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Dissertação Novas Formas de Trabalho

O documento discute as implicações jurídicas e sociais das tecnologias disruptivas e da economia compartilhada no mundo do trabalho. Aborda conceitos como uberização, gig economy e trabalho por demanda analisando os desafios de enquadrar essas novas relações na legislação trabalhista. Também examina decisões judiciais de diferentes países sobre a classificação desses trabalhadores.
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Dissertação Novas Formas de Trabalho

O documento discute as implicações jurídicas e sociais das tecnologias disruptivas e da economia compartilhada no mundo do trabalho. Aborda conceitos como uberização, gig economy e trabalho por demanda analisando os desafios de enquadrar essas novas relações na legislação trabalhista. Também examina decisões judiciais de diferentes países sobre a classificação desses trabalhadores.
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FERNANDA DAHER CARAM FARAH

AS IMPLICAÇÕES JURÍDICO-LABORAIS ADVINDAS DAS


TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS NO MUNDO

CONTEMPORÂNEO.

VOLUME 1
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no
âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na
área de especialização em Ciências Jurídico-Empresariais, Menção em Direito
Laboral, sob a orientação do Professor Doutor João Carlos Conceição Leal
Amado.

Coimbra, 2021
2
AGRADECIMENTOS

Minha gratidão à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e ao seu


exímio corpo docente, por ter aberto suas fontes inesgotáveis de conhecimento e permitido
a esta eterna estudante galgar um patamar de maturidade jurídica imarcescível; ao Dr.
Antônio Augusto Rocha e ao Ministério Público do Trabalho pela confiança de que a
sabedoria adquirida seria (e será) profícua à proteção dos direitos sociais dos trabalhadores
nesta era de tecnologia disruptiva; ao Dr. José Eduardo Resende Chaves Júnior e ao Grupo
de Discussão do Instituto de Direito e Inteligência Artificial, de onde foram extraídas
frutíferas conversas e bibliografias utilizadas neste trabalho; à família, à igreja e aos
amigos por sempre estarem tão perto apesar da distância intercontinental; e “ao Rei eterno,
imortal, invisível e Deus único” por ter me ensinado que o valor da sabedoria e do
entendimento excede o do poder, da força ou dos bens – a Ele sejam dadas honra e glória
para sempre” (1 Tm 1:17 c/ Pv 8:11 – Bília Sagrada).

A todos, muito obrigada.

3
RESUMO

A 4ª Revolução Industrial ou Indústria 4.0 é caracterizada por novos desafios


advindos da era digital, notadamente diante da utilização inovadora de plataformas digitais
como meio de negócio.

Em paralelo aos grandes avanços tecnológicos, nascem diferentes formas de


organização do trabalho caracterizadas por tecnologias disruptivas, que vêm trazendo
importantes reflexões em todo o mundo, especialmente pelo fato de não se enquadrarem
aos tradicionais modelos jurídicos até então conhecidos.

A dissertação buscará exatamente entender essa tendência de utilização de


plataformas digitais como meio de aproximação das pessoas, configurada como
economia compartilhada, e descrever suas repercussões jurídicas e sociais que têm
movimentado relevantes discussões no âmbito acadêmico e nos tribunais em razão de seu
distanciamento da tradicional relação capital-trabalho.

Para isso, inicialmente se fará uma breve exposição dos modelos econômicos
da sociedade moderna que dominaram o século XX até se alcançar a pós-moderna do
século XXI, baseada na informação e na informática (info-info).

Em seguida, serão analisadas as relações de trabalho que têm se expandido nos


últimos anos, adentrando em conceitos como uberização, gig job, crowdwork, work-on-
demand e outros, além dos padrões de subordinação jurídica para possível enquadramento
legal, tais como subordinação objetiva, parassubordinação, subordinação estrutural,
subordinação integrativa, subordinação algorítmica e subordinação potencial.

O estudo se aprofundará nas especificidades de cada uma dessas obscuras


relações jurídicas; o fenômeno da uberização em vários países; os desafios tecnológicos; as
alternativas de proteção dos direitos laborais e humanos; os desafios de enquadramento e
representação coletiva.

O trabalho lançará mão de entendimentos doutrinários, de resultados de


decisões judiciais e legislações referentes ao tema.

4
Por se tratar de reflexão inovadora, não se pretende dar respostas conclusivas,
mas um olhar prospectivo e ponderado entre o inevitável desenvolvimento da tecnologia da
informação digital e suas repercussões nas relações de trabalho do mundo globalizado.

PALAVRAS CHAVE: Indústria 4.0; tecnologia disruptiva; plataformas


digitais; economia compartilhada; relações de trabalho; representação coletiva; direitos
humanos.

5
ABSTRACT

The 4th Industrial Revolution or Industry 4.0 is characterized by new


challenges arising from digital age, nodded to the innovative use of digital platforms as a
means of business.

In parallel to the great technological advances, different forms of job


organizations emerge characterized by disruptive technologies, which have brought
important reflections around the world, especially because they do not fit the traditional
legal models that have been known.

The dissertation will seek to understand exactly this trend of using digital
platforms as a means of bringing people closer, configured as a shared economy, and
describe its legal and social repercussions that have moved relevant discussions in the
academic community and in the courts due to its distancing from the traditional capital-
work relationship.

For this, initially, a brief display of the economic models of modern society
that dominated the 20th century will be made until the postmodern period of the 21st
century, based on information and information (info-info) is reached.

Then, the labor relationships that have expanded in recent years will be
analyzed, entering into concepts such as uberization, gig job, crowdwork, work-on-demand
and others, in addition to the standards of legal subordination for possible legal framework,
such as objective subordination, parasubordination, structural subordination, integrative
subordination, algorithmic subordination and potential subordination.

The study will delve into the specificities of each of these obscure legal
relationships; the phenomenon of uberization in several countries; technological
challenges; alternatives for the protection of labour and human rights; the challenges of
framing and collective representation.

The work will use doctrinal understandings, results of judicial decisions and
legislation on the subject.

6
Because it is an innovative reflection, it is not intended to give conclusive
answers, but a prospective and thoughtful look between the inevitable development of
digital information technology and its repercussions on the working relationships of the
globalized world.

KEYWORDS: Industry 4.0; disruptive technology; digital platforms; shared


economy; working relationships; collective representation; human rights.

7
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS ...................................................................................... 10
1 - INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
2 - INDÚSTRIA 4.0. ECONOMIA COMPARTILHADA ........................................... 13
3 - TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS ........................................................................... 14
3.1 Inteligência artificial (IA) ........................................................................................ 15
3.2 Algoritmo ................................................................................................................. 15
3.3 Aprendizado de máquina (machine learning) ........................................................ 16
3.4 Aprendizagem profunda (deep learning) ................................................................ 16
3.5 Big data (banco de dados)........................................................................................ 17
4 - OUTRAS FORMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVINDAS DAS
NOVAS TECNOLOGIAS ............................................................................................. 17
4.1 Gig economy............................................................................................................. 20
4.2 Teletrabalho ou home office .................................................................................... 21
4.3 Sistema de co-working ............................................................................................. 22
5 – UBERIZAÇÃO: DESAFIOS DE ENQUADRAMENTO DA SUBORDINAÇÃO
JURÍDICA ..................................................................................................................... 22
5.1 Uma nova abordagem da relação jurídica: disciplina x controle .......................... 29
5.2 Contrato hiper-realidade ......................................................................................... 39
5.3 Método Indiciário .................................................................................................... 43
6 - DECISÕES JUDICIAIS E ADMINISTRATIVAS AO REDOR DO MUNDO ..... 47
6.1 Estados Unidos da América ..................................................................................... 47
6.2 Suíça ......................................................................................................................... 53
6.3 Reino Unido ............................................................................................................. 53
6.4 Canadá ..................................................................................................................... 59
6.5 Espanha .................................................................................................................... 60
6.6 França ...................................................................................................................... 73
6.7 Itália ......................................................................................................................... 75
6.8 Brasil ........................................................................................................................ 78
7 – A UBERIZAÇÃO EM PORTUGAL ...................................................................... 85
8
8 - REFLEXÕES JURÍDICAS...................................................................................... 88
8.1 Trabalho durante a pandemia Covid-19............................................................... 100
9 – DESAFIOS TECNOLÓGICOS ............................................................................ 104
10 – ALTERNATIVAS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS LABORAIS E
HUMANOS .................................................................................................................. 108
10.1 Do trabalho degradante e as Organizações Internacionais ................................ 117
11 - DIREITOS COLETIVOS .................................................................................... 124
11.1 Entidades Representativas Dos Trabalhadores .................................................. 125
11.2 Os novos personagens da 4ª Revolução Industrial e a Representação Coletiva 129
12 – CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 147
13 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 149

9
LISTA DE ABREVIATURAS

CARICOM: Comunidade do Caribe

CE: Comissão Europeia

CTP: Código do Trabalho Português

FMI: Fundo Monetário Internacional

ERA: Employment Rights Act (Leis do Direito do Trabalho)

GATT: Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

GATS: Acordo Geral sobre Comércio de Serviços

GPS: Sistema de posicionamento global

IA: Inteligência Artificial

OCDE: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OIT: Organização Internacional do Trabalho

OMC: Organização Mundial do Comércio

ONU: Organização das Nações Unidas

PIDCP: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

PIDESC: Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

TVDE: Transporte em Veículo Descaracterizado

UE: União Europeia

10
1 - INTRODUÇÃO

A organização do trabalho humano vem passando por transformações,


havendo, notadamente nos últimos anos, cada vez mais se distanciado de sua concepção
clássica, na qual se destacava a subordinação como elemento subjetivo que liga o
trabalhador ao empregador.

Até então, a concepção clássica se mostrava bastante para enquadrar as


relações trabalhistas existentes nos modelos econômicos do final do séc. XIX e início do
séc. XX como o taylorista, o fordista, o toyotista do pós 2ª Guerra Mundial e o volvismo da
segunda metade do séc. XX.

A subordinação tinha uma dimensão pessoal de controle direto e hierarquizado,


com ordens dadas por prepostos do empregador às quais os trabalhadores se submetiam
por determinado período de tempo previamente estipulado.

No entanto, com a pós modernidade do séc. XXI, o advento das tecnologias


disruptivas e o distanciamento do comando direto do empregador, as formas de trabalho
não mais se viram amoldar perfeitamente àquela concepção de outrora, recaindo em uma
zona grise.

O modelo organizacional promovido pelas plataformas digitais1 — e, portanto,


da governança — rompe com a antiga lógica ao utilizar tecnologias disponíveis de forma
permanente em amplo espectro espacial (tecnologias ubíquas e móveis).

Surge um novo tipo de sujeito: o “sujeito objetivo”, movido pelo cálculo, capaz
de se adaptar em tempo real às variações do ambiente para atingir os objetivos que lhe são
assinalados (Supiot, p. 255, 2005).

1 Oliveira, Carelli e Silva definem as plataformas digitais de trabalho como “modelos de negócio baseados
em infraestruturas digitais que possibilitam a interação de dois ou mais grupos tendo como objeto principal o
trabalho intensivo, sempre considerando como plataforma não a natureza do serviço prestado pela empresa,
mas sim o método, exclusivo ou conjugado, para a realização do negócio empresarial” (p. 13, 2020).

11
Como o controle da massa de trabalhadores para a realização de atividade
econômica será sempre necessário, a organização do trabalho se revela diferente no novo
regime: as ordens agora são automatizadas num código de programação. São os chamados
algoritmos.

Segundo Yuval Harari, algoritmo: “é um conjunto metódico de passos que


pode ser usado na realização de cálculos, na resolução de problemas e na tomada de
decisões. Não se trata de um cálculo específico, mas do método empregado quando se
fazem cálculos. (p. 91, 2016).

A programação antecipada das ordens traduzida em uma plataforma digital


condiciona e comanda a ação do trabalhador de modo a assegurar a prestação de serviços
conforme os parâmetros estabelecidos pelo empregador. A supervisão/vigilância, então, se
condensa e se oculta dentro do próprio software de prestação dos serviços, de modo que a
ausência de comandos pessoais e frequentes exteriorizados pela figura de um preposto gera
a impressão de que o trabalhador goza de plena autonomia. No entanto, ao contrário, a
autonomia foi mitigada e condicionada pelos parâmetros previamente especificados e
inseridos na plataforma utilizada.2 A independência do trabalhador se vê refreada ou
sonegada pela programação, isto é, pelas decisões contidas no algoritmo.

Diante disso, e de modo a resguardar a seus trabalhadores os direitos que lhe


fossem aplicáveis, fez-se premente ao Direito do Trabalho estudar estas novas situações
laborais, especialmente o fenômeno da chamada uberização, com seus desafios de
enquadramento, representação coletiva e soluções jurídicas.

Por sua vez, os direitos fundamentais constituem o principal eixo entre da


relação entre o indivíduo e a comunidade jurídica. Neste sentido, o aparecimento de novas
formas de trabalho, como será demonstrado a seguir, faz com que ocorra o surgimento de
trabalhos degradantes e/ou trabalhos análogos a condição de escravo.

2
Supiot, 2005, p. 354.
12
Se por um lado a revolução tecnológica aponta para o incremento de valor e
eficiência na produção e no comércio, por outro, afetará a economia de vários países, cuja
mão de obra é menos especializada e mais barata.

2 - INDÚSTRIA 4.0. ECONOMIA COMPARTILHADA

Após as máquinas a vapor da 1ª Revolução Industrial (séc. XVIII), a energia


elétrica e as grandes fábricas da 2ª Revolução Industrial (sécs. XIX e XX), e a eletrônica, a
computadorização e a telecomunicação da 3ª Revolução Industrial (meados do séc. XX),
hoje se vivencia a digitalização e integração dos processos, a “internet” das coisas e a
computação em nuvem.

As tecnologias disruptivas, assim conhecidas aquelas que vêm inovar e romper


com as até então conhecidas, marcam a 4ª Revolução Industrial ou a Indústria 4.03,
especialmente através da tendência da utilização de plataformas digitais como meio de
aproximação das pessoas (economia compartilhada).

Anos atrás, Gorz (2005) já escrevia sobre o espaço que estava sendo
conquistado pelo trabalho imaterial em detrimento do trabalho de produção material (de
coisas), demandando cada vez menos da clássica figura do trabalhador por tempo
indeterminado. Assim também, Rifkin (1996) já asseverava sobre a potencialidade dos
programas de inteligência artificial, progressivamente mais desenvolvidos, com capacidade
de gerência e controle, ir tornando o trabalho humano, como antes conhecido, menos
necessário.

Hoje, vivencia-se o que se tem chamado de gig-economy, caracterizado por


trabalhadores independentes (“freelancers” ou autônomos) que são contratados para

3
A expressão surgiu por volta de 2012, a partir de projeto estratégico de alta tecnologia voltado à manufatura
por parte do governo alemão. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Indústria_4.0. Acesso em 29 Fev.
2020.
13
serviços pontuais em determinada empresa – não se enquadrando na condição clássica de
empregados.

Segundo Stefano (2015), a gig economy se especifica em duas principais


formas de trabalho: a crowdwork, que se refere a plataformas virtuais de trabalho coletivo,
por meio da rede mundial de computadores, em que permite a captação de prestação
laboral, conectando clientes e trabalhadores; e a work on-demand, que se refere a trabalho
sob demanda por meio de aplicativos administrados por empresas que selecionam os
prestadores e fixam os padrões mínimos de atendimento.

Nos dizeres de Dagnino (2015), a economia “sob demanda” consiste em


atividades que utilizam plataformas “on line” que permitem o encontro entre o usuário que
solicita um bem ou serviço e o sujeito que dele dispõe, compartilhando seus patrimônios,
competências e tempo. O aplicativo possibilita o contato direto entre pessoas e/ou
empresas, onde quer que estejam, a fim de encontrarem satisfações recíprocas para
serviços de que necessitam, sejam de transporte de passageiros, sejam aqueles prestados
por profissionais especializados, como médicos e advogados, dentre outros.

Já para a doutrinadora Teresa Moreira (2018), uma das precursoras no estudo


do tema voltado à esfera do direito laboral, o trabalho na gig economy, quer inclua o
crowdwork, quer seja por meio de plataformas work on-demand via apps, configuraria o
trabalho do futuro, não se resumindo somente à Indústria 4.0.

3 - TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS

Com a impulsão na tecnologia da informação, emerge no mundo digital uma


tecnologia disruptiva, inovadora e capaz de romper com as até então conhecidas,
acarretando repercussões às relações empresariais e também sociais existentes.

14
A palavra disrupção vem do latim disruptio.nis que significa "fratura”,
“quebra". Representa o ato de romper, de interromper o curso natural de algo.45

A seguir, serão citadas algumas das muitas emergentes, em especial, as


destacadas neste relatório.

3.1 Inteligência artificial (IA)

A inteligência artificial é um campo de ciência da computação; é a capacidade


que um computador ou robô controlado por computador tem para executar tarefas
comumente associados a seres inteligentes6. As funções podem incluir percepção visual,
reconhecimento de fala, tomada de decisão e tradução entre idiomas7.

3.2 Algoritmo

Algoritmo é um processo ou conjunto de instruções matemáticas ou regras a


seguir em cálculos ou outras resoluções de problemas e operações por um computador8.

Yuval Harari define algoritmo como “um conjunto metódico de passos que
pode ser usado na realização de cálculos, na resolução de problemas e na tomada de
decisões. Não se trata de um cálculo específico, mas do método empregado quando se
fazem cálculos” (p. 91, 2016).

4
https://www.dicio.com.br/disrupcao/. Acesso em 04 Mar 2020. Ainda de acordo com dicionário Michaelis o
termo vem do latim “disruptione” e significa “ruptura”.
5
Segundo Christensen, professor de Harvard, a tecnologia será disruptiva quando aprimora uma tecnologia já
existente, passando a se distanciar de sua forma mais usual até então, chamada de 'tecnologia de sustentação'
(SustainingTechonologi). Será considerada disruptiva quando desenvolver uma nova forma para solucionar
determinada demanda do mercado. Para maiores detalhes, recomenda-se a leitura de CHRISTENSEN,
Clayton M. The Innovator's Dilemma Cambridge, Harvard Business school Press Cambridge, MA. V. 143, nº
158, pp. 131-132, 1997.
6
https://www.britannica.com/technology/artificial-intelligence. Acesso em 03 Mar 2020.
7
https://en.oxforddictionaries.com/definition/artificial_intelligence. Acesso em 03 Mar 2020. Para maior
entendimento se indica a leitura do conteúdo do site:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Intelig%C3%AAncia_artificial.
8
https://en.oxforddictionaries.com/definition/algorithm. Acesso em 03 Mar 2020. Para maior entendimento se
indica a leitura do conteúdo do site: https://pt.wikipedia.org/wiki/Algoritmo. Acessos em 03 Mar 2020.
15
3.3 Aprendizado de máquina (machine learning)

O aprendizado de máquina é um subconjunto de inteligência artificial.


Relaciona-se a ensinar computadores a aprender mediante interpretação de dados do
mundo ao redor. O aprendizado de máquina também pode ser descrito como a capacidade
de um computador para aprender com a experiência (acertos e erros)9, ou seja, para
modificar seu processamento com base em informações recém adquiridas10.

Segundo o cientista Yusuke Sugomori, o machine learning é um método


bastante avançado em relação aos modelos de inteligência artificial anteriores. Até seu
desenvolvimento, as máquinas apenas seriam aptas a procurar e encontrar respostas
baseadas em dados previamente inseridos por seres humanos, sendo que a potencialidade
variava de acordo com a velocidade em encontrar as respostas. De outro lado, no machine
learning a máquina está literalmente aprendendo, ela é configurada para lidar com
questões desconhecidas tendo como princípio conhecimento que já aprendeu. Nas palavras
de Sugomori, “aprender” significa quando uma máquina consegue dividir o problema em
“sim” ou “não”. Em síntese, o aprendizado de máquina é uma arte de conhecimento de
padrões (Sugomori, pp. 08-09. 2016)11.

3.4 Aprendizagem profunda (deep learning)

A aprendizagem profunda é um tipo de inteligência artificial que usa


algoritmos com base na forma como o cérebro humano opera.

9
https://www.bernardmarr.com/default.asp?contentID=1140 Acessos em 03 Mar 2020.
10
https://en.oxforddictionaries.com/definition/machine_learning Acesso em 03 Mar 2020. Para maior
entendimento se indica a leitura do conteúdo dos sites:
https://www.sas.com/pt_br/insights/analytics/machine-learning.html
https://www.forbes.com/sites/bernardmarr/2016/12/06/what-is-the-difference-between-artificial-intelligence-
and-machine-learning/#21d1db842742.
11
De acordo com Sugomory, o aprendizado de máquina é um método que pode processar esse
reconhecimento de padrões não humanos e classificá-los a partir de um modelo estatístico probabilístico (pp.
08,09. 2016).
16
O deep learning é a faísca para o terceiro boom da inteligência artificial12. Com
o advento aprendizagem profunda, principalmente no reconhecimento de imagem e de voz,
uma máquina que antes apenas poderia manipular um símbolo como uma conotação de
símbolo tornou-se capaz de gerar conceitos.

3.5 Big data (banco de dados)

Big data são conjuntos de dados extremamente grandes que podem ser
analisados computacionalmente para revelar padrões, tendências, e associações,
especialmente relacionadas com o comportamento humano e interações13.

A exemplificar, as principais tecnologias envolvidas são sistemas de arquivos


distribuídos, processamento paralelo massivo, computação em nuvem, grids de mineração
de dados, redes de alta velocidade, sistemas de armazenamento escaláveis, algoritmos
específicos e inteligência artificial.

Assim, também, ilustrações de aplicações: monitoramento em redes sociais,


Netflix, web analytics, dados provenientes de múltiplos sensores em sistemas de
transporte, análises de dados financeiros, análise de dados médicos, análise de dados
trafegados em redes, publicidade e propaganda personalizados, uso de telefones celulares,
tags RFID (radio frequency identification), informações sobre o tempo, informações sobre
trânsito e modelos de tráfego.

4 - OUTRAS FORMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVINDAS DAS


NOVAS TECNOLOGIAS

Tendo como pano de fundo a economia digital, o mercado competitivo adota


nova roupagem. Agora, produtos mais intangíveis são replicáveis com pouco ou quase
nenhuma presença física humana.

12
Sugomori (pp. 14-21, 2016).
13
https://en.oxforddictionaries.com/definition/big_data Acesso em 03 Mar 2020. Para maior entendimento se
indica a leitura do conteúdo do site: https://www.sas.com/pt_br/insights/big-data/what-is-big-data.html

17
Vários dos limites outrora existentes para a prestação de um serviço são
afastados ou, ao menos, expandidos. Se, por um lado, são criadas oportunidades para a
inserção no mercado de um novo nicho empresarial, do outro, o risco de concentração do
mercado aumenta.

O termo economia de plataforma advém das relações de trabalhos propostas


pelas empresas-plataformas ou empresas-aplicativo, que ampliam a capacidade de
organização e controle do trabalho, gerando valor de mercado.

Segundo grandes nomes, como Codagnone, Abadie e Biagi (2016), Heeks


(2017) e Huws (2017)14, a economia de plataforma pode ser subdividida nos seguintes
grupos:

1. Plataformas de trabalho digital: onde as pessoas podem se cadastrar para


fazer tarefas remuneradas voltadas para a produção e aperfeiçoamento da
inteligência artificial15 ou que reúnam trabalhadores qualificados, como
engenheiros gráficos, projetistas, designers.16

2. Plataformas de organização do trabalho presencial: são empresas-


plataformas que controlam e organizam trabalhadores que prestam serviços de
corpo presente no local determinado, como motoristas, diaristas, eletricistas,
seguranças, enfermeiros.17

3. Plataformas de trabalho digital não remunerado: são tarefas de trabalho


digital de consumo não remunerado, em que o usuário utiliza o serviço de
forma gratuita para publicar seus conteúdos. Aqui, surgem os termos como

14
Para maiores detalhes, recomenda-se a leitura do artigo Uberização do Trabalho: A Percepção dos
Motoristas de Transporte Particular por Aplicativo. Revista Brasileira de Estudos Organizacionais – v. 6, n.
3, p. 653, 654, dez/2019.
15
Amazon Mechanical Turk, Microworkers, Clickworker
16
Upwork ou Freelancer
17
Uber, Cabify, Glovo, TaskRabbit
18
produser (produtor/usuário), prosumption, prossumidor.18

4. Plataformas classificados digitais: são plataformas que auxiliam na


intermediação entre pessoas particulares, como o contacto entre locador e
locatário, vendedor e comprador.19

Conforme apresentado, tanto as plataformas de trabalho digital, quanto de


organização do trabalho presencial produzem valor econômico de forma direta e imediata,
enquanto que as plataformas de trabalho digital não remunerado e os classificados digitais,
apenas de forma indireta.

Para a Comissão Europeia, a economia colaborativa se refere:

“a modelos, cujas atividades são facilitadas por plataformas que abrem o


mercado para a utilização temporária de bens ou serviços, muitas vezes prestados
por particulares; sendo constituída por três categoria: (i) os prestadores de
serviços que partilham os ativos, os recursos, a disponibilidade e/ou as
competências — podem ser particulares que oferecem serviços numa base
esporádica (pares) ou prestadores de serviços que atuam no exercício da sua
atividade profissional (prestadores de serviços profissionais); (ii) os utilizadores
desses serviços; e (iii) os intermediários que — através de uma plataforma em
linha — ligam prestadores de serviços e utilizadores, facilitando as transações
recíprocas (plataformas colaborativas). Por via da regra, as transações de
economia colaborativa não implicam uma transferência de propriedade, podendo
20
ser realizadas com fins lucrativos ou sem fins lucrativos.” (Tradução livre.
Grifo acrescido).

São diversas as funcionalidades ofertadas por meio das plataformas digitais,


dentre as quais: ampliam a oferta de mão-de-obra e elevam as oportunidades de novos e
flexíveis tipos de trabalho (gig economy), possibilitam a trabalhadores estabelecerem suas

18
Facebook, Youtube, Google
19
Airbnb, Zipcar e Zazcar,
20
Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu
e ao Comité das Regiões, Uma Agenda Europeia para a Economia Colaborativa, Bruxelas, 2 Jun. 2016,
COM (2016) 356 parte final.
19
próprias horas de labor (uberização), permitem às empresas explorar capacidade humana,
transformando capital morto em capital ativo, facilita a captação de prestação laboral,
conectando clientes e trabalhadores (crowdwork) e intermedeiam necessidades opostas e
recíprocas (work on-demand).

O surgimento de empresas que operam “na nuvem” marca uma moderna fase
da economia global. A maioria dos regulamentos ainda não está adaptado às inovações,
uma verdadeira zona grise, condensando-se em “fog” jurídico. De toda forma, padrões
mínimos de qualidade, prudência e segurança devem ser garantidos pelas empresas
digitais, da mesma forma que assegurados valores como privacidade e proteção de dados,
devido à grande quantidade de informações acumuladas e monetizadas.

O projeto Doing Business do Banco Mundial estabelece requisitos


regulamentares para que as iniciativas privadas cresçam. Esses dados têm sido utilizados
pelos investigadores para estudar os efeitos deletérios de ausência de regulamentos. As
taxas de pobreza são mais baixas em países regulamentados (Djankov, 2018).

A seguir, serão perfiladas relações que não se amoldam mais tão perfeitamente
às formas que regulam os serviços tradicionais.

4.1 Gig economy

O termo “gig” é um jargão conhecido no Jazz para definir um compromisso


quando os músicos são contratados para uma apresentação específica. Também
denominado como freelance economy ou economia sob demanda, o gig economy
representa relações entre trabalhadores independentes (freelancers ou autônomos) que são
contratados para serviços pontuais em determinada empresa.

Para Stefano (pp. 471–504, 2015), a gig economy se especifica em duas


principais formas de trabalho: a crowdwork, que se refere a plataformas virtuais de
trabalho coletivo, por meio da rede mundial de computadores, em que permite a captação
de prestação laboral, conectando clientes e trabalhadores; e a work on-demand, que se

20
refere a trabalho sob demanda por meio de aplicativos administrados por empresas que
selecionam os prestadores e fixam os padrões mínimos de atendimento.

4.2 Teletrabalho ou home office

Teletrabalho ou home office é a prestação de serviços realizada


topograficamente fora do ambiente laboral da empresa, sendo exercido pelo empregado em
sua casa ou ambiente familiar.

Os termos originários foram criados em 1974 por Jack Nilles: telecommuting,


telesserviço ou teleworking. O autor define telesserviço como qualquer alternativa para
substituir as viagens ao trabalho por aparelhos de tecnologia de informação
(telecomunicação, computadores), e teletrabalho como levar o trabalho aos trabalhadores,
em vez de levar estes ao trabalho, atividade periódica fora do escritório central, um ou
mais dias por semana, seja em casa ou em um centro de telesserviço (p. 15, 1997).

Nesse contexto, o teletrabalho pode ser realizado em casa ou em um centro de


teletrabalho.

Com o desiderato de obter força de trabalho que não seria financeiramente


viável se contratada nos países de origem, inúmeros centros de trabalho remotos foram
sendo instalados em locais afastados do empregador – quando em outros países, são
chamados de telecabanas (Kugelmass, p. 34, 1996).

Idealmente, o modelo permite reduções de custo significativas para ambas as


partes, como acesso a empregos que de outro modo não poderiam estar disponíveis, ganhos
de produtividade e benefícios indiretos à sociedade (redução de poluição atmosférica,
flexibilidade de horário, qualidade de vida em família, diminuição do congestiomento nas
vias urbanas, economia energética).

Nesse particular, já se tem visto que inúmeros países vêm regulamentando o


trabalho à distância, passando a incorporar o conceito de teletrabalho em seus textos
normativos.
21
4.3 Sistema de co-working

Outra inovação na organização do trabalho, fruto da economia compartilhada,


que traz importante reflexão na economia é o chamado co-working.

A nomenclatura se refere ao compartilhamento de um ambiente de trabalho


entre diversos sujeitos que não necessariamente atuam no mesmo ramo de negócio ou para
uma mesma empresa.

Rompendo com os modelos usuais, profissionais se juntam voluntariamente em


espaços públicos, em escritórios virtuais ou em salas locadas coletivamente. São
empreendedores, pesquisadores, inovadores, por vezes vinculados a uma atividade de risco
e incerteza quanto à própria viabilidade (por exemplo, nas startups).

Nessa parceria o que se almeja é tanto a diminuição de custos fixos, como


limpeza, locação, tributos, áreas de refeitórios, salas de reuniões, portaria, segurança, água,
luz, telefone, “internet”, quanto o incremento de vantagens negociais, como localização
privilegiada, secretária bilingue, design sofisticado, marketing, assessorias, networking
comercial etc.

Na esfera do ideal, o co-working só teria a beneficiar os envolvidos; no


entanto, o que gera inquietude é que muitas vezes empresas se utilizam desse método com
a finalidade de fraudar relações jurídicas e se isentarem de responsabilidades.

5 – UBERIZAÇÃO: DESAFIOS DE ENQUADRAMENTO DA SUBORDINAÇÃO


JURÍDICA

A uberização é conhecida como o modelo econômico que floresceu no final da


primeira década deste século XXI, em que pessoas com interesses convergentes passam a
compartilhar de uma mesma plataforma virtual. Embora ainda presente em apenas alguns
setores da atividade econômica, tem gradativamente se expandido para outras áreas.

22
Originou-se propriamente a partir de ferramentas tecnológicas da informação e
comunicação que conceberam a organização da produção em rede, possibilitando a
conexão direta do prestador de serviços com tomador do trabalho, cuja “sala de negócios”,
ao invés de ser um lugar físico, é um software, sendo o proprietário aquele que detém o
controle sobre o código-fonte do aplicativo (símbolos que codificam o programa em
linguagem computacional).

O nome adveio da empresa Uber, que se apresenta como uma “plataforma de


tecnologia que liga pessoas. Pessoas que querem se deslocar da cidade e pessoas
disponíveis para as levar onde querem ir.”21

Seus defensores veem como um modelo de prestação de serviço de


compartilhamento ou sob demanda, tal como eBay ou Etsy, traduzindo em uma simples
plataforma eletrônica que conecta livres empreendedores e consumidores, cobrando um
percentual de comissão sobre as transações. Ao argumento de "economia colaborativa" e
"aplicativo de carona", os motoristas são tratados como "parceiros".

Por outro lado, há quem entenda tratar de uma tentativa de autonomização dos
contratos de trabalho a partir das novas funcionalidades tecnológicas.

Considerando possuir o prestador de serviços de plena liberdade para gerir seus


negócios ao se utilizar de um software para fornecimento de seus serviços, não seria difícil
imaginar sua qualificação como profissional independente e autônomo. Todavia,
perscrutando a realidade da relação contratual entre o motorista e a empresa que
disponibiliza a plataforma digital, notam-se muitos critérios exigidos quanto à forma da
prestação dos serviços, tais como os referentes ao comportamento no atendimento, à
remuneração pré-definida, ao tipo de veículo, à orientação pela não recusa de passageiros,

21
O que é a Uber?, 05 Set. 2015. Disponível em: https://uberportugal.pt/portugal/opo_uberpt. Acesso em 04
Jun. 2019.
23
à permanência do prestador condicionada às avaliações feitas pelos usuários do serviço, às
premiações em dinheiro pelo alcance de metas em datas específicas. 22

Portanto, sem o objetivo de fixar uma máxima universal, considera-se


suficiente no caso concreto a constatação ou não da presença dos elementos
caracterizadores da relação de emprego.23

Como a cizânia adveio da utilização dessas novas tecnologias digitais, será


analisado primordialmente o requisito da “subordinação”, a fim de se decidir sobre a
incidência ou não das normas de proteção trabalhista.

Isso porque tanto a doutrina quanto a jurisprudência trabalhista adotam como


critério principal para definição do vínculo de emprego a subordinação jurídica24, sendo os
demais critérios tidos como elementos secundários (Oliveira, 2019).

Como entronizado, as novas formas de trabalho não mais se enquadram na


dimensão clássica, segundo a qual a relação de emprego corresponderia ao trabalho
exercido com subordinação, jungida de submissão do empregado à forma de prestação de
serviços determinada pelo empregador (Silva, 2005). Agora, o centro da discussão está na

22
De acordo com Davi Carvalho Martins, em seu artigo A Uber e o contrato de trabalho, a atividade on-
demand da Uber ocorreria da seguinte forma: (i) compete-lhe escolher e selecionar os motoristas que
podem aceder à aplicação informática, sem a qual não pode ser prestado o serviço; (ii) cabe-lhe obter e
indicar os clientes disponíveis ao motorista, através de uma aplicação informática; (iii) o motorista deve
fornecer os seus dados e disponibilizar uma viatura que não pode ter mais de 10 anos, podendo a empresa
controlar a qualidade do serviço através da avaliação dos clientes (uma avaliação inferior a 4,6 estrelas pode
levar ao cancelamento do acesso à plataforma informática); (iv) o preço da viagem é fixado pela empresa, a
qual paga aos motoristas um valor previamente determinado; (v) os motoristas não devem receber gorjetas;
(vi) a empresa pode fornecer o “smartphone” necessário para aceder à aplicação, salvo se o motorista tiver
algum equipamento compatível; e (vii) o motorista não tem qualquer função de gestão que possa afetar a
rentabilidade do negócio. Disponível em https://direitocriativo.blogspot.com/2015/11/a-uber-e-o-contrato-
de-trabalho.html. Acesso em 17 Mai. 2020.
23 Interpretação tópico-retórica de Viehweg, 1979.
24
A noção de subordinação jurídica pode ser vista sob duas noções. Uma, no sentido subjetivo, sob o
enfoque de ordens e comandos; outra, no objetivo, no que tange a inserção na produção alheia, por ausência
de domínio nos fatores de produção (Moreira et al, 2021).
24
relação daqueles trabalhadores que se submetem à forma determinada pelas “regras do
programa”, ou controle por algoritmos.25

Diante dessa conceituação insuficiente, a subordinação vem ganhando nova


roupagem, caminhando junto às transformações sociais.

Como sustenta Gouthier (2016), o desafio hoje do Direito do Trabalho está em


pensar novas formas de regulação do trabalho humano, flexível o bastante para adequar a
evolução da realidade; devendo-se, no entanto, para além da mera formalização das
empresas e do trabalho, bem como dos aspectos fiscais e de contribuição à seguridade
social, refletir nos problemas que circundam a proteção dos direitos fundamentais, tal
como o direito à proteção social contra as várias contingências a que estão suscetíveis as
pessoas em sua vida de trabalho (acidentes de trabalho, doenças ocupacionais,
maternidade, invalidez).

Ciente dessa limitação conceitual na sociedade contemporânea, tanto a doutrina


quanto a jurisprudência vêm apresentando interpretações ampliativas ao elemento da
subordinação, sob uma ótica de inserção objetiva do trabalhador à essência da atividade
empresarial explorada.

Alguns autores, inspirados no conceito italiano de parassubordinação,


enquadram esses novos trabalhadores na chamada zona grise (cinzenta ou fronteiriça),
classificação daqueles segundo os quais haveria uma relação de coordenação entre os
contratantes, como autônomos, liberais, artistas, representantes comerciais. Aqui, não se
propõe a ampliação da hipótese de incidência das normas trabalhistas, mas a garantia
mínima de trabalho e renda ou de alguns direitos sociais essenciais, como inclusão

25
Para Oliveira, Carelli e Silva “a inovação do modelo empresarial ocorre nos expedientes mais sutis para a
manifestação do controle. Abdica-se da estratégia fordista da hierarquia e vigilância do tempo para se valer
de um controle por algoritmos, um sistema de reputação, poder punitivo e um dirigismo econômico. Novos
métodos tecnológicos e de gestão empresarial para o típico trabalho assalariado, inclusive a gerar uma nova
questão social pela retomada da mais-valia absoluta: grandes jornadas; baixa remuneração; custos e riscos de
produção atribuídos ao trabalhador”(p. 110, 2021).
25
previdenciária e o seguro contra acidentes.26

Já a teoria da subordinação estrutural utiliza como uma de suas premissas


exatamente o fato de a subordinação já não ser tão palpável como antes. Aqui, não se
respalda na evidência de intensidade de ordens e comandos do empregador, mas se verifica
se o caráter das atividades desenvolvidas pelos empregados integram inerentemente à
dinâmica do processo produtivo do tomador. Nas palavras de Godinho (2019), mediante
sua incorporação e submissão à cultura cotidiana empresarial27.

Nesse mesmo sentido em que a subordinação é projetada sobre o núcleo do


empreendimento, tem-se a teoria da subordinação reticular, assim denominada pelo jurista
brasileiro José Eduardo Resende Chaves Júnior.

Mais recentemente, o i. doutrinador deu um passo adiante para defender que a


identificação da relação empregatícia contemporânea não deve se ater apenas a ordem,
comando, organização linear, jornada e remuneração fixas de trabalho; mas,
primordialmente, a fatores como escalabilidade econômica, inteligência artificial e big
data.

O doutrinador e Procurador do Trabalho brasileiro, Rodrigo Carelli, vem


ministrando a respeito da teoria da subordinação algorítmica, segundo a qual, na era da
uberização, o controle se dá pela programação dos algoritmos com base nos dados gerados,
utilizando-se de premiações e punições, ou seja, “cenouras e porrete”.28

Já subordinação potencial o trabalhador não possui o domínio da atividade

26
A parassubordinação diverge da subordinação estritamente objetiva, que configura como empregado
qualquer que preste serviços que sejam inerentes à dinâmica da atividade do tomador. Esta teoria é
considerada progressista e monista, pois propõe a aplicação de um mesmo direito ao empregado e ao
trabalhador da zona cinzenta. Ao contrário, a teoria da parassubordinação é tida como conservadora e
dualista, advogando uma vertente paralela de direitos sociais para os trabalhadores da zona cinzenta, e não a
aplicação do mesmo direito do trabalho.
27
Importa ressaltar que a inspiração para várias das terias advieram do conceito da subordinação objetiva,
visando explicar a responsabilidade trabalhista no contexto da terceirização no Brasil.
28
O Uber, os táxis e a exploração dos motoristas. 25 Mai. 2016. Disponível em:
https://odia.ig.com.br/opiniao/2016-05-24/rodrigo-carelli-o-uber-os-taxis-e-a-exploracao-dos-motoristas.html
Acesso em 18 Fev. 2020.
26
econômica, prestando serviços por conta alheia, sujeito, potencialmente, à direção do
tomador de serviços, recebendo ou não ordens diretas deste, em razão de sua inserção na
dinâmica organizacional da empresa (Gaspar, 2016).

Já a teoria integrativa se inspira no direito espanhol e alemão, em que a justeza


na distribuição dos riscos do negócio é tão mais significativa que a simples análise da
subordinação para a identificação do regime jurídico dos trabalhadores. Para se enquadrar
na qualidade de empresário, devem estar presentes não apenas os ônus e riscos do
empreendimento, mas também seu bônus, qual seja, a oportunidade de auferir grandes
lucros (Porto, 2011).

Segundo a Comissão Europeia, em “Uma agenda europeia para a economia


colaborativa. Comunicação ao parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comitê Econômico e
Social Europeu e ao Comitê das Regiões”, para que a subordinação esteja presente, o
prestador de serviços deve agir sob a direção da plataforma colaborativa, que determina o
tipo de atividade, a remuneração e as condições de trabalho, não sendo livre para escolher
quais os serviços que prestará ou a forma como o fará, não dependendo necessariamente de
efetiva gestão ou supervisão numa base contínua.29

Nos dizeres do mestre da Universidade de Coimbra, Dr. João Reis:

“a lei, a doutrina e a jurisprudência sempre recorreram a critérios variados para


acolher no domínio do Direito do Trabalho realidades laborais que não revestiam
as notas conceituais típicas do trabalho subordinado. Recordem-se a este
propósito os critérios dos indícios e as presunções legais de trabalho subordinado
destinados a superar as insuficiências dos dados de facto necessários para se
afirmar diretamente o contrato de trabalho, e, com o intuito de expandir o direito
do trabalho a situações que dele careciam, refiram-se vários critérios como o
“multi-factor economic realities test” usado pela jurisprudência dos EUA, o
critério do serviço organizado da jurisprudência francesa, o control test inglês, a

29
European Commission. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité
Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, Uma Agenda Europeia para a Economia
Colaborativa, Bruxelas, 2 Jun. 2016, COM (2016) 356 final
27
relevância da parassubordinação e da “heterodireção atenuada” em Itália, o
critério da pessoa análoga a trabalhador na Alemanha, o recurso ao contrato
equiparado em Portugal, etc.”30

Ainda na doutrina portuguesa, a i autora Regina Redinha:

“admite a introdução de novos índices, como, por exemplo, “o tipo de ligação


entre o trabalhador e a plataforma” e considera o rating – a avaliação do
desempenho do prestador do serviço – como um (… ) indicador mais afeiçoado a
um vínculo de subordinação do que de prestação autónoma” 31

No cenário estrangeiro, a questão da dependência econômica tem tido destaque


como alternativa e complemento ao requisito da subordinação jurídica. Aqui, o ícone da
empresa não é o comando hierárquico, mas a propriedade; sobretudo, por ser a destinatária
do resultado do trabalho dos seus empregados (Oliveira, 2019).

Outras variantes também são encontradas no direito comparado, como aquelas


perfilados pelo também português Dr. José João Abrantes: na Itália a legislação utilizou a
alcunha parassubordinado (il lavoro parasubordi nato); na Alemanha32, valeu-se de
"pessoas semelhantes a trabalhadores" (arbeitnehmerähnliche persone), por serem
prestadores de serviço economicamente dependentes (tarifsvertragsgesetz)33; o que em
Portugal, chamou-se de contratos equiparados (p. 94-95, 2004).

Assim dizendo, eis que a multifacetada forma de interpretação da subordinação


jurídica torna capaz e possível ao Direito do Trabalho se adaptar aos desafios apresentados
pela cambiável dinâmica social.

30
O artigo “Destacamento na “economia colaborativa” foi publicado no Encontro Internacional de Direitos
Laborais e Economia Digital que aconteceu em 03 e 04 de maio de 2018, em Porto.
31
João Reis."El desplazamiento de los trabajadores en la economia digital” apud Regina Redinha, M.,
“Reflexos Laborais da Economia Digital”, II Jornadas Regionais, Direito do Trabalho, Memórias, Direção
Regional do Emprego e qualificação Profissional, Ponta Delgada, 2018, pp. 65-71.
32
Na Alemanha, os motoristas possuem vínculo empregatício direto com as empresas intermediárias e
licenciadas para transporte de passageiros, os quais, por sua vez, prestam serviço à plataforma de transporte
(Uber). Diversamente se dá no caso dos entregadores de alimentos (delivery), os quais são tratados como
autônomos, já que as plataformas alegam apenas interligar os serviços de consumo e entrega de mercadorias.
33 Também denominados quase-trabalhadores.

28
5.1 Uma nova abordagem da relação jurídica: disciplina x controle

Na esfera das platarformas virtuais, enquanto o modelo de negócios consiste no


amplo controle e propriedade do código fonte, o monitoramento da atividade em si dos
trabalhadores passa a ser transferida aos próprios usuários dos serviços. Por conseguinte,
“o Direito do Trabalho, impactado pelas novas tecnologias, não pode mais se conter apenas
na disciplina, individualizada, foucaultiana; ele deve se estender também ao controle
deleuzeano, estatístico e coletivo.” (Chaves Júnior, 2019).

A seguir, traz-se o quadro sinóptico dos fluxos disciplinares em direção aos de


controle, elaborado pelo grande autor referido.34

34
Direito do Trabalho na Era da Data-driven Economy. CHAVES JÚNIOR, José Eduardo Resende. 2020.
Disponível em https://www.academia.edu/40677524/Direito_do_Trabalho_na_Era_da_Data-
driven_Economy. Acesso em 26 Jun. 2020.
29
Para Focault, a sociedade disciplinar erige no final século XVII, em meio ao
capitalismo industrial, no plano de produção da fábrica, quando havia a necessidade de
extrema vigilância, com jornadas delimitadas, tempo linear, máquinas energéticas, captura
do tempo de trabalho e da produtividade dos trabalhadores, subsunção formal do trabalho;
em outras palavras, com verdadeira subordinação jurídica. Nesse contexto, tamanha era a
força disciplinar, que diminuía a necessidade de aplicação punitiva. Em suas palavras:

"Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que
realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. Muitos
processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos,
nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos
XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação..."A fábrica parece claramente um
convento, uma fortaleza, uma cidade fechada; o guardião “só abrirá as portas à
entrada dos operários, e depois que houver soado o sino que anuncia o reinicio
do trabalho”; quinze minutos depois, ninguém mais terá o direito de entrar; no
fim do dia, os chefes de oficina devem entregar as chaves ao guarda suíço da
fábrica que então abre as portas. É porque, à medida que se concentram as forças
de produção, o importante é tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus

30
inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e “cabalas”); de
proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho: A ordem
e a polícia que se deve manter exigem que todos os operários sejam reunidos sob
o mesmo teto, a fim de que aquele dos sócios que está encarregado da direção da
fábrica possa prevenir e remediar os abusos que poderiam se introduzir entre os
operários e impedir desde o início que progridam." 35

Tal modelo não enfrentou muitos problemas até o início do século XX, quando
vigoravam os modelos de acumulação rígida de capital, o taylorismo/fordismo, com a
produção linear e vertical da grande indústria. Todavia, com o advento do
toyotismo/volvismo, a produção foi substituída por uma concepção mais reticular e
horizontal, de forma de diminuir a capacidade relativa do trabalhador, individualmente
considerado, de paralisação do sistema produtivo (Chaves Júnior, 2017).

Com isso, a sociedade transitou da disciplina individualizada para o sistema de


controle coletivo e estatístico.

No final do século XX e início do século XXI, a produção passou a ser mais


digital, em tempo real (just in time), com máquinas cibernéticas, com a cooperação social e
dos conhecimentos tácitos e especializados da comunidade. O capitalismo passou a ser
mais tecnológico, com a socialização da produção (trabalho na multidão), via redes sociais
e plataformas econômicas. O poder do empregador transitou da disciplina corporal e do
tempo de trabalho, para o controle da alma e do marketing (Delleuze, p. 224, 1992).

Para a Dra. Tereza Coelho, a questão que se coloca nem é a legitimidade em si


do controle, mas seus limites, principalmente afetas a privacidade e dignidade do
trabalhador (p. 18, 2016).

No novo contexto, o algoritmo da empresa que é o chefe, ele é quem comanda


todos os trabalhadores, distribuindo-os segundo a demanda e impondo unilateralmente o
preço do produto.
35 Chaves Júnior, 2017 apud. Foucault, pp. 164-169, 1987.

31
Sua programação pode ser modificada a cada momento (inputs), garantindo
que os resultados finais esperados (outputs) sejam alcançados sem a necessidade de dar
ordens diretas ou expressas àqueles que realizam o trabalho. A avaliação da realização
dos objetivos se dissemina de forma onipresente nos dispositivos de governança pelos
números gerados.

São desenvolvidos inúmeros métodos e técnicas de avaliação dos


trabalhadores, não somente em relação à quantificação dos objetivos, mas também quanto
à análise qualitativa do trabalho realizado. 36

A delegação da vigilância quanto aos critérios de qualidade aos consumidores


(terceiros), uma vez que tem como consequência a possibilidade do desligamento do
trabalhador diante de uma avaliação negativa, apenas reforça a obrigatoriedade do
cumprimento de determinados padrões de conduta previamente estabelecidos pela
empresa. Esse sistema variável e com avaliação individual sobreposta planta a
insegurança na mente dos trabalhadores e, assim, intensifica o controle sobre a mão-de-
obra (faceta do porrete — “stick”).

O próprio sistema de geolocalização (GPS) também revela um controle


intenso, permanente e invasivo.

Em seu artigo, “O Controle dos Trabalhadores através de Sistemas de


Geolocalização”, citando grandes autores, como Jean-Emmanuel Ray, Douglas Towns e
Lorna Cobb, a Dra. Teresa Coelho Moreira37, expõe que:

“No que concerne à utilização do GPS, os avanços tecnológicos determinaram


que os equipamentos tecnológicos de geolocalização se tivessem tornado uma
questão candente porque permitem conhecer a posição geográfica da pessoa
detentora de um destes equipamentos e de segui-la em tempo real, realizando um
controlo à distância sem qualquer limite geográfico ou temporal. Esta

36Supiot, p. 366, 2005.


37 “O Controle dos Trabalhadores através de Sistemas de Geolocalização”, publicado em Tecnologias
disruptivas e a exploração do trabalho humano / Ana Carolina Reis Paes Leme, Bruno Alves Rodrigues, José
Eduardo de Resende Chaves Júnior, coordenadores.” São Paulo: LTr, 2017, pp. 56-69.
32
possibilidade traz, claramente, novas questões ao Direito do trabalho já que estas
tecnologias permitem que os empregadores consigam controlar a localização
de veículos da empresa e dos telemóveis que têm um sistema de GPS
incorporado em todos os momentos da vida do trabalhador. Considerando
tudo isto há que ver que muitos destes mecanismos e formas de controlo
invadem a privacidade do trabalhador, desumanizando o local de trabalho e
reificando ou coisificando o trabalhador. Com estas novas formas de controlo
os empregadores podem quase criar o trabalhador perfeito através de métodos e
formas de controlo extremamente intrusivas” (grifo acrescido).

Ainda segundo a doutrinadora, em seu artigo “Algumas questões sobre o


trabalho 4.0”, contrariamente à imagem de flexibilidade, as plataformas digitais na verdade
estariam mascarando falsas ideais de liberdade, com seu controle permanente que deixa
pouco lugar à privacidade, pois conseguem controlar desde a atividade exercida quanto a
localização. E mais:

“apesar de o local de trabalho ser móvel, o seguimento é constante, passando a


ser extremamente porosas as fronteiras entre local de trabalho e fora dele,
continuando a gerar-se dados e a controlar mesmo quando os motoristas não
estão a conduzir pois a conectividade digital é permanente e o controlo
praticamente total, através do cruzamento das informações recolhidas pelas
plataformas e o controlo exercido pelos algoritmos que podem desativar os
condutores com base na avaliação dos clientes" (p. 255, 2016).38

Já em sua obra “Tecnologias disruptivas e exploração do trabalho humano”39,


sublinha que a adoção desse sistema de vigilância, bem como a medida de recolha, seu

38 Para mais detalhes sobre o tema, recomenda-se a leitura dos artigos escritos por Tereza Coelho Moreira
denominados “A privacidade dos trabalhadores e as novas tecnologias de informação e Comunicação:
contributo para um estudo dos limites ao poder de controlo eletrónico do empregador, Almedina, Coimbra,
2010”, “Estudos de Direito do Trabalho, reimp. da primeira edição, Almedina, Coimbra, 2016”, e “Estudos
de Direito do Trabalho, volume II, Almedina, Coimbra, 2016.”
39 Publicado em: Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano / Ana Carolina Reis Paes Leme,

Bruno Alves Rodrigues, José Eduardo de Resende Chaves Júnior, coordenadores.” São Paulo: LTr, 2017, pp.
56-69.

33
armazenamento (transparente) e o tratamento de dados dependerão da finalidade40
pretendida e da possibilidade de utilização de outros meios menos gravosos (e
proporcionais) que alcancem o mesmo fim.

Como se verá em tópico próprio, a geolocalização se revela um controle muito


mais intenso e invasivo do que o tradicional41.

A Corte de Cassação Francesa já entendeu em julgamento do caso Take Eat


Easy que a existência de um sistema de geolocalização por meio dos telemóveis, e o
conseguinte poder sancionador seriam suficientes para se configurar uma subordinação42.

Assim também como a decisão do Tribunal da Relação do Porto, de 22 de


abril de 2013, “que entendeu que o sistema de GPS se inseria na noção de meios de
vigilância à distância do art. 20 do CT e, como tal, a instalação estava sujeita a
autorização prévia da CNPD43, [...]”44

No Brasil, o Ministério Público do Trabalho, por seu Grupo de Estudos sobre a


Uber — GE Uber da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes na Relação de
Trabalho — CONAFRET45, promoveu um estudo que bem demonstra a questão do

40 A autora declara como ilegítima a utilização desses sistemas se utilizados a controlar a vida
extraprofissional dos trabalhadores. Cita, ainda, o art. 6º, nº I, alínea b, da Diretiva 45/96/CE e o art. 5º, nº I,
alínea b, da Lei de Proteção de Dados Pessoais, segundo os quais o recolhimento dos dados apenas poderiam
ocorrer quando da presença de motivos determinantes, explícitos e legítimos.
41
Importa relatar posicionamento trazido pela Dra. Tereza Moreira ao se referir ao Parecer nº 13/2011, do
Grupo de Proteção de Dados do Art. 29, segundo o qual “os dispositivos de localização de veículos não são
dispositivos de localização de trabalhadores. Os empregadores não devem considera-los como dispositivos de
localização ou monitorização do comportamento ou do paradeiro dos condutores ou outros trabalhadores,
nomeadamente enviando alertas relacionados à velocidade do veículo.”
42
Cass. Soc., 28 novembre 2018, n°17-20.079
43
Como se pode ler no sumário, “Seja através de uma interpretação extensiva ou mediante uma interpretação
actualista o dispositivo GPS instalado no veículo automóvel atribuído ao trabalhador deve ser englobado no
conceito de meio de vigilância à distância no local de trabalho”.
44
Publicado em: Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano / Ana Carolina Reis Paes Leme,
Bruno Alves Rodrigues, José Eduardo de Resende Chaves Júnior, coordenadores.” São Paulo: LTr, 2017, pp.
56-57 e 60.
45
A Indústria 4.0 trouxe consigo um novo tipo de organização do trabalho, que passou a exigir um
tratamento específico pelo Direito do Trabalho e atuação cuidadosa por parte do Ministério Público do
Trabalho. Assim, foi instituído, por meio da Portaria PGT 681/16, o Grupo de Estudos denominado “GE
Uber”, no âmbito da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes na Relação e Emprego, com o objetivo
34
controle deleuziano46:

“Em relação ao monitoramento eletrônico, o trabalho dos motoristas é moldado


por dois principais fatores: o uso de práticas de vigilância pelo empregador
para realizar um controle brando dos trabalhadores e a adoção de práticas de
resistência pelos motoristas para enfrentar esse sistema. A constante vigilância
promovida pela empresa produz assimetrias de informações entre os
motoristas e a Uber, que acessa e controla uma grande quantidade de
informações das experiências dos trabalhadores.

O aplicativo estimula os motoristas a aceitarem todas as corridas e a


permanecerem o maior tempo possível trabalhando. Trata-se de uma forma
de manter o atendimento aos clientes o mais amplo possível. Contudo, a
aceitação de uma corrida pelo motorista não indica necessariamente o trajeto que
será percorrido, nem o valor estimado que será recebido. A rejeição de viagens
não rentáveis coloca em risco a continuidade do motorista no aplicativo,
uma vez que a empresa pode suspendê-lo ou excluí-lo. Assim, verifica-se que os
motoristas absorvem o risco de todas as corridas realizadas.

O controle sobre os motoristas é elevado. Apesar dos trabalhadores serem


remunerados apenas quando realizam viagens demandadas pelo aplicativo, a
Uber mantém a coleta de informações dos motoristas mesmo quando não
estão em uma corrida. A partir desses elementos, a empresa consegue
delinear padrões de tráfego e alimenta o algoritmo de oferta e demanda que fixa
o preço das viagens.

A Uber iniciou o monitoramento dos movimentos dos motoristas que


utilizam o aplicativo por meio dos telefones celulares, com o objetivo de
identificar o comportamento dos trabalhadores e, nos casos em que entender
necessário, tentar influenciar suas condutas. Trata-se de uma forma de promover
controle de qualidade da prestação de serviço.

(...) Outro elemento que se relaciona com essa questão é coleta e análise de
informações dos motoristas que a Uber realiza a partir do envio de mensagens

inicial de aprofundar os estudos das novas formas de organização do trabalho que utilizam aplicativos de
celulares.
46
Oitaven at. al, pp. 18-19, 2018

35
sobre aumento de preço e de demanda, além de estimular a disponibilidade dos
trabalhadores em determinados horários em que a empresa projeta a existência
de maior número de chamados por meio do aplicativo.

A fusão da análise em tempo real com a análise prévia ocorre por meio dos
algoritmos utilizados pela Uber. Além de verificar instantaneamente a
demanda, a empresa consegue fazer projeções da oscilação do número de
chamados pelo aplicativo a partir do histórico de viagens realizadas. A empresa
faz contato com os motoristas para expor o aumento da demanda, constatado
previa ou instantaneamente, de forma indistinta.

A avaliação dos motoristas é realizada pelos clientes ao término das viagens


realizadas, em que é possível atribuir nota de 1 a 5 estrelas para o desempenho
do trabalhador. Também, é possível enviar mensagens para a Uber sobre o
serviço prestado” (Grifo acrescido).

Interessante, também, a informação colhida do processo que tramitou no


Brasil, RTSum nº 0010950-11.2017.5.03.018147, em que é possível se verificar o controle
da empresa Uber, tanto na forma de dirigir, quanto a velocidade e onde estacionar:

47 43ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, RTSum 0010950-11.2017.5.03.0181


Autor: Wendell Luiz de Almeida Batista, Réus: Uber do Brasil Tecnologia Ltda., Uber International B.V.,
Uber International Holding B.V. Disponível em https://pje-consulta.trt3.jus.br/consultaprocessual/detalhe-
processo/0010950-11.2017.5.03.0181. Acesso em 23 Set. 2020
36
37
Tais fatos refletem com clareza o novo parâmetro de controle:

“ao controle já não interessa o confinamento dentro da fábrica, dentro de uma


jornada fixa, dentro de uma disciplina linear, de um vínculo jurídico estável,
mas, sim, o vínculo etéreo, pós-contratualista, pós-material, sonho de liberdade,
mas que engendra agenciamentos compromissários, dívidas continuamente
diferidas, endividamento recorrente, uma afetação apenas virtual”.48

É nesse sentido que se impõe adaptar o conceito de subordinação jurídica ao


viés deleuziano de controle, estatístico e coletivo; pois na era de capitalismo tecnológico a
disciplina corpo a corpo é sobreposta ao controle digital da plataforma e ao controle da
criatividade e da mente do trabalhador.

48
Chaves Júnior, 2017.

38
5.2 Contrato hiper-realidade

Em recentes publicações e debates, José Eduardo Chaves Júnior, de forma


primordial, apresenta o contrato hiper-realidade.

O contrato hiper-realidade nada mais é que a adequação do “Princípio da


primazia da realidade sobre a forma”, do i. Américo Plá Rodriguez (2015), à nova
realidade jurídico-virtual que se apresenta.

Isso porque, na prática, é o código-fonte do software quem prevalece e,


portanto, quem deve ser considerado para a incidência do ordenamento jurídico, não as
disposições emanadas da vontade formal das partes.

Então, utilizando o conceito apresentado por Baudrillard (1972), o hiper-real


seria a ultrapassagem do real, uma encenação, uma ficção jurídica, a cópia copiada, a
precessão da simulação:

“o hiper-real é a ultrapassagem do real, não sua simples representação, sua cópia,


senão sua apresentação, traduzida em linguagem binária, em bits. Melhor seria
pensar em termos de transpresentação do real, em simulação do real, em
transposição de suas fronteiras legais, sintetizados na ideia baudrillardiana de
simulacro, porquanto o contrato em si já é uma performance, uma encenação,
uma ficção jurídica.”49

No entendimento de Chaves Júnior (p. 114, 2020):

“Se o contrato-realidade foi um construto jurídico para ressaltar os limites do


contratualismo puro e duro na esfera tuitiva do Direito do Trabalho, a ideia de
Contrato Hiper-realidade pretende também desvelar a realidade potencializada
pela direção algorítmica, definida no código-fonte e atualizada no trabalho
concreto, de maneira a configurar, assim, uma perspectiva, não propriamente
anticontratualista, senão pós-contratualista da relação de emprego sob o impacto
das novas tecnologias de vigilância e controle.”

49
Chaves Júnior, 2017 apud. Baudrillard, Jean. Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo:
Martins Fontes, 1972. p. 8.
39
Para o professor da Universidade de Coimbra, Portugal, Dr. João Leal Amado,
cuida-se de simulação sobre a natureza do negócio, a fim de se esquivar à legislação
laboral. Contra tal fraude, vige o “Princípio da primazia da realidade”, pois “o contrato de
trabalho não se define por aquilo que se promete fazer, isto é, pelo tipo de atividade em
questão, mas sim pelo modo como se promete fazer” (Amado, pp. 117-138, 2020).

Ao perscrutar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça50 que atribuiu


relevância ao nomen com que as partes designaram o contrato em causa, Leal Amado e
Milena Rouxinol assim se posicionaram:

“(...) não é na declaração negocial, tal como exteriorizada, que há de perscrutar-


se essa vontade real. Tratando-se de determinar se um contrato deve ou não se
qualificar como contrato de trabalho, deve, sem dúvida, partir-se da respectiva
interpretação (...)”. (p. 229, 2015)

No mesmo sentido, a ressignificação ao conceito “contrato-realidade”51,


quando se traz aos nossos tempos o princípio da primazia da “realidade-virtual” como um
parâmetro jurídico para dirimir controvérsias que decorram das novas relações de trabalho.
Sua ênfase é a prevalência do sistema do aplicativo/do algoritmo oriundo do poder diretivo
da empresa sobre disposições abstratas das partes.

Em seu em artigo intitulado "O Direito do Trabalho e as Plataformas


Eletrônicas", Chaves Júnior defende a utilização do "Princípio da Primazia da Realidade-
Virtual" como premente para analisar a relação de trabalho nas plataformas virtuais:

“A primazia da realidade-virtual, portanto, se dá como um parâmetro


jurídico para dirimir controvérsias que decorram das novas relações de
trabalho, com ênfase na prevalência do sistema, do software, do aplicativo e
até mesmo do algoritmo oriundo do poder diretivo da empresa sobre
disposições abstratas. Em outras palavras, na produção pós-industrial, prevalece
a gestão oriunda da inteligência artificial e não o acordo de vontade abstrato das

50
Ac. STJ, de 20.11.2013, relator Mário Belo Morgado, proc. n.º 2867/06.0TTLSB.L2.S1
51 Conceito de Mario de la Cueva, a partir de uma decisão da Suprema Corte do México.

40
partes. É o determinado pelo programa ou aplicativo que vigora na prática e
é o que decorre dessa realidade-virtual, do código-fonte que deve ser
considerado como substrato para a incidência do ordenamento jurídico, não
as disposições emanadas da vontade formal das partes.” (p. 357, 2017).
(Grifo acrescido)

Nas palavras do professor japonês Yuichiro Mzumachi:

"o Direito do Trabalho nasceu em oposição ao formalismo do Direito Civil. Se


hoje, mais uma vez, cresce a diferença entre o formal e o real, é preciso que ele
encontre novas formas de agir. O Direito do Trabalho é a língua que descreve a
realidade social, mas também a força que a corrige.” (Porto, p. 321, 2017).

Por sua vez, Ricardo Antunes (2020), professor de Sociologia do Trabalho da


Unicamp, argumenta que a nova era de precarização estrutural do trabalho cada vez mais
se revela como forma oculta de trabalho assalariado.

Notadamente quanto à uberização, o autor entende como sendo um processo no


qual as relações de trabalho são crescentemente invisibilizadas, assumindo a aparência de
"prestação de serviços" e obliterando as relações de assalariamento e de exploração do
trabalho:

“Outro exemplo encontramos no Uber. Trabalhadores e trabalhadoras com seus


automóveis arcam com suas despesas de seguridade, gastos de manutenção de
seus carros, alimentação, limpeza etc., enquanto o "aplicativo" se apropria da
mais-valia gerada pelos serviços dos motoristas, sem nenhuma regulação social
do trabalho. A principal diferença entre o zero hour contract e o sistema
Uber é que neste os/as motoristas não podem recusar as solicitações, para
não correrem o risco de serem demitidos. A relação de trabalho é, então,
ainda mais evidente. Dos carros para as motos, destas para as bicicletas, patins
etc., a engenhosidade dos capitais é de fato espantosa (...) Assim, se essa
tendência destrutiva em relação ao trabalho não for fortemente confrontada
e recusada e obstada, sob todas as formas possíveis, teremos, além da
ampliação exponencial da informalidade no mundo digital, a expansão dos
trabalhos "autônomos", dos "empreendedorismos" etc., configurando-se

41
cada vez mais como uma forma oculta de assalariamento do trabalho que
introduz o véu ideológico para obliterar um mundo incapaz de oferecer vida
digna para a humanidade. Isto ocorre porque, ao tentar sobreviver, o
"empreendedor" se imagina como proprietário de si mesmo, um quase-burguês,
mas que frequentemente se converte em um proletário de si próprio, que
autoexplora seu trabalho.” (pp. 347-352, 2020). (Grifo acrescido).

Para Valério de Stefano (2016), o aumento da utilização das formas atípicas de


trabalho representaria o uso de "relações de emprego disfarçadas" ou de trabalho autônomo
simulado, a fim de contornar regulamentações trabalhistas e previdenciárias ou obrigações
fiscais que podem ser atribuídas exclusivamente à relação de emprego dentro de uma
determinada jurisdição:

“A relação de emprego disfarçada também pode contribuir para a


informalização de partes da economia formal, ao permitir que uma parte da
força de trabalho seja indevidamente excluída da proteção trabalhista e
social. Além do mais, a economia de custos pode resultar significativamente
em concorrência desleal com as empresas cumpridoras da lei e, em última
análise, estimular o dumping social para termos e condições de trabalho
piores. Apesar de muitas vezes negligenciadas, essas questões mais gerais são
extremamente relevantes na análise da gig economy. E, de fato, uma das
principais questões jurídicas que a ela dizem respeito, e que já gerou grandes
litígios nessa área nos Estados Unidos, é justamente a classificação dos
trabalhadores envolvidos como empregados ou autônomos. Isso também
aumenta o argumento de que a gig-economy não deve ser considerada como
um silo separado do mercado de trabalho, uma vez que o problema da
classificação incorreta se estende muito além de seu domínio” (pp. 6-7,
2016). (Grifo acrescido. Tradução livre).

42
5.3 Método Indiciário

Como visto, o caráter da subordinação jurídica é de traço subjetivo52; ao que se


faz necessário visualizar sua presença caso a caso 53; abstraindo o nomen iures54 atribuído à
relação jurídica, para dar ênfase aos indícios indicativos de sua existência.

A respeito da impossibilidade de escolha das partes decidirem pelo regime


jurídico a ser aplicável ao contrato, expõe António Monteiro:

“A decisão sobre a natureza jurídica do contrato assenta na realidade das relações


que a partir dele se desenvolvem entre os contraentes, confrontada com cada um
dos dois tipos negociais aplicáveis ao trabalho realizado em proveito alheio. As
partes são livres de escolherem a modalidade de relação contratual que mais
convenha à concretização dos seus interesses, mas não são livres de decidirem
sobre o regime jurídico aplicável à modalidade escolhida - e é justa mente a
selecção desse regime que está em causa no binómio contrato de
trabalho/contrato de prestação de serviço. Por outras palavras: as partes podem
decidir se estabelecerão ou não uma relação de trabalho subordinado, mas
não podem resolver que, havendo subordinação, se aplique o regime do

52
O Supremo Tribunal de Justiça confere à subordinação jurídica o caráter de critério primordial para se
caracterizar o contrato de trabalho. Vide:
- Ac. STJ, de 08.10.2014, relator Melo Lima: “(...) a distinção entre contrato de trabalho e contrato de
prestação de serviço encontra (...) a sua pedra angular na subordinação jurídica (...)”.
- Ac. STJ, de 21.05.2014, relator Mário Belo Morgado: “[a] subordinação jurídica encontra a sua génese: (i)
na posição de desigualdade/dependência do trabalhador que é inerente à sua inserção numa estrutura
organizacional alheia, dotada de regras de funcionamento próprias; (ii) na correspondente posição de domínio
do empregador, traduzida na titularidade do poder de direcção e do poder disciplinar”.
- Ac. STJ, de 09.09.2015, relatora Ana Luísa Geraldes: “o factor da subordinação jurídica do trabalhador, a
par de um vínculo de subordinação económica (enquanto actividade remunerada), traduz-se no poder de
autoridade e direcção do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a
que o trabalhador se obrigou, ditando as suas regras, dentro dos limites do contrato celebrado e das normas
que o regem”.
53
António Monteiro (p. 161, 2019), a respeito do método casuístico no sistema common law britânico, aduz
que “o critério dominante para a identificação do contract of service (ou, mais precisamente, da relação
employee-employer) parece ser hoje o critério indiciário ou «múltiplo» (multiple test). Este surgiu e
desenvolveu-se a partir da insuficiência e dificuldade de aplicação do critério da subordinação ou do
«controlo» (control test) que teve, e continua ainda a ter, larga nomeada na jurisprudência britânica. Assinale-
se, enfim, o avanço recente de um critério baseado na existência ou inexistência de incorporação na empresa
ou organização técnico-laboral alheia (organization test), ao qual se tende, pelo menos, a conferir um alcance
complementar no âmbito do método tipológico”.
54
Lado outro, cita-se decisão de 20.11.2013, relator Mário Belo Morgado, proc. n.º 867/06.0TTLSB.L2.S1,
em que o Supremo Tribunal de Justiça português atribuiu valor ao nomen iures contratual dado à relação
jurídica.
43
trabalho autónomo. E a questão de saber se há ou não subordinação resolve-
se por um juízo de realidade, não por declaração dos contraentes” (pp. 160-
161, 2019). (Grifo acrescido).

Sobre a utilização do método indiciário para a verificação da presença do


elemento da subordinação nas novas formas de prestação de serviços, explica Joana
Vasconcelos: “Não se trata, pois, de questionar ou de redefinir a noção de subordinação, de
modo a conter nela estes novos casos, mas de repensar e reequacionar a/s forma/s por que a
mesma se pode, em certos casos, exprimir”, e acrescenta “no que poderá implicar uma
reformulação do elenco tradicional de indícios de subordinação, tendo presente que neste,
como noutros domínios, não se podem resolver problemas de hoje com soluções de ontem”
(p. 10, 2015).

Joana Nunes bem retrata que a aplicação em concreto do elemento da


subordinação jurídica é um dos maiores desafios trazidos pela prestação de serviço via
aplicativos, sendo, portanto, necessária a utilização do método judiciário:

“na verdade, se a aplicação, em concreto, do critério da subordinação jurídica,


como operador da distinção entre contrato de trabalho e de prestação de serviço,
deu sempre margem à dúvida de solução controvertida – que explica o
desenvolvimento de procedimentos de qualificação dotados de acentuada
ductilidade aplicativa, baseado na avaliação de índices de
subordinação/autonomia, como método indiciário (...) Em suma, para lá das
dificuldades tradicionais assentadas à operação qualificativa de toda prestação de
atividade com uma natureza controvertida, a avaliação de índices de autonomia e
subordinação no trabalho via apps convoca necessariamente alguma adaptação
no meio qualificativo actual (...) que combina o teste tradicional de subordinação
jurídica e um número crescente de factores que apelam a grau de dependência
económica do prestador ” (pp. 91-92, 2018).

44
Ainda quanto ao método, a doutrinadora ressalta que nenhum índice ou dado é,
per si, determinante de uma dada qualificação ou tem valor absoluto55.

Nos dizeres de Maria do Rosário, a subordinação “tem hoje novas


manifestações, mas é igualmente intensa”, pelos que os seus indícios “devem ser
apreciados e valorizados em consonância com esta evolução” (p. 49, 2014).

E para Lorena Vasconcelos, com a finalidade de ampliar as abrangências das


normas jus trabalhistas aos trabalhadores cuja inclusão era controvertida:

“A jurisprudência, estimulada pela doutrina, passa a aplicar esses critérios,


notadamente por meio da técnica do conjunto de indícios para a identificação da
subordinação no caso concreto, o que contribuiu notavelmente para a ampliação
do conceito. Em alguns países, o legislador acabou intervindo e contribuiu para
essa expansão.” (p.48, 2009).

Portanto, dados os novos contornos contratuais erigidos com a uberização, cada


vez mais os estudiosos do direito e também os tribunais têm lançado mão da utilização de
métodos indiciários para a configuração de uma relação de trabalho.

Em alguns países, a própria legislação prevê a utilização de indícios. Cita-se a


legislação portuguesa, em seu art. 12 do CTP, ao trazer a presunção iuris tantum da
56
existência de contrato de trabalho se presentes dois dos requisitos previstos no artigo .
Vide:

“Art. 12 do Código do Trabalho português- Presunção de contrato de trabalho 1 -


Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a
pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se
verifiquem algumas das seguintes características: a) A atividade seja realizada

55 Joana Nunes elucida que a suposta liberdade que os prestadores de serviço teriam para decidir quanto e
quando trabalham não evidencia uma verdadeira atividade de natureza autônoma (p. 92, 2018).
56
Ac. TRC, de 13.02.2015, relator Azevedo Mendes: “a presunção prevista no art. 12.º do Código do
Trabalho basta-se (...) com a verificação de dois dos indícios/características apontados”; Milena Rouxinol,
“Notas sobre a eficácia temporal do artigo 12.º do Código do Trabalho – A propósito do Acórdão do Tribunal
da Relação do Porto de 7 de outubro de 2013, Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo, 2ª Edição, CEJ,
jan. de 2016, p. 27.
45
em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os
equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da
atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da
prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com
determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como
contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenhe funções de
direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”

Nas palavras de Leal Amado, a presunção não significa “simplificação do


método indiciário tradicional”, pois ao Juiz não se “dispensa, como ponto de partida (...)
proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação
de um juízo conclusivo sobre a subordinação”57.

A título de exemplo se menciona que em Portugal tanto a doutrina58 quanto a


jurisprudência59 identificam como indícios de subordinação jurídica os traços:

“entre outros, a determinação pelo beneficiário do local onde é prestada a


actividade, a fixação por este de um horário de trabalho, a remuneração paga
periodicamente e calculada em função do tempo, a pertença dos instrumentos de
trabalho ao beneficiário, o controlo por este da prestação de actividade em todas
as suas fases (através de ordens, instruções e supervisão), a inserção na
organização do beneficiário (expressa na sujeição às respectivas regras de
organização e disciplina do trabalho), a impossibilidade de recurso a

57
Joana Vasconcelos, 2015 apud João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Coimbra Editora,
Coimbra, 2014, p. 90.
58
Joana Vasconcelos, 2015 apud João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Coimbra Editora,
Coimbra., 2014, pp. 84 ss.; Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I – Relações Individuais de Trabalho,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 129 ss; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 7.ª ed., Coimbra:
Almedina, pp. 325 ss., 2015; Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II –
Situações Laborais Individuais, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2014, pp. 43 ss.; Bernardo da Gama Lobo
Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo Editora, Portugal., 2014, pp. 349, 362 ss.
59
Joana Vasconcelos, 2015 apud Acs. RP de 7-1-2013 (Proc. n.º 40/10, Maria José Costa Pinto), RC de 10-7-
2013 (Proc. n.º 446/12, Azevedo Mendes), RP de 12-5-2014 (Proc. n.º 521/12, Maria José Costa Pinto), RP
de 19-5-2014 (Proc. n.º 321/12, Maria José Costa Pinto), RC de 26-9-2014 (Proc. n.º 160/14, Ramalho
Pinto), RP de 9-2-2015 (Proc. n.º 597/13, Maria José Costa Pinto), RL de 11-2-2015 (Proc. n.º 4113/10, Alda
Martins), RC de 13-2-2015 (Proc. n.º 182/14, Azevedo Mendes), RP de 13-4-2015 (Proc. n.º 175/14, Paula
Leal de Carvalho), RP de 11-5-2015 (Proc. n.º 299/14, Paula Leal de Carvalho), Ac. RC de 21-5-2015 (Proc.
n.º 725/14, Azevedo Mendes) e STJ de 2.7.2015 (Proc. n.º 182/14, António Leones Dantas).

46
colaboradores e/ou de substituição na realização da prestação” (Vasconcelos, .p.
4-5, 2015).

“a assunção do risco da não produção de resultados”; “o facto de o trabalhador


(não) ter outros trabalhadores ao seu serviço”; “o modo de cálculo da
remuneração”; “dependência económica do trabalhador” (Palma Ramalho, .p. 43
ss., 2016)

Como será demonstrado ao longo deste trabalho, o método judiciário é


amplamente abraçado pela jurisprudência, doutrina e, por vezes, legislação de países, como
na Espanha, Estados Unidos, Brasil, Inglaterra, dentre outros – no intuito de permitir que o
Direito do Trabalho responda a contento às novas formas de trabalho advindas da
revolução digital.

6 - DECISÕES JUDICIAIS E ADMINISTRATIVAS AO REDOR DO MUNDO

6.1 Estados Unidos da América

A cada dia, mais e mais ações judiciais são propostas demandando


reconhecimento de vínculo empregatício com empresas de plataforma digital.

O que se observa ter tomado bastante força na discussão do tema foram as


ações coletivas. Um exemplo desse mecanismo de tutela são as class actions próprias do
direito norte-americano.

Dentre os leading cases tem-se o caso “Connor et al v. Uber Technologies”,


que abrangeu toda a classe dos motoristas da Califórnia e teve grande repercussão na mídia
norte-americana, por envolver a região onde a empresa foi criada, abranger cerca de 400
mil motoristas e por ter sido uma das primeiras ajuizadas.60

Ao avaliar a proposta do acordo para pagar 84 milhões de dólares aos


motoristas, o magistrado Edward Chen deixou de fazer a homologação ao entender, dentre

60
13-cv-03826-EMC, Northern Distric od California.
47
outras razões, que não estava clara a configuração dos motoristas como empregados ou
como contratantes independentes.

O processo foi suspenso sob o fundamento de que o caso deveria ser decidido
por arbitragem.61

Da mesma forma, a ação Cotter et. ali. v. Lyft, Inc., em que o magistrado Vince
Chhabria assim decidiu preliminarmente: “à primeira vista, os motoristas do Lyft não se
parecem muito com empregados. Mas tampouco esses motoristas se assemelham a
trabalhadores autônomos”.

Esse processo se findou por meio de acordo, consubstanciado no pagamento de


indenização de 27 milhões de dólares destinada aos motoristas substituídos
processualmente, sem que houvesse apreciação final do mérito da questão.62

Paralelamente, foram ajuizadas outras ações, como em Nova York e em


Massachussets, sendo remetidas à jurisdição da Califórnia por conexão.

Em 2015, o Comissário do Trabalho da Califórnia entendeu uma motorista da


Uber como empregada, e não como contratada autônoma. A empresa recorreu ao judiciário
estadual para anular a decisão administrativa, não havendo decisão.63

Do mesmo modo, a Junta de Apelações do Seguro de Desemprego da


Califórnia compreendeu que um motorista da Uber era um funcionário apto a obter
benefícios de desemprego.

O Bureau do Trabalho e Indústrias do Estado de Oregon emitiu uma Opinião


Consultiva de que os motoristas da Uber seriam funcionários.

O Conselho de Apelações do Seguro de Desemprego de Nova York já


61
Uber Class Action Settlement. O’Connor, et al. v. Uber Technologies, Inc. Case No. 3:13-cv-03826-EMC |
Yucesoy, et al. v. Uber Technologies, Inc. Case No. 3:15-cv-00262-EMC. Disponível em
https://uberlitigation.com/Home/Documents. Acesso em 28 Jan. 2020.
62
13-cv-04065, Northern Distric of California
63
CGC-15-546378, Superior Court of California
48
considerou que os motoristas da Uber seriam funcionários com direito a indenização por
desemprego.

Um Tribunal de Apelações da Pensilvânia rejeitou o argumento da Uber de que


seu motorista estava operando uma empresa independente e determinou que o motorista
fosse qualificado para o seguro desemprego.64

E, em 17 de maio de 2021, a Suprema Corte americana rejeitou a apelação da


empresa para reconhecer se os motoristas de limosines da Uberblack seriam empregados
ou prestadores independentes. Assim, continuou vigendo a decisão proferida pelo Tribunal
da Pensilvânia65.

Destaca-se o caso que ganhou grande repercussão no cenário norte-americano


envolvendo a empresa Dynamex. Ao se valer de uma plataforma semelhante à da empresa
Uber para a entrega de encomendas, em ação coletiva proposta perante a Corte do Estado
da Califórnia, acabou sendo reconhecido o vínculo dos trabalhadores.

Na referida decisão, foram fixados os seguintes requisitos para a identificação


do trabalho autônomo (ABC test), quais sejam: que o trabalhador não esteja sujeito a
controle e direção da contratante, que o trabalho desempenhado seja alheio ao negócio
principal da contratante, e que o trabalhador esteja habitualmente envolvido em um
comércio independente, um negócio ou uma ocupação de mesma natureza para o qual foi
contratado.66

Salienta-se o fato de que o ABC teste se vincula à execução das obrigações


impostas apenas pelas ordens salariais (wage orders), salario mínimo, horas extras,
intervalos intra e interjornadas, reembolso de despesas etc.

64
Uber drivers. Disponível em https://www.uberlawsuit.com/ Acesso em 28 Jan 2020.
65 Philadelphia-based 3rd U.S. Circuit Court of Appeals. Disponível em https://finance.yahoo.com/news/1-u-
supreme-court-rejects-135108891.html. Acesso em 17 Mai. 2021.
66
Dynamex Operations West, Inc. v. Superior Court, 4 Cal.5th 903 (2018).
49
Esta decisão reverberou no julgamento do caso Vazquez et al. V. Jan-Pro
Franchising International, Inc. no. 17-16096, utilizando-se dos requisitos fixados na outra
ação, e entendendo aplicáveis retroativamente.67

Fruto de um sistema common law68, a força da decisão judicial acabou levando


à codificação.

O Estado da Califórnia (EUA) inovou no mundo jurídico, tendo recentemente


aprovado a Lei AB5, estabelecendo a presunção juris tantum de existência de relação de
emprego entre os trabalhadores de aplicativos e a empresa contratante, com vigência a
partir de janeiro/2020.69

A CA Seção 2750.3 foi adicionada ao Código do Trabalho e trouxe uma lógica


de subsunção reversa:

“2750.3. (a) (1) Para os fins das disposições deste código e do Código de
Seguro-Desemprego, e para os ordenados salariais da Comissão de Bem-Estar
Industrial, uma pessoa que forneça trabalho ou serviços mediante remuneração
será considerada um empregado e não um contratado independente, a menos
que a entidade contratante demonstra que todas as seguintes condições foram
atendidas”. (grifo acrescido).

Sendo tais condições:

(a) Se a pessoa está livre do controle e da direção da entidade contratante em


conexão com a execução da obra, tanto no contrato quanto para a execução da
obra e de fato;

67
O ABC teste entendeu como sendo empregados os motoristas da Califórnia, Nova Jersey, Massachussets e
Connecut. Ao passo que estados como Arizona (2016), Flórida, Kentucky, Indiana, Iowa, Tenesse (2018),
Arkansas (2020) foram tidos como empregados autônomos.
68
A jurisprudencia americana se utiliza de testes pragmáticos, e não subsuntivos. Nos anos 40, a Suprema
Corte decidiu que os meninos jornaleiros (newsboys), que compravam e revendiam jornais, eram empregados
(NLRB v. Hearst Publications, 322 U.S. 111 (1944).
69
No entanto, prazos de vigência diferentes se aplicam dependendo das circunstâncias, como: pescadores
comerciais licenciados (após 31.12.2022); distribuidores ou transportadoras de jornais, esteticistas ou
manicures, licenciados, indústria da construção, incluindo caminhões de construção (após 31.12.2021).
50
(b) Se a pessoa realiza um trabalho fora do curso normal dos negócios da
entidade contratante;

(c) Se a pessoa está habitualmente envolvida em um comércio, ocupação ou


negócio estabelecido de forma independente, da mesma natureza que a
envolvida no trabalho realizado.

Embora o ABC seja o teste aplicável para a maioria dos trabalhadores


independentes, a seção 2750.3 do Código do Trabalho utiliza o teste multifatorial Borello70
a vários outros, como a certos: agentes e corretores de seguros licenciados; médicos,
cirurgiões, dentistas, podólogos, psicólogos ou veterinários licenciados; advogados,
arquitetos, engenheiros, investigadores particulares e contadores; corretores registrados ou
consultores de investimento ou seus agentes e representantes; serviços profissionais para
marketing, administração recursos humanos, agentes de viagem etc.

Importa ressaltar, ainda, que a despeito de a AB5 (seção 2750.3 do Código do


Trabalho) se aplicar a entidades públicas, muitas disposições do Código do Trabalho e a
maioria das seções das Ordens Salariais não se aplicam a funcionários públicos. 71

Em resposta à lei, a empresa Uber e outras empresas que prestam serviços sob
demanda ajuizaram ação de inconstitucionalidade da lei contra o Estado da Califórnia.

Em contrapartida, o Estado da Califórnia, em petição conjunta do Procurador-


Geral Xavier Becerra e dos Procuradores de Los Angeles, San Diego e São Francisco,
processou as empresas Uber e Lyft, alegando que as empresas classificaram mal seus
motoristas como contratados independentes sob a nova lei trabalhista do estado.

Ao julgar a liminar impetrada, o juiz do Tribunal Superior do Condado de São


70
Em 1989, a Suprema Corte da Califórnia, no caso Borello, lançou mão de 13 critérios para a definição ou
não da relação de emprego em um caso envolvendo uma parceria para a colheita de pepinos. Importa
ressaltar dois deles: Se a tomador dos serviços teria o direito de controlar a maneira e os meios de realizar o
resultado desejado e se a atividade do trabalhador envolveria o principal negócio da empresa. (S. G. Borello
& Sons, Inc., v. Department of Industrial Relations, nº. S003956. Supreme Court of California. March 23,
1989.)
71
Como no caso Johnson v. Arvin-Edison Water Storage District (2009) 174 Cal.App.4th 729.
51
Francisco, Ethan Schulman, decidiu que motoristas de aplicativos no estado deveriam ser
reclassificados como empregados. Na ocasião, também indeferiu o pedido da Uber e da
Lyft para adiar a decisão para novembro/2020, para quando estava programada uma
votação estadual (plebiscito) sobre a incidência ou não do AB5 aos referidos
protagonistas.72

O referido plebiscito levou à votação a chamada Proposta 2273 que intentava


excluir da incidência da Lei AB5 as empresas de transporte e de entrega do estado da
Califórnia, permitindo a continuidade de contratação dos motoristas como trabalhadores
independentes. Por outro lado, tais empresas arcariam com um fundo mantenedor de
benefícios aos motoristas, como assistência médica e folga remunerada.

In casu, a proposição exigia que as empresas remunerassem em 120% de um


salário mínimo local ou estadual o tempo de efetiva direção por salário hora. Também
assegurava aos motoristas um importe para adquirir cobertura de seguro saúde quando o
tempo de direção fosse de pelo menos 15 horas por semana, aumentando se o tempo médio
de direção se elevasse para 25 horas por semana.74

Como resultado, com 58% dos votos, a Proposta 22 foi aprovada.

Cita-se, ainda, que em 2018, a cidade de Nova Iorque aprovou uma lei
estipulando salário mínimo hora para as chamadas “empresas de rede de transporte”, após
a Comissão de Taxis e Limusines votar para definir o valor de $17,22, depois de subtraídas
as despesas. 75

72
CGC-20-584402. Para mais detalhes, reportagens disponíveis em https://www.ft.com/content/8adf4de7-
90e9-4304-aa6e-71d652946e80, https://abcnews.go.com/US/wireStory/california-sues-uber-lyft-alleged-
labor-law-violations-70516029. Acesso em 13 Ago. 2020.
73
Com o apoio financeiro de aproximadamente $200 milhões de dólares pela Lyft, Uber, DoorDash, Instacart
e Postmates.
74
Disponível em https://www.latimes.com/california/story/2020-11-03/2020-california-election-tracking-
prop-22?_amp=true. Acesso em 05 Nov. 2020.
75
Não obstante a regulamentação, eis que a Divisão de Apelação da Suprema Corte do Estado de Nova
Iorque, “Appellate Division, Third Department”, se valeu do Princípio da Primazia da Realidade sobre a
Forma ao julgar o caso Colin Lowry x Uber Technologies, Inc, 2020 NY Slip Op 07645, em 17/12/2020, ao
considerar os motoristas da Uber como empregados, e não como trabalhadores autônomos, e fazer jus ao
52
Recentemente, a Câmara Municipal de Seattle, cidade mais populosa de
Washington, publicou uma lei com vigência a partir de janeiro de 2021, aprovando taxa de
pagamento mínimo para motoristas Uber e Lyft de pelo menos $16,39 por hora, o que
corresponde ao salário mínimo de empresas com mais de 500 funcionários. O valor deve
ser computado após despesas como combustível, seguro e manutenção do veículo. 76

6.2 Suíça

Na Suíça, o Órgão que administra o Seguro Social de Acidentes do Trabalho


(SUVA) considerou a Uber como empregadora para fins previdenciários, por entender que
seus motoristas trabalhariam como empregados.77

6.3 Reino Unido

No ordenamento jurídico do Reino Unido há uma distinção legal entre o


estatuto de dependent worker e de employee strict sensu, sendo estes verdadeiramente
trabalhadores e aqueles, uma categoria intermédia, fazendo jus a um salário mínimo, tempo
78
de trabalho, igualdade e não discriminação (Amado e Moreira, 2019) . Além dessas
categorias de trabalhadores, há os autônomos ou independentes (self-employed/
independent contractor) 79.

Em ação proposta em 2016 por motoristas da Uber contra a controladora

seguro-desemprego. A decisão ratificou outras duas decisões da Comissão de recursos de seguro-


desemprego, “Unemployment Insurance Appeal Board”, ocorridas em 2019. O caso em tela se trata de um
motorista que após se desligar da plataforma eletrônica, ter se inscrito para receber benefício de seguro
desemprego. O Departamento de Trabalho concluiu que o reclamante era empregado da Uber e que a
empresa seria responsável pelas contribuições adicionais de seguro-desemprego sobre a remuneração paga. A
Uber não concordou, mas o Juiz de Direito Administrativo manteve as determinações iniciais. Seguidamente,
o Conselho de Apelação do Seguro Desemprego confirmou a decisão que, por fim, foi legitimada pela
Divisão de Apelação da Suprema Corte do Estado de Nova Iorque. Disponível em
http://www.courts.state.ny.us/reporter/3dseries/2020/2020_07645.htm. Acesso em 21 Dez. 2020.
76
Disponível em https://gizmodo.uol.com.br/seattle-pagamento-minimo-motoristas-uber-lyft/. Acesso em 06
Out. 2020.
77
UBER doit payer des cotisations sociales. 24 heures, 05.01.2017. Disponível em:
http://www.24heures.ch/suisse/uber-doit-payer-cotisations-sociales/story/13753680. Acesso em 28 Jan. 2020.
78
As decisões transcritas neste tópico, então, entenderam que os motoristas de aplicativos se configurariam
como “workers”.
79
Vide Amado e Gomes dos Santos, 2017, p. 345; Leal Amado e Catarina Gomes dos Santos, 2017, p. 347.
53
sediada na Holanda e na Inglaterra (Uber London Ltd e a Uber Brittania Ltd), o
Employment Tribunal de Londres reconheceu os motoristas como workers, e não
autônomos ou agentes.80

Em 2017, a Corte de Apelações de Londres, ao julgar recurso da Uber contra


sentença que reconheceu o vínculo de dois motoristas com a empresa proprietária do
aplicativo, apreendeu clara a subordinação, considerando o fato de que é ela quem
determina a rota padrão, fixa a tarifa e veda ao motorista a negociação de um valor maior
com o passageiro. 81

A Corte ponderou, ainda, inúmeras condições que são impostas aos


motoristas, como a escolha limitada de veículos aceitos; a instrução de como fazer o seu
trabalho e o controle na execução dos seus deveres; a sujeição, por meio do sistema de
rating, a determinados parâmetros que ensejam procedimentos disciplinares; a
determinação de questões sobre descontos de forma autônoma; o recebimento
diretamente das queixas dos motoristas e dos passageiros; e o fato de se reservar o direito
unilateral de alterar os termos contratuais em relação aos motoristas.

Relevante ressaltar o desenrolar de importante ação paradigma proposta por


prestadores de transporte da Uber pleiteando seu reconhecimento na condição de workes, e
não como autônomos (Mr. Y Aslam et al. vs. Uber Technologies Inc. et al., cases nos.
2202550/2015 & Others, de 28 de outubro de 2016).

Segundo a empresa Uber, a plataforma seria mera intermediária no contrato de


transporte entre o passageiro e o condutor. Já a sua relação com o condutor seria à regida
pelo Partner Terms e pelo Driver Addendum – os quais definem a Uber como uma terceira
beneficiária do serviço prestado82.

80
Osborne, Hilary. UBER loses right to classify UK drivers as self-employed. Disponível em
https://www.theguardian.com/technology/2016/oct/28/uber-uk-tribunal-self-employed-status e
www.bbc.com/news/business-37802386. Acesso em 28 Jan. 2020.
81
Apelação n º UKEAT/0056/17/DA, Tribunal de Apelação de Trabalho Fleetbank House, 2-6 Salisbury
Square, Londres EC4Y 8AE. Acórdão proferido em 10.11.2017.
82
“Partner – a parte que assume a exclusiva responsabilidade pelo Driving service”; “Customer – a pessoa
registada na Uber para uso da App e/ou do serviço”; “Driving service – o serviço de transporte para tal como
fornecido, disponibilizado ou prestado pelo Partner, através do driver (quando aplicável), com o Vehicle,
mediante solicitação do Customer”. Vide João Leal Amado e Catarina Gomes Santos em “A Uber e os seus
54
De acordo com os documentos, o parceiro reconhece que sua relação se daria
apenas com o cliente (eximindo a Uber de qualquer responsabilidade), bem como de
suposta ausência de controle da plataforma na execução do serviço ou de relação
empregatícia para com o motorista. A empresa também poderia alterar unilateralmente o
acordo e desativar a conta do condutor caso não atingisse classificação mínima ou
“segundo o seu critério exclusivo”83. Soma-se a obrigatoriedade de se aceitarem ao menos
80% das viagens, além de não poder recusar três viagens seguidas ou cancelar viagens já
aceitas, sob pena de desligamento da plataforma por dez minutos.

Em defesa, a Uber alegou não exigir exclusividade na prestação do serviço ou a


utilização de uniformes; não impor que a conexão seja mantida ligada; e que seriam os
próprios condutores que assumiriam as despesas associadas aos veículos e pagamento de
impostos.

Ao analisar o caso, o Tribunal percebeu que a Uber estabelece requisitos sobre


o tipo de veículo (modelo, à marca, ano, cor) e que nos casos em que disponibiliza o
telemóvel, o aparelho é adaptado apenas para o uso do seu aplicativo. Por outro lado, que é
o motorista quem arca com as despesas e custos de manutenção, seguro e impostos
relativos ao veículo.

A decisão examinou a ausência de simetria84 das partes no que tange aos dados
do passageiro, estando apenas sob o domínio da plataforma.

Quanto a este ponto, cabe ressaltar que como somente a Uber conteria os dados
do passageiro, este seria seu cliente direto (e não cliente do motorista). Tal assimetria na
disponibilização e acesso aos dados do passageiro não ocorreria caso o trabalhador fosse

motoristas em Londres: mind the gap!”, Revista de Legislação e Jurisprudência ano 146.º, n.º 4001, Livraria
Jurídica, Coimbra, 2016, p. 113. Texto publicado também em Tecnologias Disruptivas e a Exploração do
Trabalho Humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos
jurídicos e sociais. Coordenadores: LEME, Ana Carolina Reis Paes et al. São Paulo. LTr, 2017.
83
Leal Amado e Catarina Gomes dos Santos, ob. cit., p. 116
84
A respeito da importância da (as)simetria de informação, recomenda-se a leitura de Ginès i Fabrellas, Anna
y Sergi Gálvez Duran, “Sharing economy vs. uber economy y las fronteras del Derecho del Trabajo: la
(des)protección de los trabajadores en el nuevo entorno digital”, In Dret, Revista para el análisis del derecho,
Barcelona, 2016, p. 27.
55
realmente independente (Amado e Gomes dos Santos, pp. 120-123).

Apontou a sentença que a despeito de a rota não ser estabelecida pela Uber,
não significa ausência de controle, tendo em vista que o trabalho em plataformas se reveste
de novos contornos legais.

Como bem definiu Teresa Coelho, as decisões-padrão e as “sugestões” de


desempenho da atividade pela Uber são similares à direção que ocorre em uma relação de
trabalho (p. 258, 2016).

Na mesma esteira Leal Amado e Catarina Gomes (p. 114, 2016), quanto ao
controle unilateral das tarifas das corridas e da porcentagem destinada ao condutor, além
da possibilidade de alterar os termos e as condições do acordo (aceitação sine qua non à
prestação de serviços à plataforma).

Por fim, o Tribunal de Londres concluiu que afora os eventos constatados, o


fato de o motorista ter a disponibilidade de estar conectado à plataforma, em local
autorizado a prestar serviço e aceitar requisições, o configuria como trabalhador worker,
nos termos da seção 230 (3) (b) do Employment Rigths Act - ERA85.

Ao comentar a decisão, Leal Amado e Catarina Gomes observaram a adoção


do princípio da primazia da realidade, à medida que “as relações jurídico laborais se
definem pela situação de facto, isto é, pela forma como se realiza a prestação de serviços,
pouco importando o nome que lhe foi atribuído pelas partes”; que, no caso, houve “uma
manipulação abusiva da qualificação do contrato”, “uma simulação relativa sobre a
natureza do negócio” com intuito de “contornar a legislação laboral”. Assim, ainda que a

85
230. Empregados, trabalhadores. (3)Nesta Lei (“exceto nas frases" e "trabalhador de") significa um
indivíduo que entrou ou trabalha sob (ou, onde o emprego cessou, trabalhou sob) - b) qualquer outro contrato,
expresso ou implícito e (se for expresso) oral ou por escrito, pelo qual o indivíduo se compromete a fazer ou
realizar pessoalmente qualquer trabalho ou serviço para outra parte no contrato cujo status não seja em
virtude do contrato de um cliente ou cliente de qualquer profissão ou empresa realizada pelo indivíduo; e
qualquer referência ao contrato de um trabalhador deve ser interpretada em conformidade.
56
pretenda dar novos rótulos aos elementos caracterizadores da relação de trabalho86, eis que
na verdade:

“os motoristas são recrutados e mantidos pela Uber em ordem a permitir que esta
desenvolva o seu negócio; o contrato central entre o motorista e a Uber consiste
em aquele, mediante remuneração, se disponibilizar para transportar – e
transportar efetivamente – os passageiros Uber para os seus destinos” (pp. 334-
348, 2016).

Ainda quanto à aplicação do princípio da primazia da realidade à qualificação


contratual dada pela empresa Uber, menciona Joana Nunes:

“o sentido dessas estipulações não deve impressionar nem muito menos vincular
o Juiz – aquele a quem cabe em última instância a operação de qualificação –
porquanto, como é sabido, de acordo com um princípio particularmente caro ao
Direito do Trabalho (...) foi este o princípio afirmado pelo Tribunal do Trabalho
de Londres em 2016” (p. 89, 2018).

Recentemente, em 19 de fevereiro de 2021, a Suprema Corte do Reino Unido


confirmou a decisão ao reconhecer os motoristas da Uber como workers e não como
trabalhadores autônomos 87.

Segundo a Corte, a interpretação de uma lei deve levar em conta tanto seus
objetivos, quanto o resultado interpretativo que lhe seja mais eficaz:

“a razão pela qual empregados são entendidos como necessitados dessa proteção é
que eles estão em uma posição subordinada ou dependente em relação a seus
empregadores: o objetivo da lei é estender a proteção para trabalhadores que
estão, substancial ou economicamente, na mesma posição” (Tradução livre. Grifo
acrescido).

86
Onboarding, em vez de admissão ou recrutamento, ou deactivation, em lugar de despedimento ou dispensa
Amado, João Leal e Santos, Catarina Gomes. Op. cit., p. 345.
87
Disponível em https://www.supremecourt.uk/cases/docs/uksc-2019-0029-judgment.pdf. Acesso em 03 Mar
2021.
57
A definição do status do trabalhador não se vincula ao nome da relação dada
pelo contrato, mas à realidade objetiva a que se submete, pois, caso contrário, seria como
“restabelecer os males que a legislação foi criada para evitar.” E mais:

“É o próprio fato que um empregador está frequentemente em posição de


ditar tais termos contratuais e que o indivíduo que executa o trabalho tem
pouca ou nenhuma capacidade de influenciar esses termos que dá origem à
necessidade de proteção legal em primeiro lugar” (Tradução livre. Grifo
acrescido).

Ao fundamentar a decisão foram reconhecidos os seguintes aspectos:

a) A empresa Uber é quem estabelece unilateralmente o preço do serviço;

b) Os termos contratuais são inteiramente impostos pela Uber; sendo que os


motoristas só possuem a opção de aceitar para poderem utilizar o aplicativo;

c) Apesar de os motoristas terem a disponibilidade de não aceitar as corridas, a


plataforma monitora as taxas de recusas e de cancelamentos, aplicando-lhes
punições. E ainda, os motoristas sequer são informados dos destinos dos
passageiros até o momento de pegá-los;

d) Há controle sobre como os motoristas prestam serviços por meio de


avaliações realizadas pelos passageiros; sendo que as referidas notas se
destinam exclusivamente à plataforma, já que nem mesmo os passageiros
poderiam escolher os motoristas com base nas avaliações;

e) A empresa restringe a possibilidade de motoristas e passageiros


desenvolverem relacionamento além daquela corrida específica, ao proibir a
troca de contato entre as partes. Os motoristas não têm qualquer acesso a dados
dos clientes, como seu nome completo ou telefone para contato posterior.

Após a decisão, em março de 2021, a Uber Technologies Inc. decidiu

58
reclassificar os aproximadamente 70.000 motoristas que atuam no Reino Unido como
workers, concedendo salário mínimo hora (£ 8.72), férias (12.07% dos ganhos, a cada duas
semanas) e plano de previdência (contribuição de 3% do salário) – além de seguro doença
e lesão física e do auxílio maternidade que já estavam disponíveis desde 2018.88

6.4 Canadá

Em janeiro de 2017, foi ajuizada na cidade de Toronto (Canadá), perante a


Corte Superior de Ontário, uma ação coletiva pleiteando a classificação dos motoristas da
plataforma Uber Technologies como empregados.89

Em defesa, a empresa requereu a suspensão do processo com base em cláusula


contratual prevendo que as disputas, conflitos, controvérsias decorrentes da relação
deveriam ser resolvidos por arbitragem em Amsterdã, na Holanda, sob as Regras de
Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional.

Em primeira instância, a sentença entendeu pela existência do vínculo


comercial entre as partes; sendo, posteriormente, anulada pela Corte de Apelação de
Ontário.90

O Tribunal considerou que para participar da arbitragem o motorista teria o


custo aproximado de US$ 14.500, sem contar os gastos com a viagem, passagem aérea,
hotel etc.

Em junho de 2020, a Suprema Corte do Canadá manteve a decisão de segunda

88 As modificações se limitam aos trabalhadores do Reino Unido. O valor do salário mínimo somente é
computado após a aceitação dos pedidos nos aplicativos. Além disso, a empresa afirmou que abriria um
processo para que os motoristas buscassem a indenização por férias atrasadas e perda de rendimentos sem a
necessidade de passar pelo Tribunal do trabalho em que o caso se iniciou. Disponível em
https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-03-16/uber-to-reclassify-70-000-u-k-drivers-as-workers-
after-ruling . Acesso em 17 Mar. 2021.
89
Lewis, Michael. Proposed Ontario class-action claims Uber drivers are employees not contractors. The
Star. Disponível em: https://www.thestar.com/business/2017/01/24/proposed-ontario-class-action-claims-
uber-drivers-are-employees-not-contractors.html. Acesso em 28 Jan. 2020.
90
Corte de Apelação de Ontário. Heller v. Uber Technologies Inc. 2019 ONCA 1 (CanLII). C65073.
Disponível em: <http://canlii.ca/t/hwqzt>. Acesso em 21 Mai. 2021.
59
instância, apontando que a cláusula arbitral seria nula e ilegal, já que o acesso à arbitragem
se revelava, na realidade, impossível91.

6.5 Espanha

Na Espanha, a Inspeção do Trabalho da Catalunha, após meses de investigação,


entendeu serem empregados os motoristas da Uber, já que “os elementos dos pressupostos
constitutivos de dependência e ajenidad são próprios do contrato de trabalho”. 92

Por sua vez, a jurisprudência tem se utilizado do método indiciário para


verificar a presença da característica da dependência, como: trabalhar exclusivamente ou
preferencialmente para a mesma empresa; servir em um local de trabalho no local de
trabalho; sujeitar a um cronograma e em um dia determinado pela contraparte; ausência
dos poderes inerentes à propriedade; recebimento de ordens do empregador; percepção de
remuneração fixa e periódica; ser afiliado como dependente do Previdência Social.

Já quanto à ajenidad, traz-se à baila o doutrinador Antonio Ojeda Avilésf que,


em seu artigo “Ajenidad, dependencia o control: la causa del contrato”93, faz referência a
cinco principais teorias:

a) A alienidade dos frutos de trabalho (ajenidad en los frutos)94.

b) Em função da não-assunção dos riscos da atividade econômica (ajenidad en

91
Suprema Corte do Canadá. Uber Technologies Inc. v. Heller. 2020 SCC 16. Julgamento em 26 Jun. 2020.
Disponível em https://www.dawsoncreekmirror.ca/new-uber-contract-could-have-chilling-effect-on-class-
action-says-lawyer-1.24195186. Acesso em 13 Mai. 2021.
92
Gozzer, Stefania. Trabajo dice que los chóferes de Uber son empleados de la firma. El País. Disponível em
http://economia.elpais.com/economia/2015/06/12/actualidad/1434135569_865496.html Acesso em 28 Jan.
2020.
93
AVILÉS, Antonio Ojeda,. Ajenidad, dependencia o control: la causa del contrato. p. 475. Out. 2016
Disponível em file:///C:/Users/Fernanda/Downloads/Dialnet-AjenidadDependenciaOControl-5085079.pdf.
Aceso em 13 Set. 2020.
94
Principiada com Karl Marx, em que os frutos do trabalho seriam estranhos aos trabalhadores. Defendem
esta teoria Alonso Olea, seguido de De la Villa y Montalvo Correa. Para maiores explanações indicam-se as
obras: Montalvo Correa J., Fundamentos de Derecho del Trabajo, Civitas, Madrid 1975, 202–203: «tesis a la
que —con ciertas matizaciones– me siento más próximo»; De La Villa Gil, «Apuntes sobre el concepto», p
12.; Alonso Olea M., Introducción al Derecho del Trabajo, en el resumen efectuado por Albiol Montesinos I.,
“En torno a la polémica”, pp. 24–26.
60
los riesgos)95;

c) Na desvinculação da pessoa do trabalhador da utilidade patrimonial do


trabalho (ajenidad en la utilidad patrimonial)96.

d) Na titularidade da organização (Ajenidad en la titularidad de la


organización)97;

e) A separação do trabalhador do mercado (ajenidad en el mercado).98

Inclusive, neste aspecto, tendo o fruto do trabalho como elemento distintivo


entre empregado e autônomo, Souto Maior (p. 73, 2007) ressalta que a diferença entre o
empregado e o autônomo é que o primeiro só tem a força de trabalho para vender no
mercado enquanto que o autônomo tem atividade de natureza econômica, ou seja, organiza
a atividade econômica e o proveito econômico desse:

“A diferença entre o empregado (trabalhador assalariado e subordinado) e o


trabalhador verdadeiramente autônomo não está, portanto, propriamente, na
utilidade que o trabalho exercido tem no sistema de produção capitalista e sim
na forma com que o próprio trabalhador se vale do proveito econômico de seu
trabalho dentro do sistema capitalista. O empregado não explora atividade
econômica de nenhuma espécie; apenas vende a sua força de trabalho por um
valor que se agrega à exploração econômica de outrem. O trabalhador
autônomo, embora possa, em certas circunstâncias, emprestar ou mesmo vender,
sua força de trabalho para a exploração econômica de outrem, tem, ele próprio,
uma atividade de natureza econômica.

95
Em que o empregador é quem, a priori, assume os riscos do empreendimento. Defendem esta teoria
Moneva Pujol, Hinojosa Ferrer, Bayón Chacón, Alonso García, Borrajo Dacruz, Hernáinz Márquez y
Guilarte. Para maiores explanações indicam-se as seguintes obras: 1895 (Moneva Pujol), y 1932 (Hinojosa
Ferrer), en De la Villa Gil, «Apuntes sobre el concepto».
96
Segundo Montoya Melgar A., in Derecho del Trabajo, Tecnos, Madrid 200526, p. 38, a expressão dos
frutos deve ser entendida no sentido amplo para cobrir tudo o que resulta do trabalho produtivo do homem,
portanto, a ajenidade se referiria à utilidade econômica do trabalho.
97
Influenciada pela teoria da ajenidad nos frutos, considera-se a explicação mais coerente na atribuição do
poder de liderança, da propriedade. Para maiores esclarecimentos, recomenda-se a leitura Albiol Montesinos
I., “En torno a la polémica”, pp. 31 ss.
98
O trabalhador presta um serviço ao empregador, sendo este quem passa a vender o produto pelo preço que
considera apropriado e se relaciona com os clientes ou consumidores no mercado. Defendendo esta teoria,
Alarcón Caracuel M.R., “La ajenidad en el mercado”, op cit., p. 495.
61
(...) De tudo, tem-se que, do ponto de vista da onerosidade da relação entre
prestador de serviços autônomo o que o distingue do trabalhador assalariado é o
fato de que o fruto do trabalho do autônomo (a) não é entregue a outrem; (b) não
é inserido na organização produtiva de outrem; (c) o preço do serviço é fixado
livremente pelo autônomo.”

Em dezembro de 2017, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu se os


serviços da Uber seriam considerados serviços de transporte, serviços da sociedade da
informação ou uma combinação de ambos.

O acórdão ponderou que o aplicativo de transporte era primordial no serviço de


intermediação prestado pela empresa sem o qual "esses motoristas não seriam levados a
prestar serviços de transporte" e "as pessoas que desejam fazer uma viagem urbana não
utilizariam os serviços prestados por esses motoristas", observando que além de serviços
de intermediação, “a Uber exerce influência decisiva sobre as condições em que os
motoristas prestam seu serviço”.

Isso levou o Tribunal a concluir que serviços de intermediação como os


prestados pela Uber deveriam ser classificados como “um serviço no campo do transporte”
dentro do significado da lei da União Europeia99.

99
Tribunal de Justiça da União Europeia. CJEU, 20 de dezembro de 2017, Case C-434/15, Asociación
Profesional Élite Taxi v Uber Systems Spain SL. Par.39 e 48. O processo judicial se preocupou
principalmente em verificar se os serviços da Uber se enquadrariam ou não no âmbito do artigo 56º do
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (liberdade de serviços – “Artigo 56. No âmbito das
disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos
nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da
prestação. O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo
ordinário, podem determinar que as disposições do presente capítulo são extensivas aos prestadores de
serviços nacionais de um Estado terceiro e estabelecidos na União”.), Diretiva 2000/31 e a Diretiva
2006/23, em vez das condições de trabalho e proteção social dos motoristas de Uber. Por conseguinte, em
fundamento da decisão, “Com efeito, numa situação como a referida pelo órgão jurisdicional de reenvio,
em que o transporte de passageiros é assegurado por motoristas não profissionais que utilizam seu próprio
veículo, o prestador desse serviço de intermediação cria, ao tempo, uma oferta de serviços de transporte
urbano, que torna acessível designadamente através de ferramentas informáticas, tais como a aplicação em
causa no processo principal, e cujo funcionamento geral organiza a favor das pessoas que pretendam
recorrer a essa oferta para efeitos de deslocação urbana. A esse respeito, resulta das informações de que
dispõe o Tribunal de Justiça que o serviço de intermediação da Uber assenta na seleção de motoristas não
profissionais que utilizam o seu próprio veículo, aos quais fornece um aplicativo sem o qual, por um lado,
esses motoristas não seriam levados a prestar serviços de transporte e, por outro, as pessoas que
62
E mais, pela decisão, os Estados-membros da União Europeia poderiam proibir
e punir o exercício ilegal das atividades de transporte em plataforma, sem a necessidade de
notificar a Comissão Europeia antes da edição de projetos de lei respectivos.

Cita-se a ação coletiva ajuizada pela Seguridade Social envolvendo


entregadores contra a Roodfood Spain SL (Deliveroo) na Justiça Social de Valência. A
Inspeção do Trabalho pleiteou que esses riders teriam sido equivocadamente classificados
como “trabajadores/as por cuenta ajena”.100

Na aplicação do direito, a decisão enfatizou que a plataforma, seu suporte


tecnológico e sua propaganda seriam os verdadeiros meios de produção, e não o veículo
(moto ou bicicleta) ou o telemóvel utilizados pelos entregadores (estafetas).

Reconheceu, ainda, que o negócio de entregas seria organizado e gerenciado


pela própria plataforma, o que explica a necessidade de vigilância por geolocalização dos
entregadores; que a remuneração recebida seria estabelecida pela empresa, por unidade de
ato efetivamente realizado, mais incentivos, independentemente do sucesso da transação
subjacente; que seria falsa a ideia de liberdade de recusa, pois a taxa de recusa de entregas
é quantificada e utilizada na designação de novas entregas.101

Assim, julgou não haver trabalho por conta alheia.

pretendessem efetuar uma deslocação urbana não teriam acesso aos serviços dos referidos motoristas.
Quanto a este último ponto, verifica-se, designadamente, que a Uber fixa, através da aplicação com o
mesmo nome, pelo menos, o preço máximo da corrida, cobra esse preço do cliente antes de entregar uma
parte ao motorista não profissional de veículo e exerce um certo controle sobre a qualidade dos veículos e
dos respetivos motoristas, assim como sobre o comportamento destesmque pode implicar, sendo caso, a sua
exclusão. Por conseguinte, há que considerar que este serviço de intermediação faz parte integrante de um
serviço global cujo elemento principal é um serviço de transporte e, portanto, corresponde à qualificação,
não de “serviço da sociedade da informação” na acepção do artigo 1.º, n.º, da Diretiva 98/34, para o qual
remete o artigo 2.º, alínea a), da Diretiva 2000/31, mas sim de “serviço no domínio dos transportes”, na
acepção do artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Diretiva 2006/123.” (tradução livre).
100
Sentença nº 197/2019. Juzgado de Lo Social. Relator: Magistrada Montserrat Carballo de la Cruz.
Valencia, 10 jun. 2019. Disponível em: http://www.poderjudicial.
es/search/openDocument/d2edb9c077f3f521. Acesso em: 15 Set.. 2020.
101
“Pretende-se que o entregador seja livre ou não de aceitar uma encomenda sem consequências
desfavoráveis mas, para além dos que censuram esses procedimentos, ficou provado que o aplicativo valoriza
o serviço dos entregadores com métricas diferentes (primeiro, a barra percentual das encomendas aceites e,
depois, as percentagens de assistência, cancelamento da disponibilidade na banda reservada, assistência a
picos e canais) que serão obviamente tidos em conta pelos algoritmos de atribuição de ordens para uma
melhor eficiência do sistema” (tradução livre).
63
Mais recentemente, em 25 de setembro de 2020, o Tribunal Supremo, Sala
Cuarta, de lo Social, Sentença 805/2020, no Rec. 4746/2019, reconheceu a existência de
verdadeira relação de emprego entre entregadores e a empresa Glovo:

“VINTE E UM - 1. Em suma, a Glovo não é um mero intermediário na


contratação de serviços entre empresas e distribuidores. Não se limita a
prestar um serviço de intermediação eletrônica que consiste em colocar em
contacto consumidores (clientes) e autônomos autênticos, mas antes realiza um
trabalho de coordenação e organização do serviço produtivo. É uma empresa
prestadora de serviços de entrega e correio expresso, fixando o preço e as
condições de pagamento do serviço, bem como as condições essenciais para a
sua prestação. E é o dono dos bens essenciais para o desempenho da
atividade. Para tal, recorre a distribuidores que não possuam organização
empresarial própria e autónoma, que prestam serviços inseridos na
organização de trabalho da entidade patronal, sujeitos à gestão e
organização da plataforma, o que evidencia o fato de a Glovo estabelecer todos
os aspectos relativos à forma e ao preço do serviço de recolha e entrega dos
referidos produtos. Ou seja, tanto a forma de prestação do serviço, quanto seu
preço e forma de pagamento são fixados pela Glovo. A empresa estabeleceu
instruções que permitem controlar o processo de produção. A Glovo estabeleceu
meios de controle que atuam sobre a atividade e não apenas sobre o
resultado através da gestão algorítmica do serviço, das avaliações das
distribuidoras e da geolocalização constante. O comerciante não organiza
sozinho a atividade produtiva, nem negocia preços ou condições com os
proprietários dos estabelecimentos que atende, nem recebe sua remuneração dos
clientes finais. O ator não tinha verdadeira capacidade de organizar sua
oferta de trabalho, carecendo de autonomia para fazê-lo. Estava sujeito às
diretrizes organizacionais estabelecidas pela empresa. Isto revela um exercício
de poder empresarial em relação ao modo de prestação do serviço e um
controlo da sua execução em tempo real que evidencia a simultaneidade do
requisito de dependência inerente à relação de trabalho.

2. Para a prestação destes serviços, a Glovo utiliza um programa informático que


atribui os serviços com base na avaliação de cada entregador, o que condiciona
de forma decisiva a liberdade teórica de escolha de horários e de rejeição de
encomendas. Além disso, a Glovo tem o poder de sancionar os seus

64
distribuidores por uma pluralidade de comportamentos diferentes, o que é uma
manifestação do poder de gestão do empregador. Através da plataforma digital, a
Glovo realiza um controlo em tempo real da prestação do serviço, sem que o
entregador possa cumprir a sua tarefa alheia a essa plataforma. Por isso, o
concessionário tem uma autonomia muito limitada que abrange apenas
questões secundárias: que meio de transporte utiliza e qual o percurso que segue
na distribuição, pelo que este Tribunal deve concluir que as notas definidoras do
contrato de trabalho coincidem entre os autora e demandada empresa prevista no
art. 1.1 do TE, estimando o primeiro motivo do recurso unificador.” (Tradução
livre. Grifo acrescido).

O Tribunal Supremo concluiu que a plataforma Glovo não seria mera


intermediária na prestação eletrônica de serviços, pois é ela, via algoritmos, quem realiza a
organização e coordenação do serviço; quem unilateralmente fixa os preços e as condições
de pagamento; quem é titular da plataforma necessária, sem a qual o serviço não ocorreria;
quem possui as informações para administrar o sistema de negócios (lojas associadas,
pedidos); quem possui mecanismos de controle contínuo e em tempo real tanto da
execução da atividade (geolocalização) quanto do resultado da prestação (avaliação pelos
clientes); quem possui o poder sancionatório (desvinculação arbitrária do rider da
plataforma).

Desta feita, caracterizados requisitos próprios da relação laboral, como


dependência do trabalhador, poder diretivo e disciplinar do empregador, frente a uma
limitada autonomia do empregado de escolher o meio de transporte, o horário em que se
ativa, rota a ser seguida, a possibilidade delimitada de recusa de pedidos102.

Tal decisão representou importante unificação de doutrina e jurisprudência


espanholas, consoante se extraem dos pontos a seguir entabulados.

102
Ressalta-se que o Tribunal Supremo observou que o rider é quem assumia os riscos decorrentes do uso da
motocicleta e do telemóvel próprio, cujos custos eram de sua responsabilidade, recebendo sua remuneração
com base nos serviços prestados. Assim, não visualizado o binômio risco-lucro que caracteriza a atividade do
empregador ou o livre exercício das profissões (Acórdãos do Supremo Tribunal Federal de 4 de fevereiro de
2020, Recurso 3008/2017; 1 de julho de 2020, recurso 3585/2018; e 2 de julho de 2020, Recurso 5121/2018).

65
- Como os requisitos de dependência e ajenidad são elementos essenciais no
contrato de trabalho, mas sã conceitos abstratos, devem ser analisados caso a
caso, lançando mão da técnica indiciária (presença de evidências favoráveis ou
contrárias à relação de trabalho):

“SÉTIMO.- 1. O conceito jurídico de trabalhador assalariado pressupõe a


existência de uma prestação de serviços voluntária, remunerada, externa e a
cargo (artigo 1.1 da TE). A doutrina jurisprudencial reiterada sustenta que a
dependência e a ajenidad são os elementos essenciais que definem o contrato
de trabalho [para todos, acórdãos do Supremo Tribunal Federal (Plenário) de 24
de janeiro de 2018, recursos 3595/2015 e 3394/2015; 8 de fevereiro de 2018,
recurso 3389/2015; e 29 de outubro de 2019, recurso 1338/2017]. Dependência
e ajenidad são conceitos abstratos que se manifestam de maneiras diferentes
dependendo da atividade e do modo de produção e que estão intimamente
relacionados entre si.

2. Desde a criação do direito do trabalho até aos dias de hoje, assistimos a uma
evolução do requisito da dependência-subordinação. A decisão do Supremo
Tribunal Federal de 11 de maio de 1979 já qualificou essa exigência, explicando
que “a dependência não implica subordinação absoluta, mas apenas inserção no
círculo governamental, organizacional e disciplinar da empresa”. Na sociedade
pós-industrial, a nota de dependência tornou-se mais flexível. As inovações
tecnológicas levaram ao estabelecimento de sistemas de controle digitalizados
para a prestação de serviços. A existência de uma nova realidade produtiva torna
necessário adaptar as notas de dependência e alienação à realidade social da
época em que as regras devem ser aplicadas (art. 3.1 do Código Civil).

Na prática, devido à dificuldade de avaliar a presença dos elementos definidores


da relação de trabalho em casos de dúvida, a técnica circunstancial é utilizada
para determinar se eles concordam, identificando os indícios favoráveis e
contrários à existência de um contrato de trabalho. E decidir se a relação de
trabalho coincide ou não no caso concreto. Este Tribunal tem afirmado que “A
qualificação da relação de trabalho deve ser feita em cada caso com base nas
evidências existentes, avaliando principalmente a margem de autonomia de quem
presta o serviço” (Acórdão do STJ de 20 de janeiro de 2015, Recurso 587/2014)”
(Tradução livre. Grifo acrescido).

66
- Princípio da igualdade de retribuição ao trabalho de igual valor entre os
serviços de transportes realizados por condutores profissionais ou não
profissionais:

“OITAVO. 1. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no acórdão de


13 de janeiro de 2004, C-256/01, processo Allonby, aplicou o princípio da
igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos para o
mesmo trabalho ou para um trabalho de igual valor.

(...) 2. O acórdão do TJEU de 20 de dezembro de 2017, processo C-434/15, Elite


Taxi Professional Association, declarou que o serviço de intermediação do Uber
que, em troca de remuneração, utiliza um aplicativo para smartphones para
colocar em contato com condutores não profissionais que utilizam o seu próprio
veículo com pessoas que pretendem fazer uma viagem urbana, devem ser
classificados como um «serviço no domínio dos transportes» para efeitos do
direito da União, pelo que está excluído do âmbito de aplicação da liberdade a
prestação de serviços em geral e as Diretivas 2006/123/CE, sobre os serviços no
mercado interno e 2000/31/CE, sobre o comércio electrónico. O CJEU negou
que a empresa Uber exerça uma atividade de mera intermediação. A referida
empresa desenvolve uma atividade de transporte subjacente, que organiza e
dirige em seu próprio benefício. O CJEU explica que “o serviço de
intermediação da Uber baseia-se na seleção de motoristas não profissionais que
utilizam viatura própria, aos quais esta empresa disponibiliza uma aplicação sem
a qual, por um lado, estes motoristas não estariam em condições de fornecer
transporte serviços e, por outro lado, as pessoas que desejam fazer um
deslocamento urbano não poderiam utilizar os serviços dos mencionados
motoristas. Além disso, o Uber tem uma influência decisiva nas condições dos
serviços prestados por esses motoristas. Sobre este último ponto, verifica-se em
particular que a Uber, por meio do pedido de mesmo nome, estabelece pelo
menos o preço máximo da corrida, que recebe esse preço do cliente e depois
paga uma parte ao piloto não profissional do veículo e que exerça certo controlo
sobre a qualidade dos veículos, bem como sobre a idoneidade e comportamento
dos condutores, o que no caso deles pode conduzir à sua exclusão.

Consequentemente, este serviço de intermediação deve ser considerado parte


integrante de um serviço global cujo elemento principal é um serviço de
transporte e, portanto, não responde à classificação de "serviço da
67
sociedade da informação", na acepção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 98/34,
referido no artigo 2º, alínea a), da Diretiva 2000/31, mas "serviços em matéria de
transportes", na acepção do artigo 2º, nº 2, alínea d), da Diretiva 2006/123."
(Tradução livre. Grifo acrescido).

- Critérios jurisprudenciais para diferenciar contratos de trabalho de outros


vínculos semelhantes, como a prevalência da realidade fática sobre o nomem
iures; presunção iures tantum de prestação de trabalho; análise casuística e
indiciária de cada fato:

“NONO.- 1. Os critérios jurisprudenciais para diferenciar o contrato de trabalho


de outros vínculos de natureza semelhante são os seguintes [para todos, acórdãos
do Supremo Tribunal de 24 de janeiro de 2018 (Plenário), recursos 3394/2015 e
3595/2015; 8 de fevereiro de 2018, Recurso 3389/2015; e 4 de fevereiro de 2020,
Recurso 3008/2017]:

1) A realidade factual deve prevalecer sobre a nomen iuris porque “os


contratos têm a natureza que deriva do seu próprio conteúdo obrigatório,
independentemente da qualificação jurídica dada pelas partes; de modo que,
quando se trata de qualificar a natureza trabalhista ou não de relação, a que
derive da coincidência dos requisitos que determinam a força de trabalho e os
benefícios efetivamente realizados deve prevalecer sobre a atribuída pelas
partes”.

2) Além da presunção de emprego iuris tantum que o art. 8º da TE atribui à


relação existente entre quem presta serviço remunerado e quem o recebe, o
art. 1.1 do TE delimita, do ponto de vista positivo, a relação de trabalho,
qualificando-se como tal a prestação de serviços de forma voluntária quando,
para além da referida voluntariedade, existem três apontamentos também
repetidamente destacados pela jurisprudência, que são, a alienidade nos
resultados, a dependência do seu desempenho e a remuneração dos serviços.

3) A linha divisória entre o contrato de trabalho e outros vínculos de


natureza semelhante (nomeadamente a execução de obras e a locação de
serviços), regulados pela legislação civil ou comercial, não aparece clara nem
na doutrina nem na legislação, e nem mesmo na realidade social. E é assim,
porque no contrato de locação de serviços o regime de relação contratual é uma

68
troca genérica de obrigações e benefícios do trabalho com a contrapartida de um
“preço” ou remuneração dos serviços, enquanto o contrato de trabalho é uma
espécie do gênero anterior, que consiste na troca de obrigações e benefícios
laborais, mas neste caso dependentes, empregados e em troca de remuneração
garantida. Consequentemente, a matéria rege-se pelo mais puro casuísmo, de
modo que é necessário levar em consideração todas as circunstâncias
concomitantes do caso, a fim de verificar se as notas de alienidade,
remuneração e dependência se dão, no sentido em que estas os conceitos são
concebidos pela jurisprudência.” (Tradução livre. Grifo acrescido).

- Definição de dependência e subordinação:

“DÉCIMO.- Este Tribunal define dependência ou subordinação como a


integração "na organização e gestão do empregador (isto é, a ajenidad quanto
à organização da própria prestação de trabalho) (...) cristalização de uma longa
elaboração jurisprudencial em que concluiu-se que a “autonomia profissional”
imprescindível em determinadas atividades não se opõe a concorrer nesta nota da
agência” (Acórdão do STJ de 19 de fevereiro de 2014, Recurso 3205/2012).
Dependência é a "situação do trabalhador submetido, ainda que de forma
flexível e não rígida, à esfera orgânica e governamental da empresa" (para
todos, acórdãos do Supremo Tribunal Federal de 8 de fevereiro de 2018, Recurso
3389/2015; julho 1, 2020, recurso 3585/2018; e 2 de julho de 2020, Recurso
5121/2018). Em outras palavras, a dependência ou subordinação se
manifesta por meio da integração dos trabalhadores na organização
empresarial.” (Tradução livre. Grifo acrescido).

- Presença da ajenidad (alienidade):

“DÉCIMA PRIMEIRA.- 1. Este Tribunal considerou os seguintes sinais comuns


da nota de ajenidad (para todos, acórdãos do Supremo Tribunal de 4 de fevereiro
de 2020, Recurso 3008/2017; 1 de julho de 2020, Recurso 3585/2018; e 2 de
julho 2020, Recurso 5121/2018):

1) A entrega ou colocação à disposição do empregador pelo trabalhador dos


produtos produzidos ou dos serviços prestados.

69
2) A adoção pelo empregador e não pelo trabalhador de decisões relativas às
relações de mercado ou com o público, tais como fixação de preços ou taxas,
seleção de clientes ou indicação de pessoas a frequentar.

3) O caráter fixo ou periódico da remuneração do trabalho.

4) O cálculo da remuneração ou dos principais conceitos da mesma segundo


um critério que guarda uma certa proporção com a atividade prestada, sem
o risco e sem o lucro especial que caracteriza a atividade do empregador ou
o livre exercício das profissões.

2. A alienação concorre quando as seguintes circunstâncias coincidem (Acórdãos


do Supremo Tribunal Federal de 24 de janeiro de 2018, Recurso 3595/2015; 8 de
fevereiro de 2018, Recurso 3389/2015; e 29 de outubro de 2019, Recurso
1338/2017):

1) Os frutos do trabalho passam ab initio para a empresa, que se obriga a


recompensar os serviços garantidos.

2) Não foi comprovado que o demandante assume risco empresarial de qualquer


espécie.

3) Tampouco está provado que realiza um investimento em bens de capital


relevantes, uma vez que o investimento que constitui elemento essencial da
atividade contratada é entregue diretamente pela demandada.

3. A alienação nos frutos ocorre quando «o valor líquido daí derivado —ou seja,
o que os clientes pagam— entra diretamente no patrimônio da empresa e não nos
dos atores (alienação nos frutos e no lucro patrimonial) e receberão seu salário,
na modalidade por unidade de trabalho” (Acórdãos do Supremo Tribunal Federal
de 6 de outubro de 2010, Recurso 2010/2009 e 19 de fevereiro de 2014, Recurso
3205/2012).

4. Este Tribunal esclareceu que “a não fixação de remuneração fixa ou


vencimento não é elemento delimitador característico do contrato de
trabalho em relação às demais figuras, dada a noção de vencimento constante do
art. 26.1 TE abrangente de "todas as percepções econômicas dos trabalhadores,
em dinheiro ou em espécie, para a prestação profissional de serviços de trabalho
em nome de terceiros, se eles pagam o trabalho real, qualquer que seja a forma
de remuneração, ou os períodos de descanso computáveis como trabalho”

70
(Acórdãos do Supremo Tribunal Federal de 29 de dezembro de 1999, Recurso
1093/1999 e 25 de março de 2013, Recurso 1564/2012).” (Tradução livre. Grifo
acrescido).

Comentando o caso, Leal Amado e Tereza Coelho descrevem que o Direito do


Trabalho deve ser entendido como um ramo flexível e diversificado que não se opõe à
liberdade do trabalhador. O que se opõe, todavia, é a certas liberdades indiscriminadas do
empregador que resultam da posição dominante que ocupa na relação que estabelece com
as pessoas que lhe prestam serviços, como:

“a liberdade de pagar salários baixíssimos, a liberdade de fazer com que os


trabalhadores laborem durante períodos excessivos e sem observar o necessário
repouso, a liberdade de despedir esses trabalhadores quando entender e pelas
razões que entender, etc. Reiteramos: em matéria de qualificação, tudo
dependerá, como é óbvio, das circunstâncias concretas de cada relação, de
cada contrato, dos direitos e obrigações das partes, da dinâmica relacional
que entre elas se estabeleça. Mas, aqui chegados, afirmamos: a circunstância
de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem
como de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade
e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de
trabalho dependente entre o prestador e a plataforma eletrónica.”. (p. 135,
2021).

Assim, para os autores, a narrativa dos prestadores de serviços via apps (os
estafetas, os motoristas, etc.) de que a flexibilidade e a autonomia seriam contrárias à sua
qualificação como trabalhadores dependentes, revelar-se-ia falaciosa.

Nota-se, portanto, que a decisão do Tribunal Supremo da Espanha integrou de


forma exímia tanto a doutrina quanto a jurisprudência espanhola ao adotar o princípio da
realidade indicado em julgamentos anteriores (STS 263/1986, de 26 de fevereiro de 1986,
ou STS de 20 de janeiro de 2015, recurso 587/2014) e a adaptar os requisitos de
dependência e alienação ao contexto atual do labor em plataformas digitais.

Em corolário, o referido acórdão acabou por levar o legislador a atuar e a


produzir uma reforma pioneira no estatuto do trabalhador espanhol.
71
Por resolução adotada na mesa do diálogo social com subsequente disposição
adicional legal, a jurisprudência sobre o assunto foi transferida para a lei, a fim de que o
Estatuto do Trabalhador refletisse as novas realidades apresentadas.

Fruto da concertação social entre os interlocutores de organizações sociais e o


Governo103, em 21 de maio de 2021, foi publicado o Decreto-lei Real 9/2021 intentando
garantir direitos trabalhistas àqueles que laboram em plataformas digitais.

Ao artigo relativo aos direitos de informação e consulta de representação legal


dos trabalhadores foi adicionando um novo parágrafo que reconhece o direito do Comitê
de Empresa de:

Art. 64.4, letra D) “Ser informado pela empresa dos parâmetros, regras e
instruções em aqueles que são baseados em algoritmos ou sistemas de
inteligência artificial que afetam a tomada de decisões que podem afetar as
condições de trabalho, acesso e manutenção do emprego, incluindo perfis”.
(Tradução livre. Grifo acrescido).

Logo, previram-se como faculdades empresariais as exercidas de inúmeras


formas, inclusive, por gestão algorítmica da atividade. Em outras palavras, os poderes
comerciais também contemplam os casos em que a flexibilidade ou a liberdade do
trabalhador na execução da obra seria apenas aparente, mas que, efetivamente, repercutiria
na manutenção e condição em que o trabalho é realizado.

Adicionalmente, foi introduzida disposição que trouxe a presunção de emprego


na área de plataformas de entrega digital:

“Por aplicação do disposto no artigo 8.1, presume-se incluído no âmbito desta


lei a atividade das pessoas que prestam serviços pagos consistindo na

103
Os trabalhos de diagnóstico e solução partilhada foram realizados pela Mesa de Diálogo, em 28 de
outubro de 2020, com a participação de organizações sociais (CC. OO., UGT, CEOE e CEPYME) e o
Governo. A finalidade do diálogo social foi assegurar o direito à informação da representação de pessoas
trabalhadoras no ambiente de trabalho digitalizado, bem como a regulamentação daquele trabalho.

72
distribuição ou distribuição de qualquer produto de consumo ou mercadoria, por
empregadores que exercem os poderes comerciais de organização, direção e
controle direta, indireta ou implícita, por meio do gerenciamento
algorítmico do serviço ou das condições de trabalho, através de um plataforma
digital”. (Tradução livre. Grifo acrescido).

Isso significa que a lei apontou a presunção da qualificação do trabalho em


plataformas como sendo dependente.

Tal inovação reforça a importância de se resguardar a real natureza do vínculo


e o reconhecimento da assimetria das partes como elemento necessário para garantir o
efeito útil e protetor que corresponde ao direito do trabalho.

O legislador também reputou imprescindível assegurar a igualdade de


tratamento entre as empresas "tradicionais" e aquelas que utilizam meios de controle
digital baseados na gestão de dados algorítmicos. Nos termos considerados:

“é urgente que haja um meio que proporcione certeza, segurança e


previsibilidade ao adotar esta nova técnica refletida no texto do Estatuto do
Trabalhador as características de uma realidade altamente produtiva digitalizado,
mas não altera o conteúdo ou escopo das notas que definem o natureza
trabalhista de uma relação de serviço de acordo com o disposto no artigo 1.1 do
Estatuto do Trabalhador, nem suas consequências (...)Tudo isso evidencia a
urgência de garantir as condições de trabalho justo na economia das
plataformas de entrega digital, por meio de uma presunção de emprego das
pessoas que prestam serviços nesta área, o que garante a tratamento igual para
as empresas, operando com formas padronizadas de trabalho ou não
padrão; bem como buscar, por fim, a eficácia da emenda legislativa operado,
incorporando mecanismos para alcançar o cumprimento e aplicação eficaz
(Tradução livre. Grifo acrescido).

Esse foi o primeiro diploma em nível europeu de intervenção legislativa que


passou a prever a presunção do trabalho em plataformas como subordinado.

6.6 França

73
Em novembro de 2018, a Corte de Cassação, órgão de cúpula da Justiça
Comum francesa, entendeu que existia contrato de trabalho entre um entregador e a
empresa de aplicativos que conecta restaurantes e clientes, Take Eat Easy104.

Apreendeu-se que a empresa equipou seu aplicativo para smartphone com um


sistema de geolocalização (GPS) capaz de acompanhar em tempo real a localização e a
distância percorrida pelo estafeta, além do poder sancionador que a empresa detinha com
os dados obtidos pelo sistema.

Posteriormente, em 04 de março de 2020, uma decisão semelhante foi


proferida, mas desta vez para reconhecer existente o vínculo empregatício entre a Uber e
um motorista105.

Nos fundamentos decisórios o Tribunal levou em consideração que o motorista


prestava um serviço de transporte, mas sem, contudo, constituir sua própria clientela,
definir livremente as tarifas ou as condições do exercício do serviço, os quais eram
determinados em sua totalidade pela empresa Uber BV.

Segundo a Corte francesa, a subordinação sempre resta caracterizada quando


presentes três elementos essenciais na relação de trabalho, quais sejam, os poderes de
instrução, de controle da execução e de sanção pelo não cumprimento.

Cita-se que em agosto de 2016, conquanto não tenha se pronunciado sobre o


status legal dos trabalhadores, o legislador traçou a responsabilidade social das plataformas
digitais, ao inserir os artigos L7341-1 a L7341-6 no Código de Trabalho.106

104
Cass. Soc., 28 novembre 2018, n°17-20.079
105
Julgamento nº 374, de 4 de março de 2020, Recurso nº 19-13.316. - Cour de Cassation - Chambre sociale -
ECLI:FR:CCAS:2020:SO00374. Disponível em
https://www.courdecassation.fr/IMG/20200304_arret_UBER_espanol.pdf. Acesso em 21 Set. 2020.
106
Artigo L7341-1 (Criação da Lei n° 2016-1088 de 8 de agosto de 2016 - art. 60). O presente título é
aplicável aos trabalhadores independentes que utilizem, para o exercício da sua atividade profissional, uma
ou mais plataformas eletrônicas de contacto definidas no artigo 242.o bis do Código Geral Tributário. Artigo
L7342-1. Quando a plataforma determina as características do serviço prestado ou do bem vendido e fixa o
seu preço, tem, para com os trabalhadores em causa, uma responsabilidade social que se exerce nas
condições previstas neste capítulo. Artigo L7342-2. Quando o trabalhador subscreve um seguro de cobertura
de riscos de acidentes de trabalho ou subscreve o seguro voluntário em matéria de acidentes de trabalho
74
6.7 Itália

O Código Civil Italiano de 1942, em seu artigo 2.094, conceitua como trabalho
subordinado aquele que se obriga, em troca de uma retribuição, a colaborar na empresa,
prestando seu trabalho intelectual ou manual sob a dependência e a direção do empresário.

Ou seja, a legislação adota o critério subsuntivo de trabalho subordinado.

Todavia, visando contornar fraudes que eram até então “permitidas” com o
critério subsuntivo, a doutrina e a jurisprudência passaram a seguir o tipológico ou
aproximativo, pelos quais, ainda que faltem requisitos legais, estando presentes a maioria
deles, eis que presente a relação de trabalho.

Posteriormente, o Tribunal Constitucional da Itália seguiu uma nova


abordagem do vínculo de emprego, ao buscar na doutrina espanhola o conceito de
ajenidad.

referido no artigo L. 743-1 do Código da Segurança Social, a plataforma cuida da sua contribuição, dentro do
limite de um teto fixado por decreto. Este teto não pode ser superior à contribuição prevista no mesmo artigo
L. 743-1. O primeiro parágrafo deste artigo não é aplicável quando o trabalhador subscrever um contrato
coletivo celebrado pela plataforma e compreendendo garantias pelo menos equivalentes ao seguro voluntário
em matéria de acidentes de trabalho a que se refere o primeiro parágrafo, e a contribuição para este contrato é
suportada pela plataforma. Artigo L. 7342-3 (Modificado pela Lei n° 2019-1428, de 24 de dezembro de 2019
- art. 44) O trabalhador beneficia do direito de acesso à formação profissional contínua previsto no artigo L.
6312-2. A contribuição para a formação profissional mencionada no artigo L. 6331-48 é paga pela
plataforma. Beneficiará, a seu pedido, das ações mencionadas no 3° do artigo L. 6313-1. A plataforma então
cuida dos custos de suporte e paga-lhe uma compensação nas condições definidas por decreto. A conta de
formação pessoal do trabalhador é complementada pela plataforma quando o volume de negócios que atinge
nesta plataforma é superior a um limite determinado de acordo com o setor de atividade do trabalhador. As
condições de contribuição, os limites e os setores de atividade são especificados por decreto. Artigo L7342-4
(Modificado pela Lei n° 2019-1428, de 24 de dezembro de 2019 - art. 44) O artigo L. 7342-2 e os dois
primeiros parágrafos do artigo L. 7342-3 não são aplicáveis quando o volume de negócios realizado na
plataforma for inferior a um limite fixado por decreto. Para o cálculo da contribuição relativa aos acidentes
de trabalho e à contribuição para a formação profissional, apenas é levado em consideração o volume de
negócios realizado pelo trabalhador na plataforma. Artigo L. 7342-5. Movimentos de recusa concertada de
prestação de seus serviços, organizados pelos trabalhadores mencionados no artigo L. 7341-1, a fim de
defender suas reivindicações profissionais não podem, exceto abuso, envolver sua responsabilidade
contratual, nem constituir motivo para a rescisão de suas relações com plataformas, ou justificar medidas que
as penalizem no exercício da sua atividade. Artigo L. 7342-6. Os trabalhadores mencionados no artigo L.
7341-1 têm o direito de formar uma organização sindical, de se filiar a ela e de fazer valer seus interesses
coletivos por meio dela. (tradução livre)
75
107
Em 1996, passou a adotar a Doppia Alienità , ou dupla ajenidad , em que
presentes tanto a alienidade dos frutos (empregado está separado dos frutos do seu
trabalho), quanto a hetero-organização (empregado está separado da organização da
produção). 108

Outrossim, tem-se como pacificado que foi o Direito Italiano quem originou o
trabalho parassubordinado.

Para Amauri Mascaro Nascimento:

"O trabalho parassubordinado é uma categoria intermediária entre o autônomo e


o subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente
em uma das duas modalidades tradicionais, entre as quais se situam, como a
representação comercial, o trabalho dos profissionais liberais e outras atividades
atípicas, nas quais o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e
coordenação. Seria a hipótese, se cabível, do trabalho autônomo com
características assimiláveis ao trabalho subordinado." (2007, p. 470).

Segundo João Leal Amado (p. 125, 2016; 2019), o trabalho parassubordinado
abarcaria situações de trabalho autônomo na esfera jurídico-formal, todavia, dependente na
econômico-material.

A despeito de ser um conceito doutrinário, em que se preconiza uma alteração


do conceito de subordinação para um viés mais de coordenação, suas origens remontam no
artigo 4º da Constituição italiana que garante a todos os cidadãos o direito ao trabalho, e no
artigo 35, que protege o trabalho em todas as suas formas e aplicações.

A primeira norma a tratar da parassubordinação foi a Lei nº 741 de 1959, “Lei


Vigorelli”, segundo a qual o governo deveria estabelecer normas jurídicas com o escopo de

107
Corte Constitucional da Itália, em D&L, 1996, pp. 616 ss nº 30 de 5 Fev. 1996.
108
Para maiores esclarecimentos a respeito da Doppia Alienià recomenda-se a leitura do artigo de Carmine
Santoro di, disponível em http://www.bollettinoadapt.it/wp-content/uploads/2013/12/2014_01_santoro.pdf.
Acesso em 13 Set. 2020.
76
assegurar garantias mínimas aos trabalhadores contratados que prestariam o serviço com
colaboração em prestações de obra continuativa e coordenada.

Posteriormente, a alteração do artigo 409, item 3 do Código de Processo Civil


pela Lei nº 533 de 1973 ampliou a competência do juízo trabalhista para abarcar "relações
de agência, de representação comercial e outras relações de colaboração que se expressam
em uma prestação de serviços continuada e coordenada, preferencialmente pessoal, ainda
que sem caráter subordinado.”

Com o Decreto Legislativo n° 276, de 10 de setembro de 2003, conhecido


como "Reforma Biagi", foi alterado o tratamento legal concedido ao trabalhador
parassubordinado, visando coibir possíveis fraudes de verdadeiras relações de emprego
típico.

Em 2015, passou a viger na Itália o Decreto Legislativo nº 81/2015,


denominado Jobs Act, outorgando maior flexibilidade interna ao contrato de trabalho. O
diploma passou a prever que os trabalhadores parassubordinados, colaboradores hetero-
organizados, em que a prestação do trabalho é organizada pelos tomadores de serviços,
devem ser equiparados aos demais empregados em termos de tutelas e direitos trabalhistas,
inclusive no que tange à necessidade de dispensa justificada.

Especificamente quanto à uberização, cita-se que em 2017, um tribunal de


Roma proibiu a empresa Uber de operar na Itália e determinou a saída da empresa naquele
país.

Na primeira instância, a decisão foi favorável às associações de táxi, entendo


que os aplicativos constituiriam uma competição desleal. Todavia, a decisão foi revertida
em sede de apelação. 109

109
Disponível em https://br.reuters.com/article/worldNews/idBRKBN17G16R-OBRWD. Acesso em 13 Set.
2020.
77
Recentemente, em 2020, o Tribunal de Milão, após suspeita de exploração dos
trabalhadores da Uber Eats, determinou a administração judicial temporária da Uber Italy,
filial local da empresa americana.

No caso, o Ministério Público promoveu o enquadramento no disposto no


artigo 603-bis do Código Penal, que trata de intermediação ilícita e exploração do trabalho.
De acordo com o inquérito conduzido pela Guarda de Finanças da Itália, os entregadores
não estariam ligados à Uber Eats, mas sim a duas empresas de intermediação e logística.110

Consoante a sentença que declarou a administração judicial da Uber Italy, a


empresa utilizava intermediários para conseguir mão de obra e teria explorado migrantes
provenientes de "contextos de guerra", "solicitantes de refúgio" e pessoas em "situação de
necessidade" – o que teria se agravado durante o período de quarentena em virtude do
Covid-19, quando os restaurantes passaram a trabalhar apenas delivery.111

Em Turim, motociclistas da Foodora propuseram ação requerendo


reconhecimento de vínculo de emprego. Tanto a sentença, quanto os Acórdãos recursais
não entenderam como sendo os trabalhadores subordinados. 112

Diversamente se deu a decisão do Tribunal de Palermo, que qualificou como


contrato de trabalho a relação entre um entregador e a plataforma Glovo (Sentença n.º
3570/2020, de 20.11.2020).

6.8 Brasil

No Brasil, não existe uma legislação específica que normatiza o transporte por
aplicativos113.

110
Disponível em https://comunitaitaliana.com/justica-da-italia-coloca-uber-em-administracao-judicial-por-
exploracao/ Acesso em 13 Mai. 2021.
111
Disponível em https://www.terra.com.br/noticias/mundo/tribunal-coloca-uber-na-italia-em-administracao-
judicial,4a4650ac19439a923e1c5c26f8fbfc5847ztuz6e.html. Acesso em 13 Set. 2020.
112
ITÁLIA. Corte Suprema Di Cassazione. Sentenza nº 1663/20. Relator: Ilmo. Sr. Guido Raimondi.
Disponíveis em https://torino.corriere.it/cronaca/18_maggio_07/sentenza-foodora-giudici-rider-non-sono-
sottoposti-potere-datore-lavoro-b0e2db84-520c-11e8-b9b9-f5c6ed5dbf93.shtml
https://www.lavorodirittieuropa.it/images/Cassazione_Foodora-.pdf, acesso em 15 Set. 2020.
78
O artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho considera como “empregado
toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário.”

Já o artigo 6º considera como equivalentes “o trabalho realizado no


estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a
distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”,
equiparando os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão para
fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e
supervisão do trabalho alheio.

Com base na legislação vigente, há julgamentos para ambos os lados.

As decisões que declararam o vínculo entenderam que não se trata de empresa


de tecnologia, mas sim de transporte de passageiros, nesse sentido citam-se os processos nº
0011359-34.2016.5.03.0112114 e nº 1001492-33.2016.5.02.0013.

Já as decisões que negaram se fundamentaram na dimensão clássica da


subordinação, sendo a Uber mera empresa de tecnologia que faria a interligação entre

113 Foi proposto no Senado Federal o Projeto de Lei nº 974/2021 que altera a Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para garantir direitos trabalhistas aos motoristas
de aplicativos. “Art. 2º A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, instituída pelo Decreto-lei nº 5.452, de
1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte Seção IV-B no Capítulo I do Título III: Seção IV-B Do
serviço do motorista de aplicativo Art. 235-I. Os motoristas de aplicativo terão direitos aos seguintes
benefícios, sem prejuízo de outros direitos ou benefícios assegurados por esta consolidação ou por
legislações correlatas: I - Salário mínimo por hora; II - Férias remuneradas anuais de 30 (trinta) dias, com
valor calculado com base na média da remuneração mensal dos últimos 12 (doze) meses acrescida de, pelo
menos, um terço o valor da média; III - Descanso semanal remunerado, com valor calculado com base na
média da remuneração dos 6 (seis) dias anteriores ao gozo do descanso; e IV - Outros decorrentes de acordo
ou convenção coletivos. § 1º O salário mínimo será calculado tendo por base o salário mínimo nacional,
eventual acordo ou convenção coletiva ou o piso salarial fixado para a categoria, prevalecendo o que for mais
benéfico ao motorista de aplicativo. § 2º Consideram-se motoristas de aplicativo, para os fins deste artigo, os
motoristas que atuam no transporte remunerado privado individual de passageiros e os que atuam, inclusive
por aplicativo de celular, nos serviços de entrega (delivery) de comidas, alimentos, remédios e congêneres,
qualquer que seja o meio de transporte.”
114
A primeira decisão pelo reconhecimento de vínculo entre a UBER e um de seus motoristas, proferida em
2017, na 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, processo nº 0011359-34.2016.5.03.0112, pelo
magistrado Márcio Toledo Gonçalves.
79
clientes e profissionais - nesse entendimento citam-se os processos nº 0011863-
62.2016.5.03.0137 e nº 0001995-46.2016.5.10.0111.

Destaca-se ainda o processo nº 0100351-05.2017.5.01.0075, no qual, embora


reconhecido o vínculo de emprego em primeira instância, foi a decisão reformada em grau
recursal; por outro lado, no processo nº 0010806-62.2017.5.03.0011, após a rejeição do
pedido inicial em primeira instância, foi reconhecido o vínculo no Tribunal, ocasião em
que se determinou o retorno dos autos à origem para continuidade do julgamento do
mérito.

Mais recentemente, ganhou-se evidência o acórdão proferido no processo n.º


1001160-73.2018.5.02.0473, no qual se afastou a subordinação jurídica e,
consequentemente, o vínculo de emprego, diante da existência da possibilidade de o
motorista recusar corridas sem efetiva penalidade. Na oportunidade, ressalvou-se que o
direcionamento de aproximadamente 75% do valor pago pelos passageiros em favor do
motorista tornaria impraticável uma verdadeira relação de emprego, já que atribuiria a
menor parte do valor ao empregador, que ainda arcaria com recolhimentos previdenciários,
FGTS e demais despesas inerentes ao empreendimento. 115

De maneira geral, é elevada a quantidade de acórdãos que afasta a


subordinação ante a suposta ausência de exercício do poder diretivo pela Uber,
considerando que o motorista teria autonomia e flexibilidade em sua jornada de trabalho,
sendo os riscos inerentes à atividade econômica por eles arcados.

115
Disponíveis em
:http://pje.trt3.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17013114275439000000
038127039;
http://pje.trt2.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=17033008332297200000
061601335;
https://pje.trt3.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=1701301421151080000
0038030024; https://pje.trt10.jus.br/primeirograu/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam.
https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/01003510520175010075;
https://pje-consulta.trt3.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/00108066220175030011;
http://search.trtsp.jus.br/easysearch/cachedownloader?collection=coleta010&docId=75ab79c1faa66a0516f1b
2de49de9aa161f864d1&fieldName=Documento&extension=html#q=. Acesso 28 Jan. 2020.
80
Apenas a título demonstrativo, estudo empírico realizado pela pesquisadora
Nathália Ohofugi examinou acórdãos proferidos sobre a controvérsia no âmbito do
Tribunal Regional da 3ª Região – um dos principais Tribunais Trabalhistas do Brasil e que
tem proferido decisões pioneiras sobre o tema.

A pesquisa açambarcou 23 acórdãos proferidos em sede de recurso ordinário


entre março de 2017 a fevereiro de 2019. Nenhum dos acórdãos examinados reconheceu o
vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas reclamantes, pelo fundamento da ausência
do elemento fático-jurídico da subordinação, considerando que “o motorista tem
autonomia e flexibilidade em sua jornada de trabalho e os riscos inerentes à atividade
econômica são arcados por ele próprio” (Ohofugi, p. 51, 2019).

Registre-se, entretanto, que apenas em agosto de 2019 o TRT-03 decidiu pela


primeira vez pelo vínculo entre a empresa e um de seus motoristas em acórdão proferido
pela 11ª Turma.116

A jurisprudência brasileira, na grande maioria, também vem se posicionando


pelo não reconhecimento de relação de emprego no caso em análise.117

No primeiro julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho, restou afastada a


116
Orsini; Adriana Goulart de Sena; LEME, Ana Carolina Reis Paes. TRT3 reconhece que motorista da Uber
é empregado - JOTA Info. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/trt3-reconhece-
que-motorista-da-uber-e-empregado-16082019>. Acesso em 28 Jan. 2020.
117
Não obstante, importa ressaltar que a cada dia aumenta a quantidade de decisões que reconhecem o
vínculo de emprego entre os motoristas e as plataformas. Cita-se, inclusive, o processo nº 0010519-
21.2020.5.03.0003, em que a empresa 99 Tecnologia Ltda arguiu a incompetência da Justiça do Trabalho, em
razão da matéria, ao argumentar que a relação existente entre as partes seria eminentemente cível, de
intermediação digital entre o motorista parceiro e a motorista – o que foi rejeitado com base no artigo 114 da
Constituição Federal: “A competência da Justiça do Trabalho é definida pelo art. 114 da Constituição Federal
de 1988, cabendo a esta especializada o julgamento de todos os dissídios individuais entre trabalhadores e
empregadores, que tenham origem na relação de trabalho. A presente ação tem como objeto a pretensão de
reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes e o cumprimento das obrigações consectárias,
encerrando, pois, litígio que atrai a incidência do aludido dispositivo constitucional”. Ainda quanto à
controvérsia entre a existência de autonomia ou subordinação, a 10ª Turma do Tribunal Regional da 3ª
Região entendeu que como a principal característica da autonomia seria a determinação do valor do seu
trabalho, a ausência de liberdade de preço, associada à falta de acesso direto à clientela e à total
indisponibilidade do motorista quanto às regras do serviço, impossibilitaria a consideração do trabalhador
como autônomo. A decisão foi proferida em 15.12.2020. Disponível em
file:///C:/Users/Fernanda/Downloads/0010519-21.2020.5.03.0003_TRT_3_99_acordo_nao_homologado.pdf.
Acesso em 21 Dez. 2020.
81
relação de emprego entre o motorista e a plataforma, por entender que aquele teria
“autodeterminação”, com ampla flexibilidade “em determinar sua rotina, seus horários de
trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia”, e
que o sistema de avaliação seria um simples feedback, não tangenciando a noção de
subordinação jurídica.118

Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça chegou a entender pela


competência da Justiça Comum Estadual para processar e julgar pleito de motorista de
aplicativo que pretende a reativação de sua conta Uber desativada pela plataforma, sob o
fundamento de que “(...) os motoristas, executores da atividade, atuam como
empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da
plataforma”119.

Igualmente, em outra decisão120:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE


REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS
AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO DE
TRANSPORTE DE PASSAGEIRO. RELAÇÃO DE TRABALHO
NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA
CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. 1. A
competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a
qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo
determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre
diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo. Os
fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a
eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco
veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza
trabalhista. A pretensão decorre do contrato firmado com empresa
detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. 3.
As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram
criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir
a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação

118
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Vínculo de emprego: motorista. Uber. Ausência de
subordinação. nº RR - 1000123-89.2017.5.02.0038. Relator: Ministro Breno Medeiros. Brasília, DF: DEJT,
07 fev. 2020, pp. 1-25.
119
CC 164.544/MG, Rel. Ministro Moura Ribeiro, segunda seção, julgado em 28.08.2019, DJe 04.09.2019.
120
CC 174798 - PB (2020/0236719-6), Rel. Ministro Moura Ribeiro, julgado em 15.10.2020.
82
de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada
por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo,
os motoristas, executores da atividade, atuam como
empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a
empresa proprietária da plataforma. 4. Compete a Justiça Comum
Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos
materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo
a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o
aplicativo e realizar seus serviços. 5. Conflito conhecido para
declarar competente a Justiça Estadual”

A controvérsia também existe nas decisões relacionadas aos motoristas


entregadores por aplicativos; todavia, vem prevalecendo a ausência de vínculo.

Uma Ação Civil Pública do Ministério Público do Trabalho121 discutiu o


vínculo de emprego na relação entre entregadores de comida e o Ifood no âmbito do
Estado de São Paulo.

O pedido se fundamentou na existência de fraude na referida relação, sob o


argumento de que seriam empregados e não trabalhadores autônomos, o que refletir em
sonegação de direitos decisão entendeu que se tratava de atividade na área de tecnologia de
aplicativo, em que há um serviço prestado envolvendo três figuras: a pessoa interessada na
comida (consumidor), o restaurante e um entregador.

A sentença concluiu pela improcedência da ação, com destaque para a


autonomia do entregador, tanto para ativar o aplicativo, quanto para aceitar ou rejeitar as

121
Segundo o art. 127 da CF/88, o Ministério Público é a instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis. O art. 129, III, da CF/88 estabelece a legitimidade do Ministério Público
para atuar no polo ativo da ação civil pública, com o intuito de proteger o patrimônio público e social, o meio
ambiente e outros interesses difusos e coletivos. Enquanto ramo do Ministério Público da União, o
Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para atuar na defesa de interesses individuais homogêneos,
coletivos e difusos, nos termos da Lei Complementar nº 75/93, em seus artigos 6º, inc. VII, alíneas a e d. com
o artigo 5º, da Lei nº 7.347/85. No caso do fenômeno da uberização, o Ministério Público do Trabalho está
defendendo interesses coletivos, nos termos do art. 81, inciso II da Lei 8078/90, que define como coletivos os
transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre
si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Assim, defendem-se, por meio da Ação Civil
Pública, interesses concernentes à coletividade que integra todos os trabalhadores em plataformas digitais
(motoristas ou estafetas).
83
entregas, como para poder escolher trabalhar para quantas empresas-aplicativo quiser 122.

Decisão oposta foi dada no julgamento de outra Ação Civil Pública123.

A justiça do Trabalho de São Paulo reconheceu em primeira instância a


existência de vínculo empregatício entre a Loggi Tecnologia Ltda. e os motoboys, ante a
presença dos elementos caracterizadores de vínculo laboral no País (habitualidade,
onerosidade, pessoalidade e subordinação).

Segundo a juíza, ao contratar condutores como autônomos, a Loggi “lhes


retirou direitos sociais mínimos, solapando as leis que regem o Direito do Trabalho no
Brasil” e “agiu em concorrência desleal com todas as pequenas empresas de motofrete e
motoboys que registram seus motoristas e pagam todos os tributos”.

Inconformada, a empresa recorreu da decisão.

Já na vigência da pandemia Covid-19, o Ministério Público do Trabalho


ajuizou uma Ação Civil Pública com Tutela Antecipada Antecedente (nº 1000396-
28.2020.5.02.0082) contra a empresa Ifood, pleiteando a adoção de medidas sanitárias,
protetivas, sociais e trabalhistas para proteção dos entregadores, no contexto de pandemia
(Covid-19).124

Em decisão liminar, foram deferidos os pedidos ajuizados125, que deveria ser


cumprida em 48 horas, sob pena de multa diária de R$50 mil.

122
37ª Vara do Trabalho de São Paulo. Sentença da Ação Civil Pública nº 1000100- 78.2019.5.02.0037.
Julgadora: Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/decisao-
ifood-vinculo-empregaticio.pdf. Acesso em 15 Set. 2020.
123
8ª Vara do Trabalho de São Paulo. Sentença da Ação civil pública nº 1001058-88.2018.5.02.0008.
Julgadora: Lávia Lacerda Menendez. Disponível em
https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/12/C23FF9E0B820CF_sentencaloggi.pdf. Acesso em 15 Set.
2020.
124
Dentre elas, a garantia de assistência financeira por média de valores diários ou por salário mínimo aos
entregadores aos entregadores que estivessem no grupo de risco ou afastados devido ao coronavírus.
125
82ª Vara do Trabalho de São Paulo. Decisão liminar no Processo nº 1000396-28.2020.5.02.0082.
Julgador: Elizio Luiz Perez. Disponível em
https://ww2.trt2.jus.br/fileadmin/comunicacao/Links/TutAntAnt_1000396-28.2020.5.02.0082_1grau.pdf.
Acesso em 15 Set. 2020.
84
Houve a impetração de Mandado de Segurança.

Em julgamento, a liminar foi suspensa. A decisão levou em conta o perigo de


irreversibilidade dos efeitos da decisão, ponderando ainda que:

“A empresa impetrante não deu causa e tampouco exerce qualquer atividade


correlata ao fato gerador da pandemia, mostrando-se inadequado impor-lhe a
realização de medidas de extrema complexidade, em prazo tão exíguo e sem
lhe conferir o direito ao contraditório, sob pena de aplicação de multa elevada,
mormente considerando a natureza jurídica da relação mantida pelas partes
envolvidas, situação que poderá, inclusive, impedir a execução de seu fim, em
momento em que o serviço de entrega em domicílio se mostra essencial.” 126

7 – A UBERIZAÇÃO EM PORTUGAL

Em Portugal, o art. 1152 do Código Civil define contrato de trabalho como


“aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade
intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”, sendo este sujeito
à legislação especial (art. 1153 CCP).

Por sua vez, o art. 11 Código do Trabalho estatui que o “Contrato de trabalho é
aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua
atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”127
128

126
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Julgamento do Mandado de Segurança Cível nº 1000954-
52.2020.5.02.0000. Desembargadora plantonista Dóris Ribeiro Torres Prina. Disponível em
https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/4/B1DDE5993761B0_Suspensaoliminarifood.pdf. Acesso em
15 Set. 2020.
127
Ao comentar os requisitos que configuram o contrato de trabalho (prestação de trabalho, remuneração e
subordinação), João Leal Amado refere que o elemento da subordinação jurídica é o que distingue dos
demais contratos de prestação de serviços (p. 44, 2016; 3ª ed. 2019).
128
Para João Leal Amado e Tereza Coelho, a subordinação jurídica comporta graus distintos, podendo ser
intensa, tênue ou, até mesmo, potencial. Tal tendência é vista ao se confrontar o art. 1152.º do Código Civil
de 1966, com o art. 11.º do Código do Trabalho de 2009: “Com efeito, vem sendo sublinhado que talvez os
retoques dados pelo art. 11.º do CT na referida noção, passando a fazer referência à inserção “no âmbito de
organização” e eliminando a menção à “direção” patronal, facilitem a agilização da subordinação laboral,
alargando as fronteiras do Direito do Trabalho às novas formas de prestação dependente de serviços” (p. 132,
2021). Ainda sobre o tema, os autores citam: “Liberal Fernandes, para quem o novo segmento «no âmbito de
85
No que tange à economia compartilhada do “Uber”, verifica-se que a
participação direta dos portugueses nesta nova forma de emprego, não apenas se tornou um
fator econômico predominante, como levou à edição de legislação própria.

Assim, foi promulgada a Lei nº 45/2018, que ficou conhecida como a Lei Uber,
em que para se configurar como operador de transporte em veículo descaracterizado a
partir de plataforma eletrônica (TVDE) será necessária uma licença ao Instituto da
Mobilidade e dos Transportes, cujo prazo tem duração de 10 anos.

No entanto, para se tornar parceiro e ter veículos a serviço das plataformas é


obrigatório existir uma empresa, tendo em vista que a lei só permite a atividade a “pessoas
coletivas” (art. 2, I)129, e respeitadas as legislações laborais, de saúde e segurança no
trabalho e de segurança social (art. 9, II).

Ademais, os operadores de estão obrigados a pagar uma contribuição de 5%


dos serviços que prestar, que objetiva compensar os custos administrativos de regulação e
o acompanhamento das respectivas atividades, sendo a Autoridade da Mobilidade e dos
Transportes que controla e fiscaliza as plataformas e se operam de acordo com a lei.

Antes de iniciar a atividade de operador de TVDE, é necessário o


licenciamento do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, que se dá via eletrônica. O
prazo para a análise do pedido com a respetiva decisão é de 30 dias úteis, considerando-se

organização», em lugar da anterior «direção», consiste numa alteração suscetível de agilizar a qualificação do
elemento subordinação, adotando um conceito mais flexível de subordinação laboral, de forma a abranger as
novas formas de organização do trabalho e passando esta nova matriz de laboralidade a abranger os
trabalhadores economicamente dependentes ─ «A noção de contrato de trabalho no Código de 2009:
evolução ou continuidade?», QL, n.º 51, 2017, pp. 113-122. Também Monteiro Fernandes considera existir
uma tendência para passar do critério formal da subordinação jurídica (assente na existência de uma posição
de autoridade juridificada de um sujeito sobre o outro) para o critério material da dependência económica
(assente numa situação de supremacia de facto derivada da posição de um dos sujeitos perante o mercado e o
processo produtivo) ─ «Deverá a subordinação jurídica manter-se como elemento qualificador?», José João
Abrantes (coord.), II Congresso Europeu de Direito do Trabalho, Almedina, FDUNL, 2018, pp. 97-107”
129
Como bem afirmou Joana Nunes, um dos fenômenos que dificultam a qualificação da relação entre
prestadores via aplicativos e a entidade gestora da plataforma é o elemento da pessoalidade na prestação,
“como é sabido, é unanimemente aceite na doutrina portuguesa e resulta hoje da própria noção legal de
contrato de trabalho, a ideia de a relação de trabalho pressupõe que o trabalhador seja uma pessoa singular
física” (p. 90, 2018).
86
este tacitamente deferido se no prazo previsto não for proferida decisão (art. 3º).

Segundo a legislação, o motorista presta serviço ao operador de TVDE, e não à


plataforma eletrônica. Entre aqueles podem se dar dois tipos de relação, quais sejam, a de
trabalho ou a de motorista independente, sendo prevista a presunção de vínculo laboral130
em presentes os requisitos do art. 12 do Código de Trabalho português. 131

Nota-se ainda que, os motoristas de TVDE têm que possuir carteira de


motorista há mais de três anos, com curso de formação obrigatório e validade de cinco
anos, com módulos específicos sobre comunicação e relações interpessoais, curso de
formação inicial de 50 horas com aulas práticas e teóricas, dentre outros. Também, o
motorista deve possuir um contrato escrito com o parceiro ou entidade empregadora.

A taxa de intermediação cobrada pelo operador da plataforma eletrônica não


pode ser superior a 25 % do valor da viagem (art. 15. 3).

O princípio da transparência na estipulação do preço pelo serviço é


determinado pelo diploma. O art. 15.4 disciplina que a plataforma eletrônica deve
disponibilizar ao utilizador, antes e durante o início de cada viagem, de maneira clara,
perceptível e objetiva:

“a) A fórmula de cálculo do preço, indicando nomeadamente de forma


discriminada o preço total, a taxa de intermediação aplicada e as tarifas

130
Art. 10. 10 - Ao vínculo jurídico estabelecido entre o operador de TVDE e o motorista afeto à atividade,
titulado por contrato escrito assinado pelas partes, e independentemente da denominação que as partes
tenham adotado no contrato, é aplicável o disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho. 11 - Para os efeitos
do disposto no número anterior, aplicando-se o artigo 12.º do Código do Trabalho, considera-se que os
equipamentos e instrumentos de trabalho são todos os que sejam pertencentes ao beneficiário ou por ele
explorados por aluguel ou qualquer outra modalidade de locação.
131
Art. 12 do Código do Trabalho português - Presunção de contrato de trabalho 1 - Presume-se a existência
de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela
beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A atividade seja realizada em local
pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho
utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de
termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade,
uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade
desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

87
aplicáveis, nomeadamente por distância, tempo e fator de tarifa dinâmica; b)
Uma estimativa do preço da viagem a realizar, calculada com base nos elementos
fornecidos pelo utilizador e fatores de ponderação que compõem a fórmula de
cálculo do preço a cobrar pelo operador do serviço.”

A lei também traz a jornada máxima diária de 10 horas, contando todas as


plataformas em que se vinculam os motoristas de TVDE, sendo os operadores os
responsáveis por implementar os mecanismos que garantam seu cumprimento (art. 13).

Existem algumas vedações para os motoristas: não podem recolher passageiros


na rua; não devem circular em faixas ‘BUS’, não podem parar em praças de táxis, além de
não poderem dirigir por mais de dez horas por dia, independentemente da empresa para a
qual trabalhem.

Segundo reportagem do site “Mundo Uber”, de 22 de janeiro de 2020, os


portugueses gastam em torno de 200 milhões de euros em plataformas como a Uber, o que
rendeu uma contribuição de 2,3 milhões de euros ao Estado.132

Importa aqui trazer que as normas laborais sobre direitos de personalidade,


igualdade e não discriminação, segurança e saúde no trabalho são aplicáveis ao trabalhador
autônomo economicamente subordinado (art. 10º do CTP)133.

8 - REFLEXÕES JURÍDICAS

É crescente a quantidade de trabalhadores que laboram no ramo das chamadas


tecnologias disruptivas, especialmente com plataformas digitais de trabalho. A despeito do
verniz de aparente autonomia na prestação de serviços, eis que intrinsecamente imbuído de
hipossuficiência econômica.

132
https://mundouber.com/portugueses-gastam-200-milhoes-em-plataformas-como-a-uber-eco-economia-
online/. Acesso em 18 Fev. 2020.
133
Artigo 10º do Código do Trabalho português. Situações equiparadas. “As normas legais respeitantes a
direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a
situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que
o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da atividade.”
88
Para Ken Loach, um dos maiores cineastas britânicos, o trabalhador está
inserido em novas formas de trabalho, como o sistema da uberização, onde o trabalhador é
forçado a se explorar, pois ao mesmo tempo que está liberado para fazer sua jornada de
trabalho, o aprisiona em uma dinâmica econômica colaborativa ou gig economy.134

Neste sentido, a proliferação das plataformas digitais de trabalho vem


degradando cada vez mais as configurações do Direito do Trabalho, pois milhões de
trabalhadores vendem sua força de trabalho, inclusive em extensas jornadas, em troca de
parca remuneração, enquanto milhões são apropriados pelos titulares de plataformas
eletrônicas, tudo sob a forma jurídica de “parceria” numa relação de trabalho autônomo.135

Na nova tendência de produtividade e organização laboral é colocado à


disposição do cliente um veículo individual, a custo baixo (bem mais barato do que o
mesmo serviço apresentado pelos táxis locais), tendo no seu bojo de
colaboradores/parceiros a maior rede de motoristas do mundo, os quais prestam seu serviço
sem, todavia, qualquer formalização trabalhista.

Os trabalhadores destas plataformas são contratados como parceiros autônomos


pelo simples argumento de serem livres para ativar ou desativar da plataforma no horário
de sua escolha. Contudo, sem lhes garantir verdadeira abertura de estipulação do preço de
seu trabalho, de possibilitar recusas amplas de clientes ou mesmo de avaliar a própria
plataforma eletrônica (que seria sua parceira).

A propriedade ou a detenção dos veículos pelos próprios motoristas não


indicam que estes tenham o controle dos meios de produção, já que os veículos são meros
instrumentos ou ferramentas de trabalho.

134
BBC News Brasil. O paradoxo do Uber: como o aplicativo libera e aprisiona seus motoristas na economia
colaborativa. http://www.bbc.com/portuguese/geral. https://vermelho.org.br/2020/02/26/ken-loach-o-
cineasta-pro-trabalhadores-denuncia-a-uberizacao/ Acesso em 9 abr. 2020.
135
Murilo C. S. Oliveira. O futuro do Direito do Trabalho: ultraliberalismo e uberização. http://abet-
trabalho.org.br/o-futuro-do-direito-do-trabalho-ultraliberalismo-e-uberizacao/
Acesso em 20 Fev. 2020.
89
Em tempos em que o acesso à plataforma digital pelo smartphone pode ser
terminado de forma remota, a titularidade do aparelho móvel também é irrelevante. Muito
pelo contrário, o que determina o domínio dos meios de produção é a titularidade e o
gerenciamento da plataforma digital e das informações nela contidas, tais como nome e
telefones dos passageiros e motoristas, para a prestação dos serviços a terceiros.

Fato é que os trabalhadores são afastados da clássica ideia de subordinação


jurídica, embora seja relativamente fácil a visualização de um poder fiscalizatório e
disciplinar, numa subordinação por algoritmo (Reis; Corassa, 2017), numa condição de
hipossuficiência, bem expressada nos baixos salários e longas jornadas (Oitaven at al, p.
37, 2018). Havendo aí uma dependência econômica notória dos trabalhadores, estaria
caracterizada a justificativa ontológica e histórica para a proteção social.

Para o sociólogo Ricardo Festi, em seu artigo “A distopia do capitalismo de


plataforma”, o trabalho on-demand por aplicativos tem ocasionado verdadeiro retrocesso
social e precarização das relações de trabalho, com negativa de vínculo de emprego,
informalidade, jornadas exaustivas, baixa remuneração. Em suas palavras136:

“Nesse cenário, entre as novas tecnologias destrutivas estão as plataformas


digitais. A plataformização ou uberização da vida e do trabalho se tornou o
símbolo da precarização neoliberal do início de século 21. No entanto, uma
descrição do atual mundo do trabalho nos remete às condições do século 19:
baixos salários, inexistência de vínculo empregatício, informalidade, altas
jornadas de trabalho (acima de 12 horas), quase nenhuma seguridade social etc.
Mesmo assim, este novo mundo do trabalho é apresentado como jovem, cool,
autônomo, livre de patrão. Flexibilidade é a palavra-chave desse modelo. A
aparente liberdade esconde nova forma de servidão. Em cada plataforma
digital, tem-se um algoritmo que gere o trabalho e é capaz de intervir e orientar o
comportamento dos indivíduos envolvidos. Assim, reforça-se o que há de mais
tradicional no capitalismo, o controle sobre o processo de trabalho e a
apropriação privada dos lucros. Enquanto os motoristas e entregadores de

136
Disponível em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2020/02
/25/internas_opiniao,830394/artigo-a-distopia-do-capitalismo-de-plataforma.shtml. Acesso em 30 Set. 2020

90
aplicativos se matam para conseguir uma renda digna, os donos se tornam
multibilionários” (Grifo acrescido).

Conforme esclarecem Oitaven, Carelli e Casagrande, a suposta liberdade "é


imediatamente negada pelo dever de aliança e de cumprimento dos objetivos traçados na
programação, que é realizada de forma unilateral pelas empresas". E o controle é realizado
devido à:

“programação por comandos, com a direção por objetivos e estipulação de


regras preordenadas e mutáveis pelo programador, incumbindo ao trabalhador a
capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos, a fim de
realizar os objetivos assinalados pelo programa" (p. 35, 2018).

Para o sociólogo Ricardo Antunes, está-se diante de "nova era de precarização


estrutural do trabalho" que com o chamado "empreendedorismo", cada vez mais se
configura como “forma oculta de trabalho assalariado, fazendo proliferar as distintas
formas de flexibilização salarial, de horário, funcional ou organizativa" (p.79-80, 2020).

A situação de precariedade é ainda mais agravada com a transferência dos


riscos da atividade para os trabalhadores.

Nos casos de aplicativos de entrega, os trabalhadores são responsáveis pela


aquisição e manutenção dos veículos, despesas de combustível, impostos sobre o veículo,
seguro por acidente, além de outros, sofrendo ainda os riscos e custo econômico da
ociosidade, visto que estão disponíveis para trabalhar e não receber pelo tempo à
disposição.

Nos modelos de trabalho assalariado capitalista e independentemente da


organização empresarial (fordismo, taylorismo, toyotismo e uberização) as relações de
dependência entre Capital e Trabalho corroem qualquer possibilidade real de autonomia da
vontade por parte do trabalhador. Justamente para atenuar esse desequilíbrio, embora
mantendo-o num patamar mínimo civilizatório, o Direito do Trabalho foi construído na
perspectiva protecionista e a partir de um contrato padrão com conteúdo bem disciplinado

91
em lei e com poucos espaços de prevalência da vontade individual.

José Eduardo Chaves Junior (2019) bem descreve que, nessa disrupção, a
disciplina sob o trabalho (e logicamente sob o trabalhador) é substituída por um controle
induzido e estimulado. “O poder empregatício descola-se da disciplina corporal e do tempo
de trabalho, para o controle da alma e do marketing”. E arremata: “O desafio do Direito do
Trabalho, neste momento, sem dúvida, é limitar juridicamente o poder tecnológico do
empregador-nuvem”.

Nos dizeres de Ana Cláudia Moreira, Karen Artur e Murilo Carvalho Sampaio
Oliveira, a economia digital teria diminuído a coesão social e aumentado as fissuras na
condição salarial. Segundo os autores, desde o retorno neoliberal, o discurso dominante
passou a ser da necessidade de reformas do mercado de trabalho, levando ao rompimento
das proteções legais que tentavam evitar a exposição dos trabalhadores a riscos físicos e
econômicos. Citando Supiot, essas reformas visaram “injetar liquidez no capital humano,
com o objetivo de trazer a total mobilização do trabalho nos competitivos mercados
internacionais” (p.. 421-143, 2021).

Valério de Stefano argumenta que a gig economy não está fora dos domínios
do Direito do Trabalho, e nem que suas regras estejam desatualizadas ou que seria
necessário criar uma legislação nova supostamente adaptada a esses novos tempos de
flexicurity, com a “desmutualização de riscos” que ocorreu em grande número de países
desenvolvidos e em desenvolvimento nas últimas décadas:

“De fato, embora seja verdade que algumas de suas dimensões são peculiares, e
que o papel principal das tecnologias em atender a demanda e a oferta de
trabalho é certamente um deles, seria errado supor que a gig economy seja
uma espécie de dimensão impermeável da economia e do mercado de
trabalho. Nem seria correto presumir que as instituições existentes do
mercado de trabalho estão totalmente desatualizadas nessa área ou
inadequadas para governá-la e que, portanto, teríamos necessariamente que
abandonar as instituições e regulamentos existentes e introduzir novos, e
possivelmente "mais leves", para acompanhar os desafios apresentados pela

92
gig economy. (Sachs, 2015b). O fato é, em vez disso, essa flexibilidade extrema,
a transferência de riscos para os trabalhadores e a instabilidade de renda há muito
se tornaram uma realidade para uma parcela da força de trabalho nos atuais
mercados de trabalho que vão muito além das pessoas empregadas na gig-
economy. De fato, pode-se argumentar que as formas de trabalho, como
trabalho em massa e trabalho sob demanda por meio de aplicativos, fazem
parte de uma tendência muito mais ampla em direção à precarização do
trabalho. As economias desenvolvidas estão experimentando o surgimento de
várias formas de trabalho, como contratos zero horas e trabalho sob demanda,
que oferecem a possibilidade de ‘contratar e demitir’ ou, mais corretamente,
mobilizar e desmobilizar uma porção significativa da força de trabalho em uma
base sob demanda e ‘pay-as-you-go’ (Berg e De Stefano, 2015; Eurofound,
2015; Humblet, em breve; Labor Research Department, 2014). Por sua vez,
formas extremas de precarização fazem parte de um processo de
‘desmutualização de riscos’ que ocorreu em grande número de países
desenvolvidos e em desenvolvimento nas últimas décadas e que também é
consequências do aumento do recurso a formas atípicas de trabalho em
vários mercados de trabalho (Freedland e Kountouris, 2011). (...) Isso também
aumenta o argumento de que a gig-economy não deve ser considerada como
um silo separado do mercado de trabalho, uma vez que o problema da
classificação incorreta se estende muito além de seu domínio”. (Stefano, pp.
6-7, 2016). (Grifo acrescido. Tradução livre).

No âmbito subjetivo, com as novas modalidades de prestação de serviços


erigidas ao longo do sec. XX e início do sec. XXI, o próprio Direito do Trabalho vem se
ampliando, ao dar substituir, cada vez mais, a unidade do ordenamento jurídico pela
diversidade normativa laboral.

Como bem expôs a doutrinadora Joana Nunes Vicente:

“a diversidade normativa constitui hoje, seguramente, uma das principais


características do ordenamento jurídico laboral. Na verdade, surgindo o mundo
do trabalho assalariado, cada vez mais, como uma realidade multiforme e
heterogénea, compreende-se que o correspondente direito não possa apresentar-
se como um bloco monolítico (...). Afirma-se, pois, o pluralismo tipológico do

93
contrato de trabalho: este, diz-se, é um género que compreende diversas espécies,
é um tipo que abrange diversos subtipos.” (p. 357, 2019).

Consoante Palma Ramalho, a tendência é que a uniformidade sucumba ao


pluralismo normativo, ao se entender como inapropriado o “enquadramento único”,
rompendo o “mito da uniformidade de estatuto do trabalhador subordinado” (pp. 537 e
577, 2001).137 138

Por sua vez, Emmanuel Dockès (p. 174. 2020), professor Titular de Direito do
Trabalho na Universidade de Paris X, Nanterre, alerta que não é correto considerar que os
novos conceitos trazidos com a revolução digital sucumbiriam com conceitos antigos, já
que:

“Todos esses novos conceitos propagam a ideia de que nossos conceitos


antigos não funcionam mais. Mas isso é apenas parcialmente correto. Por
trás da novidade, real, se escondem negócios antigos, como o transporte
pessoas ou de produtos, e até organizações antigas de trabalho. Antes da
fábrica taylorista e depois fordista, já havia "finalizadores" e "tarefeiros", pagos
por tarefa, às vezes muito especializadas, "autônomas" na fixação de seus
horários, muitas vezes proprietários de suas ferramentas e instrumentos de
trabalho e, mesmo assim, colocados em uma situação de submissão e de grande
fraqueza. Esse tipo de trabalho, não apenas dependente, mas submisso, embora
autônomo em sua organização temporal ou espacial, nunca cessou
completamente. Há mais permanência no trabalho das plataformas do que se
costuma dizer. E há mais modernidade em nossos antigos instrumentos legais
do que se costuma dizer. Ninguém questiona a modernidade do conceito de
"contrato", embora anterior à invenção do papel. Comparativamente, o

137 Ainda segundo Nunes de Carvalho, o Direito do Trabalho contemporâneo seria formado por “diversos
subtipos contratuais”, assim então concebido como “Direito dos contratos de trabalho”. – O pluralismo do
Direito do Trabalho, III Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Almedina, Coimbra, 2001,
pp. 269-294”.
138
A respeito do pluralismo tipológico laboral, o Dr. João Leal Amado vislumbra que o futuro próximo
constituirá de “direito ‘disperso do trabalho’, sendo este configurado, não como um continente jurídico, mas
como uma espécie de arquipélago”. Contrato de Trabalho – Noções Básicas, 3.ª ed., Almedina, Coimbra,
2019, pp. 25-27.

94
contrato de emprego e a subordinação que lhe serve de critério são de um
modernismo escancarado. O Direito deve se adaptar, mas ele deve se
adaptar à realidade em todas as suas dimensões. (...) E o progresso técnico
nem sempre é libertador: há também novas tecnologias a serviço da
submissão” (Tradução livre. Grifo acrescido).

Independentemente de controvérsias doutrinárias quanto à necessidade de


novas normatizações ou não, é indubitável que os direitos humanos representam os valores
mais indispensáveis para a consolidação da dignidade da pessoa humana no mundo global,
eis que devem ser normatizados e devidamente efetivados em todas as sociedades mundo
afora.

Neste sentido, são necessários esforços cooperativos de toda ordem jurídica


conjugada à existência de mecanismos efetivos de proteção internacional.

O Estado, desde seus primórdios, pautou o desenvolvimento de seus institutos


nos objetivos comuns da sociedade. No entanto, com o passar dos tempos, a figura se
modificou e flexibilizou para melhor atender aos anseios societários relativos à dignidade
da pessoa humana: não mais se comportara o poder estatal fora das exigências dos direitos
humanos. Para tanto, floresceram valores ligados à cooperação e ao jus cogens.

O conceito de soberania foi se adequando à crescente interdependência dos


Estados na comunidade internacional e à edificação do Direito Internacional (mais
especificamente do Direito Internacional dos Direitos Humanos), a partir da criação de
mecanismos que garantam o efetivo compartilhamento das soberanias em defesa, em
última análise, dos direitos humanos.

Emerge, nesse cenário mundial, o Estado Constitucional Cooperativo, em


paralelo a uma realidade dos Direitos Humanos com vários sujeitos, valores e institutos
encarregados de concretizarem a eficácia deste ramo do Direito. Não mais se comporta que
o arranjo social, pautado na dignidade da pessoa humana, esteja ligado a uma isolada
formatação estatal, mas sim, atrelado às organizações e às cortes internacionais por normas
cooperacionais.
95
Em outras palavras, apesar de os Estados cumprirem um papel primário na
proteção dos direitos humanos, urge que sejam buscados instrumentos cooperativos,
aproveitando experiências positivas de ordenamentos estrangeiros nesta temática ou
desenvolverem, conjuntamente, outras técnicas de proteção. Neste sentido, ocorre o
nascimento de uma nova forma estatal, cujo nome denominou-se de Estado Constitucional
Cooperativo.

O tema também é sensível ao cenário internacional laboral.

Na Conferência Internacional do Trabalho de 2015, na OIT, foi aprovada a


Recomendação 204 sobre Facilitação da Transição da Economia Informal para a Economia
Formal.

Em 2019, a OIT publicou o estudo sobre o futuro do Trabalho intitulado


"Trabalhar para um Futuro Melhor - Comissão Mundial sobre o Futuro do Trabalho"139,
propondo uma "agenda centrada no ser humano" com ênfase no "papel mais amplo da
tecnologia na promoção do trabalho digno". Assim estabelecendo:

"Ao mesmo tempo, a tecnologia digital cria novos desafios para a


implementação efetiva da proteção laboral. As plataformas de trabalho digital
fornecem novas formas de receita para muitos trabalhadores em diferentes partes
do mundo, mas a natureza fragmentada do trabalho em jurisdições internacionais
dificulta o controle do respeito pela aplicação da legislação do trabalho aplicável.
O trabalho é, por vezes mal remunerado, muitas vezes abaixo do salário mínimo
vigente e não existem mecanismos oficiais para lidar com a desigualdade de
tratamento. Prevemos que essa forma de trabalho se dissemine no futuro, e,
portanto, recomendamos o desenvolvimento de um sistema de governação
internacional para plataformas de trabalho digitais que estabeleça e exija
que as plataformas (e clientes) respeitem certos direitos e proteções mínimas
(Tradução livre. Grifo acrescido).

139
Disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-
lisbon/documents/publication/wcms_677383.pdf Acesso em 30 Set. 2020.

96
No Simpósio “Futuro do Trabalho: os Efeitos da Revolução Digital na
Sociedade” que aconteceu em 11 de julho de 2019, em Brasília, o renomado professor da
Universidade de Coimbra, Dr. João Leal Amado, entendeu que a realidade digital e os
avanços tecnológicos possuem pontos positivos, contudo é necessário entender qual é a
relação de trabalho existente e quais as especificidades precisam ser regulamentadas:

“Não sou contra o progresso científico e tecnológico. A prestação de serviços por


meio dessas plataformas trouxe qualidade para o serviço e benefícios para os
usuários, mas precisa ser regularizada para que não haja concorrência desleal ou
exploração de mão de obra”140

A segunda debatedora do primeiro painel, a representante da Associação


Brasileira de Estudos do Trabalho, Paula Freitas de Almeida, fez uma análise
socioeconômica da temática, frisando que o futuro do trabalho apresenta relação com a
dinâmica e a estruturação econômica, as opções de desenvolvimento socioeconômico, os
padrões tecnológicos, as relações de poder e a organização da vida social.

Segundo a pesquisadora, são três as ordens de transformação do mundo do


trabalho: o trabalho sob o capitalismo contemporâneo; a reconfiguração das classes
trabalhadoras; as reformas e suas consequências para a vida de quem trabalha:

“A regulação da proteção do trabalho entrou em crise primeiro na Europa, em


1970, e depois na América Latina. No final dos anos 1990, começamos a fazer
uma flexibilização do trabalho e da proteção social e, a partir de 2015, estamos
em um processo de desregulação do direito do trabalho em prol do capital”.

Em sua exposição com reflexão sobre a situação no Brasil, Paula Almeida


concluiu que “(...) as relações de trabalho estão sendo colocadas em xeque, e o país
caminha para uma ausência de regulação.” Citou como consequências desse processo o
aumento da desigualdade social e dos rendimentos do trabalho; o avanço da
heterogeneidade, com predominância da sociedade de serviços; a polarização do mundo do

140
Amado, João Leal. http://escola.mpu.mp.br/a-escola/comunicacao/noticias/simposio-em-brasilia-discute-
efeitos-da-revolucao-digital-nas-relacoes-de-trabalho. Acesso em 29 Jan. 2020.
97
trabalho; o descrédito das instituições de representação social e política; e a submissão das
pessoas a maior concorrência, insegurança e vulnerabilidade.

Neste Simpósio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística (IBGE), quatro dos maiores aplicativos de serviços (Uber, 99, iFood e Rappi)
“empregam” 3,8 milhões de trabalhadores autônomos. O dado representa 17% do montante
de 23,8 milhões de empregados na condição de autônomos. “O aumento do desemprego, a
falta de perspectiva de reingresso no mercado de trabalho formal e a competitividade do
trabalho informal criam um terreno fértil para aumento do número de prestadores de
serviços de aplicativos”, comentou Paula Freitas.

Em 2019, no Brasil, a Revista Brasileira de Estudos Organizacionais promoveu


uma pesquisa descritiva141 objetivando analisar a percepção dos motoristas sobre o
trabalho que realizam para as empresas-aplicativo (transporte particular por aplicativo) no
Estado de São Paulo.

Os resultados mostraram que por causa do desemprego é que os motoristas


passam a trabalhar para as empresas-aplicativo; “apesar da satisfação com a autonomia
para organizar seu tempo de trabalho, gostariam de ter as garantias do emprego formal,
além de indenização por acidentes, assaltos e parada para reparos no veículo” (Moraes;
Oliveira; Accorsi, 2019).

A amostra revelou a predominância dos motoristas do sexo masculino (88%),


com idades entre 26 e 45 anos (69%), com escolaridade entre ensino médio completo e
superior completo (90%), com pouco tempo de trabalho com o aplicativo (89% até 2 anos),
jornada diária de trabalho entre 6 e mais de 8 horas (77%), dirigindo de 5 a 7 dias por
semana (73%), com receita semanal inferior a R$ 2.000,00 (90%) e que tem, no aplicativo
de transporte, sua única fonte de renda (57%), quantidade que aumenta se considerada a
atividade de motorista com a realização de outras atividades não-fixas (totalizando 78%).
O perfil médio possibilitou concluir que dirigir para o aplicativo não se trata de uma

141
Método Survey e análise fatorial, questionário, na escala Likert, aplicado a 100 motoristas.
98
atividade complementar de renda para a maioria dos respondentes.

A título de curiosidade, em janeiro de 2020, na cidade de Thame, na Inglaterra,


foi realizada uma Convenção Internacional de Associações e Sindicatos de Motoristas de
Aplicativos142, com a presença de 60 representantes de 23 países e sediada pelo
Independent Workers Union of Great Britain (IWGB)143.

A reunião iniciou uma rede colaborativa que busca o desenvolvimento de


estratégias globais aptas a enfrentar a realidade proposta pelas empresas de plataformas.
Foram tratados temas como estratégias legais e acesso a dados por parte dos trabalhadores,
além dos problemas locais que os motoristas têm enfrentado, baixas tarifas, segurança e
campanha voltada aos consumidores. Do evento resultou a formação da International
Alliance of App-Based Transport Workers (IAATW)144.

Ainda com base no cenário internacional laboral, mas com reflexos mercantis
em nível global, verifica-se o florescimento de novos dilemas, como a questão da
identificação de fatos geradores para tributação, diante da presença de ativos intangíveis
monetizados e difíceis de serem mensurados (como o big data), a incidência de impostos
indiretos (Aslam e Shah, 2017), a criação de impostos independentes (visando obstar a
dupla tributação) e o combate de esquemas de elisão ou evasão fiscal.

Fato é que as normas jurídico-comerciais transnacionais ainda não estão


adequadas às inovações, perfazendo uma verdadeira zona grise. Padrões mínimos de
qualidade, prudência e segurança devem ser garantidos, da mesma forma que assegurados
valores como privacidade e proteção de dados.

Assim, instituições multilaterais como Organização Mundial do Comércio


(OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) estão buscando
meios de acompanhar os desafios que se impõem, criando, cada qual na sua área de

142
Disponível em https://countysustainabilitygroup.com/tag/international-alliance-of-app-based-transport-
workers-iaatw/ Acesso em 10 Jul 2020.
143
Disponível em https://www.iwgb.org.uk/ Acesso em 10 Jul. 2020.
144
Disponível em https://iaatw.org/ Acesso em 10 Jul. 2020.
99
atuação, regras multilaterais de comércio. Se por um lado se almeja reduzir barreiras
comerciais entre países, por outro, se tenta evitar a concorrência desleal.

Se é verdade que a revolução tecnológica impulsiona valor e eficiência na


produção e no comércio, também o é o incremento do risco de desvios fiscais e
desequilíbrios entre balanças comerciais. Nesse compasso, para se combater o surto de
políticas nacionalistas e protecionistas, medidas de salvaguardas hão de ser adotadas.

8.1 Trabalho durante a pandemia Covid-19

A situação de vulnerabilidade se agravou durante a Pandemia Covid-19,


quando justamente pelo fato de que enquanto os consumidores permaneciam em casa, os
entregadores de mercadorias passaram a trabalhar muito mais, expostos imensamente a
riscos de contágio, sem que lhes fosse, na maioria das vezes, disponibilizados
equipamentos de proteção.

O Ministério Público do Trabalho da 15ª Região145, Brasil, promoveu uma


pesquisa com o objetivo de identificar os impactos da pandemia nas condições de trabalho
dos entregadores em plataforma digital das principais empresas, como Ifood, Uber, Uber
Eats, Rappi e Loggi.146.

A quase totalidade dos entregadores entrevistados são homens (94,6%) que se


reconhecem como negros ou pardos (58,8%), com idade entre 25 e 44 anos (78,2%).

O gráfico a seguir mostra a variação (a maior) do tempo de trabalho antes e


durante a pandemia Covid-19:

145
Artigo Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a COVID-19 publicado na
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, v. 3, 8 jun. 2020. Disponível em
http://revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/74 Acesso em 15 Set. 2020
146
. Foram ouvidos 298 trabalhadores em 29 cidades, que responderam questionário on - line por meio
da ferramenta Google Forms . Para a disseminação do questionário foi utilizado o método “bola de neve”,
em que integrantes de diferentes redes sociais respondem ao questionário e o encaminham para outras
redes. A pesquisa está disponível em http://revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/74/37. Acesso
em 15 Set. 2019.
100
O gráfico a seguir demonstra a queda significativa da remuneração:

Logo, os resultados de ambos os gráficos analisados em conjunto


demonstraram longos tempos de trabalho, associado à queda da remuneração.

101
Consoante se tem no gráfico seguinte, na maioria das vezes, são os próprios
trabalhadores que arcaram com as medidas de proteção (como álcool gel, higienização dos
veículos, máscaras), enquanto que as empresas se limitam na prestação de orientações.

Especialmente quanto à empresa Uber147, cabe ressaltar que durante a


pandemia Covid-19 adotou algumas providências, como:

- Reembolso financeiro limitado de itens de proteção individual como álcool


em gel, máscaras, luvas e outros itens de higiene e segurança. 148
- Como medida de proteção e segurança, os motoristas poderiam pleitear
assistência financeira com desativação das contas por até 14 dias, desde que
tivessem diagnóstico, suspeita ou risco de contaminação com Covid-19, bem

147
Disponível em https://help.uber.com/pt-BR/driving-and-delivering/article/reembolso-covid-19-
%C3%A1lcool-em-gel-m%C3%A1scaras-e-outros-itens-para-sua-
prote%C3%A7%C3%A3o?nodeId=711a65fc-21ae-4ee9-b1b0-2d2ab4435b1e. Disponível em
https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/covid-19-uber-traz-ao-brasil-ferramenta-que-identifica-o-uso-de-
mascara-pelos-motoristas-parceiros/. Acesso em 26. Jun. 2020.
148
A verba era limitada, como no Brasil, “em até R$40,00”, desde que o motorista tenha “realizado ao menos
uma viagem nos últimos 14 dias e pelo menos 50 viagens com a Uber.”
102
como os que apresentassem problemas de saúde pré-existentes integrantes de
grupo de risco. 149
- Os usuários também tinham de passar por um checklist, confirmando as
precauções devidas, “como o uso de máscara, utilização do banco traseiro do
carro, janelas abertas para ventilação, além da higienização”.
- Em caso de desrespeito às regras, ambas as partes poderiam cancelar as
corridas.
- Ao final das viagens, usuários e motoristas avaliavam um ao outro no quesito
de higiene.

Particularmente no Brasil, a empresa Rappi Brasil Intermediação de Negócios


Ltda, a partir de um acordo firmado perante o Ministério Público do Trabalho e
homologado judicialmente150, se comprometeu a adotar várias medidas visando à proteção
dos entregadores contra a Covid-19, dentre as quais citam-se:

- Ampla divulgação aos entregadores das informações e orientações a respeito


do controle do coronavírus, bem como sobre uso, higienização, descarte e
substituição de materiais de proteção e desinfecção;
- Disponibilização mensal aos entregadores de kits com máscaras laváveis e
reutilizáveis confeccionadas em três camadas, para dois dias consecutivos de
trabalho e álcool gel 70% ou mais. Em localidades em que não há os pontos de
entrega, a empresa subsidia a compra dos materiais de proteção mediante ajuda
de custo mensal;
- Assistência financeira àqueles diagnosticados ou que apresentarem atestado
médico que comprove a necessidade de isolamento social. A assistência se dá
pelo prazo de quinze dias prorrogáveis por mais quinze. O importe a ser

149
Para tanto, precisavam estar ativos na plataforma nos últimos 30 dias ao pleito.
150
Ação Civil Coletiva nº 1000405-68.2020.5.02.0056, com acordo homologado judicialmente em
18.12.2020. Disponível em https://mpt.mp.br/pgt/noticias/acordo-rappi-1.pdf. Acesso em 22 Dez. 2020.

103
auferido é calculado com base na média de ganhos diários até o dia da
notificação do contágio.

9 – DESAFIOS TECNOLÓGICOS

O trabalho por meio de plataformas digitais traz consigo idiossincrasias que


precisam ser levadas em consideração. Cada plataforma é desenvolvida com códigos-fonte
próprios, sistemas operacionais diferentes e utilizações específicas. Tais ocorrências
permitem adentrar um pouco mais na discussão possibilidade fática da existência ou não de
vínculo de emprego.

A depender das circunstâncias fáticas, por exemplo, a Uber pode exercer um


controle maior ou menor que sua concorrente 99 POP151.

O problema aumenta quando as relações de trabalho via plataformas digitais


não se enquadram na estrutura tripartite comum da maioria dos aplicativos de transporte.
Ilustrativamente, tem-se a seguir figura elaborada por Andrew Stewart e Jim Stanford:

Figura 01 (STEWART; STANFORD, 2017, p. 425)

151
Outra plataforma digital de transporte de pessoas.
104
Mas sim, nas estruturas quadripartites, cuja finalidade é a entrega de alimentos
(Ifood, Uber Eats, por exemplo). Nesses casos, além do trabalhador, da empresa de
aplicativo e do usuário, existe ainda o restaurante previamente cadastrado na plataforma.

Figura 02 (elaboração própria)

Em tais casos como, entender haver vínculo entre o entregador e o restaurante,


seria consagrar como mera intermediação a parte da empresa de aplicativo digital.

Diante da utilização inovadora de plataformas digitais como meio de negócio,


também se deparam com novos desafios o próprio sistema de comércio multilateral152, já
que fora criado com o objetivo de intermediar um comércio global previsível, justo e
sustentável.

152
Historicamente, as empresas vinham operado dentro dos limites de seus territórios. Entretanto, no sec.
XXI as fronteiras se tornaram mais amplas.
Desde a criação do GATT, em 1947, e, posteriormente, com a OMC, no Acordo de Marraquexe de 1995,
esforços foram feitos para que acordos de livre comércio e melhorias de infra-estrutura reduzissem os custos
das transações transfronteiriças (Djankov, 2010); por outo lado, na pós-modernidade, as novas tecnologias
digitais possibilitaram a redução de custos até em áreas como comunicação e produção.
Como resultado, as empresas deixam de concentrar as atividades de forma vertical, passando a terceirizar
mais tarefas para o mercado mundial.
Na vanguarda da adoção de novas tecnologias, estão aquelas que aumentam a produtividade agregada,
elevam suas capacidades internas, tornam-se mais eficientes, alcançam economia de escala com redução de
preço aos consumidores e, dessa forma, eliminam do mercado empresas improdutivas.
105
Basicamente, a Organização Mundial do Comércio (OMC) objetiva regular as
relações comerciais entre seus membros, propor mecanismos de solução pacífica de
controvérsias e criar um ambiente que permita a negociação de novos acordos comerciais
153
.

O Relatório Mundial do Comércio é um documento de publicação anual


produzido pela OMC que visa aprofundar a compreensão sobre tendências do comércio,
política comercial e questões multilaterais do sistema de negociação.

Em 2017 foi a primeira vez que o tema das tecnologias disruptivas floresceram.
O Relatório do Comércio Mundial de 2017, denominado “Trade, Technology and Jobs”,
se referiu ainda incipientemente como a tecnologia e o comércio afetam o emprego e os
salários, e na forma como os governos podem facilitar esse ajustamento para garantir que o
comércio e a tecnologia sejam inclusivos154. E em 2018, foi publicado o relatório “The
Future of World Trade: How digital technologies are transforming global commerce”155.

Se por um lado, as tecnologias digitais facilitam a entrada e aumentam a


diversidade de produtos, tornando mais fácil para as empresas produzir, promover e
distribuir seus produtos a um custo menor; por outro, levam a uma série de preocupações,
incluindo concentração no mercado, ameaças à privacidade e à segurança, e direitos de
propriedade intelectual no comércio.

As tecnologias digitais dão origem a oportunidades e desafios que exigem a


consideração governos e comunidade internacional em áreas tão diversas quanto o

153
A assinatura do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), em 1947, foi o mecanismo responsável
pela criação e gerenciamento das regras desse sistema.
Entre 1948 a 1994 foram realizadas rodadas de negociações comerciais que buscaram promover a
progressiva redução de tarifas e outras barreiras ao comércio.
A oitava rodada, conhecida como Rodada Uruguai, culminou com a criação da Organização Mundial do
Comércio (OMC), e de um novo conjunto de acordos multilaterais que formaram o corpo normativo da nova
Organização, cita-se o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (AGCS).
154
World Trade Organization. World Trade Report, 2017, Trade, technology and jobs. Switzerland. Web
ISBN 978-92-870-4361-0. 2017
155
World Trade Organization. World Trade Report, 2018, The future of world trade: How digital
technologies are transforming global commerce. Switzerland. Web ISBN 978-92-870-4502-7. 2018.
106
investimento em infraestrutura e capital humano, medidas de política comercial e
regulamentação.

As disposições referentes explicitamente às tecnologias digitais foram incluídas


em um número crescente de acordos comerciais regionais. As disposições mais comuns se
referem a governança eletrônica, cooperação e a moratória dos direitos aduaneiros das
transmissões eletrônicas.

Embora o quadro da OMC, e em particular o Acordo Geral sobre Comércio de


Serviços, seja relevante para o comércio digital, seus membros já tomaram algumas
medidas para promover comércio dentro da estrutura até então existente, e precisam
considerar como desejam responder às mudanças contínuas na economia e na maneira
como fazem negócios.

De acordo com dados extraídos do Relatório do Fórum Econômico Mundial,


“The Future of Jobs Report 2018”, com período de projeção de 2018-2022156, os avanços
na tecnologia de nuvem deverão impulsionar o crescimento do setor de Tecnologia de
Informação e Comunicação, enquanto que a disponibilidade de big data deverá impactar
ainda mais os Serviços Financeiros e de Investimentos, além das utilidades energéticas e
tecnológicas.

À medida que a 4ª Revolução Industrial se desenrola, o documento prevê que


o futuro do comércio internacional se direciona no sentido de buscar funções específicas de
emprego e atividades econômicas em determinados países em detrimento de outros,
levando em conta uma série de considerações estratégicas (cita-se a infraestrutura
tecnológica), gerando efeito secundário sobre o futuro dos empregos em mercados
emergentes, destacando a importância contínua das cadeias de abastecimento e empresas
multinacionais na formação da estrutura da economia global.

156
World Economic Forum. Committed to improving the state of the world. The Future of Jobs report, 2018.
Centre for the New Economy and Society. Switzerland Web ISBN 978-1-944835-18-7. 2018.
107
A tecnologia também favoreceu que empresas globalmente integradas, que têm
"escala sem massa" (Brynjolfsson Erik, e at., pp. 07-16. 2008), criassem novos desafios
para a tributação. Ao se lançar mão de produção off-shoring (além-fronteiras) bem como
de redes de usuários globais, fica cada vez mais complexo definir o local e o momento
exato em que é criado um bem de valor. Por conseguinte, as empresas podem se enveredar
pelo caminho de desvio dos lucros para jurisdições que lhes favoreçam.

Isso porque a desnecessidade de presença física para prestação de bens e


serviços ao exterior escapa da tradicional incidência tributária. Até mesmo a partir de
ativos intangíveis, como o big data (dados dos usuários), que podem gerar lucros à
empresa, cujo valor criado é difícil de ser mensurado157.

Portanto, vem sendo envidados esforços para adequar o cenário econômico


global às inovações tecnológicas ora apresentadas, no intuito de encontrar meios de tributar
as empresas nesta era da economia digital globalizada, em que muito da presença física se
tornou etérea, por vezes, impalpável158.

10 – ALTERNATIVAS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS LABORAIS E


HUMANOS

Desde o fim do sistema feudal, com o advento da migração massiva do campo


para a cidade e o surgimento da nova classe de proletariado, as relações de trabalho eram

157
A OMC, por meio do World Trade Report, 2019, The Future of Services Trade, Switzerland Web ISBN
978-92-870-4775-5, examinou como o comércio de serviços deve evoluir em resposta para algumas das
principais tendências, tal como o impacto das tecnologias digitais.
O documento levanta o seguinte dilema decorrente da utilização das tecnologias digitais: o surgimento de
grandes empresas que muitas vezes prestam serviços gratuitamente, mas que são altamente rentáveis e pagam
relativamente pouco (ou nenhum) imposto em qualquer jurisdição.
Por exemplo, uma empresa digital fornecendo um serviço em uma plataforma de rede social sem cobrar do
usuário, que não obstante, se utiliza de informações pessoais fornecidas por eles próprios no ato da sua
utilização (como facebook ou instagram). Nessa hipótese, não existe um fato gerador de tributação entre a
empresa e o consumidor. Então, juntamente com a tentativa de novas medidas para tributar os negócios
digitais, a comunidade internacional vem adotando medidas visando combater esquemas de elisão ou evasão
fiscal.
158
O Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes (Fórum Global sobre
Transparência e Troca de Informações para Fins Fiscais) reúne mais de 160 membros, todos com o objetivo
de implementar normas acordadas internacionalmente na busca por transparência e na troca de informações
para fins fiscais. Disponível em http://www.oecd.org/tax/transparency/ . Acesso em 04 Mar 2020
108
tidas dentro do ramo do Direito das Obrigações, seguindo os princípios inerentes aos
Contratos em Geral, como o da igualdade formal e da liberdade perante a intromissão
estatal (Leite, p. 19, 2016).

Ao longo do tempo, constatou-se que as formas de contrato de trabalho vinham


ratificando condições como salários baixos, trabalho infantil, jornadas extensas, acidentes
de trabalho, dentre outras (Martinez, pp. 312-313, 2017).

Por conseguinte, reconheceu-se a necessidade de criação de normas que


assegurassem a proteção do trabalhador ante o cenário de desigualdade que se visualizava.
Até que no final do sec. XIX surgiu o Direito do Trabalho como ramo autônomo e sensível
às alterações econômicas, sociais e políticas. (Leite, pp. 47-48, 2016).159

Já com a expansão tecnológica do final do sec. XX e início do sec. XXI, e o


surgimento de novas classes de trabalhadores da era da gig economy, restou imperioso
relembrar a função do Direito do Trabalho no equilíbrio da relação jurídico-laboral
enquanto elemento estabilizador das relações de trabalho.160

Nas palavras de Jorge Leite (p. 141, 1993), “para poder desempenhar o seu
papel, deve o Direito do Trabalho moldar-se às realidades que visa organizar e disciplinar,
pelo que, sendo estas diversificadas, diversificado deve ser aquele”. E para Emanuelle
Dagnino, o Direito do Trabalho deve ser interpretado e adaptado aos novos
desafios/paradigmas que se impõem (pp. 5-6, 2015).

Oliveira, Carelli e Silva (2020) perfilam quatro caminhos que podem ser
adotados quanto à regulação do trabalho via plataformas digitais: a) afirmação da natureza
autônoma da relação com regramento pelo Direito Civil; b) necessidade de criação, por lei,
de uma proteção trabalhista intermediária; c) aplicação da regulação trabalhista existente,
via redefinição do conceito de subordinação jurídica ou pela aplicação da dependência

159
Vide também Teresa Coelho Moreira, em “Algumas questões sobre Trabalho 4.0”, Prontuário de Direito
do Trabalho, CEJ, Edições Almedina, 2016 – II, p. 246.
160
João Leal Amado, “Dinâmica das relações de trabalho nas situações de crise (em torno da flexibilização
das regras juslaborais)”, Colóquio de Direito do Trabalho. 2009, p. 2.
109
econômica e; d) caracterização destes trabalhadores como avulsos, com incidência, por
equiparação, da proteção trabalhista.

Seth Harris e Alan Krueger propõem a criação legislativa da categoria


intermediária do “empregado independente”161 como meio de oferecer algumas das
proteções do emprego aos trabalhadores de aplicativos (2015).

Segundo os autores, empregados independentes seriam aqueles que, em uma


relação triangular, disponibilizariam serviços aos consumidores indicados por
intermediários, nas seguintes condições:

a) os intermediários criam uma plataforma na qual os consumidores solicitam a


prestação de um serviço;

b) os intermediários permitem que o trabalhador tenha a liberdade de escolher


se aceita ou não prestar o serviço solicitado;

c) é possível que o intermediário estabeleça parâmetros mínimos de qualidade


no que concerne ao trabalho desenvolvido;

d) os intermediários podem estabelecer o preço do serviço;

e) é vedado aos intermediários exercerem controle sobre o modo e o momento


no qual o trabalhador laborará para determinado cliente.

Para tanto, deveriam ser seguidos três princípios orientadores:

a) impossibilidade de controle de jornada;

b) neutralidade da empresa e,

c) eficiência, com maximização de ganhos econômicos pelos envolvidos.

161
No original: “Independent worker”.
110
Há quem proponha a criação de uma nova espécie de trabalhadores, os “quase
independentes”162.

Nesse caso, deveriam estar abrangidos os seguintes elementos:

a) autonomia do trabalhador para desenvolver a sua atividade;

b) liberdade para o trabalhador fixar o seu horário de trabalho, bem como para
delimitar a jornada de trabalho;

c) permissão para prestar serviços para diversas plataformas ou aplicativos;

d) responsabilização dos trabalhadores pelos danos causados aos clientes e à


reputação da plataforma ou do aplicativo;

e) salário mínimo pelo tempo em que o trabalho é prestado;

f) reembolso de gastos realizados para o trabalhador aderir à plataforma ou ao


aplicativo;

g) aplicação subsidiária do direito do trabalho.

Contudo, a necessidade em criar uma nova categoria de trabalhadores não é


consensual.

Um dos principais argumentos utilizados é que uma nova figura poderia


dificultar ainda mais a análise da situação do trabalhador e de sua ligação com a empresa,
ao invés de simplificar as questões relacionadas à classificação.

162
Todolí-Signes, Adrían. El impacto de la “uber economy” em las relaciones laborales: los efectos de las
plataformas virtuales em el contrato de trabajo. Disponível em
https://www.upf.edu/documents/3885005/3891266/Todoli.pdf/051aa745-0eea-42af-921f-dd20a7ebcf2c
Acesso em 14 Out 2020. Vide também Todolí-Signes, Adrián. El contrato de trabajo em el S. XXI: La
colaborativa, On-demand economy, Crowdsorcing, economy y outras formas de descentralización productiva
atomizan el mercado de trabajo. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2705402. Acesso em: 29 mai.
2019.

111
Acadêmicos, sindicalistas e empresários, buscando encontrar um modelo que
estimule a inovação e crie certeza para trabalhadores, para os negócios e para o governo,
divulgaram um documento que avalia como as inovações tecnológicas e o trabalho flexível
e temporário alteram substancialmente o mundo do trabalho.163

Coloca-se que a discussão deve ser pautada a partir dos seguintes princípios:

a) que a estabilidade e flexibilidade são positivas para trabalhadores,


empregadores e sociedade;

b) a necessidade de um instrumento independente, flexível, universal, dotado


de portabilidade para proteção dos trabalhadores.

O ponto inicial é pensar na proteção dos trabalhadores independentes, sem


necessidade de estarem necessariamente vinculados à condição de empregados para
receberem os benefícios sociais.

Contra tal posicionamento, Valério de Stefano, professor de Direito do


Trabalho na KU Leuven, University de Leuven, Bélgica, defende que a criação de
categorias intermediárias pode camuflar verdadeiros vínculos de emprego. O autor
responsabiliza a teoria italiana da parassubordinação pela insegurança jurídica e
incremento de litigância trabalhista causada pela maior chance de sucesso de teses em que
se pleiteiam menores proteções (Stefano, 2015).164

Há autores que, independentemente da criação de uma nova figura,


compreendem que a forma de classificação de trabalhadores disponível se mostra
desatualizada para analisar as relações de trabalho do século XXI e defendem a
necessidade de redefinir o conceito de emprego, a fim de se evitarem a exploração e a

163
Auguste, Brian et al. Common ground for independent workers. Disponível em: https://medium.com/the-
wtf-economy/common-ground-for-independent-workers-83f3fbcf548f. Acesso em 14 Out 2020.
164
Valério de Stefano assinala que a tentativa em se criarem figuras intermediárias de trabalhadores não é
inédita, indicando exemplos como Canadá, Alemanha, Espanha e Itália. Para o autor, o caso italiano é o mais
emblemático, com o estabelecimento da figura do trabalho parassubordinado.
112
degradação da dignidade da pessoa humana nas atividades desenvolvidas na economia de
compartilhamento.165

Em abril de 2019 a União Europeia produziu o documento denominado Ethic


Guidelines for Trustworthy AI, defendendo que a utilização inteligência artificial deveria
preservar a autonomia humana, privacidade de dados pessoais, transparência, igualdade,
não discriminação, bem estar social e ambiental e responsabilidade166.

As discussões advindas da evolução tecnológica e das novas modalidades de


trabalho ocasionaram também amplo debate sobre a necessidade de se assegurar uma renda
básica universal (RBU). Estudiosos têm sustentado que uma das respostas para mitigar o
impacto social da uberização seria a garantia de uma renda mínima de sustento.

Não poucos defensores do trabalho advogam que a renda básica universal seria
uma política progressiva apta a lidar com desafios significativos nos mercados de trabalho
modernos, incluindo o desemprego tecnológico e o crescimento de formas de emprego
precárias e instáveis.167

Neoliberais arguem que esta medida substituiria outros regimes de segurança


social. Tais pressupostos coadunam com as narrativas convencionais da regulamentação do
emprego e com as abordagens gerais da política de emprego.

A grande socióloga e professora da University of Hertfordshire, Úrsula Huws,


defende uma renda básica universal que seja redistributiva, devendo incluir outras
medidas, como fortalecimento dos serviços públicos, salários mínimos mais elevados,
apoio às lutas coletivas e taxação de grandes fortunas. E mais, que as plataformas tenham

165
Aloisi, Antonio. Commoditized crowdworkers: Labour issues arising from a case study research on a set
of online plataforms in the “on-demand/gig economy”. Julho, 2015. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/326773737_Commoditized_Workers_Case_Study_Research_on_L
abour_Law_Issues_Arising_from_a_Set_of_'On-DemandGig_Economy'_Platforms, Acesso em 14 Out 2020.
166
Disponível em https://ec.europa.eu/futurium/en/ai-alliance-consultation. Acesso em 29 Fev. 2020.
167
Ver Guy Standing, A Precariat Charter From Denizens to Citizens (2004); Tim Hollo, Can less work be
more fair? A discussion paper on Universal Basic Income and shorter working week. The Green Institute,
2016.
113
serventia para o bem público, de baixo para cima, ressignificando todo o circuito
econômico desde sua base.168

Com efeito, o objetivo da abordagem de flexicurity ao emprego consiste em


substituir a proteção dos trabalhadores "no emprego" pela proteção "no mercado",
desregulando aspectos da proteção do emprego e assegurando simultaneamente a renda dos
trabalhadores graças às prestações de desemprego e às políticas ativas do mercado de
trabalho.169

Outrossim, o contexto economia colaborativa se fundamenta em tarefas


individuais que são realizadas sem um prazo ou um ambiente previamente definido, muitas
vezes conjugadas a outros serviços simultaneamente, em virtude do crescente trabalho a
tempo parcial ou temporário.

Buscando obter pontos de vista sobre o futuro do trabalho e a cobertura pelos


regimes de proteção social, a Comissão Europeia realizou, em 2016, consulta pública no
quadro do Pilar Europeu dos Direitos Sociais170, indagando sobre a necessidade de uma
participação acrescida no mercado de trabalho, para garantir condições de trabalho
equitativas e um nível de proteção social adequado e sustentável.

A partir de então ocorreram várias iniciativas de acompanhamento,


nomeadamente a proposta de uma nova diretiva relativa a condições de trabalho
transparentes e previsíveis, em dezembro de 2017, e a proposta de recomendação do
Conselho relativa ao acesso à proteção social dos trabalhadores e dos trabalhadores
independentes em março de 2018.

168
Para maiores detalhes, recomenda-se a leitura do documento “Desmercantilizar as plataformas: entrevista
com Úrsula Huws”, em que a socióloga defende que plataformas alternativas reinventem os circuitos
econômicos locais. Disponível em https://digilabour.com.br/2020/10/04/desmercantilizar-as-plataformas-
entrevista-com-ursula-
huws/?fbclid=IwAR2XCAVkYCRdfh2jnyZWooq0VWM88vMKRHZADbqadwcnD5tlvhcDWEr1sgQ.
Acesso em 06 Out 2020.
169
Silvana Sciarra, EU Commission Green Paper ‘Modernising labour law to meet the challenges of the 21st
century, 36 ILJ 375. 2007.
170
Pilar Europeu dos Direitos Sociais (European Pillar of Social Rights - EPSR) é um esforço institucional
conjunto do Parlamento Europeu, do Conselho Europeu e da Comissão Europeia.
114
Em 2019, o Regulamento n.º 1149/2019 do Parlamento Europeu e do Conselho
criou a Autoridade Europeia do Trabalho, possuindo dentre seus fins a tentativa de garantir
uma mobilidade equitativa da mão-de-obra em toda a UE e ajudar os Estados-Membros e a
Comissão Europeia na coordenação dos sistemas de segurança social na UE (artigo 2.º).

Para tanto, busca executar diferentes tarefas, como facilitar o acesso à


informação (Regulamento do Artigo 5); coordenar e apoiar inspeções concertadas e
conjuntas (artigos 8 e 9), realizando análises e avaliações de risco em questões de
fronteiras transfronteiriças; mobilidade laboral (artigo 10); apoio aos Estados-Membros
com reforço de capacidade no que diz respeito à aplicação e aplicação efetiva da legislação
da UE relevante (artigo 11) e apoio aos Estados-Membros no combate ao trabalho não
declarado (artigo 12)171.

Também em 2019, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia


aprovaram o Regulamento 1150/2019 sobre a promoção da equidade e transparência para
os usuários de negócios dos serviços de intermediação on-line172. O Regulamento é
avaliado e monitorado, em grande parte, pelo grupo de especialistas do Observatório sobre
a Economia de Plataformas Online.173

Como a maioria das questões de direito do trabalho são da competência


nacional, a União Europeia estabeleceu normas mínimas no domínio da política social, tal
174
como definido no artigo 153º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

171
O âmbito das atividades abarca: Diretiva 96/71 / CE, Diretiva 2014/67 / UE, Regulamento 883/2004 (e
Regulamento 987/2009), Regulamento 1408/71, Regulamento 574 / 72, Regulamento 1231/2010,
Regulamento 859/2003, Regulamento 492/2011, Diretiva 2014/54 / UE, Regulamento 2016/589,
Regulamento 561/2006, Diretiva 2006/22 / CE, Regulamento 1071/2009
172
Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:32019R1150&from=EN. Acesso em 15 jun. 2020
173
Disponível em https://ec.europa.eu/newsroom/dae/document.cfm?doc_id=51795. Acesso em 15 jun. 2020
174
O art. 153 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia dispõe de diretrizes que regulam os
direitos e as obrigações dos trabalhadores, como limites máximos ao tempo de trabalho, férias anuais
remuneradas, descanso diário e semanal, proteção dos trabalhadores em caso de trabalho noturno, informação
sobre as condições individuais de trabalho, proibição de vários tipos de discriminação dos trabalhadores
(inclusive, em formas atípicas de emprego, como a tempo parcial ou temporário), prevenção de riscos
profissionais, proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores no local de trabalho, dentre outros.
115
A regulamentação do tempo de trabalho que protege a saúde física e mental
dos trabalhadores contra os riscos de fadiga e Burnout é ainda mais necessária para evitar
abusos gerenciais que põem em perigo a dignidade humana dos trabalhadores.

Para isso, é essencial enquadrar os direitos dos trabalhadores nos discursos dos
direitos fundamentais e dos direitos humanos.

A natureza dos direitos trabalhistas como direitos humanos tem sido debatida
há muito tempo 175 e foi também consagrada num vasto número de tratados internacionais e
fontes de direito.176 Uma das razões para reconhecer os direitos trabalhistas como direitos
humanos reside precisamente na existência de prerrogativas de gestão (Stefano, 2015).

Os sistemas jurídicos conferem aos empregadores autoridade sobre a sua força


de trabalho que suplanta normas sociais e é sustentada por legislação. Limitar e
racionalizar a autoridade para preservar a dignidade humana - que é uma das funções
essenciais dos direitos humanos - é também primordial no local de trabalho.177

Limitar o exercício das prerrogativas de gestão é crucial para garantir que a


autoridade dos empregadores não seja exercida de forma a comprometer os direitos
humanos dos trabalhadores.

Para se ter ideia, a empresa Uber já revelou seu eficiente sistema de colheita e
processamento de dados via geolocalização (GPS)178, que possibilita um controle

175 Cita-se: Colin Fenwick & Tonia Novitz, Human Rights at Work: perspectives on law and regulation
(2010); Harry Arthurs, who’s afraid of globalization? Reflections on the future of labour law, in globalization
and the future of labour law, (John D.R. Craig & s. Michael lynk Eds., 2006); Virginia Mantouvalou, are
labour rights human rights?, 3 ellr 151. 2012.
176 Indica-se: George Politakis, Protecting Labour Rights as Human Rights: Present and Future of
International Supervision (ILO, 2007).
177
Sobre como a proteção da dignidade humana e dos direitos humanos dos trabalhadores se apresentam
como elemento fundamental do direito do trabalho, referencia-se o documento Phylosophical Foundations of
Labour Law (Hugh Collins, Gillian Lester, and Virginia Mantouvalou eds. 2019). Para uma avaliação crítica,
Mattew Finkin, Worker Rights as Human Rights: Regenerative Reconception or Rhetorical Refuge?, in
Research Handbook on Labour, Business and Human Rights Law (Janice Bellace and Beryl ter Haar eds.
2019)
178
Cita-se decisão do Tribunal da Relação do Porto, de 22 de abril de 2013, “que entendeu que o sistema de
GPS inseria-se na noção de meios de vigilância à distância do art. 20 do CT e, como tal, a instalação estava
116
onipresente sobre os trabalhadores que lhes prestam serviços e dão cumprimento às ordens
de comando de seu algoritmo.

Assim, a abordagem da regulamentação laboral em matéria de direitos


humanos pode ser favorável no que diz respeito à proteção da autonomia e da dignidade
dos trabalhadores em matéria de vigilância eletrônica das suas atividades. 179

10.1 Do trabalho degradante e as Organizações Internacionais

A despeito de a escravidão clássica ter sido abolida há tempos, ainda vêm


sendo encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo, a também
chamada escravidão contemporânea. 180

A mentalidade e o comportamento escravocratas ainda subsistem, assim como


a vida do trabalhador explorado não melhorou de fato; ao revés, sob alguns aspectos,
aprofundou-se ainda mais o abismo das desigualdades sociais, econômicas, raciais e
culturais, desencadeando graves problemas que até hoje estão presentes na sociedade em
todo mundo.

A escravidão é a coisificação do homem, tratado como mera propriedade de


outrem, sem respeito à dignidade humana da pessoa trabalhadora:

“Podemos definir trabalho em condições análogas à condição de escravo como


exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à
liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos

sujeita a autorização prévia da CNPD”. Ainda, do sumário se pode extrair: “Seja através de uma interpretação
extensiva ou mediante uma interpretação actualista o dispositivo GPS instalado no veículo automóvel
atribuído ao trabalhador deve ser englobado no conceito de meio de vigilância à distância no local de
trabalho”. Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano / Ana Carolina Reis Paes Leme, Bruno
Alves Rodrigues, José Eduardo de Resende Chaves Júnior, coordenadores.” São Paulo: LTr, 2017. pp. 56-57
e 60.
179
Ver Frank Hendrickx, Article 7. Protection of Private and Family Life and Article 8. Protection of
personal data, in The Charter of Fundamental Rights of the European Union (CFREU) and the Employment
Relation (Stefan Clauwaert, Filip Dorssemont, Klaus Lörcher & Mélanie Schmitt eds., 2019).
180
Recomenda-se a visualização dos seguintes vídeos que bem explanam a escravidão contemporânea na gig
economy: https://www.filmmelier.com/pt/br/film/8308/gig-a-uberizacao-do-trabalho
https://youtu.be/cT5iAJZ853c
117
para o resguardo da dignidade do trabalhador” (Brito Filho, 2004).

Logo, submeter o trabalhador a condições degradantes de trabalho, sem o


mínimo necessário para desenvolver suas atividades de forma digna, tratando-o como mero
objeto, ainda que não haja restrição de liberdade de ir e vir, configura o trabalho escravo
contemporâneo.

O objetivo do lucro não pode ser alcançado com o atropelo da proteção à


pessoa do trabalhador, sem que se lhe garantir condições mínimas de habitabilidade,
higiene e segurança, sem assegurar um meio ambiente de trabalho saudável e com um
mínimo de nocividade possível.

Há que se incutir no empregador uma nova mentalidade, aquela assinalada por


Amauri Mascaro Nascimento (1992):

“As empresas têm uma finalidade social que as obriga a cumprir determinados
objetivos, voltados para a sua total realização, que não se limita aos objetivos
econômicos. Na sua organização, devem estar presentes os meios destinados a
esses objetivos, dentre os quais uma estrutura adequada para zelar pela segurança
e higiene dos seus empregados.”

A dignidade do trabalhador é premissa indispensável e inarredável à efetivação


dos demais direitos referentes à vida, ao lazer, à cultura, à saúde, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária.

Embora haja grandes dificuldades de enquadramento jurídico do modelo de


produção denominado uberização, sua interpretação há de passar pelos princípios dispostos
no Anexo I da Declaração de Filadélfia de 1944, que afirma que "a) o trabalho não é uma
mercadoria; (...) c) a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral;
d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia,
e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos
empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem
com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum."

118
A esse respeito, citam-se algumas Convenções no âmbito da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)181.

A Convenção nº 29 de 1930, dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou


obrigatório em todas suas formas, admitindo algumas exceções de trabalho obrigatório,
como o serviço militar e em casos de emergências, como guerras e desastres naturais. Já
Convenção nº 105 de 1957 é a Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, a qual se
proíbe toda forma de trabalho forçado como meio de coerção ou convencimento político,
discriminação, participação em greve, medida disciplinar e para fins de desenvolvimento
econômico.

Essas duas convenções foram reconhecidas por quase toda a comunidade


internacional, como Portugal, recebendo o maior número de ratificações dentre todas as
convenções realizadas pela Organização Internacional do Trabalho.

A Declaração de Princípios Fundamentais no Trabalho de 1988 veicula os


quatro princípios fundamentais do trabalho (core obligations), são eles : 1) o respeito à
liberdade sindical e de associação e o reconhecimento efetivo do direito de negociação
coletiva - Convenções nº 87 e 98; 2) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado
ou obrigatório – Convenções nº 29 e 105; 3) a efetiva abolição do trabalho infantil –
Convenções nº 138 e 182 e 4) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e
ocupação – Convenções nº 100 e 111.

A força normativa é tamanha que ainda que um país não tenha ratificado
alguma das referidas convenções, deve respeitar seus princípios pelo simples fato de ser
membro da OIT.

Conforme a Recomendação n º 198 da OIT as políticas nacionais devem ao


menos incluir medidas para combater as relações de trabalho disfarçadas:

181
A própria Declaração da Filadélfia, quando da constituição da OIT em 1919, em seu anexo 1, diz que “o
trabalho não é mercadoria”, o que torna ilícito, em princípio, o trabalho desprovido de dignidade e valor
social.
119
“4. b)combater as relações de trabalho disfarçadas no contexto de, por exemplo,
outras relações que possam incluir o uso de outras formas de acordos contratuais
que escondam o verdadeiro status legal, notando que uma relação de trabalho
disfarçado ocorre quando o empregador trata um indivíduo diferentemente de
como trataria um empregado de maneira a esconder o verdadeiro status legal dele
ou dela como um empregado, e estas situações podem surgir onde acordos
contratuais possuem o efeito de privar trabalhadores de sua devida proteção”.

A Organização das Nações Unidas (ONU) também demonstra, desde 1948, sua
preocupação com a proteção dos direitos humanos no trabalho.

A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) trouxe em seu artigo 23


que “§1 Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.”, e no §3 que “Toda
pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure,
assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se
acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.”

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966


(PIDESC) estabelece no artigo 6º "o direito de toda a pessoa de ter a possibilidade de
ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito", cabendo aos Estados
signatários não apenas salvaguardar, mas também elaborar “programas, normas e técnicas
apropriadas para assegurar um desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o
pleno emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o gozo das
liberdades políticas e econômicas fundamentais.”

A Declaração Sobre Progresso e Desenvolvimento Social de 1969, em seu art.


6º, proclama que para se alcançar o progresso e desenvolvimento social é necessário o
estabelecimento dos meios de produção que “impeçam qualquer exploração do Homem”,
“em conformidade com os direitos humanos e liberdades fundamentais e com os princípios
da justiça e da função social da propriedade”.

120
A Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 refere em seu item 5 que
“Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e
interrelacionados”. Embora se devam levar em conta especificidades nacionais e regionais,
antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, “promover e proteger
todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais.”

Ainda no âmbito da ONU, referencia-se o projeto UN Global Compact,


desenvolvido desde 1999, que tem como objetivo fazer com que empresas transnacionais
se adequem a determinados princípios, dentre os quais, de direitos humanos e do trabalho.
Em relação ao trabalho, versa, dentre outros, sobre a eliminação do trabalho escravo.

Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos aprovou por consenso os Princípios


Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, edificados sobre os fundamentos de
proteger, respeitar e reparar os direitos humanos (Cartilha de John Ruggie).

Para o representante geral do secretariado das Nações Unidas, John Ruggie,


enquanto à proteção caberia aos Estados, o respeito e a reparação seriam de
responsabilidade das empresas (Ruggie, 2014).

A fim de dar eficácia, criou-se o Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos


Humanos (Resolução A/HRC/RES/17/4), que realiza visitas a países, organiza fóruns.

Ato contínuo, com Resolução 26/9, foi inaugurado o Grupo de Trabalho (Open
Ended Intergovernamental Work Group – OEIWG) com o fim de elaborar um tratado
vinculante de direitos humanos e empresas, para dar força obrigatória aos instrumentos.

Muitas propostas de “Declaração de Direitos da Internet” surgiram desde o


advento da internet. Em 2011 a ONU já vinha deliberando sobre a inclusão no elenco dos
Direitos Humanos o direito à Internet. Destaca-se dentre as propostas a "Declaração
Multisetorial da NETMundial" e a aprovada pelo "Fórum de Governance da Internet " que,
em 2014, elaborou uma sugestão de "Carta de Direitos Humanos e Princípios para a
Internet".

121
Dentre os sistemas regionais, destacam-se o europeu e o interamericano.

Menciona-se a Carta Social Europeia revisada (Estrasburgo, 1996) assegura na


Parte 1, 2 e 4, que “todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho justas” e “a
uma remuneração justa que lhes assegure, assim como suas famílias, um nível de vida
satisfatório”; em cujo artigo 2º prevê a fixação de uma jornada razoável diária e semanal,
folgas, férias etc., ao passo que o artigo 4º adiciona à remuneração suficiente para o
sustento digno da família, o recebimento por horas suplementares de labor.

Em 2017 o Parlamento Europeu apontou a necessidade de uma agenda


europeia dispondo sobre a Economia Colaborativa (2017/2003 - INI), onde realçou a “a
importância fundamental de proteger os direitos dos trabalhadores nos serviços
colaborativos” (ponto 38) e de “garantir o respeito pelos direitos humanos e uma proteção
social adequada do crescente número de trabalhadores por conta própria (...) incluindo o
direito à ação e negociação coletivas, nomeadamente em relação à respetiva remuneração”
(ponto 39)182.

Em abril de 2019 a União Europeia produziu o documento denominado Ethic


Guidelines for Trustworthy AI, defendendo que a utilização inteligência artificial deveria
preservar a autonomia humana, privacidade de dados pessoais, transparência, igualdade,
não discriminação, bem estar social e ambiental e responsabilidade183.

Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São


José da Costa Rica) determina que os signatários devem se comprometer a repreender à
servidão e à escravidão em todas as suas formas.

O art. 6º do Protocolo Adicional acopla o trabalho à uma vida digna, impondo


aos Estados-Partes a obrigação de "adotar medidas que garantam efetividade do direito ao
trabalho”.

182
Relatório sobre uma Agenda Europeia para a Economia Colaborativa. Disponível em
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-8-2017-0195_PT.html. Acesso em 11 Ago 2020.
183
Disponível em https://ec.europa.eu/futurium/en/ai-alliance-consultation. Acesso em 29 Fev. 2020
122
Da mesma forma, a Cúpula das Américas de Mar Del Plata, em 2005, formou a
Declaração de Mar Del Plata, onde o item 76 estabelece o “o valor do trabalho como
atividade que estrutura e dignifica a vida de nossos povos (...) um instrumento de interação
social e um meio para a participação nas realizações da sociedade, objetivo primordial de
nossa ação governamental para as Américas”.

Assim, inúmeros tratados internacionais de direitos humanos são importantes


no cenário internacional, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de
1948, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), a
Convenção n.º 29 da OIT, sobre o trabalho forçado ou obrigatório, a Convenção n.º 105 da
OIT, sobre a Abolição do Trabalho Forçado, o Protocolo de 2002 relativo à Convenção da
Organização Internacional do Trabalho sobre a Segurança e a Saúde dos Trabalhadores,
entre outros regionais citados.

Atualmente, as sociedades enfrentam inúmeras discussões sobre o papel do


cidadão em que os direitos basilares devem ser garantidos e respeitados, tanto pelos
Estados como por aqueles que nele vivem, dando importância aos Direitos Humanos como
fundamento para solidificação da democracia.

Destaca-se que o conceito de Direitos Humanos está intimamente ligado com a


dignidade da pessoa humana. Para que uma pessoa (seja estrangeira, cidadão ou apátrida)
possa viver uma vida digna, se faz importante a sua aplicação na vida de cada um e na
comunidade como um todo.

A fim de compreender mais profundamente o conceito de Direitos Humanos,


cita-se Casado Filho (2012):

“Somando todas essas ideias, temos que os Direitos Humanos são um conjunto
de direitos, positivados ou não, cuja finalidade é assegurar o respeito à dignidade
da pessoa humana, por meio da limitação do arbítrio estatal e do estabelecimento
da igualdade nos pontos de partida dos indivíduos, em um dado momento
histórico.”

123
As principais características ou ideias-chave dos Direitos Humanos são sua
universalidade, essencialidade, superioridade normativa e a vedação do retrocesso.

A universalidade explica que se deve alcançar todos os seres humanos sem


distinção, independe de raça, cor, nacionalidade ou qualquer outro fator. Já a
essencialidade indica que os Direitos Humanos são inerentes ao ser humano, tendo como
base os valores maiores, como o respeito à dignidade e seus aspectos formais.

Entende-se que a superioridade relativa dos Direitos Humanos é como um


prisma, pelo qual se observam as outras leis, tratados e acordos. Já a vedação do
retrocesso, como o próprio nome diz, significa que os Direitos Humanos jamais podem ser
reduzidos ou diminuídos no que tange o aspecto ao tamanho da sua proteção.

Desse modo é que os Direitos Humanos possibilitam uma vida digna e


equilibrada ao indivíduo que vive em sociedade.

Juntamente com o surgimento da atual organização econômica (uberização),


nasce uma nova classe de trabalhadores que se vê induzida a vender sua força de trabalho,
com extensas jornadas, em troca de parca remuneração. O que se tem vivenciado é um
sistema escravizante de inúmeros trabalhadores subordinados a plataformas eletrônicas,
sob o disfarce da ótica jurídica de “parceria”, em um sistema viciante e precário de
trabalho.

11 - DIREITOS COLETIVOS

Outra questão de enlevo que precisa ser desbravada, ou ao menos, com


coragem, inicialmente explorada, são os direitos trabalhistas sob a ótica coletiva.

As novas tecnologias propaladas com a 4ª Revolução Industrial vêm


impactando fundamentalmente o tradicional direito coletivo. Em uma era em que
máquinas inteligentes tendem a assumir postos de trabalho de imensa parte da população
ativa, tem-se que o direito coletivo é, mais do que nunca, essencial para tentar salvaguardar
os efeitos deletérios das dispensas coletivas.
124
Também não se mostram suficientes definições simplistas de sindicatos como
representantes apenas de empregados subordinados juridicamente, já que, como visto, tal
subordinação passou ao plano tanto mais etéreo. Urgem emblemas, como o de contratos de
trabalho independentes, notadamente marcados pelo fator de precariedade, serem ainda
mais necessitados de proteção por uma categoria representativa. Haveria algum
instrumento de proteção coletiva aplicável aos novos modelos de trabalhadores que
surgiram na chamada gig economy? Seria o desvanecer do direito trabalhista coletivo
conquistado com tanto suor e sangue?

Serão pontos como esses que passarão a ser tratados a seguir.

11.1 Entidades Representativas Dos Trabalhadores

Comumente, existem dois tipos de representantes diretos dos interesses dos


empregados perante o empregador: as comissões representativas dentro das empresas e os
sindicatos da categoria.

As comissões representativas espelham todos os empregados perante a


administração da empresa, promovendo o diálogo e o entendimento no ambiente de
trabalho, com o fim de prevenir ou solucionar conflitos; assegurando tratamento justo e
imparcial aos empregados, sem qualquer forma de discriminação por motivo de sexo,
idade, religião, opinião política ou atuação sindical; exercendo o controlo da gestão da
empresa; obtendo informações ao exercício da atividade; participando em processo de
reestruturação e alteração das condições de trabalho; participando de nas obras sociais e
na elaboração da legislação do trabalho.

A Comissão possui caráter de direito fundamental, a ponto de serem previstas


nas próprias constituições dos países.

Outro órgão representativo dos interesses coletivos dos trabalhadores são os


sindicatos. Além do dever de fiscalizar, possui condições de se opor ao exercício arbitrário
do poder diretivo do empregador, equiparando-lhe as forças. O intuito é resguardar os

125
interesses econômicos e laborais dos filiados, bem como a representatividade e a defesa da
categoria de trabalhadores.

A Organização Internacional do Trabalho preconiza a importância do direito à


representação pelo sindicato, em discussões sobre direitos coletivos dos trabalhadores.

Pois bem. É na dispensa coletiva que os órgãos representativos se revelam


essenciais.

No cenário fático da Quarta Revolução Industrial com a presença disruptiva de


tecnologias inovadoras também revela possível substituição de postos de trabalho de
imensa parte da população ativa por máquinas inteligentes.

Juridicamente, o despedimento coletivo se configura quando determinado


número ou percentual de empregados é dispensado, num lapso temporal específico, por
motivo de caráter objetivo comum, sem previsão de substituição ou recontratação de
pessoal, de forma a pressupor a manutenção do empreendimento econômico.

Os despedimentos coletivos são objeto de regulamentação internacional,


regional e nacional. 184Geralmente, determina-se que as empresas informem e consultem os
órgãos representativos de classe, como os sindicatos e os representantes dos trabalhadores,
antes de promoverem a dispensas em massa.

Neste ponto, faz-se necessária uma pausa para a distinção de dispensa plúrima
da dispensa coletiva. Enquanto aquela se vincula ao direito individual, esta se constitui sob
as asas do direito coletivo. Em ambos os casos ocorre o desligamento de um conjunto de

184
A Comunidade Europeia regulamenta a despedida coletiva a partir de critérios, como: causal (quando
caracterizados motivos ensejadores da despedida), numérico (quando determinado número ou percentual de
empregados despedidos for alcançado) e temporal (quando as despedidas ocorrerem dentro de determinado
período). Em especial, quanto ao elemento de redimensionamento da empresa, cabe ressaltar que a despedida
coletiva no sentido jurídico é um instituto que visa à viabilidade e a manutenção da atividade econômica
mediante uma organização mais adequada dos recursos. Assim, há de haver vinculação entre a eliminação
dos postos de trabalho e o resultado da operação almejado que, ao menos em tese, seja favorável à
continuidade da empresa e dos demais postos de trabalho, e não como mecanismo meramente de
maximização de lucros.
126
trabalhadores, todavia, a modalidade plúrima se refere a um número disperso de dispensas
individuais; já a coletiva o que ocorre é a rescisão simultânea de pluralidade de contratos
de trabalho por motivo único em uma empresa, sem substituição dos empregados
dispensados. Sucintamente, na coletiva existe uma peculiaridade da causa e a redução
definitiva do quadro de pessoal.

Orlando Gomes há longa data já fazia a distinção. Segundo ele, na dispensa


coletiva o empregador, compelido a dispensar uma pluralidade de empregados, não
seleciona traços pessoais, mas um grupo não identificável, uma lotação, uma sessão ou um
departamento da empresa. Nesse caso a causa que principia a dispensa é comum a todos,
não se prendendo ao comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da
empresa185 186:

“Dispensa coletiva é a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade


de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados
dispensados. [..] O empregador, compelido a dispensar certo número de
empregados, não se propõe a despedir determinados trabalhadores, senão aqueles
que não podem continuar no emprego. Tomando a medida de dispensar uma
pluralidade de empregados não visa o empregador a pessoas concretas, mas a um
grupo de trabalhadores identificáveis apenas por traços não-pessoais, como a
lotação em certa seção ou departamento, a qualificação profissional, ou o tempo
de serviço. A causa da dispensa é comum a todos, não se prendendo ao
comportamento de nenhum deles, mas a uma necessidade da empresa."

Nesse compasso, preconiza a Convenção n.º 158 da OIT, de 1982, que trata da
cessação da relação de trabalho, que os procedimentos de informação e consulta devem ser

185
De acordo com o artigo “O dever de motivação na despedida coletiva” da autora Marcele Carine dos
Praseres Soares, conforme Boletim Estatístico de maio de 2011, produzido pelo Gabinete de Estratégia e
Planeamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social de Portugal, que fraciona os processos de
despedimentos coletivos nas regiões Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, houve, no ano
de 2009, em sua globalidade, 379 processos judiciais concluídos e 5.522 empregados despedidos, dos quais
foram revogados, por meio de acordo, 208 despedimentos e, “por outras medidas”, outros 49. Embora não
haja esclarecimentos quanto ao significado de “outras medidas”, quer-se crer que as revogações dos
despedimentos foram promovidas por via judicial. Disponível em
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-30082017-
144038/publico/Dissertacao_MarceleSoares_Final.pdf. Acesso em 20 Mar. 2020.
186
SANTOS, Orlando Gomes, 1974, p. 575
127
seguidos quando presentes despedimentos por razões "econômicas, estruturais,
tecnológicas e análogas", com o objetivo de encontrar medidas "para evitar ou minimizar
os despedimentos" e "atenuar os efeitos negativos de quaisquer despedimentos para os
trabalhadores em causa, tais como encontrar um emprego alternativo". Assim dispõe seu
art. 13:

“Art. 13 — 1. Quando o empregador prever términos da relação de trabalho por


motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos; a) Proporcionará aos
representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informação
pertinente, incluindo os motivos dos términos previstos, o número e categorias
dos trabalhadores que poderiam ser afetados e o período durante o qual seriam
efetuados esses términos: b) em conformidade com a legislação e a prática
nacionais, oferecerá aos representantes dos trabalhadores interessados, o mais
breve que for possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as
medidas que deverão ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas
para atenuar as consequências adversas de todos os términos para os
trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos empregos para os

mesmos.”

A Recomendação n.º 166 da OIT sobre a cessação do contrato de trabalho, com


vigência a partir de 23 de novembro de 1985, complementa orientações nesse sentido.

Informação e consulta entre as partes também se encontram previstas em fontes


regionais de regulamentação, como a Lei Modelo de Harmonização da Cessação de
Emprego da Comunidade do Caribe (CARICOM) e a Diretiva da União Europeia (UE)
relativa aos despedimentos coletivos.

Os instrumentos regionais, como a Diretiva 2002/14 da UE, preveem o dever


de diálogo social, ou seja, de informações e consultas sobre a situação, a estrutura e o
provável desenvolvimento do emprego dentro da empresa ou estabelecimento e sobre
quaisquer medidas antecipatórios previstas, em particular quando houver uma ameaça ao

128
emprego; inclusive susceptíveis de levar a mudanças substanciais na organização do
trabalho ou nas relações contratuais. 187

Regulamentações nacionais estatuem deveres semelhantes.188 189

Ou seja, as normatizações que asseguram o funcionamento dos sistemas de


relação laboral claramente sustentam o papel ativo dos representantes dos trabalhadores
nos despedimentos coletivos, levando a resultados econômicos positivos190, o que se
verifica, principalmente, quando presentes instituições coletivas fortes. (DEAKIN. 2014)

11.2 Os novos personagens da 4ª Revolução Industrial e a Representação Coletiva

O surgimento dos novos modelos de trabalho na era digital constitui entrave à


integração de trabalhadores às entidades representativas e aos sindicatos.

A fragmentação decorrente da tecnologia espalhada pelo globo acaba


obstaculizando aquelas identidades coletivas, político-ideológicas que tornam capazes a
união entre os trabalhadores191.

Ou seja, é apenas uma multidão (crowdwork) composta por uma variedade de


profissionais atuando ou não em sua área de especialização. Uma verdadeira perfusão de

187
Diretiva 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2002, que estabelece um
quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia.
188
A lei sueca sobre o emprego (co-determinação no local de trabalho) (1976:580), secção 19, por exemplo,
obriga os empregadores a "informar regularmente uma organização de trabalhadores em relação à qual
[estão] vinculados por acordos de negociação coletiva sobre a forma como a empresa está a evoluir no que
respeita à produção e às finanças e sobre as orientações em matéria de política de pessoal". São igualmente
previstas obrigações análogas quando o empregador não está vinculado por uma convenção coletiva.
189
A base de dados da legislação à proteção do emprego da OIT indica que mais de 60 países, pertencentes a
todos os continentes do mundo, preveem deveres processuais de informação e consulta em caso de
despedimentos coletivos. Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/eplex/termmain.home. Acesso em 20 Mar.
2020.
190
ADAMS, Zoe. Int. Lab. Rev. (2018) Disponível em https://doi.org/10.1111/ilr.12092. Acesso em 20 Mar.
2020.
191
Para Sophie Béroud, tal distanciamento entre os trabalhadores e os sindicatos representaria outro desafio:
a “organização dos não organizados” - BÉROUD, Sophie. Organiser les inorganisés: des expérimentations
syndicales entre renouveau de pratiques et échec de la syndicalisation. Politix, vol. 22, n.º 85, 2009.
129
profissões, como advogados, engenheiros, estudantes, aposentados ou motoristas
profissionais trabalhando como condutores de veículos ou entregadores de encomendas. 192

Soma-se a isso a falta de normatização jurídica que faz com que as relações
trabalhistas se deem de forma insegura, dificultando, ainda mais, possíveis ações de
resistência coletiva dos trabalhadores, enquanto meio de reivindicação e de luta.

E quando muito a precarização das relações de trabalho tem levado a ações


coletivas voltadas à dignidade individual do trabalhador, corroendo a coerência de ação
coletiva própria do sindicalismo, por isso há autores que entendem que o crescimento do
trabalho “atípico”, ou precário, mostrar-se-ia como um dos grandes desafios do
sindicalismo na Europa. (Lucio, M. et al. 2017).

Sob a perspectiva evolucionária ou transformacional do sindicalismo, as


formas de organização sindical são fruto, de certa forma, da adaptação ao ambiente
econômico dominante em certo contexto histórico-social (Heery, 2003), como se viu
quando da adaptação do tradicional modelo de negócios sindical ao sindicalismo industrial
do início do sec. XX, posteriormente, dando lugar a tipos sindicais multissetoriais,
abrangendo industrias e serviços (Visser, 2012).

Assim, a atuação sindical ante o avanço da tecnologia na Quarta Revolução


Industrial deve ser contextualizada à estrutura social, política e econômica que se
apresenta.

192
Recomenda-se a leitura do artigo intitulado como “O Direito do Trabalho e as Plataforma Eletrônicas” de
José Eduardo de Resende Chaves Júnior, publicado no I Congresso Internacional de Direito do Trabalho e
Direito da Seguridade Social, no compêndio Constitucionalismo, Trabalho, Seguridade Social e as Reformas
Trabalhista e Previdenciária (2017). Nos dizeres de Chaves Júnior, “a ‘multidão’, tal como a encaramos neste
texto, começou a se esboçar teoricamente em Espinosa - 'multitudo', embora desde o ponto de vista político
não tenha surgido propriamente de Espinosa, já que o pensamento espinoseano coincide com o pensamento
protestante do século XVII, que, por sua vez, é tributário do pensamento renascentista, especialmente de
Maquiavel. Sua formulação foi produto de vários estudos anteriores, mas sistematizados e desenvolvidos em
Multitude – War and democracy in the age of empire -The Penguin Press, 2004”.

130
Cientes, portanto, da inaptidão da estrutura representativa anterior insta-se
pensar em modalidades de ação mais adequadas à realidade que se mostra aos
trabalhadores.

Fundamentalmente, a liberdade sindical é reconhecida em vários diplomas


internacionais como sendo Direito Humano, citam-se: preâmbulo da Constituição da OIT
(1919); Declaração de Filadélfia (1944); Convenção 87 da OIT (Liberdade Sindical e
Proteção ao Direito de Sindicalização de 1948); Convenção 98 da OIT (Direito de
Sindicalização e de Negociação Coletiva de 1949); Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem (1948); Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948); Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos - PIDCP (1966); Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC (1966); Resolução da OIT relativa aos direitos
sindicais e sua relação com as liberdades civis de 1970; Protocolo Adicional à Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais - Protocolo de São Salvador (1988); Declaração da OIT
relativa aos Princípios Fundamentais no Trabalho e respectivo acompanhamento (1998).

Não obstante a normatização internacional, tem sido corriqueira a negativa de


negociação por parte das empresas que exploram tecnologias disruptivas com os agentes
que lhes prestam serviços, sejam afiliações sindicais, associações ou demais grupos de
trabalhadores.

Para Kurt Vandaele (2018), tanto a representação coletiva, quanto as vozes dos
trabalhadores da plataforma digital vêm sendo moldadas pela dinâmica atual da economia
de plataforma. Segundo o cientista político a coexistência de sindicatos tradicionais e
outras formas de representação coletiva dificilmente se tornam um padrão universal. Isso
porque devem ser considerados inúmeros fatores, dentre os quais, dinâmicas e estratégias
das plataformas digitais, mão-de-obra específica de cada país, instituições de mercado,
marcos regulatórios nacionais que normatizam as plataformas, culturas e identidades
sindicais, escolhas estratégicas sindicais.

131
Amoldando-se à realidade exposta, apresentam-se os seguintes padrões de
representatividade coletiva: longstanding unions (sindicatos organizados), grass-roots
unions (organizações espontâneas no local de trabalho que se formam para uma
determinada luta), union-affiliated guilds (sindicatos avulsos/guildas que se organizam),
quasi-unios (organizações intermediárias semelhantes aos sindicatos ou quase-sindicatos)
e worker-led platform cooperatives (cooperativas de trabalhadores em plataforma)193.

Na condição de trabalhadores independentes, o poder de barganha é bastante


debilitado. Isso pelo fato de sua força depender da posição estratégica que assume em um
sistema de produção específico, seja na forma de poder de negociação “no mercado" ou
"no local de trabalho" (Silver, 2003).

O poder de barganha do mercado se relaciona à necessidade que o empregador


tem das competências dos trabalhadores, ao grau de desemprego em geral e se os
trabalhadores possuem outras rendas não-salariais; enquanto que no local de trabalho, o
poder de negociação advém da posição estratégica dos trabalhadores no processo de
produção, influenciando sua capacidade de interromper os negócios diretamente, como
pela greve por exemplo.

Para compreender melhor, serão perfiladas algumas heterogeneidades em que


são prestados serviços por meio de tecnologias disruptivas e em que grau afetam os
respectivos poderes de barganha dos trabalhadores.

193
Kurt Vandaele (2018), PHD em Departamento de Ciência Política pela Universidade de Ghent, dentre
vários estudos, em 2018, publicou um mapeamento de amostras dentre países da Europa Ocidental,
explorando em que medida a representação coletiva e as vozes dos trabalhadores da plataforma digital
estariam sendo moldadas pela dinâmica atual da economia de plataforma. Padrões emergentes sugeriram uma
possível coexistência ou combinação de sindicatos tradicionais e outros sindicatos e organizações sindicais.
O estudo revelou uma demarcação entre a lógica da associação e a lógica da influência, saliente na economia
de plataforma e em mercados de trabalho altamente institucionalizados. O documento também enfatizou que
qualquer análise significativa de representação e voz deve considerar a diversidade de plataformas e a
variedade dos recursos na plataforma.

132
Tanto o labor on-demand (sob demanda) quanto o crowdwork (de multidão)
são formas de trabalho facilitadas pela tecnologia digital, intermediando certa oferta
disponível de trabalho com a correspondente demanda em escala global.

Segundo dados de pesquisa sobre a gig economy na União Europeia (Huws at


al, 2017), o trabalho on-demand via aplicativos tem envolvido principalmente
trabalhadores de baixa e média qualificação.

Nesse caso, embora as plataformas geralmente operem internacionalmente, a


prestação é realizada fisicamente, “face-to-face”, como serviços de transporte, entrega,
limpeza, cuidadores de idosos e crianças etc. Nessa hipótese o poder de barganha ainda é
mais rarefeito pela influência da natureza do trabalho, da ausência de vínculo com os
clientes da plataforma e da cizânia jurídica (zona grise) daqueles que poderiam se
enquadrar juridicamente vinculados à plataforma (Vandaele , 2018).

Cabe ressaltar, todavia, que dentro do fenômeno da uberização com referência


aos trabalhadores de transporte e entrega, o poder de negociação é superior aos demais.

Segundo especialistas, a capacidade disruptiva decorre do próprio sistema de


entrega, transporte e logística, cuja importância é fundamental na interação entre
produtores e clientes (Silver, 2003)194, reforçada pela quase monopolização das
plataformas nos mercados locais devido às principais economias de escala e efeitos de rede
(Srnicek, 2017).

Uma demonstração de auto-organização de trabalhadores de entrega de


alimentos ocorreu em Londres, 2016, quando a empresa Deliveroo195 pretendia alterar o
valor do pagamento.

194
Para aprofundamento, recomenda-se a leitura da impressão escrita por Bervely J. Silver, Forces of labor:
workers' movements and globalization since 1870, New York.: Cambridge University Press. New York. pp.
97-103. 2003.
195
A Deliveroo é uma empresa que se utiliza de uma plataforma para entrega de comidas por ciclistas e
motoristas de motonetas. Disponível em https://deliveroo.co.uk/. Acesso em 08 de jun. 2016.
133
No lugar de receber £ 7 por hora e mais £ 1 de comissão por entrega, os
entregadores ganhariam um montante fixo de £ 3.75 por entrega. Isso gerou grande
insatisfação por parte dos prestadores que promoveram uma grande paralisação, utilizando
estratégias para divulgar o movimento, como o piquete móvel.

Contaram, também, com a ajuda de um sindicato independente e tradicional e


utilizaram a tática de se desligarem do aplicativo, para aceitarem pedidos da plataforma
concorrente. Ainda, pelo fato de estarem na condição de trabalhadores “independentes”,
não tiverem que seguir os requisitos burocráticos de realização de assembleias e
notificações sindicais.

A greve durou sete dias e finalizou com a companhia retrocedendo e


assegurando que não mais forçaria nenhum funcionário a alterar o contrato trabalhista, mas
que daria sequência ao plano em algumas áreas em Londres.

Essa foi a primeira paralização em escala maior.

Posteriormente, seguidas de paradas menores por outras plataformas também


de entrega de alimentos em todo o Reino Unido e também por vários outros países, como
Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Holanda e Espanha. 196

Já no crowdwork, por sua vez, o trabalho consiste em execução de tarefa


desempenhada integralmente on-line, que é viabilizado por plataformas digitais.

196
Os casos referenciados podem ser vistos detalhadamente nas seguintes indicações:
- Animento s., di Cesare G. and Sica C. Total eclipse of work? Neue Protestformen in der gig economy am
Beispiel des Foodora Streiks in Turin, Prokla, 187, 47 (2), 2017, pp. 271-290.
- Cant C. Precarious couriers are leading the struggle against platform capitalism, Political Critique, 3
August 2017. Disponível em http://politicalcritique.org/world/2017/
precarious-couriers-are-leading-the-struggle-against-platform-capitalism/ Acesso em 08 jun. 2020.
- Cant C. The wave of worker resistance in European food platforms 2016-17, No Politics Without Inquiry!
(#1), 29 January 2018. Disponível em http://notesfrombelow.org/
article/european-food-platform-strike-wave. Acesso em 08 jun. 2020.
- Tassinari A. and Maccarrone V. (2017) The mobilisation of gig economy couriers in Italy:
some lessons for the trade union movement, Transfer, 23 (3), pp. 353-357
- Vandaele K. Belgique. Les syndicats sur le qui-vive pour soutenir les travailleurs des plateformes:
l’exemple des livreurs de repas, Chronique internationale de l’IRES, 160, 2017, pp. 85-100.
- Zamponi L. Bargaining with the algorithm, Jacobin, 9 June 2018. Disponível em
https://jacobinmag.com/2018/06/deliveroo-riders-strike-italy-labor-organizing Acesso em 08 jun. 2020
134
Segundo Stefano (2016), a plataforma pode ser utilizada de duas formas, ou
como intermediadora entre cliente e trabalhador, ou sem que haja qualquer relação entre
cliente e trabalhador, quando este executa a tarefa e a própria plataforma o remunera,
posteriormente, repassando o serviço para o cliente.

Embora o labor offshore não seja novidade, as plataformas digitais de trabalho


contribuem ainda mais para uma divisão internacional do trabalho. Influenciados pelas
disposições de internet, habilidades e custos de mão-de-obra, os contratantes espalham sua
linha de produção pelo globo terrestre.

Devido à distância entre os trabalhadores em plataformas digitais, as diferentes


especialidades de trabalhadores e a possibilidade de sua substituição imediata, as
paralisações da cadeia produtiva se tornam vulneráveis e menos comuns. O que faz com
que o poder negocial seja afetado substancialmente.

Stefano ressalta a dificuldade de liberdade de associação para os trabalhadores


da multidão devido à dispersão na internet.

Dagnino (2015) chama a atenção para o fato de que como os trabalhadores


dependem de boa reputação advinda de avaliações e classificações, acabam sendo inibidos
de se integrar as associações e exercerem direitos coletivos.

A própria definição como “contratados independentes” atrapalha sua


representação coletiva, pois esse status é, geralmente, considerado incompatível com a
filiação sindical. Além do mais, a maioria das plataformas de trabalho digitais “são
surpreendentemente hostis a qualquer esforço na organização genuinamente independente
representação do trabalhador” (Prassl 2018, p. 65).

De acordo com o Comitê de Associação de Liberdade do Trabalho (OIT,


2018), o direito à associação se estende aos trabalhadores por conta própria, e os Estados
membros da OIT devem adotar as medidas necessárias para sua garantia.

135
No que tange aos trabalhadores independentes e profissões liberais, com
fundamento na liberdade de associação, todos os trabalhadores, com a única exceção de
membros das forças armadas e da polícia, devem ter o direito de estabelecer e ingressar em
organizações de sua própria escolha. O critério para determinar as pessoas cobertas,
portanto, não se baseia na existência de uma relação de trabalho, que muitas vezes não
existe. Portanto, trabalhadores independentes em geral devem gozar do direito de
organização (item 387 da compilação das decisões do Comitê) 197.

Em uma de suas decisões, inclusive, o Comitê solicitou ao governo da


República Dominicana que tomasse as medidas necessárias, para garantir que os
trabalhadores independentes desfrutassem plenamente dos direitos de liberdade de
associação, em particular o direito de ingressar nas organizações de sua própria escolha198,
sendo contrário à Convenção nº 87 impedir sindicatos de trabalhadores independentes ou
não subordinados.199

Dentre as várias formas de representação coletiva possíveis aos crowdworkers


altamente qualificados e trabalhadores on-demand, Vandaele perfila os sindicatos
200
organizados, as organizações espontâneas, as guildas afiliadas ao sindicato , as
organizações intermediárias semelhantes aos sindicatos e as cooperativas de trabalhadores
em plataforma.

Criada por trabalhadores ou por sindicatos, as “cooperativas de plataforma”


replicam as ofertas de plataformas de trabalho digital estabelecidas e se orientam, por

197
Organização Internacional do Trabalho. Compilação das decisões do Comitê em Liberdade de Associação.
Disponível em https://www.ilo.org/global/standards/WCMS_626849/lang--en/index.htm. Acesso em 16 Jun.
2020.
198
Item 388. Relação 2786. República Dominicana, Relatório 376, parágrafo 349.
199
Item 389. Relação 2868. Panamá, Relatório 363, parágrafo 1005.
200
As guildas tradicionais eram espécies de corporações que existiam há longa data, quando pessoas
buscavam propósitos mútuos. As guildas ocupacionais, comuns na Europa pré-industrial, eram organizadas
por artesanato, em que artesãos, prestadores de serviços e fabricantes se juntavam com o propósito de ajuda
recíproca. Essas associações foram extremamente importantes para garantir o acesso ao mercado, para
formalizar a profissão e para dar voz aos membros.

136
definição, para a lógica da associação, em que os trabalhadores-membros possuem a
plataforma e participam dela.

Também seguindo predominantemente a lógica da associação, as guildas (ou


sindicatos avulsos) visam estabelecer negociação coletiva e diálogo social na economia de
plataforma, envolvendo, por exemplo, entregadores de alimentos (ou táxi motoristas no
caso da Uber) em suas ações de mobilização.201

No entendimento daquele autor, a maioria das guildas pode ser considerada


"afiliada ao sindicato" e oferece aconselhamento, logística e outros recursos. Na busca de
apoio financeiro para litígios e outras ações recorrem ao crowdfunding.

Na Espanha, a associação sem fins lucrativos da ASO, apoiada pelo sindicato


UGT e Deliveroo, concluiu um acordo coletivo estabelecendo taxas mínimas de
pagamento, períodos de descanso diários e semanais, férias anuais e assim por diante.

Em contraponto às organizações espontâneas, por estarem mais profundamente


comprometidos com a base real de membros, seria menos comum a participação dos
sindicatos tradicionais dentre a representação dos trabalhadores da plataforma digital.

A despeito disso, vem crescendo a atuação sindical nesta área, como quando o
maior sindicato alemão, a IG Metall, tê-la feito em 2016. (Lieman, 2018).

Nos dias 13 e 14 de abril de 2016, em Frankfurt am Main, Alemanha, foi


realizado o primeiro Workshop Internacional sobre Estratégias Sindicais na Economia da
Plataforma para discussão:

- Das já existentes e potenciais consequências econômicas e sociais futuras do


crescimento do trabalho baseado em plataformas nos mercados de trabalho
locais, nacionais e internacionais;

201
Dentre exemplos de guildas, referendam-se o Collectif Livreurs Autonomes (Paris), o Deliverunion
(Alemanha), a Italian Deliverance Milano (Itália) e Riders Union (Holanda).
137
- Do papel dos sindicatos e de outras organizações operárias na realização do
trabalho em plataforma para fornecer acesso ao mercado de trabalho a grandes
grupos de pessoas;

- Das possibilidades de uma "virada cooperativa" nas relações de gestão do


trabalho na "economia de plataforma", na qual trabalhadores, clientes,
operadores de plataforma, investidores, formuladores de políticas e
organizações operárias trabalham juntos para melhorar os resultados para todas
as partes interessadas;

- E das possíveis recomendações. 202

Em 2017, trabalhadores de entrega da Velo-Kurierdienst Notime realizaram o


primeiro protesto na Suíça com o apoio do Sindicato Unia e obtiveram sucesso. 203

Em maio de 2018, em Berlim, juntamente com outras seis organizações


espontâneas de sete países (Argentina, Canadá, o Estados Unidos, Grécia, Itália, Espanha e
Polônia), o Freie Arbeiterinnen- und Arbeiter-Union (FAU) cofundou a Confederação
Internacional do Trabalho com o objetivo de fortalecer a cooperação sindical
transfronteiriça dentro das mesmas empresas e setores, com foco inicial no setor de
alimentos, logística e educação.

Outros casos são encontrados em Viena, onde entregadores da Foodera fizeram


um conselho com o apoio do sindicato Vida.

Em 16 de abril de 2018, a empresa sediada na Alemanha, Delivery Hero,


controladora, dentre outros, da própria Foodera, assinou um acordo com a European

202
Para maiores detalhes, recomenda-se a leitura do documento intitulado Frankfurt Paper on Platform-Based
Work - Proposals for platform operators, clients, policy makers, workers, and worker organizations,
disponível em
https://www.igmetall.de/dl/igm/20161214_Frankfurt_Paper_on_Platform_Based_Work_EN_b939ef89f7e5f3
a639cd6a1a930feffd8f55cecb.pdf. Acesso em 09 Jun. 2016.
203
Disponível em https://www.unia.ch/de/medien/medienmitteilungen/mitteilung/a/14063/ Acesso em 08
jun. 2020
138
Federation of Food, Agriculture and Tourism Trade Unions (EFFAT), estabelecendo um
conselho transfronteiriço com a participação dos funcionários em sua supervisão.204

Na Alemanha, o sindicato de Alimentos, Bebidas e Catering (Gewerkschaft


Nahrung-Genuss-Gaststätten) organizou os trabalhadores da Foodora, sediada em Köln,
que concluiu um acordo coletivo com a plataforma. O contrato se aplicou aos trabalhadores
que operavam na cidade de Köln e fornecia melhores condições de trabalho e remuneração.

Na Dinamarca, os sindicatos celebraram notáveis acordos coletivos com duas


plataformas diferentes. Em 2018, o sindicato 3F firmou um acordo coletivo no nível da
empresa com a Hilfr.dk, uma plataforma dinamarquesa que fornece serviços de limpeza,
que concedia aos trabalhadores da plataforma salário mínimo, subsídio por doença,
subsídio de férias, contribuição para sua pensão e proteção contra demissão. Basicamente,
o acordo permite ao trabalhador optar se prefere trabalhar para a plataforma como
funcionário, caso em que o acordo coletivo se aplica, ou como trabalhador por conta
própria, caso em que o acordo não se aplica.205

No início de 2019, a empresa de courier britânica Hermes negociou um novo


acordo no Reino Unido com o sindicato GMB, oferecendo a seus motoristas um salário
mínimo garantido e pagamento de férias.

Na Noruega, os entregadores da Foodora organizados pela União Norueguesa


dos Transportes se uniram para negociar um acordo coletivo exigindo, entre outros, tarifa
horária, reembolso de equipamentos e aumento do tempo de trabalho (Comissão Europeia,
2019).

Além das questões já levantadas, há o tema da regulamentação da


concorrência, que vem se mostrando como entrave à negociação coletiva, já que introduzir

204
Disponível em https://effat.org/featured/se-works-council-agreement-signed-at-delivery-hero/ Acesso em
09 jun. 2020.
205
Disponível em: https://www.3f.dk/fagforening/fag/rengoeringsassistent-(privatansat)/overenskomsten-
hilfr. Acesso em 15 Jun. 2020.
139
termos e condições mínimas de emprego podem ser interpretados como "fixação de
preços".

Assim, os sindicatos tradicionais têm empreendido outras ações que visam


organizar e representar trabalhadores da plataforma, como o fornecimento de informações
e conscientização entre os trabalhadores da plataforma. Tais iniciativas foram observadas
na Áustria, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Espanha, Finlândia, França, Itália, Holanda,
Noruega, Polônia, Portugal, Suécia, Eslovênia e Reino Unido.

Na Alemanha, a IG Metall também criou a Plataforma ‘Fair Crowd Work’, que


coleta e oferece classificações de condições de trabalho em diferentes plataformas de
trabalho on-line (crowdwork e on-demand), com base em pesquisas com trabalhadores. A
plataforma juntou-se à Câmara de Empregados da Áustria (Arbeiterkammer) e à Federação
Sindical da Áustria (Österreichischer Gewerkschaftsbund) em 2016.

Da mesma forma, na Espanha, em 2018, com o auxílio do próprio sindicato, os


trabalhadores em plataforma afiliados ao sindicato tradicional Unión General de
Trabajadores (UGT) criaram uma plataforma nova de informação, reivindicação,
organização e denúncia para os trabalhadores.

Em países onde a negociação coletiva em nível industrial prevalece, a


expectativa é que plataformas de trabalho digital do lado “patronal” se unam ou que
estabelecem suas próprias associações.

Finalmente, há grande resistência em se aceitarem iniciativas sindicais que


barganhem normas regulatórias.206

Por sua vez, a posição dos freelancers - aqui entendidos como profissionais
tecnocráticos independentes, contadores e outros especialistas financeiros e legais,
engenheiros civis e demais autônomos.

206
Em países como Bélgica, Suíça e Suécia há casos de sucesso com representação coletiva e negociação
coletiva. Um exemplo sueco se observa disponível em https://syndicom.ch/branchen/logistik/velokuriere/
Acesso em 10 Jun 2020.
140
O trabalho autônomo não é apenas o resultado de estratégias patronais
instigando falso autoemprego e desregulamentação do mercado de trabalho, pois podem
optar livremente os trabalhadores por esta condição. Além de uma renda instável, a
cobertura de seguro social é inadequada durante a vida profissional e na velhice. Nesse
contexto, existe a necessidade de uma busca por proteção social e representação coletiva.

Organizações que poderiam prestar tais serviços seriam as cooperativas


baseadas em membros ou os quase-sindicatos. Há quem entenda que os sindicatos também
poderiam se utilizar da experiência, especialmente no domínio cultural ou social (Lodovici
2018); enquanto que nas indústrias criativas poderiam surgir novas formas de colaboração,
como as parcerias entre profissionais no co-working, comunidades profissionais virtuais,
movimentos de identidade de mídia social e assim por diante. 207

Nos Países Baixos, onde se tem experimentado um rápido crescimento em


208
autoempregos nos últimos anos, os sindicatos e as associações freelancers estão
tentando atrair os profissionais que trabalham nos setores social e cultural.209

Seguindo a lógica da influência erigem também os quase-sindicatos. Como a


SMart, uma intermediária que atua na zona cinzenta, fornecendo serviços administrativos e
de proteção social para freelancers no setor de artes e de projetos, e a trabalhadores on-
demand (entregadores de alimentos). Entretanto, ao que parece, não vem sendo vistos com
bons olhos pelos sindicatos e associações patronais210.

207
Gherardini Alberto So many, so different! Industrial relations in creative sectors. 2017. p. 19. Disponível
em http://www.ties-unifi.eu/ircrea/wp-content/uploads/sites/2/2018/05/wpa1_overview-report.pdf. Acesso
em 10 Jun. 2020.
208
As associações são organizações online de freelancers que permite aos trabalhadores se apoiarem e
compartilharem experiências.
209
Para maiores detalhes, recomenda-se o artigo de Jansen Giedo, Solo self-employment and membership of
interest organizations in the Netherlands: economic, social, and political determinants, Economic and
Industrial. Democracy. 2017. Disponível em https://doi.org/10.1177/0143831X17723712. Acesso em 10 Jun.
2020.
210
Para maiores detalhes, recomenda-se o artigo de Jan Drahokoupil , Piasna Agnieszka. Work in the
platform economy: Deliveroo riders in Belgium and the Smart Arrangement. 2019. Nele é apresentado um
estudo de caso da plataforma de entrega de alimentos Deliveroo, na Bélgica, em 2016-2018. Na ocasião, a
Deliveroo empregou trabalhadores por uma intermediária, a SMart. Disponível em
https://www.researchgate.net/publication/330281747_Work_in_the_platform_economy_Deliveroo_riders_in
141
Embora pouco ainda se saiba sobre a predileção sindical dos trabalhadores da
plataforma em geral, suas características estão sendo gradualmente mapeadas, como na
tabela a seguir contendo a relação entre os trabalhadores de plataforma digital e a lógica
dominante do coletivo representação.

Kurt Vandaele (2018, p. 20).

Para Johnston H. e Land-Kazlauskas C. (2019)211, uma solução à representação


dos trabalhadores da gig economy seria a formação de novos sindicatos independentes e
minoritários.

Em contrapartida a esse movimento trabalhista amplo e inclusivo, alguns


críticos demonstram preocupação de que o sindicalismo minoritário possa levar à
concorrência entre os sindicatos por direitos representativos ou que sejam suscetíveis à
influência da empresa e até mesmo à cooptação ou agremiação. Segundo aqueles autores,
devido à sua independência e autodireção, os sindicatos minoritários muitas vezes operam
fora do marco regulatório que rege as operações sindicais tradicionais.

No Reino Unido, a Independent Workers Union of Great Britain (IWGB)


fornece um dos exemplos mais conhecidos de nova formação sindical para trabalhadores
de gig. O IWGB foi formado explicitamente para organizar trabalhadores não tradicionais,

_Belgium_and_the_SMart_arrangement/link/5dee13de92851c83646e2c2c/download Acesso em 10 Jun.


2020.
211
O relatório da Organização Internacional do Trabalho, coordenado por Hannah Johnston e Chris Land-
Kazlauskas, é fruto de pesquisa realizada entre 2016 e 2017, e explora novas estruturas organizacionais como
sindicatos independentes, fóruns e centros de trabalhadores e cooperativas.
142
de baixos salários e imigrantes, com a adesão de "todos os empregados, trabalhadores e
quaisquer outras pessoas que aceitem os princípios, objetivos e regras do sindicato"212

Em Nova York, a New York Taxi Workers Alliance (NYTWA) também


adotou um modelo sindical minoritário. Seu objetivo é melhorar as condições de trabalho
dos taxistas e tem buscado influenciar o processo administrativo de formulação de regras,
para garantir que os motoristas tenham direitos e proteções aplicáveis.

Além das iniciativas tradicionais dos sindicatos, emergiram iniciativas de


organizações espontâneas em vários países. São ações organizadas pelos próprios
trabalhadores da plataforma, com ou sem o apoio de sindicatos, que ocorrem de diversas
maneiras, como por meio de paralisações, boicotes, petições, desconexão em massa, flash-
mobs e contato com a mídia. Tais movimentos foram tomados na Bélgica, Croácia,
Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Espanha, Itália, Irlanda, Holanda, Eslováquia e
Reino Unido.213

No Japão, funcionários de entrega da Uber Eats formam sindicato por melhores


condições de trabalho214.

Na Bélgica, os ciclistas se organizaram no 'Koeriers Kollektief', uma


associação autônoma para defenderem seus direitos.

Na Espanha, a organização 'Riders por Derechos' e os motoristas da ASO,


representando respectivamente os motoristas Deliveroo e os motoristas de diferentes
plataformas, têm defendido melhores condições de trabalho. (Comissão Europeia, 2019)
215

212
Independent Workers’ Union of Great Britain (IWGB). 2017. “Constitution and Rulebook”. Art. 5º, alínea
‘a’. Disponível em https://iwgb.org.uk/page/constitution. Acesso em 09 Jun. 2020.
213
Disponível em http://turespuestasindical.es/ Acesso em 25 Jun. 2020
214
Disponível em: https://mundo-nipo.com.br/equipe-de-entregadores-do-uber-eats-no-japao-formam-
sindicato-para-serem-tratados-como-funcionarios/Acesso em 21 Set. 2020.
215
Os trabalhadores da plataforma, em colaboração com o sindicato UGT, também criaram uma plataforma
on-line para fins de informação e organização.
143
Se por um lado, as plataformas algorítmicas permitem desconectar
unilateralmente (excluir) os trabalhadores “problemáticos”, por outro, permite aos
prestadores coordenarem ação coletiva de log out simultâneo do sistema, com o intuito de
aumentar o valor dos serviços – já que a plataforma algorítmica responderá a escassez de
prestadores disponíveis com taxas mais altas dos usuários – verdadeira engenharia
reversa.216

Várias iniciativas foram propaladas por meio das mídias sociais.

Na Finlândia, o Foodora e o Wolt criaram o site justice4couriers para


compartilhar suas experiências de trabalho, conscientizar e fazer campanhas para melhorar
suas condições de trabalho. 217

Da mesma forma, a plataforma que reúne trabalhadores no Amazon


Mechanical Turk, denominada turkopticon. O software permite aos trabalhadores da
multidão divulgarem e avaliarem as relações mantidas com os empregadores, para que os
demais tenham acesso às classificações e comentários218.

Em seu livro, “Cooperativismo de Plataforma: os perigos da uberização”,


Trebor Scholz, (2016) sugere um cooperativismo de plataforma que envolve uma mudança
estrutural de propriedade; uma solidariedade multissetorial e a busca do benefício de todos
os envolvidos, como a distribuição de ações, dividendos e participação de gestão na
empresa219.

216
Kerr, Dara. Uber drivers demand higher pay in nationwide protest. CNET. 28 Nov. 2016. Disponível em:
<https://www.cnet.com/news/uber-drivers-demand-better-pay-in-nation-wideprotest/>. Acesso em 08 Jun.
2020.
217
Disponível em https://www.justice4couriers.fi/ . Acesso em 15 Jun. 2020.
218
O software foi desenvolvido por Lilly Irani e Six Silberman, em 2013. Irani, Lilly; Silberman, Michael.
Turkopticon: Interrupting Worker Invisibility in Amazon Mechanical Turk, paper presented at the Sigchi
Conference on Human Factors in Computing Systems. Paris, 27 April – 2 May. 2013. Disponível em:
https://hci.cs.uwaterloo.ca/faculty/elaw/cs889/reading/turkopticon.pdf e http://crowdsourcing-
class.org/readings/downloads/ethics/turkopticon.pdf. Acesso em: 08 Ago. 2020.
219
Vide as plataformas Loconomics nos Estados Unidos (dentre outros serviços, o de massagens), a A Union
Taxi nos Estados Unidos (motoristas), Farimondo na Alemanha (comércio de eletrônicos), Munibnb na
Coréia do Sul (aluguel de casas).

144
Mencionam-se também as plataformas dos produsuários, em que se unem os
proprietários e usuários, como a Shutterstock e a Stocksy, onde se vendem as fotos de
fotógrafos e se dividem os lucros.

Na Estônia, motoristas da Bolt (ex-Taxify) suspenderam os serviços em 2018


por causa de um novo acordo salarial. A primeira paralisação foi denominada "café da
noite" e a subsequente de “café na hora do rush”.

Na França, os motoristas do Uber criaram a associação VTC para negociar


salários e condições de trabalho. Ao mesmo tempo, os trabalhadores de entrega criaram a
cooperativa de trabalhadores da entrega (CLAP), com o objetivo de conscientizar e
negociar com as plataformas de entrega as condições de trabalho e a proteção social.

Na Itália, em Bolonha, Milão e Turim, também ocorreram vários boicotes,


desconexões em massa e flash mobs. Os motoristas de Bolonha constituíram um sindicato,
o Rider Union Bologna, por meio do qual organizam e fazem campanhas por melhores
condições de trabalho. O compartilhamento de informações e experiência de trabalho é
facilitado pela página do grupo Rider Union Bologna no Facebook.

Na Irlanda e na Holanda220, os pilotos da Deliveroo protestaram e fizeram


campanha por melhores condições de trabalho, em particular por melhor saúde e segurança
no trabalho.

Na Eslováquia, os motoristas do Bolt utilizam as redes sociais como o


Facebook e o Whatsapp para dar voz aos seus problemas e insatisfações mútuos.

Com a ajuda de organizações dos Estados Unidos, Reino Unido Espanha e


França, entregadores de países sul-americanos (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) se
mobilizaram pelo WhastApp e fizeram uma paralisação geral, que ocorreu em 01 de julho
de 2020.

220
Com o apoio da FNV criaram a Riders Union FNV
145
O desígnio foi a criação de uma organização internacional para defender os
direitos dos trabalhadores e motoristas de app e táxi, organizando e conectando sindicatos
do ramo.

De acordo Sonia Abellán, membro da organização, o objetivo “é que as


pessoas afetadas por essas práticas possam ter uma ferramenta para defender seus direitos e
enfrentar essas grandes empresas na economia Gig através de uma plataforma coesa e com
a mesma estratégia” 221.

Inclusive, vale ressaltar que várias iniciativas também foram adotadas pelas
próprias plataformas.

Na Bélgica, em Portugal e no Reino Unido, a Uber fornece aos seus


trabalhadores um seguro contra acidentes de trabalho. O mesmo na Romênia, cobrindo
acidentes de trabalho, licença de maternidade e paternidade.

Na Holanda, a Deliveroo criou um fórum para dar a todos os ciclistas uma voz
formal ante a empresa.

Na República Tcheca, as empresas que operam na economia de plataformas


criaram a Associação Tcheca de Economia Compartilhada (Česká asociace sdílené
ekonomiky, ČASE) com o fim de negociar com as autoridades condições de trabalho justas
para os negócios (Comissão Europeia, 2019).

Dessa forma, são possíveis de vislumbrar oportunidades de governança


compartilhada frente às mudanças impostas pela revolução digital.

221
“A plataforma, lançada na Conferência Global de Trabalhadores Digitais, também inclui o
RidersxDerechos, um grupo organizado de distribuidores de empresas como Glovo ou Deliveroo, Collectif
des Livreurs Autônomos de Paris (CLAP), Mobile Workers Alliance (MWA) ou a União Internacional dos
Empregados em Serviços da América do Norte (SEIU), que tem mais de 90.000 membros e defende os
direitos trabalhistas de motoristas e motociclistas nos Estados Unidos e no Canadá”. Disponível em
https://midianinja.org/news/nasce-um-novo-sindicato-global-contra-os-abusos-da-economia-nos-app/.
Acesso em 10 Jul. 2020.
146
12 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O final do século passado e o início deste vivenciou um crescimento


exponencial da tecnologia da informação que repercutiu diretamente nas relações laborais,
enfrentando os operadores do Direito desafios em relação ao enquadramento dessas novas
formas de organização.

Se, por um lado, o trabalhador passou a ter relativa autonomia na prestação do


seu trabalho, por outro lado, esta liberdade foi restringida pelo próprio sistema, baseado em
programas algorítmicos.

A concepção tradicional de subordinação tornou-se ultrapassada, aquecendo o


campo jurídico.

À medida que a organização da força de trabalho vem se modificando, urge à


esfera jurídica se adaptar às novas formas apresentadas. Tornou-se insuficiente e
suplantada a visão tradicional de subordinação para o enquadramento de uma relação de
emprego, agora mais fluida e dinâmica.

Na era de trabalhos realizados via plataformas digitais, a existência de uma


autêntica autonomia laboral não se estima simplesmente na gestão pessoal do tempo
efetivo de trabalho, mas pelo grau de independência para acordar as regras do negócio,
para acessar livre e cognitivamente os bancos de dados do sistema, para participar dos
frutos da atividade.

Embora ainda embrionários e divergentes os estudos, já se tem verificado, na


busca pela conservação dos direitos fundamentais desses trabalhadores, a adoção de
interpretação mais abrangente do conceito de subordinação jurídica (sob a ótica objetiva de
inserção do trabalhador na atividade empresarial explorada), a aplicação de métodos
casuístivos e indiciários que transpassam o nomen iures contratual em prol da hiper-
realidade, a qualificação de trabalhadores como uma categoria intermediária (workers), e a

147
preocupação com a superveniente regulamentação legislativa (a exemplo dos Estados
Unidos, Portugal e Espanha).

Chama-se a atenção para duas decisões paradigmas que afastaram da condição


de autônomos os motoristas de aplicativos, proferidas pelas Cortes Supremas do Reino
Unido (19.02.2021) e da Espanha (25.09.2020), cujas fundamentações integraram tanto as
respectivas doutrinas quanto jurisprudência.

Inclusive, do acórdão da Suprema Corte espanhola se originou a concertação


social entre os interlocutores de organizações sociais e o Governo. Como resultado,
publicou-se o Decreto-lei Real 9/2021 que incluiu no Estatuto espanhol disposições que
garantem o direito à informação dos parâmetros algorítmicos que influenciam na relação
de trabalho, bem como a presunção de subordinação do trabalho em plataformas quando a
empresa exerce poderes de organização, direção e controle pela gestão algorítmica de
serviço ou condições de trabalho.

Como visto, apesar de não haver consenso ente os operadores do Direito


quanto à qualificação jurídica dos trabalhadores, fato é que o Direito do Trabalho tem sido
manejado como instrumento de controle civilizatório e não como ferramenta de
solidificação de desigualdades e exclusões na vida social e econômica.

Nesse sentido, insta cotejar os direitos sociais de segunda dimensão dos


direitos humanos, como trabalho digno e renda, com os da quinta dimensão, relacionados
aos avanços da cibernética e da informática na uberização.

As ideias de uma renda mínima de sustento ou delimitação do poder de gestão


da empresa também parecem ser interessantes para fazer frente ao modelo contemporâneo
de flexicurity, em que se vê a susbtituição da proteção dos trabalhadores "no emprego" pela
proteção "no mercado”.

Assim, o aparecimento de novas formas de trabalho, como a uberização, deve


se enquadrar na importância e dinâmica dos direitos humanos no mundo contemporâneo,

148
inserido no sistema de direitos que possibilitam uma vida digna para o indivíduo em uma
sociedade de equilíbrio.

Também foi possível observar com mais clareza sobre como os trabalhadores
da plataforma têm se organizado coletivamente, estabelecendo associações e concluindo,
até mesmo, acordos coletivos com as plataformas em relação, ao menos, às suas condições
de trabalho e proteção social.

Se é verdade que a revolução tecnológica impulsiona valor e eficiência na


produção e no comércio, também o é que padrões de qualidade, prudência e segurança
devem ser garantidos, da mesma forma que assegurados valores como privacidade e
proteção de dados da nova classe dos trabalhadores da 4ª Revolução Industrial.

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