


“Como Mário, valente e poderoso,”
“Como Numa, ó Pedro, és piedoso,”
“Como Tito, Senhor, és pai do povo.”

Como ornamento as cerimônias de boas-vindas ao Impera-


dor foram colocadas imagens dos heróis da Restauração Per-
nambucana. “Nos pedestais do lado ocidental se ostentavam com
garbo militar os dois heróis – Barreto de Menezes e Henrique
Dias – aquele, general em chefe do exército pernambucano; e
este fiel executor de suas ordens, e intrépido conquistador de
Olinda do poder dos holandeses. Duas belas oitavas ainda fe-
liz e patriótica inspiração do major Salvador Henrique de Al-
buquerque, se achavam colocadas debaixo desses retratos; as
quais indicando que os heróis falavam ao Monarca Brasileiro,
exprimem um tributo de homenagem suplicativa, facilitando-
-lhe o segundo a entrada da cidade.”

Barreto de Menezes
“Da hórrida opressão do Belga injusto
Salve, ó Grande Pedro, a rica Olinda,
Antiga capital de um povo justo,
Que outra sorte teria, a não ser linda;
Tirai, Senhor, com vosso braço Augusto
Do triste abatimento em que se finda,
Esta pátria de heróis, cena de glórias,
Que já foi o teatro de vitórias.”

Henrique Dias
“Quando o Belga, Senhor, veio atrevido,
Arrebatar Olinda furioso,
A ordem do meu chefe destemido,
Eu cumpri desprezando-o de gostoso.

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386 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Este campo que foi para nós honroso;


A pátria vê em mim cabo guerreiro,
E em vós um Monarca justiceiro.”

Como professor de uma instituição pública na cidade de


Olinda, teve a honra de receber em sua sala de aula a visita
do Imperador Pedro II. O monarca lhe rendeu grandes elo-
gios. Por sua atuação, foi agraciado com o hábito de Cavaleiro
da Imperial Ordem da Rosa, por Decreto de 14 de março de
1860. Neste tempo, já lhe havia germinado a ideia de criar uma
Sociedade Archeológica. No ano de 1861, quando ocupava o
cargo de Secretário da Instrução Pública, juntamente com seu
chefe Dr. Joaquim Pires Machado Portella, delineou as primei-
ras ações para a fundação de uma Sociedade Archeológica Per-
nambucana. Foi Salvador Henrique quem propôs o dia 28 de
janeiro para a data de fundação. Ocuparia sempre o cargo de
Secretário do IAHGP: inicialmente, na diretoria interina para a
fundação da sociedade, e depois sendo eleito e tomando posse
no dia 21 de setembro de 1862, no cargo de 2º Secretário da
primeira mesa administradora. Ainda permanecia no aludido
cargo em julho de 1873. Renunciou ao cargo em 8 de janeiro
de1875 e passou para o de Secretário Perpetuo, ocupando a
vaga por falecimento de José Soares de Azevedo.
Instalado o Instituto, o Major Salvador dedicou-lhe o melhor
de seu tempo, tomando parte ativa em todos os trabalhos de
que se ocupou essa excelente associação, dedicando o resto
do tempo à instrução pública e à revisão dos compêndios es-
colares que havia organizado. Seguiu à risca o artigo 1º dos
Estatutos, arrecadando documentos ou cópias deles, objetos
museológicos, sugerindo marcos histórico na cidade do Recife,
participando de comissões de estudo e oferecendo palestras.
Juntamente com o Padre Lino do Monte Carmelo Luna deu a
ideia do IAHGP inaugurar as seguintes estátuas: de João Fer-
nandes Vieira em frente ao Arsenal da Marinha; de Vidal de
Negreiros em frente a Fortaleza das Cinco Pontas; de Camarão
no Campo das Princesas (Praça da República); e de Henrique
Dias na Praça da Boa Vista (atual Praça Maciel Pinheiro).

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 387

Ofereceu um translado de algumas verbas testamentárias de


João Fernandes Vieira passadas em 15 de fevereiro de 1674, na
fazenda Maranguape. O doador Salvador Henrique, em sessão
de 25 de novembro de 1869, declarou que obtivera tal do-
cumento “de seu parente e amigo major Salvador Coelho de
Drummond e Albuquerque” (1798-1868), também sócio efetivo
e fundador do Instituto9.
Entre os quatro heróis da restauração pernambucana, o que
mais admirava era Henrique Dias. No dia 19 de novembro de
1871, fundou-se, no consistório da igreja de N. S. da Assunção,
sita nas “Fronteiras da Estância de Henrique Dias”, a Socieda-
de dos Henriques, cuja meta era a de manter viva a devoção á
Nossa Senhora da Assunção e administrar o templo da Estância.
Foi eleito como primeiro Presidente da referida Sociedade.10 Em
junho de 1879, diante de tantos afazeres, ainda conseguia tem-
po para suas tarefas de educador, lecionando gramática por-
tuguesa e aritmética no Colégio Americano para educação de
meninas, sito na Rua do Imperador, nº 49, Recife.11
Como se vê, o Major Salvador teve uma vida ativa e de mui-
tos serviços prestados ao público. Não obstante, viveu sempre
pobre e morreu pobre, legando a sua família um nome modes-
to, porém honroso. Foi casado duas vezes: a primeira no dia
31 de julho de 1836, em oratório privado na freguesia de Santo
Antônio do Recife, com d. Rosa Maria da Fonseca, filha legítima
de João do Nascimento Fonseca e de sua mulher d. Catarina.12
Na segunda vez, casou com d. Ana de Queiroz e Albuquerque,
que, ficando viúva, foi sua inventariante. Sabemos que o Major
Salvador Henrique deixou sucessão, mas não sabemos de qual

9 Genealogista, Drummond e Albuquerque dizia-se descendente pelo ramo ma-


terno, de João Fernandes Vieira e tinha reunido em meados do século XIX, uma
série de documentos sobre o seu ilustre ascendente, como se vê do relatório de
uma comissão do Instituto, encarregada de sindicar acerca da casa onde se dizia
que Vieira falecera (MELO, 1956:II, 311).
10 www.basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescola/.
11 Diário de Pernambuco, 8.vii.2004 (“Há 125 anos”).
12 Matriz do Santíssimo Sacramento da freguesia de Santo Antônio do Recife, Livro
de Casamentos, p. 12.

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casamento. Acreditamos serem filhos seus o bacharel João Joa-


quim Fonseca de Albuquerque e uma menina que foi casada
com Lídio Mariano de Albuquerque.
Em meados de janeiro de 1880, ainda ocupava o cargo de
Secretário Perpetuo, mas, por motivo de saúde, fora impedido
de comparecer às sessões do Arqueológico. Suas ausências ge-
raram forte descontentamento entre alguns sócios. Apesar de
ter justificado suas faltas mediante carta escrita em 15 de feve-
reiro, sua ausência acabou gerando pretensões de eleger outro
secretário. O assunto foi levado a uma comissão que, depois de
analisar os estatutos, no dia 29 de abril, julgou improcedente a
eleição de novo Secretário. No exercício do cargo de Secretário
Perpétuo, como determinava o Estatuto, faleceu Salvador Hen-
rique ao meio dia de 31 de agosto de 1880, vítima de um “pade-
cimento do coração” que vinha sofrendo há alguns meses. Foi
sepultado na manhã do dia seguinte no cemitério público do
Bom Jesus da Redenção de Santo Amaro das Salinas.13 Foram
rezadas missas por sua alma, no 7º e no 30º dia de falecimento,
na Ordem Terceira de São Francisco do Recife. Três dias depois
de sua morte, o IAHGP realizou assembleia para alteração do
Estatuto, extinguindo o cargo de Secretário Perpétuo.
Para a elaboração de suas Notas Históricas e Curiosas, Sal-
vador Henrique consultou uma série de manuscritos que hoje
já não existem mais. Entre os diversos documentos históricos
examinados por ele podemos destacar a Relação dos Irmãos
da Santa Casa da Misericórdia de Olinda e o manuscrito origi-
nal da Nobiliarchia Pernambucana, de autoria do genealogista
Antônio José Victoriano Borges da Fonseca, códice que teve
em sua casa e no qual acrescentou, com sua letra, algumas
informações. Os dados coletados nos registros eclesiásticos de-
saparecidos são de extrema raridade e importância. Não fez
transcrições, mas extraiu os dados contidos em vários assentos
de batizados, casamentos e óbitos de diversas freguesias das
Capitanias de Pernambuco e Itamaracá.

13 Matriz do Santíssimo Sacramento da freguesia de Santo Antônio do Recife, Livro


de Óbitos, p. 100v.

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Trabalhamos, neste momento, com os cem primeiros itens de


suas anotações, que julgamos de grande importância para a his-
toriografia de Pernambuco, por sua antiguidade e conteúdo. A
segunda capa do códice compilado por Salvador Henrique, con-
tém o seguinte título: Notas Históricas e Curiosas Referentes aos
séculos 16º, 17º e 18º, contendo assentos de batizados, de casa-
mentos, de óbitos; testamentos, escripturas, cartas de sesmarias,
doações e outros escriptos, que se achavão dispersos em fragmen-
tos quasi distruidos e inintelligiveis, os quaes vão aqui copiados,
para se conservar a memória do que elles continhão. Depois de
um índice do conteúdo, estão registrados os seguintes itens:

“Cópia de Apontamentos Históricos”


“Em um livro de batizados, casamentos e óbitos da freguesia
de Itamaracá achei os assentos que abaixo vão lançados.”
“001 A fl. 46 verso - Aos 24 de Novembro de 1683 na Capela
de N. S. dos Prazeres da Macaxeira desta Freguesia de N. S. da
Conceição em presença de mim o Padre Gonçalo Cabral Vigário
dela sendo presente o Capitão Mor Antônio Botelho da Silva, o
Capitão Diogo Velho Cardoso, Beatriz Mendes e D. Petronila de
Souza por testemunhas, se casaram por palavras de presente in
facie ecclesiae Simão Gomes Grandio, filho de Manuel Gomes
Grandio e de sua mulher Joana Rodrigues natural de Abrantes,
e Maria Alves Grandio, filha do Provedor da Fazenda Sebastião
Lopes Grandio e de sua mulher Maria Moreira moradores nesta
freguesia, de que fiz este assento por verdade assinou. O Padre
Gonçalo Cabral” (p. 1)
“002. Folha 72 - Aos 9 de setembro de 1703 anos, de tarde,
na Capela de São João Batista desta freguesia de N. S. da Con-
ceição da Vila de Itamaracá, em presença de mim o Reveren-
díssimo Francisco Borges de Lima, Vigário da dita freguesia, e
sendo presentes pr. tutulos o Capitão Luís Lobo e o Capitão
João Guedes Alcoforado, corrido os banhos e não havendo
impedimento algum se casaram in facie ecclesiae na forma do
Sag[rado] Conc[ílio] Trid[entino], Salvador de Souza Lira, filho

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legítimo do Alferes Pedro de Aguiar e de sua mulher Isabel


Peres moradores na cidade de Olinda, com Laura Guedes Alco-
forado já defunto e de Ana Guedes crioula do gentio de Guiné,
moradores e fregueses desta dita Matriz do Pov° de Pernambu-
co, de que fiz este assento e por verdade me assinei. O Vigário
Antônio Borges de Lemos” (p. 1 e 2) (ver n° 78).
“003. Folha 96 verso - Aos 25 dias do mês de outubro de 1689
faleceu da vida presente Felipe Guedes Alcoforado com todos
os sacramentos necessários e fez testamento solene aprovado
em que deixou por legado de sua alma 700 missas ordinárias,
3 da Rainha Santa, dois ofícios solenemente cantados, deixou
mais de esmola mil cruzados a uma mulata donzela forra sua
filha, e 100.000 réis a um mulato forro seu filho, e 100$000 réis
por obra pia a seu irmão o Alferes Afonso Guedes Alcoforado.
Advirto que o mulato se chama Manuel, e a mulata Laura. O
dito Felipe Guedes era freguês desta freguesia morador dentro
da Ilha de Itamaracá, natural deste Bispado, casado com D. Ana
de Abreu, de idade de 70 e tantos anos pouco mais ou menos,
e foi sepultado em sua Capela invocação de S. João Batista, e
no mesmo dia se disseram missa de corpo presente, e um ofício
de corpo presente aos 2 acima nomeados. De tudo fiz este as-
sento que por verdade me assinei, e logo se fez o outro ofício.
O Vigário Luís de Figueiredo de Almeida.” (p. 2)
“004. A folha 121 - Aos 28 do mês de julho de 1706 anos fa-
leceu desta vida presente D. Ana de Abreu viúva que ficou por
morte do Capitão Felipe Guedes, mãe do Capitão João Guedes
com o sacramento da Confissão e Comunhão e me afirmaram
dera tempo para mandarem recado para lhe ir dar o Sacramen-
to da Extrema Unção, foi sepultada na sua Capela de S. João
do seu engenho, e se lhe fez o ofício de obrigação de corpo
presente e me disseram não quisera fazer testamento de que
fiz este assento e por verdade me assinei. O Vigário Antônio
Borges de Lemos.” (p. 2 e 3)
“005. A folhas 62 verso – Aos 18 de Novembro de 1698
anos, de tarde, nesta Matriz de N. S. da Conceição da Ilha de
Itamaracá do Bispado de Pernambuco em minha presença
o Padre Antônio Borges de Lemos Vigário da dita Matriz se

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casaram in facie ecclesiae por palavras de presente corridos


os banhos na forma do Sag[rado] Conc[ílio] e por mandato do
muito Reverendo Vigário Geral o Doutor Francisco da Fonse-
ca Rego purgado o impedimento D. Isabel Bandeira de Melo
com Simão Aranha de Vasconcelos, filha legítima a nubente
D. Isabel Bandeira de Melo, do Alferes Antônio Bandeira de
Melo e de sua mulher D. Maria de Oliveira Maciel; e o nu-
bente Simão Aranha de Vasconcelos filho legítimo de Vicente
Aranha de Vasconcelos e de sua mulher Ana do Rego Barros,
já defuntos e fregueses que foram da freguesia de Santos
Cosme e Damião de Igarassu, e a dita nubente freguesa desta
freguesia de N. S. da Conceição de Itamaracá e naturais deste
Bispado de Pernambuco, sendo presentes por testemunhas o
Almoxarife da Fazenda Real Francisco Alves de Vasconcelos e
Luís Lopes da Silva e por verdade fiz este assento em o mes-
mo dia e era acima em que me assinei com testemunhas. O
Vigário Antônio Borges de Lemos, Francisco Alves de Vascon-
celos, Luís Lopes da Silva.” (p. 3 e 4)
“006. A folha 21 está o seguinte assento – Aos 7 dias do
mês de janeiro de 1738 anos de tarde na Capela da Gloriosa
Santana sita no lugar das Camovas, filial desta Matriz, feitas as
denunciações nesta Matriz donde os contraentes são fregueses
e moradores, tudo na forma do Sagrado Conc[ílio] Trid[entino],
em presença de mim Vigário o licenciado José Fernandes Cruz,
sendo presentes por testemunhas o Capitão Mor Francisco Viei-
ra de Melo e o Capitão Brás Barbalho Feio, pessoas conhecidas,
e moradores nesta freguesia, se casaram em face da igreja so-
lenemente por palavras o Capitão Antônio Rodrigues Cardoso,
viúvo que ficou de Jerônima Ferreira da Silva, com Maria do
Nascimento, filha legítima de João dos Santos e de sua mu-
lher Maria de Jesus todos moradores nesta freguesia, e naturais
deste Bispado; e logo lhes dei as bênçãos conforme aos ritos
cerimoniais da Santa Madre Igreja Romana. E por verdade fiz
este termo e assento. Santo Antão da Mata dia, mês, e era José
Fernandes Cruz Vigário de S. Antão da Mata.” (p. 4)
“007. De um livro de óbitos da Freguesia de Itamaracá que
teve princípio em Agosto de 1701 extrai os assentos seguintes:

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Hoje 15 de Fevereiro de 1708 faleceu da vida presente D. Je-


rônima da Cunha, mulher de Bento Figueira Pinto morador nes-
ta freguesia e natural deste Bispado de idade de 70 anos pouco
mais ou menos fez testamento seus testamenteiros André Vieira
e Sebastião Dias; faleceu com todos os sacramentos foi sepulta-
do em Santa Casa de Misericórdia da cidade de Olinda, e para
consta fiz este assento. O Cura Manuel Rodrigues Neto.” (p. 5)
“008. Hoje 16 de Setembro de 1708 anos faleceu da vida
presente o Capitão Mor Agostinho César de Andrade, de idade
de 86 anos pouco mais ou menos, natural da ilha da Madeira e
morador desta freguesia, fez testamento e seus testamenteiros o
Capitão Mor Jerônimo César de Melo seu filho e o Sargento Mor
Pedro Cavalcanti [de Albuquerque] seu genro e o Reverendo
João de Abreu Barreto seu filho; faleceu com todos os sacra-
mentos da penitência Eucaristia e Unção; foi sepultado nesta
Igreja Matriz; e para constar fiz este assento. O Cura Manuel
Rodrigues Neto.” (p. 5)
“009. Hoje 16 de Julho de 1710 anos faleceu da vida presen-
te Bento Filgueira [Pinto], da idade de 90 anos pouco mais ou
menos, natural desta freguesia do Maranguape, homem viúvo;
fez testamento, e foi sepultado em a Santa Casa da Misericórdia
de Olinda, faleceu com todos os sacramentos, e para constar fiz
este assento. O Cura João Correia da Silva.” (p. 5/6)
“010. Hoje – de Outubro de 1714 faleceu da vida presente o
Coronel Miguel Gonçalves Sobreira, com todos os sacramentos,
foi envolto no hábito de S. Francisco e sepultado no seu conven-
to da cidade, morador em Paratibe; fez testamento, foram seus
testamenteiros Manuel Gonçalves Sobreira, o Alferes João Dan-
tas Rotea, Pedro Jorge das Neves, o Capitão Manuel Rabelo seu
cunhado, e João Carvalho, seu cunhado; de que fiz este assento
era supra. O Pe. Francisco Cavalcanti de Albuquerque.” (p. 6)
“011. Hoje 22 de Maio de 1714 anos faleceu da vida presen-
te o Sargento Mor Pedro Cavalcanti de Albuquerque, casado,
e morador nesta freguesia natural deste Bispado, de idade de
45 anos, pouco mais ou menos, fez testamento, ficaram por
testamenteiros seu irmão o cônego André de Barros Cavalcanti,
e sua mulher D. Teresa de Melo, faleceu com todos os sacra-

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 393

mentos da penitência Eucaristia e unção; foi amortalhado no


hábito de N. S. do Carmo, e sepultado nesta igreja Matriz, e para
constar fiz este assento. O Cura Manuel Rodrigues Neto.” (p. 6)
“012. Hoje 25 de Setembro de 1715 faleceu da vida presente
D. Teresa [de Melo], filha do Capitão Mor Jerônimo César de
Melo, morador nesta freguesia do Maranguape, casada com o
Capitão Francisco Berenguer de Andrade, de idade de 26 anos,
pouco mais ou menos, com o sacramento da penitência, Eu-
caristia, e unção; e para constar fiz este assento. O Cura José
Ferreira Guedes.” (p. 6/7)
“013. Hoje 1 de Abril de 1719 faleceu da vida presente o
Sargento Mor Bento Pessoa de Araújo, casado com D. Ana de
Melo, as 6 horas da tarde, sem algum sacramento, nem testa-
mento por morrer apressado de um tiro de espingarda; mora-
dor nesta freguesia do Maranguape, foi enterrado na Igreja Ma-
triz da dita freguesia em hábito de S. Francisco, e para constar
fiz este assento. O Cura João Ferreira Guedes.” (p. 7)
“014. Aos 17 de Maio de 1720 faleceu da vida presente D.
Teresa de Melo, mulher viúva de idade de 50 anos pouco mais
ou menos, com todos os sacramentos foi sepultada nesta Matriz
de N. S. dos Prazeres do Maranguape do arco para dentro não
fez testamento e para constar fiz este assento em que assinei. O
Cura Antônio de Aguiar Pereira.” (p. 7)
“015. Aos 16 de Abril de 1752 casou Domingos de Albuquer-
que Montenegro com Maria Clara, ele filho do Capitão Mor Do-
mingos de Albuquerque Montenegro e de sua mulher D. Ana
Maria Pessoa; e ela filha legítima do Capitão Manuel Ferreira
Tabosa e de Maria Gomes. Livro de casamentos da freguesia da
Luz a fl. 44v.” (p. 7)
“016. Livro de batizados e casamentos da freguesia de Itama-
racá. A folhas 96 está o assento seguinte – Aos 22 de Novem-
bro de 1713 anos na Capela de N. S. do Ó desta Freguesia de
Itamaracá em presença de mim o licenciado Antônio Borges
de Lima vigário da dita freguesia Matriz de N. S. da Conceição
corrido os banhos e não havendo impedimento algum, nem
nesta freguesia em que de presente moram, nem na de Igarassu
onde moraram dos banhos que apresentaram consta; se casa-

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ram por palavras de presente in facie ecclesiae Manuel da Serra


Cavalcanti, filho legítimo do Capitão João Luís da Serra e de
sua mulher D. Brásia Cavalcanti já defunta com Isabel Álvares
de Castro filha legítima do Alferes Matias Siqueira de Távora e
de sua mulher Margarida Varela de Lima todos moradores nesta
freguesia e naturais deste Bispado de Pernambuco; sendo pre-
sentes por testemunhas o Capitão Gregório de Figueiredo Bar-
balho e o Capitão Nicolau Pereira e tomaram logo as bênçãos,
e por verdade fiz este assento em que me assinei. O Vigário
Antônio Borges de Lima.” (p. 7/8)
“017. No mesmo livro acima a folhas 16 está o seguinte
assento: Aos 5 do mês de Abril de 1723 anos na Capela do
Engenho da Macaxeira pelas 3 horas da tarde receberam por
palavras de presente in facie ecclesiae em minha presença e
das testemunhas abaixo assinadas Manuel de Barros Maduro
natural da cidade de Olinda filho legítimo do Capitão Feliciano
de Melo e de sua mulher D. Brites de Cout°, e Isabel da Silva
de Andrada natural desta freguesia de N. S. da Conceição de
Itamaracá filha legítima de Francisco da Silva de Andrada e de
sua mulher Maria Dias Couto; corridos os banhos na forma do
Sagrado Conc[ílio] Trid[entino], e logo receberam as bênçãos de
que fiz este assento. Cristóvão Correia, Ag° Francisco de Fontes,
Simão Roiz Pinto.” (p. 8 e 9)
“018. Paulo Leitão de Albuquerque, filho de Jorge Leitão de
Albuquerque e de sua mulher D. Madalena Barbosa, casou com
D. Isabel Peres filha de Jacome Peres e deste matrimônio Mi-
guel Leitão de Albuquerque.” (p. 9)
“019. João Leitão de Albuquerque 3o filho de Jorge Leitão de
Albuquerque o 1o e de sua mulher D. Madalena Barbosa, ca-
sou com D. Joana Barbosa, irmã do Doutor Bartolomeu Peres
de Gusmão a quem chamam o Doutorzinho deste matrimônio
nasceram as 2 filhas seguintes.” (p. 9)
“020. D. Feliciana [Barbosa] de Albuquerque, que casou em
Sirinhaém com Manuel .......... D. Clara de Albuquerque que
não tivemos notícia se casou ou não.” (p. 9)
“021. Bartolomeu Leitão de Albuquerque filho do mesmo
Jorge Leitão de Albuquerque e sua mulher, foi casado com D.

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Andresa Peres, filha do referido Jacome Peres acima e de sua


mulher, deste matrimônio nasceram Romão Leitão de Albu-
querque que casou com D. Leonor de Vedra filha do Capitão
Alberto Geraldo Vedra natural de Alemanha e foram estes os
sogros de Antônio Pita Porto Carreiro, a quem dotarão com
uma grande sorte de terras em Paratibe de cima para casar com
sua filha D. Madalena Barbosa de Albuquerque, e moraram no
mesmo Paratibe [de Cima], extremando suas terras com as do
vínculo.” (9/10)
“022. Há um outro João Leitão de Albuquerque mais moderno
que o acima, que foi filho de Ambrósio Berenguer de Andrade
e de sua mulher D. Madalena Barbosa de Albuquerque.” (p. 10)
“023. Nomes de lugares, rios, estradas, córregos, etc., que en-
contro títulos antigos das minhas terras e das dos meus vizinhos
em Paratibe a respeito dos quais objetos me quero informar das
pessoas antigas.” (p. 10)
“024. Onde é o córrego das “setes caias” e de quem é hoje
a terra onde o dito córrego está? Outro córrego que atraves-
sa a estrada de Paratibe chamado antigamente “córrego das
Trincheiras” e que fica perto da estrada que vai para a ladei-
ra do quebra cú? Onde principia, e para onde se encaminha
uma estrada antiga chamada da serraria? Onde é o córrego dos
o qual fica perto de uma estrada chamada da madeira? Uma
água ou poço que os antigos chamavam o poço da Pióca, ou
da Piuça, e que fica perto de um sitio chamado a Ilha o qual
sítio também desejo saber quem é hoje? Qual é a estrada de S.
Amaro e uma ladeira que há pegada a S. Amaro nas águas ver-
tentes? Estes lugares ficam perto de Beberibe não é Água Fria
dos frades. Onde é um lugar que os antigos chamavam a ponte
de Antônio Pires?” (p. 10/11)
“025. Jorge Leitão de Albuquerque filho de Jorge Leitão de
Albuquerque e de sua mulher D. Madalena Barbosa casou com
D. Catarina Peres filha de Jaques Peres e deste matrimônio Jor-
ge Leitão de Albuquerque que se segue D. Madalena Barbosa
de Albuquerque adiante Jorge Leitão de Albuquerque em quem
agora falamos casou com D. Francisca Vilas-Boas e tiveram os
filhos seguintes:”

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“Jorge Leitão de Albuquerque”


“Paulo Leitão de Albuquerque, solteiro”
“D. Feliciana Barbosa de Albuquerque, sem sucessão”
“D. Maria Barbosa solteira”
“D. Catarina Barbosa solteira e ”
“D. Leonor Barbosa que casou com João Pita Porto Carreiro
Senr [sic] de Antônio Pita Porto Carreiro”
“Madalena Barbosa de Albuquerque acima, filha de Jorge Lei-
tão de Albuquerque e de sua mulher D. Catarina Peres casou
com o Alferes Ambrósio Berenguer de Andrade filho do Coronel
Francisco Berenguer de Andrade e deste matrimônio nasceram:”
“João Leitão de Albuquerque, adiante”
“Ambrósio Berenguer de Andrade adiante”
“João Leitão casou com D. Maria de Vedra de Albuquerque
filha do Capitão Romão Leitão de Albuquerque e de sua mulher
D. Leonor de Vedra filha do Capitão Alberto Geraldo de Vedra
natural de Alemanha e de sua mulher Isabel de Aza natural de
Pernambuco.” (p. 11/12)
“026. João Leitão de Albuquerque que morou em S. Louren-
ço da Mata e foi casado com D. Joana Barbosa foi 3a filha de
Jorge Leitão de Albuquerque o antigo e de sua mulher D. Ma-
dalena Barbosa.” (p. 12)
“027. A folhas 32 do mesmo livro da freguesia do Rio Grande
do Norte está este assento: Em 1o de Março de 1707 anos na Ca-
pela do Senhor Santo Antônio do Potengi em minha presença
se receberam com palavras de presente o Capitão José Purrete
de Morais Castro natural de S. Paulo filho de Luís Penedo Purre-
te e de sua mulher D. Serafina de Morais, com D. Margarida da
Rocha, filha do Capitão Teodoro da Rocha e de sua mulher D.
Antônia de Oliveira já defunta. Testemunhas o mesmo Capitão
Teodoro da Rocha e o Capitão de Campo Manuel Alves de Mo-
rais Navarro e D. Helena Berenguer mulher do Alferes Pascoal
Gomes de Lima. De que fiz este assento em que me assinei. O
Vigário Simão Rodrigues de Sá.” (p. 12)
“028. Em um livro de assento de casamentos do Rio Grande
do Norte achei os seguintes que abaixo vão: Aos 26 de Abril
de 1680 nesta Matriz em presença minha e das testemunhas

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o Alferes Antônio de Castro Rocha, e Mariana Pinta e Domin-


gas Gomes se receberam por palavras de presente Jerônimo
Cavalcanti de Albuquerque filho do Capitão Jerônimo Fragoso
de Albuquerque e de sua mulher D. Isabel Cavalcanti natural
da Vila de Sirinhaém, e Florência da Rocha, filha do Sargento
Mor Roque de Castro Rocha, e de sua mulher Francisca Gomes
naturais da mesma freguesia e moradores nesta do Rio Grande.
De que fiz no mesmo dia este assento e me assinei: Paulo da
Costa.” (p. 12/13)
“029. Agora seguem-se os assentos de batizados de alguns
filhos e filhas do Alferes Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque e
de sua mulher D. Florença de Castro Rocha acima nomeados:”
“030. Folhas 6 = Aos 28 de Janeiro de 1682 batizei na Cape-
la de São Gonçalo a Eugênio, filho de Jerônimo Cavalcanti de
Albuquerque e de sua mulher Florença da Rocha – padrinhos
Marcos de Castro e Mariana Pinta. Não tem os Santos óleos; já
tem os Santos óleos – Paulo da Costa.” (p. 13)
“031. Folhas 13 – A 6 de Setembro de 1683 batizei nesta Matriz
e pus os Santos óleos a Isabel, filha de Jerônimo Cavalcanti e de
sua mulher Florença da Rocha; padrinhos o Capitão Mor Manuel
Muniz e D. Antônia de Oliveira – Paulo da Costa.” (p. 13)
“032. Folhas 19 verso – Aos 10 de Abril de 1686 batizei nesta
matriz e pus os Santos óleos a Paulo, filho do Tenente Jerôni-
mo Cavalcanti de Albuquerque e de sua mulher D. Florença da
Rocha, padrinhos o Reverendo Padre Elói de Freitas, e João de
Castro – Paulo da Costa.”
“033. A folhas 70 verso de um livro de batismo da freguesia
de Igarassu que se acha depositado no arquivo da Câmara Epis-
copal, está o assento abaixo:”
“Em 21 de Novembro de 1731 pelas quatro horas da tarde
na Capela de S. Luzia, distrito desta freguesia de Igarassu em
cuja Matriz donde os contraentes são moradores, e na Capela
de Inhamã, donde o contraente é aplicado, e na dita Capela de
S. Luzia, onde a contraente é aplicada, e na Matriz da freguesia
de Tracunhaém, onde o contraente foi morador, e na Matriz da
Vila de Goiana donde a contraente é natural, feitas as denun-
ciações em todas as sobreditas partes sem se descobrir impe-

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dimento, como me constou por certidão dos banhos que ficam


em meu poder; com licença minha em presença do Reverendo
Pe. Bernardo de Miranda de Vasconcelos e das testemunhas o
Reverendo Padre Manuel Pessoa, o Capitão Luís da Veiga Pes-
soa, o Capitão Mor João Carneiro da Cunha o Reverendo João
Damasceno Soares, e outras todas desta freguesia, se casaram
solenemente por palavras de presente João Ribeiro Pessoa, na-
tural desta freguesia de Igarassu filho do Capitão João Ribeiro
Pessoa, já defunto, e de sua mulher Inês da Veiga de Brito, com
D. Genebra de Vasconcelos e Castro, filha do Tenente Fran-
cisco de Brito Lira, já defunto, e de sua mulher D. Juliana de
Drummond, e receberam logo as bênçãos conforme os ritos da
Santa Madre Igreja. Em fé de que se fez este termo que assinei
com as testemunhas. Paulo Teixeira – Vigário - Bernardo de
Miranda e Vasconcelos – Luís da Veiga Pessoa – Manuel Pessoa.
[está anotado ao lado com tinta de azul: “33A”] No mesmo livro
acima referido achei o assento seguinte – Em 7 de Outubro
de 1733 pelas nove para as dez horas da noite nesta Paróquia
de Pernambuco São Cosme e S. Damião da Vila de Igarassu, e
dispensados nos proclamas tudo pelo Ilustríssimo Senhor D.
José Fialho Bispo de Pernambuco, em minha presença e das
testemunhas os Reverendos João Damasceno Soares, Marceli-
no Soares da Veiga e outros muitos, todos desta freguesia, se
casaram solenemente por palavras de presente Luís de Brito
Lira, filho do Capitão Francisco de Brito Lira, já defunto, e de
sua mulher D. Juliana de Drummond, morador o contraente em
Araripe distrito desta freguesia, com D. Ana Maria Leitão, filha
do Coronel Luís de Oliveira Camacho e de sua mulher D. Maria
de Abreu Bezerra, moradora a contraente no Caraú freguesia
de Itamaracá, e receberam logo as bênçãos em fé do que se fez
este termo que assinei com as testemunhas – Miguel Rodrigues
Sepúlveda – Vigário – João Damasceno Soares – Marcelino Soa-
res da Veiga. Livro de batizados [está anotado ao lado com tinta
de azul: “33B”] da freguesia da Luz – A folhas 13 verso – Aos
22 dias do mês de Fevereiro de 1711 anos na Capela de N. Se-
nhora dos Prazeres da Lagoa grande freguesia de N. S. da Luz
em minha presença e dos Reverendos Padres José Tavares de

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Araújo e Domingos Dias, e Diogo de S. Francisco, sendo teste-


munhas o Sargento Mor Antônio de Araújo Pessoa receberam
as bênçãos nupciais Luís da Veiga Pessoa e D. Maria Dornelas,
os quais se haviam recebido com palavras de presente supridos
os banhos pelo Ilustríssimo Senhor Bispo Governador e se cor-
reram logo onde eram fregueses; assim o nubente morador em
Igarassu como a nubente nesta freguesia, ele filho legítimo de
João Ribeiro Pessoa e de sua mulher Inês da Veiga de Brito, e
dita nubente filha legítima do Capitão Antônio Carvalho de Vas-
concelos e de sua mulher D. Luzia Dornelas, de que fiz este as-
sento em que assinei. O Vigário Apolinário Moreira.” (p. 14/16)
“034. Livro de Casamento da freguesia de Itamaracá. A folhas
52 – Aos 1° do mês de Setembro de 1749 anos na Capela do
Senhor Bom Jesus e dispensados no parentesco, em presença
do muito Reverendo ...... o Doutor João Soares Barbosa e das
testemunhas no outro livro assinados o Capitão Mor João Car-
neiro da Cunha e o Capitão Mor Antônio Gomes Pacheco se
receberam em face da Igreja por palavras de presente o Capitão
Jerônimo de Albuquerque Maranhão, filho do Mestre de Campo
Afonso de Albuquerque Maranhão e de sua mulher D. Adria-
na Vieira; e D. Luísa Margarida de Andrade, filha do Capitão
Antônio Gomes Pacheco e de sua mulher D. Maria Coelho de
Revoredo, e receberam as bênçãos nupciais tudo na forma do
Sagrado Concílio Tridentino; de que fiz este assento dia e era.
O Vigário Francisco Luís Nogueira.” (p. 16/17)
“035. A folhas 55 de um livro de batizados da mesma fregue-
sia de Itamaracá está o seguinte assento: Aos 12 dias do mês
de Fevereiro de 1751 anos na Capela de N. S. dos Prazeres da
Macaxeira, de manhã se receberam em face da Igreja por pala-
vras de presente com banhos corridos sem impedimento Cos-
me Serrão de Oliveira, natural e morador da cidade de Olinda,
filho do Coronel João de Oliveira Carvalho e de sua mulher D.
Inácia Pereira de Azevedo já defuntos; e Ângela de Sena Barbo-
sa, natural e moradora desta ilha de Itamaracá, filha do Tenente
Manuel de Passos Barbosa e de sua mulher Ângela de Lemos e
Andrade, já defunta, em minha presença e de duas testemunhas
abaixo assinadas, e receberam as bênçãos nupciais, tudo na for-

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ma do Sagrado Concilio Tridentino; de que fiz este assento dia


e era supra. O Vigário Francisco Luís Nogueira, Antônio Soares
de Macedo, Fernando Cabral de Guevara. (p. 17/18)
“036. Outro de um livro de óbitos da mesma freguesia de
Itamaracá – Aos 27 de Novembro de 1714 anos, mataram ao
Capitão Mor Manuel Barbosa de Lima, não deu tempo a se lhe
administrar sacramento algum; foi sepultado na Capela de N.
S. dos Prazeres do seu engenho de N. S. dos Prazeres do seu
engenho da Macaxeira, amortalhado em hábito de S. Francisco,
e por verdade fiz este assento em que me assinei. O Vigário
Antônio Borges de Lemos. Este Capitão Mor era irmão do Capi-
tão Antônio Barbosa de Lima que também foi morador na Ilha
de Itamaracá e Secretário do General Felix José Machado de
Mendonça Castro de Vasconcelos, nos desgraçados tempos do
Governo deste déspota.” (p. 18)
“037. Livro de batizados da freguesia da Luz. A folhas 51 ver-
so está o seguinte assento – Nesta Capela de N. S. dos Prazeres
da Alagoa grande batizei com licença do Reverendo Vigário
Apolinário Moreira de Vasconcelos um menino filho de Luís da
Veiga Pessoa e de sua mulher D. Maria Dornelas de Vascon-
celos por nome João; foram padrinhos o Sargento Mor Miguel
Pessoa de Araújo e sua filha D. Ana de Vasconcelos, aos 16 de
Agosto de 1712 = O Pe. José Tavares de Araújo – O Vigário To-
más Simões.” (p. 18)
“038. A folhas 58 verso de um livro de casamentos da Fregue-
sia da Luz está lançado o assento do casamento de João Coelho
de Albuquerque, filho do Tenente General Francisco Coelho de
Aroucha e de sua mulher D. Joana Cavalcanti de Albuquerque,
com D. Brígida Pessoa, filha do Sargento Mor Miguel Pessoa
de Araújo e de sua mulher D. Maria Teles de Vasconcelos; foi
este casamento feito na Capela de N. S. dos Prazeres da Alagoa
Grande em 15 de junho de 1739.” (p. 19)
“039. Livro da freguesia da Luz – Em 30 de Outubro de 1752
na Capela do engenho Apuá invocação de N. S. do Bom Suces-
so, de noite com licença do Excelentíssimo Reverendíssimo Sr.
Bispo D. Frei Luís de S. Teresa, feita as denunciações na forma
do Sagrado Concílio Tridentino, nesta Matriz de N. S. da Luz, na

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Capela de Petribú onde assiste a contraente, e na Matriz de N.


S. do Rosário de Goiana onde é morador o contraente e ambos
naturais, sem se descobrir impedimento algum, dispensado no
2º grau de consanguinidade, como consta do mandado e cer-
tidões, satisfeitas as penitências na forma da mesma sentença,
que tudo junto fica no poder do Reverendo Vigário o licenciado
Antônio de Toledo Machado, e de licença sua, na minha pre-
sença e das testemunhas abaixo assinadas, o Capitão Sebastião
Correia de Lima e sua mulher D. Antônia da Silva Pereira, pes-
soas conhecidas se receberam por palavra de presente, José
Correia de Lima, filho legítimo de Bento Correia de Lima e de
sua mulher Maria Pacheco, já defunta, com Maria Pacheco, filha
legítima de Antônio Vieira de Melo e de sua mulher Maria da
Assunção, já falecidos, e logo lhe deu as bênçãos conforme os
ritos e cerimônias da Santa Madre Igreja; e para constar fiz este
que assinei. O Padre Manuel Fernando, Sebastião Correia de
Lima D. Antônia da Silva Pereira.” (Livro I, fl. 19)
“040. Assento de dois casamentos do Capitão João Marques
Bacalhau o velho, natural da Vila de Tancos, pai do dito Capi-
tão João Marques Bacalhau Senhor do Engenho Inhamã. Aos 14
dias do mês de novembro de 1740 pelas 9 horas do dia em a
Capela de S. Gonçalo de Timbó de licença do Reverendo Padre
Vice-Vigário João Saraiva de Araújo corrido os banhos e sem
impedimentos em minha presença se receberam de palavras de
presente, e receberam as bênçãos o Capitão João Marques Ba-
calhau filho legítimo de João Marques Bacalhau e de Francisca
de Avelar sua mulher, natural da Vila de Tancos, com Isabel de
Freitas Falcão, filha legítima do Tenente Pedro de Figueiredo
Falcão e de sua mulher Vitória de Carvalho natural do Molinote
termo da Vila de Igarassu, estando por testemunha o Capitão
Paulo de Medeiros Furtado e o Sargento mor Antônio da Cunha
Ferreira morador em a Boa Vista de que fiz este termo em que
me assinei e as testemunhas. Ildefonso de Figueiredo Falcão
Coadjutor de Maranguape.” (p. 20)
“041. A fl. 40 do mesmo livro de Casamento da freguesia de
Itamaracá, acha-se lançado este assento: Aos 27 de Novembro
de 1702, de manhã, na Capela de S. João filial desta Matriz de

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N. Senhora da Conceição da Vila de Itamaracá, em presença


de mim o Padre Antônio Borges de Lemos Vigário da dita Ma-
triz, sendo presente por testemunhas o Capitão João Guedes
Alcoforado e o Sargento Mor Pedro de Lelou, se casaram por
palavras de presente o Capitão Luís Lobo de Albertim, filho do
sargento Mor Pedro de Lelou e de sua mulher D. Maria Dias de
Abreu; (em letra diferente e outra cor sobre a linha: com Marga-
rida Guedes) e tomaram logo as bênçãos, corridos os banhos, e
não houve impedimento algum observado a forma do Sag[rado]
Conc[ílio] Trid[entino]. De que fiz este assento e por verdade
me assinei. O Vigário Antônio Borges de Lemos.” (p. 21)
“042. A fl. 115 o assento de óbito de D. Margarida Guedes
acima. Aos 29 do dito mês de Julho de 1703 faleceu da vida pre-
sente D. Margarida, mulher do Capitão Luís Lobo com todos os
sacramentos não fez testamento pela enfermidade lhe não dar
lugar, foi sepultada na Capela do Engenho de São João que é
de seu pai o Capitão João Guedes, acompanhada com todas as
confrarias desta Matriz de N. Senhora da Conceição e se lhe fez
o ofício de corpo presente; do que fiz este assento e por verda-
de me assinei. O Vigário Antônio Borges de Lemos.” (p. 21)
“043. Livro de casamentos, batizados e óbitos de Itamaracá
a fl. 54. Aos 14 dias do mês de Junho de 1691 anos, de tarde,
na Capela de N. Senhora do Amparo do Engenho de Antônio
Gonçalves Romeiro, termo da freguesia e Vila de N. S. da Con-
ceição da Ilha de Itamaracá em presença de mim o Padre Luís
de Figueiredo e Miranda Pároco dela sendo presentes teste-
munhas Francisco Botelho dos Santos e D. Antônia Teresa Ta-
vares mulher de Antônio Gonçalves Romeiro, se casaram por
palavras de presente em face da Igreja, na forma do Sag[rado]
Conc[ílio] Trid[entino]; e logo tomaram as bênçãos nupciais o
Alferes Manuel da Veiga Cabral, filho legítimo do Capitão Mor
Jerônimo da Veiga Cabral e de sua mulher D. Leonor Ximenes
de Aragão, já defunta, morador na Vila da Conceição de Ita-
maracá e D. Bernardina Antônia de Guevara, filha legítima do
Capitão Mor Valentim Tavares Cabral e de sua mulher D. An-
tônia Velez de Guevara, moradora em Araripe de Baixo termo
da dita freguesia e ambos naturais deste Bispado e fregueses

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de que tudo fiz este assento no mesmo dia que por verdade
me assinei com as testemunhas que foram três com D. Valen-
tina Maria Cabral mulher de Francisco Botelho dos Santos.
O Vigário Luís de Figueiredo e Miranda, Francisco Botelho
dos Santos, D. Valentina Maria Cabral de Guevara, D. Antônia
Teresa Tavares, Francisco Botelho dos Santos foi Escrivão da
Fazenda Real de Itamaracá. D. Valentina Maria Cabral era irmã
da nubente D. Bernardina Antônia de Guevara por ser filha
do mesmo Capitão Mor Valentim Tavares Cabral. Vide à fl. 76
assento do batismo de Gonçalo filho de Manuel Filgueira e de
sua mulher D. Maria de Souza.” (p. 22/23)
“044. Livro de casamentos, batizados e óbitos da freguesia de
Itamaracá à fl. 50 – Aos 30 de Maio de 1689 eu o Padre Luís de
Figueiredo e Miranda, Pároco desta Matriz da Virgem da Con-
ceição fiz correr nela os banhos dos contraentes Jacinto Coelho
de Alvarenga e D. Maria de Lima do Amparo dispensada na
idade em 3 dias Santos de guarda e por não haver impedimento
nenhum entre si os recebeu com minha licença o Pe. Capelão
Manuel Ferreira Gomes, e lhes dei as bênçãos matrimoniais
na Capela de N. S. dos Prazeres S. José justa forma Conc[ílio]
Trid[entino] e foram Padrinhos Luís Velho de Menezes e o Al-
feres Manuel da Veiga Cabral e por verdade me assinei era e
dia ut supra. O Vigário Luís de Figueiredo e Miranda.” (p. 23)
“045. Aos 30 dias de Maio eu o Pe. Luís de Figueiredo e
Miranda Pároco desta Matriz de N. S. da Conceição fiz correr
nela os banhos dos contraentes Jerônimo Coelho de Alvaren-
ga e D. Jerônima da Veiga Cabral, em 3 dias Santos de guarda
e por não sair impedimento nenhum; e por eles contraentes
apresentarem [.....] do Sr. Bispo D. Matias de Figueiredo e
Melo para poderem casar-se por procuração os mandei re-
ceber pelo Pe. Capelão Manuel Ferreira Gomes justa forma
Conc[ílio] Trid[entino] na Capela de N. S. dos Prazeres e S. José
e foram padrinhos Luís Velho de Menezes e Jacinto Coelho
de Alvarenga, e por verdade me assinei dia era ut supra. O
Vigário Luís de Figueiredo e Miranda.” (p. 23)
“046. No mesmo livro acima a fl. 92v achei o assento de
óbito do Capitão Francisco de Abreu e Lima pai da mulher de

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Jacinto Coelho de Alvarenga, hei-lo: Aos 3 de Dezembro de


1684 faleceu o Capitão Francisco de Abreu de Lima Cavaleiro
do Hábito de Cristo; não fez testamento.” (p. 24)
“047. Livro de óbitos da Freguesia da Luz. A fl. 10. Em 23
de Setembro de 1747 faleceu da vida presente com todos os
sacramentos D. Isabel de Figueiredo, mulher do Capitão João
Marques Bacalhau, de idade que faleceu ser de 46 anos pouco
mais ou menos moradores nesta freguesia no Engenho Novo
de Goitá: foi sepultada na Capela do dito Engenho no hábito
de S. Francisco do cruzeiro para cima: deixou um filho e bens,
e não fez testamento.” (p. 24)
“048. A fl. 13v. de Outubro livro de óbitos da freguesia de S.
Lourenço da Mata este outro acima de óbito de uma senhora
que foi mulher do referido Capitão Bacalhau acima com o qual
foi ele casado que com a mencionada D. Isabel acima também
mencionada li o assento: Aos 27 de Abril de 1706 anos fale-
ceu da vida presente com todos os sacramentos D. Maria de
Oliveira Gag [sic], mulher do Capitão João Marques Bacalhau:
sepultou-se em a Capela de Sta. Rosa de Lima, em hábito de S.
Francisco, testamenteiro seu marido. Vigário João de Medeiros
Furtado.” (p. 24/25)
“049. A fl. 26 de outro livro da mesma freguesia de S. Lou-
renço da Mata achei os seguintes assentos. Aos 6 de Julho se
1706 anos nesta Capela de S. Bernardo ribeira de Capibaribe,
Freguesia de N. S. da Luz batizei a Francisco, filho de Capitão
Marco de Oliveira Gag [sic] e de s. mulher D. Águeda de Melo:
foram padrinhos Gonçalo Velho e o Reverendo Pe. Francisco e
Oliveira da Costa e tem os Santos Óleos de que fiz este assento
em que assinei. O Pe. Francisco e Oliveira da Costa. (ao lado
e em tinta azul “049A”– Este assento para aqui transcreveu-se
de um livro de batizados da mesma Freguesia a fl. 72. Diz as-
sim – Aos 6 de novembro de 1729 na Capela de S. Francisco da
ribeira de Capibaribe Freguesia de N. S. da Luz com licença do
Reverendo Vigário dela o licenciado Antônio Gonçalves Lima
batizou o Pe. Francisco José de S. Caetano Monge do Patriarca
S. Bento a Teresa, filha legítima de Estevão de Azevedo e de
sua mulher D. Catarina de Oliveira, foram padrinhos o Sargento

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Mor José de Castro morador em a Freguesia de S. Lourenço da


Mata e D. Maria filha do Capitão Muniz de Oliveira morador na
dita Freguesia os mais moradores na de N. S. da Luz de que
para constar fiz este assento em que assinei Petribú 20 de no-
vembro De 1729 e tomou os Santos óleos.” (Livro I, fl. 25)
“050. A fl. 7 do mesmo livro está o assento seguinte – Aos
13 de Junho de 1728 na Capela de S. Francisco, Ribeira de Ca-
pibaribe Freguesia de N. S. da Luz com licença do Reverendo
Vigário dela o Senhor Antônio Gonçalves Lima, batizou o Reve-
rendo Pe. Frei José de S. Caetano Monge do Patriarca S. Bento,
a Antônio filho legítimo de Estevão de Azevedo e sua mulher
D. Catarina de Oliveira, foram padrinhos o Capitão Morais de
Oliveira (o moço) e Leonor Gomes, solteira, filha do Capitão
Francisco Gomes Taveira da Freguesia de S. Antônio de Tra-
cunhaém, o padrinho morador na de S. Lourenço da Mata, e
os pais na de N. S. da Luz: tem os Santos óleos, de que para
constar fiz este assento em que assinei hoje 20 de novembro de
1729. Tomás Simões.” (p. 26)
“051. Aos 6 dias do mês de Dezembro de 1729 na Igreja de
N. Senhora dos Remédios do Goitá, batizei a José, filho de meu
irmão Cosme Mendes Bezerra e s mulher Josefa Gomes Filguei-
ra, e lhe pus os Santos óleos: foram Padrinhos André Esteves
homem solteiro morador no Recife e D. Maria da Conceição
mulher do Coronel Gonçalo Ferreira da Ponte morador em S.
Gonçalo da Boa Vista de que fiz este assento em que me assinei
– O Pe. Francisco Bezerra de Vasconcelos.” (p. 26)
“052. A fl. 3. Livro de Batizados da Freguesia da Luz. Manuel
Dias Borba e sua irmã Isabel Dias da Costa ambos filhos de
Antônio Dias Borba foram padrinhos na era de 1702 do menino
Francisco, filho de Gonçalo Rodrigues e de sua mulher Beatriz
Alves, como consta do assento que encontrei a fl. 3 do Livro de
batizados da Freguesia da Luz.” (p. 26)
“053. Livro da Freguesia de Taquara. Aos 26 dias do mês
de outubro de 1685 pela manhã nesta Igreja Curada de N. S.
da Penha de França da Taquara em presença de mim Matias
Correia Cura da dita Igreja e sendo presentes o Capitão Brás
de Melo e Salvador Quaresma Dourado por testemunhas se

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casaram por palavras de presente em face da Igreja o Tenente


Francisco Muniz de Melo, filho do Capitão Miguel Muniz de
Melo e de sua mulher Antônia Correia, já defunta, moradores
que foram da cidade da Paraíba; e Andresa Dias Pinheiro, filha
do Capitão Manuel Pinheiro Machado e de sua mulher Brígida
de Oliveira Dama, moradores neste Curato da Taquara; de que
fiz este assento no mesmo dia que por verdade assinei. O Pe.
Matias Correia.” (p. 27)
“054. Aos 30 dias do mês de Junho de 1686 a tarde na Igre-
ja de N. S. do Rosário sita no Engenho Brandão neste Curato
de N. S. da Penha de França da Taquara em presença de mim
Matias Correia Cura da dita Igreja, e sendo presentes o Capitão
Manuel da Fonseca Rego e o Capitão Bartolomeu Lins, por tes-
temunha se casaram por palavras de presente em face da Igreja
o Capitão Fernando Carvalho de Sá, naturais da Freguesia de S.
Lourenço da Mata viúvo que ficou de D. Margarida Cavalcanti e
filho de Fernando Carvalho de Sá e de sua mulher D. Brites de
Albuquerque já defunta; e Águeda de Barros Catanho morado-
res neste Curato da Taquara viúva que ficou do Capitão José da
Mota e filha de Antônio da Fonseca e de sua mulher Maria Go-
mes Catanho já defuntos; de que fiz este assento no mesmo dia
que por verdade assinei. O Padre Cura Matias Correia.” (p. 27)
“055. Antônio Dias de Leão e sua mulher D. Maria da Con-
ceição, foram os pais de Henrique de Leão, que casou com D.
Isabel de Távora. D. Luzia de Leão casou com .......... D. Bárbara
de Leão casou com o Tenente Brás de Araújo da Costa, como
consta da escritura de dote que se acha nas notas do Tabelião
José Cardoso Moreno; de 2 de Setembro de 1682. D. Joana Neta,
casou com o Licenciado Jerônimo de Souza Magalhães.” (p. 28)
“056. Livro de óbitos a fl. 18. Aos 24 dias do mês de Outubro
de 1729, faleceu da vida presente, nesta Freguesia, com todos
os Sacramentos, Joana Neta, viúva que ficou do Licenciado Je-
rônimo de Souza, natural deste Bispado; filha legítima de Antô-
nio Dias de Leão, e sua mulher D. Maria da Conceição já defun-
tos. Não fez testamento, sepultou-se na Capela dos Terceiros de
N. S. do Carmo donde era irmã professa em hábito da mesma
religião. Manuel Freire Andrade.” (p. 28)

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 407

“057. Testamento de D. Luzia de Leão feito em 16 de Maio de


1731 e aberto em 25 de Setembro de 1750. Em nome da Santís-
sima Trindade, Padre Filho Espírito Santo três Pessoas distintas
e um só Deus verdadeiro. Saibam quanto este instrumento de
cédula de Testamento virem que no ano do Nascimento de
N[osso] S[enhor] J[esus] C[risto] de 1731, aos 16 dias do mês de
Maio do dito ano, Eu D. Luzia de Leão, estando doente e em
meu perfeito juízo, mas temendo-me da morte, e desejando por
minha alma no caminho da Salvação; e por não saber o que
Deus de mim fará quando será servido de me levar para si; faço
este meu testamento na forma seguinte. Primeiramente enco-
mendo a minha alma a Santíssima Trindade, que a criou e juro
ao Pai Eterno pela Paixão e morte de seu Unigênito Filho Sa-
grado receber como recebeu a sua, estando para morrer na [.....]
da Vera Cruz e a meu Senhor Jesus Cristo juro pelas suas Divi-
nas Chagas que já que nesta vida me fez mercê de dar seu pre-
cioso sangue e merecimento de seus trabalhos, me faça tam-
bém mercê na vida que espero dar o prêmio dela que é a
Glória = Peço e rogo a Gloriosa Virgem Santa Mãe de Deus e a
todos os Santos da Corte Celestial particularmente ao Anjo da
minha guarda, e ao Santo de meu nome e a Santa Teresa, quei-
ram por mim interceder e rogar a meu Senhor Jesus Cristo ago-
ra e quando minha alma deste corpo sair; para que como ver-
dadeira Cristã protesto viver e morrer na Santa fé Católica, e
Creio o que crê a Santa Madre Igreja de Roma e com esta fé
queira salvar a minha Alma, não por meus merecimentos, mas
pelos da Paixão do Unigênito Filho de Deus. Declaro que le-
vando-me Deus para si, em 1º lugar nomeio e instituo por meus
testamenteiros ao meu filho o Reverendo Pe. José Cardoso Mo-
reno, a meu filho Mariano de Almeida e ao Reverendo Padre
João Correia Feio, aos quais peço pelo Amor de Deus N. S.
queiram aceitar minha testamentária e serem meus testamentei-
ros, e me façam pela alma em descarga de minha consciência o
que declaro neste meu testamento e última vontade. Meu corpo
será sepultado na Capela da Ordem 3ª de N. S. do M. do Carmo
desta Vila do Recife, donde seu irmã professa. Meu corpo será
amortalhado no hábito da dita Senhora e me acompanharão

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408 Tácito Luís Cordeiro Galvão

como a comunidade dos Religiosos 50 Clérigos como Reveren-


do Pároco e se me dirão cem missas de Corpo presente a saber
20 na Matriz do Corpo Santo, 20 no Convento de N. S. do M. do
Carmo pelos religiosos ou em N. S. da Penha de França, 50 na
Ordem 3ª do Carmo do Recife, acompanhar-me-ão as irmanda-
des que meus testamenteiros determinarem e me acompanha-
rão os pobres que se acharem, e se lhes dará a esmola que meu
testamenteiro arbitrar. Declaro que sou natural desta Vila do
Recife filha legítima de Antônio Dias de Leão, e de sua mulher
Maria da Conceição, já defunta. Declaro que fui casada com o
Capitão-Mor José Cardoso Moreno que Deus haja, de cujo ma-
trimônio tivemos nove filhos de que ao presente são vivos sete
a saber: Pedro Cardoso Moreno, o Pe. José Cardoso Moreno,
Antônio de Almeida e Gouveia, Mariano de Almeida Gouveia,
Inácio Cardoso Moreno, D. Josefa Maria, casada com o Alferes
Agostinho Cardoso, e mortos dois a saber o Dr. Manuel Cardo-
so Moreno e Francisco Cardoso Moreno. Declaro que por mor-
te de meu marido fiz partilhas com meus filhos e todos estão
inteirados de suas legítimas paternas. Declaro que em minha
vida fiz com meus filhos em amigável composição, partilha do
que lhes haveria da minha fazenda por minha morte e todos
ficarão inteirados e satisfeitos de suas legítimas maternas, do
que todos me darão quitação e por isto não tenho herdeiros na
minha fazenda; porque os bens que passou são somente a mi-
nha terça por estarem satisfeitos os meus filhos tanto da legíti-
ma de seu pai como da minha e por isto disponho dela. Decla-
ro que os bens que possuo são os seguintes: No Engenho de
Tiberi Capitania da Paraíba tenho no valor dele 5:318$931 réis
em umas casas de sobrado no beco da Misericórdia da Cidade
da Paraíba que vai para o varadouro; e assim mais duas mora-
das de casas citas na rua da senzala desta Vila do Recife em
chãos próprios, cujos meus até a baixa mar do rio e outro afo-
rado a vários foreiros; e assim mais uma mulata por nome Ju-
liana, uma negra por nome Luzia; um moleque Angola por
nome Antônio e um crioulinho por nome Luís e assim mais
quatro pratos de prata. Declaro que possuo mais em mão de
meu filho o Sargento Mor Pedro Cardoso Moreno, as rendas

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 409

que me tocam de minha parte do arrendamento que se lhe fez


no Engenho de Tiberi. Declaro que fazendo partilhas com meus
filhos da minha fazenda ficaram várias dividas por partir como
consta do inventário que fizemos as quais cobradas que sejam
tenho nelas a minha terça; e o mais que se me deve se achará
clareza entre os meus papéis. Declaro que devo a meu filho o
Pe. José Cardoso Moreno, o que ele disser e se estará pela sua
verdade. Declaro que meu testamenteiro mandarão dizer as
missas seguintes a saber 3 missas ao Anjo de minha guarda, 3
missas ao Santo de meu nome, 3 missas Santa Ana, 3 Missas a
S. José, 3 Missas a Santo Antônio, as 3 Missas da Rainha Santa
Isabel, as 6 Missas das Chagas, as 3 Missas das Almas desampa-
radas as sete Missas de S. Nicolau de To- [fl. 33] lentino, as cin-
co Missas de Santo Agostinho, as 9 Missas das 9 festas de N.
Senhora; as Missas de São Venuto Ferreira que são 47. Declaro
que estas Missas aqui nomeadas quero sejam ditas por meu fi-
lho e testamenteiro o Pe. José Cardoso Moreno. Declaro que
deixo a minha filha D. Josefa mulher do Alferes Agostinho Car-
doso dois mil cruzados. Declaro que deixo a minha neta D.
Maria de Nazaré filha da dita minha filha cem mil réis; e assim
mais para as outras ditas filhas 50 mil réis a cada uma delas.
Declaro que deixo a meu filho o Sargento Mor Pedro Cardoso
Moreno 200$000 réis e a minha sobrinha D. Inês Neta Pereira
mulher do dito 50$000 réis e a minha neta D. Maria filha do dito
e mulher de José Cabral 40$000 réis e a meu neto José Cardoso
filho do dito meu filho 40$000 réis. Declaro que deixo a meu
filho Mariano de Almeida 300$000 réis. Declaro que deixo a
meu filho João de Almeida cem mil réis, e a meu neto Antônio
filho do dito um crioulinho por nome Luís, do qual está já ele
de posse, e é o mesmo que acima nomeio entre os meus bens.
Declaro que deixo a meu filho Antônio de Almeida cem mil
réis. Declaro que deixo a meu filho Inácio Cardoso 200$000
réis. Declaro que deixo a meu filho o Pe. José Cardoso 2 mil
cruzados para descarga de minha consciência por lhe haver
prometido para seu patrimônio. Declaro que fiz ao meu neto
João Cardoso, filho havido de meu filho o Dr. Manuel Cardoso
Moreno uma escritura de doação de 600$000 réis e assim mais

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lhe deixo um moleque por nome Antônio do gentio de Angola,


e dado o caso que o dito desconhecendo a criação que nele fiz
queira haver alimentos da minha fazenda, logo hei como revo-
gada a dita doação e deixo que lhe faça do moleque. Declaro
que deixo pelo amor de Deus a D. Luzia Cardoso filha de Se-
bastiana Cavaca de Albuquerque 100$000 réis e assim mais a
José e a Manuel filho do dito 50$000 réis a cada um deles. De-
claro que deixo a Sebastiana Cavaca de Albuquerque pelo amor
de Deus e pelo serviço que dela tenho recebido uma negra
Arda por nome Luzia. Declaro que deixo a meu sobrinho Se-
bastião de Távora Calheiros cinquenta mil réis. Declaro que
deixo a minha sobrinha mulher de Manuel de Andrada por
nome Antônia 50$000 réis. Declaro que deixo às minhas sobri-
nhas filhas de Domingos de Almeida 40$000 réis para todas
três. Declaro que deixo a um menino por nome Manuel, criado
na casa do Pe. João Correia Feio 20$000 réis. Declaro que deixo
ao menino Francisco de Souza criado na casa de meu sobrinho
o Pe. Francisco de Souza Magalhães 30$000 réis. Declaro que
os meus testamenteiros darão 20$000 réis ao Vigário Pe. Frei
José de Santa Teresa Religioso do Carmo da Reforma para que
lhe tenha comunicados. Declaro que deixo 100$000 réis para
dez Capelas de Missas ditas pela alma de meu filho Francisco
Cardoso Moreno. Declaro que deixo 50$000 réis para 5 Capelas
de Missas ditas pela Alma de meu marido o Capitão Mor José
Cardoso Moreno. Declaro que deixo 10$000 réis para uma Ca-
pela de Missas ditas pela Alma de meu Pai e minha Mãe. Decla-
ro que deixo 10$000 réis para uma Capela de Missas ditas por
Alma de minha tia Inês Neta, e seu marido Manuel Martins
Vieira. Declaro que deixo 10$000 réis para uma Capela de Mis-
sas pela alma de meus irmãos defuntos. Declaro que deixo
10$000 réis para uma Capela de Missa ditas pelas almas do fogo
do Purgatório. Declaro que deixo a Santa Teresa da minha ve-
nerável Ordem Terceira da reforma deste Recife 50$000 réis.
Declaro que deixo a N. S. da Penha de França deste Recife
50$000 réis. Declaro que deixo a N. S. do Carmo deste Recife
50$000 réis. Declaro que deixo a N. S. da Penha de França des-
te Recife 50$000 réis. Declaro que deixo a Santo Antônio da

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 411

Paraíba 50$000 réis. Declaro que deixo a N. S. da Madre de


Deus deste Recife 10$000 réis. Declaro que deixo a N. S. do
Livramento na Ribeira da Paraíba 4$000 réis. Declaro que deixo
a N. S. do Rosário do Engenho de Tiberi na Paraíba 50$000 réis,
para reedificação da sua Capela. Declaro que deixo duas mora-
das de casas de tijolo e cal citas na rua da Senzala em chãos
próprios até a baixa mar os quais tenho aforado a vários forei-
ros, como consta dos papéis de foro que me tem passado a
meu filho o Pe. José Cardoso Moreno com obrigação de me
dizer ou mandar dizer 2 Capelas de Missas anuais pela minha
alma. Declaro que deixo mais 400$000 réis ao dito meu filho
para reedificar as ditas casas; cuja administração e obrigação a
poderá nomear nas pessoas que lhe parecer. Declaro que deixo
a minha mulata Juliana forra pelo amor de Deus pelos bons ser-
viços que dela tenho recebido, e os meus testamenteiros lhes
passarão a Carta depois do meu falecimento. Declaro que por
minha alma se tomem oito mil réis em Bulas de composição.
Declaro que nomeio constituo por minha herdeira universal de
tudo o que depois de pagas as minhas dividas e cumpridos os
meus legados restar de minha fazenda, a minha alma, pela qual
se dirão em Missas toda este remanescente da minha fazenda.
Foi aberto aos 25 dias do mês de Setembro de 1750.” (p. 29/36)
“058. Livro de assentos de batismo da Freguesia da Luz.
Folhas 6. Aos 6 dias do mês de Agosto de 1729, nesta Capela
do Apuá da ribeira do Capibaribe, Freguesia de N. Senhora
da Luz, com licença do Reverendo Vigário dela, o licencia-
do Antônio Gonçalves Lima, batizei e pus os santos óleos a
Francisco, filho legítimo de Baltazar Mendes e de sua mulher
Bárbara Leite. Foram padrinhos o Tenente José de Seabra e D.
Antônia da Silva, mulher do Alferes Manuel da Mota Silveira,
moradores no lugar da Volta do Cipó da mesma Freguesia; de
que para constar fiz este assento, era acima, em que assinei.
Luís Marreiros da Silva.” (Livro I, fl. 37)
“059. Folhas 6 do mesmo livro. Aos 21 de Agosto de 1729,
nesta Capela de N. Senhora da Conceição do Engenho da Volta
do Cipó da ribeira de Capibaribe, Freguesia de N. Senhora da
Luz, com licença do Reverendo Vigário dela, o licenciado An-

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tônio Gonçalves Lima, batizei e pus os santos óleos a Ana, filha


legítima de Cosme de Castro e de sua mulher Lígia de Oliveira.
Foram padrinhos Cristovão de Holanda, moço solteiro, filho do
Coronel João Cavalcanti de Albuquerque, morador no Apuá, e
Joana de Seabra, moça solteira, filha do Tenente José de Seabra,
morador neste lugar da Volta do Cipó, da mesma Freguesia; de
que para constar fiz este assento, era acima, em que assinei.
Luís Marreiros da Silva.” (Livro I, fl. 37)
“060. Folhas 6 do mesmo livro. Aos 30 dias do mês de Setem-
bro de 1729, nesta Capela do Apuá da ribeira de Capibaribe,
Freguesia de N. Senhora da Luz, com licença do Reverendo Vi-
gário dela, o licenciado Antônio Gonçalves Lima, batizei e pus
os santos óleos a Antônia, filha legítima de Vitoriano das Neves
e de sua mulher Josefa da Assunção. Foram padrinhos Arcânge-
lo Cavalcanti, filho do Coronel João Cavalcanti, moço solteiro, e
Joana de Abreu mulher de Hilário de Freitas; todos moradores
no engenho do Apuá; e para constar fiz este assento em que
me assinei, era acima. Luís Marreiros da Silva.” (Livro I, fl. 38)
“061. Folhas 35 do mesmo livro. Aos 13 dias do mês de Abril
de 1734, na Capela de Nossa Senhora de Todo o Bem do En-
genho de Apuá Freguesia da Luz, com licença do Reverendo
Vigário o licenciado Antônio Gonçalves Lima, batizei e pus os
santos óleos a Maria, filha de Antônio de Faria e de sua mulher
Maria de Jesus: foram Padrinhos Manuel Cavalcanti de Albu-
querque e sua irmã D. Arcângela Cavalcanti, filha do defunto
Coronel João Cavalcanti, todos moradores nesta Freguesia de
N. S. da Luz, de que fiz este assento que assinei. O Pe. João
Paes da Rocha” (Livro I, fl. 38)
“062. Aos 4 dias do mês de Outubro de 1750 faleceu da vida
presente nesta Freguesia com todos os Sacramentos D. Josefa
Maria Margarida de Jesus, viúva que ficou do defunto o Alfe-
res Agostinho Cardoso natural desta Freguesia filho legítimo
do Coronel José Cardoso Moreno e de sua mulher D. Luzia de
Leão já defuntos, sepultou-se na Capela dos terceiros de N. S.
do Carmo em hábito da mesma Religião. E não se continha mais
em dito assento a respeito do dia, mês e ano da dita defunta, ao
qual me reporto e afirmo em fé de Pároco, de que mandei fazer

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 413

o presente que assinei. Recife 17 de Agosto de 1775. O Vigário


Fr. João da Cunha e Menezes.” (p. 38/39)
“063. Livro de óbitos da Freguesia de S. Fr. Pedro Gonçalves
do Recife. Aos 13 dias do mês de Agosto de 1728, faleceu da vida
presente nesta freguesia com todos os Sacramentos D. Caetana
de Jesus Infanta, mulher de Antônio de Azevedo Pereira natural
desta Vila filha legítima do capitão Sebastião Pereira da Costa e
de sua mulher D. Manuela de Lara Infanta, fez seu testamento no
qual instituiu por testamenteiro a seu marido Antônio de Azeve-
do Pereira e a seus Pais o Capitão Sebastião Pereira da Costa e D.
Manuela de Lara Infanta, e por herdeiro, depois de pagas as suas
dívidas a seu marido Antônio de Azevedo Pereira, e seguem-se
as mais disposições do dito testamento.” (p. 39)
“064.” (com uma nota ao lado, em cor azul, onde está escrito:
“Repetição por engano do N. 56, pág. 28”) “A folha 189 está o
assento seguinte = Aos 24 dias do mês de Outubro de 1729,
faleceu da vida presente, nesta Freguesia, com todos os Sacra-
mentos, Joana Neta, viúva que ficou do Licenciado Jerônimo
de Souza Magalhães, natural deste Bispado; filha legítima de
Antônio Dias de Leão e sua mulher D. Maria da Conceição já
defuntos, não fez testamento, Sepultou-se na Capela dos tercei-
ros de N. S. do Carmo donde era irmã professa, em hábito da
mesma Religião.” (p. 40)
“065. A folhas 41 está o seguinte assento. Aos 2 dias do mês
de Janeiro de 1728, faleceu da vida presente nesta Freguesia,
com todos os Sacramentos, Beatriz da Silva, viúva que ficou
de Cosme Pereira Façanha, natural da Ilha da Madeira; não fez
testamento, e sepultou-se na Igreja do Corpo Santo, em hábito
de S. Francisco.” (p. 40)
“066. A folhas 30 do livro de óbitos da Freguesia da Luz
encontra-se o seguinte assento, sobre D. Simoa de Albuquer-
que, mulher do Capitão Mor João Cavalcanti de Albuquerque,
pais do Coronel João Cavalcanti, do Apuá. Aos 14 de Feve-
reiro de 1719, faleceu D. Simoa de Albuquerque, viúva do
Capitão Mor João Cavalcanti. Foi sepultada na Capela de N.
Senhora da Conceição da Volta do Cipó, ribeira de Capibari-
be desta Freguesia. Fez testamento solene com que faleceu,

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nomeando para seus testamenteiros a seus filhos: Coronel


João Cavalcanti de Albuquerque; Sargento Mor Antônio Ca-
valcanti de Albuquerque e Capitão Francisco Cavalcanti de
Albuquerque. ‘Deixou várias deixas, como dele consta, o qual
remeti logo ao dito filho testamenteiro, no dia em que me foi
apresentado, que foi hoje 21 de Dezembro de 1719; de que
tudo para constar fiz este assento em que assinei. O Vigário
Apolinário Moreira’.” (p. 40)
“067. Livro de Óbitos da Freguesia de S. Lourenço da Mata. A
folhas 24v está o seguinte assento: Aos 26 dias do mês de Abril
de 1744 faleceu da vida presente nesta Freguesia, com todos
os Sacramentos o Capitão Mor André de Barros Rego, homem
casado morador no Engenho S. João foi sepultado no Convento
de S. Francisco da cidade de Olinda envolto no hábito do mes-
mo Santo. Não fez testamento.” (p. 41)
“068. Em outro livro de óbitos da mesma Freguesia. A folhas
201v achei o assento de D. Maria Pessoa, filha do Sargento Mor
da Comarca de Pernambuco Nuno Camelo e de sua mulher D.
Inês Pessoa, a qual D. Maria Pessoa foi mulher do Coronel ou
Capitão Mor André de Barros Rego, eis o assento: Aos 26 dias
do mês de Agosto de 1745 faleceu da vida presente a viúva D.
Maria Pessoa, moradora e S. João desta Freguesia de S. Louren-
ço da Mata, com todos os Sacramentos, foi sepultada nesta dita
Matriz das grades para cima e encomendada por mim e mais
sacerdotes que geralmente foram convidados os quais todos
lhes disseram missas por sua alma e assistirão o ofício solene
que se lhe fez de corpo presente. Foi envolta no hábito de N.
Senhora do Carmo, sem testamento. Manuel Regado de Siquei-
ra Cortês. Vigário.” (p. 41)
“069. Livro de batizados da Freguesia da Luz, folhas 2. Aos 15
dias do mês de Junho de 1729 na Igreja de N. S. do Rosário ba-
tizei e pus os santos óleos a Manuel, filho de Manuel da Costa
Calheiros e de sua mulher D. Inês Pessoa de Vasconcelos, mo-
radores na Freguesia de Igarassu. Foram padrinhos o Sargento
Mor Miguel Pessoa de Araújo e D. Brazida Pessoa de Vasconce-
los, moradores nesta Freguesia, de que fiz este assento em que
me assinei. O Pe. Francisco Bezerra de Vasconcelos.” (p. 42)

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“070. Escritura de hipoteca que faz D. Maria César viúva de


João Fernandes Vieira, a Jerônimo César de Melo, marido de D.
Maria Joana César, filha natural do mesmo João Fernandes Viei-
ra. Em nome de Deus Amém. Saibam quanto este público ins-
trumento de escritura de hipoteca e obrigação, ou como para
sua validade em direito, melhor nome, lugar haja e dizer-se
possa, virem que no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo de 1686, aos 20 dias do mês de Dezembro nesta muito
nobre e sempre leal cidade de Olinda, Capitania de Pernambu-
co, nas pousadas de D. Maria César viúva do Governador João
Fernandes Vieira, onde eu, Tabelião ao diante nomeado, fui e
sendo aí, apareceram, partes presentes e contraentes a saber,
de uma parte a dita D. Maria César de Melo, ambas pessoas de
mim reconhecidas pelos próprios de que se trata e logo pela
dita contraente D. Maria César, foi dito em minha presença e
das testemunhas ao diante nomeadas e assinados; que ela havia
dado em dote ao dito Jerônimo César de Melo, para efeito de
casar com D. Maria Joana César, filha do dito seu marido, e para
ajuda dos encargos do matrimônio; o Engenho de fazer açúcar,
sito na Várzea do Capibaribe, com invocação de São João Ba-
tista, em preço e quantia de trinta mil cruzados (12:000$000)
com todas as suas terras, partidos e mais pertenças e logra-
douros, novos e velhos; e porque depois se assim feito o dito
dote sobreveio o mover-se em juízo uma demanda sobre dois
partidos que são mais principais do dito Engenho São João em
que de presente assistem o Alferes João Ilão e Lourenço de
Castro, e haver também dúvida que está para se mover em juí-
zo, uma demanda sobre outro partido do mesmo Engenho em
que de presente lavra o Alferes Bernardo Rodrigues e o Capitão
Antônio Rodrigues Colaço o qual partido foi de Luís Barba-
lho, que são filhos legítimos de Gabriel Correa de Bulhões que
Deus tem, e depois de movida assim a dita causa haver um dos
herdeiros transpassado o direito da dita causa ao Capitão Mor
Manuel Carneiro da Cunha para efeito de lhe dar mais duro
contendor: disse que de seu motu proprio e livre vontade, sem
constrangimento de pessoa alguma, mas que levada de conhe-
cer que era obrigação sua e fazer sempre bons e de .......... os

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ditos partidos, ao dito Jerônimo César de Melo, ditado; e como


sem os ditos partidos o Engenho ficava sem valor algum por
não ter canas para moer, e assim inútil e sem entidade a dita
doação feita para sustentar os ditos encargos do matrimônio;
ela por tal razão obrigava e hipotecava não só para segurança
dos ditos três partidos, mas do mesmo Engenho também, dois
partidos de canas que tem e possui no Engenho do Meio, de
que ela é senhora, a saber: o partido que chamam da Cruz, em
que de presente lavra Francisco Soares Coelho e seu irmão, e
outro de parte do mesmo Engenho em que de presente lavra
João Gomes Pedrosa com todas as terras que os ditos partidos
tem e sempre tiveram, e mais logradouro e pertenças; e porque
esta obrigação dos ditos partidos é mui limitada e .......... e ele
outorgante assim o reconhece pois ainda não chega a igualar o
valor do dito Engenho São João; disse que assim mais obrigava
e hipotecava por especial hipoteca, todas as terras que tem no
lugar chamado dos Maranguapes com todas suas pertenças, lo-
gradouros novos e velhos, pastos, matas, fornos de cal, salinas,
pescarias, pedreiras, coqueiros com todas as suas praias, assim
a que estão os sítios das pescarias como as que estão sem elas,
sendo tudo o que ela contratante, de presente possui nos ditos
lugares e ao depois poder possuir nas mesmas terras do Maran-
guape; os quais bens assim hipotecados e aqui expressos, tanto
as terras do Maranguape como os dois partidos do Engenho
do Meio; queria e era contente, que em quanto se não fiscali-
zassem as dúvidas sobre os três partidos do Engenho São João
por final sentença ou por concerto e ficar o dito dotado Jerô-
nimo César de Melo seguro e sossegado na dita fazenda do de
São João; não poder ela vender, dar, doar ou por outra alguma
maneira alienar cousa alguma dos bens hipotecados, e no caso
que faça o contrário, quer e é contente seja a dita venda, doa-
ção, transpasse e alienação por qualquer modo que seja, nulos;
metendo-se de posse das ditas terras assim hipotecadas; e disse
mais ela outorgante e contraente que se tiverem do dito Jerôni-
mo César os ditos partidos por sentença final ficará na escolha
dele Jerônimo César, ou ficar com o Engenho São João toman-
do a si os dois partidos hipotecados do Engenho do Meio para

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 417

os moer no dito Engenho como seus, por seu justo valor; e o


resto que vai de mais a mais de maioria dos ditos partidos, por
ser certo que valem muito mais dos dois hipotecados, receber o
dinheiro de contado ou ser pago da dita maioria por alguns dos
bens hipotecados dos Maranguapes; ou largar o dito Engenho
São João a ela outorgante, na forma em que então estiverem,
e pagar-se do dito Engenho pelo valor em que lhe foi dotado,
com os bens aqui hipotecados... (neste lugar nada se pode en-
tender; e adiante segue-se do seguinte modo) ... para um con-
vento de Religiosas professas que pretendia fazer nesta cidade,
precedendo licença de S. Majestade, que Deus guarde, a qual
ainda até agora a não tem concedido, nem se espera a conceda;
e a dita doação está por ora existindo. Disse ela outorgante que
sem embargo da dita doação feita nas ditas terras ela as havia
por hipotecados, pelo direito que ainda nelas tem; e sendo caso
que S. Majestade que Deus guarde, não conceda a dita para se
fazer o dito convento, ficando as ditas terras dos Maranguapes,
por este modo livre e desembargadas da tal doação; se conti-
nuará nelas a dita hipoteca que nela de presente se faz, a qual
terá então melhor efeito, para que ela outorgante possa delas
dispor na forma que se declara neste instrumento; ficando a
dita hipoteca de agora para então e de então para agora, com a
mesma força e vigor; para cujo cumprimento e maior validade
desta obrigação e hipoteca, disse ela outorgante obrigava sua
pessoa e todos os seus bens, móveis e de raiz havidos e por
haver e os mais bens comparados deles, os quais também hipo-
tecava por geral obrigação; a qual hipoteca geral não revoga a
especial, nem a especial a geral; e que desaforava do juízo do
seu foro, domicílio, leis, liberdades, privilégios, férias gerais e
especiais e de todos os mais requisitos de lei que por se alegar
possa, e da lei de .......... em quanto fala a favor das mulheres;
porque de nada se quer valer nem ajudar, se não Ter e manter
esta hipoteca e obrigação, assim e da maneira que nela se con-
tém; e que em caso saia a sentença a favor dela contra hesite
no tocante as dúvidas dos ditos três partidos, ou ela por via de
concerto lhe os segurar e fizer bons, para que os possa viver
como seus sem dúvida ou embargo algum desde logo ficará a

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dita hipoteca nos ditos bens nomeados, sem validade; e poderá


ela contraente vendê-las e aliená-las e fazer delas o que lhe
parecer como coisa sua que é. E logo pelo dito Jerônimo César
de Melo, foi dito em minha presença e das ditas // testemunhas,
que ele aceitava esta escritura de hipoteca e obrigação, con-
tratadas as clausulas e obrigações nela declaradas, assim e da
maneira que nela se contém. Em fé e testemunho de verdade
assim o outorgaram; de que mandaram fazer este instrumento
nesta nota em que assinaram pediram e aceitaram. Eu Tabelião
o aceito em nome de quem o favor dela tocar possa, como
pessoa pública estipulante e aceitante que o estipulei e aceitei,
sendo presente por testemunhas o Sargento Mor João Cavalcan-
ti de Albuquerque e o Dr. Baltazar Pereira de Melo e o Capitão
Antônio de Souza Lira, que todos aqui assinaram. E eu Jorge da
Costa Calheiros Tabelião o aceitei. = D. Maria César = Jerônimo
César de Melo = João Cavalcanti de Albuquerque = Dr. Baltazar
Pereira de Melo = Antônio de Souza de Lira. (pp. 42/48)
“071. O Capitão Francisco Paes Tavares e sua mulher D. Luísa
de Vasconcelos, pessoas muito antigas moradores da Freguesia
de Itamaracá, foram pais dos filhos seguintes: Nicolau Tavares
de Melo, João Tavares de Melo e D. Teresa Tavares de Melo. O
dito Nicolau Tavares de Melo casou a 22 de Fevereiro de 1745
com D. Teresa Maria de Jesus, filha do Capitão Manuel Pereira
Calheiros de Abreu, e de sua mulher D. Luísa Soares de Matos,
como consta do seu assento de casamento que se acha lançado
no respectivo livro da Freguesia de Itamaracá. João Tavares de
Melo acima nomeado casou com D. Teresa de Jesus, cujos pais
não achei, e deste matrimônio nasceram: Antônio, batizado a
12 de Fevereiro de 1736, como se vê de um assento no livro
de batizados da Freguesia de Tejucupapo a folhas 31. Roque,
batizado a 18 de Janeiro de 1738 assento de batismo a folhas
37 do mesmo livro. D. Teresa Tavares de Melo em quem acima
falamos, casou com o Capitão Francisco Alves de Vasconcelos,
Almoxarife que foi da Fazenda Real da Capitania de Itamaracá;
e de sua mulher D. Cosma Monteiro de Sá; e deste matrimônio
nasceram: Antônio Tavares de Vasconcelos, que casou no 1º
de Agosto de 1751 com sua prima D. Ana Maria Correia, filha

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 419

de seu tio o Capitão Simão Alves de Vasconcelos, irmão de seu


pai; e de sua mulher D. Joana do Rego Barros, como se vê do
respectivo assento de casamento lançado a folhas 57 verso do
competente livro da Freguesia de Itamaracá. D. Rosaura Tavares
de Vasconcelos, que nasceu a 23 de Fevereiro de 1728 (assento
de batismo no competente livro da mesma Freguesia a folhas
71 verso); e casou no 1º de Março de 1751 com Tomé de Freitas
Barbosa filho de Manuel da Costa Pereira e de sua mulher D.
Teresa Maria de Jesus: assento respectivo no livro da referida
Freguesia de Itamaracá a folhas 56. De quanto fica escrito nesta
sucinta série vê-se que João Tavares de Melo, Avô do Senhor
Joaquim Francisco há de necessariamente ser filho de um dos
três irmão acima falados, isto é, ou de João Tavares de Melo e
sua mulher D. Teresa de Jesus, ou de Nicolau Tavares de Melo e
sua mulher D. Teresa Maria de Jesus, ou finalmente de D. Tere-
sa Tavares de Melo e seu marido Francisco Alves de Vasconce-
los. Isto tanto mais é assim quanto examinados todos os livros
de batizados, casamentos e óbitos das Freguesias de Itamaracá,
Igarassu, Tejucupapo, Maranguape, S. Lourenço da Mata e Luz,
não encontrei outras pessoas casadas batizadas desta família de
Tavares de Melo e Vasconcelos senão os que ficam relatados
nesta mesma nota ou sucinta série.” (pp. 48/50)
“072. Livro de assento de casamentos da Freguesia de São
Lourenço de Tejucupapo. A folhas 38 – Aos 16 do mês de Abril
de 1742, na Capela de N. Senhora do Bom Despacho, do enge-
nho Maçaranduba, desta Freguesia de São Lourenço de Tejucu-
papo, às 12 horas da manhã, com licença do Reverendo Vigário
Licenciado João da Costa e Souza, receberam-se em matrimô-
nio na presença do Pe. Luís Pereira da Fonseca, por palavras
de presente, Jerônimo Pereira de Vasconcelos, filho legítimo
do Sargento Mor Miguel Pessoa de Araújo e de sua mulher D.
Maria Teles de Vasconcelos, naturais e moradores na Freguesia
da Luz, com D. Vicência Maciel, filha legítima do Capitão Dio-
go Carvalho Maciel e de sua mulher D. Isabel Maria já defunta,
natural da Freguesia de N. S. da Penha de França da Taquara,
e moradores nesta freguesia, cujo sacramento se fez sem im-
pedimento algum como constou por certidão de banhos que

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fica em meu poder: e receberam as bênçãos nupciais em pre-


sença das testemunhas Manuel da Costa Calheiros e o Capitão
Antônio Calheiros Maciel, moradores na freguesia da Taquara;
de que fiz este termo em que comigo assinaram dias e era ut
supra. O Coadjutor Alexandre da Silva.” (p.56/57)
“073. Escritura de paga e entrega de terras que faz o Coronel
Francisco Berenguer de Andrada, como testamenteiro de sua
irmã D. Maria César, ao Capitão Mor Jerônimo César de Melo.
Em nome de Deus. Amém. Saibam quantos este público instru-
mento de escritura de pago e entrega de terras ou como para
sua validade em direito, melhor nome e lugar haja e dizer-se
possa; virem que no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo de 1705, aos 19 dias do mês de Março do dito ano, nesta
muito nobre e sempre leal cidade de Olinda, Capitania de Per-
nambuco no Convento de São Francisco, onde eu Tabelião ao
diante nomeado vim, e sendo aí apareceram partes presentes e
outorgantes de uma o Coronel Francisco Berenguer de Andrada
e de outra o Capitão Mor Jerônimo César de Melo, morador no
Maranguape e pessoas ambas reconhecidas pelos próprios, de
que se trata, e logo pelo dito Coronel Francisco Berenguer de
Andrada foi dito em minha presença e das testemunhas abaixo
nomeadas e assinadas, que o Capitão Mor Jerônimo César de
Melo sendo dotado por D. Maria César, sua irmã já falecida, de
quem ele era testamenteiro universal, no Engenho de São João
sito na freguesia da Várzea, houve dúvidas sobre a pertença
de dois partidos .......... da Cunha, os quais por todos .......... e
para segurança de sua importância lhe havia hipotecado a dita
sua irmã prendendo o dito as terras dos Maranguapes e suas
pertenças, como consta da escritura de hipoteca que nas notas
de mim Tabelião existe; e pondo o dito Capitão Mor Jerônimo
César de Melo ação contra ele dito Coronel como testamenteiro
de sua irmã pela importância dos ditos partidos que foi estima-
do a perda em cinco mil cruzados (2:000$000) e alcançando
sentença na Relação contra ele dito Coronel, em que lhe man-
dou satisfazer a dita quantia nos ditos Maranguapes; fazendo-se
delas avaliação por louvadores; e porque para efeito de se fazer
a dita avaliação houve prejuízo notável no resto das ditas terras

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por não serem todas da mesma suficiência e bondade, se com-


prometeram eles dito Coronel Francisco Berenguer de Andrada
e Capitão Mor Jerônimo César de Melo, em que se avaliassem
toda a terra e pertenças dos ditos Maranguapes, para que na
maioria fossem satisfeitas outras penhoras que estavam feitas
no remanescente das ditas terras, além da dívida e quantia dos
ditos cinco mil cruzados (2:000$000), as quais penhoras eram a
de Francisco de Andrada e de Bartolomeu de Souza, da quantia
de 600$000 réis, e outra do Alferes Francisco Lopes Guedes de
quem é procurador o Sargento-Mor Pedro Lelou, da quantia de
três mil e tantos cruzados, de principal e custos; com o qual
comprometimento se fez requerimento de audiência e se man-
daram tomar louvados que segundo ele dito comprometimen-
to, estimassem toda a terra dos Maranguapes e suas pertenças
e se nomearão por louvadores da parte dele Coronel, a João
Nunes de Freitas e por parte dele Capitão Mor, ao Capitão Pe-
dro Cavalcanti Bezerra, que ambos examinando e vendo a dita
terra dos Maranguapes e suas pertenças a estimarão em nove
mil cruzados (3.600$000), que por ser conforme ao valor da
dita terras e estado em que hoje se acham, e a deterioração
que o tempo nelas tem feito aceitaram o dito valor, e se julgou
por sentença e por justificada querem .......... ficando toda a dita
terras dos Maranguapes .......... na forma em que está avaliada a
ele dito Capitão Mor Jerônimo César de Melo, para que do valor
delas, fique pago e satisfeito, na forma da sentença da Relação,
dos cinco mil cruzados (2:000$000) que lhe pertencem; e por
haver pago os quatro mil cruzados (1:600$000) do remanescen-
te e maioria da dita terra dos Maranguapes, aos credores atrás
nomeados que nelas haviam feito penhora; e por se achar exce-
der a esta quantia principal – duzentos e tantos mil reis – disse
ele Capitão Mor, satisfazia por encher as penhoras, ficando po-
rém obrigado o casal a satisfazer-lhe havendo bens para isso e
desta quantia dos quatro mil e tantos cruzados – disse ele dito
Coronel, dava com efeito deu quitação de pago ao dito Capitão
Mor Jerônimo César de Melo, como também ele dito Capitão
Mor dava ao dito Coronel, dos cinco mil cruzados (2:000$000)
que recebia no valor das ditas terras, de sua dívida e sentença;

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e sem embargo desta quitação geral que dá ele dito Coronel


dos quatro mil cruzados (1:600$000) ao dito Capitão Mor Jerô-
nimo César de Melo, não pagara ele ao dito Francisco Lopes
Guedes, de quem o há por desobrigado da penhora 208$880
réis, sem haver determinação da Relação sobre a dúvida que
desta quantia se arguia na décima que ele dito Coronel pagou
de sua fazenda, da mesma sentença executada; pela qual déci-
ma tem feito embargo em mão do Escrivão João de Lima, que o
é da execução e pelo dito Coronel foi dito que por bem deste
instrumento, lhe houve como com efeito logo houve as ditas
terras dos Maranguapes e suas pertenças ao dito Capitão Mor
Jerônimo César de Melo; e que prometia de não vir com embar-
gos ou com outro qualquer requerimento, contra esta escritura,
em parte ou em todo; e vindo não queria ser ouvido em juízo e
fora dele; e que todo o domínio, senhorio, .......cto, rendimen-
tos que tinha e podia ter na dita terra dos Maranguapes e suas
pertenças, como testamenteiro de sua irmã D. Maria César, tudo
dava, cedia e transpassava na pessoa do dito Capitão Mor, para
ele e seus herdeiros e para os mais que após ele vierem; e que
era contente que o dito Capitão Mor tome posse da dita terra
.......... este instrumento, e quer tome .......... por toda e nela por
incorporada pela .......... para cujo cumprimento disse obrigava
a sua .......... e bens da dita testamentaria e que se desaforava do
juízo do seu .......... domicílio, leis, liberdade, privilégios, férias
e todos os mais requisitos de lei, que por si alegar pessoa que
.......... se queria valer se não ter e manter assim e da maneira
que nela se contém.
E logo pelo dito Capitão Mor Jerônimo César de Melo, foi
dito que ele aceitava esta escritura com todas as clausulas e
condições nela declaradas, sob obrigação de sua pessoa e bens.
Em fé e testemunho da verdade, assim outorgaram de que man-
daram fazer esta escritura nesta nota em que assinaram pediram
e aceitaram, e eu Tabelião o aceito em nome .......... de quem
o favor dele tocar possa, como pessoa pública estipulante que
o estipulei e aceitei, sendo a todo presentes por testemunhas
o Sargento Mor Gonçalo Coelho Negromonte, o Dr. Domingos
Pereira Gil que ambos aqui assinaram com os ditos outorgan-

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tes. Eu, Jorge da Costa Calheiros Tabelião que escrevi. Francisco


Berenguer de Andrada, Jerônimo César de Melo, Gonçalo Coe-
lho Negromonte, Domingos Pereira Gil. (pp. 55/57)
“074. Notícia genealógica. O Capitão André de Barros Rego
foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, Fidalgo da Casa Real, e filho
de Arnau de Holanda Barreto, senhor do Engenho de S. João
da Freguesia de S. Lourenço da Mata e de sua mulher D. Luzia
Pessoa. Casou o dito André de Barros Rego com D. Mariana de
Almeida Wanderlei, filha do Fidalgo Florentino Gaspar Wander-
ley e de sua mulher D. Maria de Melo, filha de Manuel Gomes
de Melo, senhor do Engenho do Trapiche do Cabo, e de sua
mulher D. Adriana de Almeida. Acerca do Coronel Francisco
Ferreira da Ponte há alguma coisa no título de Vaz Carrasco e
daí passa para o de Cavalcanti. O Coronel Gonçalo Ferreira da
Ponte foi filho de Cosme de Freitas e de sua mulher D. Joana
de Barros. (Livro I, fl. 57)
“075. Livro de assentos de casamentos da Freguesia de Itama-
racá. A folhas 22v. Este assento de casamento de Nicolau Tavares
de Melo com D. Teresa Maria de Jesus, feito em 22 de Fevereiro
de 1745; ele filho legítimo do Capitão Francisco Paes Tavares e
sua mulher D. Luísa de Vasconcelos, e ela filha do Capitão Ma-
nuel Pereira Calheiros de Abreu e sua mulher Luísa Soares de
Melo; não está completo, vai como o achei.” (p. 57/58)
“076. Livro de batismo de Freguesia de Santo Amaro Jaboa-
tão. Folhas 44v. Na Capela de N. Senhora da Conceição da Fre-
guesia de Santo Amaro Jaboatão, aos 7 de Fevereiro de 1747,
com licença do Vigário da Luz, o Pe. Antônio César Berenguer
batizou a João, filho de João Bezerra Monteiro e de sua mulher
D. Luzia César Berenguer, moradores no Engenho do Una da
mesma Freguesia da Luz; sendo padrinhos o Capitão Antônio
Pinheiro Loio de Mendonça morador na freguesia de Santa Ana.
Domingos Dias Moreira Pro-Vigário da Luz.” (p. 58)
“077. A folha 21v. de um livro de batizados da freguesia de
Itamaracá acha-se o assento seguinte: Aos 4 do mês de novem-
bro de 1693 a tarde eu o Pe. Manuel Fernandes Vieira Pároco
nesta Matriz de N. Senhora da Conceição de Itamaracá batizei
nesta Capela do Glorioso S. João Batista anexa a mesma Matriz

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da Conceição, a Pedro, filho legítimo do Capitão João Guedes


Alcoforado e sua mulher Maria Dias de Abreu. Pus-lhe os San-
tos Óleos: foram padrinhos João Guedes da Silva e D. Ana de
Abreu, todos moradores nesta freguesia do que tudo fiz este
assento no mesmo dia era mês acima e por verdade me assinei.
O Vigário Manuel Fernandes Vieira. (p. 58/59)
“078.” (Com uma anotação ao lado, em tinta azul, onde se lê:
“Repetição por engano do N 2, pág. 1ª”) “No livro dos Casamen-
tos da mesma Freguesia está lançado o seguinte assento a folhas
72. Aos 9 de setembro de 1703, de tarde, na Capela de S. João
Batista desta freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Vila
de Itamaracá em presença de mim licenciado Antônio Borges de
Lemos Vigário da dita Matriz e sendo presentes por testemunhas
o Capitão Luís Lobo e o Capitão João Guedes Alcoforado, corri-
dos os banhos e não havendo impedimento algum se casaram in
facie ecclesiae na forma do Sagrado Concílio Tridentino Salvador
de Souza Lira filho legítimo do Alferes Pedro de Aguiar e de sua
mulher Isabel Peres (ou Pires) moradores na cidade de Olinda;
com Laura Guedes Alcoforado, filha ilegítima do capitão Felipe
Guedes Alcoforado, já defunto, e de Ana Guedes crioula do gen-
tio de Guiné, moradores e fregueses desta dita matriz do Bispado
de Pernambuco de que fiz este assento e por verdade me assinei.
O Vigário Antônio Borges de Lemos.” (p. 59)
“079. Mais adiante a folhas 82 do mesmo livro está este outro
assento: Aos 16 de Agosto de 1707, de tarde, na Capela de S.
João Batista filial desta Matriz de N. Senhora da Conceição de
Itamaracá em minha presença se casaram por palavras de pre-
sente, corridos os banhos e não havendo impedimento algum,
na forma do Sag[rado] Conc[ílio] Trid[entino] Amaro Velho Cardo-
so, filho do Capitão Diogo Velho Cardoso, já defunto e de Cirila
de Chaves moradora em Tracunhaém da freguesia de Goiana,
mulher solteira, com Clara Guedes, filha ilegítima do Capitão Fe-
lipe Guedes Alcoforado, já defunto, e de Tomásia Soares, crioula
forra, já defunta, moradores e fregueses desta freguesia de Itama-
racá sendo presente por testemunhas o Alferes Manuel Bezerra e
Bento Bezerra. Do que fiz este assento e por verdade me assinei.
O Vigário Antônio Borges de Lemos.” (p. 59/60)

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“080. A 25 do mês de Novembro de 1688 casou D. Mariana Pe-


reira, filha legítima do Capitão Pedro da Silva Pessoa já defunto, e
de sua mulher D. Maria de Morais, com José Alves da Costa, filho
de Francisco Alves da Costa, já defunto e de sua mulher Isabel
de Araújo, sendo testemunhas Manuel Leite de Vasconcelos e o
Capitão João Figueira. Foi este casamento na matriz de N. S. da
Penha da França da Freguesia da Taquara.” (p. 60/61)
“081. A folhas 25. Em 3 de Janeiro de 1754 na Capela de N.
Senhora do Bom Sucesso do Engenho Tanhenga, batizou e pôs
os Santos Óleos o Pe. José de Barros Rego a Inês, filha legítima
do Capitão José Camelo Pessoa e de sua mulher D. Isabel Men-
des de Vasconcelos. Foram padrinhos o Capitão João Carlos de
Araújo e D. Antônia da Silva Pereira, de que fiz este termo em
que me assinei. O Vigário Antônio Correa Pinto.” (p. 61)
“082. Livro da Freguesia da Taquara, a folhas 17v. Aos 15
dias do mês de Novembro de 1689, nesta Igreja de N. Senho-
ra da Penha de França, orago do Curato da Taquara batizei
a Andresa, filha do Capitão João Ferreira de Freitas e de sua
mulher Ana de Freitas, moradores neste Curato. Foram padri-
nhos o Coronel Matias Vidal de Negreiros e Águeda de Barros
Catanho, mulher do Tenente Coronel Fernando Carvalho de
Sá morador neste Curato da Taquara. Tem os Santos Óleos; de
que fiz este assento que por verdade assinei. O Cura Matias
Tavares de Castro.” (p. 61)
“083. Livro de casamentos batizados e óbitos da Freguesia de
Itamaracá a folhas 70v. Aos 31 de Janeiro de 1703 de tarde nesta
Matriz de N. Senhora da Conceição da Vila de Itamaracá, em
minha presença o Pe. Antônio Borges de Lemos, Vigário da dita
Matriz, e sendo presente por testemunhas Antônio Gonçalves
Romeiro e Francisco Botelho dos Santos se casaram Francisco
de Fontes Rangel, filho legítimo de José de Fontes e de sua mu-
lher Cosma Furtada , com Inácia Bezerra, filha legítima do Alfe-
res Francisco Alves Madeira e de sua mulher Custódia Bezerra,
já defunta, corrido os banhos, e não havendo impedimento, e
por ordem do Reverendíssimo Vigário Geral, e tomaram logo
as bênçãos, de que fiz este assento e por verdade me assinei. O
Vigário Antônio Borges de Lemos.” (p. 61/62)

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“084. No mesmo livro acima folhas 85 está o assento seguin-


te. Aos 30 de Julho de 1708, na Capela do Bom Jesus de Araripe
do Meio desta Freguesia de N. Senhora da Conceição da Vila
de Itamaracá, em minha presença, o Licenciado Antônio Borges
de Lemos, Vigário da dita Matriz, corridos os banhos sem impe-
dimento e justificado o dito contraente vir de sua terra solteiro
como do mandado consta, se casaram por palavras de presente
Manuel Nunes Pereira, filho legítimo de Domingos Nunes Pinto
e de sua mulher Ana Pereira, já defuntos, moradores na Fre-
guesia de Santa Marta do Bispado do Porto, com Maria Soares
de Matos, filha legítima de Manuel Velho Soares, já defunto, e
de sua mulher Ângela Garcia Soares, e tomam logo as bênçãos,
sendo presentes por testemunhas o Capitão Mor Francisco Pe-
reira de Lima e o licenciado Manuel de Faria de Aguiar, de que
fiz este assento e por verdade me assinei. O Vigário Antônio
Borges de Lemos.” (p. 62/63)
“085. Outro do mesmo livro acima a folhas 89 – Aos três dias
do mês de Março de 1710 na Capela do Engenho Caraú, Invoca-
ção de N. Senhora do Bom Sucesso, de Licença minha o Licen-
ciado Antônio Borges de Lemos Vigário desta Matriz de N. S. da
Conceição da Vila de Itamaracá, em presença do Reverendo Pe.
Gaspar de Almeida Barbosa corridos os banhos e me não saindo
impedimento algum se casaram in facie ecclesiae na forma do
Sagrado Concílio Tridentino por marido e mulher Luís de Oli-
veira Camacho, filho legítimo de João de Oliveira Camacho e de
sua mulher D. Inácia Pereira de Azevedo, com D. Maria de Abreu
Bezerra, filha legítima de Francisco de Brito Pereira e de sua
mulher Joana da Costa Leitão, sendo presentes por testemunhas
o Capitão Antônio da Costa Leitão e seu filho Antônio da Costa
Leitão do mesmo nome freguês que foi o dito contraente da Sé
de Olinda, e ela dita contraente moradora no Caraú termo desta
Freguesia de Nossa Senhora da Conceição e fregueses desta dita
Freguesia; de que fiz este assento e por verdade me assinei. O
Vigário Antônio Borges de Lemos.” (p. 63/64)
“086. Livro de casamentos da Freguesia de Taquara. A folhas
56. Aos 27 dias do mês de Abril de 1703 a tarde na Capela de
S. João Batista sita nesta Freguesia de Nossa Senhora da Penha

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 427

de França da Taquara em presença de mim Matias Tavares de


Castro Vigário da dita Freguesia e sendo presentes por testemu-
nhas o Tenente Coronel Francisco Cabral Marrecos, e o Tenente
Coronel Leandro Bezerra, se casaram por palavras de presente
em face da Igreja, Jerônimo Teixeira Ribeiro, filho de Baltazar
Dornelas Valdivisso, já defunto, e de sua mulher Maria de Cas-
tro Loba, morador na Freguesia de Tejucupapo, o qual o fez por
procuração, e foi seu procurador o Coronel José de Sá de Albu-
querque o qual em nome do seu constituinte recebeu a Ana da
Fonseca Cristiana por sua mulher, filha de Cristiano Paulo e de
sua mulher Ana da Fonseca Catanho moradores nesta Freguesia
da Taquara; de que fiz este assento e por verdade assinei. O
Vigário Matias Tavares de Castro.” (p. 64)
“087. A folhas 55v, está este outro assento – Aos 25 dias do
mês de Outubro de 1707 pela manhã nesta Igreja de N. Senhora
da Penha de França Orago desta Freguesia da Taquara em pre-
sença de mim Matias Tavares de Castro Vigário da dita Fregue-
sia se casaram por palavras de presente em face da Igreja sendo
presentes por testemunhas o Capitão Mor Jerônimo Cavalcanti
de Albuquerque e Lacerda, e o Capitão Mor Luís de Mendonça,
por procuração sendo procuradores o Capitão Diogo de Sou-
za Bacelar, como tal em nome de seu constituinte o Capitão
Manuel Curado Garro de Sá, filho de Gaspar Correia e de sua
mulher D. Maria Curado Pereira de Sá, natural do Arcebispado
de Braga, recebeu por mulher a D. Isabel de Souza Bacelar,
filha do Capitão João Figueira de Fontes e de sua mulher Ana
de Freitas Bacelar, moradora nesta Freguesia, de que fiz este
assento no mesmo dia e era que por verdade assinei. O Vigário
Matias Tavares de Castro.” (p. 65)
“088. Livro de casamentos do Rio Grande do Norte. A folhas
63v. Aos 5 de Novembro de 1726 na Capela de N. Senhora das
Candeias do Engenho do Cunhaú, em virtude de um mandado
do Muito Reverendo Vigário Geral e Juiz dos casamentos o Dr.
Manuel de Freitas Barros, o Reverendo Manuel Raposo Sobri-
nho, assistiu ao matrimônio que entre si contrataram Francisco
de Oliveira e Melo, filho legítimo de Alberto Pimentel, e de sua
mulher Francisca de Oliveira, (em tinta azul: “com”) Leonor

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de Melo de Albuquerque, viúva que ficou por falecimento do


seu primeiro marido José Barbosa e Souza ambos naturais des-
ta Freguesia sendo presentes por testemunhas o Capitão Mor
Afonso de Albuquerque Maranhão, o Capitão Mor Luís de Al-
buquerque Maranhão, D. Joana de Lacerda e D. Úrsula Maria
de Sá mulheres dos ditos, corridos os banhos e guardando em
tudo a forma do Sag[rado] Conc[ílio] Trid[entino] e por uma cer-
tidão que me veio do dito Padre fiz este assento em que assinei.
João Gomes Freire, Coadjutor.” (p. 65/66)
“089. Livro de casamento da Freguesia da Taquara. A folhas
54v. Aos 15 dias do mês de Agosto de 1702 pela manhã na Ca-
pela de N. S. da Piedade cita no Engenho do Brandão desta Fre-
guesia de N. S. da Penha de França da Taquara presente o Pe.
Antônio de Carvalho e Vasconcelos com licença minha e sen-
do presentes por testemunhas o Comissário da Cavalaria Brás
de Araújo da Costa, e o Capitão Cosme Bezerra Monteiro, se
casaram por palavras de presente em face da Igreja por procu-
ração sendo procurador o Capitão Gonçalo Pinto da Fonseca,
o Capitão Antônio Carvalho Vasconcelos, viúvo que ficou de
D. Luísa Dornelas com D. Maria de Abreu, viúva que ficou do
Capitão Francisco de Souza Falcão, ele dito contraente morador
na Alagoa Grande Freguesia de N. S. da Luz e Moradora nesta
Freguesia de N. S. da Penha de França da Taquara; de que fiz
este assento que por verdade assinei. O Vigário Matias Tavares
de Castro.” (p. 66/67)
“090. Livro de casamento da Freguesia de Itamaracá a folhas
57v. Ao 1º dia do mês de Agosto de 1751 nesta Matriz de manhã
se receberam em face da Igreja por marido e mulher com banhos
corridos em impedimento dispensados no parentesco Antônio
Tavares de Vasconcelos, filho de Francisco Álvares de Vascon-
celos e de sua mulher D. Teresa Tavares de Melo, e Ana Maria
Correa, filha do Tenente Simão Álvares de Vasconcelos e de sua
mulher Joana do Rego Barros, ambos naturais e moradores desta
Ilha de Itamaracá, em presença do Reverendo Vigário Jerônimo
de Brito Bezerra e de duas testemunhas abaixo assinadas, e re-
ceberam as bênçãos nupciais tudo na forma do Sagrado Concílio
Tridentino, com licença minha de que fiz este assento dia e era

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supra. O Vigário Francisco Luís Nogueira – Simão Alves de Vas-


concelos, Reinaldo Soares de Vasconcelos.” (p. 67)
“091. No livro de Batizados da Freguesia de Tejucupapo en-
contrei a folhas 31 o assento de Antônio, filho de João Tavares
de Melo e de sua mulher D. Teresa de Jesus este batizado foi
feito a 12 de Fevereiro de 1736.” (p. 67)
“092. A folhas 37 do mesmo livro encontrei outro batizado
feito a 18 de Janeiro de 1738 ao menino Roque, filho dos ditos
João Tavares de Melo e sua mulher D. Teresa de Jesus.” (p. 68)
“093.” (ao lado, escrito em tinta preta, se lê: “Repetição por
descuido do nº 35, pág. 17”) “Livro de batismo da freguesia
de Itamaracá a folhas 55 está o assento seguinte: Aos 17 dias
do mês de fevereiro de 1751 na Capela de N. S. dos Prazeres
do Engenho Macaxeira, de manhã, se receberam em face da
Igreja por palavras de presente com banhos corridos, sem
impedimento Cosme Serrão de Oliveira natural e morador da
cidade de Olinda, filho do Coronel João de Oliveira Camacho
e de sua mulher D. Inácia Pereira de Azevedo, já defuntos;
com Ângela de Lemos Barbosa, natural e moradora desta Ilha
de Itamaracá, filha do Tenente Manuel de Passos Barbosa e
de sua mulher Ângela de Lemos e Andrade, já defunta, em
minha presença e de duas testemunhas abaixo assinados e
receberam as bênçãos nupciais na forma do Sagrado Concilio
Tridentino de que fiz este assento dia e era supra. O Vigário
Francisco Nogueira, Antônio Tavares de Macedo, Fernando
Cabral de Guevara.” (p. 68)
“094. Em metade de um livro de batizados da Freguesia da
Luz, existente na Câmara Episcopal deste Bispado de Pernam-
buco, achei o assento seguinte: Em 10 de Outubro de 1727 com
licença do Reverendo Vigário João de Medeiros Furtado, na Ca-
pela de Santo Antônio do Engenho Camorim, batizou e pôs os
Santos Óleos o Reverendo Dr. João do Rego Barros a Francisco,
filho legítimo do Capitão Mor Francisco do Rego Barros e de
sua mulher D. Maria Manuela de Melo, foram padrinhos o Pro-
vedor da Fazenda Real João do Rego Barros e de sua mulher D.
Luzia Pessoa de Melo, de que fiz este termo em que me assinei.
O Vigário Antônio Correia Pinto.” (p. 68/69)

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“095. A folhas 130v. No mesmo livro acima referido achei o


seguinte assento. Em 16 de Maio de 1728 na Capela de S. João
desta Freguesia de S. Lourenço da Mata, batizou e pôs os Santos
Óleos o Pe. João de Barros Rego, a Pantaleão, filho legítimo do
Capitão Mor Pantaleão da Costa de Araújo, e de sua mulher D.
Inês Pessoa de Melo: foram padrinhos o Coronel André de Bar-
ros Rego e sua filha D. Ana Maria de Melo; de que fiz este termo
em que me assinei – O Vigário Antônio Correa Pinto.” (p. 69)
“096. Em um outro livro de casamentos e batizados da Fre-
guesia da Luz, a folhas 26v está o assento seguinte: Em 31
de Agosto de 1752 na Capela do Cipó com licença que tenho
do Reverendo Vigário da Luz o licenciado Antônio de Toledo
Machado, batizei a Ana, exposta na casa do Capitão Sebastião
Correia de Lima, e lhe pus os Santos Óleos: foram padrinhos o
dito Capitão Sebastião Correa de Lima e sua mulher D. Antônia
da Silva Pereira, moradores na Volta do Cipó, Freguesia da Luz;
e para constar fiz este assento que assinei. O Padre Manuel Fer-
nandes Lima.” (p. 69/70)
“097.” (apesar de não ter nenhuma observação ao lado, este
registro é igual ao de no 39) “No mesmo livro agora citado está
o seguinte assento - Em 30 de Outubro de 1752 na Capela do
Apuá, Invocação de nossa Senhora do Bom Sucesso, de noite,
com licença do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Bispo
D. Fr. Luís de Santa Teresa, feitas as denunciações na forma do
Sag[rado] Con[cílio] Trid[entino], nesta Matriz de N. S. da Luz, na
Capela do Petribú, onde assiste a contraente, e na Matriz de N.
S. do Rosário de Goiana onde é morador o contraente e ambos
naturais, sem se descobrir impedimento algum, dispensados no
segundo grau de consanguinidade, como consta do mandados
e certidões, satisfeitas as penitências na forma da mesma sen-
tença, que tudo junto fica no poder do Reverendo Vigário o
Licenciado Antônio de Toledo Machado, e de licença sua, na
minha presença e das testemunhas abaixo assinadas, o Capitão
Sebastião Correia de Lima e sua mulher D. Antônia da Silva,
pessoas conhecidas se receberam por palavras de presente,
José Correia de Lima, filho legítimo de Bento Correia de Lima e
de sua mulher Maria Pacheco, já defuntos; com Maria Pacheco,

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 431

filha legítima de Antônio Vieira de Melo e de sua mulher Maria


da Assunção, já defuntos, e logo lhes dei as bênçãos conforme
os ritos e cerimônias da Santa Madre Igreja; e para constar fiz
este que assinei. O Pe. Manuel Fernandes Lima - Sebastião Cor-
reia de Lima - D. Antônia da Silva Pereira.” (p. 70/71)
“098. Em 24 de Agosto de 1756 casou Feliciana Barbosa de
Vasconcelos, com Manuel Martins Nine [sic], ela filha do Capi-
tão Manuel Mendes de Vasconcelos e de sua segunda mulher
Feliciana Barbosa da Silva, e ele filho legítimo de João da Costa
Ribeiro e de sua mulher Josefa Muniz Nive [sic]. Livro de casa-
mentos da Freguesia da Luz a folhas 53v.” (p. 71)
“099. A folhas 74 de um livro da Freguesia da Luz está o
assento de óbito do Capitão Mor Alexandre Cavalcanti de Albu-
querque, solteiro, sepultado na Capela de N. S. de Todo Bem
do Apuá a 24 de Maio de 1747. Era filho da viúva D. Isabel da
Silva da Silveira.” (p. 71)
“100. No mesmo livro a folhas 45 está o assento que segue:
Em 30 de Março de 1727 faleceu da vida presente o Tenente
General Francisco Coelho de Arouche, com todos os Sacramen-
tos, casado, senhor do Engenho Cutungúba desta Freguesia,
não fez testamento, foi amortalhado em hábito de S. Francisco,
sepultado na Capela do seu Engenho por assim o pedir, de que
fiz este assento em que me assinei. O Vigário Antônio Gonçal-
ves Lima.” (p. 72)

Referências bibliográficas

GALVÃO, Sebastião de Vasconcelos. 1908-1927. Dicionário Chorográfico,


Histórico e Estatístico de Pernambuco. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional.

GAMA, José Bernardo Fernandes. 1844. Memórias Históricas da Provín-


cia de Pernambuco. Recife: Tipografia de M. F. de Faria.

HONORATO, Manuel da Costa. 1863. Dicionário Topographico, Estatísti-


co e Histórico da Província de Pernambuco. Recife: Tipografia Universal.

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432 Tácito Luís Cordeiro Galvão

LUNA, Padre Lino do Monte Carmelo. 1857. Memória Histórica e Biográ-


fica do Clero Pernambucano. Recife: Tipografia de F. C. de Lemos e Silva.

MELO, José Antônio Gonsalves de. 1956. João Fernandes Vieira – Mestre
de Campo do Terço de Infantaria de Pernambuco. Recife: Universidade do
Recife, 1956. 2 volumes.

Memórias da viagem de S.S. Majestades Imperiais às províncias da


Bahia, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Espírito Santo. Rio de
Janeiro: Typographia e Livraria de B. X. Pinto de Souza, 1861.

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 433

Índice onomástico14

NOME DOC.

ABREU
Ana de, Dona 003, 004, 077
Joana de 060
Manuel Pereira Calheiros, Capitão 071, 075
Maria de, Dona 089
Maria Dias de, Dona 041, 077
ABREU E LIMA, Francisco de, Capitão, 046
AGUIAR
Manuel de Faria de, Licenciado 084
Pedro de, Alferes 002, 078
ALBERTIM, Luís Lobo de, Capitão 041, 042
ALBUQUERQUE
Alexandre Cavalcanti de, Capitão-Mor 099
Antônio Cavalcanti de, Sargento-Mor 066
Bartolomeu Leitão de 021
Brites de, Dona 054
Clara, Dona 020
Eugênio Cavalcanti de 030
Feliciana Barbosa de, Dona 020, 025
Francisco Cavalcanti de, Capitão 066
Francisco Cavalcanti de, Padre 010
Isabel Cavalcanti de 031
Jerônimo Cavalcanti de, 028, 029, 030, 031, 032
Alferes/Tenente
Jerônimo Fragoso de 028
Joana Cavalcanti de, Dona 038
João Cavalcanti de 066
João Cavalcanti de, Coronel 059, 066
João Cavalcanti de, Sargento-Mor 070
João Coelho de 038

14 Índices elaborados por George F. Cabral de Souza.

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434 Tácito Luís Cordeiro Galvão

João Leitão de 019, 022, 025, 026


Jorge Leitão 018, 019, 021, 025, 026
José de Sá de, Coronel 086
Leonor de Melo de 088
Manuel Cavalcanti de 061
Madalena Barbosa de 021, 022, 025
Maria de Vedra de 025
Paulo Cavalcanti de 032
Paulo Leitão de 018, 025
Pedro Cavalcanti de, Sargento-Mor 008, 011
Romão Leite de 021, 025
Sebastiana Cavaca de 057
Simoa de, Dona 066
ALCOFORADO
Afonso Guedes, Alferes 003
Felipe Guedes, Capitão 003, 004, 078, 079
João Guedes, Capitão 002, 041, 077, 078
Laura Guedes 002, 078
ALMEIDA
Adriana de, Dona 074
Antônio de 057
Domingos de 057
João de
Luís Figueiredo de, Vigário 003
Mariano de 057
ALVARENGA
Jacinto Coelho de 044, 045, 046
Jerônimo Coelho de 045
ALVES, Beatriz
AMPARO, Maria de Lima, Dona 044
Ana [exposta na casa de Sebastião Correia de Lima] 096
Ana [filha de Cosme de Castro e Lígia de Oliveira] 059
ANDRADA
Francisco de 073
Francisco da Silva
Isabel da Silva 017

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 435

Manuel de 057
ANDRADE
Agostinho César de, Capitão-Mor 008
Ambrósio Berenguer de 022, 025
Ângela de Lemos e 035, 093
Francisco Berenguer de, Capitão 012
Francisco Berenguer de, Coronel 073
Luísa Margarida de, Dona 034
Manuel Freire 056
Andresa [filha do Capitão João Ferreira 082
de Freitas e Ana de Freitas]
Antônia [filha legítima de Vitoriano das 060
Neves e Josefa da Assunção]
Antônia [mulher de Manuel de Andrada, 057
sobrinha de Dona Luzia de Leão]
Antônio [filho de João de Almeida] 057
Antônio [filho de João Tavares de Melo e 071, 091
Dona Teresa de Jesus]
Antônio [filho do Capitão Manuel Muniz de Oliveira] 050
Antônio, moleque Angola [escravo de Dona Luzia de Leão] 057
ARAGÃO, Leonor Ximenes, Dona 043
ARAÚJO
Bento Pessoa de, Sargento-Mor 013
Isabel de 080
João Carlos de, Capitão 081
João Saraiva de, Padre, Vice-Vigário 040
José Tavares de, Padre 033, 037
Miguel Pessoa de, Sargento Mor 037, 038, 069, 072
Pantaleão da Costa de, Capitão-Mor 094
AROUCHA/AROUCHE, Francisco Coelho 038, 100
de, Tenente-General
ASSUNÇÃO
Maria da 039, 097
Josefa da 060
AVELAR, Francisca de 040
AZA, Isabel de
AZEVEDO
Estevão de 049

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436 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Inácia Pereira de, Dona 035, 085, 093


BACALHAU, João Marques, Capitão 040, 047 048
BACELAR
Ana de Freitas 087
Diogo de Souza, Capitão 087
Isabel de Souza, Dona 087
BARBALHO, Gregório de Figueiredo, Capitão 016
BARBOSA
Ângela de Lemos 093
Ângela de Sena 035
Catarina 025
Gaspar de Almeida, Padre 085
Joana, Dona 019, 026
João Soares, Doutor, 034
Leonor, Dona 025
Madalena, Dona 018, 019, 025, 026
Manuel de Passos, Tenente 035, 093
Maria, Dona 025
Tomé de Freitas 071
BARRETO
Arnau de Holanda 074
João de Abreu, Reverendo 008
BARROS
Ana do Rego 005
Francisco do Rego, Capitão-Mor 094
Joana de, Dona 074
Joana do Rego, Dona 071, 090
João do Rego, Doutor, Padre 094
João do Rego, Provedor da Fazenda Real 094
Manuel de Freitas, Doutor, Vigário Geral 088
e Juiz dos Casamentos
BERENGUER
Antônio César, Padre 076
Helena, Dona 027
Luzia César, Dona 076
BEZERRA

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 437

Bento 079
Cosme Mendes 051
Custódia 083
Inácia 083
Jerônimo de Brito, Vigário 090
Leandro, Tenente-Coronel 086
Manuel, Alferes 079
Maria de Abreu, Dona 033, 085
Pedro Cavalcanti, Capitão 073
BORBA
Antônio Dias 052
Manuel Dias 052
BRITO, Inês da Veiga 033
BULHÕES, Gabriel Correia 070
CABRAL
Gonçalo, Padre 001
Jerônima da Veiga, Dona 045
Jerônimo da Veiga, Capitão-Mor 043
José 057
Manuel da Veiga, Alferes 043, 044
Valentim Tavares, Capitão-Mor 043
CALHEIROS
Jorge da Costa, Tabelião 070, 073
Manuel da Costa 072
Sebastião Távora 057
CAMACHO
João de Oliveira, Coronel 085, 093
Luís de Oliveira, Coronel 033, 085
CAMELO Nuno, Sargento-Mor 068
CARDOSO
Agostinho, Alferes 057, 062
Amaro Velho 079
Antônio Rodrigues, Capitão 006
Diogo Velho, Capitão 001, 079
Inácio 057
João 057

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438 Tácito Luís Cordeiro Galvão

José 057
Luzia, Dona 057
CARVALHO
João 010
João de Oliveira, Coronel 035
Vitória de 040
CASTRO
Cosme de 059
Genebra de Vasconcelos e, Dona 033
Isabel Álvares de 016
João 032
José de, Sargento-Mor 049
José Purrete de Morais 027
Lourenço de 070
Marcos de 030
Matias Tavares de, Cura 082, 086, 087, 089
CATANHO
Águeda de Barros 054, 082
Ana da Fonseca 086
Maria Gomes 054
CAVALCANTI
André de Barros, Cônego 011
Arcângela 061
Arcângelo 060
Brásia 016
Isabel, Dona 028
João, Coronel 060, 061, 066
Manuel da Serra 016
Margarida, Dona 054
CHAVES, Cirila de 079
CÉSAR
Maria, Dona 070, 073
Maria Joana, Dona 070
COELHO, Francisco Soares 070
COLAÇO, Antônio Rodrigues, Capitão 070
CORREIA

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 439

Ana Maria, Dona 071, 090


Antônia 053
Cristóvão 017
Gaspar 087
Matias, Cura 053, 054
CORTÊS, Manuel Regado de Siqueira, Vigário 068
COSTA
Brás de Araújo da, Tenente/Comissário de Cavalaria 055, 089
Francisco Alves da 080
Francisco e Oliveira da, Padre 049
Isabel Dias 052
José Alves da 080
Paulo da 028, 032
Sebastião Pereira da 063
COUTINHO, Brites, Dona 017
COUTO, Maria Dias 017
CRISTIANA, Ana da Fonseca 086
CRUZ, José Fernandes da, Licenciado, Vigário 006
CUNHA
Jerônima da 007
João Carneiro da, Capitão-Mor 033, 034
Manuel Carneiro da, Capitão-Mor 070
DAMA, Brígida de Oliveira 053
DIAS
Domingos, Padre 033
Sebastião 007
DORNELAS, Luzia [ou Luísa], Dona 033, 089
DOURADO, Salvador Quaresma 053
DRUMMOND, Juliana de, Dona 033
ESTEVES, André 051
FAÇANHA, Cosme Pereira 065
FALCÃO
Idelfonso de Figueiredo, Coadjutor de 040
Maranguape
Isabel de Freitas 040
Francisco de Souza, Capitão 089

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440 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Pedro de Figueiredo, Tenente 040


FARIA, Antônio de 061
FEIO
Brás Barbalho, Capitão 006
João Correia, Padre 057
FERREIRA, Antônio da Cunha, Sargento- 040
Mor
FIALHO, Dom José, Bispo de Pernambuco 033
FIGUEIRA, João, Capitão 080
FIGUEIREDO, Isabel de, Dona 047, 048
FILGUEIRA, Josefa Gomes 051
FONTES
Agostinho Francisco de 017
João Figueira de, Capitão 087
José de 083
FONSECA
Antônio da 054
Gonçalo Pinto da 089
Luís Pereira da, Padre 072
Francisco [filho de Baltazar Mendes e 058
Bárbara Leite]
Francisco [filho do Capitão-Mor Francisco do 094
Rego Barros e de Dona Maria Manuela de Melo]
Francisco [filho de Gonçalo Rodrigues e Beatriz Alves] 052
Francisco [filho do Capitão Marco de 049
Oliveira Gag [sic] e Dona Águeda de Melo
FREIRE, João Gomes 088
FREITAS
Ana de 082
Cosme de 074
Elói, Padre 032
Hilário de 060
João Ferreira de, Capitão 082
João Nunes de 073
FURTADA, Cosma 083
FURTADO
João de Medeiros, Vigário 048, 094

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 441

Paulo de Medeiros, Capitão 040


GAG [sic]
Maria de Oliveira, 048
Marco de Oliveira, Capitão 049
GIL, Domingos Pereira, Doutor 073
GOMES
Manuel Ferreira, Padre Capelão 044, 045
Maria 015
Domingas 028
Francisca 028
Leonor 050
Gonçalo [filho de Manuel Filgueira e Dona Maria de Souza] 043
GOUVEIA
Antônio de Almeida e 057
Mariano de Almeida e 057
GRANDIO
Manuel Gomes 001
Maria Alves 001
Sebastião Lopes, Provedor da Fazenda 001
Simão Gomes 001
GUEDES
Ana, crioula 002, 078
Clara 079
Francisco Lopes 073
João, Capitão 004, 042
José Ferreira, Cura 012, 013
Margarida, Dona 041, 042
GUEVARA
Antônia Velez de, Dona 043
Bernardina Antônia de, Dona 043
Fernando Cabral de 035, 093
Valentina Maria Cabral de, Dona 043
GUSMÃO, Bartolomeu Peres de, Doutor 019
HOLANDA, Cristóvão de 059
ILÃO, João, Alferes 070

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442 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Inês [filha do Capitão José Camelo Pessoa 081


e Dona Isabel Mendes de Vasconcelos
INFANTA
Caetana de Jesus 063
Manuela de Lara 063
Isabel Maria, Dona [mulher do Capitão 072
Diogo Carvalho Maciel]
JESUS
Josefa Maria Margarida de, Dona 062
Maria de 006
Teresa Maria de, Dona 071, 075
Teresa de [mulher de João Tavares de Melo] 071, 091, 092
João [filho de João Bezerra Monteiro e 076
Dona Luzia César Berenguer]
João [filho de Luís da Veiga Pessoa e 037
Maria Dornelas de Vasconcelos]
Joaquim Francisco 071
José [filho de Cosme Mendes de Bezerra 051
e Josefa Gomes Filgueira]
José [filho de ?] 057
Josefa Maria, Dona [mulher do Alferes Agostinho Cardoso] 057
Juliana, Mulata [escrava de Dona Luzia de Leão] 057
Laura, mulata 003
LACERDA
Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque e, Capitão-Mor 087
Joana de, Dona 088
LEÃO
Antônio Dias de 055, 056, 057, 064
Bárbara de, Dona 055
Henrique de 055
Luzia de, Dona 055, 057, 062
LEITÃO
Ana Maria, Dona 033
Antônio da Costa, Capitão 085
Joana da Costa 085
LEITÃO [FILHO], Antônio da Costa 085
LELOU, Pedro de, Sargento-Mor 041, 073

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 443

LEMOS, Antônio Borges de, Vigário 002, 004, 005, 036, 041,
042, 078, 079, 083, 084, 085
LIMA
Antônio Barbosa de, Capitão 036
Antônio Borges de, Licenciado, Vigário 016
Antônio Gonçalves de, Licenciado, 049, 050, 058, 059, 060, 061,
Vigário 100
Bento Correia de 039, 097
Francisco Borges de, Vigário 002
Francisco Pereira de, Capitão-Mor 084
João de, Escrivão 073
José Correia de 039, 097
Manuel Barbosa de, Capitão Mor 036
Manuel Fernandes, Padre 096, 097
Margarida Varela de 016
Pascoal Gomes de, Alferes 027
Sebastião Correia de, Capitão 039, 096, 097
LINS, Bartolomeu, Capitão 054
LIRA
Antônio de Souza, Capitão 070
Francisco de Brito, Tenente/Capitão 033
Luís de Brito 033
Salvador de Souza 002, 078
LOBA, Maria de Castro 086
LOBO, Luís, Capitão 002, 078
Luís, crioulinho [escravo de Dona Luzia de Leão] 057
Luzia, negra arda [escrava de Dona Luzia de Leão] 057
MACEDO
Antônio Soares de 035
Antônio Tavares de 093
MACHADO
Antônio de Toledo, Vigário, Licenciado 039, 096, 097
Manuel Pinheiro, Capitão 053
MACIEL
Antônio Calheiros, Capitão 072
Diogo Carvalho, Capitão 072
Maria de Oliveira, Dona 005

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444 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Vicência, Dona 072


MADEIRA, Francisco Alves, Alferes 083
MADURO, Manuel de Barros 017
MAGALHÃES
Francisco de Souza, Pe. 057
Jerônimo de Souza, Licenciado 055, 064
Manuel, mulato
Manuel Fernando, Padre 039
Manuel [filho de ?] 057
Manuel [filho de Manuel da Costa 069
Calheiros e Inês Pessoa de Vasconcelos]

Manuel [menino criado na casa do Pe. João Correia Feio] 057


MARANHÃO
Afonso de Albuquerque, Capitão-Mor 088
Afonso de Albuquerque, Mestre de Campo 034
Jerônimo de Albuquerque, Capitão 034
Luís de Albuquerque 088
Maria [filha de Antônio de Faria e Maria de Jesus] 061
Maria, Dona [filha do Capitão Manuel Muniz de Oliveira] 049
Maria, Dona [filha do Sargento-Mor 057
Pedro Cardoso Moreno e Inês Neta
Pereira]
Maria Clara 015
Maria da Conceição, Dona [mulher de 055, 056, 057, 064
Antônio Dias Leão]
Maria da Conceição, Dona [mulher do 051
Coronel Gonçalo Ferreira da Ponte]
Maria de Jesus [mulher de Antônio de Faria] 061
Maria de Nazaré, Dona [filha do Alferes 057
Agostinho Cardoso e de Dona Josefa
{filha de Dona Luzia de Leão}]
MARRECOS, Francisco Cabral, Tenente-Coronel 086
MATOS
Luísa Soares de, Dona 071
Maria Soares de 084
MELO
Águeda de, Dona 049

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 445

Ana de, Dona 013


Ana Maria de, Dona 095
Antônio Bandeira de, Alferes 005
Antônio Vieira de 039, 097
Baltazar Pereira de, Doutor 070
Brás de, Capitão 053
Francisco Muniz de, Tenente 053
Francisco de Oliveira e 088
Francisco Vieira de, Capitão-Mor 006
Inês Pessoa de, Dona 095
Isabel Bandeira de, [filha] Dona 005
Jerônimo César de, Capitão-Mor 008, 012, 070, 073
João Tavares de 071, 091, 092
Luísa Pessoa de, Dona 094
Luísa Soares de 075
Manuel Gomes de, senhor do engenho 074
Trapiche
Maria de, Dona 074
Maria Manuela de, Dona 094
Dom Matias de Figueiredo e, Bispo de 045
Pernambuco
Miguel Muniz de, Capitão 053
Nicolau Tavares de 071, 075
Teresa de, Dona 011, 012, 014
Teresa Tavares de, Dona 071, 090
MENDES, Beatriz 001
MENDONÇA
Antônio Pinheiro Loio de, Capitão 076
Luís de, Capitão-Mor 087
MENEZES
João da Cunha e, Vigário 062
Luís Velho de 044, 045
MIRANDA, Luís de Figueiredo e, Padre 043, 044, 045
MONTEIRO
Cosme Bezerra 089
João Bezerra 076
MONTENEGRO

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446 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Domingos de Albuquerque [filho] 015


Domingos de Albuquerque, Capitão-mor 015
MORAIS
Maria de, Dona 080
Serafina, Dona 027
MOREIRA
Apolinário, Vigário 033, 066
Domingos Dias, Pró-Vigário 076
Maria 001
MORENO
Francisco Cardoso 057
Inácio Cardoso 057
José Cardoso, Capitão 057
José Cardoso, Coronel 062
José Cardoso, Padre 057
José Cardoso, Tabelião 055
Manuel Cardoso, Doutor 057
Pedro Cardoso, Sargento-Mor 057
MOTA, José da, Capitão 054
MUNIZ, Manuel, Capitão-Mor 031
NASCIMENTO, Maria do 006
NAVARRO, Manuel Alves de Morais 027
NEGREIROS, Matias Vidal de, Coronel 082
NEGROMONTE, Gonçalo Coelho, Sargento-Mor 073
NETA
Inês 057
Joana, Dona 055, 056, 063
NEVES
Pedro Jorge 010
Vitoriano das 060
NINE [sic], Manuel Martins 098
NIVE [sic], Josefa Muniz 098
NOGUEIRA
Francisco Luís, Vigário 034, 090, 093
Francisco Luís 035
OLIVEIRA

Revista do IAHGP, Recife, n. 69, pp. 381-458, 2016

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 447

Antônia de, Dona 027, 031


Catarina de, Dona 049
Cosme Serrão de 035, 092
Francisca de 088
Lígia de 059
Manuel Muniz de, Capitão 049
Morais de, Capitão 050
PACHECO
Antônio Gomes, Capitão-Mor 034
Maria 039, 097
Pantaleão [filho do Capitão-Mor Panta- 095
leão da Costa Araújo e de Inês Pessoa de
Melo]
PAULO, Cristiano 086
Pedro [filho do Capitão João Guedes 077
Alcoforado e Maria Dias de Abreu]
PEDROSA, João Gomes 070
PEREIRA
Ana 084
Antônia da Silva, Dona 039, 081, 096, 097
Antônio de Aguiar, Cura 014
Antônio de Azevedo 063
Francisco de Brito 085
Inês Neta, Dona 057
Manuel da Costa 071
Manuel Nunes 084
Mariana 080
Nicolau, Capitão 016
PERES
Andresa, Dona 021
Catarina, Dona 025
Isabel 002, 018
Jacome 021
Jacques 025
PESSOA
Ana Maria, Dona 015
Antônio de Araújo, Sargento Mor 033

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448 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Brígida, Dona 038


Inês, Dona 068
João Ribeiro 033
João Ribeiro, Capitão 033
José Camelo, Capitão 081
Luís da Veiga, Capitão 033, 037
Luzia, Dona 074
Manuel, Padre 033
Maria, Dona 068
Pedro da Silva, Capitão 080
PIMENTEL, Alberto 088
PINHEIRO, Andresa Dias 053
PINTA, Mariana 028, 030
PINTO
Antônio Correia, Vigário 081, 094, 095
Bento Figueira 007, 009
Domingos Nunes 084
Simão Roiz 017
PONTE
Francisco Ferreira da, Coronel 074
Gonçalo Ferreira da, Coronel 051
PORTO CARREIRO
Antônio Pita 021, 025
João Pita 025
PURRETE, Luís Penedo 027
RABELO, Manuel, Capitão 010
RAPOSO SOBRINHO, Manuel, Padre 088
REGO
André de Barros, Capitão ou Coronel 067, 068, 074, 095
Francisco da Fonseca, Doutor, Vigário-Geral 005
João de Barros, Padre 095
José de Barros, Padre 081
Manuel da Fonseca, Capitão 054
REVOREDO, Maria Coelho, Dona 034
RIBEIRO
Jerônimo Teixeira 086

Revista do IAHGP, Recife, n. 69, pp. 381-458, 2016

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 449

João da Costa 098


ROCHA
Antônio de Castro, Alferes 028
Florência de Castro, Dona 028, 029, 030, 031, 032
João Paes da, Padre 061
Margarida da, Dona 027
Roque de Castro, Sargento-Mor 028
Teodoro da, Capitão 027
RODRIGUES
Bernardo, Alferes 070
Gonçalo 052
Joana 001
RODRIGUES NETO, Manuel, Cura 007, 008, 011
ROMEIRO, Antônio Gonçalves 043, 083
Roque [filho de João Tavares de Melo e 071, 092
Dona Teresa de Jesus]
ROTEA, João Dantas, Alferes 010

Cosma Monteiro de, Dona 071
Fernando Carvalho de, Capitão/Tenente-Coro- 054, 082
nel
Manuel Curado Garro de, Capitão 087
Maria Curado Pereira de 087
Simão Rodrigues de, Vigário 027
Úrsula Maria de, Dona 088
SANTA TERESA
José, Frei, Vigário 057
Dom Luís de, Frei, Bispo de Pernambuco 039, 097
SANTOS
Francisco Botelho dos, Escrivão da Fa- 043, 083
zenda Real de Itamaracá
João 006
SÃO CAETANO, Francisco José de, Padre, 049, 050
Monge Beneditino
SÃO FRANCISCO, Diogo de, Padre 033
SEABRA
Joana de 059

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450 Tácito Luís Cordeiro Galvão

José de, Tenente 058, 059


SEPÚLVEDA, Miguel Rodrigues 033
SERRA, João Luís da, Capitão 016
SILVA
Alexandre da, Coadjutor 072
Antônia da, Dona 058, 097
Antônio Botelho da, Capitão-Mor 001
Beatriz da 065
Feliciana Barbosa da 098
Jerônima Ferreira da 006
João Correia da, Cura 009
João Guedes da 077
Luís Lopes da 005
Luís Marreiros da 058, 059, 060
SILVEIRA
Isabel da Silva, Dona 099
Manuel da Mota, Alferes 058
SIMÕES, Tomás, Vigário 037, 050
SOARES
Ângela Garcia 084
João Damasceno, Padre 033
Manuel Velho 084
Tomásia, crioula forra 079
SOBREIRA
Manuel Gonçalves 010
Miguel Gonçalves, Coronel 010
SOUZA
Bartolomeu de 073
Francisco de 057
Jerônimo de, Licenciado 056
João da Costa e, Vigário, Licenciado 072
José Barbosa e 088
Petronila, Dona 001
TABOSA, Manuel Ferreira, Capitão 015
TAVARES
Antônia Teresa, Dona 043

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 451

Francisco Paes, Capitão 071, 075


TAVEIRA, Francisco Gomes 050
TÁVORA
Isabel de, Dona 055
Matias Siqueira de, Alferes 016
TEIXEIRA, Paulo 033
Teresa [filha de Estevão de Azevedo e 049
Dona Catarina de Oliveira]
VALDIVISSO, Baltazar Dornelas 086
VASCONCELOS
Ana de, Dona 037
Antônia Tavares de 071
Antônio Carvalho de, Capitão 033, 089
Antônio de Carvalho e, Padre 089
Antônio Tavares de 090
Apolinário Moreira de, Vigário 037
Bernardo de Miranda e, Padre 033
Brígida Pessoa de, Dona 069
Feliciana Barbosa de 098
Félix José Machado de Mendonça Castro 036
de, General, Governador de Pernambuco
Francisco Alves de, Almoxarife da Fa- 005, 071
zenda Real da Capitania de Itamaracá
Francisco Álvares de 090
Francisco Bezerra de, Padre 051, 069
Isabel Mendes de, Dona 081
Jerônimo Pereira de 072
Luísa, Dona 071, 075
Manuel Leite de 080
Manuel Mendes de, Capitão 098
Maria Dornelas de, Dona 033, 037
Maria Teles de, Dona 038
Reinaldo Soares de 090
Rosaura Tavares de, Dona 071
Simão Alves [ou Álvares] de, Capitão/Tenente 071, 090
Simão Aranha de 005
Vicente Aranha de 005

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452 Tácito Luís Cordeiro Galvão

VEDRA
Alberto Geraldo, Capitão 021, 025
Leonor de 021, 025
VEIGA, Marcelino Soares da 033
VELHO, Gonçalo 049
VIEIRA
Adriana, Dona 034
André 007
João Fernandes 070
Manuel Fernandes, Padre 077
Manuel Martins 057
VILAS-BOAS, Francisca, Dona 025
WANDERLEY
Gaspar 074
Mariana de Almeida, Dona 074

Índice toponímico

Local Documento

Abrantes 001
Água Fria 024
Alagoa Grande (Freguesia da Luz) 089
Alemanha 021, 025
Arquivo da Câmara Episcopal (Bispado de Pernam- 033, 094
buco)
Beberibe 024
Beco da Misericórdia (Cidade da Paraíba) 057
Boa Vista 040, 051
Braga, Arcebispado de 087
Cabo [de Santo Agostinho] 074
Camovas, Lugar das 006
Capela
do Bom Jesus (Engenho Araripe do Meio, Itamaracá) 084

do Engenho Novo de Goitá 047

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 453

do Engenho Petribú 039, 097


da Gloriosa Santana (Lugar das Camovas) 006
do Glorioso São João Batista (Anexa à Matriz de Nossa 077, 078, 0798
Senhora da Conceição, Itamaracá)
de Inhamã 033
de Nossa Senhora do Amparo 043
de Nossa Senhora do Bom Despacho (Engenho Massa- 072
randuba, Freguesia de Tejucupapo)
de Nossa Senhora do Bom Sucesso (Engenho Apuá) 039, 058, 060,
097
de Nossa Senhora do Bom Sucesso (Engenho Caraú) 085

de Nossa Senhora do Bom Sucesso (Engenho Tanhenga) 081

de Nossa Senhora das Candeias (Engenho Cunhaú, 088


Rio Grande do Norte)
de Nossa Senhora da Conceição (Engenho Volta do Cipó) 059, 096
de Nossa Senhora da Conceição (Freguesia de Jaboatão) 076
de Nossa Senhora da Penha de França 057
de Nossa Senhora da Piedade (Engenho do
089
Brandão, Freguesia da Taquara)
de Nossa Senhora dos Prazeres da Alagoa Grande 033, 037, 038
(Freguesia da Luz)
de Nossa Senhora dos Prazeres 001, 017, 035, 036, 093
(Engenho Macaxeira)
de Nossa Senhora dos Prazeres e São José (Itamaracá) 044,
045
de Nossa Senhora do Rosário (Engenho Tiberi, Paraíba) 057
de Nossa Senhora de Todo o Bem (Engenho Apuá) 061, 099
da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo 056,
062, 064
da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo do Recife 057
de Santa Luzia 033
de Santa Rosa de Lima 048
de Santo Antônio (Engenho Camorim) 094
de São Bernardo (Freguesia da Luz) 049
de São Francisco (Freguesia da Luz) 049, 050
de São Gonçalo 030
de São Gonçalo (Engenho Timbó) 040
de São João (Freguesia de São Lourenço da Mata) 095
de São João Batista (Freguesia de N. S. da 002, 003, 004, 041,
Conceição, Vila de Itamaracá) 042

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454 Tácito Luís Cordeiro Galvão

de São João Batista (Freguesia da Taquara) 086


do Senhor Bom Jesus 034
do Senhor Santo Antônio do Potengi 027
Capibaribe, rio 049, 050, 059, 066
Convento
de Nossa Senhora do Carmo do Recife 057
de São Francisco de Olinda 067, 073
Córrego
das Sete Caias 024
das Trincheiras 024
Engenho
de Antônio Gonçalves Romeiro (Itamaracá) 043
Apuá 039, 058, 059, 060, 061, 066, 097, 099
Araripe 033
Araripe de Baixo 043
Araripe do Meio 084
do Brandão (freguesia da Taquara) 054
Camorim 094
Caraú 033, 085
Cunhaú (Rio Grande do Norte) 088
Cutunguba 100
Inhamã 033, 040
Macaxeira 017, 093
Massaranduba (Freguesia de Tejucupapo) 072
do Meio 070
Novo de Goitá 047
Petribú 039, 097
São João (Freguesia de São Loureço da Mata) 067, 074
São João Batista (Várzea do Capibaribe) 070, 073
Tanhenga 081
Tiberi (Paraíba) 057
Timbó 040
Trapiche (Cabo) 074
do Uma (Freguesia da Luz) 076
Volta do Cipó 059, 066, 096
Estrada

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 455

da Madeira 024
de Paratibe 024
de Santo Amaro 024
da Serraria 024
Goiana
Freguesia de 079
Matriz de Nossa Senhora do Rosário 033, 039, 097
Guiné 002, 078
Igarassu 005, 016, 033, 040
Freguesia de Santos Cosme e Damião 005, 033, 069, 071
Igreja
de Nossa Senhora do Livramento (Paraíba) 057
de Nossa Senhora da Penha de França da Taquara 053
de Nossa Senhora dos Remédios de Goitá 051
de Nossa Senhora do Rosário 069
de Nossa Senhora do Rosário (Engenho Brandão, 054
freguesia da Taquara)
Matriz do Corpo Santo (Recife) 057, 065
Matriz de Nossa Senhora da Penha de França 080
(Freguesia da Taquara)
Sé de Olinda 085
Ilha da Madeira 008, 065
Itamaracá
Capitania 071
Freguesia de 007, 016, 017, 034, 035, 036, 044, 071, 075, 077, 078, 079,
083, 084, 089
Ilha de 003, 005, 036, 089,
093
Vila de 002, 083, 085
Jaboatão, Freguesia de Santo Amaro de 076
Ladeira do Quebra Cú 024
Maranguape 040, 070, 073
Freguesia de 009, 012, 013, 071
Matriz de N. S. dos Prazeres 014
Molinote, Lugar 040
N. S. da Conceição de Itamaracá
Freguesia de 001, 002, 005, 017, 043, 078, 084

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456 Tácito Luís Cordeiro Galvão

Matriz de 005, 016, 042, 044, 045, 077, 079, 083, 085
Vila de 043
Nossa Senhora da Luz
Freguesia da 015, 033, 037, 038, 039, 047, 049, 050, 052, 058,
059, 060, 061, 069, 071, 072, 076, 089, 094, 096, 098, 099
Matriz 039, 097
Lugar da Volta do Cipó 058, 059
Olinda 002, 007, 009, 017, 035, 070, 073, 078, 085, 093
Paraíba
Capitania da 057
Cidade da 053, 057
Ribeira da 057
Paratibe 010, 021, 023
Estrada 024
Pernambuco
Bispado de 005, 016, 079, 094
Capitania de 070, 073
Poço da Pióca (ou Piuça) 024
Ponte de Antônio Pires 024
Porto, Bispado do 084
Povoação de Pernambuco, Matriz da 002
Recife
Vila do 057, 062
Freguesia de São Frei Pedro Gonçalves 063
Ribeira do Capibaribe 049, 050, 059, 066
Rio Grande do Norte 027, 028, 088
Rua da Senzala (Recife) 057
Santana, Freguesia de 076
Santa Casa de Misericórdia de Olinda 007, 009
Santa Marta, Freguesia de (Bispado do Porto) 084
Santo Antão da Mata 006
São Gonçalo da Boa Vista 051
São Lourenço da Mata 026
Freguesia 048, 049, 050, 054, 067, 068, 071, 074, 095
Sirinhaém 020, 028
Sítio Ilha 024

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As “Notas Históricas e Curiosas” de Salvador Henrique de Albuquerque 457

Tancos, vila de 040


Taquara
Freguesia da 053, 072, 082, 086,
089
Curato da 053, 054, 082
Matriz de Nossa Senhora da Penha de França 080, 082, 087
Tejucupapo, Freguesia de 071, 072, 086, 091
Tracunhaém
Freguesia de Santo Antônio de 033, 050
Lugar 079
Várzea do Capibaribe, Freguesia da 070, 073
Volta do Cipó (Freguesia da Luz)
Engenho da 059
Lugar da 058, 059, 096

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A SAGA DO CANGAÇO:
VERDADES E MENTIRAS

Melquíades Pinto Paiva1

Resumo: A rebeldia rural sempre ocorre quando o acesso à terra e as con-


dições econômicas e sociais são perversas para a gente pobre. No nordeste
do Brasil, o latifúndio e o coronelismo geraram e alimentaram o cangaço.
Cuja maior visibilidade e melhor organização, durou cerca de 70 anos, com-
preendidos entre 1870 e 1940. Dentro deste período, posso distinguir cinco
fases: o cangaço primitivo, a cangaço em ascensão, o apogeu do cangaço,
ressurgência do cangaço e sua acomodação, e o final do cangaço. Este arti-
go procura discutir como os mitos sobre o cangaço foram surgindo e, assim,
procuro apresentar os fatos, esclarecendo, de maneira processual a constru-
ção de um tema tão polêmico da historiografia brasileira.

Palavras-Chave: Cangaço. Nordeste do Brasil. Coronelismo.

The Cangaço Saga: truths and lies

Abstract: Rural rebellion always occurs when access to land and economic
and social conditions are perverse to poor people. In the northeast of Bra-
zil, latifundio and coronelism generated and fed the cangaço. Within this
period, I can distinguish five phases: the primitive cangaço, the cangaço in
ascension, the apogee of the cangaço, resurgence of the cangaço and its ac-
commodation, and the end of the cangaço. This article tries to discuss how
the myths about the cangaço came about and, thus, I try to present the facts,
clarifying, in a procedural way, the construction of such a polemic subject
of Brazilian historiography.

Keywords: Cangaço. Northeast of Brazil. Colonelism.

1 Professor emérito da Universidade Federal do Ceará, sócio correspondente do


Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano e sócio efetivo do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Revista do IAHGP, Recife, n. 69, pp. 459-468, 2016

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460 Melquíades Pinto Paiva

A rebeldia rural sempre ocorre quando o acesso à terra e


as condições econômicas e sociais são perversas para a gente
pobre. No nordeste do Brasil, o latifúndio e o coronelismo ge-
raram e alimentaram o cangaço.
Com o povoamento da faixa costeira começaram os con-
flitos entre ricos e pobres, depois da desocupação por ex-
termínio e/ou afastamento dos índios. Na zona canavieira, o
pequeno bando de José Gomes (Cabeleira) – (século XVIII), e
no Recôncavo Baiano as estripulias de Lucas da Feira (século
XIX), marcaram o começo do cangaceirismo nordestino, bafe-
jado pelos ventos marinhos.
A interiorização curraleira, com a chegada de gente e boia-
das, foi processo violento, tingido pelo sangue no viver coti-
diano, na lida com os bichos e lutas de famílias, normalmente
pelo domínio das terras. Isto sem falar da resistência dos índios.
As fazendas que iam se estabelecendo, latifúndios originados
das sesmarias, passaram ao domínio dos coronéis de barranco,
com seus agregados – agricultores e vaqueiros. Para os serviços
de segurança, demonstrados na expansão das terras tomadas de
vizinhos mais fracos e no controle dos pobres, apareceram os
jagunços, componentes de tropas privadas. Era a usurpação do
poder do Estado, ausente e distante, no isolamento das caatingas.
Dos jagunços saíram os primeiros cangaceiros, formando
grupos autônomos, bem ligados aos interesses dos coronéis,
prestando-lhes favores de sua emergente profissão, tais como
garantia de proteção, vendas de armas e munições e apoios
políticos. Daí, o aumento da violência nos sertões. Desde seu
começo, o cangaço se mostrou serviçal, dependente dos gran-
des coronéis, sem preocupação social. Esta é uma verdade, que
muitos teimam em não aceitar.
É possível identificar zonas de origem dos maiores
contingentes de cangaceiros, espalhadas no bioma das caatingas,
destacando-se as ribeiras do Pajeú, Moxotó e Ipanema, em ter-
ras pernambucanas da bacia do rio São Francisco. O prestígio
concedido aos bandoleiros, pelos sertanejos, era medido pelo
grau de repulse que tinham pelas forças volantes, com seus
policiais atrabiliários.

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A saga do cangaço: Verdades e mentiras 461

O cangaço com maior visibilidade e melhor organização, du-


rou cerca de 70 anos, compreendidos entre 1870 e 1940. Dentro
deste período, posso distinguir cinco fases e seus principais
cangaceiros: primeira fase – cangaço primitivo, que se espraia
nas décadas finais do século XIX, com destaque para Jesuíno
Brilhante (1844 – 1879), nascido Jesuíno Alves de Melo Calado;
segunda fase – cangaço em ascensão, dos fins do século XIX
até 1922, quando se projetaram Antônio Silvino (1875 – 1944),
apelido de Manoel Batista de Morais e Sinhô Pereira (1896 –
1979), codinome de Sebastião Pereira da Silva; terceira fase –
apogeu do cangaço, de 1922 a 1928, com a figura maior de
Lampião (1898 – 1938), nome guerreiro de Virgulino Ferreira da
Silva; quarta fase – ressurgência do cangaço e sua acomodação,
(1928 – 1938), concentrando ações na Bahia e Sergipe, ainda
bem representado por Lampião; quinta fase – final do cangaço
(1938 – 1940), com a projeção solitária de Christino Gomes da
Silva Cleto (1902 – 1940), vulgo Corisco.
Na realidade, o cangaço entrou em agonia na grota do Angi-
co (SE), no dia 28 de julho de 1938, data da morte de Lampião.
Com o fim do cangaço, de imediato, os pistoleiros, isolados
na prática de seus crimes, passaram a ser os personagens de
destaque na prática da violência no nordeste do Brasil.
Os cangaceiros podem ser classificados, em razão dos mo-
tivos de ingresso nas hordas criminosas: cangaço de vingança,
cangaço meio de vida, cangaço de refúgio e cangaço de aven-
tureiros e/ou facínoras.
Nos sertões, era bem visto todo aquele que praticasse vin-
ganças de crimes ou injúrias, incluindo-se entre estas as sofridas
por familiares. Elas (as vinganças) decorriam de lutas entre fa-
mílias, ofensas à moral sexual de mulheres ou de assassinatos,
todas em virtude da ausência e/ou parcialidade da Justiça. Este
cangaço de vingança tinha motivação nobre na cultura sertane-
ja. Poucos deixaram a vida bandoleira, após o alcance de seus
objetivos. A maioria passou para o cangaço meio de vida, por
impossibilidades de reingressos na sociedade dos sertões e/ou
de fugas, em buscas de outros espaços. Com o correr do tempo,
normalmente gostavam da permanência na senda do crime.

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462 Melquíades Pinto Paiva

Com respeito ao cangaço meio de vida, seu melhor e mais


longo representante foi Lampião. Era o cangaço que muito pra-
ticava extorsões, roubos e negócios escusos com os coronéis, e
corrompia militares das forças volantes. Foi o tipo mais agressi-
vo e sujo de cangaço.
Constituía procedimento comum o ingresso no cangaço de
refúgio por gente foragida da Justiça ou perseguida por solda-
dos, jagunços e mesmo sertanejos de suas ambiências, inclusive
por relações familiares com cangaceiros já conhecidos.
No último tipo do cangaço estavam aventureiros, facínoras
natos e os que desejavam ascensão econômica e social, todos
de comportamento anômalo na sociedade das caatingas.
Os cangaceiros eram jovens e vigorosos, capazes de suportar
grandes provações, como fome e sede, realizar longas caminha-
das com a tralha nas costas, deslocando-se em vida nômade,
sem rumos certos. Bem conheciam o ambiente, seus caminhos,
trilhas e depósitos naturais de água; usavam recursos da pró-
pria natureza, como alimentos e remédios. Tal conhecimento
lhes deu condições fundamentais de sobrevivência. Além das
técnicas de luta adaptadas às caatingas, eles se mostraram bons
despistadores, com diferentes práticas de esconder os rastros,
desaparecendo nos chãos semiáridos, em verdadeira prática
do mimetismo. Tudo isto, sem falar na bem montada rede de
coiteiros, informantes, deslavado suborno de comandantes de
volantes e apoios de coronéis amigos.
O cangaço foi eficazmente combatido somente após o recru-
tamento de sertanejos pelas forças volantes, como os chamados
nazarenos, que também eram adaptados às terras e secas regio-
nais e tinham a mesma cultura. Gente incorruptível!
Os chefes dos bandos, em geral, eram pequenos proprietá-
rios, tidos como “arranjados”; a cabroeira saía das camadas mais
pobres dos sertanejos analfabetos.
Sabe-se que cangaceiros emprestavam dinheiro aos coronéis,
em declarada prática da agiotagem. Comandantes de volantes
evitavam perseguí-los e até mesmo visitavam os coitos para
jogatinas, bebedeiras e efetivação de negócios. Mantiveram ex-
tensas redes de coiteiros, que lhes serviam por medo ou gozo

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A saga do cangaço: Verdades e mentiras 463

de vantagens. Coronéis foram intermediários (laranjas) na com-


pra de propriedades. A maior vontade de Lampião era se tornar
fazendeiro, comprando terras em nome de pessoas graúdas,
pois não podia registrá-las em seu próprio nome.
Em geral, as vítimas do cangaço estavam entre os desprovi-
dos de fortuna; a principal exceção da regra foi o comerciante
Luiz Gonzaga de Souza Ferraz, da cidade de Belmonte (PE),
morto a mando de Lampião, atendendo pedido de vingança
que lhe fez Sinhô Pereira. O primeiro, não matou seus inimi-
gos José Alves Saturnino e José Lucena de Albuquerque Ma-
ranhão, como propalava desejar, apesar de não lhe faltarem
oportunidades para tais crimes. Embora tenha se tornado ini-
migo dos grandes coronéis José Pereira Lima (PB) e Petronilo
de Alcântara Reis (Coronel Petro) – (BA), ambos, em tempos
passados, foram seus amigos.
Não vejo qualquer ação revolucionária dos cangaceiros. Eles
contribuíram para a permanência do coronelismo sertanejo e
do latifúndio explorador dos pobres.
Entre os eminentes chefes de bandos, Jesuíno Brilhante e Si-
nhô Pereira tinham traços de nobreza nas origens e/ou propó-
sitos de vingança; tais predicados ocorreram, em menor escala,
com Antônio Silvino. Corisco buscou o cangaço de refúgio e
Lampião foi a maior expressão, no espaço e no tempo, do can-
gaço meio de vida.
Lampião praticou boas ações, pequenas e raras, no trato com
os sertanejos despossuídos de riquezas. Em contrapartida, foi
um facínora sanguinário, assolando populações e proprieda-
des. Contribuiu para o atraso da economia regional, pela des-
truição de patrimônios dos que não aceitavam suas imposições
e/ou eram inimigos dos seus amigos.
Na gestão dos bandos cangaceiros, os chefes eram mono-
cráticos, ouvindo apenas familiares e comparsas mais antigos.
Tudo dependia deles. A cabroeira analfabeta servia de “massa
de manobra”, chegando mesmo ao assalariamento. Não existia
a propalada liberdade na bandidagem. Os chefes eram subser-
vientes a coronéis protetores; os cabras eram verdadeiros escra-
vos dos chefes. Estes podiam, inclusive, condená-los à morte.

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464 Melquíades Pinto Paiva

Em geral, o cangaço foi opção sem volta. As fugas eram impedi-


das, porque os que desejavam sair do cangaço podiam indicar
às volantes os coronéis e sertanejos coiteiros, a localização de
coitos e de aguadas. Quando muito, havia transferências para
bandos confederados, mas as deserções foram notáveis.
Com o ingresso de mulheres no bando de Lampião em 1930,
tão louvado como afirmação do feminismo, não houve tal pro-
gresso. É verdade que Maria Bonita foi por livre vontade, pois
já era mulher adulta e estava separada do marido; as demais,
foram raptadas, forçadas por situações adversas ou então se
mostraram simples aventureiras. Estavam ainda em plena moci-
dade e geralmente eram virgens.
Com exceção de Maria Gomes de Oliveira (Maria Bonita) –
(1909 – 1938), mulher de Lampião, e de Sérgia da Silva Chagas
(Dadá) – (1911 – 1994), mulher de Corisco, as outras se tor-
naram simples escravas sexuais dos companheiros, tolerando
infidelidades e sendo punidas com a morte, no caso de com-
portamentos semelhantes aos deles. Perdendo os companhei-
ros, não podiam ficar solteiras ou voltarem para os lares de
origem, pelas já apontadas medidas de segurança. Tinham que
conseguir novos amantes, ou eram simplesmente executadas.
Existem registros relativos a 81 cangaceiras. Poucas delas volta-
ram a viver com suas famílias, após a morte dos companheiros.
Houve forte conservadorismo. Os cangaceiros combateram
todas as coisas que trouxessem modernidade aos sertões nor-
destinos. Foram contrários à construção de estradas e monta-
gem de redes telegráficas, que lhes reduziam o poder de man-
do. Apesar disto, gostavam de muitas práticas do meio urbano
e litorâneo, expressas no comer e beber, no vestir e na divulga-
ção de imagens do seu viver.
A modernidade chegou ao domínio das caatingas com as
estradas e as comunicações, diminuindo o isolamento das suas
populações e abrindo novas perspectivas de vida, inclusive
pela emigração para o sudeste do Brasil. O cangaço, na forma
tradicional, encontrou seu fim com o advento do Estado Novo,
unitário e ditatorial, que causou abalo no coronelismo sertane-
jo, suporte maior dos bandidos das caatingas.

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A saga do cangaço: Verdades e mentiras 465

A maior mentira da saga do cangaço é a do ataque e luta


ao/com o bando de Lampião, na Grota do Angico (SE), em
28 de julho de 1938. Em verdade, foi uma farsa montada pela
volante de João Bezerra. Com o consumo de bebidas e ali-
mentos envenenados, cangaceiros já eram defuntos ou esta-
vam moribundos. Os soldados queriam promoções, dinheiro
e jóias. Uma vergonha, seguida do desfile e exposição ma-
cabra das cabeças dos mortos. Não houve luta, mas simples
simulação bárbara!
As literaturas de cordel e de ficção tentam cristalizar o mito de
bondade de Lampião, o mesmo acontecendo com o cinema. Em
verdade, procuram um paradigma da coragem do povo nordesti-
no e de sua afirmação no contexto nacional. O esquerdismo do
cangaceiro é sonho de desavisados, inocentes ou safados!

Bibliografia
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RESENHA DO LIVRO
“Une archéologie théorique”, de Jean-
Claude Gardin (Paris: Hachette, 1979)

Marília Perazzo Valadares do Amaral1


Daniela Cisneiros2

A obra de Jean-Claude Gardin Une Archéologie Théorique,


ainda sem tradução para o português, com a primeira edição
datada de 1979, continua atual. É a expressão de um trabalho
meticuloso, cujas contribuições à pesquisa documental, para a
formalização de dados (códigos descritivos) e raciocínio (análi-
se logicista) ultrapassam a epistemologia arqueológica, colabo-
rando para a construção de bases teóricas em ciências sociais.
No atual cenário acadêmico brasileiro, com a ampliação de
cursos de Graduação e Pós-Graduação em Arqueologia, o livro
ganha singular relevância, ao trazer um conjunto de reflexões so-
bre a natureza das operações mentais que os arqueólogos prati-
cam, entre o interfluxo da coleta de dados materiais (escavações)
e construções explicativas (textos) sobre culturas pretéritas.
O elemento principal defendido pelo autor é a necessidade
de trabalhar e construir a pesquisa arqueológica de forma siste-
mática, decompondo as etapas da pesquisa desde a ordenação
e compilação dos dados passando pela descrição até chegar às
construções explicativas. O modelo formal de construção da
pesquisa arqueológica é proposto a partir de uma análise lógi-
co-semântica, a qual permite ao pesquisador entender a cadeia
operatória da pesquisa, possibilitando a compreensão sistemá-
tica e formal das construções arqueológicas.

1 Doutora em Arqueologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora Subs-


tituta do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco.
2 Doutora em Arqueologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do
Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco.

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Marília Perazzo Valadares do Amaral
470 Daniela Cisneiros

O modelo lógico-semântico está baseado, sobretudo, na ne-


cessidade preliminar da definição dos conceitos abordados na
pesquisa e na formalização operacional dos processos intrín-
secos a esta. Tal formalização é de fundamental importância
para a construção do conhecimento arqueológico, uma vez
que permite ao pesquisador construir um raciocínio arqueo-
lógico a partir de uma sequência de operações aplicadas aos
termos da pesquisa.
Na abordagem do modelo logicista, proposto para a constru-
ção do conhecimento arqueológico, o autor elabora um esque-
ma geral relativo às construções compilativas e explicativas. No
que concerne ao âmbito da compilação, afirma que deve existir
uma relação entre a natureza dos objetivos e a escolha dos ma-
teriais que constituem o corpus da pesquisa, os quais devem ser
ordenados e descritos a partir dos mesmos parâmetros. Desta
forma, será possível traçar paralelos entre os objetos que têm
ou não características recorrentes, a partir das descrições reali-
zadas no início do referido processo. Após a fase de compila-
ção dos dados inicia-se a classificação, que constitui uma forma
elementar das construções explicativas.
No que concerne às construções explicativas, o autor propõe
que a classificação não é o centro da atenção das construções
teóricas em arqueologia, ao menos na definição dada, mas tão
somente a etapa inicial de raciocínios conduzidos ao fim da in-
terpretação. Para chegar às construções explicativas afirma que
é necessário compreender as construções tipológicas dos obje-
tos / dados para se chegar ao estágio das interpretações. Dessa
forma, levanta questionamentos acerca da diferença entre a po-
sição do material em uma compilação (Cc), e uma tipologia do
mesmo material em uma construção explicativa (Ce). A respos-
ta passa pelo debate acerca do conceito de tipologia definido
como toda ordenação de um conjunto de objetos, onde o autor
extrai inferências relativas aos fatos que não se encontram na
representação inicial de tais objetos, os quais possuem atributos
intrínsecos e extrínsecos.
Os atributos intrínsecos estão relacionados às características
intrínsecas dos objetos, como marcas, formas, decorações, en-

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RESENHA DE LIVRO 471
GARDIN, Jean-Claude. Une Archéologie Théorique. Paris: Hachette, 1979

quanto que as categorias julgadas extrínsecas se relacionam


com o Tempo, o Lugar, a Função (utilitário, sociológico, sim-
bólico). No caso das tipologias as classes serão definidas pelas
propriedades intrínsecas.
As construções explicativas estão relacionadas ao processo
pelo qual o significado é ligado a qualquer tipo de ordem, tal
como uma série de objetos formados com base em suas seme-
lhanças ou de uma classe de objetos atribuídos ao mesmo tem-
po e unidade de espaço. Consequentemente, as construções
interpretativas são aquelas em que o autor vai além da fase for-
mal de ordenação, em uma tentativa de explicar o significado
das séries de classes propostas nas classificações. A interpreta-
ção constitui o estágio final das construções explicativas.
Quando o autor faz uma análise logicista das construções
explicativas verifica-se o ponto principal da discussão acerca
das diversas formas de se construir cientificamente e formal-
mente uma pesquisa, seja utilizando um método indutivo, seja
utilizando um método dedutivo. O modelo de classificação uti-
lizada em cada pesquisa vai determinar, necessariamente, a es-
colha do processo de interpretação dada pelo pesquisador.
Os caminhos de interpretação na construção arqueológica
podem ser guiados pelos dados empíricos, como base para
chegar às proposições conceituais (indução), ou partindo do
campo teórico e da formulação de hipóteses para uma compro-
vação material (dedução). Em ambos os casos se verifica que as
construções explicativas podem ser vistas como uma pirâmide
de proposições, podendo derivar estas das descrições ou de hi-
póteses. Para o autor, não há um caminho certo a ser seguido,
o que importa é que a pesquisa esteja construída e formalizada
a partir das etapas propostas pelo modelo logicistas.
Desta forma, Gardin critica o método hipotético-dedutivo
afirmando que a característica principal da nova arqueologia
é a sua adesão ao modelo de leis de cobertura da explicação
científica, com ênfase no método hipotético-dedutivo para o
ensaio das conclusões derivadas de dados arqueológicos. Para
ele a formulação de leis não é o principal objetivo, afirmando
que a relação entre explicação científica e o conceito de lei,

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Marília Perazzo Valadares do Amaral
472 Daniela Cisneiros

não é o fundamental. O fato de que certos fenômenos podem


ser passíveis de formulação de uma lei não significa que este
seja o caminho principal para se construir uma pesquisa cien-
tífica, uma vez que os fenômenos podem ser explicados sem
estarem referidos às leis, mesmo nas ciências naturais. Afirma
que a expressão de certas regularidades no campo formal das
leis pode resultar em encobrimentos ou mesmo distorções
dos dados observados.

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POLÍTICA EDITORIAL E NORMAS
GERAIS PARA A APRESENTAÇÃO
DE TEXTOS

A Revista do IAHGP aceitará trabalhos inéditos sobre temas


pernambucanos e regionais, escritos em português sob a forma
de artigos, ensaios, resenhas de livros, entrevistas e transcrições/
traduções de fontes manuscritas/impressas comentadas. Todos
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rados relevantes, desde que autorizados por seus autores.
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1. Os artigos deverão ter entre 10 e 25 páginas, digitadas em


fonte Garamond 12, com espaço 1,5, margens de 2,5 cm e folha
tamanho A4 (arquivo em formato Word – doc. ou docx.).
1.1 Cada artigo deverá trazer, além do título em negrito
com fonte Garamond 14, o nome do autor à direita e informações
particulares (titularidade, função e instituição a que está ligado).
1.2 Os textos deverão trazer um resumo (máximo de 10
linhas) e palavras-chave (máximo de cinco) em português.
1.2.1 O título do artigo/ensaio também deverá ser
traduzido para a língua inglesa ou espanhola, bem como o

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resumo (máximo de 10 linhas), com suas respectivas palavras-


chave (abstract-keywords /resumen-palabras-clave).

2. As resenhas poderão ter até cinco páginas digitadas em


fonte Garamond 12, com espaço 1,5 e margens 2,5 cm e folha
tamanho A4.

3. As notas de rodapé devem ser evitadas e não ser longas. A


referência completa deverá estar relacionada ao final do texto,
cf. 4.3. As referências aos autores deverão ser feitas no corpo do
texto, entre parênteses, conforme o exemplo:

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3.1 Os documentos manuscritos de arquivos indexados


ou não indexados devem ser citados no rodapé, de forma abre-
viada. A citação completa será feita nas referências, cf. 4.3.

4. Os textos deverão ter também as seguintes características:

4.1 Fonte em itálico somente para destaques e expres-


sões estrangeiras e negrito apenas em títulos e subtítulos ou
casos especiais.
4.2 Tabelas, gráficos e figuras deverão trazer referência
logo abaixo em fonte Garamond 8 e espaço simples.
4.3 Todas as fontes de pesquisa deverão estar devidamen-
te dispostas no final do texto sob o título REFERÊNCIAS (Do-
cumentos manuscritos, impressos, bibliografia, etc) e obedecer
rigorosamente à norma ABNT-NBR 6023, conforme o exemplo:

SOBRENOME, Nome. Ano. Título do livro em negrito: subtí-


tulo. Tradução. Edição. Cidade: Editora, p. ou pp.
SOBRENOME, Nome. Ano. Título do capítulo do livro entre
aspas. In: Título do livro em negrito: subtítulo. Tradução. Edi-
ção. Cidade: Editora, p. xx-yy
SOBRENOME, Nome. Ano. Título do artigo. Título do perió-
dico em negrito. Cidade: Editora, vol, fascículo, p. xx-yy.

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Política editorial e normas gerais para a apresentação de textos 475

5. A apresentação de artigos e resenhas a RIAHGP não é


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ao Conselho Editorial e Consultivo através de cópias anônimas
numeradas (pares cegos). O Conselho Editorial e Consultivo
poderá aceitar, recusar ou reapresentar o original ao autor
para possíveis alterações.

Revista do IAHGP, Recife, n. 69, pp. 473-476, 2016

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Este livro foi composto em ITC Garamond Std, corpo 12/14,5
o papel utilizado para o miolo é o off-set 90g/m2
e para a capa é o cartão supremo 300g/m2.
Diagramação: Ednaldo Muniz de Oliveira
Companhia Editora de Pernambuco – outubro de 2017.

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