história
da arte i
Juliana de S. Silva Almonfrey
Universidade Federal do Espírito Santo Artes Visuais Iniciar
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da arte i
Juliana de S. Silva Almonfrey
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sumário
Apresentação p.5
A arte na Antiguidade p.7
Grécia, Egito, Mesopotâmia e Roma
A arte Cristã p.29
Início do cristianismo
Império Bizantino
Ocidente Medieval
Lista de figuras p.61
rEFERÊNCIAS p.66
sobre a autora p.66
Caro leitor,
Esse livro foi elaborado a partir de uma seleção de imagens que
estão relacionadas aos tópicos do conteúdo da disciplina História da
Arte I. Na primeira parte, apresentamos imagens da Arte da Antigui-
dade grega, romana, egípcia e mesopotâmica. Em seguida, abordamos
a Arte Cristã, realizada no início do cristianismo, no Império Bizan-
tino e no Ocidente Medieval. Nesse material, a apresentação e a abor-
dagem das imagens não segue, necessariamente, um fluxo temporal
linear. Buscou-se situá-las de maneira dialógica, permitindo que
“conversem” entre si. Assim, são realizadas análises, comparações,
aproximações e reflexões entre as imagens da arte de civilizações
localizadas em tempos e contextos diversos. O livro também funcio-
na como uma coletânea de imagens digitais, com a possibilidade de
serem utilizadas como material didático para as aulas de arte, nos
espaços formais e não formais de ensino.
Uma ótima leitura!
A arte na Antiguidade
Grécia, Egito, Mesopotâmia e Roma
Vamos dar início com uma imagem da Arte Grega: o Discóbolo (figu-
ra 1). Trata-se de uma das cópias em mármore da obra original realizada
em bronze. A palavra cópia pode gerar um incômodo inicial, mas vale
dizer que, era costume entre os romanos, reproduzir esculturas gregas
originais feitas em bronze, das quais não restaram muitos exemplares.
Assim, boa parte do conjunto denominado de esculturas gregas que
permaneceu até os dias atuais é composta por réplicas romanas.
Cópias ou originais essas esculturas são tradicionalmente encaradas
como um exemplo de beleza ideal. Ainda é comum ouvir a expressão
“fulano é como um deus grego”, fazendo referência a uma beleza su-
perior. O aspecto límpido do mármore e sua textura, parecem reforçar
sua beleza. Mas, surpreende o fato de que muitas esculturas originais
eram pintadas com cores como o vermelho, o azul e o amarelo, espe-
cialmente, aquelas integradas aos espaços arquitetônicos.
Além da policromia das estátuas e das paredes dos templos, outro
fato é que na Grécia Antiga, a escultura em bronze era algo bastante
usual. Um exemplo delas é o Jovem de Anticitera (figura 2), que apre-
senta uma vivacidade intrigante. Reparem o olhar fixo e concentrado
do jovem. Seus olhos parecem vivos, efeito dado pela incrustação de
pedras coloridas. Temário comum para os gregos, figuras nuas e atlé-
ticas (como se nota no Jovem de Anticitera) eram representadas com
Figura 1
seus corpos bem proporcionados e simétricos, aspectos relevantes Discóbolo, c. 540 a.C. Cópia romana em mármore da original em bronze de Myron.
Altura: 155 cm.
para a construção da noção do belo na Grécia antiga.
História da Arte I Capítulo 1 | 8
estudos de antropometria, o sistema de proporções do ser humano
com pretensão de capturar a beleza, que era alcançada nas proporções
harmoniosas entre as partes do corpo.
Apesar de conhecerem sistemas e regras para as medidas corporais
que poderiam ser reproduzidos, a observação visual era algo relevante
para a prática artística e nesse processo levava-se em conta, como
aponta Panofsky:
[…] a flexibilidade orgânica do corpo a ser representado, a diversi-
dade de perspectivações que se apresentam ao olho do artista, e,
mesmo, as circunstâncias particulares sob as quais a obra acabada
poderá ser vista. Nem é preciso dizer que tudo isso submete o sis-
tema canônico de medidas a inumeráveis alterações quando é posto
Figura 2 Figura 3
Jovem de Anticitera, cerca 340 a.C. Cópia de Pompéia do tipo Doríforo, em prática. (1979, p. 108)
Bronze, altura 194 cm. cerca 440 a.C. Mármore, altura 2,12 m.
Em muitos casos, a escultura grega adota a pose do contraposto A estrutura física dos atletas servia de modelo para escultores. Como
ou contrapeso, o que pode ser observado nessa obra. Trata-se de uma se sabe, a prática de exercícios entre os gregos era algo comum, espe-
postura em que uma das pernas é apoiada na superfície enquanto a cialmente durante os eventos dos jogos olímpicos e muitas peças es-
outra, mais solta, está levemente dobrada, o que gera uma sensação cultóricas reproduzem os movimentos corporais e o porte dos atletas. A
sutil de movimento natural. Outro exemplo dessa postura encontra- peça denominada de Discóbolo exibe a tensão dos músculos na torção
se na obra Doríforo ou “portador de lança” (figura 3), cópia encontrada do tronco e a amplitude dos membros do atleta ao lançar o disco. Apesar
na cidade de Pompéia feita a partir de um original em bronze perdi- do efeito de mobilidade corporal e a representação das tensões mus-
do. Supostamente, representaria o “Cânone” de Policleto. Segundo culares por ele geradas, o rosto do jovem apresenta-se sereno e calmo,
o historiador Plínio (23–79 d.C.) o escultor grego da cidade de Argos, contrastando com o alcance do movimento do ato atlético.
“fez uma estátua que os artistas chamaram de o Cânone e da qual A obra foi de autoria do escultor Myron, que viveu em uma época
derivam as formas básicas de sua arte, como se fosse uma espécie de áurea da Arte Grega, conhecida como Período Clássico. Nesse mo-
lei” (Plínio, História Natural, 34.55). O artista também havia escrito um mento, a cidade de Atenas passava por uma série de ações coman-
tratado, o qual intitulou de o Cânone. Nele demonstrava, por meio de dadas pelo governo de Péricles (cerca 495–429 a.C.). Uma delas foi a
História da Arte I Capítulo 1 | 9
reconstrução dos edifícios situados na Acrópole, nome dado a um No alto da acrópole de Atenas estão situadas as ruínas do Partenon.
elevado rochedo situado em Atenas e centro das atividades religio- O culto à deusa Atena, padroeira da cidade, já era realizado num anti-
sas da cidade. Ali, estavam concentrados edifícios sagrados, os quais go templo situado no monte, antes mesmo da era de Péricles, mas que
passaram a ser reconstruídos após um conturbado período de guerra fora destruído depois de um período conflituoso com os medo-persas.
contra os persas. Vivenciando um período de prosperidade e poder, Com a recuperação e a reconstrução dos edifícios religiosos da Acró-
Péricles executou um programa para transformar não só os edifícios pole, um novo templo dedicado à deusa foi construído. O Partenon,
religiosos, mas também toda a cidade, em exemplares de um tempo atualmente, encontra-se bastante danificado como observamos na
áureo. Para ele, Atenas se consagraria como um modelo para outras ci- imagem (figura 4).
dades de seu tempo, como contou seu biógrafo Plutarco (50–120 d.C.).
Segundo este, as obras de Péricles causaram um impacto que foi além
de sua própria geração. Chamando-as de belas, perfeitas e atemporais,
Plutarco ressaltava uma espécie frescor nos edifícios, mencionando
que eram como se não tivessem sido tocados pela passagem do tempo
(PLUTARCO apud FULLERTON, 2002, p. 18).
A fase vivida por Péricles e a consequente consagração da pólis
(cidade) democrática de Atenas é associada ao que os historiadores
chamam de Período Clássico1. Tradicionalmente, o termo clássico está
relacionado à ideia de culminância de desenvolvimento de algo e sua
capacidade de suplantar as circunstâncias temporais. A menção de
Plutarco sobre os resultados do período do governo de Péricles já de-
mons trava essa noção. Para o biógrafo de Péricles, como uma espécie
de apogeu arquitetônico, seus edifícios representavam uma maturi- Figura 4
O Partenon, Acrópole, Atenas. 447–432 a.C.
dade absoluta, e se perpetuaram ao longo do tempo como exemplares
de um estado de perfeição, tornando-se um padrão ou norma para ser Por meio de projeções e também do que sobrou das ruínas do Par-
seguido pelos demais. tenon, podem-se identificar alguns detalhes que nos revelam o estilo
adotado para sua construção. Os gregos adotavam padrões que se torna-
1 O termo clássico pode ser utilizado de forma mais ampla e genérica para referir-se à cultura vam regras para suas construções, como por exemplo, a da ordenação
greco-romana. Já no sentido estrito, refere-se ao período da civilização grega que vai de 480 a
323 a.C. de elementos, conhecida como ordens arquitetônicas. A ordenação dos
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templos era dividida em três partes fundamentais: a plataforma ou en- atribuição de autoria era algo comum entre os artistas gregos. E apesar
vasamento (elemento de base), as colunas (elementos de sustentação) e desses escultores aderirem às regras mais gerais, o que era fundamen-
o entablamento (elemento de arremate). Difundidas em três estilos — tal para se alcançar o padrão da beleza estética em vigor, nota-se que a
dórico, jônico e coríntio — as ordens arquitetônicas foram amplamente individualidade do artista, ou seja, sua destreza e habilidade pessoal,
utilizadas nos edifícios religiosos em toda Grécia Antiga. além dos toques particulares que davam a suas peças, não deixavam
O Partenon seguia a ordem dórica, considerada a menos rebuscada, de ser considerados.
no qual se observa grossas colunas com caneluras e sem base, um Um exemplo dessas particularidades ocorreu nas obras de Fídias.
capitel (“cabeça” da coluna) simplificado e sem adornos. No entabla- Como foi dito anteriormente, acredita-se que esse escultor tenha sido
mento, formado por elementos como a arquitrave e o friso (local para encarregado de elaborar o repertório de imagens relacionado à vida da
decoração), havia também o frontão, de formato triangular e desti- deusa Atena na fachada do Partenon. No frontão do edifício, Fídias e
nado à colocação de esculturas. Assim como se observa no Partenon, sua oficina realizaram figuras com poses variadas e que se adaptaram
muitos templos eram feitos de pedra e possuíam sua estrutura ge- perfeitamente à sua estrutura triangular. Nestas obras, a delicadeza e
ral no formato retangular. Esta base era composta pela cella ou naos o refinamento das dobras dos tecidos chamam atenção: surgem com o
(câmara interior do templo), e era contornada por uma colunata ou aspecto menos pesado e volumoso se comparadas às outras peças da
peristilo (sequência de colunas). Uma escadaria percorria todos os estatuária grega. Nota-se no conjunto das Três divindades femininas
lados do edifício e um pórtico recepcionava os fiéis na fachada prin- — Hestia, Dione e Afrodite — (figura 5) que o panejamento recai sobre
cipal. Encontra-se também templos com formato circular, chamados os corpos de modo leve e natural, e os efeitos de transparência nos
de tholos, nos quais também se empregavam as ordens arquitetônicas. dão a sensação de que as vestes estão coladas aos corpos das deusas.
Para a decoração do edifício principal da Acrópole, o Partenon, foi É importante saber que, a noção de arte e de artista para os gregos não
utilizado o temário relacionada à deusa Atena Partenos (virgem), para é a mesma da acepção atual desses termos. Para eles, fazer escultura
a qual o templo era dedicado. Segundo a mitologia, Atena venceu a ou pintura estava mais associado à nossa noção de técnica do que de
disputa com o deus Poseidon. Tornou-se, por este motivo, padroeira arte. Ou seja, a techne grega se configurava como “[…] todos os pro-
da cidade. Como forma de honrar e celebrar a deusa, o conjunto es- cessos que, mediante o emprego de meios adequados, permitem-nos
cultórico do edifício foi realizado, enfatizando seu caráter guerreiro fazer bem uma determinada coisa.” (NUNES, 2001, p. 20). Era sinônimo
e imponente. O ápice da composição escultórica da fachada oriental de qualquer trabalho produtivo que dependesse da destreza, habili-
é o nascimento de Atena da cabeça de Zeus. dade técnica e grau conhecimento. Nesse sentido, o vocábulo grego
As peças escultóricas do Partenon são de autoria de Fídias, o techne era empregado de maneira genérica, tanto para produções em
que deu fama ao escultor ao longo dos séculos. Isso mostra que a
História da Arte I Capítulo 1 | 11
escultura e pintura, quanto para produção de objetos úteis, realizados suas regras e processos. O filósofo Aristóteles, por exemplo, entendia
por marceneiros, sapateiros, ourives, oleiros, etc. que era “[...] a imitação (mimese) da realidade natural e humana, a
essência comum das artes.” (NUNES, 2001, p. 21). Dentro desse pensa-
mento, pode-se dizer que filosofia da Antiguidade Clássica, adotou o
princípio da imitação para definir a natureza da arte.
Para os gregos, belo é aquilo que deleita e agrada aos sentidos, es-
pecialmente o olhar e a audição. Mas a beleza não é expressa somente
por meio da aparência. Em relação ao corpo humano, por exemplo,
além da beleza da aparência exterior, as qualidades da alma também
a expressariam. Nesse sentido,
[…] o verdadeiro prazer estético, para os filósofos gregos que se
ocuparam do Belo, é inseparável da medida e da contenção, virtudes
Figura 5
impostas pelas faculdades superiores da alma. No Belo estético há,
Três divindades femininas. Mármore; 123 x 233 cm
pois, uma antecipação das qualidades morais que o homem deverá
Observa-se, no Período Clássico, uma crescente busca pelo aprimo- possuir e expressar em seus atos (NUNES, 2001, p. 18).
ramento da arte figurativa: o estudo da forma humana caminha do
naturalismo às formas mais idealizadas — especialmente entre os es- Para entendermos melhor, é preciso saber que havia três acepções
cultores, aprimoram-se os estudos sobre o corpo, sua estrutura anatô- de beleza para os gregos: belo estético (forma exterior); belo moral
mica e suas medidas. O Cânone (de Policleto), por exemplo, foi criado (expressão do bem, das virtudes do homem na sociedade) e belo espi-
com o intuito de representar a figura humana ideal. Como nos aponta ritual (conhecimento, filosofia — nível mais alto). Para eles, ao dizer
Ernst Gombrich: “Não existe um corpo humano que seja tão simétrico, que um corpo masculino é belo, entende-se que sua beleza advém de
tão bem construído e belo quanto o das estátuas gregas” (2009, p. 103). aspectos estéticos, mas também é consequência das suas atividades
Buscava-se, portanto, representação de formas ideais do corpo, cívicas (bom cidadão, bom atleta, bom guerreiro, bom político, etc.).
que se fazia perfeito na harmonia das partes entre si e com relação ao Ou seja, o louvor à beleza não estava desprendido da condição do
todo. Além disso, a ordem, a proporção e a simetria estavam entre as cidadão da pólis.
exigências do belo estético, considerado como aquilo que agrada aos Essa noção deriva das ideias do Belo e do Bem, que foram uni-
sentidos. A arte visava também parecer-se com a natureza, imitando das por Sócrates e Platão, tornando-se “[…] união essencial, teórica e
História da Arte I Capítulo 1 | 12
prática que o pensamento filosófico transformou em ideal pedagógico” filhos de ferozes serpentes. Nessa cópia romana dos tempos helenís-
(NUNES, 2001, p. 18). A noção de kalokagathia (belo e bom) tornou-se o ticos, vemos que o autor realiza corpos heroicos, gigantes e dentro
ideal pedagógico da sociedade grega do século V. a.C. Platão, por exem- de uma estreita correspondência entre o corpo tensionado e os sen-
plo, determinou que os jovens de sua república praticassem exercícios timentos que permeiam os personagens. Segundo a obra Eneida, de
ginásticos, para terem o físico bem delineado (beleza estética), e culti- Virgílio, os deuses enviaram serpentes para calar a voz de Laocoonte
vassem, em contato com as artes musicais ou das musas, a harmoniosa e seus filhos, que foram avisados por Apolo a respeito da cilada do
conformação da alma, que é a beleza moral (NUNES, 2001, p.19). Cavalo de Tróia armada pelos gregos para vencer os troianos.
Pode-se dizer que a Arte Grega se configurava em princípios nor-
mativos e canônicos, mas também havia abertura para variações das
medidas corporais como resultados de seu movimento orgânico. Em
alguns casos, havia a necessidade de corrigir, por meio de ajustamen-
tos ou refinamentos visuais, a impressões ópticas do observador, ou
seja, algumas partes da escultura sofriam desajustes em suas dimen-
sões, como alongamentos ou encurtamentos de partes do corpo, de
modo a se apresentarem “corretas” em determinado ponto de vista,
alcançando-se assim a perfeição visual do todo.
Percebe-se que as esculturas realizadas no auge do classicismo
grego dirigiram-se para formas mais idealizadas e conceituais. Obser-
vamos nos deuses e nos homens, feições mais uniformes e caracteri-
zadas por expressões faciais serenas e contidas, o que pode ser reflexo
do idealismo do pensamento socrático e platônico que os escultores
capturaram. O próprio Discóbolo, de Myron, mostra essa tendência,
apresentando falta de correspondência entre a tensão da anatomia
muscular provocada pelo movimento de lançar o disco e sua feição
expressa de modo sereno, reflexo de uma alma virtuosa e moderada.
Contrariando essa tendência, a expressão do pathos (paixões, sen- Figura 6
timentos) se vê na obra Laocoonte e seus filhos (figura 6), que traz Laocoonte e seus filhos. Provavelmente do início da era
imperial romana (de Augusto a Júlio Cláudio), do século I a.C.
a cena da agonia do sacerdote de Apolo que tenta desvencilhar seus ao século I d.C. Museu Vaticano, Roma.
História da Arte I Capítulo 1 | 13
Observa-se que as expressões de dor e de sofrimento, como vistas Estudiosos acreditam que a abertura às cenas de gênero e todo
na obra acima, passaram a ser abordados com mais frequência nas apelo ao humor, ao erotismo e a expressão do pathos nas peças he-
esculturas do clássico tardio, reforçando uma tendência ao realismo lenísticas, estão relacionadas ao anseio de suprir encomendas para
que se intensificará ainda mais na arte helenística. Surgem esculturas gostos individuais e que buscavam novidades numa sociedade cada
com corpos exagerados e feições expressivas de forte apelo emocional vez mais heterogênea, se comparada aos habitantes que viviam na
e são explorados efeitos dramáticos nas composições. pólis clássica. Na arte do retrato, por exemplo, escultores se empe-
O período denominado clássico tardio ou final foi marcado pela nhavam na busca pela verossimilhança, em que a peça escultórica
tomada das cidades-estados gregas pelo imperador Alexandre Mag- não esconde as marcas de um corpo decaído, contrastando com as
no, da Macedônia. Alexandre era um grande admirador da cultura formas de retratos mais idealizadas do período clássico.
helênica, foi doutrinado na filosofia grega e encomendava peças a
Lisipo, que se tornou seu escultor palaciano. Alexandre também foi
o difusor da civilização grega para outros reinos conquistados nas
regiões da Ásia Menor, Egito, Mesopotâmia e parte da Índia. Nesses
locais, foram fundados os impérios helenísticos como Alexandria,
Pérgamo e Antioquia, cidades que foram tomando forma e aderindo
aos aspectos da arte, da arquitetura e dos costumes gregos. O período
helenístico, como é chamado a fase que vai de 323 a 30 a.C., corres-
ponde, portanto, a um processo de expansão da Arte Grega nos reinos
conquistados por Alexandre. Nesse contexto, os mais ricos passaram
a encomendar cópias de obras clássicas famosas, como também a
pagar altos preços pelas originais.
Nesse momento, além das esculturas, outrora tão comuns nos
santuários, as peças passaram também a ocupar e a decorar as pro-
priedades privadas, agradando ao gosto da aristocracia. Além da es-
cultura de grande porte, observa-se que as cenas de gênero passam
a ser bastante comuns entre os colecionadores, que encomendavam
pequenas estátuas cujo leque de temas era amplo: mitologia, idosos, Figura 7
Boxeador, século I a.C. Bronze, altura 120 cm.
mendigos, bêbados, jovens, crianças, cenas do cotidiano, etc.
História da Arte I Capítulo 1 | 14
A obra o Boxeador (figura 7) é um dos exemplos da busca pelo rea- Fato é que a palavra Kouros é um termo geral utilizado para nomear a
lismo no período helenístico. Sua postura é despojada e espontânea, figura escultórica de um jovem masculino, comumente apresentada
o olhar está abatido, parece perdido. O corpo encurvado do lutador nua, em pé e com os cabelos compridos e frisados. Muitas delas apre-
parece tomado pela exaustão. Em busca de efeitos ainda mais vivos, sentavam uma leve impressão de sorriso. É um sorrir sutil, de aspec-
o escultor fez incrustações de cobre na face do material, criando uma to calmo e doce que é comumente chamado de sorriso arcaico. A fi-
ilusão de pele do atleta que ainda sangra como estivesse acabado de gura do Kouros apresenta também os braços paralelos ao corpo e uma
sair da violenta luta. de suas pernas lança-se à frente, dando o efeito de caminhar, mas
ainda sem a soltura das poses do corpo e os efeitos naturais das pos-
Retornando no tempo, obser- turas em contraposto que foram aplicados, posteriormente, pelos
va-se agora a imagem de um Kou- escultores no período clássico.
ros (figura 8) realizado no Período Por muito tempo, a imagem do Kouros seguiu esses aspectos sem
Arcaico (cerca de 700 a 480 a.C), muitas variações e tinha como versão feminina a figura chamada de
fase da Arte Grega que antecede o Koré (mulher jovem), que seguia algumas de suas características como
Período Clássico. Se neste último, a postura ereta e a impressão de sorriso. Porém, as jovens aparecem
os estudos a respeito da anatomia ornadas por joias e cobertas com vestimentas. É também comum ver-
humana, a observação de suas mos o tipo Koré com os braços estendidos como se estivesse seguran-
medidas e de sua estrutura se do um fruto ou broto na mão.
tornaram elaborados, podemos Historiadores perceberam que no século VI a.C., nos cemitérios
observar que as esculturas arcai- gregos, começaram a colocar estátuas e relevos escultóricos feitos de
cas já mostravam uma tendência pedra, nos locais das lápides de cerâmica. Os tipos encontrados eram
ao naturalismo. essas figuras femininas e masculinas que se apresentavam dentro
Na base da peça em questão de características genéricas, impessoais e convencionais, de modo
estava inscrita a seguinte frase: que os historiadores acreditam que não fossem retratos, mas objetos
Figura 8
Kouros de Anavissos (Ática), cerca 530 “Parem e lamentem diante da lá- votivos, ou seja, peças deixadas nas tumbas em oferenda aos deuses.
a.C. Mármore, altura 194 cm.
pide do falecido Creso, a quem o Além disso, registros evidenciam que homens dedicavam imagens de
violento Ares matou quando ele lutava nas fileiras da frente” (FULLER- Korai (plural de Koré) às deusas, o que nos mostra a impossibilidade
TON, 2002, p. 54). Tal inscrição sinaliza que a obra poderia estar rela- da equivalência entre a peça votiva e a pessoa que a dedicou.
cionada a um ato funerário. Seria o retrato do falecido, ou de um deus?
História da Arte I Capítulo 1 | 15
Nota-se que alguns aspectos do contrapartida, são inúmeros os exemplares do tipo do Kouros e da Koré
tipo do Kouros e da Koré apresen- que chegaram até aos nossos dias com suas partes quebradas. Vale
tam semelhanças em relação à lembrar que, para os egípcios, era importante que a escultura-retrato
escultura egípcia, como a fronta- repousasse em uma base sólida e estável, de modo a torná-la dura-
lidade postural e a pouca mobili- doura por toda a eternidade, reflexo da vinculação da escultura aos
dade dos corpos. Observando princípios religiosos dessa civilização. Desse modo, a figura esculpida
com mais calma algumas peças tinha a função de preservar a imagem do falecido. Para esse povo, um
egípcias, podemos imaginar que dos sentidos relacionados ao termo escultor era “aquele que mantém
o Kouros poderia derivar de seus vivo” (GOMBRICH, 2009, p. 58), ou seja, a função mágica das escultu-
modelos, isso indica que a tradi- ras tumulares colaboraria para manter o espírito vivo no além ao se
ção milenar desta civilização reconhecer na imagem representada. Havia também o costume de
configurou formas escultóricas colocar em túmulos esculturas de pequeno porte, como as miniaturas
dentro de um esquema de con- de servos que, juntamente com demais objetos e alimentos, estariam
Figura 9 Tríade de Miquerinos . Xisto
venções e regras e sua arte parece a serviço do espírito do falecido.
cinza-verde; altura 92,5 cm, largura
46,5 cm não ter passado despercebida por A respeito do aspecto da “intenção artística” (kunstwollen) que per-
outros povos. A Tríade de Miquerinos (figura 9), por exemplo, traz meava a produção da estatuária egípcia e sua estreita relação com
características da escultura egípcia como a tendência de ressaltar al- princípios normativos religiosos, Panofsky resume:
guns traços individuais e expressar a imponência dos deuses e faraós,
além disso estava submetida a esquemas convencionais, como a cha- De fato, sabemos que a estátua tumular egípcia não era feita com
mada Lei da Frontalidade. Na peça, o faraó está ao centro imponente: o intuito de simular uma vida própria mas de servir como subs-
nota-se que está de frente e sua postura é ereta, indicando a posição trato material para outra vida, a vida do espírito “Kã”. Para os
de caminhar, porém o aspecto geral do conjunto escultórico apresen- gregos, a efígie plástica comemora um ser humano que viveu;
ta pouca mobilidade. Como se nota, os braços das figuras humanas para os egípcios, é um corpo que espera para ser reanimado. Para
estão juntos ao corpo. os gregos, a obra de arte existe numa esfera de idealidade esté-
A tríade tem seu aspecto geral geometrizado e está presa ao blo- tica; para os egípcios, numa esfera de realidade mágica. Para os
co de pedra propositalmente, perpetuando a imagem do faraó e das primeiros, a meta do artista é a imitação […]; para os últimos,
demais figuras de modo intacto até os dias atuais. Apesar de espaça- a reconstrução. (1979, p. 98)
dos pelo tempo, a peça lembra muito as formas do Kouros grego. Em
História da Arte I Capítulo 1 | 16
Apesar dos princípios da arte arcaica grega ainda apresentarem si- dessa civilização. Povos que viviam nas regiões banhadas pelo mar
milaridades aos dos egípcios, observa-se na medida em que se avança egeu, como os minóicos que habitavam a ilha de Creta, já produziam
para o estilo clássico, há justamente a afirmação de preceitos que os peças decoradas com pinturas, cujo tema vegetalista e da vida mari-
egípcios consideravam como valores negativos para a representação nha pareciam ser seus preferidos.
da forma humana. Ou seja, para os gregos a escultura refletia o prin- A pintura em cerâmica produzida pelos gregos é classificada em
cípio da arte imitativa (mimética) na experiência visual, na pretensão diferentes estilos, desde o estilo geométrico com suas formas deco-
de capturar a beleza, enquanto os egípcios buscaram convencionar rativas abstratas e figuras esquemáticas, passando pelo estilo orien-
sua arte a um sistema fixo, a códigos estáticos e inflexíveis, como talizante, refletindo a absorção de motivos ornamentais comuns aos
veremos mais adiante na produção em pintura. povos do Egito e do Oriente, como espirais, volutas, rosetas. Ambos
Como foi dito, acredita-se que a figura do Kouros e da Koré não eram produzidos no período denominado Idade Média Helênica (cerca de
descrições caracterizadas de pessoas, ou seja, não eram retratos, mas 1000 a.C. a 700 a.C), esse último estilo conjugava os motivos em tra-
figuras votivas que seguiam tipos mais gerais e impessoais. Os por- ços curvilíneos com um esquema narrativo em que a figura humana
menores anatômicos aparentes nos Kouroi (plural de Kouros), como passa a ganhar um maior espaço na face da cerâmica. O foco nas nar-
os detalhes dos corpos dentro de porte atlético, em que são visíveis rativas em que o homem e sua vida, mitos e lendas tornam-se temas
os músculos do abdômen e dos membros, além da predominância centrais estabelece-se como uma tendência e pode ser visto no estilo
do sorriso arcaico na grande maioria das peças, mostram que a Arte subsequente chamado de estilo de figuras negras.
Grega, desde o princípio, já estava voltada para definições de figuras
ideais, chegando a um aprofundamento ainda maior, como por exem-
plo, na proposta do Cânone, de Policleto.
Ainda em relação a Arte Arcaica, esta também irá desenvolver um
estilo de pintura em cerâmica chamada de figuras negras. Vale ressal-
tar que os gregos eram tradicionalmente especialistas na confecção
de peças em cerâmica e um grande número de oleiros fornecia à po-
pulação das cidades-estados gregas essas mercadorias para diversos
usos: taças para beber, vasos para líquidos, urnas funerárias, recipien-
tes de armazenamento, ânforas e etc., que eram decorados com temas
Figura 10
relacionados à vida diária e às cenas mitológicas de deuses e heróis.
Exéquias. Kýlix com figuras-negras, cerca 540–530 a.C. Altura 13,6 cm, diâmetro
A tradição de produzir objetos em cerâmica remonta aos primórdios 30,5 cm.
História da Arte I Capítulo 1 | 17
Um dos seus exemplares pode ser visto no interior de uma taça profundidade, que permearam o estilo de figura vermelhas, poderão
para beber (Kýlix), de autoria de Exéquias (figura 10), que traz a figura ser vistos no estilo que o sucede, ou seja, a pintura em Campo Branco.
do deus Dionísio repousando num barco após vingar-se de piratas que Percebe-se que há uma crescente busca pelos pintores da cerâmica
o raptaram. Segundo a lenda, o deus fez brotar uvas e jorrar vinho grega por formas e posturas mais naturais. Já na pintura egípcia um
do mastro da embarcação atemorizando os tripulantes, que ao lan- sistema de convenções regrou aspectos específicos para a represen-
çarem-se no mar foram transformados em golfinhos. A técnica das tação da figura humana e sua pintura será fundada em esquemas que
figuras negras consistia em pinturas das silhuetas das figuras sobre a fugiam à lógica da representação das imagens gregas. Nesse fragmen-
face de barro, cujos detalhes podiam ser feitos com riscos de estilete to de uma pintura mural tumular chamada Nebamum caçando no
sobre a tinta. Certas áreas podiam ser pintadas com cores, como por pântano (figura 12), ao centro está o nobre egípcio que foi representa-
exemplo, na vela da embarcação da taça de Exéquias em que se nota do com o tronco de frente, os membros e o rosto de perfil. Em sua face,
a aplicação da cor branca. o olho foi pintado como visto de frente. A representação das figuras
humanas dentro desse esquema está inserida no que os estudiosos
Observa-se que o estilo de figuras ne- chamam de Lei das visões principais.
gras demonstra uma predileção pela or-
ganização das figuras nas narrativas de
perfil, aspecto este superado pelo estilo
posterior chamado de figuras vermelhas,
em que as figuras aparecem desenhadas
pelo pincel na superfície ocre avermelha-
da da cerâmica, abrindo espaço para deli-
cados pormenores, como linhas que for-
Figura 11
Pintor de Aquiles. Ânfora com
mam o modelado e as padronagens das
Aquiles, cerca 440 a.C. Altura, vestimentas. Figuras de frente, de lado,
62 cm.
sobreposições de membros, e efeitos de
profundidade espacial ganham cada vez mais espaço, como na Ânfo-
ra com Aquiles (figura 11), em que o herói homérico, posicionado em
contraposto, apresenta seu pé escorçado. A quebra da artificialidade Figura 12
Fragmento de uma pintura mural tumular com Nebamum caçando no
das figuras negras, a forte tendência ao naturalismo e aos efeitos de pântano. Pintura mural; altura 83 cm, largura 98 cm.
História da Arte I Capítulo 1 | 18
A adoção de uma espécie de método e modo para representar as fi- ilusão de texturas e um colorismo repleto de nuances são alcançados,
guras foi perpetuada por um longo tempo por essa civilização milenar como se vê próximo ao barco de Nebamum no ágil gato capturando
como regra para sua pintura, fruto da arte a serviço de uma religião um bando de pássaros que alçou voo de uma moita de papiro. Tais
conservadora e tradicionalista. Assim como a escultura, a pintura aspectos mostram que a Arte Egípcia não abandona por completo
deveria servir aos espíritos dos mortos, dando-lhes uma visão perma- suas leis, mas nota-se que com o passar do tempo, combina a tradição
nente dos elementos de sua vida terrena. Desse modo, para os pintores deixada pelas gerações anteriores com uma maior liberdade formal
egípcios a razão para conciliar partes do corpo em diferentes ângulos, em suas representações.
supriria a necessidade de mostrar as imagens de modo descritivo e
com a maior clareza possível, em que as partes eram representadas
em seu ângulo mais característico. Desse modo, os movimentos das
figuras parecem mais mecânicos do que orgânicos, ou seja, ações cor-
riqueiras como andar ou golpear eram representadas por alterações
estereotipadas de posição e não pela mudança da disposição anatô-
mica (PANOFSKY, 1979, p. 97).
Na Estela dedicada por Ptolomeu V ao touro Buchis (figura 13),
na qual ainda se conservam os vestígios da policromia original do
baixo-relevo, a figura do Ptolomeu presta honras ao animal sagrado
cultuado no Egito da Trigésima Dinastia até a época da dominação
romana. A rigidez postural, fruto do convencionalismo artístico, sus-
cita respeito e temor ao soberano e parece também reforçar o cará-
ter solene do rito religioso vivido na corte. Observa-se nessa peça, o
emprego do mesmo formalismo convencional nas figuras humanas,
como é visto na pintura Nebamum caçando no pântano.
Vale ressaltar que, na pintura de Nebamum, o código de represen-
tação empregado nas figuras humanas contrasta com formas mais
realistas dos animais representados. Observa-se que plantas e os
Figura 13
bichos são construídos de modo detalhista, em movimentos mais Estela dedicada por Ptolomeu V ao touro Buchis. Calcário
livres, sobreposições e efeitos de volume e profundidade espacial. A pintado e dourado; altura 72 cm; largura 50 cm.
História da Arte I Capítulo 1 | 19
As pinturas e os baixos-relevos eram aplicados em templos e tú- quadrangular. Em seu subsolo ficava o sepulcro. Já na parte superior,
mulos e a respeito da construção desses últimos, pode-se dizer que localizavam-se uma espécie de capela e uma pequena sala destinada à
os egípcios alcançaram efeitos e dimensões que nos impressionam, escultura do morto. A sobreposição de mastabas acabou originando as
reflexo de seu modo de vida e crença na vida após a morte. Para esse primeiras pirâmides escalonadas, ou seja, em degraus. A mais conhe-
povo, era importante a preservação dos corpos dos falecidos, pois cida é a chamada pirâmide de Zozer, elaborada na Terceira Dinastia, o
criam que assim sua parte imaterial continuaria a viver em uma outra que seria o primeiro passo para a construção das grandes pirâmides
dimensão de vida. Para isso, embalsamavam seus corpos. A múmia, triangulares com as faces lisas.
então, ficava conservada em túmulos que também abrigavam obje-
tos úteis e pessoais, como vasos decorados, alimentos, estatuetas, o
próprio retrato esculpido do morto, além de pinturas e baixos-relevos
que traziam imagens de sua vida terrena.
As mais conhecidas pirâmides egípcias encontram-se na planície
de Gizé e datam do período da Quarta Dinastia. As pirâmides de Qué-
ops, Quéfren e Miquerinos (figura 14), nomes dos seus respectivos
faraós, têm um formato triangular e hoje podemos ver os blocos de
pedra que as constituem. No passado, a superfície desses grandiosos
túmulos era revestida com placas de pedras polidas, o que davam a
eles um acabamento liso à sua face. Imponentes, erguem-se em di-
reção aos céus, tornando-se também marcos para exaltação dos seus
reis considerados divinos. Ao contrário do que se pensa, era na parte
Figura 14
central dessas pirâmides e não no subsolo, que se localizava a câmara Pirâmides de Miquerinos (c.2470 a.C.), Quefren (c. 2500 a.C.) e Quéops (c. 2530
mortuária, local reservado ao sarcófago da múmia e seus pertences. a.C.), Gizé, Egito.
As três pirâmides estão localizadas em uma necrópole, uma espé-
cie de cidade mortuária e local para a celebração de ritos religiosos. Outras civilizações contemporâneas à egípcia se empenharam em
Nela havia templos funerários e outros edifícios, grandes escultu- realizar construções monumentais relacionados à manifestação de
ras, como as esfinges e as pirâmides menores. Um tipo de pirâmide suas crenças. Um desses exemplos pode ser visto na imagem do Zigu-
mais primitiva encontrada nas necrópoles são as mastabas, túmulos rate, do rei Urnammu (figura 15) — uma construção do povo chama-
particulares, feitas de tijolos ou pedras com um formato de aspecto do de sumério que habitava a região conhecida como Mesopotâmia.
História da Arte I Capítulo 1 | 20
Apesar do formato do edifício lembrar o aspecto geral das pirâmides tábuas de madeira que traziam a imagem do falecido. Essas placas
egípcias, diferentemente delas, esses locais não eram túmulos e sim eram fixadas sobre as múmias e remetem ao antigo costume egípcio
templos. Os Zigurates funcionavam como uma espécie de plataforma de colocar uma pintura do rosto sobre o corpo mumificado. A técnica
ou terraço e sobre essa montanha artificial feita de tijolos de barro para a pintura dessas imagens era a encáustica, em que se diluíam os
erguia-se o templo. O santuário, hoje já não mais existente, era aces- pigmentos na cera ainda quente. Mas o que chama a atenção nelas
sado por meio de longas escadarias. Para os sumérios, os templos é o grau de realismo apresentado, resultado da adoção do costume
eram locais centrais das cidades e ao redor deles aglomeravam-se romano de produzir retratos.
residências, oficinas, armazéns e outros edifícios. Observa-se que havia desigualdade em relação à qualidade des-
sas imagens. Vastamente produ-
zidos, muitos se apresentavam
com padrões de poses e ângulos,
além da acentuação repetitiva de
partes do rosto com realces de
jogos de luz e sombras. Já outros
demonstravam uma construção
mais elaborada e detalhada das
formas e conseguiam traduzir,
além dos traços fisionômicos, as-
pectos da psicologia do retratado.
Um dos exemplos dos chamados
“retratos de Faiyum” é o Retrato
de um homem para múmia (fi-
Figura 16
gura 16), em que se notam linhas Retrato de um homem para múmia.
Figura 15 Encaústica sobre madeira de cedro;
Zigurate do rei Urnammu, Ur. C. 2500 a.C. de expressão marcantes no rosto,
altura 40,1 cm, largura 21,5 cm.
transmitindo uma expressão aus-
Retornando a arte produzida no Egito Antigo, observa-se que tera e respeitável, além de uma vivacidade alcançada pela aplicação
quando da época da dominação romana sobre esse território, foram de efeitos luminosos de sombras trazendo volume as partes do rosto.
produzidas na região de Faiyum pinturas de retratos em pequenas Os retratos de Faiyum acabam mostrando que, sob o jugo do Império
História da Arte I Capítulo 1 | 21
Romano, a arte do Antigo Egito acabou se submetendo a alguns as- uma estátua grega, e confere à imagem de Augusto um ar heroico e
pectos da retratística romana. divino, ou seja, digno de ser reverenciado como um deus, assim como
Tradicionalmente, os romanos conservavam, em altares domés- os imperadores gostavam de ser considerados. Desse modo, nota-se
ticos, máscaras mortuárias de cera que reproduziam as feições de que apesar de traços fisionômicos existirem, no retrato de grandes
seus parentes falecidos, costume este abandonado com o passar do líderes e autoridades há a busca pelo enobrecimento do retratado. Isso
tempo e substituído pela feitura de bustos-retratos de pedra que mostra que os retratos romanos não eram somente a transcrição exa-
eram mais duráveis. Acredita-se que a fidelidade dessas máscaras ta dos modelos, mas havia a acentuação de características físicas que
mortuárias na representação da imagem do morto tenha sido ab- reforçavam um caráter conveniente à exibição de poder e de firmeza
sorvida no campo da escultura-retrato, que se configura de modo a do retratado.
representar fielmente os modelos. Acredita-se que o retrato romano teria como fonte a retratística
produzida pelos etruscos, povo antepassado dos romanos habitante
Os retratos de chefes políticos, da atual Toscana, na Itália. Exemplares de seus retratos demonstram
imperadores e generais eram exi- que os etruscos desenvolveram habilidades no trabalho com metal,
bidos em monumentos, praças de produzindo peças de esculturas em bronze, percebendo-se o interesse
fóruns e jardins de vilas e palá- e rigor técnico na busca pelo realismo das fisionomias. Outra fonte
cios numa espécie de exibição de importante para o desenvolvimento da estatuária romana é a escultura
poder, força e reverência. Desse grega. A relação com a arte grega se estreita ainda mais no período
modo, os retratos possuíam um helenístico, especialmente no círculo aristocrático republicano, e pos-
caráter propagandista que cola- teriormente na fase imperial. Era comum entre os mais ricos a disputa
borava para reforçar a grandeza por peças originais gregas e as cópias eram amplamente produzidas.
do império. A imagem de Augus- Os romanos eram conquistadores. Desde a época Republicana, a
to de Prima Porta (figura 17) é um conquista por territórios movia a vida de líderes políticos e generais.
desses exemplos. Nos tempos de Cristo, já instaurado a fase imperial, as regiões domi-
A obra apresenta um impera- nadas pelos romanos alcançaram áreas que iam de quase todo terri-
dor imponente e que transmite tório europeu, ao norte da África, da Palestina e da Ásia Menor. Roma
Figura 17
Estátua de Augusto Prima Porta. autoridade por meio dos gestos, era uma capital cosmopolita, congregando pessoas de todas as regiões
Altura 2,04 m. Mármore com restos de
policromia. C. de 20 d.C. da feição e de sua postura corpo- conquistadas. As vias ou estradas imperiais cortavam todo o império
ral. O corpo idealizado lembra e facilitavam o seu controle, além disso, aquedutos conduziam água
História da Arte I Capítulo 1 | 22
à cidade, que junto com um sistema de escoamento de detritos de Os anfiteatros2 eram constitu-
esgoto facilitavam a vida na capital e seus arredores. ídos pela junção de dois teatros
Ao longo do tempo, Roma foi se configurando como uma capital que formavam uma estrutura de
estruturada com templos, palácios e basílicas, além de fornecer edi- aspecto elíptico, como podemos
fícios públicos para entretenimento da população como os teatros, os ver na imagem do Coliseu de
anfiteatros, os circos e as termas, também conhecidas como banhos Roma (figura 18). A arena ao cen-
públicos. Arcos do triunfo e colunas triunfais com seus relevos nar- tro era cercada por uma estrutura
Figura 18
rativos representando feitos militares dos imperadores eram coloca- composta por pedras, tijolos e por
O Coliseu, Roma, c. 80 d.C.
dos em fóruns, uma espécie de centro religioso, político, comercial uma espécie de concreto feito à
e jurídico da cidade. base de matéria vulcânica e outros elementos pelos quais se erguiam
Foi na época Imperial no reinado de Vespasiano que se ergueu as paredes. Uma arcada3 circundava todo o anfiteatro e escadarias e
em Roma um edifício de proporção monumental construído sobre as corredores cobertos por abóbadas davam acesso aos assentos. Um
ruínas de um tanque da chamada Dômus Áurea, antigo palácio do im- sistema de entrada e saída foi planejado, de modo que os arcos do
perador Nero. Trata-se do anfiteatro chamado Coliseu, que hoje exibe primeiro piso eram numerados e correspondiam aos números mar-
suas ruínas aos turistas que chegam a Roma. Destinados ao entrete- cados nos “bilhetes” dos milhares de espectadores que se reuniam
nimento de nobres e populares, os anfiteatros eram locais para lutas durante horas para assistirem aos espetáculos. No exterior, colunas
de gladiadores e com frequência exibiam o massacre de prisioneiros e nos estilos dórico, jônico e coríntio juntamente com as esculturas
cristãos ao público. Os anfiteatros são derivados dos teatros romanos, presentes nas arcadas compunham a decoração do edifício.
que por sua vez têm suas raízes nos teatros gregos. Estes tinham o O vocabulário da arquitetura romana também possui relações
formato semicircular e eram construídos aproveitando o declive das com a arquitetura helênica. Em muitos edifícios é comum vermos a
colinas, nas quais se situavam a cávea ou plateia. Ao centro ficava a aplicação das ordens arquitetônicas com o uso de colunas, frontões,
orquestra ou palco, onde boa parte da peça era desenvolvida, logo frisos e arquitraves. Nos templos romanos, por exemplo, o uso do
em seguida, situava-se o cenário. Já os teatros romanos, apesar de podium elevado e de colunas adossadas às paredes exteriores da cella
seguirem esse mesmo formato, se estruturavam sem o apoio natural são aspectos diferenciais em relação a arquitetura grega, contudo são
das montanhas, erguendo-se por si só na paisagem. visíveis as referências a esta.
2 Anfi que dizer dois.
3 Arcada: trata-se de uma sequência de arcos. De herança etrusca, o arco se tornou elemento
típico da arquitetura romana, sendo amplamente utilizado nos edifícios.
História da Arte I Capítulo 1 | 23
Como se observa nas carac- Em relação à pintura e aos mosaicos romanos, a maior parte do que
terísticas de sua fachada, o Pan- conhecemos hoje está localizada nas cidades de Pompéia e Herculano,
teão de Roma (figura 19), exem- marcadas pela catástrofe da erupção do vulcão Vesúvio, ocorrida no
plifica a absorção pelos romanos ano de 79 d.C. Vale ressaltar que, por muitos anos, estas cidades fica-
dos elementos gregos. Mas o ar ram soterradas, sendo as primeiras escavações realizadas em meados
de novidade, o que caracterizou do século XVIII. Nessa época, a Arqueologia ainda não existia como
Figura 19
Panteão, Roma. C. 118–125 d.C. uma certa ousadia na construção disciplina e os primeiros trabalhos nesses sítios foram realizados de
do edifício, estava justamente no fe- maneira aleatória e arbitrária, ou seja, preservou-se aquilo que era
chamento da câmara interior por uma grande cúpula que repousa sobre considerado mais valioso pela sociedade napolitana. Muitos objetos
a cella de formato redondo. Projeções nos revelam que a cúpula forma- de valor artístico foram retirados de seus locais de origem e alimen-
ria um círculo perfeito, o que colabora para a sensação de equilíbrio taram a prática de colecionar antiguidades. Nesse contexto, muito se
proporcional entre a largura e a altura quando estamos no interior do perdeu, pois os saques eram frequentes.
edifício. A cúpula possui ao centro uma abertura, chamada de óculo. Foi somente no século XIX que escavações menos destrutivas com
Dele, raios de luz podem penetrar no interior, que junto com acabamen- perfil científico começaram a ser realizadas, mas ainda assim, mesmo
to dourado de seu revestimento davam um clima místico ao templo. mais sistematizadas, nota-se parcialidade em certas escavações. Aque-
O Panteão como se apresenta atualmente, trata-se de um empreen- las supervisionadas por Amedeo Maiuri, por exemplo, receberam críti-
dimento do imperador Adriano que reconstruiu o templo (entre 118 e cas de estudiosos que observaram uma conduta relacionada ao regime
125 d.C.) no lugar do antigo edifício idealizado pelo general e estadista fascista da época, que financiaram sua empreitada. Esses estudiosos
Marco Vipsanio Agrippa, cuja homenagem ainda pode ser vista nos notaram que é possível identificar que muitos objetos foram retirados
vestígios das palavras no friso da fachada. Logo acima, no frontão do de seus contextos originais, especialmente aqueles de temática sexual
edifício de Adriano, havia a decoração de esculturas em alto-relevo encontrados em prostíbulos que poderiam ferir a moral do regime.
em bronze, hoje já não mais existentes. O Panteão foi concebido em4
Desse modo, acredita-se que Maiuri direcionou seus trabalhos para
dedicação “a todos os deuses”, mas na era cristã foi adaptado para se gerar mais uma percepção do regime fascista do que era o Império
tornar uma Igreja. Hoje, o antigo templo pagão abriga altares cristãos Romano do que uma estética romana propriamente dita.5
e túmulos de pessoas ilustres.
5 A respeito desse assunto, ver texto “Arte parietal de Pompéia: imagem e cotidiano no mundo
4 A palavra Panteão quer dizer “todos os deuses”. romano”, de Renata Senna Garraffoni.
História da Arte I Capítulo 1 | 24
É comum encontrar a classificação das pinturas romanas por es- não receberam tanta atenção dos estudiosos que se voltaram para as
tilos. Muitos livros ainda hoje trazem essa especificação, cuja ori- pinturas com temas ditos nobres e mais elaboradas tecnicamente.
gem vem dos estudos de Augusto Mau, em 1882. Mau foi o primeiro Havia a produção de pinturas portáteis, mas a maior parte do que
a discriminar as pinturas romanas por um critério de classificação restou em Pompéia e Herculano trata-se de pintura mural. Geralmen-
cronológico, dentro de uma espécie de evolução. Essa classificação te, eram dispostas nas paredes do átrio das casas e dos peristilos. Pin-
foi resumida pela historiadora Renata Garraffoni, conforme abaixo: turas também eram realizadas nas paredes externas das habitações.
A técnica mais comum era o afresco, em que se preparava a superfície
Estilo I “estrutural ou mármore fingido” (do séc. III a.C. até o séc. da parede com várias camadas de uma espécie de gesso rudimentar.
I a.C) — relevo criava a impressão de placas de mármore; Estilo II Depois de lisa e na superfície ainda fresca, aplicava-se a tinta.
“estilo arquitetônico” (séc. I a.C.) — perspectivas falsas, colunas e
outros tipos de imitação arquitetônica; Estilo III “estilo ornamental”
(final do séc. I a.C. até início do séc. I d.C.) — ornamentação rica e
delicada, muitos motivos egípcios; Estilo IV “estilo fantástico” (iní-
cio do século I d.C.) — estilo rebuscado e forte presença de elemen-
tos da mitologia. (2007, p. 154)
Segundo Garraffoni, apesar de ainda utilizada, a proposta de Mau
foi motivo de grande debate entre teóricos no que diz respeito à evo-
lução e transformações dos estilos. O fato é que havia muitos afrescos
realizados em áreas de jardins e peristilos cujos temas, como cenas
eróticas e cotidianas, não se enquadravam nesses estilos, sendo deno-
minadas de populares. Essa diferenciação acaba por trazer à tona a pro-
Figura 20
blemática sobre a não neutralidade no estabelecimento dos critérios Cena de um culto dionisíaco de Mistério. Pintura Mural. C. 50 a.C. Vila dos
para classificação dessas pinturas, ou seja, acabam por demonstrar, Mistérios, Pompéia.
mais uma vez, aspectos específicos da cultura romana que os estu- Um dos afrescos romanos mais estudados é o friso, encontrado
diosos tinham predileção para preservar. Por muito tempo as pintu- em um cômodo de uma casa de campo chamada Vila dos Mistérios
ras chamadas de populares, que eram consideradas gêneros menores, (figura 20), localizada nos arredores de Pompéia. O tema da pintura
estaria relacionado aos rituais dionisíacos, um tipo de rito de origem
História da Arte I Capítulo 1 | 25
grega em que pessoas buscavam saciar suas inquietações a respeito preferências locais que expressariam um gosto particular da cultura
da vida após a morte. Dionísio é conhecido como deus do vinho e romana. Desse modo, devemos encarar a pintura romana dentro de
do teatro, mas fora um antigo herói que passou por uma dramática uma relação fecunda com a pintura helênica, mas não simplesmente
morte. Os cultos dionisíacos manifestavam a esperança de muitos servil a esta.
devotos que celebravam seus mistérios com o intuito de se identi-
ficarem com o deus, que depois da morte teve um destino glorioso,
sendo transformado em deus do Olimpo.
O friso foi pintado de modo a passar a impressão de que as pare-
des se abriam. Sobre um fundo vermelho foram dispostas as figuras
relacionadas aos ritos dos mistérios dionisíacos. A imagem de uma
mulher localizada na parede ocidental é identificada como a dona da
casa, a domina. Celebrante do culto ao deus, a domina nutria a ideia
de ter o mesmo destino de divinização que vivenciou Dionísio, ao
escapar dos Infernos e chegar ao Olimpo. As duas divindades loca-
lizadas ao centro da composição, por muito tempo, foram identifi-
cadas como o par amoroso Dionísio e Ariadne, conforme a tradição
iconográfica grega. Contudo, apesar das dificuldades de interpretação
que permeiam a análise do friso, estudos mais recentes nos mostram
Figura 21
que as duas figuras centrais seriam Dionísio e sua mãe Sémele, que Os Lestrigões apedrejando os navios de Ulisses. Pintura mural de uma casa do
formavam um par divino. Assim como seu filho, Sémele beneficiou- Monte Esquilino. Final do séc. I a.C.
se da divinização após uma trágica morte, e na cena do friso acolhe
Dionísio, que após uma noite agitada, retorna ao Olimpo. A produção pictórica romana tinha sua complexidade, tanto em
A identificação das figuras centrais como mãe e filho se opõe à termos técnicos quanto em relação aos seus temas. Quem podia pagar
visão mais corrente do par Dionísio e Ariadne e acaba por colocar mais, poderia ter nas paredes da dômus6 pinturas elaboradas e com
em questão a noção de que a pintura romana seja uma mera cópia da efeitos ilusionísticos que decoravam com requinte os ambientes. A
tradição grega. Em relação a esse ponto, a historiografia mais recente imagem a seguir trata-se de um exemplar do conjunto de pinturas
tem mostrado que essa associação direta aos exemplos gregos precisa
ser cautelosa, pois acaba por ignorar as transformações a partir de 6 Denominação da habitação urbana da classe aristocrata.
História da Arte I Capítulo 1 | 26
murais denominadas Paisagens de Odisséia, que trazem as viagens francesa que significa “engana olho”. Com essa técnica eram realiza-
de Ulisses na narrativa épica. Na obra Os Lestrigões apedrejando os das ilusões de ótica, de modo a fazer com os objetos e as estruturas
navios de Ulisses (Figura 21) podemos ver a pintura de uma coluna arquitetônicas representadas parecessem reais. Podemos ver isso na
que emoldura a cena. Observa-se que foi alcançado um efeito que si- cena de natureza-morta, em que há simulação de estantes na parede
mula a estrutura arquitetônica, como se a coluna estivesse saltando que dispõem as frutas e o vaso de vidro transparente. É interessante
à superfície da parede. notar que, apesar desses artifícios alcançados pela técnica da perspec-
tiva, o conhecimento da mesma pelos romanos era mais empírico do
que científico, e sob este método a perspectiva alcançará desenvolvi-
mento somente séculos mais tarde, no Renascimento.
Figura 22
Pêssego e Jarro de vidro. Pintura mural, Herculano. C. 50 d.C.
Em cena de natureza-morta intitulada Pêssego e jarro de vidro
(figura 22) encontrada na cidade Herculano, também se nota efeitos
ilusionísticos, como a representação de volumes, transparências e
texturas dos objetos. Tanto nessa pintura, quanto na anterior men-
cionada, foram utilizadas a técnica do Trompe-l’oeil, termo de origem
História da Arte I Capítulo 1 | 27
A arte Cristã
Início do cristianismo
Império Bizantino
Ocidente Medieval
Situado em Roma, próximo ao Coliseu, o Arco de Constantino foi edi- corporal, rompendo assim com a objetividade do realismo da arte
ficado entre 312 e 315 d.C. A figura 23 traz um detalhe de um baixo-re- romana. Essas características, sob o ponto de vista da arte clássica,
levo presente no monumento. Os arcos do triunfo eram monumentos poderiam representar a perda das conquistas técnicas alcançadas. O
que honravam aos imperadores, em comemoração aos seus feitos e fato é que, a arte cristã, romperá, em certa medida, com as questões
suas vitórias, estas eram narradas por meio de relevos em frisos, em plásticas que permearam a arte grega e romana até então.
medalhões e em demais setores do monumento. No caso do Arco de
Constantino, chama atenção, na faixa inferior logo abaixo dos dois
medalhões, o conjunto de figuras humanas que compõem a cena do
Imperador que se dirige ao Senado e ao povo.
As representações plásticas vistas nesse exemplo podem ser consi-
deradas como frutos uma intenção representacional nova relacionada
aos primeiros cristãos. Quando comparada à arte romana mais tradi-
cional, nota-se diferença no modo de tratamento da figura humana e
do espaço. Os relevos nos medalhões esculpidos no tempo do Impe-
rador Adriano (117–138 d.C), que foram colocados logo acima do friso,
trazem figuras com posturas corporais e mobilidade mais natural.
Nota-se também, o emprego de artifício para projeção do espaço em
profundidade, com sobreposições e a aplicação do escorço.
Já no conjunto de figuras da faixa inferior, que são do tempo de Figura 23
Medalhões (117–138 d.C.) e friso (início do séc. IV d.C.) Arco de Constantino, Roma.
Constantino, observa-se uma tentativa de desclassificação da matéria,
ou seja, as figuras que se apresentam sem o rigor da proporcionalidade
História da Arte I Capítulo 2 | 29
Constantino foi o primeiro imperador cristão e suas ações abri- O fato é que o número de conversões ao cristianismo entre pessoas
ram as portas para que o cristianismo se firmasse ao longo dos anos de diversas classes sociais, como escravos, mulheres, estrangeiros,
no Império até sua definitiva institucionalização como religião ofi- inclusive pelas classes mais abastadas era crescente. Com Édito de
cial, sob o reinado de Teodósio (379 a 395 d.C). Foi no Édito de Mi- Milão, o culto religioso livre se tornou uma realidade, abrindo cami-
lão, promulgado em 313 d.C., que o imperador Constantino concedeu nho para as construções das primeiras igrejas. Aos poucos, o hábito
liberdade religiosa aos seguidores de Cristo, contudo, não proibiu de reunir os fiéis para cultos nas casas e em salões passou a ser subs-
o culto de outras religiões no império. tituído pelos cultos nas basílicas cristãs.
A aceitação do cristianismo por outros imperadores anteriores ao Outra ação importante do seu reinado foi à transferência da capi-
reinado de Constantino foi conturbada, com fases de intensas per- tal do Império para Bizâncio em 330 d.C., uma antiga colônia grega
seguições. Com o imperador Nero, por exemplo, houve a primeira localizada na atual Istambul, na Turquia. A capital passa a se chamar
grande perseguição iniciada no ano de 64 d.C. e ao longo dos anos Constantinopla, cidade de Constantino. Nela, o imperador realizou
seguintes, muitos foram martirizados. Vale lembrar que, em geral, monumentos e edifícios tipicamente romanos, estruturou a cidade
os romanos eram tolerantes em relação à cultura e religião dos povos com aquedutos e largas vias, organizando o centro urbano. Construiu
dominados, que em muitos casos, absorviam a religião romana ou palácios, bibliotecas e museus, conservando assim aspectos da cultu-
conviviam de maneira pacífica com seu sistema politeísta. No caso ra romana. Na nova capital oriental, realizou uma espécie de réplica
específico das religiões monoteístas, como o cristianismo e sua re- de Roma, mas Constantinopla nascia cristã. Além disso, a região era
ligião matriz (o judaísmo), eram inaceitáveis para suas doutrinas a estratégica comercialmente, trazendo benefícios econômicos para o
aceitação dos ritos, dos ídolos pagãos e adoração a César. Império Romano, que nas províncias ocidentais amargava ia perden-
A pregação aos gentios, cujas ações do apóstolo Paulo no início do do sua unidade numa crescente decadência e povos bárbaros foram
cristianismo se destacaram, impulsionou o crescimento e a dissemi- tomando as províncias imperiais. Um ponto relevante é que Bizâncio
nação da doutrina cristã nas províncias dominadas pelos romanos era uma cidade próxima as províncias orientais já cristianizadas, o
e em pouco tempo, a chegada do cristianismo em Roma se tornou que facilitava as ações do imperador no plano religioso e político.
uma realidade. O império teria que lidar com um crescimento de uma Em 395 d.C., o imperador Teodósio dividiu o território do Império
religião monoteísta, profética e messiânica, com ritos, costumes e Romano, destinando regiões para cada um dos seus dois filhos. Na
doutrina muito diferentes da religião romana. Nesse sentido, sua acei- parte ocidental, a capital era Roma e na parte oriental, a capital ficou
tação não foi pacífica, intercalando períodos de calmaria e de grandes sendo Constantinopla. No oriente, o Império Romano floresceu nos
perseguições, que se intensificaram na medida em que os cristãos séculos seguintes, enquanto no ocidente, por diversos fatores, so-
foram considerados uma ameaça ao Império. freu uma decadência até sua definitiva queda no século V d.C. Fato
História da Arte I Capítulo 2 | 30
é que cristianismo sobreviveu à deterioração e a queda do Império muitos fiéis. Devido a essa comoção, com o passar do tempo, algumas
Romano Ocidental, permanecendo por toda a Idade Média, tanto no basílicas foram construídas acima das catacumbas, que acabaram for-
Império Romano Oriental, quanto em alguns territórios do ocidente mando um conjunto religioso com o santuário.
que restaram. O culto dos primeiros cristãos era realizado nas próprias casas dos
O cristianismo se estabeleceu na sucessão do primeiro imperador fiéis e pode ser considerado um ritual simples: celebrado com cân-
romano, Otávio Augusto (Augusto de Primaporta), por Tibério e logo ticos, leituras de passagens do velho testamento e histórias cristãs,
chegou à Roma. Em relação as suas representações plásticas, estas também havia a realização de uma refeição em conjunto, que reme-
podem ser vistas nas chamadas catacumbas, cemitérios subterrâneos morava o rito da última ceia celebrada por Cristo. Por ser uma reli-
localizados nas vias que davam acesso a capital romana, como a Via gião monoteísta e de raiz judaica, alguns costumes não eram aceitos,
Ápia, nos quais os cristãos passaram a enterrar seus mortos. Situadas como por exemplo, a presença de imagens. Contudo, observa-se que
fora do perímetro urbano, as catacumbas eram formadas por gale- o cristianismo que se configurará no contexto do Império Romano
rias estreitas e pouco iluminadas. Em suas paredes eram escavados se diferenciará, com o passar do tempo, do cristianismo primitivo,
nichos ou lóculos que abrigavam os corpos. Geralmente, afrescos adotando alguns de seus costumes, como por exemplo, a presença de
com temário relacionado às histórias bíblicas e a simbologia cristã imagens nos recintos religiosos, o que contrariava a determinação de
eram realizados nas superfícies das paredes das galerias e nas salas, um dos mandamentos bíblicos.
chamadas de cubículos, destinadas aos corpos de bispos e mártires. O que se vê é que, apesar dessa determinação de herança hebraica,
Nessas salas, pinturas decoravam as paredes laterais e os tetos, além os primeiros cristãos passaram a realizar pinturas nas catacumbas,
do arcossólio (arcosilium), uma espécie de nicho arqueado no qual mas muitas com o caráter simbólico e alegórico. Com o passar do
ficava situado o túmulo. tempo, a adoção de imagens se deu de forma mais generalizada, sendo
As imagens relacionadas à religião dos primeiros cristãos encontra- presentes tantos nas galerias das catacumbas, como nas primeiras
das nos cemitérios subterrâneos datam a partir do século II e avançam basílicas cristãs. Apesar de seu amplo uso, a presença de imagens era
para o século III e IV, quando o cristianismo saiu da clandestinida- ainda polêmica no meio cristão, e se tornou tema freqüente no debate
de. São poucas as manifestações da chamada arte paleocristã (cristã eclesiástico ao longo dos séculos seguintes.
antiga) do século I que sobreviveram ao tempo. Vale lembrar que as Como reflexo da adesão do cristianismo as algumas tradições do
catacumbas não eram originalmente destinadas a cultos, ainda que Estado Romano, está a formação de seu sistema religioso com forte
com a oficialização do cristianismo como religião do império, algumas tendência a hierarquia, como em relação às figuras santas e a lideran-
salas desses cemitérios se tornaram capelas fúnebres, que abrigavam ça eclesiástica. Algo que também ocorrerá em termos artísticos, como
túmulos de mártires e pessoas ilustres da Igreja, recebendo visita de será visto mais adiante na Arte Bizantina. Outro ponto, foi a fusão do
História da Arte I Capítulo 2 | 31
cristianismo aos costumes pagãos, como a adaptação as datas típi- reflexo da adaptação da imagem de Cristo as divindades solares, como
cas da religiosidade romana. Isso pode ser visto nas comemorações observa Maria Cristina Carlo-Stella (2006):
relacionadas à heliolatria, culto de matriz oriental à Mitra, que foi
absorvido na religião Imperial Romana na figura de Hélio ou Apolo […] a orientação da imagem e sua própria colocação no ambiente do
condutor da quadriga solar, como se observa na citação abaixo: hipogeu, não distante do presumido templo dedicado a Apolo e do
Circo de Nero, devoto da divindade Sol, podiam recordar o culto pra-
Desde 7 de março de 321, Constantino promulga uma lei, presente ticado no mundo pagão.2
mais tarde no Digesto Justiniano, segundo a qual: “os juízes, os
habitantes da cidade, os mercadores e artífices devem descansar no Na arte dos primeiros cris-
venerável dia do Sol”. Desde 336, atesta-se em Roma a celebração do tãos se configuram tipologias do
nascimento de Jesus não mais em 6 de janeiro, dia da Epifania, mas Cristo antropomórfico, como na
em 25 de dezembro, o Dies Natalis Solis Invicti, o dia de nascimento imagem do Bom Pastor, em que a
de Sol invicto. Em 354, Libério, bispo de Roma, decreta que esta data, figura do redentor é representada
que é também a da festa romana do solstício de inverno e a do nas- como um pastor de ovelhas, ge-
cimento de Mitra, é efetivamente a data do nascimento do Cristo. 1
ralmente ladeado pelos animais
e carregando a ovelha nas costas.
Em relação às imagens paleocristãs, a mescla entre a figura de cris- Essa figura remete a passagem bí-
to e às imagens relacionadas ao culto pagão ao deus Hélio (Sol Invic- blica em que Cristo se compara a
tus), pode ser vista em mosaico encontrado da abóboda do Mausoléu um pastor, que conhece, cuida e
M da Necrópole Vaticana, construído no século II e com decorações dá a vida pelas suas ovelhas, estas
que datam o século III. Nesse mosaico (figura 24), observa-se par- seriam a representação dos fiéis.
Figura 24
tes do que seria uma figura humana representada como um auriga. Observem que na imagem (figu- Detalhe do mosaico: O Cristo como
Apolo ou Hélio em meio à vinha mística.
Nos vestígios dessa cena, vemos ainda a imagem de dois cavalos e ra 25) encontrada na Catacumba Artista: Anônimo. C. 250 d.C. 103,5 x
142,5 cm.
na cabeça da figura humana saem alguns elementos, que poderiam de São Calixto, em Roma, está a
fazer alusão a raios de luz. Nesse caso, a tipologia do Cristo Solar seria figura do Cristo como Bom Pastor
1 MARQUES, Luiz. O Cristo como Apolo ou Hélio, em meio à Vinha mística. Texto disponibili- 2 MARQUES, Luiz. O Cristo como Apolo ou Hélio, em meio à Vinha mística. Texto disponibili-
zado em 18 out. 2011. In: MARE, Museu de Arte para Pesquisa e Educação. Disponível em <http:// zado em 18 out. 2011. In: MARE, Museu de Arte para Pesquisa e Educação. Disponível em <http://
www.mare.art.br/detalhe.asp?idobra=3437 > Acesso em: 06 mar. 2015. www.mare.art.br/detalhe.asp?idobra=3437 > Acesso em: 06 mar. 2015.
História da Arte I Capítulo 2 | 32
representado conforme a maneira o termo peixe em grego (Ιχθισ / ichtys) traria em suas letras a indica-
profana, ou seja, de modo realista, ção das seguintes palavras: Iesus Christos Theou Yios Soter, ou: Jesus
com o corpo bem proporcionado e Cristo Filho de Deus Salvador.
na posição de contraposto. Notem Retornando as tipologias do Cristo, uma representação comum de
também que o Bom Pastor está sua imagem no paleocristianismo é como um jovem sem barba, cujo
inscrito em um círculo, elemento aspecto faz lembrar as figuras da estatuária grega. O Cristo à maneira
que será recorrente na arte cristã. grega, como é chamado, se diferencia do Cristo à maneira oriental, ou
Figura que no meio pagão estava barbado, figura que também se tornará habitual nas representações
relacionada ao deus sol (Hélio), o do Messias, especialmente nos séculos seguintes.
círculo foi usado no cristianismo
de modo ressignificado, relacio-
nado a eternidade. Se tornará um
dos seus principais símbolos, fre-
Figura 25
quentemente usado junto à figura
O Bom pastor. Catacumba de do Messias e às pessoas santas.
São Calixto.
Ainda em relação ao uso de
símbolos, pode-se encontrá-los em grafites, baixos-relevos e afres-
cos nas catacumbas em temas como a pomba, a âncora e a fênix. A
serpente, que para muitas religiões pagãs tinha significado positivo,
era considerada maldita pelo cristianismo, sendo figura simbólica
relacionada a Satanás pelos cristãos. Figuras da mitologia romana
foram adaptadas a simbologia cristã, é o caso da Fênix, ave lendária
que renascia das cinzas, mas que nesse contexto passa a estar rela-
cionada à ressurreição do corpo.
Uma dos símbolos utilizados pelos primeiros adeptos à religião de
Cristo foi a imagem do peixe. Acredita-se que se tratava de uma crip-
tocomposição destinada aos iniciados na nova religião. Funcionava Figura 26
Cristo com São Pedro e São Paulo, c. 389 d.C. Detalhe do relevo em mármore do
como uma espécie de código de comunicação entre eles, de modo que sarcófago de Junius Bassus, cripta de São Pedro, Roma.
História da Arte I Capítulo 2 | 33
Um exemplo do Cristo à maneira grega pode ser visto no detalhe Familiarizados com a arte grega e romana, observa-se uma espécie
do relevo em mármore (figura 26) presente no sarcófago de Junius de classicismo paleocristão em que temas e símbolos foram aplicados
Bassus, do século IV d.C. Entre duas colunas adornadas, está a figura do e adaptados na medida da aproximação do cristianismo ao Império.
Messias entronizado, com aspecto jovial e face serena, ladeado por São Mas a riqueza de detalhes, o modelado dos corpos e o panejamento
Pedro e São Paulo. Estes aparecem barbados, lembrando a aparência da das vestes, como vistos no detalhe do sarcófago de Junius Bassus,
imagem dos filósofos helênicos. É interessante notar que nesse relevo, contrasta com a simplicidade de muitas pinturas cristãs.
para representar a entronização de Cristo nos céus, foi utilizado uma A figura 27 mostra Cristo se dirigindo a uma mulher que busca-
figura alegórica típica das representações greco-romanas, que repre- va a cura de sua enfermidade: um sangramento que a acompanhava
sentaria o Firmamento, demonstrando, assim, mais um dos aspectos durante anos. Segundo a narrativa bíblica, cercado por uma multidão
do uso de elementos do mundo pagão no contexto cristão. de seguidores, Cristo sentiu que de seu corpo havia saído poder de
As representações do Cristo glorificado e assentado no trono ce- cura após ter sido tocado por alguém. É interessante observar, que
lestial se tornam mais freqüentes, especialmente, nas basílicas após não houve uma preocupação de
a oficialização da religião pelo Império Romano. A figura do Messias representar nessa cena os discí-
passa a ser dotada de majestade, lembrando a hierarquia imperial pulos nem a multidão que seguia
e à grandiosidade dos deuses da religião romana, como Júpter. Tal Cristo, conforme traz o relato bí-
representação do Messias, em glória e poder, se perpetuará na Idade blico3. Muito menos, há a repre-
Média dentro da tipologia do Cristo Pantocrator, que será abordada sentação do espaço, apenas uma
mais adiante. projeção discreta do piso onde
Os primeiros cristãos não se voltaram à produção de estátuas mo- estão as figuras. A redução dos
numentais, como eram vistas comumente nos templos romanos. Ape- detalhes a elementos mais essen-
nas estatuetas, dentro da tipologia do Cristo como Bom Pastor, eram ciais da história eram aspectos
realizadas. No início, a escultura monumental e de tamanho natural presentes na arte dos primeiros
encontrou oposição na Igreja, pois a idolatria às estátuas tão comum e cristãos. Nesse caso, o ato de fé da
disseminada no contexto pagão, era um dos seus temores. Já a produ- mulher hemorrágica pela a busca
ção de relevos em sarcófagos destinados as pessoas ilustres da Igreja se do milagre da cura era o mais im- Figura 27
A cura da hemorrágica.Catacumba
tornaram freqüentes nas catacumbas já em meados do século III. Neles portante a ser mostrado. romana.
eram representadas narrativas bíblicas e figuras da simbologia cristã.
3 Evangelho de Marcos, capítulo 5, versículos 21 a 34.
História da Arte I Capítulo 2 | 34
Apesar da familiaridade com algumas características da pintura reduzidos aos seus aspectos mais gerais, sem preocupação com deta-
romana, a função das pinturas cristãs se centrava mais na expres- lhes. Eram frequentes figuras de aspecto bidimensional, sem sugestão
são da mensagem do que na representação realista. Narrativas rela- de modelado e volume, em que o corpo perde a ilusão tátil. Em muitos
cionadas a exemplos de fé e milagres do Antigo Testamento e atos casos, as figuras traziam marcas de uma expressividade espiritual,
miraculosos de Cristo eram temas comuns presentes nos afrescos em expressões faciais marcadas e distorções corporais. Se já não in-
das catacumbas. E para representar a figura humana, por exemplo, teressava a valorização da beleza corpórea, mas as ações espirituais
bastavam algumas pinceladas, de modo que a perda do acabamento, da fé, as imagens passaram a expressar fisionomias ultraterrenas
o traçado irregular e impreciso, a desproporcionalidade corporal se e a tensão religiosa dos personagens.
tornou uma constante em muitas imagens. Em relação à representação do espaço, o que se nota é a sua dilui-
Como vimos no detalhe do friso do arco de Constantino e também ção. Há apenas a sugestão de alguns planos e de alguns objetos em
em alguns afrescos a impressão é que na arte paleocristã há uma profundidade. As cenas de refeições, como a última ceia, em alguns
perda de habilidade técnica em suas representações. De modo ge- casos, eram pintadas aplicando-se a perspectiva invertida, em que as
ral, considera-se que houve uma espécie de degradação dos métodos figuras coadjuvantes aparecem em primeiro plano, enquanto a prin-
da pintura nos afrescos catacumbários, a maior parte realizados por cipal, em maior tamanho, era projetada mais afastada do observador.
adeptos ao cristianismo, não necessariamente artistas dominantes de Com a liberdade do culto religioso no início do século IV, as ima-
técnicas pictóricas conhecidas desde a Grécia Clássica. Já para o au- gens cristãs já não estavam mais restritas aos cemitérios subterrâne-
tor Ernest Gombrich, a simplicidade nas construções dessas imagens os, mas passaram a ocupar as paredes dos edifícios destinados aos
também estaria relacionada aos próprios interesses dos primeiros cultos religiosos. Quando se fala em Igreja cristã, refere-se a locais
cristãos. Para ele, não havia a preocupação em alcançar efeitos rea- cujo formato foi herdado das basílicas romanas, que eram edifícios
lísticos, como os das pinturas helenísticas, muito menos em evocar a civis localizados nos fóruns romanos, funcionando como sede de tri-
beleza clássica. O principal propósito da arte cristã era lembrar os fieis bunais e também para o comércio.
os exemplos de fé e da benevolência de Deus por meio das imagens Diferentemente da religião grega e romana, cujo templo funciona-
representadas. (GOMBRICH, 2009, p. 129) va como um sacrário abrigando as estátuas dos deuses, o culto cristão
Sem a preocupação em reproduzir fielmente a natureza, mas vol- possuía caráter congregacional e era necessário um grande recinto
tados a transmissão de mensagens espirituais de ânimo e fé, as figu- para acolher a multidão de fiéis. Assim, o formato basilical romano foi
rações cristãs iniciais suprimiam detalhes e a exatidão das formas, adaptado às Igrejas, de modo que seu aspecto longitudinal, que for-
centrando-se no que era essencial a comunicar. Muitos afrescos e re- mava um grande salão chamado nave, se tornou local para a reunião
levos escultóricos desclassificavam o corpo e sua aparência, que eram dos fiéis. As salas laterais, que nas basílicas romanas eram destinadas
História da Arte I Capítulo 2 | 35
a julgamentos, passaram a abrigar capelas. Com o passar do tempo, do interior da Igreja de Santa Maria dell’Ammiraglio (1143–51), um
funcionavam como naves laterais, corredores secundários paralelos exemplo da arte bizantina. O estilo bizantino tem seu nome relaciona-
a nave central, divididos por uma sequência de colunas. Na antiga do à antiga colônia grega Bizâncio, localizada na Ásia menor, que sob
basílica romana o espaço destinado aos julgamentos em instâncias as ações de Constantino, se tornou a nova sede do Império Romano.
superiores ficava localizado ao final na nave principal, encimado por Com a crescente decadência da parte Ocidental do Império, Constan-
uma abside, uma espécie de nicho com formato de semicúpula. Na tinopla, antiga Bizâncio, se afirmou politicamente, como também se
basílica cristã é neste mesmo setor que ficou localizado altar. tornou ambiente para a configu-
Antes de acessar a igreja, o fiel passava por um pátio, chamado ração de um novo estilo artísti-
atrium. Logo depois, uma espécie de sala anexa à basílica chamada co. A arte bizantina, cujas raízes
nartex fazia a transição entre o espaço externo e o interno. Pelo nartex estariam na arte paleocristã, ga-
se acessava a porta principal e o fiel logo avistava ao fundo o altar-mor, nhou outras dimensões à medida
localizado no cruzamento da nave principal com nave transversal, do crescimento do patrocínio e da
chamada de transepto. A presença da nave transversal acabava dando tutela do Estado. Sob o reinado de
a basílica o formato de cruz latina, o que rememorava o ato sacrificial Justiniano (527–565), que se tor-
de Cristo. Os espaços das igrejas possuíam diferentes valores, sendo nou um dos principais patronos
o altar o local principal. A abside funcionava como uma espécie de da arte religiosa, surgiram igrejas
coroamento do altar e ali ficavam as principais imagens. grandiosas, adornadas interna-
A basílica paleocristã era o local para reunião dos fiéis e também mente com revestimentos refina-
para a glorificação do nome de Deus, exaltado por meio das imagens dos como mosaicos e mármore,
pintadas e dos mosaicos. Com a liberdade do culto religioso e a oficia- reflexo da pompa imperial que
lização do cristianismo como religião do Império, a arte cristã passa a passou a dominar a arte cristã. Figura 28
Santa Maria dell’Ammiraglio, Palermo,
ter o patrocínio do Estado. Desse modo, o interior das basílicas adqui- As cidades ocidentais que fo- 1143–51. Vista da cúpula.
re aspectos de suntuosidade e os ambientes internos foram revestidos ram reintegradas ao Império Bi-
com nobres materiais, o que contrasta com as decorações simples das zantino também receberam a edificação de igrejas. Uma delas é a
representações realizadas no tempo da clandestinidade cristã. cidade litorânea de Ravena, localizada na Itália, que no reinado de
A figura 28 exemplifica a configuração que a arte cristã passou a Teodorico, rei dos ostrogodos, é recuperada por Justiniano. Nela está
tomar a partir da liberdade de culto e da oficialização da Igreja Cristã a Igreja de São Vital (526–547), que é um dos exemplos do gosto da
no Império. Trata-se de uma visão da cúpula decorada com mosaicos elite imperial e eclesiástica e abarca as tendências da arte cristã vistas
História da Arte I Capítulo 2 | 36
em Bizâncio. Sua planta difere do formato basilical e assimila uma que se observa em seu interior são símbolos e outros elementos utiliza-
das características da arquitetura religiosa bizantina: a planta centra dos nas decorações de santuários islâmicos, como os arabescos, como
da encimada por cúpula. Essa ca- também imagens de temário cristão que foram recuperadas. Hoje, San-
racterística também pode ser vis- ta Sofia já não tem função de mesquita e tornou-se um museu.
ta na Igreja de Santa Sofia ou Ha- A arquitetura bizantina é marcada pela simplicidade dos materiais
gia Sophia (Sagrada Sabedoria), no exterior de seus edifícios, geralmente, feitos de tijolos. Enquanto
localizada em Constantinopla, no interior, revestimentos de mármore e de mosaicos em várias co-
como se observa na imagem de res cobriam as paredes, que juntamente com ornamentalidade das
seu interior (figura 29). colunas com seus capitéis rendilhados criavam ambientes repletos
Juntamente com São Vital, de suntuosidade. A ornamentalidade exibia a pompa do Império, mas
Santa Sofia é uma das principais sobretudo, era para os bizantinos uma forma de culto a Deus, que re-
obras do reinado de Justiniano. cebia exaltação por meio dos nobres materiais e da riqueza decorativa.
Foi construída entre 532 e 537 e Ao entrar nos templos extremamente decorados, a noção da solidez
impressiona pela sua monumen- externa já não era mais percebida. O douramento dos mosaicos do in-
talidade. Sua planta é um quadri- terior, juntamente com a luz que emanava das aberturas das paredes,
látero, no qual se insere uma cruz faziam alusão ao esplendor celestial, como se observa na imagem da
Figura 29
Santa Sofia. Vista interior.
grega, ou seja, de lados iguais, parte interna da Igreja de Santa Maria dell’Ammiraglio.
característica esta vista em mui- Nos templos bizantinos, são freqüentes imagens relacionadas à
tos santuários bizantinos. Em Santa Sofia, semicúpulas (absides e história do Cristianismo e do Velho Testamento localizadas nas pare-
absidíolas) formam um conjunto com a grande cúpula central que des laterais. Enquanto mais próximos à cúpula, ficavam as imagens
está sobre quatro arcos com pendentes — triângulos esféricos inver- de figuras importantes, como apóstolos e profetas. Nas absides, geral-
tidos — que servem de base para o repouso do domo. Uma sequência mente eram representadas imagens da Virgem com o menino Jesus.
de janelas na cúpula proporciona iluminação à Igreja e ao mesmo Ao centro da cúpula, local de destaque, ficavam localizadas represen-
tempo acaba conferindo a cúpula um aspecto de leveza, que parece tações do Cristo, como se vê no interior de Santa Maria dell’Ammiraglio.
flutuar sob o edifício, sugerindo uma abóbada celestial. Ele aparece imponente, se assemelha a figura um imperador assenta-
A Igreja de Santa Sofia, atualmente, não exibe integralmente suas do no trono. Trata-se da imagem do Cristo Pantocrator, palavra de ori-
decorações parietais originais. Os mosaicos cristãos foram apagados gem grega relacionada à sua representação como Senhor do Universo.
quando da dominação turca, que transformou a igreja em mesquita. O
História da Arte I Capítulo 2 | 37
O Pantocrator se tornou uma das figuras convencionais da arte atemporal, sem alusão a aspectos espaciais. Desse modo, as figuras
bizantina. Geralmente, aparece em posição frontal, segurando o de santos, apóstolos, profetas e anjos parecem flutuar como se es-
evangelho na mão esquerda, enquanto a direita se dirige aos fiéis, tivem situadas em um plano ultraterreno.
abençoando-os. A cruz inscrita em uma auréola que cerca sua cabeça Em Bizâncio havia pré-determinações para a criação das figuras
remete ao ato sacrificial do Messias. Há também epígrafes e mono- humanas, o que permitem falar de convenções inerentes a arte re-
gramas em seu entorno, como as letras IC e XC, que são abreviações ligiosa bizantina. Observa-se a tendência a verticalização corporal,
indicativas do nome de Jesus Cristo (IHCOYC XPICTOC). O aspecto mãos e narizes compridos, faces ovais, olhos bem abertos e amen-
solene da imagem induz a reverência do fiel ao Cristo glorioso. As doados, aspectos estes que proporcionavam as imagens a ideia de
representações da imagem Pantocrator tinham por objetivo exibi-lo espiritualidade. Além disso, essas características davam certo ar de
de modo que os fiéis visualizassem um Cristo vencedor, além disso, família aos personagens, configurando uma espécie de serialização
o douramento dos mosaicos parietais contribuíam nas igrejas para das figuras bizantinas.
ressaltar o caráter de um cristianismo triunfante. As cores eram utilizadas de modo intencional e eram repletas de
A localização das imagens nas igrejas é crucial para entender seu significado. O branco estava relacionado à ressurreição e era usado
significado. No caso do Pantocrator, ele aparece localizado em cúpulas nas vestimentas das autoridades eclesiásticas, já a cor púrpura era
e absides que encimavam o altar-mor, principal setor da Igreja. Como vista em vestes da nobreza. O verde exprimia a renovação espiritual.
foi dito, as Igrejas Bizantinas foram organizadas dentro de uma cen- O azul era a cor celestial, frequentemente, empregado nas vestes de
tralidade em que se configura um espaço vertical iluminado coroado Cristo e da Virgem Maria. A cor dourada estava relacionada à luz e era
por uma cúpula. A terminação do teto em cúpula acabava por definir usada para a representação do céu.
um espaço místico para a experiência com o divino. E nesse espaço No interior das igrejas, as representações plásticas eram repletas
central, propositalmente, que repousava a figura daquele que tudo vê de solenidade, reflexo de sua ligação estreita com o Império, com seu
e governa, o Cristo como Senhor do Universo. As imagens e as nar- sistema hierárquico e cerimonialista. Um tom de autoridade perme-
rativas com assuntos cristológicos, que ocupavam os vãos abaixo do ava os personagens bíblicos, que eram retratados como pessoas da
domo ou cúpula, reforçavam essa experiência. nobreza. A Virgem Maria tomou aspectos de uma rainha e a figura do
Como se observa nas imagens de Santa Maria dell’Ammiraglio, a rep- Cristo Pantocrator, aludia à imagem de um imperador.
resentação da materialidade do espaço não era uma premissa para a No mosaico parietal da Virgem e do menino entre o Imperador
arte bizantina. Quando representado, o espaço surgia nas narrativas de João II Komnenos e a Imperatriz Irene (figura 30) as imagens divinas
modo discreto. Especialmente na parte central das igrejas, buscava-se e humanas dividem o mesmo espaço, como se todos fizessem parte de
a criação, por meio das imagens, de uma atmosfera mística e uma família imperial. O casal foi representado com vestes adornadas,
História da Arte I Capítulo 2 | 38
repletas de detalhes, que reforçam o luxo e pompa da corte. O dou- espectador, como também gerava atitude de respeito às autoridades
ramento ao fundo extingue a representação espacial e proporciona religiosas e seculares ali representadas.
ares transcendentais a cena. A pouca mobilidade corporal e a faces Assim c omo na Virgem e no menino, observa-se que auréolas cer-
austeras dos personagens reforçam o clima ritualístico. cam as cabeças do casal imperial. Tal aspecto aponta para ao sistema
de autocracia espiritual-secular que se estabeleceu no Império Bizan-
tino. O cesaropapismo era a forma de governo, ou seja, o imperador
também era autoridade para os assuntos religiosos. Como aponta
Hauser, a união entre o Estado e a religião era exibida em público
e nutria a imaginação popular, sendo apresentado nas imagens por
meio de vestes imponentes e luxuosas e resguardava-se por trás de
um cerimonial místico (HAUSER, 1998 p. 134). No Império Bizantino,
o Estado se portava como grande patrono das artes e eram da corte
que saiam as principais encomendas relacionadas aos assuntos da
Igreja, de modo que a arte bizantina se configurou em padrões rígidos
e inflexíveis de lealdade política e eclesiástica (HAUSER, 1998 p. 134).
Além dos mosaicos, outra produção relevante da arte sacra bizan-
tina foram os ícones, palavra de origem grega que quer dizer imagem.
Figura 30 Eram representações bidimensionais de figuras religiosas pintadas
A Virgem e o Menino entre o Imperador João II Komnenos e a Imperatriz Irene,
1118. Mosaico. em painéis de madeira, sendo considerados objetos sagrados. Nes-
te período, os mosteiros estabeleciam as convenções artísticas com
A frontalidade das figuras tornou-se recurso estratégico para es- padrões rígidos os quais eram observados e repetidos na produção
timular respeito e reverência por parte da população, como já utili- dessas imagens veneradas.
zado na arte antiga oriental, nas esculturas egípcias, por exemplo. Uma das figuras mais frequentes nos ícones é a de Maria. Enquan-
Para Arnold Hauser: “Por meio da frontalidade, cada figura-repre- to no ocidente medieval o termo Virgem Maria era mais comum, em
sentação assume, em certa medida, as características de uma ceri- Bizâncio a denominação mais freqüente era Mãe de Deus ou Porta-
mônia.” (1998, p. 136). Ainda segundo o autor, esse método funciona- dora de Deus (theotokos), título definido no Concílio de Éfeso, em 431.
va como um mecanismo psicológico: induzia a atitude espiritual no Nos ícones, mosaicos e afrescos a abreviação do termo grego Μήτηρ
του Θεού (Mãe de Deus) pode ser vista nas letras ΜΡ e ΘΥ, que eram
História da Arte I Capítulo 2 | 39
colocadas ao lado das figuras de Maria para referir-se a ela dentro mesmo que contido, passam a ideia de uma interpretação mais huma-
dessa acepção. na da Virgem, que contraria sua austeridade como rainha do céu, que
foi seu tipo mais frequente no período anterior a querela iconoclasta.
No ícone do século VI do Cris-
to abençoando (figura 33) a re-
presentação do Messias já não
demonstra o aspecto bidimensio-
nal, descarnado e incorpóreo, fre-
quente nas figuras humanas dos
mosaicos parietais bizantinos. A
ilusão de materialidade corporal
mostra um esforço sensível de
modelação, alcançada em jogos
suaves de luz e de sombra. Estes
Figura 31 Figura 32
artifícios, além do uso da técni-
Mãe de Deus Nikopoios, século xii. Mãe de Deus entronizada com profetas ca da encáustica, são similares
Têmpera s/ madeira. 45 x 36 cm. São e santos. C. 1100. Têmpera sobre
Marcos, Veneza. madeira (48,5 x 41,2 cm). Mosteiro de aos empregados nos antigos re-
Santa Catarina. Monte Sinai.
tratos de tradição romana, como
No ícone Mãe de Deus “Nikopoios” (figura 31), produzido no século aqueles encontrados em Faiyum,
XII, Cristo e sua mãe, em posturas comedidas e olhares distantes evo- demonstrando correspondências
Figura 33
cam respeito e solenidade. As figuras pairam no fundo dourado, que entre alguns ícones bizantinos e a Cristo abençoando ou Cristo
Pantocrator. Século VI. Encáustica s/
juntamente com a riqueza de detalhes das incrustações de pedras e a plástica retratística romana. Tais madeira (84 x 45,5 cm). Mosteiro de
aplicação de metais, lembram a suntuosidade e o esplendor celestial recursos pictóricos que visavam o Santa Catarina. Monte Sinai.
vistos no interior das igrejas bizantinas. naturalismo também foram empregados em muitos ícones bizantinos.
No ícone denominado Mãe de Deus entronizada entre Profetas e A acentuação do debate sobre as práticas cultuais relacionada às
Santos (figura 32), datado de 1100, Maria já é colocada numa repre- imagens levou as práticas iconoclastas que foram instituídas no sé-
sentação mais afetuosa com o Cristo menino que é aconchegado no culo VIII no Império Bizantino. A destruição e a proibição da feitura
colo da mãe. Feições doces e melancólicas, a expressão do sofrimento, de imagens duraram até a primeira metade do século IX, quando seu
História da Arte I Capítulo 2 | 40
culto foi restabelecido em Bizâncio, apesar da resistência de tendên- com a tradição gregoriana. Seu texto mais citado, para minimi-
cias iconoclastas ainda persistirem no Oriente por anos. Apesar de zar a polêmica sobre o culto das imagens, é a carta que escreveu
toda polêmica quanto à adoração das imagens, as cenas e as figuras ao bispo Iconoclasta Serenus de Marselha, datada de 600 d.C. Em
religiosas foram amplamente presentes no universo cristão. Uma resumo, justificou a existência das imagens cristãs, mais preci-
das principais razões de sua defesa era seu uso como instrumento samente as pinturas, dentro de uma tríplice função. São elas: fun-
devocional e didático, especialmente, para cristianização de povos ção didática, para a instrução, especialmente, dos iletrados; fixar
ágrafos, como os bárbaros, que ocuparam boa parte dos territórios a memória, fazendo lembrar as histórias sagradas por meio delas;
Ocidentais na Idade Média. e gerar compunção, que designa o sentimento de humildade na alma
A iconoclastia tinha raízes no plano teológico e estava relacionada, pecadora, que sustentava a adoração da Trindade e inspirava os gestos
principalmente, a estrita proibição advinda do contexto bíblico que era da prece cristã (SCHMITT, 2007, p. 61) . Em defesa das pinturas nas
contrária a feitura de imagens, estas suscetíveis à idolatria. Além disso, Igrejas para instrução de iletrados, dizia que :
o crescente acúmulo de renda nos monastérios, fruto de doações para
a produção de ícones, incitou a disputa de poder entre o Estado e a […] o que a escrita é para os que lêem, a pintura deve oferecer aos
Igreja, fato este que também está na origem do conflito entre icono- homens incultos que a olham […]. É nela que lêem aqueles que igno-
clastas e iconófilos. Dentre os argumentos desses últimos, os defen- ram as letras. Para aqueles que permanecem presos ao paganismo
sores das imagens, estavam os exemplos bíblicos do Antigo Testa- muito particularmente, a pintura ocupa o lugar da leitura. (MAGNO
mento, como aqueles da confecção de uma serpente de bronze e dos apud SCHMITT, 2007, p. 96)
querubins presentes na arca da aliança dos hebreus.
No ano de 785, o Papa Adriano I enviou uma carta à Imperatriz Junto a essa função pedagógica, era por meio das histórias pinta-
Irene e a seu filho Constantino VI, com um pedido de renúncia ao das que os fiéis aprendiam a adorar unicamente a Deus: “uma coisa é
posicionamento iconoclasta de seus antecessores e para que restabe- adorar a pintura, outra é aprender graças a história que está pintada
lecessem o culto às imagens em Bizâncio. Em defesa da presença das o que é preciso adorar.” (SCHMITT, 2007, p. 97). Nesse caso, para o
imagens pintadas que ornavam as igrejas, como as representações da Papa Gregório Magno as pinturas já não estavam imbuídas de um
Virgem, os profetas e os santos, o papa utilizou além dos argumentos poder sagrado, como os ícones bizantinos, mas funcionavam como
acima, as colocações de Gregório Magno. um chamado à adoração de Deus.
O Papa Gregório Magno se tornou uma autoridade entre os ico- Além da produção de ícones, também foi no interior dos mostei-
nófilos, especialmente entre os bispos do Ocidente, que adotaram ros espalhados pela Europa e nos territórios bizantinos que se de-
uma atitude moderada em relação as imagens e em conformidade senvolveram cópias de manuscritos. A feitura dos códices (livros
História da Arte I Capítulo 2 | 41
encadernados) obedecia a uma espécie de especialização do trabalho e orientais, importadas pelo cristianismo, além de elementos saxôni-
e era no scriptorium, que monges copistas, calígrafos e iluminadores cos e escandinavos, fizeram da arte insular a detentora de uma gra-
realizavam seu ofício. Ilustrações com minúcias de detalhes eram mática visual muito particular.
feitas, muitas delas com aplicações de pigmentos nobres como o ouro Lindisfarne era uma das muitas comunidades monásticas funda-
e a prata. As iluminuras, como eram chamadas essas ilustrações, exi- das pela cristandade irlandesa céltica em território anglo-saxônico.
biam cores esplendentes, reflexo da concepção da divindade cristã A página da Cruz exibe uma complexidade imaginativa para a com-
relacionada à luz. A ênfase na beleza decorativa dos livros sagrados, posição dos elementos. Seu aspecto final resulta num rendilhado
como os evangelhos, e a riqueza dos pigmentos neles aplicados, era simétrico de formas sinuosas dispostas com precisão compositiva.
para os cristãos uma forma de honra a Deus e sua palavra. O desenho da cruz, com sua exatidão geométrica, destaca-se sobre
No contexto da arte do ocidente medieval, uma das ilustrações mais os demais elementos. Triunfante sobre as linhas entrelaçadas que
citadas é a Página dos Evangelhos de Lindisfarne (Figura 34). Trata-se formam os corpos das serpentes,
de uma imagem de uma cruz jun- a imagem da cruz reforça a ideia
to a um emaranhado de formas da vitória do bem sobre o mau.
lineares, típicas do chamado es- Observa-se também que, nos
tilo insular. Esse estilo, desenvol- manuscritos ilustrados, a reto-
vido nas regiões da atual Irlanda mada de características da arte
e Inglaterra, era marcado por do Antigo Império Romano esta-
padrões decorativos de motivos vam presentes. Podem ser vistos,
orgânicos e geométricos, o uso por exemplo, na Bíblia de Carlos,
de figuras zoomórficas, além da o Calvo (figura 35), datada de
feitura de entrelaçados lineares 845–846 d.C. Nela, as cenas da
precisos e detalhados. Por meio vida de São Jerônimo, autor da
das comunidades monásticas da Vulgata, estão distribuídas em
região da Gália e da Itália, funda- três faixas que ocupam a página Figura 35
da pelos missionários da Irlanda inteira desse manuscrito carolín- Bíblia de Carlos, o Calvo, cenas da vida
de São Jerônimo, Tours, 845-846.
Figura 34 céltica, o estilo insular também gio. No primeiro setor, de cima
Página dos Evangelhos de Lindisfarne, c.
698 d.C. (British Library, Londres). penetrou na Europa Continental. para baixo, está a partida de São Jerônimo da cidade de Roma e o
A absorção das tradições romanas pagamento ao seu professor de hebreu. Logo abaixo, o santo ensina
História da Arte I Capítulo 2 | 42
a damas da nobreza e clérigos fazem a transcrição de sua obra. Na Itália, que havia sido conquistada pelos Lombardos em 774, fornecen-
última faixa, São Jerônimo localizado ao centro, distribui a Vulgata do modelos para a chamada renovação do Império. A cidade de Roma
(versão em latim da bíblia). Nota-se que houve a preocupação em que abrigava exemplares da arte antiga, juntamente com Ravena, com
sugerir o espaço e a profundidade dos planos, sobre os quais estão seus edifícios do fim da Antiguidade e Bizantinos, se tornaram im-
distribuídos os personagens dentro de um dinamismo de poses e portantes referências. Construções religiosas, com aspectos gerais
gestos, aspectos estes tão comuns a aqueles encontrados na tradi- que lembravam as antigas basílicas cristãs foram realizadas, como
ção da pintura grega e romana. a igreja abacial de Centula (St. Riquier). A capela palatina, localizada
Vale dizer que esse manuscrito foi um presente ao rei Calos, o na sede da corte Carolíngia em Aachen (Aix-la-Chapelle), testemu-
Calvo, dado pelo conde Vivien, abade do mosteiro de Tours, em 845. nha a retomada de características edifícios de planta centrada, cuja
A região de Tours foi um importante centro do Renascimento Ca- referência principal está na Igreja bizantina de São Vital, em Ravena,
rolíngio, capítulo importante para a história do Ocidente Medieval. edificada no reinado de Justiniano.
No século IX, na região da Gália, inicia-se uma série de reformas no Boa parte do que chegou até os dias atuais, demonstra que arte
campo da escrita, da língua, do direito, da vida religiosa e espiritual. O produzida no Renascimento Ca-
Renascimento Carolíngio, como é chamado o fenômeno de retomada rolíngio refletia o gosto áulico.
das tradições da antiguidade greco-romana de modo deliberado em Na corte de Carlos Magno ofi-
territórios ocidentais cristianizados, iniciou-se durante o reinado de cinas eram responsáveis pela
Pepino, o Breve (751–768), mas foi intensificado com Carlos Magno produção da arte oficial, dos ob-
(768–814). Coroado no ano de 800, em Roma pelo papa Leão III, esse jetos relacionados a arte sacra e
imperador centralizou seu domínio sobre territórios da Europa Cen- a ilustração de manuscritos. Ob-
tral, se tornando uma espécie de autoridade sucessora dos antigos serva-se que as ilustrações pre-
imperadores romanos no Ocidente. O Renascimento Carolíngio fin- sentes nos códices carolíngios
dou-se com a instabilidade política instaurada após a morte de Carlos, não ficaram restritas aos estilos
o Calvo, neto de Carlos Magno, em 877. ornamentais vindos do norte da
Uma das iniciativas do Imperador Carlos Magno, que visava restau- Europa, como o insular, mas par-
rar as tradições da Antiguidade, foi o incentivo à produção de cópias tem para a retomada da gramáti- Figura 36
de manuscritos de autores latinos clássicos, o que ajudou a conservar ca visual da arte da Antiguidade São João Evangelista, Evangelhos de
Ebbon, Reims, entre 816 e 835.
esses testemunhos do passado. Outro fator relevante para o Renasci- Clássica. Mas em contrapartida
mento Carolíngio, foi a reintegração de territórios, como os da atual ao classicismo das imagens da
História da Arte I Capítulo 2 | 43
Bíblia de Carlos, o Calvo, as ilustrações dos Evangelhos de Ebbon reavivou a ideia de unidade imperial carolíngia, se tornando o novo
(figura 36) apresentam outra faceta da arte carolíngia. Imperador no ano de 962. O Império renascia naquele momento sob
Na cidade de Reims, a oficina que trabalhou para o acerbispo de a designação de Sacro Império Romano Germânico. A arte da corte
Ebbon, realizou nesse manuscrito ilustrado uma interpretação dos otoniana (962–1024), herdou aspectos da arte carolíngia, mas tam-
quatro Evangelistas dentro de uma perspectiva menos terrena e mais bém estabeleceu contato com exemplos do repertório iconográfico
distante dos modelos antigos da Antiguidade. Na imagem 36, o dina- da arte bizantina, o que acabou por renovar as formas otonianas de
mismo do traço do ilustrador se reflete no movimento das vestes e na inspiração carolíngia.
instabilidade do pano de fundo da cena. Aspectos estes, que aludem A retomada dos valores da Antiguidade nesses séculos fomentou
ao momento sobrenatural de inspiração divina, que é figurada pela questões concernentes ao estilo designado de românico. Termo, que
imagem da águia, um dos símbolos dos tetramorfos . Com seus olhos 4
na lingüística, se refere as diferentes línguas provenientes do latim e
bem abertos, São João evangelista fita o animal, para escrita do seu que deram origem às línguas modernas, foi aplicado as construções
livro sagrado, como se recebesse dele a inspiração divina. medievais dos séculos XI e XII, que retomam o vocabulário dos ele-
A expressividade vista nas faces, vestes e fundos das cenas dos mentos arquitetônicos romanos. Posteriormente, o termo românico
evangelistas do manuscrito de Ebbon, levaram o historiador Ernest passou a abranger as demais linguagens artísticas desse período. Ele-
Gombrich a uma conclusão: “[…] os egípcios haviam desenhado mentos como arcos, abóbadas, pilastras, colunas adossadas, cúpulas,
principalmente o que sabiam existir; os gregos o que viam; na Idade estruturas triangulares que lembram os frontões dos templos, além
Média, o artista aprendeu também a expressar em seu quadro o que do retorno da aparição de esculturas no exterior dos edifícios foram
sentia.” (2009, p. 165). Nesse sentido, importava mais nas imagens do usados nas construções românicas.
medievo a transmissão da intensidade do conteúdo relacionado as Nessa época, sobrevivente a dissolução da dinastia carolíngia, a
suas crenças, do que a busca pela verossimilhança da natureza, dos unidade espiritual do cristianismo se deu em torno do movimento
corpos e dos objetos. das Cruzadas, que prometiam vantagens espirituais aos seus colabo-
Uma série de invasões, como a dos normandos e a dos húngaros, radores e também eram um meio para ganhos materiais. A primeira,
marcaram a Europa do final do século IX. Após o declínio da dinastia ocorrida em 1095, alcançou a Terra Santa em 1099, que até então era
da Carlos Magno, Oton I, senhor da Germânia e do norte da Itália, dominada pelos mulçumanos. Já em 1204, a Quarta Cruzada, culmi-
nou com o saque a Constantinopla.
4 Os tetramorfos são representações da arte cristã que fazem referência aos quatro seres viven-
tes descritos em passagens bíblicas relacionadas a visões do Evangelista São João, no livro de
O número de construções de igrejas crescia por toda Europa e o
Apocalipse e do profeta Ezequiel. Em seu livro, o profeta descreve o trono de Deus sustentado culto as relíquias incrementaram as peregrinações a locais sagra-
por quatro criaturas, cuja semelhança de seus rostos era como uma cabeça de leão, de homem,
de boi e de águia. dos, como a São Tiago de Compostela, na Espanha. Ao analisar o
História da Arte I Capítulo 2 | 44
entusiasmo religioso que tomava o ocidente medieval, o autor Gom- esses recursos, a abertura de grandes vãos nas paredes das igrejas
brich diz que a edificação dessas “montanhas de pedra” expressariam românicas era algo que comprometia sua estrutura, visto o peso do
a ideia teológica da Igreja Militante, ou seja: “[…] a ideia de que aqui teto. Por conseqüência, as igrejas possuem poucas janelas. E mesmo
na Terra é tarefa da Igreja combater as forças das trevas até que a hora estas, quando usadas para a iluminação interna dos edifícios, não
do triunfo desponte no dia do juízo final” (2009, p. 173). O monasticis- minimizam o aspecto de solidez das igrejas românicas.
mo também ganhou vigor e muitos mosteiros foram construídos. A Outra solução relativa a diminuição do peso do teto dos edifícios
poderosa ordem beneditina de Cluny, fundada em 909, por exemplo, foi o uso de abóbadas de arestas, formadas pela intersecção de dois
se espalhou por várias abadias pela Europa nos anos subsequentes. segmentos da abóbada de berço apoiados sobre pilares. Nervuras fa-
O Românico nasceu numa Europa feudal, com suas redes de alian- ziam seu reforço e transmitiam todo o peso para as paredes laterais,
ça e vassalagem, fragmentada por diversos reinos e principados. Den- que consequentemente, já não necessitavam ser tão robustas, visto
tro desse contexto, a arte românica se configura dentro de uma va- que, o peso do teto era menor com o cruzamento das abóbadas. Com o
riedade de estilos, de modo que é possível falar de escolas regionais, emprego das abóbadas de arestas,
apresentando maneiras variadas para o uso de um vocabulário arqui- as igrejas românicas ganharam
tetural comum. Dentre os elementos mais freqüentes nos edifícios aspecto interno mais leve e áreas
românicos, estão as abóbadas. Conhecidas desde a Antiguidade e já mais abertas.
prefiguradas nos edifícios carolíngios, substituíram nas igrejas os A figura 37 mostra o interior
tetos feitos com vigamentos de madeira, muito comum nas antigas da nave da Igreja de Santa Ma-
basílicas romanas e cristãs. Empregadas, outrora, somente em algu- ria Madalena de Vézelay, cerca
mas partes das igrejas, como as cabeceiras e os pórticos, as extensas 1120–1140, em que há o uso de
abóbadas que formavam a terminação das naves foram a grande mar- arcos de plena cintra ao longo da
ca da arquitetura românica. No interior, o que se via era um aspecto abóbada. O plano da igreja segue
de um grande túnel feito de pedra. formato basilical e seu sentido
Na tentativa de sustentar o peso do grande corredor abobadado, longitudinal conduz o visitante
as paredes e os pilares ganharam robustez, ficando mais largos. Para ao altar-mor, localizado ao final Figura 37
Nave da igreja de Santa Maria
amenizar o peso dessas coberturas de pedra, a solução encontrada foi do templo. Formada por três na- Madalena, Vézelay, por volta de
1120–1140.
a colocação de arcos ou nervuras nas abóbadas em intervalos regula- ves, sendo que na principal, uma
res. Com esses elementos de reforço, o material das abóbadas pôde ser sequência de janelas, chamada de clerestório, proporciona ilumina-
substituído por elementos mais leves, como os tijolos. Mesmo com ção ao edifício. Mas a principal fonte de claridade da Igreja de Santa
História da Arte I Capítulo 2 | 45
Maria Madalena está em sua cabeceira, proveniente dos vitrais que a devoção às relíquias que elas abrigavam transfere-se para o culto
testemunham os princípios da arquitetura gótica, que foram ali cons- das próprias estátuas. Ou seja, de suporte das relíquias, as imagens
truídos posteriormente. tridimensionais em si passaram a atrair peregrinos ávidos por mi-
O plano basilical era o mais usado nas igrejas românicas. Em mui- lagres ou fiéis que queriam agradecer às dádivas recebidas. Um dos
tas, a presença do transepto retomava o formato de cruz latina das testemunhos dessa mudança de atitude cultual em relação às estátuas
antigas basílicas paleocristãs. Apesar generalidade do emprego do -relicários está em um episódio relacionado ao incêndio na Igreja de
plano basilical, variações eram comuns: templos com nave única, com Santa Maria Madalena de Vézelay, ocorrido na metade do século XII:
três ou cinco naves (sendo uma principal e as demais colaterais), sem
ou com transepto (nave transversal). A cabeceira podia ser simples, Tendo o fogo chamuscado mas poupado miraculosamente uma estátua
semicircular ou plana, com ou sem capelas radiantes, com ou sem de madeira da Virgem, esta foi confiada a um restaurador (Lampertus
deambulatório. A respeito deste último, era uma área que contorna- reparator) que descobriu entre os ombros uma pequena porta coberta
va a capela-mor e formava com as capelas radiantes uma unidade pela pintura. Ele a abriu em presença dos superiores do mosteiro, que
chamada de cabeceira de peregrinação. Por lá, peregrinos devotos tiveram a surpresa e a felicidade de encontrar na cavidade as relíquias
caminhavam em direção às relíquias que ali ficavam. da Virgem e de diversos santos (SCHMITT, 2007, p. 70).
De simples relicários com formato de caixa, as relíquias sacras me-
dievais, com o tempo, passaram a ser colocadas nas chamadas estátu- Para Schmitt, o espanto do restaurador reforça a ideia de que na
as-relicários, ou seja, figuras em três dimensões que representavam metade do século XII, uma imagem para ser venerada já não, neces-
imagens de santos e santas, como a Virgem Maria, ou partes de seus sariamente, precisava conter relíquias.
corpos, como cabeças, braços e pés. Observa-se que as estátuas-relicá- O que se nota nas igrejas do ocidente medieval é que há uma pro-
rios já eram presentes no século IX, em regiões da França, Alemanha fusão de imagens tridimensionais, presentes tanto no seu interior,
e Inglaterra. Sobre o culto das imagens no ocidente medieval, o histo- como ocupando também setores das fachadas. Um desses exemplos
riador Jean-Claude Schimtt diz que o poder sobrenatural dessas está- pode ser visto na fachada da Catedral de St-Trophine (figura 38), lo-
tuas-relicários estava relacionado ao fato delas conterem as relíquias, calizada em Arles, na França, cujo aspecto do pórtico faz lembrar os
o que as diferem dos ícones orientais bizantinos. Estes eram conside- antigos monumentos triunfais romanos. Nessa fachada estão figuras
rados um protótipo de uma imagem original e ao mesmo tempo uma em esquemas compositivos que serão tradicionais ao universo das
relíquia a ser venerada. igrejas românicas.
Mas o que se observa na passagem do ano mil é uma transfor- A escultura românica era distribuída em pontos-chave da arquite-
mação relevante em relação à atitude perante as estátuas-relicários: tura, como nos portais de entrada. Eram nos tímpanos que geralmente
História da Arte I Capítulo 2 | 46
estavam as narrativas de caráter doutrinário, sendo frequentes os te-
mas escatológicos. No tímpano da Catedral de St-Trophine, o Messias
em glória, em atitude solene, está em seu trono envolto por uma man-
dorla (figura 39). Seus gestos e atitude evocam a imagem do Cristo
Pantocrator. Em seu entorno estão os tetramorfos que trazem consigo
as escrituras. Essas figuras, na teologia cristã, também fazem alusão
aos quatro evangelistas. Observa-se ainda que, no setor inferior abai-
xo do tímpano, chamado de dintel, estão dispostos os doze apóstolos.
Figura 39
Cristo em glória. Detalhe da fachada da igreja de St-Trophine, Arles, c. 1180.
O posicionamento desse tipo de tema no exterior das igrejas era
proposital: as imagens ali poderiam atingir toda sorte de passantes,
ou seja, cristãos ou não. Nesse sentido, a vinculação da escultura
ao espaço arquitetônico do santuário não era meramente decorati-
va, mas estava relacionada as suas funções, previamente definidas.
Assim, se as imagens dos tímpanos e dos dintéis tinham função de
doutrinação dos neófitos e meio de convencimento aos pagãos, nos
mosteiros os capitéis decorados dos claustros eram voltadas para os
olhos dos já iniciados na fé. Ali, a iconografia podia ser mais variada
e as funções das imagens eram das mais diversas, como aquelas que
Figura 38
Fachada da igreja de St-Trophine, Arles, c. 1180. incentivavam a obediência aos votos e às doações de recursos.
História da Arte I Capítulo 2 | 47
O tema do Juízo Final pode ser visto no pormenor do tímpano da esquerda do Cristo Juiz, tipos híbridos de demônios, com suas faces
Catedral de Saint Lazare, localizada na cidade de Autun (figura 40). horrendas parecem manipular a pesagem das almas.
Chama a atenção o clima de temor alcançado pela expressividade dos Os portais das igrejas românicas se transformaram numa espécie
corpos e feições que Gislebertus, executor do conjunto, alcançou nes- de bíblia de pedra. Os elementos mais significativos das histórias bíbli-
se trabalho. A seu respeito e talvez orgulhoso pela sua obra, o escultor cas e os pormenores decorativos eram distribuídos estrategicamente
francês, assinou a frase na faixa localizada entre o tímpano e o dintel: pelos tímpanos, pelos dintéis e mainéis, nas arquivoltas, nas cornijas
“Gislebertus hoc fecit” ou “Gislebertus fez isso”. e os capitéis dos suportes. O termo Horror ao Vazio é frequentemente
usado para denominar o gosto pelo excesso dos relevos escultóricos
nos templos medievais. A escultura românica existe em relação estrei-
ta com o espaço arquitetônico. Assim, em detrimento do realismo, as
figuras eram estendidas ou achatadas, conforme o espaço que lhes era
reservado. O afastamento da verossimilhança se manifestava em acen-
tuadas distorções, corpos desmaterializados e a dissolução do espaço,
aspectos estes que reforçavam a expressividade espiritual dos temas.
As igrejas românicas eram geralmente, mas não exclusivamente,
abaciais, ou seja, vinculadas a abadias regulares5. Estas eram aquelas
que observavam um modo de vida ascético e as práticas de disciplinas
espirituais, como votos e jejuns rigorosos, designados pelas ordens
religiosas, como a beneditina, a cistercienses e a cluniacense. Os par-
Figura 40
O juízo final (pormenor), tímpano do portal da fachada principal da catedral de ticipantes do clero regular eram os monges, os abades, as abadessas,
ocidental, Catedral de Saint-Lazare, Autun, c. 1130–40.
os frades e as freiras que viviam em mosteiros, conventos e abadias. O
Ao centro da composição, na mandorla mística, está o Cristo Juiz clero regular se difere do clero secular, que é formado por padres, bispos
que inicia o julgamento após os anjos tocarem as trombetas. Para re- e arcebispos, que desenvolviam suas funções junto à sociedade nas
forçar sua autoridade divina, Cristo foi realizado com uma expressão cidades. A sede do clero regular era a Catedral6, local do trono episcopal.
distante, com o corpo, face e mãos alongados. Seus pés parecem pairar
no espaço. No dintel, as almas, com corpos a semelhança de bonecos,
5 O termo regular vem de “regula” do latim e quer dizer regra.
despertam dos seus sepulcros e são conduzidos ao desfecho final. A
6 O termo Catedral vem “cátedra” do latim e quer dizer cadeira, no caso das igrejas toma o sentido
de sede do trono episcopal.
História da Arte I Capítulo 2 | 48
As comunidades cristãs monásticas tiveram um importante papel da Antiguidade Clássica e o tempo glorioso que diziam estar vivendo
cultural na Idade Média. Eram grandes guardiãs de obras literárias os renascentistas. Foi apenas nos séculos XVIII e XIX que o termo
e filosóficas da Antiguidade e de suas bibliotecas que saíram muitos gótico entrou na moda e adquiriu um caráter mais positivo, muito
textos fundadores do novo humanismo que passou a permear as men- devido ao seu retorno nas artes e na arquitetura. Igrejas, colégios,
talidades. Além disso, eram das mãos dos monges ilustradores que a edifícios em geral foram construídos conforme as características de
riqueza ornamental da arte das iluminuras era materializada. A im- seu vocabulário arquitetônico.
portância econômica e social desses centros também se fez presente Nesse clima, escritores do romantismo francês, como Vitor Hugo
na sociedade medieval, como a experimentação e o aprimoramento (1802–1885), revisitaram o universo medieval por meio de obras li-
de técnicas agrícolas e o desenvolvimento de ofícios artesanais. Suas terárias, reforçando o interesse por esse período, compreendido
ações na área da educação e de assistência social foram relevantes como uma grande época da fé. Os estudos sobre a arquitetura gótica
para a sociedade, como o acolhimento de pobres, órfãos, peregrinos e restaurações de edifícios do passado medieval se intensificaram
e idosos, além da existência das enfermarias, onde a medicina me- no século XIX, especialmente, pelos trabalhos de Eugene Emmanuel
dieval, baseada na crença dos benefícios das sangrias, era praticada. Viollet-le-Duc (1814–1879). Seus desenhos de seções das catedrais são
Foi a partir da reforma de uma abadia beneditina românica, que fontes para estudos até a atuali-
um novo estilo se configurou na primeira metade do século XII: o dade. Exibem em detalhes os ele-
gótico. As igrejas góticas, normalmente, eram catedrais, ou seja, sede mentos arquitetônicos das igrejas
de bispados do clero secular. Mas foi na Abadia de Saint Denis, lo- e acabam por demonstrar o pro-
calizada na França, que o Abade Suger (1081–1151) empreendeu uma gresso construtivo na edificação
reforma responsável pelas transformações que iriam caracterizar o desses templos de pedra.
estilo que sucederia o românico. A figura 41 apresenta uma
Nascido na França e sendo irradiado por toda Europa, o gótico ou imagem atual da cabeceira ou
estilo francês, com o passar do tempo também se caracterizou por charola (também chamada de
variações regionais. Vale lembrar que o termo gótico não era usado chevet) da Igreja da Abadia Saint
por aqueles que vivenciaram as transformações na sociedade dos Denis. A cabeceira das igrejas era
séculos XII, XIII e XIV. Foram os humanistas do Renascimento que o constituída pela abside, absidí-
empregaram. Nesse contexto, a palavra possuía sentido pejorativo, olas e pelo deambulatório, local Figura 41
referindo-se aos edifícios medievais como uma espécie de arquite- para o caminhar dos passantes Cabeceira e altar da Igreja da Abadia
Saint Denis.
tura ligada ao gosto bárbaro (dos godos), realizada entre o declínio que visitavam as relíquias nas
História da Arte I Capítulo 2 | 49
capelas radiantes. O Abade Suger concebeu o chevet em sua reforma olhos de peregrinos devotos que eram convidados a se maravilharem
repleto de luminosidade, que era proporcionada pelas paredes forma- com visões gloriosas do ambiente invadido pela luz.
das de vitrais. Esse modelo de cabeceira, inundada de luz, se tornou A atração de Suger pela beleza e pelo esplendor resplandecente dos
uma marca das catedrais góticas. A transparência do coro de Saint materiais que ornavam o templo gerou controvérsias entre seus con-
Dennis contrasta com a robustez e a obscuridade das igrejas români- temporâneos, como o cisterciense São Bernardo de Claraval, adepto ao
cas. Junto a isso, a predominância das linhas dinâmicas e ascenden- monasticismo de renúncia aos prazeres mundanos. Em sua reforma,
tes ao céu materializadas nos pilares, já mais delgados, conferem ao Suger demonstrou que não era voltado ao asceticismo, muito menos
interior da igreja um aspecto leve, etéreo. era intolerante à ostentação de materiais e à presença de imagens fi-
Saint Denis foi por muito tempo uma abadia real. Havia sido fun- gurativas nas igrejas, condenados pelos abades da ordem cisterciense.
dada no século VII pelo rei franco Dagoberto I. No antigo templo foram Assim, justificou o embelezamento do templo de Saint Denis, como
sagrados ao trono os monarcas da dinastia carolíngia. Ali também conta Panofsky:
estavam seus túmulos, como o de Pepino, o Breve e de Carlos, o Calvo,
além o de Hugo Capeto, fundador da dinastia dos reis da França após a Não haveria pecado de omissão mais grave, julgava ele, do que privar
morte do último carolíngio em 987. Sua importância também se dava o serviço de Deus e de seus santos daquilo que Ele habilitara a natu-
por ser local que abrigava as relíquias de Saint Denis, considerado reza a dar e o homem a aperfeiçoar: vasos de ouro e pedras precio-
apóstolo da Gália e protetor do reino. No século XII, época em que sas, adornadas de pérolas e gemas, candelabros de ouro e painéis de
viveu o Abade Suger, suas instalações estavam em más condições. altar, esculturas e vidros coloridos, trabalhos de mosaico e esmalte,
Usando seu poder de articulação política para estreitar a relação vestimentas e tapeçarias resplandecentes (1979, p. 164).
entre a coroa e o clero, Suger ambicionava engrandecer, por meio da
reforma, o templo dedicado a Saint Denis, incentivando sua devoção Enquanto que para São Bernardo, a ornamentação era superficial
popular por meio das relíquias e ao mesmo tempo, fortalecer o poder e desviava dos caminhos legítimos da salvação, para Suger, era pela
do reino da França, que começava a se reafirmar depois de um período contemplação do ornatus que se levava o fiel à contemplação do invisí-
instabilidade. Para isso, precisava ampliar a igreja de modo que acomo- vel. Para ele, portanto, a experiência contemplativa da ornamentação
dasse ordenadamente um maior número de pessoas. Os objetos sagra- suntuosa do templo era meio para uma espécie de sublimação, ou
dos, que antes da remodelação de Saint Denis ficavam em locais mais seja, a ascensão do mundo material para o mundo imaterial. Sobre
restritos, como a cripta, foram transferidos para os setores reformados, um desses momentos de transe religioso, Suger assim descreveu:
como coro e as capelas radiais do deambulatório. Ali estariam sob os
História da Arte I Capítulo 2 | 50
Quando fui tomado pelo amor da beleza da casa de Deus, o esplendor cobranças para angariar fundos poderiam criar revoltas e rebeliões,
multicolorido das gemas por vezes me arrancava às preocupações como ocorreu em Reims em 1233, por ocasião da construção da cate-
exteriores, e a diversidade das santas virtudes parecia transportada dral da cidade (WILLIAMSON, 1998, p. 1).
das coisas materiais para as coisas imateriais por uma nobre medita- Na sociedade medieval, as igrejas ocupavam um relevante papel
ção, e era como se eu estivesse nalgum lugar exterior ao orbe terres- como aglutinadoras sociais, sendo um ponto de convivência para a
tre que não se encontraria nem na sujeira da terra nem inteiramente população. Geralmente localizadas nos centros das cidades, o impac-
na pureza do céu: pelo dom de Deus, e de maneira anagógica fui to visual das catedrais era enorme, muito devido a sua monumenta-
transportado (transferri) do espaço inferior a este espaço superior. lidade, sendo vistas pelos visitantes a quilômetros de distância. Seu
(SUGER apud SCHMITT, 2007, p. 172) status também estava relacionado à popularidade de suas relíquias
e de seus santos padroeiros, que atraiam moradores e peregrinos de
Seguindo essa perspectiva mística na contemplação da beleza várias regiões.
do templo, o espaço das igrejas góticas materializara-se parecendo Além de colaborar financeiramente, a população não ficava alheia
anunciar as maravilhas das pedrarias, dos muros de diamante e das a sua construção, auxiliando de diversas maneiras. Para a edificação
ruas de ouro puro reluzente da Jerusalém Celestial. A proclamação da desses grandiosos monumentos de pedra, uma massa de operários
glória celeste por meio do decorativismo e da escala monumental dos precisava ser convocada, e mesmo aqueles que não tinham experiên-
templos refletia, nesse contexto, mais a ideia de uma Igreja Triunfan- cia no trabalho especializado, colaboravam de alguma forma, como
te, do que a ideia de uma Igreja Militante, vista no contexto do estilo no transporte de materiais e na distribuição de alimentos. A catedral
românico, como apontou Gombrich (2009). surge, assim, como resultado dos esforços de muitas mãos, com a
Os excessos arquitetônicos e ornamentais do gótico foram alvos colaboração de amplas camadas da sociedade.
de críticas e de contendas no meio eclesiástico e também entre a po- A reforma da Abadia de Saint Dennis foi um dos primeiros passos
pulação. Alguns membros do clero ridicularizavam seus contempo- para a elaboração de um novo estilo que configurou a arquitetura re-
râneos, como um dos cônegos da Catedral de Notre Dame de Paris, ligiosa dos séculos XIII e XIV. O clima de fervor religioso fez nascer
que a comparou com a Torre de Babel do Antigo Testamento . Vale 7
muitas catedrais nas principais cidades europeias. Suas grandiosas
dizer que a coleta de recursos na comunidade para a edificação des- dimensões as faziam dominar visualmente o espaço das cidades. A
sas montanhas de pedra nem sempre era pacífica. Os exageros nas magnitude desses edifícios refletia também o poder que a instituição
religiosa representava na sociedade medieval. Muitas igrejas români-
cas foram remodeladas conforme o novo gosto, que também foi pre-
7 O cônego era Pedro el Chantre (morto em 1197). In: CAMILLE, Michael. Arte gótico: visiones
gloriosas. Madrid, Espanha: Akal, 2005. sente na arquitetura civil, como nos castelos da Baixa Idade Média.
História da Arte I Capítulo 2 | 51
A arquitetura gótica herdou muitos pontos da arquitetura româ- proveniente da luz vinda do exterior, que é filtrada pelos janelões de
nica, dando diferentes soluções para o emprego de seus materiais e vidros colorido. O brilho dos vitrais e o reluzir do dourado que cobre
elementos mais fundamentais. Menos suscetível a incêndios, a pe- toda sorte de elementos que ali estavam, davam honras às relíquias
dra continuou sendo material principal para essas construções. As da Paixão de Cristo, como também proclamavam glórias a coroa real.
abóbadas e os arcos reaparecem no formato ogival, substituindo os
de plena cintra ou de berço. O aspecto pontudo dos arcos reforçava
a verticalidade dos edifícios góticos. Junto a isso, na parte externa,
torres sineiras pontiagudas e pináculos enfatizavam também o mo-
vimento ascendente das catedrais.
As abóbadas de arestas, já presentes nas igrejas românicas, foram
amplamente utilizadas. Suas nervuras descem até os pilares, inter-
calados pelos vitrais, que substituíram as paredes cegas do estilo
anterior. Com paredes de vidro, bem mais leves, consequentemente,
os pilares internos já não eram tão grossos. Mas estes, não foram su-
ficientes para sustentar o empuxo lateral das paredes. Para resolver
esse problema, a igreja gótica era reforçada por uma sequência de
contrafortes e para alcançar as naves, cada vez mais altas, o recurso
utilizado foram os arcobotantes. Toda essa armação externa ficava
a vista e sem ela, a resplandecente beleza interior provocada pelos
vitrais não seria possível.
A Santa Capela ou Sainte-Chapelle construída no complexo do
palácio real no reinado de Luís IX (São Luís) é um dos exemplos da
realização do ideal gótico da claritas (figura 42).
A capela exerceu a função de ser um grande relicário para abri-
gar importantes objetos sagrados. Lá estavam guardados a coroa de
espinhos de Cristo e os pedaços da Vera Cruz, orgulho da dinastia
dos Capetos, mas que foram perdidos durante a Revolução France- Figura 42
Saint-Chapelle, Paris, 1248.
sa. Impressiona, nessa capela, a atmosfera translúcida do ambiente,
História da Arte I Capítulo 2 | 52
As catedrais góticas possuíam o sentido longitudinal e muitas Em resumo, as ideias de Pseudo Dionísio apontam Deus como luz,
mantiveram o formato de cruz latina das igrejas românicas. As ca- fogo.9 Deus seria o pai das luzes e Cristo a primeira radiância que teria
beceiras eram voltadas propositalmente para o oriente e as absides revelado o Pai ao mundo. E toda luz que resplandece na matéria seria a
transparentes permitiam que a luz do sol nascente iluminasse o emanação dessa fonte luminosa supraessencial. Nesse sentido, o mun-
principal local do templo: o altar. E pela fachada principal, voltada do material seria uma grande luz, composto por muitas luzes menores
para o ocidente, que os últimos raios do final do dia, atravessavam ou “milhares de lanterninhas” (PANOFSKY, 1979, p. 171). Ou seja, o brilho
a grande rosácea. perceptível dos materiais, tanto presente na natureza, quanto naqueles
A busca pela luminosidade não se justifica apenas pelas inovações objetos trabalhados pelo homem, seriam pontos de luz que emanam
dessa nova arquitetura, mas está relacionada à metafísica da luz, de o esplendor da Verdadeira Luz. Cada coisa seria, portanto, “um degrau
modo particular, à filosofia neoplatônica retomada na obra teológica na estrada do céu” (1979, p. 171) e sua contemplação levaria o fiel a se
do chamado Pseudo Dionísio, o Areopagita. Serviram de fonte para transportar do mundo material para o imaterial. É nesse sentido que,
Suger as traduções e os comentários de tratados em grego, encon- o abade Suger dizia vivenciar sua experiência ao contemplar o brilho
trados no século VI, cuja autoria fora atribuída a Dionísio e estavam das pedras multicoloridas que reluziam no altar da Igreja da Abadia
sob guarda da Abadia Saint Denis . Vale dizer que, na era carolíngia,
8
de Saint Denis. Para ele, toda ornamentação — incluídas as imagens,
Saint Denis, o santo padroeiro do reino francês, foi associado a esse os vidros translúcidos e coloridos, as pedras preciosas, os vasos de
mesmo Dionísio, que era considerado um bispo de Atenas no século ouro e o exuberante crucifixo com pedrarias que colocou no altar da
I, convertido pelo apóstolo Paulo no areópago em sua visita a cidade. igreja — eram formas visíveis da emanação divina.
Hoje se sabe que a associação dos escritos encontrados em Saint De- Além dessas questões, o pensamento na Baixa Idade Média foi per-
nis a Dionísio, o Areopagita, foi equivocada, por isso o autor desses meado pelas ideias de São Tomás de Aquino (1225–1274), pensador me-
manuscritos é chamado de Pseudo Dionísio. dieval que retomou fontes aristotélicas, fundindo-as aos princípios do
Em seu ensaio O Abade Suger de Saint Denis, o historiador Erwin cristianismo. Em sua Suma Teológica aponta como exigências do belo:
Panofsky defende a tese de que o abade teria baseado suas ideias para a integridade (perfeição), ou seja, seria considerado feio um corpo
a reforma da igreja na obra teológica de Dionísio, encontrando nela incompleto, mutilado; a harmonia, que consiste na justa proporção
“uma justificação filosófica para toda a sua atitude com respeito à entre as partes; e por fim a claritas (clareza) em que são consideradas
vida e à arte” (1979, p. 169). belas as cores nítidas e as resplandecentes.
8 O Abade Suger redescobre a obra do Pseudo Dionísio que foi traduzida para o latim e comentada 9 Esses temas foram desenvolvidos, principalmente, nos escritos de Pseudo Dionísio: Hierarquia
por João Escoto Eurígena (século IX). celeste e Dos nomes divinos (século V).
História da Arte I Capítulo 2 | 53
É importante dizer que a tradução de textos da Antiguidade teve apesar da figura do Cristo Juiz permanecer assentado em seu trono
um importante papel para a formação do humanismo que se configu- de glória como era a tradição, acrescentou-se as figuras intercessoras
rou no século XII. As traduções dos textos de Aristóteles, por exemplo, da Virgem Maria e São João Batista, formando junto a ele a tríade da
forneceram um corpus de tratados com ideias que aos poucos iam sen- salvação, o que trazia esperança aos pecadores. Essa imagem também
do absorvidos pela consciência medieval. Nessa época, as primeiras mostra o interesse pela humanização dos personagens, manifesto
universidades foram fundadas, tornando-se novos centros de saber pela expressão das fisionomias e do seu estado emocional. Apesar da
e o espírito de investigação da natureza, de modo mais objetivo e narrativa referenciar-se de modo temerário ao Juízo Final, o clima jo-
imparcial, crescia nas mentalidades. coso da cena chama a atenção pela expressividade dos risos e caretas
Dentro dessa perspectiva, o contato com herbários em manuscri- que compõem as faces das figuras.
tos foram importantes fontes para a realização dos entalhes natura-
listas de flores e plantas, que adornavam as catedrais impressionan-
do pela sua verossimilhança. A natureza, nesse contexto, passa a ser
representada dentro de uma visão mais positiva, demonstrando que
a percepção e a experiência com o Divino também se estendia aos
exemplos de sua criação.
Ainda no campo da escultura, observa-se que no gótico, aos pou-
cos ela se desvencilha do gosto românico pelas formas estáticas e
anti-naturalistas. Mesmo vinculada à arquitetura, a escultura góti-
ca vivenciou a soltura da superfície adotando uma aparência mais
dinâmica. As deformações corporais, ainda que mantidas por certo
momento, deram lugar a corpos proporcionais e gestos mais livres. Figura 43
Tímpano, o Fürstenportal; lado norte da nave, catedral de Bamberg; C. 1233–1235.
As vestimentas ficaram menos pesadas, multiplicando-se as dobras
com caimentos mais suaves. A presença da Virgem como figura intercessora da humanidade
É o que se nota na imagem (figura 43) de um dos tímpanos da Ca- nesse conjunto escultórico seria reflexo da intensificação do seu cul-
tedral de Bamberg (c. 1233–1235). O temário do Juízo final, já bastante to, resultado de sua atribuição de Rainha do céu junto ao Cristo. Nos
conhecido, toma aspectos que demonstram uma mudança de atitude séculos XII e XIII, cresceram o número de catedrais dedicadas a No-
do homem medieval, agora mais interessado pelo estudo da natureza, tre Dame, como as das cidades francesas de Chartres, Paris e Reims.
sua observação e sua reprodução na arte religiosa. Nesse trabalho, Como fruto dessa devoção, há também a ampliação da iconografia
História da Arte I Capítulo 2 | 54
de Maria, sendo uns dos temas mais frequentes a sua coroação, que modo que o fiel poderia se imagi-
passa estar presente nos portais das igrejas. Além disso, houve uma nar no mesmo nível dos persona-
profusão de estátuas portáteis da Virgem com o Menino (Madonas) gens sagrados.
e de seu tipo como Mater Dolorosa ou Pietá, que é a representação da Na cena A lamentação (figu-
Virgem que chora a morte de seu filho. ra 44), nota-se o corpo de Cristo
Uma mudança de atitude perante as representações do Cristo tam- sendo acolhido pelos seus compa-
bém se configurou. Apesar da permanência de sua imagem em glória nheiros. O conteúdo emocional é
ou de juiz sentenciando os homens no último dia, a difusão da ideia evidente: poses e movimentos
da humanidade de Cristo, que fora afirmada em torno do ano mil, espontâneos denotam o clima da Figura 44
levou a aparição cada vez maior da iconografia da crucificação. Desse lamentação. Os anjos esvoaçantes A lamentação. C. 1304–06. Afresco.
Capela de Arena (Scrovegni), Pádua.
modo, cenas do calvário expressando o sofrimento de Cristo, passam contorcem seus corpos e choram a
a ser mais frequentes tanto na escultura, como em trabalhos em ou- morte do Messias. Interessava o pintor realizar as mesmas inovações
rivesaria, pinturas e em ilustrações de manuscritos. já vistas na escultura, conferindo às figuras efeitos de carnalidade, que
Essa humanização dos personagens sagrados pode ser exempli- até então não interessava a pintura do medievo. Para obter um aspec-
ficada pela obra de um dos mais relevantes pintores e arquitetos do to mais natural, modelou-as, ajustando tons claros e escuros. Junto à
trecento italiano (século XIV): Giotto Di Bondone (1266–1337). Na cape- busca pela volumetria dos corpos, Giotto compôs suas cenas sugerin-
la de Arena (ou Capela Scrovegni) situada em Pádua na Itália, o pintor do o espaço, promovendo efeitos de profundidade. Isso pode ser visto
realizou uma série de afrescos com narrativas relacionadas à vida de no afresco da Lamentação, em que a colina ao fundo dos personagens
Jesus Cristo e da Virgem Maria. projetada em diagonal. Elemento estratégico da narrativa, ela acaba por
Observou-se que na catedral gótica, a atmosfera criada pela luz direcionar o olhar do observador para a imagem do Cristo morto. Outra
filtrada pelos vitrais e o brilho das pedras preciosas tipificavam a aparente estratégia usada por Giotto foi deformar o corpo do Messias,
emanação da luz divina. Dizia Suger, que a contemplação de toda sorte personagem principal da cena, que chama atenção do observador por
de matérias e objetos ali presentes transportariam o fiel do mundo seu aspecto alongado, contrastando com uma maior precisão anatô-
material para o imaterial. Na capela de Arena, Giotto parece caminhar mica dos demais personagens.
pela via oposta: humaniza os personagens trazendo-os ao nível do Vale dizer que, durante o século XIII, a assimilação da arte bi-
observador. Nota-se que as composições das pinturas ali presentes zantina fez surgir entre os pintores italianos, como o florentino
concentram a maior parte das figuras na metade inferior das cenas, de Cimabue (c. 1240–1302) e Duccio de Siena (c. 1255–antes de 1319), o
interesse por pinturas conforme a tradição dos ícones orientais, que
História da Arte I Capítulo 2 | 55
sob o olhar desses mestres ganharam aspectos peculiares. Também de sua especialidade era chamado de escultor, pintor, marmoreiro,
participante dessa escola, chamada de neobizantina, estava o pintor ourives, pedreiro, etc.
Giotto. Mas nota-se que ele já suprimia em seus trabalhos voltados a Importante figura para uma mudança no pensamento medieval
esse estilo as formas descarnadas e rígidas das figuras, experimen- quanto ao menosprezo dos fazeres manuais e sua gradativa valori-
tando efeitos de volume mais naturais. Assim, em sua experiência zação foi Hugo de São Vítor (1096–1141), que em seu Didascálicon (Di-
como pintor, preferiu abandonar a maniera greca (neobizantina): eli- dascalicon de studio legendi, c. 1127) incluiu as Artes Mecânicas em sua
minou os fundos dourados e abstratos, criando um espaço pictural proposta curricular de ensino, junto ao estudo das Artes Liberais10,
em profundidade; e o aspecto etéreo e o ar solene dos personagens, ou seja, aquelas atividades voltadas ao intelecto.
deram lugar ao peso dos corpos e a gestualidade espontânea, como Com o passar do tempo, de apenas operários qualificados, pintores
se notou no trabalho A lamentação. e escultores tiveram seus fazeres associados a uma atividade intelec-
Tais inovações não passaram despercebidas pelo renascentista tual prévia e também passaram a ser considerados homens de ideias.
Giorgio Vasari (1511–1574). Em sua obra Vidas (Le Vite de’ più eccellenti Esse processo foi uma conquista dos artistas e pensadores florentinos
e architetti, pittori, scultori italiani, da Cimabue insino a’tempi nostri.), e aos poucos se espalhou pela Europa Renascentista. Desse modo, os
o arquiteto e escritor italiano viu em Giotto, como também em seu que eram outrora associados ao feitio puramente manual, ganharam
mestre Cimabue, as primícias de uma transformação que caminha- status de figuras intelectualizadas, como os filósofos e os matemáticos.
vam para um renascimento da arte. Para ele, Giotto teria restaurado O século XIV experimentou um período de turbulentos aconteci-
a arte do desenho, voltando-se para a imitação da natureza e para as mentos: conflitos urbanos, a epidemia da peste negra, o cisma pon-
fontes visuais clássicas da Antiguidade. tifical de 1378. Ao final desse tempo, cortes principescas cresceram
As inovações de Giotto deram-lhe visibilidade no contexto do tre- por todo Europa, refugiando-se num ideal cavaleiresco e cortês. Na
cento italiano. Vale ressaltar que, nesse período, se inicia o processo Itália, famílias burguesas, como os Visconti de Milão e os Médicis de
de valorização social do artista, que passou a ser reconhecido pela Florença se tornaram principescas e na França, o duque d’Anjou, o
sua individualidade criativa. É importante dizer que, até o século X, duque de Borgonha e o duque de Berry, tinham cada um a sua corte.
as Artes Mecânicas (atividades manuais) carregavam o atributo de Nesse contexto, surgiu por volta de 1400, o gótico internacional ou
serem artes servis, ou seja, aquelas realizadas por servos e escravos. o chamado de estilo internacional. Superando as variantes locais do
Concepção esta, herdada da tradição greco-romana que as conside- gótico dos séculos precedentes, se apresentou com uma uniformidade
ravam como atividades inferiores. Quem realizava Artes Mecânicas
no medievo, portanto, era considerado um artífice, que dependendo
10 As Artes Liberais eram compostas pelo estudo do Trivium (gramática, retórica e dialética) e pelo
Quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música).
História da Arte I Capítulo 2 | 56
de gosto e de estilo, que foi co- simplicidade da vida camponesa. Entre o castelo d’Étampes, localiza-
mungada nas principais cidades do no centro da cidade murada e o cortejo real, estão os trabalhadores
europeias. Esse clima de unidade do campo. Observa-se que quatro deles deixam seus afazeres para
foi favorecido pela circulação de se refrescarem no rio, no mês de agosto, época do verão europeu.
ideais e pela mobilidade dos ar- As representações dos signos do zodíaco, referentes ao mês, fazem o
tistas, assim, havia maior difusão contorno da cena e encerram os sucessivos planos.
de um gosto comum nas artes e o Essa meticulosa observação da realidade, com a precisão de por-
suprimento dos desejos das cor- menores em detalhes delicados e gestualidade elegante, mostra o
tes por esse novo estilo. gosto do estilo internacional. Junto a isso, os elementos e arquite-
As ilustrações de manuscritos, turas perspectivados e a importância da luz para a determinação da
que até o século XIII eram ativida- profundidade dos planos, já anunciam a revolução estilística da pin-
des exclusivas dos monges, foram tura flamenga do século XV, que irá aprofundar as técnicas pictóricas
cada vez mais realizadas por ilu- visando a reconquista do mundo visível, marcas que serão inerentes
minadores leigos em oficinas ur- ao Renascimento no campo da arte que ocorrerá nos anos seguintes.
banas. Nessa perspectiva secular
Figura 45
Paul, Jean e Herman Limbourg. do trabalho de ilustração, os tra-
Calendário dos meses; Agosto,
1414–1416. Manuscrito Iluminado
balhos dos irmãos Limbourg, pin-
extraído das Les Très Riches Heures du tores flamengos que se estabelece-
duc de Berry, 29 x 21 cm.
ram na França, se destacam pela
expressão do gótico internacional.
As ilustrações do calendário pertencente ao Livro de Horas do Du-
que de Berry (As Muito Ricas Horas de Duque de Berry11), realizadas
pela oficina dos irmãos Limbourg, chamam a atenção pela acuidade
como são construídas as narrativas relacionadas à vida cotidiana dos
nobres e dos camponeses. Na miniatura do mês de agosto (figura 45),
em primeiro plano, a cavalgada de nobres elegantes contrasta com a
11 Les très riches heures du Duc de Berry.
História da Arte I Capítulo 2 | 57
História da Arte I Lista de figuras | 58
Lista de fIguras 12 Figura 5
Três divindades femininas
08 Figura 1 Mármore, altura 123 x 233 cm.
Discóbolo Procedência do frontão oriental do Partenon, Atenas. Coleção Lorde Elgin,
Cópia romana em mármore da original em bronze de Myron adquirido em 1816.
Altura 155 cm. C. 540 a.C. Fonte: Coleção Folha Grandes Museus do Mundo: British Museum, p. 55.
Museo Nazionale Romano, Roma.
Fonte: GOMBRICH, 2009, p. 91. 13 Figura 6
Laocoonte e seus filhos
09 Figura 2 Provavelmente do início da era imperial romana (de Augusto a Júlio
Jovem de Anticitera Cláudio), do século I a.C. ao século I d.C.
Bronze, altura 194 cm. Cerca 340 a.C. Museu Vaticano, Roma. Fonte: FULLERTON, 2002, p. 27.
Museu Arqueológico Nacional, Atenas.
Fonte: FULLERTON, 2002, p. 147. 14 Figura 7
Boxeador
09 Figura 3 Bronze, altura 120 cm. Século I a.C.
Cópia de Pompéia do Museu Arqueológico Nacional, Roma. Fonte: FULLERTON, 2002, p. 159.
tipo Doríforo
Marmore. Supostamente representa o “Cânone”, um bronze original 15 Figura 8
perdido, feito por Policleto. Kouros de Anavissos
Altura 2,12 m. Cerca 440 a.C. Mármore, altura 194 cm. Cerca 530 a.C.
Museu Arqueológico Nacional, Nápoles. Fonte: FULLERTON, 2002, p. 24. Museu Arqueológico Nacional, Atenas. Fonte: FULLERTON, 2002, p. 54.
10 Figura 4 16 Figura 9
O Partenon Tríade de Miquerinos
447–432 a.C. Xisto cinza-verde, altura 92,5 cm, largura 46,5 cm.
Acrópole, Atenas. Procedência Gizé, templo no vale de Miquerinos (2490–2472 a.c.).
Fonte: GOMBRICH, 2009, p. 83. Fonte: Coleção Folha Grandes Museus do Mundo: Museu do Cairo. p. 41.
História da Arte I Lista de figuras | 59
17 Figura 10 20 Figura 14
Exéquias. Kýlix com figuras-negras Pirâmides de Miquerinos (c.2470 a.C.), Quefren (c.
Altura 13,6 cm, diâmetro 30,5 cm 2500 a.C.) e Quéops (c. 2530 a.C.)
cerca 540–530 a.C. Coleção Estatal de Antiguidades e Gliptoteca, Gizé
Munique. Disponível em: < pt.wikipedia.org/wiki/Necr%C3%B3pole_de_
Fonte: FULLERTON, 2002, p. 117. Giz%C3%A9 > Acesso em 11 mar. de 2015.
18 Figura 11 21 Figura 15.
Pintor de Aquiles Zigurate do rei Urnammu, Ur
Ânfora com Aquiles, C. 2500 a.C.
Altura 62 cm. Cerca 440 a.C. Disponível em: <en.wikipedia.org/wiki/Ziggurat_of_Ur > Acesso em 11
Museu Vaticano, Roma. Fonte: FULLERTON, 2002, p. 142. mar. de 2015.
18 Figura 12 21 Figura 16
Fragmento de uma pintura mural tumular com Retrato de um homem para múmia
Nebamum caçando no pântano Encaústica sobre madeira de cedro;
Pintura mural, altura 83 cm, largura 98 cm altura 40,1 cm, largura 21,5 cm. Procedência Hawara, Faiyum (Egito).
Fonte: Coleção Folha Grandes Museus do Mundo: British Museum, p. 28. Fonte: Coleção Folha Grandes Museus do Mundo: British Museum. p. 36.
19 Figura 13 22 Figura 17
Estela dedicada por Estátua de Augusto Prima Porta
Ptolomeu V ao touro Buchis Mármore com restos de policromia, altura 2,04 m. C de 20 d.C.
Calcário pintado e dourado altura 72 cm, largura 50 cm. Museu do Vaticano.
Procedência Armant, Bucheum. Procedência: Vila Livia, também chamada de “Prima Porta”
Fonte: Coleção Folha Grandes Museus do Mundo: Museu do Cairo. p. 108. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Augustus_of_Prima_Porta >
Acesso em 11 mar. de 2015.
História da Arte I Lista de figuras | 60
23 Figura 18. 29 Figura 23
O Coliseu Medalhões (117–138 d.C.) e friso (início do séc. IV d.C.)
C. 80 d.C. Roma. Arco de Constantino, Roma.
Fonte: GOMBRICH, 2009, p. 118. Fonte: JANSON, 2001, p. 272.
24 Figura 19 24 Figura 24
Panteão Detalhe do mosaico: O Cristo como Apolo ou Hélio,
C. 118–125 d.C. Roma. em meio à vinha mística
Disponível em: < it.wikipedia.org/wiki/Pantheon_%28Roma%29> Artista: Anônimo.
Acesso em 11 mar. de 2015. 103,5 x 142,5 cm, c. 250 d.C.
In: MARE, Museu de Arte para
25 Figura 20 Pesquisa e Educação. Disponível em <http://www.mare.art.br/detalhe.
Cena de um culto dionisíaco de Mistério asp?idobra=3437> Acesso em: 06 mar. 2015.
Pintura Mural. Vila dos Mistérios, Pompéia, c. 50 a.C.
Fonte: JANSON, 2001, fig. 24. 33 Figura 25
O Bom pastor
26 Figura 21 Catacumba de São Calixto.
Os Lestrigões apedrejando os navios de Ulisses Disponível em: < employees.oneonta.edu/farberas/arth/arth212/early_
Pintura mural de uma casa do Monte Esquilino. Final do séc. I a.C. christian_art.html > Acesso em 11 mar. de 2015.
Museu Profano, Vaticano, Roma.
Fonte: JANSON, 2001, fig. 22. 33 Figura 26
Cristo com São Pedro e São Paulo
27 Figura 22 Detalhe do relevo em mármore do sarcófago de Junius Bassus, cripta de
Pêssego e Jarro de vidro São Pedro, Roma, c. 389 d.C.
Pintura mural, Herculano. C. 50 d.C. Fonte: Gombrich, 2009, p. 128.
Museu Nacional, Nápoles.
Fonte: JANSON, 2001, fig. 23.
História da Arte I Lista de figuras | 61
34 Figura 27 40 Figura 32
A cura da hemorrágica Mãe de Deus entronizada com profetas e santos
Catacumba romana. Têmpera sobre madeira (48,5 x 41,2 cm), c. 1100. Mosteiro de Santa
Disponível em: <en.wikipedia.org/wiki/Catacombs_of_Marcellinus_ Catarina. Monte Sinai.
and_Peter > Acesso em 11 mar. de 2015. Fonte: MATHEWS, 1998, p. 71.
36 Figura 28 40 Figura 33
Santa Maria dell´Ammiraglio Cristo abençoando ou Cristo Pantocrator
Vista da cúpula. 1143–51. Encáustica s/ madeira (84 x 45,5 cm),
Fonte: MATHEWS, 1998, p. 106. século VI.
Mosteiro de Santa Catarina. Monte Sinai.
37 Figura 29 Fonte: MATHEWS, 1998, p. 51.
Santa Sofia. Vista interior
Vista interior, 532–537 d.c. Istambul. 42 Figura 34
Fonte: MATHEWS, 1998. p. 30. Página dos Evangelhos de Lindisfarne
C. 698 d.C. (British Library, Londres). Fonte: GOMBRICH, 2009, p. 161.
39 Figura 30
A Virgem e o Menino entre o Imperador João II 42 Figura 35
Komnenos e a Imperatriz Irene Bíblia de Carlos, o Calvo, cenas da vida de São Jerônimo
Mosaico, 1118. Galeria Sul, Museu de Santa Sofia, Istambul. Tours, 845–846. Paris, Biblioteca Nacional
Fonte: MATHEWS, 1998, p. 39. Fonte: DURAND, [19--], p. 26
40 Figura 31 43 Figura 36
Mãe de Deus “Nikopoios” São João Evangelista, Evangelhos de Ebbon
Têmpera s/ madeira, 45 x 36 cm, Reims, entre 816 e 835
século XII. São Marcos, Veneza. Épernay, Biblioteca Municipal
Fonte: MATHEWS, 1998, p. 69. Fonte: DURAND, [19--], p. 25.
História da Arte I Lista de figuras | 62
45 Figura 37 52 Figura 42
Nave da igreja da Madeleine Saint-Chapelle, Paris
Vézelay, por volta de 1120–1140. 1248. París.
Fonte: DURAND, [19--], p. 42. Fonte: GOMBRICH, 2009, p. 188.
47 Figura 38 54 Figura 43
Fachada da igreja de St-Trophine, Arles Catedral de Bamberg
C. 1180. Tímpano do lado norte da nave, c. 1233–1235.
Fonte: GOMBRICH, 2009, p. 176. Fonte: Williamson, 1998, p. 94.
47 Figura 39 55 Figura 44
Cristo em glória. Detalhe da fachada da igreja de St- A lamentação
Trophine, Arles Giotto. Afresco. Capela de Arena (Scrovegni), Pádua.C. 1304–06.
c. 1180. Fonte: VASARI, 1988, p. 42
Fonte: GOMBRICH, 2009, p. 177.
57 Figura 45
48 Figura 40 Les Très Riches Heures du duc de Berry
O juízo final Calendário dos meses; Agosto. Manuscrito Iluminado.
Pormenor do tímpano do portal da fachada principal da catedral de Paul, Jean e Herman Limbourg
ocidental, Catedral de Saint-Lazare, Autun, c. 1130–40. 29 x 21 cm, 1414–1416.
Fonte: DURAND, [19--], p. 55. Chantilly Musée Condée.
Fonte: Revista Art de l´enluminure, nº p. 69.
49 Figura 41
Cabeceira e altar da Igreja da Abadia Saint Denis.
Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Basilica_of_St_Denis>
Acesso em 11 mar. de 2015.
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História da Arte I Refências | 64
SOBRE A AUTORA
Juliana Almonfrey
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Edu-
cação da Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre pelo Progra-
ma de Pós-graduação em Artes da UFES (2010) e bacharel em Artes
Plásticas pela mesma Universidade (2004). É professora adjunta do
Departamento de Teoria da Arte e Música do Centro de Artes — UFES,
lecionando disciplinas da área de Teoria e História da Arte, para os
cursos de graduação em Artes Plásticas, Artes Visuais — Licenciatura,
Arquitetura e Urbanismo e Design. Atuou como professora e na equi-
pe da coordenação do Curso de Licenciatura em Artes Visuais — EAD/
UFES entre 2011 e 2017.
História da Arte I Sobre a autora | 65