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BOLOGNESI - O Clown e A Dramaturgia

O documento discute a apropriação da figura do palhaço no teatro brasileiro contemporâneo. Apresenta três tendências dessa aproximação: 1) Investigar a comicidade do palhaço circense, 2) Aproximar-se do caráter feérico e espetacular do circo, 3) Aprender com artistas circenses e criar espetáculos circenses. No entanto, critica a tendência de "psicologizar" o palhaço, afastando-o de seu caráter popular e universal em busca de uma dramaturgia fixa e individualização da

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BOLOGNESI - O Clown e A Dramaturgia

O documento discute a apropriação da figura do palhaço no teatro brasileiro contemporâneo. Apresenta três tendências dessa aproximação: 1) Investigar a comicidade do palhaço circense, 2) Aproximar-se do caráter feérico e espetacular do circo, 3) Aprender com artistas circenses e criar espetáculos circenses. No entanto, critica a tendência de "psicologizar" o palhaço, afastando-o de seu caráter popular e universal em busca de uma dramaturgia fixa e individualização da

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38 • Anais do IV Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (Memória ABRACE X) Rio de Janeiro 2006

BROOK, Peter. A porta aberta. Trad. Antonio Mercado. Rio de Janeiro: O palhaço e a cena
Civilização Brasileira, 1999. Dentre as várias faces das artes circenses que despertaram (e ainda
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em W. Benjamin. São despertam) o interesse dos artistas de teatro, certamente o palhaço
Paulo: Perspectiva, 1994. ganha lugar de destaque. Em São Paulo, podem ser identificadas três
RIOS, Kênia Souza. Campos de concentração no Ceará: isolamento e poder matrizes da adoção da personagem circense para a cena: a do circo
na seca de 1932. Fortaleza: Museu do Ceará, 2001. propriamente dito, através das escolas, ou diretamente com os circos
ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o anjo. Rio de Janeiro: Tempo Brasilei-
itinerantes; as investigações do Lume, de Campinas, que têm o clown
como passagem da pré-expressividade à expressividade (FERRACINI,
ro, 1990.
2001: 217-232); e a vinda do italiano Francesco Zigrino a São Paulo,
STRINBERG, August. Queen Christina, Charles XII, Gustav III. Trad.
na década de 1980, que coordenou oficinas na ECA e na FAAP, além
inglês Walter Johnson. Seattle: Universitiy of Washington, 1968.
da montagem de peças teatrais (SANTOS, 2006). Através dos dois
últimos exemplos, atores e diretores teatrais tiveram a oportunidade
de experimentar as técnicas clownescas oriundas de diretores france-
* * * ses, especialmente Decroux e Lecoq.
Salvo as exceções de sempre, na cena paulistana tem predominado
O CLOWN E A DRAMATURGIA uma vertente que procura uma psicologização do palhaço, que se refle-
te tanto na busca personalizada da descoberta do “ridículo” de cada
Mário Fernando Bolognesi ator, como também em uma cristalização da personagem e da cena, que é
Universidade do Estado de São Paulo (UNESP) garantida por uma dramaturgia específica e, entre outras características,
Circo, teatro, palhaços “domesticadora” da personagem. Em outras palavras, tem-se prolifera-
do o distanciamento das características grotescas e populares do palha-
Uma (precária) história ço de circo, que é, concomitantemente, universal e particular (BO-
Uma das tendências do teatro brasileiro contemporâneo é a apro- LOGNESI, 2003: 57-90), para uma acentuada nuance naturalizadora
ximação com a linguagem circense. Essa aproximação envolve o do- da máscara clownesca, com base no princípio da verossimilhança.
mínio das várias facetas acrobáticas, que ganham novos sentidos a Essa distância se reflete, inclusive, na proposta de diferenciação
partir das lentes do teatro e da dança. Esse movimento, no Brasil, terminológica entre palhaço e clown. Embora oriundas de campos
pode ser detectado a partir do final dos anos de 1970. A criação das lingüísticos diversos (latino, para o palhaço; anglo-saxão, para o clown),
várias escolas de circo, no País, facilitou a aproximação dos artistas do os dois termos são similares, do ponto de vista semântico: tolo, rústi-
teatro com o circo. A Academia Piolim de Artes Circenses, em São co, camponês, de raciocínio lento, etc. No universo circense brasilei-
Paulo, foi a primeira iniciativa de transferir o conhecimento artístico ro, essa diferenciação soa estranha, já que ambos os termos designam
circense para fora dos limites da lona. Na década seguinte, em 1982, as várias funções do cômico do picadeiro: augusto, clown branco, toni
o Governo Federal criou a Escola Nacional de Circo. Iniciativas priva- de soirée, excêntrico, etc. Porém, pensando nas profundas diferenças
das se seguiram e, em 1984, foi criado o Circo Escola Picadeiro, em entre os modos de interpretação e encenação do palhaço no picadeiro
São Paulo, e, no ano seguinte, a Escola Picolino de Circo, em Salvador. e no palco, talvez a diferenciação seja proveitosa, pois demarca, possi-
Mas, antes mesmo da criação das escolas de circo, artistas e gru- velmente, uma nova etapa na história do clowns.
pos, pelo menos em São Paulo, já se interessavam pelo linguajar cir- O clown, tal como apropriado e desenvolvido na maioria dos gru-
cense, a exemplo do Grupo de Teatro Mambembe, que investigou a pos, com influência direta ou indireta do Lume, de Campinas, se
comicidade do palhaço circense. As experiências do Ornitorrinco, transformou em figura emblemática e poética, portador de uma poe-
dirigidas por Cacá Rosset, especialmente as montagens de Molière, sia própria, essencialmente etérea. Isto é, esta tendência enfatiza o
além do Ubu, também procuraram a aproximação da cena com a lin- gracioso, em detrimento do grotesco; investe na ironia, enfraquecen-
guagem circense. O Tenda Tela Teatro, a partir de 1982, também do a sátira e a paródia. Em poucas palavras, este protótipo de clown
procurou o aprendizado circense nos circos da periferia de São Paulo, passou por um profundo processo de subjetivação e individualização,
em um momento em que a Academia Piolim já não mais existia e a a ponto de abandonar as características cômicas, universais e popula-
escola Picadeiro ainda não havia sido inaugurada. O grupo comprou res que o consagraram. As marcas do corpo (essa sim a natureza da
uma lona e criou o Metrópole Arte Circo, com um espetáculo em que “alma do palhaço”), subjugado à autoridade e à ordem, privado do
apareciam os elementos teatrais e coreográficos, com fábulas e enre- alimento e do sexo, estão ainda mais escamoteadas; em seu lugar, trans-
dos nos números circenses. Esses são três exemplos apenas, dentre bordam as facécias do espírito e da alma. Do ponto de vista da histó-
vários outros.1 Eles são significativos pois apontam para três tendên- ria das artes cênicas, algo similar se deu com os românticos e os sim-
bolistas, quando se voltaram para o universo circense e para os palhaços.
cias distintas: o Mambembe foi, prioritariamente, em busca das ca-
Conseqüências desta linha de investigação podem ser vistas no
racterísticas da interpretação cômica do palhaço e freqüentou assidua-
abandono do caráter improvisado da interpretação do palhaço, bem
mente os espetáculos do palhaço Chico Biruta (Marco Antônio
como no enquadramento da encenação em uma dramaturgia fixa. O
Martini), do Circo Teatro Bandeirantes, na cidade de São Paulo; o
simples apoio a uma dramaturgia sucinta, um simples roteiro de cena,
Ornitorrinco interessou-se pelo caráter feérico e espetacular das artes
e a liberdade da interpretação improvisada, características da atuação
circenses e se apropriou dos ensinamentos de José Wilson Moura Lei-
do palhaço circense, foram abandonados em nome da dramaturgia
te, criador e diretor do Circo Escola Picadeiro; o Tenda Tela Teatro
fechada e da encenação minuciosa. Ambas prevêem e indicam os ru-
também aprendeu com José Wilson (antes mesmo do Orinitorrindo), mos da interpretação. Com isso, abandona-se o aspecto épico-comu-
além de outros, como o Mestre Maranhão (que viria a ensinar muitos nicativo do circo e adota-se uma postura dramática, expositora de
outros jovens não-circenses nos anos seguintes), e se voltou para o uma individualidade exclusiva. O público, de participante, passa a
espetáculo circense. receptor. A iluminação, geral e aberta, que mostra o público, adotou o
Com a criação das escolas essas três tendências foram aprofunda- foco que centraliza a personagem e seus dilemas.
das, especialmente aquela experimentada pelo Ornitorrinco, ou seja,
a de trazer para a cena contemporânea as várias faces das artes circen- Antecedentes
ses. Grupos e artistas com domínio das artes circenses proliferaram, Processo similar se deu com as máscaras da commedia dell’arte2
com características as mais diversas. quando de sua instalação na França, a partir do século XVII. O Teatro
Anais do IV Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (Memória ABRACE X) Rio de Janeiro 2006 • 39

das Feiras de Paris, principalmente através de Lesage (o Molière das O NOVO TEATRO E A EXPLOSÃO DO ESPAÇO
Feiras), não mediu esforços para situar as máscaras dell’arte nos câno-
nes da verossimilhança, fazendo com que a ilusão se firmasse como AUTOBIOGRÁFICO
critério de renovação. Esse processo de “naturalização” das máscaras Martha Ribeiro
tipológicas transformou os tipos originais. Para tal efeito, a dramatur- Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
gia teve papel significativo: ela procurou estabelecer previamente aquilo Teatro novo, espaço autobiográfico
que em sua manifestação original se fundamentava na improvisação e
na habilidade do ator. O resultado, na commedia dell’arte, dentre ou- O assim chamado Teatro Novo ou teatro do segundo pós-guerra
tros, foi a formalização. A título de exemplo, o primevo Arlecchino, compreende várias experiências no campo teatral que buscam explo-
astuto, agressivo, em farrapos, sofreu alterações significativas, vindo a rar, e transbordar, os limites entre realidade e ficção. Há um forte
ser uma personagem formal: os farrapos de sua vestimenta transfor- componente autobiográfico, tanto nos processos de vivência cênica,
maram-se em losangos. Isto é, a personagem foi amalgamada às carac- quanto na realização de espetáculos: ator e autor se confundem com a
terísticas do país que o acolheu: sua comicidade tornou-se prioritaria- identidade do eu espetacular. Mas, o que realmente significa um tea-
mente verbal, com apoio no enquadramento dramatúrgico, em tro autobiográfico? Juntar estes dois termos, autobiografia e obra teatral,
detrimento da mímico-gestual na qual ele se originou. A interpreta- parece, à primeira vista, um paradoxo, pois teatro é a arte da ficção e
ção corporal e acrobática foi se arrefecendo e cedeu o posto à interpre- autobiografia é, como simplifica Lejeune, a biografia de uma pessoa
tação a partir do pensamento e da palavra. Ou seja, na França, as real feita por ela mesma. O teatro fala através de personagens ficcionais
máscaras dell’arte se submeteram a um processo de aburguesamento, e a autobiografia possui como condição imediata uma identidade en-
tornando-se palatáveis à nova classe social que ganhava força. Segun- tre o narrador e o herói da narração. Por esta reflexão, podemos dizer
do Cláudio Vinti, de imediato que um teatro autobiográfico para existir não pode pres-
Alla Foire, Arlecchino si ingentilisce, quasi imborghesendosi; si fa cindir da presença em cena do autor.
“gentiluomo”, e come i gentiluomini settecenteschi diventa galante, spesso A aproximação entre teatro e vida, que está na base das vanguar-
cerimonioso e si esprime con un linguaggio amoroso ricercato e signorile das do início do século XX, repousa sobre três principais pontos: ne-
(il suo ruolo è spesso quello di “maître d’Amour”), ben lontano dal “jeu” gação de um teatro concebido só como ficção e como representação;
burlesco e acrobático e dalle pesanti allusioni caratteristiche della maschera negação da divisão clara entre atores e espectadores; proposta de um
dell’Arte. L’evoluzione della commedia foraine porta parallelamente teatro comunitário, realizado por meio de um processo criativo de
all’evoluzione della concezione dell’amore, che, via via si trasforma grupo. Estes conceitos acabaram por determinar a forte tendência
spiritualizzandosi nell’amore-sentimento.
autobiográfica por parte dos artistas do período, o que irá se acentuar,
Acompanham o processo de espiritualização, com ênfase no sen- posteriormente, nas experiências de vanguarda do segundo pós-guer-
timental, característicos de uma subjetivação da personagem-tipo, a ra. Se uma das características do Novo Teatro é renegar o texto escrito
troca do “lazzi” pela ênfase verbal, a gestualidade puramente corporal em prol de uma elaboração dramática que nasça ao interior de um
em jogo de destrutiva ironia (destrutiva, porque a ironia parte do prin- processo criativo de grupo, propomos observar o processo de aproxi-
cípio da superioridade daquele que ironiza sobre quem é inonizado), mação entre teatro/vida como um verdadeiro corte na tradição do
a dramaturgia aberta e dependente da improvisação em um texto e teatro dramático, sem, no entanto, perder de vista o olhar crítico,
espetáculo que se fecham sobre si mesmo. antagonista, disposto a jogar com esta concepção artística que aposta-
Tal como as máscaras dell’arte, o palhaço, através da encenação e va na idéia de que tudo poderia vir a ser arte.
da dramaturgia contemporâneas, está passando por processo similar Marco De Marinis (1988) propõe nomear o conjunto de expe-
de enquadramento “civilizatório”, isto é, modelando-se às caracterís- riências e propostas teatrais que surgiram nos Estados Unidos e na
ticas dominantes da cena atual, arrefecendo os impulsos corporais da Europa entre 1947 e 1970, em oposição ao teatro oficial e institucio-
fome e do sexo e enaltecendo o jogo do espírito. O palhaço, com isso, nalizado, como “Teatro Novo”. A defesa do termo, em substituição
deixa de ser o estranho, o intruso, o sem-lugar, para ocupar um posto aos de uso mais freqüente como “teatro experimental” ou “teatro de
na espetacularidade social, como se o processo da dominação, esca- vanguarda”, explica De Marinis, corre em duas vias: primeiro porque
moteando suas próprias características de exclusão, absorvesse os de- o termo, em relação aos outros, é menos condicionado ideologica-
serdados. Se o problema não se resolve no social, ele está absorvido e mente e, em segundo lugar, seu uso se deu naturalmente entre os
anulado no espetáculo. homens da prática teatral, como exemplo o “Encontro para um novo
teatro” celebrado em Ivres, 1967, ou os manifestos teatrais de Elia
Notas Kazan e Pier Paolo Pasolini1; preservando as diferenças de intenção no
1
Uma história aprofundada desse período está por ser feita. uso do termo. Em sua defesa De Marinis ainda acrescenta que o ter-
2
Segundo Cuppone, a commedia dell’arte é uma invenção romântica (1999: 23-32). mo “novo teatro” não constitui em nenhuma hipótese um juízo de
valor artístico: “para o teatro da segunda metade do século XX, o
Bibliografia velho não tem que ser necessariamente ruim, e nem o novo tem que
BOLOGNESI, M. F. Palhaços. São Paulo: UNESP, 2003. ser necessariamente melhor” (1988:14). O novo, neste caso, significa
CUPPONE, R. CDA. Il mito della commedia dell’arte nell’ottocento francese. a linha de orientação totalmente inédita que fenômenos como o
Roma: Bulzoni, 1999.
happening ou os espetáculos do Living Theatre, nos anos sessenta,
FERRACINI, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do
introduziram no horizonte teatral. São produções que provocaram
ator. Campinas: Ed.UNICAMP, 2001.
modificações profundas em nosso imaginário teatral, o que por si só
SANTOS, L. R. A linguagem das máscaras por Francesco Zigrino. Comu-
nicação Oral no GT – Pedagogia do teatro & Teatro e educação. IV Con- torna incontestável sua importância histórica.
gresso da ABRACE. Rio de Janeiro, 2006. Ver p.130-132 desta publica- Sobre os limites cronológicos do teatro novo apontado por De
ção. Marinis, o ponto de partida se justifica (simbolicamente) em razão da
VINTI, C. Alla foire e dintorni. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, fundação do Living Theatre, em 1947, por Julian Beck e Judith Malina,
1989. “o primeiro e mais glorioso grupo do novo teatro”. Já seu término se
refere diretamente à crise de 68, que provocou em alguns expoentes
* * * do teatro de vanguarda uma tomada de posição extremada em relação
ao teatro. As experiências deste período, apesar de serem muito dis-

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