As Maiores Civilizações Da História (História Extraordinária Do Mundo)
As Maiores Civilizações Da História (História Extraordinária Do Mundo)
Conselho Administrativo: Alessandro Gerardi, Alessio Fon Melozo, Luis Afonso G. Neira, Luis Matos e William
Nakamura.
Dedico a presente obra aos meus pais.
© 2008 by Digerati Books
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Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida
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Diretor Editorial
Luis Matos
Coordenação Editorial
Renata Miyagusku
Assistência Editorial
Carolina Evangelista
Preparação dos Originais
Ricardo Dino Freitas
Revisão
Mona Calil Cury
Projeto Gráfico
Fabiana Pedrozo
Diagramação
Stephanie Lin
Fabiana Pedrozo
Capa
Daniel Brito
A presente obra que, neste momento tem em mãos, nasce dentro de um panorama mais vasto, como o prezado
leitor já teve oportunidade de verificar. Na verdade, trata-se de uma coleção, denominada “História Extraordinária
do Mundo”, através da qual pretendemos levar ao conhecimento de todos os leitores, uma outra versão do passado
da Humanidade.
Porém, apesar de identificarmos este nosso trabalho ensaístico como outra versão, isso não significa, como é
óbvio, o mínimo evasivas em relação às linhas mestras que têm acompanhado toda a nossa atividade literária. A
saber: rigor e isenção.
Portanto, acreditamos que, a princípio, o leitor terá a sensação – que muito nos agrada registrar – de estar perante
uma obra que, não obstante a intensidade na redação, tão própria de que vive de e para a História, lhe permitirá
tomar contato direto com acontecimentos históricos relevantes. Isso porque nem todas as grandes civilizações aqui
contidas mereceram, da parte de outros estudos ensaísticos, a mesma atenção.
Acreditamos, desde o início da elaboração deste projeto, que envolveu, naturalmente, vasta prospecção, que só
faria sentido criar um novo estudo sobre as grandes civilizações da humanidade, caso as referências fossem no
sentido de dar a conhecer não apenas aquelas que, em termos mediáticos mais se têm destacado ao longo dos
tempos. Vale lembrar que, estruturas sociais iguais, de algum modo, tenham deixado a sua marca nos anais
históricos de modo que, hoje em dia, possamos dá-las a conhecer.
Isso, sem sombra de dúvida, acreditamos que tenha sido – e de forma humilde o referimos – um dos grandes
méritos do atual trabalho.
E é pelo leitor que o escritor trabalha, com todo o seu afinco, sentindo que, sendo essa a sua missão, será
cumprida da melhor forma possível.
Portanto, decidimos, “arregaçar as mangas” e dar início à pesquisa que envolveu, conforme poderão apreciar
facilmente, muitas horas e dias de árdua entrega profissional. Como fizemos questão de frisar anteriormente, não era
nossa intenção seguir o padrão normal que se convencionou quando o assunto são as grandes civilizações.
Longe disso, pois tivemos que aprofundar bastante a nossa busca, sempre na ânsia de apresentar ao leitor
estruturas sociais, políticas e religiosas inovadoras. Civilizações esquecidas em algum lugar nas sombras do tempo
que, por vezes, surgem resgatadas por evidências arqueológicas, por qualquer inscrição em tabuinhas de argila (o
que podemos considerar, à falta de melhor definição, como os primeiros livros da história do ser humano). Ou até, se
estamos perante civilizações mais recentes, em obras redigidas, por vezes, de forma errônea mas cuja análise se
apresentou como essencial.
Desde que o ser humano pisou na superfície terrestre jamais deixou de existir a profusão de fatos históricos até
porque, em regra, o homem possui um feitio ativo e prático procurando, incessantemente, a melhoria das suas
condições de vida. Isso levou a evolução ser considerada como algo natural.
Porém, inevitavelmente, isso originou conflitos, prevalecendo, primordialmente, a chamada lei do mais forte. O
sofrimento físico acompanha, portanto, a passagem dos séculos, o que não impede que o fascínio por grandes
civilizações, as quais normalmente estão associadas a exércitos extraordinários que, numa só leva, costumam tombar
grande parte dos inimigos, subjugando os restantes, não seja continuamente renovado.
Na verdade, “aumenta cada vez mais no público o interesse por aqueles mundos fascinantes e misteriosos1, do
passado como do presente, dos quais nos ficaram antigos monumentos ou vivos testemunhos”, sendo que “por esta
via se desenvolve o interesse do observador, como pela via da história de aventuras, nascem os apaixonados quer
dos exploradores quer dos povos descobertos. Especialmente os ritos, as crenças, os costumes dos povos misteriosos
exercem um irresistível fascínio, pois cada um de nós é levado ao confronto com a sua experiência humana, e tal
confronto é sempre instrutivo, freqüentemente esclarecedor.”2
É exatamente devido a esses aspectos misteriosos que surge a atual seleção das grandes civilizações da
humanidade insertas no presente capítulo para alegria, segundo esperamos, de todos os nossos leitores.
Da nossa parte, a crença profunda é de que as informações contidas na presente obra são as mais fiéis, após
pesquisa minuciosa, conforme tivemos oportunidade de frisar anteriormente. Diante disso, procuramos criar um
livro em que a escrita fosse acessível, tendo em conta que uma das nossas mais intrínsecas vontades ensaísticas é
levar o conhecimento para todos e não apenas para os eruditos.
Além disso, e até aproveitando a oportunidade para encerrar este capítulo introdutório, não podíamos terminar
esta breve análise sem referir que esta obra – como praticamente todas as outras – se baseia em grandes figuras,
grandes civilizações ou grandes acontecimentos. Neste momento, o leitor terá já a transcendental noção de que sem
a atividade do (pouco mais que) anônimo historiador, jamais os extraordinariamente mediáticos heróis da história
não teriam passado de meras figuras de destaque na sua época e totalmente desconhecidas no presente e no futuro.
1 Provavelmente, de todas as civilizações desconhecidas, será a Atlântida a mais famosa. Situada para lá das
Colunas de Hércules, era um território maior que a África e a Ásia juntas, sendo redigida por Atlas, irmão mais
velho de Prometeu. Atlas liderou a rebelião dos titãs contra Zeus e o bando de Cronos. Os atlantes possuíam ouro e
prata, seriam grandes navegadores e a sua prosperidade foi interrompida quando entraram em guerra com Atenas. E
só foram vencidos porque os deuses se uniram para submergir a Atlântida mediante um dilúvio. Atlas foi então
condenado por Zeus a carregar para sempre o céu às suas costas.
2 Sabatino Moscati, Civilizações do Mistério, Edições 70, Lisboa, 1982, pp. 11-12.
P RIMEIROS SERES HUMANOS
Ao contrário do que normalmente se espera, os nossos mais remotos antepassados configuram, no seu todo, uma
civilização fascinante. Aparentemente do nada, conseguiram construir algo de concreto e, na nossa ótica, foram os
seres humanos que mais conseguiram desbravar terrenos, possibilitando que as gerações modernas ou, pelo menos,
ditas mais modernas, pudessem alcançar todos os feitos e erigir uma série de monumentos. Assim, de geração em
geração, fazem sucessivamente a marca visual e intelectual em todos nós.
A presença desses primeiros povos é acentuada, tanto no campo préhistórico quanto no seguinte, conhecido por
proto-história, acima de tudo em Portugal, e até mesmo no Brasil, com a oportunidade de aprendermos que, sem
dúvida, esses primeiros homens não eram, longe disso, os brutos que a tradição tem pretendido afirmar.
A criação de primitivos santuários, em que o simbolismo da pedra era bastante superior àquele de hoje em dia,
revela que existiu, desde tempos remotos, um pensamento mítico.
Aliás, tendo em conta que os primeiros rituais de adoração a seres superiores são datáveis (na Europa), há 40 mil
anos, a recente descoberta da pesquisadora Sheila Olson, professora da Universidade de Oslo, não deixa de ser algo
extraordinário.
O fato aconteceu no atual território do Botswana, em continente africano de onde o homem surgiu, opinião
comumente aceita pelos historiadores. Aqui, restos de uma enorme pedra talhada em forma de serpente surpreende a
todos. Em primeiro lugar, pelas suas dimensões, ou seja, seis metros de comprimento e dois de altura. Em segundo,
e talvez o mais importante, o fato de ser datada de 70 mil anos atrás, e de revelar os primeiros rituais de adoração do
homo sapiens, fazem com que os anais históricos reescritos, levando em conta estas novas bases teóricas.
Seja como for, o certo é que esta primitiva estátua à uma divindade, no campo a serpente, animal que, ao longo
das respectivas épocas, tem sido sempre motivo de discussão, com civilizações que lhe dão destaque positivo
(conotando-a com a inteligência e conhecimento) ao passo que as restantes abordam-na de uma maneira totalmente
inversa, conotando-a com a maldade intrínseca e a deslealdade. Inclusive, conforme podemos observar no Antigo
Testamento, a serpente foi condenada a rastejar, eternamente, sobre o seu próprio ventre devido à sua atuação
maléfica.
Aqui, em pleno deserto do Kalahari, algum local nas colinas de Tsodilo, esta imponente estátua, ao olhos dos
arqueólogos, possui apenas o atributo de ter levantado uma série de novas questões, sobretudo indo na direção de
algo que defendemos há algum tempo. Ou seja, o primitivo ser humano se preocupava, excessivamente, com
questões mágicas e místicas.
E, ainda que não estritamente religioso, havia uma profusão de pequenos focos de noção mágica, quanto mais não
fosse no campo da morte. Era aqui que se jogavam os primeiros elementos sociais que vieram a redundar na
cosmogonia arcaica, base fundadora da teoria da evolução.
Assim como o Sol e a Lua, eternamente desencontrados, mas continuamente alternando de posição, também o
homem sentia necessidade de dormir, cerrando os olhos, e no dia seguinte, estava desperto e pronto a efetuar suas
atividades. Porém, algo contrariava essa rotatividade: e os seres primitivos de então se davam conta de tal fato
quando vislumbravam os seus defuntos.
Estranhamente, aqueles seus companheiros não despertavam do sono e, com os olhos sempre fechados, jamais
voltavam a acordar para residir entre eles ou acompanhá-los nas empreitadas diárias, fossem caçadas ou cultivo do
solo.
A crença na vida após a morte se basearia, segundo acreditam grande parte dos historiadores, na tal rotação lunar
e solar. Mas, efetivamente, o corpo em decomposição era algo que, em breve, passou a causar malestar junto à
sociedade de então. Por isso mesmo passou a se realizar o sepultamento. E, passo a passo, o ser humano sentiu
necessidade de evoluir no que dizia respeito a essa última homenagem ao seu similar.
Como eles tinham a crença de que o corpo efetuava uma viagem até outro mundo, passaram a enterrá-lo com os
seus pertences mais importantes. Naturalmente que, sendo um caçador, necessitaria da sua ponta de lança aguçada,
assim como de pequenos utensílios domésticos e todos, sem exceção, eram enterrados com um pequeno talismã,
como proteção em locais mágicos que desconheciam por completo.
Além disso, a noção de morte como um renascimento fez com que o corpo fosse normalmente colocado em
posição de decúbito frontal, sendo que os membros inferiores e superiores seriam configurados de modo a
transparecer a posição fetal.
A nosso ver foi esta a mais importante evolução na história do ser humano, isto é, a noção de humanismo, essa
sensação intrínseca que nos passou a distinguir dos animais irracionais.
De acordo com Charles Darwin (1809-1882), autor do livro A Origem das Espécies3, de 1859, “o homem tem
justificação para sentir certo orgulho por se ter elevado, ainda que não fosse o próprio impulso, ao topo da escala
orgânica; e o fato de ter subido de tal modo, em vez de ter permanecido nas origens, pode dar-lhe a esperança de um
destino ainda mais elevado num longínquo futuro”.4
Muitos elementos poderiam ser acrescentados, mesmo que ainda hoje, existam algumas dúvidas quanto às origens
mais remotas do ser humano. Sabemos que há aproximadamente 40 milhões de anos, na região de Faiyum, no Egito,
surgiram seres mais evoluídos, possuindo 36 dentes. Mas eram ainda possuidores de características símias
demasiado óbvias.
Cinco milhões de anos depois surge-nos o oligopiteco, um ser vivo com uma dentição mais reduzida que os seus
antecessores e que, para muitos, se trata do verdadeiro antepassado do homem atual. Deveria ser um gigante, com
aproximadamente 2,70 metros de altura e com cerca de 300 quilos.
Seja ou não, este gigantopiteco a nossa origem mais remota, o certo é que na verdade os analistas são unânimes –
o ser humano surge da zona africana. O achado arqueológico do esqueleto de Lúcia, um australopiteco da região de
Afar (África) é um dos elementos mais sólidos de que dispomos para efetuar tal afirmação. Seria alguém que morreu
com cerca de vinte anos, bípede, caminhando praticamente ereto e com um metro de altura.
Na observação do gigante símio em contraposição com o frágil australopiteco uma dúvida assola a nossa mente:
como é que o ser fisicamente mais frágil obteve a superioridade, tornando-se a evolução a partir de um gigante? A
resposta reside na massa cinzenta a que vulgarmente chamamos cérebro. O aumento do crânio redundou em maiores
capacidades e, mesmo que o homo africanus ainda estivesse em formação intelectual, o certo é que obteve o
domínio de instrumentos de pedra, posto que a força bruta do gigantopiteco nada poderia contra a força das armas.
Afinal de contas, tem sido essa a lógica da sociedade desde então…
Tempos mais tarde tem lugar uma das mais importantes conquistas do ser humano – a descoberta do uso do fogo.
Aprender a manejá-lo foi uma tarefa árdua, mas o homo erectus, assim definido por se apoiar, com destreza nos
membros inferiores, alcançou tal desejo.
A partir de então, o ser humano poderia vislumbrar durante a noite cerrada, de conseguir aquecer-se e, mesmo,
afastar os predadores indesejáveis. Isso terá levado a uma vida em comunidade, agregando-se diversos elementos
que contribuíam para a existência de uma sociedade, ainda que primitiva.
Foi essa associação entre diversos elementos que tornou possível o aparecimento do primeiro homo sapiens, o que
surge “entre 300 e 200 mil anos; as descobertas de Swanscombe na Inglaterra e de Steinheim na Alemanha mostram
uma mais desenvolvida capacidade no trabalho da pedra, os restos de crânios encontrados em Fontechévade, na
França, indicam uma estrutura já semelhante à nossa. Mais tarde, há cerca de 65 mil anos, é a vez do homem de
Neanderthal, há muito famoso; a sepultura intencional dos mortos e os vestígios dos ritos funerários assinalam um
ulterior desenvolvimento das faculdades mentais.”5
Ainda assim, a grande verdade é que a polêmica em torno da possível miscigenação entre neanderthais6 e homo
sapiens parece ser recorrente. A descoberta do esqueleto de criança no abrigo de Lagar Velho, na vale do Lapedo
(Leiria – Portugal), em 1998 voltou a colocar a questão em debate. Este esqueleto, posteriormente apelidado de
menino do Lapedo, terá vivido há cerca de 24 mil anos, sendo, muito provavelmente, a “prova do contato” entre as
duas espécies humanas, comprovando, no mínimo, que houve partilha de espaço entre elas.
Os neanderthais, ao contrário do muito que se tem escrito, parecem ter sido, de certa forma, bem evoluídos,
considerando que teriam sido eles, os inventores da cola e, na sua profícua atividade de caçar veados conseguiriam
manter a dispensa sempre cheia, mostrando que os seus conhecimentos intelectuais lhes permitiam perceber que o
alimento era fundamental para a sua própria sobrevivência. Além disso, teriam uma linguagem articulada, utilizando
12 fonemas e, ao que tudo indica, duas ou três vogais.
Segundo teorias mais recentes, poderia, diante de uma ocupação do mesmo espaço territorial, ter havido contatos
físicos de índole íntima entre neanderthais e homo sapiens, ainda que não tenha sido possível confirmar esta
informação. Seja como for, a grande realidade é que não podemos, hoje em dia, descrever a evolução humana como
um processo de constante ruptura. Neste caso concreto estamos perante a convivência entre duas fases distintas de
evolução intelectual, e, apesar de continuarmos sem ter a noção exata daquilo que realmente aconteceu para que o
homo sapiens se tenha imposto – seria apenas uma questão intelectual ou atributos físicos tão relevantes? E até que
ponto a genética não desempenhou um papel crucial? – o fato é que a nossa espécie se impôs, aproximando-se do ser
humano atual.
Havia, então, chegado o momento para um novo salto evolutivo, desta vez, certamente o mais destacado da
história da Humanidade: alcançamos a fase moderna, aquela que nos levou ao aparecimento das grandes civilizações
históricas.
3 Martin Claret, São Paulo, 2004.
4 Ibidem, p. 14.
5 Ibidem, p. 18.
6 Relativamente a esta espécie, um estudo de oito fósseis de oito neanderthais encontrados na Cova de el Sidrón
(Astúrias – Espanha) revela que as marcas dentais encontradas nas respectivas ossadas indicam que foram devorados
por seus congêneres há 43 mil anos, durante uma época de fome. Isto prova, de algum modo, que o canibalismo não
estava totalmente afastado do cotidiano desses elementos pré-históricos.
S UMÉRIA
Quando a bússola temporal marcava o ano 5000 a.C., ou seja, há aproximadamente sete mil anos, uma das mais
antigas civilizações da história fixou-se na região sul da Mesopotâmia (no Iraque da atualidade). O fato de se terem
localizado junto às margens dos rios Tigre e Eufrates não foi de todo inocente – sem dúvida era a região mais fértil
de todo o espaço asiático.
A Bíblia refere-se a esta civilização como Sinar ao mesmo tempo em que os demais cronistas citam-no como
Shumeria. Ao que parece, este termo derivaria de sag-gi-ga, isto é, o povo de cabeças negras. Porém, a sua origem é
ainda pouco conhecida, atendendo ao fato de que estamos tratando de elementos históricos com grande antiguidade.
Ainda assim, pensa-se que os povos sumérios derivariam do período final do Neolítico (entre 12000 e 4000 a.C.)
da zona do planalto do atual Irã, fixando-se primeiramente na Caldeia, junto ao Eufrates. Daí atingiram uma zona
mais ampla, até porque, poucos séculos depois já existiam 12 pujantes cidades-estado autônomas, entre as quais se
destacavam Ur, Eridu e Lagash.
Basicamente, cada cidade-estado possuía edifícios públicos amplos, interessantes mesmo sob uma perspectiva
atual, assim como mercados onde se comercializava constantemente e até um sistema de água onde o vivificante
líquido era transportado até o interior da povoação.
Mas, diante disso, a civilização suméria utilizava a escrita, sendo os primeiros a desenvolver essa forma de
comunicação e de transmissão de conhecimentos à posteridade, conhecida por cuneiforme, ou seja, com caracteres
cunhados na pedra.
A partir do ano 3200 a.C., os sumérios registravam os seus pensamentos e fatos em tábuas de argila, o que levou
escribas e contabilistas a alcançarem uma grande importância na estrutura social da época. Tais elementos foram
preservados até nós, o que nos leva a ter acesso a milhares de tábuas contendo registros e cálculos.
O mais importante registro, contudo, é a Epopéia de Gilgamesh, que relata a história de um rei sumério
governante da Babilônia, com origens no século VII a.C. No entanto, vejamos como os sumérios, mesmo que com
alguma influência dos babilônios, de acordo com o autor citado, encontraram a forma de explicar a origem do ser
humano.
Deste modo, “na literatura religiosa, o poema da Criação (Enumaelish = quando lá no alto) adquiriu, desde logo,
um lugar preponderante. Em poucas palavras, eis aquilo que ele conta: Na montanha do céu e da Terra, Anu, deus
do céu, começou por criar os deuses. Mas estes eram infelizes: faltavam-lhes humanos para lhes oferecerem
sacrifícios. Por conselho do sábio Enki, o homem foi formado a partir da argila do apsû, o abismo das águas. Este
homem continua a viver nu e a andar a quatro patas; na morada dos deuses nascem, então, as deusas dos cereais, da
criação de gado, da tecelagem. Sempre por conselho do sábio Enki, elas deixam as montanhas sagradas do oriente
para virem instruir os homens. Mais tarde, quando os deuses provocarem um dilúvio para aniquilar a espécie
humana, é ainda Enki quem dará a esta uma oportunidade de sobrevivência: previne o rei de Shuruppak, Siuzudra
(Utnapishtim em babilônico e Xisuthros em grego), e dá-lhe instruções para viver na embocadura dos rios, na
extremidade do Ocidente, mais longe do que o jardim dos deuses e o grande mar.”7
Por incrível que pareça, a civilização suméria mantinha uma produção de cevada, trigo, nabo e diversos outros
legumes e cereais, assim como criavam gado, principalmente cabra e porco, destacando-se pela utilização de alguns
instrumentos como ceifeira ou enfardadeira.
Eram, assim, um povo evoluído, como se pode constatar pela inovação arquitetônica, de onde destacaríamos as
casas feitas de caniços, criadas antes da utilização do tijolo.
Também há de se destacar a utilização de técnicas medicinais arcaicas, como o uso de laxantes ou purgantes e a
prática de certas cirurgias, de pequeno porte, como facilmente se compreende.
Por último, a referência para a religião suméria, um campo histórico bastante complicado atendendo à profusão de
fenômenos e devoções místicas que pululavam por esta região, distinguindo-se, praticamente, a individualidade
devocional entre cada cidade-estado.
Os célebres zigurates8, ou templos construídos com tijolos de argila cozidos ao sol, nos quais o templo central era
ladeado pelos aposentos dos sacerdotes e possuindo, em uma das suas pontas, um altar onde se realizavam os
sacrifícios de animais e vegetais, dominavam as planícies junto às margens dos rios da zona. Os sacerdotes possuíam
um extraordinário poder, considerados tão, ou mais, poderosos que os líderes políticos.
Entre as divindades mais famosas da época encontra-se An, deus do Céu, Nammu, a deusa-mãe, comum a todas
as civilizações proto-históricas e Inana, a Deusa do amor e da guerra. Evidentemente, os sumérios vislumbravam nos
fenômenos naturais, como os terremotos e demais catástrofes, o castigo pelos seus pecados, ao passo que a sua
noção de universo era de uma cúpula cercada.
Ainda assim, dentro do panorama religioso sumério o destaque vai para Enlil, o rei de todas as terras que “deu a
realeza da terra a Lugalzagesi, dirigiu para ele os olhos de todo o povo da terra e subjugou todo o povo para ele,
desde o mar inferior ao longo do Tigre e do Eufrates até ao mar superior; do Oriente ao Ocidente. Enlil não lhe deu
rival; o povo de todas as terras vive (pacificamente) no prado sob a sua direção; a terra rejubila sob o seu controle;
todos os chefes da Suméria e de todas as terras estrangeiras curvam-se perante ele em Uruk…”9
Esta citação dá-nos a perceber a importância das divindades junto dos senhores da Suméria. Espaço, ainda, para
conhecermos um pouco melhor a figura deste rei. E isso é possível através de uma das inscrições reais mais famosas
de Sumer, cidade também conhecida por Shara, nome que pertencia ao respectivo deus protetor:
“Lugalzagesi, rei de Umma, filho de Wawa, príncipe de Umma, concebido para pastor (de pessoas), o herói,
copeiro de Kish, a quem ninguém se opõe em nenhum país, conquistador de Ninura, conselheiro de Enki, amigo
bem amado de Ishtaron, o vigário forte de Enlil, o rei chamado Inana. Ele abriu um talude para defesa, erigiu estelas,
fez restabelecer o seu trono, restaurou as antigas estelas e restituiu-as a Shara.”10
Porém, os todo-poderosos sacerdotes sumérios perderam a sua importância a partir do terceiro milênio antes de
Cristo, principalmente quando Sargão, senhor da cidade de Acad, invadiu as suas cidades vizinhas da Mesopotâmia
alcançando o primeiro império mundial. Sargão baseava a ordem social na força da crueldade e da violência, vindo o
seu poder a ser substituído pela cidade de Ur, cujo domínio se estendeu por um século.
Havendo uma separação entre palácio real e templo, conforme acontecia igualmente em outras civilizações pré-
clássicas, o certo é que, neste caso, a figura da realeza era, primordialmente, o administrador do estado. A figura de
deus era distinta da sua pessoa.
É por isso que o templo possuía um séquito próprio que, em ocasiões de guerra, poderia ser requisitado pelo rei
para ajuda na defesa do território. Cada cidade suméria tinha uma organização social própria, daí que fosse
governada por uma dinastia diferente. Ainda assim, competia aos líderes políticos locais, cuidar do sustento dos
santuários, parte fundamental da sociedade. Tinha ainda obrigação de defender o território e manter a fertilidade dos
terrenos agrícolas ou, o mesmo é dizer, zelar pelo sustento do seu povo.
Ainda era de sua competência questões de índole jurídica, isto é, competia-lhe deliberar sobre assuntos cotidianos,
dando as devidas sentenças. Talvez pelo fato de a civilização suméria ser bastante próxima da visão militarista, e até
porque o seu território, não raras vezes, vivia em sobressalto perante a ameaça externa, a própria realeza não era tão
suntuosa como outras de período similar.
Era, necessariamente, uma concepção mais prática da monarquia, organizada sob conceitos menos amplos e,
como tal, não divinizados. Isto, é importante destacar, sem deixar porém de manter uma íntima união com o poder
religioso local, parte preponderante da vida social e cujo apoio era fundamental para a pacificação interna.
7 Patrick Ferryn e Ivan Verheiden, Civilizações Superiores da Antiguidade, Edições 70, Lisboa, pp. 91-92.
8 Em termos arquitetônicos eram em tudo similares às pirâmides egípcias ou da mesoamérica. Seriam as moradias
dos deuses, daí a grande importância que possuíam para os habitantes locais. Em termos simbólicos o fato de
possuírem enormes escadarias significava, pura e simplesmente, o caminho, ou subida, que levaria ao céu e ao
paraíso.
9 Samuel Noah Kramer, Os Sumérios, Bertrand, Lisboa, 1997, p. 356.
10 E. Sollberger e J. R. Kupper, Inscriptions Royales de Summer et Acad, Edição de Autores, Paris, 1971, p. 91.
A NTIGO E GITO
Sem dúvida, os egípcios da antiguidade não deixam de fascinar os homens de agora. Era uma civilização
avançada, digamos mesmo que pode ser descrita como opulenta, e as construções que nos legaram, nomeadamente
as pirâmides, incluem-se entre as Sete Maravilhas Antigas da Humanidade.
Durante dois milênios, mais concretamente entre 4000 e 2000 a.C., os egípcios usufruíram de condições únicas,
irrigando e cultivando imensas cidades ao redor do Nilo, de onde destacaríamos Mênfis, Abidos, Carnac ou Luxor.
Localizada no nordeste do continente africano, entre a Núbia e a Líbia e o deserto da Arábia, a civilização egípcia,
talvez pelo fato de grande parte da sua existência ter sido gerida mediante a união em um só reino, prosperou. O
faraó, seu líder máximo, também conhecido por deus-rei, posto que encarnava em si mesmo, uma dupla função –
gerindo a vida social e política e, por tal fato sendo o rei, mas, igualmente representando, na Terra, a divindade
máxima adorada pelos egípcios.
Além disso, o faraó era o expoente máximo da representação simbólica do sepultamento. Seu túmulo era
construído com todos os requintes e preparos, decorando-se o espaço a preceito e, além de o seu corpo ser
mumificado por meio do espalhar de óleos e sais e posteriormente envolto em ligaduras de tecido bem apertadas, o
mais curioso é que era preparado para a viagem ao outro mundo carregando um grande número de bens pessoais.
Os seus túmulos eram gigantescas pirâmides, algumas das quais, como bem sabemos, vieram a ser, muitos
séculos depois, totalmente pilhadas.
Aqui a separação entre poder real e religioso era bem mais tênue. Com o passar do tempo – a partir da V Dinastia
–, o faraó passou a ser não apenas a encarnação divina na Terra, como o próprio filho de Rê (deus solar)11.
Era, sem dúvida, uma enorme vantagem em relação a toda uma realeza que se pretendia poderosa. Neste caso,
nenhuma das suas decisões poderia ser discutida, visto ser uma divindade, como também a sua colocação no
respectivo posto era inalterável ou inquestionável. Assim, podemos afirmar que a monarquia egípcia era baseada
plenamente na doutrina religiosa. Por isso mesmo, François Daumas fala em “teologia real” o que explica, de forma
vincada, a união entre poder religioso e político que, no caso, andavam totalmente de mãos dadas.
Sendo gerado pelo deus sol, o faraó tinha poderes ilimitados? Nem tanto.
Sabemos, hoje em dia, que a gestão cotidiana estava entregue a uma série de figuras – como os conselheiros,
funcionários e escribas, entre outros – que coadjuvavam o monarca no exercício das suas funções, ainda que a figura
do monarca fosse a principal em toda a estrutura, representando a divindade no terreno, conforme nos referimos
anteriormente. E sendo o símbolo primordial de toda a nação, de uma forma imponente deu origem as grandes
edificações e a uma iconografia muito própria, de onde destacaríamos a insígnia real (uraeus) ou uma barba postiça.
Grosso modo, a melhor definição para a civilização egípcia provém diretamente de Heródoto (485 – 420 a.C.), o
célebre historiador grego, o qual frisa que “O Egito é uma dádiva do Nilo.”
Como todos sabem, naquela região do globo, a água é um bem tremendamente escasso, e, portanto, foi nessa zona
que se concentrou a cultura dos egípcios, nome genérico que abrange uma área bem mais ampla do que aquela hoje
em dia definida como a República Árabe do Egito.
Segundo Isabelle de Vilmorin, “a partir do momento em que uma civilização se apresenta dotada de uma escrita,
qualquer inscrição é uma fonte, textual ou histórica. Os textos do Egito antigo que chegaram até nós são numerosos
e variados quanto ao seu suporte – pedra, madeira, couro, metal, tecido, terracota, e, sobretudo o papiro – como
quanto aos temas que tratam: textos religiosos, históricos, literários, jurídicos, científicos… As fontes históricas
nunca deixam de ser a base, visto que permitem reconstruir no tempo todas as outras”, daí que seja possível fazer
uma descrição de toda a história desta civilização antiga, sabendo-se que “a história do Egito faraônico começa com
o rei Menes por volta de 3150 a.C., e termina em 30 a.C., com o suicídio de Cleópatra”.12
Múltiplos foram os regentes desta civilização, perante tão vasto espaço temporal de existência, registrando-se um
total superior a trinta dinastias, divididas entre a época tinita, na fase inicial, as demais intermédias, passando por
Baixo Império, Baixa Época ou Império Antigo, entre outras, e a mais recente, dita ptolomaica.
Com exceção das pirâmides, um dos aspectos mais fascinantes do Antigo Egito são obviamente, os hieróglifos.
Evidentemente, não há quem os não conheça, mesmo que poucos os saibamos interpretar corretamente.
De acordo com Marc Desti, “por volta de 3500 antes da nossa era, a população egípcia já contava com alguns
artistas: vasos pintados entre os quais alguns exemplos admiráveis, o trabalho em osso e em marfim com um lote de
estatuetas antropomórficas e, por fim, a produção de espátulas de pedra mole – xisto ou greywacke – que serviam
para triturar e preparar a pintura que protegia os olhos e realçava o olhar, testemunham nos nossos museus a sua
habilidade. Foi no seio dessa produção artesanal que apareceram os primeiros sinais da escrita egípcia”, visto que “a
escrita egípcia é uma seqüência de figurações, de desenhos, uma vez que os famosos hieróglifos são, sobretudo
imagens. Os primeiros sinais, e portanto as primeiras imagens, apareceram no Nagada II (por volta de 4000-3500
antes da nossa era) principalmente sobre espátulas.”13
Ainda assim, com a evolução natural, estes hieróglifos, ou seja, imagens passaram a estar associadas a um
determinado som, dando-lhe uma característica fonética, fundamental para que todos pudessem compreender a
mensagem. Em conjunto com a função informativa, havia um componente mágico deveras importante, como
podemos perceber no simples fato de serem as estelas funerárias egípcias os espaços privilegiados de representação
hieroglífica.
Mas, se os escribas ostentavam uma grande importância no Antigo Egito, tal como na civilização suméria,
também os matemáticos alcançaram importância social, visto que, a agrimensura e a contabilidade eram cruciais
para o cotidiano dos egípcios de então. Sem dúvida, o trigo, essencialmente era o alimento base da economia
faraônica e controlar a sua existência passou a ser tarefa dos matemáticos ao serviço do Antigo Egito.
Não se restringem a isso os encantos desta civilização. Se assim podemos afirmar, não eram apenas poderosos,
ricos e inteligentes como, também, as suas mulheres eram belíssimas, conquistando os estrangeiros com relativa
facilidade, fato comprovado pela história de paixão entre a rainha Cleópatra e o imperador romano Júlio César.
Porém, a grande verdade é que não só as rainhas abrilhantavam o seu corpo.
Evidentemente, a nata da sociedade egípcia iniciava o dia com a ida à sala conhecida por lustração14, onde
procedia ao ritual típico, o qual incluía necessariamente uma limpeza geral, com água, e era seguida pela aplicação
de óleos perfumados e vários ungüentos. As vestes eram simples, mas de modo a fazer reconhecer as formas
femininas. Todo o processo era concluído com pinturas e pomadas, que lhes davam um ar misterioso e sedutor, e
naturalmente, enfeitadas com jóias de todas as formas e feitios, incluindo colares de pérolas.
Assim como todos os encantos físicos e arquitetônicos já descritos, também a parte religiosa tem encantado os
modernos. Seria necessário toda uma coleção de obras para fazer uma descrição, ainda que sumária, da atividade
mística dos antigos egípcios, pelo que teremos de nos remeter, neste caso em particular, a uma referência
microscópica.
Ainda assim, hoje em dia podemos ver como várias das suas divindades mantêm um destaque transcendental para
certas agremiações de aspecto esotérico, ressaltando Horus15, deus dos céus, que habitava no corpo do faraó vivo,
possuindo nos seus olhos, o Sol e a Lua, dois elementos mais cultuados da história das civilizações humanas. Ísis,
irmã de Osíris, era crucial para os egípcios de outrora, pois representava o amor e a beleza, tornando-se fonte
inspiradora para as mulheres que ornamentavam seus corpos e, não tanto estranhamente quanto possa parecer,
também para os homens, que não se coibiam em procurar exaltar a sua beleza; e Osíris, o deus da morte, temido por
todos, por significar o desaparecimento físico dos entes queridos, mas que possuía o condão de julgar as almas, o
que levava, de forma natural, a um respeito consensual entre os antigos egípcios.
11 A invocação a esta divindade era feita através da seguinte narração: “Salvé a ti, Ré, perfeito todos os dias, que
surges ao amanhecer sem falta…” A principal propriedade mística de Ré era o ouro amarelo, brilhante, inalterável e
eterno. Sabemos que o respectivo culto surgiu no ano 2686 a.C. em Iunu (Heliópolis). No que diz respeito à
intersecção entre a mitologia e o reino animal – e convém salientar que os antigos egípcios possuíam o culto das
divindades zoológicas – tanto o leão, como o touro e o falcão são animais relacionados com o sol. Conforme é fácil
de perceber, Ré, na mitologia egípcia, teria sido o primeiro soberano do Egito e pai de todos os deuses, ao passo que
não tenha sido, desde sempre, o Sol conotado como elemento criador da natureza, de acordo com as civilizações
ancestrais pré e proto históricas.
12 Mistérios e Descobertas no Antigo Egito, Pergaminho, Cascais, pp. 9-10, 2001.
13 Ibidem, pp. 28-29.
14 Não deixa de ser interessante analisar algumas curiosidades relacionadas com o penteados do Antigo Egito,
descobertas diretamente relacionadas com o afincado estudo das inscrições hieroglíficas e demais representações
pictóricas da época, principalmente nas paredes interiores das pirâmides. Os trabalhadores agrícolas usavam cabelos
curtos por questões de higiene, ao passo que as crianças usavam comprido, mas rasurado lateralmente. Já as
parturientes, talvez como forma de darem a conhecer o seu momento, usavam o cabelo enrolado na parte posterior
da cabeça. As carpideiras, responsáveis, a título profissional, por estarem presente em funerais chorando nos
enterros, usavam cabelo comprido, porém arrancando alguma parte junto à testa, de modo a possuir um aspecto
ainda mais sofredor. Por último, refira-se que foi já na época de Akhenatón que, pela primeira vez, a família real
aparece com a cabeça rapada.
15 Horus era também conhecido por deus falcão, encarnando-se em cada faraó que ascendia ao trono. Não deixa de
ser curioso que, quando um falcão aparecia sobre flores de papiro, representava a vitória do Alto Egito sobre os
habitantes do Delta, em uma rivalidade eterna que a união faraônica não fez esquecer. Outras curiosidades sobre o
Antigo Egito: nas gravuras, os estrangeiros aparecem sempre com cabelo riscado e barba. Uma das figuras mais
famosas da sua história foi Imhotep, considerado o primeiro gênio que a Humanidade registra, sendo divinizado
como Asclépio pelos gregos e Esculápio pelos romanos. Tinha conhecimentos de medicina, arquitetura e
astronomia, sendo responsável pela construção da primeira pirâmide conhecida, a de Saqqara.
C RETA A NTIGA
Fundamental para a história européia é, sem sombra de dúvida, a civilização cretense, considerado o primeiro
aglomerado social com características formais, possuindo sede na cidade de Creta, uma ilha próxima à atual Grécia.
Isto aconteceu entre 3000 e 1450 a.C.
Habitada desde o Neolítico alcança um maior desenvolvimento por volta da Idade do Bronze. Creta é a segunda
maior ilha da zona oriental do Mar Mediterrâneo fato que por si mesmo, revela a sua dimensão. Desconhece-se a
origem de seus povoadores, havendo teorias que a aproximam dos arianos oriundos da Ásia Menor, mas, de acordo
com sua constituição física, isto é, de baixa estatura e de pele morena, pensa-se que fossem efetivamente
mediterrânicos.
Seja como for, o certo é que a sua existência deixou marcas na história, principalmente conotadas com a lenda de
Minos, crença mística de origem grega que colocava, na ilha de Creta, a existência de um labirinto onde a criatura
conhecida por Minotauro, com cabeça de touro e corpo de homem, estaria encerrada a mando do mítico rei Minos.
Por isto, a Creta Antiga tem sido mais vezes descrita como a civilização minóica, apesar, naturalmente, do erro
histórico que configuraria a crença na lenda citada.
Porém, não é apenas a lenda de Minos que povoa esta civilização. Toda uma mitologia foi criada pelos gregos da
antiguidade, em torno desta ilha com mais de oito mil metros quadrados onde se destaca o imponente Monte Ide.
Vejamos como Asterion (o famoso “senhor das estrelas” que se casou com a deusa Europa, de cujo casal veio a
resultar o supracitado rei Minos), o segundo Deucalião ou Idomeuneu (que teria criado, de forma mágica, o exército
de Creta na Guerra de Tróia) surge como figuras mitológicas definidas, soberanos desta ilha, muito antes do nosso
tempo e, claro, sendo apenas fruto da imaginação grega.
Na verdade, Creta teve uma fase de grande apogeu entre 2200 e 1450 a.C., em que construções fabulosas, como
era o caso do Palácio Real de Cnossos, o qual tinha vários andares, sendo construído combinando madeira, pedra e
argila, se distinguiam e marcavam a época. Para tal prosperidade em muito contribuiu a sua capacidade de
navegação marítima e a sua arte no comércio, principal fonte de riqueza ao longo de sucessivas gerações.
Efetivamente, os cretenses não só sabiam construir embarcações resistentes, como eram hábeis no seu manobrar
e, deste modo, podiam transportar as suas apreciadas olarias para vastos locais do Mediterrâneo. Deste modo, não
foi de estranhar que diversos produtos – entre os quais podemos destacar o vinho, o azeite, as cerâmicas ou a
joalharia – tenham sido comerciados pelos cretenses, de forma ampla, por todo o mar mediterrânico.
A sua história termina, no entanto, de forma abrupta por volta de 1450 a.C. Para muitos, a razão encontra-se na
erupção vulcânica que aconteceu na vizinha ilha de Terá que subjugou parte da ilha de Creta. No entanto, o principal
fator do desaparecimento da cultura minóica está intimamente ligado à invasão dos Micénios, que aproveitaram os
conhecimentos dos habitantes de Creta para fazer brotar, do nada, uma nova civilização de grande relevo histórico.
M ICÉNIA
Também conhecidos por Aqueus, os micénios, como tivemos oportunidade de verificar no texto anterior,
invadiram a ilha de Creta, provenientes dos Balcãs, fixando-se na região da Grécia, muito provavelmente no
segundo milênio antes de Cristo.
Estes aqueus que ainda viviam na Idade do Bronze partiam em busca de terrenos férteis e, de uma leva,
apoderaram-se do espaço grego onde habitavam os Pelasgos, num estádio evolutivo mais inferior.
A civilização de Micenas, cidade onde se destacava a Porta dos Leões, entrada principal, cuja data de construção
dataria o ano 1300 a.C., seria constituída por uma vintena de cidades-estado.
Primeiramente “teve o seu início com uma série de ocupações de aldeias nas encostas”, mas em breve, “cerca de
1650 a.C., muitas aldeias tinham-se transformado em cidades fortificadas, com palácios suntuosos e objetos
luxuriantes que rivalizavam com os dos artesãos minóicos, altamente qualificados”16, com destaque, naturalmente,
para a já referida Micenas, mas igualmente para Argos e Tirinto.
Sem dúvida que os micénios eram altamente dotados no campo artesanal, como temos oportunidade de verificar
ao olhar para o cálice de ouro, cuja figuração incorpora homens caçando touros, e mesmo a máscara de ouro
descoberta pelo arqueólogo Heinrich Schliemann, cuja antiguidade tem sido colocada em dúvida por diversos
autores.
Por se encontrarem ainda na Idade de Bronze no momento exato em que se uniram à Grécia, os micénios ainda
“antes de começarem a construir fortalezas e cidades (…) enterravam os seus líderes em elaborados túmulos-
cortiços. Estes eram construídos com grandes blocos de pedras, lapidados de modo a formar uma grande cúpula. Um
dos túmulos em Micenas, o Tesouro de Atreus, tem uma entrada com cerca de seis metros de altura, que se abre para
uma câmara com 13 metros de altura e 14 metros de largura, forrada com placas de bronze.
A riqueza destes túmulos demonstra que se despendia grande quantidade de dinheiro e de esforço com a realeza e
a aristocracia. Um rei possuía cerca de 400 artesãos a trabalhar o bronze e centenas de escravos. Os ricos micénios
valorizavam extraordinariamente o ouro que importavam do Egito. Os habilidosos artesãos faziam taças de ouro,
máscaras, flores e jóias; até as suas espadas e armaduras tinham incrustações em ouro.”17
Além disso, convém ainda sublinhar, dentro do âmbito desta cultura antiga, que os micénios não se coibiram, se
aproveitando dos recursos culturais obtidos diretamente com os gregos da antiguidades, criaram os mais antigos
documentos de que há registro na Humanidade. Estes, redigidos naquilo que se convencionou chamar de escrita
linear B, tornaram-se sobretudo, famosos pelo fato de terem sido decifrados por Michael Ventris, dando-nos a
possibilidade de conhecer um pouco melhor o pensamento de mais esta cultura ancestral.
Como é costume afirmar, “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”, daí que seja perfeitamente adaptável este
ditado popular, aos momentos finais da existência dos aqueus. Assim, se eles haviam invadido a Grécia em 2000
a.C. e, já no ano de 1450 a.C. subjugaram a Creta Antiga, o certo é que a dura realidade é que também a civilização
micénia caiu bruscamente, às mãos de um grupo de invasores, que a história registrou como Povos do Mar, um
misto de vagabundos e assaltantes que percorriam o litoral em busca de riquezas, por volta do ano 1200 a.C.
16 História Universal Comparada, com direção de Julian Holland (título original: The Kingfisher History
Encyclopedia), Correio da Manhã, Portugal, p. 17.
17 Ibidem, p. 17.
C HINA A NTIGA
Território apaixonante, pleno de mistério e sabedoria, a China sempre manteve um forte elo com o seu passado o
que, naturalmente, faz com que todos gostem de sua história e se sintam entusiasmados no momento em que esta
zona geográfica é sugerida para análise.
De acordo com o que vem sendo registrado nos anais históricos, as mais antigas civilizações humanas que
habitavam a China Antiga surgiram por volta do ano 3200 a.C., tendo, assim como as suas congêneres egípcia e
suméria, sobrevivido junto às margens fluviais, neste caso o Huang He, o Chang Jiang e o Xi Jiang.
Das várias dinastias chinesas, a Shang é a primeira a surgir, a qual foi fundada, em 1766 a.C., pelo Imperador
Tang, muito apreciado pelo seu povo. Os seus guerreiros, protegidos por armaduras espessas e elmos
resplandecentes, eram temidos e, por isso, mesmo não foi de estranhar que tenham resistido durante seis séculos
vivendo no norte da zona chinesa, com capital em Anyang.
Seguiu-se a dinastia Zhou, a partir de 1122 a.C., já com uma vastidão superior. Mesmo assim, optaram por seguir
alguns dos preceitos legados por Tang, entre os quais se contavam com o cultivo do trigo e do arroz, a criação de
bichos-da-seda, como forma de produção da seda e, a par disso, a escrita, desenvolvida a partir de 1600 a.C.
Devemos aqui informar que os membros da dinastia Shang veneravam os seus antepassados e, diante disso,
acreditavam prever o futuro por meio dos místicos oráculos.
Já os membros de Zhou eram mais dedicados ao desenvolvimento citadino, havendo fortes registros de um
empenho no comércio, algo que resultou no enriquecimento e na criação de uma cultura dita imperial, sendo
igualmente responsáveis pela introdução do ferro nos trabalhos artesanais chineses.
Não deixa de ser curioso registrar que, numa época em que o poder estava concentrado numa só figura, fosse ela o
rei, que mais tarde caiu em declínio. Até os senhores da guerra, que dominavam, sucessivamente, pela lei da força,
seus súditos, tenha registrado o aparecimento de pensadores como Confúcio e Lao Tzu, um misto de filósofos e
sábios chineses de então que, ainda atualmente, são apreciados pelos leitores modernos.
As tribos guerreiras da China Ocidental, formaram a dinastia Qin, conquistaram os rivais a partir de 350 a.C.,
portanto, já numa era bem mais recente e baseavam o seu poder na força das armas, aproveitandose do declínio dos
antecessores. O seu rei era Zheng, que mais tarde se autoproclamou como Primeiro Imperador da China.
Mas o novo líder fez muito mais do que isso, introduzindo a moeda na cultura do seu povo, aboliu os poderes dos
aristocratas feudais e colocou o governo da região sob o controle de um poder centralizado na sua figura. Foi esta
dinastia que deu início à uma das Maravilhas do Mundo Atual: a Grande Muralha da China, com uma extensão
superior a 2.000 quilômetros.
Entre os anos 589 e 907 o domínio local esteve nas mãos de duas dinastias, a Sui, com uma duração temporal
diminuta por cerca de três décadas, e a Tang, esta última responsável por um fantástico incremento cultural,
científico e tecnológico. Os chineses haviam se tornado hábeis comerciantes e navegadores exímios das zonas dos
canais da região, o que se tornou essencial para o escoamento de seus produtos.
Mais recentes são as dinastias Song, que existiu entre 960 e 1279, e Ming, provavelmente a mais famosa de todas,
acima de tudo pelas suas qualidades artesanais. Durante a dinastia de Song, também conhecida por Sung, a China
cresceu exponencialmente em termos de habitantes, registrando-se um número provável de 100 milhões de chineses.
Já com a dinastia Ming, que reinou de 1368 a 1644, dá-se um período de prosperidade local, desenvolvendo-se
não só a cerâmica, como vimos anteriormente, mas também a literatura e todo o gênero de artes, com destaque para
os jardins e a pintura de paisagens.
B ABILÔNIA
A antiga capital da Suméria alcançou o feito de, com o tempo, tornar-se uma civilização com estilo muito próprio,
uma cultura distinta e, naturalmente, uma história fundamental para o conhecimento de um determinado período da
humanidade. Não apenas aqui se concentrariam os míticos Jardins Suspensos da Babilônia, construídos a mando de
Nabucodonosor II (632 – 562 a.C.), uma figura descrita na Bíblia como soberbo e um feitio orgulhoso. Também se
tornou, após a chegada ao poder de Hammurabi, o Grande, que reinou entre 1780 e 1750 a.C., a principal força da
região da Mesopotâmia.
De fato, a cidade de Babilônia situava-se às margens do rio Eufrates, junto à povoações igualmente famosas como
Uruk, Larsa ou Ur que veio a conquistar com a gestão do anteriormente citado Hammurabi. Isso levou a Babilônia
prosperar durante um século e meio, período em que os hititas, como já frisamos, saquearam a cidade, deixando os
autóctones de controlar os seus destinos nos cem anos seguintes.
Após este tempo a civilização da Babilônia murchou como uma flor envelhecida e, alguns séculos depois, a
Assíria iria insurgir-se como novo expoente máximo de poder militar e cultural da região da antiga Suméria.
De acordo com os estudiosos, os babilônicos seriam oriundos da cidade conhecida por Agadé, a qual a
arqueologia não logrou ainda identificar corretamente no espaço, mas que se acredita situar-se na Alta Síria. Sob o
comando de Sargão, o Antigo, importante senhor da Babilônia, apoderaram-se, em primeira instância da cidade de
Lagash, de onde partiram posteriormente para a conquista integral do espaço em seu redor.
A título de curiosidade refira-se que todos os povos subseqüentes a Sargão se denominaram Akkadianos, visto
que se situavam na zona norte da Antiga Suméria, mais concretamente no país de nome Akkad.
As más relações entre o senhor da Babilônia, Nabucodonosor, e os redatores dos textos bíblicos têm início em 586
a.C. quando este destrói a cidade santa de Jerusalém18, o que forçou os judeus de então ao exílio. A ambição dos
sucessivos governantes da cidade era tamanha que o mito da Torre de Babel tomou proporções bíblicas.
Segundo essa lenda, os senhores da Babilônia decidiram que os habitantes do império, que já falavam todos a
mesma língua, passassem a viver juntos no mesmo espaço físico e, então, mandou erguer uma torre de grandes
dimensões, de modo que governasse de forma mais marcante. Mas Deus não aceitava tamanha sede de poder, até
porque queria ver os povos disseminados pelo planeta dando origem a novas culturas e civilizações.
Ainda assim, Nimrode, líder da Babilônia, avançou com o projeto, apelidado de Torre de Babel, posto que fosse
uma confusão viver no seu interior. Os habitantes cansaram-se de estar todos confinados a um mesmo espaço e
acabaram por aceder aos desejos de Deus Todo-Poderoso, fundando novas pátrias por todos os lados.
Com exceção da questão mítica, o certo é que a cidade da Babilônia tornou-se um elemento indissociável dos
grandes fenômenos históricos, não apenas pelos acontecimentos nos quais tomaram lugar, por via direta ou indireta,
mas, igualmente, pela ciência que utilizavam, como a matemática, por exemplo. Responsáveis por um sistema de
contagem baseado no número 60, que resultou, mais tarde, na contagem dos minutos que atualmente seguimos, e
mesmo nas representações físicas, a que vulgarmente chamamos arte, como foi o caso de Estelas Funerárias.
Igualmente de grande importância é a referência mítica que Bérose, historiador do século III a.C. e autor de
Antiguidades Babilônicas descreve que “durante o primeiro ano do mundo, surgiu, saindo do mar da Eritreia, na
parte que confina com a Babilônia, um animal dotado de razão, a quem chamaram Oannès, fato que Apolodoro
também narra.
Este monstro tinha um corpo todo ele feito de peixe, mas, por debaixo da sua cabeça de peixe, tinha uma segunda
cabeça, que era a de um homem, uns pés igualmente de homem que lhe saíam da cauda e uma voz humana; a sua
imagem ainda hoje em dia se conserva. O animal em questão passava todo o dia entre os homens, sem comer
qualquer alimento, ensinando-lhes as letras, as ciências e os princípios de todas as artes, as regras das fundações das
cidades, da construção dos templos, da medida e da delimitação das terras, as sementeiras e as colheitas, enfim, o
conjunto de tudo aquilo que suaviza os costumes e constitui a civilização, de tal modo que, desde então, ninguém
mais inventou fosse o que fosse de novo. Depois, ao pôr-do-sol, este monstruoso Oannès voltava para o mar e
passava a noite na imensidão das vagas, pois era anfíbio.”19 Este misterioso animal terá ainda, de acordo com o
mesmo autor, redigido um tratado sobre a origem das coisas, tendo posteriormente entregue essa obra ao homem
para que pudesse compreender de onde surgiu, igualmente, a sua raça.
18 O seu exlibris era o famoso Templo de Jerusalém que terá tido, no ano 20 a.C. a data de início da sua construção.
Era o mais importante de todos os locais de culto e seria o centro da fé judaica. Jesus, que pela primeira vez estava a
visitar uma das chamadas grandes cidades mundiais, ficou, ao mesmo tempo, espantado pela grandiosidade de tudo
o que o rodeava, mas também chocado pela utilização de ouro na sua edificação. Assim acreditou que algo não
estava bem no seio da crença judaica pois demasiada pompa era normalmente apanágio da religião romana, pagã por
sinal.
19 Civilizações Superiores da Antiguidade, Edições 70, Lisboa, 1981, pp. 101-102.
A SSÍRIA
Se os babilônicos dominavam a zona sul da região da Mesopotâmia, uma outra cultura controlava a área mais a
norte. O seu nome era assírios, oriundos, por volta do ano 2500 a.C., do Cáucaso, acreditando-se que fossem indo-
europeus. O espaço que ocuparam foi o alto Tigre, mais concretamente a Antiga Assíria, daí que passassem a ser
conhecidos por essa denominação.
Independentemente de tal fato, e apesar de terem alcançado um grande poder por volta do ano 650 a.C., o certo é
que a sua história é marcada por grande sofrimento.
O primeiro grande impacto social toma forma com a figura do rei Adadnirari I, reputado legislador, auto-
intitulado Senhor de Todas as Coisas, que tinha a fama de feroz ditador. Estavam em 1770 a.C. Porém, o povo teve
ainda que enfrentar, nas décadas seguintes, a atuação dos seguidores de Adadnirari, igualmente ditadores que não
tinham pudores para atingir os seus fins.
Não obstante, a Assíria enriquecia. O povo, porém, continuava confinado à sua vida exigente e detendo poucas,
ou nenhumas, regalias. Para piorar, em 1680 a.C. os hurritas, dominaram a Assíria, tornando o povo da região seus
escravos.
Este domínio hurrita estendeu-se por praticamente três séculos. Uma nova figura assíria insurgiu-se, no caso o rei
Tiglathpileser I, que tinha por hábito efetuar terríveis campanhas militares procurando alcançar um domínio
territorial superior às custas dos seus assírios.
Quando parecia que esta civilização havia atingido um pico de importância local, surgiram as tribos aramaicas,
oriundas da Síria, que tomaram a Assíria, em 1076 a.C. Uma vez mais, apenas recuperaram a independência,
provocando novo sobressalto histórico, por volta de 950 a.C., quando Ashurdan II reconquista a Assíria. De
imediato, a capital foi transferida para a cidade de Nínive.
A partir daí, a sua história resume-se a um crescimento exponencial em termos demográficos, territoriais e
econômicos. Sob a batuta de Tiglathpileser III (havendo autores que defendam que o seu nome seria Teglatefalasar
III, e que reinou entre 746 a.C. e 727 a.C.).
Neste momento, os assírios conquistam a Babilônia e, pouco a pouco, passam a dominar as rotas comerciais da
época. Convenhamos que o seu império fosse extenso, abrangendo, entre outros, a Síria, a Palestina, o Chipre e o
Egito.
“No centro da história da Alta Mesopotâmia estão os Assírios (…). A escassa documentação relativa à Assíria,
nessa época, provém da região da Anatólia com a qual os Assírios tinham grandes relações comerciais. O centro
comercial dos Assírios localizava-se em Kanish, cidade próxima da atual Kultepe, na Turquia, onde foi encontrado
grande número de tabuinhas escritas que revelam a importância do comércio, entre a Assíria e a Anatólia, na
segunda parte do século II a.C. e no século seguinte. (…)
O exército do Império Neo-Assírio era, sem dúvida, o mais importante da sua época, tal como teriam essa
primazia, mais tarde, o exército das falanges macedônias e das legiões romanas. No que diz respeito ao Império
Neo-Assírio, conhecem-se três categorias de militares: os profissionais, os disponíveis e os suplentes. (…)
Não faltava ao exército, em fase de guerra ou de repouso, um bom sistema de comunicação por correios rápidos,
com o uso de cavalos, percurso por etapas, sinais de fogo e um sistema de informações e espionagem.
Sobre a organização interna do exército, técnicas de combate etc., temos menos informações. Conhece-se, por
exemplo, que havia o chefe de uma dezena de soldados, o chefe de cinqüenta, de cem e de mil, mas acima destes
nada sabemos com exatidão. As batalhas são descritas em linguagem vaga e épica, de modo que não nos permite
obter informações concretas.
A elite dos combatentes, na maioria assírios, servia na cavalaria e nos carros de combate. Na infantaria, havia os
arqueiros e os lanceiros, tendo cada grupo o seu armamento especial. O exército contava ainda com aqueles que
davam apoio logístico de toda a espécie. Pelos relevos das portas das muralhas e dos palácios assírios, podemos
imaginar o que eram os soldados a desfilar, a matar, a destruir muralhas, a arrebatar o espólio de guerra. Vemos
também soldados em repouso, outros a tratarem dos cavalos, a abaterem animais, a comerem, a dançarem etc. Era a
vida da classe mais importante da Assíria: os homens que faziam a guerra, que não era um mal a temer, mas um bem
que se desejava. (…)
O exército era o espelho de uma nação, toda ela orientada para a guerra como algo necessário, para levar riqueza à
capital, matériasprimas e operários especializados para as construções dos reis e para a ostentação destes.”20
Peritos em guerras de cercos, nas quais se procurava, pacientemente, adentrar nas paredes da cidade a ser
conquistada, os assírios protegiam os seus soldados com grandes escudos. Considerados magníficos construtores,
tanto de templos como de palácios.
O maior destaque vai, naturalmente, para o Palácio de Assurbanipal, uma magnífica habitação real, de proporções
gigantescas e possuindo vastos jardins onde o seu senhor passeava toda a sua cultura. A construção deveu-se ao rei
homônimo, que governou entre 669 a.C. e 631 a.C., tido como altamente erudito, tendo inclusivamente criado uma
biblioteca relevante. Foi, igualmente, o último dos líderes assírios, posto que, em 612 a.C. o território foi
conquistado pelos babilônios e pelo curioso povo conhecido como os Medos.
Seja como for, o certo é que na Assíria todos os poderes se concentram na figura do rei, sendo que surge
naturalmente imbuído do espírito de predestinação tão em voga nas civilizações da época. Como autoridade
suprema, as decisões militares e administrativas estavam todas ao seu encargo, talvez até de uma forma superior aos
anteriores exemplos, daí que possamos falar de um despotismo (ou absolutismo).
Tal concentração de poder baseava-se, sobremaneira, na força alcançada pela via militar o que inibia a oposição e
criava uma sensação de “proteção paternal” do rei assírio. E, ainda que os estudos revelem que a figura principal do
povo era o deus Assur, o certo é que o elemento humano que controlava a monarquia conseguiu fundir, em si
mesmo, a idéia de uma predição voltada para que o rei representasse Assur na Terra. Isto é algo que tanto pode
surgir ainda no ventre materno, quanto na infância ou mediante os tão escutados oráculos.
O mesmo é dizer, portanto, que, atendendo ao fato de o rei governar em nome de Assur, tudo aquilo que
deliberasse era para ser aceito. A sua administração tornava-se, deste modo, soberana sobre eventuais vozes
discordantes que, temendo a reação adversa da divindade que estimavam ou a força da espada dos militares ao
serviço real, acabavam por ser inaudíveis.
A auto-legitimação provém, como tal, da força da religião, essa visão teológica onde poder e fé se misturavam de
forma tão indistinta e que proporcionou, em várias culturas, um certo número de dinastias que se prolongavam no
tempo e que, em função de superiores interesses divinos (leia-se, eventuais “vontades dos deuses cultuados”),
procurou igualmente a expansão territorial.
20 António Augusto Tavares, obra anteriormente citada, pp. 298-299.
H EBREUS
Naturalmente que, para a história da humanidade, o aparecimento dos hebreus é um acontecimento fundamental
visto que, não apenas a eles se unem figuras importantes, como, por exemplo, o sábio rei Salomão (965-928 a.C.),
mas por outro lado eles representam as bases fundamentais de duas das maiores religiões do planeta, a judaica e a
cristã.
De acordo com o Antigo Testamento, os hebreus tiveram como primeiro líder Abraão, cuja comprovação histórica
tem sido tentada ao longo dos anos, não apenas tendo como suporte os relatos do pregador fenício Ovídio (43-17
a.C.), como também mediante alguns elementos arqueológicos que datam a sua presença na Babilônia em torno do
ano 2000 a.C.
Seja como for, pensa-se que Abraão seria um pastor da zona de Ur, na Antiga Suméria, que viajou, em primeiro
lugar, para a Síria e posteriormente para Canaã (atual Palestina), onde veio a se estabelecer.
A Bíblia cita que viveu por 175 anos, tendo Ismael e Isaac entre os seus filhos. Ainda assim, é Jacob, seu neto, pai
de 12 crianças, que vem a sucederlhe em termos mediáticos, visto que o mito consubstancia a criação das 12 tribos
de Israel por cada um dos seus filhos. Terá, então, sido Jacob a levar os hebreus em segurança para o Egito de onde
apenas viriam a sair quando Moisés, da tribo de Levi, foi escolhido para libertar o seu povo.
É óbvio que todos estes elementos históricos são cruciais para a compreensão de todo um conjunto de elementos
sociais e religiosos que se tornou a base daquilo que é grande parte da vivência continental. Os europeus,
naturalmente, são um povo influenciado por esta interessante passagem histórica que as Sagradas Escrituras nos
legaram.
Por força da tradição bíblica, a comunidade ocidental encontra-se mais conhecedora da história dos Hebreus. E,
também nesse caso, o peso da fé é evidente. Certo que a monarquia surge da vontade popular, tendo como alvo
principal a resposta ao perigo que os inimigos Filisteus representavam.
Mas não é menos verdade afirmar que a posse da Arca da Aliança parece ser o motivo que desencadeou uma
reação mais enérgica, ainda que, dentro do povo hebraico, durante algum tempo houvesse a divisão entre a facção
mais conservadora (de aspecto marcadamente religioso) e a popular, que veio a sobressair através da figura de Saul,
tido como o primeiro rei hebraico. Este foi, de acordo com a tradição, ungido (ritual sagrado) e aclamado pelo povo
(necessidade social).
Ainda assim, Saul, apesar de ter mantido uma monarquia de aspecto nacional, visto que dominava famílias e
tribos de raiz social comum, não logrou alcançar um estado na verdadeira acepção da palavra, com uma
administração sólida e fronteiras bem definidas.
Isso veio a acontecer com David, primeiramente, e com Salomão, de forma principal, figuras que ficaram
indelevelmente marcadas no rumo histórico do povo hebraico. E, se o rei David administra a justiça, toda a
hierarquia política estava bem estruturada, com um comandante principal do exército, um escrivão e um porta-voz
oficial, entre outros cargos. Já Salomão, que também colocou a cidade de Jerusalém, capital do reino, como centro
político e religioso, dividiu o território em doze distritos. Basicamente, o rei era, ao mesmo tempo o líder da política
e o ungido, isto é, escolhido por Deus para ocupar o cargo, daí se denotando uma escassa diferença com a situação
que veremos a seguir.
A partir de 1020 a.C., estes hebreus, que comumente se definem como israelitas21, começam a prosperar,
mediante a gestão de figuras como os já citados rei Saul (1095-1055 a.C.), o fenomenal rei David (ao redor de 1050
a.C.) e, obviamente, Salomão.
Aos poucos os hebreus tiveram oportunidade de comercializar com o Egito, alcançado riqueza, fruto das suas
capacidades intelectuais, algo que originou a cobiça dos vizinhos.
Em 721 a.C., os Assírios capturam Israel e, depois, a cidade de Judá, levando a que os hebreus se vissem forçados
a espalhar-se em várias direções. Muitos deles tornaram-se escravos. Ainda assim, continuavam a sonhar com a
independência, mas Nabucodonosor, líder babilônico, tratou de esmagar as suas pretensões em 587 a.C. levando-os
como escravos. Este momento chama-se diáspora, e acredita-se que nesta altura tenha sido escrito grande parte do
Antigo Testamento22.
“O período que decorre entre a destruição de Jerusalém (587-586) e a permissão de regresso dos Judeus ao seu
país, por decreto de Ciro, em 539 a.C., é designado por cativeiro. (…) Curiosamente, Judá não terá ficado com um
estatuto de província da Babilônia, embora lhe ficasse inteiramente sujeita. Os Babilônios confiaram a
administração desse país a Godolias, um funcionário natural de Judá que já antes havia exercido funções ao
serviço do rei Josias e de Joaquim. (…)
Para os judeus que permaneceram no país, este foi um período conturbado: Jeremias, com o seu grupo, vai para o
Egito, outros vão para a Transjordânia e o domínio de representantes da Babilônia foi sucessivamente contestado.
Quanto aos exilados na Babilônia, sabe-se que, mesmo longe da pátria, não a esqueceram e foram acalentando a
esperança de a verem ressurgir. Havia vários fatores que contribuíram para isso, destacando a presença do rei
Joaquim e sua família na Babilônia e a pregação dos profetas, concretamente de Ezequiel. (…)
O fim do cativeiro deve-se à vitória de Ciro sobre a Babilônia, em 539-538. A esse soberano se atribui o decreto
que permitiu aos deportados o regresso às suas terras de origem.Do livro de Esdras recolhemos esta informação:
Encontrou-se no palácio de Ecbátana, na província de Média, um documento onde estava escrito um memorial que
dizia: no primeiro ano do seu reinado, Ciro fez publicar o seguinte decreto – quanto ao Templo de Deus que está
em Jerusalém, que sejam lançados os seus alicerces e seja reconstruído para aí se oferecerem sacrifícios. Há-de ter
trinta metros de altura e trinta metros de largura. Terá três fiadas de pedra trabalhada e uma de madeira por cima.
Todas as despesas serão pagas pelo tesouro real. Além disso, os objetos de ouro e prata do templo de Deus que
Nabucodonosor tirou de Jerusalém e levou para a Babilônia serão restituídos e colocados no seu lugar no templo
de Deus (Esd. 6, 2-5).
(…) Com o templo reconstruído, os Judeus iniciaram uma nova etapa na sua história, empenhando-se no
restabelecimento do culto e numa nova reflexão sobre o sentido da sua religião e da sua história. Foi uma reflexão
que levou à consolidação da alma nacional, o que lhes permitiria enfrentar as dificuldades futuras com os Gregos,
e acima de tudo com os Selêucidas e com os Romanos23 que conquistariam Jerusalém e destruiriam o templo em 70
d.C. Após a queda de Jerusalém, no tempo do imperador romano Tito, Israel ficaria irremediavelmente, até a época
contemporânea, nas mãos de potências estrangeiras.”24
Integrados no futuro histórico dos hebreus, posteriormente conhecidos por judeus, surge-nos uma seita, ou grupo,
ascética, conhecida por os Essénios. Deste modo, entre 150 a.C. e o ano 70, estes elementos viveram em
comunidade, procurando seguir a preceito a lei ditada por Moisés.
Ainda assim, a sua existência ainda não é aceita por todos, dado que a Bíblia não os cita e as primeiras referências
históricas são-nos dadas por Flávio Josefo (38-103), um conhecido historiador judeu.
Também Fílon de Alexandria (25 a.C. – 50), nos escreve sobre os Essénios. Independente disso, é Josefo quem os
caracteriza, acreditando que seriam um grupo separatista, que decidiram viver de forma ascética no meio do deserto.
Tinham particularidades peculiares, como vestirem-se sempre de branco, sendo vegetarianos, tomando banho antes
das refeições e também totalmente contrários ao casamento.
Entre eles, segundo consta, destacou-se a comunidade de Qumran, um local situado a noroeste do Mar Morto,
situado a doze quilômetros da cidade de Jericó, responsáveis pelos textos conhecidos por Manuscritos do Mar
Morto. Por meio da sua leitura e interpretação, alguns historiadores defendem que poderiam ter sido os precursores
do cristianismo, havendo até a possibilidade de alguns paralelismos, como a prática do ritual de se banharem com
freqüência poder ser associada ao batismo cristão, praticado inicialmente por São João Batista, no rio Jordão, junto,
curiosamente, a Qumran.
Igualmente dissonantes em relação aos hebreus estavam os edomitas que, não raras vezes, eram definidos como
inimigos – como as referências na Bíblia, mais concretamente no Antigo Testamento. Daquilo que se sabe sobre os
edomitas, viveriam a sul do Mar Morto e destacavam-se pela atividade comercial e pela metalurgia. Um dos seus
povoados situava-se em Khirbat en-Nahas, na atual Jordânia. Seriam uma sociedade hierarquizada com forte
organização defensiva e economia ativa. A grande conclusão era que não seriam apenas uma simples tribo de
pastores manifestando grande atividade na época em questão.
21 Convém aqui efetuar uma referência à região da Judéia, uma região localizada a oeste do Mar Morto, estendendo-
se por um espaço que ia desde as colinas de Golan até a atual faixa de Gaza. A título de curiosidade refira-se que até
ao ano 63 a.C. era um estado independente judeu e só em 640 os muçulmanos passaram a ter controle sobre a zona.
Entre 1099 e 1291 a Judéia esteve na posse da cristandade, através da atuação militar dos Cruzados.
22 A Torá é o Livro sagrado dos judeus, significando literalmente instrução, apontamento ou lei. Contendo os
relatos sobre a criação da Humanidade e do mundo, a Torá divide-se em cinco grandes partes, a saber: Bereshit
(Génesis), Shmot (Êxodo), Vyqra (Levítico), Bamidbar (Números) e Devarim (Deuterónimo).
23 A título de curiosidade, podemos fazer uma ligação histórica entre a presença do Império Romano e uma das
figuras mais reconhecidas entre o povo judaico, no caso Heródes, que governou o seu povo entre 37 e 4 a.C., época
em que morreu pouco antes da Páscoa. Segundo rezam as crônicas, terá sido enterrado na Fortaleza de Herodion, por
ele construída com grande ostentação. Recentemente, investigadores da Universidade de Jerusalém decidiram
analisar a sua tumba. Estranhamente, ou talvez não, a mesma encontrava-se vazia. A explicação residirá, em parte,
no fato de que a mesma tenha sido profanada no século I por ocasião da revolta judia contra o Império Romano. Os
romanos eram considerados como principais opressores e inimigos dos judeus de então, sendo que a figura de
Heródes, em parte, efetuava essa ligação entre opressor e o respectivo povo, pelo que a eventual profanação da sua
tumba foi como um ato de libertação da parte de quem sofrera durante tanto tempo.
24 António Augusto Tavares, obra anteriormente citada, pp. 433-442.
F ENÍCIA
Apesar do relativo pouco destaque que os anais históricos têm dedicado ao povo fenício, é perfeitamente natural
que possam ser conhecidos, no mínimo, como aqueles que conseguiram desbravar o comércio marítimo na
antiguidade.
Sem dúvida que, a par das verdades históricas, aquelas que podemos definir como confirmados por intermédio de
documentos ou pela disciplina arqueológica, existem mitos ou rumores relacionados com a vivência da civilização
fenícia. Entre eles, o de que terão manifestado interesse por uma ilha, supostamente mítica, chamada Brasil onde,
inclusive, poderiam ter chegado e até mantido uma pequena colônia.
Na verdade, não existem dados concretos que possam fazer-nos levar a ter tal crença como confirmada, mas ainda
assim, não deixa de ser curioso que possamos observar a razão de os portugueses terem apostado, de forma tão
veemente, por ocasião do Tratado de Tordesilhas, naquela região do globo sobre a qual, nos séculos XIV e XV
pouco se conhecia.
Os fenícios viveram na atual zona da Líbia. Detinham uma civilização estranha, aos olhos das demais, pois jamais
ambicionavam a conquista territorial dos espaços físicos onde chegavam optando por outro lado, pela criação de
feitorias, ou espaços de comércio, de modo a extraírem as riquezas dos diversos locais, sem contudo, terem a
obrigação de sustentar e manter esses territórios e respectivas populações. Sem dúvida era um método inteligente,
talvez por terem aproveitado mais modernamente pelas grandes estruturas empresariais.
Seja como for, alcançaram uma capacidade comercial sem rival à época, muito provavelmente porque se serviam
do mar, e não das perigosas rotas terrestres, para levar e trazer os produtos. Egito, Grécia e até a zona norte de África
foram locais onde estiveram presentes. Claro que o sul de Portugal, principalmente a atual zona definida como
Algarve, também seria local preferencial para as suas feitorias havendo a confirmação de aí terem estado.
Entre o ano de 1500 a.C. e o século final da era anterior à moderna, os fenícios lideraram de forma incontestada o
comércio marítimo. Na verdade, podemos até afirmar que eram donos e senhores dos mares, em todos os níveis,
visto que a concorrência era escassa ou inexistente.
Relativamente a estas rivalidades, a Grécia era a principal, com a qual mantiveram uma relação dita de amor e
ódio, visto que, para além de sempre terem guerreado com eles, também não é menos correto afirmar que neles se
basearam para a formação da sua cultura e até da sua sociedade. Porém, os elementos históricos registrados
documentalmente são escassos, posto que a escrita fenícia, dita cuneiforme, era decalcada, como tal, na pedra,
resistindo poucos desses elementos até aos dias de hoje.
“Os fenícios ficaram famosos não só pela púrpura e pelos tecidos multicolores que exportavam, mas principalmente
pelo alfabeto que criaram e pelas suas viagens marítimas e comerciais com os povos do Oriente e do Ocidente.
Quanto ao alfabeto, parece não haver razões para se duvidar de que se deve aos Fenícios, que souberam aproveitar
dos progressos que já existiam na escrita cuneiforme, dando-lhe nova forma. Os textos religiosos de Ugarit, que
datam do século XV a.C., são escritos só com 30 signos ainda cuneiformes, mas cada um já representava uma
consoante. Isso constitui um grande avanço em relação ao acádico, que utilizava a escrita cuneiforme então em
uso. (…)
As cidades fenícias tiveram desde o início, ou seja, o III milênio a.C., relações comerciais com os povos vizinhos.
Biblos é aquele que primeiro aparece referida nos textos. Recorde-se, por exemplo, que, no reinado de Senefereu,
no princípio do III milênio, um texto egípcio registra a chegada de 40 barcos ao Egito vindos de Guebel, cidade que
mais tarde os Gregos designariam por Biblos por causa da abundância de textos escritos que aí se encontraram.
Das suas relações com o Egito dá-nos conta também a Arqueologia que, a partir das escavações de Pierre Montet,
pôs a descoberto vários objetos do tempo de Amenófis III e de Amenófis IV. (…)
Sob o protetorado egípcio, começa a notar-se uma federação de estados fenícios, criando o seu próprio tipo
especial de cultura e civilização indiferenciado do resto dos Cananeus. Durante a XVIII dinastia, a Fenícia serve o
Egito e muitas vezes receber, a sua proteção contra os conquistadores asiáticos, cananeus e hititas do norte da
Síria.
Ficou também conhecida também, desde os fins do III milênio a cidade de Ugarit, atual Ras-Shamra, com o porto
de Minet el-Beida, em frente da ponta oriental do Chipre, mas para outras regiões.25
Digamos em resumo que, a partir do século XVI a.C., as cidades fenícias ocuparam uma posição de importância na
política e na economia do Médio Oriente, ligando o Egito, a Síria, o sul da Anatólia, Chipre e o Egeu. As cidades
costeiras, ou seja, as que ficaram designadas por fenícias, organizam então as suas atividades em duas vertentes:
produzem bens de luxo, nomeadamente objetos com incrustações de marfim, tecido e vestes multicolores;
desenvolvem a navegação e aperfeiçoam os barcos.”
Alguns dos seus principais portos foram Sídon, o já referido Biblos, Beirute e, obviamente, Tiro, cidade portuária
fundada três milênios antes. O mítico rei fenício Hiram, senhor de Tiro, manteve ótimo relacionamento com
Salomão, daí redundando inclusive as bases fundadoras da Maçonaria, segundo os textos a ela ligados.
No entanto, e se jamais conseguiram dominar a civilização grega, não deixa de ser relevante afirmar que
Cartago26, no norte de África, se submeteu ao poder fenício, vindo a constituir-se na sua mais importante colônia da
zona. Assim como esta cidade, também as ilhas da Sardenha, Sicília ou Malta estiveram na sua posse, mais
importante na área comercial que militar, como afirmamos anteriormente. O seu declínio surge com o aparecimento
do império romano que, de uma assentada, levou tudo na sua frente, conquistando um amplo espaço, no caso pela
força das armas.
Por último, devemos ainda referir a mitologia fenícia que – e voltamos a frisar – apesar de pouco divulgada,
logrou ainda o feito de ter no deus guerreiro Baal uma das entidades míticas mais estudadas da atualidade. A esse
fato não é estranha a referência bíblica, no caso pensando-se que se tratasse de uma divindade da fertilidade adorada
como pagã, algo que as sagradas escrituras não deixaram naturalmente de condenar.
Essa confirmação surge por meio dos relatos do profeta Elias, no século IX a.C., que criticou severamente o rei
Acabe por adorar Baal. O Templo de Salambo Tophet, erguido por volta de 700 a.C. é tido como a mais
monumental manifestação de adoração a Baal, contando-se no seu interior a terrível infâmia de sacrifícios e
sepultamento de crianças, acreditando os habitantes de então que isso agradaria à sua divindade.
Apropriado diretamente da mitologia grega, surge Adónis, a divindade que se tinha como possuidor de uma
beleza rara e que, com a delineação teórica, veio a resultar no deus diretamente ligado à Primavera e a um ciclo
fundamental para os povos. Antes de terminar, destaque ainda para a divindade Astarté, crucial na mitologia fenícia,
sendo inclusive a figura de maior destaque no respectivo panteão. Seria filha de Baal, assim como esposa de Tamuz,
divindade pagã referida na Bíblia, no relato de Ezequiel.
Da nossa perspectiva, sem dúvida que Astarté era, nem mais nem menos, que a representação da deusa-mãe, algo
que provém do fato de ser deusa da fertilidade, do amor, responsável pela gestação. Esta figura mitológica, na
verdade, está presente em todas as culturas arcaicas e, nas ditas modernas, encontra-se camuflada com outras
denominações, mesmo que, no seu âmago, pretenda representar a Terra, o nosso planeta, e a criação da natureza,
fundamental para que possamos ter nos tornado seres humanos e viventes.
25 Ibidem, pp. 499-500.
26 Esta civilização foi o centro de um pujante comércio marítimo e quedou destruída em 146 a.C. por causa da sua
luta com Roma. Fundada em 814 a.C., a civilização cartaginesa (ou, como também é conhecida, púnica) perdeu as
três grandes guerras com Roma. Estiveram na Península Ibérica por volta de 149 a.C. Praticavam sacrifícios rituais,
incluindo seres humanos (até crianças), mas apenas durante guerras ou epidemias. Aos locais dos druidades
chamavam tofet. Algumas das suas divindades mais destacadas eram: Baal, Hamón, Tanit e Astarté.
P ÉRSIA
A partir do século VII a.C. existiu uma comunidade poderosa, que se localizava no atual Irã, país que, grosso
modo é a continuidade histórica dos persas, tomando essa denominação no período posterior ao ano 1935 da era
atual. Não se sabe exatamente a partir de quando surge essa forma de definir dois grupos de povos, os Medos e os
Persas, que emigraram da Ásia Central para a sua futura morada há 3.000 anos. Ainda assim, em 600 a.C. os gregos
passaram a utilizar o termo Persis quando se referiam ao espaço do dito império.
Na verdade, o primeiro domínio da Pérsis pertenceria aos Medos, mas, algumas décadas depois, Ciro, o rei persa,
impõe-se de forma a conquistar o controle imperial, transformando a Pérsia no centro decisivo da região e tendo
como capital Ecbátana.
Já a figura de Dário I (548 – 486 a.C.), um general persa de grande qualidade ao nível da disciplina e estratégia
militares, surge como o elemento que ampliou o império para ocidente e oriente, dividindo posteriormente seu vasto
território em vinte grandes províncias.
Foi com ele que, muito provavelmente, nasceu o fulgor construtivo dos persas. Dário decidiu edificar uma nova
capital, Persépolis, na qual incluiu um grande palácio em cujas paredes foram esculpidas cenas religiosas, como a
procissão de dignitários em trajes cerimoniais, assim como construir boas estradas, ampliando e melhorando as já
existentes, de modo a conseguir uma melhor e mais rápida comunicação entre as várias províncias persas.
O ouro e a prata fluíam no centro da zona, pois naquele momento a Pérsia ia da Índia à Grécia e todos os que lá
habitavam tinham de pagar os seus impostos, optando por qualquer um dos seguintes produtos: cereais, demais
produtos agrícolas ou, em alternativa, em prata.
É na antiga Pérsia que se situaram algumas das cidades mais fenomenais do passado histórico da humanidade,
com destaque, natural, para Antióquia27 que, durante o período medieval, foi tão ambicionada pelos cavaleiros
cruzados que partiam em direção à Terra Santa.
Teerã, ainda hoje é uma cidade importante no Médio Oriente e também Persépolis, a antiga capital do império,
como tivemos oportunidade de apreciar. Convém ainda referir que a cidade de Susa, junto ao Golfo Pérsico, foi
reconvertida em centro administrativo, relegando para a capital as decisões no campo político.
No que dizia respeito ao pensamento mítico-religioso, os persas seguiam, a preceito, os ensinamentos do profeta
Zaratrustra nascido na Pérsia em torno do sétimo século antes de Cristo. Tendo fundado o masdeísmo, religião
adotada pelos Aqueménidas.
Em pouco tempo essa visão cosmogónica foi trazida pelos persas, quando da migração a partir da Ásia Central.
No centro da sua adoração parece estar o deus Aura Mazda, que lutaria eternamente com Ahriman, deus do sono, e
Satã, naturalmente, o demônio. Na verdade, este zoroatrismo, como é mais conhecido, é concebido na base do
dualismo, seja ele moral, cósmico ou teogônico, isto é, a constante luta do Bem contra o Mal.
Fruto de uma resistência estóica, que se baseava em larga medida na capacidade dos seus soldados de infantaria, o
Império Persa cobriu, historicamente, um vasto espaço, pelo que se tratou, sem qualquer dúvida, de uma das grandes
civilizações da humanidade.
Efetivamente, o seu desaparecimento dá-se apenas no ano de 331 a.C. quando Alexandre28, cujo sobrenome é,
muito acertadamente, o Grande, isto tomando em consideração seus feitos militares e tendo a conquista da Pérsia,
incluindo-a no seu poderoso império.
27 Atualmente chamada de Antáquia, localiza-se na atual Turquia. Erguida na margem esquerda do rio Orontes,
Antióquia foi fundada no século VI a.C. por Seleuco I Nicator. Ocupando um lugar importantíssimo na história do
cristianismo esta cidade foi capital do Império Selêunico, e local exato de onde o apóstolo Paulo pregou o primeiro
sermão de que se tem conhecimento na história da Humanidade.
28 Não resistimos aqui a incluir, de forma sucinta, a idéia de Alexandre Magno para a conquista da cidade de Tiro
que durou sete meses. Em primeiro lugar, e vendo que o respectivo processo se arrastava há demasiado tempo,
Alexandre ordenou a construção de um dique de 60 metros de comprimento, entre a linha de costa e as altíssimas
muralhas (com 45 metros de altura) da fortaleza. Isto sucedeu, como se sabe, no ano 332 a.C. e os engenheiros de
Alexandre limitaram-se a aproveitar uma pequena ponte natural criada por sedimentos no rio. Não deixa, contudo,
de ser uma magnífica obra, que nasce fruto da estratégia humana e, com isso, Alexandre voltou a sair vitorioso.
E TRÚRIA
Uma das mais misteriosas civilizações do passado é evidentemente aquela que aqui indicamos. Os etruscos terão
existido entre os anos de 1200 – 700 a.C., mas não existem, até hoje, respostas cabais quanto às suas origens.
Essencialmente seriam um conjunto de povos que habitariam na Itália, entre o rio Abro e rio Tibre, que hoje em dia
conhecemos por Toscânia.
Se Heródoto os considerava seus compatriotas remotos, isto é, defendendo o que seriam os antigos gregos que se
haviam instalado naquela zona, já outros analistas históricos, de tempos mais modernos, defendem que os etruscos
eram realmente originários da zona italiana que por ali permaneceram, evoluindo do mesmo modo que os seus
vizinhos, até formarem um conjunto de povos unidos sob uma língua similar.
E considerando este assunto que aqui surge, convenhamos que a escrita etrusca tem sido igualmente fruto de
discórdia. Para Sabatino Moscati, “decifrar significa interpretar uma escrita: pois bem, a escrita etrusca nada tem de
misterioso, é um alfabeto derivado do grego que se conhece muito bem. Por outras palavras, os textos etruscos lêem-
se corretamente. Mas, perguntará então o leitor surpreendido, onde está então o problema? O problema está em
compreender-se aquilo que se lê; e logo temos, entretanto de modificar o próprio delineamento do discurso, fundá-lo
na interpretação mais que na decifração.”29
Assim sendo, é normal que tenhamos, continuadamente, alguma dificuldade em definir corretamente a história
etrusca, pois é por meio da leitura de textos contínuos que, como regra geral, se chega à conclusões.
A história antiga é, na verdade, um quebra-cabeça que deve ser construído com calma e ao qual, não raras vezes,
faltam peças importantes. A escrita etrusca que, junto com a linguagem, parece ter unido uma vasta comunidade de
povos com características nativas distintas, é, por isso mesmo, motivo de agregação social, mas de afastamento
acadêmico atual, pois tem dividido como lemos acima, as diversas teorias.
No entanto, sabemos com larga certeza que a Etrúria era composta por diversas cidades-estado, como Volterra,
Perugia, Todi e Tarquinia. Cada qual à sua maneira, contribuíam para que os inimigos se sentissem atemorizados na
perspectiva de invasão.
E, além disso, os etruscos parecem ter influenciado o futuro império romano, provavelmente o mais destacado de
toda a história humana, até porque, antes da República, três reis romanos eram de origem etrusca o que diz bem da
sua importância social – e foram conhecidos por dinastia tarquínica.
Basicamente, a Etrúria desenvolveu-se de norte para sul, o que em parte invalida a tese de serem originários da
Grécia Antiga, conquistando, de forma paulatina, vastas planícies e preparando-se convenientemente antes de atacar
nova povoação. Foi desse modo que lograram alcançar os primórdios de Roma, na época apenas um aglomerado de
aldeias, chegando até a Campânia, local onde edificaram Cápua, importante cidade etrusca.
Uniram-se igualmente aos senhores de Cartago, algo que lhes permitiu derrotar os Fócios da ilha de Córsega.
Porém, o seu destino estava definitivamente selado a partir do momento em que novas forças militares, sociais e
políticas começaram a emergir, tendo a nova cidade de Roma, futuramente o maior centro europeu da época anterior
à era moderna, como capital. Em 509 a.C., os etruscos foram expulsos pelos romanos da cidade para, pouco depois,
verem as suas fronteiras violadas e destruídas pelos gregos. Como tal, não foi de estranhar que em 396 a.C., com a
tomada romana de Veios, a Etrúria tenha sido, definitivamente, incorporada ao novo império.
Antes de terminar, uma referência importante para a íntima ligação entre os estruscos e a posterior civilização
espantosa que deu pelo nome de Império Romano. Durante muitos anos, os historiadores tinham na mítica imagem
da Lupa Capitolina, isto é, a representação de uma loba apascentando os fundadores de Roma, Rómulo e Remo,
como uma escultura etrusca do século V a.C. Era algo que, além da vertente histórica, também encontrava pontos de
toque com uma perspectiva mítica da criação de uma nova cidade e de uma nova civilização. Porém, de acordo com
o professor e arqueólogo Adriano La Regina, que investigou a escultura durante vários anos, a obra não passa de um
trabalho já do século IX.
29 Sabatino Moscati, obra anteriormente citada, p. 76.
G RÉCIA A NTIGA
Para todos os conhecedores da história, os antigos gregos serão, inevitavelmente, sinônimo de avanço cultural,
visto que, ao longo de sua existência, primaram por nós brindar com toda a sorte de fatos que, ainda hoje, são
relevantes para o nosso dia-a-dia. É o caso do termo democracia que, tem sido um sistema político a implantar-se
um pouco por todo o mundo, sucedendo a uma época em que a posição de tiranos forçava o domínio de toda uma
região imperial. No entanto, convém esclarecer que a Grécia Antiga possuía efetivamente, uma denominação
distinta, no caso Hélade, motivo pelo qual ainda hoje é comum apelidar os gregos de helênicos ou helenos.
Como tivemos oportunidade de verificar a existência helênica tem um passado altamente glorioso visto que, tanto
os minóicos, com origem na antiga Creta, quando os micênicos, que já falavam o grego, podem ser considerados
como elementos que contribuíram para esta nova civilização. Após estas culturas deixarem de existir, deu-se aquilo
que tem sido conhecido por período obscuro, ou de trevas, no qual se perdeu o uso da escrita e, basicamente, os
habitantes dessa região perderam parte das suas habilidades culturais. No entanto, com o passar dos anos, e até
porque na sua gênese estava a distinção intelectual, os gregos foram agregando interesses e, no ano de 776 a.C., com
a realização dos primeiros jogos olímpicos da antiguidade, marca-se uma nova era na sua existência, definida como
período arcaico.
O salto então, foi tremendo. Os helênicos formaram uma sociedade coesa, em que os mercadores tinham grande
impacto, até porque passaram a dominar o comércio regional, desenvolvendo a frota naval, tornando possível a
erupção de uma classe média forte, que sustentava o estado. Isso levou a um aumento na qualidade de vida, na
esperança média de vida e a população total passou de cerca de meio milhão para mais de sete milhões já no século
VI a.C.
Isso levou os historiadores a classificassem o período seguinte como clássico e, entre 500 a.C. e 350 a.C. duas
grandes cidades-estado degladiaram-se pela posição primordial, no caso Atenas e Esparta. Como se sabe, eram
culturas distintas, ainda possuindo diversos pontos de contato. A primeira, localizada na movimentada cidade
ateniense, de aparência cosmopolita, tornou-se um centro de debates públicos, de nascimento de novas idéias e,
inclusive, onde os maiores pensadores da humanidade puderam desenvolver as suas artes intelectuais.
No entanto, Esparta, igualmente uma grande cidade, tinha uma linha de pensamento distinta, que se baseava na
existência de um grande exército, altamente treinado, e com um rigor extremo em tudo aquilo que faziam.
Conhecidos pela força e coragem, é por isso que, ainda atualmente, se classifica de espartano todo aquele que se
dedique a algo com toda a sua força, sobrepondo o físico e o rigor à suavidade. Isso levou, naturalmente, a algumas
disputas entre os dois locais.
Em Esparta, tudo, no que diz respeito à educação, pode ser resumido em uma só palavra – agogê, cujo significado
é treino. Ora, desde logo é fácil de notar a intimidade entre o termo educativo e a prática de atividade física tendo em
vista a formação de um indivíduo escorreito, forte e disciplinado.
Ao passo que o bebê espartano é cuidadosamente analisado tendo em linha de conta as suas características físicas,
o recém-nascido em Roma surge em um ambiente onde o misticismo e a sorte se confundem com a realidade social.
Vejamos: logo no início, qualquer criança que possuísse alguma deficiência física visível ou que não detivesse a
robustez desejada teria de ser eliminada. Isto seguia um pouco na esteira da visão do homem perfeito que, em
Esparta, não seria julgado tanto em termos intelectuais como sucedia no império romano.
É que o regime espartano definia que a criança pertence ao Estado e que, a partir dos sete anos de idade, o jovem
ficaria ao encargo de Esparta. Isto significava que seria educado de forma coletiva e sem a ligação afetiva com os
progenitores. Aos olhos modernos isto poderá parecer excessivo, e até cruel, mas, de certa forma, à época, ninguém
ousava contestar algo que era efetuado desde o princípio da existência da própria sociedade espartana.
Efetivamente, a união não era com o núcleo familiar, mas, isso sim, com os colegas de situação. Ou seja, todos
aqueles que compartilhavam a educação, tendo em conta que viviam em uma comunidade de jovens divididos por
idade: no caso, a existência de três ciclos distintos agrupavam os alunos espartanos, respectivamente, dos 7 aos 11
anos; dos 12 aos 15; e, finalmente, dos 16 aos 20, altura em que a educação terminava e o espartano era considerado
plenamente preparado para tomar o seu lugar como soldado. Levavam uma vida austera, possuindo cabelo rapado
(uma das imagens de marca, desde sempre, da disciplina militar), com escassas vestes e razoavelmente calçados.
Era o que hoje em dia se costuma designar por modo de vida espartano, consistindo primordialmente em saber
enfrentar as dificuldades do cotidiano sem subterfúgios, aprendendo a disciplina cega, onde obedecer ao líder era
mais forte que a própria vontade. No que diz respeito aos elementos do sexo feminino, a sua condição não era menos
intensa, visto que nas suas atividades prevalecia o exercício físico, de modo a que se tornassem mulheres vigorosas e
aptas para gerar filhos possantes.
Sabemos igualmente que, a partir do século III, estas condições foram alteradas. No caso de famílias com posses
econômicas para pagar a figura do preceptor, que cuidaria do jovem nos primeiros anos de sua vida, ensinando-lhes
as mais diversas artes, como a retórica ou a lingüística da época.
Os escravos gregos, neste caso em particular, foram deveras importantes, tendo em conta a sua extraordinária
cultura. As escolas públicas também existiam e, por ali, os jovens andariam até a idade adulta, dividindo-se em
várias etapas: até aos 11 anos estariam a cargo de um litterator, época na qual aprendiam os elementos básicos dos
seus estudos, ao término deste período era o momento de incrementar os seus conhecimentos, passando a ser
acompanhados por um grammaticus até à idade aproximada de 15 anos.
Os anos que se seguiam eram plenamente preenchidos com atividades culturais, destacando-se o ensino dos
clássicos gregos, a geografia e mesmo a astronomia. Certo que, com o passar do tempo, apenas os mais abastados
poderiam dar seqüência aos seus estudos, já que os jovens adulescens de 17 anos, cuja família possuísse maiores
condições econômicas, teria uma bagagem cultural deveras superior aos seus pares.
Retomando o fio da meada, vejamos como foi com a ascensão da Macedônia, e, sobretudo com Alexandre, o
Grande, que, no ano de 338 a.C., a antiga Grécia se tornou um espaço de maior abrangência territorial, ainda que
com menos impacto no campo cultural.
Se os Jogos Olímpicos foram uma importante contribuição que os helênicos forneceram à posteridade, convém
não deixar cair no esquecimento a sua arte, representativa em espaços como a Acrópole, em Atenas, ou o templo
com colunas dóricas que definimos como Parténon.
Todas estas competições tinham particular relevo enquanto evocações de diversas divindades. Vejamos aqui
algumas das mais relevantes no panteão helênico: Prometeu (o titã que roubou o fogo aos deuses para o dar aos
humanos), Teseu (herói que eliminou o Minotauro de Creta), Cronos (deus do tempo, filho de Urano, o céu, e da
Terra Mãe); Rea (junto com Cronos eram os pais de Zeus), Ares (deus da guerra); Hermes (deus da viagem,
comércio e correio), Artemisa (deusa da natureza), Atenea (responsável divina pelo pensamento, arte e ciência);
Apolo (senhor da luz, beleza e das artes da adivinhação) e Afrodite (dona do amor e do desejo).
No entanto, o somatório de tudo aquilo que nos legaram vai ainda mais longe, sendo de destacar os seguintes:
filosofia, ciência, arte, arquitetura moderna e cidadania. Todos estes são fatos mais que suficientes para que o
interesse pela Grécia Antiga continue a ser uma realidade entre os estudiosos da atualidade.
Antes de avançarmos para novo tema, gostaríamos de deixar breve referência a uma cultura, a Lídia, que, estando
localizada entre a Mesopotâmia e a Jônia, não deixou de ser altamente influenciada pelos elementos helênicos.
Esta união surge por meio do inevitável general Alexandre, anteriormente referido, que colocou a cultura Lídia
junto com o seu vasto império e, talvez por isso, os habitantes deste local inovaram, sendo os primeiros a cunhar
regularmente uma moeda (de uma liga de ouro e prata), assim como utilizavam a escrita, aproveitando o alfabeto
grego e aumentando-o em nove símbolos. Por último, tinham a prática da música e da ginástica, motivos pelos quais
eram reconhecidos pelos seus pares.
I MPÉRIO M AURI
Na Índia, o primeiro grande império desta zona geográfica foi fundado por Chandragupta, em 321 a.C., um
destemido guerreiro que comandava o exército de Magadá. A sua estratégia era simples: em primeiro lugar,
revoltou-se contra o domínio existente e procurou apoio junto a Alexandre, o Grande, elemento primordial na época.
A diferença entre a vitória ou a derrota estaria, nesse tempo, subjacente a estar, ou não, ao lado desse comandante
macedônio.
A Índia estava então, na posse da dinastia Nanda. Chandragupta, recebendo conselho e apoio de Alexandre, pôde
então partir para a conquista, matando o anterior detentor do cargo máximo e fundando um império que se veio a
estender desde Bengala ao Indocuxe, unindo uma vasta região sob a sua proteção.
Foi Asoka (268-233 a.C.), seu neto, que se tornou o mais hábil de todos os governantes mauri, ampliando ainda
mais o vasto império que “era habitado por pessoas com mais de 60 crenças e línguas. Asoka era hindu, mas adotou
o budismo após ter assistido a uma batalha particularmente horrível. Adotou as regras morais budistas de boa
conduta e não-violência e trouxe paz, cultura, dignidade e prosperidade aos seus súditos. Ergueu a religião a partir
de uma pequena seita, enviando missionários para a Indonésia, Ásia Central e Egito. Mandou erigir muitos pilares
de pedra por toda a Índia, cheios de instruções morais e religiosas para o seu povo. Asoka foi um dos monarcas mais
justos da história.”
Para além disso, convém referir que “a nível prático, Asoka tentou melhorar as condições do seu povo. Mandou
construir reservatórios e sistemas de irrigação, abrir poços, e construiu casas de repouso a intervalos regulares ao
longo das estradas do império a fim de encorajar as viagens e o comércio e juntar todas as diferentes regiões num só
sistema. Asoka, também empregou uma vasta polícia secreta para o ajudar a tentar governar o império. Embora
Asoka tentasse unir o império, sob o seu reinado as diferenças entre hindus, budistas e outros, cada vez se tornavam
mais distintas. Após a sua morte o império Mauri em breve começava a desmembrar-se e a Índia fragmentou-se em
pequenos reinos.”30
Asoka definiu que “todos são meus filhos”, procurando unir a Índia por meio da filiação social. O seu destino
oficial era a proteção de todos os que tivessem sob sua influência, dando-lhes boas condições de vida, na medida do
possível. Para tanto, tentou que houvesse alimentação suficiente para todos os mauri, principalmente os grandes
arrozais, irrigados por sistemas criados na época.
A somar a tudo isso, também há elementos arquitetônicos distintos dessa época, nomeadamente o capitel com o
leão, que se encontrava em Sarnath, cujo assento seria o local onde Buda rezava. Também o Grande Stupa, em
Sanch (Índia), um templo grandioso, onde a cultura budista era exaltada, foi erigido nessa época, a mando de Asoka.
Porém, esta grande civilização foi, subitamente, interrompida quando no ano 185 a.C., Brhadrata foi assassinado
pela figura do general Pusyamitra Sunga. Isto originou, inevitavelmente, o surgimento de uma nova dinastia, no caso
a Shunga. Os relatos da época parecem revelar que, doravante, houve uma ressurgência do hinduismo em detrimento
do budismo que era a via religiosa de eleição dos membros da dinastia Mauri (ou, como igualmente é conhecida,
Maurya).
30 História Universal Comparada, obra anteriormente citada, p. 57.
I MPÉRIO R OMANO
Não existirá, porventura, ninguém que não se sinta, pelo menos, interessado pelo império romano. Porém, a
grande maioria sente puro fascínio pelos feitos históricos e militares de um exército e cultura que conseguiram, em
relativamente pouco tempo, subjugar imensas civilizações anteriores. Qual a razão para que tal fato tenha sucedido?
Na verdade, não existe apenas uma. Mas, para tal sucesso, teria de ser forçosamente a organização profissional dos
seus soldados que recebiam um soldo, eram alimentados convenientemente e antes de tudo, possuíam uma formação
específica, em termos físicos e bélicos. Numa época em que tudo residia um pouco na força do destino e, claro, na
capacidade braçal de cada um dos guerreiros, os romanos surgiram corretamente equipados para enfrentar as armas
dos inimigos de então e mentalmente aptos para a tarefa à qual se predispunham.
À medida que as conquistas se iam sucedendo, também as riquezas afluíam em maior número à capital, Roma,
ainda que, naturalmente, as despesas também crescessem, visto que, quanto maior era o território,
conseqüentemente, eram necessários mais militares para controlar os respectivos habitantes e, assim, o soldo a pagar
crescia exponencialmente.
Mesmo assim, entre o século III a.C. e o ano 476, os romanos lograram deter um vasto império que, sendo
iniciado na Europa, praticamente na sua posse, ia até a África de leste, assim como à Índia e à China. Porém, há um
dado que convém aqui ser referido: os soldados eram motivados com mais do que um soldo. Na verdade, a sua
ambição era que posteriormente pudessem receber, como pagamento da sua participação ativa, tanto promoções de
carreira, aumentando o seu salário, mas principalmente terras, que pudesse cultivar, afastando-se da vida dura das
batalhas. Isso era um ponto importante de organização territorial.
Sem dúvida que a gestão romana era bastante inteligente, visto que propôs que os habitantes dos territórios
conquistados não fossem “deglutidos” socialmente pelos invasores. Assim, a idéia seria que os futuros membros do
império se sentissem mais próximos do centro de decisão e eram, como tal, motivados a tornarem-se romanos,
diferenciados em categorias sociais. Com o passar do tempo, o Império soube apropriar-se, convenientemente, dos
avanços tecnológicos dos locais por onde passavam e, como tal, absorver conhecimentos.
A célebre República romana é fundada apenas no ano 509 a.C. e, doravante, unidos desta forma, os seus
habitantes tornaram-se ainda mais poderosos, derrotando os Latinos em 496, os Etruscos em 306, Cartago no ano de
202, a poderosa Grécia em 146 e a França em 50. Naturalmente todos estes acontecimentos ocorreram antes da
nossa era.
Vejamos que foram muitos os grandes líderes, assim conhecidos essencialmente pelos feitos militares e pelos
louvores entoados pelos cronistas romanos da época, de onde destacamos, obviamente, Júlio César (100-44 a.C.),
Augusto (63 a.C. – 14 d.C.) e Trajano (53-117).
Não obstante todos estes fatos positivos, o império sedeado em Roma também não está, naturalmente, isento de
defeitos. E estes existiram porventura em número superior ao que se pensa.
Apesar de alguns historiadores defenderem que os sangrentos espetáculos de gladiadores e, até, lutas com
animais, nas quais o ser humano acabava inevitavelmente vencido, para regozijo dos espectadores do Coliseu, o
certo é que a traição foi utilizada para vergar os Lusitanos, um conjunto de tribos ibéricas que habitava a Península
Ibérica, nomeadamente a atual zona da Beira Alta de Portugal (a que os antigos chamavam de Montes Hermínios).
Apenas deste modo lograram desfeitear o grande Viriato, avô da nação portuguesa (posto que D. Afonso Henriques
foi, naturalmente, o pai de Portugal) e os seus aguerridos lusitanos a mais importante influência da futura nação
fundada em 1143.
Quanto ao relacionamento com os seguidores de Jesus Cristo, o Império Romano parece ter feito uma espécie de
mea culpa, por intermédio de Constantino (272-337) quando tornou possível que o cristianismo passasse a ser a
religião oficial de todo o vasto território sob o seu domínio.
Dentro do campo cultural, os romanos não estavam propriamente muito distantes dos eruditos gregos, sendo que
Suetônio (69-141), Plínio, o Velho (23-79), ou mesmo Tácito (55-120) foram bons exemplos de escritores nascidos
no império e que se impuseram às gerações futuras com obras de reconhecido mérito.
Além disso, a arquitetura romana era, para além de agradável, extremamente útil, subsistindo ainda exemplos dos
aquedutos que edificaram, incluindo pequenas barragens, posto que a água é elemento crucial de sobrevivência do
ser humano e, claro, para regar as plantações agrícolas. No campo da grandiosidade arquitetônica, conhecemos as
pistas de corridas de quadrigas, destacaremos o Coliseu de Roma, um estádio enorme, mesmo atendendo às
dimensões dos recintos desportivos da modernidade. Mesmo que existam monumentos romanos espalhados por
grande parte do planeta, nomeadamente Europa e Ásia, convenhamos que Portugal constitui um bom exemplo em
que o passado histórico, bem conservado, pode, ainda atualmente, resultar numa excelente visita aos legados
romanos, espaço propício ao início de uma viagem de circunavegação pela Europa e aos vestígios dos senhores da
Roma Imperial.
Aproveitemos, igualmente, a oportunidade para efetuar uma ligação, que muitos pressupõem direta, entre o
Império Romano e o surgimento do Cristianismo. Para tal, temos uma figura relegada para segundo plano pelos
principais historiadores mas que, quanto a nós, foi fundamental em todos os acontecimentos que rodearam esta
tríade histórica que envolveu o Império Romano, a figura de Jesus Cristo e, naturalmente, o surgimento do
Cristianismo.
A personagem que ficou conhecida para a história como Longino, na verdade, nasceu Gaio Cássio, na Sicília,
provavelmente na cidade de Taormina, uma pequena ilha italiana. Ao bom jeito siciliano, Cássio era um jovem
muito agarrado ao seu local de nascimento, pois, desde novo, ajudara a família na sua atividade principal – o
comércio de produtos agrícolas. Apesar disso, as dificuldades econômicas eram muitas, e por isso, o jovem decidiu
alistar-se no exército do poderoso Império Romano, um sonho típico de quase todos os jovens da época. Mas havia
uma questão a ser considerada: ele havia nascido com um problema de visão, que alguns consideram ser catarata, ou
apenas miopia. Sabendo-se da forma rigorosa como eram selecionados os soldados para aquela força militar de elite,
Gaio Cássio consegue, através de um amigo do seu pai, arranjar um contato com um senador de Roma que o ajudou
no processo. Deixando para trás uma paixão, com uma jovem da aldeia, o jovem siciliano alistou-se no exército,
muito provavelmente com a idade de 18 a 20 anos.
Apesar do problema visual, era um jovem de forte porte atlético, e com uma altura próxima a um metro e oitenta.
Seria, sem dúvida, uma grande contribuição às fileiras do exército romano. Fruto de muito esforço e do investimento
das poupanças dos pais para se deslocar para a capital do Império, Gaio Cássio concretizou o seu sonho. Agora,
seria batalhar muito para demonstrar suas artes e aptidões. Durante sete longos anos combateu nos mais diversos
campos de guerra, conseguindo, não sem alguns achaques, manter-se como sobrevivente. Ao fim desse período,
normalmente um soldado estava precocemente envelhecido e o seu soldo seria mantido, caso aceitasse outro cargo.
Assim fez. Destacado para a Galiléia, ofereceram-lhe o posto de comando de uma pequena guarnição, como
recompensa pelos atos valorosos em batalha. Foi, precisamente, neste local, que Cássio se viu perante o momento
mais marcante da sua vida.
Antes disso, convém aqui abrir um pequeno parêntesis. Os relatos sobre a vida do soldado Cássio são poucas.
Muitos deles baseiam-se em probabilidades. Talvez parte da própria história que lemos nos livros seja definida dessa
forma. Por exemplo, há autores que consideram que os problemas de visão não existiam deste o seu nascimento, mas
com o passar do tempo e foi a catarata que o afastou da frente da batalha. Não podendo-se desprezar que, durante
sua presença na Galiléia, era ainda um jovem de 28 anos. Posto isto, algumas informações relatavam que o centurião
romano há algum tempo havia sido destacado pelo procônsul da região, Pôncio Pilatos, para acompanhar as
atividades de um homem, denominado Jesus, que se auto-intitulava rei dos Judeus.
Por ocasião da chegada de Gaio Cássio a Gólgota, “Anás, o velho conselheiro do Sinédrio, e Caifás, o sumo
sacerdote, estavam decididos a mutilar o corpo de Cristo para provar à multidão que Jesus não era o Messias, mas
apenas um herege e potencial usurpador do poder das próprias massas.”31 O líder da pequena coluna romana, o
jovem siciliano, observou então como os fariseus destroçaram os corpos dos outros dois crucificados, os já referidos
Dimas e Gestas. Horrorizado com a visão, “e tão sensibilizado pela submissão humilde e corajosa de Cristo ao
cravejamento cruel, ele decidiu proteger o corpo do Nazareno. Conduzindo o cavalo em direção à cruz central, o
centurião cravou uma lança no flanco de Jesus Cristo, perfurando-lhe o peito entre a quarta e a quinta costela. Esta
forma de perfurar era um costume dos soldados romanos no campo da batalha, quando procuravam provar que um
inimigo ferido estava morto; pois o sangue já não corre em um corpo sem vida. Contudo, logo saiu sangue e água, e,
neste momento do fluxo miraculoso do corpo redentor do Salvador, a visão fraca de Gaio Cássio foi completamente
restaurada.”32
Como tivemos oportunidade de referir anteriormente, o centurião Cássio, de tão espantado com o jorrar de tanto
líquido do interior de alguém que se supunha cadáver, levou-o a atirar a lança ao chão e a procurar limpar-se. Perto
de si, apenas encontrou o tal pano que molhara os lábios de Jesus no respiro final. Mas estranhos acontecimentos
físicos parecem ter-se sucedido ao siciliano. Conta-se, inclusive, que, pelo conhecimento que já tinha da história de
Cristo e sobre a profecia que sobre ele pendia (sobre a morte de Jesus, Isaías afirmou: nenhum dos seus ossos será
quebrado e Ezequiel não deixou de profetizar: verão aquele que trespassaram), Cássio teria proferido, ao ver o
sangue jorrar do peito de Jesus: Esse é verdadeiramente o Filho de Deus! O oficial romano parece ter sentido certo
arrependimento após o seu ato. Talvez, por outro lado, tenha pensado que o dever de um membro do exército do
Império Romano era cumprir ordens sem hesitar. E, por último, possa ter acreditado que se limitou a aliviar o
sofrimento a um homem em agonia.
Se a idéia de Gaio Cássio foi ajudar Cristo ou procurar quebrar os seus ossos, de forma a poder afirmar que a
profecia não havia sido cumprida, a verdade é que ninguém sabe e os historiadores não passaram à posteridade,
informações suplementares. Naquele momento, apenas os que choravam a morte de Jesus, e o centurião siciliano
estavam próximos de perceber a importância do momento, mesmo que a mente de todos estivesse ainda obscurecida
pela emoção do momento. O ato de Gaio Cássio foi fundamental para toda a história ocidental que atualmente
vivemos. Cumprida a profecia, o centurião apresentou o relatório ao seu superior, Pôncio Pilatos e foi-lhe permitido
descansar. Aqui começam a surgir algumas versões da história.
Segundo parece, no dia seguinte à morte de Cristo, Cássio não conseguiu levantar-se, ardendo em febre. O seu
corpo passava por um malestar incompreensível. Aparentemente, horas antes era um jovem que, como se diz
popularmente, vendia saúde. Agora era, nem mais nem menos, do que um enfermo delirante. Durante horas ficou
assim prostrado, até, provavelmente, ter sido recolhido por um tal Yossef, um amigo que havia alcançado na
Galiléia, mediante recomendação de um físico que o observou e aconselhou quatro dias de repouso. Logo que
conseguiu levantar, durante a refeição, uma estranha oração (aos ouvidos do romano, habituado às preces aos
deuses), falava de um Deus único. Curioso, investigou mais sobre esta devoção e confirmou que se tratava do
mesmo que havia aprendido no tempo que analisara a figura de Jesus Cristo. Tomou contato com as profecias (não é
comprovado que já as conhecesse, apesar de alguns autores acreditarem em tal fato) e, inclusive, o amigo Yossef
referiu que o tal Messias, recentemente assassinado, tinha curado a sua filha. Quando o assassinaram? – questionou
Cássio. A resposta fê-lo ficar boquiaberto. Tudo batia certo. As profecias, a lança que o perfurou e o centurião
haviam sido partes integrantes do acontecimento. Encaixadas as peças do quebra-cabeça mental, o jovem em breve
se sentiu com forças para regressar ao acampamento romano. Mas em sua mente apenas passava a idéia de voltar à
terra natal. Foi isso mesmo que solicitou ao seu superior, tendo-lhe sido concedido uma licença de 60 dias.
O pensamento voltou a focar-se em sua amada, deixada na pequena ilha onde havia nascido, mas, ao pousar os
pés na terra que o vira nascer, descobrira que Juliana (assim seria o seu nome) fora forçada a emigrar. Nada mais
restava ali para ele. De um momento para o outro passara de orgulhoso centurião romano, que partira para o
estrangeiro para regressar com as condições econômicas que lhe permitissem casar e constituir família, para um
simples cidadão do mundo a quem fora permitido o privilégio de cumprir uma profecia. Reza a lenda, que teria se
ajoelhado, olhando para o céu, numa pequena elevação contígua à sua aldeia e orado a Deus, Todo – Poderoso. Ao
que parece teria sido escutado. Várias contradições surgem a partir deste momento.
Sabemos hoje que se converteu ao cristianismo. Mas onde e como? Em um ponto todos estão de acordo: Longino
(seria este o seu nome desde sempre ou após a conversão à fé cristã, como alguns pesquisadores sugerem? Não há
uma resposta possível) abandonou o exército para se dedicar à pregação, algo não muito comum na época. Para que
tal acontecesse, confirma-se que o ato de espetar a lança no peito de Cristo o tocou de tal forma que entendeu ser a
única forma de remediar a situação ou, até, o cumprir do que restava da profecia. Muitos consideram que Longino
foi canonizado pela Igreja Católica, para que a lança pudesse ser considerada sagrada e para que o seu ato fosse
comprovadamente profético. Na realidade, acreditamos que ele teria se deslocado novamente para Jerusalém onde
pode ter-se juntado aos grupos de pregadores de então. Consta que teria sido batizado por um dos apóstolos que
seguiam Jesus. Se uma versão refere que viveu na Cesaréia (atual Turquia), junto dos mais pobres e desafortunados
da região, outra considera que teria permanecido nas propriedades do seu pai, cultivando a fé por essa zona.
Acreditando na versão mais oficial, que parece adequar-se mais aos acontecimentos posteriores, Longino tornou-
se um desertor do exército romano, castigo punido com a pena de morte. Além disso, o jovem teve a ousadia de
regressar à Terra Santa e labutar pela propagação da fé cristã em pleno território do seu antigo superior Pôncio
Pilatos. A sua área de atuação teria sido a Capadócia (na Cesaréia), se considerarmos os textos de São Gregório
Nisseno, que faleceu por volta do final do século IV. Neste local, teria desenvolvido a sua atividade religiosa,
cuidando dos enfermos, proferindo palestras para multidões e dando tudo de si para possibilitar, a todos os que o
desejassem, o conhecimento de uma nova fé que havia renascido com Jesus Cristo. Portanto, não foi de estranhar
que Pôncio Pilatos, por retaliação, tenha mandado executá-lo, através do método mais utilizado na época – a
decapitação. A sua cabeça teria sido transportada para Jerusalém como troféu (mas não há nenhum dado que
confirme isso, até porque, das lendas da época, quase todas contam atos similares, por ser tradição importada pelos
romanos). Ao que parece, a sua língua teria sido cortada e os dentes que lhe restavam, arrancados um a um.
Tudo isto, naturalmente, pode não passar de especulações, procurando criar um ambiente mais propício à
canonização de Longino que nos aparece, atualmente, como São Longino, tendo como dia de devoção o 15 de julho.
A grande verdade é que São Longino sofreu muito nos últimos dias de sua vida, nas mãos dos soldados do Império
Romano, não apenas porque defendia uma fé religiosa completamente distinta da oficial, mas principalmente por ser
um desertor e isso, naturalmente, era um dos atos mais desprezíveis para os legionários romanos. Não deixa de ser
curioso que lenda e história se misturem em todos os temas que envolvem crenças religiosas. E como, no mínimo,
existem sempre duas versões para um mesmo acontecimento.
A nossa função, enquanto ensaístas, é a isenção total. Mas as fontes disponíveis nem sempre nos permitem
observar as diferentes circunstâncias (pelo fato de os mesmos não terem sido registrados para a posteridade). Tanto a
teoria teológica do cumprimento da profecia e de um mero soldado do Império Romano ter se tornado um santo
pregador, quanto a idéia de que o centurião Gaio Cássio feriu de morte Jesus Cristo na cruz e depois teria sentido, na
pele, o peso do acontecimento, recolhendo-se a uma clausura espiritual e vindo a ser condenado por deserção,
parecem estar de acordo com os documentos.
Independente da crença religiosa, tanto Jesus Cristo quanto Gaio Cássio Longino existiram e o primeiro morreu
crucificado e tendo este último espetado uma lança no peito do condenado em agonia. E onde tudo aconteceu? No
Gólgota. Como todos sabemos, Gólgota é o nome atribuído ao Monte do Calvário onde Jesus Cristo foi crucificado,
de acordo com a tradição cristã. Há quem refira que este termo se deve aplicar apenas à pedra que identifica o local
exato onde tal ação teria tido lugar. Independente dessa questão, o comum é que consideremos que Gólgota
representa toda uma mudança na Humanidade, mais concretamente no Ocidente, onde a cristandade,
simultaneamente, morre fisicamente (com o desaparecimento de Jesus) mas renasce espiritualmente (com a suposta
ressurreição de Cristo).
Muito provavelmente, este foi o momento principal para que, a partir daqui, a expansão do cristianismo tenha
ocorrido. E tal tem uma força tremenda quando sabemos que, apesar de ter sido o Império Romano principal
responsável pela crucificação do Messias, a verdade é que através da mesma força sedeada em Roma é que a
expansão da fé cristã se torna uma realidade impossível de contrariar.
31 Raven Ravenscroft, A Lança do Destino, Livros do Brasil, Lisboa, 2005, p. 10. (Original: Reino Unido, 1973)
32 Ibidem, p. 11.
C ÍTIA
Pouco referido nos anais históricos, por vezes até encoberto por algum desinteresse acadêmico, a civilização dos
Citas, cuja localização seria na chamada Eurásia, um conjunto geográfico que englobaria a Europa e a Ásia, seria de
origem iraniana. Desde os Montes Altai, até a zona fronteiriça da Mongólia, China e Rússia, passando pela atual
Bulgária, eram vastos os seus territórios. Ainda assim, pouco se sabe sobre as suas origens.
Por assim dizer os Citas eram “uma das civilizações mais misteriosas e fascinantes do passado, que nunca teve
escrita e, portanto, documentação histórica”, tendo florescido “na vasta região das estepes asiáticas, entre a Europa e
a China, numa época que teve os seus inícios por volta do século VII a.C. e o seu termo pelas proximidades do
século II d.C. Os protagonistas de tais civilizações são geralmente conhecidos com o nome de Citas, que lhes foi
dado por Heródoto: nome, aliás, que não é único, como veremos, e não afastado de complexos problemas. A
principal razão por que os Citas impressionaram a fantasia dos antigos, como ainda impressionam a dos
contemporâneos, é a sua arte, grandiosa e bárbara ao mesmo tempo. Com uma extraordinária profusão de ouro, mas
utilizando igualmente a prata como a madeira, o osso como o couro e as pedras preciosas, representam em imagens
vivas principalmente animais: veados, cavalos, grifos, javalis, ora isolados ora em conjunto com o homem que os
acompanha ou os doma.”33
Compostos por grupos de nômades, nomeadamente pastores, os citas apostavam, então, na arte, como vimos
anteriormente, mas também na arquitetura, especificamente no campo sepulcral.
Basicamente, utilizavam um estilo simbólico, em que o recinto maior deveria abrigar o seu líder máximo, no caso
um rei, enquanto que os espaços menores deveriam acolher os restos mortais do séquito que o acompanharia em
vida. O interior dos túmulos vem ainda repleto de jóias, demonstrando que acreditariam numa vida para lá da morte,
tema recorrente em múltiplas sociedades da antiguidade.
Instituiu-se, então, “que dizer Citas é fazer referência a um nome coletivo usado por uma multidão de tribos, que
só os Gregos designavam por Citase os Iranianos de outro modo, mas que embora não homogêneos, tinham uma
cultura comum: e tanto isto é verdade que quando no final surgem os Sármatas e destroem ou suplantam os Citas, as
produções artísticas, que se encontraram nos túmulos, não se diferenciavam da dos Citas senão pela inevitável
mudança no tempo, não por uma elaboração figurativa diferente da conhecida na arte cita. A qual se discute ainda se
teria nascido na Sibéria ou nas proximidades da Ásia Menor.”34
O termo Cítia parece significar “atirar ou arremessar” se levarmos em conta a probabilidade de ligação entre o
nome hebraico ashkenaz e a hipotética palavra iraniana skuza. Seja como for, esta civilização nada tem de
mitológica sendo, acima de tudo, um grupo de guerreiros que levavam a sua vida em treino paramilitar e que eram
contratados como mercenários por outras culturas mais abastadas.
Ora, a própria Bíblia faz efetiva referência da existência de Cítia, mais concretamente no livro de Ezequiel, se
conseguirmos efetuar a união etimológica proposta pelo famoso historiador, de origem judaica, Flávio Josefo. É com
Josefo que conseguimos associar o nome hebraico Magogue, cuja referência é um fato em termos bíblicos, com os
Citas, tendo em conta que esta era a denominação usualmente empregada pelos antigos gregos quando pretendiam
falar dos magoguenses.
Essencialmente, os cítios eram, em termos bíblicos, conotados como inimigos do povo de Israel. Além disso, o
seu desaparecimento pode não ter sido total, levando em conta a idéia, comumente aceita, aliás, pela grande maioria
dos historiadores, de terem os Hunos sido descendentes dos nômades Citas, fato que muitos vislumbram, sobretudo,
no porte atlético e na excelência guerreira desta nova cultura dos hunos cujo líder mais famoso foi, sem sombra de
dúvida, Átila35.
33 Sabatino Moscati, obra anteriormente citada, p. 85.
34 Ibidem, p. 93, citando a obra L’oro Degli Sciti, Veneza, Alfieri, 1977.
35 Com o cognome de o Huno, Átila foi apelidado de “flagelo de Deus” e reinou sobre todos os Hunos (um povo
bárbaro, originário da região asiática da Mongólia) com uma “mão-de-ferro”. Impiedoso para com os inimigos, seria
filho de Mundzuc e irmão de Bleda, o qual Átila eliminou rapidamente de modo a apoderar-se de todo o império.
Apesar da sua ferocidade, Átila era muito respeitado pelos seus guerreiros, como se pode aperceber através das suas
solenidades funerárias que envolveram o encerramento do seu corpo em um caixão de ouro, prata e ferro.
C ELTAS
Ao contrário das demais culturas, a Celta não era, por assim dizer, extravagante. Ou seja, não deixaram
construções opulentas, não efetuaram conquistas geográficas dignas de particular importância, nem tão pouco
possuíram líderes tão carismáticos quanto as culturas que estiveram próximas a eles. Isso talvez possa estar
relacionado com a escassa, ou nula, utilização da escrita, esse elemento fundamental na percepção histórica.
Ainda assim, os celtas são, ainda hoje, recordados com nostalgia, influenciando toda uma série de culturas, seitas,
e demais associações históricas ou filosóficas, mediante a apropriação do principal legado celta – a sua paixão e
ligação profunda com a natureza.
Sem dúvida que, sem a civilização Celta, hoje não teríamos a noção de que a terra, enquanto elemento vivo deve
ser preservado e defendido, visto como organismo crucial para a nossa própria existência. As ditas mezinhas
caseiras, compostas por chás, infusões, isto é, a ervanária moderna, também está unida umbilicalmente a esses
nossos antepassados.
Enfim, todo um conjunto de fatores que têm fascinado os habitantes modernos, numa altura em que se assiste a
uma corrida aos elementos mais básicos da nossa vivência, a um apego pelo regresso às origens, a sensação de ter
chegado o momento assim como num ciclo, sentirmos a importância de respirar, do toque cristalino e vivificante da
água e o respeito pelos espaços verdes.
Seja como for, “os Celtas entraram para a história – bastante timidamente, é certo! – por volta do ano de 500 antes
da nossa era, de acordo com o testemunho, primeiro dos Gregos, depois dos Romanos. Mas isso não significa que
não estivessem já presentes antes dessa data: as descobertas arqueológicas mais recentes encontram vestígios da sua
civilização em determinadas regiões da Europa já no final da Idade do Bronze, quer dizer entre 900 e 700 a.C.
Chega-se, inclusive, a falar deles como Proto-Celtas, sem que se possa definir com precisão a sua atribuição étnica
nem a sua área de extensão. Este aparecimento dos Celtas, seja qual for a sua especificidade, corresponde ao início
da utilização do ferro, o que leva a que, com bastante freqüência, se confundam a civilização Celta e a civilização da
Idade do Ferro.” Ainda assim, convém frisar que “não existe, portanto, uma raça Celta, tal como, aliás, nunca existiu
um império Celta à maneira dos Romanos: o que une os Celtas é a comunidade de língua, de religião, de estruturas
socioculturais e, em último lugar, de estado de espírito. E somos obrigados a constatar que aqueles que chamamos
de Celtas não eram, inicialmente, senão uma pequena elite guerreira e intelectual que submergiu, num dado
momento, os povos que habitavam a parte ocidental da Europa. Esta elite celtizou as populações aborígines e
arrastou-as para a sua esfera política, cultural e religiosa. Nasceram, assim, as civilizações Celtas.”36
Portanto, pelo menos durante algum tempo, em torno do ano 500 a.C., a sociedade celta era a dominante na zona
européia, provindos do sul da Alemanha, daí a sua semelhança com grupos da cultura ariana e a sua integração na
mitologia nórdica tão popular durante períodos do século XX. Sendo, sobretudo, agricultores, a sua organização
social efetuava-se mediante tribos distintas. Porém, a sua liderança estava, ao que parece, entregue a uma intrincada
coligação entre os guerreiros (força bruta) e os sacerdotes (os druidas, que representariam a força mental).
Era, portanto, uma sociedade com ideologia tripartida. “A primeira e segunda classe, sacerdotal e militar, são
constitutivas daquilo a que chamamos a soberania, por outras palavras, a autoridade espiritual e o poder temporal:
uma vez mais, a primeira é hierarquicamente muito superior à segunda. O sacerdote tem sempre mais importância
do que o guerreiro (e o político que daí resulta), porque o guerreiro é, sendo as coisas como são, o menos inteligente
e menos dotado dos dois. (…) De resto, o guerreiro pode ser dispensado, enquanto o sacerdote em geral, quer seja
um brâmane ou um druida, não tem o direito de ignorar ou transgredir o seu estado de perfeição supra-humana.
Aliás, para além do druida, esse resto é múltiplo e multiforme. Sendo a terceira classe a dos artesãos e a dos
criadores-agricultores, a terceira função é, de uma maneira geral, tudo o que são as duas outras, com uma profusão
de aspectos que tornam o estudo detalhado e, ao mesmo tempo, longo e delicado. É nesse sentido que pudemos
constatar e afirmar que a terceira classe produtora é complexa na sua constituição mais simples, o seu
funcionamento, enquanto se passa o inverso na classe sacerdotal, simples na sua constituição e complexo no seu
funcionamento. Sobre a classe guerreira, ela é dupla na sua constituição e funcionamento, mas complexa nas suas
relações com a classe sacerdotal e sobretudo, com os deuses.”37
Ora, neste campo, o divino, os celtas possuíam, naturalmente, a forte união com a natureza, desenvolvendo uma
rede de figuras que teriam conotações com espaços físicos ou elementos animais, como o caso de Cernunnos
(também conhecido por Hurn), um deus-veado, encontrado em algumas representações da época.
As suas noites eram passadas nos átrios construídos propositadamente para o convívio social, por vezes festejando
(a título de curiosidade refira-se que, entre as suas celebrações periódicas, encontrava-se o Imbolc e o Belthane), em
outras escutando canções poéticas. As suas habitações, normalmente redondas, eram feitas de madeira e colmo,
dormindo junto ao interior das paredes, tendo uma arcaica cozinha na zona central, visto que era aí que estava a
fogueira e para lá se transportava a água.
No campo guerreiro, as figuras que mais se destacaram na história popular foram Vercingetórix, um chefe gaulês
que enfrentou, sendo bem sucedido, o império romano, liderado por Júlio César; Breogão, líder dos artabros,
também obteve algum impacto; e Ambriorix que parece estar relacionado com uma fase gloriosa da epopéia celta.
Seja como for, visto que a cultura Celta38 não fazia distinção entre sexos, Boudicca, a rainha dos Essênios, na
zona leste da atual Inglaterra terá sido a mais relevante das suas líderes, revelando, uma vez mais, a forma como esta
civilização seria bem avançada em termos de pensamento, dando a um elemento feminino um cargo supremo dentro
da hierarquia, algo que, ainda hoje, é um fato difícil de verificar nas sociedades ditas modernas.
36 Jean Markele, “A Descoberta das Civilizações Célticas”, Os Celtas, Pergaminho, Cascais, pp. 18-19,
37 Françoise Le Roux e Christian-J. Guyonvarc’h, A Sociedade Celta, Publicações Europa-América, Lisboa, pp.
223-224.
38 Estudos recentes continuam a surpreender, no que diz respeito ao avanço cultural dos celtas. Sabemos que os
celtas e vetões que residiam no Castro de Ulaca (Ávila – Espanha) tinham marcadores astronômicos nas pedras para
determinar com precisão as suas datas mais importantes. O estudo de Manuel Pérez, da Universidade de Salamanca,
identificou os elementos de que se serviam os dois mil habitantes do local: uma rocha em jeito de trono onde se
podia sentar e observar como o Sol se levantava durante o solstício de inverno. Mas também um muro onde se
marcavam datas como o Ano Novo Celta (1º de novembro) e o Nascimento dos Cordeiros (20 de fevereiro). Por fim,
as escadas que levam ao altar dos sacrifícios ficam sombreados a 25 de dezembro, solstício de Inverno, ao passo
que, durante o resto do ano, são banhadas pelo sol.
B ÁRBAROS
Bárbaros, um termo que significa estranho, além de muito temidos e tidos como incivilizados, estes Hunos, ou
Xiongnu, eram guerreiros ferozes que viviam em comunidades agrícolas.
Naturais da zona da Mongólia desceram à zona central da Europa, assim como à regiões do continente asiático,
prontos a tudo para saquear. Possuíam características nômades e, por isso, nada era estranho a eles, ou mesmo
complicado assentarem suas comunidades em espaços que desconheciam por completo, preparando-se para nova
investida.
Era, afinal de contas, cumprir um desígnio quase definido como genético. De acordo com a visão popular, estava
no sangue esse desejo de conquista!
Mas convém criar, aqui, um parêntesis, de modo a que percebamos que, tal como os iberos – habitantes primícios
da Península Ibérica – foram definidos pelos estudiosos do Império Romano como incivilizados, o certo é que o
termo Bárbaro surge, sobretudo, pelo fato de esta nova cultura não ter uma “fasquia” social similar aos antigos
romanos. E como se criava esta estrutura cultural? Sobretudo a não utilização do latim como língua oficial e que,
tendo-se estendido por todo o império passou a ser a fonte primordial de informação e comunicação vindo a
transferir-se, como todos sabemos, às diversas línguas européias, de onde destacaríamos o Português. Além disso,
estes povos bárbaros não tinham, necessariamente, uma mesma formação intelectual que os romanos possuíam e
tampouco tinham, em sua mente, um cuidado intensivo com elementos tão básicos quanto a higiene que era, por
assim dizer, o orgulho máximo dos antigos senhores de Roma.
Independentemente de tais fatos, o certo é que o momento a partir do qual a civilização bárbara se destaca, tem
lugar entre o primeiro século da era dita moderna e 450, época em que atingiram o apogeu da sua história. Esta data
tem servido de mera referência, visto que a partir desta altura o seu impacto foi tal que se foram fundindo com as
populações autóctones, sugerindo uma miscelânea cultural que pouco tem de bárbara.
Contam os historiadores que os hunos foram expulsos da Mongólia pelas forças chinesas.
Isso tem sido contraposto por outros autores que defendem a versão de questões climáticas para a saída em massa
dos hunos do seu território anterior.
Seja como for, o certo é que nenhuma das duas teorias invalida a noção de grande periculosidade destes guerreiros
que, para além de excelentes cavaleiros, sabiam manejar o arco e a flecha com uma intensidade tal que nem as
poderosas armaduras dos romanos lhes valeram no momento de enfrentar, corpo a corpo, estes povos ditos bárbaros.
Por incrível que pareça, esta civilização não foi vencida pela força das armas, visto que, como lemos em parágrafo
anterior, houve uma fusão cultural.
Alguns exemplos disso são os seguintes: na Espanha, mediante a mescla com povos iberos, resultaram numa nova
cultura, a visigoda; e na Romênia e Ucrânia integraram-se plenamente na população autóctone. Na França,
prevaleceu, sobretudo, a força das armas, quando Átila, o Huno (406-453) cavalgou decidido e vitorioso sobre o
exército gaulês. Isso aconteceu em 452 e, muito provavelmente foi o maior feito militar desses bárbaros que tiveram,
naturalmente, em Átila a sua figura maior, tendo-se tornado o seu rei e senhor no ano 433. Consigo na liderança, os
hunos esmagaram a Hungria, os Balcãs e a Grécia, para lá da Gália.
Também o norte da Itália não resistiu aos seus homens e quando Átila faleceu, provavelmente envenenado, já era
considerado um dos maiores gênios militares da história da humanidade.
Antes de avançarmos para uma nova civilização, destaque para um aspecto curioso que, em larga escala, tem forte
ligação com os povos bárbaros provindos do norte da Europa. Sabemos que o Império Romano foi, pelo menos,
abafado pelas invasões nórdicas. Isso forçosamente teria de resultar em algumas alterações culturais nos povos agora
conquistados. Uma delas foi a questão da bebida.
Se, até então, o vinho – largamente difundido pelos romanos – praticamente, a única bebida que, a partir da água,
era consumida, neste momento houve a introdução da cerveja dentro do panorama degustativo da atual Europa. Em
trabalho anterior fizemos questão de referir que a cevada era do conhecimento proto-histórico, ainda que sem o
perfil (paladar) atual. Porém, a cerveja dos escandinavos e germânicos (que foi iniciada pelos Celtas) era já
adequada aos gostos mais refinados da época. Além disso tinha a característica particular de ser uma bebida própria
dos guerreiros, sendo símbolo de triunfo e posteridade.
No futuro, o vinho continuaria a ser uma bebida crucial na simbologia da cristandade por representar o sangue de
Cristo na Eucaristia, Missa e Comunhão e, por conseqüência, jamais deixaria de figurar no menu dos povos
europeus. Ainda assim, a cerveja entrou para os Mosteiros para ser bebida na Quaresma, época em que a carne e o
vinho são proibidos, e tendo sido do gosto de todos veio a disseminar-se por todas as camadas da população,
resistindo até aos nossos dias. E tudo isto, sem dúvida, se deveu ao pioneirismo dos povos bárbaros.
J APÃO
O território oriental é, por natureza, um espaço geográfico fascinante, pleno de personalidades históricas
inolvidáveis, assim como uma cultura totalmente distinta da européia, mas não menos relevante. E, além disso, foi
também espaço para algumas das maiores civilizações que se conhecem.
O Japão, naturalmente, não é exceção. E, apesar de provavelmente poucos saberem, trata-se de uma das mais
antigas nações do mundo, sendo habitada há mais de 30 mil anos o que não deixa de ser fenomenal.
Ainda assim, é por volta do ano 300 a.C. que, pela primeira vez, começa a tomar forma a nação japonesa ainda
que no seu período clássico ou época primícia. Um dos primeiros povos que ali se localizou foram os Aino, pessoas
solitárias que não se relacionavam com as demais tribos.
Pensa-se que tenham vindo da Coréia, ou da Manchúria, para habitar as ilhas japonesas, isoladas, mas possuindo
características físicas que lhes permitia desenvolver o seu modo de vida regrado, mas, ainda assim, pleno de
pequenos prazeres.
Sem dúvida que a cultura japonesa, repleta de detalhes maravilhosos, seria, para os Aino, modo de vida, pelo que
as gerações seguintes limitaram-se a aproveitar o que de bom já existia e dar-lhe um cunho mais pessoal, aliás, o que
é comum em todas as culturas.
Portanto, os Yayoi, por volta do ano 300 a.C. começaram a desenvolver uma intensa atividade com bronze, ferro,
arroz e cevada, levando-os a enriquecer e, pouco a pouco, suplantaram as tribos vizinhas. Também fortaleceram o
pensamento religioso, no caso a religião xinto, adorando-se primordialmente os espíritos da natureza (conhecidos
por kani), à boa maneira Celta, e os famosos antepassados da respectiva tribo, assim como as culturas proto-
históricas que tivemos o cuidado de estudar em trabalho anterior a este.
Daí em diante, acontece uma série de períodos sucessivos, iniciados com a idosa sacerdotisa Himiko, da tribo
Yamato, que chegou ao poder e criou uma nova época, dizendo-se sucessora do rei Sol, visto considerar-se uma
divindade terrena. A este momento histórico do Japão seguiram-se, por ordem cronológica, os períodos Nara, Heian,
Kamakura, Muromachi, Azuchi-Momoyama, Edo, Meiji, Taisho e Showa, anterior à pós-ocupação japonesa e
momento de expansionismo nacional.
Duas instituições japonesas, a seu tempo, marcaram a época e o futuro: os Xóguns e os Samurais. No que diz
respeito aos primeiros, tratavam-se de generais, capazes de assumir o país como se de uma ditadura se tratasse.
Surgiram por volta do ano 1200 e, durante sete séculos, governaram o Japão.
Para que isso sucedesse, foi necessário que a tradicional visão imperial, no caso tendo a família Fujiwara como
dominante. Mas havendo falta de filhas que pudessem ser as noivas do imperador, a questão da sucessão tornou-se
premente e, então, o clã Taira cerrou fileiras e motivou-se para deter o poder. Por breve espaço temporal o possuiu,
visto que a figura de Minamoto Yoritomo (1149-1199) conquistou o poder, de forma brava, assumindo o título de
grande general que conquista os bárbaros.
Pouco depois, no ano 1192, estabeleceu o xonugado Kamakura, uma instituição governativa de relevância
autocrático, dando origem a um dos períodos de maior rebeldia social em termos de ambição japonesa.
Para tal vontade, serviu-se de outra instituição japonesa, os Samurais, ainda hoje alvo do interesse público,
demonstrado nos vários filmes de Hollywood, e até em obras de quadrinhos, conhecidas por mangas.
Igualmente conhecidos por bushi, isto é, homem de armas, os samurais eram elementos fenomenais quando em
batalha. Aí, ao bom estilo dos cavaleiros templários, estavam predispostos a morrer pelos seus ideais, jurando
lealdade inabalável. Além disso, possuíam um longo ritual antes da luta, vestindo-se de forma lenta, orando sempre,
e, com gritos e ruídos provocados por rocas, intimidavam os adversários, do mesmo modo que o grito beausant
impressionava todos aqueles que tinham de defrontar os freires nascidos no Templo de Salomão.
Portanto, não é de estranhar que se possa fazer um breve paralelismo entre as duas instituições militares. E, por
último, assim como os templários não pagavam resgates pelos seus membros, também os samurais, quando
capturados ou fortemente derrotados, tinham uma forma radical de salvar a honra, no caso oferecendo o próprio
corpo, praticando suicídio (o célebre hara-kiri).
I MPÉRIOS C ENTRO E S UL -A MERICANOS
As civilizações sul-americanas posteriormente derrotadas pelos membros do império espanhol, são das mais
interessante em termos históricos, sociais e mesmo místicos.
Os Maias, povo que viveu entre o ano 300 a.C. e o 800 da nossa era, basicamente, fruto da drenagem dos
pântanos e da construção de sistemas de irrigação, transformaram-se em agricultores de sucesso.
Habitando um vasto território que abrangia as atuais nações da Guatemala, sul do Yucatán e até o Belize, eram
uma sociedade estratificada em classes distintas, iniciando pelo topo, por nobres e sacerdotes, a que se seguiriam os
elementos oficiais, como legisladores e, na base, estariam os servos que forneciam a força humana necessária para
os vários empreendimentos que concretizaram.
Porém, os maias, eram, sobretudo, um povo culto. Ao que parece, inventaram um jogo de bola, com conotações
religiosas, que para muitos é a gênese do futebol atual. Na verdade, servindo-se das coxas, cotovelos e joelhos, tudo
servia para empurrar a bola de borracha de modo a que esta fizesse um arco na parede lateral do espaço onde o
esporte era praticado.
Também foram responsáveis, segundo consta, pelo mítico Calendário Maia, um conjunto de calendários distintos
cujo círculo completo perfazia 52 anos solares. O maior destaque ia para o calendário Tzol’kin, com 260 dias, e o
Haab, de 365 dias e 1/5, similar àquele que atualmente rege a época moderna.
Este calendário maia tem sido, ainda, alvo de interpretações esotéricas de toda a ordem que, apesar de rebatidas
pela investigação minuciosa de historiadores, ainda assim não faz negar que os maias eram um povo com cultura
acima da média, ainda que praticassem sacrifícios humanos. Este é um dos motivos pelo qual não são benquistos por
todos os historiadores modernos, apesar de todas as interpretações do passado deverem ser efetuadas à luz do
momento em que as mesmas aconteceram.
Ainda assim, a partir do ano 950, a cultura maia decaiu violentamente fruto de guerras contínuas com os seus
vizinhos, que levou a uma degeneração dos sistemas de guerra e queda da produtividade.
Ainda assim deve ressalvar-se, no campo da cultura maia, que tiveram cidades de grandes dimensões, como a de
El Mirador, surgida no ano 150 a.C., com mais de 80 mil habitantes. Apenas Tikal, no entanto, tem o poder de ser
considerada a maior da sua história, abrangendo, no auge, cerca de 100 mil habitantes. Os descendentes dos maias
vivem ainda nos dias de hoje, nos planaltos da América Central.
Os incas e os astecas39, cuja distância temporal define-se a apenas um século, ocuparam o seu lugar no atual
continente americano. Apesar de menos místicos que os maias, tanto os incas (que residiam nas montanhas dos
Andes, atual Peru), como os astecas, residindo no norte do México dos dias de hoje, formaram culturas ancestrais de
grande destaque.
Os astecas surgiram um pouco antes dos seus vizinhos, no caso em 1100, quando começaram a habitar o norte
mexicano. Poucas décadas depois, migraram para o sul, instalando-se no vale do México, praticando a agricultura.
Mas os conflitos armados não deixaram de incomodálos e tiveram, inclusive, de se refugiar numa ilha no lago
Txlecoco, atual cidade do México.
Fato extremamente curioso eram os seus livros de símbolos pintados sobre pele de veado ou papiro, que
“catalogavam as forças sobrenaturais que governavam a vida. Leitores com treino especial, chamados guardiões dos
dias, decodificavam os símbolos para ajudar a população a navegar no labirinto de influências associado a cada dia,
a cada semana de 13 dias ou a cada ano. Depois do nascimento, os progenitores visitavam um guardião dos dias que
lia o destino do bebé.”40
Já no que diz respeito aos Incas, trata-se, segundo os historiadores, de um império construído tendo por base os
astecas que, sob o comando de Itzcoatl (1427-1440) logrou conquistar cidades vizinhas, atingindo um amplo espaço
que, meio século depois, se estendia de uma costa à outra no continente americano.
Ainda assim, os primeiros incas, posteriormente englobados sob a proteção asteca, foram liderados por Manco
Capac e sua irmã Mama Ocllo, no ano 1200. Eram conhecidos por filhos do Sol, divindade que sempre fascinou os
habitantes dessa região, desde tempos remotos, já que era um elemento glorioso de luz que invadia o seu espaço
durante grande parte do dia.
Estas culturas, desapareceram a partir do momento da chegada dos conquistadores espanhóis, no século XVI.
Ainda assim, deixaram vastos elementos de destaque, como, por exemplo, o chocolate, inventado pelos astecas e, no
campo medicinal, a prática inca de utilização do quinino para o tratamento da malária.
Na verdade, as três civilizações aqui referidas eram conhecidas por culturas do ouro, prata e pedras preciosas.
Constava que tamanha era a sua riqueza que surgiu, inclusive, a idéia de um Eldorado, “uma das lendas que mais
excitaram a fantasia nos últimos séculos, uma das mais envoltas em fascínio e mistério” que seria “uma terra
longínqua na qual o ouro se encontra em todo o lado, onde é possível recolhê-lo em grande quantidade e sem
problema algum (…) Nas origens da lenda do Eldorado encontra-se, segundo Von Hagen,41 a publicação, em 1516,
da obra Utopia de Sir Tomás Moro. Se a idéia de uma espécie de Paraíso terrestre sempre se abrigara nas mentes
humanas, ela foi então concretizada na imagem de uma ilha em forma de lua crescente, e uma vez que se vivia o
tempo em que se descobria a América meridional, esta foi concebida como uma ilha, tal como o grande lago de
Maracaíbo com as suas habitações sobre estacas reforçou a hipótese e daqui vem o nome de Venezuela (pequena
Veneza).”42
Seja como for, apesar de várias tentativas ao longo dos tempos, apenas o Museu do Ouro, fundado em 1938 na
capital da Colômbia (Bogotá), tratou de trazer a público, mediante aquisições de objetos fantásticos, debruados ou
criados em ouro, resultando na grande conclusão de que o mítico eldorado, apesar de inexistente, pode ser
considerado real face à grande quantidade de objetos encontrados e hoje em dia à disposição do visitante. Ainda
assim, muito aquém da idéia mítica de um local onde tudo era banhado a ouro.
Na verdade, sabe-se que a quantidade de metal aurífero existente no mundo é muito mais escasso do que aquilo
que se possa sonhar, daí resultando a sua hipervalorização e o fascínio, por vezes até desprovido de razão, do ser
humano por esse elemento de cor amarela.
Atentemos às palavras de Sabatino Moscati, que revela que “há um último aspecto da questão a considerar. Uma
tendência religiosa e moralista que passa através de todos os tempos, associando a realidade do ouro à riqueza e à
corrupção que daí pode derivar, e dele fizeram um símbolo dos valores materiais e inferiores em relação aos morais
e superiores. A narrativa bíblica do bezerro de ouro exprime e condiciona, através do conhecimento e da difusão do
texto religioso a que pertence, esta corrente de pensamento. Que nela se inserisse a especulação dos conquistadores
espanhóis na América é mais que evidente, e demonstro como uma moral em si válida pode transformar-se num
moralismo instrumental. O ouro, afirmam os cronistas, era a prova do paganismo dos indígenas, dos seus cultos
pecaminosos e idólatras, dos seus encontros com o demônio; e por isto era preciso arrebatá-lo, apoderar-se dele. O
tempo condenou esta historiografia tendenciosa dos esquemas e dos pretextos com que se encobria a cupidez dos
conquistadores. A ciência, por seu lado, fez justiça à lenda, descobrindo-lhe as origens, as deformações, o último
triunfo. E assim permanece um maravilhoso patrimônio de ouro, finalmente recolhido e valorizado sob o aspecto da
arte e das concepções que nela exprimiram.”43
39 Gostaríamos de aproveitar a oportunidade para aqui referir duas divindades fundamentais no chamado panteão
meso-americano. Em primeiro lugar, Tláloc, conhecido como deus da chuva e, ainda mais importante dentro da
perspectiva dos astecas, Tlaltecutli, uma divindade telúrica que possuía, na sua iconografia, crânios e ossos
cruzados, com fitas no cabelo.
40 A. R. Williams, “Descodificar o Destino”, National Geographic nº 72, março de 2007, p. 26.
41 No caso a referência é a Victor Von Hagen, explorador que percorreu as zonas da América Central,
principalmente a Venezuela e a Colômbia, em busca do mítico Eldorado.
42 Sabatino Moscati, obra anteriormente citada, p. 102.
43 Ibidem, p. 104.
P OLINÉSIA
Os polinésios foram, sem sombra de dúvida, marinheiros de grande qualidade, indo até ao ponto de se terem
aventurado no perigoso Pacífico em busca de novas terras, do mesmo modo que os portugueses iriam ter a mesma
atitude alguns séculos mais tarde.
O que é a Polinésia, atualmente. Trata-se de um conjunto de ilhas que são descritas como paradisíacas, de onde
destacamos o Havaí, a Samoa, Tonga e a Ilha da Páscoa.
Qualquer um destes nomes é suficiente para despertar a vontade de viajar de qualquer ser humano. A mitologia da
Polinésia esclaresse que vieram do Paraíso, muito provavelmente uma terra mítica, considerada ser o Havaí. Os
historiadores, ainda assim, acreditam ser mais provável que os polinésios descendam das ilhas da Taiwan, migrando
para a região das Filipinas e mais tarde concentrando-se na Polinésia.
No que diz respeito às várias noções de Paraíso, entendemos por bem dar a conhecer aqui, algumas delas.
Começando pela mitologia grega, o poeta Hesíodo em O Trabalho e os Dias coloca, naturalmente, o Paraíso no
início dos dias. Assim, na época, os homens viviam como semideuses num lugar perfeito. Também a lenda do
Jardim das Hespérides, onde há uma macieira que dá frutos de ouro, influenciou a Bíblia na idéia do Paraíso. No
entanto, o primeiro mito paradisíaco parece ter surgido na Suméria, sendo descrito, no anteriormente citado
Gilgamesh, que conta como o rei Uruk buscava o elixir da juventude eterna – o ideal de paraíso sumério. Porém,
este poema épico aborda ainda o Dilúvio Universal e a Arca de Noé. Curiosamente, quando Colombo chegou a
Trinidad a 1º de agosto de 1498 estava convencido de ter chegado ao Paraíso e manteve essa idéia até ao final dos
seus dias.
Para a grande maioria das religiões orientais, como no budismo tradicional, por exemplo, o Paraíso reside na alma
sendo, portanto, um estado de iluminação que se atinge com a dissolução do próprio ego. No Alcorão, o mito de
Adão e Eva é o ponto de partida da Humanidade e o Paraíso é uma mistura de oásis perfeito e um jardim típico do
palácio dos sultões. Corre ali um rio de água, leite e vinho, sendo que o mel brota em fonte e o ar é fresco e ameno.
Já no hinduismo existe um Paraíso primordial desde o início dos tempos mas a cada divindade adorada em vida
corresponderá um respectivo Paraíso.44
Seja como for, e retomando o fio da meada, no caso dos polinésios, não é tanto a questão de Paraíso nem
tampouco a problemática da localização geográfica que nos leva a colocá-los como uma das grandes civilizações da
humanidade. Tão pouco o fato notável de aqui, partindo do nada, terem desenvolvido uma população e uma
atividade agrícola e pecuária relevantes, sendo notória a qualidade das suas frutas e vegetais, como os cocos e as
bananas, além de porcos, cães e galinhas que deverão ter transportados nas suas embarcações no momento da
diáspora.
Efetivamente, é o fato de que as viagens polinésias, em grandes canoas, terem sido marcantes no seio da
historiografia mundial que, em primeiro lugar, nos desperta a atenção para a cultura polinésia.
Utilizando, sobretudo, os ventos e as correntes marítimas, já que não dispunham de outros elementos que os
auxiliassem a concretizar os seus intentos, os polinésios conseguiram, não apenas deslocar-se entre as várias ilhas
que constituem o arquipélago, como ir um pouco mais além, comercializando com sul-americanos e australianos,
percorrendo distâncias de milhares de quilômetros entre os anos 2000 a.C. e 1000 d.C., período em que os contatos
com as culturas ocidentais fez declinar a estrutura indígena até ser absorvida totalmente pelas incertezas do tempo.
Mas, há mais que podemos dizer sobre os polinésios. E, para tal, teremos de fazer uma viagem até Rapa Nui, local
mais conhecido por Ilha da Páscoa.
Aqui, vamos encontrar gigantescas esculturas em pedra, representando cabeças com altura superior a doze metros
cada uma. Como os polinésios não são conhecidos por, propriamente, terem esculpido a pedra, novas visões teóricas
defendem que esta arte de proporções extraordinárias seria anterior aos habitantes da Polinésia.
À falta de confirmação factual, por via de documentos ou arqueologia, temos de nos guiar pela probabilidade e,
neste caso em concreto, lógica leva a acreditar que os polinésios são efetivamente, os construtores destas notáveis
esculturas que, a cada momento que passa, tornam-se ainda mais fantásticas aos olhos da civilização moderna.
Na verdade, quem não consegue esboçar espanto quando se percebe que cada uma destas cabeças pesa mais de 50
toneladas, existindo mais de cinco centenas delas espalhadas pela ilha da Páscoa, e tendo sido esculpidas na rocha
vulcânica, há mais de três milênios, numa época em que os polinésios viviam num estágio pouco mais avançado que
a proto-história?
44 Para saber mais, consultar o artigo sobre o Paraíso publicado na revista Terra (Número 153, janeiro de 2005,
tendo como diretor Ronny Hein).
I MPÉRIO B IZANTINO
Deposto o império romano, a cidade de Constantinopla (construída sobre a antiga Bizâncio grega), assim
denominada como homenagem ao Imperador Constantino45, que a tornara sua capital a 11 de maio de 330, passou a
temer que os povos bárbaros a pudessem conquistar, do mesmo modo que lograram tomar outros espaços físicos que
Roma detivera.
Ainda assim, a Nova Roma possuía a metade oriental do antigo império e, por isso mesmo, Anastácio (491-518) e
Justiniano46 (527-565) combateram para alcançar a respectiva liderança. Coube a sorte, ou o engenho, que este
último conquistasse o cargo e, junto com a sua esposa Teodora, governou durante praticamente quatro décadas.
Nesse período, Justiniano não apenas foi reconhecidamente um reformador, possibilitando que este Império
Romano do Oriente, futuramente conhecido por Império de Bizâncio (ou bizantino), se tornasse reputado pela
grande cultura, mas igualmente um ambicioso conquistador, procurando recuperar alguns territórios em zonas tão
diferentes quanto o sul da Península Ibérica, o norte africano ou mesmo a Itália o que, na realidade, conseguiu, ainda
que por pouco tempo.
O aproveitamento de Constantinopla foi deste modo, fundamental para a sobrevivência econômica do império,
visto que era um entreposto comercial muito importante, com bons acessos no que dizia respeito à rota leste-oeste,
dominando tanto o Mediterrâneo quanto o mar Negro. Por ali se produzia azeitona, seda, vinho e cereais, havendo
fartura de ouro, algo que permitia a troca direta por especiarias, marfim e até pedras preciosas dos continentes
africano e asiático.
Quando Heráclio, que reinou entre 620 e 641, chegou ao poder, procurou unificar a Igreja sob a égide do Estado,
o que alcançou levando a que todos aqueles que orassem na magnífica Basílica de Santa Sofia podiam sentir-se
ainda mais próximo da fé ortodoxa que era pregada naqueles locais.
São imensos os imperadores que, entre os séculos V e XV, governaram o Império Bizantino, divididos por catorze
casas dinásticas distintas. Todos eles, à sua maneira, conseguiram gerir tão vasto território. Ainda assim, no século
VIII os árabes estiveram próximos de conseguir dominar a majestade própria dos bizantinos, mas, no final, o
resultado pendeu para o lado dos autóctones.
Uma nova chama social surge com a figura de Basílio II (976-1025), que reconstrói parte do antigo império, que
havia perdido a Síria, o Egito e o norte de África para as mãos dos árabes. Porém, o seu reinado, ao terminar, levou
com ele a estrela da sorte e, deste modo, Bizâncio volta a decair lentamente até que, em 1071, os turcos seljúcidas
alcançaram aquilo que muitas civilizações anteriores não haviam conseguido, ou seja, tomar a capital
Constantinopla.
A partir desse momento, a ânsia européia segue no sentido de resgatar o local. No entanto, passaram-se dois
séculos até que isso fosse atingidos. É por intermédio da IV Cruzada que, em 1261, após longos anos de conflito, os
cavaleiros cristãos retomam Bizâncio, colocando-a nas mãos de Miguel VIII, sucessor dinástico. Nas mãos
ortodoxas se manteve, então, até 1453 quando os turcos otomanos, numa repetição do sucedido, alguns séculos
antes, voltam a conquistá-la, desta vez diluindo de forma definitiva, o antigo império bizantino que, de acordo com
os historiadores, foi a cultura mais sofisticada que a Europa já tivera oportunidade de vislumbrar.
A arquitetura comprova isso, a já citada Basílica de Santa Sofia, mandada erguer por Constantino em 530, como
também a igreja bizantina de São Apolinário, curiosamente erguida na Itália, já no século VI. A influência de
Bizâncio, deste modo, ia longe, visto que a sua estrutura, que tanto podia ser quadrada, circular ou octogonal,
terminada com impressionantes cúpulas levava os visitantes a considerarem, no mínimo, extraordinárias.
A partir desses elementos artísticos, há ainda que ressaltar a qualidade dos seus ícones, abundantemente
elaborados, que se dividiam em artefatos religiosos tão distintos quanto cruzes ou porta-jóias, sem deixar cair no
esquecimento os muito apreciados mosaicos, na sua esmagadora maioria registrando cenas bíblicas.
Por último, acredita-se que os bizantinos possuíssem uma mistura explosiva, composta de enxofre, cal viva e
petróleo que se inflamava ao tocar na água. Chamavam-lhe fogo grego e foi inventada por Kallinikos, em 670,
permitindo que a frota naval de Bizâncio pudesse defender-se com maior facilidade ou, tivesse as condições de
atacar os seus inimigos, devastando as suas embarcações pelo fogo que as iria devorar lentamente.
Ao que parece “teria grande capacidade destrutiva. Devido ao secretismo militar ao seu redor, existem certas
dúvidas no momento de determinar de que materiais se compunham e através de que mecanismos projetava as suas
chamas”, mesmo que tenhamos a certeza de surgir na proa dos dromon, os “barcos de guerra da frota imperial de
Constantinopla utilizada entre os séculos VI e VII”.47
45 Flavius Valerius Constantinus (272-337) nasceu em Daissus, na atual Romênia, e foi proclamado Augusto, pelas
próprias tropas, em 25 de Julho de 306. Entre os seus atos mais macabros conta-se o fato de ter mandado o seu filho
Crispus, o seu cunhado e chicotear até à morte o seu próprio sobrinho. Para além disso, segundo consta, sufocou
também a sua esposa Fausta. Apenas foi batizado no final de sua vida, por um bispo da via do arianismo, de nome
Eusébio de Nicodemia.
46 Natural de Taurésio, e nascido no ano de 483, Flavius Petrus Sabbatius Iustinianus veio a falecer em
Constantinopla, 14 de Novembro de 565. De origem humilde, Justiniano I foi imperador romano da região Oriente a
partir de 527 até ao final dos seus dias, tendo-se casado com Teodora. Surge neste importante cargo por ação de
Justino I, seu tio, que lhe reconheceu as qualidades de ambição e inteligência que viriam a redundar em magnífica
gestão do Império Bizantino, que floresceu na sua época.
47 Marcel Socías, “Dromon Bizantino”, Historia y Vida nº 460, julho de 2006, pp. 12-13.
C AROLÍNGIOS
Se fosse necessária uma explicação para que a dinastia carolíngia tenha sido escolhida para incluir uma listagem
das maiores civilizações da humanidade, bastaria declarar que foi por meio de seu líder Carlos Magno que, no ano
de 800, foi possível unir, novamente, grande parte da Europa sob a égide cristã, tornando-se este o primeiro Sacro
Santo Imperador Romano, dando origem a um novo período na história continental.
Mas os carolíngios tiveram momentos muito relevantes, como o citado. Os seus primórdios remontam a Clóvis48
(481-511) que, mesmo pertencendo aos merovíngios49, converteu-se ao cristianismo, obtendo o apoio de Roma,
vindo a unir as tribos dos francos sob a sua égide direta.
Nascia assim o primeiro esboço da atual França. No entanto, os filhos de Clóvis entenderam por bem disputar a
liderança do território uns com os outros e o espaço entrou em calamidade social, só sendo resgatado pela figura de
Carlos Martel50 (688-741) que, em 732, liderou os cavaleiros francos à vitória sobre os muçulmanos, na célebre
batalha de Poitiers.
Esta conquista deu-lhe a capacidade de fundar uma nova dinastia que, baseada no seu nome próprio, foi apelidada
de Carolíngia. O seu filho Pepino, o Breve (reinando entre 751 e 758) afastou definitivamente os merovíngios do
poder.
O domínio de Carlos Magno surge em 768, logrando vitórias sucessivas, dignas de um gênio militar, derrotando
os Saxões em 782, os Ávaros oito anos depois, deixando, à hora da morte, um extenso império que constituía grande
parte da atual Europa.
No entanto, ficaria ainda aquém do seu próprio sonho de reconquistar as fronteiras do antigo Império Romano.
Porém, será sempre recordado como um grande militar, mas igualmente um legislador, homem de cultura, fundando
escolas e promovendo a construção de catedrais, convidando também os mais eruditos a juntar-se à sua corte. Carlos
Magno sabia de antemão que, sem ajuda intelectual, uma gestão era pouco mais que ineficaz sendo baseada apenas
na força das armas.
O seu sucessor, Luís, o Pio, que manteve a capital do império na cidade de Aachen, não teve sorte idêntica e,
inclusive, os seus sucessores entenderam por bem desbaratar o império, dividindo-o em três, fruto de ambições
pessoais. Uma aliança estratégica levou a uma posterior divisão em, apenas, dois espaços autônomos que viriam a
resultar na França e Alemanha atuais, onde os carolíngios governaram até final do primeiro milênio da era atual.
Porém, jamais se pode escamotear aquilo que se tem definido por renascença carolíngia, que abarca não só as
medidas de Carlos Magno no campo cultural e acadêmico, mas, igualmente, a vigorosa arte que transmitiram à
sociedade.
Fruto de uma herança cultural que se pode descrever como uma miscelânea de elementos Celtas e germânicos, os
carolíngios deram origem a uma nova fase arquitetônica, conhecida por românico – algo que se pode depreender
claramente por meio de uma visita à Catedral de Aachen, em território alemão.
A dinastia que se seguiu aos carolíngios, os Capetos que, entre 987 e 1328, dominaram a França, buscou, de
forma obstinada, a unificação da antiga nação gaulesa. Fundada por Hugo Capeto, esta dinastia tem sido reclamada
como ascendência por parte das casas reais de Valois e de Bourbon. Curiosamente, dentro da linhagem dos capetos
encontrase a figura de Felipe IV, dito o Belo, direto responsável pela extinção da Ordem dos Templários, já no
século XIV.
48 Nascido no ano de 466, Clóvis I, rei da dinastia merovíngia, veio a falecer em 27 de novembro de 511. Tornou-se
o primeiro rei franco a unir toda a nação bárbara. Foi extremamente importante a sua conversão ao cristianismo, pois
se tornou forte aliado do papa e obteve maior adoração da parte do seu povo, majoritariamente cristãos.
49 O responsável por esta dinastia foi Meroveu, que viveu segundo as crônicas, terá vivido entre 411 e 458. A partir
de 450 foi o rei dos francos salianos, que habitavam a zona norte e leste das fronteiras do império romano (no atual
litoral da Holanda). O cronista Gregório de Tours (538-594) escreveu que Meroveu pode ter sido filho de Clódio
(392-447). Após a sua morte sucedeu-lhe Childerico I (436-482).
50 Natural de Herstal, na atual Bélgica, e nascido no dia 23 de agosto do ano de 686, Carlos Martel era filho
ilegítimo de Pepino de Herstal (635-714). Veio a falecer na cidade de Quierzy (França) em 22 de outubro de 741.
Conseguiu unir e governar todo o império franco a partir de 715.
M AGIARES
Na Hungria, como facilmente se identifica pelo termo que também denomina os habitantes da nação, estiveram os
Magiares que, na realidade, eram cavaleiros, com características de nomadismo, que, segundo parece, provinham
das estepes do Cazaquistão.
Originalmente, os seus descendentes, ainda em período anterior ao ano 2000 a.C., localizavam-se a leste dos
Urais. Mais tarde, deslocaram-se para a atual Sibéria e, nesta caminhada contínua que, de forma simultânea ia
representando evolução cultural, aprenderam o cultivo agrícola e a trabalhar o metal. Mais tarde, invadiram parte da
zona centro-européia e, já no século IX, fixaram-se, sob o comando do príncipe Arpad, na região húngara.
Apesar de numericamente inferiores, os magiares eram reputados pela força e velocidade que empregavam aos
seus ataques. Como pedra que, batendo em si mesma, provoca o fogo, os magiares pura e simplesmente eliminavam
os seus adversários com uma facilidade tremenda. Dessa forma, os eslavos foram derrotados, assim como os
germanos, francos e mesmos os habitantes da Itália.
A ânsia de conquistas e de riquezas levava-os a atacar tudo e todos, de forma indiscriminada, fugindo a galope
carregando as peças de ouro e demais pedras preciosas. Isto ocorreu durante 55 anos, provocando o constante
sobressalto em fortalezas ou mosteiros.
No ano 920, o duque Venceslau, que reinou na Boêmia, procurou converter o seu povo ao cristianismo, seguindo
uma tendência da época, mas Boleslav, seu irmão de sangue, defendia que deveriam manter-se pagãos e não tardou
que se enfrentassem militarmente, para grande desgosto de Venceslau, conhecido por ser justo e cortês. A tática
utilizada por Boleslav revela desespero e, tendo mandado assassinar o irmão, alcançou o poder.
No entanto, foi Venceslau que o povo canonizou sendo atualmente o padroeiro dos checos. Também, a grande
verdade é que o destino foi desfavorável à visão pagã do líder magiar pelo que, em 955, o imperador Otto I, líder dos
germanos, derrota-os, levando a que, em breve, uma nova lufada política, sob a proteção de Geiza (972-997),
tornasse possível a conversão à igreja de Jesus Cristo.
Os seus governantes foram igualados à qualidade de nobres e, inclusive, no ano 1000, o papa Silvestre II entendeu
por bem, coroar Estevão I como rei magiar soberano de toda a Hungria. Uma nação forte e estável foi então
concretizada, que só subverteu, tal como tantas outras, em 1241, quando os mongóis cruzaram a zona central da
Europa.
A NGLO -S AXÕES
Muito por culpa da vasta bibliografia, principalmente no campo da aventura, sobre os Anglos e os Saxões, toda a
comunidade européia atual cresceu sob a perspectiva de bravos guerreiros, de origem germânica, que a partir do ano
410, quando os romanos abandonaram o território, passaram a dominar a Bretanha (atual Reino Unido). Estes
autóctones já não eram tais como outros habitantes do antigo império de Roma, apenas figuras de força descomunal,
mas haviam obtido a chamada romanização, naturalmente, incrementou a cultura e os conhecimentos técnicos.
Ainda assim, em 446, quando o rei bretão chamado Vortirgern pretendeu dominar todo o território, aqueles que
primeiro chamou para auxiliá-lo foram os germânicos da Renânia, vulgarmente conhecidos por saxões. Na verdade,
o método com que ele os aliciara fora a contratação a dinheiro e, acreditando que estes mercenários não teriam o
poder suficiente para lhe fazer frente, decidiu não pagar o devido.
A vingança, no entanto, não se fez esperar e, deste modo, em breve o feitiço virou-se contra o feiticeiro, já que a
partir de 552, a importante colônia saxônica localizada no sul da Inglaterra começou a sua invasão para norte,
levando na frente todos aqueles que se lhe opusessem, incluindo os bretões, antigos aliados.
No século seguinte, de forma lenta, os germânicos preencheram, quase na totalidade, o espaço inglês, dividindo
posteriormente a região em sete reinos: Ânglia de Leste, Mércia e Nortúmbria, governados pelos Anglos, e Essex,
Sussex e Wessex, sob o controle saxão. A zona de Kent era governada pelos Jutos.
Basicamente, é essa a razão pela qual, ainda hoje, seja natural considerar a Inglaterra, sobretudo, como zona
anglo-saxônica, do mesmo modo que Portugal se define como país lusitano, devido à presença desse povo no
território em período anterior à fundação oficial da nação. De todo o território da Grã-Bretanha, apenas o atual país
de Gales não foi conquistado por estes elementos de origem germânica, o que não deixa de ser historicamente
relevante.
No momento em que surgiram as primeiras investidas dos Vikings, a partir de 789, a luta entre as facções foi
brava e, por assim dizer, muito sangrenta. De parte a parte defrontavam-se guerreiros reconhecidamente sem
paralelo na força braçal e, aparentemente, o prato da balança militar parecia pender para o lado dos invasores.
Apesar disso, e pelo fato de se tratar de uma ilha isolada, os recursos necessários para a conquista eram imensos e,
para serem deslocados via marítima, era um processo demorado e extremamente complicado, Note-se que, quase um
século depois, os anglo-saxões ainda continuaram lutando por sua independência.
O surgimento de Alfredo, com sobrenome de o Grande, em 871, com o título de duque de Wessex foi a
motivação necessária para que os vikings pudessem ser definitivamente rechaçados. Em apenas um ano, Alfredo,
figura conhecida por ser justo e com preocupações educativas para os seus protegidos, defrontou os rivais em sete
frentes de batalha, derrotando-os em 878. De pronto, os vikings se viram forçados a assinar um acordo, conhecido
por Tratado de Wedmore, dividindo a Inglaterra em duas partes distintas – a ocidente ficaria a Saxônia e a leste, a
Danelaw.
Após, praticamente, cinco séculos de permanência na região, estes anglo-saxões foram vencidos pelos normandos,
os quais, liderados pelo rei Guilherme (1027-1087), apropriadamente conhecido como o Conquistador, conseguiram
atingir fatalmente os antigos germânicos diretamente no seu coração administrativo, no caso a Inglaterra, Em 1066,
terminou um dos períodos mais entusiasmantes da história britânica.
V IKINGS
Relacionados, sobretudo, com o saque e a ferocidade, os vikings lograram, porém, ser bem mais do que meros
invasores, construindo uma cultura sui generis e que atualmente parece estar em alta junto à opinião pública, já que
tanto a literatura nórdica de então, como os elementos simbólicos da respectiva civilização são conhecidos de todos,
dada a expansão mediática que vêm obtendo.
Como é citado na obra que os define como Vikings, Senhores dos Mares, “enquanto vivos, os guerreiros do mar
aterrorizavam o mundo. Depois de desaparecidos, entram na lenda. A partir da Idade Média, a sua epopéia é cantada
por aqueles mesmos que eles submeteram. As iluminuras que se seguem foram obtidas de um manuscrito religioso
inglês do século XI. Nelas se evoca o episódio famoso no decorrer do qual os Vikings conquistaram, a ferro e fogo,
as ilhas anglo-saxônicas. No ano da graça de 886 os Vikings dinamarqueses, conduzidos pelo seu chefe Ivar,
atravessam o mar do Norte, desembarcam no solo inglês, executam o piedoso rei Edmundo de Ânglia, massacram a
população e saqueiam o território. Tão grande é a fúria dos homens do Norte…”51
Esta é a visão típica dos vikings que, a partir da Noruega, da Dinamarca e da Suécia alcançaram feitos
memoráveis, em termos militares, por todo o continente europeu, destroçando partes da França, o sul da Inglaterra e
abrangendo um vasto território onde saqueavam, chegando de forma rápida nas suas embarcações – os drakar, ou
navio-dragão – construídas especificamente para este tipo de abordagem no litoral, e saqueavam tudo ao seu redor,
incluindo instituições religiosas.
Convenhamos que o fato de uma civilização firmada puramente na força ter reinado soberana sobre todas as
outras durante dois séculos não foi uma tarefa simples e esse mérito, ainda que baseado no terror é merecido. Mas
também o comércio foi uma prática comum dos vikings, sabendo-se que, nesse caso, serviam-se de outro barco, no
caso o knorr, mais pesado e com maior capacidade de transporte.
Sem dúvida que, aqui, poderíamos abordar figuras míticas da era viking, como Erik, o Vermelho, expulso do seu
país e fundando a Groenlândia, tal como o grande líder Knut ou Leif Ericasso, provavelmente o primeiro europeu a
colocar o seus pés no continente norte-americano, entre tantos outros.
Mas acredite-se que, no caso, se torna mais fascinante abordar a sua mitologia.
Dentro da sua cosmogonia temos uma trindade – Thor (representando a força da natureza, dominando os
fenômenos naturais como o trovão), Odin (grande divindade, senhor de todas as magias) e Freyr (divindade
agrícola). Grosso modo, tudo girava em torno destes três elementos, que habitavam em Asgard, o reino dos deuses,
um mundo distinto daquele onde vivem os comuns mortais.
Assim, podemos afirmar que “a religião viking pagã é politeísta. Segundo a crença viking, os deuses residem em
Asgard, que é um pouco o Olimpo da mitologia nórdica. Asgard é uma fortaleza no centro da qual se ergue um
freixo permanentemente verde chamado Yggdrasil, cujas raízes mergulham até aos infernos. Os ramos atingem tal
altura que podem perfurar a abóbada celeste”, sendo que “em volta dessas figuras dominantes (ou deuses maiores)
gravita um mundo de deuses secundários, de elfos, demônios, gênios que freqüentemente encarnam as almas dos
defuntos. Os vikings estabelecem verdadeiras relações com os seus deuses. Sentem necessidade deles e com eles se
tratam. Os deuses protegem o oett, a família, nos seus bens e na sua honra, mas também o Estado, o guerreiro, o
camponês. Ajudam os reis a assegurar a paz e favorecem as colheitas. Para os vikings, os deuses são como
companheiros; até mesmo patrões, em relação aos quais têm deveres, mas também direitos.”52
Poder-se, então, declarar que os vikings, atendendo até à análise deste vasto patrimônio cultural e cultual, seriam
figuras meramente brutais, desprovidas de sentimentos ou intelectualidade? Sem dúvida eram bravos, por vezes até
ultrapassando os limites, mas nem por isso deixaram de ter uma outra faceta, fortemente ritual, em que
demonstraram como, de si mesmos, brotou uma nova mitologia nórdica, futuramente tão apreciada.
Destacando ainda a questão da escrita rúnica que, não sendo estritamente nórdica, e tendo nascido provavelmente
na Germânia, foi pelos vikings muito utilizada e que, nos dias de hoje, fascina muito dos elementos da chamada
tradição esotérica, julgando-se as runas como fatores de algo que “antes do ano mil e do aparecimento do alfabeto
latino na Escandinávia, nos conduzem ao âmago da tradição viking”, sendo “gravados na pedra, estes símbolos de
que Odin seria o criador inspiravam aos homens do Norte temor e respeito, ligados como estavam à feitiçaria, à
magia, ao sobrenatural e ao mistério”.53
51 Nascido na Síria, o papa Gregório III foi consagrado em 18 de março de 731. Entre os seus atos mais relevantes
destaque para a convocação de um sínodo em Roma, tendo em vista contrariar a heresia dos iconoclastas, assim
como renomeou Bonifácio como arcebispo da Germânia no ano de 732. Veio a falecer a 28 de novembro de 741.
52 Yves Cohat, Vikings, Senhores dos Mares, Civilização/Círculo de Leitores, pp. 2-3.
53 Ibidem, pp. 109-110.
S ELJÚCIDAS
Na gloriosa história oriental, e principalmente dentro da sua perspectiva muçulmana, existiram vastos períodos de
destaque. Convém frisar que os turcos seljúcidas foram responsáveis por momentos de interesse que se prolongaram
nos anais históricos, até o presente momento.
Talvez até mais vivo do que nunca, até porque se cruza com o movimento das cruzadas cristãs, em épicas batalhas
com cada um dos lados procurando levar de vencido o rival tendo a Cruz e o Crescente sempre como símbolos de
frente, empunhados ao alto, para que os respectivos combatentes jamais esmorecessem em termos de fé e bravura
dentro do campo de batalha.
A sua gênese foi firmada na atual Turquia onde, no início do segundo milênio da nossa era, após terem se
separado dos turcos conhecidos por Ghuzz, os seljúcidas deram início a uma expansão que veio a culminar num
império de grande importância.
A origem da sua denominação é fácil de compreender, tendo em conta que o seu primeiro líder – e direto
responsável pela caminhada que levou um grupo de nômades a instalar-se perto do atual Uzbequistão – se chamava
Seljuque. Isto aconteceu por volta do ano 900. Porém, a viagem de crescimento da civilização ainda não estava
concluída e, assim sendo, alguns dos descendentes diretos dos guerreiros a serviço de Seljuque partiram para novas
conquistas nas terras para lá do Oriente.
Seja como for, desde o momento em que se separam dos seus vizinhos turcos, esta civilização estendeu as
ramificações da sua cultura para sul e ocidente, conquistando Khorasan (Afeganistão) em 1038, Bagdad em 1055 e
Mantzikert no ano 1071, naquele que pode ser considerado o período de auge da civilização seljúcida.
Foi nesse momento que a cristandade apelou às armas para ajudar Bizâncio, a capital oriental do antigo império
romano e cuja afinidade com os europeus jamais passara para segundo plano.
No entanto, os cruzados, apesar de terem detido o avanço seljúcida, não conseguiram recuperar qualquer terreno
durante, aproximadamente, três séculos. Alp Arslan, líder dos turcos, marchou triunfante sobre a Armênia,
capturando depois o imperador bizantino, fundando posteriormente o sultanato de Rum, após a apropriação de
Anatólia (Turquia), já sob a égide do seu filho Xá Malik (que governou duas décadas, com início em 1072).
Apesar de exímios cavaleiros, tendo inclusive inventado os estribos, não se coibiram de treinar o arco e a flecha
ao mesmo tempo que o galope, ferindo mortalmente os seus inimigos com uma rapidez impressionante.
Porém, tiveram um lado mais pacífico, que se une à própria fé, no caso a muçulmana, construindo belas
mesquitas, de onde destacaremos Tomeh (Isfahan, Pérsia) e Simman (Irã). Destaque ainda para os azulejos com que
embelezavam as suas construções, possuindo padrões intricados e utilizando cores garridas que, no final da obra, em
muito engrandeciam o trabalho da arquitetura.
O seu desaparecimento deve-se à invasão mongólica que, a partir de 1220, devastou toda a região.
I MPÉRIO M ONGOL
Por todos considerado o maior império da história, teve início com um pequeno rapaz de 13 anos chamado
Temujin que começou a governar sua tribo a partir do momento em que o progenitor faleceu, muito provavelmente,
envenenado por rival interno.
Os primeiros tempos foram difíceis. A partir da disputa entre facções rivais, que inclusive se separaram da sua,
Temujin avançou, destemido, para a condução de uma tribo que ambicionava a conquista.
Denominados Yakka Mongóis, estes guerreiros em poucos anos agregaram um vasto número de tribos o que
levou, em 1206, numa reunião de cãs, ou chefes, Temujin ser eleito, sem qualquer entrave, como Gengis Cã, isto é,
imperador de todos os homens.
De pronto, Genghis Khan, como é comummente conhecido, “iniciou uma carreira de conquistas através do treino
de um cruel, rápido e bem disciplinado exército. As suas hordas aterrorizavam os opositores, matando todos os que
não se rendessem ou não alinhassem. Numa série de importantes campanhas, Gengis Cã conquistou o Turquestão, o
Norte da China e a Coréia; em seguida voltou-se para ocidente e devastou o Afeganistão, a Pérsia e zonas da Rússia.
Um pouco do seu sucesso ficou a dever-se ao fato de que os seus opositores não se encontrarem unidos”, isto apesar
de os seus sucessores não terem sido menos prolíficos, conquistando “a Armênia, o Tibet e outras zonas de China,
arrasando depois a Europa Oriental. O seu neto, Cublai Cã, completou a conquista da China. Nomeou-se a si próprio
primeiro imperador da dinastia Yuan (1271-1368). Alguns aspectos das leis mongóis eram positivos – davam
estatutos às mulheres, encorajavam os estudantes, respeitavam as diferentes religiões e incentivaram o comércio.
Abriram as Rotas da Seda Asiáticas para os viajantes do oriente-ocidente. Outros aspectos não eram tão bons – os
seus cruéis exércitos destruíam as cidades e massacravam muitas pessoas. No entanto, os Songas, no Sul da China,
resistiram aos mongóis durante 20 anos antes de serem conquistados, e o sultanato de Deli impediu-os de invadir a
Índia. Aproximadamente em 1260, a expansão mongol terminava.”54
Kublai Khan foi, na verdade, o último dos grandes líderes mongóis, tendo sido acompanhado de perto pelo
mercador Marco Pólo, originário da zona veneziana. Como todos sabem, a sua descrição vívida dos feitos do
império mongol em muito contribuíram para que os ocidentais tomassem maior conhecimento com a sua cultura,
temendo o seu exército e respeitando os grandes comandantes que levaram a tornar-se o mais extenso dos impérios
da humanidade.
54 Ibidem, p. 148.
I MPÉRIOS DA P ENÍNSULA I BÉRICA : PORTUGAL E
REINOS DE E SPANHA
O império português alcançou maior dimensão, não por ter localizado especificamente um espaço geográfico em
concreto, o certo é que os reinos espanhóis não podem ser esquecidos quando pretendemos estudar o século XVI
europeu. Foram eles que, por meio do célebre Tratado de Tordesilhas, ficaram com o encargo papal de angariar
novas culturas para a fé cristã.
Talvez poucos tenham a percepção do que isso significava – basicamente o mundo foi dividido em duas metades
e o papa, entidade máxima da época, delegou-lhes a tarefa de angariarem, para a sua posse, tudo o que conseguissem
conquistar, com a promessa que convertessem novas almas para a sua igreja.
Obviamente que, hoje, isso seria impossível, mas na época esta idéia também não deve ter sido muito bem
recebida pelas outras nações européias, visto que todas tinham naturais expectativas a incrementar o seu poderio
econômico. Porém, a realidade é apenas uma: não existia nenhum outro país que, naquela época, pudesse pelo
menos, aspirar a equivaler-se às nações ibéricas.
Portugal, apesar de geograficamente pequeno, era um país de marinheiros, acostumados ao alto-mar, onde se
lançavam, de forma destemida, em primeiro lugar para angariar peixe para as populações locais e, posteriormente,
para, como diria o Padre António Vieira, pescar almas. Qualquer historiador isento reconhecerá que Portugal
liderou os descobrimentos marítimos europeus, seguindo a tradição de povos como os fenícios que se fizeram
grandes nas ondas do mar.
Figuras como D. Manuel I (1469-1521) rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África,
Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia, ou o Infante D. Henrique (1394-
1460) foram ímpares no que diz respeito às navegações e são unanimemente reconhecidos como elementos chave na
inovação comercial da época, possivelmente responsáveis pelo maior salto de evolução, nesse campo, da história
humana.
No momento em que atingiram o apogeu do seu império, Portugal tinha já uma longa lista de descobertas ou de
objetivos atingidos: Madeira (1419), Benim (1471), cabo da Boa Esperança (anteriormente Tormentas, em 1487),
Índia (1498), Brasil (1500) e Molucas (1520).
Espalhados pelos continentes africano, asiático e sul-americano, os portugueses praticaram um novo método de
contato com os nativos, mais apoiado na troca do que propriamente pela força das armas, independentemente de
questões mais localizadas no tempo e no espaço que possam ser referidas.
Portugal redefiniu as rotas de comércio Índias, dando um novo fulgor ao transporte das muito apreciadas
especiarias e sedas, sabendo, igualmente, aproveitar as qualidades naturais do Brasil e das colônias africanas. Ao
longo de vários séculos, o império português prosperou, fruto de um investimento cultural, financeiro e humano que,
de início, ninguém saberia se iria tornar-se bem-sucedido.
Mas a crença firme de vários dos seus líderes, apoiados no esforço e entrega pessoal dos marinheiros destemidos,
fizeram com que, honrosamente, a nação portuguesa possa, eternamente, figurar como uma das grandes civilizações
da humanidade.
Do mesmo se pode elogiar a Espanha, cuja atuação se concentrou na região centro e sul-americana e, também,
com presença nas Filipinas.
Assim, “após a queda dos Astecas e dos Incas, o rei de Espanha acrescentou os seus territórios ao seu império. O
Império Asteca tornou-se a vice-realeza da Nova Espanha, em 1535. Mais tarde, no século XVI, também incluía
partes da Califórnia, Arizona e Novo México. A terra dos Incas tornou-se a vice-realeza do Peru. Muitas pessoas
emigraram da Espanha para viverem neste novo império espanhol. As colônias eram regidas por um Conselho das
Índias com base na Espanha. (…) Aos colonos seguiram-se os missionários espanhóis, que destruíram templos e
ídolos e edificaram igrejas católicas em seu lugar, tentando converter os nativos americanos. O Império Espanhol
continuou a expandir-se sob o reinado de Filipe II (1556-98)”.55
Na realidade, independentemente de opiniões mais críticas, a grande verdade é que Portugal e Espanha lograram
alcançar os objetivos a que se propuseram inicialmente, ou seja, incrementar o seu espaço geográfico, agregando
riquezas de outras origens e, naturalmente, converter novos territórios à fé em Cristo, tal como solicitado pelo papa.
55 História Universal Comparada, obra anteriormente citada, p. 170.
I MPÉRIO O TOMANO
Apesar de os otomanos serem referenciados desde, pelo menos o ano 1299, os historiadores referenciam 1453
como a data mais importante para a sua história visto que foi nesse ano que a cidade de Constantinopla caiu nas
mãos de Mehmet II, o líder otomano. A partir daí a capital passou a denominar-se Istambul.
Os guerreiros otomanos, conhecidos por spahi, tal como os membros do exército imperial romano recebiam terras
em troca da sua colaboração ativa. Essa motivação extra, que é sempre necessária para constituir uma força armada
de grande dimensão, tornou-se relevante para as futuras conquistas.
No espaço de um século, os otomanos tinham um império que tocava três continentes distintos, desde a Europa à
Ásia, e junto ao litoral da África. Tunísia, Cairo, Bagdad, Belgrado e Budapeste eram alguns dos locais que, no ano
de 1566, estavam nas posses deste império muçulmano. Muitas destas conquistas deveram-se a um homem,
Suleimão, o Magnífico que, a partir de 1520, quando se tornou o sultão, abraçou a causa otomana com uma
convicção tal que as suas palavras eram como bálsamo para a alma dos seus protegidos.
Um pouco à semelhança de outras figuras históricas que já conhecemos, essencialmente líderes de grandes
civilizações, também Suleimão tinha um forte componente de legislador, reformando a administração central da
sociedade, assim como o sistema legal, implementando uma visão ainda de maior rigor.
Ainda assim, as suas ambições não se viraram, apenas para religiões diferentes da sua, pois três campanhas
militares foram dirigidas contra o império persa dos Safávida.
Ao longo de todo o século XVI ataques e contra-ataques forjaram o cotidiano dessa zona da região, visto que,
ainda que a cidade de Bagdad estivesse na posse otomana, o certo é que as suas fronteiras estavam constantemente
em perigo de cair nas mãos dos rivais.
Como tal, não é de estranhar que, no momento em que Suleimão desaparece fisicamente, o seu lugar não tenha
sido ocupado por alguém com capacidade suficiente para sustentar a vastidão do império. O seu filho, Selim, parece
ter levado uma vida com poucas preocupações políticas e, estando o destino praticamente nas mãos dos seus
ministros e generais, pouco a pouco o fulgor empregue pelo seu progenitor foi se escoando.
O império otomano, no seu esplendor máximo, nos leva a considerálo uma das grandes civilizações, e deixou,
lentamente, de existir a partir do século XVII. Ainda assim, apenas após a Primeira Grande Guerra Mundial é que o
antigo império dos otomanos passará a deter a denominação atual – Turquia.
I MPÉRIO M OGOL
Não obstante a confusão que, por vezes, é efetuada com a civilização mongólica, o certo é que, apesar do termo
ser uma derivação natural do termo supracitado, o fato é que os Mogóis tiveram uma atuação ligeiramente distinta
dos seus vizinhos.
A começar, a tribo dos Mogóis ainda que essencialmente muçulmana não desdenhava a convivência saudável
com outras culturas e pensamentos religiosos da Índia, espaço geográfico onde concentraram a sua existência.
Foi Baber, um descendente de Genghis Khan quem teve o ensejo de liderar uma tribo que, sendo expulsa pelos
Usbeques, vieram a ocupar uma faixa territorial ao redor da cidade de Cabul, no atual Afeganistão, no ano 1504.
Até que Baber faleceu, já em 1530, liderou o seu pequeno império Mogol, tendo como já citamos chegado a
grande parte da Índia já em 1519, invadindo o sultanato de Deli, maior potência indiana da época. Isto sucedeu à
custa de não menos que 12 mil guerreiros mogóis e fruto da capacidade militar e de liderança do imperador Baber.
Evidentemente que convém referir que este império existia desde uma época exatamente anterior ao século XIV,
período em que desfaleceu temporariamente, fruto da morte de Kubilai Khan. Ainda assim, Tamerlão (1336-1405),
revigorou um pouco da antiga glória dos mogóis. Período curto, no entanto, e é efetivamente a partir de 1520 que o
impulso mais definitivo do seu poder acontece.
O seu líder, nascido em Ferghana, tinha ao seu encargo um grupo de soldados que montavam cavalos velozes que
logravam grande sucesso ante os lentos e pesados elefantes da cavalaria indiana. Deli tornou-se a capital do império
mogol, sob a proteção de Baber.
O seu descendente, Humayun, tinha pretensões idênticas ao pai, chegando inclusive, a ocupar parte da Índia
ocidental sendo, no entanto, rechaçado pelos Surs em 1540 e expulso da região pouco depois. Ainda assim,
Humayun não desistiu e no ano de 1555 reconquistou os antigos espaços do império que dirigia vindo a falecer
pouco depois.
Acbaro, o líder seguinte, foi uma personalidade de grande sabedoria, tolerando culturas e religiões distintas no
seio da sua civilização o que efetivamente a engrandeceu.
Basicamente, pode-se considerar que os seus frutos ainda hoje são visualizados na cultura indiana, tão avançada
em vários aspectos, principalmente no campo místico.
Portanto, o seu império prosperou e foi resistindo às mudanças do pensamento dos territórios ao seu redor e, por
assim dizer, apenas foi vencido pela força das armas dos ingleses que, no início do século XVIII, vieram ocupar o
extenso território anteriormente na posse destes descendentes diretos dos temidos mongóis.
Í NDIOS DO CONTINENTE AMERICANO
Dado o nosso fascínio por essas culturas indígenas que, durante séculos, habitaram o continente americano e que,
na verdade, ainda habitam, integrados à sociedade moderna (apesar de algumas exceções a essa regra, no território
brasileiro), levam-nos obrigatoriamente a fazer uma referência, mesmo que sucinta, a essas grandes civilizações da
humanidade.
São culturas que fazem da sua ligação ao planeta Terra um meio de vida. Porque, na verdade, a natureza é algo
indissociável do ser humano. Afastar estes dois elementos vivos será o mesmo que considerarmos que o homem
sobrevive sem água ou alimento.
E os indígenas, ou índios, para utilizarmos a expressão que se consolidou por meio do descobridor Cristóvão
Colombo quando, erradamente, julgou ter chegado às Índias, navegando para oeste, souberam, como poucos povos
na história humana, aproveitar os recursos naturais, vivendo em comunhão com a mãe-terra.
Pensa-se atualmente que essas populações derivaram de correntes migratórias vindas da Ásia, atravessando,
provavelmente, o Estreito de Behring, que, na época, ou seja, há 14 mil anos era facilmente navegável entre os dois
continentes.
Uma nova ocasião, três milênios depois, seria responsável pelo surgimento na América de uma raça com
características ditas próximas dos aborígines ou mesmo elementos do continente africano. Seja como for, a questão
mantém-se em aberto aguardando maiores definições e, quem sabe, uma resposta que seja aceita como conclusiva.
Mas há outros elementos que se pretendem ter aculturado os elementos indígenas, principalmente a expedição do
viking Leif Ericsson que, no ano 1000, pode ter aportado ao litoral do atual Canadá e aí fundado uma colônia, ou
mesmo uma tese que vai mais longe no tempo, com a presença fenícia no território brasileiro.
Independentemente dessas probabilidades, o certo é que a realidade, ainda hoje vigente, é de que um conjunto de
tribos (etnias ou grupos, dependendo da definição que pretendemos dar) marcaram o passado do continente
americano formando um conjunto civilizacional precioso e digamos mesmo, fundamental para a humanidade.
Se já havíamos referido aos maias, astecas e incas, não podemos evidentemente esquecer dos aruaques, apaches,
esquimós, sioux, moicanos ou seminoles, da parte norte do continente e, no seio da nação brasileira, os tupis,
guaranis, potiguaras, pataxós e tantos outros formaram a alma (essência) do povo brasileiro.
I MPÉRIO Z ULU
Império Zulu, existiu na ponta sul de África, local tido por muitos como o berço do ser humano.
Um fato, obviamente, que não deixa de ser interessante registrar até porque os zulus fizeram questão de ser uma
civilização extraordinariamente importante na historiografia do respectivo continente.
O seu império, muito provavelmente, foi o mais importante de todos aqueles que, ao longo de milênios, existiram
no seio de África, esse território simultaneamente mágico e culturalmente intenso, propiciador de lendas, mitos e
muitos sonhos.
De acordo com o que se sabe, os zulus são um povo muito antigo que, contudo, passou a obter maior destaque no
século XIX quando a colônia do Cabo (África do Sul) era controlada pelos ingleses. Porém, convém frisar que, até a
chegada do grande Shaka Zulu ou Tchaca (1787-1828) ao poder, a sua tribo era pouco mais que inexpressiva no
contexto africano.
Assim, a sua subida magistral à liderança Zulu tornou possível que, por intermédio de anexar territórios de tribos
vizinhas, e magníficas conquistas militares, o seu império se tornasse vasto e muito invejado tanto pelos povos
limítrofes quanto pelos conquistadores da Grã-Bretanha.
Entre as suas cidades mais importantes, destacaríamos Bapedi, Umtata, Umfolozi e Amatikulu. Foram peças do
quebra-cabeça gigantesco que assombrou as colônias britânicas e a guerra que ambas as facções desenvolveram no
século XIX o culminou nos desentendimentos, sobretudo, culturais, evidentemente com questões políticas
envolvidas, visto que se uma parte pretendia manter a independência, a outra almejava obter a soberania do espaço
físico.
Em 1879, já sob a liderança de Cetewayo (1826-1884), os zulus lutaram bravamente contra os seus inimigos,
procurando impor a força de lanças e bordões contra as espingardas e espadas britânicas, pelo que, inevitavelmente,
a conclusão foi a derrota dos seus interesses sociopolíticos.
O século XX marcou a reorganização territorial, acreditando-se que atualmente vivam mais de oito milhões de
zulus só na África do Sul, podendo, a esse número, adicionar os 500 mil que se espalham por zonas distintas do
continente africano.
Na verdade, a herança mística de Shaka Zulu e seus sacerdotes tribais, jamais desaparecerá, tendo resistido à força
da pólvora inimiga.
Porque as raízes nas quais o império dos zulus fundou as suas bases mantém viva a tradição e, tal como em tantos
exemplos que aqui fornecemos, o grande tesouro das civilizações maiores da nossa humanidade, quase sempre, foi a
cultura e não a lei das armas.
Por mais que verifiquemos como a força consegue dominar o intelecto, ela tem uma consistência pouco mais que
efêmera e apenas os grandes líderes compreenderam que os seus súditos apenas o seriam de alma e coração se lhes
fossem dada condições para manter sua fé, sua habitação e sua educação. Assim é que lograram o objetivo final de
construir a pedra e cal, grandes civilizações mundiais!